otimizando o uso da pastagem pela integração de ovinos e bovinos
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Otimizando o uso da pastagem pela integração de ovinos e bovinos
Paulo C. de F. Carvalho1, Davi Teixeira dos Santos2, Cristina M. P. Barbosa2, Daniela Sperling Lubisco2 , Claudete Reisdorfer Lang3.
Resumo
A integração de ovinos e bovinos com vistas à otimização do uso de uma
pastagem tem sua fundamentação na exploração das diferenças de
comportamento em pastejo de cada espécie. Tal qual ocorre em ambientes
selvagens, cada espécie ocupa nichos da pastagem resultando em um melhor
aproveitamento da forragem oferecida. Além disso, frequentemente ocorre um
maior desempenho animal das espécies animais envolvidas, seja pela melhoria da
forragem disponível, seja pela melhoria dos aspectos sanitários. A magnitude do
benefício atingido com a exploração mista depende do tipo de pastagem e de
quais espécies animais estão envolvidas na integração. Esta revisão discorre
sobre esses fatores, concluindo ser o pastejo misto uma técnica muito
interessante para o uso eficiente e otimizado da pastagem.
Abstract
Mixed grazing by sheep and cattle aiming to optimize pasture utilization has
its basis in exploiting differences in different species grazing behaviour. As in the
wild, each species occupies specific niches in pasture resulting in a better
utilization of the forage. Moreover, an increase in animal performance of the
species involved frequently occurs by improvement of forage available and/or
improvement of sanitary conditions. The magnitude of the benefit attained with
mixed grazing depends on pasture and animals characteristics. This review
1Professor Adjunto, [email protected], Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia – UFRGS, Av. Bento Gonçalves 7712, 91.501-970, Porto Alegre-RS. 2Curso de Pós-graduação em Zootecnia – UFRGS 3Professora Substituta. Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná.
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considers these factors, concluding being mixed grazing a useful technique for the
efficient and optimized use of pastures.
1. Introdução: definindo e contextualizando o tema
Carvalho e Rodrigues (1997) apresentaram a exploração integrada, ou pastejo misto, como um método de pastejo que envolve mais de uma espécie de herbívoro pastejando um mesmo recurso forrageiro, podendo ocorrer simultaneamente ou em períodos sucessivos, dependendo dos objetivos do manejo e das espécies animais envolvidas. Essa técnica espelha-
se nos ecossistemas pastoris selvagens, onde diversas espécies de herbívoros
convivem e se complementam sob uma vegetação comum. Praticada em várias
partes do mundo, a exploração integrada tem em sua fundamentação a
maximização da utilização da forragem de modo a proporcionar um aumento de
produção animal que ultrapasse a soma do desempenho produtivo das espécies
utilizadas de forma isolada.
A busca pela otimização do uso do recurso forrageiro advém do caráter
heterogêneo das pastagens, e do fato de que os animais não pastejam tudo o que
encontram, eles têm preferências (Gordon e Iason, 1989) e exercem seleção
(Hodgson, 1979) resultando em partes da pastagem que são mais, outras menos
utilizadas. Uma vez que os sistemas modernos de produção animal baseados em
pastagens são “filosoficamente direcionados” à máxima utilização da pastagem
produzida (mas vide discussão de Carvalho et al., 2004), o conceito de uso da
mesma por mais de uma espécie de herbívoro doméstico visaria colher mais de
uma mesma unidade de área (Carvalho et al., 2002).
A desfolhação seletiva promovida pelo animal em pastejo integra
requerimento animal e capacidade metabólica com um vasto conjunto de plantas,
nos mais diversos estádios de crescimento e aceitabilidade, que irão determinar
diferenças nos componentes da dieta (e.g., Montossi et al., 1998). O pastejo misto
pode se constituir numa importante alternativa de manejo quando se consegue
compor as diferentes preferências e exigências dos diferentes animais e o
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resultado seja, não somente uma amplitude maior no uso da forragem, mas
também uma maior produção animal.
No Brasil, esta técnica vem sendo há muito tempo praticada nos
ecossistemas pastoris de vegetação nativa. Como a produção animal nesses
sistemas é frequentemente limitada pela inexistência de reposição de nutrientes,
tornando-os pouco produtivos, o pastejo misto e a pastagem nativa adquiriram
sinonímia de manejo extensivo, infelizmente, em seu sentido mais pejorativo.
Recentemente, a ovinocultura de corte tem avançado sobre novas frentes no
centro do país, em particular nos Cerrados, onde se concentram a maior parte do
rebanho bovino e as maiores superfícies de pastagens cultivadas, criando uma
nova demanda para o tema. Novas questões para respostas antigas...
É nesse contexto que se enquadram os objetivos deste trabalho, ou seja,
apresentar os princípios envolvidos na exploração das pastagens através de
múltiplas espécies, descrever o processo pelo qual controlamos a intensidade de
pastejo neste tipo de sistema, e discutir as potencialidades do uso desta prática.
As espécies de herbívoros domésticos mais comumente utilizadas serão
apresentadas, com enfoque na associação bovino-ovino por ser, esta, a
integração mais requerida.
2. Princípios importantes para a composição de espécies
A associação de diferentes características anatômicas (e.g., tamanho
corporal, aparato bucal), fisiológicas (e.g., exigências nutricionais, tolerância a
compostos tóxicos), comportamentais (e.g., sociabilidade) e epidemiológicas (e.g.,
tolerância a parasitas) pode levar à complementaridade no uso do recurso
forrageiro (Lambert e Guerin, 1989).
Contudo, dentre os vários fatores existentes, o tamanho do animal
apresenta o mais consistente efeito sobre o consumo constituindo-se numa
característica extremamente importante na definição da eficiência com que um
determinado alimento pode ser consumido e utilizado porque traz limitações
quanti-qualitativas ao atendimento das exigências nutricionais. As necessidades
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energéticas em termos de metabolismo basal decrescem de forma não linear com
o aumento do peso e, portanto, o requerimento metabólico total aumenta em
relação ao peso vivo na potência 0,75 (P.V. 0,75).
