pamella christina ortega de oliveira · 0,006 e 2,5 mg/ l.10–12 o penicilenol a 1 foi isolado a...
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PAMELLA CHRISTINA ORTEGA DE OLIVEIRA
COMPLEXOS METÁLICOS DE ÁCIDOS
3-ACILTETRÂMICOS BIOATIVOS
Niterói
2016
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Química
Bacharelado em Química Industrial
UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PAMELLA CHRISTINA ORTEGA DE OLIVEIRA
COMPLEXOS METÁLICOS DE ÁCIDOS 3-
ACILTETRÂMICOS BIOATIVOS
ORIENTADOR: Prof. Dr. Sergio Pinheiro
Monografia de final de curso da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito para conclusão do
curso de Bacharel em Química
Industrial.
Niterói
2016
O482 Oliveira, Pamella Christina Ortega de
Complexos metálicos de ácidos 3-aciltetrâmicos bioativos/
Pamella Christina Ortega de Oliveira. - Niterói: [s.n.], 2016.
42f.
Trabalho de Conclusão de Curso – (Bacharelado em Química
Industrial) – Universidade Federal Fluminense, 2016.
1. Composto de coordenação. 2. Ligantes. 3. Íon metálico.
4. Farmacologia. I. Título.
Agradecimentos
Em primeiro lugar gostaria de agradecer minha mãe, meu pai, minha madrasta e minhas
irmãs (Thamyres e Amanda) por todo amor, apoio e incentivo. Sem vocês não teria conseguido
chegar até aqui, suas broncas, conversas e conselhos me fizeram ser quem sou e chegar até onde
cheguei. Muito obrigado por terem acreditado que eu era capaz.
Um agradecimento especial para Bruno Salarini que sem querer acabou por me
acompanhar durante todo o curso, compartilhando de alegrias e tristezas ao longo desses anos.
Com certeza você fez esse caminho árduo muito mais fácil, muito obrigada pelo seu suporte,
compreensão e paciência.
Ao Prof. Sergio Pinheiro por sua orientação e confiança para desenvolver este trabalho,
mesmo depois de algum tempo ausente, e pela oportunidade de trabalhar com síntese durante
meu período de iniciação científica, certamente o aprendi durante esse tempo levarei para vida.
Aos meus colegas de bancada do período de iniciação Acácio Souza e Jaqueline
Cavalcanti, muito obrigada por estarem dispostos a me auxiliar nos desafios em que
enfrentamos ao fazer síntese e por tornarem as inúmeras horas de reação mais divertidas.
Aos amigos que me acompanharam (e aos que não acompanharam também) durante o
curso, com vocês as aulas se tornaram mais divertidas, os sofrimentos por notas baixas se
tornaram mais leves e a felicidade multiplicada pela aprovação naquela matéria difícil. Muito
obrigada pelo companheirismo, apoio, pelo empréstimo de material e também pelo ensino de
carteado no vadiódromo. Andressa Marques, Bruno Salarini, Mayara Antunes e Meliza
Fonseca, todos esses momentos fizeram vocês e a UFF estarem para sempre comigo.
Aos professores Florence Farias e Glaucio Ferreira por terem aceitado avaliar meu
trabalho e poderem participar deste momento importante da minha graduação.
Aos que tem compartilhado a reta final da minha graduação muito obrigada pela
paciência, compreensão e atenção.
Resumo
Este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica sobre os derivados de ácidos 3-acil
tetrâmicos, seus complexos metálicos e suas atividades biológicas. Utilizando fontes de dados
ao longo de mais de seis décadas foram observadas diversas atividades biológicas, porém
escolheu-se abordar duas atividades específicas: atividade antibacteriana e anticancerígena.
Este levantamento de informações mostrou que a habilidade de formar compostos de
coordenação desses derivados já é de conhecimento da sociedade científica por décadas, porém
obteve-se poucos dados sobre a relação entre os complexos metálicos e as atividades biológicas.
Atualmente, sabe-se que a capacidade intrínseca de complexação dos derivados 3-acil geram
produtos estáveis com certos íons metálicos. Este é um forte indício sobre a influência que os
complexos metálicos podem exercer sobre as atividades. Com o intuito de estabelecer uma
relação entre atividade biológica e formação de complexos foram discutidos casos encontrados
na literatura, fornecendo dados sobre atividade de complexos e seus ácidos 3-aciltetrâmicos de
origem.
Palavras-chave: ácidos 3-aciltetrâmicos, atividade biológica, complexos metálicos
Abstract
This work shows a literature review of 3-acyl tetramic acid derivatives, its metallic complexes
and their biological activities. Using data sources from over six decades, it was observed various
types of biological activities, however, two specific activities were chosen to be analyzed:
antibacterial and anticancer. The information collected showed that the ability to form metallic
complexes of these derivatives is known by the scientific society for decades, on the other hand,
it was found hardly any information about the relationship of metallic complexes and biological
activities. Currently, it is known that the complexation ability of 3-acyl derivatives to produce
stable products with some specific metallic ions. This fact is a strong evidence about the
influence of coordination compounds over the biological activities. With the intention to
stablish a relationship between biological activity and the formation of metallic complexes, it
was discussed the cases obtained in the literature, providing data of complexes activities and its
original tetramic acids..
