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AT6 - História Militar
OS EUA E A MODERNIZAÇÃO DAS FORÇAS AÉREAS SUL-AMERICANAS NOS
ANOS 1960
Vinicius Modolo Teixeira
Universidade do Estado de Mato Grosso
Julho / 2016
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Resumo
No fim dos anos 1960 as Forças Armadas dos países latino-americanos
estudavam a revitalização de seus equipamentos, em grande parte, oriundos do último
conflito mundial e recebidos dos estoques do governo estadunidense. Esses
equipamentos militares eram a espinha dorsal dos exércitos, marinhas e forças aéreas
da região que, no entanto, estavam chegando ao limite de sua vida útil e necessitavam
de rápida substituição. Com relação às forças aéreas, essas figuravam em um momento
de transição, com algumas buscando a aquisição de seus primeiros caças à jato e outras
de seus primeiros aviões supersônicos.
Os militares dos países sul-americanos, em atenção aos novos equipamentos
que eram introduzidos nos campos de batalha do sudeste asiático, na América do Norte
e Europa, passaram a vislumbrar sua incorporação em terras meridionais. Nesse
momento, no pensamento da caserna, o combate ao comunismo e a adesão ao bloco
ocidental liderado pelos EUA, habilitava os países da região a receberem tais armas, já
que, figuravam como aliados continentais da superpotência.
Este trabalho explora esse período da história militar dos países da América do
Sul, no tocante às negociações entre as forças aéreas desses países e o governo dos
EUA, visando a compra de aviões de combate supersônicos, bem como, a
modernização e manutenção das capacidades de combate de suas armas. A pesquisa
tem como base o acesso a documentos liberados pelo Departamento de Estado dos
EUA, nos quais figuram reportes, transcrições de reuniões, memorandos e outros
documentos que tratam sobre essas negociações. Além dos documentos oficiais, o
trabalho permeia as discussões com revisões bibliográficas e informações disponíveis
em sites que tratam de equipamentos militares e publicações especializadas.
Palavras-Chave: Força Aérea, América do Sul, Brasil, EUA.
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A Forças Aéreas Sul-americanas no início dos anos 1960
No início dos anos 1960 os equipamentos de aviação que eram utilizados pelas
forças armadas da região começavam a apresentar sinais de desgaste excessivo e
obsolescência frente aos aviões que estavam entrando em operação nos EUA e Europa,
os principais fornecedores desse material para América do Sul.
A preponderância dos EUA no fornecimento de equipamentos militares advinha
dos acordos firmados entre os países sul-americanos e esse país no pós-Guerra. Os
tratados e organizações que haviam sido criados, como era o caso do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), cumpriam o objetivo de alinhar esses
países ao interesse dos EUA no início da Guerra Fria. Em relação ao fornecimento de
material militar, em parte, a Segunda Guerra promoveu acesso a esses equipamentos,
como no caso do Brasil, que ao entrar no conflito foi um dos países que se uniu ao
Acordo de Empréstimo e Arrendamento1. Dentre outras vantagens que estavam
inseridas nesse acordo, os EUA se comprometiam a reduzir o preço dos equipamentos
militares que seriam enviados dos para o Brasil, com um abatimento de até 65% no seu
valor e o pagamento parcelado dos outros 35% com prazos estendidos (GARCIA, 2008).
Dessa maneira, durante o conflito, o Brasil conseguiu acesso a equipamentos que eram
utilizados na linha de frente pelas tropas dos EUA, modernizando suas forças armadas
rapidamente.
Para os outros países da América do Sul que não foram contemplados com esse
acordo e também não se envolveram diretamente no conflito mundial, o recebimento de
material bélico se inicia somente no pós-guerra, a partir da assinatura do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca, assinado em 1947, que vinculava todos os
países do continente a um acordo de cooperação militar com os EUA. Outro instrumento
que ligava os países sul-americanos aos EUA, pelo qual alguns dos acordos de venda
de armas eram firmados, foi a Junta Interamericana de Defesa (JID), originada ainda na
Segunda Guerra e posteriormente incorporada à Organização dos Estados Americanos
(OEA). No entanto, como aponto Martins Filho (2005), mais importante que esses
instrumentos, eram os acordos bilaterais em matéria de defesa que os EUA firmaram
com diversos países latino-americanos nos anos 1950, pelos quais possibilitavam seus
signatários a receberem ajuda, treinamento e equipamento militar dos EUA.