Figura 1. Relação entre massa corporal e consumo de energia absoluta (•–• ) e relativa
(◦–◦) em mamíferos (Tainton, 1999).
No entanto, o volume do rúmen e a capacidade digestiva têm relação
isométrica com o aumento do peso vivo (Demment e Van Soest, 1985). A
conseqüência disto é que animais grandes são mais capazes de tolerar alimentos
de pior qualidade porque a relação requerimento/capacidade digestiva diminui
com o aumento do tamanho do animal. Os bovinos e os eqüinos são exemplos de
herbívoros domésticos de maior porte usados mais frequentemente em nossos
sistemas de produção. A estratégia evolutiva do bovino foi a de desenvolver um
enorme compartimento anterior, chamado rúmen, que possibilita a retenção do
alimento em uma “câmara de fermentação” tendo por conseqüência um melhor
aproveitamento da fibra. Já o eqüino compensa a sua inferioridade na digestão da
celulose através da maior velocidade de passagem do alimento no trato digestivo,
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o que lhe permite ter um consumo total de alimentos superior ao dos bovinos
(Lechner-Doll et al.,1995).
Por um outro lado, o alto gasto de energia por unidade de peso vivo em
pequenos herbívoros exige, da parte destes, uma dieta mais digestiva,
"concentrada" em nutrientes (Lechner-Doll et al.,1995). Para poder colhê-la,
caprinos e ovinos desenvolveram em sua morfologia estruturas anatômicas que
lhes permitem ser altamente seletivos. Estes herbívoros apresentam maior
capacidade em discriminar e apreender espécies distintas e componentes
morfológicos das plantas em diferentes comunidades vegetais apresentando,
assim, dietas de maior valor nutritivo. Como resultado do processo de seleção
natural, o tamanho da mandíbula e o uso da língua pelos bovinos não permitem
que estes sejam tão precisos quanto os ovinos em selecionar os componentes
mais nutritivos da forragem oferecida. Isto é particularmente verdadeiro quando o
material verde e o morto estão intimamente misturados e distribuídos desde a
base até o topo da pastagem, como pode ocorrer em pastagens compostas
predominantemente por gramíneas. Não obstante, a mandíbula mais forte e a
ação da sacudida da cabeça concedem, aos bovinos, vantagens no consumo dos
componentes mais fibrosos da pastagem (Montossi et al., 1998). Esses conceitos
estão muito bem apresentados no estudo de Montossi et al. (1998) com pastejo
misto (bovino e ovino) em pastagem nativa na região do Basalto-Uruguai. Esses
autores destacam a superioridade dos ovinos em selecionar dietas de melhor
qualidade, demonstrando a sua maior habilidade em colher, preferencialmente, os
componentes mais nutritivos da forragem oferecida. É importante salientar que em
pastagens de alta qualidade ou quando a comparação é feita entre animais
jovens, essas diferenças entre as espécies animais são bastante reduzidas
(Collins, 1989).
Os efeitos combinados de exigência nutricional, tamanho do animal e
características anatômicas relacionadas ao processo de apreensão de forragem
compõem as bases da distinção dos nichos alimentares que compõem a dieta dos
animais. Estes fatores interagem com a estrutura da vegetação determinando o
peso e a composição de materiais da planta que podem ser removidos num
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simples bocado (Murray e Illius, 1996). Isto significa que existe uma estreita
relação entre as características da pastagem (altura, concentração de biomassa e
distribuição vertical de partes verdes ou senescentes das plantas) e as
características dos animais (massa corporal, relação tamanho/largura do maxilar,
relação tamanho animal/tamanho do rúmen) que podem utilizá-la. Animais de
massa corporal baixa ficam limitados a nichos onde a qualidade da forragem seja
elevada, enquanto que os pesados estão limitados a nichos onde, no mínimo, a
quantidade seja abundante. Illius e Gordon (1993) ilustram esses conceitos por
meio de um modelo construído com espécies de ruminantes de tamanhos
variando entre 20 e 540 kg (Figura 2).
Figura 2. Nicho alimentar definido pela quantidade e qualidade de forragem para animais de
diferentes tamanhos (Illius e Gordon, 1993). As áreas de sobreposição de dietas são
indicadas pela sobreposição das áreas hachuradas.
Em condições de pastagem onde exista uma oferta abundante de forragem
de baixa qualidade, animais de menor porte ficam em desvantagem para atingir
seus requerimentos em função de sua alta demanda energética (Demment e Van
Soest, 1985). Os animais de grande porte têm a vantagem de poder utilizar a
estratégia de aumentar o tempo de retenção do alimento, explorando mais
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eficientemente o material de baixa qualidade. Os bovinos teriam, portanto, uma
considerável vantagem em relação a ovinos e, principalmente, em relação a
caprinos neste tipo de situação. Os eqüinos, com suas altas taxas de consumo,
conseguem extrair mais nutrientes por dia que os bovinos, estes últimos limitados
pelo mecanismo de retenção da fibra no rúmen (Duncan et al., 1990), mas teriam
a desvantagem de passar mais tempo pastejando em função dessa estratégia de
consumo elevado.
Apesar da enorme quantidade de literatura disponível sobre a seletividade
da dieta em ruminantes, não é possível extrapolar princípios específicos a
situações gerais. A produção animal referente a cada espécie, em um sistema de
exploração integrada, não dependerá unicamente das propriedades do alimento
em oferta, mas também do tipo de animal escolhido. O sucesso da exploração
integrada estará na dependência da administração destas interações.
3. Sobreposição de dietas e complementaridade
As estratégias de forrageamento características de cada espécie animal
têm como resultado uma gama de alimentos potencialmente utilizáveis em função
dos vários fatores discutidos no item anterior. Poder-se-ia esperar, portanto, que
animais com estratégias de forrageamento semelhantes, teoricamente, pudessem
promover uma "co-utilização" dos recursos disponíveis mais intensa. Esta
utilização dos mesmos recursos é chamada de sobreposição de dieta e,
classicamente, é utilizada para determinar o nível de competição por um
determinado recurso forrageiro ou, em outras palavras, o nível de complementaridade entre espécies. Este conceito pode ser exemplificado pelo
trabalho de Lechner-Doll et al. (1995), onde o tempo gasto em pastejar
determinada espécie forrageira e sua proporção em relação ao tempo total de
pastejo do animal foi utilizado para calcular a proporção do tempo em que duas
diferentes espécies animais utilizam o mesmo recurso forrageiro (Figura 3).
