observador - wordpress.com · tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em...

5
Com a vontade de levar educação de qualidade a todos, os jovens usam seu potencial para transformar o ensino público sem depender apenas do governo VIDA OBSERVADOR DA EDUCAÇÃO

Upload: others

Post on 28-Oct-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: observador - WordPress.com · Tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em astrofísica em Harvard e voltou ao Brasil para aplicar o que aprendeu. Hoje, lidera duas iniciativas:

Com a vontade de levar educação de qualidade a

todos, os jovens usam seu potencial para transformar

o ensino público sem depender apenas do governo

vidao b s e r va d o r

d a e d u c a ç ã o

Page 2: observador - WordPress.com · Tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em astrofísica em Harvard e voltou ao Brasil para aplicar o que aprendeu. Hoje, lidera duas iniciativas:

9 de outubro de 2017 I época I 81

Queremos colocar a

educação no centro do

debate, mobilizar os

jovens e pressionar

essas pautas na política”

M A P A E D U C A Ç Ã O23 Anos

tábata amaral

Gabriela varella

ábata Amaral, de 23 anos, se abre em sorrisos ao falar sobre transformar a educação no país. “Um dia, quero ocupar um cargo eletivo no Congresso Nacional”, diz. Sua mãe, a recepcio-nista Maria Renilda, deixou a Bahia para morar

em São Paulo e, grávida de três meses de Tábata, conheceu o carioca Olionaldo, cobrador de ônibus, que assumiu as duas como sua família. Na escola, na periferia da Zona Sul da cidade, Tábata sempre se destacou. Despontou na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), que lhe proporcionou uma bolsa de estudos numa esco-la particular. Coleciona cerca de 40 medalhas em olimpíadas estaduais, nacionais e internacionais, o que a levou a conquistar uma vaga na universidade mais sonhada do mundo: Harvard. Foi aceita lá com bolsa integral em 8 de março de 2012. Quatro dias depois disso, o pai morreu. E a mãe estava desem-pregada. A situação em casa levou Tábata a desistir de estudar fora para ficar no Brasil e trabalhar. Ao mesmo tempo, soube que fora aprovada em outras duas universidades também com bolsa integral: Yale e Princeton. Ao saber da decisão de Tábata de de-sistir das universidades, a direção da escola privada em que ela estudara no ensino médio bancou uma viagem para ela para conhecer essas universidades. “Graças a eles, não desisti”, diz ela.

Tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em astrofísica em Harvard e voltou ao Brasil para aplicar o que aprendeu. Hoje, lidera duas iniciativas: o Mapa Educação, plataforma que fiscaliza propos-tas políticas de ensino, e o movimento Acredito, que propõe renovar a política brasileira. “Sempre acre-ditaram em mim mais que eu. Hoje, tento usar os privilégios que tive para que mais pessoas tenham oportunidade e eu deixe de ser exceção”, diz.

Tábata faz parte de uma geração que, ao se indignar com a ineficácia das políticas públicas ou com a ausên-cia delas, não espera que o problema se resolva sozi-nho. Além de idealizar um futuro, essa juventude co-loca a mão na massa para mudar a realidade de acordo com o que já existe. Eles enxergam nas ferramentas tecnológicas – e suas possibilidades de compartilha-mento – uma arma poderosa para a transformação.

Assim como Tábata, outros jovens acreditam que a educação é a única maneira de erradicar os prin-cipais problemas do país. De forma criativa – como a de Caio Dib, que percorreu o país de ônibus para conhecer escolas –, eles rastreiam as questões com as quais querem trabalhar e encontram alternativas com os recursos de que dispõem. Com menos de 30 anos de idade, bem instruídos e bem informados, os jovens das próximas páginas contam por que, no que depender deles, a educação brasileira nunca mais ficará na lanterna dos rankings internacionais. s

Foto: Julia Rodrigues/ÉPOCA

Page 3: observador - WordPress.com · Tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em astrofísica em Harvard e voltou ao Brasil para aplicar o que aprendeu. Hoje, lidera duas iniciativas:

82 I época I 9 de outubro de 2017

o b s e r va d o r d a e d u c a ç ã o

ma oportunidade pode modificar o futuro de alguém. Foi o que percebeu Francielle dos Santos, de 24 anos, pri-meira a conquistar um diploma em

sua família. Criada pelos avós em Sertão-zinho, no interior de São Paulo, Franciel-le chamou a atenção dos professores após ganhar uma medalha de ouro na Olim-píada Brasileira de Astronomia, na antiga 4a série (hoje 5o ano). Duas crises fortes de depressão tiraram Francielle da escola, apesar do excelente desempenho da es-tudante. “Com materiais doados por co-legas, eu estudava em casa sozinha”, diz ela. Para tirar o diploma do ensino médio, fez as avaliações do Programa de Educa-ção de Jovens e Adultos (EJA) (antigo supletivo). Ao mesmo tempo que fazia essas provas, Francielle prestou vestibular e entrou no curso de matemática aplica-da a negócios da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. O contato que teve com alunos do EJA e com outros calouros na universidade fez com que ela percebesse a enorme defasagem de co-nhecimento de alunos que vinham de contextos vulneráveis como o dela. No final de 2016, se inscreveu e foi seleciona-da para integrar a ONG Ensina Brasil – parte da rede global Teach for All (Ensi-nar para Todos), que mapeia lideranças na área da educação em todo o mundo – e ser professora numa das escolas pú-blicas do programa por dois anos. Fran-cielle leciona em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Ela criou com outros professores o Hortear, para engajar os alunos a cuidar da escola com o cultivo de hortas e, ao mesmo tempo, criar ati-vidades pedagógicas fora da sala. A vivên-cia em aula endossa a crença de Franciel-le de que a educação muda a perspectiva de futuro: “Um aluno não sabia qual era seu sonho. Ele veio me perguntar se dava para estudar para mexer com carros. Hoje, ele quer ser engenheiro”.

