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OS ECONOMISTAS

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  • OS ECONOMISTAS

  • GUNNAR MYRDAL

    ASPECTOS POLTICOS DATEORIA ECONMICA*

    Apndice de Paul StreetenTraduo de Jos Auto

    Reviso e notas de Cassio FonsecaTraduo do Prefcio Edio Sueca 1972

    de Aldo Bochini Neto

    * Traduzido de MYRDAL, Gunnar. The Political Element in the Development of EconomicTheory. Londres, Routledge & Kegan Paul Ltd., 3 impresso, 1961.

  • FundadorVICTOR CIVITA

    (1907 - 1990)

    Editora Nova Cultural Ltda.

    Copyright desta edio 1997, Crculo do Livro Ltda.

    Rua Paes Leme, 524 - 10 andarCEP 05424-010 - So Paulo - SP

    Ttulo original:Political Element in the Development of Economic Theory

    Texto publicado sob licena deGunnar Karl Myrdal, Estocolmo

    Direitos exclusivos sobre a Apresentao:Editora Nova Cultural Ltda.

    Impresso e acabamento:DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA.

    DIVISO CRCULO - FONE (55 11) 4191-4633

    ISBN 85-3511-0920-X

  • APRESENTAO

    Gunnar Myrdal nasceu no sculo 19, e sua obra certamente seprojetar no sculo 21. Viveu quase 90 invernos. Proeza superlativa,pois a maioria deles foi passada na Sucia, onde, quando se tem sorte,o vero cai num domingo. Apesar da origem nrdica, Myrdal voltousua reflexo para pases de latitudes bem menores, alguns prximosdo equador.

    No entanto, iniciou sua vida acadmica tratando como eleprprio reconhece de questes estritamente tericas. O presentelivro um dos mais belos exemplos dessa dedicao.

    Depois da crise econmica de 1929 e especialmente ao trminoda II Guerra Mundial, seu interesse voltou-se crescentemente para osproblemas econmicos dos pases subdesenvolvidos, ou para os proble-mas do atraso e da pobreza existentes no interior dos pases desen-volvidos. O desdobramento desta nova linha de atuao levou Myrdal poltica: elegeu-se deputado em 1935, e entre 1945 e 1947 foiministro do Comrcio da Sucia. Participou tambm de organismosmultilaterais, tendo sido assessor econmico da ONU para a Europaentre 1947 e 1957.

    Em 1973, em conjunto com Friedrich von Hackers, recebeu oPrmio Nobel de Economia.

    1. Causao Circular

    Meu primeiro contato com as teorias e concepes de Myrdaldeu-se de forma indireta. Isto , no aconteceu por fora de algumadisciplina do curso de economia que iniciei em 1960 na Faculdade deEconomia da ento denominada Universidade do Brasil, no Rio deJaneiro. Mesmo porque, ao que me lembre, as obras deste autor e suasteorias no faziam parte dos cursos de economia naquela poca.

    Tomei conhecimento do conceito de causao circular cumulativanuma palestra sobre reforma agrria e subdesenvolvimento, assuntoscandentes no incio dos anos 60. O expositor colocava-se contra aidia de que este crculo de ferro no poderia ser rompido. Rebelava-se

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  • contra o destino dos pases pobres ou subdesenvolvidos: continuavampobres porque j partiam de uma situao de pobreza. Interpretavaas concepes de Myrdal como Lassar entendia a lei de bronze dossalrios; como algo natural, ptreo, imutvel. Levado pelo brilhantismodo orador, embarquei na canoa do preconceito.

    Embora a causao circular parecesse uma idia frtil, era incon-cebvel para ns, que queramos revolucionar o mundo, ou pelo menosdesenvolver o Brasil, que estivssemos destinados a uma fatalidade tonegativa. O brilhante orador esquecera-se de mencionar (evidentementeno lera o autor criticado) que havia uma proposta de superao.

    De fato, ao estudar a economia dos pases subdesenvolvidos, Myr-dal percebeu a existncia de um crculo vicioso do atraso e da pobreza,que poderia ser rompido pela aplicao planejada de reformas econ-micas. Este movimento, no entanto, poderia ser tambm virtuoso: nadaimpedia que uma melhora econmica ou social condicionasse outra, eassim sucessivamente. Mesmo que o expositor naquele momento hou-vesse mencionado a proposta de ruptura de Myrdal, pouco adiantaria.Ali estava a palavrinha terrvel reforma que para ns, mesme-rizados pela revoluo cubana, aprendamos a execrar. O atraso e apobreza no poderiam ser solucionados dentro da moldura do capita-lismo. Para ns, o revolucionarismo ainda era bem mais dramtico doque o reformismo...

    Na realidade, o conceito de causao circular (cumulativa) bemanterior. Em 1898, Knut Wicksell (1851-1926), tambm sueco comoMyrdal e seu professor, no livro Interest and Prices (Juros e Preos) outilizava num contexto econmico: se as taxas de juros praticadas pelosbancos fossem inferiores s taxas reais de retorno do capital (taxas delucro), o investimento e a produo se expandiriam e provocariam umaelevao de preos dos fatores, os quais continuariam se elevando (cumu-lativamente) enquanto houvesse uma diferena entre as duas taxas (1).

    Myrdal aplicou o conceito no campo econmico relacionando-ocom as expectativas de preos (para cima ou para baixo) em seu livroMonetary Equilibrium (1939) (Equilbrio Monetrio) e nas relaes en-tre regies, no livro Economic Theory of Underdeveloped Countries(1957) (Teoria Econmica dos Pases Subdesenvolvidos), mostrando queum plo de atrao de desenvolvimento econmico pode se expandircumulativamente em detrimento de outros plos que, por esta razo,se empobrecem.

    No campo sociolgico, a aplicao clssica do conceito ocorre emseu livro An American Dilemma: the negro problem and modern de-mocracy (1944), (Um Dilema Americano: o problema do negro e a de-mocracia moderna), elaborado raiz de uma solicitao da FundaoCarnegie para um estudo sobre o problema do negro nos Estados Uni-dos. Neste trabalho, Myrdal associa variveis no-econmicas a vari-

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  • veis econmicas num contexto de um crculo vicioso da pobreza: porserem discriminados, os negros tm um baixo nvel de desempenho eso pobres; sendo pobres, no conseguem salrios mais elevados, muitospermanecem desempregados e so levados delinqncia; seu nvelde educao e de sade so precrios, o que acentua a discriminao,a falta de oportunidades, a pobreza e assim por diante. Se os negrosobtivessem melhor nutrio, melhor educao, melhor atendimento sade e melhores condies de moradia, receberiam certamente salriosmenos aviltantes, o que permitiria melhorar a alimentao, a sadee a moradia, obtendo maior produtividade no trabalho, maiores salrios,o que contribuiria para reduzir a discriminao e assim por diante.Ou melhor, incorporando elementos no-econmicos ou no diretamenteeconmicos (como melhora nos padres de sade, por exemplo), Myrdalabria a perspectiva de desenvolvimento econmico (e social) que oseconomistas tradicionais no eram capazes de enxergar.

    O conceito continha ainda duas grandes vantagens adicionais:ao incorporar um conjunto de variveis econmicas, sociais, culturaisetc., estabelecia uma espcie de vacina contra as explicaes dos pro-cessos baseadas em apenas uma causa. Por outro lado, pelo prpriocarter de sua dinmica, contemplava o fator tempo, de tal forma queelementos tais como as expectativas e a memria (social) dos agentespoderiam ser levados em conta como uma fora transformadora. Porexemplo, a resposta em relao a um fator como o desperdcio seriabem diferente dependendo da histria e do contexto em que o problemaaparecesse: uma sociedade com abundantes recursos naturais certa-mente reagiria de maneira diferente do que uma sociedade que hou-vesse sofrido grandes privaes materiais.

    a dinmica desta abordagem, dos processos que sofrem inter-ferncias de diversas fontes num sentido virtuoso ou vicioso esuas implicaes no campo da poltica econmica que diferencia Myrdaldos economistas acostumados a pensar em termos walrasianos, isto ,em termos do equilbrio geral. A causao circular no garantiria umatrajetria em direo ao equilbrio, exceto se por equilbrio fosse en-tendido um estado de coisas onde as desigualdades sociais e econmicasse perpetuassem e se agravassem.

    2. Efeitos Backwash e Spread

    Aplicada ao plano regional, a causao circular cumulativa des-dobra-se em Backwash Effects (Efeito Backwash) e Spread Effects (Efei-to Spread). O primeiro significa que o desenvolvimento econmico deuma regio pode ter efeitos perversos no desenvolvimento de outras.Este efeito operaria especialmente atravs do deslocamento de fatoresde produo capital e trabalho de regies de desenvolvimentolento para regies de desenvolvimento acelerado. Ultrapassando o ritmo

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  • das regies vizinhas, o desenvolvimento econmico de uma regio de-sencadearia o efeito backwash: a diferena tenderia a se ampliarprovocando o alargamento do fosso dos desequilbrios regionais.

    Ao contrrio, o Efeito Spread (Spread Effetcs) relaciona as con-seqncias benficas do desenvolvimento de uma regio sobre as de-mais. Basicamente, tais efeitos seriam decorrentes da ampliao dosmercados e da difuso do progresso tcnico da regio mais desenvolvidapara as demais. Nesse caso, ao contrrio do efeito backwash, a cau-sao circular provocaria uma melhora econmica (e social) em todasas regies.

    Enfim, o conceito de Myrdal, ao contrrio de conduzir a um fa-talismo imobilista (como interpretava o brilhante orador num autnticoexemplo de ignorncia oportunista), identificava os problemas eco-nmicos articulando-os com os sociais e histricos e preparava o terrenopara uma interveno governamental corretora que promovesse o de-senvolvimento mais acelerado num plano mais amplo do que simples-mente o desenvolvimento econmico stricto sensu.

    3. Soft States

    Em 1957, Myrdal foi convidado pelo The Twenty Century Fundpara realizar uma pesquisa sobre a situao da sia. Considerou esteestudo o mais trabalhoso de sua vida. Decorreram cerca de dez anospara que o volumoso resultado fosse publicado. Alm disso, este exameda situao asitica mostrou a inadequao dos conceitos e do arsenalterico concebidos e utilizados pelo prprio Myrdal, fato que o leva areconhecer humildemente suas limitaes e buscar novos caminhospara super-las. Como ressalta August Heckscher (2), autor da intro-duo de seu livro e presidente da Fundao Twenty Century quandoMyrdal foi convocado: O prof. Myrdal iniciou com um viso esperanosasobre as possibilidades do planejamento racional e um desenvolvimentoordenado dos pases subdesenvolvidos. No transcorrer de seu trabalhopercebeu as enormes dificuldades a serem superadas e a necessidadede uma reavaliao das teorias que davam embasamento aos seus es-foros de planejamento. No prefcio do mesmo livro, o prprio Myrdalquem reconhece: Gostaria de enfatizar que estou plenamente cons-ciente do fato de que eu mesmo compartilhei muitas das formas depensar que eu critico neste livro. Mais adiante diz: Tornei-me cadavez mais consciente de que muitos dos conceitos e teorias geralmenteutilizados para analisar os problemas dos pases subdesenvolvidos do sulda Asia desmoronavam quando criticados do ponto de vista de sua con-sistncia lgica e de seu realismo, isto , de sua adequao prtica (3).

