o sistema de saúde além de 2014 - portaldasaude.pt · ultrapassar, os padrões internacionais, e...
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O sistema de saúde além de 2014 Conclusões da conferência da Escola Nacional de Saúde Pública
e das Faculdades de Medicina da Universidade de Coimbra
e da Universidade do Porto. 20 e 26 de fevereiro de 2013
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ÍNDICE
Introdução ............................................................................................................ 3
Programa da Conferência ................................................................................... 6
1. Intervenções de abertura ................................................................................ 8
2. Fontes de financiamento do SNS ................................................................... 15
3. Sistema de Saúde Português ......................................................................... 21
4. Modelos de pagamento da prestação de cuidados de saúde ..................... 32
5. Rede hospitalar ...............................................................................................36
6. Organização do trabalho .............................................................................. 49
7. Qualidade e eficiência .................................................................................... 59
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Introdução
O sistema de saúde português tem sido capaz de gerar ganhos em saúde importantes nas últimas
décadas. A evolução positiva dos principais indicadores de saúde permitiu atingir, e em alguns casos
ultrapassar, os padrões internacionais, e a população portuguesa dispõe hoje de um sistema de saúde
capaz de assegurar aos cidadãos, sem discriminação de acesso, cuidados de medicina preventiva,
curativa e de reabilitação, independentemente da sua condição económica.
Os bons resultados em saúde foram acompanhados de crescimentos sucessivos da despesa em saúde,
que no final da primeira década do século XXI tinha atingido valores preocupantes. O problema da
sustentabilidade financeira do sistema de saúde está no topo da agenda dos decisores há cerca de uma
década, fruto de um conjunto de pressões internas e externas que contribuíram para o aumento da
despesa em saúde. Parte das pressões resultaram de fatores comuns a muitos outros sistemas de
saúde, como o ritmo de inovação tecnológica, o aumento da prevalência de doenças crónicas, o
envelhecimento da população ou o aumento das expectativas legítimas dos utilizadores do sistema.
Mas fatores específicos levaram a que a despesa em saúde em Portugal fosse, em 2010, superior à de
outros países com níveis de vida e resultados em saúde semelhantes. Verificaram‐se profundas
alterações na demografia, com o envelhecimento da população a atingir em Portugal níveis extremos.
Alteraram‐se as acessibilidades e a distribuição da população no território nacional, com um peso
crescente das populações residentes nas zonas urbanas, que tornaram desadequada uma rede de
prestação de serviços que na essência sofreu poucas alterações desde a constituição do SNS, como por
exemplo no excesso de maternidades, ou na falta de camas de cuidados continuados.
As alterações nas condicionantes só por si justificariam a necessidade de reformar o sistema de saúde
português, mas as dificuldades financeiras que Portugal tem enfrentado durante esta década, e a
consequente execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), tornaram a
reforma do sistema de saúde mais pertinente e mais urgente. As medidas adotadas em 2011 e 2012
visavam, naturalmente, evitar a ruptura financeira eminente. Foi possível assegurar a sustentabilidade
económico‐financeira do SNS, ao mesmo tempo que foi reforçada a garantia de acesso a cuidados de
saúde de qualidade a que os portugueses se habituaram.
No entanto, a necessária reforma do sistema de saúde não se pode esgotar no conjunto de medidas
adotadas durante o PAEF. As alterações demográficas e epidemiológicas da população portuguesa, as
alterações tecnológicas e a evolução dos recursos disponíveis, justificam uma reforma estrutural do
sistema de saúde português, que deverá ser concebida com um horizonte de médio prazo, muito para
além dos constrangimentos impostos pelo PAEF.
Quais são as reformas adicionais que deverão ser implementadas, qual a ambição da reforma da saúde
no futuro?
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A resposta a esta questão não é óbvia, e merece uma discussão informada. Foi por essa razão que o
Ministro da Saúde desafiou os Diretores da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de
Lisboa (ENSP), da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e da Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto (FMUP) a organizar uma conferência‐debate sobre o futuro do
sistema de saúde português. As três escolas, referência de qualidade no estudo da saúde em Portugal,
lançaram‐se na tarefa de organizar uma discussão no seio da academia sobre o futuro do sistema de
saúde, focalizada no médio e longo prazo, no horizonte para além de 2014, em vez de se limitar às
questões correntes e imediatas. A discussão pretendia ser académica na solidez da fundamentação,
mas também capaz de gerar conclusões que se pudessem materializar em políticas concretas e
implementáveis.
Os Diretores da ENSP, Prof. João Pereira, da FMUC, Prof. Joaquim Murta, e da FMUP, Prof. Agostinho
Marques, com o apoio do Prof. Álvaro Almeida, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto,
identificaram os seis grandes temas que consideraram mais relevantes na evolução do sistema de
saúde português, e selecionaram um conjunto de peritos, académicos e/ou com obra publicada nas
áreas em discussão, capazes de apresentar contributos relevantes para a discussão. Os seis temas
foram distribuídos por duas sessões de debate.
A primeira sessão decorreu no dia 20 de Fevereiro de 2013, na Aula Magna da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto, e foi dedicada aos temas relacionados com a organização do sistema de saúde,
em especial o seu financiamento e as relações entre sector público e privado. Os trabalhos iniciaram‐se
com uma sessão de abertura presidida pelo Ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo, e onde participaram
o Diretor da FMUP, o Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de São João, e o
Presidente da Associação de Estudantes da FMUP.
O primeiro debate, moderado pelo Prof. Agostinho Marques, foi dedicado ao financiamento do SNS.
Daniel Bessa, Álvaro Almeida, Filipe de Almeida e Francisco Ramos debateram as perspetivas futuras do
financiamento do SNS através do Orçamento do Estado, as evoluções possíveis do financiamento do
SNS por outras vias, nomeadamente através de copagamentos, seguros e outros, o tipo de serviços
prestados no âmbito do SNS e a forma de definir a carteira de benefícios, e a equidade do
financiamento.
O segundo debate, moderado pelo Prof. Álvaro Almeida, foi dedicado à estrutura do Sistema de Saúde
Português. José Mendes Ribeiro, Constantino Sakellarides, Miguel Guimarães, José Martins Nunes e
Nascimento Costa debateram o papel dos subsistemas públicos, em especial a ADSE, e a sua relação com o
SNS, a liberdade de escolha e a concorrência entre prestadores públicos e privados portugueses, e a
concorrência com prestadores de outros países, nomeadamente a capacidade de os prestadores portugueses
competirem no mercado do turismo de saúde.
O terceiro debate, moderado pelo Prof. Miguel Gouveia, foi dedicado aos modelos de pagamento da
prestação de cuidados de saúde. Nuno Sousa Pereira, António Ferreira, Pedro Lopes e Rui Santana
debateram os modelos de avaliação dos prestadores, discutiram a viabilidade da adoção de modelos de
pagamento da saúde, em alternativa aos atuais modelos de pagamento da produção, e a adoção de
modelos de financiamento por capitação, associado a processos de ajustamento pelo risco, e
debateram a iniquidade no financiamento dos prestadores.
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A segunda sessão decorreu no dia 26 de Fevereiro de 2013, no Salão Nobre da Escola Nacional de Saúde
Pública, e foi dedicada aos temas relacionados com a organização e funcionamento da rede de
prestação de cuidados de saúde. Os trabalhos iniciaram‐se com uma sessão de abertura presidida pelo
Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Dr. Fernando Leal da Costa, e onde participaram o
Diretor da ENSP e o Diretor da FMUC.
O quarto debate (primeiro da segunda sessão), moderado pelo Prof. Joaquim Murta, foi dedicado à
reestruturação da rede hospitalar. Fernando Araújo, José Fernandes e Fernandes, Fernando Regateiro
e Miguel Castelo Branco debateram os problemas relacionados com a definição de redes de
referenciação hospitalar, a integração de cuidados de saúde, em especial os novos paradigmas de
gestão da doença crónica, as estratégias de eliminação da oferta excedentária, e ainda os obstáculos
que se levantam à execução de reformas, e a forma de os ultrapassar.
O quinto debate, moderado pelo Prof. António Sousa Uva, foi dedicado à organização do trabalho e
aos vários aspetos relativos aos recursos humanos. Artur Vaz, Sollari Allegro, Augusta Sousa e Carlos
Gante debateram os modelos de remuneração e sistemas de incentivos, os modelos de organização do
trabalho, a relevância dos conflitos de interesses, e em especial a imposição da exclusividade aos
profissionais de saúde, a formação e recertificação, o planeamento e mobilidade de recursos humanos
e a redefinição das funções das profissões.
O sexto e último debate, moderado pelo Prof. Pereira Miguel, foram dedicados aos temas da
qualidade, eficiência e inovação na prestação de cuidados de saúde. Vasco Maria, Pedro Pita Barros,
Teresa Mendes e Manuel Sobrinho Simões debateram a eficiência e qualidade na utilização de
medicamentos e dispositivos médicos, os modelos de governação das unidades do SNS adequados à
promoção da qualidade e eficiência, as relações entre a qualidade clínica e a inovação, e a investigação
e desenvolvimento na saúde.
O presente volume compila os principais temas apresentados em cada debate e as respetivas
conclusões. Cada capítulo corresponde ao resumo de um debate, tal como foi visto pelo respetivo
moderador. Haverá, por isso, alguma variedade no estilo e na forma, mas todos os capítulos têm em
comum o apresentarem contributos relevantes para a definição de uma estratégia de médio prazo para
a política de saúde em Portugal.
O Editor
Prof. Doutor Álvaro Almeida
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Programa da Conferência
Primeira sessão: 20 de Fevereiro de 2013
Aula Magna da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
10h30m: Sessão de Abertura
Paulo Macedo, Ministro da Saúde
Agostinho Marques, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
António Ferreira, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de São João
10h45m‐12h30m: Fontes de financiamento do SNS
Moderador: Agostinho Marques, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Daniel Bessa, COTEC
Álvaro Almeida, Faculdade de Economia da Universidade do Porto
Filipe de Almeida, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Francisco Ramos, Escola Nacional de Saúde Pública ‐ UNL
14h00m‐15h45m: Sistema de Saúde Português
Moderador: Álvaro Almeida, Faculdade de Economia da Universidade do Porto
José Mendes Ribeiro, Fundação Francisco Manuel dos Santos
José Martins Nunes, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Nascimento Costa, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Miguel Guimarães, Centro Hospitalar de São João
Constantino Sakellarides, INODES
16h15m‐18h00m: Modelos de pagamento da prestação de cuidados de saúde
Moderador: Miguel Gouveia, Católica Lisbon School of Business and Economics
Nuno Sousa Pereira, Porto Business School
António Ferreira, Centro Hospitalar de São João
Pedro Lopes, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Rui Santana, Escola Nacional de Saúde Pública ‐ UNL
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Segunda sessão: 26 de Fevereiro de 2013
Salão Nobre da Escola Nacional de Saúde Pública
10h30m: Abertura
Fernando Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde
João Pereira, Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública ‐ UNL
Joaquim Murta, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
10h45m‐12h30m: Rede hospitalar
Moderador: Joaquim Murta, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Fernando Araújo, Centro Hospitalar de São João
José Fernandes e Fernandes, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Fernando Regateiro, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Miguel Castelo Branco, Centro Hospitalar da Cova da Beira
14h00‐15h45m: Organização do trabalho
Moderador: António Sousa Uva, Escola Nacional de Saúde Pública ‐ UNL
Artur Vaz, Hospital de Loures
Sollari Allegro, Centro Hospitalar do Porto
Augusta Sousa, ex‐Bastonária da Ordem dos Enfermeiros
Carlos Gante, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
16h15m‐18h00m: Qualidade e eficiência
Moderador: José Pereira Miguel, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Vasco Maria, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Pedro Pita Barros, NOVA School of Business and Economics
Teresa Mendes, Instituto Pedro Nunes
Manuel Sobrinho Simões, IPATIMUP
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1. Intervenções de abertura
Intervenção do Ministro da Saúde na primeira sessão da conferência‐debate, dia 20 de
fevereiro, na Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto
O Estado Português assume, constitucionalmente, a função de promover a criação de um Serviço
Nacional de Saúde (SNS) que ofereça a todos os cidadãos, sem discriminação de acesso, cuidados de
medicina preventiva, curativa e de reabilitação, independentemente da sua condição económica. A
materialização de tal princípio constitucional implicou que na década passada o Orçamento do Estado
tenha suportado o financiamento de cerca de dois terços das despesas de saúde, e que as despesas de
saúde tenham representado cerca de um sexto da despesa corrente do Estado. Tal significa que há uma
forte interação entre as finanças públicas e a saúde em Portugal, e que o debate sobre a reforma do
Estado só estará completo depois de discutido o sistema de saúde.
Nos últimos dezoito meses, o Governo implementou um conjunto de medidas que mudaram o SNS.
Hoje estamos com uma melhor sustentabilidade económico‐financeira do que há um ano atrás, ao
mesmo tempo que foi reforçada a garantia de acesso a cuidados de saúde de qualidade a que os
portugueses se habituaram. No entanto, a sustentabilidade do SNS não está ainda garantida, e medidas
adicionais terão de ser adotadas.
As primeiras medidas implementadas pelo Governo, em 2011, visaram, naturalmente, evitar a ruptura
financeira eminente. As dívidas acumuladas de cerca de 3.000 milhões de euros levaram a ameaças de
suspensão de fornecimentos por parte dos fornecedores, que, em alguns casos, se materializaram, e
que se se generalizassem significariam o fim do SNS universal e geral que os portugueses tanto
consideram, com consequências desastrosas em termos de saúde pública e coesão social.
A situação de pré‐ruptura financeira que se vivia em 2011 resultou de má gestão do financiamento
público da saúde, que não considerou devidamente as limitações dos fundos disponíveis, mas também
de um conjunto de pressões internas e externas que contribuíram para o aumento da despesa em
saúde a um ritmo incompatível com o crescimento dos impostos arrecadados para o seu
financiamento. Parte das pressões resultam de fatores comuns a muitos outros sistemas de saúde,
como o ritmo de inovação tecnológica, o aumento da prevalência de doenças crónicas, o
envelhecimento da população ou o aumento das expectativas legítimas dos utilizadores do sistema.
Mas, fatores específicos levaram a que a despesa em saúde em Portugal fosse, em 2010, superior à de
outros países com níveis de vida e resultados em saúde semelhantes. Verificaram‐se profundas
alterações na demografia, com o envelhecimento da população a atingir em Portugal níveis extremos.
Alteraram‐se as acessibilidades e a distribuição da população no território nacional, com um peso
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crescente das populações residentes nas zonas urbanas, que tornaram desadequada uma rede de
prestação de serviços que na essência sofreu poucas alterações desde a constituição do SNS, por
exemplo no excesso de maternidades, ou na falta de camas de cuidados continuados.
As alterações nas condicionantes do sistema de saúde só por si justificariam a necessidade de reforma,
necessidade que é agravada com as restrições que enfrentam as finanças públicas. A reforma da saúde
que tem vindo a ser implementada pelo governo tem privilegiado o reforço de uma rede de prestação
de cuidados integrada, que dê resposta aos problemas de saúde de forma integral, coordenada e inter
e multidisciplinar, e que deverá ter o enfoque na prevenção e nos cuidados de proximidade.
Para tal, temos vindo a reforçar os cuidados primários e os cuidados continuados, iniciamos a
implementação da reforma hospitalar, reformamos a política do medicamento, e desenvolvemos
sistemas de informação que assegurem a integração da informação dos doentes e a partilha de
informação entre os vários prestadores.
A estratégia da política de saúde tem vindo a gerar resultados positivos, mas tal não significa que a
reforma do sistema de saúde esteja terminada. A sustentabilidade do SNS ainda não está assegurada,
pelo que continua a ser necessário encontrar novas formas de responder às necessidades dos cidadãos,
de modo a prestar melhores cuidados com os recursos disponíveis. É preciso continuar a reformar o
SNS, mudando o acessório para manter o essencial.
Quais são as reformas adicionais que deverão ser implementadas? A resposta a esta questão não é
óbvia, e merece uma discussão informada. Foi por essa razão que o Ministério da Saúde desafiou a
Academia, de três escolas que são uma referência de qualidade no estudo da saúde em Portugal para
uma conferência debate aberta à sociedade. Uma discussão organizada pela academia sobre o futuro
do sistema de saúde, focalizada no médio e longo prazo, no horizonte para além de 2014, em vez de se
limitar às questões correntes e imediatas, é uma discussão necessária, útil e que o Governo tem
obrigação de apoiar. Quais são as reformas necessárias, qual a ambição da reforma da saúde no âmbito
da reforma do Estado?
A discussão será particularmente útil se for aberta, com contributos diversificados, e se gerar
conclusões que se possam materializar em políticas concretas, implementáveis pelo Governo.
Gostaríamos que as propostas apresentadas acrescentem aos numerosos e sucessivos debates e à
vasta obra publicada. Seria também conveniente que as intervenções não se limitem a listar problemas
ou fatos, mas avancem propostas, identifiquem trade‐offs e definam prioridades entre as eventuais
propostas alternativas.
A utilidade do debate será ainda reforçada se as propostas forem consistentes com os elementos
essenciais do nosso sistema de saúde, que o Governo e os portugueses querem preservar.
É essencial assegurar que todos os cidadãos têm acesso a cuidados de saúde de qualidade, com custos
que sejam suportáveis pelos contribuintes e pelos utentes.
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É essencial que o sistema de saúde continue a ter como principal pilar um SNS universal, sustentável,
assente em prestadores públicos de dimensão e diferenciados, e financiado através dos impostos, de
natureza solidária e progressiva.
É essencial a constante preocupação com o reforço do acesso dos mais vulneráveis aos cuidados de saúde.
É essencial que todos os ajustamentos na despesa de saúde sejam equitativos, distribuindo o esforço
pelos diferentes intervenientes do sector, e minimizando os efeitos sobre os cidadãos.
E é essencial que todas as reformas potenciem os recursos humanos de elevada qualidade existentes
em Portugal, reforçando as qualificações e a satisfação dos profissionais de saúde.
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Intervenção de Fernando Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde,
na segunda sessão da conferência‐debate, dia 26 de fevereiro, no Salão Nobre da Escola
Nacional de Saúde Pública
Numa altura em que muitos falam de "mudar de política", sem que nos digam de que "política", nem
por que “política”, o Ministério da Saúde entendeu apoiar uma conferência‐debate sobre o que será e o
que deve ser a política de Saúde depois de 2014, terminado o PAEF (Programa de Ajustamento
Económico e Financeiro), e quais os caminhos para lá chegar.
O debate em curso, sobre a Reforma do Estado, deve congregar e unir, obrigar‐nos a refletir, aproximar
agentes e decisores políticos das pessoas e não ser instrumentalizado para fins de carácter partidário
que não clarifiquem nem permitam a inevitabilidade das mudanças.
Portugal precisa de decidir por si, com todos, para onde quer ir e como deve fazer para poder lá chegar.
Se não o fizermos de forma coesa e abrangente, numa altura em que a nossa soberania financeira é
diminuta, corremos o risco de assistir, mais uma vez, a decisões que não sejam tomadas só pelos
portugueses.
A Academia, numa iniciativa que agradecemos e não podíamos deixar de apoiar, convidou alguns, não
poderiam ter sido todos, dos mais conceituados especialistas nestas temáticas, e escolheu três
reputadas escolas das nossas melhores Universidades, desenhou um programa abrangente e
estimulante e vai hoje concluir uma segunda jornada de debates.
