orações adjetivas explicativas no português brasileiro e no português europeu

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  • 7/23/2019 Oraes Adjetivas Explicativas no Portugus Brasileiro e no Portugus Europeu

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    Maria Beatri z Nascimento Decat

    104 SC RIP TA, Belo H orizonte, v. 5, n. 9, p. 104-118, 2 sem. 2001

    ORAESADJETIVASEXPLICATIVASNOPORTUGUSBRASILEIROENOPORTUGUSEUROPEU:APOSIO

    RUMOAODESGARRAMENTO

    Maria Beatriz Nascimento Decat*

    RESUMO

    E ste estudo objetiva apresentar algumas indagaes sobre a formade materializao lingstica que as oraes relativas (adjetivas)explicativas/apositivas vm apresentando no portugus escrito. Anali-sando dados do portugus do Brasil (PB) e do portugus europeu (PE),extrados de jornais e revistas, pretende-se apontar alguns aspectos que

    expliquem a forma desgarrada, independente sintaticamente, que aca-bam por caracterizar tais estruturas como autnomas, as quais exibema ao de um processo de mudana desse tipo de estrutura rumo suagramaticalizao como integrante do sistema da lngua.

    Palavras-chave: Oraes adjetivas explicativas; Oraes apositivas; Su-bordinadas desgarradas; Abordagem funcionalista.

    * Pontifcia Universidade Catlica de Minas G erais.

    Em trabalho anterior (Decat, 1999), propus a adoo do conceito de unidade

    informacional (ou idea units, termo utilizado por Chafe, 1980) para a ca-racterizao de certo tipo de oraes subordinadas de ocorrncia indepen-

    dente no portugus escrito, s quais chamei de oraes desgarradas. Naquele tra-

    balho examinei, numa abordagem funcional-discursiva, alguns tipos de oraes su-

    bordinadas que se enquadram no tipo de hipotticas de realce ou seja, aquelas

    que representam opes de organizao do discurso, no se caracterizando, portan-

    to, como integradas estruturalmente em outra, e mantendo, com o discurso prece-

    dente, uma relao adverbial. Tentei mostrar, ento, que a ocorrncia desgarrada,

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    ORAESADJE TIVASEXPLICATIVASNOPORTUGUSBRASILEIROENOPORTUGUSEUROPEU ...

    independente dessas oraes se devia ao fato de elas constiturem, por si, unidades

    informacionais parte, no formando um todo informacional com o discurso/orao

    antecedente. Com base nisso, procurei evidenciar a diferena entre encaixadas e

    desgarradas. No elenco de oraes que se materializavam lingisticamente de modo

    desgarrado da orao anterior constituindo um enunciado parte tive a oportu-nidade de tecer alguns comentrios sobre o comportamento idntico, manifestado

    pelos dados do corpusento examinado, entre as oraes adverbiais e as oraes adje-

    tivas explicativas.

    O objetivo maior do presente trabalho o de tentar desfazer uma possvel

    circularidade do argumento usado em Decat (1999), qual seja: as oraes so desgar-

    radas porque constituem unidades informacionais parte; e so unidades informa-

    cionais parte pelo fato de se desgarrarem. Pretendo retomar, aqui, somente as ora-

    es adjetivas explicativas apositivas , agora em sua ocorrncia no s no portu-gus do Brasil (PB) como no portugus de Portugal ou portugus europeu (PE).1

    A anlise com base nesses dois tipos de corporaservir para uma comparao do

    comportamento dessas estruturas no s no PB e no PE, como tambm para ressaltar

    a similaridade funcional entre elas e as estruturas adverbiais analisadas anteriormen-

    te, partindo de exemplos de oraes apositivas desgarradas semelhantes aos apre-

    sentados em Decat (1999), cuja discusso passo a empreender nas sees seguintes.

    ORAESDESGARRADAS:UNIDADESINFORMACIONAISPARTE?

    Para realar meu argumento anterior de que as oraes desgarradas cons-

    tituem unidades informacionais parte, sero ressaltados alguns aspectos dos exem-

    plos de orao adjetiva explicativa/apositiva dados em D ecat (op. cit.), da forma como

    explicitada a seguir.2

    Adjetivas explicativas e relativas sem cabea

    Observem-se os exemplos abaixo:

    (1)a. Um dos passageiros, chins, desesperou-se. Tentou abrir a porta de emer-gncia assim que anunciaram o assalto. Foi contido sem violncia pelos ban-didos, que fizeram piada sobre a tentativa de fuga pouco convencional. (Re-vista poca n. 104 15/05/2000 Notcias) PB

    1 Para a presente anlise foi utilizado o corpusdo Projeto PE/PB, coordenado pela D ra. Mary K ato, da U nicampe pelo Dr. Joo de Andrade Peres, da Universidade de Lisboa. Tal corpusfoi constitudo de dados obtidosatravs de corporarestritos, extrados de jornais e revistas de grande circulao em ambos os pases.

    2 Agradeo Profa. Roslia Dutra, da Universidade do Norte do Texas, em Denton, as valiosas e relevantescontribuies para o desenvolvimento da argumentao que aqui apresentada.

