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O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A
APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
Ana Lucia de Jesus dos Passos Santos1
Leila Luciara Reis Costa Lima2
Orientadora: Cátia Paim Cruz3
Curso de Especialização em Educação Especial / Deficiência Visual
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
RESUMO
Este trabalho analisa as relações existentes entre o aprendizado do Soroban e o
desempenho em Matemática dos alunos com deficiência visual inclusos em duas
escolas estaduais de Feira de Santana e atendidos pelo Centro de Apoio
Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP-DV) desta mesma cidade. O estudo
realiza uma reflexão sobre a inclusão desses educandos nas aulas de matemática
por meio do soroban, apresentando-o como um instrumento eficaz no
desenvolvimento dos cálculos e apontando as vantagens de sua utilização tanto
para o professor quanto para o aluno. Participaram deste estudo professoras de
escolas regulares, professoras que atuam no apoio pedagógico e alunos com
deficiência visual. A metodologia aplicada foi a pesquisa-ação, pois se trata de
uma pesquisa in locus visando a intervenção direta na própria realidade dos
envolvidos. Foi possível verificar que o Soroban não faz parte da rotina das
aulas de matemática, tanto pelo desconhecimento desse instrumento pelos
professores quanto pela resistência dos alunos em usá-lo, embora o desempenho
deles nessa disciplina esteja abaixo da média. Esta resistência está vinculada,
também, à postura dos professores especializados que possuem aversão ao
instrumento e não usam nem incentivam seu uso.
Palavras-chave: Deficiente visual. Aprendizagem. Soroban.
1Licenciada em Matemática – UEFS
Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar – FACCEBA
Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual de Feira de Santana – CAP-DV
E-mail: [email protected]
2 Licenciada em Matemática – UEFS
Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar – FACINTER
Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual de Feira de Santana – CAP-DV
E-mail: [email protected]
3 Pedagoga, mestre em Educação Especial
Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual - CAP- Salvador - Bahia.
E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
A disciplina Matemática é considerada uma das disciplinas de maior dificuldade
no tocante à abstração de conceitos adquiridos, tais como trigonometria e geometria no
Ensino Fundamental, para videntes, (BRASIL, 1998), também o é para estudantes com
deficiência visual, de acordo com Barbosa apud Brandão (2008, p. 20). Nesse sentido,
as aulas de matemática onde estão inclusos esses alunos necessitam ter um olhar
diferenciado de forma a atender as especificidades dessa clientela.
Na condição de autoras deste trabalho e atuando na instituição de apoio
pedagógico, percebemos que os professores especializados reconhecem a importância
do soroban, mas alegam que os professores do ensino regular não incentivam o uso do
instrumento nos momentos de resolução de cálculos, dessa forma eles ficam limitados a
cobrar sua utilização por parte dos alunos. Esse fato motivou o desenvolvimento desta
pesquisa para verificar se a não utilização desse instrumento interfere na aprendizagem
dos alunos.
O soroban é utilizado para efetivação de todo tipo de cálculo, mas sua utilização
pelo aluno com deficiência visual, fica restrita ao momento em que eles estão nos
Centros de Apoio Pedagógico (CAP) ou nas salas multifuncionais, embora não seja
apenas nestes ambientes que tais alunos precisem usá-lo.
O fato é que, contraditoriamente, o soroban não está presente na rotina da sala de
aula em que está incluso o aluno com deficiência visual. Sendo assim, como esse aluno
pode participar efetivamente das aulas de Matemática?
Esse e outros questionamentos permearam o desenvolvimento desse trabalho,
por meio do qual buscamos soluções para essa questão que há muito tempo vem sendo
elemento de discussão entre os profissionais da área. Para tanto se analisa as relações
existentes entre o aprendizado do soroban e o desempenho em matemática dos alunos
com deficiência visual, através da descrição do (sub)uso do soroban nas aulas de
matemática e da apresentação das vantagens da utilização do soroban nessas aulas.