    Talvez esta experincia de pesquisa tenha sido a mais inquieta-dora para Myrdal, na medida em que obrigava o autor a uma reviso

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  • crtica de alguns fundamentos nos quais sua formao intelectual seapoiava. A mesma razo provavelmente tenha levado o autor a elaborarconceitos novos de aparncia to estranha ou mesmo ambgua, como o caso dos soft states.

    Analisando o desenvolvimento dos pases asiticos no livro AsianDrama (O Drama Asitico), Myrdal critica os governos de diversospases (Paquisto, Sri Lanka, Indonsia, ndia, Bangladesh e Birmnia)desenvolvendo o conceito de soft states. A traduo literal estadossuaves ou estados moles no contribui muito para o entendimentodo conceito (o orador mencionado anteriormente talvez sasse acusandoMyrdal de ser adepto de governos ditatoriais...). De fato, o termo no dos mais felizes e pode trazer certa confuso ao debate. Para Myrdal,soft states no significa ausncia de violncia militar, policial, ou polticacontra populaes indefesas ou pases vizinhos. Um estado seria softna medida de sua falta de vontade em usar seu poder para implementarobjetivos polticos (virtuosos) declarados. No refletiria uma situaode fraqueza, bondade, ou generosidade, mas uma falta de sintonia entreinteno e gesto. Por exemplo, tendo declarado o objetivo de melhoraro perfil da distribuio da renda, um governo soft incapaz de dobraros interesses dos ricos e poderosos para alcanar tal fim. Em certosentido o soft state seria aquele pouco disposto a usar o poder contraos poderosos. Todos os estados mencionados anteriormente, e muitosoutros no citados, acima ou abaixo do equador, poderiam ser facilmenteencaixados nesta definio.

    4. Estagflao

    Ao utilizar seu mtodo de anlise para examinar o fenmeno dainflao combinada com desemprego aberto nos pases desenvolvidosdurante os anos 70, Myrdal foi um dos primeiros a cunhar o termoestagflao. Isto , inflao acompanhada de estagnao econmica.Myrdal faz uma abordagem crtica do problema, considerando a inflaocomo uma fora altamente corrosiva do tecido social e da organizaoda sociedade. A origem da crise encontra-se na diferena entre os pro-dutores organizados em grupos de presso e dos consumidores atomi-zados e desorganizados. Os ltimos estariam em desvantagem paraenfrentar os oligoplios e o sistema tributrio que, segundo Myrdal,favoreceria os investimentos e os ganhos especulativos. A soluo pro-posta seria encontrada no ponto intermedirio entre uma economiacentralmente planejada (de comando, ao estilo da ex-Unio Sovitica,naquele momento em pleno vigor econmico, poltico e militar) e umaeconomia de mercado onde impera o laissez-faire: a utilizao do sistemade preos para efeitos de planejamento e a presso governamentalsobre empresas e instituies para transform-las em instrumentos dareforma. verdade que as reformas, dentro de determinada estrutura

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  • de poder, podem servir aos poderosos. Aproveitando-se de brechas exis-tentes, estes muitas vezes conseguem restaurar ou mesmo eternizaruma situao de desigualdade econmica e social. Ou melhor, controles,fiscalizaes, alocaes racionalizadas de recursos podem ser utilizadaspara reforar os monoplios e as grandes empresas, em lugar de cercearseus abusos. De que maneira superar a contradio, se a ao refor-madora em alguns casos pode consolidar as desigualdades sociais oumesmo intensific-las? Myrdal no d uma resposta acabada para estaquesto. O que se pode deduzir que na medida em que os ideais ea realidade entram em rota de coliso, um dos dois deve piscar. Noestando, porm, pr-determinado quem dever ceder.

    Seus livros de anlises concretas de situaes concretas, An Ame-rican Dilemma e Asian Drama, refletem esta contradio. Neles, aocontrrio de muitos tericos que apenas buscam racionalizaes paraeludir o conflito ou a contradio, estas se encontram explcitas, o que o primeiro passo para a superao.

    5. Trajetria de Vida

    No incio de sua carreira Myrdal dedicou-se a questes tericas.Talvez a influncia de eminentes professores como Wicksell, Heckschere Cassel tenham orientado suas preferncias enquanto estudante edurante os primeiros anos de sua carreira. No entanto, poderosos acon-tecimentos histricos no campo da economia como a crise econmicamundial de 1929, que Myrdal vivenciou nos Estados Unidos como bol-sista da Fundao Rockfeller, representaram um ponto de inflexo emsua carreira. Em conjunto com sua esposa, Alva, comeou a participarativamente da poltica e da formulao de estratgias de superaodos obstculos ao desenvolvimento (mais tarde em relao aos pasessubdesenvolvidos) e aos problemas do crescimento populacional. Entre1931 e 1938, de volta Sucia, envolveu-se diretamente na polticaprtica e foi eleito em 1935 ao Parlamento Sueco. Em meados de 1937foi convidado por Frederick P. Keppel, em nome dos curadores da Fun-dao Carnegie de Nova York, para dirigir um estudo abrangente,isento e objetivo sobre a situao do negro nos Estados Unidos. interessante mencionar a origem da escolha do nome de Myrdal paraa realizao deste estudo. A Fundao encontrava-se diante de umproblema: tratando-se de um estudo envolvendo problemas polticos esociais delicados e de grande relevncia, era necessrio entregar seucomando a algum de reconhecida competncia e, principalmente, isen-to em relao s controvrsias que o assunto suscitava. No faltavamestudiosos competentes nos Estados Unidos, inclusive muitos j haviamtratado do problema. Mas a Fundao Carnegie preferiu no arriscar:temendo no garantir a questo da iseno, isto , o distanciamentoemocional que talvez faltasse tanto a brancos quanto a negros queviviam nos Estados Unidos, voltou-se para um estrangeiro. A busca

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  • concentrou-se em pases com alto desenvolvimento cultural e acad-mico. Mas nesse caso tambm era necessrio que se tratasse de naessem uma tradio colonialista ou imperialista. Estas enormes limitaesreduziram a escolha Sua e Sucia. Finalmente Myrdal foi o in-dicado. Embora contasse apenas 40 anos, j havia obtido reputaointernacional como um economista preocupado com as questes sociais.Alm disso, era professor da Universidade de Estocolmo, conselheiroeconmico do governo e membro do Parlamento sueco. O produto destapesquisa, levada a cabo com grandes dificuldades em funo da eclosoda II Guerra Mundial em 1939, traduziu-se no livro An AmericanDilemma: the negro problem and American democracy (Um DilemaAmericano: o problema do negro e a democracia americana), editadoem 1944.

    6. Outras Contribuies Tericas

    Embora as contribuies de Myrdal se destaquem mais no campoda poltica econmica e nas anlises concretas de situaes concretas,suas colaboraes tericas e metodolgicas e sua participao no debatenestes mbitos so tambm muito importantes. Ele figura entre osprincipais representantes da escola econmica do equilbrio monetrio,que vem nas taxas de juros o fator cujas variaes podem assegurara igualdade da poupana e do investimento, criando em conseqnciauma situao de equilbrio.

    Em Monetary Equilibrium, 1931 (Equilbrio Monetrio), desenvolveua anlise das antecipaes e introduziu os conceitos ex-ante e ex-post,para distinguir, na anlise de um processo econmico delimitado no tempo,as aes projetadas no incio do perodo (ex-ante) e aqueles adotados nofim do perodo (ex-post). Assim, s numa situao de equilbrio a poupana(ex-ante) equivalente ao investimento (ex-post).

    Ao inserir a noo de tempo no centro do equilbrio monetrio,Myrdal obtm um conceito financeiro, o de rendimento do capital real.Para ele, existir equilbrio monetrio quando o conjunto dos lucrosdas diversas empresas provocar, durante o perodo, um montante deinvestimento que absorva o capital disponvel. Esse conceito compreen-de no apenas a poupana, mas o acrscimo de valor do capital duranteo perodo (ou sua reduo, em caso de perda) pelas previses exatasou errneas dos empresrios.

    A partir desse raciocnio, Myrdal chega a uma definio dinmicada igualdade keynesiana entre poupana e investimento. Para ele, essaigualdade temporalmente realizada, isto , ocorre entre um momentoex-ante e o momento ex-post. Se, no incio, a poupana inferior aoinvestimento, ela aumentar no curso do perodo pelos lucros obtidos,se bem que, ex-post, o montante do investimento absorver o capitaldisponvel. E, inversamente, se a poupana for superior ao investi-mento ex-ante, ela dever reduzir-se ao final. Como um desdobramento

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  • destes conceitos Myrdal introduz o elemento das expectativas na anliseeconmica. Ele livra de certa forma a teoria econmica de uma visoesttica na qual no existe uma demarcao clara entre passado efuturo, preparando o terreno para a anlise dinmica na qual o tempo(cronolgico), a incerteza e as expectativas tm um papel fundamental.

    Embora as obras mais marcantes de Myrdal sejam suas anlisesconcretas de situaes concretas, isto , An American Dilemma e AsianDrama, o leitor encontrar no livro que tem em mos, Aspectos Polticosda Teoria Econmica, um belo exemplo de anlise profunda, observa-es contundentes e preocupaes com o destino da humanidade, escritopor um autor de pouco mais de trinta anos.

    Paulo Sandroni

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  • NOTAS1) Veja-se Streeten, Paul, em The New Palgrave, eds. John Eatwell,

    Murray Milgate, and Peter Newman. London and Basingstoke,The Macmillan Press Limited, pp. 581-583.

    2) Veja-se Heckscher, August, em Myrdal, Gunnar, An American Di-lemma: the negro problem and modern democracy; Richard Ster-ner and Arnold Rose, New York, Harper, 1962.

    3) Myrdal, Gunnar, Asian Drama: an inquiry into the poverty of nations;New York, Pantheon, 1968.

  • BIBLIOGRAFIA

    Entre outras obras, escreveu:

    Price Formation under Changeability, 1927 (Formao de Preos sobMudana);

    Das Politische Element in der Nationalkonomischen Doktrinbildung(1932) (Aspectos Polticos da Teoria Economica);

    The Cost of Living in Sweden 1830-1930 (1933) (O Custo de Vida naSucia 1830-1930);

    Monetary Equilibrium (1939) (Equilbrio Monetrio);Population: a Problem for Democracy (1940) (Populao: um Problema

    para a Democracia; An American Dilemma, 1944 (Um DilemaAmericano);

    Warnung Gegen Friedenoptimismus (1945) (Advertncia Contra o Oti-mismo da Paz);

    Economy Theory and Underdeveloped Regions, (1957) (Teoria Econ-mica e Regies Subdesenvolvidas);

    Development and Underdevelopment: a note on the Mechanism of Na-tional and International Inequality (1956) (Desenvolvimento eSubdesenvolvimento: nota sobre o mecanismo das desigualdadesnacionais e internacionais);

    Value in Social Theory, 1958 (Valor em Teoria Social);Beyond the Welfare State, 1960 (Alm do Estado de Bem-Estar);Challenge to Affluence, 1963 (Desafio Riqueza);Asian Drama: an Inquiry into the Poverty of Nations, 1968 (O Drama

    Asitico: uma Investigao sobre a Pobreza das Naes);The Challenge of World Poverty: a World Anti-poverty Program in Ou-

    tline, (1970) (Desafio Pobreza Mundial: esboo de um programamundial contra a pobreza) e Against the Stream Critical Essaysin Economics, (1973) (Contra a Corrente Ensaios Crticos emEconomia).