Desejamos que destes debates saiam indicações ─ se não chegarem a conclusões ─ sobre o que de
mais importante deve ser feito e, acima de tudo, o que temos de impedir que aconteça, para que o
sistema de saúde português se torne inviável e não possamos ter um SNS universal, geral e
tendencialmente gratuito.
A atuação do Ministério está sustentada em cinco princípios:
1. Assegurar um SNS sustentável, assente em prestadores públicos de dimensão apreciável.
2. Aumentar o acesso dos mais vulneráveis aos cuidados de saúde.
3. Ajustar equitativamente a despesa com distribuição do esforço pelos diversos intervenientes e
minimizando os efeitos sobre os cidadãos.
4. Manter o modelo de financiamento do SNS, baseado em impostos de natureza solidária e
progressiva.
5. Discriminação orçamental positiva para a Saúde.
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Demos provas, e seria fastidioso rever mais uma vez o que fizemos em ano e meio de governação, que
não nos desviámos destes princípios, embora aceitando que nos venham dizer que teremos de ser
menos solidários, menos inclusivos, menos transversais na aplicação de medidas, menos apostados na
conservação de um Orçamento do Estado que nos garante a capacidade de financiar um SNS adequado
às necessidades das pessoas, com relevo especial para os mais carenciados. Aceitamos que nos digam
isso, mas não será pelo que nos disserem que nos desviaremos dos nossos propósitos e dos nossos
princípios.
O que nos trouxe ao ponto de apoiar esta conferência não é a discussão do princípio ou da justeza da
solidariedade. A opinião de que necessitamos é sobre os caminhos para manter uma política de saúde
abrangente e solidária, depois de 2014, num modelo económico e de sociedade que não poderá repetir
os erros do passado, alguns deles de um passado bem recente, penosamente repetidos até junho de
2011.
O Ministério tem desenvolvido a sua ação através de um conjunto de cinco eixos estratégicos:
1. Aumentar a eficiência na prestação de cuidados de saúde.
2. Aproximar os cuidados de saúde dos cidadãos, reforçando os cuidados primários e os cuidados
continuados.
3. Aumentar a qualidade dos serviços hospitalares, implementando a Reforma Hospitalar.
4. Reformar a política do medicamento para aumentar o acesso e a qualidade das terapêuticas.
5. Internacionalizar o sector da saúde, contribuindo para o desenvolvimento da economia nacional.
Todos estes pontos estão em linha, como não poderia deixar de ser, com o Programa do Governo. Em
todos eles demos passos já muito significativos.
Alguns foram discretos, outros mais visíveis. Os cidadãos mais atentos, como os que estão nesta sala,
terão sido capazes de reconhecer a intenção estratégica e coordenada de medidas como a
implementação da racionalidade na prescrição, o registo de incidentes clínicos, a criação de normas de
orientação, a criação de comissões de farmácia e terapêutica nas administrações regionais de saúde e
no Infarmed, o alargamento do número de utentes em medicina geral e familiar, a criação de uma
tabela salarial para o regime de 40 horas para médicos, a revisão da lista de utentes em medicina
familiar, as criações de unidades locais de saúde e fusões de centros hospitalares, a progressiva
reorganização e expansão da urgência pré‐hospitalar, a acreditação de unidades, a reorganização dos
agrupamentos de centros de saúde, a criação e expansão de uma plataforma de dados de saúde, a
generalização da prescrição por denominação comum internacional, as intervenções no preço dos
medicamentos, o apoio à internacionalização do sector hospitalar público e privado, etc.
Não precisarei, espero bem, de enumerar todas as medidas tomadas em tão pouco tempo, a maioria
das quais sem precedente. Precisamos do vosso comentário sobre o que fizemos e devemos fazer.
Faremos mais, é certo, e estaremos sempre felizes com os que nos pedirem mais, em particular quando
os pedidos vierem de quem nada ou pouco fez quando teve oportunidade de fazer muito.
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Caros conferencistas,
Há certezas que não podem ser escondidas. Dívidas do presente são os impostos futuros. O Estado tem
custos e não tem outras fontes significativas de financiamento que não sejam as contribuições dos
cidadãos. O que temos de saber, e terão de ser os contribuintes a dizer‐nos, é quanto estão dispostos a
pagar e para quê. Que SNS querem, de que estão dispostos a abdicar, quais são as oportunidades que
pretendem trocar para ter um SNS mais geral e universal?
Entendo, é essa a minha opinião política, que necessitamos de um Estado Social, com propósitos e
resultados que garantam a coesão social, organizado de forma consensual em que possamos
compatibilizar o desenvolvimento económico com a manutenção da proteção social. Mas não nos
deixemos enredar na demagogia dos “almoços grátis”, e na gratuitidade absoluta quando,
simplesmente, isso não é comportável. O que é o Estado Social? Referimo‐nos à preocupação social que
todos temos de ter? Ou a um Estado que captura a sociedade e a atrofia ao ponto de a impedir de
crescer? Estes são exemplos de perguntas importantes a que só o consenso sobre a Reforma do Estado
pode responder.
Vivemos num país onde a maioria, infelizmente, não pode, quase outros tantos vão podendo menos e
subsiste uma minoria que ainda julga que pode mais do que a realidade lhes vai mostrando. É com este
tecido social, marcado por dificuldades das famílias e das pessoas, em que fomos despertados para um
país que se debate com o pagamento das dívidas que este Governo encontrou, com um cenário de
incertezas internacionais que estarão sempre lá e num contexto de envelhecimento e maior
dependência dos serviços de saúde, que temos de manter e melhorar um SNS que responda a todos e a
todas as necessidades.
Por tudo isto, é a altura de voltarmos ao básico. Precisamos, mais do que nunca, de eficiência,
efetividade, sustentabilidade, controlo de riscos.
O programa desta conferência, agora no seu segundo dia, percorre aspetos essenciais, diria fulcrais –
na designação física de ponto de apoio e rotação da balança – para a política de saúde. Financiamento,
sistema, pagamentos, no dia 20. Rede hospitalar, organização do trabalho, qualidade e eficiência, hoje.
Todos estes temas são passíveis de decomposição em assuntos específicos e sei que os intervenientes
o saberão fazer. Esta iniciativa da Academia não será, assim o desejamos, a última. Outras se seguirão,
numa lógica abrangente, em que procuraremos continuar a ouvir vozes críticas, seguramente as mais
desafiantes para um debate conclusivo, que queiram construir soluções que nos ajudem a responder
aos principais desafios:
Aumento da esperança de vida, diria da longevidade saudável.
Redução de episódios de doença, que terão de ser menos frequentes e mais curtos.
Redução do sofrimento evitável, num contexto da verdadeira medicina paliativa que não seja
dirigida só aos doentes terminais.
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Melhoria na qualidade de vida dos cidadãos, o que implica uma visão global do bem‐estar e a
aplicação sistemática de avaliação de impactos na saúde.
Garantia de cuidados de saúde de qualidade, escrutináveis e continuadamente aperfeiçoados.
Equidade no acesso à saúde, sem exclusões de carácter geográfico – o que não quer dizer que a
oferta não seja adaptada às circunstâncias demográficas ou das vias de comunicação – e sem
exclusões de carácter socioeconómico ‐ porque os mais ricos precisam tanto do SNS como os
mais pobres ‐ ou de carácter pessoal.
Redução do impacto económico e social da doença, o que pressupõe uma articulação
permanente com outros sectores do Estado.
Nascer com saúde, mas acima de tudo nascer, porque o aumento da natalidade é um
imperativo nacional.
Crescer com segurança, diria mesmo viver com segurança em todas as idades, locais ou
profissões.
Vida adulta produtiva, acima de tudo com possibilidade de realização pessoal num ambiente
social.
Envelhecimento ativo, independentemente da situação no mercado de trabalho, já que a
reforma não pode significar abandono de atividade.
Por tudo isto, é evidente que o nosso caminho, no imediato, tem a obrigação de garantir o combate ao
desperdício e à fraude, precisa de ser capaz de transmitir valor – no nosso caso, a saúde – para o
utilizador dos serviços, não pode alhear‐se de medidas que orientem a procura e corrijam os excessos,
por má distribuição, da oferta e da capacidade mal dimensionada – para mais ou para menos – e, mais
do que nunca, persistir – contra quem tiver que ser – na promoção de estilos de vida saudáveis, em
medidas de política preventiva, na correção de determinantes nocivos – começando pela pobreza – e
na proteção da saúde individual e coletiva.
A minha profissão, mais do que a minha forma intrínseca de ser, tornou‐me um otimista. Mas nem por
isso menos realista. Acredito na viabilidade do SNS, mesmo que para isso tenhamos de fazer ajustes e
sacrifícios. Os Portugueses precisam de certezas, não nos perdoarão mentiras, ainda que piedosas, e já
tiveram demasiadas falsas promessas.
Entendo que existe um consenso nacional amplo e consistente que nos permitirá encontrar as soluções
socialmente realistas, financeiramente comportáveis e tecnicamente adequadas para que o sistema de
saúde em Portugal, necessariamente baseado num financiamento público e com um SNS abrangente,
se desenvolva para lá de 2014, sem que tenhamos de estar sempre a discutir a sua viabilidade.
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2. Fontes de financiamento do SNS
Relator: Agostinho Marques
Palestrantes: Daniel Bessa
Álvaro Almeida
Filipe de Almeida
Francisco Ramos
Introdução
J. Agostinho Marques
A situação económica e financeira em que nos encontramos exige de todos, por imperativo cívico, que
se faça mais e melhor com menos recursos na generalidade dos serviços públicos. A limitação de
recursos financeiros não precisa de ser sublinhada; deve ser assumida como a condição justificativa das
discussões a desenvolver nos próximos dois dias de debate. A segunda parte da afirmação é mais
problemática. Fazer mais e melhor com menos recursos, porquê? A razão é ética. Apesar das
consideráveis realizações conseguidas pela comunidade no domínio da saúde, as pessoas precisam de
mais cuidados por eventuais insuficiências e porque as alterações demográficas produziram
verdadeiros contingentes de pessoas frágeis.
E será possível, neste contexto material, fazer mais? Com certeza. É possível reduzir custos supérfluos
que se avolumaram perante um desenvolvimento pouco exigente como demonstra a enorme
assimetria dos indicadores de gestão dos grandes hospitais públicos, mas sobretudo, quando já não for
possível construir hospitais, centros de saúde ou estradas, ainda será possível humanizar os serviços de
que dispomos. Elevar o nível de qualidade dos cuidados será sempre a última fronteira; a que requer
poucos recursos e compensa muito.
É habitual proclamar os louros do sistema de saúde porque é imensamente bem‐sucedido quando se
compara a situação atual com a do ponto de partida nos idos anos 80. Quando se entra em conta com
os custos reais e ainda quando se pensa que a construção se fez com materiais obtidos com crédito de
longo prazo que não sabemos como pagar, o ânimo esmorece. Ainda assim, ao comparar com os
restantes serviços do estado, a saúde fica bem. Contudo, quando ouvimos a opinião dos utentes com
dificuldades de obter uma consulta no ambulatório ou nos hospitais e olhamos as listas de espera
cirúrgicas, constatamos que as maravilhas de que falamos se esfumaram. Tradicionalmente sugerimos
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que as pessoas não têm razão para tantas queixas, são mal‐agradecidas ao Estado generoso. Será
assim?
É muito sensato ouvir o que as pessoas têm a dizer, sejam mais ou menos qualificadas. Os políticos ouvem‐nas
porque cada pessoa representa um voto; os responsáveis da saúde devem ouvi‐las para refrear o entusiasmo
e compreender que se houver insatisfação é porque os serviços de saúde sofisticados de que nos orgulhamos
são insuficientes. De novo é aqui o lugar de investir em qualidade. Com pouco dinheiro é possível dar
satisfação a inúmeras queixas individuais. É o lugar onde se pode fazer mais e melhor.
O “Debate sobre o sistema de saúde para além de 2014 “ abre com uma sessão que pretende
definir que recursos materiais haverá em 2014 para a saúde, para que as sessões seguintes com
especialistas de diversas áreas possam laborar sobre uma plataforma sólida. A pergunta básica
foi: em 2014 haverá 8‐9 mil milhões de Euros para a Saúde? Esta é a pergunta inaugural, foi
dirigida ao Professor Daniel Bessa.
Como tememos que não haja tanto dinheiro perguntamos ao Professor Álvaro Almeida se conhece
outras fontes de financiamento que permitam completar o financiamento eventualmente em falta. O
Professor Álvaro Almeida discorreu sobre a fonte adicional onde todas as atenções vão parar, à
participação dos utentes através de copagamentos e taxas moderadoras.
No mundo de incertezas onde nos movemos não podemos deixar de considerar a possibilidade de que
o empobrecimento do país faça regredir o sistema para níveis que não permitam satisfazer as atuais
exigências. Neste momento os doentes são tratados ainda com tudo o que é considerado pela
comunidade científica como o mais adequado ao seu problema, sem considerar o seu passado
contributivo, sexo ou idade. Podemos imaginar sem grande dificuldade cenários de rotura, como houve
repetidamente na história (bélica) europeia. Convidamos o Professor Filipe de Almeida a refletir sobre
as vertentes éticas destas situações limite que desejamos nunca vir a experimentar. Pretendemos
compreender como lidar com a contradição virtual entre uma Constituição que assegura o direito à
saúde e condições materiais limitativas da satisfação desse direito fundamental.
Os custos da saúde no país têm grandes assimetrias. É geralmente citado que os habitantes da área de
ULS de Matosinhos consomem menos recursos para atingir níveis de satisfação equivalentes aos do
resto do País. Se assim for, valerá a pena refletir empenhadamente nestas assimetrias para tentar pôr
em evidência as medidas capazes de poupar, quer nas áreas mais caras, quer em quaisquer outras, uma
vez que nunca se definiu o padrão organizativo ideal. Pediu‐se este exercício ao Professor Francisco
Ramos porque, além de ser técnico habilitado, teve experiência governativa que o confrontou com esta
e outras realidades, esperando a organização que tenha ideias próprias claras sobre a matéria.
Contributos
Daniel Bessa
À questão nuclear de haver ou não haver recursos financeiros para manter a dotação do Orçamento de
Estado para a saúde nos valores atuais em 2014, o Prof. Daniel Bessa respondeu diretamente, SIM. O
17
PIB excede os 150 mil milhões de euros, de modo que o valor a destinar à saúde consiste numa decisão
política do governo que a pode satisfazer livremente. Depois desta resposta tranquilizadora,
aprofundou o raciocínio, trazendo à discussão as variadas rubricas do orçamento do estado: Defesa,
Segurança Social, Educação, Justiça, Segurança, para concluir que a margem de liberdade real dos
governos é muito limitada, seguramente com dificuldades de continuar a responder ao aumento de
custos impostos pelos fármacos e pelos exames de diagnósticos, sempre mais sofisticados e mais
caros.
Depois de expor e discutir elementos publicados sobre a matéria, o Prof. Daniel Bessa concluiu que a
resposta só pode ser satisfatória se o país voltar ao crescimento económico significativo e sustentado.
A não ocorrer crescimento, a situação com que nos confrontamos é muito preocupante, justificando as
motivações que lançaram o debate.
Álvaro Almeida
A principal fonte de financiamento do SNS é o orçamento do Estado, e no quadro atual, a possibilidade
de recorrer a fontes alternativas é limitada. Uma das alternativas é aumentar os proveitos através da
prestação de serviços a utentes não abrangidos pelo SNS, ou seja, estrangeiros não residentes, o
habitualmente designado “turismo de saúde”, que será tratado noutro painel. A outra alternativa é
aumentar os proveitos provenientes de copagamentos dos serviços pelos utentes do SNS.
O termo “copagamento” designa o pagamento, pelo beneficiário de uma prestação, de um preço
correspondendo, ainda que parcialmente, ao custo da prestação obtida, no momento da sua utilização.
Na área da saúde, encontram‐se vários exemplos de copagamentos, como é o caso dos encargos dos
beneficiários na ADSE e outros subsistemas, dos copagamentos efetuados pelos detentores de seguros
de saúde e dos copagamentos de medicamentos pelos utentes do SNS. As taxas moderadoras também
são copagamentos, se bem que aquelas cumprem sobretudo uma função muito distinta destes, a de
racionalização do consumo.
As principais vantagens da utilização de copagamentos são o incentivarem os utentes a racionalizar a
sua procura de cuidados de saúde, permitindo maior eficiência na distribuição de recursos, e o facto de
se poderem constituir como fonte adicional de recursos financeiros. O principal inconveniente da
introdução de copagamentos é o risco de porem em causa o princípio da cobertura universal, isto é, a
garantia que todos os cidadãos estão protegidos contra o risco financeiro da doença por alguma forma
de seguro de saúde (em sentido lato), podendo aceder a cuidados de saúde quando deles necessitarem
sem sofrerem ruína financeira (na definição da OMS). Acresce que nos moldes atuais, o seu contributo
para o financiamento do sistema é reduzido, sobretudo depois de descontados os elevados custos
administrativos associados à sua cobrança.
Na perspetiva do financiamento, a questão política relevante é se é possível alargar os copagamentos
no âmbito do SNS para além dos níveis existentes, sem pôr em causa a cobertura universal, garantindo
que nenhum cidadão deixa de aceder aos cuidados de saúde de que necessita por causa dos
copagamentos.
18
Em 2012, as taxas moderadoras no SNS representaram proveitos de cerca de 160 milhões de euros, o
que corresponde a aproximadamente 2% da despesa do SNS. Os copagamentos pelos utentes dos
medicamentos abrangidos pelo SNS representaram quase 700 milhões de euros, um valor mais
importante, mas em todo o caso uma fração ainda pequena (10%) da despesa do SNS.
O potencial de financiamento decorrente de um aumento das taxas moderadoras atuais é muito
limitado. Por exemplo, um aumento “enorme” de 50% das taxas moderadoras vigentes em 2012 (por
sua vez muito mais elevadas que as vigentes em 2011) geraria apenas 80 milhões de euros, no máximo.
Uma alternativa seria alargar o leque de atos sujeitos a copagamentos. O princípio dos copagamentos
poderá ser aplicado potencialmente a todas as prestações de serviços de saúde. No entanto, a
introdução de copagamentos pode atrasar a utilização de serviços, incentivando os utentes a adiar o
recurso a cuidados de saúde até à fase aguda da doença. Assim, parece‐nos que os cuidados
preventivos não devem ser sujeitos a copagamentos (por exemplo, duas consultas anuais com o
médico de família poderiam estar isentas). Por outro lado, há quem argumente que prestações de
serviços determinadas pelo médico prescritor e não pelo utente deveriam estar isentas, porque não
foram escolhidas por este. Não nos parece que deva necessariamente ser assim, até porque no SNS já
existem copagamentos pelo utente que resultam da prescrição do médico (por exemplo, as taxas
moderadoras dos MCDT).
Porém, o potencial de financiamento associado ao alargamento dos atos sujeitos a copagamentos
também é limitado. Por exemplo, a recuperação das taxas moderadoras sobre internamentos e cirurgia
de ambulatório que vigoraram entre 2007 e 2009, e que foram abandonadas devido ao seu elevado
custo político, geraria menos de 15 milhões de euros.
Parte da razão que limita o potencial de financiamento dos copagamentos atualmente existentes é o
elevado número de utentes isentos do pagamento de taxas moderadoras (cerca de 60% dos residentes
em Portugal). Acresce que os utentes isentos representam uma percentagem ainda maior dos
utilizadores do SNS, em parte porque o efeito racionalizador dos copagamentos não se faz sentir sobre
estes utentes.