Nos anos 1960, a aviação de países como o Brasil e Argentina, que emergira do
conflito mundial com armas modernas e, em certa medida, ombreadas com suas
1 Acordo Lend & Lease, firmado em 3 de março de 1942. Esse acordo gerenciava a cessão, empréstimo e arrendamento de material militar dos EUA para os países pactuantes com preços e condições de pagamento extremamente vantajosos.
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congêneres do Norte, desfazia-se de seus aviões recebidos no pós-guerra e buscava
opções para manter atualizada sua força de combate. Colômbia, Chile, Peru e
Venezuela, que não haviam tido o mesmo acesso ao material que Brasil e Argentina no
pós-guerra, buscavam também uma melhora em sua aviação de combate, tendo a
pouco recebido seus primeiros aviões movidos a motores à jato. Nesse contexto, um
fator relevante para a modernização dessas forças aéreas eram as intenções dos
vizinhos em fazerem o mesmo, já que, vários desses países mantinham disputas
fronteiriças e essas armas se tornariam essenciais em caso de confrontação.
A composição da aviação desses países, de maneira geral, estava equipada de
maneira semelhante, com alas destinadas ao transporte, patrulha, treinamento e a
aviação de caça, responsável por interceptações e ataque. Quanto aos primeiros
seguimentos, as forças aéreas estavam equipadas, basicamente, com aviões como C-
47, C-46, Catalina e C-542, os quais ainda atendiam as necessidades dessas forças
armadas e estavam disponíveis em quantidades relativamente grandes no mercado.
Porém, no início dos anos 1960, os novos aviões de transporte já começavam a ser
introduzidos na região, sendo que, ao longo da década as forças aéreas de Brasil,
Argentina, Chile, Peru e Equador, viriam a incorporar aviões mais modernos, como
Hercules, HS 748 e Neptune3. No primeiro caso, esses aparelhos eram oriundos da
Segunda Guerra, vindos dos extensos estoques que haviam se formado após o conflito.
Já os aparelhos seguintes, representavam uma nova geração de aeronaves de
transporte, mais rápidos e capazes, porém, mais caros, sendo incorporados em
pequenas quantidades, não substituindo por completo os aviões mais antigos, que ainda
representavam os principais aviões da frota sul-americana. Assim, em grande medida,
as forças armadas da região até os anos 1960 ainda se nutriam dos despojos de guerra.
O acesso ao material militar começa a se tornar restrito nessa década, em parte pelo
grau de obsolescência em que se encontravam as máquinas da última grande guerra,
mas, principalmente, pela mudança na política dos EUA para a região.
Até 1961, o material obsoleto da II Guerra ainda garantiu transferências militares de material pesado sob o argumento da defesa contra agressões externas. Depois dessa data, mesmo a ajuda material passou a centrar-se, como veremos, em armas mais adequadas à luta contra a subversão. (MARTINS FILHO, 2005, p. 114)
2 Respectivamente, Douglas DC-3/C-47, Curtiss C-46, Consolidated PBY Catalina e Douglas DC-4/C-54, todos aviões de transporte projetados e construídos durante a Segunda Guerra ou no período imediatamente anterior. Eram responsáveis pelo transporte, lançamento de paraquedistas e, no caso do Catalina, por patrulhas marítimas. 3 Respectivamente, Lockheed C-130 Hercules, Hawker Sideley 748 e Lockheed P-2 Neptune, aviões projetados após a Segunda Guerra mundial, equipados com motores turboélices, mais modernos e maior capacidade de transporte, responsáveis por substituir os aviões acima em suas missões.
