o trabalho de campo no curso de geografia da usp: reflexões e perspectivas

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Curso de Geografia FÁBIO MÁRCIO ALKMIN O TRABALHO DE CAMPO NO CURSO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO: REFLEXÕES E PERSPECTIVAS SÃO PAULO MARÇO DE 2008

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O presente trabalho aborda a temática dos trabalhos de campo no ensino superior de Geografia, também conhecidos como “excursões geográficas”. Efetuaremos uma análise crítica da produção científica já produzida a respeito, retomando importantes questões de cunho metodológico. Além disso, torna-se nosso objetivo propalar a própria reflexão acerca das potencialidades/especificidades desta ferramenta didática na formação do geógrafo. Num segundo momento voltaremos nossa atenção ao desenvolvimento destes trabalhos de campo no curso de Geografia da Universidade de São Paulo. Mediante a uma análise evolutiva, pautada entre os anos 1992 a 2006 e baseada em documentos administrativos, esboçaremos um diagnóstico que aponte as tendências de tais práticas nesta universidade.

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Page 1: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Curso de Geografia

FÁBIO MÁRCIO ALKMIN

O TRABALHO DE CAMPO NO CURSO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO:

REFLEXÕES E PERSPECTIVAS

SÃO PAULO MARÇO DE 2008

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II

FÁBIO MÁRCIO ALKMIN

O TRABALHO DE CAMPO NO CURSO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO:

REFLEXÕES E PERSPECTIVAS

SÃO PAULO MARÇO DE 2008

Relatório científico da pesquisa vinculada ao projeto “ensinar com pesquisa”, executada durante o ano de 2007, sob orientação do Profº Dr. Heinz Dieter Heidemann

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III

“Guerreiros em tempos de paz

lutam contra si mesmos”.

(Nietzsche)

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IV

RESUMO

O presente trabalho aborda a temática dos trabalhos de campo no ensino superior de Geografia, também conhecidos como “excursões geográficas”. Efetuaremos uma análise crítica da produção científica já produzida a respeito, retomando importantes questões de cunho metodológico. Além disso, torna-se nosso objetivo propalar a própria reflexão acerca das potencialidades/especificidades desta ferramenta didática na formação do geógrafo. Num segundo momento voltaremos nossa atenção ao desenvolvimento destes trabalhos de campo no curso de Geografia da Universidade de São Paulo. Mediante a uma análise evolutiva, pautada entre os anos 1992 a 2006 e baseada em documentos administrativos, esboçaremos um diagnóstico que aponte as tendências de tais práticas nesta universidade.

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V

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 1

1. MÉTODO DE ANÁLISE...................................................................................3

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 História...............................................................................................................5

2.2 Aspectos teóricos...............................................................................................7

3. O TRABALHO DE CAMPO NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ......17

3.1 Análise evolutiva..............................................................................................20

4. CONCLUSÃO....................................................................................................29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................32

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA..................................................................34

ANEXO 01..............................................................................................................35

ANEXO 02..............................................................................................................41

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VI

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Relação entre o abstrato e o concreto no contato empírico no trabalho de campo.............14

Figura 2. Fluxo informacional no processo gnosiológico.......................................................................15

Tabela I. Síntese de dados sobre trabalhos de campo (1992-2006).......................................................21

Gráfico 1. Número de trabalhos de campo programados......................................................................22

Gráfico 2. Relação entre crescimento de alunos matriculados nos cursos de geografia

e de alunos que executaram trabalhos de campo ..................................................................................23

Gráfico 3. Relação entre a verba total da FFLCH e a verba destinada aos trabalhos

de campo na Geografia ............................................................................................................................24

Gráfico 4. Estimativa do total de quilômetros percorridos em trabalhos de campo...........................25

Gráfico 5. Estimativa da distância média por trabalho de campo........................................................26

Gráfico 6. Evolução do número de diária entre 1992-2006....................................................................27

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VII

INTRODUÇÃO

Na presente pesquisa nos dedicamos ao estudo e problematização de uma

importantíssima ferramenta didático-investigativa da Geografia: o trabalho de campo.

Bastante difundido nesta ciência, tais trabalhos buscam em fim último abrir perspectivas de

análise que seriam até então inacessíveis ao estudo em “gabinete”. Nos dizeres de Alentejano

e Rocha-Leão (2006, p.57), este é um exercício que parte da observação da paisagem na busca

da compreensão da dinâmica do espaço geográfico, num processo mediado pelos conceitos

geográficos. O trabalho de campo, desta forma, consolidar-se-ia como um momento

fundamental de articulação entre a teoria e a prática, perspectiva uníssona entre os autores

estudados.

Faz-se necessário, desde já, situar nossa pesquisa dentro do universo teórico do tema.

Nossa ênfase principal é o estudo do trabalho de campo como ferramenta didática, ou seja,

aquele aplicado ao ensino da Geografia, modalidade bastante conhecida como “excursão

geográfica” 1 (CARVALHO, 1941, p.98). Porém, tal recorte ainda extrapola nossos objetivos.

Assim, focaremos nossa análise ao ensino de Geografia no nível superior. Todavia,

ressaltamos que a delimitação não esteriliza por completo o tratamento desta prática com

finalidades investigativas, visto que sob alguns aspectos as duas formas de saída ao campo se

(con)fundem.

Desenvolveremos o tema em dois principais momentos:

A. Num primeiro contato exporemos e teceremos reflexões acerca da bibliografia já

desenvolvida sobre o assunto, entendendo como os geógrafos a compreendem, buscando

assim contextualizar o leitor com o que já foi pensado sobre o trabalho de campo.

Abordaremos assim a história e importância destes para o desenvolvimento da ciência

geográfica, suas diferentes técnicas, classificações e finalmente as novas perspectivas que se

abrem para tais atividades.

1 Neste trabalho consideraremos como sinônimos os termos “trabalho de campo didático”, “excursão geográfica”, “excursão didática” e “atividade de campo”.

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Torna-se necessário ressaltar que a grande maioria do que já foi escrito sobre o tema

“trabalho de campo” diz respeito à modalidade referente à pesquisa– como, por exemplo, a

forma de se proceder numa pesquisa de campo-, existindo uma tremenda aridez na produção

científica que pensa o trabalho de campo na área educacional.

Não entendemos tal lacuna. Esta postura parece explicar o pequeno avanço na

superação da tradicional excursão didática meramente expositiva, praticada sem mais

reflexões há várias décadas. Desta forma, encontramos a justificativa de fazê-lo nosso objeto

de estudo.

B. Posteriormente, dedicaremo-nos a trazer tal discussão para a própria Universidade de São

Paulo. Entendemos que esta atitude pauta-se até pelo projeto do qual esta pesquisa participa:

“Ensinar com Pesquisa”, ou seja, a investigação científica colaborando para o avanço e

melhoria do ensino. Desta forma, esforçamo-nos em dar nossa contribuição mediante uma

análise evolutiva (1992-2006) desta prática em nosso departamento. Buscamos com o recorte

propiciar uma visão histórica das realizações dos trabalhos de campo no departamento de

Geografia da Universidade de São Paulo.

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1. MÉTODO DE ANÁLISE

Seguindo a divisão estabelecida acima (Introdução), desenvolvemos o trabalho da

seguinte forma:

A. A primeira parte teve como subsídios as informações da bibliografia consultada.

Serviram de fonte livros e artigos de publicações periódicas, além de uma dissertação de

mestrado. Como já foi dito e vale reforçar, constatamos poucas pesquisas desenvolvidas por

geógrafos. Assim, recorremos à literatura de certas “disciplinas irmãs” na busca de maiores

subsídios teóricos, colhendo bons frutos na Geologia e na Antropologia.

B. No caso específico dos trabalhos de campo no ensino da Geografia na

Universidade de São Paulo, não encontramos nenhuma bibliografia que fizesse referência

específica à instituição, sendo por isso necessário a coleta de dados in loco.

Em relação ao tipo de informação utilizada, pela falta de disponibilidade de

suficientes dados qualitativos para tal intento, pautamos grande parte de nossa análise por

indicadores quantitativos extraídos de protocolos de pedido de verba destinada aos trabalhos

de campo. Tivemos acesso aos seguintes dados:

- Verba destinada para os trabalhos de campo (solicitada e concedida);

- Execução orçamentária destinada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas (FFLCH);

- Número de trabalhos de campo (programados e executados);

- Número de alunos participantes dos trabalhos de campo;

- Número de alunos cadastrados e matriculados no curso de Geografia;

-Distância total percorrida nos trabalhos de campo;

-Duração do trabalho de campo.

O período estipulado para nosso recorte foi o do ano de 1992 até o ano de 2006.

Agimos dessa forma pela impossibilidade de aquisição de documentos anteriores ao ano de

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1992, já que estes foram incinerados conforme a política interna de arquivamento da

Administração da FFLCH-USP.

Ademais, encontramos outro problema a se enfrentar: a grande quantidade de

informações a serem examinadas, visto que todo semestre inúmeras excursões didáticas são

realizadas. Destarte, devido à impossibilidade de consulta “ano a ano”, pois se assim

fizéssemos a quantidade de planilhas para análise e síntese excederia o prazo planejado para

tal fim, coletamos informações de quatro anos amostrais, sendo eles 1992, 1996, 2001, 2006.

Reconhecida a fragilidade que a pesquisa apresentaria se tomasse como base apenas

os indicadores acima destacados, precisávamos reforçá-la com outras fontes, preferivelmente

qualitativas. Para suprir esta lacuna, optamos por executar entrevistas paralelamente à

investigação, tendo como base docentes que se relacionaram com o trabalho de campo no

período estipulado.

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 História

O trabalho de campo não nasceu na Geografia nem é invenção recente. Suas origens

remetem às explorações de naturalistas e estudiosos da Terra (COLTRINARI, 2001, p.106),

muito praticadas no século XVIII e XIX. Poderíamos citar como exemplo os trabalhos de

campo praticados por naturalistas europeus que desbravavam a então “terra incógnita”, como

os estudos do geógrafo alemão Alexander von Humboldt, que percorrera as colônias

espanholas empreendendo diferentes pesquisas.

