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Os indígenas Payayá e o Distrito de Maria Quitéria: história, memória e ensino
Patrícia Matos de Almeida1
Larissa Cheyenne Nepomuceno de Jesus2
Este artigo é resultado do desejo em registrar um trabalho realizado a partir de um estudo
cuidadoso que objetivou pensar uma sequência didática que tocasse em uma questão ainda
desejosa de metodologias específicas, como é a da história da população indígena no Brasil,
neste caso, através do olhar sobre o povo Payayá.
Este trabalho está em curso, até a data em questão, e é desenvolvido na Escola José
Tavares Carneiro, localizada no distrito de Maria Quitéria, do município de Feira de Santana,
Bahia. Ele está relacionado ao Projeto Interdisciplinar da Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS) que, por sua vez, é vinculado ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação
à Docência (Pibid), configurado como uma iniciativa do Governo Federal para, através de
bolsas concedidas a alunos de licenciatura e professores da Educação Básica, aperfeiçoar a
formação de professores.
Assim, o Projeto Interdisciplinar propõe um diálogo entre a História, Literatura e
Geografia sem que se ignorem as especificidades de cada área de conhecimento em questão,
reforçando que “a educação interdisciplinar não elimina as disciplinas, ao contrario reorganiza
para torná-las comunicativas entre si” (OLIVEIRA, 2012, p. 3). Tal necessidade de
comunicação advém de um currículo dos Ensinos Fundamentais e Médios cada vez mais
engessados e fragmentados no qual as disciplinas são trabalhadas separadamente, a partir de
uma concepção linear, que não permite a presença de correlações entre elas.
Dessa forma, nos últimos anos, percebeu-se a necessidade de buscar diálogos, ainda
considerados como audaciosos, que objetivam um ensino das áreas em questão, e outras,
imbuídos de sentidos e significações importantes para o alunado. Além disso, a
interdisciplinaridade se configura como uma forma de repensar a concepção que se deseja ter
sobre a Educação e, portanto, de nada adianta se não a desenvolvermos sem superarmos a noção
de encadeamento das disciplinas.
1 Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). 2 Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Nesse contexto, Almeida (2004) nos mostra que a especialização científica,
desenvolvida especialmente no século XIX, influenciou o currículo escolar que temos ainda
hoje e, portanto, é preciso compreender que tal processo foi resultado de anseios próprios de
sua época não devendo, assim, ser demonizado, mas, entendido dentro de seu contexto
histórico. Esta compreensão é importante para que entendamos a existência da necessidade de
uma nova educação escolar que prime por novos desejos, frutos de uma nova época que anseia
por uma desfragmentação do ensino. Dessa forma, o autor reforça o debate chamando a atenção
para outra problemática:
O exercício da interdisciplinaridade no ensino não convive com o
autoritarismo, pois exige mudanças radicais que vão desde a concepção de
ensino, passando pela postura assumida pelos docentes nos processos de
construção e reformulação curricular e na relação professor aluno,
principalmente no que se refere ao acesso ao conhecimento, que não é
propriedade individual do docente, mas uma produção coletiva e histórica de
toda a humanidade (ALMEIDA, 2004, p. 9).
Assim, a educação interdisciplinar propõe uma mudança de postura dos profissionais da
educação, comunidade escolar e discentes para que se possa superar a linearidade e
fragmentações das relações humanas no sentido de que a transformação sobre a concepção de
educação que se quer alcançar possa, de fato, acontecer. Dessa maneira, o Projeto
Interdisciplinar, vinculado ao Pibid e a UEFS, e vivenciado na Escola José Tavares Carneiro
tem buscado viabilizar a realização de “trabalhos voltados à valorização do local e à afirmação
da identidadedos sujeitos. Assim, tem como perspectiva que os professores supervisores e os
bolsistas ID percebam-se como professores-pesquisadores de sua própria atividade no ambiente
escolar” (FERREIRA, MACÊDO, ARAGÃO, PINHEIRO, 2015, p. 247).
