o uso do vazio - uma experiência de apropriação do espaço

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Trabalho Final de Graduação Universidade Presbiteriana Mackenzie - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - 2015

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O ano de 2015 viu a cidade de São Paulo se contorcer em debates sobre seus espaços públicos e quem tem direito a usá-los. Novas ciclovias, faixas de ônibus e avenidas sendo fechadas em prol do uso pelos paulistanos aos finais de semana. O espaço público ganhou novo significado. Ruas e avenidas que antes eram o domínio do automóvel são apropriadas pelos pedestres e, por meio destes, adquirem novos usos e funções.

O Plano Diretor aprovado neste ano propõe uma arquitetura que se abre à cidade, oferecendo serviços e espaços para o convívio dos cidadãos.

Imbuído das mesmas intenções para se debater a cidade, pretende-se ao longo deste trabalho verificar como a arquitetura pode ser tratada e pensada de modo a liberar o corpo e sua ocupação do espaço. Partindo de leituras de diferentes arquitetos, como Bernard Tshumi, Paola Berenstein Jacques e Marta Bogéa, busca-se compreender processos que surgiram para questionar o pragmatismo funcional do desenvolvimento e espacialização do programa no projeto arquitetônico. Analisando as hipóteses de intervenção e de projeto que buscam criar rupturas, disjunções no programa, e liberdade de manipulação e apropriação do espaço por aqueles que se usufruem dele, dando especial ênfase no percurso e no movimento

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do indivíduo pela arquitetura, busca-se desenvolver uma hipótese de intervenção no território que priorize a cidade e o usuário em detrimento do espaço encerrado e restrito.

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A atual avenida surgida pelo desmatamento da antiga mata do Caagaçu, pouco lembra sua origem como berço de barões do café e da elite industrial .1 O estudo de sua história é fundamental para entender sua evolução e sua conformação atual como pólo empresarial e cultural na metrópole.

O empreendimento foi criado pela iniciativa privada sob a visão dos sócios José Borges de Figueiredo, João Augusto Garcia e o uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, com o objetivo de desenvolver uma região de alto luxo tendo sido inaugurado em 1891. A escolha do local foi fundamental, no alto do espigão central, com vista privilegiada, proximidade do centro da cidade, onde os negócios eram decididos e ainda com resquícios da vegetação nativa.

O desenho e execução do projeto são atributos ao agrimensor Tarquínio Antonio Tarant. O arquiteto Benedito Lima de Toledo mostra que “inicialmente a avenida tinha três faixas, destinadas ao bonde, às carruagens e aos cavaleiros”2 . Uma grande massa de vegetação remanescente foi deixada intacta por desejo dos empreendedores: o atual Parque Trianon.

Durante os primeiros anos de existência até o início do século XX, a avenida era muito pouco povoada, sendo 1 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo. 2 Benedito Lima de Toledo, contido no livro Avenida Paulista: a síntese da metrópole. (Pág. 32)

Imagem 01 - Inauguração da Avenida Paulista em 1891

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utilizada mais como local de veraneio do que como residência fixa pelas elites. Esse fato é explicado pela região não possuir infraestrutura básica como luz, água e esgoto até a virada do século. Essa situação só vai se reverter no ano de 1900 com a chegada do bonde elétrico, que acelera a ocupação dos lotes da avenida com os primeiros casarões, totalizando 50 nesse momento.3

Inicialmente fruto de um empreendimento imobiliário, o fato da avenida ter sido ocupada por uma população abastada e se conformando como bairro elegante, foi alvo de investimentos privilegiados do poder público; dotando a área de serviços muito antes de outras regiões da cidade, como o já citado bonde em 1900 e o asfalto em 19084 , que coincidiu com a primeira reforma da avenida, quando ela recebe uma duplicação nas linhas de bonde que passam a circular no leito central.

A compreensão dessa facilidade com que a prefeitura fazia investimentos na região serve para perceber como, desde os princípios da avenida, ela era considerada um elemento fundamental na cidade e de que maneira, mais tarde, essa disponibilidade superior de infraestrutura viria a atrair outros investimentos e perfis de uso para o logradouro. A prova disso

3 SOUKEF, Antonio. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo, Edit. Dialeto, 20024 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo.

Imagem 02 - Instalação do calçamento na via em 1891

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foi o aparecimento de edifícios institucionais como o Instituto Pasteur (1903), o Hospital Santa Catarina (1906), o Grupo Escolar Rodrigues Alves (1907) e o Colégio São Luis (1918).5

Em 1911 a prefeitura adquiriu o terreno em barranco defronte ao parque Trianon inaugurando em 1916 o Belvedere Trianon, projeto de Ramos de Azevedo, que marcou o local na memória de São Paulo, tanto pelos grandes bailes e festas que eram realizados, quanto pela vista do vale do Saracura (atual avenida 9 de Julho) para o centro de São Paulo.6

A última das grandes mansões construídas na Paulista foi inaugurada em 1935, projeto de Ramos de Azevedo para sua filha, atualmente chamada de Casa das Rosas. Coincidentemente, no ano seguinte, 1936, é promulgada uma lei que autoriza a construção de edifícios residenciais e instalações comerciais na avenida. A pressão do mercado imobiliário já se fazia sentir: os terrenos eram muito valorizados e os impostos caros. Muitos moradores deslocam-se para outros bairros, notadamente para os bairros dos Jardins, descendo o espigão no sentido do rio Pinheiros.

Torres residenciais começaram a ser construídas e a

5 SOUKEF, Antonio. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo, Edit. Dialeto, 20026 O ESTADO DE SÃO PAULO, 13 de Junho de 1916. In SOUKEF, Antonio. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo, Edit. Dialeto, 2002

Imagem 03 - Vista do Edifício Baronesa de Arary de 1953

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substituir os antigos casarões. As torres vinham trazer um movimento arquitetônico de cunho “nacional”; o modernismo, que contrastava com o ecletismo de modelos importados presentes nas residências. O estilo arquitetônico que representava o progresso era evidenciado nos primeiros edifícios, como o Anchieta (1940), o Três Marias (1952), o Nações Unidas (1952), o Saint Honoré (1953), o Baronesa de Arary (1953), o Pauliceia (1956), o 5ª Avenida (1959) e o primeiro de uso misto, o Conjunto Nacional (1956)7. Esses edifícios, inicialmente, buscaram verticalizar o ideal do casarão, sendo compostos por grandes apartamentos de luxo. Contudo, aos poucos surgiram apartamentos menores, atendendo a uma nova classe média. O Edifício do Trianon, que já tinha sido convertido em salão de bailes populares, também é demolido, sendo seu último baile realizado em 1951.

Foi o Conjunto Nacional, idealizado pelo empresário argentino José Tjurs e projetado pelo arquiteto David Libeskind, que liderou a mudança de uso da avenida. Antevendo a migração de setores da economia do Centro da cidade para a região da Paulista, foi projetado contendo uma base horizontal para reunir serviços e comércio, sobre a qual apoiava-se uma lâmina contendo apartamentos e escritórios.

7 SOUZA, M. A. Produção e apropriação do espaço metropolitano: a Avenida Paulista em São Paulo. In: Santos, M. A construção do espaço. São Paulo. Nobel, 1986

Imagem 04 - Vista do Edifício Pauliceia de 1956

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Uma sequência de edifícios exclusivamente de escritórios foi construída durante a década de 1960. Contudo, foi a construção do MASP (Museu de Arte de São Paulo) que marcou a avenida introduzindo mais um uso a ela e modelando o princípio do que viria a se tornar um polo cultural na cidade.

A transferência do MASP de sua antiga sede no edifício dos Diários Associados, no centro de São Paulo para a Avenida Paulista deveu-se a três fatores: necessidade de um espaço maior para alojar o crescente acervo e as atividades culturais do museu, a força política de Assis Chateaubriand (dono dos Diários Associados e fundador do museu) e pela visão da arquiteta Lina Bo Bardi, esposa do curador do museu, que vislumbrou a potencialidade e importância do terreno do antigo Belvedere Trianon:

Eu achava aquele lugar importante para a história de São Paulo. A Paulista, naqueles tempos, ainda estava intacta, com grandes jardins e as casas dos barões do café. [...] Um dia, no começo dos anos 50, ao passar pela avenida, vi o belvedere destruído [...] Fui falar com o responsável na prefeitura para perguntar o que ia ser construído no local. Resposta: “Ah, o que falta no Brasil são banheiros públicos! Vamos fazer dois

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grandes banheiros públicos [...]” Foi quando eu decidi que ia fazer um museu naquele lugar [...]. (MASP: A Cor Da Paixão Pela Arte, São Paulo – 1990)

A verdadeira ascensão da Avenida Paulista veio junto com a decadência do Centro. A demanda colocada pelo automóvel, principalmente quando este se tornou um elemento preponderante na cidade, fato ocorrido nas décadas de 60 e 70 exerceu uma pressão por espaço no centro histórico que este não tinha como suprir. Eram poucos os locais de estacionamento e a malha de ruas dificultava o acesso dos veículos à região. A busca de áreas mais amplas para facilitar o fluxo dos automóveis impulsionou a saída de equipamentos culturais e sedes de empresas da região central para Avenida Paulista.8

O automóvel também norteou uma série de estudos realizados por diferentes gestões municipais no final da década de 1960, para o desenvolvimento de novas infraestruturas na avenida. Imaginado principalmente pelo prefeito Figueiredo Ferraz, o Plano Nova previa uma via expressa construída sob o nível da atual via, que permaneceria apenas para trânsito local, e sob essa ainda uma linha de metrô. O plano foi abandonado devido os altos custos do projeto e conflitos entre o governo 8 STEFANI, Eduardo B; SHIBAKI, Viviane V. Artigo: Atrativo Turístico e Centralidade Cultural: A territorialidade da Avenida Paulista.