Torna-se inegável a importância que tais práticas tiveram para o grande impulso da

ciência. A Geografia, em formação na primeira metade do século XIX, ou seja, no auge das

explorações naturalistas, apropriou-se grandemente destas técnicas, seja para o mapeamento

dos territórios em formação, seja para pesquisas sobre características e recursos naturais

patrocinadas por governos dos países em gênese. Pelo tipo de conhecimento que geravam, as

técnicas de trabalho de campo utilizadas até então pelos naturalistas encaixaram-se

verdadeiramente como uma luva à ciência geográfica. As informações acumuladas por meio

destas foram decisivas para a sistematização da Geografia, reverberando nos métodos

adotados para seu estudo. Tanto Humboldt, como Ritter, Ratzel ou mesmo Vidal de La

Blache, considerados precursores nos estudos geográficos, baseavam-se no método empírico

de observação para o desvelamento da realidade, fato importante para entendermos nossa

ciência na contemporaneidade.

Os moldes franceses utilizados na construção do curso de Geografia na Universidade

de São Paulo não deixariam por menos a importância destas saídas. Conforme nos diz Petrone

(1982, p.08), “o setor de atividades que mais de perto prenunciava um esforço conjunto

também nas atividades didático pedagógicas era o de excursões”. Podemos verificar isso no

regulamento interno de 1946, assinado por João Dias da Silveira, Pierre Monbeig e Aroldo de

Azevedo:

Art. 16º, § único - sempre que possível, pelo menos uma vez ao ano serão realizadas excursões em conjunto pelos professores das três cadeiras atualmente existentes [Geografia física, Humana e do Brasil]. Neste caso, a parte material da excursão ficará a cargo do Diretor Administrativo do Departamento (PETRONE, 1982, p.18).

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Podemos perceber que em sua formação no Brasil, ao menos documentalmente, a

Geografia se preocupava com a interdisciplinaridade em suas análises, fato materializado pelo

trabalho de campo proposto no qual as três cadeiras até então instituídas fariam uma saída

conjunta, possibilitando assim uma visão holística do espaço geográfico estudado.

Outro fato interessante, relacionado ao departamento e que demonstra a importância

do trabalho de campo na formação crítica do estudante, foi que

no mesmo ano em que o Departamento de Geografia adquiria existência formal, os estudantes da então subsecção de Geografia e História, com o total apoio dos professores, fundaram o ‘Centro de estudos Delgado de Carvalho’, em seguida ‘Centro de Estudos Capistrano de Abreu’, denominação que conserva até o momento. Talvez seja interessante acenar ao fato que o referido Centro foi criado logo em seguida a uma longa e proveitosa excursão ao Norte do Paraná, de iniciativa dos estudantes e que, sob a coordenação do Prof. Pierre Monbeig, teve a participação de vários docentes do Departamento de Geografia e de outras unidades da Universidade. O entusiasmo pela referida excursão alimentou os estímulos para a criação do Centro de Estudos referido (ibidem, p. 09).

Entretanto, com a chegada da chamada da “Geografia quantitativa” no Brasil, em

meados dos anos 60/70, iniciaram-se mudanças metodológicas que repercutiram

negativamente no trabalho de campo. Em meio às inovações tecnológicas da época, críticas

desta new geography acusavam a Geografia tradicional de excesso de empirismo, cuja

observação direta adotada como parte do método foi julgada demasiado incerta. Assim,

privilegiou-se um contato abstrato com a realidade, buscando as estatísticas e fórmulas

matemáticas em detrimento do contato empírico que o campo proporcionava. Na

interpretação de Moraes, a Geografia Pragmática, ao romper com estes procedimentos,

simplificou o universo de análise geográfica, tornando-o mais abstrato, mais distante do real

existente (MORAES, 1990, p.110).

Contudo, apesar da negação dos métodos quantitativos supracitados com a chegada

da Geografia Crítica, certa aversão ao trabalho de campo foi mantida. O discurso deferido

pelos opositores de tal prática era de que o contato empírico como embasamento do raciocínio

não poderia propiciar corretas análises, já que tal método mantinha-se preso ao mundo das

aparências, aos aspectos visíveis, de forma que para compreendermos a real essência dos

fenômenos deveríamos buscar as contradições existentes na realidade através da análise

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dialética. Em outras palavras, o trabalho de campo continuou –não de forma justa- sendo

considerado excesso de “empirismo”.

O momento atual é complexo, já que a Geografia conta com maior repertório

metodológico em sua reflexão, em detrimento de linhas paradigmáticas hegemônicas, como as

duas últimas que se seguiram. Apesar de bastante insipiente, percebemos um retorno à

questão da importância do trabalho de campo, seja para o desenvolvimento de pesquisas ou no

ensino para os estudantes de Geografia.

2.2 Aspectos teóricos

Baseado na literatura que trata do trabalho campo na ciência geográfica, encontramos

um primeiro desafio: é possível uma definição do trabalho de campo, tendo em vista todas as

possibilidades que o mesmo oferece? Muito mais consensual entre os autores é o fato de que o

trabalho de campo deve ser modelado de acordo com o objeto que se pretende desvelar, não

existindo desta forma uma técnica universal capaz de abarcar todos os fenômenos geográficos

disponíveis na realidade (STENBERG, 1946, p.15; KAISER, 2006, p.94), ou seja, “o trabalho

de campo torna-se, então, um problema de muitos trabalhos de campo” (SILVA, Armando,

1982, p.52).

Não menos flexíveis que os procedimentos técnicos dos trabalhos de campo – ou

seja, a forma de agir no campo, buscando evidenciar o objeto que se deseja desvelar - são as

formas de pensá-lo, entendê-lo, utilizá-lo. Podemos notar claramente ao longo da história do

pensamento geográfico, as transformações ocorridas no enfoque do trabalho de campo em

virtude das mudanças dos paradigmas metodológicos da ciência geográfica. Como exemplo

podemos citar Sansolo quando nos diz que existiram/existem trabalhos tanto com

“concepções associadas a uma prática de ensino descritiva, cujo vínculo está presente na

Geografia Clássica” onde são observados aspectos minuciosos das características da

paisagem, até “autores ligados ao movimento da Geografia Crítica, onde é ressaltada a análise

das contradições sociais” buscando evidenciá-las perante o espaço geográfico em questão

(SANSOLO, 1996, p.44). Suertegaray também elucida a questão, dizendo que

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no método positivista, tão conhecido nosso, o campo (realidade concreta) é externo ao sujeito. O conhecimento/a verdade está no objeto, portanto no campo, no que vemos. No método neo-positivista o campo como realidade empírica é externo ao sujeito. Agora, nesta perspectiva, o campo como realidade externa é uma construção do sujeito.

No método dialético, o campo como realidade não é externo ao sujeito, o campo é uma extensão do sujeito, como é numa outra escala a ferramenta para trabalhar uma extensão do seu corpo, ou seja, a pesquisa é fruto da interação dialética entre sujeito e objeto.

No método fenomenológico, o campo é a expressão das diferentes leituras do mundo. É o lugar (da observação e da sistematização) do olhar do outro — daí o método fenomenológico dizer da necessidade de se colocar no lugar de. Negando o positivismo, este método não separa sujeito e objeto.

Na compreensão da hermenêutica, o campo é a interação do sujeito no seu caminhar e pensar com o objeto. O sujeito como ponto de partida do conhecimento promove, a partir de sua vivência, a ação que desencadeia o processo de conhecimento e (re)construção do mundo. O campo é o texto, este precisa ser desvendado aberto e compreendido em seus múltiplos significados para, a partir dessa compreensão promover a reconstrução do sujeito/objeto/sujeito [grifo nosso] (SUERTEGARAY, 2002, p.93).

Somam-se a reflexão alguns aspectos que parecem estar bem consolidadas no

âmbito teórico-metodológico. Fato que parece ecoar nos textos ao longo dos anos é que o

trabalho de campo, seja com “fins didáticos” ou de “pesquisa”, deve ser rigorosamente

planejado. Delgado de Carvalho, ainda em 1941 (p.98), dizia que não cria que era possível, a

não ser por acaso, improvisar uma excursão geográfica, com inteiro proveito. Cruz, 56 anos

depois, analogamente enfatiza que “o planejamento prévio de um trabalho é condição sine

qua non para que o mesmo seja bem sucedido” (CRUZ, 1997, p.93).

Constata-se que é grande o esforço em reforçar a posição do trabalho de campo

como uma técnica e não como um método. Lembremos que neste sentido à técnica diz

respeito ao caminho que conduz a objetivos específicos de obtenção de dados, enquanto o

método sugere o modo de se articular cognitivamente estes dados (VENTURI, 2006, p. 76).

Nos dizeres de Bernard Kaiser “a pesquisa de campo é um meio e não um objetivo em si

mesmo” (KAISER, 2006, p. 97).

A preocupação observada acima é justificada pelo perigo de tornar uma ferramenta

da Geografia no próprio método da Geografia, desarticulando a análise da teoria e tornando-a

assim, predominantemente “empirista” (ALENTEJANO e ROCHA-LEÃO, 2006, p.53).

Temos ressalvas quanto ao uso deste termo. No sentido filosófico, o “empirismo é a exigência

de que qualquer verdade só seja aceita se puder ser devidamente verificada e confirmada

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[através dos sentidos] (...) não sendo renunciado o uso de instrumentos racionais ou lógicos,

se adequados às possibilidades humanas”. (ABBAGNANO, 2001, p. 327) . Nesta acepção, até

o próprio método de análise dialético, na sua origem grega, pode ser considerado empirista, já

que utiliza o conceito filosófico da empiria como critério de verdade. Como esclarece

Abbagnano,

o método dialético de Platão (...) parece consistir justamente na verificação e na comprovação das determinações atribuídas a determinada realidade; assim essas determinações podem ser abandonadas, corrigidas ou modificadas pelos empregos sucessivos do método (Ibidem, p. 328).

Tão variado quanto o modo de agir e pensar o trabalho de campo na Geografia é a

forma de classificá-lo. Buscaremos expor a seguir, de forma sucinta, algumas das perspectivas

com que nos deparamos ao longo da pesquisa.

Francis Ruellan (1944, p.35-36), dividiu o trabalho de campo em duas modalidades:

A. Excursões Geográficas – Caracterizada pelos aspectos ilustrativos, estimulando a

observação empírica dos participantes .