A proposta que trazemos a este debate, assenta na revisão do atual modelo de isenções de taxas
moderadoras. Concretamente, propomos que se substitua o atual modelo de isenções totais para
determinados utentes, por um modelo em que se limita os encargos anuais com copagamentos a
valores que sejam suportáveis pelas famílias, e, logo, não ponham em causa o princípio da cobertura
universal.
No modelo que propomos, cada ato está sujeito ao pagamento de uma taxa moderadora (por
exemplo, com os valores atualmente em vigor). Em 1 de janeiro de cada ano, não há utentes isentos:
todos os utentes estão sujeitos ao pagamento de taxas moderadoras. No entanto, a partir do
momento em que o valor total de encargos com copagamentos no SNS (prestações de serviços e
medicamentos prescritos no SNS) do agregado familiar atingir um determinado limite, o utente
passaria a estar isento, não tendo que pagar mais taxas moderadoras até ao final do ano. O limite anual
de encargos seria diferente para cada agregado familiar, e seria definido em função das suas condições
19
económico‐financeiras. Por exemplo, o limite poderia ser correspondente a 1% do rendimento anual do
agregado familiar.
A proposta apresentada permitiria aumentar significativamente os proveitos do SNS com
copagamentos, mas permitiria sobretudo racionalizar a procura, permitindo maior eficiência na
distribuição de recursos, já que o efeito racionalizador das atuais taxas moderadoras está muito
limitado pelo elevado número de utentes totalmente isentos. Acresce que o princípio da cobertura
universal continuaria assegurado: a fixação do teto anual como uma percentagem muito reduzida do
rendimento garante que os utentes têm capacidade financeira para suportar os encargos. Finalmente,
neste modelo os custos administrativos continuariam limitados aos níveis atuais, uma vez que, para o
prestador, cada utente só assume uma de duas categorias (isento / não isento) como atualmente. A
classificação de cada utente como isento ou não isento em cada momento seria facilitada pela
Plataforma de Dados em Saúde, que recolheria e manteria atualizada toda a informação sobre os
encargos suportados pelo utente.
Filipe de Almeida
O princípio de dar a todos os cidadãos os cuidados de saúde, em termos de diagnóstico e tratamento
com recursos indicados pelos técnicos de saúde, de acordo com as normas internacionais, isto é, tudo a
todos, tem sido o modelo, simultaneamente ideal e real nas sociedades modernas europeias, incluindo
Portugal. O nosso esforço patriótico deve centrar‐se nas medidas que evitem romper a situação ideal
vigente. Não é impossível imaginar que o agravamento da situação económica e financeira portuguesa
e internacional nos conduza à subversão deste contexto. Se chegarmos a uma situação de
incapacidade de sustentar o modelo, precisaremos de definir politicamente o que poderá ser feito, até
onde, e a quem. Discussões desta natureza deverão envolver toda a sociedade portuguesa, apesar da
extrema delicadeza e da dificuldade de manter discussões lúcidas em tempos de regressão. Ainda
recentemente, a propósito de um parecer solicitado ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da
Vida, ainda livres destes condicionamentos, os intervenientes públicos trataram de destruir o
documento antes de o estudar. Foi um grande exemplo das dificuldades que nos poderão esperar com
os atores em exercício.
Num quadro desta natureza é necessário respeitar os princípios fundamentais da ética, nomeadamente
o princípio da justiça. Na prosperidade ou na penúria o princípio fundamental é a equidade que recusa
distinções de idade, etnia, situação económica ou social.
Notas finais
Concluímos que em 2014 haverá grandes dificuldades orçamentais no financiamento da saúde que
obrigam desde já a um esforço tenaz de contenção e a medidas criativas de gestão de recursos para
assegurar os cuidados de saúde sem perdas importantes. O futuro imediato é igualmente preocupante,
dependendo da evolução da situação económico‐financeira nacional e internacional. O recurso a
20
copagamentos e o agravamento das taxas moderadoras teria efeitos discretos no financiamento.
Recorrer a estes expedientes poderá ser necessário por razões distintas dos objetivos em análise.
Quaisquer limitações na resposta aos doentes que advenham do agravamento das condições
financeiras terão de ser tratadas dentro da máxima equidade. Nunca poderá ocorrer diferenças de
cuidados devidas a orientações específicas de unidades de saúde ou roturas financeiras locais ou
regionais; sempre de acordo com regras universais transparentes.
A questão nuclear da assimetria regional dos custos das unidades de saúde por utente não foi tratada
no painel. Será retomada em painéis posteriores ao longo do debate.
21
3. Sistema de Saúde Português
Relator: Álvaro Almeida
Palestrantes: José Mendes Ribeiro
Constantino Sakellarides
Miguel Guimarães
José Martins Nunes
Nascimento Costa
Introdução
Álvaro Almeida
O sistema de saúde português não está limitado ao SNS, contrariamente ao que pode transparecer de
muitos debates que tendem a focalizar no SNS a discussão sobre o sistema de saúde.
A despesa do SNS representou 55% da despesa corrente em saúde em Portugal, no período 2001‐2010,
de acordo com os dados do INE.1 No mesmo período, a despesa em prestadores públicos representou
42% daquela despesa. Avaliando pela despesa realizada, o SNS representa pouco mais, e os prestadores
públicos pouco menos, de metade do sistema de saúde português. Há, pois, um leque de outros
financiadores e prestadores de cuidados de saúde que não pode ser ignorado nos debates sobre o
sistema de saúde em Portugal.
A importância dos prestadores não públicos e do financiamento não SNS implica não só que a reforma
do sistema de saúde terá de passar pelo resto do sistema, mas também que a reforma do próprio SNS
poderá beneficiar de uma interligação mais eficiente entre as diversas partes do sistema de saúde
português. O segundo painel debateu este tema, abordando‐o sobre diversas perspetivas.
1 Instituto Nacional de Estatística, Conta Satélite da Saúde, 2010.
22
Contributos
A. A separação entre financiamento e prestação no SNS
Mendes Ribeiro considera que a crise financeira internacional colocou um acrescido desafio ao
equilíbrio da economia portuguesa mas ajudou, também, a mostrar à evidência como a indisciplina
financeira, consumidora de recursos públicos (impostos), pode condicionar o processo de
desenvolvimento do país e comprometer a sua trajetória de convergência de crescimento com os
países mais desenvolvidos. A conjuntura económica obriga à reforma do sistema de saúde, que está
condicionada por três aspetos fundamentais: o compromisso implícito no contrato social de garantia
de universalidade do acesso; a sustentabilidade financeira, atual e futura, do SNS; a aplicação eficiente
dos recursos públicos na obtenção de resultados para a população.
A universalidade do acesso é um valor fundamental que não deve ser posto em causa, garantindo a
todos os cidadãos o acesso aos cuidados de saúde, de acordo com a sua necessidade, não excluindo
ninguém em função da sua capacidade de pagar, considera Mendes Ribeiro. A aplicação eficiente dos
recursos públicos implicará a operacionalização plena do princípio, também já consensual, na sua
opinião, da separação entre o financiamento e a prestação. Significa isto, em termos práticos, focar o
papel do SNS em assegurar a provisão dos cuidados de saúde necessários à população em alternativa
ao seu papel predominante de prestador direto. A introdução de mecanismos de mercado no sector da
saúde poderá ser o ponto de partida para uma reforma estrutural, indispensável e urgente, cuja
transição carece de tempo, progressividade e pedagogia.
Martins Nunes recordou que todos os sectores e subsectores do Estado foram convocados a diminuir a
despesa, ajustando‐a às receitas disponíveis para minorar o défice orçamental, pelo que o SNS tem
nesta fase uma preocupação emergente com os custos operacionais. Daí que as politicas do Ministério
da Saúde, na primeira fase, foram medidas de emergência, voltadas para o controlo de custos em
variadíssimas áreas, nomeadamente naquelas em que se admitia ganhos de eficiência e ganhos
operacionais para com terceiros. Efetivamente foi possível fazer ajustamentos na área do
medicamento, aquisição serviços externos, organização hospitalar, etc., num esforço que ainda não
terminou, e terá que ser acompanhado numa segunda fase por uma reorganização do SNS que relance
o financiamento e que obtenha ganhos de saúde, em concreto, que possa gerar “valor”. A abordagem
simplista do controlo da despesa através da diminuição dos custos operacionais tenderia a falhar numa
fase posterior, se fosse o único instrumento de controlo dos custos.
A finalidade de um Sistema de Saúde não é minimizar os custos, mas sim obter ganhos em saúde, logo
“valor acrescentado” por euro gasto, defendeu Martins Nunes. O nosso sistema de saúde deve ser
reorientado para esta nova perspetiva, obtendo valor a menor custo. Porter e Teisenberg (2006)
propunham a mudança do paradigma tradicional para uma redefinição de atuação na saúde assente na
criação de valor que geraria mecanismos de concorrência com base nos resultados. Em Portugal as
instituições prestadoras de cuidados de saúde têm uma procura que resulta do critério da repartição
administrativa do país para o tratamento dos doentes, não havendo concorrência entre instituições
públicas prestadoras de cuidados de saúde. Martins Nunes defende a introdução da livre escolha no
SNS – através do princípio da “mochila” financeira – que incentive as instituições públicas a concorrer
entre si com base no valor e na qualidade dos serviços. Recordou ainda que vários países europeus já
23
migraram ou estão a migrar para a separação entre prestação de cuidados de saúde e seu
financiamento, como, a Finlândia (contratualização é responsabilidade dos municípios), Suécia
(aquisição de serviços feita por agências públicas), Reino Unido (contratualização com grupos de
médicos de família), Holanda (contratualização com seguradoras) algumas regiões de Itália e de
Espanha, Bulgária, Estónia, Geórgia, Hungria, República Checa, e Roménia.
Miguel Guimarães defende que, enquanto bem público, a Saúde é um património que todos temos a
obrigação de defender e preservar, e é simultaneamente um bem privado, enquanto necessidade
básica de cada um de nós. Faz parte do capital humano, sendo essencial para o equilíbrio das
sociedades. A Saúde acrescenta mais valor à economia, à educação, à justiça e ao bem‐estar social. Por
isso, o SNS tem sido muitas vezes referido como o principal factor de coesão social e uma das principais
conquistas da nossa democracia. Debater o “Sistema de Saúde além de 2014” é pensar a sua
sustentabilidade, em face da crise económica e financeira que atravessamos, preservando o património
genético do SNS.
Neste contexto, Miguel Guimarães considera que vale a pena abordar o tema da liberdade de escolha e
concorrência, evitando o debate ideológico em torno da organização económica das sociedades
modernas. Até porque a prestação de cuidados de saúde apresenta características particulares, que
tornam discutível definir a concorrência como modelo de organização a implementar. E a reflexão
devida sobre a consagração prática da liberdade de escolha e concorrência no Sistema de Saúde
Português, deve ter sempre em mente que o SNS é um bem essencial que deve ser preservado a todo o
custo, que o investimento em saúde nos últimos 30 anos correspondeu a uma melhoria notável nos
indicadores de saúde pública a nível internacional (veja‐se os mais recentes relatórios da OCDE e da
OMS) e que os nossos profissionais de saúde competem em qualidade com os melhores do mundo
ocidental.
Nascimento Costa lembrou que qualquer reforma do sistema de saúde terá de envolver os profissionais
de saúde, e que um sistema de saúde eficaz pressupõe a existência de uma estrutura que decida e
planeie, realizando decisões políticas informadas, tendo defendido uma administração pública estável,
baseada no mérito e sem partidarização.
Constantino Sakellarides considera que o SNS é uma instituição portuguesa, com raízes históricas mais
interessantes do que possa parecer à primeira vista – tem sido a principal expressão das políticas
públicas na saúde das últimas 4‐5 décadas. Ser uma instituição significa, entre outras coisas, constituir
um património comum (de cidadãos e profissionais), uma referência cultural, identitária, de proteção e
pertença. Naquela Europa que adotou a solução tipo‐Beveridge para o seu sistema de saúde, é
seguramente na Inglaterra que essa referência cultural é mais forte (our NHS). Nos países do sul –
Portugal, Espanha, Itália e Grécia (que fizeram a sua “transformação Beveridgina” entre 1978 e 1986) –
Portugal é seguramente aquele onde esta referência é mais marcada.
As instituições resultam de uma vontade coletivamente expressa e vivida. Para Constantino
Sakellarides não parece fazer sentido jogá‐las no “mercado”. Considera que é necessário aperfeiçoar o
SNS, sem qualquer dúvida, mas que isso se faça através de mecanismos de concorrência entre o
“público” e o “privado” não lhe parece justificável. A alternativa ao SNS que por vezes é formulada,
mas nem sempre claramente explicitada, resume‐se na convergência das duas proposições seguintes:
24
(i) financiamento público a que acedem concorrencialmente o público e o privado; (ii) o Estado deve
ser financiador e regulador mas não prestador. Constantino Sakellarides considera que esta é uma
opção possível, mas não a opção adequada, já que considera o SNS – uma das melhores instituições
públicas do país (figura 1) – dispensável, e é provável que este caminho faça com que, num futuro não
muito distante, muita prestação de cuidados de saúde no país seja feita através de potentes cadeias
internacionais. Considera que nessa altura seremos muito menos cidadãos, porque reduzidos, uma vez
mais, à simples condição de consumidores.
Serviço Nacional de Saúde
SNS como instituição do país
Justiça
Educação
Centro de saúde reformados
Referência cultural Proteção Pertença Propriedade comum
Nível “médio” de desenvolvimento do país
Fonte: Apresentação de Constantino Sakellarides
Figura 1: SNS como instituição do país
B. O princípio da liberdade de escolha
O SNS é das pessoas na medida em que as serve. Aqui emerge a questão da escolha, defende
Constantino Sakellarides. Vivemos numa “sociedade da escolha” – a escolha é hoje um valor marcante
e o SNS não se atualizou neste domínio. No entanto a escolha, sendo muito importante, não é um
“absoluto”. Ao “princípio” é necessário acrescentar sempre os resultados do “exercício” da escolha
nas circunstâncias em que ele ocorre – é a preocupação séria da captura de quem escolhe pelo
escolhido.
A consagração legal da liberdade de escolha configura as suas próprias limitações, para Miguel
Guimarães. Em geral, a capacidade financeira, os recursos existentes e disponíveis e a organização dos
serviços, são desde logo limitações que se podem encontrar na oferta de cuidados de saúde no sector
privado e, no caso dos recursos e da organização também no sector público. Já quando se fala de
regras de organização (base XIV da Lei de Bases de Saúde), a limitação pode colocar barreiras no
acesso aos cuidados de saúde, que não são eticamente aceitáveis no SNS. A negação do acesso a
25
doentes que não pertencem às respectivas áreas de alguns hospitais é disso um exemplo
paradigmático. As medidas aplicadas nos últimos anos na área da Saúde (e em particular a Lei dos
Compromissos), conduziram a uma mudança de paradigma. Os hospitais EPE têm orçamentos que são
obrigados a cumprir, e por isso a sua preocupação principal foi desviada da prestação de serviços de
qualidade e na maior quantidade possível para combater tempos de espera e reduzir custos, muitas
vezes de forma cega e sem qualquer preocupação com a sua principal função.
Esta mudança de paradigma acentuou de forma dramática a liberdade de escolha dos doentes, que
Miguel Guimarães considera que no SNS verdadeiramente nunca existiu. Os doentes não só não
escolhem o médico que os vai observar como também não escolhem o médico que os vai operar. De
facto, muitos doentes são observados, diagnosticados e aceitam ser submetidos a uma determinada
intervenção cirúrgica proposta por um médico (que um outro médico da mesma especialidade poderia
não indicar), e acabam por ser operados por outro médico, que não só não conhecem como não
escolheram ou estabeleceram qualquer empatia própria da relação médico‐doente. No sector privado a
liberdade de escolha existe, embora condicionada à capacidade económica e financeira do
doente/cliente. A concorrência entre unidades de saúde privadas existe e está regulada pelo Estado e
pela ERS. Já entre o serviço público e o serviço privado não só não existe concorrência, como existem
algumas disfunções que favorecem nuns casos o serviço público e, noutros, o serviço privado.
A liberdade de escolha no âmbito do SNS foi também defendida por Martins Nunes, que sugeriu que o
Estado poderia alargar substancialmente o campo de exercício da liberdade de escolha, pelos cidadãos,
das entidades prestadoras de cuidados de saúde, facilitando o acesso a um seguro alternativo de
saúde, como previsto no art. 24º do Estatuto do SNS. Em contrapartida da sua libertação da
responsabilidade pelos encargos decorrentes da prestação de certos cuidados de saúde a beneficiários
do SNS, o Estado atribua a estes, uma compensação a título de contribuição para o prémio de um
seguro de saúde que estes beneficiários pudessem contrair, seguro este que cobriria os referidos
cuidados.
O sistema deverá ser guiado pelas escolhas e preferências do cidadão, ou seja, deixar que seja a
procura a comandar a oferta e não o contrário, defende Mendes Ribeiro. Esta reforma tem estado a ser
introduzida no SNS inglês (NHS), país onde se inspira o nosso modelo de SNS no domínio da prestação,
e num contexto diferente, na Holanda, no segmento do financiamento, baseado num modelo de
seguro social, que assegura idêntico caminho de liberdade de escolha.
Mendes Ribeiro tem defendido que a introdução de um maior grau de liberdade de escolha por parte
dos utentes, na escolha dos prestadores de cuidados, pode induzir um maior nível de eficiência e de
satisfação dos utilizadores do sistema sem que isso provoque um aumento da despesa pública com a
saúde, antes contribuindo para a sua desaceleração progressiva face ao seu peso no PIB. O exemplo é a
própria ADSE, como um subsistema também público, que tem conseguido compatibilizar a liberdade de
escolha com uma capitação mais baixa por utente e melhores tempos de acesso, quando comparado
com uma utilização semelhante por parte de um utente do SNS. Antes de avançar com a potencial
extinção da ADSE, devemos interpretar cuidadosamente os resultados de cada sistema, em termos de
satisfação dos utilizadores, facilidade de acesso, tempos de espera, custo médio dos episódios e
capitação suportada, para não sacrificar uma solução que pode funcionar melhor a uma lógica do
nivelamento por baixo.
26
A liberdade de escolha é um imperativo estratégico que conduzirá à mudança radical do sistema de
saúde português, colocando, de facto, o cidadão no centro do sistema, defende Mendes Ribeiro.
Muitos países testam novas abordagens aos desafios do futuro. Portugal tem a sua oportunidade de
mostrar como se pode guiar uma mudança estrutural pela introdução de uma nova cultura e por novas
formas de relacionamento entre os vários atores do sistema de saúde, atuando sobre a saúde pública, a
prevenção e a oferta de cuidados. Acresce que a nova Diretiva Comunitária sobre Cuidados
Transfronteiriços impõe uma nova experiência e realidade a Portugal, mais próxima do modelo de
Bismarck. Portugal precisa de fazer evoluir o seu Sistema de Saúde para um novo patamar em que a
escolha do consumidor será mais soberana; a concorrência interna e externa aumentará; a decisão de
escolha será mais informada; e a regulação será mais efetiva e exigente.
A entrada em vigor, em Outubro deste ano, das diretivas europeias sobre cuidados de saúde
transfronteiriços, também foi referida por Miguel Guimarães, que considera que seguramente poderão
estimular a concorrência a outros níveis, e servir de mola ativadora para o chamado Turismo de Saúde.
Nascimento Costa recordou que o exercício da liberdade de escolha pressupõe educação para a saúde,
e uma regulação efetiva, através das várias entidades com funções reguladoras no setor da saúde em
Portugal.