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municipal e estadual.9

O que foi realizado do Plano Nova Paulista, o sistema viário que interliga a avenida, a Rua da Consolação, a Rebouças e a Doutor Arnaldo, assim como o alargamento das pistas e calçadas, foi o suficiente para moldar o futuro e acelerar novas mudanças na via. Novos edifícios foram construídos e novas centralidades foram tomando forma na Paulista. Companhias nacionais e internacionais construíram suas novas sedes, assim como novas instituições culturais.

A arquitetura sendo realizada a partir da década de 1970 e principalmente 1980 não se caracteriza mais como aquele modernismo de interpretação brasileira, mas sim da chamada arquitetura internacional 10. A autora Maria Adelia de Souza explica que a avenida apresentava uma “definição de padrões internacionais de arquitetura representando de fato a presença do capital monopolista, que passa a se instalar na avenida”.

9 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo.10 “A expressão Arquitetura Internacional, apesar de muitas vezes ser con-fundida com Arquitetura Moderna, refere-se, stricto sensu, à arquitetura racionalista-funcionalista produzida sobretudo dos anos 1930 a 1950 no mundo ocidental, correspondente ao pleno desenvolvimento dos princípios defendidos pelas vanguardas modernistas européias dos anos 20, a partir de modificações introduzidas nos Estados Unidos.” In: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna.São Paulo: Perspectiva, 1996.

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Perante a valorização dos terrenos e a sempre crescente pressão por parte do mercado imobiliário, os órgãos de patrimônio histórico se mostraram incapazes de agir na velocidade necessária para proteger os palacetes ainda remanescentes na avenida. Em 1978 ainda existiam um total de 32 casarões, contudo, a partir de 1982 se iniciou um novo ciclo de demolições, provocadas pelo medo dos proprietários de perder uma grande fonte de renda com a venda dos lotes. O vazamento de informações sobre os processos de tombamento geravam demolições apressadas, como foi o caso da residência dos Matarazzo, entre outras.11

Em 1991 foi comemorado o centenário da avenida, com uma série de reformas de cunho principalmente estético, como a mudança da comunicação visual (placas e nomes de rua), mudança nas bancas de jornal e outros equipamentos públicos como pontos de ônibus e iluminação, alterações estas concomitantes com a chegada do metrô no eixo do espigão. Em 2008 é realizada mais uma reforma nas calçadas da avenida, sendo instalado um piso liso e placas podotáteis, permitindo a circulação e orientação de pessoas com deficiências visuais. No ano de 2015 é feita uma intervenção no leito viário para a criação de uma ciclovia, interligada a uma rede municipal projetada pela prefeitura.

A afluência de equipamentos de cultura para a região 11 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo

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se estende até os dias de hoje, aproveitando-se da crescente acessibilidade da área, com linhas de ônibus e metrô (a partir da década de 1990). Em 1995 o autor Luiz Hossaka elenca as seguintes instituições presentes na Paulista: A Casa das Rosas, a galeria do Sesi, o Sesc, a FIESP, o Banco Real, a galeria do Citibank, o MASP, o Centro Cultural Itaú, o Cine Belas Artes e o cinema e livrarias do Conjunto Nacional.12

A Avenida Paulista teve seu primeiro museu instalado na década de 1960 (MASP), mas continua recebendo até os dias de hoje novas sedes de instituições culturais, sendo possível perceber a partir da leitura do mapa 01. A via se conforma como uma centralidade cultural, tendo sua fácil acessibilidade, a visibilidade (por ser sede de várias emissoras) e o prestígio (a avenida funciona como cartão postal da cidade) servido para atrair investimentos para a instalação desses equipamentos13 . A proximidade dos diferentes equipamentos se transforma por si só em atrativo, em circuito, pois uma exposição realizada em um local impreterivelmente atrai visitantes para os demais.

A conformação do eixo da Paulista na segunda década do século XXI é de um espaço multifuncional. Não é a mentalidade de organização do espaço funcionalista moderno que a rege. Ao se analisar o mapa 02 de Uso do Solo fica

12 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo.13 STEFANI, Eduardo B; SHIBAKI, Viviane V. Artigo: Atrativo Turístico e Centralidade Cultural: A territorialidade da Avenida Paulista.

Imagem 05 - Construção do Museu de Arte de São Paulo no final da década de 1950

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evidente como o eixo criado no topo do espigão difere de suas encostas, de ocupação predominantemente residencial. Não existe um uso único que se impõe como vocação para a área, permitindo o desenvolvimento dos mais diversos programas que são encontrados nela atualmente, desde comércio varejista e serviços de base, até a sede de repartições do poder judiciário e do banco central, passando por escritórios de usos diversos, sedes de bancos, residências e os mais diversos equipamentos culturais.

Um aspecto fundamental na compreensão da Avenida e que sofre influência da multiplicidade dos usos existentes no eixo do espigão, é a rede de caminhos e atalhos que se formam na região, desenvolvendo alternativas para o fluxo de pedestres pelas calçadas rompendo a quadrícula do desenho urbano e ampliando consideravelmente a permeabilidade do térreo para a livre circulação de pedestres. Ao se fazer uma análise dessas características do território fica indispensável utilizar os critérios desenvolvidos por Giambattista Nolli e seu levantamento de Roma no século XVIII, quando este desenvolveu pela primeira vez um levantamento que não via a cidade pelo nível da implantação (da cobertura), mas sim do térreo .14

14 Giambattista Nolli (9 de abril de 1701 - 01 de julho de 1756) foi um arquiteto italiano e topógrafo. Ele é mais conhecido por seu plano iconográfico de Roma, o Pianta Grande di Roma que ele começou o levantamento em 1736 e gravou em 1748, e agora é universalmente conhecido como o Mapa de Nolli. Nolli desenvolveu o conceito de espaço público em Roma, levantando a cidade pelo nível do térreo e não na implantação.

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MAPA 01 - EQUIPAMENTOS CULTURAIS NO EIXO DA AVENIDA PAULISTA

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MAPA 02 - USO DO SOLO NA AVENIDA PAULISTA E NAS ENCOSTAS DO ESPIGÃO CENTRAL

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MAPA 03 - GABARITO DOS EDIFÍCIOS NA AVENIDA PAULISTA E NAS ENCOSTAS DO ESPIGÃO CENTRAL

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MAPA 04 - MAPA DE NOLLI OU PERMEABILIDADE DO TÉRREO PARA O PEDESTRE

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As duas encostas do Espigão Central, tanto a ocupada pelos bairros dos Jardins quanto a que desce em direção ao centro apresentam uma ocupação tradicional, no sentido da divisão entre espaço público urbano e privado, onde o fluxo de pedestre é restrito apenas ao espaço das calçadas, nas chamadas ruas corredor 15. De maneira oposta, a Avenida Paulista apresenta diversas galerias comerciais pensadas não só para diversificar o uso do térreo de grandes edifícios residenciais, do início da verticalização da região, mas também como caminhos internos às quadras.

Observando o mapa 04 é possível analisar como empreendimentos de caráter privado, de maior porte, como galerias comerciais e shoppings, ou de menor porte, como restaurantes, bares e lojas de rua incentivam uma maior circulação do pedestre expandindo o espaço público e fazendo a calçada adentrar o interior dos quarteirões. É possível perceber que existe uma série de quadras especialmente permeáveis próximas à Rua da Consolação: as quadras do Conjunto Nacional, a quadra vizinha, onde existe o Parque Mário Covas, e as duas quadras opostas. Também fica possível perceber que a presença do comércio de rua abre espaço para a circulação de pedestre em quadras onde, de outra maneira, a calçada

15 O conceito de rua corredor pode ser entendido também como rua de fachada contínua, onde os edifícios estão construídos em rigoroso alinhamento com os limites do lote, definindo de maneira precisa os limites dos espaços da rua, da calçada e do espaço privado.

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funcionaria somente como passagem. É o caso, por exemplo, da quadra onde se localiza o Colégio São Luiz.

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EVOLUÇÃO DA QUADRA FOCO A Avenida Paulista como se encontra hoje, na segunda década do século XXI, é fruto de um longo processo de construção do território. O primeiro loteamento da via e suas posteriores subdivisões precisam sempre ser levados em conta, para compreender as intervenções do mercado imobiliário, ao longo de mais de um século de história.

Algumas quadras são exemplos marcantes desse processo. Num extremo, temos a situação da antiga residência de Horácio Sabino, ocupando toda a sua quadra com um casarão projetado pelo arquiteto Victor Dubugras em 1903, seus belos jardins, pomares, horta e edifícios de serviço. A família Sabino conseguiu manter sua propriedade inalterada até o limite em que a especulação imobiliária e a vontade de seus proprietários permitiram, sendo o terreno vendido integralmente para a construção do que hoje é o Conjunto Nacional. No outro extremo, temos grandes lotes que foram sendo repartidos ao longo dos anos entre descendentes da família ou conforme necessidades financeiras.16

16 SOUKEF, Antonio. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo, Edit. Dialeto, 2002

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Nesse segundo caso encontra-se a quadra estudada neste trabalho. Constituída originalmente por apenas um lote, ocupado na esquina da Avenida Paulista com a Alameda Ministro Rocha Azevedo pela residência da família de René Thiollier (a Villa Fortunata), com o passar do tempo (como observado no mapa 05), nas primeiras décadas do século XX, foi sendo subdividido em lotes cada vez menores, chegando a um máximo de 12 lotes, como visto no levantamento de 1954 17. Contudo, a partir dos princípios da verticalização da Avenida esse processo é revertido, com a compra de pequenos lotes, que remembrados passaram a constituir grandes lotes capazes de viabilizar a construção de edifícios.