Keywords: tetramic acids, biological activity, metallic complexes
Sumário
Introdução...................................................................................................................................1
Revisão Bibliográfica – Ácidos 3-aciltetrâmicos........................................................................4
Ácidos 3-aciltetrâmicos naturais bioativos........................................................................4
Ácidos 3-aciltetrâmicos coordenados................................................................................6
Importância da coordenação na atividade biológica.................................................................10
Coordenação e atividade antimicrobiana.........................................................................11
Coordenação e atividade anticancerígena........................................................................18
Outras implicações da coordenação com metais..............................................................23
Conclusão..................................................................................................................................26
Bibliografia...............................................................................................................................27
Lista de Figuras
Figura 1. Ácido tetrâmico e seus principais tipos de derivados naturais...................................1
Figura 2. Proposta de biossíntese do Ácido Tenuazônico.........................................................2
Figura 3. Tautomeria em ácidos tetrâmicos e ácidos 3-aciltetrâmicos......................................3
Figura 4. Alguns ácidos 3-aciltetrâmicos naturais biologicamente ativos.................................4
Figura 5. Alguns complexos metálicos bioativos do Ácido Tenuazônico (L1).........................8
Figura 6. Estrutura proposta para Magnesidina (2)...................................................................9
Figura 7. Pachidermina, um ácido 3-aciltetrâmico termicamente instável...............................9
Figura 8. Compostos 5a-d (La-d) e seus complexos de Cu+2...................................................13
Figura 9. Ácido 3-aciltetrâmico (8) e seus complexos com atividades antibacterianas..........14
Figura 10. Melofilina C (9) e seus complexos com atividades antibacterianas.......................16
Figura 11. Melofilinas A (10) e C (9) e seus complexos anticancerígenos.............................19
Figura 12. Complexo de Zn do Ácido Harziânico (L11) com atividade anticancerígena........21
Figura 13. Estrutura da Cilindramida (12) ..............................................................................22
Figura 14. Oleficina (13), um ionóforo inibidor da respiração................................................24
Figura 15. Ácido 3-aciltetrâmico 8, um sideróforo no sequestro de Fe...................................25
Figura 16. Ácido Harziânico (11), um sideróforo no sequestro de Fe.....................................25
Lista de Tabelas
Tabela 1. Atividades antibacterianas dos compostos 5a-d (La-d)............................................13
Tabela 2. Atividades antibacterianas dos complexos de cobre de 5a-d...................................13
Tabela 3. Atividade antibiótica para Melofilina C (9) e seus complexos................................17
Tabela 4. Valores de IC50 (µg/mL) para composto 9, 10 e seus complexos metálicos............19
Tabela 5. Atividade antibacteriana para Cilindramida (12).....................................................22
Lista de Siglas e Abreviaturas
A. alternata: Alternaria alternata
A. longipes: Alternaria longipes
AIDS:
Acquired Immunodeficiency Syndrome
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)
AT: Ácido Tetrâmico
Bn: Benzil
DMF: Dimetilformamida
Et3N: Trietilamina
EtOH: Etanol
HIV: Human Immunodeficiency Virus (Vírus da Imunodeficiência Humana)
IC50: Half Maximal Inhibitory Concentration (Concentração Inibitória
mediana)
Me: Metil
MeOH: Metanol
MIC: Minimal Inhibitory Concentration (Concentração Inibitória Mínima)
OAc: Acetato (CH3COO)
P. aeruginosa: Pseudomonas aeroginosa
P. irregulare: Pythium irregulare
S. aureus: Staphylococcus aureus
s-bu: Secbutil (1-metil propil)
1 | P á g i n a
Introdução
Os ácidos tetrâmicos são compostos naturais que apresentam como estrutura básica um
anel heterocíclico nitrogenado de cinco membros com o grupamento pirrolidino-2,4-diona e
que se constituem nas estruturas de inúmeros produtos marinhos e terrestres biologicamente
ativos (Figura 1).1–7 Estes heterociclos são metabólitos secundários biossintetizados por muitos
organismos vivos, desde os mais simples, como bactérias, aos mais complexos, como vegetais
superiores, e apresentam-se principalmente nas formas de ácidos 3-aciltetrâmicos e, menos
frequentemente, como ácidos tetrâmicos O-alquil éteres.1–7
Figura 1. Ácido tetrâmico e seus principais derivados naturais
A biossíntese do Ácido Tenuazônico, o ácido 3-aciltetrâmico natural mais simples, foi
proposta com base em experimentos de marcação isotópica (Figura 2).7 A reação de N-acilação
do -aminoácido natural L-Isoleucina com CH314CO2H levou ao isolamento da N-acetoacetil-
L-isoleucina. A posterior reação de acilação do carbono metilênico entre as duas carbonilas
pela função ácido carboxílico leva a formação do Ácido Tenuazônico.
2 | P á g i n a
Figura 2. Proposta de biossíntese do Ácido Tenuazônico.
