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Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique Por Pedro Maunde Universidade Eduardo Mondlane, 2010

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Page 1: Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique

Os impactos do trabalho migratório sobre as

comunidades rurais de Moçambique

Por

Pedro Maunde

Universidade Eduardo Mondlane, 2010

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Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique

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Sumário

Capítulo I………………………………………………………………………………….1

1 Introdução…………………………………………………………………………1

1.1. Objectivos…………………………………………………………………..…….1

1.1.1 Objectivo geral………………………………………………….....1

1.1.2 Objectivo específico……………………………………………….1

1.2. Hipótese……………………………………………………………………….….1

1.3. Pressupostos metodológicos………………………………………………. ....….1

Capítulo II…………………………………………………………………………………2

1. O trabalho migratório em Moçambique…………………………………………...2

1.1. Conceitualização…………………………………………………………….2

1.2. As causas de emigração em Moçambique…………………………………..2

1.2.1. Factores endógenos ……………………………………………….3

1.2.2. Factores exógenos…………………………………………………3

2. A emigração de mão-de-obra moçambicana para África do Sul, 1930-1974……..4

Capítulo III………………………………………………………………………………...5

1. Os impactos do trabalho migratório nas comunidades rurais de Moçambique…...5

1.1. O caso da zona sul de Moçambique……………………………………….6

1.1.1. A nível económico………………………………………………...6

1.1.2. A nível social……………………………………………………...9

1.1.3. A nível demográfico………………………………………. ……10

2. Conclusão……………………………………………………...…………………11

I. Cronologia

II. Bibliografia

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Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique

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CAPÍTULO I

1. Introdução

O presente trabalho pretende trazer uma análise sobre o trabalho migratório em

Moçambique, na perspectiva de visualizar os impactos que este implicou sobre as

comunidades rurais, sob ponto de vista económico, social e demográfico no período

de 1930 a 1974.

A escolha deste período justifica-se pelo facto de enquadrar-se nele o

estabelecimento do nacionalismo económico do estado colonial português,

caracterizado pela centralização administrativa e política, redução dos direitos das

companhias não portuguesas e a promoção das culturas agrícolas de algodão e arroz.

1.1. Objectivos 1.1.1. Objectivos gerais

Pretende-se com base nas análises do presente ensaio de uma forma geral saber

até em que medida o trabalho migratório contribuiu para as transformações

económica, social e demográfica nas comunidades rurais de Moçambique.

1.1.2. Objectivo específico

De uma forma específica, pretende-se neste ensaio identificar e avaliar os

impactos económico, social e demográfico do trabalho migratório nas comunidades

rurais moçambicanas, no período de 1930 a 1974.

1.2. Hipótese

Os impactos do trabalho migratório nas comunidades rurais de Moçambique

fizeram-se sentir de maneira diferente em diferentes comunidades, atendendo as

especificidades de cada região, e isto contribuiu para o surgimento de uma nova

estratificação social no seio das comunidades.

1.3. Pressupostos metodológicos

Para a realização deste ensaio, foi feita a revisão bibliográfica de obras

disponíveis na Biblioteca Brazão Mazula, Centro de Estudos Africanos e no Arquivo

Histórico de Moçambique, para além da literatura existente no gabinete 302 do

Departamento de História, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais.

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Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique

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CAPÍTULO II

1. O trabalho migratório em Moçambique

Falar do trabalho migratório em Moçambique é algo não tão simples como nos

parece, pois requer a sistematização do conhecimento de vários autores que

abordaram este assunto em diferentes contextos. Porém, afigurar-se pertinente antes

de mais, tentar trazer um quadro teórico conceptual sobre o trabalho migratório.

1.1. Conceitualização

De acordo com Maia (2002:240), no “Dicionário de Sociologia”, o termo

migrações pode ter uma ampla acepção em resultado das diferentes escalas espacio-

temporais que o sustentam. Este refere que na definição da ONU, as migrações

existem quando se dá a alteração do espaço inicial de residência para um outro lugar

relativamente distanciado pelo menos durante um ano, quer dentro ou fora do país.

Para o estudo que pretendemos efectuar, abordaremos acerca das migrações vistas

na perspectiva de movimentações de mão-de-obra moçambicana ao serviço do capital

mineiro sul africano que foi regulamentado pelo Estado Colonial português.