A situação atual da quadra é impar no panorama de toda a Paulista. Nela se encontram um parque público de vegetação tombada pelos órgãos de patrimônio (remanescente da antiga Villa Fortunata), dois casarões também tombados, um edifício institucional que é o consulado italiano, um edifício de escritórios moderno, com uma galeria comercial no térreo, uma pequena galeria comercial e um edifício de escritórios de 1991.

17 Levantamento aerofotogramétrico executado por VASP Aerofotogrametria S.A. e Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul S.A. – Fotografias tomadas em Janeiro de 1954 – Gestão do Prefeito Armando de Arruda Pereira.

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MAPA 05 - EVOLUÇÃO DO LOTEAMENTO DA QUADRA ESTUDADA

Fonte do mapa: Pauliceia Arquitetura e Urbanismo. Mapa 1905 – Instituto geográfico e cartográfico. Mapa 1930 – Levantamento Sara Brasil. Mapa 1954 - Levantamento aerofotogramétrico executado por VASP Aerofotogrametria S.A. Mapa 1972 – GEGRAN. Mapa 2005 – Levantamento aerofotogramétrico encomendado pela Prefeitura. Mapa 2014 – Mapa Digital da Cidade (MDC)

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A primeira construção da quadra foi a chamada Villa Fortunata, da família de René Thiollier, construída em 1903 e demolida em 1972. Seu terreno permaneceu ocioso por muitas décadas. Mas, em 2010, depois de desapropriação pelo governo do estado, foi inaugurado o Parque Mário Covas, com um pouco mais de 5 mil metros quadrados, preservando parte da antiga mata e jardins da residência e se tornando o segundo parque público da avenida (depois do Parque Tenente Siqueira Campos, o Trianon).

Talvez o elemento mais icônico da quadra seja a Residência Joaquim Franco de Mello projetada pelo engenheiro português Antônio Fernandes Pinto para a família de Franco de Mello. A construção, edificada em 1909, é um dos poucos casarões remanescentes da primeira ocupação residencial da avenida. Foi tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do estado de São Paulo) em 1992, o que garantiu sua existência até os dias atuais.18

Conhecida também como Casa 1919 (devido à sua numeração em relação à avenida) apresenta em seu projeto arquitetônico influências do classicismo francês. Entretanto, apesar de projetada em estilo eclético, assim como as outras casas dessa fase da ocupação da avenida, também guarda 18 PRADO. Marina Nardin. Avenida Paulista Roteiro de Arquitetura. Trabalho Final de Graduação FAU-USP - 2013

Imagem 06 - Villa Fortunata ainda presente durante a construção do edifício Barão de Itatyaia

Imagem 07 - Residência Joaquim Franco de Melo na década de 1970

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algumas tradições da arquitetura rural ligadas à origem dos seus ocupantes, tais quais os jardins em frente à casa e a horta nos fundos. Além disso, um tratamento especial era destinado ao hall de entrada, que fazia a ligação entre os espaços sociais da casa e preservava a intimidade dos moradores.

Outro imóvel de interesse na quadra é a também tombada Residência Vicente de Azevedo, construída na década de 1930, como um dos últimos exemplares da primeira fase da ocupação da avenida. Também foi responsável por preservar uma considerável massa arbórea, muito importante numa região extremamente densa.

A primeira ação de verticalização da quadra ocorreu em 1977, com a construção do edifício comercial Barão de Itatyaia, 24 pavimentos, projetado pelo arquiteto Gomes de Almeida Fernandes. Tal construção mostrou a tendência de se reverter o processo de contínuo parcelamento dos lotes da quadra em unidades cada vez menores, uma vez que para sua construção foram necessários cinco lotes. Esse edifício também trouxe em seu projeto uma característica presente em outros conjuntos da avenida - a utilização pública do térreo, com o desenvolvimento de uma galeria comercial, em contraste com o uso para escritórios dos pavimentos superiores, e a possibilidade de acesso tanto pela Rua Padre João Manuel quanto pela Avenida Paulista.

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O segundo edifício a ser construído na quadra é o atual Consulado Italiano, com acesso exclusivo pela Avenida Paulista, projeto de 1984 dos arquitetos Gilberto del Sole e Ricoy Torres, pensado originalmente como sede do Banco BNL. Este edifício estabelece um forte contraste com o vizinho em termos de gabarito, pois, enquanto o edifício Barão de Itatyaia possui 24 pavimentos, o Consulado Italiano é composto por 12.

O último edifício alto construído na quadra foi o Parque Paulista, 16 andares – 1991, pelo escritório Botti Rubin. Esse edifício ocupou parte dos fundos do lote da Residência Joaquim Franco de Mello, fazendo frente à Alameda Santos e obstruindo a observação da residência.

A percepção de que o conjunto dos lotes em sua origem era um único é a base de uma hipótese de intervenção que busca integrar a quadra e fazer uma experiência de costura territorial, integrando diferentes elementos arquitetônicos tombados, revelando-os para a cidade, assim como as diferentes massas verdes restantes na área.

O entorno do projeto, composto por algumas das quadras da Avenida Paulista com as maiores possibilidades de permeabilidade por parte dos pedestres (Conjunto Nacional e Centeco Plaza na quadra defronte) corrobora para a elaboração de uma proposta de projeto que busque alcançar os

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mesmos objetivos; ou seja, proporcionar uma alternativa para a circulação do pedestre. Dessa forma, serão criados percursos, caminhos e espaços de circulação que complementem a rua, desenvolvendo, concomitantemente, pontos de permanência, descanso, integração e encontro.

Para o desenvolvimento do projeto foi feita a apropriação dos lotes do Parque Mário Covas, da Residência Joaquim Franco de Mello e da Residência Vicente de Azevedo. Contudo, ainda se fazia necessária a união entre todos esses espaços e uma melhor costura do território. Portanto, o lote entre o Consulado Italiano e a Residência Joaquim Franco de Mello também foi apropriado. Esse último lote é ocupado atualmente por uma pequena galeria comercial de dois pavimentos, o que é entendido como uma grande potencialidade de intervenção e de criação de uma nova abertura da quadra na face para a Avenida Paulista.

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MAPA 06 - ANÁLISE DA QUADRA – DEMOLIR / PRESERVAR

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A OCUPAÇÃO DA AVENIDA POR MOVIMENTOS SOCIAIS A Avenida Paulista obteve como caráter único na cidade a condição de não ser apenas uma via residencial, comercial ou de passagem; mas, certamente, um palco para diferentes eventos e manifestações que impactam na dinâmica da metrópole.

As primeiras décadas de ocupação da avenida caracterizaram-se como espaço de representação das elites paulistanas, com o surgimento de eventos voltados para essa classe social. Destacam-se os chamados Corsos de Carnaval, com seu ápice na década de 1930, organizando-se “grandes desfiles das famílias da elite em seus automóveis, com as pessoas assistindo fantasiadas e todos jogando confete e serpentina”19. Por mais restritas que essas festas fossem elas já denotavam uma vocação para o uso público do eixo viário.

Contudo, com a mudança da ocupação do eixo da Paulista de residências para comércio e serviços, surgiram as

19 SOUKEF, Antonio. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo, Edit. Dialeto, 2002 – Pág. 50

Imagem 08 - Corso de Carnaval na Avenida Paulista na década de 1930

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primeiras manifestações de classe, com frequência crescente a partir da década de 1980, com a organização de protestos por categorias profissionais, como bancários, professores, empregados da Caixa Econômica Federal, médicos residentes, funcionários públicos, metroviários, taxistas e outros que vinculam esse espaço da cidade com as atividades do setor terciário. Pode-se afirmar também que a visibilidade gerada pela presença de diversas emissoras de rádio e televisão na região serviu também como atrativos para essas manifestações, devido à sua fácil divulgação na mídia e aparição no panorama nacional. Um exemplo dessa característica foi a visibilidade privilegiada dada aos diversos setores que saíram às ruas em busca do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello.20

Junto com as manifestações políticas, a criação de eventos e comemorações na área cresceu, em base, pelos mesmos motivos de visibilidade e acessibilidade da avenida. O primeiro grande evento foi criado em 1924 pela Fundação Cásper Líbero, a anual Corrida de São Silvestre. O poder público também passou a organizar festividades na região, iniciando em 1991 com as comemorações do centenário da avenida, mas se multiplicando para diversas festas, como as celebrações de Natal e passagem de ano.21

20 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo. 21 IDEM

Imagem 09 - Largada da Corrida de São Silvestre em frente ao edifício da TV Gazeta em 31 de dezembro de 1983

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Outras instituições foram importantes para difundir a ideia de que a Paulista é o palco inequívoco para celebrações em São Paulo. Em 1977, depois da vitória do Corinthians no campeonato paulista, um grande número de torcedores se reuniu na região para comemorar, fato que foi televisionado pela primeira vez pela TV Gazeta ao vivo, e motivou outras torcidas a fazerem o mesmo em outras comemorações.22

Sempre levando em consideração a visibilidade pelos canais de mídia e a acessibilidade do eixo viário, a Avenida é ocupada anualmente por diversas manifestações de grupos sociais que já foram incorporados ao calendário de grandes eventos da cidade. Esse é o caso de eventos como a Parada Gay de São Paulo, que já chegou a reunir em torno de 3 milhões de pessoas23 , marcando a região como palco da luta pela igualdade e contra os preconceitos.