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No início dos anos 1960, portanto, começava a se esgotar os repasses de
armamento oriundo dos estoques estadunidenses ao mesmo tempo que os
equipamentos necessitavam de substituição e modernização. Em relação à aviação de
caça dos países sul-americanos, a situação que se apresentava era mais séria, já que,
seus equipamentos, além de envelhecidos, não contavam com sistemas modernos de
radar, orientação e comunicação, então em uso por outras forças aéreas no mundo. Por
volta de 1965, os principais equipamentos utilizados por esse seguimento nas forças
áreas da região, concentravam-se em aviões como Gloster Meteor, F-86 Sabre, DH
Vampire e F-80/T-33 Shooting Star, todos aviões desenvolvidos ainda durante a
Segunda Guerra e no seu período imediato (BERTAZO, 2006). De maneira geral, esses
aviões oriundos da primeira geração de jatos de combate, possuíam capacidades
limitadas para os anos 1960, sendo aviões subsônicos e equipados exclusivamente com
metralhadoras e canhões, em comparação aos novos modelos equipados com
aparelhos de radar e mísseis guiados.
Nesse momento, o que era visto como a primeira linha da aviação de caça em
nível mundial eram aparelhos capazes de atingir velocidades supersônicas, armados
com sistemas de radar e mísseis guiados, possibilitando o voo em quaisquer condições
climáticas e maiores chances de concluir a missão. Nomeadamente, nesse momento,
temos como símbolo de modernidade na aviação de caça ocidental, os aviões norte-
americanos F-4 Phantom II e F-104 Starfighter, os britânicos Lightning, sueco SAAB
Draken e o francês Mirage III (BARROS; CLARO JR, 2007). A introdução desses
aparelhos já estava em andamento desde a segunda metade dos anos 1950 nos EUA
e na Europa, sendo iniciado também a venda para os seus aliados ao redor do mundo.
Dessa forma, os países sul-americanos, aliados dos EUA no combate ao comunismo e
signatários de acordos militares e de cooperação, acreditavam estar em condições de
pleitear a modernização de suas forças com equipamentos semelhantes.
As intenções de modernização e a visão dos EUA
No início dos anos 1960 as forças aéreas da América do Sul já se atentavam à
necessidade de substituição dos vetores que compunham sua aviação de combate, com
intenções de modernizá-las com equipamentos semelhantes aos que chegavam às
linhas de frente das forças armadas dos EUA e países da Europa.
No Brasil, o principal avião de caça, o Gloster Meteor, de origem inglesa, estava
obsoleto e apresentava fadiga de suas estruturas, fato que obrigaria a sua retirada de
operação ao longo dos anos 1960 (BUTLER; BUTLER, 2006). Peru, Bolívia, Colômbia
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e Venezuela estavam equipados com alguns exemplares do caça F-86 Sabre, recebido
em pequenas quantidades ao longo dos anos 1950. O Chile contava com exemplares
do caça De Haviland Vampire, de origem inglesa. Já a Argentina, que também havia se
equipado com uma versão mais antiga do Meteor, como saldo de suas dívidas com a
Inglaterra, logo após a Segunda Guerra, também havia recebido aviões F-86 de origem
estadunidense. O recebimento desses últimos, esteve envolvido com o cancelamento
do projeto do jato nacional Pulqui II, primeiro avião à jato construído na América do Sul,
com características semelhantes ao Sabre (BERTAZO, 2006). Sem exceção, os
aparelhos citados acima estavam defasados em relação aos aviões mais modernos que
entravam em operação nos países desenvolvidos, os quais eram capazes de voos
supersônicos em qualquer condição meteorológica, além de serem equipados com
radar e mísseis guiados.
Ciente das necessidades de substituição dessas aeronaves, os EUA passaram
a disponibilizar versões de treinamento e caça do avião F-80 Shooting Star, que desde
o fim dos anos 1950, eram entregues a esses países como complementação as suas
frotas, passando gradativamente a ser o avião mais numeroso na América do Sul, mas,
assim como os outros, estava completamente obsoleto (BERTAZO, 2007).
Nesse momento, as opções para o reaparelhamento das forças aéreas sul-
americanas estavam basicamente vinculadas aos EUA e Europa, estando descartada
qualquer opção oriunda do bloco soviético. Dessa forma, devido aos acordos da JID e
TIAR, além da chegada ao poder de regimes militares na América do Sul, os EUA eram
vistos como principal parceiro regional, do qual se esperava também o seu
comprometimento com o reaparelhamento das forças armadas sul-americanas.