Observando-se, por exemplo, a sobreposição de dietas entre bovinos e
ovinos constata-se que os ovinos dedicam 50 % do seu tempo de pastejo a itens
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também consumidos pelos bovinos. A sobreposição de dietas entre bovinos e
muares é muito superior à sobreposição entre bovinos e caprinos, ficando bovinos
e ovinos em um nível intermediário. Pode-se considerar que a sobreposição entre
bovinos e eqüinos seja tão alta quanto é a de bovinos e muares, e da ordem de
aproximadamente 75 % (Arnold, 1980).
Figura 3. Sobreposição de dietas entre herbívoros domésticos em relação à proporção do tempo
total em pastejo (adaptado de Lechner-Doll et al., 1995).
A complementaridade entre bovinos e caprinos (Figura 4) é grande; a
sobreposição de dietas entre estes, além de pequena, não ocorre no mesmo
estrato da vegetação (Lechner-Doll et al., 1995).
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Figura 4. Altura de pastejo em relação ao tempo total em pastejo (adaptado de Lechner-
Doll et al., 1995).
Os caprinos podem ser usados mais favoravelmente em pastejo misto com
outra espécie animal que tenha preferência por gramíneas, como os bovinos e
ovinos, por exemplo, pois irão apresentar pouca sobreposição de dieta se
estiverem presentes nas pastagens vegetações do tipo arbustivas e arbóreas.
Há que se considerar, no entanto, uma importante interferência que o meio
pecuário moderno impõe à complementaridade potencial entre espécies. O uso de
cercas e de pastagens mono-específicas, por exemplo, restringem a escolha dos
animais. Obviamente, a sobreposição de dietas entre duas espécies animais será
diferente quando se trata de uma pastagem nativa em relação a uma cultivada.
Quando existe uma grande diversidade de recursos forrageiros, a sobreposição de
dietas entre duas espécies animais é muito menor do que no caso em que há
restrição de diversidade florística, onde a freqüência de seleção de um mesmo
item é muito elevada. Quando a diversidade do recurso forrageiro é restrita, a
oportunidade de expressão dos diferentes padrões de seletividade também é
restringida, e ambas as dietas se tornam semelhantes (Wright e Connolly, 1995).
Wood (1987) realizou um estudo numa pastagem que estava há mais de 12
anos sem ser pastejada, no nordeste dos EUA, objetivando avaliar a eficiência dos
ovinos, bovinos e caprinos como agentes de renovação biológica. Os tratamentos
foram os seguintes: 0,5 ha com ovinos; 0,5 ha com bovinos; 0,5 ha com caprinos;
0,5 ha não pastejado. Os animais foram escolhidos visando manter uma taxa de
lotação de 100 kg de tamanho metabólico/0,4 ha. Os resultados mostraram que o
caprino foi o melhor animal para eliminar espécies invasoras arbustivas-arbóreas,
mostrando-se não competitivos com bovinos e ovinos. Para se evitar uma possível
competição, quando diminui a população de invasoras arbustivas-arbóreas, o
número de caprinos deverá ser gradualmente reduzido. Portanto, a manutenção
de poucos caprinos com bovinos e ovinos poderia proteger a pastagem da
reinvasão por espécies arbustivas-arbóreas. Este cenário descrito é típico de
pastagens degradadas, onde o pastejo misto poderia ser utilizado como
ferramenta na contenção da vegetação que se direciona à situação clímax original.
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Gordon e Illius (1989) criticam o parâmetro de sobreposição de dietas como
estimador de competição entre espécies e apresentam uma hipótese alternativa
bastante interessante. Observando a sobreposição de dietas entre bovinos,
caprinos, eqüinos e cervídeos durante o verão e o inverno, estes autores
constataram uma elevada sobreposição de dietas entre estas espécies quando
havia uma grande oferta de forragem de alta qualidade no verão. No inverno, com
a redução da forragem disponível e de sua qualidade, observou-se uma baixa
utilização de recursos comuns. Segundo estes autores, no verão, onde existe uma
elevada sobreposição de dietas entre as espécies, seria exatamente um reflexo da
abundância do recurso forrageiro. Bovinos, eqüinos e cervídeos, particularmente,
apresentariam uma elevada sobreposição de dietas exatamente porque a
competição seria mínima em tais condições. No inverno, cada espécie ocuparia o
seu nicho alimentar e utilizaria determinados recursos cuja exclusividade estaria
associada à especificidade de cada espécie em relação à dieta. Para existir
coexistência entre espécies deve haver algum recurso forrageiro que uma espécie
subordinada possa utilizar e que a dominante não possa. No verão, todas as
espécies animais conseguem atingir seus requerimentos nas pastagens de alta
qualidade dominadas por Agrostis e Festuca. No inverno, a quantidade de
forragem diminui e as comunidades de gramíneas de baixa digestibilidade (57%)
provêem um refúgio aos bovinos que podem se estabelecer, quando excluídos
pelos cervídeos, das comunidades de gramíneas e herbáceas de alta qualidade
(digestibilidade de 65,4%). A elevada exigência destes últimos impossibilita a sua
sobrevivência na comunidade de baixa qualidade e, portanto, estas duas espécies
podem coexistir (Gordon e Illius, 1989).