Caracteristicamente, os hidrogênios H-3 de ácidos tetrâmicos apresentam pKa em torno
de 6,4 em meio aquoso de tal forma que seus tautômeros ceto (pirrolidino-2,4-diona) são
favorecidos no equilíbrio em detrimento aos seus tautômeros enólicos (4-hidroxi-3-pirrolidino-
2-ona) (Figura 3a).1–7 Por outro lado, os ácidos 3-aciltetrâmicos (Figura 3b) apresentam maior
acidez em relação aos ácidos não substituídos em C-3, com valores de pKa na faixa 2,5-4,0 e
são mais facilmente desprotonados in vivo. Assim, em solução os ácidos 3-aciltetrâmicos
apresentam elevado grau de enolização, onde as formas enólicas estabilizadas por ligações de
hidrogênio intramoleculares são favorecidas no equilíbrio. Nestes casos, quatro tautômeros
geralmente são detectados em solução, formando dois sistemas de interconversão interna e
rápida (duplas A/ B e C/ D), que por sua vez podem promover a interconversão externa (dupla
A/ B para dupla C/ D), com velocidade mais lenta.1–7
3 | P á g i n a
Figura 3. Tautomeria em ácidos tetrâmicos e ácidos 3-aciltetrâmicos.8
Devido às suas estruturas e atividades biológicas associadas, os produtos naturais da
classe dos ácidos 3-aciltetrâmicos vêm ganhando cada vez mais atenção da comunidade
científica nas áreas de química e biologia. Isto tem sido explicado pelas suas habilidades em
coordenar íons metálicos bioquimicamente indispensáveis e a mimetizar grupamentos fosfatos
nos sítios de ligação de enzimas quinases e fosfatases. Tal importância tem se refletido em
algumas excelentes revisões descritas nos últimos vinte anos compreendendo os mais variados
aspectos dos ácidos tetrâmicos, tais como isolamento, estruturas, sínteses e atividades
biológicas.1–7 Por esse motivo, este trabalho tem como objetivo principal compilar informações
e prover dados relevantes sobre ácidos 3-aciltetrâmicos e seus respectivos complexos. Servindo
como uma coleção de informações gerais relevantes para o aprofundamento nos estudos sobre
essa família de compostos.
4 | P á g i n a
Revisão Bibliográfica – Ácidos 3-aciltetrâmicos
Ácidos 3-aciltetrâmicos naturais bioativos
O interesse em ácidos 3-aciltetrâmicos é justificado por seu amplo espectro de
atividades biológicas, tais como: antivirais, antimicrobianas e antitumorais.1–7 Alguns exemplos
de ácidos 3-aciltetrâmicos naturais bioativos são mostrados na Figura 4.
Figura 4. Alguns ácidos 3-aciltetrâmicos naturais biologicamente ativos.
O Sch213766 é um ácido 3-aciltetrâmico isolado a partir do fungo Chaetomiom
globosum e mostrou atividade inibidora da HIV-1 protease presente no vírus causador da AIDS,
ao inibir os receptores CCR-5 envolvidos na etapa de entrada do vírus nas células, com valor
5 | P á g i n a
de IC50i = 8,6 g/ mL.9 Por sua vez, o antibiótico Reutericiclina, que foi isolado de
Lactobacillus reuteri, apresentou efeitos inibitórios sobre o crescimento de bactérias Gram-
positivas, como S. aureus, Listeria innocua e patógenos oportunistas como Enterococcus
faecium. Sua importância se dá pelo fato de que antibióticos produzidos por Lactobacillus
atuam protegendo o organismo humano contra infecções causadas por Salmonella sp. e
Helicobacter sp., que são agentes causadores de úlceras gástricas. Seus MIC’sii variam entre
0,006 e 2,5 mg/ L.10–12 O Penicilenol A1 foi isolado a partir do fungo Penicillium sp. GQ-7AN
e apresentou atividades citotóxicas sobre linhagens de células cancerígenas HL-60 (leucemia
humana) e P388 (leucemia resistente à antraciclinas), apresentando valores de IC50 = 0,76 e
8,85 g/ mL, respectivamente.13
Ácidos 3-aciltetrâmicos são caracterizados por sua acidez relativamente elevada (pKa =
2,5-4,0) e pelo fato de serem facilmente desprotonados em condições fisiológicas. Suas
estruturas os tornam excelentes ligantes para íons metálicos.1–6 Contudo, a importância da
coordenação de ácidos 3-aciltetrâmicos com metais sobre as propriedades biológicas foi pouco
estudada e as poucas exceções encontradas na literatura estão compiladas neste trabalho.
i IC50: Valor de concentração obtido ao observar-se inibição/redução de um parâmetro biológico pela metade,
fornecendo dados sobre a eficácia da substância em estudo. Quanto menor o valor de IC50 mais eficaz é o composto. ii MIC: valor obtido referente a menor concentração possível na qual observa-se uma inibição no microrganismo
em análise. Ou seja, menores valores de MIC correspondem a maiores habilidades de inibição.
6 | P á g i n a
Ácidos 3-aciltetrâmicos coordenados
Como mencionado anteriormente os derivados 3-acil possuem a habilidade em formar
complexos estáveis com certos íons metálicos, tais como Na+, Ca2+, Mg2+, Cu2+, Zn2+ e Fe3+,
através do átomo de oxigênio presente no grupo acila em C-3 e nas carbonilas (em C-2 ou C-
4), levando a complexos estáveis de seis membros. A estabilidade dos complexos de ácidos 3-
aciltetrâmicos com metais divalentes (especialmente Ca+2 e Mg+2) é medida pela constante de
formaçãoiii (K) dos complexos dos ácidos 3-aciltetrâmicos com os diferentes metais. A
constante de formação está relacionada à força destes cátions como ácidos de Lewis.
Estequiometria ligante : metal dos complexos formados varia de 3 : 1, para complexos de
cátions trivalentes como Fe+3, à 1 : 2, para complexos de cátions divalentes como Zn+2.14,15 As
informações sobre os compostos de coordenação com os derivados 3-aciltetrâmicos, de um
modo geral, mostrou que esses ligantes apresentam uma tendência em possuir mais de um sítio
disponível para complexação, formando assim compostos de coordenação chamados de
quelatos.