C. Propostas de reforma do sistema de saúde
C.1. Separação do financiamento da prestação (José Mendes Ribeiro)
O primeiro passo para a liberdade de escolha na saúde começa, exatamente, na decisão de separar o
financiamento da prestação e garantir de forma clara o conjunto de benefícios que cada sistema
oferece, defende Mendes Ribeiro. Daí decorrerá uma maior transparência do investimento público na
saúde, assegurando que o direito constitucional de acesso á saúde tem igual tratamento para todos os
portugueses.
Em consequência, propõe que sejam unificadas as atuais redes convencionadas do SNS e da ADSE,
dada a sua quase total redundância de prestadores. Haveria poupança de recursos e simplificação do
processo de prescrição, contratualização e controlo de faturação da rede de prestadores de
medicamentos e de meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
Para implementar uma progressiva liberdade de escolha seria ainda necessário fazer três coisas
fundamentais: criar uma tabela única e universal de preços de “compra de cuidados”, por parte do
Estado; disponibilizar um sistema de informação que suporte o Registo de Saúde Electrónico e
acompanhe todos os passos do utilizador ao longo do sistema; introduzir um sistema de planeamento,
contratualização e monitorização de resultados, fiável, rigoroso e exigente.
Este programa de reforma só será viável com a adopção de uma agenda de mudança muito clara, uma
liderança firme e um plano de comunicação eficaz junto dos utentes, dos profissionais e das instituições
que compõem o sistema de saúde.
27
Um programa deste alcance exige um roadmap detalhado e indicadores de desempenho que
acompanhem o seu progresso, permitindo corrigir a trajetória sempre que ocorram desvios. Não é um
programa que se faça num ano ou colha resultados numa legislatura. Mas é possível implementá‐lo ao
longo de 3 a 5 anos, de forma progressiva, através de uma contínua optimização dos meios e de um
ajustamento contínuo dos seus processos.
A mudança a operar deve estar muito para além da introdução de mecanismos de mercado que
permitam uma competição gerida entre prestadores dos três setores: público, privado e social. A
mudança representará o início de um novo ciclo que fomentará a progressiva transformação dos
custos fixos do SNS em custos variáveis e conduzirá a um maior nível de transparência, para o qual será
indispensável um efetivo e arrojado programa de tecnologias de informação que simplifique as
operações e a burocracia.
Garantir a sustentabilidade futura do sistema de saúde exigirá uma nova arquitetura do sistema de
saúde centrada no cidadão; a unificação do sistema público de financiamento; uma provisão pública
garantindo livre escolha do prestador; menos custos fixos, mais custos variáveis; partilha do risco com
operadores do mercado; e utilização intensiva das novas TIs, designadamente através do Registo de
Saúde Electrónico.
C.2. Liberdade de escolha no SNS (Miguel Guimarães)
Miguel Guimarães defende que é possível estimular a liberdade de escolha e a concorrência mantendo
o património do SNS, atuando em três eixos estratégicos.
A. Centrar o sistema no cidadão
Centrar o sistema no cidadão, significa dar poder ao doente e responsabilizar o doente pelas suas
decisões (o poder da informação: da informação da despesa e dos custos em saúde, do valor, da
complexidade e da qualidade dos atos médicos, dos resultados, complicações e eventos adversos das
unidades de saúde públicas e privadas). Na prática, tornar o sistema mais transparente e flexível. Dito
de outra forma, o doente para poder escolher de forma informada e responsável deve ter acesso a
toda a informação sobre os resultados dos tratamentos existentes de várias patologias nas diferentes
unidades de saúde do Sistema de Saúde. E a informação deve obedecer a critérios de indicadores de
qualidade credíveis e auditáveis regularmente e de forma externa. De facto, a liberdade de escolha e a
concorrência significam a regulação e o conhecimento de factores como informação válida, fiável,
objetiva e transparente sobre qualidade, valor e complexidade.
B. Organizar o trabalho dos profissionais de saúde e das unidades de saúde públicas e privadas
Os profissionais de saúde, e nomeadamente os médicos, sobretudo aqueles que têm funções de
direção, deveriam poder optar por trabalhar em dedicação permanente (e não em dedicação exclusiva)
e serem remunerados de acordo com a sua dedicação e as suas responsabilidades na sociedade e em
função do valor e da qualidade dos atos médicos. Nas condições atuais e nos próximos anos, a
separação entre os sectores público e privado significaria um novo modelo concorrencial em saúde e o
28
fim do SNS, tal como está constitucionalmente consagrado. Por isso, e porque defende a essência do
SNS, Miguel Guimarães não quer que Portugal siga os passos de países como os Estados Unidos da
América, em que o sector público, claramente debilitado, existe apenas para servir os doentes que não
têm possibilidade de escolher um serviço de saúde de melhor qualidade.
Estimular e desenvolver a criação de Centros de Referência a vários níveis. “Não podemos nem
devemos fazer tudo em todo o lado”. Esta reorganização deve envolver o Serviço de Urgência, as
Unidades e Serviços Hospitalares, os Cuidados de Saúde Primários e os Cuidados Continuados.
Investir ao nível dos cuidados de saúde primários e do médico de família, o centro da organização de
todo o sistema, funcionando o médico de família como o conselheiro dos doentes.
Para melhorar a qualidade da organização e do desempenho, é fundamental fortalecer o papel capital
da performance individual e colectiva e do Registo Nacional de Erros e Eventos Adversos Graves, a ser
implementado com intuito preventivo e não punitivo.
Nesta perspetiva, é essencial avançar de forma sólida para a definição e implementação de indicadores
de qualidade com publicação e divulgação dos mesmos (por patologia, por especialidade, por serviço,
por unidade de saúde) e estimular a formação contínua e a recertificação de competências com base na
estrutura da Carreira Médica.
C. Alterar o modo / modelo de financiamento preservando a essência e o património do SNS
Portugal não tem condições para implementar a liberdade de escolha da entidade financiadora. No
entanto, é possível alterar o modo de financiamento no sentido de tornar o sistema de saúde mais
justo, mais flexível e com mais liberdade de escolha e concorrência. E o princípio de que o
financiamento da saúde per capita deve ser igual em todo o país é essencial, para que exista de facto
justiça social.
Nesta perspetiva, a possibilidade de implementar um modelo de custo por ato médico, em que o valor
do ato médico (preço) seja definido com base na sua complexidade e raridade (Código de
Nomenclatura e Valor Relativo de Atos Médicos da Ordem dos Médicos), é um caminho possível para
corrigir as imensas anomalias que atingem o atual sistema, permitindo com mais segurança estabelecer
um modo diferente de financiamento em que o “dinheiro deve seguir o doente”. A concorrência
dentro do sector público pode funcionar como estímulo positivo no sentido da melhoria contínua dos
cuidados de saúde, e pode ser catalisadora da eficiência e da qualidade, acrescentando valor dentro do
SNS. Não existem condições no país nem organização no sistema de saúde que permitam, neste
momento e nos próximos anos, o alargamento desta concorrência ao sector privado.
Neste modelo, é essencial preservar a natureza das taxas moderadoras. A discussão do conceito de
copagamentos e de seguros de saúde, a sua integração em todo o sistema de saúde, e o papel do
Estado e dos financiadores privados, devem ser encarados com muita prudência, e sem alterar o código
genético do SNS. É fundamental preservar a justiça social (equidade, acesso e cuidados de
proximidade).
29
Nestes caminhos e ideias para debate, o papel das “Centrais de Compras”, com publicitação obrigatória
de todos os resultados, e o resultante benchmarking entre as mesmas, e o papel de auditorias de
processos, de procedimentos e financeiras (de gestão) que sejam verdadeiramente consequentes, são
a pedra de toque que permite um caminho mais sustentável.
C.3. Gestão horizontal dos processos de cuidados de saúde (Constantino Sakellarides)
No sistema e saúde português coexistem o público, o social e o privado. Uma direção estratégica
inteligente do sistema de saúde deve saber tirar partido desse facto. Qual é, na opinião de Constantino
Sakellarides, a melhor forma de o fazer?
Um dos principais desafios dos sistemas de saúde na atualidade, em todo o lado, é o de fazerem a difícil
transição de sistemas vocacionados para responder a episódios agudos de doença (incluindo as
agudizações da doença crónica) para sistemas capazes de responder eficiente e efetivamente à doença
de evolução prolongada. Esta transição requer (i) dispositivos integradores que asseguram a
continuidade dos cuidados (a sociedade da informação dos nossos dias é rica em soluções nesta
matéria); um maior protagonismo do cidadão‐utilizador (literacia, escolha informada, cidadania).
Em termos muito esquemáticos, esta transição pode ser formulada da seguinte forma: acrescentar às
organizações verticais da atualidade (cuidados de saúde primários, hospitais, cuidados continuados,
saúde pública) a gestão horizontal dos processos de cuidados de saúde – criar mais valor (melhores
resultados/euros gastos) nesses trajetos é o principal objetivo destes “novos” sistemas de saúde
(Figura 2). Em termos teóricos isto corresponde às cadeias de valor na saúde formuladas por Michael
Porter (mas não à forma com as tem procurado adaptar aos sistemas de saúde europeus).
Das organizações de saúde aos processos de cuidados
30
Das organizações de saúde aos processos de cuidados
Processo de cuidados de saúde RESULTADOS
Organização virtual
Das organizações de saúde aos processos de cuidados
Comunidade
Fonte: Apresentação de Constantino Sakellarides
Figura 2: Gestão horizontal dos processos de cuidados de saúde
Esta “gestão horizontal” dos trajetos do cidadão‐utilizador do SNS corresponde a aquilo que as
pessoas de facto querem – percorrer com facilidade os trajetos que necessitam (sem obstáculos e
demoras). As pessoas são capazes de distinguir, não só bons trajetos dos maus, mas também os maus
resultados dos bons no fim de cada trajeto. De facto só um SNS, e um SNS de qualidade, pode oferecer
uma plataforma de cuidados, suficientemente extensa, completa e integrada, capaz de assegurar o
essencial dos trajetos necessários.
Neste contexto, é possível imaginar formas de interação virtuosa entre os sectores público, social e
privado. Em relação ao sector social: existem comunidades no país que, pelas suas características de
31
desestruturação social, não obtêm respostas suficientemente flexíveis por parte das organizações
públicas formais – aqui a inclusão de organizações de carácter social em parte dos trajetos necessários
pode ser muito útil. Em relação ao sector privado: num sector em rápida evolução existem novos
procedimentos e práticas que são, nalguns casos, rapidamente adotadas pelo sector privado. Algumas
dessas práticas acabavam por ser avaliadas como custo‐efetivas; outras não passam de “modas”, mais
ou menos populares. A gestão publica horizontal pode incorporar nos trajetos necessários essas
práticas através do sector privado numa fase experimental e partir daí gerir a forma com as quer
incorporar no sector público. É evidente que isso não se aplica a toda à tecnologia/inovação da saúde,
um vez que o SNS deve continuar a esta na vanguarda da inovação em saúde no país.
Existem muitas mais oportunidades de interações deste tipo. O que é importante é que elas sejam
desenhadas pelos “gestores públicos/SNS” de acordo com o interesse das pessoas – percorrer os
trajetos que criam valor para a saúde, e não pelas pressões, diretas ou indiretamente associadas aos
interesses económicos dos prestadores privados, nacionais e internacionais, da saúde. Os atuais
desenvolvimentos na área da informação de saúde (mais centrada na pessoas que nos serviços) e o
projeto do enfermeiro de família, se bem integrados neste tipo de transformação, podem ser
“instrumentos” úteis para caminhar na direção certa.
C.4. Turismo médico (José Martins Nunes)
O Turismo Médico consiste na realização de viagens a outros países para procurar cuidados médicos de
qualidade a preços razoáveis. O mercado global de Turismo Médico foi estimado em 60 mil milhões de
dólares em 2005, sendo ainda estimado que em 2012 atingisse 100 mil milhões de dólares, de acordo
com Martins Nunes. O Turismo Médico gera uma despesa média superior ao turismo tradicional
($15.000 contra $3.000), com estadias mais prolongadas. O turismo de saúde é geralmente motivado
pela dificuldade no acesso a cuidados de saúde no país de origem (idade e outros motivos), pela
rapidez no tratamento (listas de espera), e pela privacidade e confidencialidade (reabilitação alcoólica e
de drogas).
O CHUC – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, através do seu Núcleo de Internacionalização –
International Relations Centre, tem‐se posicionado para oferecer serviços a clientes internacionais nas
áreas da Cirurgia ortopédica, Cirurgia cardíaca, Cardiologia de intervenção, Transplantação de órgãos e
Reatribuição de sexo.
Os elementos centrais de uma estratégia de internacionalização bem sucedida são o custo e a
qualidade dos serviços prestados. Os principais destinos do turismo médico têm preços por
procedimento que se situam entre 20% e 40% dos custos do mesmo procedimento nos EUA. Por outro
lado, os clientes do turismo médico exigem níveis de qualidade idênticos aos dos países de origem, e
qualidade que seja reconhecida nos mercados de origem. Assim, é essencial que o prestador tenha uma
marca reconhecida, e a marca CHUC já beneficia de tal reconhecimento, pelo menos em alguns
mercados.
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4. Modelos de pagamento da prestação de cuidados de saúde
Relator: Miguel Gouveia
Palestrantes: Nuno Sousa Pereira
António Ferreira
Pedro Lopes
Rui Santana
Contributos
A. Objetivos finais e valores de um modelo de pagamentos
Além do valor central da obtenção de ganhos de saúde, todos os participantes referiram, de forma
mais ou menos extensa, que o Value for Money seria um objetivo central do sistema. As implicações
referidas deste objetivo foram vastas, desde conseguir uma melhor gestão e utilização dos recursos em
cada unidade de saúde até ao facto de um bom modelo de pagamento dever ter em conta as
externalidades entre os vários níveis de cuidados, por exemplo não incentivando que os cuidados
primários façam uma descarga de responsabilidades e de doentes nos hospitais ou vice‐versa.
Outro valor referido por vários dos palestrantes foi o da equidade. Foram mostrados dados sobre a
distribuição das despesas públicas em saúde por cada região de saúde, a partir dos Orçamentos de
Estado, das Contas do SNS e dos relatórios da ADSE, informação que se revelou difícil de obter e
compilar. As despesas públicas per capita mostram uma assimetria preocupante entre por um lado o
Norte e Algarve com valores baixos e por outro o Alentejo, Centro e Lisboa e Vale do Tejo com
despesas per capita substancialmente mais elevadas. Foi igualmente demonstrado que esta
desigualdade nos financiamentos não parece ter qualquer correlação genérica com uma bateria de
indicadores de saúde e de produção de cuidados de saúde pelo que implicitamente tal assimetria, para
além das iniquidades na distribuição de recursos, indicia a existência de elevados níveis de ineficiência,
já que regiões menos financiadas não parecem ter pior saúde ou produzir menos cuidados de saúde
que regiões mais financiadas.
Por último, foi recordado que os sistemas de pagamento, para além de se apresentarem como
geradores de incentivos individuais e institucionais, têm em última análise de funcionar como
mecanismos de sustentabilidade económica e financeira das unidades de saúde.
33
B. A Quem Pagar
Uma proposta explícita apresentada foi a de o pagamento dos cuidados primários se passar a fazer por
capitação, proposta esta que vê tal medida como estruturante do sistema de saúde sobretudo
aceitando‐se que a utilização da capitação deveria ser acompanhada por liberdade de escolha para os
utentes. De acordo com este ponto de vista, os cuidados primários poderiam ter uma capitação que
incluísse recursos suficientes para pagar a compra de cuidados hospitalares, ou seja, tornando os
médicos de família gestores da saúde e dos cuidados de saúde dirigidos aos seus utentes.
Alguns palestrantes puseram uma tónica mais acentuada na ideia da contratualização, sobretudo tendo
em vista as unidades hospitalares, tendo sido apresentada uma breve histórica dos mecanismos de
pagamento quer a nível abstrato quer na história do sistema de saúde português. A contratualização
foi apresentada como tendo desvantagens e vantagens, por exemplo permitindo uma maior
descentralização da tomada de decisões no sistema de saúde.
Foram abordados alguns problemas decorrentes do sistema de pagamento aos hospitais. Uma questão
central é que a performance financeira dos hospitais parece depender mais da receita e de
componentes arbitrários desta (faturação diferenciada por grupo de hospitais, etc.) do que do controle
de custos. Referiu‐se igualmente que o perfil de admissões dos hospitais poderá ter sido distorcido por
incentivos errados embutidos nos contratos programa.
Finalmente, no contexto desta subsecção, referiu‐se a importância dos mecanismos de ajustamento
pelo risco no financiamento das Unidades Locais de Saúde.
C. Quem paga: entidades pagadoras e coerência do sistema
Foi discutida conceptualmente a ideia de contratualização como meio para tentar capturar algumas das
vantagens inerentes a mecanismos de mercado, sendo referida brevemente a criação de agências de
contratualização e suas precursoras e por fim a sua pouca relevância e desaparecimento efetivo. Neste
contexto foi referido que a existência de múltiplos pagadores e múltiplas modalidades de pagamento
levam frequentemente a descoordenações a uma fraca performance do sistema de saúde.
D. Como pagar
D.1. Referências no tempo
Foi mencionado um trajeto seguido no financiamento dos hospitais desde uma época de pagamento
retrospetivo puro, passando pela introdução dos GDHs e pelo pagamento prospetivo baseado numa
lógica de case‐mix. Na prática, o financiamento dos défices acabou por fazer que o sistema nunca
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abandonasse verdadeiramente a lógica do pagamento retrospetivos dos custos, pelo menos na
margem.
Uma ideia interessante a ter em conta é que o desenvolvimento histórico das formas de pagamento,
particularmente aos hospitais, não pode ser desligado de tendência internacionais na área da saúde por
um lado e por outro das mudanças ocorridas na filosofia e gestão da administração pública em geral,
como sejam as ideias do New Public Management.
D.2. Bases de pagamento: capitações, pagamento da produção, pagamento pela qualidade.
Como referido, uma proposta explícita feita foi a de passar o financiamento dos cuidados primários
para um sistema de capitação. Foi igualmente mencionada a ideia de os cuidados primários terem a
responsabilidade de gerir recursos e tornarem‐se compradores de cuidados hospitalares.
No caso dos hospitais o pagamento pela produção (pelo ato, por diárias, por episódio, etc.) foi
mencionado, sendo apontado o problema de o pagamento pela produção gerar incentivos
contraproducentes ao pagar por mais doença. Por outro lado, foi igualmente referido que deveria
haver algum pagamento pela qualidade, apesar de os mecanismos para tal estarem ainda numa fase
incipiente. Por fim, houve referências ao facto de existir uma causalidade inversa e potencialmente
perversa de o pagamento determinar a produção em vez do inverso, ou seja de a produção se desligar
das efetivas necessidades de cuidados de saúde da população para ser orientada predominantemente
por uma lógica de obtenção de receitas.
Foram dirigidas muitas críticas ao pagamento por GDHs. Estas surgiram num contexto de discussão das
dificuldades em apurar custos e os desfasamentos destes em relação aos preços no contexto
hospitalar.
No painel insistiu‐se na existência de erros nas estimativas dos valores unitários dos GDHs, sendo
apresentados casos concretos de custeio de episódios de internamento com base em contabilidade
analítica (seguindo a metodologia do Activity Based Costing) em que os valores unitários apurados eram
substancialmente diferentes dos valores correspondentes dos GDHs. A apresentação de exemplos
concreto de custeio pelo ABC reforçou a ideia de um bom conhecimento dos custos unitários ser
necessário para se conseguir não só uma gestão eficaz das unidades de saúde como para se realizarem
exercícios de benchmarking permitindo aferir com rigor os níveis de eficiência das unidades de saúde.
