o riso e o risivel na história do pensamento - verena alberti.rtf

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O Riso e o Risível na história do pensamento Verena Alberti --- Nota: nesta obra, a numeração das páginas enontra-se na parte superior! --- Orelha es"uerda: O riso sempre #oi enigma na história do pensamento oidental$ tentar desobrir sua ess%nia e a "ualidade da"uilo "ue #a& rir #asina os mais variados pensadores! 'urante muito tempo, o riso #oi a mara "ue distinguia o homem tanto dos animais "uanto de 'eus, o "ue teve impliaç(es )tias importantes: ora o ondenavam por nos a#astar da verdade e do s)rio araterístios da superioridade divina, ora o toleravam seguindo ertas regras "ue visavam nos a#astar da in#erioridade animal! A partir do s)ulo *+*, por)m, a verdade e o s)rio não mais bastavam para epliar o mundo, e o riso passou a oupar um lugar de desta"ue na #iloso#ia! ste livro ) uma história das teorias do riso desde a Antig.idade at) os dias atuais, história na "ual se mant)m onstante a tensão entre o riso e o pensamento! /erorrendo suas páginas, veremos de "ue #orma autores omo /latão, Aristóteles, 0íero, 1uintiliano, 2obbes, 3ant, 4hopenhauer, 4pener, 'ar5in, 6ergson, 7reud, Niet&she, 6ataille e muitos outros arateri&aram o riso e o "ue #a& rir! O estudo das teorias do riso desde a Antig.idade nos mostra não só a reorr%nia de um 8ulgamento )tio no tratamento da "uestão, mas tamb)m outras preoupaç(es #re".entes na de#inição do 9próprio homem9! 'urante algum tempo, por eemplo, #oi importante saber o lugar #ísio do riso - onde se instalava, no orpo humano, essa di#erença em relação aos animais! --- Orelha direita: Outro on8unto de teorias revela "ue, em determinado período, o pensamento sobre o riso tinha relação direta om o pensamento sobre a organi&ação polítia e soial do homem! á em outros tetos, tentar de#inir o risível era #orneer um eleno de reursos ;teis para a produção do <mio! m todos os asos, Verena Alberti eaminou os tetos em sua versão integral, o "ue lhe permitiu reuperar "uest(es e tradiç(es teórias ao longo da história do pensamento sobre o riso e desmisti#iar algumas das onepç(es orrentes sobre essa história! Verena Alberti, nasida em =>?@, ) #ormada em história pela niversidade 7ederal 7luminense, mestre em antropologia soial pelo Buseu Naional da niversidade 7ederal do Rio de aneiro e doutora em teoria da literatura pela niversidade de 4iegen, Alemanha! /es"uisadora do 0entro de /es"uisa e 'oumentação de 2istória 0ontemporCnea do 6rasil D0/'O0E da 7undação Fet;lio Vargas, ) autora de 2istória Oral: a eperi%nia do 0/'O0 D=>>@E e de artigos nas áreas de história, história oral, antropologia e teoria da literatura! ---

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  • 5/20/2018 O Riso E O Risivel Na Histria Do Pensamento - Verena Alberti.rtf

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    O Riso e o Risvel na histria do pensamento

    Verena Alberti

    ---

    Nota: nesta obra, a numerao das pginas enontra-se na parte superior!---

    Orelha es"uerda:O riso sempre #oi enigma na histria do pensamento oidental$tentar desobrir sua ess%nia e a "ualidade da"uilo "ue #a& rir #asinaos mais variados pensadores! 'urante muito tempo, o riso #oi a mara "uedistinguia o homem tanto dos animais "uanto de 'eus, o "ue teveimplia(es )tias importantes: ora o ondenavam por nos a#astar daverdade e do s)rio araterstios da superioridade divina, ora otoleravam seguindo ertas regras "ue visavam nos a#astar dain#erioridade animal! A partir do s)ulo *+*, por)m, a verdade e o s)riono mais bastavam para epliar o mundo, e o riso passou a oupar umlugar de desta"ue na #iloso#ia!

    ste livro ) uma histria das teorias do riso desde aAntig.idade at) os dias atuais, histria na "ual se mant)m onstante atenso entre o riso e o pensamento! /erorrendo suas pginas, veremos de"ue #orma autores omo /lato, Aristteles, 0ero, 1uintiliano, 2obbes,3ant, 4hopenhauer, 4pener, 'ar5in, 6ergson, 7reud, Niet&she, 6ataillee muitos outros arateri&aram o riso e o "ue #a& rir!O estudo das teorias do riso desde a Antig.idade nos mostra nos a reorr%nia de um 8ulgamento )tio no tratamento da "uesto, mastamb)m outras preoupa(es #re".entes na de#inio do 9prprio homem9!'urante algum tempo, por eemplo, #oi importante saber o lugar #sio doriso - onde se instalava, no orpo humano, essa di#erena em relao aosanimais!

    ---

    Orelha direita:Outro on8unto de teorias revela "ue, em determinado perodo, opensamento sobre o riso tinha relao direta om o pensamento sobre aorgani&ao poltia e soial do homem! em outros tetos, tentarde#inir o risvel era #orneer um eleno de reursos ;teis para aproduo do ?@, ) #ormada em histria pela

    niversidade 7ederal 7luminense, mestre em antropologia soial peloBuseu Naional da niversidade 7ederal do Rio de aneiro e doutora emteoria da literatura pela niversidade de 4iegen, Alemanha!/es"uisadora do 0entro de /es"uisa e 'oumentao de 2istria0ontemporCnea do 6rasil D0/'O0E da 7undao Fet;lio Vargas, ) autora de2istria Oral: a eperi%nia do 0/'O0 D=>>@E e de artigos nas reas dehistria, histria oral, antropologia e teoria da literatura!

    ---

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    0ontra-apa:

    O riso e o risvel

    ste livro ) uma histria das teorias do riso desde a Antig.idade at) osdias atuais, histria na "ual se mant)m onstante ateno entre o riso eo pensamento! m suas pginas, a historiadora Verena Alberti mostra de"ue #orma pensadores omo /lato, Aristteles, 0ero, 1uintiliano,2obbes, 3ant, 4hopenhauer, 4pener, 'ar5in, 6ergson, 7reud, Niet&she,6ataille e muitos outros arateri&aram o riso e o "ue #a& rir!

    ---

    O Riso e o Risvelna histria do pensamento

    Verena Alberti

    0oleo

    ANGRO/OHOF+A 4O0+AH

    diretor: Filberto Velho

    ! O R+so O R+4IVHVerena Alberti

    - BOV+BNGO /N3 NA 0+'A'

    anie 0aia#a

    - 4/IR+GO B+H+GAR

    - Os B+H+GAR4 A R/J6Hi0A

    0elso 0astro

    - VH2O4 B+H+GANG4Kngela 0astro Fomes,'ora 7laLsman,duardo 4tot&

    - 'A V+'A NRVO4A

    Hui& 7ernando 'uarte

    - FAROGA4 ' /ROFRABA

    Baria 'ule Faspar

    - NOVA Hu& 4O6RA ANGRO/OHOF+A

    0li##ord Feert&

    - 0OG+'+ANO 'A /OHIG+0A

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    3arina 3ushnir

    - 0HGRA: B 0ON0+GOANGRO/OHMF+0O

    Ro"ue de 6arros Haraia

    -AGOR+'A' A7GO

    Briam Hins de 6arros

    -FRRA ' OR+P

    Qvonni Baggie

    - +H2A4 ' 2+4GMR+A

    Barshall 4ahlins

    - Os BAN'AR+N4 B+HAFRO4O4

    li&abeth Gravassos

    - ANGRO/OHOF+A R6ANA

    - '4V+O '+VRFN0+A

    - +N'+V+'AH+4BO 0HGRA

    - /ROGO BGABOR7O4

    - 46G+V+'A' 4O0+'A'

    -A GO/+A R6ANA

    Filberto Velho

    - O BN'O 7N3 0AR+O0A- O B+4GSR+O 'O 4AB6A

    2ermano Vianna

    - 6TRRA 'A 4+HVA:

    /RO'GO 'O BORRO

    Hetia Vianna

    - O BN'O 'A A4GROHOF+A

    Hus Rodol#o Vilhena

    - 0AR+4BA - ARA5GS: O4 '44 0AN+6A+4

    0harles Hindholm duardo Viveiros de 0astro

    O Riso e o Risvel

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    na histria do pensamento

    Verena Alberti

    O Riso e o Risvelna histria do pensamento

    U edio

    orge Tahar ditorRio de aneiro

    /ara /aulo, 6reno e Alie,todos os risos!

    0opright W =>>>! Verena Alberti

    Godos os direitos reservados!A reproduo no-autori&ada desta publiao, no todoou em parte, onstitui violao de direitos autorais! DHei >! ?=@X>YE

    0opright W U@@U desta edio:orge Tahar ditor Htda!rua B)io Z= sobrelo8aU@@Z=-=[[ Rio de aneiro, Rtel! : DU=E UU[@-@UU? X #a: DU=E UU?U-\=UZe-mail: 8&e]&ahar! om! brsite: 555! &ahar! om! br

    A primeira edio D=>>>E desta obra#oi #eita em regime de o-edio oma ditora 7undao Fetulio Vargas!

    0apa: /edro Faia+lustrao de apa: No Boulin Rouge DdetalheE,de Goulouse Hautre, = Y>U

    0+/-6rasil! 0atalogao-na-#onte4indiato Naional dos ditores de Hivros, Ri!

    Alberti, VerenaAUY>r O riso e o risvel: na histria do pensamento^ VerenaAlberti! - Rio de aneiro: orge Tahar d! , U@@U!D0oleo antropologia soialE+nlui bibliogra#ia+46N: Y\-_==@-[>@-\

    =! Riso! - 2istria! =! Gtulo! ==! 4)rie0'' =U=@U-@>@Z 0'+?\! =>

    4umrio

    +ntroduo _= - O riso no pensamento do s)ulo ==Ob8eto da #iloso#ia ==Riso

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    O riso nas i%nias humanas U[A orientao deste estudo Z[Notas Z_

    U - As 9origens9 do pensamento sobre o riso Z>No 7ilebo de /lato [@Na obra de Aristteles [\A abordagem po)tia: o A abordagem retria: o agradvel e o ;til \UNota sobre o Gratatus 0oislinianus \[O ensinamento da retria \?A teoria de 0ero \?P teoria de 1uintiliano ?UO riso na teologia medieval ?YRiso e melanolia na histria de 'emrito _[Notas _Y

    Z - O Gratado do riso de Haurent oubert Y=A obra e seu autor YZ

    A 8usti#iativa do Gratado Y\O iruito do riso Y?

    A mat)ria risvel Y_0omo a alma ) movida pelo risvel >=O movimento do orao >\O dia#ragma e os aidentes do riso >YA de#inio do riso =@@Riso e 9ra&o9 =@ZO 9pensamento 9 ou 9ogitao9 =@ZA 9vontade9 =@\O elogio ao riso =@YNotas ==?

    [ - Riso e 9nature&a9 nos s)ulos *V++ e *V+++ ==>A paio do riso em 2obbes =U\0ritia a 2obbes: 4ha#tesbur =ZZ0ritia a 2obbes: 2utheson =Z>m ol"uio sobre o riso =[[Notas =\\

    \ - Riso e 9entendimento9 nos s)ulos viii e *+* =\>O limite do entendimento e o advento do riso em 3ant =?UA preemin%nia do su8eito: o

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    ste livro disute as rela(es entre o riso e o pensamento ao longo dahistria oidental, tomando por base tetos "ue, de alguma #orma, versamsobre o riso e o "ue #a& rir! /or "ue o desta"ue para riso e pensamento`/rimeiro, por"ue este ) um estudo das di#erentes #ormas pelas "uais oriso#oi tomado omo ob8eto do pensamento desde a Antig.idade! 4egundo,por"ue os prprios tetos "ue tratam do riso e do risvel estabeleemde maneiras di#ereniadas, ) laro rela(es entre o riso e o pensamento"ue umpre investigar, prinipalmente se levarmos em onta uma ertatend%nia atual para se on#erir "uesto do riso um lugar privilegiadonaompreenso do mundo e mais espei#iamente na #iloso#ia!/or seu ob8eto e pelo modo de abord-lo, este estudo situa-se numaregio interdisiplinar! 'a literatura, ele se aproima no s nosmomentosem "ue as #ormas de epliar o riso e o risvel toam "uest(esespe#ias disiplina D po)tia, retria e est)tia, por eemploE, mastamb)m

    "uando a re#leo sobre o riso torna-se uma re#leo sobre a linguagem!Neste ;ltimo aso, as #ormas de pensar o riso aabam di&endo respeitotamb)m #iloso#ia, na medida em "ue artiulam linguagem e pensamento!A #iloso#ia se #a& ainda representar pelos autores "ue, ao longo dahistriado pensamento oidental, dediaram parte de suas re#le(es ao enigma doriso! 7inalmente, a histria e a antropologia maram a perspetiva dainvestigao! Grata-se a"ui, em ;ltima instCnia, de uma histria dopensamento sobre o riso "ue proura relativi&ar ertas reorr%nias nomodo de se pensar a "uesto na atualidade!/ara tanto, este livro omea pelo 9#im9 da"uela histria, ou se8 a, porertas #ormas de pensar o riso "ue se #irmaram prinipalmente no s)ulo**, em tetos #ilos#ios "ue #alam do riso e em tetos terios sobre oriso "ue #alam tamb)m do pensamento!O segundo aptulo volta ao 9omeo9 da histria do pensamentosobre o riso e retraa as #ormas de pensar o riso e o risvel "ueressaltamde ertos tetos antigos, prinipalmente de /lato, Aristteles, 0ero e1uintiliano!