1.2. As causas de emigração em Moçambique

A partir da última década do século XIX, a África Austral registou uma dinâmica

do sistema colonial, caracterizada pela abertura de plantações, industrias mineiras e

pela construção de portos e caminhos de ferro, o que originou a forte pressão sobre a

mão-de-obra local (das Neves, 1990:5).

Para o período de conquistas e subjugação dos povos africanos, a emigração de

trabalhadores moçambicanos espelhou a característica da história económica colonial

de Moçambique no subsistema económico da África Austral, razão pela qual

podemos sintetizar os factores de natureza endógena e exógena que causaram a

emigração.

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1.2.1. Factores endógenos

Segundo Das Neves (1990:6), a incapacidade económica de Portugal para a

exploração de Moçambique, fez com que algumas regiões do País passassem a ser

dominadas pelo capital internacional expresso nas companhias. Estas, por sua vez

estavam sub-capitalizadas e mal equipadas para efectuarem as suas obrigações, daí

que o mussoco 1 e outras formas de tributação constituíram o principal recurso

financeiro.

Para o caso da zona centro de Moçambique, que não foi tão diferente das outras,

mercê dos seus meios de trabalho e austentando a capacidade de usá-los em seu

próprio benefício, o campesinato teve meios alternativos para assegurar o pagamento

do imposto em dinheiro resultante da produção e comercialização agrícola para evitar

o ingresso no mercado de trabalho, o que preocupou a administração colonial que em

reacção optou por reduzir as alternativas do campesinato tendo o coagido a vender a

sua força de trabalho.

Saturado de situações desta natureza entre outras, o campesinato sentiu-se forçado

a emigrar para outras regiões, quer dentro ou fora de Moçambique a procura de

melhores condições, bem como ao serviço da economia colonial Portuguesa (Ibidem.

p.8).

1.2.2. Factores exógenos

De acordo com Covane (1989: 13), no período entre 1850 a 1860, ainda antes do

estabelecimento efectivo da administração colonial, os homens emigravam de

Delagoa Bay para as plantações de cana-de-açúcar do Natal. Só a partir de 1870, a

emigração viria assumir um carácter mais intenso e permanente depois da descoberta

dos jazigos de diamante de Kimberley em 1867.

Para sustentar este facto, Covane (1989) salienta que foi formada a Liga de

Trabalho pelos plantadores de trabalho do Natal em 1871, para a resolução de casos

1 Trata-se do imposto a que as famílias moçambicanas estavam sujeitas a pagar regularmente à administração colona na zona centro do País.

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de disputa de mão-de-obra que era desviada tanto para as minas de diamantes no

Estado Livre de Orange, incorporadas pela Inglaterra na sua colónia do Cabo.

Podemos assim dizer que, entre as causas da corrente migratória, quer para a

África do Sul, quer para Rodésia do Sul, encontramos as dinâmicas do capital

financeiro britânico nos esforços de galvanização do imperialismo britânico, o que

também se fez sentir no período aqui em análise.

As condições2 e relações de trabalho vigentes, tanto na África do Sul, assim como

na Rodésia do Sul, levaram as populações a encararem a emigração como alternativa

viável.

2. A emigração de mão-de-obra moçambicana para África do Sul, 1930-1974

Difícil é falar do trabalho migratório a partir de 1930, sem recuar no tempo para

buscar alguns dos antecedentes, sobretudo, relacionados com convenções e decretos

que nortearam toda uma conjuntura de acontecimentos nas relações entre

Moçambique e África do Sul.

Não se pretende, aqui, discutir sobre acordos e regulamentos principais por este

não ser o nosso objecto de estudo, mas sim tentar demonstrar que o governo colonial

português e a União Sul-africana exploraram a mão-de-obra moçambicana com

recurso a legislações específicas favoráveis ao desenvolvimento da economia colona.

De acordo com Gaspar (2006:37), de maneira a assegurar a satisfação das

necessidades de mão-de-obra para as minas sul africanas, o governo colonial

português e as autoridades sul africanas, assinaram vários acordos e decretos, tendo

em vista facilitar a saída de migrantes, situação essa que conferiu a África do Sul, o

monopólio do recrutamento directo de trabalhadores no sul do Save. Esta situação

conferiu por sua vez ao pagamento deferido do trabalhador migrante em moeda

estrangeira 3 ou em ouro. Perante esta conjuntura situacional, o governo colonial

português pagava aos migrantes usando a moeda local4, o que lhe permitiu tirar

vantagens com a acumulação de divisas.