Nesse sentido, o trabalho justifica-se pelo fato do soroban ser um recurso
pedagógico importante e eficiente para a realização de cálculos pelos deficientes
visuais, permitindo que estes possam participar das atividades propostas em sala de aula
com o mesmo nível de capacidade dos outros alunos.
Vale salientar a dificuldade de se encontrar referencial teórico sobre a temática,
pois as pesquisas na área mostram apenas os aspectos técnicos para a operacionalização
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do Soroban e/ ou a defesa da sua utilização por todos os alunos, deficientes visuais ou
não. Estudos que façam a relação entre a aprendizagem de Matemática e o uso do
Soroban não foram encontrados, embora se saiba que para o aluno cego o uso desse
instrumento é fundamental.
Nesse sentido, apresentaremos uma pesquisa realizada no município de Feira de
Santana (BA), cujo objetivo principal é analisar as relações existentes entre o
aprendizado do soroban e o desempenho em matemática dos alunos com deficiência
visual. Inicialmente é feita uma abordagem teórica dos aspectos relevantes à educação
especial, refletindo as diversas etapas pelo qual essa modalidade de ensino vem
passando. Em seguida, faremos uma breve reflexão sobre a importância dos recursos
pedagógicos utilizados na aprendizagem dos alunos com deficiência visual. Por fim
apresentaremos a trajetória metodológica e os resultados da pesquisa, bem como a
discussão sobre os dados relacionados às concepções das professoras, alunos,
observações nas escolas e oficinas pedagógicas.
Dessa forma, conseguimos despertar nos envolvidos o interesse em conhecer e
utilizar o soroban no processo de ensino e aprendizagem, principalmente dos conteúdos
relacionados à Matemática.
REFERENCIAL TEÓRICO
Educação Especial: da segregação à inclusão
O final do século XVIII marca os primórdios da Educação Especial. Esta época
é caracterizada pela ignorância e rejeição de todo indivíduo deficiente e com alguma
anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio
do tipo humano biológico estabelecido (normal). Segundo Vigotsky (1989), ela cria
barreiras diferentes para o desenvolvimento orgânico e para o desenvolvimento cultural.
Durante esse período é que são criadas as escolas especiais e centros de
reabilitação, que tiveram como objetivo principal atender às pessoas com deficiência.
Essas instituições historicamente ofereciam um atendimento educacional com caráter
muitas vezes clínico e assistencialista, “vinculado principalmente à promoção da saúde,
aos cuidados e algumas vezes com propostas pedagógicas voltadas à reeducação, à
compensação de carência ou déficit” (BRUNO, 2000, apud SILVA, 2005, p.1).
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A transformação do paradigma na educação dos deficientes, do princípio da
exclusão ao princípio da integração, veio apenas com uma progressão na história das
sociedades, caracterizada pela busca cada vez maior da democratização, da garantia dos
direitos humanos e de oportunidades justas às minorias com base em princípios
igualitários.
A possibilidade de educação formal de alunos com deficiência visual inicia-se
em 1779 quando foi fundado, em Paris, o Instituto Real dos Jovens Cegos. Depois, a
educação dada nessa primeira escola especial para o ensino de cegos, fundada na
França, foi sendo, também, proporcionada aos cegos de outros países da Europa,
(Alemanha, Áustria, Rússia, Inglaterra), onde foram sendo criadas escolas semelhantes
à Instituição de Paris.
O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar
e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a
plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Esse
atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à
autonomia e independência na escola e fora dela.
Ainda, acerca da conceituação de educação especial, o termo “especial” vem
carregando, para um número considerável de leigos, uma conotação de anormalidade,
juntando-se a ela as idéias de marginalização, de incapacidade e de imutabilidade desta
condição. Neste contexto, surgem os mais diversos tipos de preconceitos, juntando-se à
Educação Especial uma conotação estigmatizadora, ou seja, ser atendido por ela implica
ser diferente, com toda a gama de significados que o termo “especial” carrega.