Um outro exemplo das relações de complementaridade é o que se
denomina facilitação de pastejo e que ocorre com espécies selvagens. A zebra
(Equus burchelli) tem uma exigência de alto consumo e pasteja macegas altas e
fibrosas, onde a taxa de consumo instantânea é elevada. O rebrote expõe folhas
novas que são aproveitadas pela gazela de Thompson (Gazella thomsoni), ou
seja, este animal se beneficia da estratégia de forrageamento das zebras apesar
de utilizar o mesmo recurso (GORDON e LASCANO, 1993). Isto resulta no que se
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denomina sucessão de pastejo, onde a zebra movimenta-se na frente, seguida
pela gazela. Um mecanismo similar pode ocorrer com espécies domésticas
(GORDON e LASCANO, 1993). Bovinos pastejando forrageiras de grande porte,
rebaixando-as e induzindo o rebrote que serão consumidos por ovinos.
4. Ajuste da carga animal e composição de espécies em pastejo misto
Sendo ou não um indicador de competição, o índice de sobreposição de
dietas certamente indica o grau de utilização comum do recurso forrageiro e será
de uso fundamental para a composição da carga animal em pastejo misto. Isto nos
introduz aos conceitos de unidade animal e taxa de substituição partindo de uma
simples pergunta: Quantas ovelhas equivalem a uma vaca?
Embora existam diferenças entre indivíduos e espécies, o peso vivo
elevado à potência 0,75 define o tamanho metabólico de um animal. Ele expressa
o fato de que animais menores produzem mais calor e consomem mais alimento
por unidade de peso vivo que animais de porte maior. Por exemplo, uma vaca de
450 kg e uma ovelha de 50 kg têm tamanhos metabólicos da ordem de 97,7 e
18,8, respectivamente. A relação em peso vivo é de 9:1, mas a correta é, levando
em consideração o tamanho metabólico, de aproximadamente 5:1. Neste trabalho
utilizaremos a definição empregada pela Society for Range Management (1989),
segundo a qual uma vaca adulta de 454 kg , seca ou com cria de mais de 6 meses
e com um consumo de 12 kg de matéria seca/dia equivale a uma unidade animal
(U.A.). Esta definição é muito interessante porque define uma unidade de
demanda animal de 12 kg de MS/dia que pode ser utilizada para se calcular
qualquer taxa de substituição. Exemplificaremos este cálculo assumindo uma
pastagem onde se utiliza uma lotação de 2 U.A./ha. Para simplificação do
raciocínio assumimos que esta pastagem vinha sendo manejada com duas vacas
de 450 kg /ha. Pretende-se iniciar o emprego de exploração integrada e decide-se
substituir uma das vacas por ovelhas. O cálculo é o seguinte:
1) fazer a equivalência do animal a ser substituído em unidade animal;
1 vaca de 450 kg = 1 unidade animal (U.A.)
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2) transformar a quantidade de unidade animal a ser substituída pelo número de
animais da espécie que fará a substituição;
1 (U.A.) = 5 ovelhas
3) utilizando os dados contidos na Figura 3, considerar a taxa de sobreposição de
dietas entre as espécies;
Equivalência animal = n° de animais equivalentes em U.A. / taxa de sobreposição
Equivalência animal = 5 ovelhas / 0.5
Equivalência animal = 10 ovelhas
A taxa de substituição de vaca:ovelha nestas condições é de 1/10. A grande
limitação para o emprego correto da taxa de substituição é que, embora a
equivalência animal possa ser facilmente calculada ou mesmo encontrada em
tabelas (vide Valentine, 1990), a taxa de sobreposição é extremamente variável
em função da época do ano e do tipo, abundância e diversidade da forragem em
oferta e esta informação é praticamente indisponível em nossas condições.
Considerando uma pastagem mono-específica a taxa teórica de sobreposição
passa a ser 100 %. No exemplo anterior a equação passaria a ser:
n° de animais / taxa de sobreposição
Equivalência animal = 5 ovelhas / 1.0
Equivalência animal = 5 ovelhas
5. Resultados do pastejo misto
Grande parte dos trabalhos desenvolvidos com pastejo misto relaciona
bovinos e ovinos. Há pouca informação disponível comparando outras espécies
domesticadas. Estudos na Argentina têm revelado a importância da introdução de
espécies de camelídeos (lhamas, alpacas e em especial guanacos) nos sistemas
de produção, devido ao interesse pela extração de fibras para a indústria têxtil.
Bakker et al. (1998) destacam que em pastejo misto com ovinos e guanacos,
diferenças na composição da dieta foram observadas para uma mesma altura na
pastagem de azevém perene. Ovinos selecionavam mais folhas verdes com a
diminuição destas na superfície da pastagem (maiores alturas), enquanto que os
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guanacos aumentaram a seleção por folhas mortas com o aumento da
disponibilidade de folhas verdes sobre o horizonte de pastejo (menor altura). As
espécies de camelídeos mantêm uma maior proporção de material morto e colmo
na sua dieta, intensificando o uso da massa de forragem.
Devido às diferenças no processo de seleção de forragem entre cervos e
bovinos, estes animais estão sendo utilizados em sucessão na Nova Zelândia. A
mesma área é pastejada por ambas as espécies. Como os cervos se caracterizam
por uma maior seleção da dieta, primeiramente se utiliza esta espécie na
pastagem e, em seguida, entram os bovinos, que atuam de modo a obter um
aproveitamento mais intensivo do pasto.
Araújo Filho (1984), estudando diferentes formas de manipulação da
vegetação na caatinga nordestina e integrando com várias opções de combinação
animal (bovinos, ovinos e caprinos), reportou que a melhor alternativa de manejo,
em muitos sítios do semi-árido nordestino, poderia ser o rebaixamento da
vegetação lenhosa e pastoreio misto de bovino e caprino. Este autor relaciona o
desempenho animal com o tipo de modificação da vegetação nativa. Caprinos
produzem mais em vegetação lenhosa rebaixada (corte seletivo da parte aérea de
arbustos e árvores a uma altura de 30 cm), enquanto que ovinos e bovinos o
fazem em caatinga raleada (controle seletivo de árvores e arbustos). Assim, outras
opções de combinação animal seriam ovinos e caprinos na caatinga nativa,
caprinos e bovinos na caatinga rebaixada e ovinos, caprinos e bovinos na raleada.