A coordenação com metais aumenta a estabilidade dos ácidos 3-aciltetrâmicos no meio
biológico, além de facilitar seu transporte em tecidos biológicos ao permitir sua travessia pelas
membranas (devido a um possível aumento da lipofilicidade), de tal forma que em alguns casos
a coordenação com metais é importante para a atividade biológica.1–6 Assim, embora suas
formas não coordenadas sejam as mais descritas, alguns ácidos 3-aciltetrâmicos naturais têm
sido isolados nas formas de seus complexos metálicos, mostrando que a coordenação com
iii Constante de formação (K) representa a estabilidade de um complexo metálico. Os valores de constante
relacionam a concentração do complexo com as concentrações dos íons metálicos e dos ligantes livres em solução.
Consequentemente, entende-se que quanto maior o valor de K, maior será a estabilidade do complexo.
7 | P á g i n a
metais é importante para as estabilidades de alguns ácidos 3-aciltetrâmicos naturais.1–6 Além
disso, os tautômeros ceto (vide Figura 2) são quelantes bidentados poderosos para metais
alcalinos e para outros metais biologicamente relevantes, incluindo metais de transição tais
como Fe+3, Cu+2, Zn+2 ou Mn+2, ou para metais tóxicos e não relevantes sob o ponto de vista
biológico, como cádmio, rutênio ou platina. Ácidos 3-aciltetrâmicos podem assim ser
considerados como ligantes com potencial importância biológica.
Alguns exemplos de complexos de ácidos 3-aciltetrâmicos naturais bioativos são
mostrados a seguir (Figura 5 e 6). O Ácido Tenuazônico (L1) é uma toxina altamente venenosa
para o ser humano, que foi inicialmente isolada a partir de Alternaria tenuis auct. (fungo
observado em plantas) na forma de seu sal de Mg+2.16 Posteriormente sais ou misturas de sais
(Na+, K+, Ca+2, Mg+2 ou Fe+3) de L1 foram também isolados a partir de A. alternata,17,18 A.
longipes,19 Pyricularia oryzae20,21 e de Phoma sorghina.22 Dependendo da natureza do metal,
as estruturas destes complexos envolvem coordenações entre o grupo acila em C-3 e as
carbonilas em C-2 ou em C-4. A estrutura do complexo Cu(L1)2 de geometria quadrada planar
foi determinada por cristalografia de raio-X, onde L1 utiliza o grupo acetila em C-3 e a carbonila
em C-2 na coordenação do Cu+2.23 As constantes de formação para o complexo Fe(L1)3 e
análogos são cerca de 10-29 M. O sal Na(L1) apresentou atividades frente a diversos vírus (MEF-
1, ECHO-9, parainfluenza, vaccínia e herpes simplex)24 e atividades citotóxicas frente a
linhagem de células tumorais HAd1 (adenocarcinoma humano).25 Outros complexos metálicos
de L1 mostraram atividades fitotóxicas.17,19–21
8 | P á g i n a
Figura 5. Alguns complexos metálicos bioativos do Ácido Tenuazônico (L1).
O antibiótico Magnesidina (2) (Figura 6) foi isolado a partir da alga marinha, Caulerpa
peltata presente na Índia, como uma mistura de sais de magnésio de estruturas não
completamente definidas.26 Esta mistura é particularmente ativa frente a bactérias gram-
positivas, como Bacillus subtilis ATCC e Staphylococcus aureus FDA 209 p (em ambos os
casos, com MIC = 3 g/ mL).
9 | P á g i n a
Figura 6. Estrutura proposta para Magnesidina (2).
A Pachidermina (3), um ácido 3-aciltetrâmico incomum, foi isolado a partir do fungo
Chamonixia pachydermis (Boletaceae) (que ocorre em cogumelos) como uma mistura de seus
sais de Na+ e K+, cujas estruturas não são propostas (Figura 7).27 O ácido livre 3 é propenso à
degradação sob condições acídicas e sua estrutura foi inferida a partir do produto de degradação
térmica 4, que é mais estável. Esta substância exibiu moderada atividade antibacteriana frente
ao Bacillus subtilis em ágar testes de difusão. Não é claro se este produto de decomposição
também é formado in vivo.
Figura 7. Pachidermina, um ácido 3-aciltetrâmico termicamente instável.
10 | P á g i n a
Dada a ocorrência de sais de ácidos 3-aciltetrâmicos in vivo, torna-se imperativo saber
se eles exercem seus efeitos biológicos como nas suas formas coordenadas ou não coordenadas.
Poucos estudos são descritos na literatura que apresentam a correlação entre a coordenação de
ácidos 3-aciltetrâmicos a metais e as suas atividades biológicas.1 Estes artigos, que envolvem
atividades antimicrobianas e anticancerígenas, serão abordados na próxima seção.
Importância da coordenação na atividade biológica
Conforme já mencionado, a coordenação dos ácidos 3-aciltetrâmicos com metais facilita
seu transporte em tecidos biológicos e através de membranas, de tal modo que em alguns casos
a coordenação com metais é um fator determinante no desenvolvimento da atividade
biológica.1–7 Nesta seção será abordada a importância da coordenação de ácidos 3-
aciltetrâmicos naturais e sintéticos com metais sobre as atividades antimicrobianas e
anticancerígenas.