    Y

    O tereiro analisa uma obra interessantssima, talve& a mais ompleta8 esrita sobre a mat)ria: um tratado sobre o riso de autoria de umm)dio#ran%s de Bontpellier publiado em =\_>!O aptulo seguinte tem por ob8eto alguns tetos dos s)ulos *V++ e

    *V+++ "ue revelam erta unidade ao ondiionarem a de#inio do riso premissa da nature&a humana! 2obbes, 4ha#tesbur e 2uthesonpredomimam omo autores, mas h tamb)m um tratado an

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    pensamento onstitui sem d;vida uma das prinipais di#iuldades desteestudo! Bas o reuo at) a Antig.idade se #a& tanto mais neessrio "uantomais se onhee uma erta peuliaridade das produ(es terias sobre onso: ada autor paree reomear sua investigao do &ero, ignorando emgrande parte as tentativas de de#inio anteriores! No so pouos os "uedelaram "ue suas teorias t%m a #auldade de revelar, de uma ve& portodas,a ess%nia do riso, "uando, na verdade, boa parte de suas de#ini(es 8#igura em outros tetos!O reuo at) as teorias do riso da Antig.idade tem ainda a vantagemde evitar alguns e"uvoos na leitura ontemporCnea dos tetos terios!4e no se onheem as reorr%nias na histria do pensamento sobre oriso,orre-se o riso de salientar, em muitos autores, teses "ue no lhes soelusivas, ou, ao ontrrio, de no identi#iar "uest(es u8aimportCniaest ligada a tradi(es terias ho8e 9es"ueidas9! /or isso, prourareitamb)m 9desmisti#iar9 alguns pressupostos, omuns na literaturaontemporCnea sobre o riso, em relao s teorias do passado!7inalmente, a "uem interessaria este estudo` /rimeiro, "ueles "ue

    pretendem onheer um pouo mais sobre a "uesto do riso propriamentedita! 4egundo, aos "ue se interessam por omo o homem andou pensandoa"uilo "ue o tornava espe#io em relao aos animais e a 'eus! D/ensaro riso sempre signi#iou posiionar-se, ou posiionar o ob8eto dasprpriasre#le(es, em um terreno intermedirio entre a ra&o, por"ue o riso )9prprio do homem9 e no dos animais, e a no-ra&o a 9paio9, a9louura9, a 9distrao9, o 9peado9 et! -, por"ue o riso no ) prpriode 'eus! E /or #im, aos "ue on#erem ao riso, ao humor, ironia umpotenial de redeno para o pensamento, omo se #ossem ho8e as ;niasvias ainda apa&es de nos levar 9verdade9, este estudo talve& sirva de

    >

    alerta: se o ob8etivo #or onstatar a 9outra #ae9 revelada pelo humor, oriso et! , ) bom saber "ue autores de outrora 8 o #i&eram, e ombastantee#iia!ste livro ) uma verso revista de minha tese de doutorado,apresentada ao 'epartamento de Hetras e Hiteratura da niversidade de4iegen,Alemanha, em =>>Z, e revalidada pela niversidade 7ederal do Rio deaneiro em =>>[! /ara a reali&ao do doutorado, ontei om bolsa do0onselho Naional de 'esenvolvimento 0ient#io e Genolgio D0N/"Ee apoio do 0entro de /es"uisa e 'oumentao de 2istria0ontemporCnea do 6rasil D0pdoE da 7undao Fetulio Vargas!Buitas pessoas olaboraram em sua produo! Na #ase de elaborao

    da tese, espeialmente os amigos Barie-/asale 2uglo e ri B)houlan,ugen 6ub e Ros5itha Gheis, e os pro#essores 3arl Hud5ig /#ei##er, meuorientador, e emer 'euse! 'urante a trans#ormao da tese em livro,ontei om o apoio dos pro#essores do /rograma de /s-Fraduao emAntropologia 4oial da niversidade 7ederal do Rio de aneiro Hui&7ernando 'uarte, "ue me sugeriu novas leituras, e Filberto Velho, "ueinentivou e tornou possvel esta publiao! Baria Huia Heo Vellosode Bagalhes, da ditora da 7undao Fetulio Vargas, sugeriu diversasaltera(es de estilo, "ue deram maior leve&a ao teto! /aulo, 6reno eAlie,

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    marido e #ilhos, estiveram sempre a meu lado nessa aventura! A todos,meus mais sineros agradeimentos!

    ==

    0aptulo =

    O riso no pensamentodo s)ulo **

    Ob8eto da #iloso#ia

    studar o riso no pensamento do s)ulo ** leva onstatao de algumasreorr%nia4 interessantes! A prinipal delas ) uma esp)ie de leitmotivpresente em tetos de proveni%nias e ob8etivos bastante diversos e "uepode ser assim resumido: o riso partilha, om entidades omo o 8ogo, aarte, o inonsiente et! , o espao do indi&vel, do impensado,neessriopara "ue o pensamento s)rio se desprenda de seus limites! m algunsasos,

    mais do "ue partilhar desse espao, o riso torna-se o arro-he#e de ummovimento de redeno do pensamento, omo se a #iloso#ia no pudessemais se estabeleer #ora dele!m dos autores mais epressivos desse modo de pensar o riso ) o#ilso#o alemo oahim Ritter D=>@Z-_[E, pro#essor das universidades de3iel e B.nster e editor, a partir de =>_=, do importante 'iionriohistrio da #iloso#ia D2istorishes irterhuh der /hilosophieE! 4uainurso no terreno do riso pode ser reuperada lendo-se um pe"uenoartigo - 94obre o riso9 -, publiado pela primeira ve& em =>[@! O pontode partida de Ritter ) a relao estreita entre o riso e seu ob8eto: sse podede#inir o riso, di& ele, en"uanto ligado ao

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    "ue ompreende tanto a ordem "uanto o eludo! O riso revelaria assim"ue o no-normativo, o desvio e o indi&vel #a&em parte da eist%nia!'esse ponto de vista, a teoria de Ritter no est de modo algum so&inhano on8unto de re#le(es ontemporCneas sobre o riso! 4o in;meros ostetos "ue tratam do riso no onteto de uma oposio entre a ordem e odesvio, om a onse".ente valori&ao do no-o#iial e do no-s)rio, "ueabarariam uma realidade mais essenial do "ue a limitada pelo serio!+mporta ressaltar a"ui a relao #undamental entre riso e pensamento"ue deorre desse 9pertenimento9! /ara Ritter, o riso ) o movimentopositivo e in#inito "ue p(e em e"ue as elus(es e#etuadas pela ra&o e"ue mant)m o nada na eist%nia! Assim, segundo ele, o riso estdiretamente ligado aos aminhos seguidos pelo homem para enontrar eepliaro mundo: ele tem a #auldade de nos #a&er reonheer, ver e apreender arealidade "ue a ra&o s)ria no atinge! Al)m disso - o "ue ) #undamental-, o riso e o U@! Neste ano, o riso se revelou para 6ataille 9a "uesto-have9, 9oenigma D!!! E "ue, resolvido, de si mesmo resolveria tudo9! O riso eraento9revelao9 e 9abria o #undo das oisas9! Z 9u no imaginava "ue rir medispensasse de pensar, mas "ue rir D!!! E me levaria mais longe do "ue opensamento! 9[ Rir e pensar se ompletavam e, desde ento, rire"uivaleria,em seu esprito, a 'eus no plano da eperi%nia vivida!m uma on#er%nia de =>\Z - 9No-saber, riso e lgrimas9 -,6ataille ep(e mais laramente o urso de seu pensamento em relao ao

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    riso! m um primeiro momento - 8ustamente a"uele de =>U@-, saber o"ue era o riso resolveria, para ele, 9o problema das #iloso#ias9, uma ve&"ue 9resolver o problema do riso e resolver o problema #ilos#io eraevidentemente a mesma oisa9! Bais tarde, ontudo, pareeu-lheimpossvel #alar do riso #ora do onteto de uma #iloso#ia "ueultrapassasse oriso, tal "ual a #iloso#ia do no-saber Dnon-savo irE! No era maisneessrioisolar o problema do riso, mas sim 8unt-lo a outras eperi%nias dono-saber, omo as do sari#io, do po)tio, do sagrado, do erotismo, daang;stia, do %tase et! - eperi%nias "ue oupam posio entral emsua obra! Besmo depois dessa mudana, o riso ontinuou preeminente na#iloso#ia de 6ataille, omo eplia na on#er%nia de =>\Z:

    0reio na possibilidade de partir, em primeiro lugar, da eperi%nia doriso, ede no mais larg-la "uando se passa dessa eperi%nia partiular eperi%nia vi&inha do sagrado ou do po)tio! 4e vo%s "uiserem, isso ) omesmo "ueahar, no dado "ue ) o riso, o dado entral, o dado primeiro, e talve& o

    dado;ltimo da #iloso#ia!

    em seguida:

    /osso di&er "ue, na medida em "ue #ao obra #ilos#ia, minha #iloso#ia )uma #iloso#ia do riso! \

    A tra8etria #ilos#ia de 6ataille tem, portanto, omo ponto departida, omo ponto entral e omo resultado a eperi%nia do riso! Apalavra 9eperi%nia9 ), para ele, essenial, por"ue #a& valer o e#eitopreiso do riso, do %tase, da ang;stia et! , indispensveis para "ue se#aleseriamente do no-saber! 4ua #iloso#ia do no-saber passa a ser umaeperi%nia re#letida, 8 "ue torna esses e#eitos onsientes!S impossvel abarar a"ui todas as nuanas dessa eperi%nia do riso,mas um relato ontido em A eperi%nia interior nos d alguns indiossobre "ue tipo de riso ) este e em "ue medida ele partiipa da atividade#ilos#ia!

    =[

    2 =\ anos Dtalve& um pouo maisE, eu vinha no sei de onde, tarde danoite! D!!! E Vindo de 4aint-Fermain, eu atrave44aVa a rue du 7our Dladodo orreioE! Ginha na mo um guarda-huva aberto e reio "ue no hovia!DBas eu no tinha bebido: tenho erte&a! E stava om a"uele guarda-huvaaberto sem neessidade! D!!! E u era bastante 8ovem ento, atio,

    heio de entusia4mo4 va&io4! D!!! E O erto ) "ue a"uele bem-estar e aomesmo tempo o 9impossvel9 ontrariado estouraram em minha abea! mespao onstelado de risos abriu seu abismo obsuro na minha #rente! Natravessia da rue du 7our, eu me tornei esse 9nada9 desonheido, derepente!!! eu negava a"uelas paredes in&a "ue me prendiam, me lanava auma esp)ie de %tase! u ria divinamente: o guarda-huva sobre minhaabea me obria Deu me obri propo4itadamente om esse sudrio negroE!u ria omo 8amais talve& se tenha rido, os on#ins de ada oisa seabriam, oloados a nu, omo se eu estivesse morto! No sei se parei nomeio da rua, masarando meu delrio sob um guarda-huva! /ode ser "ue eu

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    tenha saltado D) sem d;vida ilusrioE: eu estava onvulsiVamenteiluminado, eu ria, imagino, orrendo! ?m O limite do ;til 6ataille volta a esse episdio om uma breveobservao: 9tornar-se deus -meu riso sob um guarda-huva9! _ Ou se8a: oimpossvel, o nada, o riso divino, a morte, o %tase - eis os temas "ueretomam toda ve& "ue 6ataille trata de sua eperi%nia do riso! m Oulpado ele responde "uesto 9"uem sou` 1ue sou`9 om a elamao: 9Oprprio riso^ D!!! E u no sou, na verdade, seno o riso "ue me toma! Oimpasse onde a#undo e no "ual desapareo no ) seno a imensido doriso! O riso9, esreve ainda, 9) o salto do possvel no impossvel - edo impossvel no possvel! 9Y Grata-se, portanto, da possibilidade deultrapassar o mundo e 9o ser "ue somos 2, em ns e no mundo, algo "uese revela e "ue o onheimento no nos havia dado, e "ue se situauniamente omo no podendo ser atingido pelo onheimento! S, meparee, disso "ue rimos! >

