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O universo poético de Raul Pompeia

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O universo poético de Raul Pompeia

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O universo poético de Raul Pompeia

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universidade estadual de campinas

Reitor Fernando Ferreira costa

coordenador Geral da universidade edgar Salvadori de decca

conselho editorial Presidente

Paulo Franchetti Christiano Lyra Filho – José A. R. Gontijo

José Roberto Zan – Luiz MarquesMarcelo Knobel – Marco Antonio Zago

Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara

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Lêdo Ivo

O universo poético de Raul Pompeia

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Editora da UnicampRua Caio Graco prado, 50 – Campus Unicamp

cep 13083-892 – Campinas – sp – BrasilTel./Fax: (19) 3521-7718/7728

www.editora.unicamp.br – [email protected]

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Línguaportuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

Ivo, Lêdo, 1924-2012O universo poético de Raul pompeia / Lêdo Ivo – Campi-

nas, Sp: Editora da Unicamp, 2012.

1. pompeia, Raul, 1863-1895 – O Ateneu. 2. Ficção brasi-leira. 3. poesia brasileira. 4. Literatura brasileira – História e crítica. I. Título.

cdd B869.34 B869.14 B869.09

ficha catalográfica elaborada pelosistema de bibliotecas da unicamp

diretoria de tratamento da informação

Iv7u

Índice para catálogo sistemático:

1. pompeia, Raul, 1863-1895 – O Ateneu B869.34 2. Ficção brasileira B869.34 3. poesia brasileira B869.14 4. Literatura brasileira – História e crítica B869.09

Copyright © by Lêdo IvoCopyright © 2012 by Editora da Unicamp

Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos

ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

isbn 978-85-268-1003-7

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Raul PompeiaDesenho de Pereira Netto, 1895.

Fonte: Acervo da Academia Brasileira de Letras.

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Sondei! sondei! sondei! Desafiei o gênio negro das metamorfoses; insultei as vertigens do abismo!...

Raul pompeia, Canções sem metro

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Sumário

Apresentação – No portão de Raul pompeia .................. 11

O rei e o espetáculo ..................................................................................... 27

O edifício alegórico ..................................................................................... 55

Os prestígios da noite ................................................................................ 89

A cosmologia malograda ...................................................................... 109

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Apresentação

No portão de Raul Pompeia1

Lêdo IvoMarço de 1995

Quando este livro foi publicado pela primei ra vez, em 1963, ano do centenário do seu nas ci­mento, Raul Pompeia habitava o purgatório in­vocado por Sainte­Beuve para justificar o es que­cimento e as injustiças a que ficam sujeitos os grandes ou bons escritores após a morte.

O nosso sistema literário, que existe desde o alvorecer da nossa nacionalidade — quando na vastidão geográfica se levantaram as vozes de An­chieta, Bento Teixeira Pinto e Botelho de Oliveira, entre tantas outras —, oferece, em sua permanên­

1 Texto de apresentação da 2a edição de O universo poético de Raul Pompeia, de 1996, na Coleção Afrânio Peixoto, da Aca­demia Brasileira de Letras.

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cia quadrissecular, ocasiões numero sas para que possamos verificar a surpreenden te operação pós­tuma em que a lápide ou a areia não sepultam ape­nas os despojos físicos do es critor. Também es­condem, e às vezes por sécu los, a obra e a palavra, a voz e o canto; e o nome antes glorioso ou ofen­dido, ou prometido a uma posteridade repara­dora, fica a aguardar a res surreição provável ou improvável, o chamamen to de um novo presente ou de um novo futuro. As literaturas têm, assim, um ar perene de pon tas de icebergs e o que está escondido e sepulta do corresponde a tesouros.

No caso específico de Raul Pompeia, ele ja zia decerto no purgatório sainte­beuveano da não existência quando a Livraria São José, do sau doso e sempre querido mercador de livros Carlos Ribei­ro, lançou este ensaio que ora se reedita no texto original.

Era o ano do seu centenário de nascimento, mas a obsessão rotulatória que caracteriza um exercício crítico enraizado na pedagogia, na lei­tura cosmética e no conforto das repetições tran­quilizadoras, estava longe de propiciar à efemé­ride a evocação e a identificação de um perfil li terário que se distinguisse pela sua niti dez e por

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essa veracidade sempre procurada no espaço am­bíguo e movediço da arte literária.