Collins (1989), em estudo com pastejo misto, observou um efeito de
competição entre bovinos e ovinos e um efeito de complementaridade entre
bovinos e caprinos em pastagens de azevém e trevo-branco. Bovinos e caprinos
pastejando juntos apresentaram melhores desempenhos comparados ao pastejo
isolado de ambas as espécies. Uma maior digestibilidade da dieta e um maior
consumo de matéria seca foram observados, especialmente para caprinos, devido
ao aumento no consumo de trevos. Os bovinos tiveram seu consumo reduzido em
18% no pastejo integrado com ovinos, enquanto estes aumentaram em 10% o seu
consumo na mesma situação.
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Nolan e Connolly (1977), em uma das revisões mais completas realizadas
até hoje a respeito do pastejo misto, concluíram que a exploração integrada com
uma ou mais espécies aumenta a produção por unidade de área e por animal em
relação à utilização com apenas uma espécie, tanto em condições de clima
temperado quanto em clima tropical. Este efeito positivo estaria relacionado
possivelmente a três conseqüências principais do pastejo misto:
1) aumento da produção da pastagem;
2) melhoria da qualidade da forragem;
3) aumento da eficiência de utilização (Nolan, 1980).
A origem deste efeito positivo, segundo Baker (1985) e Nolan et al. (1987),
estaria na complementaridade dos padrões de pastejo associados com as
diferentes preferências de cada espécie animal por diferentes espécies de plantas,
partes das plantas ou localizações geográficas.
Projetos de extensão em fazendas demonstraram a total operacionalidade
do sistema bovino/ovino, tendo como resultado a duplicação da carga animal e um
aumento de 25 % no crescimento individual dos animais (Nolan e Connolly, 1989).
Segundo estes autores, metade deste aumento é atribuída aos efeitos do pastejo
misto e a outra metade a uma melhora geral do manejo do sistema de produção.
Blackford Jr. (1985) relata que a introdução de ovino em pastejo com bovino
aumentaria o retorno econômico em 15 a 20 %. Segundo Meyer e Harvey (1985),
a exploração integrada é empregada em sistemas de produção na Nova Zelândia
por maximizar o lucro da atividade através de uma maior transformação de
forragem em produto animal.
Os trabalhos referidos neste item indicam que os efeitos principais do
pastejo misto estariam nos componentes planta e animal do ecossistema pastoril.
A título de auxiliar a compreensão dos efeitos do pastejo misto na exploração da
pastagem abordaremos separadamente os seus efeitos em nível de vegetação e
em nível de animais.
5.1. Efeitos da exploração integrada na vegetação
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Parsons et al. (1983) demonstraram a impossibilidade de otimização
simultânea dos processos de (i) interceptação e conversão da energia solar em
produção primária e (ii) de colheita eficiente desta produção pelos herbívoros
através do pastejo. De forma bastante simples, isto equivale a dizer que é
necessário haver folhas para haver crescimento nas plantas e que, no entanto, é
necessário se consumir a maior quantidade possível de folhas para haver uma
utilização eficiente. Estes processos antagônicos foram denominados por Briske e
Heitschmidt (1991) como dilema ecológico fundamental do ecossistema
pastagem e ilustram os limites para se maximizar a eficiência de utilização de
uma pastagem (relação produto animal/forragem acumulada; Hodgson, 1979).
A eficiência do pastejo misto na utilização mais ampla do recurso forrageiro
em pastagens naturais é ilustrada por Bowns e Matthews (1983). Bovinos
pastejam preferencialmente as gramíneas, enquanto os ovinos utilizam
preferencialmente espécies classificadas pelos autores como herbáceas. O
pastejo misto de bovino e ovino traz um maior equilíbrio na utilização dos
componentes da vegetação quando comparado ao pastejo mono-específico de
bovinos (Figura 5).
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Figura 5. Níveis de utilização de espécies herbáceas, gramíneas e Symphoricarpos spp. por
ovinos, bovinos ou ovinos e bovinos em pastejo misto (Bowns e Matthews, 1983).
Boswell e Cranshaw (1978) afirmam que o pastejo misto aumenta a
produção da pastagem e a utilização da forragem produzida. A produção da
pastagem em sistema com bovino foi de 10900 kg de MS/ha/ano enquanto que
em pastejo misto com ovinos variou entre 11900 e 13500 kg de MS/ha/ano. O
percentual de utilização da pastagem foi de 52 % no sistema com bovinos e entre
55,5 e 65,4 % em pastejo misto, o que levou os autores a concluírem pela
superioridade do pastejo misto em relação ao pastejo unicamente com bovinos.
Hodgson e Forbes (1980), no entanto, afirmam que somente através da produção
total da pastagem seria difícil de se interpretar os efeitos do pastejo misto, a
menos que medidas diretas do fluxo de matéria seca (crescimento, senescência e
consumo) sejam feitas.
É importante ter em conta que nem todas as associações de animais
produzem os mesmos efeitos. Segundo Loiseau e Martin-Rosset (1989), a
introdução do eqüino em pastejo misto com bovino diminui a produção da
pastagem. Em contrapartida, a introdução do eqüino corrigiria os efeitos negativos
do pastejo seletivo do bovino, trazendo em especial um melhor controle das
espécies lenhosas.
Uma outra possibilidade do pastejo misto é como manipulador da
composição botânica. Um exemplo é o controle de espécies indesejáveis.
Espécies como carqueja (Bacharis trimera), alecrim (Vernonia sp.), caraguatá
(Eryngium horridum), maria-mole (Senecio brasiliensis) e chirca (Eupatorium
buniifolium), têm sua freqüência reduzida com a presença do ovino em pastejo.
Montossi et al. (1998) destacaram que em pastejo misto com bovino e ovino, uma
maior proporção de espécies indesejáveis foi encontrada na dieta de ovinos,
argumentando que, em geral, essas espécies apresentam um bom valor nutritivo
em minerais como, por exemplo, sódio e, no caso do caraguatá, cálcio.
Ainda em relação ao impacto do pastejo misto na composição botânica das
pastagens, um estudo feito por Fox e Seaney (1984) observou que as cabras
pastejaram maior número de espécies de plantas e obtiveram somente 34% de
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sua dieta de gramíneas, comparando com 90% para bovinos e 78% para ovinos.