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    b. (Entrevistador) O que devemos fazer para melhorar a qual idade do nosso dis-curso oral?(N.S.L.) A capacidade de comunicao tem de ser treinada. Esse exercciopratica-se nos diversos actos de comunicao do quotidiano, sobretudo emsituaes onde a exigncia de correco e a exposio do falante maior como,

    por exemplo, quando se faz uma interveno num seminrio ou quando seemite a opinio numa reunio...Mas a qualidade do discurso oral tambmpode ser melhorada lendo textos variados e ouvindo os bons comunicadores,que se exprimem com correco, clareza e fluidez. (Quo n. 55 Abril/2000 p. 34) PEc. Os textos que mandei de Nova York foram publicados pelo Globo numcaderno especial sobre os atentados, mas no foram distribudos pela agncia.Levando alguns dos meus 17 leitores a suspeitarem que eu estava num proces-so patolgico de rejeio da realidade, o que no o caso. Ainda. (F. Verssimo Fundamentalismos Opinio Estado de Minas 18/09/2001 p. 7) PB

    d. (Entrevistador) Como encara as crticas negativas que, de forma general izada,tm sido feitas Herman SIC?(H erman Jos) So as mesmas que me tm feito desde que me estreei, em1981[...]. Salvo raras excepes, os crticos distraem-se a falar de mim, o queacho excelente. (Viso n. 369 6 a 12 de Abril 2000 p. 15-17) PE

    (2)a. Livre do aluguel e ganhando um pouco mais, j tinha para pagar o estudodos trs meninos, fora despesas bsicas. Quando a Rita, sua mulher, passoutambm a faturar mais algum graas ao seu talento na cozinha, at sobravamuns trocados no fim do ms. Que davam direito a uma eventual pizzaria e at imaginem frias na praia, numa daquelas excurses de agncia divididasem seis parcelas. (Boris Feldman Polara azul calcinha Caderno Veculos Estado de Minas, 11/06/2000 p. 2) PBb. Estava sem assunto. O que no deve surpreender ningum. Afinal, esta praticamente uma constante. Estou sempre sem assunto. Mas a tocou o tele-fone. Era a Adriane Galisteu. (Artur Xexo,Jornal do Brasil, 3 de set. de 1999) PBc. A sala de partos consiste numa cama grande assentada no cho, com muitasalmofadas, luzes baixas, vozes sussurradas, maquinaria escondida e interfe-rncia mnima naquilo a que ele chama de processo selvagem. Isto , umprocesso intuitivo, espontneo e sexual. A mulher d luz de ccoras, de p,deitada no fundo, como lhe aprouver. O que bem demonstra que hospitais

    e clnicas de maternidade podem, tambm, oferecer s mulheres um ambi-ente to seguro quanto gostoso. apenas uma q uesto de modificar as atitu-des em relao ao parto, substituindo o medo pela confiana nas capacidadesinatas de cada mulher e o automatismo pelas relaes humanas permeadas deamor. (Maria Cadaxa, Lisboa, Pais & Filhos, n. 11 Abril/00, p. 8 Carta doLeitor) PE

    Os exemplos de (1) e (2) acima, de dados tanto do P B quanto do P E, ser-

    vem para apontar que so exatamente as adjetivas explicativas/apositivas (1a e 1b) e

    tambm as relativas sem cabea (1c e 1d) as que ocorrem desgarradas. Entende-sepor relativa sem cabea a construo em que no se pode identificar o substantivo

    (o sintagma nominal, o referente ) que a orao relativa modifica, reala, como mos-

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    tram os exemplos (1a), (1b), (2b) e (2c). Normalmente esse tipo de estrutura ocorre

    no final de um enunciado, depois dos sintagmas nominais, mas sem qualq uer marca

    morfolgica que indique seu antecedente, seu referente, sem nenhuma ligao aparen-

    te com o nome que modifica. Conforme apontam Vilela &Koch (2001, p. 397), so

    frases relativas (propri amente ditas) [...]a frase explicativa, apositiva ou no-restriti-va [...]que fornece, para a identificao do denotado, uma informao suplementar,no necessria (embora importante do ponto de vista comunicati vo). Pode ser supri-mida sem que a frase subordinante se torne incompreensvel ou se altere semantica-mente, e estseparada da frase subordinante por uma pausa.

    Ou ainda, segundo Neves (2000, p. 376), a orao adjetiva explicativa acres-

    centa uma informao acerca do antecedente a que se refere [...] no fazendo nenhu-

    ma delimitao. E acrescenta que, no caso de uma orao adjetiva explicativa, oantecedente, que j est delimitado independentemente dela, pode referir-se no

    apenas a um conjunto, mas ainda a um indivduo nico (p. 377).

    importante ressaltar que nos dados do PE no ocorreu nenhuma estru-

    tura adjetiva explicativa desgarrada iniciada pelo pronomeque, como mostra o exem-plo (2a), do PB. No PE, o desgarramento ocorreu somente quando se tratava de

    relativas sem cabea, como evidenciam os exemplos (2b) e (2c) acima.