B. Trabalho de campo para pesquisa Geográfica – Possui um caráter interpretativo,

valorizando novos conhecimentos; utilizando instrumentos técnicos de observação, para assim

obter dados sobre a essência da realidade, tendo sempre em mente a diferença de localização

entre a gênese e a manifestação da materialização do fenômeno. Utiliza-se de uma postura

ativa e muitas vezes com conceitos da pesquisa participante. Como nos diz o próprio autor,

“diferente da excursão geográfica, entendemos essa modalidade como parte de uma

metodologia de pesquisa, sendo fundamental procedimento para o processo de construção do

conhecimento” (ibidem, p.50).

Especificamente nesta modalidade, possui uma subdivisão referente ao momento de

contato com a realidade:

A excursão de reconhecimento é primeiro contato com o local a se realizar a

pesquisa. É feita em curto espaço de tempo e deve-se tentar coletar o maior número de

informações possíveis. “Pretende-se estabelecer uma leitura preliminar que fornecerá

subsídios para uma melhor definição do trabalho” (ibidem, p. 54).

Page 16: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

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O trabalho de campo para investigação minuciosa se trata de uma fase em que os

problemas específicos serão averiguados a fundo. Tenta-se encontrar a trama de relações que

envolvem o objeto em questão. Para isso são utilizados métodos e instrumentos técnicos mais

específicos, previamente escolhidos e tendo como subsídio a excursão de reconhecimento já

executada.

Já o geógrafo Armando Correa da Silva (1982, p. 50-51), numa classificação mais

refinada, distingue a “Geografia Física” da “Geografia Humana” no que se refere ao trabalho

de campo, classificando em três modalidades os trabalhos na “área humana”:

A. Trabalhos analíticos empíricos – como o próprio nome diz, é um exercício de empiria,

onde o executante “primeiro pesquisa”, ou seja, sai ao campo tomando contato com a

realidade por meio de sua percepção, buscando apoio teórico somente posteriormente. Neste

tipo de contato privilegia-se o “sentir”, busca-se assim uma maior aproximação com o objeto.

Porém, o próprio autor expõe o perigo de tal técnica propiciar falsas interpretações, já que

pode privilegiar a aparência em detrimento da essência dos fenômenos.

B. Trabalhos com enfoque lógico – Neste tipo não nos preocupamos com a essência do real

e sim estudamos minuciosamente as suas aparências. O campo torna-se uma apreensão

psicológica e fenomenológica do observador. Tomamos como ferramentas de construção

teóricas o uso da matemática, estatísticas, etc.

Estes trabalhos substituem os estudos diretos da aparência, por estudos indiretos.

Assim, estes modelos substituem a paisagem sentida e percebida diretamente, por suas

representações funcionais abstratas, documentais sob a forma da ordenação lógica dos

elementos da realidade. Desta forma o campo empírico é substituído por um campo

psicofenomenológico positivo.

C. Análise dialética epistemológica e ontológica – Seu pressuposto básico é de que é

possível o conhecimento teórico do real a partir da apreensão das categorias básicas do ser.

A Análise dialética ontológica subdivide-se em Ortodoxa (Hermenêutica) e Moderna

(Analítica). Em ambas o conhecimento é sempre uma aproximação, uma hipótese criada pela

abstração que caminha da forma à essência. Apreende-se o movimento deste real através da

análise de relações necessárias e determinadas, buscando-se (mediante uma análise dialética

entre o real concreto e o real lógico) a compreensão da totalidade do fenômeno.

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Na Análise dialética epistemológica o trabalho de campo consiste na coleta direta ou

indireta de informações, que são organizadas estruturalmente, segundo seqüências articuladas

por sua lógica aparente, referida à essência da realidade.

Num panorama do trabalho de campo em Geologia, que por sinal se enquadra

perfeitamente na Geografia, Compiani & Carneiro (1993) classificaram as excursões de

acordo com seu papel didático, ou seja: Ilustrativas, Indutivas, Motivadoras, Treinadoras e

Investigativas (COMPIANI & CARNEIRO, 1993).

Scortegagna & Negrão, baseados na classificação anterior, elaboram uma nova

categoria: o trabalho de campo autônomo. De acordo com os autores, tal saída “objetiva

despertar no aluno seu espírito investigativo e prepará-lo para a sua realidade profissional

futura” (SCORTEGAGNA & NEGRÃO, 2005, p.41). Esta é realizada, preferencialmente, na

região onde os alunos se encontram, em áreas escolhidas por eles e sem a presença do

professor, que adquire um status de orientador. Em sua essência esta conceituação busca unir

o trabalho de campo didático ao de pesquisa.

Uma importante e polêmica questão que se coloca na temática pertinente ao trabalho

de campo didático é a de que nível teórico o estudante deve ir ao campo. Tal reflexão possui

raízes muito mais profundas, que traduzem em fim último questões gnosiológicas seculares2.

De um lado, certos autores defendem que o trabalho de campo torna-se banal e

mesmo “viagem de turismo” se os estudantes não possuem o cabedal teórico suficiente para

desvelar tal realidade, já que não conseguirão interpretar a paisagem, restringindo-se as

aparências, ao simples senso comum. Por outro lado, um excesso teórico antecedendo o

contato empírico poderia reduzir tal experiência a uma irracional busca de fatos e evidências

que legitimem as formulações estabelecidas, ou seja, poderíamos deformar a capacidade de

análise do estudante, de forma que a realidade percebida formatar-se-ia em prol da validade

da teoria abordada.

Colocamos novamente a questão na ordem do dia: quem deve vir primeiro, a teoria

ou a prática? Encarada desta forma entendemos que tal pergunta não possui resposta. Para

superarmos tal querela, ao nosso ver, devemos essencialmente mudar o entendimento do ato

de ir ao campo. Cremos que se deve considerar o significado do trabalho de campo didático

não antes ou depois, mas sim no exato momento do contato empírico (que é o período de

construção do conhecimento) e na perspectiva do estudante (que deve em fim último ser o

2 Qual a origem do conhecimento? Quais as formas de conhecimento? Como são gerados estes conhecimentos?

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sujeito deste momento). Propomos para isso uma forma de trabalho de campo que privilegie

tanto o conhecimento científico já existente quanto a percepção do educando (baseado em sua

capacidade de sentir), apoiando-se em uma lógica que tire vantagem do conflito entre o

abstrato e o real, possibilitando que o mesmo consiga chegar à essência a partir das

aparências. Nossas hipóteses posteriores se pautarão por este raciocínio.

Atentemos ao fato de que nossas formulações limitam-se às excursões didáticas, um

processo peculiar de construção do conhecimento. Comecemos exatamente por aí: a

construção do conhecimento. Sabemos que ao menos no âmbito científico, tal processo se dá

através da problematização; da dúvida do indivíduo, seguida da construção de hipóteses

(COLTRINARI, 2001, p.104; KAISER, 2006, p.98). Grifamos a palavra hipótese para

ressaltar seu sentido: algo que não se tem certeza, um ponto de partida. Assim sendo, é

condição fundamental para a descoberta/aprendizado que o aluno ponha-se a questionar sobre

os fenômenos que observa, independente de seu nível teórico. Sócrates percebera tal fato há

mais de dois milênios, quando em busca da verdade passou a questionar diversos fenômenos e

ações. No caso específico do trabalho de campo, professor Deffontaines também defendia tal

postura, pois recomendava que os alunos deveriam ir para o campo com o conhecimento

necessário para “se poser dês questions” (DEFFONTAINES apud STENBERG, 1946, p. 19).

Com a condição acima como premissa, avancemos em nosso raciocínio. Como

apreendemos o espaço nas excursões didáticas? Na maioria destas apreendemos o objeto de

nossa ciência por meio de uma categoria geográfica específica: a paisagem3. É claro que

perceber a paisagem não é o fim em si mesmo do trabalho de campo, contudo, este é o ponto

de partida de nossa reflexão, quando em campo. Fazemos isso mediante um processo

cognitivo específico, chamado percepção. Esta é considerada a forma como o indivíduo

organiza e interpreta suas impressões sensoriais, atribuindo significado ao seu meio.

A percepção depende de um estado de preparação ou predisposição do sujeito; da

disposição do indivíduo em perceber (ABBAGNANO, 2000, p. 755). Tal formulação

corrobora em parte com a hipótese do parágrafo anterior. O questionamento age de forma a

predispor no indivíduo sua capacidade perceptiva. Além disso, deve-se selecionar entre as

miríades de fenômenos da realidade o que irá se perceber. Tentemos elucidar nossa exposição

retomando Bergson, por meio de sua noção de percepção pura

3 Consideramos que a paisagem não é só apreendida pela visão, mas sim por meio de todos nossos sentidos. Podemos citar por exemplo a paisagem sonora.

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a percepção outra coisa não é senão uma seleção. Ela nada cria: sua tarefa é eliminar do conjunto das imagens todas as imagens sobre as quais eu não teria nenhuma pretensão e, depois, eliminar das imagens conservadas tudo o que não interessa às necessidades dessa imagem particular que denomino corpo (BERGSON apud ABBAGNANO, 2000, p. 754) .

Consideramos a percepção como a ferramenta inata que o estudante possui no

campo, sendo que, a nosso ver, este é ponto que deve ser valorizado no processo de

conhecimento quando no contato empírico4.

No enfoque proposto (valorizando o momento do contato empírico na perspectiva do

estudante), a antítese teoria x prática, tão relacionado ao tema em questão, parece perder seu

sentido. Em sua essência, a palavra prática relaciona-se à ação, a um ato, mas não um ato

qualquer, apenas aquele que concretiza um objetivo (KANT apud ABBAGNANO, 2000, p.

952). Neste sentido, caminhar, observar e anotar informações seriam a prática do estudante no

campo?

A relação acima só passa a ter significado se o trabalho de campo for considerado

treinamento técnico. Enquadra-se nesta categoria a instrução de técnicas de campo, como por

exemplo ensinar aos alunos a forma correta de se coletar amostras ou manipular

equipamentos, sendo que na sala de aula recebe-se a teoria (aprendendo-se a lógica) e no

campo coloca-se tal conhecimento em prática (executando a ação). Porém foge a tal visão a

maioria das excursões didáticas, que não possuem tal treinamento como objetivo.

