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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

Ficha de Identificação - Artigo Final

Professor PDE/2013-2014

Título A FORMAÇÃO DAS TRIBOS URBANAS DO COLÉGIO

ELEODORO ÉBANO PEREIRA: OLHAR SOBRE O

RECREIO

Autor CILÇA DOS SANTOS NASCIMENTO

Escola de Atuação COLÉGIO ELEODORO ÉBANO PEREIRA

Município da Escola CASCAVEL

Núcleo Regional de Educação CASCAVEL

Professor Orientador FÁBIO LOPES ALVES

Instituição de Ensino Superior UNIOESTE

Disciplina/Área de ingresso no PDE PEDAGOGIA

Resumo:

O presente trabalho foi desenvolvido com alunos do

ensino fundamental e médio matriculados no

período diurno e buscou perceber a dinâmica

recorrente entre estes adolescentes e jovens para o

processo de identificação com seus pares na

formação/organização dos grupos de pertença no

intervalo escolar. Participaram deste projeto 86

alunos do 6º ao 3º ano que compõem as 9 (nove)

tribos pesquisadas. O projeto de implementação

pedagógica teve início no mês de agosto de 2013 e

propunha realizar a observação participante,

Introdução

A elaboração deste artigo visa apresentar os resultados alcançados por meio

das atividades teórico práticas propostas no Projeto de Intervenção Pedagógica que

foram realizadas no PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, 2013-2014,

no Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira de Cascavel, Paraná.

As atividades deste projeto intitulado: A formação das tribos urbanas do

colégio Eleodoro Ébano Pereira: olhar sobre o recreio, cuja problemática foi

compreender quais as estratégias utilizadas pelas tribos urbanas no recreio escolar,

para (re)criação dos grupos de pertencimento, foram pensadas e elaboradas para

serem aplicadas com alunos do período diurno matriculados no ensino fundamental

(anos finais) e ensino médio.

Para desenvolver tal problemática, optou-se por uma pesquisa de cunho

fenomenológico (MAFFESOLI, 1998), com o objetivo de identificar algumas tribos

urbanas existentes no espaço escolar, analisando como suas identificações são

construídas e reconstruídas dentro do contexto social escolar.

Observação Participante: registro fotográfico em momentos de descontração

no recreio escolar.

Fonte: acervo pessoal

entrevistas semi-estruturadas, gravação de vídeo

documentário e mostra cultural para conclusão das

atividades propostas.

Palavras-chave ( 3 a 5 palavras) IDENTIDADE; IDENTIFICAÇÃO; PERTENCIMENTO;

ESTAR-JUNTO- SOCIAL.

Na Produção Didático-Pedagógica elaborada como Unidade Didática

(material digital), abordou-se as seguintes temáticas: Observação participante,

entrevista semi estruturada e produção de vídeo documentário, perpassando por

apresentação do projeto de intervenção aos profissionais da escola; observação

participante onde foram observadas, descritas e fotografadas as situações

desejadas sem se expor aos observados; na sequência foi realizada a aproximação

com as tribos, a priori numa conversa informal.

Esta etapa foi concluída com as entrevistas coletivas, para a produção do

vídeo documentário. No terceiro semestre, com a realização do GRT (grupo de

trabalho em rede), houve a oportunidade de compartilhar com outros profissionais da

educação do estado do Paraná todos os materiais produzidos pela professora PDE.

As discussões/reflexões e contribuições do grupo enriqueceram as ideias e

sinalizaram novas perspectivas em relação à temática, suposto que estas produções

não estão prontas e acabadas.

Desenvolvimento

Bauman (2005) argumenta que,

A construção da identidade assumiu a forma de uma experimentação infindável. Os experimentos jamais terminam. Você assume uma identidade num momento, mas muitas outras, ainda não testadas, estão na esquina esperando que você as escolha. Muitas outras identidades não sonhadas ainda estão por ser inventadas e cobiçadas durante a sua vida. Você nunca saberá ao certo se a identidade que agora exibe é a melhor que pode obter e a que provavelmente lhe trará maior satisfação. (BAUMAN, 2005. p. 91-92).