  • PREFCIO NOVA EDIOSUECA 19721

    Ser inesperadamente levado a encontrar comigo mesmo da formacomo eu era h mais de 40 anos, e depois ter de passar quase umms com essa pessoa, uma aventura. Hoje lembro a intensidade comque me dediquei ao trabalho de pesquisa, que me fascinou e absorveuinteiramente durante os anos de 1928 e 1929, quando preparei o ma-nuscrito. Tive o prazer de trabalhar em algumas das mais excelentesbibliotecas do mundo: primeiro, a Biblioteca Real de Estocolmo, comuma coleo surpreendente no que toca magnfica literatura filosficados sculos XVII e XVIII, depois a Deutsche Bcharei em Leipzig, aBiblioteca do Instituto Weltwirtschaftliche em Kiel, a Sala de Leiturado Museu Britnico, em Londres, na qual chega-se quase a sentir apresena das muitas geraes de grandes pensadores que l trabalha-ram, e, por fim, as extensas colees de praticamente tudo o que existeimpresso na Biblioteca do Congresso, em Washington.

    Aproximei-me tanto dos grandes autores que lia, que era comose eu tivesse vivido com eles como um parente. Em seus escritos, ebasicamente tambm em sua vida particular, todos eram sbios e ad-mirveis. Mas acabei por sentir uma admirao mais calorosa por al-guns deles, principalmente pelos lgicos implacveis Thomas Hobbes,David Ricardo, James Mill, o esquecido Samual Bailey, Sidgwick, Ed-geworth , que por isso mesmo nem sempre conseguiam dirimir d-vidas. Tinha mais reserva com relao a Malthus, John Stuart Mill,Alfred Marshall e, naturalmente, Pigou, que, apesar de todos os mritos,pareciam obscuros e eclticos demais em suas concesses. E John StuartMill ainda era muito romntico. McCulloch e outros, para mim, asse-melhavam-se mais a alguns dos profetas menores de minha terra, aSucia, que por sua simplicidade haviam suscitado considervel ani-

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    1 A razo nica para a publicao, em lngua inglesa, deste meu Prefcio* e dos Apndices a certeza de que jamais disporei de tempo para escrever minhas memrias.* Este Prefcio foi traduzido da verso inglesa especialmente para esta edio. (N. do E.)

  • mosidade dos jovens. Mesmo os grandes economistas suecos da geraode nossos pais logo entraram em meu trabalho, mas foram deslocadospara uma posio secundria, exceto Knut Wicksell, nico que, comindependncia e seriedade havia enfrentado em meu pas os problemasmetodolgicos bsicos. Reforou-se minha simpatia por ele. Quero acres-centar que essa sensao de contato ntimo e pessoal com os grandesautores, com aqueles que atravs dos sculos estabeleceram a tradiohistrica em que eu tambm estou trabalhando, desde ento jamaisdeixou-me por completo.

    Como dei a entender no Prefcio da edio inglesa de 1953, otrabalho do livro teve sua origem numa inteno de escrever um ops-culo combativo contra a apresentao errnea e descuidada de opiniespolticas, pelas geraes mais velhas, como se fossem concluses cien-tficas. Certa vez, num almoo com Alf Johansson, quando dvamosvazo a nossa ira com o procedimento descuidado daquelas geraes,ele teve a idia de que se deveria produzir esse opsculo popular, eque eu deveria escrev-lo. A histria, pois, que me envolvi to pro-fundamente no grande problema metodolgico de avaliao na pesquisaeconmica que esqueci meu prprio pas e seus conflitos polticos. Issovoltou a ocorrer mais tarde em minha vida profissional comearcom um problema relativamente local, de meu pas, e terminar numproblema mundial.

    Nos alicerces deste livro, e em verdade de tudo o mais que fizna vida, encontra-se o fato excepcional de termos antes de ns umagerao de economistas entre os quais situam-se Knut Wicksell, GustavCassel, Eli F. Heckscher e, eu acrescentaria, David Davidson. Rara-mente se que isso j ocorreu em outros lugares o acaso men-deliano e outros fatores fortuitos resultaram em um pequeno pas comtantos gnios trabalhando em nosso campo cientfico. Sua influnciasobre ns, ento jovens, naturalmente foi enorme o que desejoressaltar, mesmo quando ramos contrrios a eles.

    Deles herdamos a ousadia de enfrentar problemas da naturezamais geral. Bertil Ohlin escreveu sua tese de doutoramento sobre aTheory of Trade e logo publicou a edio inglesa ampliada do livroThe Theory of International and Interregional Trade, que se tornouum clssico ainda citado na atual discusso do problema. Erik Lindahlescreveu The Purpose of Monetary Policy, The Means of Monetary Policye, antes disso, The Just Taxation. Minha prpria tese de doutoramentotratava de The Influence of Uncertainty on Price Formation e, depois,ocupei-me com The Theory of Monetary Equilibrium. No eram levesos fardos que procurvamos erguer. Entrementes, no desprezvamosestudos menos grandiosos, porm mais empricos e de aplicao maisimediata. Ohlin, assim como tambm Lindahl e eu mais tarde, j haviafeito muitas contribuies ao trabalho de comisses oficiais. E eu jhavia trabalhado sobre The Cost of Living in Sweeden 1830-l930, que

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  • meu amigo Gustav Akerman, ao agradecer o exemplar que lhe enviei,chamou um trabalho no sentido literal da palavra.

    Quanto ao projeto do opsculo contra os pecados das geraesmais velhas, que misturavam poltica com economia, acabou tornan-do-se uma ampla anlise crtica da linha principal do desenvolvimentoda teoria econmica clssica e neoclssica: sua origem nas correntesfilosficas dos sculos XVIII e XIX e seu desenvolvimento posterior.No fato de ainda jovem preparar-me para essa arrojada ampliao dotrabalho de pesquisa, transformando-o num estudo de tal alcance, vejoclaramente a influncia da gerao mais velha dos economistas suecos.E hoje, relendo meu velho livro e sentindo-me satisfeito com a obsti-nao inflexvel do autor em seguir uma linha de pensamento at suaconcluso final, vejo tambm nesse texto a influncia de meus colegasmais velhos. Eles jamais arredavam da viso abrangente, e jamaisreceavam o pensamento intransigente, sem condescendncias.

    Cassel, de quem mais eu me aproximava em termos de amizadepessoal, certamente no concordava muito que eu dedicasse tempo eenergia a um problema que ele mesmo havia desprezado. Ele tinhaperfeita conscincia de que eu acabaria por solapar suas prprias po-sies, o que eu nunca procurei esconder em nossas muitas conversas.Johanna e Margit (sua mulher e sua filha) vo ler seu livro, mas euno, disse uma vez, quando conversvamos sobre como avanava meutrabalho. Se chegou a ler, no fiquei sabendo. De qualquer maneira,tinha altivez suficiente para jamais permitir que esta ou quaisqueroutras diferenas de pensamento influenciassem nossas relaes pes-soais, que permaneceram intensas e afetuosas at sua morte em 1945.Nem mesmo mais tarde, na dcada de 1930, quando ele descobriu queeu passara a seguir a teoria monetria de Knut Wicksell, e no a dele,o fato perturbou seus sentimentos de amizade ou sua disposio deouvir e discutir qualquer assunto.

    Esses ltimos vitorianos tinham tambm um apego quase extre-mado ao princpio da liberdade acadmica, o que deixava os jovensabsolutamente livres para escolhermos e expressarmos idias polticas.Por exemplo, Cassel de alguma forma estava convencido de que eutinha uma tendncia a ser um socialista de inclinao ditatorial, emanifestou esse ponto de vista tambm em suas memrias. Jamaisnotei, porm, em tantos anos de conversas sobre cincia e problemaspolticos da poca, que ele via dessa maneira minhas aspiraes pol-ticas. Lembro-me, no entanto, de que em 1933, aps proferir sua con-ferncia de despedida na Universidade, desceu pelo corredor, abraou-me e disse: Voc a pessoa mais perigosa da Sucia, mas eu meorgulho de t-lo como meu sucessor.

    Nesse aspecto, Heckscher parecia-se com ele. Fazia uma idiatotalmente exagerada acerca dos perigos pblicos de minhas opiniespolticas, que s vezes tambm comentava. Ao mesmo tempo, tinha

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  • idias igualmente exageradas, ou mais, acerca de minha erudio. Ese orgulhava de no levar em conta, absolutamente, nas relaes aca-dmicas, suas idias na esfera da poltica.

    Wicksell, que partiu cedo, era igualmente claro a esse respeito, comoDavidson. Isso o que est por trs de meu comentrio no Post Scriptumde Value in Social Theory (includo como apndice nesse volume), de quena juventude jamais passou-me pela cabea que uma opinio que eu ex-pressasse oralmente ou por escrito pudesse ter a menor influncia sobreminha carreira acadmica, a qual dependeria exclusivamente da qualidadede meus escritos cientficos. Vivamos numa atmosfera de total liberdadeacadmica, que deve ter se tornado realidade apenas em poucos lugarese durante poucos e breves momentos.

    Heckscher escreveu uma crtica sobre o livro, e lembro-me de terpensado que ela demonstrava que ele no tinha entendido o trabalho.Mas ele escreveu-me tambm uma carta sobre o livro. Nossa correspon-dncia era freqente. Heckscher sempre tomava a iniciativa, e invaria-velmente levantava uma questo moral. Dessa vez acusava-me de par-cialidade. Eu havia limitado minha anlise crtica ao desenvolvimento dateoria econmica liberal. Se eu pretendia ser honesto, agora deveria es-crever um trabalho crtico igualmente contundente sobre o marxismo.

    Reconheci esse ponto e de fato comecei a estudar Marx maisintensivamente do que o fizera at ento. Se algum dia eu separartodos os velhos manuscritos que guardei, espero encontrar umas cin-qenta pginas de um esboo para a introduo ao estudo de Marx.Mas nunca o terminei. Foi o agravamento da depresso mundial que,em vez disso, me fez concentrar-me nos urgentes problemas monetrios.

    Por trs de minha desistncia de escrever um estudo crtico sobreMarx estava tambm o fato de eu jamais ter sido marxista, embora,naturalmente, tivesse aprendido com Marx tanto quanto com outrosgrandes autores. Todas as minhas razes, porm, encontravam-se nafilosofia do iluminismo, e os autores socialistas franceses e inglesesmais antigos haviam exercido uma influncia bem mais vigorosa sobremim. Diferentes de Marx, os socialistas utpicos eram planejadores.

    O marxismo no era para mim uma forma de pensamento comque eu me tivesse identificado a ponto de gerar uma necessidade delivrar-me dela. Tal necessidade eu efetivamente sentia em relao teoria econmica clssica e neoclssica que se havia ramificado a partirda filosofia do iluminismo da maneira como analisada neste livro.Trabalhar sobre ela, portanto, transformou-se em catarse, em luta pelaemancipao em relao a tudo o que eu j havia assimilado quandocolegial precoce. Essa catarse relacionava-se com o conceito de realidadeeconmica e o mtodo de analis-la. Talvez eu devesse acrescentar queela no destrua minha ligao pessoal aos ideais e valores bsicos dafilosofia do iluminismo paz, liberdade, igualdade e fraternidade.

    O livro no provocou muitas discusses na Sucia. Talvez tivesse

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  • sido recebido com maior interesse se eu me tivesse mantido firme naidia inicial de escrever algo polmico, concentrando-me estreitamenteem provocar uma controvrsia nacional.