Com o intuito de articular as referidas constatações, propomos uma nova forma de

compreensão do momento da excursão didática, deslocando a atenção do “fenômeno” para

“como sujeito interpreta tal fenômeno” e fazendo jus às premissas já citadas. Ilustremos nossa

reflexão com a figura 01:

4 O trabalho de campo didático, encarado como contato empírico, só possui função enquanto valoriza a percepção dos participantes, pois de outra forma, perde seu sentido primordial: o contato entre o mundo sensível e o inteligível (que como já dissemos é mediado e possibilitado através da percepção). De outra forma não necessitaríamos ir ao campo.

Page 20: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

14

Figura 01: Relação entre o abstrato e o concreto no contato empírico

Entendemos que a modificação acima contribui para uma melhor compreensão do

momento da excursão didática, pois privilegia a subjetividade de sujeito participante (e não a

exterioridade dos fenômenos), cuja percepção interpreta a aparência dos fenômenos, o real

sensível. Em contraposição à percepção, temos os conceitos teóricos. Entendemos como

conceito uma idéia abstrata ou um símbolo mental, sendo este tipicamente associado a uma

representação na linguagem escrita ou simbólica. Entre as diversas funções dos conceitos

podemos distinguir a “descrição de objetos da experiência para permitir seu reconhecimento”

e a organização “dos dados da experiência de modo que se estabeleçam entre eles conexões de

natureza lógica”, possibilitando sua inferência dedutiva na construção de abstrações de

maiores envergaduras (ABBAGNANO, 2000, p. 168). Os conceitos são aparatos cognitivos

fundamentais na formulação das teorias, pois é a partir da compreensão e articulação lógica

destes que podemos propor as hipóteses teóricas. Assim sendo, é pressuposto básico para a

compreensão de determinada teoria que se compreenda antes os conceitos nela inseridos.

Assim, a função principal do trabalho de campo, a nosso ver, torna-se evidenciar os

conceitos materializando-os na paisagem, de modo a revelá-los à percepção, para o posterior

entendimento (e até mesmo refutação) da teoria, processo que se poderá dar em sala sem

problema algum. Sem este artifício, o pensado e o percebido se contradizem, prejudicando a

compreensão do conjunto teórico. Em outras palavras, o trabalho de campo seria o momento

em que o estudante perceberia materializado na paisagem os conceitos que fazem parte da

teoria a ser compreendida.

Sabendo que a formulação dos conceitos surge na direção do real sensível ao

cognoscível, ou seja, explicando a realidade através do pensamento (e não adequando a

Page 21: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

15

realidade ao pensamento!), podemos pensar tal relação no contato empírico da excursão

didática. Os conceitos teóricos -idéias abstratas pautadas pela lógica e construídas em fim

último com base na realidade- retornariam a sua origem: a própria realidade. A percepção, por

sua vez, confirmaria a validade de tais conceitos5. Compreendendo-se estes, verdadeira

estrutura do conjunto teórico, teremos subsídios suficientes para entender-se a própria teoria:

a abstração materializa-se e revela-se ao mundo sensível. Vejamos a figura 02:

Figura 02: Correto fluxo no processo gnosiológico

Gostaríamos por fim, de lembrar outros fatores também muito importantes numa

excursão didática. Questão extremamente pertinente é a articulação espacial entre os

fenômenos, em diferentes escalas de observação (LACOSTE, 2006, p. 91). Nas palavras de

Kaiser, “somente o estudo da inserção do sub-sistema local no meta-sistema pode dar sentido

à análise local, logo, à pesquisa de campo” (KAISER, 2006, p. 102). Assim, deve-se

evidenciar o fenômeno de interesse no trabalho de campo, porém não o vendo isolado,

desarticulado do todo.

Segundo Ângelo Serpa, o procedimento metodológico a ser adotado para superar tal

questão é a indução, agrupando os dados coletados a partir da busca de “semelhanças” com o

entorno, até se chegar ao “todo regional” e “global” (SERPA, 2006, p. 14).

Na busca da totalidade espacial, Serpa nos lembra da importância da história

enquanto categoria de análise espacial, pois “se o espaço é a totalidade verdadeira para a

Geografia, a história se impõe como recurso metodológico, já que é através do significado

5 Compreende-se tal processo como um ciclo. O conhecimento nascendo do mundo concreto (através da percepção), tornando-se abstração no desenvolver da teoria, e posteriormente retornando ao mundo concreto através de sua explicação.

Page 22: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

16

particular de cada segmento do tempo, que apreendemos o valor de cada coisa num dado

momento” (ibidem, p.20).

Advertência salutar também nos fazem Alentejano & Rocha-Leão, quando nos diz

que não devemos fragmentar a realidade no campo, mas pelo contrário, buscar articulações.

Dicotomias clássicas da ciência geográfica -como a cisão entre o social e natural- devem ser

abolidas dos trabalhos de campo, já que “negligenciam a própria missão integradora da

Geografia” (ALENTEJANO e ROCHA-LEÃO, 2006, p.55-56). Grande é contradição dos

mestres que discursam a favor de uma “Geografia una” e justamente no trabalho de campo,

local privilegiado para a observação de tais fenômenos “sintetizadores”, dicotomizam e

fragmentam a realidade. Portanto devemos valorizar tais momentos, buscando articular e

reforçar a unidade dos fenômenos geográficos.

Complementamos tais considerações por meio de nossa experiência como estudante

de graduação, condição que possui seu valor considerando a posição que ocupamos nos

trabalhos de campo em relação aos mestres. Gostaríamos de ressaltar a importância da

interação entre o sujeito e objeto quando no campo, fato que parece aflorar a percepção do

estudante e resultar em marcantes experiências e resultados. Temos como certo que a livre

interação do estudante com a paisagem, incluindo aí, pelo menos por certo período, sua

liberdade de locomoção e comunicação, onde o mesmo possa definitivamente mergulhar nas

miríades de relações existentes no espaço estudado, percebendo-as e sentindo-as, favorecem

inacreditavelmente sua capacidade de análise e compreensão.

Page 23: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

17

3. O TRABALHO DE CAMPO NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAUL O

Antes de apresentarmos as minúcias desta parte da pesquisa, faremos uma breve

explicitação do funcionamento atual das excursões didáticas no Departamento de Geografia.

Primeiramente, seria interessante dizer que em nosso departamento há uma

“comissão de excursões didáticas e científicas”, sendo esta responsável por assessorar e apoiar

as atividades referentes aos trabalhos de campo, seja as excursões didáticas ou de pesquisa (no

caso destes, principalmente efetuadas pela pós-graduação).

De acordo com o regimento do departamento de Geografia, art. 77, as excursões

didáticas são normalizadas por um regimento interno, de responsabilidade da comissão acima

citada. A versão mais recente é a que data de 16 de maio de 2006. Entretanto, em uma

instância política superior, o Conselho Técnico Administrativo (CTA), no dia 08 de março de

2007, deliberou atualizações nos procedimentos, resultando na aprovação de certas mudanças

no antigo documento. Os mesmos encontram-se em anexo para possível consulta.

O provimento de verba a um trabalho de campo está vinculada a sua inclusão numa

programação semestral de viagens, efetuada sempre no início do semestre pelo departamento.

Efetivamente o que se faz é uma planilha com todos os trabalhos de campo planejados,

juntamente com a disciplina e professor solicitante, a distância total, o número de aluno e o

número de dias. Tal planilha tramita por diversos setores administrativos da Universidade e

após liberação da verba pela reitoria, é arquivada no setor designado “Protocolo”, localizado

no prédio da administração da unidade. Tal documento, estritamente burocrático, é a única

fonte de dados existente sobre trabalhos de campo já executados.

Caso a verba consumida for menor que a verba concedida, como na maioria das

vezes acontece, esta diferença é reservada para utilização nas excursões didáticas do semestre

seguinte.

Um assunto pertinente que gerou muitas preocupações entre o corpo discente do

curso de Geografia no primeiro semestre de 2007, foi a limitação da distância e do número

de dias dos trabalhos de campo. De acordo com a atualização das normas propostas,

assinada pelo CTA (fev./2007), a distância das viagens desde então seria limitada. Conforme

o documento, artigo 2.1, o trabalho de campo não poderia ultrapassar 1.200 quilômetros e

teria 3.000 quilômetros como limite para o total do percurso (ida, volta e circulação)

Page 24: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

18

(UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2007). O documento também cita a duração máxima

dos trabalhos: quatro dias com três pernoites no total.

Estranhamente o fato gerou repercussão somente em 2007, com a deliberação do

referido documento, porém, ainda em 2006, certa limitação já existia. Conforme documento:

Art. 8º O percurso de cada trabalho de campo não poderá ultrapassar 2.200 km (ida e volta) e deverá ser programada dentro de um prazo máximo de 7 (sete) dias (ida e volta).

§1º Viagens que requeiram mais de três dias letivos (sendo que um deles deve ser sábado) deverão ser realizadas, na medida do possível, em períodos de recesso, de modo a não comprometer o andamento das demais disciplinas.

§2º Viagens de percurso superior ao limite de quilometragem e/ou com duração superior ao estabelecido no Art.8º e no Parágrafo 1º deverão apresentar justificativas que serão submetidas ao parecer da Comissão de Excursões Didáticas e Científicas e ratificadas pela Chefia do Departamento (UNIVERSIDADE DE SÂO PAULO, 2006).

Outro fator importante a ser considerado nestas mudanças foi a cisão da verba

destinada para cada trabalho: verba para combustível/pedágios e verba para as

diárias/alimentação, ou seja, o orçamento foi dividido. Exige-se com isso que os gastos sejam

limitados às suas respectivas atribuições, impedindo assim remanejamentos entre um fim e

outro. De certa forma, isso prejudicou os trabalhos de campo em nosso departamento, visto

que a possível redistribuição da verba disponibilizada para o “combustível” e a “diária” seria

vantajosa nos caso de trabalhos mais distantes, pois diárias mais baratas poderiam propiciar

mais combustível.

Constata-se uma informação importante na análise do documento: o que é limitado

não é a distância ou as diárias em si, mas sim as verbas a elas destinadas. Devemos ter

atenção a tais minúcias burocráticas, já que se torna grande a possibilidade de variação de

valores – tanto no combustível como nas diárias- em relação à localidade visitada. Por

exemplo, em certas regiões a verba destinada ao combustível possibilitará maior rodagem que

o valor nominal planejado (ou o limite de 3.000 quilômetros determinado). No caso das

diárias também ocorre algo semelhante, já que dependendo do planejamento da viagem

Page 25: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

19

poderão se organizar hospedagens economicamente mais baratas, possibilitando trabalhos de

campo mais longos e proveitosos.