O desenvolvimento tecnológico facilita cada vez mais a organização de eventos e ocupações espontâneas na Paulista. Com o recurso das mídias sociais são organizados protestos em poucos dias, como se tornou possível observar com as anuais Marchas das Vadias, ou os protestos surgidos após a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014 e 2015.

22 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo. 23 Polícia Militar do Estado de São Paulo (2006)

Imagem 10 - 19ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo 2015

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A Avenida Paulista configurou-se, na segunda década do século XXI, no espaço inquestionável de representação popular na cidade de São Paulo e a incorporação de espaços arquitetônicos por essas ocupações tornou-se fato indissociável. Diferentes pontos da avenida se transformaram em locais de encontro e representação de diferentes grupos da sociedade, podendo ser citados: o vão livre do MASP (Museu de Arte de São Paulo), a Praça do Ciclista, o Conjunto Nacional e até mesmo a área rebaixada da avenida sob a Rua da Consolação.24

Esse último local, sob a Rua da Consolação, foi resultado do chamado Plano Nova Paulista, desenvolvido pelo prefeito Figueiredo Ferraz. Contudo, o único trecho construído foi a ligação da Avenida com a zona Oeste da cidade. O trecho mantém a circulação exclusiva de veículos, fruto da mentalidade rodoviarista que regeu o planejamento da metrópole por décadas; porém, suas paredes foram apropriadas pela ocupação do grafite, transformando-se numa galeria de arte reconhecida por órgãos públicos da cidade, que tomaram iniciativas de patrocinar pinturas temáticas, como a realizada durante as comemorações dos 100 anos de imigração japonesa em 2007 (o centenário foi comemorado no ano de 2008).25 24 MACHADO, Débora dos Santos Cândido. Av. Paulista: da elite ao povo : as transformações e caracterizações da apropriação do espaço. 2014. 211 f. Doutorado - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014 25 Iniciativa da prefeitura por meio do chamado Projeto Sol Nascente. Fonte: Jornal Folha de São Paulo http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2901200707.htm - Acesso em 27/04/2015

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A Praça do Ciclista foi desenhada sobre o túnel construído com a função de arrematar o final da avenida e o encontro com a Rua da Consolação, fruto do projeto Nova Paulista. Espaço com pouca vegetação e sem locais para permanência, passou boa parte de sua existência sem ocupação. Entretanto, na primeira década do século XXI tornou-se palco de uma crescente discussão sobre mobilidade urbana. O movimento dos ciclistas na cidade de São Paulo apropriou-se daquele espaço ocioso como palco de suas manifestações e vitrine de suas reinvindicações pleiteando faixas exclusivas de circulação na cidade, sintetizando a parte da luta para redução da mortalidade de ciclistas26 . O nome dado à praça (Praça do Ciclista) vem do reconhecimento dado pela prefeitura à ocupação do espaço, estabelecido por projeto de lei em 200727.

O principal espaço de apropriação pública no eixo da Avenida é o vão livre do Museu de Arte de São Paulo, que, conforme a arquiteta Lina Bo Bardi, foi pensado para tal fim:

26 O número de ciclistas mortos no trânsito vem caindo regularmente dês do ano de 2005 (93 mortos) até 2013 (35 mortos). Fonte: Portal G1 de notícias - http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/03/mortes-de-ciclistas-no-transito-de-sp-tem-queda-de-32-em-2013.html - Acesso em 28/04/201527 MACHADO, Débora dos Santos Cândido. Av. Paulista: da elite ao povo : as transformações e caracterizações da apropriação do espaço. 2014. 211 f. Doutorado - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014

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Eu procurei apenas, no Museu de Arte de São Paulo, retomar certas posições. Até procurei (e espero que aconteça) recriar um ‘ambiente’ no Trianon. E gostaria que lá fosse o povo, ver exposições ao ar livre e discutir, escutar música, ver fitas. Até crianças, ir brincar do sol de manhã e de tarde.28

Seu uso variou ao longo das décadas, abrigando desde apresentações de circo (Circo Piolin em 1972) até manifestações e protestos, passando por mercados de antiguidades e palco de apresentações musicais, mas sempre manteve seu caráter público.29

Outro ícone local de encontro na região da Paulista é o Conjunto Nacional, que nasceu como um espaço de caráter fundamentalmente privado, mas que desempenha um importante papel como espaço público. O acesso ao conjunto, realizado por aberturas nas quatro faces da quadra, possibilita uma circulação interna à quadra e paralela à calçada. É exatamente 28 MACHADO, Débora dos Santos Cândido. Av. Paulista: da elite ao povo : as transformações e caracterizações da apropriação do espaço. 2014. 211 f. Doutorado - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014 - Pág. 16429 IDEM

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essa circulação interna que conforma o conjunto num espaço público, reunindo ao abrigo, pessoas que buscam se encontrar, conversar ou mesmo utilizar das lojas presentes no local. As diferentes intervenções artísticas no espaço enfatizam o caráter público, com exposições e intervenções artísticas nas áreas de circulação e, em contrapartida, a presença de importantes equipamentos culturais no âmbito da Avenida, como a Livraria Cultura com seu cinema e teatro, garante um fluxo constante de visitantes, que mantêm a relevância do espaço no panorama da Cidade de São Paulo . 30

30 MACHADO, Débora dos Santos Cândido. Av. Paulista: da elite ao povo : as transformações e caracterizações da apropriação do espaço. 2014. 211 f. Doutorado - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014

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Na arquitetura moderna surge uma necessidade até mesmo higienizadora de ordenar o espaço do edifício, do seu conteúdo, gerando formas e padrões que se transformam em modelos por meio de uma grande repetição, para o uso desses espaços. Tais espaços repetidos, ao longo do decorrer da história geram um condicionamento à sua utilização e experimentação. O arquiteto Igor Guatelli explica que dirigidas por espaços pré-determinados as atitudes foram, ao longo do tempo, incorporadas e tratadas como inerentes ao próprio espaço projetado. Com o advento do chamado “funcionalismo” acentuou-se uma busca pela correspondência entre conteúdos e forma, de um modelo capaz de ser universalizado e, em consequência, a possibilidade de intervenção e manipulação desses espaços por parte dos indivíduos que os frequentam, enfraqueceu.31

Nesse contexto, seria claro que o desenvolvimento da Avenida Paulista dar-se-ia apenas com foco no automóvel. Durante o início da verticalização do eixo, com a construção dos grandes conjuntos modernos que existem até os dias de hoje, a lógica deveria ser a aplicação do ideário moderno, com a avenida tendo seu uso restrito à passagem, ao fluxo quanto maior possível, de veículos e pedestres. No entanto não foi o que ocorreu. Foram projetados conjuntos de uso misto, com amplas áreas e galerias para serem percorridos no térreo, 31 GUATELLI, Igor. Artigo: Contaminações constitutivas do espaço urbano: cultura urbana através da intertextualidade e do entre.

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responsáveis pela criação de espaços que romperam com os ideais estritamente funcionalistas para acolher a simples permanência da população.

A partir desse exemplo concreto da Paulista surgem questionamentos sobre como e por que ocorrem tais rupturas num modelo estabelecido e aceito de organização, e os princípios vigentes de controle social (nesse caso o modernismo arquitetônico). Nesse aspecto a autora Joan Scott explica que sob um ponto de vista geral a mudança pode ter várias origens, como, por exemplo, transtornos políticos de massa que coloquem as ordens antigas em causa, criando engrenagens novas, podendo revisar os termos (e, portanto, a organização) do gênero na sua procura de novas formas de legitimação.32

Para criar essas rupturas e disjunções, tão necessárias para desenvolver novas circunstâncias culturais, é fundamental descartar as categorias de significado e contexto estabelecidas. Como solução, Bernard Tschumi propõe intrusões nos espaços arquitetônicos.

Movimentos são a intrusão de eventos em espaços arquitetônicos. No limite, estes eventos tornam-se cenários ou programas, vazios de implicações morais ou funcionais, independentes,

32 SCOTT, Joan – artigo. Gênero: uma categoria útil para análise histórica.

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mas inseparáveis dos espaços que eles encerram. (TSCHUMI, p.111)

O papel do arquiteto nesse panorama de transgressão se baseia na busca e intenção de criar condições para que tais eventos possam ocorrer, promovendo a interação entre o “definido e o não-definido, o desenho e o não-desenho, o inteligível e o não-inteligível”. Esses contrastes e rupturas se tornam possíveis por meio do estabelecimento de tensões que questionem as organizações hierárquicas dos espaços, dos programas, fluxos e vazios.33

A autora Marilia Solfa34 afirma, partindo de um estudo de Tschumi e de artistas como Matta-Clark e Hélio Oiticica, que o estudo do espaço é fundamental para a compreensão do comportamento do corpo, de sua ordenação e lógica. Tal entendimento é fundamental para se pensar na transgressão da ordem, pois cada corpo que é inserido no espaço pode violentá-lo, assim como a ordem do espaço pode violentar o corpo que nele é inserido. Sobre a violência do espaço em relação ao indivíduo ela afirma:

33 GUATELLI, Igor. Artigo: Contaminações constitutivas do espaço urbano: cultura urbana através da intertextualidade e do entre.34 SOLFA, Marilia. Dissertação de Mestrado: Interlocuções entre arte e arquitetura como práticas críticas. Universidade de São Paulo. 2010

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A violência resultante pode ser tanto física quanto simbólica: corredores estreitos violentam grandes multidões; alguns espaços causam enorme desconforto, como salas muito grandes ou muito pequenas, muito fechadas ou muito abertas, coberturas muito altas ou muito baixas, ou mesmo escadas e degraus perigosos. Tais situações exercem violência, mesmo que indireta, sobre os usuários do espaço. (SOLFA, 2010, p. 203)

A cidade de São Paulo possui diversos exemplos dessa violência. A crescente impermeabilidade das vias ao pedestre, sempre focadas ao fluxo cada vez mais rápido e buscando ser cada vez mais eficiente, gera a falta de urbanidade, a falta de encontro nos espaços públicos e a crescente privatização do convívio, realizada atrás de muros e em locais fechados. A rua se tornou vazia pela hostilidade com o passante e, em consequência, pouco segura.