Para os EUA, no entanto, a América do Sul, apesar de ser importante território
para sua geoestratégia da Guerra Fria, era secundária no que dizia respeito às
necessidades de defesa em relação ao conflito Leste-Oeste, sendo mais importante em
sua ótica, o combate interno aos grupos subversivos que requeriam armamentos menos
sofisticados (MARTINS FILHOS, 2005). Essa posição é defendida em um documento
datado de outubro de 1964, quando o então conselheiro de segurança nacional,
McGeorge Bundy, em memorando destinado aos secretários de Defesa e Estado, expõe
a necessidade de criar uma nova estratégia para lidar com as forças armadas da
América Latina, diminuindo a ajuda através dos programas de assistência militares e
condicionando esses países ao seu próprio orçamento de defesa. O objetivo básico
dessa iniciativa era reestruturar as forças armadas dos países latinos à sua realidade,
com ênfase à segurança interna (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1964).
Assim, o interesse dos países sul-americanos em modernizar suas forças
armadas acabaria por entrar em atrito com a geoestratégia dos EUA. Por um lado, os
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países do continente estavam interessados em adquirir equipamentos para suas forças
aéreas equivalentes aos operados pelos países capitalistas desenvolvidos, buscando
elevar o moral de suas tropas e suas capacidades operacionais. Por outro, os EUA viam
essa modernização como desnecessária para os objetivos que arrolavam à esses
países, além da possibilidade de que com novos equipamentos as tensões fronteiriças
que estavam incubadas passassem à confrontação aberta, já que, os aparelhos
requisitados provinham capacidades de ataque até então inéditas no continente.
Essas hipóteses ficam claras quando se avaliam os documentos oficiais
originados no Departamento de Estado dos EUA, referentes ao registro de reuniões,
memorandos e telegramas diplomáticos, que transcrevem as falas e pensamentos de
altos membros do governo e das forças armadas desse país, entre os anos de 1965 e
1975, período mais significativo para a modernização da aviação de combate das forças
aéreas da América do Sul. Esses documentos demonstram o contínuo interesse por
parte de alguns países da região em adquirir aviões de combate dos EUA, enquanto
esse país fazia tentativas de oferecer equipamentos mais adequados aos seus próprios
interesses, protelando a modernização das forças aéreas sul-americanas.
Nesse sentido, o primeiro documento a que recorremos traz informes sobre os
interesses de modernização das forças aéreas da região, novamente, através de um
memorando do conselheiro de segurança nacional, McGeorge Bundy, destinado para o
então presidente, Lyndon Johnson, datado de 19 de outubro de 1965, que revela as
negociações com a Argentina sobre 50 caças A-4 Skyhawk, um avião de ataque
subsônico. Segundo esse documento, a liberação para a venda desses aviões foi
realizada após a certeza de que os oficiais argentinos estavam obstinados a adquirir
aviões de combate franceses, sob os quais os EUA eram reticentes, já que, queriam
distante a influência francesa e a manutenção dos equipamentos militares do continente
com padronização estadunidense (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1965).
O interesse por parte dos países sul-americanos em adquirir aeronaves
supersônicas volta a ser tema de discussões em junho de 1967, quando a possibilidade
da compra de caças franceses pelo Peru se torna iminente. Segundo aponta o
telegrama destinado à embaixada dos EUA nesse país, datado de 17 de junho, a
primeira reação por parte dos EUA é enviar seu embaixador no Peru ao encontro do
presidente Fernando Belaúnde, concedendo-lhe permissão para negociar caças F-5,
que seriam financiados através do Military Assistance Program (ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA, 1967a). O objetivo específico dessa reunião seria conseguir a desistência,
por parte do presidente peruano, da compra de material militar francês. No entanto,
nesse mesmo momento, é de conhecimento das autoridades dos EUA que a entrega de
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suas aeronaves ao Peru poderia levar entre dois e três anos para se efetivar, tornando-
se um ponto negativo nas negociações.
Poucos dias após a reunião no Peru, em 04 de agosto, um telegrama oriundo da
embaixada dos EUA no Brasil, transcreve a conversa do embaixador estadunidense
com o presidente brasileiro, General Costa e Silva, a respeito da compra de caças
supersônicos. O presidente relatava sua experiência com a ajuda estadunidense
durante a Segunda Guerra, quando o Brasil recebeu grandes volumes de material dos
EUA e gostaria, naquele momento, de aumentar os suprimentos de material militar
moderno, através da cooperação bilateral com os EUA.