Assim, na perspectiva de buscar a valorização da história local, foi desenvolvido um
plano de trabalho para o ano de 2016 que trouxe à tona a memória com relação aos índios
Payayá que viveram na região onde se localiza a escola. Isto por que, percebeu-se que a história
do distrito de Maria Quitéria e da cidade de Feira de Santana pouco vincula a importância desse
povo para o seu desenvolvimento provocando, assim, um desconhecimento que empobrece a
construção de uma identidade local que reconheça os Payayá como parte da formação do distrito
e sua sede. Além disso, percebemos que tal silenciamento não corresponde, apenas, à uma
realidade especifica, mas, à um âmbito nacional que construiu uma história oficial que
negligencia a importância dos povos indígenas, em toda a sua diversidade, para a sua formação.
Nesse sentido, assim como há dificuldade em encontrar estes povos em documentações
escritas e oficiais no país, houve também obstáculos para se alcançar a história dos Payayá no
distrito de Maria Quitéria. Portanto, a partir da perspectiva do professor-pesquisador, buscou-
se recolher fontes históricas a respeito deste povo para a elaboração do plano de trabalho.
Assim, por meio do contato com professora Celeste A. P. de Oliveira, descendente Payayá,
pudemos conhecer a importância desse povo para a formação local. Ainda, seu depoimento foi
fundamental para este reconhecimento, pois, a maior parte da população de Maria Quitéria
enxerga a presença da população negra já que há uma comunidade quilombola nesta região,
mas, pouco ou quase nada se fala sobre a contribuição dos Payayá para sua história.
Nesse contexto, Celeste A. P. de Oliveira sugere que uma das dificuldades para tal
identificação se deva, provavelmente, ao fato de que os Payayá compuseram um grupo nômade
que frequentava a região por conta de suas lagoas abundantes no período. Portanto, apesar de
terem sido frequentes nos locais que, hoje, são parte do distrito feirense, não se fixaram ao
ponto de possuírem um poder de organização que resistisse às investidas portuguesas para
catequizá-los.
Dessa forma, com a chegada dos europeus nesta região, entre os séculos XVII e XVIII,
muitos fugiram e, assim, se dispersaram e outros acabaram casando e se relacionando com os
portugueses, por meio da religião, com a catequese. Entretanto, ela reforça que a catequização
e vivência com os estrangeiros não se deram de maneira pacífica e que, apesar do pouco poder
organizativo, tentaram resistir como podiam. A professora reforça afirmando que, suas bisavós
indígenas, contavam que foram pegas a “dente de cachorro”, como explica:
Gosto de usar essa expressão porque isso mostra que eles não eram tão
passivos e tão pacíficos como a história quer contar. Então, eles foram
aprisionados, obrigados a viver com o homem branco ainda criança [...] Meus
tataravós são índios 100%, já os meus bisavós, eu os conheci. Conheci minha
bisavó porque ela faleceu no século XX e muito idosa com cento e poucos
anos. As conheci e tinham todo o traço físico indígena. Tinham uma crença
de tudo o que era da natureza, não conviviam com o homem branco, elas
preferiram, inclusive, continuar morando no Boqueirão mesmo que os filhos,
mais tarde, migrassem para morar na sede do distrito, mas, viveram e
morreram perto da natureza (OLIVEIRA, 2016).
Compreendemos os cuidados exigidos pela História Oral, pois, sabe-se que a memória
do indivíduo seleciona as lembranças a partir de relações subjetivas que não podem passar por
despercebidos pelo pesquisador. Além disso, todo documento é imbuído de intencionalidade
política e, nesse caso, a depoente tem a necessidade em reafirmar a importância dos Payayá
para a história da localidade em questão.
Assim, por não encontrarmos este povo, de forma substancial, em documentações
oficiais, a História Oral foi determinante para a elaboração deste processo já que ela “se
constitui em parte integrante do debate sobre a função do conhecimento social e atua em uma
linha que questiona a tradição historiográfica centrada em documentos oficiais” (MEIHY, 2005,
p. 19).