    A Tabela 1 apresenta as ocorrncias, em nmeros absolutos, no corpusPE-

    PB, desgarradas ou no, distribudas conforme o tipo de estrutura que as encabeabem como pelo gnero de texto em que ocorrem.

    Tipo deEstrutura Cartade leitor

    Edito-riais

    Ann-cios

    Matriaassinada

    Entre-vistas

    Not-cias

    Total %

    A = , que/_ que 14 4 6 6 9 5 44 32,3

    B = . Que 17 1 18 13,2C= O que/qual 2 3 2 12 3 22 16,2D=.N (prep) que 2 2 9 1 14 10,3E= , o que/_o que 2 1 1 5 2 1 12 8,8F= , /_ N (prep) que 1 1 2 1,5G= N + ESP + que 1 1 2 4 3,0H= . Onde 3 1 4 3,0I = . Cujo 2 2 1,5J = , cujo 2 1 3 2,2L = , onde 5 5 3,6

    M = , em que 1 2 3 2,2N = , mas que 1 1 2 1,5O = e em que 1 1 0,7Total 28 11 16 55 19 7 136 100,0

    Tabela 1Nmero de ocorrncias de oraes adjetivas explicativas/apositivas noCORPUSPB-PE

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    Do total de 136 ocorrncias, 80 se deram no PB e 56 no PE. J de incio a

    Tabela aponta para uma concentrao de alguns tipos de estruturas, desgarradas ou

    no, tanto em PE quanto em PB.

    O exame dos dados que deram origem Tabela 1 evidencia que ainda

    muito recorrente, tanto no PB q uanto no PE, a estrutura de orao adjetiva apositivaque chamo, aq ui, de normal, isto , aquele tipo que vem logo depois de uma pausa,

    representada na escrita por vrgula, ponto-e-vrgula ou travesso. A Tabela mostra,

    no entanto, que no PB, logo abaixo das oraes apositivas normais vm as adjetivas

    apositivas desgarradas exibindo a estrutura ponto + QUE [. QUE], com uma pro-

    poro de ocorrncia muito prxima ao tipo de construo prescrito pela norma cul-

    ta e pela norma pedaggica. Logo a seguir vm as apositivas, tambm desgarradas,

    mas iniciadas por um elemento a que Castilho (1993) chama de mostrativo neu-

    tro , que vai estar se referindo no a um antecedente especfico, mas a idias j men-cionadas no contexto anterior. Esse pronome demonstrativo o costuma no ocor-rer, dando origem a estruturas como as que aparecem no tipo B da Tabela.

    preciso destacar que a orao apositiva normal j por seu aspecto semn-

    tico equivale a um aposto, assumindo o aspecto formal desse, ao vir separada por vr-

    gula (ou similar). Como geralmente acontece com o aposto, a informao veiculada

    pela orao adjetiva no-restritiva, ou explicativa, suplementar; dessa forma ela se

    diferencia da adjetiva restritiva, por no servir para identificar, em especial, nenhum

    elemento de um conjunto. Outra caracterstica da informao veiculada pela adjeti-va explicativa/apositiva a de ser adicional. Nesse sentido ela se aproxima ou pode

    mesmo ser assim definida com o que se costuma chamar de adendo (afterthou-

    ght). Esse aspecto de informao adicional explica a ocorrncia desse tipo de estrutu-

    ra no final do enunciado, ou de um pargrafo, etc. Estar, portanto, no final j contri-

    bui de maneira bastante freqente para o desgarramento dessa orao, que passa a

    funcionar como uma estrutura independente. Podemos dizer, ento, que os trs pri-

    meiros tipos de estrutura apositiva colocam-se, na verdade, num mesmo patamar,

    como formas co-ocorrentes na lngua, o que permite vislumbrar certa flutuao emseu uso, mesmo num registro culto. Essa variao aponta para um possvel processo

    de mudana q ue estamos vivenciando, no sentido de uma gramaticalizao3 de uma

    estrutura, antes dependente, rumo independncia formal no discurso em que se

    insere. Comparando as oraes explicativas/apositivas do tipo que ocorre aps uma

    pausa representada pela vrgula na escrita com as que j se apresentam desgarra-

    das possvel estabelecer-se uma relao entre esses dois tipos, postulando que so

    exatamente as oraes adjetivas explicativas/apositivas e as oraesrelativas sem ca-

    3 Estou considerando o termo gramaticalizao em seu sentido mais geral, referindo-se cristalizao do usode uma determinada estrutura como parte do sistema da lngua.