Em segundo lugar, Costa e Silva salientou a questão da moral na Força Aérea Brasileira. Ele falou sobre a bem conhecida natureza e grau de obsolecência da maior parte do equipamento na Força Aérea Brasileira. Ele ressaltou que a perda de moral era uma preocupação constante para ele. [...] Costa e Silva disse várias vezes que, em qualquer caso, a compra de equipamentos avançados, incluindo aviões supersônicos, não representaria um sério dreno na economia do Brasil. No caso de Mirages franceses, ele disse que os franceses haviam demonstrado disposição de aceitar pagamentos extendidos entre oito e dez anos (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1967b, p. 512-513, tradução nossa)
Nesse momento, frente a possibilidade de introdução de aviões supersônicos na
América do Sul, a comunicação oficial do Departamento de Estado dos EUA a esse
respeito, torna-se intensa. O caso mais preocupante, segundo apontam os documentos,
seria o já adiantado estado das negociações entre Peru e França. Em um período de
seis meses, entre junho e novembro de 1967, a questão dos Mirage é registrada em
memorandos internos, reuniões e troca de documentos com embaixadores ao menos
doze vezes. Essa intensidade demonstra a preocupação das autoridades dos EUA em
ralação a introdução de armas sofisticadas na América do Sul, bem como, sua tentativa
de contorná-la, oferecendo seus aviões como opção.
Em outubro do mesmo ano, a questão volta a ser discutida, na qual, mais uma
vez se expressa a preocupação quanto a possível demora para a venda e entrega de
aviões F-5, os quais somente estariam disponíveis para o ano de 1969 e, ainda,
precisariam ter sua venda liberada pelo congresso. O documento traz a informação que,
além do Peru, o Brasil havia deixado transparecer o desejo pela aquisição desses
aviões. No entanto, um ponto de destaque dessa discussão se apresenta quando o
então conselheiro de segurança nacional, Walt Rostow, revela que, caso o Peru não
desista da compra de aviões franceses Mirage, isso resultaria em retaliação da Aliança
para o Progresso (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1967c). Segundo Walter (2010)
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essa retaliação poderia vir na forma da suspensão da compra de algodão produzido no
país, ampliando as dificuldades econômicas em que se encontrava o Peru. O mesmo
documento admite a necessidade de que para o Peru adquirir as aeronaves F-5, além
da desistência da compra dos Mirage, deveriam ser seguidas algumas condições, como
manter uma política econômica sólida e sem gastos militares elevados (ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA, 1967c).
Dessa forma, o interesse dos EUA em impedir que o Peru tivesse acesso aos
aviões Mirage, além da oferta de caças F-5, contava também com uma ameaça
econômica ao país, a qual poderia trazer resultados imprevistos. No entanto, como não
estavam em condições de fornecer os caças F-5 no tempo requerido pelo Peru,
vislumbra-se também a tentativa de atrasar a introdução de aeronaves supersônicas na
América Latina.
O assunto sobre a venda dessas aeronaves não se esvanece e pouco
mais de três meses depois, já em 1968, uma nova discussão, registrada nos
arquivos do Departamento de Estado com o título “As prováveis consequências
da recusa de venda de aviões F-5 para a América Latina”, traz importantes
considerações a esse respeito. Esse documento é bastante incisivo quanto aos
efeitos políticos e estratégicos em relação ao fracasso da venda de F-5 às
nações sul-americanas. Nele, são demonstradas que apesar das autoridades
dos EUA reconhecerem a necessidade e importância da venda dessas
aeronaves para a relação com os países da região, sua venda ainda não estava
autorizada, podendo trazer consequências para a estratégia dos EUA na
América do Sul.