    O riso situa-se para al)m do onheimento, para al)m do saber,e, por isso mesmo, oinide om a #iloso#ia do no-saber! A eperi%niado riso, di& ainda 6ataille na on#er%nia de =>\Z, ) uma eperi%niareligiosa totalmente negativa, ou ateo lgia, por"ue desvinulada de

    toda rena e de toda pressuposio! sse ), a#inal, o #undamento do nosaber:

    1uando #alo agora de no-saber, "uero di&er essenialmente isto: "ue nosei nada e "ue, se ainda #alo, ) apenas na medida em "ue tenhoonheimentos "ue no me levam a nada! =@

    O riso ), portanto, a eperi%nia do nada, do impossvel, damorte - eperi%nia indispensvel para "ue o pensamento ultrapasse a simesmo,

    =\

    para "ue nos lan0emos no 9no-onheimento9! le enerra uma situaoetrema da atividade #ilos#ia: permite pensar Deperi%nia re#letidaE o"ue no pode ser pensado!No seria 8usto omitir da disusso sobre a #iloso#ia do riso de 6atailleo tributo "ue ele mesmo presta a NietTs0he e, onse".entemente, aimportCnia de Niet&s0he na onsolidao dessa relao imperativa entreo riso e o pensamento na #iloso#ia moderna!Na on#er%nia de =>\Z, 6ataille destaa o lao #undamental "ue oune ao pensamento de NietTshe! 'i& "ue sua eperi%nia do riso )9pro#undamente omum de Niet&s0he9 e "ue a relao entre os doispensamentos pode ser ompreendida pela 9importCnia "ue Niet&sheatribua ao riso9! Apesar de Niet&s0he no ter sido muito eplito sobresua eperi%nia do riso, 6ataille observa "ue ele #oi o primeiro asitu-la! ==

    ma #rase de Niet&40he agrada partiularmente a 6ataille Dh tamb)muma segunda, da "ual #alarei mais adianteE! 6ataille re#ere-se a ela numartigo publiado em =>?Y, mas 8 em =>[_ di&ia: 9/ouas proposi(es meagradam mais do "ue esta, de Taratustra 9 "ue se8a tida por ns omo#alsa toda verdade "ue no aolheu nenhuma gargalhada9=U No artigo de=>?Y, a#irma a respeito da mesma proposio "ue Niet&she 9hegavaa on#erir gargalhada o valor maior do ponto de vista da verdade#ilos#ia9! =ZBesmo "ue Niet&she tenha sido menos laro sobre sua 9eperi%niado riso9 do "ue 6ataille, no h d;vida de "ue, para ele, o riso era uma

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    atitude #ilos#ia! m Al)m do bem e do mal D=YY?E, prop(e ordenar os#ilso#os de aordo om seus risos, at) a"ueles "ue seriam apa&es da9gargalhada de ouro9, omo a dos deuses! 1uanto mais o esprito estseguro, di& Niet&s0he em 2umano, por demais humanO, mais o homemdesaprende a gargalhada - "ue ) neessria para sair da verdade s)ria,da rena na ra&o e da positividade da eist%nia!As primeiras pginas do livro = de A gaia i%nia D=YYUE so talve& asmais pungentes nesse sentido:

    Rir sobre si mesmo, omo se deveria rir para sair de toda a verdade, paraisso os melhores no tiveram at) agora su#iiente sentido de verdade e osmais apa&es, muito pouo g%nio^ =[

    O homem no onsegue viver sem a #inalidade do 'asein, di& Niet&s0he,sem a rena na ra&o da vida, e ontudo - eis o "ue ele tenta #a&erentender: o riso, a gaia i%nia, o trgio om toda sua desra&o sOneessrios manuteno da esp)ie! 9Oh, vo%s me entendem, mes+rmos`9, esreve na ang;stia de #a&er ompreender a neessidadeimperativa de sair da verdade e do 'asein - seu pro8eto da 9gaiai%nia9=\

    =?

    As #ormas em "ue o riso aparee na obra de Niet&s0he permitem de#ato ompreender sua 9eperi%nia do riso9 omo 6ataille a ompreendeomo uma eperi%nia do no-saber! peri%nia nee44ria, imperativa,"ue onstitui talve&, segundo o prprio Niet&4he, a salvao para opensamento aprisionado dentro dos limites do s)rio! 9Galve& ainda ha8aum #uturo para o riso^ 9, di& no omeo de A gaia i%n0ia! =? Nesse#uturo, o homem estaria disposto a se libertar da #inalidade do 'asein,do um "ue ) sempre um, sempre algo serto, #inal e monstrO4O! Nesse#uturo, di& Niet&she, 9talve& o riso se tenha ligado a sabedoria,talve& eista ento apenas a 9gaia i%nia9=_Os eemplos de NietT40he, Ritter e 6ataille, ainda "ue nodisutidos em todas as suas nuana4, 8 permitem sustentar a id)ia deuma erta tend%nia, no pensamento moderno, para on#erir ao riso umlugar-0have no es#oro #ilos#io de alanar o 9impensvel9 Bas outrO4autores, por sua importCnia no pensamento do s)ulO **, no podem #iar parte desse on8unto!7ouCult, por eemplo, no pre#io deA4 palaVras e as oisasD=>??E, eplia:

    ste livro tem omo lugar de nasimento um teto de 6orges! No riso "uesaode, em sua leitura, todas as #amiliaridades do pensamento - donosso$ da"uele "ue tem nossa idade e nossa geogra#ia-, abalando todas assuper#ies ordenadas e todos os planos "ue tornam sensata, para ns, asuperabundCnia dos seres, #a&endo vailar e in"uietando por muito tempo

    nossa prtia milenar do Besmo e do Outro! =Y

    O teto de 6orges ita uma lassi#iao dos animais de uma enilop)diahinesa "ue, segundo 7oualt, proVO0O nele um riso prolongado, dianteda 9impos4ibilidade lara de pensar a"uilO9! => A taionomia inusitada,9harme etio de um outro pensamento9 e 9limite do nosso9, di&7ouault, impedia "ual"uer tipo de apreenso$ as enumera(es dalassi#iao hinesa s eram passveis de 8ustapO4io em um espaoimpen4vel, "ue 7ou0alt hama de no-lugar da linguagem 9A"uilo9 -a"uele algo impensvel, indi&vel, no-nOmevel - o #e& rir longamente e

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    lhe ausou mal-estar pela impossibilidade de enontrar um lugar-0omm epela aus%nia da sintae "ue mant)m 8untas as palavra4 e as oisas! 0omonos a#sios, di& 7ouault, o teto de 6orges #e& om "ue sentisse oin

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    eerio da atividade inteletual aparee mais tarde em outros autores,omo H)vi-4trauss, "ue, sem se re#erir a 7reud, tamb)m meniona aenergia eonomi&ada no riso!/ara H)vi-4trauss, o riso resulta de uma oneo rpida einesperada de dois ampos semCntios distaniados - oneo, alis, "uetamb)m reebe o nome de 9urto-iruito9! m nossa apreenso do mundo,teriamos sempre uma 9reserva de atividade simblia para responder atodo tipo de soliitao de ordem espeulativa ou prtia9! No aso do

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    arateri&a-se pelo estabeleimento de rela(es de sentido entre aspalavras e as oisas! Os 8ogos de palavras, assim omo os histes dere#leo, so #ontes de pra&er por"ue nos permitem dispensar a relaode sentido entre as palavras e as oisas, relao "ue no respeitamosdurante os 8ogos de in7ania!Vale lembrar "ue, para 7ouault, a lassi#iao de 6orges era9impensvel9 e #onte de riso por"ue arruinava de antemo a sintae "uemantinha 8untas as palavras e as oisas! /odemos agora aresentar:por"ue as id)ias das palavras estavam isoladas das id)ias das oisas! Ono-s)rio, ou o no-lugar da linguagem, seria ento o lugar onde aspalavras no signi#iam as oisas e 98ogam9 entre si omo nos 8ogos dein#ania uma aus%nia de sentido "ue torna esse lugar inaessvel aopensamento! /ara 7ouault, o riso da resultante prov)m da9impossibilidade lara de pensar a"uilo9! /ara 7reud, ontudo, esse risotem ra&(es ps"uias: ) a epresso de um pra&er original reenontrado,ao "ual tivemos de renuniar "uando a ra&o nos imp

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    do mundo, relao lgia entre as palavras e as 0oisas$ o lugar mesmoem "ue se situam ) 9di&vel9 pelO pensamento raiOnal, uma ve& "ue oimpensado passa a ser aessvel pelo vi)s da psianlise!2, assim, di#erenas signi#iativas entre os tratamentos da"uesto do riso omo sinali&adora de algo "ue se situa para al)m dopensamento! /ara ompletar a disusso, ) neessrio introdu&ir a noodo riso trgio, "ue aparee em autores omo 0l)ment Rosset e nosprprios Niet&she e 6ataille!

    Riso _=E, arateri&a o "ue seria o9riso eterminador9 ou 9riso trgio9 partindo de um aso onreto, onau#rgio do Gitani! o nau#rgio, para ele, al)m de ser um in#ort;niolamentvel, omovente e trgiO, #oi tamb)m uma histria de violenta#ora

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    Ao tornar positivos o aos, o aaso, o nada, Rosset nos ondu&novamente ao mesmo es"uema: situa o riso em um espao para al)m dopensamento e da ordem - espao "ue nosso pensamento e nossa linguagemno podem atingir, no obstante o es#oro de os oloar entre aspas!0omo nos asos anteriores, o riso ) arregado de uma esp)ie de verdade

    UU

    9mais verdadeira9 e de realidade 9mais real9 do "ue a"uelas "ue nossopensamento pode apreender!'ois registros mereem desta"ue nessa disusso! m primeirolugar, a prpria noo de riso trgio omo a#irmao do nada, dodesapareimento, do aaso, en#im, da destruio do sentido sem "ue nadase8a dado em troa! m segundo lugar, o #ato de a oposio entre risotrgio e riso

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    No "ue di& respeito ao estatuto desse 9no-lugar9, desse 9nada9"ue enerra a ess%nia do riso, pode-se distinguir dois movimentos! oprimeiro o de#ine em ontraposio ordem do s)rio! O riso e o risvelremetem ento ao no-sentido DnonsenseE, ao inonsiente, ao no-s)rio,"ue eistem apesar do sentido, do onsiente e do s)rio! 4aber rir,saber oloar o bon) do bu#o, omo di& Ritter, passa a ser situar-se noespao do impensado, indispensvel para apreender a totalidade daeist%nia!sse primeiro movimento ) tamb)m o de 7reud, "ue aproima orisvel do inonsiente ou do pr)-onsiente! indispensveis para seapreender a totalidade da vida ps"uia! /ode-se reonhe%-lo tamb)m emalgumas pes"uisas no ampo das i%nias humanas, "ue de#inem o espao doriso e do risvel omo a"uele em "ue se eperimenta uma transgresso daordem soial ou da linguagem normativa! O espao do riso ) ento a outra9metade9 da soiedade ou da linguagem, indispensvel para dar onta desuas totalidades!O segundo movimento onsiste em relaionar o 9nada9 essaode ser: o 9nada9 no ) mais a 9metade9 no-s)ria ou inonsiente do ser,e sim a morte! 4aber rir, nesse aso, ) tornar-se 'eus, eperimentar oimpensvel, ou ainda sair da #initude da eist%nia!