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    bea isto , aquelas que no tm um antecedente explcito, ou no se referem a ne-nhum elemento especfico do contexto anterior, mas referem-se ao todo, s idias

    veiculadas por esse todo que so as mais propcias ao desgarramento. Dessa for-

    ma, numa estrutura apositiva, o pronome relativo que inicia o segmento oracional

    funciona como uma espcie de pronomeresumidor, referindo-se a todo o texto ante-rior e no a um nico elemento, a um determinado sintagma nominal. Essa funo

    resumidora das adjetivas sem cabea um fator semntico que contribui para que

    ocorram desgarradas. Assim, se no h um referente explcito, no h por que impe-

    dir o desligamento da orao como uma estrutura independente. Em outras pala-

    vras, no ter de se referir a um antecedente especfico (e no-explcito) significa ter

    uma certa independncia informacional do restante do contexto, o que vem reforar

    minha anlise anterior (Decat, 1999) de que essas estruturas constituem uma uni-

    dade de informao por si mesmas, nos moldes explicitados em Chafe (1980). O fa-to de elas constiturem uma informao adicional, suplementar, um tipo de adendo,

    se encaixa na definio de Chafe para idea units, correspondendo a jatos de conscin-

    cia (jatos de linguagem). Alm do mais, embora ainda mantenham uma ligao se-

    mntica com o segmento anterior, h certas oraes apositivas que no se integram

    sintaticamente ao segmento discursivo, ou ao enunciado, anterior. Nesse caso, nem

    mesmo se trata de uma escolha, de uma opo do falante, de uma preferncia comu-

    nicativa. O falante tem de codificar esse tipo de estrutura sintaticamente separada,

    pois, como no caso do exemplo (5) discutido em D ecat (1999) e aq ui repetido co-mo (3)

    (3)De posse do formulrio, devidamente preenchido [...], dirija-se ao Departa-mento da Polcia Federal portando todos os documentos exigidos. Que noso poucos: carteira de identidade ou certido de nascimento, prova de qui-tao com as[...] (Jornal de Casa, BH -MG , 9 a 15/5/95)

    no se pode mais encaixar sintaticamente a orao grifada, tornando-a uma restriti-

    va. Ela uma apositiva, e a nica modificao que aceitaria, mesmo ocorrendo, antesdo pronome relativo, o sintagma nominal a que ela se refere, seria ser precedida de

    vrgula, mantendo sua funo de um adendo. Para que a estrutura se encaixe nova-

    mente, mantendo a funo semntica de explicao, de informao suplementar,

    ter-se-ia de fazer uso de outro artifcio, como inserir uma expresso q ualquer indica-

    dora de adendo, tal como por sinal , alis, etc.

    A seguir vem a Tabela 2, em que os dados esto mais detalhados no s

    quanto sua porcentagem de ocorrncia mas tambm quanto ao gnero textual em

    que as estruturas (agora indicadas somente por letra, no lado esquerdo da tabela)foram usadas no PE e no PB.

    A Tabela 2 tambm nos aponta o fato de que no PB os trs primeiros tipos

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    Gnerostextuais

    Cartadoleitor

    Editoriais

    Anncios

    Mat

    riaassinada

    Entrevistas

    Notci

    PB

    PE

    PB

    PE

    PB

    PE

    PB

    PE

    PB

    PE

    PB

    E S T R U T U R A S

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    N

    de

    ocr.

    %

    A

    9

    42,9

    5

    21,7

    4

    17,4

    2

    9,5

    4

    17,4

    5

    23,8

    1

    4,4

    9

    39,1

    5

    23,8

    B

    17

    94,5

    1

    5,5

    C

    1

    5,9

    1

    20,0

    3

    17,6

    2

    40,0

    12

    70,6

    1

    5,9

    2

    40,0

    D

    1

    8,3

    1

    50,0

    2

    16,7

    9

    75,0

    1

    50,0

    E

    1

    25,0

    1

    12,5

    1

    12,5

    1

    25,0

    1

    25,0

    4

    50,0

    2

    25,0

    1

    25,0

    F

    1

    100,0

    1

    100,0

    G

    1

    50,0

    1

    50,0

    2

    10

    0,0

    H

    1

    50,0

    2

    100,0

    1

    50,0

    I

    2

    10

    0,0

    J

    2

    67,0

    1

    33,0

    L

    5

    100,0

    M

    1

    33,0

    2

    67,0

    N

    1

    100,0

    1

    10

    0,0

    O

    1

    100,0

    Totais

    Ta

    bela2

    Ocorrnciaeporcentagem

    porgnerotextualemPBeP

    E

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    ORAESADJE TIVASEXPLICATIVASNOPORTUGUSBRASILEIROENOPORTUGUSEUROPEU ...

    de estrutura oracional adjetiva constituem um bloco, dado que a diferena de per-

    centual de ocorrncia entre o menor e o maior situa-se abaixo de 5%. Tal fato vem

    corroborar a postulao de que est havendo, no PB, uma flutuao na realizao

    formal das oraes relativas explicativas que, tendo o estatuto de apositivas, esto

    caminhando rumo ao desgarramento, como prova a porcentagem ali verificada. E tambm por esse estatuto de aposto que elas so chamadas, segundo Mira Mateus et

    al. (1983), de apositivas de F, ou seja, referem-se no a um nome especfico no

    contexto discursivo anterior, mas a todo o conjunto de idias, constituindo um co-

    mentrio acerca da proposio (p. 448). Nesse caso, o aposto corresponde, como

    mostram Vilela &Koch (2001), uma aposio frsica, em que o aposto refere-se a

    um estado de coisas. A anlise desses autores aplicvel aos dados do PB aq ui exami-

    nados, conforme pode ser visto nos exemplos seguintes:

    (4)Mais uma vez pocasai na frente, em busca da verdade sem cair no sensacio-nalismo. A reconstituio do cotidiano das duas grandes vtimas dessa trag-dia da Linha 174, G esa e Sandro, mostrou seriedade e originalidade de toda aequipe. O que nenhuma outra mdia conseguiu. (C.O. Carta dos leitores,Rio de Janeiro, 2000). PB

    (5)Pelo que diz o Conselho G estor do FG TS q ue conta com representantes dosempresrios e dos trabalhadores as contas somam 75%do total e cada umadelas tem menos de R$600,00 depositados. O que prova a extrema pobreza doassalariado brasileiro. (Editorial As contas do FGTS Estado de MinasOpinio 24/09/2000 p. 6) PB

    (6)Um exemplo de conservadorismo sentimental, como o daquelas pessoas querenunciam agitao urbana para voltar a viver no lugar em que nasceram, econhecem bem. O que talvez explique aquele seu ar filosfico. (F. Verssimo Conservadores Opinio Estado de Minas, 11/06/2000 p. 2) PB

    (7)O desempenho excita o faro empreendedor das redes hoteleiras multinacio-nais. S nos prximos dois anos, desembarcaro no pas investimentos da or-dem de US$6 bilhes. So 300 hotis em construo e dez novos parques te-mticos, o que resultar em 600 mil empregos. (Revista poca n. 104 15/05/2000 Notcias) PB

    Nos trechos acima, o contedo informacional veiculado da orao relativapode estar asseverando algo sobre todo o contedo da proposio anterior, como em

    (5) e (6), mas pode, tambm, estar se referindo ao que o focodessa proposio,como o caso de (4) e (7). Esse comportamento o das chamadas relativas sem

    cabea. Essa aposio frsica constitui, portanto, o que Vilela &Koch (2001) cha-

    mam de frases relativas propriamente ditas, que so as frases explicativas, apositi-

    vas ou no-restritivas, e a que chamo aq ui de orao adjetiva explicativa normal, isto

    , aquela que se realiza lingisticamente logo aps uma pausa representada na escri-

    ta por vrgula ou travesso, como j foi dito. Nesse caso esto as estruturas do tipo Ae do tipo E, explicitados nas tabelas, em que o pronome relativo precedido de ummostrativo neutro, postulado por Castilho (1993). Assim sendo, podem ter igual

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    tratamento as estruturas com as seguintes configuraes formais: vrgula/travesso

    + QUE [, que] ou vrgula/travesso + mostrativo neutro + QUE [, o que], isto ,

    com ou sem o pronome demonstrativo. Ambos os tipos de estrutura esto se reali-

    zando lingisticamente no PB como frases autnomas, independentes, j tendo atin-

    gido o desgarramento de que venho tratando. E interessante observar que soexatamente as apositivas e as relativas sem cabea (q ue tm um pronome resumidor,

    mas no se referem a um nome especfico) que ocorrem desgarradas, desligadas for-

    malmente, mas no semanticamente, do contexto anterior. Isso explica, portanto,

    por que as apositivas constituem uma espcie de adendo: sendo uma informao

    suplementar, pode ser dada mesmo depois de o usurio da lngua ter encerrado sua

    prtica discursiva. E nesse sentido que elas podem ser consideradas como unidades

    de informao parte, nos termos de Chafe, citado anteriormente.

    Apositivas autnomas

    Observando, agora, somente as apositivas que ocorrem desgarradas (tipos

    B, CeD), verifica-se uma supremacia de uso do P B em relao ao PE, numa escaladecrescente como a mostrada abaixo:

    Matria assinada > Editoriais > Entrevistas

    Carta do leitor

    No PE no aparecem essas estruturas em Matria assinada, mas houveum caso em Editoriais da estrutura ponto + N + (prep.) + QUE. Quanto estrutu-

    ra [.O que], houve 2 casos em Anncios, 2 em Entrevistas e somente um em

    Carta do leitor. Entretanto, nesse ltimo tipo de texto ocorreu um caso de adjetiva

    explicativa desgarrada com a estrutura ponto + N + ESPECIFIC AD OR + QUE

    [. N + ESP + QUE]. Nos demais exemplos do corpusocorreu, no PE, a estrutura

    desgarrada do tipo [. Onde] por duas vezes em Anncios. Alguns exemplos ilus-

    tram o q ue est apontado acima:

    (8)So pequenos passos, eu sei. Coisas que passam quase desapercebidas aosolhos do mundo grande.(Editorial Pais & Filhos Abril 00 n. 111 p. 5) PE

    (9)Tudo isso influencia a minha vida escolar e, claro, se a Sofia tem notas baixasa culpa da falta de estudo ou porque anda com a cabea no ar por causa donamorado, mas ele (meu pai) sabe que se no fosse o Rui (meu namorado) euj no estaria aq ui, com os problemas que tenho, problemas esses que fazemcom que eu descarregue a minha raiva no meu amor[...]. (Carta do leitor Adolescentes! n. 14 3 Perodo p. 76-77) PE