Bredemier (1976) relata que os ovinos, embora tenham menor preferência por
invasoras arbustivas e maior preferência por gramíneas e invasoras de baixo
porte, têm sido eficientes em remover invasoras não procuradas, particularmente
em combinação com caprinos. Murray e Illius (1996) destacam que os pequenos
ruminantes têm uma dieta mais diversa, incluindo uma ampla gama de
dicotiledôneas que crescem na base da pastagem.
A exploração de nichos da vegetação numa pastagem é função da
proporção existente dos itens mais preferidos de cada espécie animal (Kirkman e
Carvalho, 2003). Grant et al. (1985) ilustram essas relações ao demonstrarem que
bovinos e ovinos, quando em pastejo misto, têm sua dieta diretamente relacionada
à quantidade de alimento existente entre touceiras de uma espécie não preferida
(Nardus stricta). Ovinos e bovinos não gostam de Nardus stricta por ser, esta, uma
espécie de baixa qualidade, preferindo a vegetação de maior qualidade existente
entre as touceiras de Nardus (Figura 6).
Figura 6. Relação entre a quantidade de Nardus na dieta de ovinos e bovinos e a massa da
vegetação inter-touceiras (Grant et al., 1985).
Quando a quantidade de forragem inter-touceiras é elevada, ovinos e
bovinos pastejam preferencialmente a melhor vegetação. Porém, na medida em
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que a vegetação inter-touceiras diminui, a proporção de Nardus na dieta de ovinos
e bovinos aumenta, particularmente para os últimos. Como explicado no item 2,
animais maiores podem ingerir alimentos de menor qualidade. Portanto, os
bovinos são “deslocados” para um nicho de vegetação de menor qualidade
quando o extrato preferido é escasso.
Um outro exemplo de manipulação botânica ocasionado pelo pastejo misto
(bovino/ovino), é o caso da região da Campanha do RS. É sabido que mudanças
na composição botânica estão sendo observadas, embora de embasamento
empírico, devido à diminuição da proporção de ovinos. Houve um decréscimo na
freqüência de espécies hibernais (flechilhas) aumentando a presença de espécies
mais grosseiras, enquanto que nos campos mais próximos do Uruguai, os quais
ainda mantém um elevado número de ovinos, a presença dessas gramíneas
hibernais continua bastante elevada.
De acordo com Nolan (1986), o principal efeito do pastejo misto
bovino/ovino seria através da utilização, por parte dos ovinos, da forragem
rejeitada pelos bovinos nas áreas de dejeção. A rejeição se daria, inicialmente,
pelo odor das fezes e, posteriormente, devido à maturidade da planta. A aparente
pouca importância da forragem nestas áreas é desmistificada pelo trabalho de
Nolan et al. (1986). Em pastagens de uso exclusivo com bovinos, estes autores
encontraram 5% da área total sob as dejeções e 15% da área como rejeitada
("plantas altas" em torno das placas de dejeção). Esta pequena área não
pastejada continha até 44% de toda a massa de forragem e concentrava 40% do
total de fósforo e potássio de toda a pastagem. Esta maior produção de forragem
em áreas de dejeção é compreensível, uma vez que uma placa típica de fezes de
um bovino equivaleria a uma aplicação de 1040 kg N/ha, 400 kg de K/ha e 280 kg
de P/ha (Willians e Haynes, 1995). Se esta forragem não é consumida pelo
bovino, não pode haver melhor exemplo de baixa eficiência de utilização.
Tais áreas rejeitadas pelos bovinos podem variar entre 10 e 50% da área
total (Nolan e Connolly, 1988), dependendo da pressão de pastejo empregada. A
Tabela 1 demonstra que a quantidade de área sob dejeções e a quantidade de
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plantas altas em relação à área e em relação à matéria seca é inversamente
proporcional à proporção de bovinos na lotação empregada.
Tabela 1. Efeito da relação ovino/bovino sobre a área ocupada pelas dejeções e pelas plantas
altas e participação das plantas altas na matéria seca total (Nolan e Connolly, 1988).
% de bovinos na
lotação
Dejeções (% da
área)
Plantas Altas (% da
área)
Plantas altas (% da
MS total)
34 1.8 ± 0.2 9.0 ± 0.8 15.9 ± 1.4
66 2.2 ± 0.2 10.2 ± 0.9 18.2 ± 1.5
100 3.5 ± 0.2 14.5 ± 1.0 31.5 ± 1.6
Nolan et al. (1987) resumem seus estudos nas seguintes observações:
a) As "plantas altas" crescem de 2 a 2,5 vezes mais rapidamente que as plantas
não rejeitadas em função de não serem desfolhadas e de manterem um alto índice
de área foliar;
b) As "plantas altas" têm aproximadamente 4% de digestibilidade a mais em
pastejo misto comparado ao pastejo exclusivo de bovinos;
c) A preferência dos ovinos por estas plantas é aproximadamente 2 vezes maior
em relação aos bovinos;
d) Os bovinos rejeitam as "plantas altas" no mínimo durante as primeiras 3
semanas após a dejeção;
e) Em pastejo exclusivo de bovinos, 50% da área rejeitada é removida até o final
do período de pastejo, porém, apenas 5% da matéria seca é removida. Isto
significa que os bovinos pastejam na periferia das áreas de "plantas altas",
enquanto as áreas da pastagem mais próximas às placas de dejeção continuam a
crescer rapidamente.
f) Perfilhos marcados próximos às placas de dejeção são consumidos pelos ovinos
e rejeitados pelos bovinos.
Rancourt et al. (1980) avaliaram a altura da pastagem pós pastejo de
bovinos e ovinos a diferentes distâncias das dejeções dos bovinos. Os autores
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observaram que a uma distância de 15 cm o consumo pelos ovinos superou o de
bovinos em 40%. A partir de 50 cm de distância as diferenças não chegam a 10%.