    Os dois movimentos no so eludentes entre si! 1uandoNiet&she assinala a neessidade imperativa de sair dos limites do serpara tornar possvel a 9gaia i%nia9, ) tamb)m da oposio ao primadodo sentido e da positivao do no-sentido "ue est #alando! /ara6ataille, no s a morte, mas tamb)m o desonheido #a&em rir! Ou se8a:no ) por um autor se re#erir ao riso da morte "ue elui de suasre#le(es o riso do no-s)rio, do impensado, en#im, o riso "ue remete neessidade Dou impossibilidadeE de se ultrapassar os limites dopensamento!/or isso, a distino #eita por Rosset entre o riso lssio e oriso trgio paree-me um tanto rgida demais! O riso lssio, di&Rosset, rea#irma o sentido, na medida em "ue torna o no-sentido omohilariante e impensvel! Bas ele es"uee "ue esse mesmo riso onsistetamb)m na a#irmao do no-sentido en"uanto hilariante e impensvel!A relao entre o riso e o prprio ato de pensar o 9nada9 tamb)mressalta do on8unto de re#le(es de "ue tratamos at) agora! O risotorna-se neessrio se8a para ultrapassar os limites do pensamento s)rioe tornar

    U[

    positivo o no-s)rio banido omo 9nada9, se8a para ultrapassar oslimites do ser e #a&er a eperi%nia re#letida do no-saber, ou, omo"uer Niet&she, tornar possvel a 9gaia i%nia9! le passa a ser umasoluo tanto para o pensamento aprisionado nos limites da ra&o "uantopara o ser aprisionado na #initude da eist%nia! /elo riso atingimos ano-ra&o e a morte dois ob8etivos u8a atualidade histria est

    atrelada s eig%nias do pensamento moderno! Z@+nteressa-nos eaminar omo o riso #oi pensado #ora dessamodernidade, e se e omo - #oi vinulado tamb)m a um pensamento sobre opensamento! 4e ho8e o riso paree ter asendido a um estatuto#ilos#io, importa ompreender "ue rela(es se estabeleiam entre oriso e o pensamento em outras )poas!/ode-se di&er "ue o ato de pensar o riso sempre #oi de#inidopelo s)rio, "ue eluia o riso, onsiderando-o inapa& de di&er algosobre o prprio pensamento! Agora, ontudo, omo mostram os tetos at)a"ui abordados, o pensamento paree busar sua de#inio Dsuplantando

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    seus limites e sua seriedadeE no prprio riso, "ue se onverteu assim nasalvao da #iloso#ia!/ara abarar esse duplo movimento, podemos hamar o riso deoneito ao mesmo tempo #ilos#io e histrio! 7ilos#io por ter-setornado um oneito em relao ao "ual ertos pensamentos modernospassaram a se de#inir, e histrio por"ue, omo ob8eto do pensamento,reebeu uma s)rie de de#ini(es historiamente determinadas! Z=4e ho8e situa-se o riso ao lado do impensvel, da"uilo "uerevela ao pensamento a neessidade e a impossibilidade de ultrapassarseus limites, paree-me "ue o prprio pensamento no pode mais de#ini-loe "ue no ) mais possvel uma teoria do riso! Ou melhor: s serpossvel uma teoria do riso "ue tiver por ob8etivo de#inir o riso apartir das positividades #initas do pensamento, prourando sua9ess%nia9, seu 9#undamento9, seu 9meanismo9 et!+sso ainda ) #atvel, mas no estou erta de sua utilidadeontemporCnea! A "uesto 9o "ue ) o riso`9 paree ter perdido aurg%nia! 1uando a enontramos ho8e, temos a impresso de estar diantede uma repetio est)ril da"uilo "ue os pensamentos de outrora disseramom muito mais vigor e atualidade!

    O riso nas i%nias humanas

    m dia em "ue pus as mos em ertas obras gregas "ue tinham por ttulo O"ue 8u& rir, tive a esperana de "ue me ensinassem algo! Nelas ahei umbom n;mero da"uelas piadas piantes to omuns entre os gregosU[$

    U\

    mas "uando elas "uiseram #ormular a teoria do risvel e redu&i-lo apreeitos, mostraram-se singularmente insipidas, a tal ponto "ue, se#a&em rir, ) por ausa de sua insipide&0ero, 'e oratore, ==:U=_

    7oi dito "ue re#letir sobre o riso #a& #iar melanlio!Ritter, =>[@

    stamos ainda no ponto de partida deste livro! /arodiando 0ero: um diaem "ue me pus a pensar pela primeira ve& no problema do riso, tinha aesperana de aprender alguma oisa! ntre minhas motiva(es, estava oarter, em prinpio ontraditrio, de uma abordagem ient#ia 9s)ria9- de um tema "ue, primeira vista, nada tinha a ver om seriedade!ngano meu: medida "ue mergulhava na pes"uisa, perebia "ue eu noera, de #orma alguma, a primeira pessoa a eleger o riso omo ob8eto deestudo! mais: a esperana iniial de apreender a ess%nia do riso e dorisvel revelava-se um lugar omum melanlio, presente em "uase todosos trabalhos "ue pude onsultar -, estudos ontemporCneos desenvolvidos

    na rea das i%nias humanas! de seu onte;do "ue #alarei agora!onstruindo um esboo do estado atual da "uesto do riso na pes"uisaaad%mia "ue permitir situar melhor este estudo no debateontemporCneo! ZUA brevidade desse esboo obriga-me a ontornar o obstuloterminolgio "ue permeia a disusso teria do problema! 4o muitas asategorias ligadas ao nosso ob8eto de estudo: humor, ironia, om)dia,piada, dito espirituoso, brinadeira, stira, groteso, go&ao,ridulo, nonsense, #arsa, humor negro, palhaada, 8ogo de palavras ousimplesmente 8ogo! amino, por)m, os trabalhos omo se dissessem

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    respeito indistintamente ao universo do riso e do risvel, sem me deternas di#erenas terminolgias, mesmo por"ue, na maioria dos asos, elasno so epressamente destaadas pelos autores!0hamo de risvel o ob8eto do riso em geral, a"uilo de "ue se rise8a a brinadeira, a piada, o 8ogo, a stira et! Assim, risvel a"ui,na maioria dos asos, orresponde ao "ue tamb)m reebe o nome de ZY, ohan 2ui&inga, em 2omoludens, 8 observava a importCnia do estudo de atividades no-s)riasno ampo das i%nias humanas! Besmo antes, em =>@[, 7ran& ahn8usti#iava seu trabalho O problema do YZ, o "ue motivasse a estudar o riso#osse a id)ia de "ue, atrav)s dele, pud)ssemos apreender algo deessenial nature&a humana! Veremos nos primos aptulos "ue essarelao ) tema dos mais reorrentes na histria do pensamento sobre oriso! No aso de Borreall, a desoberta da ess%nia do riso torna-seondio para o onheimento de nossa nature&a! O neessrio, di& ele, )uma 9teoria ompleta do riso e do humor9! Z[

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    0om esse ob8etivo, o autor investe em duas #rentes, umprindo umperurso no muito original se omparado ao de outras teorias! Aprimeira #rente onsiste em lassi#iar o ob8eto do riso! 4egundoBorreall, h dois

    U_

    tipos de riso: o "ue resulta e o "ue no resulta de situa(es

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    tem algum signi#iado na histria do pensamento sobre o riso a partir dos)ulo *V+++!

    A sntese proposta por 0ohen ) dada pela de#inio do Y_! A tentativa a"ui ) de apreender a espei#iidade dainongru%nia "ue susitaria o riso! /ara tanto, os autores se oupam de"uest(es omo a neessidade de distinguir di#erentes tipos deinongru%nia, o #ato de nem toda inongru%nia resultar em riso, ouainda de nem todo riso resultar de uma inongru%nia, e assim pordiante!Reuando primeira metade do s)ulo **, mais preisamente a=>[>, temos ug%ne 'upr)el, "ue desenvolve os oneitos de 9riso deaolhimento9 e 9riso de eluso9 para epliar o "ue hama de 9#en

    A interpretao do riso omo sntese de pra&er e despra&er )reorrente nas teorias sobre o assunto! O #ato de o riso nem sempre serepresso de alegria, mas tamb)m de malia em relao "uele de "uem seri impede "ue se lhe on#ira sempre um valor positivo! O estudioso do

    riso pode embaraar-se diante da vontade de situ-lo entre asmani#esta(es de libertao da ordem estabeleida - rimos todos untosda norma - e a onstatao de "ue no raro ) a a#irmao mesma da ordem"ue est em 8ogo - as piadas raistas, por eemplo, no nos unem ontraa norma! /ara soluionar esse impasse muitas ve&es arateri&a-se o risoomo #en[=E e de #orma bastanteelaborada, o antroplogo alemo 2elmuth /lessner proporia mais umateoria do riso, no livro Rir e horar: uma investigao das #ronteiras

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    do omportamento humano! /lessner8usti#ia seu estudo pelaespei#iidade do riso e do horo: de um lado, op(em-se linguagem eaos gestos por"ue no onstituem uma resposta arregada de sentido$ deoutro, apesar do arter eruptivo "ue os aproima das epress(es daspai(es, ambos se di#ereniam de emo(es omo a raiva, a alegria, o amoret! por"ue estes ;ltimos mani#estam-se simboliamente, en"uanto, noriso e no horo, o movimento do orpo permanee opao! +sto ):ontrariamente s epress(es emotivas, o riso e o horo nada di&emsimboliamente, o "ue os aproimaria, segundo /lessner, dos eventosarbitrrios do proesso vegetativo, omo enrubeser, empalideer,vomitar, tossir, espirrar et!O problema bsio na investigao de /lessner ) portantodesobrir as ingnitas 9o "ue #a& rir9 e 9o "ue #a& horar9, 8 "ueelas no so de ordem a#etiva! Na verdade, por)m, a investigao aabase atendo ao riso, uma ve& "ue, ao longo do livro e revelia do prprio/lessner, o horo torna-se nitidamente epresso de emoo!f proura da ingnita 9o "ue #a& rir9, o autor de#ine o ob8etodo riso omo a"uilo "ue susita a ligao insol;vel, ontraditria epoliss%mia entre o s)rio e o no-s)rio, entre o sentido e a aus%nia desentido - ligao om a "ual o homem no onsegue lidar e da "ual s

    onsegue esapar atrav)s do riso! /ara /lessner, o riso eprime aimpossibilidade de resposta, epresso assumida pelo orpo, emanipadoda pessoa! Ou se8 a: "uando a ra&o e o entendimento no onseguemresponder, ) o orpo "ue assume a tare#a de epressar a impossibilidadede resposta!Gal teoria do riso sublinha portanto uma perpleidade indi&veldiante do

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    asos, de uma transgresso soialmente onsentida: ao riso e ao risvelseria reservado o direito de transgredir a ordem soial e ultural, massomente dentro de ertos limites!Na antropologia, por eemplo, alguns estudos salientam "ue oespao de onsentimento do riso ) ulturalmente marado, "uase omo seele tivesse uma #uno soial! Fuardando as di#erenas de abordagem,poder-se-ia itar Bauss D=>U?E, Radli##e-6ro5n D=>\UE, 0lastres D=>?_Ee 4eeger D=>Y@E, estudos em "ue o riso e o

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    possibilidades, para al)m dos sistemas de sentido #ehados! m =>ZY,2ui&inga 8 destaava essa relao no aso espe#io do 8ogo: segundoele, o 8ogo baseia-se na manipulao de uma erta imaginao darealidade, de sua trans#ormao em imagens, e mant)m estreita ligaoom o ampo da est)tia! em =>Y\, ean 'uvignaud diria "ue os atos epalavras do \\E,"ue seria uma das primeiras abordagens diretas do problema do s)rio e dono-s)rio na eperi%nia humana! A re#leo de 6ateson em torno daepresso 9isto ) um 8ogo9 Dthis is plaE permite de #ato situar o risoe o risvel no em oposio a uma norma preestabeleida, mas ao lado dasa(es "ue, segundo ele, no denotam a"uilo "ue denotam!O "ue se observa em relao s interpreta(es de 6ateson e deFo##man ) "ue, tanto no plano da linguagem "uanto no das rela(essoiais, as atividades no-s)rias ou 9no-reais9, omo o 8ogo, a#antasia, o 8oLe ou o

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    seu tempoE, mas tamb)m analisadas politiamente omo onstru(es desentido "ue se re#erem a organi&a(es espe#ias de poder!Retornando aos estudos "ue partem da oposio entre norma edesvio para situar o riso, resta menionar o trabalho de HuieOlbrehts-Gtea, O _[E, um desdobramento doGratado da argumentao D=>\YE, esrito em o-autoria om 0haim/erelman! 'e aordo om o pre#io de /erelriian, o

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    instabilidade das premissas, a interao de todos os elementos, en#im, oarter no-oeritivo da argumentao! 9[=Veri#ia-se "ue o 9m)todo da reduo do

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    partiularmente um estudo histrio! 9n"uanto #en>=E, "uerelaiona a 9morte de 'eus9 ao 9groteso moderno9 para sustentar a tesede "ue 9a histria do riso e a do sagrado so paralelas9! [\ ntretanto,o autor limita-se a a#irmar algumas teses sem se preoupar om

    eplia(es mais detalhadas - o "ue se re#lete, alis, na total aus%niade re#er%nias bibliogr#ias! apesar de o teto onter diversasita(es -, #a&endo do livro muito mais um mani#esto em prol da relaoentre o riso e o sagrado do "ue propriamente um estudo sobre a histriade ambos!Binha investigao sobre o riso na histria do pensamentooidental limita-se s produ(es em lngua #ranesa, inglesa e alem e,no toante Antig.idade, "uelas "ue #oram tradu&idas! Ou se8a,9oidental9 a"ui re#ere-se, na verdade, a ertos pensamentos maisdi#undidos na histria da ultura europ)ia! S urioso notar, alis, "ue

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    no enontrei teorias do riso esritas originariamente em portugu%s ouespanhol! +sso d o "ue pensar, por"ue o "ue oorre om as teorias nooorre om a produo de tetos _[:_?!

    U! 6ataille, =>_@-_?, v! _, p! \[[!

    Z! +bid! , v! \, p! Y@!

    [! +bid! , v! Y, p! \?U!

    \! +bid! , v! Y, p! U =>-U@$ gri#os meus!

    ?! +bid! , v! \, p! [?-_!