Enfim, a educação não se estruturou na perspectiva da inclusão e do atendimento
às necessidades educacionais especiais, limitando o cumprimento da função
constitucional que prevê escola especial e classes comuns de ensino regular. Nesse
sentido, a Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº
3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação com
base na deficiência toda a diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o
exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. Este Decreto tem
importante repercussão na educação, exigindo uma reinterpretação da educação
especial, compreendida no contexto da diferenciação, adotado para promover a
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eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização, dando assim os
primeiros passos em direção à inclusão.
Para alguns professores, o cotidiano da educação inclusiva se apresenta, de
forma tão incerta, que gera insegurança e medo de enfrentar situações inesperadas. Isso,
porque dependendo da situação a ser encarada poderá representar uma ameaça a
identidade do professor como sujeito que ensina.
Stainback (1999), deixa claro que a inclusão escolar visa criar um mundo em
que todas as pessoas se reconheçam e se apóiem mutuamente, e esse objetivo não quer
formar uma falsa homogeneidade. Ao contrário, as escolas devem organizar-se em
função das diferenças individuais.
A escola deve fazer intervenções e oferecer desafios adequados ao aluno com
deficiência além de valorizar suas habilidades, trabalhar sua potencialidade intelectual,
reduzir as limitações provocadas pela deficiência, apoiar a inserção familiar, escolar e
social, bem como prepará-lo para uma adequada formação profissional, almejando seu
desenvolvimento integral.
Dessa forma, a verdadeira inclusão deverá ter como alicerce um processo de
construção de mentalidades e práticas, provenientes de uma reflexão plural sobre o que
é a escola, seus problemas e a maneira de solucioná-los.
Aprendizagem dos alunos com deficiência visual: o olhar sobre os recursos
pedagógicos
A aprendizagem, segundo Vygotsky (1989) é o processo pelo qual o indivíduo
adquire informações, habilidades, atitudes, valores, entre outros, a partir do seu contato
com a realidade, o meio ambiente e as outras pessoas.
O meio tem papel fundamental no desenvolvimento da criança com deficiência,
sendo que possibilitará subsídios para compensar suas dificuldades assim como irá
impor limites a serem transpostos. Para tanto, são criados métodos especiais para que
ocorra o desenvolvimento cultural da pessoa com deficiência, como por exemplo, os
cegos que tem um alfabeto e símbolos que são utilizados através do tato.
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Esses métodos especiais e as políticas de inclusão têm permitido, cada vez mais,
o acesso dos deficientes visuais às escolas regulares. Para os educadores, ao mesmo
tempo em que essa informação é estimulante, também gera preocupações, pois a
ausência da modalidade visual exige experiências alternativas de desenvolvimento, a
fim de cultivar a inteligência e promover capacidades sócio adaptativas. O ambiente
educacional deve ser receptivo e utilizar-se de recursos educacionais adequados para
que os alunos possam assimilar grande parte dos conhecimentos.
Nesse sentido, no processo de desenvolvimento e aprendizagem do educando, as
escolas precisam se adaptar para atender a todas as crianças. Especialmente as pessoas
com deficiência, onde não se pode educar efetivamente sem compreender o papel
indispensável que os professores desempenham ao mediar o mundo para o aluno
incluído, bem como se utilizar recursos apropriados para promover uma aprendizagem
significativa.
Soroban: um importante recurso pedagógico
No processo de aprendizagem dos alunos deficientes visuais os recursos são
fundamentais para um bom desenvolvimento do trabalho, como salientou a Revista
Nova Escola, na matéria publicada com o título Inclusão: é hora de aprender, “a
estrutura adequada é essencial para criar uma escola inclusiva. [...] Um governo ou uma
escola que dizem promover a inclusão e não destinam verba e ajudas técnicas, à compra
de materiais adequados ou alterações arquitetônicas para criar acessibilidade não estão
pensando em inclusão”. (REVISTA NOVA ESCOLA, 2007, p. 39)
Como recursos instrucionais, existem: a máquina braille, reglete de mesa e de
bolso que com auxílio de um perfurador produz a escrita manual em braille, máquina de
escrever com tipos ampliados, o soroban (para cálculos), o uso de gravador para o
registro das aulas, lentes de aumento, livros ampliados, sinais táteis para marcações
numéricas, dentre outros.