    (10) Para essas pessoas para si existe um banco especial: o Banco 7. Onde tudo tratado pelo telefone ou pela Internet. Onde a moderna tecnologia existepara servir as suas necessidades. (Viso n. 343, 7 a 13 de outubro de 1999 p. 79) PE

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    Resumindo, temos:

    a) nmero de desgarramentos no PE: b) nmero de desgarramentos no PB:

    Carta do leitor: 3 Carta do leitor: 1

    Editoriais: 1 Editoriais: 4

    Anncios: 4 Anncios: 3Matria assinada: 0 Matria assinada: 39

    Entrevistas: 4 Entrevistas: 2

    Notcias: 0 Notcias: 1

    Percebe-se, ento, um nmero de 12 desgarramentos em 56 ocorrncias de orao

    adjetiva explicativa/apositiva no PE ( = 21,47 %), contra 50 oraes desgarradas no

    PB, dentre 80 ocorrncias (= 62,5 %). Considerando o total de 136 ocorrncias em

    todo o corpusanalisado (PB + PE), temos 62 casos de desgarramento, sendo 80,6%

    deles no PB e 19,4%no PE. Isso vem apontar para uma possvel mudana ocorrendoprimeiro no PB.

    Estruturas relativas apositivas e os gneros textuais

    Fazendo um rearranjo nos textos do corpus, agrupando-os com base na re-

    presentao de contnuo dos gneros textuais elaborada por Marcuschi (2001) para a

    fala e a escrita, temos as seguintes categorias, que vo do aspecto mais formal para o

    menos formal na escala da lngua escrita examinada aqui: nvel a: Matria assinada ( = artigos de jornal) pode ser considerada numa

    mesma categoria junto com os Editoriais;.

    nvel b: Entrevistas (que pertencem categoria de comunicaes pblicas);

    nvel c: Notcias de jornal e Cartas do leitor tambm se colocam num

    mesmo nvel dentro da categoria de comunicaes pblicas;

    nvel d: Anncios, que correspondem ao gnero texto publicitrio, dentro

    da categoria de textos instrucionais.

    As Entrevistas foram separadas das Notcias e das Cartas do Leitor por sediferenciarem desses dois ltimos gneros pelo fato de contarem com a presena de

    outro interlocutor, o entrevistado.

    Na verdade, temos duas dimenses:

    1. Textos instrucionais (Editoriais, Matria assinada, Anncios);

    2. Textos de comunicaes pblicas (Notcias, Cartas do leitor e Entrevistas).

    Observando o desgarramento (tiposB, C, D) no PB, primeiramente, temosa seguinte escala:

    Matria assinada > Editoriais > Anncios > Entrevistas > Notcias /Cartas do leitor39 4 3 2 1 1

    Textos instrucionais Comunicaes pblicas

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    A predominncia da ocorrncia de oraes desgarradas nos textos instruci-

    onais explica-se pela prpria funo da orao adjetiva explicativa: ela serve s infor-

    maes suplementares, s explicaes necessrias ao carter instrucional do texto,

    visando no s veiculao de idias como ao convencimento do leitor sobre deter-

    minado aspecto. J os textos do segundo conjunto os de comunicaes pblicas tm todos o carter de interao com o pblico, atravs do fornecimento de informa-

    es, de esclarecimentos de pontos de vista dos escritores sobre determinado tema.

    No primeiro conjunto enquadram-se os textos que se podem chamar de argumenta-

    tivos; no segundo conjunto, textos informativos. A argumentao leva necessidade

    deenfatizarcertos aspectos, o q ue feito atravs da orao relativa explicativa/aposi-tiva. Pode-se aventar a hiptese de que, quanto maior a inteno comunicativa de

    nfase, de foco, maior a tendncia ao desgarramento da orao, que se torna uma

    frase autnoma, tendo, assim, maior peso no fluxo informacional e na cadeia tem-tica, do que estar ainda atrelada formalmente a outra. Esse aspecto de convencimen-

    to, de nfase, bastante observvel em anncios (ou textos publicitrios), onde a

    nfase, o destaq ue, parece ser a alma do negcio, o ponto forte do anncio, aquilo

    de que o autor se vale para enfatizar seu argumento. Observe-se, por exemplo, o

    trecho a seguir, retirado de um anncio de revista do corpusdo PB, em que h duas

    ocorrncias de orao desgarrada iniciada pela estrutura [. N + QUE]:

    (11) A me j teve uma pele to bonita q uanto a da filha. E a filha pode ter umapele to bonita q uanto a da me. Algumas coisas passam de me para filha.O cuidado com a pele, por exemplo. Pensando nisso, e em quem ainda noprecisa usar Chronos, a Natura apresenta O2. Uma linha que cuida da pelee evita seu envelhecimento precoce. O2 limpa, hidrata e protege. E traz nu-trientes que ajudam a pele a aproveitar melhor o oxignio, ganhando energiapara funcionar em equilbrio. O resultado uma pele viosa, sem brilho ouoleosidade, e mais resistente poluio, s variaes climticas, ao estressedo dia-a-dia, s poucas horas de sono. O2 da Natura. A linha que previne ossinais do tempo para a pele que tem muito tempo pela frente. Chegou O2.O tratamento de pele mais jovem da Natura. (Cludia, ano 38, n. 6, 06/99, p.126-127)