Uma das preocupações pontuadas era o possível relacionamento com
países europeus que poderia emergir dessa negativa, além do ressentimento e
um pensamento anti-estadunidense, o que os faria perder a preponderância no
fornecimento de equipamentos militares, ao mesmo tempo que possibilitaria aos
países sul-americanos o acesso a materiais sofisticados. Essas consequências,
caso a venda não fosse autorizada, ficam claras no trecho abaixo:
Um certo número de países da América Latina , depois de ter posto em espera a substituição de equipamento militar obsoleto por alguns anos, estão determinados a realizar uma aquisição em breve de itens específicos. Eles vêem uma necessidade particularmente urgente para aviões a jato, e os governos da Argentina, Brasil, Chile, Peru e Venezuela receberam garantias recentes de autoridades dos EUA de que o F-5 serão disponibilizados. Se os EUA agora se recusarem a fornecer F-5, o ressentimento nesses países será forte. Alguns ou
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todos eles quase certamente decidiram adquirir jatos Mirage. Eles também se deslocariam para uma maior dependência dos países europeus para o fornecimento de outros tipos de equipamento militar, e talvez para treinamento militar também. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1968, p. 160, tradução nossa)
As dificuldades para o sucesso das negociações envolvendo a venda de aviões
F-5 esbarravam na política interna dos EUA, já que, os congressistas haviam
estabelecido vetos e limites à exportação de armas a países latino-americanos.
Segundo Martins Filho, “A partir de 1967, alguns parlamentares desencadearam forte
ofensiva contra a política de ajuda militar ao Terceiro Mundo” (2005 apud CHILD, 1978).
Essas medidas restritivas coincidem com a crescente necessidade de novos
equipamentos pelos países sul-americanos, causando o descompasso nas relações
militares dos EUA com esses países.
O golpe inicial veio com as emendas Conte-Long e Symington ao Foreign Assistance Act de 1967. A primeira delas proibia o emprego da ajuda militar para “a transferência de armas ‘sofisticadas’ às nações subdesenvolvidas, exceto onde o presidente a considerasse ‘vital para a segurança da nação’” (Kaplan, 1975:419). A segunda estabelecia a limitação de ajuda econômica a países com gastos militares excessivos. (MARTINS FILHO, 2005, p. 45-46)
Essas emendas não se restringiam somente à América Latina, sendo que, o
documento que registra o encontro do Conselho Nacional de Segurança, datado de
fevereiro de 1968, aponta que problemas semelhantes quanto às proibições da venda
de armas sofisticadas poderiam ser esperados de países africanos e asiáticos, dentre
eles, Nigéria, Congo, Jordânia e Afeganistão. O interesse do governo, como aponta o
documento, era convencer os congressistas a retirarem suas emendas, já que isso
inviabilizava os interesses dos EUA em determinados países. Segundo o documento,
“A emenda Symington cria uma situação que é suportável, mas juntos com a emenda
Conte/Long, nos deparamos com um problema impossível” (ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA, 1968b, p. 213, tradução nossa).
A despeito das preocupações dos EUA quanto ao efeito dos atrasos nas
negociações dos aviões de caça para com os países da América do Sul, outros
documentos reconhecem que esse atraso havia sido proposital. As justificativas, no
entanto, estão atreladas às possíveis preocupações quanto a preservação de recursos
financeiros dos países compradores.
Desde 1963 o Governo EUA tem tentado atrasar a aquisição de aviões militares supersônicos na América Latina, ou pelo menos diminuir o ritmo. Ao fazê-lo, esperavá-mos limitar o desvio de recursos latinos de propósitos essenciais ao desenvolvimento económico para usos
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militares, menos importantes. Os esforços em conjunto com políticas de persuasão contra a introdução precoce de jatos supersónicos com o compromisso dos EUA para fornecer alguns aviões de caça tipo F-5 para vários países durante 1969-1970 dará tempo mínimo para atingir suas metas mínimas de modernização. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1969, p.1, tradução nossa)
Internamente, a situação para a venda de aviões F-5 para os governos sul-
americanos aparentemente não encontrou solução, continuando a ser uma questão
problemática nos idos de 1969. Nesse momento, dada a deficiência em que se
encontravam os seus equipamentos, alguns países sul-americanos já haviam se
resolvido pela compra de aviões franceses ou estavam prestes a fazer os acordos que
resultariam na compra dos Mirage III.