A insistente e monótona inclusão de Raul Pompeia no rol dos nossos naturalistas juramen­tados, ao lado de Aluísio Azevedo, Franklin Tá­vora e Júlio Ribeiro, se estendia desde a história literária mais autorizada e peremptó ria ao mais singelo manual escolar. José Veríssimo chegou a considerar O Ateneu a amos tra mais distinta, se não a mais perfeita, do Naturalismo no Brasil. A leitura desastrada, procedida durante o império do nosso Realismo, foi repetida e até papagueada por Mário de Andrade que, em pleno Modernis­mo, proclamou, em O empalhador de passarinho, que o romance de Raul Pompeia “representa exa­tamente os princípios estéticos, os elementos e os processos técnicos do Naturalismo”.

No portentoso Panorama do movimento sim­bolista brasileiro, em que acolheu tão fervorosa­mente os cultores do nosso Simbolismo, inclusi ve dando abrigo seguro a numerosas vozes des­garradas ou insignificantes, Andrade Muricy ex­cluiu Pompeia, muito embora os poemas em pro­sa do Canções sem metro lhe assegurem galas de precursor naquele movimento e se identifi quem

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claramente com os processos de renovação poé­tica europeia patentes no Gaspard de la nuit, de Aloy sius Bertrand, e nos poemas em prosa de Bau­delaire, Rimbaud e Mallarmé. Saliente­se, aliás, que as Canções sem metro editadas em 1900, qua­tro anos após o suicídio de Pompeia, não susci­tavam o interesse ou a leitura dos sim bolistas abo­rígines, que preferiam abeberar­se no Gouaches do poeta português João Barreira, lendo­o reve­rentemente, como se fosse texto sagrado.

Outro grande expoente do Modernismo pá­trio, Manuel Bandeira, também ignorou ou não enxergou o Simbolismo e o Impressionismo os­tensivos de Raul Pompeia, preferindo metê­lo no fiacre parnasiano. Em sua Antologia dos poetas brasileiros da fase parnasiana, lá estão alguns poe­mas em prosa de Pompeia entre os seios marmó­reos das musas de Olavo Bilac e os cre púsculos intermináveis de Alberto de Oliveira.

Os modernistas brasileiros jamais consegui­ram colocar Pompeia no lugar certo. Ou talvez os incomodasse a modernidade antecipada do autor de O Ateneu. Com sua escrita artística, visão for­mal e poemática do romance, lingua gem em que os símbolos e as impressões se en laçam e se fun­

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dem, ele era um desnorteante elefante branco. En­tretanto, advertências lon gínquas poderiam ter evitado essas leituras ne gligentes e os mal­enten­didos. O velho irascível Sílvio Romero já havia concedido a Pompeia um lugar distinto, o do “psi­cologismo idealista com tendências simbólicas”. Seu teor simbólico e sua filiação ao romance psi­cológico e subjetivista já tinham sido registrados por Araripe Júnior, que não he sitara em invocar a seu favor a visão órfica de Mallarmé. E Agripino Grieco chegou a garantir­lhe uma primazia em nossa prosa impressionista, acentuando ainda que as Canções sem metro, tão desprezadas pelos sim­bolistas e modernis tas, apresentavam ritmos até então inexistentes na poesia brasileira.

As pistas erradias ou esparsas que procura vam guiar a aferição crítica de Raul Pompeia para o território da escrita artística e da mani festação simbólica não haviam prosperado, impondo­lhe a condição vexatória de simbolista recusado pelos simbolistas e impressionistas, menoscabado pe­los modernistas e aprisionado num Naturalismo que sua obra desmente de modo ofuscante.

O autor de O universo poético de Raul Pompeia fundou o seu exercício ensaístico na circunstância

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de ser O Ateneu um romance poemático, ou um poema em prosa, que desdo bra imagens e impres­sões visuais e sonoras, ao levantar a crônica de um mundo esvaído — o mundo de um colégio inter­no, inserido na peda gogia discriminatória da so­ciedade do Segundo Reinado — com uma visão extremamente sensí vel ao predomínio ou sortilé­gio das cores, às metamorfoses, ao encanto dos reflexos e luzes difusas, à captação das nuanças ge­radas pela luz errante. Enquanto Machado de As­sis e Euclides da Cunha são prosadores em preto e branco, ou em cores frias, Raul Pompeia ostenta, como nenhum outro protagonista literário no Brasil, o sentimento da cor luminosa e viva e a adesão à claridade.