    Essa necessidade de nfase com vistas ao convencimento transparece tam-

    bm no PE, como mostra o exemplo a seguir:

    (12) Qual o peso que o telemvel tem na sua vida? So exatamente 88 gramas.O que faz com que o Mimo Ultra Leve seja o mais leve telemvel dos que jvm com carto recarregvel. (Viso n. 342, 30/09/99, p. 133) PE

    Na primeira frase do exemplo, estabelece-se uma ambigidade quanto aotermo peso, seguido, mais adiante, da expresso na sua vida . Uma das possibili-

    dades de leitura a q ue ressalta a importncia do objeto na vida da pessoa. Tal ambi-

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    gidade logo desfeita, exatamente atravs de uma orao adjetiva explicativa, que

    vai esclarecer no somente o sintagma nominal antecedente 88 gramas , mas vai es-

    tender a explicao de modo a atingir a importncia do referido objeto. Talvez se possa

    postular q ue, se a orao no estivesse desgarrada o que a torna mais enftica , o

    foco de ateno iria recair somente sobre o SN 88 gramas, o que parece modificarbastante a inteno comunicativa do anncio, que seria a de aliar o conforto da leve-

    za importncia do aparelho para a vida da pessoa.

    Relativas sem cabeaversusadjetivas apositivas

    Segundo Neves (2000), uma orao adjetiva explicativa vem sempre com

    antecedente, referindo-se ele a um conjunto ou parte de um conjunto. Considera a

    autora que estruturas do tipo fato que, situao essa que, dentre outras so cons-titudas de um aposto (fato, situao essa) seguido de uma orao adjetiva restriti-

    va. No entanto, a anlise que aqui apresento considera tais estruturas de modo dife-

    rente de Neves. Acredito que elas so explicativas; o prprio fato de repetirem um

    SN sinal de que h necessidade de explicao. Alm disso, bom lembrar o carter

    parenttico e assertivo das apositivas, que servem exatamente funo de fornecer

    explicaes a mais para determinada idia veiculada em contexto anterior. Tambm

    Mira Mateus et al. (1983) levam inicialmente a crer que consideram a questo dife-

    rentemente de Neves, postulando tratar-se a estrutura constituda de [N + QU E]uma orao relativa apositiva, em expresses como ......, coisa que rarssima , ......si-

    tuao que desejada , ou ainda com a estrutura [N + ESP + QUE], como em

    ...situao essa que...... No entanto, mais adiante em suas postulaes, eles tam-

    bm acabam por apontar a orao que se segue ao SN como uma adjetiva restritiva

    ao aposto. E chamam a essas estruturas de aposies nominais complexas.

    No meu entender, o fato que no importa, no presente caso, se as oraes

    so apositivas ou restritivas, como querem os autores acima citados. O fato que

    oraes desse tipo esto ocorrendo desgarradas.4 E isso pode ser por fora do prprioaposto, que faz com que toda a estrutura em que ele est se caracterize como um

    adendo, constituindo, portanto, uma unidade de informao parte, nica; por isso

    ela pode ser chamada de informao suplementar, parenttica, um epteto, uma as-

    sero parte: ela uma unidade informacional por si mesma, e por isso pode des-garrar-se, constituindo o que alguns gramticos, como Bechara (1999), chamam de

    mero apndice; ou ainda Vilela &Koch (2001), que admitem a existncia de frase

    relativa continuativa. Segundo esses autores, estruturas como essas no so ele-

    4 Em Decat (1999) discuto exemplos em que ocorrem oraes adjetivas restritivas e tambm oraes comple-mento. E j aponto, ali, para uma explicao possvel com base na nfase.

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    mentos frsicos ou parte de elementos frsicos; o critrio por eles postulado para q ue

    elas sejam assim consideradas o de terem capacidade para serem transformadas

    numa frase autnoma, o de no se referirem a uma palavra, mas a uma frase total

    (p.397). E continuam a argumentao mostrando q ue a independncia dessas ora-

    es subordinadas, ao se referirem ao contedo de uma frase inteira, faz com queelas sejam, muitas vezes, como uma combinao quase-coordenativa (p. 397). So,

    portanto, estruturas cuja referncia exofrica, nos termos de Halliday &Hasan

    (1976), uma vez que a referncia feita a um elemento da prpria situao comuni-

    cativa, e no da frase em si. E isso nos faz lembrar tambm Marcuschi, quando

    aborda a questo da anfora sem antecedente explcito, mas que est no contexto

    situacional ou no conhecimento partilhado pelos usurios da lngua.