    Em 1932 saiu uma traduo alem, mas somente porque meuamigo e aluno Gerhard Mackenroth, hoje falecido, ao voltar para casaem 1930 depois de dois anos no exterior como bolsista da FundaoRockfeller, encontrou a Alemanha assolada pela crise e no tinha deque viver, sendo um Privatdocent no assalariado. Ps-se ento a tra-duzir o livro, assim como, mais tarde, meu extenso trabalho sobreequilbrio monetrio. Na corrompida atmosfera intelectual da Alema-nha no havia procura de um livro dessa natureza.

    Em ingls, meu Monetary Equilibrium saiu pela primeira vezem 1939, e mesmo assim s porque dois alunos de Harvard que maistarde tornaram-se famosos, R. B. Bruce e N. Stolper, por iniciativaprpria se haviam encarregado de traduzir para o ingls a verso alemde Mackenroth.

    Nesse perodo de minha vida, estava pouqussimo ansioso porampliar meus pensamentos, fato que hoje considero difcil de explicarou mesmo de entender. Estava sempre escrevendo sobre problemasnovos, e meu interesse pelo que j havia produzido ficava para trs.Nunca tive dvidas quanto ao valor deste livro, mas para mim issose firmou quando corrigi suas provas finais. Ser lido por muita genteno era um anseio profundo, exceto quanto um livro provocava grandeembate poltico, como aps a publicao de Crisis in the PopulationProblem, meu e de Alva Myrdal, em 1934.

    Hoje, quando volto a pensar no assunto, vejo que mesmo depoisdemonstrei muitas vezes desinteresse semelhante quanto a meus es-critos estarem sendo lidos ou no. Pesquisar e escrever so os interessesque me absorvem na vida. Mas depois de conceber uma linha de pen-samento, escrev-la e v-la impressa, esse fato, por si mesmo, era ma-nifestamente o que de importante havia ocorrido, independentementede o trabalho ser lido por muita gente ou no. Jamais analisei commuita ateno as crticas. Escrevia minhas coisas para minha prpriaconscincia e para os amigos mais prximos, sem pensar muito numpblico leitor mais amplo. Hoje devo confessar que isso deve ser con-siderado como um elevado grau de egocentrismo, para no dizer arro-gncia, o que deve ser admitido neste honesto prefcio. Mas estouansioso tambm por revelar como me sentia emocionado e agradecidoao mesmo tempo quando algum escrevia para dizer que havia lidoum livro meu e tinha encontrado alguma coisa nele. Deveria isso, talvez,ser considerado uma humildade compensatria?

    Ainda hoje no tenho muita clareza quanto a meus sentimentospor um livro que estou publicando. Eles contm elementos das duasatitudes. Nos ltimos anos, quando meus livros foram vendidos emgrandes edies no mercado internacional, o fato representou basica-

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  • mente uma surpresa para mim, e de modo geral o atribu aos editores.Os editores de American Dilemma que veio a ter bem mais de 100mil exemplares vendidos nos Estados Unidos inicialmente calcula-ram que no venderiam muito mais de 1 000 exemplares e pediram,e receberam, uma subveno da Carnegie Corporation de Nova York,e no critiquei sua estimativa. Levar Asian Drama at a etapa depublicao tornou-se, naturalmente, um destino cruel para mim pes-soalmente, que s consegui levar a cabo adotando a mais rgida dis-ciplina de trabalho. Jamais acreditei que os trs volumes encontrariammercado fora das bibliotecas onde, talvez, eu imaginava que algunspesquisadores jovens e menos estabelecidos poderiam encontrar inspi-rao para pensamentos novos e renovados. Mas meu amigo e editorAndr Schiffrin, da Pantheon Books, imprimiu uma primeira ediode 50 mil exemplares e vendeu os trs volumes por 7,50 dlares, es-tabilizando-se depois a venda.

    Tambm sentia certa preocupao de que uma traduo pudessepr a perder o vigor do argumento. Na poca da publicao da ediosueca original deste livro, eu j tivera a desestimulante experincia deter gasto muito tempo para fazer com que um de meus livros, o mencionadoCost of Living in Sweeden, l830-1930, fosse apresentado em bom ingls.Lembro-me agora de que, quando Heckscher colocou-se disposio paraconseguir um editor francs para minha dissertao de doutoramento,Price Formation under Uncertainty, agradeci e no aceitei.

    Isso tudo para explicar por que no tomei a iniciativa de pro-videnciar a traduo deste livro para o ingls, o que teria aberto aspossibilidades de alcanar um pblico internacional. Quem bem maistarde tomou essa iniciativa foi meu amigo Karl Mannheim, que, sobmuitos aspectos, pensava como eu e se encontrava em Londres naocasio, e outro amigo, Paul Streeten, de Oxford, os quais traduzirama partir da verso alem.

    Desde ento o livro foi publicado em muitas outras lnguas, graas colaborao internacional das editoras. Com o interesse cada vezmaior pelos problemas metodolgicos e histricos do desenvolvimentoda teoria econmica, muitas vezes o livro tem tido o uso pretendidooriginalmente, ou seja, o de proporcionar uma introduo crtica aoestudo da cincia econmica em nvel universitrio.

    No Prefcio da edio inglesa de 1953, reproduzido abaixo, refi-ro-me a como minha prpria concepo do problema do valor mudoua partir de 1939. Naquela poca, eu ainda acreditava na existncia deuma teoria econmica consistente e objetiva, independente do valor, eisso transparece aqui e ali no livro. Hoje, depois de realizar outrosestudos em vrios campos e especialmente aps lidar com o problemado negro, dez anos depois , vejo que isso incorreto e que so ne-cessrias premissas de valor j na tentativa de estabelecer fatos erelaes causais entre os fatos. No entanto essa inadequao como

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  • a considero hoje no reduz o contedo central do livro, que ofereceruma anlise crtica de como a teoria econmica ramificou-se a partirda filosofia dos sculos XVIII e XIX e, em grande parte, continua comessa influncia atualmente.

    Desde ento, jamais me afastei desse problema de valor. As con-tribuies que fiz posteriormente encontram-se, primeiro, na Introduoe nos trs primeiros Apndices de An American Dilemma. The NegroProblem and Modern Democracy (Harper, 1944). Voltei ao problemaem An International Economy, captulo 1 e apndice metodolgico (Har-per, 1956). Algumas partes desses livros, juntamente com outras con-tribuies, foram apresentadas em Value in Social Theory (Harper,1958). A segunda parte de Economic Theory and Underveloped Regions(Gerald Duckworth, 1957) tratava do problema do valor. Em AsianDrama. An Inquiry into the Peverty of Nations (Pantheon Books, 1968),eu tambm discuti o problema, especialmente no Prlogo, captulos 2e 3 e Parte IV. Dois trabalhos mais recentes concentraram-se nas ten-dncias da pesquisa econmica e social baseada no desprezo pelo tra-balho de levar em conta as premissas de valor de forma rigorosa eexplcita: Challenge of World Poverty. A World Anti-Poverty Programin Outline (Pantheon Books, 1970) e Objectivity in Social Research(Pantheon Books, 1969). Minha contribuio mais recente ao problemado valor um trabalho The Place of Values in Social Policy publicado no primeiro nmero do novo Journal of Social Policy, janeirode 1972, e um artigo um tanto longo, The World Poverty Problem,na Encyclopaedia Britannica Yearbook, 1972. Houve tambm, no co-meo da dcada de 30, vrios artigos em publicaes suecas. (Aps1972, posso tambm mencionar alguns captulos de Against the Stream.Critical Essays in Economics Pantheon Books, 1974.)

    Se me permitem acrescentar mais uma reflexo de cunho pessoal,aps esse contato renovado com meu velho livro, surpreende que tantasidias, que mais tarde se desenvolveriam em outros trabalhos meus,j eram prenunciadas e apresentadas in nuce. Nunca acreditei na tesede Schumpeter, para quem as contribuies cientficas originais s sofeitas quando a pessoa muito jovem, e penso em Knut Wicksell, queescreveu suas obras pioneiras quando tinha 50 anos de idade. Masdeve ser isso mesmo: os germes embrionrios que mais tarde se trans-formam em teoremas plenamente desenvolvidos j devem estar pre-sentes na juventude. Erik Lindahl costumava dizer, nos ltimos anos,que meu trabalho neste livro havia desempenhado essa funo emrelao a meus trabalhos posteriores.

    Em diversos contextos, mas em especial nos captulos 5 e 8, ex-presso a idia de que o futuro desenvolvimento da cincia econmicadeve seguir na direo de se conferir s instituies um papel funda-mental. E o principal motivo para eu ter essa opinio basicamenteo mesmo que ainda defendo depois de tantos anos de trabalho fatigante

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  • em vrias reas de pesquisa. A situao de certo modo paradoxal.Na poca eu era extremamente terico, o que tambm bastantevisvel em outras partes do livro. E continuei assim quando eu e outrosjovens economistas suecos nos dedicamos aos problemas monetrios.

    Mas em 1929, quando fui pela primeira vez para os EstadosUnidos que depois praticamente tornaram-se minha segunda ptria, a nova economia ali existente era institucionalista. Naquele tempo,eu costumava considerar-me abertamente um terico e at tinha algoa ver, juntamente com Ragnar Frisch e Irving Fisher, com a fundaoda Sociedade Economtrica, inicialmente concebida como uma organi-zao de defesa contra a preponderncia institucional. Essa tendnciada economia norte-americana logo foi rompida nos Estados Unidos, eos economistas daquele pas, como no resto do mundo, tornaram-setericos at em excesso. Enquanto isso, eu me tornara um economistainstitucional.

    Assim, eu contava com o estmulo de permanecer continuamenteum rebelde contra a tendncia geral entre meus colegas, que seguiamum desenvolvimento cclico contrrio ao meu. Meu prprio desenvol-vimento, porm, no era movido por nenhum esforo de minha parteno sentido de me opor ao que fosse o saber convencional nos vriosperodos. Era, em vez disso, o resultado de minhas experincias depesquisa em novos campos, onde a teoria no bastava. Agora in-teressante descobrir que esse desenvolvimento posterior j estava anun-ciado nesse velho livro meu, escrito em meu perodo mais terico.

    O livro hoje reeditado no sofreu nenhuma reviso. Em especial,a mudana posterior em minhas idias sobre o problema do valor,mencionada acima, no exerceu nenhuma influncia nesse sentido. Seme lcito dar outros conselhos a um leitor que queira aprofundar-seem meu raciocnio, que no despreze as notas de rodap muitasvezes elas contm uma exposio mais completa de meus argumentos.

    Para elucidar melhor o ambiente na rea de economia na Sucia,na poca em que este livro foi concebido e escrito, e que mais tardeinfluenciou tudo o que ns, que ento ramos jovens, fizemos na vida,acrescentei como apndice um Post Scriptum de Value in Social Theo-ry e o obiturio de Cassel, escrito por mim quando ele morreu, em1945. Devo dizer que jamais terei tempo para escrever minhas mem-rias e que, portanto, talvez seja desculpado por este longo prefcio epelos Apndices.