O soroban é um instrumento matemático manual que possui contas e eixos nos
quais os alunos podem realizar cálculos desde os mais simples como adição e subtração
até os mais complexos como radiciação, potenciação, dentre outros. Seu uso foi
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regulamentado pelo Ministério da Educação por meio da Portaria nº. 657, de 07 de
março de 2002, como instrumento facilitador no processo de inclusão de alunos com
deficiência visual nas escolas regulares, bem como instrumento de desenvolvimento
socioeducativo de pessoas deficientes visuais.
Para Azevedo,
O soroban é uma ferramenta para compreensão das quatro operações
básicas dos números naturais, uma vez que faz a transposição do
contexto concreto para a representação com símbolos escritos,
deixando clara a estrutura posicional do sistema de numeração
decimal (pode também ser utilizado para outras bases), e não apenas
por meio de técnicas operatórias decoradas. (AZEVEDO, 2006, p. 12)
Além disso, é extremamente útil, pois é de fácil locomoção e manuseio que
proporciona ao deficiente realizar cálculos com a mesma eficácia dos alunos de visão
normal. O problema é que poucos professores conhecem tal instrumento ou dominam
sua técnica operatória, por isso não estimulam o uso do mesmo, levando os alunos,
muitas vezes, a não fazerem os cálculos, errarem nas contas ou gastarem um tempo
desnecessário tentando realizar cálculos, como multiplicação com dois ou mais
algarismos no multiplicador, mentalmente; acarretando ainda mais dificuldades em
relação à matemática.
METODOLOGIA
Demo (1996, p.34) insere a pesquisa como atividade cotidiana considerando-a
como uma atitude, um “questionamento sistemático crítico e criativo, mais a
intervenção competente na realidade, ou o diálogo crítico permanente com a realidade
em sentido teórico e prático”.
Nesse sentido, a modalidade de pesquisa a ser adotada é a pesquisa-ação por ter
como peculiaridade não estar voltada apenas para as necessidades teóricas, mas também
para a resolução de problemas que enfrentamos no Centro de Apoio Pedagógico ao
Deficiente Visual em que trabalhamos, pois:
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT,
2007, p.16).
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Dessa forma, essa abordagem de pesquisa está em consonância com os objetivos
do trabalho por promover uma ação voltada para o grupo social no qual
desempenhamos um papel ativo.
O universo de sujeitos da pesquisa configura-se da seguinte forma: 03
professores regentes, das quais 01 é graduada em Ciências Biológicas e 02 são
Licenciadas em Ciências/ Plena em Matemática, que aqui chamaremos de professoras
A, B e C, respectivamente; 03 professoras do atendimento especializado, graduadas em
Pedagogia, Inglês e Letras, nessa ordem, que chamaremos de professoras D, E e F,
respectivamente; e os alunos com deficiência visual que doravante trataremos por A1 e
A2.
As ações do projeto foram desenvolvidas no ano letivo de 2011, em três espaços
distintos: inicialmente na escola estadual X, que funciona nos turnos matutino e
vespertino, possui 757 alunos, dos quais dois são alunos com deficiência visual. O aluno
A1 é um deles, possui 17 anos, cursa o 9° ano e está incluso numa sala que tem 22
alunos videntes. Seu rendimento escolar nas disciplinas de Matemática e Ciências tem
sido abaixo da média e o mesmo não utiliza o Soroban para realizar as tarefas. Os
professores A e B lecionam essas disciplinas, respectivamente, e por isso compõem o
universo da pesquisa; a outra escola estadual, que chamaremos de Y, funciona nos três
turnos, possui 540 alunos, dos quais dois são deficientes visuais, estudam na mesma
sala, sendo um com baixa visão e outro, A2 com cegueira total. Este aluno que é cego
tem 50 anos e está cursando 7ª/8ª série da turma da EJA. Embora não utilize o Soroban,
A2 apresenta boas notas em Matemática, disciplina lecionada pela professora C.