    _! +bid! , v! _, p! U_Y!

    Y! +bid! , v! \, p! ZZZ-[ e Z?[!

    >! +bid! , v! Y, p! U=?!

    =@! +bid! , v! Y, p! UUU$ gri#o do autor!

    ==! +bid! , p! \?U$ #! tamb)m v! \, p! \[U! Outras re#er%niasde 6ataille ao riso de Niet&she podem ser enontradas em 9O riso deNiet&she9 D=>[UE e em 4obre Niet&she D=>[\E!

    =U! 6ataille, =>_@-_?, v! U, p! U=[, nota! 0#! Assim #alouTaratustra, +++, UZ: 9nd #alsh hei6e uns 8ede ahrheit, bei der esniht ein Felhter gab^ 9 DNiet&she, =>\[-?Z, v! U, p! [\_$ gri#o doautorE!

    =Z! 6ataille, v! U, p! =@U!

    =[! Niet&she, =>\[-?Z, v! U, p! Z[$ gri#o do autor!

    =\! Ver, por eemplo, livro +V, ZU_: 9onde h riso ealegria, l o pensamento no presta - esse ) o preoneito dessa bestas)ria o homem s)rio ontra toda gaia i%nia! - Buito bem^ Bostremos"ue ) um preoneito^ 9 DNiet&she, =>\[-?Z, v! U, p! =Y>E! A9neessidade do riso9 repete-se no poema 9Nur Narr^ Nur 'ihter^ 9, "ue

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    se enerra om os seguintes versos: 91ue eu se8a banidoX de todaverdade,X s palhaoX s poeta^ 9 Assim #alou Taratustra, livro +V$Niet&she, =>\[-?Z, v! U, p! \Z?E, poema "ue aparee tamb)m em'ionsos-'ithramben, de onde tirei seu ttulo D+bid! , p! =UZ>-[UE!

    =?! tamb)m em Al)m do bem e do mal, UUZ D+bid! , p! ?Y?E!

    =_! +bid! , p! Z[-\!

    =Y! 7ouault, =>??:_!

    =>! +bid! , p! _->$ gri#o do autor!

    U@! O #ato de 7reud se onentrar prinipalmente no histe nosigni#ia "ue, em sua investigao, no trate de outras #ormas dorisvel ou at) do prprio riso! +sso #ia laro pelo rit)rio de seleodos histes analisados: 9S evidente "ue tomamos omo ob8eto de nossainvestigao a"ueles eemplos de histe "ue ausaram em ns mesmos maiorimpresso e nos #i&eram rir ao mimo! D7reud, =>_@:=>E!

    U=! Bar"uard, =>_?:=\@!

    UU! H)vi-4trauss, =>_=:\YY!

    UZ! Rosset, =>_=:=_Z!

    U[! +bid! , gri#o meu!

    U\! 90omme v)rit) de 9e "ui eiste9 9! +bid! , p! =_>!

    U?! /ara a #rase de Niet&she: 9'ie tragishen Naturen &ugrundegehen sehen und noh lahen Ljnnen, .ber das tie#ste Verstehen, 7.hlenund Bitleiden mit ihnen hin5eg, - ist gjttlih9, ver as obras pstumasda )poa de Taratustra DNiet&she, =>_Y, v! =, p! U_Z$ gri#o

    ZY

    do autorE! Na obra de 6ataille, a proposio ) itada no artigo 9O risode Niet&she9 e na on#er%nia de =>\Z D#! 6ataille, =>_@-_?, v! ?, p!Z==, e v! Y, p! UU\E!

    U_! 6ataille! =>_@-_?, v! Y, p! UU\!

    UY! +bid! ,v! \! p! [[=!

    U>! +bid! , v! _, p! U_?!

    Z@! ssa 9atualidade histria9 de um pensamento "ue 8ulgaindispensvel ultrapassar seus limites 8 #oi destaada por 7ouault emAs palavras e as oisas: 9Godo pensamento moderno ) atravessado pela leide pensar o impensado9 D7ouault, =>??:ZZ YE!

    Z=! Gomo emprestada a distino de Gilman 6orshe entre oneito#ilos#io Dno interior do "ual o pensamento se de#ineE e oneitohistrio Dde#inido pelo pensamento e, portanto, ob8eto das i%niashistriasE! Ver 6orshe, =>>@:U_!

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    ZU! No ontemplo a"ui a produo ontemporCnea sobre o ! \>!

    Z?! 0ohen, =>Y\:\_-Y!

    Z_! +bid! , p! ?@!

    ZY! Bauss, =>?>:==Y!

    Z>! sarpit, =>Y=:=U_!

    [@! Olbrehts-Gtea, =>_[:=Z!

    [=! +bid! ,p! [@=!

    [U! +bid! , p! [O[!

    [Z! He Fo##, =>Y>:=, U e ?! ssa opinio #oi reentementeretomada pelo prprio He Fo## na introduo ao dossi% sobre o risopubliado na revista Annales, em "ue salienta 9o interesse desse ob8etode pes"uisa e de re#leo para os historiadores e os espeialistas dasi%nias humanas e soiais9 DHe Fo##, =>>_:[[>E!

    [[! ssa onstatao no se aplia s teorias sobre a om)dia,havendo estudos "ue abordam as di#erentes #ormas de atuali&ao do?Y Dapud/almer, =>Y[E!

    [\! 4ana&in, =>>=:=Z!

    Z>

    0aptulo U

    As 9origens9 do pensamento

    sobre o riso

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    7alar de origens do pensamento oidental sobre o riso pressup(e algumgrau de ontinuidade entre o antes e o depois! No se trata, ontudo, deuma ontinuidade linear - e por isso o uso das aspas em 9origens9!S possvel identi#iar um nvel 9o#iial9 de in#lu%nia dasteorias da Antig.idade sobre os pensamentos posteriores, "uandore#er%nias epressas a autores antigos apareem em tetos maistardios! +sso india "ue algumas teorias da Antig.idade no soestranhas a ertas tradt(es do pensamento sobre o riso, mas geralmenteas ita(es restringem-se a #rases ou premissas tornadas lssias, semrelao om os tetos de origem! istem tamb)m in#lu%nias noadmitidas: 9empr)stimos9 literais ou adaptados de ertas passagens ou"uest(es, sem "ue se #aa "ual"uer re#er%nia #onte original! Asprprias #ormas de pensar o riso tamb)m podem ser ob8eto de di#uso! Ade#inio do riso omo paio da alma - tend%nia "ue se estende pelomenos at) o s)ulo *V+++ -, por eemplo! tem liga(es estreitas omteorias da Antig.idade!Godas essas in#lu%nias do pensamento antigo sobre as teoriasposteriores no devem deiar a impresso de "ue no ha8a di#erenas!6oa parte do pensamento antigo sobre o riso "ue #oi 9es"ueido9 lhepermanee espe#io, s podendo ser reuperada a partir dos prprios

    tetos! sto nesse aso algumas das onep(es "ue remetem relaoentre o riso e o pensamento, on#orme se ver mais adiante!1uatro perspetivas de epliao do riso ressaltam dos tetosanalisados neste aptulo: a )tia, a po)tia, a retria e a#isiolgia! las t%m a"ui um papel estritamente operaional, apontandoos 9ampos9 nos "uais o pensamento antigo sobre o riso podia tomar#orma!Nos tetos antigos, os termos "ue e"uivalem ao "ue hamo a"ui de9risvel9 so geloion, em grego, e ridiulum, em latim! 4egundo ilhelm4.ss D=>?>E, ambos designam o "ue, em alemo, ) epresso por duaspalavras: 3omiL e it& - ou se8a, a"uilo "ue se entende por

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    superioridade em relao aos animais e pela in#erioridade em relao a'eus!

    No 7iHho de /lato

    m um pe"ueno treho do dilogo 7ileho, de /lato, enontramos a maisantiga #ormulao teria sobre o riso e o risvel "ue nos restou! 'eaordo om Bihael Bader D=>__E, a tradio dos estudos sobre o riso e o

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    om)dia para ompreender a "uesto do riso e do risvel! ilhelm 4.sssugere "ue /lato e Aristteles no dispunham de outro material, omo oromane

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    'el#os e se desonhee a si mesmo! 'a parte da"uele "ue ri, por"ue elemistura a inve8a ao riso! ste ) o tom prinipal da passagem eaminada:a ondenao moral tanto do risvel "uanto da"uele "ue ri! la ressaltada interseo das duas esp)ies de pessoas de "ue trata o teto: os#raos Do

    [Z

    ob8eto do risoE e os amigos Do su8eito do riso, "ue eperimenta, emrelao ao ob8eto do riso, o 9erro9 da inve8aE!A grande di#iuldade da teoria de /lato resulta prinipalmentedo #ato de o assunto no ser nem o risvel nem o riso propriamenteditos, e sim a a#eo mista puramente espiritual! O tema 9om)dia9aparee no dilogo omo meio de provar "ue mesmo as a#e(es "ue pareemuniamente onstitudas de pra&er so, na realidade, misturadas om ador! O eame do aso limite da a#eo

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    marado por um engano "ue abe a 4rates demonstrar: pensamosepenmentar um pra&er puro, mas na verdade ele ) misturado om a dor, )um #also pra&er! O estado de alma em "ue nos oloam as om)dias no temnada a ver om os pra&eres verdadeiros do #ilso#o - o "ue nos leva,alis, para bem longe da relao intrnsea e indispensvel entre o risoe o pensamento "ue se disutiu no primeiro aptulo!A posio de /lato om relao ao problema do riso ) reiteradapela ondenao no s )tia, mas tamb)m #ilos#ia da om)dia e de todaesp)ie de mani#estao artstia, de "ue trata o livro * de PRep;blia! 4egundo /lato, a p(esia - entendida omo a arte de imitar ompalavras e #rases, omo ) o aso da trag)dia e da om)dia-est a#astadatr%s graus da verdade, por"ue imita o "ue 8 ) uma #abriao partiulardo ob8eto real, ou se8a, o "ue 8 ) uma imagem das +d)ias! A p(esia )inompatvel om a #iloso#ia, por"ue o poeta representa apenas aapar%nia das oisas, sem ter 8amais tido onheimento delas e iludindoa esse respeito a multido "ue o aplaude! Veremos adiante "ue, paraAristteles, ao ontrrio, a p(esia ) uma atividade #ilos#ia, sendo8ustamente a om)dia o ponto de partida dessa sua diverg%nia om/lato!O "ue importa ressaltar no momento ) "ue, segundo /lato, a

    p(esia, a inluda a om)dia, seria duplamente ondenvel! No s porprodu&ir obras sem valor do ponto de vista da verdade, omo tamb)m porter relao om o elemento in#erior da alma humana, a parte irra&ovel edistante da sabedoria! +sso por"ue a p(esia, ao #a&er prevaleer em nsa apar%nia, arruina o elemento da alma "ue 8ulga om a ra&o! Al)mdisso, nutre as pai(es da alma e os eessos, en"uanto a ra&o nosensina a pre#erir a moderao e o e"uilbrio!ste ;ltimo argumento aplia-se diretamente om)dia: se nsmesmos temos vergonha de ser ob8eto do riso, mas sentimos pra&er narepresentao de om)dias, di& /lato ainda em P Rep;blia, orremos oriso de epandir a vontade de #a&er rir, antes #reada pela ra&o, aponto de nos tornarmos autores

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    om soberania! Outra onepo orrente "ue remonta a Aristteles ) suade#inio do riso omo espei#iidade humana! O homem ) o ;nio animal"ue ri, di& Aristteles em As partes dos animais, em treho importantepara a disusso da tradio #isiolgia de epliao do riso! fparteesses dois ampos de tratamento da "uesto do riso na obra deAristteles, disutiremos a"ui algumas passagens da Retria - ;teispara a ompreenso dos ensinamentos de 0ero e 1uintiliano!