    Mas Bechara (1999) que vai admitir, ainda que no diretamente, o que

    est ocorrendo no portugus atual, principalmente o do Brasil: por ser a orao ex-plicativa um mero apndice , a sua independncia sinttica em relao outra ora-

    o (ou a um contexto lingstico anterior qualq uer) acaba sendo indicada por uma

    pausa maior, que ele admite ser ponto-e-vrgula ou ponto. Assim construda, ele

    classifica tal estrutura como um advrbio de orao para avivar ao ouvinte o pensa-

    mento anterior (p. 499). Em outras palavras, trata-se da situao de nfase ou de

    foco, de realce, referida anteriormente para a caracterizao e identificao das ora-

    es relativas apositivas. Por esse motivo que no vejo como sustentar a anlise de

    Mira Mateuset al. (1983) e a de Neves (2000), q ue consideram como orao adjetivarestritiva a que se segue a um SN aposto. A meu ver, toda a estrutura constitui o

    aposto; sendo assim, toda ela a orao adjetiva explicativa. A explicao suplemen-

    tar comea exatamente no SN aposto, cuja presena indica a necessidade de maiores

    detalhamentos sobre o que foi dito antes. E Perini (1995) que aponta para o fato de

    que os nomes dados s oraes relativas so inspirados em suas propriedades se-

    mnticas; no caso da orao relativa explicativa, a propriedade semntica de ser

    um aposto,5 podendo atingir a autonomia de que falam Vilela &Koch (2001); ou,

    ainda, nos termos j apontados em D ecat (1999), so estruturas que, se ainda no sedesligaram totalmente da orao anterior, esto passando por um processo de mu-

    dana rumo ao desgarramento sinttico, mantendo, entretanto, um vnculo se-

    mntico com a orao anterior. E esse mesmo processo de mudana que vem acon-

    tecendo, como tambm j mostrado em Decat (1999), com as oraes adverbiais, que

    no sero discutidas aq ui por no ser esse o objetivo do presente trabalho. No entan-

    to, bom ressaltar essa identidade de comportamento entre as oraes relativas expli-

    cativas/apositivas e as oraes adverbiais (nem todas, entretanto), q ue constituem

    5 Para maiores detalhes, consulte-se o trabalho de Aquino (2001), em dissertao elaborada sob minha orienta-o.

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    casos de informaes suplementares, parentticas, funcionando como adendo e,

    por isso mesmo, constituindo unidades informacionais parte. Essa semelhana de

    comportamento corroborada por Vilela &Koch (2001), ao mostrarem que as fra-

    ses relativas continuativas acabam, muitas vezes, por se transformarem em frases

    temporais, causais, etc., pelo fato de que as relaes semnticas veiculadas por ambosos tipos so anlogas s relaes entre estados de coisas, como acontece muito com as

    relativas apositivas.6

    CONSIDERAESFINAIS

    Muitas outras estruturas j desgarradas ocorreram no corpus, como as que

    so indicadas nos exemplos abaixo, com a caracterizao formal incluindo onde,cujo, e N + ESP + QUE, ou at mesmo com a presena de algum tipo de conectorantes do pronome relativo. No entanto, tais ocorrncias no foram objeto de maiores

    discusses neste trabalho por terem apresentado uma taxa de ocorrncia baixa no

    corpuscomo um todo. Nem por isso fica invalidada a proposta aqui discutida. O fato

    mesmo de elas ocorrerem, ainda que de modo esparso talvez em decorrncia do

    gnero textual ou do maior ou menor grau de formalidade a que o prprio gnero

    conduz na produo de um texto que justifica que se leve adiante uma pesquisa

    nesse tema. Importante atentar para mais esse fato que pode estar significando umamudana em curso. E, como foi apontado acima, a ocorrncia de uma orao aposi-

    tiva q ue no mais se encaixe sintaticamente orao anterior, mesmo modificando

    um SN que imediatamente a anteceda, pode ser evidncia de um processo de grama-

    ticalizao desse desgarramento. Constituindo unidades informacionais parte, as

    oraes adjetivas explicativas/apositivas podem estar se assemelhando s relativas

    sem cabea, por seu aspecto semntico de referncia a um todo, a um SN complexo.

    Outros fatores tero de ser considerados, numa anlise futura, bem como a

    extenso do corpuspara abrigar outros gneros textuais. O objetivo da discusso aq uiempreendida foi somente o de suscitar a questo para discusses futuras.

    6 A esse propsito, lembro, aqui, a anlise de Rosa (2000), em que o exame de textos produzidos por atividadesde retextualizao mostrou a ocorrncia desse tipo de transformao no s de adverbiais em relativas apositi-vas como tambm o caminho inverso, quando a orao relativa apositiva veicula uma relao, por exemplo,temporal, como j foi mostrado tambm em Decat (1993) a propsito de oraes relativas encabeadas por no-mes que carregam idia de tempo e de lugar.

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    ABSTRACT

    This study raises some questions about the overt form that non-re-strictive relative clauses (appositives) present in contemporary writ-ten Brazilian Portuguese (PB) and European Portuguese (PE). The

    data are from newspapers and popular magazines, and analysis of thismaterial reveals the independent detached nature of such subordi-nate clauses, a fact which indicates a process of change in progress withrespect to the syntactic behavior of these constructions within the lin-guistic system of the two dialects examined.