    Gunnar Myrdal

    Instituto de Estudos Econmicos InternacionaisUniversidade de EstocolmoEstocolmo, agosto de 1971

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  • CAPTULO I

    Poltica e Economia Poltica

    A funo da cincia econmica observar e descrever a realidadesocial emprica, analisar e explicar as relaes de causa e efeito entreos fatos econmicos. Nosso objetivo cientfico adquirir um conheci-mento satisfatoriamente adequado do mundo em que vivemos, que noshabilite a prever acontecimentos futuros e, a partir da, tomar cuidadose satisfazer racionalmente nossos desejos. Contudo, estabelecer quaisdeveriam ser os nossos temores e desejos situa-se fora do domnio dacincia. Numerosos tipos de sociedade vm luz medida que obser-vamos a histria remota em diferentes regies e culturas. Por isso,uma importante etapa de nossa anlise criar e estudar sociedadesimaginrias de muitas espcies, construir modelos tericos baseadosem suposies abstratas. Mas a assero de que um estado da sociedade,real ou imaginrio, politicamente prefervel a outro no pode nuncaser inferida dos resultados do trabalho cientfico.

    No entanto, isso no significa que os resultados da pesquisa eco-nmica no possuam nenhuma importncia para a formao de opiniespolticas. Tais opinies se relacionam com a real situao da sociedade.Elas comportam desejos e planos para a preservao dessa situao,ou sua modificao de vrias maneiras e direes. Destarte, qualquerdiscusso poltica subentende determinadas convices a respeito defatos e as relaes causais entre eles. Os problemas econmicos tmlugar importante na controvrsia poltica, e os argumentos econmicosso constantemente empregados. Contrastando com os elementos dejuzos de valor que tambm esto presentes nas opinies polticas,esses argumentos so passveis de crtica objetiva e podem, por anlisecientfica, ser demonstrados como verdadeiros ou falsos. E todos eles,sem exceo, precisam de suplementao.

    Ao determinar esse alicerce para a opinio poltica, a cincia notranspe suas fronteiras. Logicamente, no so considerados juzos devalor de qualquer espcie. Contudo, o fato de que os juzos de valor

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  • com certeza desempenham, psicologicamente, um papel na formaode nossas noes sobre a realidade mais uma razo para insistir nacrtica eminentemente cientfica. O matiz emocional de nossa imagemda realidade o que os cientistas chamam de uma fonte subjetiva deerro, a qual se converte em preconceito.

    Quem duvida de que a discusso poltica deveria ser mais racionalnesse sentido? Submetendo crtica imparcial os argumentos que emuma polmica poltica se referem aos fatos e s relaes causais entreeles, a cincia econmica pode oferecer uma importante contribuiona esfera poltica. Freqentemente ou no, as opinies polticas anta-gnicas advm no tanto de juzos de valor divergentes a respeito domelhor estado futuro possvel da sociedade e da poltica necessriapara atingi-lo, mas das convices subjetivamente matizadas e, porisso mesmo, deturpadas a propsito das condies sociais reais.

    Ademais, s vezes perfeitamente possvel fazer previses cien-tficas sobre a probabilidade de alcanar um determinado objetivo po-ltico lanando mo de certos meios. tambm muito importante queno seja feita vista grossa aos efeitos subsidirios produzidos por umadeterminada medida poltica. No fluxo social, qualquer fenmeno dealguma forma ligado a outro fenmeno. As relaes causais envolvidasesto to enganosamente entrelaadas, so to difceis de ser notadasdiretamente, que s vezes aparecem na anlise cientfica como algocompletamente diferente do que pareciam ser. Assim, uma atitude po-ltica que parece perfeitamente justificada se os efeitos indiretos sodesprezados amide se revela absurda do ponto de vista dos mesmosjuzos de valor polticos quando todos os seus efeitos econmicos solevados em considerao.

    A poltica uma arte limitada pelo real e pelo possvel, e justa-mente por essa razo pode recorrer ajuda da cincia econmica. Opoltico pode esperar que o economista explique a situao real e apre-sente os efeitos de diferentes maneiras possveis de ao a respeito damesma situao inicial. Mas o cientista no deve se aventurar almdisso. Se pretende ir alm, necessita de outra srie de premissas queno est disposio da cincia: um juzo de valor para orient-lo naescolha dos efeitos que so politicamente desejveis e os meios possveispara complet-los.

    A avaliao epistemolgica aqui sugerida no , com certeza, pe-culiar do autor. Ao contrrio, ela representa o que tem realmente sidoa opinio oficial na teoria econmica durante quase um sculo. Noquinto dos seus brilhantes ensaios Sobre a Definio da EconomiaPoltica e Sobre o Mtodo de Investigao a Ela Adequado2, escrito

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    2 Essays on Some Unsettled Questions of Political Economy. 1844.

  • em sua juventude, John Stuart Mill procura restringir o objeto dacincia econmica ao estudo do concreto e do provvel. Senior argu-mentara com veemncia em favor da mesma opinio na sua preleoinaugural3 ao assumir a ctedra de Economia, recm-criada em Oxford,e jamais se cansou de insistir na mesma tese em seus trabalhos pos-teriores.4 Declarou ele claramente que as concluses dos economistas,quaisquer que fossem sua generalidade e verdade, no o autorizavama adicionar uma nica slaba de conselho.5

    Cairnes, o ltimo dos grandes autores clssicos, colocou a ques-to com mais vigor ainda.6 O objetivo da Economia Poltica, disseCairnes, visa

    no a alcanar resultados tangveis, no a provar qualquer tesedefinitiva, no a defender qualquer plano poltico, mas simples-mente a esclarecer, a revelar leis da natureza, a dizer-nos quefenmenos so encontrados juntos, que efeitos resultaro de taiscausas.7

    Ele defendia a opinio de que, em sua relao com a poltica, a Economia neutra, e conseqentemente no est acorrentada a este ou queleentre os vrios esquemas sociais concorrentes. neutra da mesmaforma que o estudo de mecnica imparcial em relao aos mtodosalternativos de construo de estradas de ferro, ou da mesma formaque a qumica neutra perante as diversas obras sanitrias. O escritorque no grava esses princpios de maneira indelvel na mente

    trabalha sob a constante tentao de divagar a partir dasidias que so estritamente adequadas ao seu assunto paracair em consideraes de eqidade e convenincia... Em lugarde dirigir-se ao problema, na conformidade da lei que estabe-lece que certos fatos resultam de certos princpios, passa aexplicar como a existncia dos fatos em questo est relacio-nada ao bem-estar social e eqidade natural; e em geralconsegue iludir-se com a idia de que resolveu um problemaeconmico, quando, na verdade, apenas defendeu, ou se con-venceu de ter defendido, um arranjo social.8

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    3 An Introductory Lecture on Political Economy. 1826.4 Artigo Political Economy in: Encyclopaedia Metropolitana. 1836; apareceu separadamente

    numa segunda edio, em 1850. Tambm: Four Introductory Lectures on Political Economy,1852; e Industrial Efficiency and Social Economy. Nova York, ed. Levy, 1928.

    5 Political Economy. 6 ed. 1872, p. 3.6 The Character and Logical Method of Political Economy. 1857; Essays in Political Economy,

    Theoretical and Applied. 1873; e Some Leading Principles Of Political Economy, NewlyExpounded. 1874.

    7 The Character and Logical Method of Political Economy. 3 ed. 1888, p. 34.8 Op. cit., p. 32.

  • Opinies anlogas so apresentadas por Bagehot,9 Sidgwick,10 JohnNeville Keynes,11 e outros autores. Formulada de vrias maneiras, en-contramos a mesma atitude nos compndios habitualmente utilizados emEconomia, inclusive naqueles mais populares. Na verdade, essa atitudedemonstra uma honesta ambio comum a todos os economistas: o desejode ver os seus trabalhos reconhecidos como uma verdadeira cincia.

    Lamentavelmente, o fato de que os economistas parecem, emgeral, estar de acordo no que concerne s limitaes da Economia Po-ltica como cincia, longe de esclarecer a questo, leva apenas a umanova dvida. Sabemos que ao longo do sculo passado os economistas,falando em nome de sua cincia, estiveram emitindo opinies a respeitodaquilo que consideravam ser socialmente necessrio. E ento puse-ram-se a calcular, imediatamente, baseando-se em suas descobertas cien-tficas, o curso de ao que economicamente desejvel ou correto,e tambm se opuseram a certas polticas com a alegao de que suarealizao diminuiria o bem-estar geral ou implicaria desprezar (ouat infringir) leis econmicas. Mesmo quando a reivindicao no claramente expressa, as concluses subentendem, sem sombra de d-vida, a idia de que a anlise econmica capaz de produzir leis nosentido de normas, e no apenas leis no sentido de repeties demons-trveis e regularidades de fatos reais e possveis.

    Desse modo, a teoria da livre-concorrncia no tem a pretensode ser apenas uma explicao cientfica do curso que as relaes eco-nmicas tomariam sob certas hipteses especficas. Simultaneamente,constitui uma espcie de prova de que essas condies hipotticas re-sultariam num mximo de renda total, ou na maior possvel satis-fao das necessidades na sociedade em geral. Destarte, a livre-con-corrncia, em bases lgicas e reais, transforma-se em mais do queuma srie de suposies abstratas, usadas como instrumento na anliseterica das relaes causais de fatos. Converte-se em um desideratumpoltico. De forma semelhante, os movimentos de capital e a distribuiode mo-de-obra entre distritos ou pases tm sido discutidos do pontode vista do bem comum, do bem-estar geral ou da economia mun-dial. Formularam-se teorias para estabelecer o timo de populao.Foram tambm modelados os princpios para a correta, justa oueqitativa distribuio da tributao. A teoria das finanas pblicas,

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    9 The Postulates of English Political Economy in Economic Studies. ed. pstuma, ed. Hutton,1879. Citamos da 2 edio, de 1895. Bagehot sustenta: Mas o objetivo dessa cincia muito mais humilde; ela diz que tais e quais foras produzem tais e quais efeitos, e praa. No expressa julgamento moral sobre nenhum deles; deixa para uma cincia maiselevada, e ainda mais difcil, a incumbncia de definir o que devia e o que no devia ser(p. 27).

    10 Principles of Political Economy. 1883.11 Scope and Method of Political Economy. 1891.

  • na verdade, ainda apresentada como um corpo de doutrinas queestabelece o sistema de tributao que deveramos impor.

    Selecionamos exemplos tirados dessa escola de Economia que con-tinuar a ser nossa principal preocupao neste livro. Mas a escolahistrica alem tentou da mesma maneira modelar um objetivo depoltica social. A crtica lanada por essa escola tendo como alvo oseconomistas da tradio clssica era dirigida contra a sua maneiraabstrata de raciocinar a priori e contra as atitudes normativas espe-cficas adotadas pelos autores clssicos, mais do que contra o estabe-lecimento de normas per se. Isso se aplica tambm aos partidrios daescola institucionalista moderna, nos Estados Unidos. Aqueles autoresretomaram as crticas feitas pela escola histrica. Criticam quase tudona herana clssica, salvo o ponto de aproximao normativo bsico.Sem serem muito claros a respeito disso, so de tal forma dominadospelo conceito de bem-estar geral quanto os autores clssicos.