Dessa análise surge a conclusão de que deslocamento físico eficiente e segregação constituem-se como duas partes de um mesmo todo. As cidades dos bulevares do final do

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século XIX e início do século XX, ou mesmo a São Paulo das galerias comerciais da década de 1950, hoje se transformaram em circuitos estanques e espaços fechados.

Alguns autores se dedicam ao estudo de como reverter essa situação. Assim como Tschumi apresenta os movimentos (um termo mais genérico em sua análise) como geradores de transformações nos espaços, existem outros que se aprofundam numa interpretação de como o ser humano se comporta no espaço da cidade, e o que essa cidade precisa prover para gerar uma ocupação espontânea e livre de restrições.

Jan Gehl é um arquiteto e urbanista que possui uma vida de estudos sobre as relações entre o espaço público e o convívio humano. Sua análise parte da identificação de elementos que atraem o pedestre, focando nas relações entre o movimento e a permanência dos corpos nos locais comuns da cidade.35

Suas pesquisas ainda apontam que a existência da cidade é regida pelo movimento de sua população e ela mesma (a cidade) é responsável pela criação desse movimento, fato intrínseco em sua história, pois antes de se tornar um ponto de residência fixa, a urbe começa como um ponto de encontro, atraindo aqueles que buscam o trabalho, o comércio, etc... Em

35 GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo: Pesperctiva, 2013

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resumo, a cidade “é o correlato da estrada”36 , só existe em concomitante com uma circulação e uma rede de circuitos.

A experiência da urbe se constitui pela relação entre a mobilidade e a permanência, pois se a cidade é conhecida pela sua face fixa (a arquitetura) é, na verdade, o fluxo de pessoas que lhe dá vida. Em decorrência disso, é possível afirmar que a acessibilidade e a circulação são os aspectos fundamentais para se definir um lugar. Os instrumentos para se gerar essa acessibilidade também são estudados, não bastando apenas abrir um grande espaço estéril voltado para a rua e esperar que seja ocupado. Existem elementos necessários para que isso ocorra; como sombreamento, espaços para sentar, espaços livres para aglomeração de pessoas e também uma possibilidade de criação de visuais. A viabilidade de se criar uma interrupção no movimento das pessoas e que a elas sejam abertas visualidades para a cidade é entendido como muito vantajoso.

Uma situação completamente diversa é a adaptação dos espaços existentes da cidade, sem que haja a possibilidade de sua alteração, para novos usos e novas possibilidades de ocupação.

36 Guiles Deleuze & Felix Guattar. IN. Bogéa, Marta. Cidade errante: arquitetura em movimento. São Paulo, Ediora Senac, 2009

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A arquiteta Marta Bogéa, estudiosa dos fluxos da cidade (com foco específico na cidade de São Paulo) e das teorias de comunicação e semiótica, faz uma análise de algumas intervenções de cunho fundamentalmente artístico, realizadas sobre o tecido urbano, mas que extrapolaram seus limites iniciais para se tornarem intervenções no território. Um artista citado é o espanhol Santiago Cirugeda, idealizador de diversas pequenas intervenções no espaço público de Sevilha, se apoiando em brechas e subterfúgios da lei para tentar subvertê-la. Sua principal intervenção é o posicionamento de pequenos andaimes na fachada de alguns edifícios, criando exíguos espaços livres para serem ocupados pelos passantes. O tempo limitado por lei no qual os andaimes poderiam permanecer nas fachadas garantia a transitoriedade da intervenção.37

Marta Bogéa ainda explica que as relações criadas por essas interferências na malha consolidada da cidade se configuram como conexões, como movimentos que complementam uma lógica já desenvolvida do espaço urbano. Esses elementos que se apoiam no entorno são considerados móveis, por apresentarem velocidades diferentes das suas imediações (a cidade acontece num tempo mais lento de transformação), mas, simultaneamente, reconfiguram o tempo que move o elemento estável. Quanto a isso, a autora afirma que esses movimentos e apropriações do espaço “permitem a 37 Bogéa, Marta. Cidade errante: arquitetura em movimento. São Paulo, Ediora Senac, 2009.

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transformação sem dissolução” 38 da cidade já consolidada.

O desafio dos arquitetos, frente à necessidade de intervenção na cidade, emerge no questionamento de como transformar as passagens, os espaços do movimento, tão fortes na conformação da cidade, numa pausa gerando o desvio necessário (ainda que em pequena escala, e aqui entram as intervenções feitas por Santiago Cirugeda em Sevilha) para transformar o lugar, o espaço da cidade e o entorno em que está inserido. A arquitetura, por ser um fato estável no tempo deve ser pensada para abarcar, na sua relação com o contexto, a dinâmica dos fluxos e eventos que ocorrem e se alteram em uma escala de tempo muito mais rápida, de modo a criar, exatamente, distintos locais de parada.39

De certa maneira, a criação de espaços genéricos, livres de condicionantes para o fluxo e uso, com características que permitam a livre ocupação por eventos e pelo movimento do corpo, garantem que a particularidade seja instalada. Uma atenção especial tem que ser destinada à criação desses espaços, com fim de evitar que se tornem locais apenas de circulação e passagem, mas sim de conexões. Um “entre” em relação a dois pontos, com possibilidades para seduzir o corpo a uma parada, a uma reflexão e a uma pausa em seu

38 Bogéa, Marta. Cidade errante: arquitetura em movimento. São Paulo, Ediora Senac, 2009. Pág. 23139 IDEM

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movimento. Nesse âmbito, algumas arquiteturas têm caráter especial quanto à sua capacidade de gerar conexões dos mais diversos níveis, como museus, estações, igrejas e aeroportos, tornando-os ainda pontos nodais no desenvolvimento de cidades e conformando a identidade local.

Analisando novamente o território de estudo, a Avenida Paulista, nota-se que essa região difere de seu entorno imediato por apresentar uma capacidade de acomodação do pedestre, que acessa a área através de uma infraestrutura de mobilidade ímpar na metrópole e principalmente por suas largas calçadas. Contudo, só suas amplas calçadas não garantem a permanência das pessoas, por isso, como afirma Jan Gehl, é fundamental fazer o levantamento dos equipamentos presentes. A grande concentração de equipamentos culturais, centros comerciais, cafés e restaurantes garantem uma ocupação estendida para além do horário de trabalho e para os finais de semana. A lógica do fluxo de pessoas como somente passagem não se aplica à região. A presença de equipamentos que se abrem para o público, como as galerias comerciais que investem no coletivo, favorecem a parada, a permanência e a contemplação.

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A MEMÓRIA INSTITUCIONALIZADA No Brasil existem mecanismos e órgãos governamentais que são “responsáveis por preservar, divulgar e fiscalizar os bens culturais brasileiros, além de garantir a utilização desses bens pela atual e futuras gerações”40. Isso significa um papel tomado pelas instituições de preservação de patrimônio em valorar bens materiais e imateriais, com a intenção de proteger elementos da sociedade, seja uma arquitetura, festa popular ou obra de arte, que guardem a memória de um coletivo.

A cidade de São Paulo possui exemplos de bens tombados nas três esferas de poder: federal por meio do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), estadual por meio do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e municipal por meio do COMPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Tais bens considerados patrimônio variam de parques e reservas naturais, passando pelos primeiros marcos da urbanização colonial e expansão bandeirista, até chegar aos edifícios que representam aspectos da expansão de São Paulo a partir do final do século XIX, até os dias de hoje.40 http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/11/iphan-e-responsavel-por-preservar-divulgar-e-fiscalizar-os-bens-culturais-brasileiros

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Um recorte especial da cidade, quando levada em conta a atenção dada por órgãos de preservação, é a Avenida Paulista. Nesse eixo viário são encontrados resquícios das coberturas vegetais que antecederam à ocupação urbana, exemplos das primeiras residências a serem construídas na área, edifícios que representam o avanço da arquitetura moderna na cidade e edifícios representativos da arquitetura contemporânea atual. Porém, o fato relevante é a presença de edifícios tombados compreendendo todas as fases de ocupação (MAPA 07).

Representantes da antiga cobertura vegetal que ocupava o espigão antes da abertura da avenida são os parques Tenente Siqueira Campos (01 no mapa) e Mário Covas (02 no mapa), protegidos a nível municipal e estadual. A primeira ocupação por palacetes tem representantes protegidos por órgãos municipais e estaduais, como a Casa das Rosas (03 no mapa), a Residência Joaquim Franco de Melo (04 no mapa), a Residência Vicente de Azevedo (05 no mapa) entre outras. O avanço do modernismo foi reconhecido pelas três esferas de poder, com bens tombados como o Conjunto Nacional (06 no mapa), o Museu de arte de São Paulo - MASP (07 no mapa) e edifícios residenciais como o Pauliceia e São Carlos do Pinhal (08 no mapa).