    A abordagem po)tia, o

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    histria do g%nero

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    das pai(es, ) preiso ompreend%-lo no onteto mesmo da poi)sis, isto), da i%nia da produo das obras! A onepo de Aristtelesa#asta-se

    [Y

    a"ui da de /lato, uma ve& "ue a riao po)tia, para ele, ) de ordem#ilos#ia, omo di& no aptulo >, onde reonhee na om)dia o atributode revelar o arter universal da p(esia! Aristteles parte daomparao entre a p(esia e a r

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    baia4, ou mais espei#iamente @\ personagens em ao piores do "uens!-O

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    ao pensamento - omo em 9#renologia9! Nota-se "ue a posio mediana dodia#ragma on#ere-lhe um estatuto partiularmente importante, pois eleenerra as espei#iidades do alto Ddo pensamento, da sensibilidadeE edo baio Duma ve& "ue atrai os humores ealados pela atividadedigestivaE!A id)ia do dia#ragma omo diviso entre a parte nobre da alma ea parte mais baia 8 est presente no dilogo Gimeu de /lato! 4egundoFaleno, #oi /lato "ue introdu&iu o termo dia#ragma D"ue signi#iabarreiraE, apesar de ele mesmo ainda usar phrenes omo os autoresantigos! Vale registrar "ue o radial phr)n permaneeu no nomephrenitis, doena "ue eistiu omo entidade m)dia de 2iprates a/inel, designando perturba(es ontnuas no pensamento aompanhadas de#ebre! U=ssa passagem sobre o riso em As partes dos animais tem a #unode on#irmar a ao do alor sobre o dia#ragma:

    O "ue prova "ue, "uando reebe alor, o dia#ragma mani#esta assim "ueeperimenta uma sensao, ) o "ue se passa no riso! D!!! E 4e #a&emosegas em algu)m, ele se p(e a rir logo em seguida, por"ue o movimentoganha rapidamente essa regio, e mesmo se o movimento a es"uenta

    levemente, o e#eito ) sensvel, e o pensamento se p(e em movimentoontra a vontade! 4e o homem ) o ;nio animal passvel de egas, issovem, primeiro, da #inura de sua pele, mas tamb)m do #ato de "ue ele ) o;nio animal "ue ri! UU

    Ou se8a: o homem ri "uando lhe #a&em egas por"ue o movimento "ueresulta das egas gera um alor "ue, mesmo leve, produ& um e#eito

    \=

    sensvel sobre o dia#ragma! O dia#ragma mani#esta e eperimentaimediatamente essa sensao e 9o pensamento se p(e em movimento ontra avontade9! sta ;ltima assero permanee bastante enigmtia no teto,prinipalmente por"ue sua relao om as outras asser(es no ) muitolara! Bas onsiderando o "ue Aristteles "uer provar nessa passagem -"ue o alor de 9baio9 ausa uma perturbao mani#esta no raionio -,pode-4e onluir "ue, no aso do riso, essa perturbao ) de#inida omoum movimento do pensamento ontra a vontade!O treho ont)m ainda uma observao sobre o riso provoado por#eridas de guerra na regio do dia#ragma, 9em onse".%nia do alor "uese desprende da #erida9! Veremos "ue esse tema ) reorrente na tradioteria sobre o riso! /! Houis o #a& remontar a um tratado hiportio"ue meniona um erto Ghon "ue teria sido tomado por um riso agitadodepois de ser #erido no peito por um tiro de atapulta! UZ a passagem re#erente ao riso em 'a gerao dos animaislimita-se auma #rase sobre o riso dos re)m-nasidos: 91uando estoaordadas, as rianas pe"uenas no riem, mas dormindo, elas horam e

    riem9! U[ sta #rase nos interessa por"ue estabelee distino entre oriso da riana pe"uena e do adulto, "ue ri aordado! la integra adisusso sobre a neessidade de sono nos animais pe"uenos! 1uandonasem, di& Aristteles, os animais passam a maior parte do tempodormindo$ ) apenas om a progresso da idade "ue a durao da vigliaaumenta! ssa irunstCnia ) mais aentuada nas rianas, "uepermaneem dormindo mais tempo do "ue os outros animais, por"ue 9em seunasimento so os mais imper#eitos dos pe"uenos "ue nasem aabados9! U\'e aordo om Aristteles, o homem pertene 9s esp)ies "uep(em no mundo pe"uenos u8a #ormao ) aabada9, mas esses pe"uenos so

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    os mais imper#eitos - eles permaneem egos por algum tempo e noonseguem andar! Ou se8a: por serem ainda imper#eitos, os re)m-nasidosno t%m a apaidade de rir, salvo dormindo!Outros autores tamb)m se preoupam om essa "uesto: o riso eprprio do homem, mas ainda no ) prprio do re)m-nasido, "ue, nessesentido, se paree om os outros animais!A importCnia dessas passagens para a histria do pensamentosobre O riso #iar mais lara nos primos aptulos! 0onv)m, ontudo,destaar m ponto! 4e prouramos a"ui a relao entre o pensamento e oriso, ela no poderia se apresentar de modo mais #sio do "ue na"uesto do dia#ragma - esse 9entro #r%nio9 "ue torna patentes asperturba(es "ue os humores ausam a nosso raionio e a nossasensibilidade! 1ue o riso tenha algo a ver om ele e om o movimento dopensamento ontra a Vontade meree ser salientado, mesmo "ue isso soepor demais enigmtio!

    \U

    0umpre registrar "ue no estamos muito longe de uma ertatradio m)dio-#ilos#ia antiga "ue p(e em evid%nia a relao entre

    pensamento e ar, respirao e dia#ragma! ean-/ierre Vernant D=>\_Emeniona essa ombinao "uando, ao #alar sobre a #ormao do pensamentopositivo na Fr)ia araia, re#ere-se t)nia de ontrole do soprorespiratrio om "ue o sbio onentrava em si mesma a alma dispersapelo orpo!m teto hiportio, eaminado por aLie /igeaud D=>Y=E, hamaa ateno para a partiipao do ar no proesso do onheimento! 'i& apassagem, por sinal bastante herm)tia: o ar passa primeiro pelo)rebro! vindo puro, o "ue permite a nitide& do 8u&o! No )rebro se do onheimento e o 8u&o! 4e o ar passasse primeiro pelo orpo, "uandohegasse ao )rebro estaria "uente e misturado om o humor da arne e dosangue, retirando assim a nitide&! 'esse modo, entrando primeiro no)rebro, o ar deia ali sua #ora, para s ento passar para o resto doorpo, onde ) responsvel pela ao dos olhos, ouvidos, lngua, mos ep)s por"ue h pensamento em todo o orpo, na medida em "ue ele partiipado ar!/igeaud identi#ia nesse teto uma teoria da signi#iao aliadaa um modelo #sio: o )rebro ) um int)rprete do onheimento, "ue seaha #ora dele e ) id%ntio ao ar, e a ondio #sia para amterpretao do onheimento ) haver um bom aesso do ar ao )rebro!A relao do riso om o pensamento e a vontade, onreti&adapela ao do dia#ragma, ) retomada em pelo menos uma teoria do riso "ueveremos mais adiante! Al)m disso, o tema do dia#ragma e a "uesto davontade, mesmo "ue dispersos, so reorrentes "uando se trata deepliar o advento do riso!

    A abordagem retria: o agradvel e o ;til

    aminemos agora algumas passagens da Retria de Aristteles sobre oriso e o risvel! m geral urtas e dispersas na obra, elas ganhamimportCnia pela semelhana de teor om outras #ontes do pensamentoantigo sobre o riso!A primeira delas ) um dos trehos "ue servem de prova de "ueAristteles teria esrito a parte perdida da /o)tia:

    Assim omo o 8ogo e toda sorte de repouso e o riso ontam entre asoisas agradveis, as oisas risveis so neessariamente agradveis,

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    homens, disursos, atos: as oisas risveis #oram de#inidas parte emnossa Arte po)tia! U?

    /ode-se destaar tr%s elementos nessa passagem! /rimeiro, umalassi#iao do

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    esperado! 7uhrmann sugere, alis, "ue no livro perdido da /o)tia tenhasido atribudo ao aaso, na om)dia, #uno e"uivalente desempenhadapelo destino na trag)dia, sendo o aaso responsvel pela surpresa doespetador! Veremos omo 8 a partir de 0ero a traio da epetativase imp(e omo a epliao pre#erida para o risvel!Outra re#er%nia, desta ve& na parte onernente ordem dodisurso, tamb)m seria retomada pela retria romana! Nessa passagem, oriso ) visto omo um dos e#eitos produ&idos pelo orador na ateno doouvinte! No ) bom "ue o ouvinte este8a sempre atento, di& Aristteles,9por isso muitos oradores se es#oram para #a&%-lo rir9! Z= 1uintilianoretomaria esse argumento para 8usti#iar o uso do risvel no disurso:ele serve para desviar a ateno prestada aos #atos!7inalmente, temos uma passagem mais etensa, "uase ao #inal dolivro, na "ual Aristteles se re#ere pela segunda ve& ao #ragmentoperdido da /o)tia! i-la na integra:

    No "ue onerne ao risvel, 8 "ue ele paree ter alguma utilidade noproesso e "ue ) preiso, di&ia om ra&o Frgias, destruir o s)rio dosadversrios pelo riso e o riso pelo s)rio, dissemos, em nosso tratadosobre a /o)tia, "uantas esp)ies h de risvel, das "uais uma parte

    onorda omo arter do homem livre, e outra no: ) preiso portantoestar atento para adotar apenas a"uela "ue est em harmonia om suapessoa! A ironia ) mais digna do homem livre do "ue a bu#onaria$ peloriso, o ironista proura seu prprio pra&er$ o bu#o! a"uele deoutrem! ZU

    'ois elementos ressaltam desse treho: a utilidade do risvel para oorador e a nova lassi#iao "ue distingue os proedimentos dignos dohomem livre e os do bu#o!m resumo, na Retria, as re#er%nias ao riso e ao risvelapareem no onteto da disusso das pai(es, o "ue no signi#ia "uese8am a#e(es da alma, e o risvel ad"uire #un(es no disursooratrio, o "ue nos leva diretamente se".%nia deste aptulo! 0omo na/o)tia, no est em8ogo um8ulgamento )tio do riso! A ;nia distinode ordem )tia ) a estabeleida entre a ironia e a bu#onaria, "ueretomaremos adiante!

    Nota sobre o Gratatus 0oislinianus

    Antes de hegarmos s teorias de 0ero e 1uintiliano, onv)meaminarmos um teto ps-aristot)lio, o Gratatus 0oislinianus, "uedeve seu

    \\

    nome ao proprietrio do ode, 'e 0oislin! 4egundo 7uhrrnann D=>_ZE,este ) o teto prinipal de um on8unto de #ragmentos an

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    aha nessas #ontes a id)ia de "ue a om)dia representa os homens pioresdo "ue eles so! 1uanto ao Gratatus 0oislinianus, trata-se de um esboobaseado em parte nas id)ias de Aristteles, no #iando laro se seuautor onheia o livro ++ da /o)tia!A novidade do Gratatus em relao s #ontes anteriores ) alassi#iao das origens do

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    proedimentos para melhorar o e#eito do disurso e hega-se mesmo a#ormular algumas generali&a(es!m suma, ) da retria romana "ue nos hega um primeiroentendimento mais ompleto do riso! Veremos, ontudo, "ue isso no se dde modo independente no pensamento antigo: identi#iam-se semelhanasbastante laras om a re#leo anterior, sobretudo om o "ue sabemos dopensamento aristot)lio sobre o riso! /or isso, o eame do ensinamentoretrio nos a8udar a disernir retrospetivamente no s a importCniados #ragmentos da Retria, omo o signi#iado do Gratatus0oislinianus! Vale ainda notar "ue as #ormula(es de 0ero e1uintiliano tamb)m #iguram em tetos terios da +dade B)dia e daRenasena!

    A teoria de 0ero

    0iero paree ter sido o primeiro a destinar um lugar espe#io aorisvel num tratado de retria! m 'e oratore, esrito em \\ a! 0! , oridiultun oupa um espao maior do "ue o ensinamento da dispositio ouda memoria! duas das ino partes #undamentais da retria! nontra-sena parte

    \_

    inventio, "ue ompreende as id)ias, os argumentos ou as provas "ue#undamentam a mat)ria do disurso!Heeman, /inLster e Rabbie D=>Y>E, em omentrio a 'e oratore,sugerem duas ra&(es para 0ero ter tratado do assunto! /rimeiro, teria"uerido legitimar o uso "ue ele mesmo #a&ia do

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    Bas, para no vos atrasar mais, vou epor-vos em pouas palavras minhaopinio sobre toda essa mat)ria di& 0)sar! 0ino "uest(es a"ui seapresentam: primeiro, "ual ) a nature&a do riso9`$ segundo, o "ue oprodu&9`$ tereiro, onv)m ao orador "uerer eit-lo9`$ "uarto, at) "ueponto9`$ "uinto, "uais so os g%neros do risvel9`

    As duas ;ltimas "uest(es so as "ue oupam 0)sar at) o #im de suaeposio! /ode-se di&er "ue so a mat)ria por eel%nia do ensinamentoretrio sobre o risvel!