    Existe uma clara discordncia entre os princpios da pesquisaem Economia e a sua prtica. Por um lado, acentua-se que a cinciaeconmica somente observa a vida social e analisa o que se pode esperarque acontea em diferentes circunstncias, e que ela jamais pretendeconcluir aquilo que os fatos devem ser. Por outro lado, todo economistatira na prtica tais inferncias. E as vrias teorias econmicas espe-cficas so, na maior parte do tempo, arranjadas com o objetivo mesmode as tirar. O resultado so os preceitos polticos de natureza supos-tamente cientfica e objetiva. Seria como se as expresses observaese fatos no possussem o mesmo significado em Economia como pos-suem na terminologia cientfica de outras reas. Os economistas pa-recem ter acesso a uma esfera de valores que so igualmente objetivose observveis. Talvez estivssemos enganados quando falamos de prin-cpios epistemolgicos que podem jactar-se de cem anos de contnuoreconhecimento. possvel que somente as palavras sejam iguais, en-quanto seu significado diferente.

    Qual seria ento o significado dessas proclamaes da possibili-dade de que a cincia econmica possa chegar a concluses polticas?Se acreditarmos que existe uma esfera objetiva de valores dentro dolimite dos fenmenos observveis, por que ento devem os autoresquebrar a cabea para acentuar que a nica preocupao da cincia a observao e a explicao do mundo concreto ou realmente possvel,e que est alm de seu poder estabelecer preceitos polticos? Se real-mente existem coisas tais como os valores cientificamente verificveis,por que no deve a cincia dar ao averiguador uma percepo objetivadaquilo que economicamente desejvel?

    bvio que a situao exige uma anlise conceptual. O nicomtodo adequado compreende o levantamento do desenvolvimento his-trico das idias em foco, passo a passo, desde seu incio. Tentaremos

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  • fazer isso mais adiante, em nossa anlise das doutrinas especficas.No momento, tentaremos traar somente uma perspectiva geral.

    Os fisiocratas e Adam Smith partilham a honra de haver ima-ginado a teoria econmica como um sistema logicamente coerente derelaes causais. O objetivo inicial de sua anlise era o estado natural:um modelo ideal (Idealtyp) da sociedade de fato existente e ao mesmotempo uma definio da sociedade que eles sustentavam deveria existir.Por causa dessa identificao, a formulao das regras normativas erapara eles o objetivo principal da anlise terica. Isso esclarece o motivopelo qual no procuraram estabelecer nenhum limite entre a sua cinciae a poltica racional.

    Afirma-se que a anlise de Ricardo resultou em um progressono sentido de um conceito mais moderno da cincia econmica. Defendiaele a idia de que o primordial problema em Economia determinaras leis que regulam a distribuio da renda.12 Mesmo assim, a teoriade Ricardo tambm era fundamentalmente baseada na filosofia da leinatural. verdade que a utilizao, por Ricardo, do termo lei natural,comparada com o sentido que Adam Smith dava a semelhantes con-ceitos, mais aparentada com o significado na qual empregado nasCincias Naturais e menos com as noes de teleologia normativa.Essa mudana de nfase j evidente nos trabalhos dos autores fran-ceses que seguiram os fisiocratas: Garnier, Canard e, principalmente,J.-B. Say. bem conhecido que Ricardo havia estudado esses autorese tambm que se inspirara neles, principalmente em conseqncia doconselho de James Mill, que, com suas leituras mais amplas e suacapacidade mais atilada de analisar os princpios contidos nas questesfilosficas, tornou-se nessa rea mestre de seu amigo mais velho, em-bora fosse seu discpulo em teoria econmica.

    O desapreo que essa gerao pioneira dos economistas clssicosmostrou pelo problema de separar a cincia econmica da poltica emlugar alguma mais evidente do que no captulo de introduo doadmirvel Elements of Political Economy, de James Mill.13 O autortentou demonstrar que Economia Poltica , para o Estado, o que aeconomia domstica para a famlia. Quem quer que controle a eco-nomia de sua famlia obrigado a ajustar a oferta e a procura deprodutos e servios que no podem ser obtidos livre de custos. Deacordo com James Mill, a Economia Poltica a arte de obter o mesmoresultado no mbito maior de uma economia nacional. Mas essa apenas uma verso alterada da famosa declarao de Adam Smith.

    Apesar disso, Ricardo foi responsvel por uma profunda trans-formao na teoria da relao entre a cincia e a poltica, embora isso

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    12 Principles of Political Economy and Taxation. 1817, ed. Gonner, 1903; prefcio de Ricardopara a 1 edio, p. 1.

    13 1821, p. 1 et seqs.

  • no fosse tanto um esforo intencional, mas sim o resultado incidentalde sua maneira de raciocinar. Ricardo esforou-se mais que os seuspredecessores para definir as premissas que limitavam sua anlise.Alm disso, sua anlise era muito mais abstrata. Como ele trabalhavacom uma srie de premissas abstratas claramente definidas, tornou-senecessrio para os seus sucessores distinguir entre os dois ramos daEconomia, isto , a cincia e a arte, termos que mais ou menoscorrespondem s concepes alems de cincia terica e prtica.Nossas anteriores citaes de Senior, John Stuart Mill, Cairnes, Ba-gehot etc., objetivam ser vlidas somente no que se refere cinciaeconmica terica. A distino foi em princpio sugerida por J.-B. Say,cuja corrente de pensamento foi retomada, na Alemanha, por Rau.14

    Na Inglaterra, a idia foi levada mais adiante por Senior e John StuartMill em trabalhos aos quais j aludimos.

    de suma importncia entender o exato significado dessa dis-tino, e, talvez ainda mais, por que ela foi estabelecida. Depois deRicardo e at a reao empreendida sob o patrocnio da escola histrica,a teoria econmica era em geral concebida como um artifcio extrema-mente abstrato. verdade que Malthus e Tooke, para mencionar ape-nas dois, se interessaram pelos estudos estatsticos e histricos e queseus trabalhos nesse terreno foram tambm minuciosos e extensos.Mas, justamente por esse motivo, considerou-se que tais realizaesno pertenciam escola de Ricardo. Sustentava-se que o mtodo apro-priado teoria econmica precisava ser dedutivo e a priori. Todos osseus teoremas podiam ser extrados por processo lgico de um pequenonmero de postulados ou axiomas. Desse modo Senior reconheceu ape-nas quatro. Embora constitussem a fora da teoria, tambm lhe res-tringiam a significao. Malthus (e muitos autores depois dele) deveter levado esse mtodo em considerao quando observou que a Eco-nomia uma cincia de tendncias que, em um determinado caso,podiam ser compensadas por outras no consideradas na teoria.

    Em seu quinto ensaio, John Stuart Mill aperfeioou essa teoriado mtodo; mais tarde, definiu-a com maior preciso no Livro Sextode seu System of Logic, no qual trata das Cincias Morais. Os prin-cpios do mtodo de Senior eram essencialmente os mesmos. As dife-renas entre os dois escritores eram principalmente formais. JohnStuart Mill e mais tarde Cairnes, ambos mais versados em Filosofiado que Senior, foram veementes em acentuar que a teoria econmica uma cincia hipottica. Supunha-se que a verdade de qualquerdeduo depende da adequao das suposies. Senior, por outro lado,salientava que as hipteses no precisam ser arbitrariamente escolhi-das. Em vez disso, generalizaes vlidas deviam ser formuladas com

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    14 Lehrbuch der politischen konomie. Heidelberg, 1836/37.

  • base na realidade emprica.15 Senior acreditava que as suas quatrohipteses eram generalizaes que se ajustavam realidade quase perfeio.

    Excetuando-se essa diferena de realce, todos eles concordavamplenamente sobre a inconvenincia de tirar concluses precipitadas dateoria abstrata. Na verdade, advertiam contra esse perigo em termoscategricos. Todavia, a razo por que exigiam prudncia em matriade poltica era apenas porque Economia Poltica como cincia tericae abstrata faltavam alguns dos elementos empricos indispensveis sconcluses polticas diretas.16

    De acordo com a opinio geral, Mill tambm declarou que a cin-cia pode ser diferenciada da arte quase da mesma maneira pelaqual a compreenso o pode ser da vontade, ou o modo indicativo doimperativo. O primeiro lida com os fatos e o segundo, com os preceitos.17

    Mas deveria se lembrar que a quintessncia da filosofia utilitaristamoral, que naquela poca constitua a base do pensamento econmico,era a convico de que a vontade pode e deve ser igualmente racional,inclusive no que se refere finalidade objetivada.18

    Conseqentemente, a questo que estava em discusso no erao estabelecimento de uma linha demarcatria entre a cincia e a no-cincia. Naquela poca e naquele crculo especfico, as premissas paraessa distino estavam completamente ausentes. O ponto em questoera a delimitao de dois tipos de cincia. O estudo cuidadoso dostextos ir corroborar essa interpretao. E note-se que essa concepofoi conservada no trabalho de autores clssicos e neoclssicos poste-riores. Conserva-se, ainda hoje, nos textos da maioria dos autores dagrande tradio terica.

    Em outros termos, a diferena no era de princpio. Era ditada

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    15 Compare-se SENIOR. Four Introductory Lectures. 1852, p. 57 et seqs. et.16 "... A cincia da Economia Poltica pode ser dividida em duas ramificaes a terica e

    a prtica. A primeira, ou ramo terico, aquela que explica a natureza, a produo e adistribuio da riqueza, verificar-se- basear-se sobre algumas poucas proposies gerais,que so o resultado de observao, ou conscincia, e que quase todo homem, to logo asouve, admite-as como familiares aos seus pensamentos ou, ao menos, como pertencentesao seu prvio conhecimento... O ramo prtico da cincia, aquele cujo papel afirmar queinstituies so mais favorveis riqueza, um estudo bem mais difcil. Muitas de suaspremissas se baseiam nas mesmas evidncias das do primeiro ramo, pois elas so conclusesdele: mas h outras que dependem da induo de numerosos fenmenos, de difcil enume-rao e dos quais a seqncia real muitas vezes difere sensivelmente da aparente." SENIOR.An Introductory Lecture on Political Economy, p. 6 et seqs. Compare-se SENIOR. PoliticalEconomy. 1850 (6 ed., 1872, p. 124.)

    17 Mill escreve: A cincia uma coleo de verdades; a arte, um corpo de regras, ou orientaespara conduta. A linguagem da cincia isto ou isto no ; isto acontece ou isto noacontece. A linguagem da arte faa isto, evite aquilo. A cincia toma conhecimento deum fenmeno e se esfora por descobrir sua lei; a arte se prope um fim e procura meiospara realiz-lo. Essays on Some Unsettled Questions of Political Economy. 1844 (citadoda 3 ed., 1877, p. 124).

    18 digno de nota que Bentham, o mais importante representante dos primeiros utilitaristas,faz a mesma distino entre cincia e arte.

  • exclusivamente pela convenincia. E o fato de que esta fosse a nicamotivao foi algumas vezes claramente manifestado.19

    Dessa forma, era considerado igualmente natural e desejvel queos economistas polticos deviam aventurar-se alm da linha de demar-cao. A nica ressalva era que ento eles no mais estavam praticandoa teoria econmica no sentido rigoroso, mas se tornavam porta-vozesda superimposta cincia da filosofia moral. Do jeito em que as coisasse encontravam, essa extenso de suas tarefas no era especificamenteexigente. A filosofia social objetiva do utilitarismo, da qual a cinciaeconmica foi simplesmente uma das elaboraes especficas, era domesmo modo fcil de notar e prontamente acessvel.