Todavia, tal restrição prejudicou a execução de trabalhos de campo mais distantes,

incluindo aí aqueles oferecidos pelas disciplinas: Regional Sul e Regional Nordeste, apenas

para citar dois exemplos.

De acordo com a comissão de excursões didáticas, sendo a verba destinada

insuficiente para o trabalho pretendido, visto a limitação atual como entrave, há a

“possibilidade de rateio dos custos extras pelos participantes”. Em casos específicos, como

faz menção o regimento, há “possibilidade” de se abrir exceção com relação às limitações,

dirigindo-se às instâncias competentes e justificando a importância de tal fim.

Em nossa análise, as referidas “possibilidades” possuem maior finalidade retórica do

que prática. Observamos que nas atribulações do cotidiano acadêmico, o tempo disponível

dos professores -os organizadores dos trabalhos de campo- parece diminuir na mesma

proporção em que se aumentam as dificuldades burocráticas para a realização dos campos,

ocasionando um resultado no mínimo nefasto. Muitos docentes deixam de aplicar trabalhos de

campo devido às complicações de ordem burocrática; em palavras mais explícitas: tal

ferramenta didática é implicitamente desestimulada. Baseamos nossa hipótese nos trabalhos

de campo do passado em relação aos atuais: víamos um grande interesse na realização dos

campos, contudo, em tempos de dificuldades econômicas na academia, havia pouca verba

disponível para tal fim. Por outro lado, hoje em dia possuímos verba disponível aos trabalhos

de campo, mas as iniciativas se desvanecem pela falta de tempo dos professores aliados ao

excesso de formalismos exigidos. Entretanto, de forma geral, houve um claro aumento no

número de trabalhos de campo no período observado.

Finalmente, outro grande problema que assola os estudantes do curso de Geografia é

a limitação do número de participantes em trabalhos de campo, devido à superlotação das

turmas. Situação incoerente, pois tais trabalhos são considerados obrigatórios pela ementa da

disciplina e ao mesmo tempo uma condição injusta, que causa tanto uma concorrência nociva

entre os estudantes quanto constrangimentos aos docentes.

Page 26: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

20

3.1 Análise Evolutiva

Como descrevemos no capítulo 01 (metodologia), coletamos os dados para análise

nas planilhas de requisição de verba. O compêndio dos mesmos resultou a seguinte tabela:

Page 27: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

21

TABELA I – Síntese de dados

Notas: (1) Dados não disponíveis na documentação disponível. (2) De acordo com a tabela "Alunos de graduação distribuídos pelas unidades e cursos”, disponível no anuário estatístico [do respectivo ano] da Universidade de São Paulo.

DADOS RELATIVOS AOS TRABALHOS DE CAMPO EXECUTADOS N O DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA, FFLCH-USP.

ANO: 1992 1996 2001 2006 VERBA

Solicitada: C$ 230.112.500,00 R$ 10.986,00 R$ 53.865,00 R$ 751.281,40

Concedida: C$ 10.320.000,00 R$ 10.986,00 R$ 53.865,00 R$ 751.281,40

Consumida: C$ 10.320.000,00 ... (1) R$ 53.865,00 R$ 212.442,87

Nº de trabalhos de campo programados (graduação): 19 62 68 80 Nº de alunos proposto para o trabalho de campo (gra duação): 732 2.348 2.463 2.636 Quilometragem estimada (km): 30.630 33.020 68.900 70.836 Diária simples ...(1) ... (1) 1806 927 Diária completa (pernoite) ... (1) ... (1) 3133 5255

Nº de trabalhos de campo executado (graduação) ...(1) 43 68 88

Nº de alunos que fizeram trabalho de campo (graduaç ão): ...(1) 1.711 2.463 3406

Quilometragem percorrida (km): ... (1) 22.520 68.90045.780 (exclusive 2º sem.) (1)

Alunos cadastrados e matriculados no curso de Geogr afia (2) : 1410 1546 1668 2195

Execução orçamentária destinada à FFLCH (total) : C$ 62.844.146.174,71 R$ 26.158.782,50 R$ 65.887.814,00 R$ 110.963.574,00

Porcentagem da execução orçamentária da FFLCH desti nada ao trabalho de campo no departamento de Geografia: 0,0164% 0,0420% 0,0818% 0,1915%

Page 28: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

22

Comecemos a análise dos dados disponíveis. É importante ressaltar, como bem

podemos ver na tabela, que nem todas as excursões didáticas planejadas no início do semestre

são realmente executadas, já que apesar da pouca ocorrência, os remanejamentos pelo

departamento podem acontecer. Os dados dos trabalhos realmente efetivados são

disponibilizados na planilha do semestre posterior. Ainda assim, existem lacunas nas

informações que estão disponíveis nestes relatórios, principalmente por falta de um padrão na

descrição dos mesmos pelo departamento. Este fato acarretou problemas na aquisição das

informações da pesquisa, prejudicando a interpretação dos dados. Por este motivo, em certos

casos, tivemos que nos basear pelos trabalhos de campo planejados ao invés dos executados.

Lembraremos o leitor quando assim o fizermos.

Primeiramente, vejamos o número de trabalhos de campo executados nos anos-base6.

Podemos verificar nitidamente no gráfico 01 que no período proposto o número de excursões

didáticas aumentou consideravelmente.

Número de trabalhos de campo executados pelo Departamento de Geografia- USP

(1992-2006)

0102030405060708090

100

1992 1996 2001 2006

Gráfico 01: Número de trabalhos de campo programados

Contudo, entendemos que esta informação deve ser considerada em conjunto com o

crescimento do corpo discente da universidade, já que o número de alunos em 2006 é bem maior

que em 1992. Para obter os dados referentes a este crescimento, nossa única possibilidade foi

6 Com exceção de 1992, onde por falta de dados empregamos os trabalhos de “campo planejados”. O número de trabalhos de campo realizados certamente foi menor, devido à contenção de verba pela reitoria.

Page 29: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

23

recorrer ao anuário estatístico da USP, onde pudemos encontrar o número de alunos cadastrados

e matriculados no curso de geografia dos respectivos anos. Apesar da generalidade deste dado

(“alunos matriculados”) foi o único que tivemos disponibilidade de consulta. Como buscamos

apenas uma estimativa, o uso do mesmo não apresentará grandes problemas. Pudemos

confrontar esta variável com o número de estudantes que fizeram trabalho de campo7 e verificar,

como nos mostra o gráfico 02, que houve efetivamente um aumento real do número de

atividades de campo. Porém não podemos deixar de destacar a situação instável que se

encontrava a economia nacional e conseqüentemente a universidade em meados de 1992, com

repetitivas contenções de verba e inflações altíssimas, fato este que repercutia negativamente nas

atividades de campo. Podemos citar, por exemplo, o montante solicitado no referido ano (C$

230.112.500,00) e o concedido (C$ 10.320.000,00), ou seja, menos de 5% do total necessário.

Relação entre Alunos matriculados no curso de Geogr afia-USP e Alunos que executaram trabalhos de campo em

disciplinas da Geografia (1992-2006)

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

1992 1996 2001 2006

Alunos que executaramtrabalhos de campo emdisciplinas da Geografia

Alunos matriculados nocurso de Geografia-USP

Gráfico 02: Relação entre crescimento de alunos matriculados nos cursos de geografia e de alunos que executaram trabalhos de campo

Observamos no exame da tabela que a verba concedida para a prática do trabalho de

campo também aumentou consideravelmente, tanto em relação ao montante bruto (houve um

aumento real acima da inflação do período) quanto em relação à porcentagem de toda verba

destinado à FFLCH (execução orçamentária). No que diz respeito a este último, vemos uma

7 Com exceção de 1992, que pela indisponibilidade de dados consideramos o número de estudantes inscritos.

Page 30: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

24

ascensão na porcentagem de recursos reservada às excursões didáticas, considerando toda verba

da unidade (Gráfico 03).

Relação entre a verba total da FFLCH e a verba dest inada aos trabalhos de campo na Geografia (1992-2006)

0

0,05

0,1

0,15

0,2

0,25

1992 1996 2001 2006

Ano

Por

cent

agem

Porcentagemda verba totalda FFLCH

Gráfico 03: Relação entre a verba total da FFLCH e a verba destinada aos trabalhos de campo na Geografia

Poderíamos inferir que o acréscimo de verbas expandiu não só o número de estudantes

participantes mas também a abrangência geográfica das saídas, em outras palavras, possibilitou

estudos em locais mais distantes. Entretanto, a distância média dos trabalhos de campo diminuiu,

tendendo estes a se concentrar, com algumas exceções, no estado de São Paulo. Certamente

houve investimentos nos trabalhos de campo, porém os mesmos não foram consumidos em

deslocamentos. Podemos ter uma estimativa do total de quilômetros percorridos em trabalhos de

campo na Geografia através do gráfico 04.

Page 31: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

25

Estimativa do total de quilômetros percorridos em trabalhos de campo no curso de Geografia-USP

(1992-2006)

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

80.000

1992 1996 2001 2006

quilômetros

Gráfico 04: Estimativa do total de quilômetros percorridos em trabalhos de campo.

Uma análise mais detalhada do fenômeno é necessária. Primeiramente atentemos ao

fato de o número de estudantes atendidos ampliou mais que quatro vezes, enquanto o número de

quilômetros aumentou um pouco mais que duas vezes, indicando assim, a execução de campos

geograficamente mais próximos. Portanto o aumento expressivo no Gráfico 04 é conseqüência

direta do número de trabalhos.

Dos quatro anos avaliados, o ano de 1992 foi o que apresentou maior distância média

por trabalho de campo8. Grande foi a influência dos trabalhos de campo aplicados por Ariovaldo

Umbelino de Oliveira, como por exemplo, a excursão didática proposta na disciplina “geografia

regional do Brasil”, onde o referido professor pretendia levar 90 alunos para a região de Marabá-

PA e Imperatriz- MA, zonas de conflito agrário. Convém dizer que o mesmo não ocorreu,

devido a contenção de verbas por parte da reitoria.