2 Económicas e a procura de vantagens materiais oferecidas noutros lugares. 3 Libra esterlina. 4 Escudo português.

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Olhando para o teor dos acordos e decretos rubricados no período antecedente e

posterior a 1930, uma das medidas tomadas em relação a mão-de-obra moçambicana

foi o decreto de 21 de Maio de 1927, elaborado pelo então Ministro português das

colónias, João de Belo, que consistia na (1) obrigatoriedade de repouso dos mineiros

por 12 meses, (2) proibição de recontrato pela União5, (3) 50% das receitas da

emigração destinava-se aos serviços do Estado, pese embora este instrumento não ter

sido executado devido a pressões que o capital mineiro sul africano e britânico

exerceram sobre as autoridades portuguesas, que bloquearam as possibilidades da

colónia portuguesa obter financiamentos para o desenvolvimento do sul de

Moçambique (Covane, 1989:79).

A convenção de 1928 entre a União Sul-africana e o governo colonial português

previa um número limitado de mão-de-obra6 recrutada para o Rand, o que reflectiu

um jogo político tendo em vista alcançar objectivos económicos que apenas seriam

possíveis com a manutenção de exploração de mão-de-obra (Covane, 1989:89).

Nesta óptica, o que pode nos obstar pensar que a limitação de mão-de-obra

recrutada para o Rand, através da convenção de 1928, tenha sido no intuito de o

governo colonial português satisfazer as necessidades de mão-de-obra para o

desenvolvimento da agricultura colona em Moçambique com a introdução da cultura

forçada de algodão?

CAPÍTULO III

1. Os impactos do trabalho migratório nas comunidades rurais de Moçambique

Neste capítulo reside o cerne do nosso objecto de estudo, o que suscitará a

necessidade de analisar de uma forma pouco profunda, as abordagens que diferentes

autores usaram na análise dos impactos do trabalho migratório sobretudo, nas

comunidades rurais de Moçambique. O que na verdade se pretende é procurar, com

5 Proibia a recontratação de mineiros ausentes por mais de 13 meses, que passaram a ser considerados emigrantes clandestinos. 6 100.000 trabalhadores a recrutar, que seria gradualmente reduzida numa proporção fixa de 5.000 por ano até atingir o mínimo de 80.000 em 1933.

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base nos pontos de vista de diferentes autores, avaliar os impactos do trabalho

migratório sobre as comunidades rurais do nosso País, no período de 1930 a 1974.

1.1. O caso da zona sul de Moçambique

1.1.1. A nível económico

Segundo Covane (2001:128), com a introdução do sistema de pagamento deferido

nas minas a partir de 19287, parece ter facilitado a alguns migrantes para usar as suas

economias na aquisição de charruas em Moçambique ou trazidas da África do Sul a

partir de 1930. Foi assim que membros de várias famílias camponesas no vale do

Limpopo8, apareceram e estabeleceram-se como produtores e com possibilidades de

acumulação.

Os que podiam se dispor de meios para a aquisição da charrua podiam colaborar

com os que tinham gado para se complementarem, tal como foi o caso de Mathetho

Sitóe e seu amigo professor na Igreja Católica local, citados pelo Covane (2002:133),

que decidiram compartilhar os seus insumos, o que corresponde ao espírito de ajuda

mútua.

De acordo com Covane, citado por Chifunga (2007:5), com a implantação dos

planos do Fomento, o campesinato perdeu as suas terras férteis, expropriadas pelo

governo colonial para o estabelecimento de povoamento branco em forma de

colonatos, o que relegou os camponeses a usarem terras altas, obstruindo os esforços

feitos pelos migrantes que fizeram maiores investimentos na agricultura.

Perante este cenário, o vale de Limpopo, concretamente em Chibuto, a agricultura

não era rentável, o que fez com que muitos agregados familiares optassem no trabalho

migratório nas minas do Rand, como estratégia de sobrevivência (Gaspar, 2006:75).

Se a agricultura do campesinato deixou de ser rentável com a implantação dos

planos de Fomento no vale do Limpopo, o que significou a estratégia de

sobrevivência optada pelos agregados familiares dos migrantes do Rand na economia

rural?