O mais significativo desse grande número de bens tombados num só eixo viário não é o aspecto da garantia da manutenção estética da avenida, mas sim o reconhecimento da importância que os diferentes exemplos de arquitetura e

Imagem 11 - Parque do Trianon (Tenente Siqueira Campos), massa verde tombada na avenida.

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ocupação têm para a história da cidade e para sua memória. A presença desses bens, representantes de momentos históricos distintos, garante à região uma singularidade ímpar, uma verdadeira linha histórica que nos mostra como era a cidade de 1889 até 2015.

Os parques tombados não são apenas áreas verdes que garantem espaços de permanência no local, mas guardam uma memória da mata que outrora lá existiu, arrasada para a abertura da avenida e preservada somente por intenção urbanística (no caso do parque do Trianon – 01 no mapa) ou por fazer parte dos jardins de uma das residências (caso do parque Mário Covas – 02 no mapa). As residências da avenida sobreviventes no momento atual, através do tombamento, não são apenas representantes de uma arquitetura, mas sim de um modo de viver, do período em que São Paulo enriqueceu com o dinheiro proveniente do café e arquitetos como Ramos de Azevedo foram responsáveis pelo desenvolvimento dessa cidade (construção do Colégio Rodrigues Alves – 09 no mapa).

Os exemplos de arquitetura moderna foram escolhidos pelo seu grande impacto no modo de se pensar a cidade, sejam os edifícios residenciais de Jacques Pilon e Gian Carlo Gasperini (Edifícios Pauliceia e São Carlos do Pinhal – 08 no mapa), ou no conjunto multifuncional projetado por David Libeskind (Conjunto Nacional – 06 no mapa) que “opunham-se

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à proposta de cidade dos palacetes industriais paulistas”.41

É claro que a listagem de todos os bens tombados no eixo da Avenida Paulista e arredores não explica a significância desses elementos para a memória coletiva da cidade, para a vida dos paulistanos que diariamente cruzam o espigão central, mas é uma ferramenta fundamental para perceber as mudanças ocorridas no mais de um século de existência da via, seus diferentes momentos áureos e suas transformações. O contraste entre diferentes edifícios de distintas épocas é o que garante que a avenida seja o retrato da evolução da cidade, que o passado não seja esquecido mas sim que apoie as evoluções da cidade e do modo de viver.

41 GORDINHO, Margarida Cintra. Patrimônio da metrópole paulistana. São Paulo, Editora Terceiro Nome, 2010

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MAPA 07 - BENS TOMBADOS NO EIXO DA AVENIDA PAULISTA

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01- Parque Tenente Siqueira Campos

02- Parque Mário Covas

03- Casa das Roas

04- Residência Joaquim Franco de Melo

05- Residência Vicente de Azevedo

06- Conjunto Nacional

07- Museu de arte de São Paulo - MASP

08- Edifícios Pauliceia e São Carlos do Pinhal

09- Hospital e Maternidade Matarazzo

10- Residência Daphnis de Freitas Valle

11- Grupo Escolar Rodrigues Alves

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A MEMÓRIA DA SOCIEDADE Um edifício sempre transcende o significado da sua própria materialidade, trazendo a memória daqueles que os habitaram e dos eventos que se passaram nele. Porém, alguns edifícios extrapolam a reminiscência individual para trazer uma memória coletiva, a percepção de algum evento da cidade. Esse transbordo de significado, de ser relevante para poucos a ser fundamental para toda uma população é o que define a importância e a caracterização de patrimônio para um edifício ou festejo.

O poder público tem papel importante na definição de patrimônio, uma vez que a memória social é parte fundamental de um projeto de sociedade dando assim valor àqueles edifícios e zonas que sejam capazes de transmitir as marcas e estruturas de outrora:

“O patrimônio cultural edificado pode ser pensado enquanto suporte da memória social, [...] como um estímulo externo que ajuda a reativar e reavivar certos traços da memória coletiva em uma

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formação sócio-territorial.” (MESENTIER, 2005)

A citação acima, do autor Leonardo Marques de Mesentier, deixa claro o papel que o patrimônio edificado na cidade tem como suporte da memória, como marcas sempre presentes da evolução da sociedade e da própria urbe. Tal característica de permanência do patrimônio é fundamental, pois a memória social não é construída de maneira breve, mas sim, no decorrer de muitas gerações que interagem com esses bens e transformam a memória na história daquela população.

Assim como a permanência do patrimônio, sua desvalorização ou desaparecimento também faz parte da discussão sobre a memória, podendo representar interesses políticos de se “apagar” um determinado momento ou fato histórico; como exemplo, pode ser levantada a sistêmica remodelação da São Paulo colonial no início do século XX, com a construção de novos edifícios que transmitissem a riqueza advinda do café. O total desaparecimento de um registro histórico (a arquitetura de uma época) é prejudicial, pois também desaparece com a capacidade de se perceber que o universo social é algo que está submetido a um processo ininterrupto de formação e reorganização.42

42 MESENTIER, Leonardo Marques de. Artigo: Patrimônio urbano, construção da memória e da cidadania. Revista Vivência, nº28. Ano 2005

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Contudo, não basta apenas preservar um bem patrimonial, porém garantir a boa preservação e até mesmo o livre uso desse imóvel, pois como suporte da memória esses instrumentos ampliam a capacidade de absorção e compreensão da história da cidade e de suas estruturas, mesmo desenvolvendo uma consciência social e a identidade do local.

O convívio cotidiano com tais elementos é importante para ativar o sentido de história a partir de um processo simples, que não necessariamente demanda um amplo conhecimento acadêmico, mas sim que se dá por meio da observação direta e vivência desses bens preservados garantindo, assim, um caráter democrático que existe na possibilidade de prover o reconhecimento pelas pessoas que não são especialistas em história, dos processos que moldaram a cidade.

A possibilidade de vivência do patrimônio também garante o deslocamento da visão de história, como uma ciência que apenas reporta fatos e acontecimentos realizados no passado, para uma percepção de que a história, na verdade, corresponde a um processo “marcado por continuidades e descontinuidades”, que assim molda a cidade e as gerações de pessoas que nela habitam.43

43 MESENTIER, Leonardo Marques de. Artigo: Patrimônio urbano, construção da memória e da cidadania. Revista Vivência, nº28. Ano 2005 – Pág. 167-177

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Quando analisada a construção da linha do tempo da cidade de São Paulo, a Avenida Paulista é uma zona única na metrópole. Ao longo de toda sua extensão existem inúmeros exemplos de obras isoladas, representantes de períodos arquitetônicos diversos, que demonstram a própria evolução da sociedade e da economia paulistana. No entanto, talvez seja a análise da via como um todo que represente o significado maior. É verdade que muito do seu passado repleto de palacetes da elite paulistana se perdeu; contudo, ao se garantir a preservação de todo um espectro da arquitetura de São Paulo, com representantes desde a primeira década do século XX até a segunda década do século XXI, a avenida enfatiza sua característica de área urbana de valor patrimonial capaz de transmitir toda a transformação sofrida pela cidade nos últimos cem anos, no que toca o modo de se morar, de se trabalhar, de se transmitir cultura e de interação com os espaços públicos.

A própria Avenida se conforma como um ambiente construído pelo homem, englobando através de sua materialidade, as lembranças das ideias, das práticas sociais e dos eventos e manifestações que representam a população que dela faz uso.44

44 BOGÉA, Marta. Artigo: Esquecer para preservar. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/181

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Nesse panorama de retrato da evolução histórica da metrópole é difícil conceber que ainda existam exemplos de patrimônio que se encontram fechados para o livre uso e apropriação da população ao longo da Avenida Paulista. Portanto, a elaboração de um projeto que tente lidar com esse tema, com a abertura de algumas das últimas residências tombadas ainda existentes na avenida (a Residência Joaquim Franco de Melo [04 no mapa] e a Residência Vicente de Azevedo [05 no mapa]) para a livre visitação e sua transformação em elementos promovedores de cultura, é uma questão extremamente pertinente para a discussão sobre a cidade que estamos projetando e quem pode usufruir dessa cidade.

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Para a elaboração do projeto foram eleitos três projetos de referência que permitiram uma investigação maior sobre a arquitetura e sua capacidade de gerar uma liberdade funcional ao mesmo tempo que garante uma percepção diversa do espaço construído, de sua implantação e relação com o entorno.

Parc de La VilletteArquiteto: Bernard Tschumi

Localização: Paris - França

Ano do projeto: 1987

O parque ocupa uma área de mais de setecentos metros de largura por um quilómetro de comprimento. Engloba atividades como a Cidade da Música, o Museu da Ciência e Indústria, além de espaços para concertos e teatros. O projeto abrange três sistemas pensados pelos arquiteto: “superfícies, que são os espaços verdes abertos; linhas, configuradas pelos caminhos do parque; e pontos, estruturas icônicas pintadas em

Imagem 12 - Canal que cruza o parque e as estruturas desenhadas

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vermelho sem um programa pré-definido.” 45

O Parc de La Villette foi fruto de um concurso internacional de arquitetura realizado entre os anos de 1982 e 1983, vencido pelo arquiteto Bernard Tshumi. O projeto foi idealizado como um local para a atividade e interação, desenvolvendo uma sensação de liberdade através da organização sobreposta dos elementos que dariam pontos de referência aos visitantes.

O projeto foi pensado a partir de três princípios de organização que estabelecem três camadas de intervenção: superfícies, linhas e pontos. Uma malha de trinta e cinco edifícios pontuais organiza o terreno espacialmente. A malha de pontos serve como marco de referência, fornecendo uma qualidade dimensional e organizacional ao parque. Cada um dos pontos é único e diferente, porém, sua natureza repetitiva permite que um senso de unidade seja criado através do parque.