    \Y

    'as duas primeiras indaga(es, ele se desembaraa rapidamente!1ual a nature&a do riso, onde se situa, 9omo nase e eplode derepente, a ponto de no se poder ret%-lo, apesar do dese8o "ue se tem$omo oorre "ue a agitao produ&ida se omuni"ue aos #lanos, boa,s veias, aos olhos, #isionomia9 tudo isso, di& 0)sar, no )pertinente a seu disurso! 1uanto ao domnio do risvel, a soluo de0ero #oi seguir os rastros da de#inio do

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    \>

    tCnias "ue levam ao dio ou ausam danos novamente #ia laro omo asategorias da /o)tia de Aristteles se enrai&aram na tradio teriado riso$ e no se deve empregar o risvel ontra o oponente, ontra o8ui&! nem ontra a"ueles "ue so#rem de grandes in#ort;nios, devendo-sepoupar o amigo! Z[A ade"uao do risvel ao disurso oratrio #ia ainda maispatente "uando se lhe ontrap(em os proedimentos adotados pelo humo,di#erena "ue aparee diversas ve&es no teto e "ue ertamente remonta distino #eita por Aristteles entre os proedimentos

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    sua unidade!ma segunda distino entre os risveis de oisas e os depalavras paree des#a&er de ve& a relao om a ontinuidade do disursoe o arater urto e vivo! No aso dos risveis de oisas, di& o treho,a graa subsiste 9independentemente das palavras empregadas9, ao passo"ue os de palavras 9perdem seu sal, uma ve& mudadas as palavras9!Gentemos ompreender o estatuto "ue as 9oisas9 ad"uirem a"ui!0uriosamente, voltamos ao par "ue deu ttulo ao livro de 7ouault emereeu epliao de 7reud, omo vimos no aptulo =: a relao entreas palavras e as oisas! /or)m, pelo menos por onvio histria, nose pode di&er "ue os dois pares se8am e"uivalentes! As 9oisas9 de0ero no pareem orresponder aos ob8etos reais "ue apreendemos pelaspalavras$ ) preiso prourar seu #undamento na prpria retria!/es"uisando as possveis #ontes de 0ero no tratamento da"uesto do ridiulum na arte oratria, Heeman, /inLster e Rabbieobservam "ue boa parte das ategorias por ele utili&adas so #iguras deestilo, divididas, no ensinamento retrio, em #iguras de oisas e depalavras! +sso revelaria "ue 0ero utili&ou omo #onte um tetoretrio "ue ordenava os tipos de

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    tom uma alma imperturbvel9, ou 9analogias de imagens9, ou ainda9opiar algum elemento do gesto do adversrio9 so, no teto de 0ero,risveis de oisas! Ou se8a: a 9oisa9 no e um ob8eto re#erenial, masem geral tudo a"uilo "ue, no disurso, no onstitui #igura de estilo!Na ategoria do risvel de palavras, 0ero lista oito g%neros,desde as #iguras 8 itadas, omo a met#ora e a anttese, as palavrasom duplo sentido e a alterao ligeira de palavras ou versos, at) orisvel "ue onsiste em tornar uma palavra ao p) da letra! Benosengraados do "ue os risveis de oisas, os risveis de palavrastornam-se mais

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    seu teto no pode ser ompreendido #ora da tradio "ue o liga ao de0ero, mas tamb)m no se pode ignorar o "ue tem de novo em relao aostetos anteriores! Al)m disso, a teoria de 1uintiliano eslaree algumasdas ategorias "ue servem de base ao pensamento antigo sobre o riso, demodo "ue onv)m eamin-la!O ensino do risvel na arte retria ) o tema do tereiroaptulo do livro V+ da ;nia obra de 1uintiliano "ue hegou at) ns,+nstitutio oratoria, esrita entre >U e >[ d! 0! A obra apresenta, em =Ulivros, um programa ompleto de eduao para #a&er do aluno um orador!O livro V+ trata da perorao - ;ltima parte do disurso, "ue tem omouma de suas #un(es apresentar o balano da interveno! S nessa parte"ue

    ?Z

    1uintiliano aborda as pai(es, "ue devem estar presentes no disurso eser susitadas no p;blio e no 8ui&! 4egundo o tradutor de +nstitutiooratoria, o #ato de 1uintiliano assoiar as pai(es peroraosigni#ia "ue, na ;ltima parte do disurso, o orador deve 9lanar toda asua #ora na batalha9 e 9tentar omover o ouvinte9 pela seduo de seus

    sentimentos! Z_ A "uesto do riso est, portanto, inserida na disussosobre as pai(es, sendo o risvel um dos ;ltimos reursos para onvenere sedu&ir o ouvinte!O aptulo Z, totalmente dediado ao riso, ) o mais longo dosino aptulos do livro V+! 4egue-se disusso sobre o pat)tio - osentimento "ue o orador deve saber susitar no 8ui& e "ue #re".entementeulmina em lgrimas! 4em eslareer imediatamente o "ue orresponde"uele 9sentimento9 no aso do riso, 1uintiliano omea o aptulo#alando abstratamente de uma "ualidade DvirtusE:

    Ao pat)tio se op(e uma "ualidade "ue, eitando o riso do 8ui&, dissipaa"ueles sentimentos tristes de "ue #alamos e desvia #re".entemente oesprito da ateno prestada aos #atos, e s ve&es mesmo o reaviva erenova, "uando est saturado ou ansado! ZY

    m seguida, 1uintiliano salienta omo ) di#il tratar da"uesto, tendo em vista a prpria inde#inio do ob8eto do riso!/rimeiro, di& ele, um dito espirituoso 9tem, na maior parte do tempo,alguma oisa de #also9$ depois, 8ulgamos o dito espirituoso 9de maneiravariada, por"ue no o avaliamos de aordo om um prinpio raional, maspor uma esp)ie de propenso do esprito, de "ue mal podemos dar onta9!90om e#eito9, onlui, 9reio "ue, apesar dos muitos ensaios, ningu)mepliou bem a origem do riso! 9ssa #alta de onheimento da mat)ria no impede, ontudo, omoem 0ero, a #ormulao de algumas premissas! O leitor passa ento a serin#ormado de "ue o riso no ) apenas provoado 9por uma ao ou umapalavra, mas s ve&es tamb)m por um to"ue 9#sio9Z> e de "ue rimos no

    s do "ue ) dito ou #eito de modo piante e espirituoso, mas tamb)m 9porestupide&, por lera, por medo9! 7inalmente, eis a unidade "ue de#ine orisvel: 90omo di& 0ero, o riso tem sua sede em alguma de#ormidade ealguma torpe&a9 de#inio "ue tem origem, omo 8 sabemos, na /o)tia deAristteles! Bas 1uintiliano no pra por a e aresenta: 9"uando oassinalamos nos outros, ) uma brinadeira de bom tom, "uando o ditoreai sobre a"uele "ue #ala, o hamamos de estupide&9! Veremos a seguir"ue essa assero anteipa uma nova lassi#iao do risvel!'epois de introdu&ir o aptulo, 1uintiliano anunia o assuntode "ue se ir oupar primordialmente:

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    ?[

    O prprio do assunto de "ue trataremos agora ) o "ue #a& rir DridiulumED!!! E! A diviso primria ) a"ui a mesma "ue em todo disurso, onde sedistinguem as oisas e as palavras! Bas, na prtia, a distino leva atr%s pontos: o riso se etrai ou de outrem, ou de ns, ou de elementosneutros! No "ue onerne aos outros, ou repreendemos, ou re#utamos, ouhumilhamos, ou repliamos! ou iludimos! No "ue di& respeito a ns,#alamos rindo, e, para retornar a epresso de 0iero, di&emos palavras"ue beiram o absurdo! /or"ue as mesmas palavras "ue so asneiras se nosesapam por imprud%nia, passam por elegCnias se ) um #ingimento! Otereiro g%nero, omo ele o di& ainda, onsiste em deepionar aepetativa, em tornar as palavras em uma aepo deturpada, em usaroutros meios, "ue no onernem nem a nos nem aos outros e "ue, por essara&o, eu hamo de neutros!

    0onv)m eslareer "ue 0ero #ala do absurdo ao tratar dasingenuidades #ingidas: 9Algumas ingenuidades, um pouo absurdas, e porisso mesmo #re".entemente risveis, podem onvir no s aos mimos, mas

    ainda a ns, os oradores! 9 mais adiante, depois de uma s)rie deeemplos: 9Godos esses ditos #a&em rir, omo todos a"ueles "ue deiamesapar as pessoas prudentes, om uma ingentiidade #ingida "ue s ) maisespirituosa! O mesmo oorre "uando se tem o ar de no ompreender o "uese ompreende muito bem! 9[@ 4egundo 1uintiliano, a ingenuidade #ingidatorna-se laramente um aso de risvel loali&ado 9em ns9 - ou se8 a,nas 9pessoas prudentes9 "ue deiam esapar o dito espirituosodeliberadamente! +sso eplia a observao de 1uintiliano sobre asasneiras: elas so asneiras "uando as deiamos esapar por imprud%nia,mas so elegantes 9se so um #ingimento9! Veremos omo esse #ingimentoad"uire importCnia em sua teoria!ssa lassi#iao #a& a grande di#erena entre as duas teoriasda retria romana! Na prtia, di& 1uintiliano, o risvel estloali&ado nos tr%s lugares de onde se etrai o riso: em ns, em outreme nos elementos neutros! a diviso entre oisas e palavras pareeonstituir o instrumento retrio "ue tem por #uno revelar o risvel!0ontinuando sua eposio, 1uintiliano aresenta: 97a&emos ririgualmente ou pelo "ue ! XC&emos DtaimusE! ou pelo "ue di&emosDdiimusE! 9 /odemos onluir: por a(es "ue pratiamos ou por palavras"ue di&emos, revelamos o risvel "ue repousa no outro, em nos! ou noelemento neutro! A espei#iidade da lassi#iao de 1uintiliano estem ombinar as duas divis(es: a "ue se re#ere ao ob8eto risvelDenontrado na prtia nos tr%s 9lugares9 de onde se etrai o risoE e a"ue se re#ere s maneiras de desta-lo Dpelas oisas ou pelaspalavrasE! [=P semelhana do "ue oorre no teto de 0ero, h, na teoria de1uintiliano, uma pro#uso de tipos e de eemplos de risvel "ue

    di#iulta

    ?\

    a disriminao de todas as ategorias por ele onsideradas!ntre os g%neros de risvel so menionados, por eemplo, as palavrasom duplo sentido, ou om sentidos opostos$ a modi#iao de letras para#ormar nomes de pessoas$ a omparao de pessoas a animais$ os risveis#undados nos ontrrios, "ue so de diversas esp)ies, e assim pordiante! Bas o riso de sobrearregar o Hivro om eemplos ondu&

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    1uintiliano a uma nova tentativa de generali&ao:

    Godas as #ontes de argumentos podem o#ereer a mesma oasio! D!!! E0onse".entemente, o g%nero, a esp)ie, os arateres prprios, asdi#erenas! as a#inidades, as irunstCnias aessrias, osonse".entes, os anteedentes, os ontrrios, as ausas, os e#eitos, asompara(es de igual a igual, do maior ao menor, do menor ao maior, tudoisso #ornee mat)ria para o risvel$ assim omo todos os tropos! [U

    Reonhee-se a"ui o #undamento de 0ero: as #ontes dos pensamentosgraves e s)rios so as mesmas do risvel! Aos argumentos e tropos1uintiliano aresenta em seguida as #iguras de pensamento DXigurasmentisE:

    As #iguras de pensamento tamb)m D!!! E onv%m todas ao risvel, e mesmoalguns retores se serviram delas para distinguir as esp)ies dos ditos!0om e#eito, interrogamos e duvidamos e a#irmamos e ameaamos edese8amos$ ) s ve&es a piedade, s ve&es a lera "ue inspiram nossaspalavras! Bas o risvel ) tudo "ue ) evidente simulao!

    ssa simulao - o #ingimento - mara para 1uintiHiano adi#erena entre o emprego s)rio e o emprego engraado das mesmas #ontes!As #iguras de pensamento so ;teis para distinguir as esp)ies deenuniados: os inspirados pelo s)rio e os "ue #a&em rir! 1uando servemaos pensamentos s)rios, so inspiradas ora pela piedade, ora pelalera, mas "uando se destinam a #a&er rir, so evidente simulao!Vale Hembrar "ue 0ero no hega a indiar o trao distintivoentre o disurso s)rio e o risvel! 'epois de a#irmar "tie suas #ontesso as mesmas, delara: 9A ;nia di#erena ) "ue o pensamento grave seaplia as oisas honestas, s "ualidades s)rias$ o risvel, a"uilo "ue )baio e torpe! 9[Z No #undo, essa distino ) tautolgia, por"uesigni#ia di&er "ue a ;nia di#erena entre os empregos grave e risveldas mesmas #ontes onsiste em sua apliao grave Dhonesta, s)riaE ourisvel Dbaia! torpeE! Aristteles tamb)m no vai muito al)m om suade#inio do

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    seriedade e brinadeira "uanto os tr%s lugares onde se enontra orisvel! Aps itar vrios asos de risvel nos "uais se simula o "ue sedi& - omo a desulpa, a atenuao, o proedimento de rebater umabrinadeira om outra e o de rebater uma mentira om outra, entender aspalavras de #orma di#erente do "ue so ditas, deturpar o sentido de umpensamento et! -9 1uintiliano onlui:

    Na verdade, todo o sal de uma palavra est na apresentao das oisas deuma maneira ontrria lgia e verdade: onseguimos isso uniamentese8a #ingindo sobre nossas prprias opini(es ou as dos outros, se8aenuniando uma impossibilidade! [[

    Vale eslareer "ue sal DsalsumE, para 1uintiliano, ) o "ue #a& rir!Reenontramos nesta passagem a diviso do risvel on#orme sualoali&ao: simular as prprias opini(es ou as de outrem ) o risvel"ue se aha em nos e nos outros$ 89 enuniar uma impossibilidade9 podeorresponder ao 9elemento neutro9!A teoria de 1uintiliano no pode ser ompreendida #ora doonteto do ensinamento retrio e dissoiada da teoria de 0ero!Vrios onselhos e premissas se repetem a"ui - os limites a observar em

    #uno das irunstCnias, do tempo e das pessoas -, bem omo adistino entre o risvel de oisas e o de palavras! Bas a di#erenaentre ambas ) bastante lara: em 0ero, no se enontra a diviso doslugares do risvel, nem a %n#ase sobre o #ingimento e a simulao omo#atores da espei#iidade do risvel!