O ano de 1996 apresentou uma queda da distância média por trabalho de campo,

seguida de um aumento em 2001 e um pequeno recuo em 2006, como nos mostra o gráfico 05

logo abaixo:

8 Infelizmente uma estimativa baseada nos trabalhos de campo programados, pela falta de dados disponíveis dos trabalhos de campo realmente efetivados.

Page 32: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

26

Estimativa da distância média por trabalho de campo na Geografia-USP

(1992-2006)

0200400600800

10001200140016001800

1992 1996 2001 2006

Distânciamédia portrabalho decampo

Gráfico 05: Estimativa da distância média por trabalho de campo

Obviamente que a qualidade e o sucesso no cumprimento dos objetivos de um trabalho

de campo não é quantificado por quilômetros rodados. Como bem sabemos, existem

manifestações que podem ser observados e apreendidos em regiões próximas da universidade,

não acarretando nenhum prejuízo ao aprendizado do estudante. Todavia existem processos e

fenômenos de interesse geográfico que não são ubíquos, pelo contrário, são espacialmente

específicos. Como exemplo ilustrativo, podemos citar processos concernentes à geografia

agrária: pois bem, como poderíamos apreender o avanço da agroindústria em detrimento da

devastação floresta amazônica senão nas áreas específicas que estes fenômenos ocorrem? Como

apreender as relações e conflitos que tal fenômeno apresenta senão na própria área que acontece?

Por tais motivos, consideramos importante considerar o fator “distância” como indicador em

nossa análise.

Voltando especificamente aos dados da pesquisa, vemos certas contradições

principalmente entre os anos 2001 e 2006. Observamos que a verba entre os dois anos aumentou

substancialmente. Para termos uma idéia, façamos um cálculo que apesar de simplista pode nos

indicar certas tendências. A inflação do período 2001-2006 de acordo com o INPC beirou os 45

%. Assim sendo, o valor de 2001 (R$ 53.865,00) equivaleria aproximadamente a R$ 78.100,00

Page 33: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

27

em 20069. Comparando os valores atualizados das verbas consumidas entre os referidos anos

(2001: R$78.100,00 e 2006: R$ 212.442,87) vemos um aumento real considerável, cerca de 170

% no total da mesma. Como podemos explicar tal situação sendo que a distância variou tão

pouco e até mesmo diminui em relação à média por saída? A resposta parece estar no aumento

da verba destinada às diárias. Apesar de não poder contar com dados que revelem a situação nos

anos de 1992 e 1996, podemos verificar um aumento de 67 % nas diárias completas (com

pernoite) entre os anos de 2001 e 2006, ou seja, na média, ao menos nos últimos anos, os

trabalhos de campo ficaram mais longos. Vejamos o gráfico 06 que mostra tal fenômeno:

Evolução do número de diárias simples e completa nos trabalhos de campo da

Geografia-USP (1992-2006)

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

1992 1996 2001 2006

Diáriassimples

Diáriascompletas(pernoite)

Gráfico 06: Evolução do número de diária entre 1992-200610

Se compararmos este aumento à evolução do número de estudantes do período

(considerando apenas 2001-2006) que fizeram trabalho de campo, cerca de 38 %, veremos que

houve um aumento real do número de diárias, o que reforça a hipótese acima.

Finalmente, verificando a opinião dos docentes entrevistados, vemos que estas

corroboram com uma visão de melhora dos trabalhos ao longo dos anos, pelo menos no que

concerne ao financiamento destas. Pelo visto, no atual período, a grande maioria das excursões

9 Ressalto que tal cálculo, chamado de “valor nominal”, não é calculado de forma tão simples, resultando em pequenas diferenças no resultado. Não adotamos o cálculo de valor nominal neste trabalho já que não necessitamos de extrema exatidão.

10 Os dados dos anos 1992 e 1996 não estão disponíveis nos documentos.

Page 34: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

28

didáticas programadas pelos docentes é aceita pelo setor orçamentário, sem maiores problemas.

Tal situação parece se opor aos anos noventa, onde talvez pela situação economicamente mais

instável, certa parcela dos pedidos era negada. Percebemos que a opinião dos professores

entrevistados sobre a atual situação parece tomar como referência tais ocasiões, repercutindo

com isso, interpretações positivas na grande maioria entrevistada.

Page 35: o Trabalho de Campo No Curso de Geografia Da USP: Reflexões e perspectivas

29

4. CONCLUSÃO

Expusemos de forma sucinta o desenvolvimento dos trabalhos de campo no âmbito da

Geografia, desde as contribuições dos exploradores naturalistas, ainda na formação desta ciência,

até os dias atuais, onde percebemos o início do retorno de tal tema nas reflexões dos geógrafos.

Dentre esta recapitulação, tentamos sublinhar a importância do trabalho de campo para a

Geografia, independentemente do período histórico.

Revimos as principais proposições dos geógrafos acerca dos trabalhos de campo,

principalmente as excursões didáticas. Tais contribuições, sintetizadas, indicam a necessidade de

interpretação do trabalho de campo como uma técnica da Geografia. Esta deve buscar a

totalidade dos fenômenos, fazendo para isso articulações espaciais (por meio da análise em

diferentes escalas de observação), temporais (utilizando a história como recurso explicativo do

espaço), disciplinares (abordando os fenômenos de maneira articulada e não fragmentada,

compartimentada) e que finalmente privilegie a interação do estudante com o meio que se insere.

Tentamos desmitificar críticas que advertiam sobre o “empirismo” que os trabalhos de campo

poderiam levar, baseadas sobretudo num receio de um retrocesso aos métodos da Geografia

tradicional.

Defendemos ao longo do texto a idéia de ida ao campo não para descrever, mas para

perceber. A ida ao campo não para prender-se às aparências dos fenômenos, mas para buscar

justamente as essências ocultas dos mesmos. Enfim, a ida ao campo para se colocar questões e

possibilidades que seriam impossíveis pelos simples processos lógicos do pensamento.

Deparamo-nos com questões ainda mal resolvidas, onde a principal diz respeito ao

“nível teórico que o estudante deve ir ao campo”. Baseado em tal querela, esboçamos uma

proposta que visa valorizar a perspectiva do estudante, especificamente no momento do trabalho

de campo. Tal proposta incidiu na crítica da antítese clássica “teoria Vs. prática” em prol da

noção de “conceitos teóricos Vs. Percepção”, a nosso ver, mais adequado às excursões didáticas.

Em outras palavras, o trabalho de campo seria o momento em que o estudante perceberia

materializado na paisagem os conceitos que fazem parte da teoria a ser compreendida (sob tal

ótica, a percepção é a ferramenta inata do estudante no campo, devendo assim ser estimulada na

busca da construção do conhecimento).

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No caso das excursões geográficas promovidas pelo departamento de Geografia da

Universidade de São Paulo:

Inicialmente, percebemos que o projeto original dos trabalhos de campo no

departamento foi descaracterizado. Em seu primeiro regulamento, datado de 1946, o

departamento de Geografia deixava clara sua preocupação em relação à interdisciplinaridade:

recomendava expressamente que ao menos uma vez ao ano um trabalho de campo conjunto entre

suas três cadeiras (Geografia Humana, Física e do Brasil) deveria ser feito. Entre outros, o

principal objetivo destes trabalhos era o de sintetizar os diferentes conhecimentos geográficos,

evitando assim a dicotomização entre os saberes, infelizmente tão comuns nos dias atuais.

No período de análise proposto (1992-2006), os dados indicam que houve progressos

quantitativos em certos aspectos dos trabalhos de campo no curso de Geografia, decorrência do

aumento considerável de verba destinada para os mesmos (inclusive em relação ao montante

total de verba destinada à FFLCH). A investigação indica que grande parte desta verba foi

utilizada para o aumento da quantidade de trabalhos (na média os estudantes passaram a fazer

mais trabalhos de campo durante o semestre), seguidos pelo aumento no número de dias de

trabalho de campo (as diárias completas). Lembramos que para uma correta interpretação dos

dados, deve-se ter em mente o contexto econômico instável que se passava a economia nacional

e conseqüentemente a universidade nos primeiros anos da década de 90, resultando na clara

política de contenção de verba e na conseqüente diminuição de atividades de campo. A

estabilização econômica e o aumento da captação de recursos parecem explicar a melhoria

apresentada.

Comparativamente ao aumento do número de estudantes participantes, a distância dos

trabalhos de campo diminuiu. Estes tendem a se concentrar no estado de São Paulo (74% do

total de trabalhos de campo).

Aumentou-se também a burocracia para a execução dos trabalhos de campo. Mudanças

normativas dificultaram a realização destes pelos professores. A destinação da verba foi cindida,

de forma que se impede o remanejamento entre gastos de combustível e de diárias. Instituíram-

se limites aos trabalhos de campo, tanto na distância quanto no tempo.

Motivo de frustração, como já bem dissemos, foram os limitadíssimos dados que

existiam disponíveis no que se refere aos trabalhos de campo já executados. Ressaltamos que

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não há nenhum tipo de acompanhamento sistemático sobre estes pelo departamento. Aliás, é daí

que parte uma das principais conclusões da nossa pesquisa: não há um controle sistemático dos

trabalhos de campo realizados. Os poucos dados disponíveis só existiam por razões burocráticas,

pois se não fosse a exigência, possivelmente não teríamos nenhuma informação a respeito.

Torna-se fundamental e urgente um acompanhamento completo destas atividades pelo

departamento, acumulando e sistematizando o máximo de informações possíveis, atitude pouco

difícil se admitida seu valor e sua sazonalidade (duas vezes ao ano). Tal providência surtirá

ótimos efeitos a médio e longo prazo, pois permitirá um acompanhamento histórico dos

trabalhos de campo, além de, é claro, propiciar um “diagnóstico” desta ferramenta didática tão

importante para a formação dos geógrafos. O levantamento poderá inclusive ser utilizado com

finalidades políticas, se assim se fizer necessário, pois o departamento poderá valer-se deste

como prova real da necessidade de manutenção/suplementação de verba por parte da reitoria.

Devemos lembrar que as conclusões da análise aqui apresentada apontam apenas certas

tendências gerais, já que pelas razões apresentadas, tivemos que recorrer a generalizações.