Dessa forma, elaborou-se uma sequência didática que levasse em conta estas questões a
partir, também, da desconstrução de estereótipos a respeito dos povos indígenas e do
questionamento sobre a noção que afirma que eles estariam fadados a extinção.
1- Relato de experiência: Os Payayá existem e resistem em nossa memória
O projeto oficina intitulado “Os Payayá existem e resistem em nossa memória: a
presença indígena no distrito de Maria Quitéria, na cidade de Feira de Santana, Bahia” foi
desenvolvido com as turmas de 7º ano do Colégio Municipal José Tavares Carneiro, a partir do
reconhecimento da necessidade de pensar a participação e influência indígena na formação do
distrito, como também de Feira de Santana.
Assim como o trabalho realizado anteriormente no Colégio, voltado para o estudo da
população quilombola daquela localidade, esse projeto foi também pensado e desenvolvido de
maneira coletiva através da atuação das bolsistas ID e supervisora. A sua base foi reconhecer e
problematizar a existência de outro caminho que, apesar de silenciado, contribuiu para a
formação daquela localidade e, a partir disso, nos mobilizar para a criação de uma proposta
voltado para o ensino básico.
Com o objetivo de estudar interdisciplinarmente a temática indígena, com destaque para
a etnia Payayá, todo o projeto foi desenvolvido com foco no letramento dos discentes cuja
metodologia procurou utilizar recursos lingüísticos como fotografias, vídeos e crônicas. Dessa
forma, buscando reconhecer a diversidade cultural indígena na história do Brasil e compreender
a experiência dos Payayá no distrito de Maria Quitéria, o projeto está ocorrendo no Colégio
desde o mês de março do ano de 2016.
A primeira etapa do trabalho foi elaborada com a intenção de diagnosticar as condições
de alfabetização e interpretação textual dos alunos das turmas selecionadas para serem
participantes das oficinas. A atividade diagnóstica foi elaborada tendo como justificativa o
reconhecimento da deficiência no processo de alfabetização nas séries iniciais (fundamental I e
II), como também o entendimento de que os discentes são sujeitos ativos no processo de
formação escolar e possuem visão ou compreensão de mundo construída ao longo da sua
existência que deve ser exteriorizada e respeitada por todos.
Assim, ela foi, cautelosamente, elaborada levando em consideração o recorte temático
do projeto e elencou dois objetivos: avaliar as condições de alfabetização e letramento dos
alunos do 7º ano através de questões que serão respondidas pela leitura de dois textos com
linguagens diferentes; sondar sobre os conhecimentos prévios referentes aos povos indígenas
no Brasil a partir de questões que serão feitas aos alunos.
Nesse contexto, foram selecionados textos com diferentes linguagens: o primeiro texto
foi um trecho sobre a população Payayá retirada da obra de Agildo de Souza Barreto (2003),
intitulada como A praça da Bandeira e outras bandeiras, e o segundo foi a charge retirada da
página online Tiras Armadinho. Para ambos os textos foram elaboradas questões visando a
problematização do conteúdo presente em cada material. Assim, a atividade, dividida em dois
momentos, foi iniciada com uma breve apresentação do novo projeto, salientando a importância
do mesmo para o melhor conhecimento de quem somos.
Dessa forma, o primeiro momento, foi caracterizado pela distribuição das atividades
para que, sem uma inicial interferência dos bolsistas, pudessem fazer uma leitura silenciosa do
texto narrativo e respondessem as três primeiras questões. Passados vinte minutos, iniciamos o
segundo momento que foi composto por uma discussão oral para que pudéssemos reconhecer
os conhecimentos prévios sobre a temática, a partir do contato com a primeira atividade
realizada. Este processo foi orientado por meio das seguintes perguntas elencadas para o debate:
O que vocês sabem sobre os povos indígenas? O que, para você, é ser índio? Vocês conhecem
alguma comunidade indígena? Vocês acham que aqui, distrito de Maria Quitéria/ São José,
houve ou ainda há índios/ indígenas?