De acordo com os alunos que pertencem a nominada “tribo das gêmeas”, só

é possível pertencer à tribo, se houver identificação com seus integrantes que

compartilham a mesma opinião, ao afirmar que,

Para fazer parte do nosso grupo, precisa ser amigo e alegre, ser uma pessoa de bem com a vida. Para integrar alguém no grupo precisamos conversar e dependendo do papo, acolhemos a pessoa que observamos que está sozinha. O que nos une é a amizade e a confiança, nossa relação é ótima, adoramos fazer “bagunça”... Somos diferentes nos estilos musicais e nas vestimentas, mas nos entendemos bem, ouvimos as músicas dos colegas, criticamos numa boa e nos entendemos. (comentário registrado em 02/10/13, grifo nosso).

Na fala da jovem da tribo intitulada Ursa Maior, também fica evidente a

importância do pertencimento para que a tribo se firme. Ao ser indagada sobre a

relação estabelecida com sua tribo, a jovem relata: “Nos conhecemos há um ano

aqui no colégio e ainda estamos juntas...” (comentário registrado em 01/10/2013,

grifo nosso).

Considerando que a identidade é inconstante, pode se afirmar que por meio

das práticas culturais, o processo de sociabilidade possibilita aos jovens e

adolescentes identificar-se com, e isto favorece pertencer a uma ou várias tribos ao

mesmo tempo, de acordo com a identificação.

Nesta perspectiva, o estudo desta temática propôs descortinar concepções

equivocadas e arraigadas sobre os diferentes comportamentos dos jovens e dos

adolescentes no cenário escolar, especificamente no intervalo do recreio e, dessa

forma, apontar possibilidades de se pensar práticas docentes interventivas que

possam favorecer o respeito às novas configurações culturais.

De certa forma, ao afirmar que as identidades atualmente são fragmentadas,

pode se entender que o estilo de vida moderno transforma as relações sociais e, na

medida em que molda nosso cotidiano, acaba aproximando cada vez mais jovens e

adolescentes dos seus iguais, suas tribos.

Assim, na busca por identidade, tendem a negar os modelos vigentes,

procurando se identificar com os que partilham os mesmos sentimentos e ideais,

situando-se no jogo das interações sociais, em que a identidade e a identificação

estão atreladas.

Ao longo do PDE, pude perceber que o espaço escolar, enquanto meio de

integração social, propicia aos jovens e adolescentes oportunidades para legitimar

seus sentimentos e ideais que intensificam o processo de identificação com a tribo

por meio de aspectos que lhes são peculiares naquele momento.

Sendo assim, o desejo de pertencer torna-se muito almejado nesta fase da

vida e isto faz com que jovens e adolescentes vislumbrem identificar-se com seus

pares para então frequentar ou integrar determinadas tribos, que por conta da

dinâmica transitória, permite tanto a fixação, como a migração de uma tribo para

outra.

Nas tribos, a (re) construção de identidades é influenciada de uma forma ou

de outra, por processos coletivos que interferem e produzem novos sentidos ao

ambiente escolar.

Segundo Mafessoli (1998),

[...] essas tribos privilegiam o mecanismo de pertença. Qualquer que seja o domínio é necessário participar, mais ou menos, do espírito coletivo. [ ]...e a integração ou a rejeição dependem do grau do “feeling” experimentado, ou pelos membros do grupo, ou por seus postulantes. (MAFESSOLI, 1998. p. 195).

Neste sentido, percebe-se que identidade são significados que construímos

em nossas práticas cotidianas de representação, nunca falam de nós como sujeitos

isolados, mas sim, a partir dos grupos sociais aos quais pertencemos.