Os possíveis mecanismos de ação de complexos metálicos no sistema biológico foram
descritos no início da década de 1960.28 Alguns exemplos de mecanismos de atuação consistem
em:
Combinação ligante e íons metálicos no meio celular, removendo assim o metal do
meio, privando a célula ou organismo do metal;
Formação do complexo proporciona estabilidade para o ligante e o metal;
11 | P á g i n a
Formação de um complexo que retire a toxicidade ou um complexo que sirva de
catalisador;
O complexo formado possui uma polaridade que permite e facilita o transporte de metal
e ligante através de membranas celulares.
A literatura indica que o mecanismo de ação mais provável para os complexos metálicos
de ácidos 3-acil tetrâmicos seja o último mecanismo listado acima.28 Uma justificativa para este
fato é que, na maioria dos casos, os ligantes por si só possuem alguma atividade biológica e
quando o transporte dessas moléculas é facilitado (através da complexação), permitindo que a
molécula complexada tenha uma melhor penetração no meio celular, esses compostos podem
vir a agir mais efetivamente em seu alvo biológico.
Coordenação e atividade antimicrobiana
Em 1985, Boucly e colaboradores relataram que os complexos Fe(L1)3 e Mg(L1)2 não
apresentaram maior atividade antibacteriana que o Ácido Tenuazônico (L1) (vide Figura 4)
frente ao Bacillus subtilis.23
Em 1980, Matsuo e colaboradores sintetizaram ácidos 3-decanoiltetrâmicos racêmicos
5a-d (La-d) e seus complexos de Cu+2, Cu(La-d)2, e correlacionaram suas atividades
antibacterianas (Figura 8).29 A reação de N-acilação de α-aminoésteres, 6a-d, produziu os
intermediários, 7a-d, em rendimentos moderados, que sofreram reação de Claisen
intramolecular (acilação de íon enolato) em meio básico produzindo 5a-d em bons rendimentos.
O tratamento destas espécies com acetato de cobre (II) em etanol ao refluxo levou a formação
12 | P á g i n a
dos respectivos complexos racêmicos, Cu(La-d)2, de estequiometria 1:2 e geometrias quadradas
planas. Em todos estes casos, as coordenações do Cu envolvem os grupos acila em C-3 e a
forma enólica da carbonila em C-4.
Dentre estes, os complexos Cu(Lc)2 e Cu(Ld)2, que apresentam cadeias R1 mais
volumosas, inibiram mais eficientemente o crescimento das bactérias Gram-positivas Bacillus
subtilis e Staphylococcus aureus (com MIC = 1,56-12,5 g/ mL) que os correspondentes ácidos
3-decanoiltetrâmicos 5c (Lc) e 5d (Ld) (MIC = 25-100 g/ mL).29 Por outro lado, tal efeito não
foi observado a partir dos compostos 5a (La) e 5b (Lb) de cadeias R1 pouco volumosas,
mostrando a importância do tamanho da cadeia R1 sobre a atividade antibacteriana. Entretanto,
nenhuma das substâncias inibiram o crescimento de bactérias Gram-negativas. Os autores
atribuíram as maiores atividades antibacterianas dos complexos Cu(Lc)2 e Cu(Ld)2 frente aos
ácidos 3-aciltetrâmicos não complexados 5c (Lc) e 5d (Ld) às maiores lipossolubilidades e
permeabilidades através das paredes celulares dos complexos de Cu+2.29
13 | P á g i n a
Figura 8. Compostos 5a-d (La-d) e seus complexos de Cu+2.
Tabela 1. Atividades antibacterianas dos compostos 5a-d (La-d).
Composto
MIC (µg/mL)
B. subtilis S. aureus
5a (La) 0,75 6,25
5b (Lb) 1,56 6,25
5c (Lc) 25 100
5d (Ld) 25 50
Tabela 2. Atividades antibacterianas dos complexos de cobre de 5a-d.
Complexo
MIC (µg/mL)
B. subtilis S. aureus
Cu(La)2 12,5 25
Cu(Lb)2 1,56 6,25
Cu(Lc)2 1,56 6,25
Cu(Ld)2 6,25 12,5
14 | P á g i n a
A bactéria Gram-negativa Pseudomonas aeruginosa, um patógeno humano oportunista,
produz o antibiótico 3-(1-hidroxidecilideno)-5-(2-hidroxietil)pirrolidina2,4-diona 8 (Figura
9).30 Este ácido 3-aciltetrâmico apresentou atividade frente a uma série de bactérias Gram-
positivas competidoras da P. aeruginosa, dentre as quais a Staphylococcus aureus, com MIC =
25 g/ mL. Posteriormente, foram descritos os complexos de 8 com Fe(III) e com Ga(III),
Fe(L8)3 e Ga(L8)3, de estequiometrias 1:3 e geometrias octaédricas, onde 8 apresenta apreciável
afinidade pelo Fe+3 (Kd = 1,6 x 10-29 M3).14 Estes autores mencionaram que os complexos
Fe(L8)3 e Ga(L8)3, cujas coordenações envolvem a forma enólica da carbonila em C-3 e a
carbonila em C-4, mostraram atividades comparáveis à do ácido 3-aciltetrâmico 8 frente a
bactéria S. aureus, sugerindo que nestes casos as complexações com metais não influenciam a
atividade bacteriostática.