Nesse sentido, a participação discente foi significativa e elementar neste momento, pois,
através dela, percebemos o que os mesmos pensavam sobre as populações indígenas. Assim,
notamos que grande parcela acreditava na existência do indígena isolado na mata e distante de
nossa realidade, outros chegaram a ter algum contato por meio da visita destes em outras escolas
onde estudaram, mas, sem grande apreensão de sua diversidade reafirmando, a importância
deste trabalho para esta comunidade escolar.
Após a discussão oral, o terceiro momento tratou de fazer uma leitura em voz alta do
texto interpretado, individualmente, no primeiro momento. Depois, propomos uma discussão
oral para interpretarmos, coletivamente, elementos problematizados por Agildo de Souza
Barreto sobre os Payayá e só, por fim, os estudantes puderam terminar de executar a atividade
escrita a partir da leitura da charge. Ainda, é importante frisar que as questões elaboradas foram
pensadas no intuito de trazer à tona possíveis dificuldades interpretativas e ortográficas dos
alunos, como também possibilitar que os discentes observassem semelhanças ou diferenças
entre sua vida e a dos sujeitos trabalhados nos textos.
Assim, toda a atividade permitiu que os alunos se questionassem sobre identificar-se
ou não como indígena, reconhecendo ou não heranças, legados, presenças desses povos na sua
própria vida. É importante salientar que toda a atividade diagnóstica foi construída em parceria
com o setor pedagógico do Colégio, especificamente, com as contribuições elementares da
pedagoga Gilcelia Santos Ressureição.
Em prosseguimento, a segunda atividade do projeto, realizada nas turmas, foi a oficina
intitulada “Povos tradicionais: iguais na diferença”, que teve como objetivos: evidenciar a
diversidade indígena existente no território brasileiro como também americano, possibilitando
que o aluno compreenda e reflita sobre essa diversidade a partir da visão que eles possuíam até
então sobre o assunto e que foi adquirida ao longo da sua vivência; possibilitar a partir do debate
sobre diversidade que os alunos do 7º ano problematizem estereótipos construídos sobre os
povos indígenas ao longo do tempo, como também possibilitar a reflexão sobre a atual situação
das populações indígenas no Brasil.
Mais uma vez, com a utilização de diferentes linguagens (vídeo, fotografias e crônica),
a atividade foi dividida em dois momentos: no primeiro houve a exibição do vídeo intitulado
Pluralidade Cultural – Índios no Brasil – Quem são eles? (1990), e, posteriormente, estudo da
crônica Da condição e costumes dos índios da terra de Gândavo (1570), ambos com discussão
oral e atividade escrita.
O trabalho com o audiovisual foi marcado pela indagação aos alunos a respeito daquilo
que tratou a exibição, bem como, se estes concordavam ou não com as visões estereotipadas
sobre os povos indígenas. Decorrida esta etapa, os discentes foram divididos em grupos e, de
maneira escrita, responderam questões relacionadas ao vídeo. Ainda nesse primeiro momento,
algumas imagens foram utilizadas para ampliar o debate sobre a atuação indígena em diversos
espaços, o que nos possibilitou perceber o estranhamento dos alunos ao observarem que
representantes indígenas atuam e ocupam diferentes espaços, mostrando que a sua apropriação
sobre diferentes campos de atuação não se limita àqueles já conhecidos como tradicionais pela
maioria.
O segundo momento caracterizou-se pela leitura de uma crônica do século XVI no qual
algumas modificações com relação ao uso de algumas palavras foram feitas para que se tornasse
claro para alunos de 7º ano. É importante deixar claro que tais mudanças não retiraram a
complexidade do texto, apenas, possibilitou uma leitura na qual os objetivos pudessem ser
alcançados. Assim, a dinâmica de apresentação da crônica repetiu a leitura coletiva, um breve
momento de debate buscando expor suas informações chaves e depois, em grupo, os alunos
responderam mais um conjunto de perguntas. Esta atividade nos surpreendeu haja vista o fato
de que alguns alunos identificaram Gândavo (1570) como etnocêntrico demonstrando um grau
de compreensão aprofundado.