O outro espaço da pesquisa foi o Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente
Visual de Feira de Santana (CAP-DV), localizado em Feira de Santana-Ba. A escolha
desse espaço foi pelo fato de ser uma Instituição Pública Estadual, constituindo-se em
uma unidade de serviços de apoio pedagógico e suplementação didática ao sistema de
ensino, e que atende pessoas com deficiência visual do município e regiões
circunvizinhas. Dos 194 alunos atendidos no CAP-DV, 32 estão matriculados no ensino
regular da escola pública, como é o caso dos alunos A1 e A2, sujeitos desse trabalho.
Inicialmente realizamos visitas às escolas para apresentação da proposta da
pesquisa e observação da realidade onde os alunos estão inclusos. Nesses momentos,
constatamos que as professoras buscavam envolver os alunos nas aulas e preocupavam-
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se com a aprendizagem dos mesmos em relação aos conteúdos trabalhados, porém em
nenhum momento tais professoras cobraram o uso do soroban por parte dos alunos ou
mesmo verificaram se eles estavam registrando os conteúdos da aula, como se ao ouvir,
eles estivessem gravando na mente tudo que estava sendo dito.
No caso do aluno A2, que possui um gravador, há uma particularidade, pois a
professora identifica o inicio de cada aula, fala pausadamente e com tranqüilidade, a fim
de que ele possa gravá-las. Ela também se prontifica a copiar a atividade em tinta para o
aluno responder em casa. Aqui, abriremos um parêntese para informar que este aluno
não sabe ler, nem escrever em Braille; além de não fazer uso do soroban. No entanto, ao
ser questionada sobre a participação desse aluno no processo de ensino e aprendizagem,
a professora responde que está feliz com a experiência e que o aluno tem facilidade em
aprender matemática na oralidade.
O aluno A2 responde oralmente as avaliações e apresenta boas notas, contudo,
nos momentos do apoio pedagógico realizados no Centro, não demonstra domínio dos
conteúdos trabalhados nas aulas de matemática, o que contradiz a fala da professora C.
Essa evidência nos leva a fazer o seguinte questionamento: Será que os alunos estão
realmente aprendendo os conteúdos de matemática ou estão sendo aprovados como uma
forma de compensação pela deficiência? A resposta a essa pergunta, não é objeto de
estudo desse trabalho e, portanto, não será discutida aqui, mas fica como sugestão para
estudos futuros.
O ensino deve perpassar pelas diferentes linguagens, tanto orais quanto escritas,
para a aprendizagem da matemática e, no caso do aluno A2, o fato de não ter o domínio
do seu sistema de leitura e escrita (Braille) não tem sido considerado um problema pela
professora.
Outra situação que merece ser relatada é a conversa de sensibilização com a
professora A, que ministra aulas de ciências na escola regular onde o aluno 01 está
incluso, a fim de incentivar a sua participação nesse trabalho, por levarmos em
consideração que na série desse aluno, essa disciplina também requer o uso de cálculos
para o desenvolvimento das atividades. A professora também expressou percepções
contraditórias, desvinculadas de uma proposta que visa atender as necessidades de todos
os alunos, pois, ao mesmo tempo em que acha importante a inclusão dos alunos com
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deficiência visual para melhorar a auto-estima deles e gerar oportunidades de
conhecimentos, afirma não está preparada para a demanda.
Além das observações acima relatadas, utilizamos como instrumentos de coleta
de dados o questionário para os professores e roteiro de entrevista para os alunos.
Iniciamos a análise de dados agrupando as respostas às questões por categoria de
sujeitos.
