o sacro dilema do inoperoso em giorgio agamben

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 Unisinos www.unisinos.br  Minha Unisinos Há uma questão que, diante de um discurso como o de  Ag amben , novamente se abre: poderá talvez a forma – ou seja, a ação ou a instituição – salvar-se da destruição de todo conteúdo necessário? Quem, a esse respeito, insiste em tons e negações anárquicas é tão irritante quanto quem pensa que a continuidade da instituição ou a anulação de toda ação negativa representam a condição de um radical passo à frente. A opinião é do filósofo italiano  An to ni o Neg ri , em artigo publicado no jornal Il Manifesto , 24-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto . Eis o texto. Com este livro, Opus Dei , parece concluir-se o caminho que Agamben empreendeu com Homo sacer . Um belo trecho de estrada, desde o início dos anos 1990, duas décadas. Uma arqueologia da ontologia conduzida (com um rigor que nem mesmo o jogo bizarro e enganoso dos numerozinhos postos para fingir uma ordem para diversos estágios da pesquisa conseguiu tornar opaco) – conduzida, portanto, até uma reabertura do problema do Sein. Uma escavação que nem Heidegger (na opinião do autor que se reivindica como jovem aluno do filósofo alemão) havia conseguido – porque aqui a ontologia é liberta de todo vestígio de "operatividade" d e toda ilusão de que ela possa se ligar à vontade e ao comando. O que resta disso? "O problema da filosofia que vem é o de pensar uma ontologia para além da operatividade e do comando, e uma ética e uma política totalmente libertas dos conceitos de dever e vontade". A demonstração de que a ontologia criticada por Heidegger ainda é, no fundo, uma teoria da operatividade e da vontade, é uma ideia indubitavelmente verdadeira. Schürmann já a havia desenvolvido quando criticara o Sein como a própria ideia de "arché" e, portanto, como indistinção de início e de comando. Seguir o desenvolvimento e a organização Compartilhar Imprimir  Enviar por e-mail Diminuir   / Au men tar  a letra NOTÍCIAS » Notícias Segunda, 01 de outubro de 2012 O sacro dilema do inoperoso em G iorg io Aga mben. Artigo de Antonio Negri Início Sobre o IHU Áreas Notícias Entrevistas Publicações Eventos Cepat Espiritualidade Entre em contato

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Agamben e o inoperoso

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  • Unisinoswww.unisinos.brMinha Unisinos

    H uma questo que, diante de um discurso como o de Agamben, novamente se abre: poder talvez a forma ou seja, a ao ou a instituio salvar-se da destruio de todo contedo necessrio? Quem, a esse respeito, insiste em tons e negaes anrquicas to irritante quanto quem pensa que a continuidade da instituio ou a anulao de toda ao negativa representam a condio de um radical passo frente.

    A opinio do filsofo italiano Antonio Negri, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 24-02-2012. A traduo de Moiss Sbardelotto.

    Eis o texto.

    Com este livro, Opus Dei, parece concluir-se o caminho que Agamben empreendeu com Homo sacer. Um belo trecho de estrada, desde o incio dos anos 1990, duas dcadas. Uma arqueologia da ontologia conduzida (com um rigor que nem mesmo o jogo bizarro e enganoso dos numerozinhos postos para fingir uma ordem para diversos estgios da pesquisa conseguiu tornar opaco) conduzida, portanto, at uma reabertura do problema do Sein. Uma escavao que nem Heidegger (na opinio do autor que se reivindica como jovem aluno do filsofo alemo) havia conseguido porque aqui a ontologia liberta de todo vestgio de "operatividade" de toda iluso de que ela possa se ligar vontade e ao comando. O que resta disso? "O problema da filosofia que vem o de pensar uma ontologia para alm da operatividade e do comando, e uma tica e uma poltica totalmente libertas dos conceitos de dever e vontade".

    A demonstrao de que a ontologia criticada por Heidegger ainda , no fundo, uma teoria da operatividade e da vontade, uma ideia indubitavelmente verdadeira. Schrmann j a havia desenvolvido quando criticara o Sein como a prpria ideia de "arch" e, portanto, como indistino de incio e de comando. Seguir o desenvolvimento e a organizao

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    Segunda, 01 de outubro de 2012

    O sacro dilema do inoperoso em Giorgio Agamben. Artigo de Antonio Negri

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  • sucessiva dessa ontologia da operatividade que dos neoplatnicos aos Padres da Igreja, dos filsofos latinos a Kant, de Toms e Heidegger pe uma ideia do ser completamente assimilada da vontade/comando tarefa de Agamben, aqui resolvida com grande maestria.