Ainda, como todo o projeto foi construído tendo como base o letramento, as atividades
respondidas pelos estudantes foram recolhidas e revisadas pelas bolsistas para que,
posteriormente, tivessem um encontro particular com os grupos que objetivou a reescrita da
atividade no intuito de melhorar elementos como coerência e coesão, levando em consideração
as dificuldades apresentadas por cada um.
A primeira fase do projeto foi concluída com a realização dessa oficina. A segunda
oficina está em desenvolvimento e a mesma será voltada para o estudo especifico da etnia
Payayá e suas contribuições para a formação do distrito de Maria Quitéria e Feira de Santana,
cidade sede. Como a disponibilidade de material referente a essa etnia é escassa, os sujeitos
envolvidos no projeto estão captando esse material através de entrevistas com descendentes,
como também através de revisão bibliográfica.
Até o presente momento, foi decidido que ela será dividida em duas etapas. A primeira
corresponderá à uma apresentação sobre a história que corresponde as regiões, hoje, pertencidas
ao município feirense na quais viveram os Payayá em meados dos séculos XVII e XVIII para
contextualização a respeito do que será problematizado posteriormente. As principais pesquisas
que nos ajudaram a compor este estudo foram Andrade (1990) e Santos (2011) no qual, o
primeiro, abordou sobre a história da cidade no período em questão e, o segundo, pensou
comunidades indígenas do sertão, incluindo a Payayá, a partir da dimensão da resistência desses
povos no processo de conquista e colonização. Esta primeira etapa ainda consistirá de um
pequeno vídeo com a fala da descendente indígena e posterior discussão oral e execução de
uma atividade escrita.
O segundo momento desta segunda oficina terá como objetivo a exposição de uma aula
a respeito do que trata o gênero crônica para que os estudantes possam, no final, construir a sua
sobre os Payayá a partir do que foi estudado até aqui. Esse momento ainda contará com a leitura
de uma crônica, intitulada como Uma descoberta!, escrita por uma bolsista do grupo, Almeida
(2016), sobre esta temática para que possam ter como referência quando forem compor as suas:
Uma descoberta!
Eram nas serras, nas lagoas, um pouco longe da agitação citadina, há dois
séculos e muito antes disso, muito, muito mesmo... Estiveram ali, andavam de
lá pra cá em busca de alimentos para sobreviver celebrando e agradecendo o
que a natureza lhes proporcionava.
Viviam juntos, com os pés fincados no chão, nas regiões que, hoje, preservam
sua herança de maneira pouco escondida por debaixo da pele negra do povo
local, mas, evidenciados nos costumes que nunca se afastaram da terra. E se
mostram na brincadeira de roda das crianças, nos alimentos, no balançar da
rede...
Apareceram, para nós, por meio da linguagem poética que repete um “assim
que ouvi dizer, assim que ouvi contar”. Não estão muito, ou quase nada,
presentes nos papéis oficiais mas, estão na memória de seus descendentes e
na história do distrito de Maria Quitéria e de Feira de Santana - sua cidade
sede - e, portanto, são parte daqueles que nasceram nesses locais, são parte de
nós. Nós, que agora enxergamos que nossa ancestralidade também é Payayá.
Sim, Payayá! Os indígenas das serras, da Lagoa Grande, do Boqueirão, de São
José3 e da nossa vivência que, agora, fica mais completa e aberta para novos
saberes por meio de suas memórias... E hoje, por fim, nos fazem ver que a
história feirense é, também, a história dos índios Payayá e o que está por vir,
fica por conta da nossa participação (ALMEIDA, 2016).