    ?_

    ssa araterstia torna o teto de 1uintiliano mais primo da#ormulao de Aristteles, "ue di&: 9as oisas risveis soneessariamente agradvei4, homens, disursos, atos9! Os 9disursos eatos9 apareem na #rmula 9palavras e a(es9: #a&emos rir se8a porpalavras se8a por a(es! No "ue onerne aos 9homens9, 1uintiliano osmostrou omo ob8etos do riso, estabeleendo a diviso entre ns mesmos eos outros! urioso "ue essa di#erena em relao teoria de 0erono se8a assinalada, apesar de ela nos #orneer uma lassi#iaototalmente nova do ob8eto do riso! Al)m disso, "ue o riso possa seretrado de ns mesmos atrav)s da elegCnia de uma asneira #ingidaparee um #ator bastante original, omparado ao predomnio do riso deoutrem - se8a o riso dos amigos "ue se desonheem, se8a o riso dopersonagem baio e torpe das om)dias, se8a ainda o riso do adversrio!7inalmente, do ponto de vista da relao entre o riso e opensamento, enontramos em 1uintiliano duas asser(es partiularmenteinteressantes! A primeira, no inio do teto, destaa, entre asdi#iuldades de tratamento do assunto, o #ato de 8ulgarmos um ditoespirituoso de modos variados, 9por"ue no o avaliamos de aordo omumprinioio raional, mas por uma esp)ie de propenso do esprito, de

    "ue mal podemos dar onta9! A segunda assero in#orma "ue 9todo o salde uma palavra est na apresentao das oisas de uma maneira ontrria lgia e verdade9!Ora, tanto do ponto de vista da perepo do risvel Do8ulgamento de um dito espirituosoE omo do ponto de vista de suaproduo Da apresentao das oisas risveisE, o riso de 1uintilianositua-se #ora dos limites do pensamento s)rio Ddos prinpios raionais,da lgia e da verdadeE! A semelhana om o pensamento moderno sobre oriso e o risvel ) sem d;vida notvel, ainda mais por"ue o atributo deser ontrrio lgia e verdade no paree ter, para 1uintiliano,

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    implia(es negativas! ntretanto - e a"ui est a di#erena em relaoaos tetos eaminados no aptulo = -, esse mesmo atributo no implia avalori&ao do riso e do risvel omo elementos "ue nos levariam paramais perto de uma 9realidade9 "ue o pensamento raional no podeatingir! Ao ontrrio: 1uintliano onstata o arter no-raional eno-lgio do risvel omo #ato dado, sem tirar maiores onlus(es, ano ser a neessidade de adaptar "uele arter o ensinamento e oemprego retrios: omo o ridiulun& no obedee a prinpios raionais,abe ao orador se adaptars irunstCnias e aos onselhos "ue podem serdados nessa mat)ria!

    /ode ausar surpresa, ho8e, "ue 0ero e 1uintiliano tenham dito tantasoisas sobre o riso! Balgrado suas observa(es sobre a di#iuldade ou a

    ?Y

    impossibilidade de tratar do assunto, seus tetos so e#etivamenteteonas do riso e do risvel! S notvel "ue suas #ormula(e4 ompleastenham sido em grande parte es"ueida4 na histria do pensamento sobre otema! As re#er%nias a 0ero e a 1uintilianO limitam-se em geral a seus

    enuniados sobre a impossibilidade de de#inir o riso e seu ob8eto, omose seus tetos terios no onstitussem tentativas estruturadas detratamento do assunto! Godo o universo da lassi#iao retria doridiulum permanee estranho s teorias posteriores Dsalvo algumasee(e4, nas "uais, por)m, os tipos apareem desligados de seu ontetooriginalE, omo se tamb)m ele #osse marado pela onting%nia edesapareesse #ora das irunstCnias, dos lugares e dos momentos nos"uais #oi onstitudo! Ou se8a: paree "ue no se viu nas lassi#ia(esde 0ero e 1uintiliano um potenial epliativo apa& de ultrapassar oemprego retrio do ridiulitm no#orum!

    O riso na teologia medieval

    /assemos agora a disutir algumas "uest(es "ue ressaltam das onep(esdo riso de tetos medievais! A prinipal di& respeito de#inio de9prprio do homem9! 0omo adiantei no inio deste aptulo, nos tetosteolgios da +dade B)dia, o prprio do homem ganha mais umaespei#iidade: o riso nos distingue no s dos animais, mas tamb)m de'eus!/ara tratar do pensamento teolgio sobre o riso, baseio-meprinipalmente no estudo de oahim 4uhomsLi D=>_\E sobre uma s)riede tetos "ue abordam a "uesto do riso ao longo de toda a +dade B)dia!A #auldade do riso, "ue aparee nos tetos teolgiO4 omo risibilitas,) a ;nia "ue di#erenia os homens de 'eus - 8 "ue ambos possuem a#auldade da ra&o! Bas o reonheimento do riso omo prprio do homemno signi#iava "ue o homem pudesse #a&er uso dessa #auldadelivremente! di& 4uhomsLi! O riso era em geral ondenado nos tetos

    teolgi0o4 por"ue no haveria na 6iblia nenhum indio de "ue esus0risto rira algum dia, apesar de dispor da risibilita4, assim omo detodas as nossas #ra"ue&as! A onduta de esus, omo bem nota 4uhomsLi,aproimava perigOsamente o riso do peado: esus podia pear, mas suavontade de no #a&%-lo era mais #orte!a"ues He Fo## tamb)m onebe a disusso nesses termos! aohamar a ateno para os dois temas reorrentes nos meios elesistio\medievais a indagao sobre se esus alguma ve& havia rido em sua vidaterrestre e a assero de Aristtele4 de "ue o riso ) o prprio dohomem!

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    ?>

    V%-se, portanto, "ue em torno do riso travou-se um grande debate, "uevai longe, por"ue, se esus no riu uma ;nia ve& em sua vida humana,ele "ue ) o grande modelo humano, D!!! E o riso torna-se estranho aohomem, ou pelo menos ao homem risto! +nversamente, se ) dito "ue oriso ) o prprio do homem, ) erto "ue, ao rir, o homem estareprimindo melhor sua nature&a! [\

    4egundo 4uhomsLi, na tradio teolgia medieval distinguiam-sedois g%neros do riso: a laetitia temporalis e o gaudium spirituale! Oprimeiro orrespondia #eliidade das oisas terrenas e passageiras,"ue #a&ia om "ue o homem es"ueesse sua misso! O segundo, emompensao, era a verdadeira #eliidade, a"uela "ue atingia sua maiorreali&ao aps a morte, mas podia ser eperimentada ainda em vida, pelaontemplao de 'eus e de suas ria(es! A esta ;ltima orrespondia oriso disreto e mudo "ue eprimia a #eliidade do orao!A dupla impliao da espei#iidade do homem "ue ressalta doteto de Aristteles e dos tetos teolgios mara pro#undamente o

    pensamento oidental sobre o riso! O riso torna-se a prova poreel%nia da ambig.idade prpria ondio humana: a superioridade emrelao ao mundo #sio e aos seres irraionais, e a in#erioridade emrelao ao transendental e ao eterno!ssa ambig.idade ) laramente evoada por 0harles 6audelaire, emum ensaio de =Y\\! /ara ele, a ess%nia do riso se desprende do ho"ueentre dois in#initos prprios ondio humana: a grande&a in#inita "ueo homem eperimenta ante os animais, em relao aos "uais se sentesuperior, e a mis)ria in#inita "ue o homem eperimenta em relao ao serabsoluto, "ue nuna ri!Na Antig.idade, o riso no marava a di#erena entre os homens eos deuses: estes ;ltimos tamb)m riam! [? Bas tanto o riso "uanto orisvel eram passveis de ondenao, na medida em "ue nos a#astavam,no do 'eus risto, ) laro, mas do #ilso#o tal omo /lato oonebia! 4omente o #ilso#o, atingindo o bem e o ser, podiaeperimentar o pra&er puro do saber, "ue o preenhia, pode-se di&er, maneira do gaudium spirituale da teologia medieval! A verdade plena -se8a a do #ilso#o, se8a a do telogo - elui a #ra"ue&a humana doriso! stamos portanto bem longe das teorias do s)ulo "ue atribuemao riso e ao risvel um papel indispensvel na apreenso da totalidadedo 'asein: o no-s)rio ) a"ui desneessrio para a atividade dopensamento!m seu artigo sobre o riso na +dade B)dia, He Fo## prouraordenar 0ronologamente as di#erentes atitttdes om relao ao riso!ntre os 4)ulos +V e *, haveria predominado a represso do modelomonstio! m seguida, teramos, no Cmbito da +gre8a, a domestiao doriso, e, no

    _@

    Cmbito da orte, sua liberao, om o desenvolvimento da stira e dapardia! a partir do s)ulo *++ - mais partiularmente om 7ranisode Assis -, um semblante risonho, dotado de espiritualidade e bondadeomearia a se meslar onduta dos santos, at) ento rigorosamentes)rios! /or #im, haveria o riso desen#reado da 9ultura do riso9estudada por BiLhail 6aLht8ne, ainda "ue He Fo## onteste a periodi&aoproposta por esse autor!

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    Outro dado interessante no artigo de He Fo## ) a instituio dore #aetus, o rei brinalho, se assim se pode ham-lo, u8o primeiromodelo teria sido 2enri"ue ii da +nglaterra! No Cmbito da orte, o reiassumiria a #uno de #a&er brinadeiras, enuniar ditos espirituosos erir de um e de outro, #a&endo do riso "uase um instrumento de governo,uma imagem do poder!He Fo## ainda #a& meno ao gab, o riso #eudal: "uando reunidos,os homens ontavam histrias de guerreiros, eagerando suas proe&asDomo! por eemplo, ortar ao meio, om um s golpe de espada, oavaleiro e seu avaloE, passando assim boa parte de seu tempo de la&er!O r#aet&ts e o gab so evidentemente mani#esta(es prtias, e noonep(es terias do riso!Os tetos teolgios "ue tratam do assunto destaam outras"uest(es! 'e aordo om 4uhomsLi, ao longo de toda a +dade B)dia, os8ulgamentos sobre o riso e o risvel variaram segundo duas tend%nias: a"ue se re#eria 6blia e a "ue se apoiava em autores da Antig.idade!4eria possvel veri#iar nuanas na apreiao do assunto, dependendo deo autor ser mais marado pelos dogmas teolgio4 ou mais #amiliari&adoom o pensamento antigo!A primeira dessas tend%nias ondenava o riso e o risvel, tendo

    por #undamento as provas bblias de "ue esus 8amais rira! Os tetosdessa vertente bblia analisados por 4uhornsLi tratam sobretudo dasmedidas de interdio do riso! 0ondena-4e todo riso moderado etolera-se apenas o riso do gaitdium spirituale! Nos mosteiros e entre ossaerdotes, o risvel era proibido, por"ue as narrativas ou palavras "ueprovoavam riso #a&iam parte do disurso super#iial e in;til Do verbumotiosumE, de "ue o homem devia prestar ontas no u&o 7inal! No toanteao mundo leigo, vrios tetos ensuram os 8oulatores - os histri(es,antores, danarrinos ou bu#ues -, om os "uais os membros do lero nopodiam estabeleer rela(es e dos "uais era reomendado aos ristos sea#astar!4egundo 4uhomsLi, essas proibi(es, sempre reiteradas, revelama di#iuldade de #a&%-las umprir, inlusive pelo lero! 2averia entoum abismo entre as presri(es o#iiais da +gre8a e a prtia!

    _=

    A represso ao riso tamb)m ) destaada por He Fo## Nas regrasmonstias, por eemplo, o riso aparee omo a maneira mais violenta dese romper o sil%nio, uma virtude #undamental, sendo tamb)m o oposto dahumildade! A Regra do Bestre, do s)ulo V+, ) bastante inisiva: "uandoo riso est prestes a se epandir, ) preiso impedi-lo vigorosamente,p