No parque 85 hectares são dedicados a espaços verdes, num total de 135 hectares. São as superfícies, uma das três categorias do projeto. O espaço aberto é utilizado no verão para grandes eventos, como apresentações e cinema ao ar livre. O projeto de todo o conjunto do parque foi pensado como um espaço definido pelo usuário, aberto a interpretações. Cada 45 Visto em: http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi

Imagem 13 - Diagrama do Parc de la Villette, para mostrar como ele foi concebido como linhas, pontos e Superfícies

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um dos edifícios pontuais são centros de um programa informal, efêmero e cambiante 46.

Apesar de cada um dos pontos ser único e formalmente distinto não existe um programa designado, havendo apenas um espaço que pode abrigar diferentes atividades. Entretanto, alguns deles foram transformados em restaurantes, centros de informação e escritórios. Apenas quando o visitante se defronta com um jardim ou um ponto, a escala é reduzida e ele é capaz de se perceber dentro do contexto mais amplo do parque.

O Parque La Villette é uma referência importante de como a arquitetura pode prover espaços neutros, livres de significado e abertos a ocupação pelo público. Proposta essa que deve ser integrada ao Museu da Diversidade Sexual, tanto no seu espaço interno quando ao parque que o rodeia, permitindo assim um uso mais livre por aqueles que o desejarem visitar.

46 Visto em: http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-ar-quitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi

Imagem 14 - Uma das estruturas desenhadas em maio ao parque

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Arquiteto: Brasil Arquitetura

Localização: São Paulo - Brasil

Ano do projeto: 2012

A Praça das Artes é um projeto no centro da cidade de São Paulo que busca conciliar um programa muito especifico (criação de áreas para ensaios e recitais do corpo de baile do teatro municipal), com uma intenção de se desenvolver um espaço livre e aberto para a cidade promovendo a convivência de diversas classes e setores da sociedade.

A implantação do projeto se utiliza dos espaços remanescentes da quadra, apropriando-se de imóveis subutilizados e intervindo com patrimônio tombado. Isso representou um grande desafio aos arquitetos, lidando com diversas empenas e três acessos diferentes ao terreno. A proposta projetual cria conexões entre diferentes níveis e uma possibilidade de circulações internas, criando novos percursos, que não somente a rua.

Praça das Artes

Imagem 15 - Intervenção nas empenas e no patrimônio

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O espaço livre do térreo, atualmente, é utilizado para encontro entre pessoas, local de espera para os espetáculos e palco de diferentes eventos e exposições, como apresentações da São Paulo Fashion Week em 2015.

Contudo, a intenção dos arquitetos de conexão e passagem pública em todas as três frentes da obra não foi alcançada. O acesso público pelo vale do Anhangabaú não foi finalizado restando, apenas, um canteiro de obras inacabado. Entretanto, é possível perceber a apropriação do espaço interior da quadra pelos usuários da quadra, seja apenas como um local de descanso ou como um local de encontro, devido à sua crescente importância como marco na paisagem do Vale do Anhangabaú.

A conexão intra-quadra proposta pelos arquitetos nesse projeto é referência fundamental para a intervenção na quadra escolhida da Avenida Paulista, apresentando os mesmos desafios de se lidar com as empenas do entorno e de possuir diferentes aberturas para as ruas ao redor.

Imagem 16 - Vista da passagem interna e dos edifícios projetados tampando as empenas existentes

Imagem 17 - Acesso pelo Vale do Anhangabaú nunca realizado

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Arquiteto: David Libeskind

Localização: São Paulo - Brasil

Ano do projeto: 1956

O projeto do Conjunto Nacional foi fruto de um concurso fechado de arquitetura, promovido pelo empreendedor argentino José Tijurs, vencido pelo então jovem arquiteto David Libeskind.

O edifício buscou atender o conceito multifuncional do empreendimento. O arquiteto desenvolveu seu partido de projeto a partir da criação de uma grande lâmina horizontal para a galeria de lojas ao nível da rua e um volume vertical de apartamentos e escritórios, criando um edifício que integra o público e o privado na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta.

O caráter representativo do edifício nas dinâmicas que moldaram a região da Paulista pode ser percebido nessa citação de Heitor Frúgoli Jr.:

Conjunto Nacional

Imagem 18 - Conjunto Nacional em construção, São Paulo, anos 1950

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“uma série de significativas alterações na região, respectivamente nas atividades comercial e cultural, incluindo as primeiras etapas da migração de outras atividades do Centro tradicional para ali, o que consolidaria plenamente na passagem dos anos 70, com a ida de várias empresas para a Paulista, quando passa a constituir efetivamente uma nova centralidade na metrópole” (FRÚGOLI JR. Heitor, 2000)

Talvez, o aspecto mais marcante do projeto e aproveitado pela população que se utiliza da Avenida Paulista seja a praça interna criada como ponto articulador do espaço central do projeto. Esse espaço oferece abrigo, passagem e mesmo um local de encontro e convivência expandindo o espaço da calçada da avenida para o interior do lote.

O projeto do Museu da Diversidade Sexual, pensado para a quadra vizinha ao Conjunto Nacional, tem muitas relações diretas com este último: abertura para as quatro faces da quadra, criação de uma circulação independente da calçada e o desenvolvimento de uma praça coberta para abrigar o pedestre. Portanto, nada mais natural do que ser um exemplo fundamental para a concepção do museu.

Imagem 19 - Vista da rampa interior

Imagem 20 - Feira de artesanato realizada em seu interior

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O projeto surge de uma experiência prévia, uma oportunidade gerada através de um concurso de arquitetura desenvolvido com o mesmo tema. Em 2014 foi empreendido pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) um concurso para a recuperação do palacete Joaquim Franco de Mello, na Avenida Paulista, ainda com a proposta de se desenvolver uma nova sede para o já existente Museu da Diversidade Sexual.

A discussão empreendida pelo órgão de patrimônio me pareceu muito inteligente visto a junção do tema do concurso com a história da região da Avenida Paulista, como palco de manifestações da comunidade LGBT na cidade. Esse foi o ponto de partida para o estudo do tema e para a decisão de empreender esse projeto.

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Natural foi iniciar o trabalho com a análise da evolução histórica da área (a Avenida Paulista). É fundamental compreender como a avenida de hoje, surgida pelo desmatamento da antiga mata do Caagaçu, com a função de ser o berço de barões do café e da elite industrial transformou-se no palco de manifestações populares e norteadora das atuais discussões sobre a livre ocupação da cidade pelos indivíduos.

Um aspecto fundamental na compreensão da região é perceber que, como espaço nobre da cidade, essa região sempre foi alvo de investimentos de qualificação diferenciados por parte da administração municipal, quando comparada com outros logradouros da metrópole. Entre os primeiros investimentos podem ser listados a construção de uma linha de bonde em 1900 e o asfalto em 1908, fatos fundamentais para a região começar a receber equipamentos de maior expressão, como escolas e hospitais.

Apesar do início elitizado, algo que sempre permeou a avenida foi o uso público da via, fosse pelos famosos corsos de carnaval, com ápice na década de 1930, ou os bailes e festas realizadas no Belveder Trianon, atual MASP. Essa premissa permaneceu com a mudança de uso do eixo viário e sua ocupação pelo setor terciário, com sedes de empresas e de meios de comunicação.

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O desenvolvimento da via com um enfoque especial na livre ocupação pelo indivíduo gerou reflexos na arquitetura, com a concentração de diversas galerias, espaços de comércio e cultura que propõe a expansão do espaço da calçada para o interior da quadra. Uma rede de circulação paralela ao eixo da rua e calçada está presente na região, promovendo a multiplicação de espaços de encontro e reunião, podendo ser citado como o primeiro exemplo dessa abordagem na região, o Conjunto Nacional.

A partir desse contexto urbano de fluxos e ocupações espontâneas debrucei-me sobre a proposta de intervenção do concurso, mais precisamente sobre o terreno escolhido; terreno limitado, ocupado pelo palacete Joaquim Franco de Mello e seu entorno imediato. Na mesma quadra compreendem um parque público de vegetação tombada pelos órgãos de patrimônio, que é o Parque Mário Covas (remanescente da antiga Villa Fortunata), outro casarão também tombado (Residência Vicente de Azevedo), um edifício institucional (o consulado italiano), um edifício de escritórios moderno, com uma galeria comercial no térreo, uma pequena galeria comercial e um edifício de escritórios de 1991.

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O primeiro mapa mostra em vermelho a localização da região da Avenida Paulista no contexto da cidade de São Paulo (destacada do entorno). O segundo mapa distingue o eixo da Avenida Paulista propriamente dita em relação ao entorno. O terceiro mapa destaca a quadra alvo de intervenção.

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Em laranja os imóveis tombados, em verde as massas de vegetação também tombadas e em vinho o centro proposto para articular todos os fluxos da quadra.

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A partir do cenário atual surgiu a percepção de que no passado a quadra toda era um lote único, pertencente à Villa Fortunata, e que sua contínua subdivisão gerou os lotes atuais. Um dos partidos do programa foi buscar a costura do território, unindo novamente os lotes ao se criar um percurso por dentro da quadra, conectando os edifícios tombados e as diferentes massas arbóreas, que são das poucas remanescentes na região.

Para o desenvolvimento da integração proposta foi feita a apropriação dos lotes do Parque Mário Covas, da Residência Joaquim Franco de Mello e da Residência Vicente de Azevedo. Contudo, ainda se fazia necessária a união entre todos esses espaços e a melhor costura do território; portanto o lote entre o Consulado Italiano e a Residência Joaquim Franco de Mello também foi apropriado. Esse último lote é ocupado atualmente por uma pequena galeria comercial de dois pavimentos, entendido como uma grande potencialidade de intervenção e de criação de uma nova abertura da quadra na face para a Avenida Paulista.