7 Convenção de 1928, entre a África do Sul e Moçambique sobre o trabalho migratório. Prevê a transferência do pagamento deferido para Moçambique. 8 Ao longo da província de Gaza.

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Para Gaspar (2006), com os salários das minas foram adquiridos os importantes

instrumentos agrícolas, tais como enxadas, gado, charruas nas lojas de portugueses ou

indianos que aplicavam bons preços comparativamente aos aplicados na África do

Sul.

Esta posição revela-nos que não obstante ter havido a expropriação das terras

férteis com a introdução dos planos de Fomento, o migrante continuou a depositar

confiança na agricultura com investimentos em instrumentos agrícolas para

incrementar rendimentos na economia doméstica.

Com a convenção de 1928, assistiu-se uma nova dinâmica no comércio rural pois

para Covane (2001:170), os cantineiros nas diferentes aldeias do sul de Moçambique

reconheciam que sua prosperidade dependia dos migrantes. Para justificar esta

situação, este autor refere que pelo facto de a aldeia de Ressano Garcia ter funcionado

como o primeiro posto para o pagamento deferido de todos os emigrantes, os

cantineiros de Gaza, Inhambane e do distrito de Lourenço Marques enviaram petições

ao Governador-Geral reivindicando o estabelecimento dos postos de pagamento

deferido nas zonas de origem dos migrantes.

Um exemplo do Covane (2001), que demonstra a magnitude de exploração dos

migrantes pelos comerciantes rurais foi o requerimento elaborado por dezasseis

comerciantes de Xinavane ao Governador-Geral em 1939, para a aprovação de um

horário para a paragem de duas horas do machimbombo para que os migrantes

pudessem gastar o seu dinheiro nas suas lojas para assegurar a sobrevivência do

comércio rural.

Covane (2001:191), procura mais uma vez ilustrar até em que ponto o trabalho

migratório foi bastante útil nalguns regulados, que tiveram suas economias

melhoradas ao ponto de algumas pessoas tal como Eduardo Cuna9, ter sido capaz de

construir uma casa.

A dependência entre os migrantes instruídos passou a manifestar-se de forma

diferente, pois tornaram-se os primeiros a adquirirem viaturas e a desenvolverem-se

como agentes transportadores de mercadorias da África do Sul às aldeias de origem

dos seus clientes e compatriotas, apesar de não haver sistema de seguro em caso de

9 Ex-régulo de Chókwè.

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perdas de mercadorias para caso de transportadores que se enganavam nos seus

destinos Covane (2001:210).

Segundo Covane (2001:214), um relatório publicado em 1954, reportou que

anualmente, os africanos que iam à África do Sul enviavam dinheiro às suas famílias

para pagar imposto de palhota e as suas dívidas nas cantinas, através de cantineiros10

da ladeia natal, que cobravam taxas elevadas pelos seus serviços prestados, para além

de que o dinheiro enviado era gasto nas suas lojas.

Perante este cenário, os funcionários governamentais sugeriam que um

esforço fosse feito no sentido de persuadir os trabalhadores na África do Sul a

enviarem as suas economias através do sistema oficial de depósitos, o que não surtiu

efeito porque os cantineiros eram encarados, pelos trabalhadores migrantes e suas

famílias como valiosos11 aliados em períodos de escassez e das calamidades naturais.

Para justificar o impacto do analfabetismo na vida dos migrantes das

comunidades rurais, Covane (2001:214-215), sustenta que anualmente, milhares de

cartas, a maioria contendo dinheiro, não eram entregues pelos correios porque não

estavam suficientemente endereçadas ou porque continham indicações imprecisas,

tais como: “Para minha mãe”; “Para minha esposa” ou “Para o meu pai”.

Na verdade é lógico aferir que com o analfabetismo dos migrantes, ao enviarem

encomendas que continham valores monetários insuficiente identificadas, os

comerciantes indianos estabelecidos nas comunidades rurais saíram beneficiados.

De acordo com Gaspar (2006:82), a dependência do sul de Moçambique pelo

trabalho migratório tornou-se em si, aspecto negativo para a economia desta região,

visto que os dividendos que resultavam das minas até 1970 eram baixos e, não era

possível através dos mesmos promover um investimento significativo local, excepto

na agricultura de plantações.

Em suma, o trabalho migratório no sul de Moçambique teve um impacto

significativo na economia rural, com particular destaque para os comerciantes locais e

administração territorial ao serviço do estado colonial português.