D.3. Ajustamento pelo risco.
Algumas das perguntas da audiência e das intervenções dos membros do painel debruçaram‐se sobre
as metodologias de ajustamento pelo risco, tendo sido expressas críticas intensas quanto à validade
dos métodos adotados no passado recente em Portugal. Na medida em que a calibração de modelos
de ajustamento pelo risco se faz a partir de dados estimados com base histórica, uma crítica seria a de
35
tais modelos acabarem por replicar as distorções e iniquidades que caracterizam alguns aspetos da
prática e da realidade no terreno, por exemplo características desapropriadas da oferta de cuidados.
Outras críticas revestiram uma carácter mais específico/técnico pondo em casa a seleção da
informação/variáveis estatísticas usadas para a construção de modelos de ajustamento pelo risco.
E. Robustez face aos grupos de interesse e consistência em termos de cabimento
orçamental
Estas dimensões da análise de modelos de pagamento foram abordadas apenas indiretamente e de
forma muito breve.
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5. Rede hospitalar
Relator: Joaquim Murta
Palestrantes: José Fernandes e Fernandes
Fernando Araújo
Fernando Regateiro
Miguel Castelo Branco
Contributos:
A reforma da saúde em Portugal é uma necessidade. Mas será possível? E como fazer?
José Fernandes e Fernandes
A crise da saúde reside em problemas funcionais (emergência de novos desafios médicos, insatisfação,
ineficácia, desmotivação, limitação financeira, dificuldade de adaptação do Sistema de Saúde),
estruturais (hospital‐centred e focalizado na urgência, articulação deficiente CP/CD/CC), políticos
(incremento da iniciativa privada, complementaridade vs competitividade, recursos humanos) e
culturais (nova linguagem – providers, customers, stakeholders, guidelines, etc. –, empowerment dos
doentes e suas organizações, relacionamento interprofissional).
O sistema de saúde em Portugal é um sistema híbrido, complexo e diverso.
A Reforma de Saúde necessita de uma política com uma visão global (não compartimentada),
sustentável, regulada, de qualidade, com uma matriz estrutural redimensionada baseada na
responsabilidade pública e na cidadania responsável, e com a participação de todos.
É necessário atuar a nível dos cuidados primários: incremento da capacidade de intervenção clínica
(unidades intermédias / policlínicas), articulação hospitalar, flexibilidade horária, empowerment do
cidadão – doente (liberdade de escolha, gestão participada, plano de saúde) bem como a nível dos
cuidados hospitalares com:
1. Integração regional e sistémica (hierarquização da diferenciação, hospital na comunidade via
integrated care pathways)
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2. Flexibilidade – carta hospitalar
3. Experience / expertise para melhor qualidade de cuidados de saúde e economia de recursos
4. Reorganização clínica: system / team based
5. Cooperação multidisciplinar / pluri‐profissional
6. Cultura de avaliação: clinical governance
7. Competitividade
Os Serviços de Saúde da Rede Hospitalar deverão ter:
1. Racionalização da oferta
2. Centralização da expertise
3. Centros de elevada diferenciação e complexidade
4. Financiamento realista e accountable
5. Governação clínica
6. Investigação e inovação terapêutica
A reforma dos Serviços de Saúde exige um equilíbrio entre a equidade no acesso aos cuidados, a
qualidade, a sustentabilidade e a flexibilidade. Torna‐se pois estratégico propor uma agenda para a
qualidade em saúde (relação médico‐doente personalizada, defesa da cidadania da pessoa doente,
política correta de qualificação dos recursos humanos, governação clínica) e reconfigurar o sistema
(sistema vs SNS, reorganização estrutural e financiamento).
É pois urgente:
1. Redefinir a intervenção do Estado (separação de funções; responsabilidade pública vs
propriedade pública)
2. Promover uma política de qualificação (meritocracia profissional; autonomia e competitividade
institucional)
3. Definir um modelo de organização (financiamento misto: público e privado; seguro social
obrigatório e seguros complementares; liberdade de escolha informada; contratualização de
serviços).
A Medicina do século XXI exige uma medicina científica (science‐based), inovação constante e
tecnologia, incorporação da inovação com avaliação da relação custo/benefício, ética (cidadania da
pessoa doente, disponibilização judiciosa de recursos) e uma atuação multidisciplinar e pluri‐
profissional).
Redes de Referenciação Hospitalar
Fernando Araújo
As Redes de Referenciação Hospitalar (RRH) em Portugal, por especialidade, independentemente de
vários documentos e decisões ao longo dos anos, tiveram uma existência formal, na sua versão atual,
apenas em 2001 (com exceção da rede materno‐infantil), elaboradas na altura pela Direção de Serviços
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de Planeamento da Direcção‐Geral da Saúde (DGS) e então aprovadas pelo Ministro da Saúde, Prof. Dr.
Correia de Campos.
Posteriormente, entre 2002 e 2004, foram aprovadas mais de uma dezena de RRH, pelos Secretários de
Estado da Saúde (SES), sendo que para além de se pretender com esta política colmatar um vazio
existente no país, tal constituía uma condição importante para que os projetos de investimento em
saúde pudessem ser financiados pelos quadros comunitários (Saúde XXI), bem como pelo esforço
nacional (PIDDAC).
Em 2008 foi aprovada uma nova RRH pelo SES, já sob a supervisão da Administração Central do Sistema
de Saúde (ACSS), mantendo o Dr. Adriano Natário como líder da equipa, que foi fundamental em todo
este processo. Posteriormente, em 2011, cinco novas RRH foram aprovadas, pela Ministra da Saúde,
Dra. Ana Jorge.
Estas redes, como outras que ainda não foram aprovadas, estiveram em discussão pública e tiveram o
contributo de muitos profissionais e instituições, quer hospitalares, quer dos cuidados de saúde
primários.
Desde 2011 e apesar de existirem RRH em fases diferentes de elaboração, não se conhece mais
nenhuma aprovação, discussão ou divulgação pública.
Desta forma, existem oficialmente aprovadas e publicadas 20 RRH, algumas com cerca de 12 anos, das
47 especialidades médicas reconhecidas pela Ordem dos Médicos.
Em função da atual conjuntura económica e do Memorando de Entendimento de 2011, uma das
condições exigidas era o ‘prosseguir com a reorganização e a racionalização da rede hospitalar através
da especialização e da concentração de serviços hospitalares e de urgência e da gestão conjunta dos
hospitais (…) cujo plano de ação detalhado seria publicado em 20 de Novembro de 2012 e a sua
implementação finalizada no primeiro trimestre de 2013.’
Para um adequado cumprimento deste requisito, seria necessário um plano global e regional da reorganização
(que seria apresentado até ao mês 11 de 2012) e que deveria ser cuidadosamente articulado com as redes de
referenciação hospitalar por especialidade, para que o resultado final fosse uma estratégia integrada e
alinhada, sendo que a mesma deveria esta implementada até ao mês 3 de 2013.
Nesse contexto as RRH voltam novamente a ser alvo de discussão, no sentido de se entender a
necessidade, bem como a sua forma de operacionalização. Assim, de acordo com a experiência
acumulada, as sugestões mais relevantes poderiam ser traduzidas em 10 ’Mandamentos’:
1º Construir RRH para todas as especialidades
As RRH seriam ‘sistemas através dos quais se pretenderia regular as relações de complementaridade
entre as instituições hospitalares, de modo a garantir o acesso dos doentes … num sistema
integrado…’.
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A RRH de uma determinada especialidade permitiria uma articulação em rede variável em função dos
recursos disponíveis, explorar complementaridades de modo a aproveitar sinergias, concentrar
experiências, permitindo a especialização dos técnicos e reunir recursos, permitindo a maximização da
sua rentabilidade.
A consolidação de todas estas RRH constituiria uma verdadeira ‘Carta Hospitalar’, definindo
responsabilidades e circuitos.
Imprescindível uma estratégia por especialidade!
2º Centrar as RRH nos doentes
As RRH podem permitir tratar melhor os doentes e de forma mais económica, isto é, aliar o aumento da
qualidade na prestação do serviço a uma redução da despesa.
No entanto, o maior risco advém dos estudos e das propostas que olham de forma administrativa para as
redes, ficcionando fluxogramas virtuais que conduzem inexoravelmente ao doente andar perdido no sistema.
Deve‐se evitar a tentação de centrar as RRH nas instituições ou nos profissionais, esquecendo‐se o
objectivo final das medidas e levando à inversão do paradigma.
As RRH devem estar centradas nos doentes!
3º As RRH têm de ser regionais
A visão das RRH deve ser nacional, em termos de política de saúde, mas a sua estruturação tem de ser regional.
Não é possível uma RRH demorar anos a ser elaborada por um grupo nacional, anos a ser aprovada
pelo Ministro da Saúde ou Secretários de Estado e eventualmente nunca ser implementada pelas
Administrações Regionais de Saúde e instituições hospitalares, ou quando se pretende aplicar a mesma
já se encontrar desatualizada.
A discussão sobre o plano e a metodologia, deve ser regional, permitindo incluir os principais
(nalgumas especialidades mesmo todos) os serviços, na construção de uma rede à medida das reais
necessidades dos doentes.
Regionalizar as RRH!
4º As RRH devem focar o carácter organizativo da prestação de cuidados de saúde
As RRH podem ser instrumentos úteis na sistematização de conceitos e até na descrição da história de
cada uma das especialidades em Portugal, constituindo‐se como interessantes documentos de revisão.
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No entanto, esta forma de construção pode tornar‐se muito lenta e extravasar os objectivos
fundamentais da sua existência. O pragmatismo deveria impor‐se, obrigando as RRH a focar‐se
essencialmente no carácter organizativo da prestação de cuidados de saúde.
A simplificação das RRH permitiria também a sua elaboração mais célere, bem como a sua revisão
periódica, adequando as RRH às necessidades e possibilitando a sua atualização constante.
As RRH devem evoluir de organizações piramidais a horizontais, assumindo um verdadeiro conceito de
rede, com relações biunívocas entre as várias instituições, permitindo um fluxo fácil dos doentes. Neste
contexto, a definição e identificação dos centros de elevada diferenciação é fundamental, mas deve ser
acompanhada desde o início de modelos de financiamento adequados.
Simplificar e horizontalizar as RRH!
5º As RRH devem ser elaboradas de forma credível
No desenho de uma RRH deve‐se considerar as necessidades reais das populações, bem como a
capacidade instalada (sem privilegiar o prevaricador), de forma a construir algo que seja exequível e
que responda ao pretendido.
Para esse fim, deve existir um envolvimento de todos os agentes (não só as especialidades envolvidas,
mas também os Conselhos de Administração ‐ é necessário responsabilizar as instituições), com
discussão e participação ativa, devendo as decisões serem tomadas com transparência e equidade,
sendo depois transmitidas a todos os níveis das organizações.
A credibilidade de uma RRH é fundamental para ser sustentável ao longo do tempo.
Credibilizar as RRH!
6º As RRH devem ser aprovadas pelas ARS
De forma a possibilitar a celeridade das decisões e a sua atualização, as ARS deveriam ser o local ideal para a
aprovação das RRH. Não é possível ter de se aguardar por despachos ministeriais para a sua aprovação inicial
(existirão neste momento cerca de 6 RRH a aguardar aprovação há mais de 1 ano) ou posteriormente para
cada uma das novas versões: este modelo tem como resultado existirem especialidades muito importantes
sem RRH e existirem RRH com 12 anos, baseadas em informação com 14 anos …
Aproximar a decisão das RRH dos locais de prestação!
7º As RRH devem ser aplicadas
Esta regra não deveria sequer ser em teoria discutida (diria o bom‐senso natural), mas em função do
histórico, deve ser expressa de forma clara: as RRH são para se cumprir!
41
Aplicar e cumprir as RRH!
8º As RRH devem ser monitorizadas
A única forma das RRH serem efetivas é serem cuidadosa e continuamente monitorizadas, implicando
uma equipa/coordenador da especialidade e da região (auto‐regulação pelos próprios profissionais) e
uma instância (ARS) superior que tome decisões.
A falta de acompanhamento implica uma descredibilização do modelo e favorece as decisões pontuais
e pessoais. Em função da dinâmica do sector (em termos de recursos humanos e tecnológicos, bem
como o contínuo avanço da ciência) este acompanhamento é crítico, de forma a avaliar o seu
cumprimento e corrigir os problemas identificados, promovendo a sua atualização em tempo útil.
Monitorizar as RRH!
9º As RRH como suporte de políticas
As RRH podem constituir‐se como poderosos instrumentos de gestão, alinhando as várias políticas
regionais para o mesmo objectivo: estratégia na prestação de cuidados, financiamento das instituições
(contratos‐programa), abertura de vagas para o internato médico, contratação de recursos humanos,
decisões sobre investimentos (incluindo a aplicação de fundos europeus).
Tem de se mudar rapidamente a realidade atual, em que as decisões tendem a ser centralizadas em
Lisboa, sem conhecimento da realidade, tomadas por diferentes gabinetes que não comunicam entre
si, resultando em processos ineficazes e desperdício de verbas – só com a mudança profunda dos
modelos, aproximando a decisão da prestação, se pode ter ganhos com as RRH.
Neste alinhamento, o modelo de financiamento hospitalar deveria incorporar as definições da RRH,
dessa forma evitando o pagamento de atos a instituições que não os deveriam efetuar.
As RRH no centro das decisões!
10º As RRH devem ser avaliadas do ponto de vista clínico e económico
As RRH podem constituir‐se como factor de redução da despesa (ex. redução da necessidade de
recursos humanos, nomeadamente em horas‐extra, aumento da taxa de utilização dos blocos
operatórios, redução da despesa com MCDT e fármacos, diminuição da demora média e da lotação do
internamento, redução de despesas com transportes de doentes) e factor de melhoria na prestação de
cuidados de saúde (ex. mortalidade infantil, sobrevida oncológica).
42
No entanto, as RRH não devem constituir‐se como dogmas de eficiência, pelo que têm de ser
cuidadosamente auditadas e os resultados tornados públicos, sem esquecer a avaliação efectuada
pelos próprios doentes sobre o impacto na sua qualidade de vida.
Avaliar as RRH!
No atual contexto de constrangimentos económico e social, as RRH constituem‐se como peças
fundamentais para assegurar a sustentabilidade do SNS. Não as construir, atualizar, cumprir ou apoiar é
contribuir para a degradação do SNS.
Uma nota final para a ‘liberdade de escolha do doente pela unidade hospitalar da sua preferência’
versus RRH… como articular os dois conceitos?
Integração de cuidados de saúde (novos paradigmas).
Gestão da doença crónica
Fernando Regateiro
Um sistema de saúde integra todas as organizações, instituições, recursos e pessoas dedicados à
prestação e melhoria dos cuidados de saúde.
Há ou não excesso de despesa nos países desenvolvidos? Os países da OCDE correspondem a 18% da
população mundial. Mas representam 86% da despesa com a saúde no mundo. Segundo o Banco
Mundial, não é possível manter o crescimento dos custos com a saúde na EU: em 2000 representou 8%
do PIB, no ano 2030 representará 14% e manter‐se‐á a crescer nos anos seguintes.
Em Portugal o crescimento tem sido de 6%/ano, com os hospitais a representarem mais de 50% do
orçamento da saúde. Desde 1995, que gastamos mais do que a média dos orçamentos dos países da
OCDE, em termos de percentagem do PIB. Temos dos melhores indicadores de qualidade em saúde –
v.g, na mortalidade materna, infantil, esperança de vida à nascença, taxas de vacinação.
Temos um problema com o financiamento da saúde que advém dos factores que levaram à medicina
defensiva, dos aumentos de custos, do fraco crescimento económico, da crise social e económica e a
incerteza sobre o futuro. Mas também da falta de agilidade adaptativa (inércia do sistema, a
centralização de decisões (quem manda é que “sabe”!...), a desconfiança do Estado em relação aos
agentes, a inibição da autonomia vs autonomia/responsabilidade) da ausência de cultura cooperativa
(v.g., competição entre instituições), dos interesses (corporações, a relação custo/efetividade elevada
na inovação terapêutica, sem partilha de risco pelo promotor, a filosofia aditiva ‐ acrescenta oferta mas
não corta).
43
Em Portugal, segundo o Tribunal de Contas, há ineficiências hospitalares, conforme estudo relativo a
2008: 27% na atividade de internamento; 41% na atividade de ambulatório. O excesso de utilização de
recursos humanos, medicamentos e MCDT representa 67% das ineficiências no internamento e 65% no
ambulatório.
Ilações: é preciso cortar nos custos operacionais, mas também combater o desperdício e a cultura
“hospitalocêntrica”.
É preciso perceber para onde queremos ir e como compatibilizar a oferta de cuidados com as
disponibilidades orçamentais. O debate deve envolver os cidadãos, os médicos, o Governo (Saúde,
Segurança Social, Trabalho, Finanças, Educação), os prestadores privados e as seguradoras.
Reformar a saúde requer suster o crescimento dos custos e manter a qualidade, a atração dos
profissionais mais qualificados, o acesso dos doentes aos melhores cuidados de saúde, a capacidade
para investigar e inovar, a capacidade para formar segundo os mais elevados “standards” das
profissões da saúde. Não há bons exemplos – as reformas na Europa não têm conseguido resolver a
insustentabilidade dos sistemas de saúde!
Temos um conundrum que só será resolvido com transparência, accountability, supervisão e regulação
fortes, bom conhecimento das necessidades da procura e reorganização da oferta, redução da
burocracia, descentralização, responsabilização / liberdade do médico e envolvimento dos cidadãos.
Para isso precisamos de novo contrato social, assente nas seguintes linhas de força: o
cidadão/utente/doente no centro dos processos e sujeito de deveres, o cidadão stakeholder da sua
saúde, não um consumidor ou cliente, a saúde como bem público, conhecer para confiar, contribuir e
defender, transparência na relação financiador/prestador, racionalidade, eficácia e eficiência na gestão,
consentimento informado, estilos de vida saudáveis.
Em síntese, ganha‐se o futuro da saúde em Portugal, com novos paradigmas:
1. O cidadão deixa de ser o destinatário do sistema e passa a stakeholder da sua saúde,
2. É estabelecido um novo modelo de governação clínica que elege a centralidade do Médico de
Família (porteiro / guardião do SNS e gestor de saúde e dos episódios de doença do utente):
a. O Médico de Família concentra e integra toda a informação de saúde dos utentes inscritos
na sua lista;
b. É da sua competência a medicina preventiva e curativa;
c. Orienta (por referenciação) a navegação dos seus utentes no sistema de saúde – Saúde
Pública, CSP, cuidados HHs, CCI, outros prestadores de cuidados de saúde;
d. Faz o seguimento domiciliário dos utentes;
e. Intervém nas dimensões da educação para a saúde.