Dessa forma, o receio quanto a participação europeia na composição de
equipamentos militares na América Latina havia se tornado uma realidade e, uma vez
rompida essa resistência inicial, outros setores das forças armadas se sentiriam
tentados a negociar contratos com Inglaterra, Alemanha, Itália e França. No entanto, na
visão de países governados por militares, os EUA ainda eram a fonte prioritária e de
maior confiança para o fornecimento dos equipamentos de defesa.
A decisão do Peru em 1967 para comprar aviões franceses Mirage resultou em parte de nosso grande atraso na resposta ao seu pedido de um firme compromisso para fornecer F-5. As Forças Aéreas da Argentina e Brasil têm estado a ponto de ordenar os caros Mirages ou aeronaves equivalentes por vários meses - retido apenas pelas preocupações dos Presidentes Onganía e Costa e Silva sobre as disponibilidades orçamentais e sua aparente contínua preferência para armas dos EUA. A Força Aérea do Chile está pressionando para a autorização do Governo do Chile para comprar F-5 ou seu equivalente. A Venezuela provavelmente irá procurar alguma aeronave mais moderna do que seus F-86 uma vez que ele conhece os planos de compra de aeronaves da Colômbia. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1969, p.2, tradução nossa)
Dessa maneira, a decisão de comprar os caças à jato, franceses, na visão dos
EUA, veio somente depois que o Departamento de Estado e de Defesa tinham atrasado
a solicitação peruana para a compra de jatos F-5, menos sofisticados. O atraso,
aparentemente, gerou ressentimentos de alas mais nacionalistas das forças armadas
peruanas, especialmente da força aérea, que se irritou com o que seus membros viam
como uma dependência de materiais militares ultrapassados oriundos dos EUA
(WALTER, 2010).
A atenção dos EUA também se voltava para uma tentativa de gerenciamento
das rivalidades entre os vizinhos sul-americanos, já que, vislumbravam a possibilidade
de que o fornecimento de aviões com maior alcance e capacidade militar viesse a
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desencadear as contendas incubadas na região. Nesse sentido, a possível liberação
para armas sofisticadas deveria ocorrer a todos os países, evitando imbróglios quanto
a liberações preferenciais ou parciais. “It we assist Colombia to obtain F–5’s, a decision
to refuse to assist Brazil will be interpreted as a deliberate political act.” (ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA, 1969, p.3).
O que se apreende da leitura desses registros do departamento de Estado é que
as intenções de modernização das forças armadas dos países sul-americanos
esbarravam nos interesses dos EUA e, mesmo que setores do governo desse país se
interessassem pela venda de aeronaves, isso seria feito utilizando um modelo de
aeronave mais limitado, não sendo liberado a compra de aeronaves mais avançadas.
O Peru, primeiro país do continente a encomendar uma aeronave de caça
supersônica, fez sua opção pela França, adquirindo os aviões Mirage III. Já para os
outros países sul-americanos, o impasse na modernização de suas forças aéreas
adentraria pelos anos 1970, o que os forçou a seguir o mesmo caminho do vizinho,
optando pela solução francesa. A visão negativa quanto à possível utilização desses
aviões e as rivalidades na América do Sul era ampliada pela mídia dos EUA, que
divulgava a compra dos aviões franceses pelo Peru como um alarme. “In early October,
the Mirage purchase decision became front-page news in the United States. Various
articles in the New York Times, for example, related the decision to accelerating arms
race in Latin America (WALTER, 2010, p. 107).
Por volta de 1971, a venda de caças F-5 já era dada como certa, porém, alguns
países viam sua escolha como limitada, questionando quanto à possível venda de
aeronaves mais potentes. Em julho de 1971, o presidente venezuelano Rafael Caldera,
fez chegar até o então vice Conselheiro de Segurança Nacional, Alexander Haig, o seu
desejo de adquirir aeronaves F-4 Phantom II, o que na visão de Haig, poderia se tornar
uma questão embaraçosa para as relações dos EUA com a região, mais uma vez tendo
como justificativa as rivalidades entre os vizinhos.