Em meio a este processo, a escola recebeu a visita do grupo musical Coisa de Índio4 que
se apresentou no pátio com a presença de todos os alunos que puderam, ainda, elaborar
perguntas e ouvir sobre as experiências dos músicos pertencentes a diferentes etnias do
Nordeste. Neste interim, as turmas também estiveram presentes na exposição Indígenas do
Nordeste: Cultura, Identidade e Resistência5 realizada pelo Museu Casa do Sertão (UEFS),
com a curadoria da professora Patrícia Navarro de Almeida Couto. Assim, os estudantes
3 Lagoa Grande, Boqueirão e São José são regiões pertencentes ao distrito de Maria Quitéria, cidade de Feira de
Santana, BA. 4 Ver página oficial em: <https://www.facebook.com/fanpagecoisadeindio/>. Acesso em: 27/10/2016. 5 Mais informações sobre a mostra, ver: <http://www.uefs.br/2016/07/455/Museu-Casa-do-Sertao-realiza-
exposicaoIndigenas-do-Nordeste-Cultura-Identidade-e-Resistencia.html>. Acesso em: 27/10/2016.
puderam ter contato com diferentes povos do nordeste e aprenderam sobre suas vivências e
processo de luta e resistência. Portanto, não souberam sobre estes sujeitos a partir, somente, de
não indígenas, mas, através dos próprios ocupando lugares de fala que lhes são legítimos.
Considerações finais:
Podemos concluir nosso escrito destacando a importância da experiência que o PIBID,
enquanto projeto de iniciação a docência, nos possibilitou ter a partir da realização das oficinas
no Colégio Municipal José Tavares Carneiro, momentos e encontros ímpares para o nosso
desenvolvimento enquanto profissionais. Acreditando que a formação docente é contínua, logo
não finda com a colação de grau e, projetos como esse devem ser mantidos e ampliados, pois
na ausência de manual ou fórmula pronta para a atuação docente, a prática é o caminho a ser
seguido, sempre lembrando que o ser humano é resultado de vivências, de cotidiano, de embates
e lutas.
A construção detalhada (busca por fontes, documentação) de todo o trabalho também
foi elementar, pois acreditamos que a docência não está separada da pesquisa: é necessário o
seu ato, a busca, a leitura e a seleção por parte do docente no tocante ao assunto que será
trabalhado em sala com os discentes. Nesse sentido, concordamos que “para formar qualquer
professor, temos que formar um estudioso, um pesquisador, porque, com essa perspectiva nova
do conhecimento, não existe um conhecimento pronto acabado em área nenhuma, não existem
verdades absolutas” (ANDRADE, 2006, p. 116).
Em diálogo com essa reflexão da ausência de verdades absolutas, destacamos também
outra percepção que norteou nosso trabalho: reconhecer que os discentes possuem
conhecimentos que devem ser ouvidos e debatidos no espaço escolar. Conhecimentos esses
adquiridos ao longo da sua vida em outros espaços e em diálogo com outros sujeitos, assim,
reconhecer a existência de conhecimentos prévios é elementar para nos afastarmos da ideia de
que o professor é o guardião do saber e o aluno o vaso a ser preenchido. A própria escolha do
formato no qual o assunto seria abordado, aulas- oficinas, foi pensada justamente com o
objetivo de estabelecimento da conversa, da troca, da exposição das diversas reflexões sobre o
tema.
Nesse contexto, a educação deve ser construída tendo como base a alteridade, o
reconhecimento de que nós existimos porque o outro existe também e ele é diferente, não
inferior ou superior. Compreendendo que podemos descobrir o outro em nós mesmos,
poderemos construir um discurso e uma prática, não apenas docente ou discente, mais humana,
mais preocupada com o bem-estar coletivo e a preservação e respeito a vida.
Ainda, aprendemos do lugar do qual falamos, estudantes de graduação, a respeito da
importância em buscar diálogos com outras disciplinas no sentido de pensar uma educação
interdisciplinar que prime pela desfragmentação no processo de construção do conhecimento.
Também, refletimos com os Payayá, a importância de pensar estes povos como sujeitos da
história. História, esta, refletida pela descendente Oliveira (2016) que reitera:
A gente negar ou não buscar as nossas origens e não passar pra esses jovens o
desejo de ir atrás dessas origens, é negar o futuro porque tudo o que a gente é
hoje depende do que foram os nossos antepassados e, deixar isso fechado sem
procurar saber como foi e o que aconteceu, é apagar a história. E uma pessoa
sem história não existe (OLIVEIRA, 2016).