    Aristteles, em primeiro lugar. Na sua teoria da virtude como hbito, ele poderia ter arrancado o ser de toda pulso aportica com relao virtude e, assim, libertar-se de toda operatividade valorfica: ele no faz isso, apesar de ser aquele que, nas origens da metafsica, havia concebido a virtude como relao com a privao e como determinao ontolgica inoperante. Mas da em diante segundo Agamben , as coisas vo de mal a pior.

    No cristianismo (mais uma vez a imerso na relao entre neoplatonismo e patrstica solicita Agamben no seu proceder),ao e vontade comeam a servir de padres. Deixemos aos medievalistas o julgamento sobre a correo da anlise agambeniana: a ns, basta seguir o seu fio que mostra uma consistncia indubitvel. Agora, a aporia aristotlica como se definia na alternativa de conectar (ou no conectar) o hbito e a virtude, o ser e o dever, a passividade e a atividade, desaparece na Escolstica.

    O hbito crtico, ao contrrio, ordenado constitutivamente na ao, e a virtude no consiste mais no ser, mas sim no agir e somente atravs da ao que o homem se assemelha a Deus. Assim, em Toms: " essa ordenao constitutiva do hbito ao que a teoria das virtudes desenvolve e leva ao extremo". Da em diante, a histria da metafsica, despojada da arqueologia crtica, mostra uma bela continuidade e revela uma espcie de nsia perversa (segundo Agamben) a desenvolver e aprofundar aquele princpio operativo da tica e aquele conceito de virtude como obrigao e dever que a teologia medieval lhe havia concedido como herana.

    A "dvida infinita" em que consiste, segundo os filsofos da Segunda Escolstica, o dever religioso foi assim definitivamente se implantando nas metafsicas da modernidade. Com Kant, aparece pela primeira vez a ideia de umatarefa e de um dever infinitos, inalcanveis, mas nem por isso menos necessrios. Em uma passagem exemplar, Agamben resume: "Aqui se v com clareza que a ideia de um 'dever-ser' no apenas tica ou nem apenas ontolgica: ela liga, ao invs, aporeticamente ser e prxis na estrutura musical de uma fuga em que o agir excede o ser no apenas porque lhe dita sempre novos preceitos, mas tambm e principalmente porque o prprio ser no tem outro contedo seno uma pura dvida".

    Nas pginas seguintes, Agamben insistir polemicamente na interrogao da ideia da lei moral, no seu aprofundamento da forma da autoconstrio e at do prazer masoquista na lei. "A substituio do 'nome glorioso de ontologia' pelo de 'filosofia transcendental' significa, de fato, que uma ontologia do dever-ser j tomou o lugar da ontologia do ser".

    Uma discusso e uma concluso totalmente heideggeriana, se diria. E, no entanto, percebe-se logo, essa referncia decepciona Agamben. "Mesmo Heidegger desenvolve uma ontologia que mais solidrio do que se acredita com o paradigma da operatividade que ele pretende criticar". Ficamos estupefatos com essa afirmao. Heidegger no havia, portanto, ido muito adiante na destruio da ontologia da modernidade? Ele j no havia despojado o bastante o Seindaquilo que lhe era possvel atribuir de humano?

    No insiste Agamben , h um ponto em que Heidegger cede tentao de uma ontologia operativa: so a teoria da tcnica, a crtica do Gesell que descobrem essa irresoluo. "No se compreende a essncia metafsica da tcnica se ela for entendida somente na forma da produo. Ela , tambm e acima de tudo, governo e oikonomia, que, no seu resultado extremo, tambm podem temporariamente pr entre parnteses a produo causal em nome de formas mais refinadas e difundidas de gesto das pessoas e das coisas". Auschwitz ensina! J em O Reino e a glria, com um pouco de ateno, se podia ler essa concluso.

    Aqui me nasce uma suspeita. Isto , que esse livro, Opus Dei, embora resuma e desenvolva, como j se disse, as anlises de O Reino e a glria, na realidade, no apenas o completamento daquele filo arqueolgico de pensamentoe de trabalho agambenianos. Esse livro marca, ao invs, a separao definitiva de Agamben e Heidegger: a escolha ontolgica se eleva sobre a qualidade arqueolgica das anlises, e o choque se d em nvel fundamental. Heidegger aqui acusado de ter conseguido apenas uma soluo provisria para as aporias do ser e do dever-ser (ou seja, da operatividade): indeterminao mais do que separao, mais do que escolha de um outro terreno ontolgico. Devo admitir que senti uma certa satisfao relevando-o. Mas foi curta. Qual , de fato, o Sein ulteriormente inescrutvel que Agamben agora, mesmo contra Heidegger, nos prope? J antes, em 1990, antes de se aventurar no longo episdio do Homo Sacer, em La Comunit che viene, Agamben havia se afastado de Heidegger: havia ento cedido a uma solicitao benjaminiana, quase marxista, na promoo de um desafio ao sentido humanista do ser. Agora, certamente no nesse sentido que Agamben procede. Ele se move, ao contrrio, contra todo humanismo, contra toda possibilidade de ao, contra toda esperana de revoluo.