Se algum tipo de animal associado aos bovinos pode fazer uso de uma
forragem que é rejeitada por estes e que, no entanto, é de alta qualidade e cuja
quantidade não é desprezível, nos parece evidente que se poderia aumentar a
eficiência de utilização desta pastagem através de um aumento da eficiência de
colheita da forragem produzida. Porém, como o parâmetro eficiência de utilização
não depende apenas da colheita da forragem, há que se considerarem os efeitos
em nível de desempenho animal.
5.2. Efeitos da exploração integrada nas espécies animais envolvidas
Os experimentos de pastejo onde se associam diferentes espécies animais
são extremamente complexos. Os efeitos da escolha de uma determinada lotação
se confundem com aqueles advindos do pastejo misto "per se" (Lambert e Guerin,
1989). Segundo Nolan e Connolly (1977), quatro conceitos, individualmente ou em
combinação, são a base da maioria dos delineamentos em experimentos de
pastejo misto: equalização da pressão de pastejo, equivalência animal, proporções
de bovinos/outra espécie e uso de várias lotações para criar diferentes pressões
de pastejo. Estas variáveis não são independentes e distintos desempenhos em
pastejo misto podem ter origem em uma escolha incorreta da equivalência ou de
um efeito específico do pastejo misto, sendo que estas respostas não podem ser
separadas quantitativamente (Nolan e Connolly, 1977). Para solucionar estes
problemas, Connolly e Nolan (1976) desenvolveram um delineamento onde as
espécies animais são utilizadas em várias proporções e em várias lotações, sendo
os resultados analisados pela técnica da superfície de resposta. Neste caso o
índice de equivalência é redefinido para permitir estudar os efeitos reais da
exploração integrada sendo, portanto, o número de animais de uma espécie que
pode substituir um dos animais da outra sem que o ganho de peso dos animais
restantes seja diminuído (vide Connoly e Nolan, 1976, para maiores detalhes).
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Do ponto de vista de comportamento animal, pode-se afirmar que os
eqüinos têm predominância sobre bovinos e ovinos em pastejo misto e que
bovinos têm predominância sobre ovinos e caprinos (Valentine, 1990). A agressão
entre as espécies é rara, a exceção dos eqüinos (Arnold, 1980), ocorrendo
principalmente próximo a aguadas. Valentine (1990) sugere que não se utilizem
ovelhas ou cabras com cria em conjunto com novilhos. Vacas com cria ao pé, ao
contrário, ajudariam a evitar a aproximação de predadores (Valentine, 1990).
Uma possibilidade oferecida pelo pastejo misto seria no controle de
endoparasitas em bovinos, ovinos e caprinos, através de uma redução no nível de
contaminação geral da pastagem (Lambert e Guerin, 1989). As espécies de
nematódeos gastrintestinais apresentam o que se denomina especificidade
parasitária. Embora essa especificidade seja variável conforme a espécie do
parasito, a grande maioria das espécies que parasitam os ovinos não se
desenvolve em bovinos ou eqüinos (Amarante et al., 1997). As larvas infectantes
dos parasitos de ovinos, por exemplo, que forem consumidas por outra espécie,
serão destruídas, pois não encontrarão ambientes propícios ao seu
desenvolvimento. Santiago et al. (1975) não verificaram ocorrência de infecções
cruzadas por espécies dos gêneros Haemonchus, Oesophagostomum,
Nematodirus e Bunostomum. O número de larvas de Oestertagia e Cooperia na
pastagem foi decrescido à metade em pastejo misto (Grenet e Billant, 1995).
Em relação ao efeito do pastejo misto no desempenho animal, Lambert e
Guerin (1989) revisaram 12 experimentos onde não houve efeitos em 2 deles, 5
apresentaram um aumento no ganho de peso de uma das espécies (geralmente
de ovinos quando em associação com bovinos) e 5 apresentaram ganho de peso
em ambas as espécies (principalmente quando as comparações foram feitas entre
animais jovens). Estudos da dieta de animais em pastejo misto sugerem que a
substituição de bovinos por ovinos e/ou caprinos aumenta o ganho de peso dos
bovinos em pastejo misto porque a pressão de pastejo sobre a componente
gramínea é reduzida (Figura 6).
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Anos
Gan
ho p
o r a
nim
a l
Somente bovinosBovinos com ovinos e caprinos
Figura 6. Ganho de peso ao longo de 20 anos em pastagens exclusivas de bovinos ou
pastejo misto com ovinos e caprinos (Taylor, 1985).
A produção das ovelhas aumenta quando se substituem ovinos por bovinos
e caprinos porque a pressão de pastejo sobre o componente herbáceo diminui. A
produção dos caprinos não é afetada porque a taxa de lotação estaria abaixo da
taxa crítica para causar uma mudança na seleção da dieta (Taylor, 1985).
Embora o pastejo misto promova, na maioria dos casos, um aumento no
desempenho animal, a magnitude deste efeito está diretamente relacionada à
proporção de cada espécie na taxa de lotação, bem como da própria taxa de
lotação escolhida. Collins (1989) cita que, quanto menor a proporção de uma
determinada espécie maior o benefício desta mesma espécie em pastejo misto. A
maior vantagem do pastejo misto em taxas de lotação elevadas indicaria que o
efeito do aumento da taxa de lotação no ganho médio diário é menor em pastejo
misto comparado ao pastejo exclusivo (Nolan et al., 1987). Outros efeitos
associados seriam os aumentos de 25 a 40% do número de cordeiros que
atingiriam peso de abate ao desmame (13 semanas de idade) e 40 a 60 kg a mais
de peso para cada novilho em sistema de recria e terminação (Nolan, 1986).
Em relação ao ganho de peso por unidade de área, os efeitos do pastejo
misto teriam como conseqüência dos melhores desempenhos individuais um
aumento de, no mínimo 10%, na produção/área (Nolan, 1986).