Figura 9. Ácido 3-aciltetrâmico 8 e seus complexos com atividades antibacterianas.
Em 2009, Schobert e colaboradores estudaram a correlação entre as propriedades
antibacterianas da Melofilina C (9), um ácido 3-aciltetrâmico natural isolado da esponja
marinha Melophlus sarasinorum, e de alguns de seus complexos metálicos (Figura 9).31 O
15 | P á g i n a
efeito da coordenação com metais sobre as atividades antibacterianas foi efetuado pelas
preparações dos complexos Zn(L9)2, Mg(L9)2, Ga(L9)3, La(L9)3 e Ru(areno)(L9)2. Cabe
mencionar que as geometrias destes isômeros não foram completamente descritas. Contudo,
dependendo do metal empregado, estes complexos são formados como um único isômero ou
como misturas de isômeros, onde as coordenações podem envolver C-3 e C-2 ou C-3 e C-4. As
estruturas dos isômeros destes complexos foram determinadas a partir dos valores dos
estiramentos das bandas das carbonilas nos espectros de infravermelho: as carbonilas em C-4 e
C-2 quando coordenadas absorvem em aproximadamente 1590 e 1583 cm-1, respectivamente.
Por sua vez, as carbonilas em C-4 e C-2 não coordenadas absorvem em 1675 e 1649 cm-1,
respectivamente. Assim, os complexos Mg(L9)2, Ga(L9)3 e [Ru-(6-p-cimeno)-L9-Cl] foram
obtidos como uma única estrutura isomérica, enquanto os complexos Zn(L9)2 e La(L9)3 foram
obtidos como misturas de complexos isoméricos.31
16 | P á g i n a
Figura 10. Melofilina C (9) e seus complexos com atividades antibacterianas.
17 | P á g i n a
Tabela 3. Atividade antibiótica* para Melofilina C (9) e seus complexos.
Bactéria* 9 (L9) Ga(L9)3
La(L9)
3
[Ru(η6-p-cimeno)- L9-
Cl]
E. coli tol C 9 8 8 7
S aureus 9 8 7 7
M. phlei 10 11 10 10
M. luteus 0 8 7 7
*Placas de agar inoculadas com as respectivas bactérias foram
incubadas com discos de celulose contendo soluções metanólicas
de 9 e seus complexos metálicos. Os diâmetros (em mm) das zonas
de inibição de crescimento resultantes são descritos aqui.
A atividade antibacteriana de 9 (L9) é modulada por sua complexação com metais31:
dentre as bactérias Gram-negativas, apenas a Escherichia coli tolC foi igualmente sensível tanto
à 9 como a seus complexos Ga(L9)3, La(L9)3 e [Ru-(6-p-cimeno)-L9-Cl]. Esta tendência
também foi verificada para as bactérias Gram-positivas Staphylococcus aureus e
Mycobacterium phlei, que foram igualmente sensíveis tanto a 9 quanto aos complexos
metálicos. Por outro lado, a bactéria Gram-positiva Micrococcus luteus, que é resistente à
Melofilina C (9) não complexada, teve o seu crescimento inibido nas presenças dos complexos
Ga(L9)3, La(L9)3 e [Ru-(6-p-cimeno)- L9-Cl].
18 | P á g i n a
Coordenação e atividade anticancerígena
As propriedades antibióticas e anticancerígenas de alguns ácidos 3-aciltetrâmicos
naturais têm sido atribuídas às suas habilidades em coordenar íons metálicos bioquimicamente
indispensáveis e a mimetizar grupamentos fosfatos nos sítios de ligação de enzimas quinases e
fosfatases.31
Schobert e colaboradores também estudaram as correlações entre as propriedades
citotóxicas da Melofilina A (10) e da Melofilina C (9), dois ácidos 3-aciltetrâmicos naturais
isolados da esponja marinha Melophlus sarasinorum, e de alguns de seus complexos metálicos
(Figura 11).31 As atividades antiproliferativas destes compostos foram avaliadas frente as
seguintes células cancerígenas: KB-3-1 (carcinoma de colo de útero humano), A-498
(carcinoma de rim), U-937 (leucemia) e L929 (fibroblastos). A Melofilina A (10) apresentou
preferência por células U-937, enquanto que Melofilina C (9) é menos seletiva e apresentou
alta atividade para todas as linhagens estudadas. As atividades citotóxicas de 9 (L9) e 10 (L10)
são moduladas pela coordenação com metais, onde incrementos nas citotoxicidades ocorrem
após a complexação com metais. De um modo geral, a Melofilina C (9) e seus complexos
metálicos apresentaram maiores atividades citotóxicas que a Melofilina A (10) e seus
complexos metálicos, evidenciando a importância das naturezas do metal e da cadeia lateral R
sobre esta atividade biológica. Os complexos Ca(L10)2, Mg(L10)2 e Zn(L10)2 mostraram-se mais
ativos que 10 frente a todas as células avaliadas, mas os resultados não são, em geral, muito
significativos. Por sua vez, os complexos La(L9)3 e [Ru-(6-p-cimeno)- L9-Cl] apresentaram
elevadas seletividades e inibição bem mais pronunciada das células A-498 e U-937, quando
comparados à Melofilina C (9), com valores de IC50 bastante significativos.31
19 | P á g i n a
Figura 11. Melofilinas A (10) e C (9) e seus complexos anticancerígenos.