Finalmente deve ser dito que escapou da possibilidade de análise o teor qualitativo dos

trabalhos de campo, ou seja, a maneira como os trabalhos foram executados e se os mesmos

cumpriram seus objetivos. Fica a necessidade de partimos para tal reflexão, buscando sempre

propiciar os subsídios necessários para a efetivação dos trabalhos de campo, tanto aos

professores quanto aos estudantes. Esperamos com isso que tal prática se desenvolva a contento,

permitindo a excelência de ensino por todos almejado, além é claro, da criação de uma

consciência crítica do estudante de Geografia, a nosso ver, a principal meta da universidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, 4ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2000. ADMINISTRAÇÂO DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. Protocolo de solicitação de verba destinada aos trabalhos de campo. Planilhas: 06.1.2515.8.0 (Cx. 597/08); 06.1.461.8.0 (Cx. 588/08); 02.1.844.8.3 (Cx. 370/08); 01.1.2184.8.0 (Cx. 338/08); 01.1.401.8.3 (Cx. 1312/08); 97.1.449.8.1 (Cx. 274/08); 96.1.1488.8.0 (Cx. 264/08); 96.1.262.8.8 (Cx. 252/08); 92.1.546.8.2 (Cx. 147/08); 92.1.116.8.8 (Cx. 137/08). Setor de Protocolos, 2007. ALENTEJANO, Paulo R. R.; ROCHA-LEÃO, Otávio M. Trabalho de campo: uma ferramenta essencial par os geógrafos ou um instrumento banalizado? Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 51-68, jul. 2006. CARVALHO, Delgado de. As excursões geográficas. Revista Brasileira de Geografia. São Paulo: FFLCH/USP, p. 96-105, out./dez. 1941. COLTRINARI, Lylian. O trabalho de campo na Geografia do século XXI. Revista Geousp. São Paulo: FFLCH/USP, n. 04, p. 103-108, 2001. COMPIANI, M., CARNEIRO, C.D.R. Os papéis didáticos das excursões geológicas. Enseñanza de las Ciências de la Tierra. Madrid, v.1, n.2, p. 90-98, 1993. CRUZ, Rita de Cássia A.Os caminhos da pesquisa de campo em geografia. Revista Geousp, São Paulo: FFLCH/USP, n. 01, p. 93-97, 1997. KAISER, Bernard. O geógrafo e a pesquisa de campo. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 93-104, jul. 2006. LACOSTE, Yves. A pesquisa e o trabalho de campo: um problema político para os pesquisadores, estudantes e cidadãos. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 77-92, jul. 2006. MORAES, Antônio C. R. de. Geografia: Pequena História Crítica, 9 ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1990. PETRONE, Pasquale. Anotações sobre o departamento de Geografia. Revista do Departamento de Geografia. São Paulo: FFLCH/USP, n. 1, p. 07-19, 1982. RUELLAN, Francis – O trabalho de campo nas pesquisas originais de Geografia Regional. Revista Brasileira de Geografia. São Paulo: FFLCH/USP, p. 37-45, jan./mar. 1944. SANSOLO, Davis Gruber. A importância do Trabalho de campo no ensino de Geografia e para educação ambiental. São Paulo, 1996. Dissertação (Mestrado em Geografia), p. 40-85, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

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SCORTEGAGNA, A.; NEGRÃO, O.B. M. Trabalhos de campo na disciplina de Geologia Introdutória: a saída de campo autônoma e seu papel didático. Terræ Didatica, 2005, v.1, n.1, p. 36-43. Disponível em <http://www.ige.unicamp.br/terraedidatica/> Acesso em 15 set. 2007. SERPA, ÂNGELO. O trabalho de campo em Geografia: Uma abordagem teórico-metodológica. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 7-24, jul. 2006. SILVA, Armando Corrêa. Natureza do Trabalho de Campo em Geografia Humana e suas limitações. Revista do Departamento de Geografia. São Paulo: FFLCH/USP, n. 1, p. 49-54, 1982. STENBERG, Hilgard O’Reilly. Contribuição ao estudo da Geografia, S.l.: Ministério da educação e saúde; serviço de documentação, 1946. SUERTEGARAY, D. M. A. A pesquisa de campo em Geografia. Geographia. Rio de Janeiro, n. 07, p. 92-99, jul. 2002. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Índice sistemático do regimento interno dos trabalhos de campo. São Paulo, maio/2006, 5 p. ______. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Normas para utilização do ônibus da faculdade e para as excursões didáticas. São Paulo, fev. 2007, 2 p. VENTURI, Luís A. B. O papel da técnica no processo de produção científica. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 69-76, jul. 2006.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA BAITZ, Ricardo. A implicação: um novo sedimento a se explorar na geografia? Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 25-50, jul. 2006. DEBORD, Guy E. Introdução a uma crítica da Geografia Urbana (publicado no #6 de Lês lévres nues). Paris, set. 1955. (versão traduzida do espanhol). Disponível em <http://www.geocities.com/autonomiabvr/urb.html>. Acesso em 15 set. 2007. ______ . Teoria da Deriva (publicado no #2 da Revista Internacional Situacionista). Paris, dez. 1958. Disponível em <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/03/348635.shtml>. Acesso em 15 set. 2007. DUARTE, Rosália. Pesquisa Qualitativa: Reflexões sobre o trabalho de campo. Caderno de Pesquisa. Rio de Janeiro, n. 115, p. 139-154, mar. 2002. FEITOSA, Vera Cristina. Redação de Textos Científicos. Campinas: Editora Papirus, 1995, 2ª ed. FERNANDES, Amélia et alli. A introdução do aluno às atividades de campo. In: Simpósio Nacional sobre o ensino de Geologia no Brasil, n. 1, 1981, Belo Horizonte, Teses... Belo Horizonte: SBG, 1981, v. 1, p. 215-222. JUNKER, Buford H. A importância do trabalho de campo: Introdução às Ciências Sociais. Trad. José Gurjão Neto. Rio de Janeiro: Lidador, 1971. p.: 1-12. (Societas ; v. 9). LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. Trad. Juarez Guimarães;Suzanne Felicie Léwy. São Paulo: Busca Vida, 1987. MARCOS, Valéria de. Trabalho de campo em Geografia: Reflexões sobre uma experiência de pesquisa participante. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 84, p. 105-136, jul. 2006. OLIVEIRA, A. U. de. Apresentação ou de “na prática a teoria é outra” para a teoria na prática não pode e não deve ser outra. Seleção de Textos. São Paulo: AGB-SP, n. 11, p. I-V, ago. 1985. SILVA, Ana Maria Radaelli. Trabalho de Campo: prática andante de fazer Geografia, s.n.t. Disponível em <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/geografia/geo03a.htm>. Acesso em 15 set. 2007.

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ANEXO 01

ÍNDICE SISTEMÁTICO DO REGIMENTO INTERNO DOS TRABALHOS DE CAMPO DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS

HUMANAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (maio de 2006)

TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES (Art.1º E 2O) TÍTULO II ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHOS DE CAMPO Capítulo 1 Da programação dos trabalhos de campo Capítulo 2 Dos veículos Capítulo 3 Dos motoristas Capítulo 4 Dos professores Capítulo 5 Dos passageiros Capítulo 6 Das verbas TÍTULO III DISPOSIÇÕES GERAIS

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

REGIMENTO INTERNO SOBRE OS TRABALHOS DE CAMPO

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º O Departamento de Geografia (DG) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), no exercício de sua competência e autonomia administrativa, asseguradas pelo regimento interno da USP, organiza os trabalhos de campo dos cursos de graduação e pós-graduação da Geografia nos termos deste regimento.

Art. 2º A organização dos trabalhos de campo do DG observará os seguintes princípios e diretrizes:

I – caráter didático e de pesquisa;

II – programação e planejamento sistemáticos;

III – probidade na administração dos recursos financeiros

TÍTULO II

ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHOS DE CAMPO

Capítulo 1

Da programação dos trabalhos de campo Art. 3º De modo a garantir a disponibilidade de veículos e correta distribuição de recursos, a programação dos trabalhos de campo de cada semestre deverá ser entregue à Comissão de Excursões Didáticas e Científicas, antes do final do semestre anterior, em datas estabelecidas semestralmente. Art. 4º Os trabalhos de campo que estiverem fora da programação estarão sujeitos à disponibilidade de veículos e recursos. Art. 5º Para efeito de seguro de vida, em caso de uso de ônibus de empresas particulares ou da FFLCH, o solicitante deverá encaminhar a lista de alunos (contendo nome, nº do RG, no USP e assinatura) além do de acordo da Chefia; (a sentença seguinte foi suprimida) Art. 6º O ônibus e o micro-ônibus serão autorizados somente se houver ocupação de, no mínimo, 50% dos assentos devendo, porém, ser observada a lotação máxima permitida, a qual nunca deverá ser ultrapassada, cabendo a quem autorizar tal situação, o encargo de eventuais multas.

§ 1º Havendo mais de um pedido de veículo para os mesmos períodos, a prioridade será dada às EXCURSÕES DIDÁTICAS; havendo duas excursões didáticas para o mesmo período, será priorizado o pedido que, pela quilometragem e tempo de viagem, apresentar u m custo maior. § 2º Ainda que a Secretaria de Graduação também preste serviços de agendamento/fretamento para Pós Graduação, a prioridade será dada à Graduação, lembrando que as fontes de recursos para excursões didáticas dos programas de Pós Graduação não são as mesmas da Graduação. Art.7º A participação em eventos científicos não constitui excursão didática nem de pesquisa. §1º Os veículos poderão, no entanto, ser cedidos para tais eventos de acordo com a disponibilidade e autorização da Chefia nos seguintes termos: I – a solicitação deverá ser feita pelo próprio professor;

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II- as despesas da viagem (combustível, diária do motorista, eventuais multas e danos ao ônibus) serão rateadas entre os usuários do veículo. Art. 8º O percurso de cada trabalho de campo não poderá ultrapassar 2.200km (ida e volta) e deverá ser programada dentro de um prazo máximo de 7 (sete) dias (ida e volta). §1º Viagens que requeiram mais de três dias letivos (sendo que um deles deve ser sábado) deverão ser realizadas, na medida do possível , em períodos de recesso, de modo a não comprometer o andamento das demais disciplinas. §2º Viagens de percurso superior ao limite de quilometragem e/ou com duração superior ao estabelecido no Art.8o e no Parágrafo 1o deverão apresentar justificativas que serão submetidas ao parecer da Comissão de Excursões Didáticas e Científicas e ratificadas pela Chefia do Departamento.