Partindo da escolha de se apropriar de um novo lote para a implantação do museu, e a partir desse novo edifício fazer a articulação com as existências, diferentes hipóteses de implantação foram abordadas.

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Talvez, a hipótese de projeto mais clara fosse verticalizar o edifício na frente para a Avenida Paulista, conforme a maioria dos edifícios do eixo, contudo essa alternativa não foi empregada, pois criaria um grande contraste com a residência tombada. A abordagem adotada, ao invés da verticalização foi a divisão do projeto em dois volumes. O projeto assim serve de elemento de transição entre o gabarito mais baixo do casarão e os edifícios existentes mais altos. O térreo é mantido como passagem livre. O edifício final delimita uma praça protegida, que aglutina as funções de encontro entre os percursos na quadra e de praça para realização de eventos no museu. O gabarito do edifício permite uma livre observação para todo o eixo da avenida.

Os dois casarões tombados na quadra (a Residência Joaquim Franco de Mello e a Residência Vicente de Azevedo)

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foram integrados ao complexo do museu. O primeiro, voltado para a Avenida Paulista, restaurado e aberto em seu pavimento nobre para exposições permanentes. O segundo, na esquina da Alameda Santos com a Rua Padre João Manuel, será utilizado nos pavimentos superiores como a Administração do museu e no térreo o acesso será público com um café.

O tema do projeto, o Museu da Diversidade Sexual, motivou o desenho dos espaços internos. O grande vão central serve como espaço para ver e ser visto, como um espaço que transmite as lutas sociais por visibilidade LGBT. Uma rede de balcões e passarelas interliga as diferentes lajes cruzando o espaço; gerando visuais para o exterior e criando pontos de parada e observação das exposições, daqueles que passam pelo entorno do museu e até mesmo dos visitantes.

O programa contempla salas de exposição, restaurante e mirante agrupados no edifício voltado para a Avenida Paulista, possibilitando que o entorno do museu possa ser observado das salas de exposição, servindo também como atração. Também foram pensadas áreas para acervo e documentação, biblioteca e salas específicas para cursos. Esses usos foram agregados no volume voltado para a Alameda Santos, com menor ruído sonoro e melhor proteção contra a insolação direta. Os demais usos de serviço e auditório foram colocados no subsolo do museu.

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O mesmo vazio central pensado como espaço de abrigo e encontro motivou o partido estrutural do edifício. Foi pensada numa estrutura de montagem fácil e em sua grande maioria seca, tendo como foco a redução dos impactos no entorno por meio de possíveis obstruções que seriam geradas na área. Portanto, o edifício possui quatro núcleos centrais de concreto, nos quais são apoiadas grandes estruturas metálicas responsáveis por vencer o vão central e conformar os dois corpos do museu, gerando o mínimo número de apoios possíveis no térreo. A pré-fabricação também seria levada para a construção das lajes, com a opção por lajes alveolares, para a fachada e para o sistema de brises.

O resultado do projeto é um edifício que não funciona somente como museu, mas também como ponto de encontro, trajeto e elemento para ser incorporado espontaneamente por aqueles que se utilizam da região da Avenida Paulista.

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Duas vistas da integração entre o Parque Mário Covas, o novo projeto e a residência tombada, com a possibilidade de acesso ao museu por dentro dos jardins.

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IMPLANTAÇÃO

PARQUE MÁRIO COVAS

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PLANTA SUBSOLO

01- Auditório - 243 lugares02- Apoio auditório03- Controle de Luz/Som04- Tradução05- Foyer06- Copa07- Enfermaria08- Estacionamento09- Recepção serviço10- Vestiário funcionários11- Vestiário funcionários12- Manutenção13- Área técnica14- Caixa d’água

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PLANTA TÉRREO

01- Acesso Avenida Paulista02- Hall central03- Acesso Alameda Santos04- Loja05- Chapelaria06- Recepção07- Café08- Recepção administração e arquivos09- Recepção funcionários administração10- Vestiário funcionários feminino11- Vestiário funcionários masculino12- Manutenção13- Copa14- Área de descanso15- Recepção funcionários e segurança

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PLANTA 1º PAVIMENTO

01- Sala de exposição02- Administração museu03- Reserva técnica04- Acervo biblioteca05- Estúdio de gravação06- Sala de Restauro07- Mezanino técnico08- Recepção Residência Joaquim Franco de Melo

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PLANTA 2º PAVIMENTO

01- Sala de exposição02- Biblioteca e salas de estudo03- Mezanino técnico04- Administração museu/Presidência

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PLANTA 3º PAVIMENTO

01- Restaurante - 56 lugares02- Bar03- Cozinha e despensa04- Salas de aula e multimídea05 - Mezanino técnico

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PLANTA COBERTURA

01- Terraço público02- Casa de máquinas elevador de carga03- Área técnica e ar-condicionado04- Cobertura de Serviço

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Vista do acesso pela Alameda Santos, com a Residência Vicente de Azevedo, seu jardim aberto e um café proposto.

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ELEVAÇÕES

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CORTE A

CORTE B

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CORTE C

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01- PISO EXTERNO SUPERIOR2.0 cm - piso em placa cimentícia permeável modular suspensa8-12 cm - estrutura metálica com tratamento anti-corrosivo 0.1 cm - impermeabilizaçao com membrana líquida asfáltica 4-6 cm - isolamento térmico em espuma rígida poliestireno extrudido (XPS)5.0 cm - capa de concreto12 cm - laje alveolar pré fabricada70 cm - viga metálica (perfil I)

02- PISO PAVIMENTOS INTERNOS1.0 cm - revestimento cerâmico 60x1200 cm3.0 cm - placa cimentícia 60x1200 cm15 cm - espaço vazio do piso elevado4.0 cm - capa de concreto12 cm - laje alveolar pré fabricada70 cm - viga metálica (perfil I)

03- PISO PAVIMENTO TÉRREO1.5 cm - piso de alta resistência em concreto3.0 cm - contrapiso nivelante45 cm - laje “grelha” de concreto

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Vista do acesso pela Avenida Paulista, com a Residência Joaquim Franco de Melo e acesso ao parque integrado ao projeto.

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Esse projeto partiu da premissa de investigar os fluxos e as ocupações espontâneas do espaço, com um foco de interesse particular na Avenida Paulista em São Paulo. Após a realização de levantamentos in loco foi verificada uma característica única que difere a Avenida do restante da metrópole, a presença de uma rede de espaços abertos ao público, que podem ser utilizados paralelamente à calçada e gerando uma rede alternativa de fluxos para os pedestres.

A partir da identificação desses espaços livres, foi constatado como a sua ocupação não tem um caráter único, atendendo a diferentes interesses e funções. Ademais, por meio de uma análise histórica, tornou-se claro como a região foi utilizada como palco de eventos públicos desde sua origem como recanto da elite paulistana.

A elaboração de um projeto arquitetônico novo na Avenida Paulista deveria, indubitavelmente, interpretar a demanda por espaços públicos e a rede de fluxos que já existem na região. Portanto, o projeto do Museu da Diversidade Sexual foi pensado de modo a atender tais demandas.

Seu térreo não é apenas um espaço livre, mas um nó de articulação dos diferentes fluxos vindos de todas as faces da quadra, abrigando-os e protegendo-os. Seu desenho permite uma livre aglomeração de pessoa e possibilita que seus visitantes

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sintam-se livres para exercer qualquer atividade em seu interior, não apenas ficando restritos a visitar as exposições. Desse modo, o projeto é bem sucedido e se integra perfeitamente ao contexto de quadras abertas ao transeunte, existentes na região.

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IMAGENS:

01 - Aquarela de Jules Martin – Museu Paulista USP02 - Núcleo de Pesquisa e Documentação da Fundação de Energia e Saneamento03 - Núcleo de Pesquisa e Documentação da Fundação de Energia e Saneamento04 - http://casa.abril.com.br/materia/cinquentoes-cobicados-10-predios-antigos-de-sp05 - Foto Hans Günter Flieg - http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.084/24506 - http://netleland.net/hsampa/mansoesPaulista/mansoes.htm07 - http://g1.globo.com/sao-paulo/vc-no-g1-sp/noticia/2013/11/conheca-sua-cidade-casarao-da-paulista-e-alvo-de-acao-e-se-deteriora.html08 - http://f.i.uol.com.br/folha/cotidiano/images/15206472.jpeg 09 - http://www1.folha.uol.com.br/asmais/2015/07/1660572-carnaval-protestos-e-dia-das-criancas-sao-eventos-que-ja-lotaram-a-av-paulista-veja.shtml10 - http://www1.folha.uol.com.br/

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asmais/2015/07/1660572-carnaval-protestos-e-dia-das-criancas-sao-eventos-que-ja-lotaram-a-av-paulista-veja.shtml11 - http://argosfoto.photoshelter.com/image/I0000mT1n1nXMU8A12 - http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi13 - http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi14 - http://www.archdaily.com.br/br/01-160419/classicos-da-arquitetura-parc-de-la-villette-slash-bernard-tschumi15 - http://brasilarquitetura.com/projetos/praca-das-artes/16 - http://brasilarquitetura.com/projetos/praca-das-artes/17 - http://brasilarquitetura.com/projetos/praca-das-artes/18 - Foto José Moscardi http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.079/514019 - Foto José Moscardi http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.079/514020 - http://www.ccn.com.br/noticias/imagens/not_175.jpg

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