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Connolly (1987) propôs o índice RRT ("relative resource total") que é
definido como a superfície total necessária em pastejo misto para manter um
mesmo número de animais de cada espécie no mesmo ganho médio diário que
em uma unidade de superfície em pastejo mono-específico. Por definição, quando
do emprego em pastejo misto, RRT > 1 significa que uma maior área é necessária
em pastejo mono-específico para obter a mesma produção animal de uma
exploração integrada, indicando uma maior captura de recursos em pastejo misto,
uma captura de recursos distintos ou uma utilização mais eficiente dos recursos
em pastejo misto (Nolan e Connolly, 1989). Um valor de RRT < 1 indicaria uma
interferência entre as espécies animais no uso dos recursos.
Entre as proporções ovelha/novilho variando 3:1 e 5:1 o índice RRT é de
aproximadamente 1,13, indicando que 13% mais de área é necessária em pastejo
mono-específico para se obter a mesma produção. Isto implica em um aumento de
13% na produção por área no pastejo misto comparado ao pastejo exclusivo. Um
RRT de 1,10 é ainda observado entre proporções variando de 1.5:1 a 10:1. Estes
resultados indicam que os benefícios do pastejo misto estariam associados a uma
complementaridade no uso dos recursos (Nolan et al., 1987).
6. Vantagens e limitações do pastejo misto
Existe potencial considerável no uso da exploração integrada para a
utilização intensiva de pastagens. No entanto, é importante salientar que grande
parte das informações a respeito do pastejo misto tem origem em pastagens
temperadas e de associações bovino/ovino. Em nossas condições as informações
são escassas ou quase inexistentes. Não obstante, a natureza heterogênea de
nosso recurso forrageiro é perfeita para o uso comum de várias espécies animais.
Os baixos rendimentos da pastagem natural e o controle de plantas indesejáveis
são temas centrais na otimização do recurso forrageiro, tendo o pastejo misto uma
importância preponderante como opção de manejo visando a melhor utilização de
nossas pastagens naturais, e mesmo as cultivadas.
Resumo de algumas das vantagens do pastejo misto:
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(i) Vantagens sanitárias que resultam na menor incidência de parasitas de uma
espécie sobre a outra e maior limpeza da pastagem, conseqüência da remoção de
larvas pelo pastoreio com animais resistentes a espécies distintas do hóspede
normal; (ii) aproveitamento de áreas inacessíveis, com base na tendência dos
bovinos de utilizarem as áreas planas, enquanto que caprinos e ovinos se
aproveitam de áreas acidentadas (Araújo Filho, 1984); (iii) complementaridade
potencial em pastejo; (iv) utilização de ofertas de alto valor nutritivo aos animais
em produção, sem prejuízo do uso correto da pastagem, quando o rebanho é
dividido em classes de produção, iniciando-se com o grupo mais produtivo; (v)
aumento da capacidade de suporte em decorrência das diferentes preferências
alimentares (aumento do número de plantas que se constituem em forragem); (vi)
diversificação da produção. Podemos citar, como exemplo, a introdução da
exploração integrada em sistemas de produção de leite na Europa, a qual tem
contribuído como uma alternativa aos produtores que se viram limitados pelo
sistema de cotas. A criação de ovinos para carne contribui para o melhor manejo
da pastagem e diversifica a produção (Rouel et al., 1995); (vii) melhor
aproveitamento da forragem disponível. Em pastagem cultivada, apesar da menor
heterogeneidade, uma superioridade na eficiência de utilização da pastagem de,
no mínimo, 10 % pode ser esperada em se utilizando pastejo misto (Nolan e
Connolly, 1989), sendo que este efeito estaria principalmente associado à
utilização da forragem rejeitada pelos bovinos; (viii) manipulação da estrutura da
vegetação. Nolan et al. (1986) notaram menor porcentagem de material morto na
forragem em oferta, e uma densidade maior dos perfilhos situados próximos a
locais de dejeção no pastejo misto bovino/ovino. A melhoria no uso deste tipo de
forragem facilita a penetração de luz na base da pastagem, favorecendo o
aumento do perfilhamento incrementando, portanto, a produção de forragem; (ix)
estabilidade em ecossistemas complexos; (x) controle de espécies indesejáveis.
Como limitações, podemos citar: (i) especialização da mão de obra e necessidade de conhecimentos adicionais de
manejo, em especial sanitários, principalmente quando da introdução de pequenos
ruminantes em pastagens de bovinos; (ii) Redução na escala de produção da
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espécie primária em algumas situações; (iii) aumento em custos com cercas e
outras estruturas necessárias; (iv) conflitos em relação à demanda de trabalho; (v)
comercialização de produtos mais complexa; (vi) aumento potencial de problemas
(e.g., predadores).
7. Conclusões
O maior potencial da técnica de exploração integrada ocorrerá em
pastagens que sejam mais complexas do ponto de vista botânico, e onde a
variabilidade topográfica seja grande, pois permitirá uma maior
complementaridade entre os animais presentes na associação. Os efeitos
positivos da exploração integrada serão provavelmente maiores em pastagem
natural do que em pastagem cultivada, dada a heterogeneidade da primeira.
O tipo de vegetação, o manejo da oferta, altura e estrutura da forragem em
comunidades vegetais são alguns dos componentes mais importantes na
determinação da eficiência produtiva dos sistemas pastoris, devido a sua
influência sobre as taxas de crescimento, consumo e senescência da pastagem,
bem como seu efeito sobre a produtividade animal. Dada a complexidade dos
fatores envolvidos no ecossistema pastoril, resultados obtidos em experimentos
com pastejo misto tornam-se difíceis de se interpretar, pois muitas vezes não há
segurança em afirmar se efeitos similares não poderiam ser obtidos por uma
simples variação da lotação ou do nível de utilização da forragem. Assim, o maior
desafio na exploração integrada seria o de identificar padrões complementares de
comportamento em pastejo, e de se estudá-los e compreendê-los de uma forma
que possam ser explorados em sistemas de produção mais eficientes.
Por último, urge a necessidade de políticas públicas que resgatem e
fomentem a natureza multi-específica da vegetação, particularmente num
momento onde a sociedade anseia por produtos ecologicamente corretos, que
estejam em consonância com o ambiente no qual é produzido.
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