Maffesoli (2011) salienta que,

[...] tribo é a partilha de um gosto, na qual a necessidade de estar juntos vem permeada de emoções, afetos e sentimentos comuns que, segundo o autor, é o “estar junto social”, permitindo tanto a aproximação, como a exclusão do grupo de pertença. (MAFFESOLI, 2011. p. 528).

Desse modo, é importante ressaltar que quando o jovem e o adolescente

procura identificar-se, na ânsia de frequentar ou pertencer a uma determinada tribo,

pode ocorrer perda da individualidade, pois para integrar-se, jovens e adolescentes,

sentem-se mais a vontade para reproduzir comportamentos, partilhar sentimentos e

interesses comuns.

Conforme foi observado na tribo das “meninas bem humoradas”, quando

afirmam:

A gente se conheceu e começou andar sempre juntas no recreio e daí a gente começou andar com outras pessoas também, só que daí a gente viu que não era muito nosso estilo. Ai a gente começou andar só a gente desde ano passado. (fragmento de conversa realizada em 07/10 /13).

Este “sentimento de pertença” nos induz a perceber os diferentes estilos e

comportamentos expressos nas tribos como mecanismo de aceitação coletiva e,

para isto, a imagem que tem de si é exposta de forma a atrair atenção e aceitação

dos outros.

Conforme afirma Link (2009, p. 29) “[...] os processos de pertencimento, as

práticas culturais, as identidades múltiplas ou mesmo o fortalecimento de amizades,

configuram-se em questões que circulam diariamente pelos recreios, produzindo as

identidades juvenis”.

Dessa forma, ao procurar companhias para estabelecer relações amicais,

jovens e adolescentes tendem a mascarar seus sentimentos e manifestar atitudes e

comportamentos que até então não faziam parte do seu cotidiano.

Hall (2011, p. 39), por sua vez, enfatiza que, “a identidade surge não tanto da

plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta

de inteireza que é „preenchida‟ a partir de nosso exterior”, pode ser que em virtude

disto, a formação das tribos urbanas é mais comum na juventude e na adolescência.

Com base nestas informações, esta pesquisa preocupou-se em descrever a

realidade observada na hora do recreio escolar analisando como os jovens e os

adolescentes constituem suas tribos de pertença a partir dos processos de

identificação.

Resultados

O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) iniciou suas atividades

acadêmicas no mês de março de 2013, e no início do segundo semestre o projeto

de intervenção pedagógica foi apresentado à equipe diretiva e pedagógica do

colégio Eleodoro Ébano Pereira, localizado na cidade de Cascavel, estado do

Paraná.

Ao expor sobre sua intenção pedagógica no âmbito escolar, também se

enfatizou os objetivos, a justificativa, bem como a metodologia e o público alvo para

o desenvolvimento dele.

Por intermédio do trabalho implementado por um semestre e meio, procurou-

se desenvolver junto aos oitenta e seis alunos envolvidos na pesquisa, o apreço à

diversidade e o respeito às diferenças e, dessa forma, construir uma auto-estima

positiva que possa favorecer o relacionamento social no coletivo escolar.

Desse modo, para a implementação do Projeto de intervenção pedagógica na

escola, foi elaborado sob forma de Unidade Didática o material digital intitulado A

formação das tribos urbanas do colégio Eleodoro Ébano Pereira: olhar sobre o

recreio, para aplicação aos alunos dos 6ºs ao 3ºs anos do ensino médio,

matriculados no período diurno.

Para o desenvolvimento das atividades propostas na Produção Didático-

Pedagógica abordou-se três temas específicos: Observação participante, entrevista

semi-estruturada e produção de vídeo documentário, compreendendo a

apresentação do Projeto de Intervenção Pedagógica à equipe pedagógica e diretiva

da escola, que dada a relevância da temática abordada demonstraram interesse em

colaborar para sua efetivação e a observação participante iniciada no segundo

semestre e realizada em dias consecutivos no horário do recreio. Nesta etapa foram

observadas situações desejadas sem se expor aos observados, procedendo

concomitantemente o relato escrito e os registros fotográficos. Na sequência,

aconteceu a aproximação das tribos e, por meio de conversa informal, procurou-se

perceber aspectos relevantes não observados até então.