Ele pode e deve ser comparado aos pintores impressionistas franceses — um Manet, um Re­noir, um Degas —, que, dando adeus ao ateliê e armando os seus cavaletes ao ar livre, assumi ram uma nova maneira de ver e olhar e pintar, e redes­cobriram na natureza a palpitação origi nal da vida, projetando em suas telas o espetá culo das decomposições prismáticas ocasionadas pelo fluir dos instantes, as linhas fugidias e os meios­tons que dissolvem formas e desgeometrizam corpos e

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objetos, a migração cromática que dilui perspecti­vas e paisagens e restaura o império das vibrações coloridas. Nesse sentido, é Pompeia, pela sua ca­pacidade de fixar o mutá vel e o evasivo, um gran­de pintor impressionista. A descrição de dona Ema, a mulher do profes sor Aristarco, diretor do colégio, é puro Renoir. É uma descrição impres­sionística, só compará vel à dos corpos, nus ou ves­tidos, dos grandes pintores da carne. Nem mesmo o velho sátiro dissimulado que foi Machado de Assis logrou escrever este “e o cetim vivia com ou­sada trans parência a vida oculta da carne”, que compõe a aparição maravilhosa daquela virtuosa e sumarenta senhora que, compensando o espi­nhoso labor pedagógico do professor Aristarco, estava plenamente aparelhada para assegurar­lhe as mais invejáveis noites de almirante.

Aliás, essa movimentação no mundo da carne e das sensações carnais alcança o domínio do mais aceso e audacioso fetichismo sexual e se es­praia até o homossexualismo.

Afortunada na descrição dos corpos femini­nos ou adolescentes, a paleta estilística de Pom­peia não é menos admirável no registro das paisa­gens e dos episódios, sempre latejantes e cromá­

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ticos, quer se trate de um piquenique no Jardim Botânico, do registro da morte do abolicionista Luís Gama ou da partida da família imperial para o exílio, em “Uma noite histórica”, de esplêndida e seca magia verbal. A luz dos trópicos caminha pe­las páginas de O Ateneu.

Enquanto os personagens de Machado de As­sis não sentem calor, os de Pompeia acusam todos os sinais do clima ou da atmosfera. Rica de verde e azul, de branco e dourado, a ensolarada paisa­gem carioca está presente em seu roman ce, lumi­nosa ou mormacenta.

Quando Pompeia se suicidou, no Natal de 1895, Machado de Assis o retratou, numa crônica:

Raul era todo letras, todo poesia, todo Goncourts.

Estes dois irmãos famosos tinham qualidades que se

ajustavam aos talentos lite rários e psicológicos do nos­

so jovem patrício, que os adorava. Aquele livro era um

eco de colégio, um feixe de reminiscências, que ele sou­

bera evo car e traduzir na língua que lhe era familiar, tão

vibrante e colorida, língua em que compôs os numero­

sos escritos da imprensa diária, nos quais o estilo res­

pondia aos pensamentos.

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Eco do colégio... “Vais encontrar o mundo, dis­se meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a lu ta.” Nessas palavras iniciais do romance — ou crônica de saudades — Pompeia projeta a sua vi­são do universo. Luz matinal e feroz, ela cla reia todo esse romance poemático que ainda hoje in­triga o leitor atento pelo seu frescor estilístico, intransigente modernidade e fatura atenta e pe­regrina, tão próximo está do Realismo mágico de um Alain Fournier (Le Grand Meaulnes), de uma Virginia Woolf, de Thomas Wolfe ou de um Jean Giraudoux. Evocando um colégio, e fazen do re­nascer pela memória e imaginação sua in fância de menino interno, Pompeia retratou, na verdade, a escola da vida. Viver é um ofício cruel e trágico. Não há fronteiras entre o mundo das crianças e o dos adultos, muito embora costumemos evocar, “com saudade hipócrita”, a nossa meninice.

Sob o prestígio da fama e da publicidade, O Ateneu é, na realidade, um exemplo da pedago gia industrial, uma máquina de fazer dinheiro. As verdades da vida são mentiras. Os alunos do edu­candário­modelo não passam de uma corte de mentirosos, covardes, invejosos, dissimulados e até pervertidos sexuais.

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— Mais le vert paradis des amours enfantines,

L’innocent paradis, plein de plaisirs furtifs*

que Baudelaire celebrou, esconde o demônio em sua relva.

Numa visão terrível que antecipa Marcel Proust — especialmente o de Sodome et Gomorrhe —, Raul Pompeia converte o seu tempo perdido em tempo reencontrado, no friso de impiedade em que procede ao desfile dos meninos internos. A seu ver, o colégio é comparável a uma jaula, a um espaço concentracionário.

Dos escritores do Segundo Reinado foi Pom­peia um dos que mais souberam documen tar a estrutura de uma sociedade fundada no poder do dinheiro. O educandário é um microcosmo do mundo hierarquizado, regido por privilégios, dis­criminações e injustiças, e dividi do em castas. Os alunos que pagam em dia são aprovados com lou­vor, os que atrasam um se mestre são reprovados.

* “Mas o verde paraíso dos amores pueris, O inocente paraíso, cheio de prazeres furtivos”. Observação: Todas as traduções em nota foram realizadas por

Marcos Siscar para a Editora da Unicamp.

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