Tabela 4. Valores de IC50 (µg/mL) para composto 9, 10 e seus complexos metálicos
Composto
Célula Cancerígena
KB-3-1 A-498 U-937 L929
10 (L10) 26 20 8,8 24
Ca(L10)2 10 9,4 6,1 8,1
Mg(L10)2 12 8,3 5,4 12
Zn(L10)2 10 9,8 3,9 12
9 (L9) 3,7 3,7 2,8 3,4
Ga(L9)2 7,7 2,7 4,0 7,7
La(L9)2 1,9 0,54 0,4 2,5
[Ru(η6-p-cimeno)- L9-Cl] 2,2 1,0 1,3 3,9
20 | P á g i n a
A serina/treonina fosfatase tipo 2A (PP2A) é uma proteína fosfatase intracelular que
catalisa a defosforilação de muitos substratos. Os inibidores específicos da PP2A aumentam as
células assassinas naturais in vivo e inibem a metástase de tumores. Deste modo, um inibidor
específico da PP2A é um candidato para um novo ativador imunológico.32
Nesse contexto encontra-se o Ácido Harziânico (11), um ácido 3-aciltetrâmico uma
substância isolada a partir do fungo de plantas Trichoderma harzianum SY-30733 cuja estrutura
foi completamente elucidada posteriormente (Figura 12).34 Esta substância foi descrita como
um antifúngico, um promotor do crescimento de plantas e como um antimicrobiano frente a
diferentes bactérias, tais como Pasteurella piscidida sp. 6395 (com MIC = 12,5 g/ mL), e
Proteus mirabilis IFM OM-9 (com MIC = 25 g/ mL), P. irregulare, Sclerotinia sclorotiorum
e Rhizoctonia solani.32,34 Em 2004, Kawada e colaboradores relataram o complexo de 11 (L11)
com Zn+2 Zn(L11)2, onde duas moléculas de 11 ligam-se a um íon Zn+2, mas a estrutura
completa deste complexo não foi mostrada.32 Estes autores mostraram que o complexo
Zn(L11)2, a forma ativa de 11, é um inibidor potente e seletivo da atividade da enzima PP2A
com IC50 = 10 g/ mL, sem afetar outras serina/ treonina fosfatases tipo 1 (PP1).32 Por si só, o
composto 11 mostrou-se inativo como inibidor da PP2A. Em adição, o complexo Zn(L11)2 é
um inibidor moderado do crescimento da linhagem de células cancerígenas DU-145 (câncer de
próstata humano), com IC50 = 17 g/ mL.32
21 | P á g i n a
Figura 12. Complexo de Zn do Ácido Harziânico (L11) com atividade anticancerígena.
Sasse, Schwalbe e colaboradores mostraram que a Cilindramida (12), um ácido 3-
aciltetrâmico natural isolado da esponja Halichondria cylindrata, possui atividades citotóxicas
potentes frente a uma variedade de células cancerígenas, tais como: L929 (fibroblastos de
camundongo), A-431 (carcinoma epidermóide humano), PC-3 (câncer de próstata humano),
SKOV-3 (câncer de ovário humano), KB-3-1 (câncer de colo de útero), KB-V1 (câncer
resistente à vimblastina), K-562 (leucemia) e U-937 (linfoma humano), com valores de IC50 na
faixa de 0,067 a 0,8 g/ mL (Figura 13).35 Os resultados do teste com a linhagem
multirresistente35 KB-V1 mostraram que 12 não possui afinidade pela bomba de efluxo de
glicoproteínas (P-gp) sobreexpressas das células. Cabe mencionar que nenhum dos
estereoisômeros de 12 sintetizados por estes autores apresentou atividades citotóxicas
significativas, evidenciando a importância das configurações absolutas de 12 para estas
atividades biológicas.
O espectro de Massas utilizando a técnica FAB de uma amostra de 12 mostrou a
presença do pico [M+Cu]+, indicando que 12 complexa-se ao íon Cu+. A partir destes dados, os
autores concluíram que 12 é um bom ligante especialmente para cátions divalentes. Assim, foi
proposto que 12 exerce suas atividades citotóxicas frente ás linhagens celulares L929 e U-937
por ligação ao Ca+2 presente nas células cancerígenas, diminuindo sua concentração no meio
22 | P á g i n a
intracelular.33 De fato, a citotoxicidade de 12 frente à linhagem celular L929 é dependente de
íons Ca+2, mostrando que a atividade antiproliferativa de 12 é dependente da formação do
complexo Ca(12)2 gerado no meio.
Figura 13. Estrutura da Cilindramida (12).
Tabela 5. Atividade antibacteriana para Cilindramida (12)
IC50 (µg/mL)
L929 A-431 PC-3 SKOV-3 KB-3-1 KB-V1 K-562 U-937
0,067 0,24 0,28 0,27 0,16 0,.089 0,19 0,52
Neste caso específico, o mecanismo de ação de 12 parece envolver a combinação do
ligante 12 com íons Ca+2 do meio celular, removendo o metal do meio. Isto priva a célula do
metal, levando à inibição do mecanismo de ação da célula cancerígena.