§3º O parecer referente ao parágrafo anterior levará em conta a disponibilidade de veículos, motoristas, recursos financeiros, além da ausência de alunos por tempo prolongado que poderia comprometer as outras atividades acadêmicas.

§4º As reservas de fretamento de ônibus de empresas particulares serão feitas pela

Secretaria do Departamento de Geografia. §5º O professor solicitante deverá confirmar a real ização da viagem com dois dias de

antecedência ao Setor de Transportes (ramal 4636, e ntre 09h00 e 18h00) e, nesta ocasião, tomará conhecimento do motorista que o acompanhará e seu c ontato telefônico.

§6º Se, por qualquer razão, o ônibus da FFLCH não a parecer no local e horário indicado, o

professor deverá entrar em contato com a portaria d o Prédio da Administração (ramal 4604) ou com o próprio motorista designado.

§7º Se, por qualquer razão, o professor não aparece r e nem entrar em contato no horário e

local combinado, o motorista poderá, após uma hora de espera, recolher o veículo e desobrigar-se da viagem.

Capítulo 2 Dos veículos

Art. 9º Os trabalhos de campo poderão ser realizados com os seguintes veículos: I – ônibus II - micro-ônibus III - perua (van ou kombi). Parágrafo único. Os automóveis de passeio não estão disponíveis para trabalhos de campo,

contudo, após avaliação do setor de transportes no que se refere às condições mecânicas e disponibilidade, poderão acompanhar o professor em viagens preparatórias de trabalho de campo (pré-campo). Art. 10 O uso dos veículos deverá ser feito durante o período diurno, exceto quando o retorno da viagem ocorrer no mesmo dia da saída. Outras exceções poderão ser avaliadas quando justif icadas pelo professor solicitante

Art.11 A utilização dos veículos será restrita à FFLCH, não havendo mais empréstimos para as outras unidades, dada a grande demanda interna. Art.12 Os veículos deverão estar equipados com material de primeiros socorros, abastecidos com combustível e em perfeitas condições mecânicas para a realização do trabalho de campo. Parágrafo único. O abastecimento dos veículos no retorno só será demandado no caso de o serviço interno de abastecimento não estar em funcionamento normal.

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Capítulo 3 Dos motoristas

Art. 13 O motorista deverá dirigir, no máximo, 8 (oito) horas por dia, encerrando-se, após esse período, sua jornada de trabalho; sendo assim, apenas um motorista será escalado para cada veículo.

§ 1º Os intervalos de recesso, para o motoris ta em trabalho de campo, serão computados para a jornada de trabalho, mas pagas em horas extras, con forme as leis trabalhistas.

§2º Viagens que apresentarem percurso superi or a 500 km /dia e/ou mais de 12 horas de trabalho do motorista ao dia (8 da jornada e 4 horas extras) deverá prever dois motoristas; nestes casos, o professor deverá reservar duas poltronas livres par a o descanso do segundo motorista.

§3º O professor, mesmo devidamente habilitad o, não está autorizado a conduzir os veículos descritos no Artigo 9º (Capítulo 2).

Art. 14 O motorista deverá parar o veículo ou efetuar desvios quantas vezes se fizer necessário, atendendo as necessidades impostas pela programação do trabalho de campo definidas pelo professor responsável.

§1º Em situações de risco (como travessia de pontes estreitas ou fracas, trechos com atoleiros,

areais, etc.) caberá exclusivamente ao motorista a decisão de prosseguir pelo trecho indicado pelo professor e, em casos extremos, pela continuidade ou não da viagem.

§2º Caso haja dano ao veículo, em decorrência de negligência do motorista, a responsabilidade

estará a encargo do mesmo. §3º No caso de fretamento de ônibus de empresas par ticulares, estas deverão ser

previamente avisados das possíveis paradas.

Capítulo 4 Dos professores

Art.15 O professor solicitante deverá prever, de acordo com seu programa de atividades, eventual necessidade de autorizações para paradas em auto-estradas, travessia em balsas, entradas em balneários e estâncias turísticas, unidades de conservação, etc.

Parágrafo único. Eventuais penalidades pelo não cumprimento das referidas exigências, além de

contravenções, paradas em avenidas para embarque e desembarque, etc, deverão ser respondidas pela pessoa que decidiu pela ação, no caso, o motorista ou o professor.

Art.16 O professor responsável pela excursão deverá prever local adequado para a alimentação e repouso do motorista e dos alunos.

Parágrafo único. O solicitante deverá apresentar relatório resumido da viagem à Chefia do Departamento , uma semana após seu retorno. Art. 17 Caso o veículo apresente pane mecânica durante o percurso, o professor deverá organizar o retorno dos alunos ao Departamento de Geografia, sendo que as eventuais despesas não previstas que se fizerem necessárias serão reembolsadas pelo serviço financeiro da FFLCH mediante apresentação dos comprovantes. §1º Da mesma forma, o professor terá importante papel na organização do socorro e retorno em caso de doença, acidente ou morte de qualquer dos participantes.

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§2º O professor poderá decidir pela interrupção imediata do trabalho de campo caso considere não haver condições favoráveis para a realização do mesmo (climáticas, por exemplo). Em outras situações que ameacem a continuidade, o professor deverá discutir e decidir junto ao motorista pela interrupção ou não do trabalho.

Capítulo 5 Dos passageiros

Art. 18 Serão admitidos como passageiros dos veículos nas viagens de campo somente aqueles constantes da lista de alunos citada no artigo 5º, sendo que estes deverão ser: I - alunos regularmente matriculados; II - monitores; III - professores do DG; IV - professores ou técnicos formalmente convidados; V - guias ou interlocutores nos locais visitados. §1º Para fins de trabalho de campo não poderão ser levados como passageiros nos veículos: I - parentes; II - namorados(as); III – crianças, ainda que filhos menores dos alunos e/ou professores; IV – caronistas e outros similares. §2º De acordo com necessidade imposta por situação específica, o professor poderá decidir pelo transporte de um médico, um policial, um agente florestal, uma pessoa doente ou alguém cuja presença considere importante. (parágrafo 3º suprimido) Art.19 Os passageiros deverão embarcar e desembarcar exclusivamente no estacionamento do Departamento de Geografia. §1º O desembarque poderá também ocorrer no portão central e no ponto do Crusp; §2º Não poderá haver desvio de percurso para desembarques específicos; §3º Não serão permitidas paradas para embarque ou desembarque nas marginais e em avenidas de tráfego intenso, à exceção de terminais rodoviários ou metroviários que estejam no percurso e que possibilitem um procedimento seguro. §4º Em todos os outros casos, caberá ao motorista a decisão e responsabilidade de desembarque, considerando os níveis de segurança e eventuais autuações. Art. 20 Todos os passageiros serão responsáveis por seus atos deliberados, não havendo transferência de responsabilidade para nenhum dos integrantes do grupo, nem para o próprio Departamento de Geografia. §1º A presença do professor responsável pela excursão dentro do veículo em trânsito é imprescindível . §2º Em casos específicos, o professor poderá nomear um aluno de pós graduação que, reconhecido pela turma, poderá substitui-lo por ape nas um breve período ou trecho preestabelecido. §3º Em trabalhos de campo que envolvam mais de um v eículo, o professor deverá nomear, no mínimo, um monitor para cada veículo suplementar, r econhecido pelos demais. §2º Comportamentos inadequados como uso de drogas, abuso de bebidas alcoólicas e tabaco, depredações ou quaisquer atitudes que possam prejud icar, direta ou indiretamente o bom andamento do trabalho de campo, poderão incorrer, e m situações extremas, no desembarque do passageiro. §3º O Motorista poderá decidir pela interrupção da viagem caso considere sua continuidade inviabilizada pelas situações descritas no parágraf o anterior.

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§3º A maior ou menor tolerância com atrasos não dep enderá do motorista mas de cada professor; situações específicas deverão ser resol vidas em conjunto.

Capítulo 6 Das verbas

Art. 21 A concessão de verbas a um trabalho de campo está vinculada a sua inclusão na programação semestral, bem como ao preenchimento da ficha de solicitação, com despesas previstas discriminadas, nas quais deverão constar, inclusive, as despesas com fretamento de ônibus particulares. §1º O pedido de verba deverá ser encaminhado com, n o mínimo, dez dias de antecedência, para que os trâmites financeiros possam ser efetuados a tempo; §2º Os casos de pedidos ou alterações de pedidos fo ra desse prazo poderão ser submetidos ao serviço financeiro que poderá considera-los mas sem oferecer garantias de liberação das verbas. Art. 22 O professor é responsável exclusivo pela administração das verbas concedidas ao trabalho de campo, assim como a prestação de contas e apresentação de notas até o prazo máximo de uma semana após o retorno. Essas atividades não deverão ser atribuídas aos alunos e monitores. Parágrafo único. A concessão de verbas poderá ser n egada, caso haja pendências nas prestações de contas de trabalhos de campos anterio res.

Art. 23 A verba destinada ao trabalho de campo poderá ser utilizada para as seguintes despesas: I - alimentação (de todos); II - hospedagem (de todos); III – pedágios; IV – combustível; V - ingressos (Parques, Museus, etc.) e passagens (balsa, barcas e transportes especiais como trens funiculares, teleféricos, etc.); VI - despesas com cópias e material didático relacionados à execução do trabalho de campo, desde que devidamente documentadas com notas fiscais preenchidas com os dados da FFLCH. VII – Em caso de verba insuficiente para a cobertura de todos os itens, caberá ao professor decidir como ela será utilizada.

TÍTULO III

Disposições gerais Art. 24 Em situações excepcionais, este regimento poderá ser alterado de forma a se adaptar a novos contextos. Art. 25 A falta ou inexistência, neste regimento, de mais alguma orientação sobre as viagens de campo enseja consulta e manifestação da Comissão de Excursões Didáticas e Científicas e da Secretaria do Departamento de Geografia. Art. 26 A revisão deste regimento será feita a partir de um ano a contar da data de sua aprovação em Conselho Departamental, sendo as mudanças submetidas à Comissão de Excursões Didáticas e Científicas e difundidas entre os professores e demais interessados.

São Paulo, 16 de maio de 2006

Luis Antonio Bittar Venturi Coordenador da Comissão de Excursões Didáticas e Científicas

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ANEXO 02

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