O próximo passo foram as entrevistas, que ocorreram com cada tribo em dias

e horários estabelecidos anteriormente, suposto que a curiosidade dos alunos não

participantes na pesquisa e o barulho no ambiente impossibilitaram a sua realização

no recreio escolar, conforme proposto no projeto.

Nesse momento, já sabedores dos objetivos e intenção pedagógica da

pesquisa, alunos e alunas expuseram como estabelecem suas relações identitárias

na(s) tribo(s) de convívio. Conforme relato da tribo “os meninos que correm”,

Nossa relação é boa, mas só nos encontramos aqui na escola e adoramos correr no recreio. Para ser do grupo precisa ser rápido, ter bom desvio (reflexo), ser esperto e gostar de correr. Quem não consegue correr bastante sem trombar nos outros, não fica no grupo, só vem algumas vezes. (comentário registrado na entrevista do dia 30/09/13).

Com as entrevistas foi possível compreender a importância dos vínculos

afetivos estabelecidos entre os jovens e os adolescentes no âmbito escolar.

A aproximação e as conversas com as tribos me possibilitaram reflexões

acerca do meu fazer pedagógico na função de professora pedagoga, que até então,

imbuídas de conceitos pré-determinados, tinha uma visão completamente distorcida

em relação ao processo identitário que acolhe e enlaça a diversidade juvenil.

Ao final do segundo semestre foi realizada a gravação do vídeo

documentário, que procurou preservar os espaços lugarizados pelas tribos em sua

rotina diária no ambiente escolar.

Entrevistas coletivas realizada nos meses de outubro e novembro de 2013,

para gravação do vídeo documentário.

Fonte: acervo pessoal.

Neste sentido, esta pesquisa objetivou possibilitar o debate em relação às

múltiplas culturas juvenis, compreendendo como os jovens e os adolescentes se

organizam e se relacionam no recreio escolar na busca da ampliação do universo

social que é característica desta fase, pois propicia a experimentação de novas

alternativas sócio-afetivas e o desenvolvimento global do jovem e do adolescente.

Outro momento relevante a ressaltar, é o (GTR), grupo de trabalho em rede

que ocorreu em meados do terceiro semestre, por meio da modalidade à distância

no ambiente virtual e-escola, disponibilizado pela SEED. Nesta etapa, todos os

materiais produzidos pela professora PDE foram compartilhados com outros

professores da rede pública de educação do Estado do Paraná.

As atividades propostas e desenvolvidas no Grupo de Trabalho em Rede

(GTR) propiciaram discussões relevantes no que concerne à temática. As

contribuições proferidas nas interações entre as participantes do curso retrataram o

interesse nesta forma de abordagem pedagógica. Por meio de leituras sugeridas

e/ou comentadas pelas cursistas, o grupo refletiu, discutiu, argumentou, fez

questionamentos e sinalizou para outras perspectivas, o que tornou esta

oportunidade um momento de aprendizagem significativa para a pesquisa,

propiciando crescimento profissional numa ação recíproca.

Para concluir a implementação, conforme proposto no projeto de intervenção

pedagógica, organizou-se uma mostra cultural, com exposição de painéis, frases e

fotografias para apresentação e visualização de cada tribo à toda comunidade

escolar (direção, equipe pedagógica, professores, agentes I e II, pais/responsáveis e

alunos). Esta atividade teve início no dia dezesseis de abril, sábado à tarde, data já

garantida no calendário escolar para o evento denominado Família na Escola, de

acordo com alguns registros fotográficos abaixo.

Fonte: Acervo pessoal.

A mostra cultural ficou em exposição por uma semana, para visualização e

visitação das turmas e da comunidade.