23 | P á g i n a
Outras implicações da coordenação com metais
O caráter ácido de ácidos tetrâmicos e sua facilidade em desprotonar quando em meio
ambiente fisiológico já foi discutido anteriormente e acredita-se que essa capacidade permita
e/ou facilite a coodernação dos derivados 3-acil com íons metálicos presentes no meio celular,
realizando a remoção desses cátions que pode resultar em implicações biológicas de relevância,
sendo apresentados como ionóforos e sideróforos.1
Ionóforos são definidos como pequenas moléculas lipossolúveis que se ligam à íons
específicos, mascarando sua carga e transportando-os através da bicamada lipídica por meio de
gradientes eletroquímico. Ácidos 3-aciltetrâmicos podem funcionar como ionóforos,
perturbando a homeostaseiv celular dos íons.
A Oleficina (13) é um ácido 3-aciltetrâmico natural isolado a partir da bactéria
Streptomyces parvulus (Figura 14).36 Seu sal de Na é moderadamente solúvel em água. Em pH
7,4, 13 (L13) é capaz de transferir seletivamente os cátions divalentes Mg+2 e Ca+2 da água para
uma fase orgânica, presumivelmente através da formação de complexos neutros M(L13)2, cujas
estruturas não foram descritas.1 O ionóforo 13 é ativo frente a bactérias Gram-positivas e frente
ao sarcoma subcutâneo de Yoshida (LD50 = 40 mg/ kg). Além disso, 13 remove os íons Mg+2 e
Ca+2 das mitocôndrias, dois elementos essenciais para os processos celulares. Ele também inibe
a respiração de leveduras e converte as células em mutantes com deficiência respiratória; assim,
13 é um ionóforo que inibe o processo de respiração celular.
iv Homeostasia (ou homeostase) é a tendência existente em alguns organismos para o equilíbrio e
conservação de elementos fisiológicos e do metabolismo através de alguns mecanismos de regulação. É
considerado que um organismo está em homeostasia quando substâncias químicas estão em concentrações
adequadas, a temperatura é estável e a pressão é apropriada.
24 | P á g i n a
Figura 14. Oleficina (13), um ionóforo inibidor da respiração.
Sideróforos são compostos orgânicos que atuam na captação de Fe+3 pelos organismos,
como bactérias. Alguns poucos ácidos 3-aciltetrâmicos podem funcionar como sideróforos.1
O ácido 3-aciltetrâmico 8 isolado a partir da bactéria Gram-negativa Pseudomonas
aeruginosa,28 não apresenta apenas propriedades antibacterianas frente a bactérias Gram-
positivas competidoras da P. aeruginosa, mas também é um sideróforo potente (Figura 15). O
composto 8, que apresenta uma alta constante de formação quando o metal complexado é o
Fe+3 (K = 1,6 x 10-29 M), pode contribuir para sequestro de ferro da P. aeruginosa formando
um complexo octaédrico Fe(8)3. A presença de ferro é essencial para a vida bacteriana e para o
processo de patogênese. Contudo, foi relatado que 8 não é suficiente para proporcionar um
mutante de sideróforos da P. aeruginosa com o ferro necessário para o seu crescimento.1 O
mesmo estudo indicou que a quelação de 8 com o Fe+3 não é responsável pelo efeito
bacteriostático observado.1
25 | P á g i n a
Figura 15. Ácido 3-aciltetrâmico 8, um sideróforo no sequestro de Fe.
O Ácido Harziânico (11) também é um potente siderófilo, com alta constante de
formação para o Fe+3 (K = 1,79 x 10-25 M), formando o complexo FeCl2(11) de estequiometria
1:1, cuja geometria não foi descrita (Figura 16).37 Esta propriedade quelante do Fe+3 por 11
pode representar um mecanismo de solubilização do ferro que altere significativamente a
disponibilidade de nutrientes no ambiente do solo para outros microrganismos e da planta
hospedeira.37 A Reutericiclina (vide Figura 4, seção 2), que é estruturalmente semelhante a 11,
também é descrita como um siderófilo, contudo a estrutura de seu complexo de Fe+3 não foi
descrita.1
Figura 16. Ácido Harziânico (11), um sideróforo no sequestro de Fe.
26 | P á g i n a
Conclusão
Ácidos 3-aciltetrâmicos naturais apresentam uma boa gama de propriedades biológicas,
com interesse especial na química medicinal como antimicrobianos e antitumorais. Suas
estruturas os tornam excelentes ligantes para íons metálicos tais como Na+, Ca2+, Mg2+, Cu2+,
Zn2+ e Fe3+, através do grupo acila em C-3 e de uma das carbonilas (em C-2 ou C-4), levando
a complexos estáveis de seis membros.
Os poucos exemplos comparativos entre ácidos 3-aciltetrâmicos e seus complexos
metálicos disponíveis na literatura mostram que em alguns casos as atividades antimicrobianas
e anticancerígenas dos ácidos 3-aciltetrâmicos são alteradas por suas coordenações a metais. A
coordenação com metais aumenta a estabilidade dos ácidos 3-aciltetrâmicos no meio biológico,
além de facilitar seu transporte em tecidos biológicos ao atravessar as membranas, de tal forma
que em alguns casos a coordenação com metais é crucial para a atividade biológica.
Estes poucos casos descritos na literatura certamente contribuíram para limitar os
estudos acerca da importância da coordenação de ácidos 3-aciltetrâmicos a metais sobre as
atividades antimicrobianas e anticancerígenas. E à capacidade destas moléculas orgânicas em
coordenar metais presentes no meio biológico. Assim, o acesso a novos ácidos 3-aciltetrâmicos
sintéticos poderá se constituir em uma contribuição importante para o avanço dos estudos de
suas coordenações a metais sobre estas atividades biológicas.
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