    Como conseqncia, quando, mais tarde, John Stuart Mill en-frentou uma tarefa mais ampla, precisou apenas acrescentar ao ttulode seu livro uma frase a fim de tornar claro que ele estava operandodentro de um campo mais vasto que o da pura teoria econmica.20

    Para Sidgwick, todo o problema da demarcao estava reduzido a umaquesto de classificao. O estudante familiarizado com os seus Prin-ciples of Political Economy, ou, melhor ainda, com os seus Elementsof Politics, saber que o autor no achava impossvel discutir questespolticas e decidir a respeito delas de um ponto de vista cientfico ou, como diz ele mesmo, de um ponto de vista puramente econmicoou utilitarista. apenas difcil entender por que Sidgwick e muitosoutros autores fizeram tamanho alarde a respeito de um problemarelativamente insignificante de classificao.

    Alm do mais, no devemos esquecer que a teoria econmicapassou a preocupar-se cada vez mais com problemas concretos. Issofoi devido, em parte, crtica dirigida contra os textos clssicos peloseconomistas das escolas histrica e institucionalista; em parte foi oresultado do fato de haver-se tornado acessvel, de fontes particularese pblicas, um volume cada vez maior de material estatstico e histrico,que foi sendo coligido e analisado. Dos ltimos anos de vida de JohnStuart Mill para a frente, e especialmente depois de Cairnes, Bagehote Jevons, a maioria dos economistas se esforou para tornar as suas

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    19 "O problema de saber se a Economia Poltica deve ser considerada uma cincia positiva,ou uma cincia normativa, ou uma arte, ou uma combinao das duas, at certo pontouma questo apenas de nomenclatura e classificao." KEYNES, J. N. Scope and Methodof Political Economy. 1891 (citado da 3 ed., 1904, p. 35). A verdadeira questo se elaser sistematicamente combinada com investigaes ticas e prticas, ou se ser estudadano primeiro caso independentemente. A ltima dessas alternativas preferida sob funda-mentos de convenincia cientfica. Nosso trabalho ser mais completo e as nossas conclusestericas e prticas, da mesma forma, sero mais dignas de confiana se nos contentarmosem fazer uma coisa de cada vez. Op. cit., p. 47. Keynes est aqui apenas fazendo o sumriodos resultados obtidos pelos autores clssicos na sua discusso dessa questo.

    20 Principles of Political Economy, with some of their Applications to Social Philosophy. 1848;cit. da ed. Ashley, 1920.

  • teorias mais concretas. Marshall passou a ser o principal proponentedessa aspirao.

    De acordo com o que demonstramos, a separao entre cinciae arte era considerada resultado necessrio da abstrao euclidianada teoria clssica. A teoria do conhecimento familiar aos economistasnunca estabelecera uma clara diferenciao entre fatos e idias. Su-gestes ocasionais no sentido de que os valores no podem ser objeti-vamente determinados no eram explicitadas com muita convico econflitavam com a teoria bsica. Por conseguinte, verificou-se que osistema de pensamento baseado na autoridade clssica, que de algumamaneira ainda era considerado vlido, no tinha bases consistentes.

    Mesmo assim, os economistas continuaram a repetir em suasintrodues as frases convencionais a respeito da natureza no-polticada Economia Poltica. Mas evidente que isso era, em geral, feitomais como um cumprimento polido a uma venervel tradio e comouma advertncia a propsito da familiaridade do autor com as sutilezasfilosficas. Os autores em questo no podiam, de bom senso, atribuirgrande importncia a velhas frases estagnadas, especialmente quandose tratava de casos especficos de pesquisa terica, os quais no erammais atacados maneira a priori da escola clssica, porm completa-mente impregnados da pesquisa puramente emprica, e com freqnciaanalisados por meio dela.

    Lamentavelmente, a natureza cada vez mais emprica do estudode problemas especiais teve como resultado a diminuio do interessepelas questes fundamentais de mtodos e princpios, o que tornoumais fcil a permanncia de contradies lgicas. Dessa forma, encon-tramos um terico como Pigou apresentando a tese de que a Economia uma cincia positiva interessada nas coisas como elas so e no umacincia normativa preocupada com as coisas como elas deveriam ser e mesmo assim, concomitantemente, dedicando uma parte no des-prezvel de seu trabalho ao problema de calcular racionalmente quemodo de ao poltica o melhor possvel de um ponto de vista eco-nmico e utilitarista.21 Para dar outro exemplo: todo o objetivo de J.B. Clark pode ser resumido como uma tentativa de provar a tese deque, supondo-se a livre-concorrncia, a formao de preos atenderas necessidades de equanimidade, visto que a renda de cada pessoa deve,em conseqncia, corresponder ao valor de sua contribuio produtivapara a sociedade. Tambm Clark enfrentou a tarefa de realar o fato deque a cincia econmica como tal nada tinha a ver com a questo darelativa justia ou injustia das instituies, leis e costumes existentes.A mesma atitude manifesta-se na maioria dos tericos neoclssicos.

    Contudo, esse engano foi repelido por constantes crticas. O emi-

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    21 Economics of Welfare. 1920, p. 5.

  • nente economista holands Pierson efetuou uma anlise dessa questoque pode ser considerada irrefutvel se concordarmos com suas pre-missas. O verdadeiro intuito de Pierson era ver-se totalmente livredaquelas diferenciaes. Sustentava ele que a mais antiga definiode Economia como sendo a cincia que estabelece as regras que oshomens devem observar, se quiserem assegurar seu progresso material,no estava, afinal de contas, to longe do alvo.22 Ao defender essadefinio, Pierson no apenas se alinhou com os mais antigos autoresclssicos, e muitos de seus discpulos jamais fizeram a distino; tam-bm justificou o que era a prtica de todos os outros tericos. Elemesmo compreendeu e acentuou isso. Sua preocupao era obter queuma prtica comum e generalizada fosse reconhecida como um mtodocientfico aceitvel.

    Pierson achava que o carter supostamente cientfico da Eco-nomia advm do hbito de apresentar imperativos lgicos como indi-cativos gramaticais. O imperativo est implcito em tais indicativoscomo algo til ou algo prejudicial. Indagou ele se pode ter algumasignificao real o fato de a concluso prtica de um estudo tomar aforma de uma concluso no sentido de que o protecionismo seja pre-judicial, ou de uma recomendao no sentido da recusa de medidasprotecionistas. Nenhum autor, alegava ele, nunca explicou os efeitoseconmicos de vrios sistemas monetrios, estruturas agrrias, mtodosagrcolas, ou princpios de comrcio exterior, sem transformar os seusresultados em preceitos para conduta poltica. E por que no, j queesses preceitos no podem ser nada mais do que uma recapitulaodas suas ilaes cientficas?23

    Fazendo uma concesso lgica, Pierson admitiu que todas asidias a respeito daquilo que deveria ser possuem um sentido condi-cional. Os imperativos polticos que so insinuados pela afirmao deque um certo mtodo de ao aumenta o bem-estar material so, comcerteza, vlidos somente se supormos que ns realmente desejamosbem-estar material. Pierson admitiu tambm que possvel consideraroutros objetivos sociais para a ao poltica. Mas o limite que ele es-

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    22 Principles of Economics. 1902/12, trad. do holands. A fonte desta e da citao seguinteconsta da introduo de Pierson.

    23 Continua Pierson: Ter esquecido isso o principal erro daqueles cujas opinies estamosagora refutando. A Economia, dizem eles, ensina-nos o que : a Economia Poltica, o quedeveria ser feito. O que deveria ser feito? evidente que os chamados preceitos de economistasjamais podem ir alm de algo como o seguinte: presumindo que o Estado est preparadopara considerar seu princpio orientador o bem-estar material do povo, ele deve adotar esteou aquele mtodo de ao. Mas nenhuma atitude dessa espcie pode ser justificada seminvocar alguma lei econmica geral, e demonstrar como essa lei ir operar em determinadascircunstncias. Tudo depender do argumento, e todo o resto ser de importncia secundria.Uma vez que, por exemplo, tenha sido provado que uma restrio liberdade de comrcio prejudicial riqueza, acrescenta pouco ao valor da prova concluir com uma advertnciaao legislador no sentido de que, se ele deseja salvaguardar interesses materiais, deve adotarprincpios do livre-cmbio. Op. cit., p. 5.

  • tabeleceu entre o econmico e o social no um limite entre acincia e a poltica. , principalmente, como ele mesmo enfatizou, umafronteira entre duas cincias polticas. Ademais, a fronteira fluida mais fluida do que o prprio Pierson julgava. Contudo, consideradacom base em suas prprias premissas, sua crtica estava correta. impossvel traar uma linha terica entre a Economia e a Poltica pelaforma e com a significao to acentuadas pela maioria dos economistasem suas discusses metodolgicas. Insistir sobre tal fronteira seria,quando muito, intil pedantismo. compreensvel que os economistasprefiram afirmaes positivas e o emprego de pontos de exclamao.Mas se no temos outros fundamentos para chamar nosso trabalho decientfico, poderamos deixar o caso de lado como um exemplo de frau-dulento esnobismo. Pierson estava simplesmente apresentando o pro-testo do senso comum de muitos economistas tanto atuais comoprecursores contra a combinao da opinio de que a Economia uma cincia genuinamente positiva com a tentativa de estabelecer nor-mas para a Economia Poltica.

    O raciocnio de Pierson incontestvel, mas suas premissas soindefensveis. Se de fato fssemos conhecedores de uma gama de va-lores sociais que acessvel pesquisa, nossa cincia seria capaz defornecer aos polticos normas objetivas de Economia Poltica, e os eco-nomistas no teriam por que ocultar esse promissor estado de coisasdefendendo o contrrio. Se pudssemos realmente estabelecer cientifi-camente as condies exigidas para um timo de populao, se puds-semos determinar os princpios para estabelecer uma justa distribuiodos encargos tributrios, se pudssemos formular as condies para omximo de utilidade social resultante da produo e das trocas, seisso e muitas outras coisas estivessem ao nosso alcance, ento nossacincia seria normativa. Mas so precisamente perguntas como essasque no podemos responder. Uma incompreenso desse ponto funda-mental de epistemologia explica a maior parte dessa incerteza em ma-tria de princpios que ainda tende a solapar a base da cincia econ-mica. No devemos fazer as pazes com as meias medidas. A certezade que possvel alcanar um acordo satisfatrio nessa questo apenasuma forma de auto-sugesto.

    Essa causa de erro no acesso ao estudo da realidade social con-tamina a lgica e invalida a anlise. Devia-se admitir, no entanto,que, como resultado dos esforos de vrias geraes de economistaspara encontrar normas de poltica econmica, desenvolveu-se e aper-feioou-se um ncleo de teoria positiva. verdade, conforme observouMenger, que a Economia foi criada e alimentada por letrados que svezes se davam ao lazer de refletir sobre suas prprias pesquisas esubmet-las anlise lgica. Contudo, no presente estado da Economia,talvez no seja desperdcio de tempo atravessar o antigo terreno e

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  • procurar reavaliar a questo fundamental. Hoje, acumulamos enormequantidade de elementos empricos e numerosssimas anlises tericas,enquanto fazemos apenas uma idia muito vaga da verdadeira signi-ficao do nosso conhecimento e da melhor maneira de explor-lo como objetivo de enfrentarmos os enormes problemas polticos que agoraocorrem cada vez maiores.