Ainda no mês de setembro do ano de 2013, após a realização da observação

participante, adentro o recreio e nos espaços lugarizados, diante da curiosidade dos

alunos em saber o que estou fazendo no “recreio deles”, inicio as primeiras

abordagens aos integrantes das tribos.

Neste momento, considero importante citar a fala de uma integrante da tribo

dos “loucos por lanche” que, ao me aproximar, antes que os abordasse perguntou-

me:

Aluna: O que você esta fazendo no nosso recreio? Você está nos

observando? O que você anota tanto nesse caderno? Professora pde: Estou realizando uma pesquisa sobre os alunos no

recreio. Aluna: Desculpa profe mais to falano isso porque no recreio só tem aluno. (fragmento de conversa realizada em 01/10/13).

Pôde-se perceber que estes jovens e adolescentes compartilham a ideia de

que devem e podem ficar onde e na companhia de quem os faz sentir bem. Têm o

recreio como espaço-tempo importante para, além de distrair-se, estabelecer

contatos e manter relações sociais. Sentem-se a vontade para transitar de um lado

para o outro, como também demarcar espaços que são ocupados diariamente como

num ritual, onde os comportamentos expressos revelam os processos de

identificação nas tribos.

Entendem que o recreio é só de alunos (as), ao manifestar curiosidade em

relação à presença de pessoas adultas, que para eles “não fazem” parte deste

universo neste momento específico.

Na tribo me sinto... Minha tribo é... Na tribo sou ...

Nesta oportunidade, faço esclarecimentos sobre o projeto de intervenção

pedagógica, ressaltando a importância da participação de cada tribo na pesquisa,

bem como, todas as etapas do seu desenvolvimento.

A partir de então, foi enviado o Termo de Cessão de Pessoa Física para

Pessoa Física aos pais e responsáveis pelos alunos que demonstraram interesse

em participar, para ciência e assinatura de consentimento. Nos encontros

subseqüentes, que ocorreram no recreio, vários foram os momentos de muita

satisfação, pois os jovens e os adolescentes protagonistas da pesquisa,

demonstraram que muito tem a nos ensinar e, dessa forma, algumas opiniões e

certezas já instituídas foram desconstruídas.

Saliento que as informações obtidas desde a observação participante até as

entrevistas possibilitaram uma aproximação agradável e receptiva das tribos, cuja

curiosidade aguçou na maioria das tribos o desejo de participar da pesquisa.

Certa manhã, ao me aproximar da tribo nominada “unidas somos mais

fortes”, uma aluna, questiona: “O que você faz no nosso recreio andando e anotando

nesse caderno? Você esta nos observando? (comentário registrado em 30/09/13).

Nesta fase da pesquisa, percebo que, mesmo sendo familiar, a minha

presença incita observações, sondagens e comentários que foram realizados direta

e indiretamente. Ao longo das entrevistas algumas tribos observadas, porém não

envolvidas na pesquisa e outros alunos (as) vieram ao meu encontro para se

informarem sobre o meu estudo e também manifestaram interesse em participar,

demonstrando gosto e disponibilidade para se envolverem com atividades

diversificadas, oferecidas na escola.

Diante disso optou-se então por realizar as entrevistas de forma coletiva,

devido ao desejo expresso pelos membros das tribos nos momentos de conversa

informal, dessa forma, ficou acordado entre as 9 tribos participantes que, no tempo

de 10 a 20 minutos poderiam falar sobre o nome da tribo, como se formou, seus

objetivos, em que contexto se encontram, quais as suas características, bem como o

que gostariam de mostrar e falar sobre sua tribo.

Nesta dinâmica, com a utilização de alguns “trejeitos e gírias”, pôde-se

perceber que a cumplicidade e o companheirismo demonstraram ser o aspecto

identitário fundamental em cada tribo. A capacidade de tomar decisões, a trajetória

percorrida e o modo de agir, tornam-se também aspectos essenciais para que

ocorra o pertencimento e a identificação.