10 Cantineiros indianos. 11 Apesar das fraudes que os indianos cometiam, não hesitavam em fornecer comida ou outros artigos a crédito.

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1.1.2. A nível social

De acordo com Roesch, citado por Covane (2001), a introdução de charruas e bois

despoletou o surgimento de um pequeno estrato de produtores agrícolas vocacionados

para o mercado na região baixa do Limpopo, designados localmente por

“machambeiros”12.

Arriscamos dizer que, porque este pequeno estrato de produtores acumulava

riquezas devido a venda de excedentes agrícolas era visto a nível da comunidade com

um status quo que lhes diferenciava do restante da população rural, isto significou a

existência de uma estratificação social no seio da população rural.

Um dos exemplos da importância do trabalho migratório nas comunidades rurais

é evidenciado na obra de Gaspar (2006:73-74), que por exemplo, retrata as razões que

levaram Jaime Cuinica do Alto Changane13 a migrar para as minas em 1949, onde um

dos objectivos era conseguir recursos para se casar.

Eram considerados homens maduros aqueles que tinham ido às minas, casado e

possuidor de gado, devendo-se respeito social a estes e para o caso dos que não

tinham ido às minas eram vistos como mulheres (Covane, 2001:190).

Os que se envolveram no trabalho migratório com algum nível de formação,

tinham alternativas para capitalizar as suas habilidades como escrivão de cartas ou se

tornavam professores ou evangelistas quando eles voltavam para casa (Covane,

2001:197).

Aos homens que não migravam eram subestimados, até mesmo por mulheres e

socialmente estigmatizados e objectos de comentários pejorativos na comunidade,

alegando-se estar sob efeito de drogas ou bruxaria por parte de suas esposas para os

manter sob controlo (Covane, 2001:198).

Para este autor, eram bem vistos na comunidade, particularmente pelas mulheres,

os migrantes que levavam intervalos não muito longos entre os contratos, mas quando

um homem ficasse muito tempo em casa tinha tendência de assumir tarefas

12 Aqueles que cultivam nas machambas. 13 Um dos postos administrativos do distrito de Chibuto, na provincial de Gaza.

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femininas14, particularmente em situações de escassez de comida, razão pela qual

entoavam a seguinte canção:

“Você não emigra para a Africa do Sul

Porque você quer controlar a comida nos pratos”.

Segundo Covane (2001:201-202), com os rendimentos do trabalho migratório os

homens podiam pagar o lobolo para a organização de novas famílias ou alargamento

das já existentes lobolando outras esposas, razão pela qual as mães de emigrantes

solteiros e esposas de migrantes que estavam interessadas em que seus maridos

tivessem outras esposas entoassem a seguinte canção:

“Como é que vai casar aquela menina bonita

Oh homem! É uma vergonha gastar todo dinheiro no Djoni

Viste? Até mesmo calças, cinto e pente você não tem

Além disso eu paguei todas as suas dívidas.”

As expectativas que as pessoas tinham sobre a relação entre o trabalho migratório

e a economia rural eram contraditórias sob ponto de vista da abordagem social15, de

acordo com alguns músicos tais como Alberto Mucheca, Mário Ntimane, Luís

Sibanyoni e Mateus Vilanculos, citados pelo Covane (2001:202).

1.1.3. A nível demográfico

Segundo Covane (2001:200-202), um grande número de migrantes morria nas

minas e os que regressavam, estavam doentes arrastando consigo doenças que

espalhavam à restante população, razão pela qual a região sul perdeu um importante

número de população masculina, e outros optavam por uma migração permanente.

Isto significou a perda de milhares de filhos e maridos, o que por sua vez explica

as razões da disparidade assistida no número de casamentos masculinos e femininos,

em que as mulheres eram as mais prejudicadas pois não conseguiam encontrar

parceiros.

14 Cuidar das crianças, preparar e distribuir a comida. 15 Desordens nos lares, a economia rural, condições difíceis de trabalho nas minas, a prostituição praticada pelas esposas dos emigrantes e a embriaguez.

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Segundo Gaspar (2006:82), o sistema migratório não foi um “paraíso” para as

comunidades rurais, pois teve aspectos negativos devido a natureza do trabalho

pesado, o que implicou índices elevados de mortes e doenças nas minas.