A análise dos dados mostrou que os professores entrevistados, das escolas
regulares, desconheciam o Soroban, mas demonstraram interesse em conhecer e
aprender a usá-lo. Em contrapartida, os três professores especializados, do Centro de
Apoio, conheciam o soroban, sabiam a importância de sua utilização, mas apenas um
destes afirmou utilizá-lo com os alunos no momento das atividades. Mas, de acordo
com Sampaio:
A habilidade que mais desperta interesse entre os praticantes é a arte
de calcular mentalmente. Em pouco tempo, um estudante pode
alcançar níveis elevados de operações somente ao olhar os números a
serem efetuados. Treinando as operações no Soroban, vai-se aos
poucos adquirindo as mesmas habilidades para fazer cálculos
mentalmente de algarismos enormes, para os padrões ensinados nas
escolas.(SAMPAIO, 2010, p. 2)
Sendo assim, a utilização do Soroban nas aulas permitirá que os estudantes
realizem os cálculos de forma rápida e eficaz, contribuindo para um bom desempenho
desses estudantes.
A análise das falas dos alunos expõe três aspectos dos seus processos de ensino e
aprendizagem, que merecem destaque: primeiro o temor em relação à matemática,
segundo a falta de formação das professoras para ensinar alunos com deficiência visual
e por fim a não utilização do Soroban por eles. Este último fato, para os alunos, não tem
relação com os seus desempenhos ruins quanto a aprendizagem dos conteúdos de
matemática. No entanto, nas séries desses alunos, há cálculos complexos e quase
impossíveis de fazer mentalmente, que não são feitos por eles durante as aulas,
acarretando atraso, ou mesmo déficit, em relação às atividades.
Diante das análises dessas informações iniciamos as intervenções no CAP-DV,
onde realizamos oficinas pedagógicas em dois momentos distintos:
Primeiro com os professores especializados e professores das escolas
regulares, a fim de demonstrar a importância e a funcionalidade da utilização do
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soroban nas aulas de matemática; segundo, com os alunos deficientes visuais, para
ensiná-los a usar o soroban para realizar cálculos com mais eficácia e agilidade.
Durante e após a realização das oficinas ficou claro para os participantes a
funcionalidade do soroban. Os professores das escolas regulares aprenderam a
operacionalizar e passaram a incentivar e a cobrar a utilização do aparelho de cálculo
pelos alunos, para realizar as atividades de classe. Os alunos, embora relutantes, já
fazem cálculos mais complexos com o uso do soroban e admitem que alguns cálculos só
podem ser feitos com o auxílio desse instrumento como as multiplicações por dois
números e a fatoração, por exemplo.
CONCLUSÕES
Mesmo com o avanço da tecnologia, com o uso dos computadores e de
calculadoras modernas que facilitam os cálculos, o soroban não pode ser ignorado,
principalmente porque ele auxilia na compreensão de alguns procedimentos utilizados
nas operações do sistema de numeração decimal. Por isso consideramos de grande
importância conscientizar professores e alunos sobre a aplicabilidade do Soroban, as
possibilidades de operacionalização e as vantagens de utilizá-lo nas aulas de
matemática, viabilizando a realização de atividades junto com os colegas videntes.
Trata-se de oportunizar igualdade de condições.
A experiência objetivou avaliar a importância do soroban enquanto recurso
didático-pedagógico para o aluno com deficiência visual em aulas de matemática, bem
como ensinar a operacionalizá-lo. Pudemos observar que os alunos que não utilizam o
soroban têm muita dificuldade em realizar os cálculos e os professores da classe regular
por desconhecerem o instrumento, não cobram sua utilização.
Nesse sentido ficou claro que para promover a inclusão não é suficiente abrir as
escolas e permitir que os alunos ocupem um lugar na sala, essa atitude, muito comum
nas escolas regulares, não garante a participação dos alunos, muito menos que eles
aprendam os conteúdos das aulas que assistem. É necessário promover mais cursos de
capacitação que visem sensibilizar e preparar os professores para trabalharem em prol
da aprendizagem de todos, inclusive dos deficientes visuais.
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