Quando tive acesso à educação, um leque de

oportunidades se abriu. O

ensino dá poder de escolha

para você ser o que quiser”

E n s i n A b r A s i l24 Anos

Francielle dos santos

Fotos: Renata Campanelli/ÉPOCA, Julia Rodrigues/ÉPOCA

Page 4: observador - WordPress.com · Tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em astrofísica em Harvard e voltou ao Brasil para aplicar o que aprendeu. Hoje, lidera duas iniciativas:

9 de outubro de 2017 I época I 83

vontade de Caio Dib, de 26 anos, trabalhar com educação surgiu durante a graduação em comuni-cação, em São Paulo. Um curso

extracurricular sobre educação e tec-nologia o fisgou para a área. Escolheu o tema como seu trabalho de conclu-são de curso, com foco na investiga-ção de como seria a escola do futuro. De acordo com as conclusões de Caio: a escola do futuro é um espaço para desenvolver habilidades sociais, a au-tonomia, o protagonismo e a comu-nicação dos alunos.

Ao finalizar seu trabalho de facul-dade, Caio percebeu o que queria fa-zer: ver de perto como são as escolas brasileiras – e entender o que e quan-to falta para elas virarem uma escola do futuro. Ele mapeou regiões do Bra-sil para visitar e, com todas as econo-mias que juntara por anos, fez jus ao nome de seu projeto, que nascia ali: o Caindo no Brasil. Deu início a um mo-chilão, que durou de março a setembro de 2013. “Jantava cenoura para econo-mizar dinheiro. Visitei 30 escolas. Hoje, já foram mais de 150, em várias partes do Brasil”, diz.

Na viagem, descobriu que a escola do futuro já existia. “O que acreditei que aconteceria em cinco anos, era o que já ocorria em muitas escolas”, afir-ma. Além de se tornar um livro com essas histórias, o Caindo no Brasil vi-rou uma plataforma que reúne boas práticas de ensino no país. Ele criou também o drops, conteúdo que pince-la teoria com exemplos de práticas que segue por WhatsApp para quem se ca-dastra. “É uma pegada mais introdu-tória, para o professor que quer ideias para aplicar na aula imediatamente.” Sua motivação e inspiração, sem titu-bear, são os alunos. “É uma galera muito especial, que vai mudar o Brasil.” s

C A i n D O n O b r A s i l26 Anos

caio dib

É importante que o professor

conheça ferramentas que

possam tornar o aprendizado

mais significativo

aos alunos”

Page 5: observador - WordPress.com · Tábata formou-se em ciências políticas com ênfa-se em astrofísica em Harvard e voltou ao Brasil para aplicar o que aprendeu. Hoje, lidera duas iniciativas:

84 I época I 9 de outubro de 2017

o b s e r va d o r d a e d u c a ç ã o

ascido em São Paulo e criado em Florianópolis, André Servaes, de 22 anos, não teve dificuldade para passar no vestibular de en-

genharia e no de administração de empresas, ambos em universidades públicas. No processo do vestibu-lar, no entanto, percebeu que alguns colegas não conseguiram ingressar na faculdade. “Todo jovem sonha grande, independentemente de qual seja sua origem. A questão é que a origem ainda é um determinante no Brasil para ele conseguir ou não realizar o sonho de cursar uma boa faculdade”, afirma.

Logo no começo da faculdade de administração, o curso que escolheu fazer, André se juntou a outros dois amigos para dar aulas preparatórias para o vestibular e o Enem para a população de baixa renda. “Fizemos um vídeo de 50 segundos pedindo ajuda e, em duas semanas, tínhamos 72 voluntários para dar aulas”, diz ele. Dessa iniciativa surgiu o cursi-nho pré- vestibular popular Einstein Floripa, onde universitários dão au-las voluntárias aos vestibulandos. André tinha, então, 18 anos. Hoje, ele dirige uma rede de cursinhos populares, o Brasil Cursinhos, com 13 unidades espalhadas pelo Brasil, tocadas por mais de 900 voluntários universitários que atendem 2.500 alunos. “A entrada para a univer-sidade rompe um ciclo de falta de oportunidades que assola famílias pobres por gerações”, diz André. “Muitos desses jovens viram inspi-ração para suas comunidades.” Para ele, o programa tem um papel edu-cativo também entre os voluntários. “É um treinamento de liderança e engajamento que levaremos para toda a vida”, diz. u

b r A s i l C U r s i n h O s22 Anos

andré servaes

Buscamos mudar a

educação no Brasil, com

o objetivo de transformar

os sonhos dos jovens de

baixa renda em realidade”

Foto: Caio Cezar/ÉPOCA