Finalmente, o trabalho desenvolvido até aqui, demonstrou as possibilidades e
importância de pensarmos em metodologias que reflitam sobre a temática em questão. Nossa
experiência foi considerada exitosa, pois, nos fez sair do lugar comum e vivenciar a concepção
de professor-pesquisador haja vista o fato de que construímos uma documentação para discutir,
não apenas o tema em dimensão nacional, mas, local que provocasse nos estudantes um
reconhecimento identitário com um povo que, certamente, ajudou a compor a formação da
comunidade na qual a escola está inserida. Dessa forma, desejamos que tal experiência se
configure como estimulo para que profissionais da área trabalhem a temática em uma educação
que se pretende cada dia, mais plural.
Referências:
ALMEIDA, José Luís Vieira de. Interdisciplinaridade: uma abordagem histórica com ênfase no
ensino. Anais eletrônicos. VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra,
16, 17e 18 de setembro de 2014.
ALMEIDA, Patrícia Matos De. Álbum. (4 fotografias coloridas, dimensões variadas), 2016.
(inédito).
ALMEIDA, Patrícia Matos De. Uma descoberta! In: Os Payayá existem e resistem em nossa
memória: a presença indígena no distrito de Maria Quitéria, na cidade de Feira de Santana,
Bahia. PIBID, UEFS, 2016 (inédito).
ANDRADE, Celeste Maria Pacheco de. Origens do Povoamento de Feira de Santana: um
estudo de história colonial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia. Salvador
(BA), 1990.
BARRETO, Agildo Souza. A praça da Bandeira e outras bandeiras. Ipirá- Bahia, 1º Edição,
junho, 2003.
ANDRADE, Maria Celeste Moura. Depoimento oral. In: RASSI, Antônio Caixeta; FONSECA,
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FERREIRA, Carlos Augusto Lima; MACÊDO, Leonardo Silva Santa Rosa; ARAGÃO,
Lusanira Nogueira; PINHEIRO, Sandra Cristina Queiroz. Relato de experiência do Pibid
Interdisciplinar História, Geografia e Letras: olhares em convergência, vivências e
aprendizados na educação básica. Revista História Hoje, v. 4, nº 7, p. 245-267 – 2015.
ÍNDIOS NO BRASIL - Quem são eles? Produção: TV Escola. 1990. Disponível em:
<http://tvescola.mec.gov.br/tve/video/indios-no-brasil-quem-sao-eles>. Acesso em:
18/10/2016.
GÂNDAVO, Pero de Magalhães [1570]. Tratado de Terra do Brasil. Ministério da Cultura,
Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, s/d, p. 12-13.
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Acesso em: 18/10/2016.
PEREIRA, Adriana. Álbum. (1 fotografia colorida, dimensão: 10,12 cm.; 15,5 cm.), 2016.
(inédito).
SANTOS, Solon Natalício Araújo dos. Conquista e Resistência dos Payayá no Sertão das
Jacobinas: Tapuias, Tupi, colonos e missionários(1651-1706). Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal da Bahia. Salvador (BA), 2011.
ANEXOS:
Figura 1: Discussão oral sobre a atividade respondida na primeira oficina “Povos tradicionais: iguais na diferença”.
Fonte: Almeida, 2016.
Figura 2: Exibição do vídeo “Índios no Brasil – Quem são eles?” apresentado na primeira oficina “Povos
tradicionais: iguais na diferença”. Fonte: Almeida, 2016.
Figura 3: Visita a exposição “Indígenas do Nordeste: Cultura, Identidade e Resistência” apresentada pelo estudante
de Filosofia, Ângelo de Oliveira França, da etnia Kaimbé. Fonte: Almeida, 2016.
Figura 4: Supervisora, bolsista ID e integrantes do grupo musical “Coisa de Índio”, ambos estudantes universitários
e pertencentes à etnia Pankararu. Fonte: Pereira, 2016.
Figura 5: Gravação do depoimento da descendente Payayá, Celeste A. P. de. Oliveira. Fonte: Almeida, 2016.