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  • Mas como Agamben chegou a a, a esse niilismo radicalizado, no qual, agitando-se, se compraz por ter superado (ou levado a termo) o projeto de Heidegger? Ele chega atravs de um longo processo que se articula em duas direes: uma de crtica propriamente poltico-jurdica, a outra arqueolgica (uma escavao teolgico-poltica). Carl Schmitt est no centro desse caminho: ele guia as duas direes, aquela que leva qualificao do poder como exceo, e portanto como fora e destino, instrumentao absoluta e sem qualidade de toda tcnica, e sadismo da finalidade; de outro lado, aquela que leva qualificao do poder como iluso teolgica, ou seja, impotncia, isto , a impossvel confiana naefetualidade, portanto: incitamento inoperatividade, portanto, denncia da frustrao necessria da vontade, do masoquismo do dever.

    As duas coisas andam juntas. quase impossvel, recuperada a atualidade dos conceitos schmittianos do "Estado de exceo" e do "teolgico-poltico", compreender se eles representam o maior perigo ou, ao invs, se se trata simplesmente de uma abertura sua verdade. A metafsica e a diagnstica poltica se rendem indistino. Mas isso seria irrelevante, talvez, se nessa indistino no fosse afogada toda possvel resistncia. Voltemos s duas linhas identificadas: todo o percurso que o Homo sacer segue se desenvolve nesse duplo trilho. A segunda linha sumarizada por O Reino e a glria.

    Insistimos: essa segunda linha tambm movida pela Teologia poltica de Carl Schmitt e pelo confronto com a ontologia de Heidegger. Dizemos isso para evitar que se confunda a arqueologia de Agamben com a de Foucault. Em Agamben, falta a histria, aquela histria que em Foucault, no arqueologia da modernidade, mas tambm genealogia ativa do presente, do seu dar-se, assim como do seu desfazer-se, do seu ser assim como do seu devir. A histria, para Agamben, no existe. Melhor, no mximo histria do direito, que justamente o nico lugar onde o filsofo pode ser gramtico e analista das gramticas do comando. Mas, certamente, tambm o lugar onde biopoltica e genealogia podem se apresentar apenas de maneira linear como destino, justamente. Porque aqui no aparece nem a sombra da subjetividade, da produo e, ao invs, parece que esta ltima totalmente submissa ao bloco do fazer, da tcnica, do agir e, sobretudo, da resistncia.

    No de se estranhar, portanto, em Opus Dei, as exemplificaes jurdicas que Agamben apresenta como prova definitiva das suas teses. A absolutizao do dever no direito seria introduzida por Pufendorf mais do que por Hobbes (e esse processo se conclui com Jean Domat). Pode ser. Uma distante histria do sculo XVII, portanto, que marcha simultaneamente com o nascimento e o desenvolvimento da Segunda Escolstica (quanto lhe deve o prprio Heidegger!)e da definitiva estabilizao de uma metafsica da operosidade, da virtude eficaz. Mas especialmente importante porque, como vimos, Kant que retoma esse motivo e, depois de Kant, Kelsen o absolutiza na figura fundamental do dever jurdico, do Sollen. Lembre-se: no tanto a concluso kelseniana que afirma a relao entre direito e comando como necessria que importante aqui; a importncia est no fato de que ela retoma a mil quilmetros de distncia da sua primeira afirmao, embora viva em toda a "ideologia europeia" aquele nexo interno liturgia que vai da operatividade econmica ao ser divino, caindo homogeneamente atravs das dedues jurdicas, at a necessidade fundante do Sollen: tudo isso nada mais representa do que o comando inescrutvel da divindade. Assim, de Kelsen, fez-se o igual de Schmitt e, como se devia mostrar, as duas linhas abertas por Homo Sacer se recompem: de um lado, a crtica da exceo e, de outro, a crtica do Sollen, filtrada na oekonomia crist, definitivamente se unificam. Mas se essa reduopode ser em linhas muito gerais e em um terreno que j no mais nem jurdico nem poltico aceita; se verdade que a prtica de governo fundada no direito de exceo e na pretenso da eficcia econmica substituiram toda formaconstitucional de governo; se, como lembrava Benjamin h tanto tempo, "o que j efetivo o estado de exceo em que vivemos e que no saberemos mais distinguir da regra": bem, dito isso, o que, segundo Agamben, pode nos libertar? (Desde que a pergunta ainda faa sentido!)