Em algumas situações foi perceptível os lances de olhares (movimentação de

sobranceiras e piscadelas discretas), gestos e insinuações, que sutilmente foram

apresentadas como aprovação ou negação do que estava sendo dito ou se

pretendia dizer.

As expressões corporais também mostraram algumas características

referentes à personalidade e estilos particulares, o uso do uniforme que de certa

forma unifica e padroniza, não impede que diferentes estilos estejam representados

em cada tribo no momento do recreio, mostrando e reafirmando diferentes

identidades, traços inerentes a cada tribo no trato com os seus pares.

Considerações finais

A elaboração de um projeto de pesquisa voltado à temática em questão

surgiu pela curiosidade em desvendar como os jovens e os adolescentes assumem

suas posições identitárias, se identificam com elas, incorporando características e

práticas sociais coletivas. E, em contra partida, possibilitar reflexões sobre

concepções equivocadas em relação aos diferentes comportamentos manifestados

no ambiente escolar, especificamente no recreio. E, nesta perspectiva, apontar

possibilidades de se pensar práticas docentes interventivas que favoreçam o

respeito às novas configurações culturais.

Ao longo deste processo, após muitas leituras, discussões e reflexões,

acredito que esta pesquisa muito contribuiu para meu crescimento profissional, na

medida em que me possibilitou ampliar a compreensão em relação à complexidade

cultural na qual jovens e adolescentes estão inseridos.

Parte do período de implementação do projeto que ocorreu ao longo de 3

(três) meses, tempo de contato direto com jovens e adolescentes e favoreceu a

percepção do comportamento imediatista que expressam no ambiente escolar,

retratando atitudes e experiências culturais adquiridas no ambiente social ao qual faz

parte.

Nos momentos em que estávamos conversando demonstraram estar a

vontade e dispostos a falar sobre seus gostos, suas preferências, suas angústias,

seus medos e incertezas em relação a si e sua tribo.

Pôde-se, então, dizer que o companheirismo e a cumplicidade tornam-se

aspectos fundamentais na relação entre os membros das tribos. É evidente que os

vínculos estabelecidos se dão a partir de um sentimento partilhado, e isto ocorre

naturalmente, unindo jovens e adolescentes da mesma sala de aula e de turmas

diferentes, conforme relato da tribo “turma mista”: “basta rolar uma química entre nós

que tudo dá certo”.

Ao final desse trabalho posso concluir que estes meses de vivência com as

tribos, participando diretamente do recreio escolar, me proporcionaram

aprendizagem significativa ao meu fazer pedagógico. Entendo que o momento do

recrear se constitui num espaço-tempo onde há o reconhecimento de afinidades,

estabelecimento de vínculos afetivos, situações de conflitos, manifestação de

desejos, gostos musicais, atitudes preconceituosas e exibição de gestuais que

retratam a cada dia a essência juvenil.

Referências

BARROS, Eduardo Portanova. Maffesoli e a “investigação do sentido”: das identidades às identificações. Unisinos. Setembro/dezembro, 2008. BAUMAN, Zigmunt. Identidade: entrevista a Benedetto. Tradução: Carlos Alberto

Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. DIAS, D. C; Marchi, R. C. Tribos na sala de aula: Um estudo sobre “culturas Juvenis” na escola. Anais IX ANPED SUL, Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. FURB, 2012. Educ. Real. Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 521-532, maio/ago. 2011. Disponível em: http://www.ufrgs.br/edu_realidade. Acesso em: 08/06/13.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade Rio de Janeiro: DP&A,

2011. LINCK, Rosane Speggiorin. Hora do Recreio!: Processos de pertencimentos identitários juvenis nos tempos e espaços escolares [manuscrito]. Porto Alegre, 2009. MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão sensível. Petropolis: Vozes, 1998. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense - Universitária, 1998. RAGGI, Nathália. Identidades nômades: as “tribos urbanas” e o contexto escolar.

Campinas, SP: 2010.