Colômbia, cujas relações com a Venezuela estão atualmente tensas devido a uma disputa fronteiriça, iria reagir bruscamente para a venda de F-4 do para a Venezuela. Eles iriam ver a venda como favoritismo, particularmente desde que lhes disse no ano passado que iria vendê-los apenas aviões da geração F-5/A-4. Apesar da ênfase do presidente Caldera sobre a natureza defensiva do F-4, ele tem a capacidade de bombardear Bogotá. Seria extremamente difícil de explicar para outros países latinos, como o Brasil e a Argentina, por que estamos fazendo uma exceção para a Venezuela quando nós recusamos os seus pedidos de F-4 do anteriormente. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1971, p.1 Tradução nossa)
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A venda dessas aeronaves F-4 para a América Latina nunca se concretizou,
sendo um modelo utilizado apenas por países com relações mais estreitas com os EUA,
como Japão, Espanha, Turquia e Israel. Já em relação à venda de aeronaves F-5, o
passo seguinte era conseguir a liberação das armas que esse modelo de avião utilizava,
principalmente os mísseis Sidewinder, tornando-se mais um fator de discussão e atraso
dos EUA. Com isso, a opção francesa ganhou ainda mais força, conquistando as vendas
de aeronaves Mirage para a Argentina e Brasil em 1972.
O impacto de novas vendas de aviões Mirage fez com que a liberação dos F-
5 fosse revista e acelarada, em uma tentativa de impedir novas encomendas do jato
francês. Inicialmente, as propostas dos EUA eram para a venda de caças F-5 de
primeira geração, que havia tido péssima avaliação pela Força Aérea Brasileira.
Posteriormente, com a entrada em operação dos caças Mirage, os EUA fizeram
propostas para a venda do modelo mais recente da a aeronave, a versão E, que acabou
bem avaliada pela FAB (BARROS; CLARO Jr, 2007).
Assim, já em 1973 o Brasil faria o seu pedido de aviões F-5, encomendando
42 desses caças, inicialmente, sem os esperados mísseis Sidewinder, que ainda
encontravam a resistência da emenda Conte/Long, por serem consideradas armas
modernas. “Os brasileiros acreditavam, quando compraram a aeronave F-5E para o
crédito em 1973, que eles seriam autorizados a comprar o Sidewinder também nos
mesmos termos” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1975a, p.316, tradução nossa).
Com o início da entrega dos jatos, em 1975, os mísseis Sidewinder foram liberados, já
que, Venezuela e Argentina já os havia adquirido sem resistência do congresso. Porém,
os mísseis que efetivamente seriam liberados eram oriundos das versões iniciais dessa
arma, construída ainda nos anos 1950 e não mais utilizada pelas forças dos EUA e seus
principais aliados.
A compra das aeronaves F-5 ficaria restrita apenas a Brasil, Venezuela e Chile,
sendo que, os dois últimos comprariam suas aeronaves em 1970 e 1974,
respectivamente, com contratos limitados a 18 aeronaves cada, não sem experimentar
as mesmas restrições e atrasos que o Brasil (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,
1975b). Em contrapartida, a compra de aeronaves francesas foi bastante superior,
tornando a França o principal fornecedor das aeronaves que modernizariam as forças
aéreas na América do Sul.
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Considerações Finais
O processo de modernização das forças aéreas da região, iniciado na década
de 1960 seria concretizado ao longo dos anos 1970. Como visto, esse processo se fez
de maneira bastante conturbada, dadas as tentativas dos EUA de impedir o acesso a
material militar moderno pelos países da América Latina. Essas restrições faziam parte
da estratégia estadunidense de orientar os gastos das forças armadas da região ao
combate contra insurgentes de esquerda, evitando o envio de armas que não tinham
esse perfil de utilização. Entretanto, essa política, que fica clara com as contínuas
negativas ao acesso de aeronaves supersônicas, levou os militares sul-americanos a
buscarem outros fornecedores para suprir suas necessidades.
As consequências do atraso estadunidense em atender as demandas por
aeronaves modernas, assim como previsto em 1967, haviam se concretizado, com o
aumento da influência de países europeus no fornecimento de equipamentos para as
forças armadas da América do Sul e, com a consequente perda de confiança dos EUA
como parceiro militar. Essa situação se tornaria ainda mais grave no fim dos anos 1970,
quando o Brasil denunciou o acordo militar com os EUA, dadas as novas restrições
impostas nessa década.
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