    Chegamos assim ao trmino de um caminho complexo. preciso que nos libertemos do conceito e da potncia de vontade: assim que Agamben comea a responder pergunta. Devemos nos libertar da vontade que quer ser instituio, que quer ser eficincia e pontualidade. As razes, as conhecemos. Na filosofia grega da idade clssica, o conceito de vontade no tem significado ontolgico; essa deturpao ontolgica introduzida pelo cristianismo, forando elementos embrionalmente presentes em Aristteles. Assim, o dever introduzido na tica para fundamentar o comando. Assim, a ideia de uma vontade elaborada para explicar a passagem da potncia ao ato. Desse modo, toda a filosofia ocidental posta dentro de um campo de insolveis aporias que triunfa na modernidade plena, com a redefinio do mundo como produto de tecnologia e de indstria (o que mais evidente do que a realizao, do que o devir eficaz do poder na realidade, na atualidade o que mais do que esse horizonte?). Novamente, se impe a questo: como sair disso? Como reconquistar um ser sem efetualidade? Que belo enigma Agamben nos deu!

    Provavelmente haveria um caminho que Agamben, nesse ponto, ainda poderia percorrer. a do spinozismo, isto , um caminho em que o poder se organiza imediatamente como dispositivo de ao, onde violncia e prazer se determinam

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    Edio nTropicalismo. O desejo de uma modernidade amorosa para o

    Edio nA era do lixo

  • nas instituies da multido, e a capacidade constituinte se torna esforo para construir, na histria, liberdade, justia e comum. Agamben percebe essa sada, perfeitamente ateia. Ele a capta, de fato, na insultante rejeio do atesmo deSpinoza que, em um momento crtico da modernidade, Pufendorf e Leibniz declaram. Mas o ser que Agamben nos apresenta , por enquanto, de tal forma obscuro e plano, a imanncia de tal modo indistinta, o atesmo to pouco materialista, o niilismo de tal forma triste, que Spinoza realmente no pode estar em jogo mesmo considerando, ele, como superstio toda ideologia do Estado que no fosse produto da multido e, como fundamento intransitivo de liberdade, o corpo (os corpos da multido). Nem Spinoza, por outro lado, espera que as formas de vida do Ocidente cheguem sua consumao histrica (recusando-se, enquanto isso, a agir, porque a vontade no morderia a efetualidade). Ele sabe, ao invs, responder pergunta sobre o agir, sobre a esperana, sobre o futuro.

    O que o Iluminismo? Essa a pergunta que atravessa, com a filosofia de Spinoza, as de Maquiavel e de Marx e que, na atualidade, foi gloriosamente retomada por Foucault. Contra o nazismo ontolgico de Heidegger. No final, o nico lugar do longo caminho percorrido por Agamben, no qual o limite ontolgico de potncia poderia ser alcanado, quando, deslocando a nfase das formas lingusticas do ser histrico, a forma de vida se destaca no do direito emabstrato, mas sim daquele direito historicamente dado (ou seja, do direito de propriedade), no do comando em geral, mas sim daquele comando que da produo capitalista e do seu estado. Trabalhar para a dissoluo do direito depropriedade e da lei do capitalismo o nico niilismo operativo que as pessoas virtuosas proclamam e agem. Mas mesmo essa hiptese Agamben descarta recentemente, no seu Altissima povert.

    Como acabar essa histria? H uma questo que, diante de um discurso como o de Agamben, novamente se abre: poder talvez a forma ou seja, a ao ou a instituio salvar-se da destruio de todo contedo necessrio? Quem, a esse respeito, insiste em tons e negaes anrquicas to irritante quanto quem pensa que a continuidade da instituio ou a anulao de toda ao negativa representam a condio de um radical passo frente. O provvel, ao invs, contra esses extremismos, que, como em outras pocas revolucionrias, anarquismo e comunismo, em formas novas, cada vez mais, nas lutas que atravessam o nosso sculo, estejam se reaproximando. Em todo caso, a nica coisa certa que, spinozianamente, "o homem guiado pela razo mais livre no Estado, onde vive segundo um decreto conjunto, do que na solido, onde obedece apenas a si mesmo".

    Veneza, 20 de fevereiro de 2012.

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