3. É estabelecida uma nova visão da gestão e organização hospitalar:
a. Diferenciação e complementaridade das instituições por regiões e a nível nacional;
b. Respeito pela especificidade e a hierarquia de complexidade, na criação de “oferta”;
c. Evitar a redundância desnecessária nas carteiras de serviços em instituições próximas e de
nível idêntico – intenção absurda da autossuficiência;
44
d. Combate à filosofia aditiva – não acrescentar novo sem eliminar velho;
e. Reavaliar o custo/efetividade dos recursos terapêuticos de elevado montante;
f. Acabar com a retribuição competitiva entre instituições públicas (“canibalização” do
sistema);
g. Criar consultas de alta resolução – para um doente, integrar resposta de diversas
especialidades;
h. Criar centros de elevada resolução – concentram a resposta a determinadas patologias
comuns, de natureza ambulatória, tratam um grande número de doentes, para optimização
de recursos humanos e técnicos;
i. Criar centros de elevada diferenciação – elevada sofisticação técnica, tecnológica e/ou
terapêutica, multidisciplinaridade;
j. Privilegiar cuidados hospitalares de proximidade com a generalização das Unidades Locais
de Saúde (ULS) ‐ integram CSP e cuidados hospitalares, têm responsabilidade preventiva,
têm financiamento por capitação, concentram respostas de MCDT, subcontratam cuidados
de que não disponham;
k. Os hospitais gerais e centrais passam a incorporar uma Unidade Autónoma de Gestão que
funciona como ULS.
4. Nos hospitais, para a gestão integrada centrada no doente é criado o “gestor do doente", para
o doente frequente, com várias patologias, com doença crónica, com doença rara / genética,
para casos sujeitos a terapêuticas inovadoras (v.g., medicina regenerativa).
5. Na gestão da doença crónica, é privilegiada:
a. A prevenção e detecção precoce com protocolos específicos para identificação precoce de
marcadores biológicos de risco (v.g., HTA, dislipidémia, hiperglicemia);
b. A qualificação dos profissionais e meios;
c. A elaboração de programas específicos;
d. A aplicação de um modelo compreensivo integrado de cuidados;
e. A hierarquia terapêutica e inovação, com detecção precoce e limiares baixos para o início
do tratamento;
f. A integração de CSP, HHs e CCI;
g. A criação de equipa interdisciplinar, cultura integrativa e disponibilidade permanente;
h. O recurso à e‐saúde;
i. A instituição do cuidador domiciliário;
j. A continuidade dos cuidados;
k. A coordenação vertical;
l. O estabelecimento de incentivos financeiros;
m. A avaliação de outcomes;
n. A pró‐atividade das instituições de saúde no rastreio dos factores de risco e no seguimento
dos parâmetros biológicos dos utentes em risco, para retardar o início da doença;
o. O envolvimento ativo do doente no seu tratamento e cuidados.
45
Estratégias de eliminação de oferta excedentária
Miguel Castelo‐Branco
As estratégias de eliminação de oferta excedentária numa rede de prestação de cuidados hospitalares
devem respeitar a especificidade de algumas funções fundamentais a cargo de algumas unidades tais
como a função de ensino pré‐graduado da rede hospitalar do SNS, prover uma resposta adequada ao
sistema de urgência e à procura de cuidados agudos, sem descurar que a composição de uma carteira
de serviços deve atender a uma visão sistémica que considera a evolução da própria tipologia dos
cuidados agudos e a grande heterogeneidade das variáveis demográficas no território português.
A monitorização da atividade hospitalar é uma ferramenta que permite melhorar a qualidade, eficiência
e transparência do sistema e um ponto de partida para a operacionalização de uma estratégia que deve
envolver, em todos os seus passos, os diferentes stakeholders e autoridades de saúde a nível central,
regional e local tendo em vista a sua implementação efetiva.
A função de ensino pré‐graduado da rede hospitalar do SNS
Embora a função assistencial seja primordial na rede hospitalar e esta universal, muitos hospitais
também desempenham outras funções de grande importância, designadamente participam no ensino
da Medicina e de outras profissões que atuam na área da saúde. Da função ensino abordaremos
especificamente a relacionada com o ensino pré‐graduado, pois a especialização e a formação ao longo
da vida são tarefas que em Portugal incumbem essencialmente ao sistema de saúde, enquanto a
formação pré‐graduada depende da articulação com um estabelecimento de ensino superior que é
responsável pelo programa e pela concessão do título académico.
As regras de acreditação internacionais de cursos de medicina estabelecem que os estudantes de
medicina devem ter atividades de aprendizagem o mais extensas possíveis em instituições de saúde,
referindo‐se a hospitais, indica que, dentro destes, devem ser incluídos, numa proporção adequada,
hospitais primários, secundários e terciários.
Este assunto é trazido aqui porque, em sede de definição das carteiras de serviço dos hospitais, se
torna relevante por dois motivos, o primeiro é que é essencial que alguns hospitais sejam parceiros das
Faculdades para efeitos de ensino e o segundo, é que, para estes e para o sistema de financiamento é
essencial que a função ensino seja retribuída, uma vez que está demonstrado que os hospitais
universitários têm custos acrescidos e são menos produtivos, se se olhar exclusivamente à função
assistencial.
Sistema de Urgência e Cuidados Agudos
A possibilidade de surgirem situações agudas, por doença ou acidente, é inerente à condição humana.
Apesar de, na atualidade, os sistemas de saúde se confrontarem com um peso crescente das doenças
46
crónicas, particularmente das não comunicáveis, as doenças agudas continuarão a ter sempre um peso
importante e a condicionarem a organização dos cuidados de saúde. Muitas das situações clínicas das
doenças agudas, ou das agudizações das crónicas, carecem de abordagem diagnostica e terapêutica
que são tempo‐dependente e revestem‐se de grande especificidade que têm vindo a justificar a
especialização profissional em muitos sistemas de saúde. Conjugando estes aspectos com os princípios
éticos de equidade e justiça, decorre a necessidade de distribuir adequadamente pontos de apoio à
urgência. Uma percentagem importante dos acessos à urgência gera necessidade de admissão
hospitalar, com ou sem intervenções cirúrgicas ou de outra natureza, motivo que leva a que a carteira
de serviços hospitalares tenha que ter em consideração a prestação de cuidados agudos, incluindo os
emergentes e urgentes.
Carteira de serviços numa perspectiva sistémica
Para além das relações dependentes da atividade vocacionada para as situações urgentes e
emergentes, as especialidades têm, entre si, um conjunto de interações e interdependências. Quando
para a produção de um determinado resultado é necessária a concorrência simultânea de duas ou mais
especialidades é essencial um bom emparelhamento entre essas especialidades para a máxima eficácia
(a titulo de exemplo refere‐se a necessidade da anestesia e uma qualquer especialidade cirúrgica
trabalharem em conjunto para a produção), o que significa que para a produção estar optimizada tem
que a interação entre as especialidades também estar, seja para intervenções que ocorram em
paralelo, seja para intervenções de tipo sequencial.
Por outro lado, a visão, essencialmente antiga, da existência de uma possível hierarquia de serviços
para cada especialidade, que permitia que houvesse hospitais com carteiras de serviços básicos e
outros de níveis diferentes, foi ultrapassada no sentido duma maior especialização e concomitante
redução de leque de oferta, passou a haver serviços superespecializados em determinadas áreas de
ação com ganhos de produtividade, eficiência e qualidade tendendo a eliminar a estratificação
hierárquica do passado. Neste contexto os núcleos generalistas de cada especialidade são
tendencialmente substituídos por núcleos de maior especialização que em alguns casos poderão ter
contornos de excelência.
Finalmente, o modelo, que dominou em Portugal, de hospitais "clones", particularmente a nível
periférico (ex: hospitais distritais), há muito que está esgotado, embora não completamente
substituído, o que tem provavelmente sido uma das razões com peso relevante nas diferenças de
atracão de novos médicos.
Numa época em que o conhecimento científico continua a progredir continuando a levar a uma
especialização progressiva e necessariamente parcelar, a abordagem de casos clínicos mais complexos
requer frequentemente o concurso de várias especialidades, tendo que ser resolvida a forma de
permitir a interação que assegure essa complementaridade. Há neste capítulo oportunidade para a
utilização de novas metodologias de interação incluindo tecnologias de comunicação.
47
A gestão da doença crónica tem que se coordenar com a gestão da doença aguda e esta vai continuar a
ter um peso muito relevante nos sistemas de saúde.
Cuidados agudos: a evolução necessária
À semelhança do sistema hospitalar de outros países, também os cuidados agudos em Portugal
necessitam evoluir de forma a garantir uma prestação adequada de cuidados, de acordo com o estado
da arte, em tempo e eficiência.
Para tal têm que concorrer algumas reformas indispensáveis:
Centrar os cuidados no doente (e não nos serviços ou nos profissionais)
Assegurar a continuidade de cuidados e resolver a fragmentação
Garantir que a assistência aos doentes internados cobre todos os dias da semana (de segunda a
sexta)
Definir polos de excelência
Assegurar os aspectos éticos do sistema
Grande heterogeneidade de situações em Portugal
Apesar da geografia portuguesa não ter grandes dimensões, comporta em si grandes
heterogeneidades. Desde logo a distribuição demográfica assimétrica com maior densidade na região
litoral e menor no interior embora com algumas exceções em concelhos do interior. Por outro e de
forma inversa, o interior apresenta índice de envelhecimento muito superior.
Esta situação aponta para a necessidade de o interior ter uma cobertura que responda a esses índices
de envelhecimento, associados a maior prevalência de doenças crónicas, frequentemente associadas, e
que determinam maior complexidade clínica.
Por outro lado a distribuição de médicos revela algum paralelismo com a densidade demográfica com
maior densidade no litoral e menor no interior.
Qualidade, eficiência e transparência
A atividade hospitalar deve ser monitorizada. Os resultados da monitorização transformados em
indicadores utilizados para comparabilidade e servirem para processos de melhoria contínua. É fulcral
haver indicadores de qualidade e segurança. Alguns dos indicadores, particularmente aqueles que
disponibilizarem informação que possa ser útil para o cidadão poder escolher, devem ser públicos.
Também para assegurar a maior eficácia e eficiência do sistema é fundamental que a localização e
atributos dos polos de atividade sejam do conhecimento dos intervenientes.
48
Rede Hospitalar Estratégias de eliminação de oferta excedentária
Significando “excedentário” o que ultrapassa a quantidade necessária, será em primeiro lugar preciso
identificar o que “está a mais”. Começar por uma análise baseada em premissas técnicas assumidas,
preferentemente evidence based e na adequação às necessidades expectáveis da população e ainda à
evolução científica previsível. Sabendo, desde logo, que atualmente o ambiente é muito dinâmico e
instável podendo requerer ajustes ao longo do período de implementação.
Para um país de 10.000.000 de habitantes, dimensão que não implica a obrigação de subdividir e com a
elevada exigência em termos de competência para a elaboração de tal análise e proposta de ação,
parece‐me que apenas a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) estará em condições para
poder elaborar uma proposta bem fundamentada equilibrada e uniforme para todo o País,
identificando os potenciais ganhos em saúde e gestionários. Por outro lado existem bons pontos de
partida, as redes de referenciação elaboradas ao longo da última década, que atualizadas e afinadas
adequadamente, com incorporação das novas tendências e conhecimentos, permitem a tomada de
decisão racional.
A proposta deverá ser depois submetida a uma análise regional, com todos os stakeholders,
Administração Regional de Saúde (ARS), instituições de saúde, autarquias, centros de Investigação e
Universidades de forma a poder ser afinada.
Após a afinação deverá ser definido o projeto de implementação com definição clara do tempo de
implementação, fase que caberá às ARS.
Atendendo a elevada dinâmica deste ambiente é necessário definir um enquadramento temporal para
o processo que deverá permitir atualizações periódicas, dentro dos limites da planificação, sendo por
outro lado fundamental que as políticas de saúde tenham suporte de implementação no horizonte
temporal adequado ao seu pleno desenvolvimento, que não é compatível com desenvolvimentos
essencialmente conjunturais.
Como alguém disse, “analisem‐se os dados, elaborem‐se projetos, discutam‐se, decida‐se
ponderadamente, mas acima de tudo, implemente‐se de forma efetiva”.
49
6. Organização do trabalho
Relator: António de Sousa Uva
Palestrantes: Artur Vaz
Sollari Allegro
Augusta Sousa
Carlos Gante
Introdução
Os aspetos de organização dos hospitais que são organizações de grande complexidade envolvendo
diversas dimensões de que se destacam, desde logo, (i) o modelo organizacional, nos nossos dias
caraterizado essencialmente pela “empresarialização” e (ii) os recursos humanos (RH). Claro que, entre
outros, também (iii) os processos, como é o caso das tecnologias de informação ou o modelo
intermédio de prestação de cuidados, mais centrado em estruturas verticais ou na integração
multidisciplinar, (iv) a qualidade da prestação de cuidados (uma vez que outra mesa abordou os
aspetos de qualidade e eficiência), a (v) organização baseada numa maior responsabilização dos
cidadãos (patient centered), designadamente na administração dos hospitais (não executivo) e (vi) a
“funcionocracia” do modelo organizacional.
A mesa abordou essencialmente aspetos relativos aos recursos humanos e integrou as seguintes
intervenções:
Contributos
Artur Vaz
Abordou os seguintes aspetos:
Remuneração e sistemas de incentivos
50
Para aumentar a produtividade dos RH, é preferível associar uma remuneração fixa a uma
variável. Isto implica que a remuneração fixa seja ajustada, reconhecendo quer a diferenciação
das funções quer o nível habilitacional exigido para o seu desempenho.
Existem custos, designadamente de Segurança Social, que devem ser considerados quando se
criam sistemas de incentivos (uma vez que as pensões não devem reconhecer este tipo de
remunerações, é possível que estes pagamentos possam ser isentados de desconto).
Quando existem sistemas de incentivos é absolutamente necessário:
o Estabelecer claramente o que se pretende atingir com o incentivo (produção adicional,
produtividade, qualidade, disponibilidade, …);
o Criar uma métrica que seja clara e compreendida pelos seus destinatários;
o Antecipar ou eliminar os efeitos adversos deste tipo de incentivos;
o Diferenciar incentivo de trabalho extraordinário, cujos objetivos e lógicas são distintos;
o Evitar criar sistemas desequilibrantes em termos institucionais (por ex. medicinas
/cirurgias);
o Evitar cair na tentação de atualização constante dos valores pagos a título de incentivo.
Modelos de organização do trabalho
A organização do trabalho médico deve partir dos pressupostos das organizações em que se
concretiza – hospitais, cuidados primários e cuidados continuados. Isto significa que os horários
de trabalho normal se devem estender entre as 8 e as 22 horas nos dias úteis, que deve ser
estabelecido o trabalho por turnos (nos hospitais) e que o regime de chamada deve ser um
pressuposto (pelo menos nos hospitais);
Deve ser estimulado o trabalho de equipa, evitando, todavia, o espartilho dos recursos
dedicados (i.e. os profissionais podem integrar mais do que uma equipa);
Nas urgências deve privilegiar‐se o modelo de equipas dedicadas de Medicina Geral e Interna,
mantendo a colaboração dos médicos dos outros serviços em regime de consultoria ou de
participação esporádica em alguns turnos.
Conflitos de interesse/ exclusividade
A exclusividade não é um valor em si mesmo se a organização for bem gerida e souber
aproveitar a força de trabalho de que dispõe. A exclusividade não garante maior produtividade
e pode dar azo a falta de dedicação e empenho (afinal o rendimento já está garantido e não há
alternativas para o aumentar).
Cada vez mais há vantagem em ter horários desiguais (20 horas/semana, 12 horas/semana,
etc…), o que permite ajustar os custos com o trabalho às necessidades efetivas adicionais.
Defenderia o princípio da exclusividade para os cargos de Direção e Coordenação, não fosse o
facto de também defender que estes não devem integrar as carreiras e, por isso, a sua
ocupação poder ser temporária ou transitória, dependendo dos resultados obtidos.
51
O Estado deve aprofundar as noções e práticas de gestão de rede, estendendo‐as, para além de
outras áreas, aos recursos humanos ‐ Desenvolvimento de partilha de recursos entre
organizações diferentes pertencentes à mesma rede, centralização de urgências com
descentralização de internamento dos doentes nas instituições da sua área, etc.
Formação e recertificação
Formação inicial específica ‐ Absolutamente necessária em todas as profissões da saúde.
Os curricula das faculdades de medicina devem ser revistos e acrescentadas disciplinas de
economia da saúde, comunicação com familiares e doentes, gestão de crises, trabalho em
equipa, avaliação de desempenho.
Recertificação profissional (pelas Ordens ou Associações profissionais) obrigatória nas
profissões sujeita a rápida obsolescência técnico‐científica. A recertificação profissional pode,
em alternativa, ser realizada pelas organizações onde os profissionais prestam serviço,
mediante um programa nacional que garanta igualdade de critérios.
Planeamento e mobilidade de recursos humanos
Da escassez ao excesso. Não é desejável um excesso muito significativo de profissionais0 de
saúde no mercado de emprego, se não houver consequências disso, designadamente ao nível
dos custos do trabalho;
É conveniente que, na distribuição das vagas de internato médico de especialidade se tenham
em conta as demografias de cada especialidade e as necessidades de substituição ou reforço
das especialidades e das regiões ou locais;
Um sistema de responder à escassez de médicos no interior poderá ser a instituição do
princípio de que o interno, após acabar a sua especialidade tenha que prestar serviço, por
exemplo durante 2 anos, num hospital público carenciado na sua especialidade.
Redefinição de funções das profissões
Os Enfermeiros e Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica portugueses são, de uma forma geral,
muito bem formados e diferenciados o suficiente para desempenharem funções de maior
exigência técnica e autonomia.
Ao nível dos Enfermeiros é desejável: Enfermeiros de família, realização de pequenas cirurgias,
seguimento da gravidez sem risco, gestão da doença crónica, consultas de triagem, etc.
Ao nível dos Técnicos de DT, possibilidade de maior autonomia na realização de exames.
52
Sollari Alegro
Abordou alguns aspetos relativos ao absentismo numa unidade hospitalar.
Augusta Sousa
Enquadramento
As seis áreas temáticas propostas para a abordagem do tema central – Organização do Trabalho –
conduzem‐nos a situar o nosso ponto de vista sobre as vertentes nas quais deve assentar uma
perspetiva de organização do trabalho nas organizações de saúde e que esquematicamente as
representamos do seguinte modo:
i) o necessário equilíbrio entre três vértices a que os modelos organizacionais estão obrigados no
quadro do nosso Sistema de Saúde em geral e, de forma particular, o SNS como eixo estruturante do
Sistema: a oferta de cuidados tem de garantir a qualidade dos mesmos, o acesso aos cuidados tem de
ser universal, geral e tendencialmente gratuito no momento da prestação, e os custos devem obedecer
a regras de efetividade e eficiência (neste sentido a atual pressão sobre os custos se não tiver em conta
os outros vetores pode facilmente provocar desequilíbrios que poderão pôr em causa a natureza das
próprias organizações prestadoras e do próprio SNS). Tendo como pano de fundo estes pressupostos e
no quadro da matéria que aqui nos foi proposto assume particular relevância nas organizações e na sua
interdependência: os recursos humanos, a matriz organizacional e o modelo de gestão.
ii) A centralidade no cidadão como eixo organizador da disponibilização de recursos é uma questão
central na abordagem da organização do trabalho o que obriga a uma consciencialização/
responsabilização partilhada de todos os atores, nomeadamente dos diretamente responsáveis pela
prestação de cuidados, dos seguintes fatores:
Das necessidades crescentes e percepcionadas aos recursos limitados
Da gestão das expectativas à decisão partilhada
Das respostas disponíveis ao processo de cuidados
Constata‐se que estes três fatores continuam a não serem suficientemente abordados de uma forma
transversal nas atuais redes de cuidados (Hospitalares, CSP, CCI, EPH) e com o necessário envolvimento
dos prestadores de cuidados como atores essenciais na decisão sobre os cuidados que são oferecidos e
como podem ser organizados.
iii) Mudar o paradigma para garantir a centralidade na resposta às necessidades dos cidadãos mais do
que das organizações implica a implementação de modelos de organização de trabalho assentes em
três pressupostos básicos: a individualização dos cuidados, a celeridade da resposta adequada e
organizações de proximidade.