    Max Weber, o grande erudito que contribuiu em numerosos cam-pos de pesquisa social, foi tambm um dos primeiros a acentuar comenergia o princpio de que a Economia, se quiser ser cientfica, deveser conservada wertfrei, isto , livre de juzos de valor.24 A crtica fun-damental de Weber transcendental e alicerada na moderna lgicaalem. Suas opinies so expostas principalmente em seu comentriocrtico a respeito das concepes marxistas da histria e da sociedade,e a respeito da escola alem dos economistas scio-polticos. Como re-sultado dos esforos de Schmoller, Schffle e Wagner, essa escola haviase tornado normativa, com uma tendncia a favor das reformas. Como passar do tempo ela tambm se tornara doutrinria, apesar de essedestino a ter ameaado desde o comeo.

    No de estranhar que Weber jamais tenha passado a umacrtica da especulao poltica da teoria econmica clssica e da neo-clssica. A elaborao de teorias econmicas no era estimulada naAlemanha de seu tempo. Na verdade, isso continuava a ser consideradoapenas remotamente interessante at dias bem prximos de ns, quan-do se deu um novo surto de pesquisa terica; esse ressurgir de interessedeveu-se influncia do Theoretische Sozialkonomie, de Cassel, pu-blicado no fim da Grande Guerra. Ademais, Weber era mais um so-cilogo e historiador do que um terico econmico.

    Na Sucia, Axel Hgerstrm, sombra de fundamentos filosficosgerais, tem criticado a cincia social normativa. Seu interesse dirige-separa as noes normativas e teleolgicas, originariamente fundamen-tadas na magia primitiva, que ainda aparecem na moderna jurispru-dncia. Contudo, a tese principal de Hgerstrm abrange uma rbitamuito mais ampla. No existem valores no sentido objetivo, mas so-mente estimativas subjetivas. Estas devem ser diferenciadas das per-cepes de realidade. Essa idia constitui o ponto de vista central daatual anlise crtica da teoria econmica.

    Nos captulos seguintes, nosso objetivo ser o de criticar as dou-

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    24 Suas principais contribuies nesse terreno so as seguintes: Die Objektivitt Sozialwis-senschftlicher und Sozialpolitischer Erkenntnis (1904) e Wissenschaft als Beruf (1919). Osdois trabalhos foram reeditados, junto com outros. na miscelnea publicada depois de suamorte: Gesammelte Aufstze zur Wiessenschaftslehre, Tbingen, 1923. Parte dos seus tra-balhos foi traduzida para o ingls. Ver Science as a Vocation no livro From Max Weber.Ensaios de Sociologia, traduzido por H. H. Gerth e C. Wright Mills, Londres. 1947, p. 129:Methodology of the Social Sciences. Glencoe. Illinois. Em um ponto, embora no importante,Weber parece hesitar em extrair todas as conseqncias de sua abordagem crtica do pro-blema do valor; ver cap. VIII, p. 232 et seqs.

  • trinas econmico-polticas no corpo do pensamento econmico que her-damos, baseando-nos em suas prprias premissas. A tese geral de quea cincia econmica, para ser cientfica, deve abster-se de estabelecernormas polticas foi aceita pelos mais importantes economistas durantecerca de cem anos e hoje um lugar-comum. Mas a plena significaodesse postulado parece no ser percebida de um modo geral e as dou-trinas polticas ainda esto conosco. Foram em princpio formuladaspor homens que acreditavam em sua objetividade e que tentaram pro-v-las cientificamente. Hoje em dia, alguns economistas so igualmenteexplcitos no seu emprego de mtodos normativos. Com maior freqn-cia, porm, as normas so suprimidas e aparecem apenas implicita-mente nas recomendaes polticas especficas apresentadas como re-sultado de anlises econmicas. Isso no , evidentemente, um pro-gresso em metodologia cientfica. Devemos, por conseguinte, sondarcom maior profundidade e atacar de dentro o sistema normativo eteleolgico do pensamento econmico. A solidez de uma teoria deveser experimentada com base em suas prprias premissas. Somenteuma crtica que imanente nesse sentido pode ter poder de convico.Devemos tornar clara, e em seguida explicar minuciosamente, a longacadeia de premissas e inferncias que se encontram sob as frmulascorrentemente aceitas da Economia Poltica.

    At aqui, traamos as linhas gerais da evoluo histrica que asidias a respeito dos objetivos e limitaes da cincia econmica sofrerama partir dos primeiros autores clssicos. Como introduo, devemos ajuntaralgumas observaes gerais sobre as doutrinas econmicas em si.

    Elas no apresentam plena homogeneidade, mas evidenciam sig-nificativas diferenas de contedo. O grau de uniformidade que, apesardisso, prevalece e que facilita o tratamento sistemtico deve-se emgrande parte herana comum das filosofias morais da lei natural edo utilitarismo a partir dos quais a especulao econmica se dividiu.

    O primeiro alicerce sobre o qual um sistema de teoria econmicafoi construdo foi a filosofia da lei natural. A troca, mais tarde, dafilosofia da lei natural pela do utilitarismo no ocorreu de repente eno provocou uma revoluo. Foi um processo gradual de expanso ereforo da antiga base. esta, ao menos, a interpretao sugerida pelaevoluo da teoria econmica. Primeiro, a distncia lgica entre asltimas premissas normativas e as concluses polticas aumentou pelainsero de etapas adicionais. Segundo, a ateno dirige-se a essasetapas adicionais estes so os elementos utilitrios acrescentados, ao passo que as premissas definitivas que so ainda as noesapriorsticas da lei natural se mantiveram na sombra. Benthamatacou o raciocnio circular em todos os argumentos baseados na leinatural, de acordo com o qual algo correto porque natural, ous vezes mais simplesmente porque correto. Contudo, o resultado

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  • de seus esforos foi apenas, conforme mostraremos, aumentar o di-metro do crculo lgico.

    As doutrinas econmicas receberam o seu objetivo normativo,suas principais categorias de pensamento e seus mtodos de prova dafilosofia da lei natural e do utilitarismo. Alguma latitude de movimento,e da concluses polticas divergentes, tornaram-se possveis atravsde certos defeitos de lgica no raciocnio normativo contidos nessesdois sistemas filosficos. Os sofismas lgicos so inevitveis quando ateoria econmica tenta a proeza logicamente impossvel de chegar aconcluses polticas sem premissas polticas. Dentro da latitude que oraciocnio normativo permite, os resultados so determinados psicolo-gicamente pelos preconceitos polticos da poca, pelo ambiente sociale pelas preferncias do autor. A arbitrariedade implcita no mtodonormativo dos dois sistemas filosficos subjacentes no conhecidapelos autores em considerao. Seu pensamento impreciso, emborade boa f. Suas doutrinas so o que hoje denominam-se racionalizaes.

    Ao passo, por exemplo, que muitos economistas, especialmentenos primeiros tempos, sentiram-se impelidos a demonstrar a eqidadeou convenincia da distribuio vigente da renda e da riqueza, outrostentaram provar o contrrio e preconizar reformas que, se efetuadas,substituiriam o sistema dominante por um mais eqitativo. Nas ltimasdcadas os economistas tentaram com freqncia contornar a questopor inteiro, pressupondo, por exemplo, a existncia de uma distribuioeqitativa da propriedade e da renda. Faz-se, s vezes, com que essapremissa tambm abranja todos os juzos de valor no econmicos arespeito de distribuio, mtodo usado por aqueles que desconfiam dassolues puramente econmicas do problema da correta distribuio.A hiptese formulada com o objetivo de o terico ficar livre paraestabelecer regras de troca, produo, tributao e todos os assuntosque, como ele pensa, podem ser isolados do problema da distribuioe, dessa forma, tornados independentes das premissas polticas.

    No obstante as numerosas concluses divergentes, as teoriaseconmicas possuem uma unidade morfolgica que mais bvia nateoria do Valor. Toda a histria do pensamento econmico marcadapela noo de que pelo recurso a operaes estritamente lgicas pos-svel formular, baseando-se em observaes empricas, o conceito deuma espcie de valor que de alguma forma mais profundo do queo simples valor de troca ou preo. Acredita-se que esse conceito devaser o ponto de partida de toda anlise econmica que de fato tentapenetrar abaixo da superfcie. tambm geralmente aceito que a teoriado valor possui uma significao central na construo das doutrinaseconmico-polticas. De fato, a teoria do valor est sempre implcitanos resultados polticos, mesmo quando no figurou explicitamente nomeio das premissas.

    O conceito clssico do Valor Real origina-se da filosofia da lei

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  • natural. Baseia-se no valor-trabalho e nas teorias da propriedade deHobbes e Locke. Sob a influncia da filosofia utilitarista, os autoresclssicos incluram um elemento psicolgico na teoria do valor. A teoriaclssica do Valor Subjetivo, ou teoria da utilidade marginal, era desdeo incio claramente psicolgica. , com efeito, apenas uma elaboraodo clculo hedonista prazer-dor de Bentham.

    A moderna pesquisa psicolgica abandonou por completo essetipo de explicao do que sucede na mente humana, e com ele todaforma de aproximao da psicologia associacionista hedonista. Os par-tidrios da teoria do valor subjetivo em Economia tm, conseqente-mente, tentado tornar o seu conceito de valor menos censurvel pelaeliminao do hedonismo psicolgico. Essa tendncia j era encontradanos trabalhos dos primeiros proponentes da teoria da utilidade mar-ginal, como Jevons e Walras, de certa forma tambm na obra de Menger,e com certeza na de Bhm-Bawerk. Lentamente, a teoria do valorsubjetivo foi reduzida a uma frmula vazia, com um mnimo absolutode contedo psicolgico. Valendo-se de grande engenhosidade terica,nada mais se fez do que uma complicada formulao de uma tautologiabaseada em definies circulares. O papel dessa intricada teoria mo-derna do valor, como havia sido o da mais simples, precursora clara-mente hedonista, foi disfarar os erros lgicos especficos que permitema ilao de normas polticas.

    Mas logo que os neoclssicos estabeleceram uma base psicolgica teoria do valor, ela se tornou puramente individualista. Por si sno permite inferncias polticas. As normas, por outro lado, devemindicar o que valioso para a sociedade como um todo. Disso decorreque a teoria subjetiva individual do valor necessita ser transformadaem teoria do Valor Social. A expresso valor social comumenteevitada. Apenas algum e raro terico persistente o bastante paradesenvolver o conceito. Contudo, uma noo onipresente, apesar deser expressa de muitas maneiras diferentes. Bem-Estar Geral um deseus sinnimos. igual noo do processo econmico como uma formacoletiva de administrao domstica coletiva dos interesses da socie-dade (Volkswirtschaft).

    A semelhana entre a sociedade e a economia de uma famliapatriarcal j tinha sido estudada por Adam Smith. E mesmo ele estavaapenas reformulando antigas convices que haviam sido sistematiza-das ao longo dos sculos XVII e XVIII, principalmente pelos camera-listas. J tivemos a oportunidade de referir-nos a uma exposio doassunto por James Mill. Como definio de Economia terica, a analogiacom uma economia socialmente administrada foi criticada em primeirolugar por John Stuart Mill. Em sua tentativa de estabelecer uma se-parao entre a Economia Poltica terica e a prtica, ele preferiu

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  • iniciar com uma crtica das opinies de seu pai sobre essa mesmaquesto.25 Apesar disso, continuou reputando a noo de uma economiaadministrada socialmente no antigo sentido, vlida para uma melhorcompreenso da Economia prtica.

    As noes de uma economia administrada socialmente e a dobem-estar geral, consideradas do interesse da sociedade como um todo,algo que pode ser observado e conhecido objetivamente, receberam vidanova da teoria subjeti