Esta posição corrobora com a de Covane (2001), e nela podemos aferir que o

trabalho migratório trouxe implicações no processo de reprodução familiar, pois

muitas crianças ficaram órfãos de pai e mulheres ficaram viúvas.

3. Conclusão

O trabalho migratório no sul de Moçambique no período de 1930 a 1974, teve um

impacto significativo na economia rural, com particular destaque para os

comerciantes locais e administração territorial ao serviço do estado colonial português,

que teve a cobrança de impostos como uma das fontes de rendimento.

Através de convenções e decretos, o estado colonial português conseguiu criar

condições para a exploração do capital mineiro sul-africano resultante do pagamento

deferido dos migrantes moçambicanos, entre outras acções.

Não obstante ter havido benefícios na vida dalguns migrantes moçambicanos, que

investiram na aquisição de insumos agrícolas para a exploração agrícola, a introdução

de planos de fomento agrícola colona, sobretudo no vale do Limpopo, fragilizou as

iniciativas do campesinato. Alguns dos migrantes instruídos que constituíam a

minoria aproveitaram os rendimentos do trabalho migratório para investimentos, o

que lhes permitiu acumular riquezas.

Foi entre a minoria instruída e pequenos agricultores, que como resultado de seus

investimentos emergiram no seio das comunidades rurais, com um status quo que lhes

conferiam uma certa posição social, comparativamente a aqueles cujos rendimentos

não eram investidos para a criação de riquezas amoedáveis. Com os seus rendimentos

os migrantes conseguiram constituir suas famílias e em alguns casos lobolar mais

esposas. Os homens que não iam ao trabalho migratório foram estigmatizados nas

suas comunidades e reduzidos a sua importância social.

Como resultado das mortes que se verificavam nas minas, crianças ficavam órfãos

de pais e mulheres ficavam viúvas nas comunidades rurais. Também milhares de

crianças e mulheres perdiam os seus pais que emigravam definitivamente.

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I. Cronologia

1927- Introdução do repouso obrigatório para mineiros moçambicanos, através do

Decreto de 21 de Maio.

1928- Convenção de 1928 entre o Estado colonial português e a União sul-africana

1928 - Introdução do trabalho forçado e cultivo de algodão

1929 – Crise económica mundial

1930 – Início de aquisição de charruas por parte de migrantes moçambicanos

1930- Acto Colonial

1934 - Efeitos da crise económica na economia da Africa do Sul.

1939 - Requerimento elaborado por dezasseis comerciantes de Xinavane ao Governador-

Geral para a aprovação de um horário para a paragem de duas horas do machimbombo de

migrantes

1954- Relatório Oficial revela sobre taxas e facturação elevada de cantineiros roubando

aos migrantes

1959- Implementação de planos de fomento

1970-Baixos salários aos mineiros moçambicanos na Africa do Sul

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II. Bibliografia

Fontes escritas publicadas

1. COVANE, Luís A. As relações económicas entre Moçambique e a África do Sul,

1850 – 1964: Acordos e regulamentos principais. Maputo: Arquivo Histórico de

Moçambique, 1989 (Pessoal);

2. COVANE, Luís A. O trabalho migratório e a agricultura no sul de Moçambique,

1920 – 1992. Maputo, 2001 – Cota 94 (679), C873T – (Biblioteca Central Brazão

Mazula);

3. MAIA, Rui. (Coord). Dicionário de Sociologia: Dicionários temáticos. Porto:

Porto Editora, 2002. p.240. Cota: (038)31 D546d – (Biblioteca Central Brazão

Mazula).

Teses

1. CHIFUNGA, Manuel. A Relação entre o Trabalho Migratório e a Agricultura:

Estudo do caso do Distrito de Moamba, 1950-2000. Maputo, 2007 – Cota HT 234

(Biblioteca Central Brazão Mazula);

2. Das Neves, J. O trabalho migratório de Moçambique para Rodésia do Sul, 1913 –

1958/60. [Trabalho de Diploma do grau de Licenciatura]. Maputo: Instituto

Superior Português, 1990 – (Pessoal);

4. GASPAR, N. The reduction of Mozambican workers in South African mines,

1975 – 1992: A case study of the consequences for Gaza province – District of

Chibuto. Johannesburg: Faculty of Arts of the Witwatersrand, 2006 – gabinete

302 (Departamento de História).