53
Da realidade aos desafios para a mudança
A mudança demográfica e epidemiológica, que não é alheia à evolução científica e tecnológica, são
vertentes já abordadas noutros momentos desta conferência. Contudo importa convocar alguns dados
que suportam as mudanças que se impõem na organização da oferta de cuidados e consequentemente
nos efetivos desafios à tradicional organização do trabalho.
Não abordando de forma exaustiva todas as vertentes, importa referir:
i) O crescimento do nº de pessoas portadoras de doença crónica
Se adaptarmos os níveis de cuidados às pessoas portadoras de doença crónica identificados por
estratificação do risco, feitas pelo Governo Basco em 2010, e com a definição realizada pelo NHS do
Reino Unido dar‐nos‐á o seguinte quadro:
Assim e em consequência o modelo de cuidados fortemente centrado nos cuidados hospitalares e
determinado pela organização do trabalho médico deverá dar lugar à centralidade nos cuidados de
proximidade e a uma organização de trabalho multiprofissional onde assume particular relevância os
cuidados de suporte ao autocuidado e à gestão do processo de saúde‐doença que cada pessoa vivencia
onde os enfermeiros podem ser efetivamente os profissionais mais bem posicionados como o
elemento de referência e de coordenação dos recursos a disponibilizar.
ii) A forte pressão das tecnologias da saúde
Assume particular relevo na medida em que associar um efetivo valor acrescentado na introdução de
novas tecnologias, nomeadamente de medicamentos e a sua utilização, é por vezes de relevância
discutível quando tal implica consumo de recursos financeiros que limitam a disponibilização para a
introdução de melhoria de processos que o desenvolvimento das tecnologias de informação deveria
suportar melhorando a rentabilização do tempo de trabalho e a melhoria da sua organização.
54
iii) A afectação desajustada dos recursos humanos
Num quadro de transformações que marcaram a última década no que respeita à organização da oferta
de cuidados seja pelo forte incremento do sector privado no mercado da saúde seja nas instituições
que integram o SNS – transformação dos hospitais públicos em EPEs e concentração em Centros
Hospitalares mas também a criação de ULSs, a reforma dos CSP com particular ênfase para as USF com
maior autonomia organizativa e de gestão de pequenas equipas multiprofissionais, e a criação da
RNCCI que traz de forma estruturada o sector social para as repostas em saúde constata‐se contudo
que os dados disponíveis demonstram a persistência num efetivo desajuste na afetação dos recursos
humanos seja nas diferentes áreas de cuidados seja na distribuição geográfica com inevitáveis reflexos
no equilíbrio das respostas organizadas e na forma de organização do trabalho.
Deixamos aqui alguns dados que confirmam esta constatação:
Nos Hospitais (dados recolhidos em 55 instituições em 399 serviços ‐ ACSS/SCDE) entre 2007 e
2009 a relação entre nº de horas de cuidados de enfermagem necessários por dia de
internamento e o nº de horas de cuidados de enfermagem praticados apresenta uma crescente
carência correspondendo em 2009 à falta de 3.335,14 enfermeiros a tempo completo;
Nos ACES (dados das portarias publicadas em Outubro e Novembro de 2012, não contemplando
as ULSs) o rácio médio Enfermeiro/Médico é de 1,15 e de Assistentes Operacionais/Enfermeiro é
de 0,52. Se olharmos estes rácios por Regiões verifica‐se, respectivamente, o seguinte: Alentejo
– 1,47 e 0,38; Centro – 0,77 e 0,38; Lisboa e Vale do Tejo – 1,13 e 0,64; Norte 1,26 e 0,63.
Na RNCCI temos um quadro suportado essencialmente em profissionais muito jovens e por
vezes sem terem o necessário acompanhamento e sem uma vinculação permanente o que
conduz a uma rotatividade elevada com implicações na aquisição e desenvolvimento de
competências.
O valor do trabalho, incentivos e a motivação
Não podendo ignorar que o valor atribuído ao trabalho é um fator essencial na motivação profissional e
de como os vários atores se entendem na cadeia de valor onde os cuidados de saúde se desenvolvem,
temos uma realidade que persiste numa desvalorização desse valor.
Os dados do MS/ACSS – Balanço social de 2011 demonstram que os trabalhadores do MS detentores de
curso superior correspondem a 61,6% mas 50,1% tem remunerações entre 501 e 1250€ (inclui vencimento
de base+suplementos e trabalho extraordinário)
Mas se tivermos também presente que no atual quadro das organizações de saúde do SNS existem
formas diferentes de vinculação/contratação onde os Hospitais tem uma maior autonomia do que os
CSP, onde está cancelado a valorização por via das carreiras e das competências dos vários
profissionais facilmente se conclui que existem efetivas dificuldades de implementar instrumentos que
sejam potenciadores de incentivos como forma de reconhecimento do mérito daqueles que são motor
da organização dos cuidados.
55
Concluindo – o que fazer
A organização de trabalho que tem como finalidade as respostas organizadas às necessidades de saúde
dos cidadãos deverá assentar em 3 eixos: a individualização dos cuidados, a celeridade e proximidade
da resposta.
Neste pressuposto e reconhecendo o nível de complexidade que a conjugação destes eixos envolve,
consideramos prioritário:
Promover e premiar o modelo participativo e de responsabilização assente nos seguintes
princípios
As respostas devem sempre ser suportadas em abordagens multiprofissionais que
congreguem e potenciem competências próprias de cada profissional e/ou grupo
profissional potenciando a efetiva rentabilização dos recursos disponíveis e delimitando
duplicação de intervenções para as mesmas necessidades e garantindo a
complementaridade das mesmas;
A organização do trabalho das equipas deverá responder a objetivos previamente
contratualizados com as necessárias adaptações em função de avaliações sistemáticas e
obedecer a regras por si definidas tanto para as áreas de intervenção próprias como no que
respeita à gestão do tempo de trabalho de cada profissional;
As lideranças/coordenação devem estar diretamente relacionadas com o reconhecimento
de competências;
O envolvimento na partilha da decisão da pessoa/família/comunidade deve ser assumido
como responsabilidade dos profissionais envolvidos
A implementação destes princípios deve conduzir ao reconhecimento do valor acrescentado
para os resultados em saúde e ser objeto de incentivos dirigidos aos serviços onde se inserem, à
equipa e aos profissionais que nela participam.
Promover e premiar com base em descriminação positiva as respostas de proximidade
Disponibilização de recursos para o reforço dos CSP, CCI e Cuidados Paliativos com
respostas organizadas que cubram as 24 h e os 7 dias da semana com especial ênfase para a
promoção do autocuidado dirigido à pessoa, à família e à comunidade
Os recursos a disponibilizar deverão estar suportados na metodologia de projeto e a
abrangência é de natureza diversa, a saber:
o Recursos Humanos: enfermeiros e enfermeiros especialistas das diferentes áreas,
médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e trabalhadores de apoio
administrativo e de apoio nos cuidados
o Recursos tecnológicos: suportes para a utilização das TI e comunicações
o Recurso privilegiado a instituições de cuidados de maior complexidade tecnológica
Os reflexos desta vertente devem produzir menos recurso às urgências, menos
reinternamentos e menos custos globais a médio e longo prazo.
56
Promover o desenvolvimento e reconhecimento de novos papéis profissionais assente nas
competências próprias à natureza de cada profissão
Decorrente da natureza dos cuidados, os enfermeiros deverão ser os profissionais que assumem a
responsabilidade da gestão dos processos, prescrevendo, executando, supervisionando e coordenando
os cuidados necessários nomeadamente:
o às pessoas portadoras de doença crónica,
o no acompanhamento da gravidez de baixo risco,
o na detecção precoce de factores de risco para o desenvolvimento infantil,
o na identificação do risco de perturbação mental,
o na promoção da autonomia em situações de limitação ou deficiência motora.
A partilha desta responsabilidade é subordinada aos princípios enunciados no primeiro ponto e
salvaguardando o encaminhamento para outros profissionais sempre que a situação o exija e implica:
o o reforço da formação especializada e continuada assim como a certificação e
recertificação de competências pelos organismos competentes;
o as medidas de reconhecimento da prescrição dos meios de suporte à prossecução
destas competências.
Carlos Gante
O exercício da medicina em regime acumulação de funções públicas e privadas é uma prática comum
na maior parte dos países. A relevância do tema advém da relação positiva e negativa que as
consequências do pluriemprego têm sobre a eficiência, a equidade e a qualidade na prestação dos
cuidados de saúde e no desempenho global dos sistemas de saúde. O estudo apresentado na
“Conferência‐debate sobre o sistema de saúde para além de 2014” apresenta dois objetivos
correlacionados: o primeiro, entender a partir da percepção dos profissionais que exercem medicina
em regime de pluriemprego, a motivação, os valores e os interesses presentes neste fenómeno, bem
como a eventual presença de efeitos adversos ou benéficos para o sistema de saúde nacional. O
segundo, construir um conjunto de medidas de regulação, a fim de contribuir para a minimização dos
eventuais efeitos adversos, e testar a sua necessidade, exequibilidade e eficácia.
Para a prossecução do primeiro objetivo foi construído um inquérito e posteriormente distribuído a 278
médicos que acumulavam funções públicas e privadas num grande hospital universitário português.
Para a realização do segundo objetivo foi construído outro inquérito, dirigido a um painel de 28 peritos
que desempenham um papel importante na governação do sistema de saúde português.
A taxa de resposta efetiva foi, no primeiro inquérito, de 41,4% e no segundo de 71,5%. Do primeiro
inquérito obteve‐se um nível alto de concordância para a motivação económica como principal causa
para o pluriemprego.
57
Os respondentes concordaram que o sector público lhes oferece melhores condições de
desenvolvimento das competências profissionais e que o exercício profissional no sector privado
proporciona maior autonomia na organização do trabalho. O prestígio é visto como um fator de
atracão de doentes no sector privado e discordam que a dupla atividade lhes confere vantagens
competitivas estratégicas.
Trabalhar no sector público e privado é visto como um direito inalienável e a maioria dos médicos não
pretende renunciar ao sector público. Os participantes concordam que a maioria dos profissionais tem
uma conduta profissional íntegra e honesta e talvez por essa razão reconhecem apenas de forma
moderada a necessidade de um código de conduta para regular as situações de pluriemprego. Os
benefícios do pluriemprego para o sistema de saúde, nomeadamente a possibilidade de escolha por
parte dos doentes e o aumento de oferta são reconhecidos pelos participantes enquanto os efeitos
negativos, para o sector público, como o fomento das listas de espera, o baixo desempenho e a
desnatação de doentes merecem a sua discordância.
Os resultados obtidos, na consulta ao painel de peritos, quanto à necessidade, exequibilidade e eficácia
de catorze medidas de regulação evidenciam um nível de concordância mais elevado para a introdução
de mecanismos públicos de fiscalização, de incentivos ao desempenho, da proibição no sector público
de promoção de serviços privados, da obrigatoriedade de dedicação exclusiva para os órgãos de
direção no sector público, do aumento da transparência de interesses e da criação de um código de
conduta para a regular as relações inerentes à prática do pluriemprego.
A abordagem prevalente das diversas intervenções envolveu aspetos essencialmente relacionados
com: (i) os recursos humanos, designadamente aspetos relativos à remuneração e aos sistemas de
incentivos, (ii) os conflitos de interesses e o regime de trabalho com ou sem exclusividade e (iii) a
formação e a recertificação. Foram menos abordados os aspetos relativos ao (iv) planeamento e
mobilidade de RH e à (v) redefinição das funções das profissões da saúde e ainda menos os
relacionados com (vi) os modelos de organização.
Devem‐se destacar dois aspetos só superficialmente abordados que são decisivos, designadamente a
acreditação de serviços e não exclusivamente de unidades hospitalares e a certificação e a formação e
a investigação clínica que constituem elementos relativos à organização, qualquer que seja o modelo
organizacional escolhido. Também os aspetos relativos ao processo relacionados com a necessidade de
desenvolver e inovar em tecnologias de informação e à estrutura organizativa de prestação de
cuidados mais baseada nas situações concretas dos doentes do que nas especialidades médicas não
tiveram uma abordagem suficientemente desenvolvida.
De facto, a governação clínica e a gestão da doença crónica e das co‐morbilidades lançam grandes
desafios ao modelo organizativo hospitalar atual, designadamente nos aspetos relativos à resposta ao
perfil de procura.
Outro aspeto decisivo relativo às organizações de prestação de cuidados de saúde relaciona‐se com a
frequente diferença entre o trabalho prescrito e o trabalho real que deveria condicionar padrões de
organização adequados a tal tipo de realidade.
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Finalmente, independentemente do modelo de organização a adotar, a eficiência e os critérios de
funcionalidade exigem um maior reforço de modelos de gestão mais descentralizados e participado (e
por isso também mais contratualizados e regulados), ou dito de outra forma, com um maior
investimento na governação clínica (clinical governance).
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7. Qualidade e eficiência
Relator: José Pereira Miguel
Palestrantes: Vasco Maria
Pedro Pita Barros
Teresa Mendes
Manuel Sobrinho Simões
Contributos:
Medicamentos e Dispositivos Médicos e Reforma dos Cuidados de Saúde Primários
Vasco Maria
Pela primeira vez desde há décadas, em 2009‐2010 o crescimento da despesa com saúde e da despesa
com medicamentos foi negativo na maior parte dos países da OCDE [OECD Health Data 2012]. Em
Portugal, o preço médio por embalagem de medicamentos no mercado total tem vindo a decrescer
sistematicamente nos últimos 5 anos. No quarto trimestre de 2010, o preço médio por embalagem dos
medicamentos genéricos foi, pela primeira vez, inferior ao preço médio dos medicamentos não
genéricos, tendo esta tendência vindo a acentuar‐se desde então [Fonte: IMS Health]. Os encargos com
medicamentos em ambulatório no âmbito do SNS têm vindo a decrescer, depois de terem atingido o
valor histórico mais elevado em 2010. Em 2012 os valores foram sobreponíveis aos verificados em 2002
[Fonte: INFARMED 2013].
Em 2011 a taxa de MG em Portugal foi de 20% em valor e de cerca de 25% em volume [Fonte:
INFARMED]. Estes valores são claramente superiores aos de outros países europeus, mas encontram‐se
ainda longe do seu potencial máximo de crescimento a curto prazo (cerca de 40%). Relativamente à
despesa com medicamentos em meio hospitalar, em 2012 terá sido superior a 1.000 Milhões de Euros,
com dois grupos (imunomoduladores e antivíricos) a contribuírem com cerca de 50% para a despesa.
Em 2012 a despesa com Medicamentos Órfãos cresceu 17% e estes medicamentos representam já 7% da
despesa total. Em todo o mundo desenvolvido assiste‐se a um crescimento muito significativo da
60
despesa com medicamentos órfãos. Os custos anuais com o tratamento de um único doente atingem
frequentemente os 500.000 USD. Mais de ¼ dos 39 novos medicamentos aprovados pela FDA em 2012
destinam‐se ao tratamento de doenças raras (medicamentos órfãos). Esta mesma tendência verifica‐se
na UE e verificar‐se‐á em Portugal. As causas imediatas para os preços “proibitivos” dos medicamentos
órfãos, radicam nos seguintes fatores: i) modelo atual de I&D de novos medicamentos; ii) sistema de
patentes; iii) ausência de uma estrutura conhecida na formação de preços; iv) valor percebido dos
medicamentos para tratamento de doenças graves (“a vida não tem preço, logo o medicamento não
tem preço”).
A nível Europeu há uma preocupação crescente com as limitações do atual modelo de introdução de
medicamentos no mercado. Algumas autoridades reguladoras, grupos de profissionais de saúde,
grupos de doentes e entidades pagadoras advogam, cada vez mais, a introdução da eficácia
comparativa e a demonstração de valor terapêutico acrescentado nos critérios para aprovação da
entrada de novos medicamentos no mercado.
Relativamente à despesa com medicamentos e produtos de saúde em Portugal, constata‐se o seguinte:
O decréscimo da despesa com medicamentos em ambulatório deve‐se, essencialmente, a
descidas administrativas do preço dos medicamentos.
Poucas ou nenhumas medidas estruturais têm sido implementadas para uma utilização mais
racional dos medicamentos (com a notável exceção da promoção do mercado dos MG).
O controlo da despesa a nível hospitalar não é possível apenas com medidas de controlo do
preço dos medicamentos.
As intervenções direcionadas ao controlo da despesa com MCDT, bem como de dispositivos
médicos em geral, têm sido escassas ou totalmente ausentes.
Existe ainda um enorme potencial de intervenção para a redução do desperdício na utilização de
medicamentos e MCDT (quer junto dos prescritores, quer junto dos utilizadores/consumidores).
Propostas
Medicamentos e dispositivos médicos a nível hospitalar:
Reforçar a avaliação para a entrada no Hospital
o Demonstração de Valor Terapêutico Acrescentado
o Avaliação Económica (custo‐efetividade)
Avaliar/reavaliar a efetividade após determinado tempo de utilização
Definir orçamentos anuais para a Inovação
Estabelecer contratos anuais/plurianuais com as empresas
o Número e tipo de doentes elegíveis (registos clínicos)
o Tetos máximos de despesa
o Mecanismos de compensação se teto ultrapassado
o Partilha de risco (gestão da incerteza)
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Vantagens deste sistema:
Sustentabilidade do SNS (previsibilidade, gestão de recursos disponíveis)
Previsibilidade para as empresas
Acesso mais rápido ao mercado (empresas)
Acesso mais rápido ao medicamento (doentes)
Responsabilização dos profissionais (utilização do medicamento nos doentes que
realmente dele podem beneficiar)
Prémio à inovação
Caracterização e Monitorização do Mercado de Dispositivos Médicos
o Sistema de classificação/codificação dos dispositivos médicos
o Avaliação comparativa para entrada nos Hospitais
Valor Terapêutico
Avaliação económica
o Negociação centralizada de preços
o Definição de Protocolos de atuação
o Redução do desperdício e racionalização (possibilidades de reutilização?)
Medicamentos em Ambulatório
Continuação da Promoção do Mercado de Medicamentos Genéricos
o Evitar excessiva concentração em determinados grupos/escalões de preços
o Promover alargamento a outras Substâncias Ativas
o “Credibilizar” processo de avaliação e controlo de qualidade
o Combater crenças e mitos (prescritores e utilizadores)
o Incentivos a nível das farmácias
Programas de Promoção da Utilização Racional (Profissionais)
o Prescrição de Qualidade (“conservadora”)
Medicamentos ineficazes
Medicamentos desnecessários
Interações medicamentosas
o Recomendações / Normas de Orientação Clínica (evidência? racionalidade?)
o Serviços de informação independente (Universidades)
o Programas de atualização em Farmacoterapia
o Equipas multidisciplinares no terreno (Farmacologistas clínicos)
o Auditorias clínicas
o Ações de benchmarking
Definição de uma Política coerente de utilização de Antibióticos
Programas de Promoção da Utilização Racional (Doentes/Consumidores)
o Combate à iliteracia
Doença
Medicamento
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o Promoção de comportamentos saudáveis
o Alternativas não farmacológicas
o Autocuidados
o Responsabilização
o Decisão informada e partilhada
Promoção da Adesão à Terapêutica
o Mais e melhor Informação para os doentes
o Melhor definição dos Planos de Intervenção Terapêutica
o Negociação e Responsabilização
o Realismo
Sistema de Comparticipação
o Reavaliação/Refundação do Sistema de Comparticipação
o Critérios explícitos, reprodutíveis e transparentes
o Modelo tridimensional: i) Doença; ii) Medicamento; iii) Doente
o Reavaliação dos medicamentos comparticipados e exclusão das alternativas de valor
terapêutico reduzido ou duvidoso
o Sistema com “Entrada” e com “Saída”.
MCDT em Ambulatório
Promoção da Utilização Racional (Profissionais)
o Redução do desperdício e racionalização
o Benefício e Risco das medidas preventivas
Primum non nocere
o Competências de comunicação/educação para a saúde
o Normas de Orientação Clínica
Informação e Educação (Cidadãos)
o Fatores de risco versus Doença
o Conceito de Normalidade
o Conceitos de Benefício e Risco
o Decisão informada e partilhada
o Combate à Futilidade (“já agora…”)
o Combate à Epidemia de MEDO (medicalização da sociedade)
Reforma dos Cuidados de Saúde Primários
Passados 6 anos após o início da sua implementação, as USF cobrem menos de 50% da população
portuguesa, apesar de demonstradamente representarem um modelo de cuidados de maior qualidade,
menores custos e nível mais elevado de satisfação por parte dos profissionais e dos cidadãos.
Frequentemente, no mesmo edifício coexistem dois modelos de prestação de cuidados com resultados
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radicalmente diferentes, representando iniquidade no acesso e no nível de qualidade dos cuidados
prestados. Não existe qualquer justificação para permitir por mais tempo esta situação.
Generalização do Modelo das USF
o Maior Qualidade dos cuidados
o Menores custos (medicamentos, MCDT)
o Melhor acessibilidade
o Maior satisfação dos profissionais e dos cidadãos
Formação e Treino dos Médicos de CSP
o Ecologia dos cuidados de saúde
o Multimorbilidade e polimedicação
o Gestão da complexidade terapêutica
o Competências de comunicação
o Gestão de recursos
o Decisão baseada em evidência
Gestão das unidades do SNS de forma a promover a qualidade e eficiência
Pedro Pita Barros
A proposta de reflexão tem como ponto de partida o sistema de saúde nas suas características a médio
e a longo prazo, nas vertentes de qualidade e eficiência. O tema é em si mesmo bastante vasto pelo
que a presente intervenção se centrará num conjunto limitado de aspetos. Esses aspetos encontram‐se
associados, por escolha, a um problema particular, a capacidade de gestão das unidades de saúde. Em
termos de solução, colocam‐se para discussão intervenções de carácter geral e central. A delimitação
do âmbito deste texto permite a apresentação de propostas para fomentar uma melhor gestão das
unidades do SNS e com essa melhor gestão promover quer a qualidade quer a eficiência.
Princípios fundamentais
As propostas de evolução do sistema de saúde português, e do SNS em particular, não podem deixar
de atender aos princípios fundamentais que se pretende satisfazer com a organização do sector.
O primeiro desses princípios é a proteção em caso de doença, independentemente das condições
financeiras: universal e abrangente. Os pagamentos no momento de consumo não devem prejudicar a
componente de proteção contra despesas de saúde necessárias. O segundo princípio é o da promoção
da saúde na população e não apenas resolução das situações de doença.
As mudanças a realizar no funcionamento do sector da saúde devem procurar satisfazer estes dois
princípios. O SNS em particular deve ter a sua organização orientada para que sejam respeitados.
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Conceitos de eficiência
Existem vários níveis e correspondentes definições de eficiência. Há a eficiência na utilização do
sistema de saúde, que significa prestar cuidados de saúde apenas quando os benefícios excederem os
custos da intervenção. Temos, por outro lado, a eficiência na recolha de fundos. Neste caso, a
preocupação é com a combinação de fontes de financiamento que tenha as menores distorções, quer
sobre a utilização do sector da saúde quer sobre a economia em geral. Há, também, a noção de
eficiência na prestação, em que se procura que os cuidados de saúde prestados na medida certa o
sejam com as combinações de recursos mais adequadas e sem desperdício de recursos.
A procura de eficiência é, assim, uma procura de eficiências no sistema de saúde, a níveis diferentes e
requerendo instrumentos eventualmente diferentes para ser atingida cada uma delas.
Relativamente à noção de qualidade, existem muitas definições possíveis e várias distinções (por
exemplo, qualidade de resultados versus qualidade de processos). Há por vezes a noção de que
qualidade e eficiência são objetivos antagónicos, mas na verdade mais qualidade frequentemente
coincide com maior eficiência. E maior eficiência não significa necessariamente menor custo, se
incluirmos na noção de eficiência não deixar de prestar cuidados de saúde cujo benefício excede o seu
custo para a sociedade.
Quando se falar em eficiência na utilização do sistema, e se considera as várias possibilidades de
definição, há que responder, para pensar no sistema a médio e a longo prazo, a diferentes questões:
Que tipo de doenças será mais frequente? Quais serão as mais suscetíveis de serem influenciadas por
decisões relativas ao sistema de saúde? Que participação do cidadão se quer e que é possível? Que
instrumentos podem ser usados para conhecer a “procura” e para gerar um uso adequado do sistema
de saúde? Que organizações? Como lidar com a crescente informação e sua transformação em
conhecimento?
Não será dada aqui resposta a estas perguntas, embora para se ter uma visão coerente sobre o futuro
do sistema de saúde seja preciso que respostas, nalgum momento do tempo, tenham de ser
encontradas.
Eficiência na recolha de fundos
Há um consenso generalizado sobre o financiamento solidário por impostos, com progressividade nas
contribuições. Não é opção que seja contestada de forma ampla. Ainda assim, e até se ter uma
discussão completa, há que responder, mesmo que seja negativamente, a algumas questões.
Haverá abertura para funcionamento de sistemas alternativos? Será que pode ser encarada uma
evolução da ADSE ou de sistemas como a Advance Care, Médis ou Multicare para alternativas ao SNS,
recebendo uma capitação, eventualmente ajustada pelo risco individual, por cada beneficiário?
Embora interessante, as preferências da população parecem descartar a oportunidade desta discussão.
65
Eficiência na prestação
Os ganhos de eficiência são a resposta mais frequentemente apontada como solução para as atuais
dificuldades do sistema de saúde português. Sem deixar de considerar relevante reafirmar que a
preocupação com a eficiência de funcionamento deve estar presente, é mais útil dar atenção ao que
motivar, dentro das organizações do sistema de saúde, a procura dessa eficiência.
A primeira chamada de atenção é que se deve focar os esforços na redução da taxa de crescimento dos
custos, e não apenas no seu nível. O ter‐se uma noção da dinâmica dos custos é essencial.
O segundo aspeto é focar na capacidade de organizar de eliminar desperdícios e de ter as combinações
de recursos adequadas.
Para atingir essa eficiência será provavelmente mais adequado focar nos resultados, e não tanto numa
“normalização” exata do processo de prestação de cuidados de saúde (exemplo: utilizar os mesmos
medicamentos em todo o lado, ou verificar que os resultados são similares?)
Propostas ‐ Como melhorar a gestão nas entidades do SNS?
Sendo o SNS, o elemento basilar do sistema de saúde português, e sendo também a instituição
sobre a qual a política pública no campo da saúde tem capacidade de atuação, apresentam‐se de
seguida algumas ideias sobre como melhorar a gestão. Há muitos outros aspetos do funcionamento
do SNS que também são suscetíveis de melhoria, mas a necessidade de contenção desta
intervenção obriga a opções. A opção deliberada é a incidir a discussão sobre formas que levem a
uma melhoria do processo de gestão dentro do SNS. Essa discussão está organizada num formato
em que se apresenta primeiro o problema identificado, e depois a proposta de solução.
Problema: A gestão anual de um orçamento não é propriamente gestão. Há a necessidade de um
horizonte plurianual para que se possa planear adequadamente (3 a 5 anos) com alguma certeza sobre
os recursos disponíveis para realizar essa gestão.
Proposta: Criação de um fundo de estabilização do SNS, que funcionando de forma anti‐cíclica
consiga um perfil de financiamento do SNS compatível com estabelecimento de orçamentos a três
anos para as instituições do SNS. Este fundo em anos de maior desafogo orçamental recebe fundos
do orçamento do estado, em anos de menor crescimento económico, complementa o orçamento
do SNS. A credibilidade das regras do fundo é o aspeto central para determinar o seu sucesso.
Problema: Há falta de organização no funcionamento interno das instituições do SNS.
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Proposta: Auditorias à gestão de operações e identificação de melhores práticas como forma de
motivar maior eficiência. Ter equipa(s) dedicada(s) a esta tarefa, sendo que no espaço de 5 anos
todos as unidades do SNS deveriam participar. Estas equipas estariam dependentes de um
organismo central e atuariam como equipas de consultoria interna do Ministério da Saúde, criando
um conhecimento acumulado divulgado publicamente. Poderá colocar‐se a questão de serem
equipas do Ministério ou ser preferível recorrer a consultoras externas. O recurso a consultoras
externas, desejável em vários contextos, é aqui menos interessante pela importância da divulgação
de boas práticas de forma pública e pelo custo que uma sua utilização permanente poderá envolver.
Problema: Há grande dificuldade de fazer sair do sistema prestador do SNS instituições que não
funcionem adequadamente.
Proposta: Começar por perceber o que pode ser encarado como atividade standard (“commodity”)
e sujeita a concorrência. Motivar a eficiência via concorrência e saída do que funcionar mal. Sendo
atividade standard, conseguir substituir as unidades prestadoras de cuidados de saúde que tenham
funcionamento adequado não será problemático. Esta proposta tem implicações em termos de
âmbito de funcionamento das atuais unidades de saúde, podendo ser desejável autonomizar partes
e/ou concentrar atividade.
Problema: Há falta de planeamento estratégico nas unidades do SNS.
Proposta: Criação de gabinete de apoio ao planeamento estratégico (para unidades de cuidados de
saúde primários e para unidades hospitalares), numa lógica de serviço partilhado e não de
centralização de gestão. Não seria um centro de emissão de normas de gestão, e sim um centro de
recursos especializados em planeamento estratégico que seria usado pelas diferentes unidades de
saúde, contra um pagamento que sairia do orçamento de cada instituição. A existência de um
pagamento interno ao SNS é crucial para promover responsabilidade na utilização dos recursos
partilhados.
Problema: Evitar soluções estáticas para problemas dinâmicos. Há a necessidade de criar pressão
permanente para a melhoria em vez de estar sempre a fazer a “última grande reforma” do SNS.
Proposta: Focar as organizações em processos de melhoria contínua da qualidade como forma de
ter pressão constante para melhoria. Pensar em termos de melhoria da qualidade, nomeadamente
de resultados, é claramente mais motivador do que ter um processo contínuo de redução de custos,
além de ajudar a concentrar a atenção no médio e longo prazo e não nas contas e custos deste ano
e quando muito do próximo ano.
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Problema: Necessidade de envolvimento dos profissionais de saúde no processo de mudança e no
processo de sustentabilidade financeira do SNS.
Proposta: Permitir mecanismos de apropriação das poupanças que sejam geradas por melhor gestão
e melhor desempenho dos profissionais de saúde. Esses mecanismos não podem ser aumentos
permanentes de salários, e sim benefícios associados com o desempenho. Devem ser uma parte
visível mas não maioritária da remuneração.
Problema: Assumir as implicações da inovação ser o principal motivo para crescimento dos custos em
cuidados de saúde.
Proposta: Promover a utilização generalizada dos mecanismos de avaliação económica das
tecnologias de saúde, em adição à avaliação do valor terapêutico adicional, e impondo que à
entrada de alguma tecnologia com elevado valor deverá corresponder a saída de outra tecnologia
com baixo valor para o custo que tenha.
Problema: A inovação – novas terapêuticas – como principal motivo para crescimento dos custos em
cuidados de saúde.
Proposta: Premiar a inovação organizacional e não apenas a inovação técnica ou tecnológica, virada
para as terapêuticas e diagnóstico. Premiar a inovação de processo que para os mesmos resultados
consiga ter menores custos; ou para os mesmos custos consiga ter melhores resultados. Onde está
custos, leia‐se também taxa de crescimento dos custos, para não se perder a visão dinâmica.
Com o presente texto procurou‐se responder ao desafio de numa apresentação de 15 minutos
apresentar propostas que promovam a qualidade e a eficiência do sistema de saúde português no
médio e no longo prazo. Esta abrangência de tema obriga a uma delimitação clara, pelo que se optou
por focar em aspetos de eficiência e em particular problemas, e propostas de solução, que afetam a
eficiência de funcionamento das instituições do SNS. Deliberadamente omitiram‐se referências a muitas
outras áreas onde será possível e desejável melhorar a organização e o funcionamento do SNS e do
sistema de saúde. A grande linha de intervenção pública subjacente às propostas apresentadas é
simples: que mecanismos são possíveis usar para facilitar uma gestão mais adequada?
Qualidade Clínica e Investigação & Desenvolvimento: Propostas
C. Manuel Sobrinho Simões (IPATIMUP e ENSP‐UNL)
Criar no Ministério da Saúde um Gabinete de Assuntos Académicos como interlocutor às instituições
responsáveis pelas licenciaturas, mestrados e doutoramentos em Ciências da Saúde.
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O problema da qualidade da formação é, já, e sê‐lo‐á ainda mais no futuro, um problema grave no que
se refere à manutenção da solidez de Recursos Humanos no Sistema Nacional de Saúde.
Este “Gabinete de Assuntos Académicos” deveria também servir de interlocutor, do lado do Ministério
da Saúde, aos grupos, centros e institutos envolvidos em atividades de investigação clínica e de
investigação de translação.
Avaliar, através de resultados (desempenho) medidos em termos de produtividade e de qualidade, a
atividade clínica (cuidados pré‐hospitalares, hospitalares e pós‐hospitalares) introduzindo mecanismos
de recompensa.
Os modelos de avaliação deverão ser diferentes nos três escalões (pré, intra/agudos e pós‐hospitalares)
mas terão de estimular a qualidade e a eficiência.
Por exemplo: para os médicos de Medicina Geral e Familiar é fundamental avaliar não só o número de
doentes “consultados”, como o número daqueles que ficam a ser seguidos nos Centros.
Os hospitais centrais devem receber sobretudo patologias diferenciadas em vez de fazer consultas
indiferenciadas de doentes mandados por médicos de clínica geral a desempenhar funções de polícia
sinaleiro.
Desenvolver a Saúde Publica com estímulos positivos no sentido de a tornar um pivot fundamental de
mais literacia dos cidadãos em relação à Promoção da Saúde e à Prevenção da Doença.
Diferenciar os hospitais e introduzir fórmulas de financiamento que valorizem a sua especificidade em
termos de referenciação e de especialização.
Nos hospitais de referência para além da produtividade e da qualidade, é fundamental estimular e
recompensar a formação de alunos, internos, médicos em formação continua e de outros profissionais
de saúde, assim como premiar a investigação clínica e a investigação de translação e as atividades de
extensão à comunidade. (Os hospitais centrais e as suas personalidades podem e devem ser utilizados
como opinion‐makers e liderar movimentos no sentido da maior literacia das populações).
Estimular a criação nos Hospitais e Centros de Saúde de estruturas do tipo Gabinetes/Centros de
Investigação Clínica.
Estas estruturas deverão ter a possibilidade de guardar os proveitos financeiros, do mesmo modo que
os hospitais deveriam poder guardar poupanças de boa gestão, para reinvestir em Projetos de
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Investigação e noutras iniciativas destinadas a I&D&I. Esta medida deverá ser acompanhada por
medidas de estímulo à agilização da Investigação Clínica (ver propostas do Health Cluster Portugal).
Regulamentar (e procurar estimular em termos de vencimento e de incentivos) a exclusividade em
algumas “categorias” de profissionais.
Por mim tornaria obrigatória a exclusividade para Internos e Diretores de Serviço/Departamento e de
Centros de Saúde.
Estimular a utilização cada vez maior de enfermeiros e outros profissionais de saúde (TDT, por
exemplo) criando equipas multidisciplinares.
Mantendo a hierarquia técnica. É fundamental diminuir o envolvimento dos médicos em tarefas que
podem ser – e são – melhor realizadas por outros profissionais de saúde.
Articular melhor as Faculdades de Medicina com os “seus” Hospitais Nucleares e Afiliados e com os
“seus” Centros de Saúde.
Garantindo que todos os docentes clínicos são recrutados entre os médicos desses Hospitais e/ou
Centros de Saúde (Não deve haver lugar para docentes nas disciplinas clínicas que tenham uma carreira
independente, isto é, não deve haver professores de disciplinas clínicas que sejam apenas
“académicos”). A articulação das duas “carreiras” numa única função/missão exige legislação com
envolvimento sinérgico do Ministério da Educação é Ciência e do Ministério da Saúde.
Conclusões Gerais
O painel abordou as seguintes áreas:
Medicamentos e Dispositivos Médicos
Reforma dos Cuidados de Saúde Primários
Gestão das unidades do SNS de forma a promover a qualidade e eficiência
Qualidade Clínica e Investigação & Desenvolvimento
Para cada uma das áreas os participantes do painel apresentaram propostas para o sistema de saúde,
das quais se destacam as elencadas de seguida.
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Medicamentos e Dispositivos Médicos
Reforçar a avaliação para a entrada no Hospital
Avaliar/reavaliar a efetividade após determinado tempo de utilização
Definir orçamentos anuais para a Inovação
Estabelecer contratos anuais/plurianuais com as empresas
Caracterização e Monitorização do Mercado de Dispositivos Médicos
Continuação da Promoção do Mercado de Medicamentos Genéricos
Definição de uma Política coerente de utilização de Antibióticos
Promoção da Adesão à Terapêutica
Reavaliação/Refundação do Sistema de Comparticipação
Programas de Promoção da Utilização Racional (Profissionais e Doentes/Consumidores)
Reforma dos Cuidados de Saúde Primários
Generalização do Modelo das USF
Formação e Treino dos Médicos de CSP
Gestão das unidades do SNS de forma a promover a qualidade e eficiência
Criação de um fundo de estabilização do SNS
Auditorias à gestão de operações e identificação de melhores práticas
Perceber o que pode ser encarado como atividade standard (commodity) e sujeita a
concorrência
Criação de gabinetes de apoio ao planeamento estratégico
Focar as organizações em processos de melhoria contínua da qualidade
Permitir mecanismos de apropriação das poupanças geradas por melhor gestão e desempenho
Premiar a inovação organizacional
Qualidade Clínica e Investigação & Desenvolvimento
Criar no Ministério da Saúde um Gabinete de Assuntos Académicos
Avaliar a atividade clínica introduzindo mecanismos de recompensa
Desenvolver a Saúde Publica
Diferenciar os hospitais e introduzir fórmulas de financiamento que valorizem a sua
especificidade
Estimular a criação de estruturas do tipo Gabinetes/Centros de Investigação Clínica
Regulamentar a exclusividade em algumas “categorias” de profissionais
Estimular a utilização cada vez maior de enfermeiros e outros profissionais de saúde
Articular melhor as Faculdades de Medicina com os “seus” Hospitais e Centros de Saúde
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Gabinete do Ministro da Saúde
Av. João Crisóstomo, 9 - 6º 1049-062 Lisboa, PORTUGAL
TEL + 351 21 330 50 00 FAX + 351 21 330 51 61 EMAIL [email protected] www.portugal.gov.pt