partilha de bens inventário

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I - A ação de inventário por separação judicial é o leito próprio para apreciação de questões jurídicas surgidas após a separação de fato do casal, admitindo a discussão de prova documental a respeito de fatos incontroversos, e comportando incidente processual quanto aos efeitos jurídicos dos negócios entabulados pelo cônjuge varão à revelia da cônjuge virago, que não é matéria fática de alta indagação, mas solução de natureza doutrinária e jurisprudencial. II - A competência em razão da matéria é pressuposto de validade da relação processual, de ordem pública, podendo ser suscitada e discutida a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde que não seja renovada perante o mesmo grau de jurisdição, em face da preclusão pro judicato. III - A sanção prevista no art. 600 do Código de Processo Civil, por ato atentatório à dignidade da Justiça, apesar de não mais se referir a "executado", mas sim a "devedor", tem seu campo de incidência nas ações de execução, em geral, não podendo ser interpretado ampliativamente para alcançar a execução de toda ordem emanada do Poder Judiciário, a exemplo da

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Page 1: PARTILHA DE BENS inventário

I - A ação de inventário por separação judicial é o leito próprio para apreciação de

questões jurídicas surgidas após a separação de fato do casal, admitindo a discussão

de prova documental a respeito de fatos incontroversos, e comportando incidente

processual quanto aos efeitos jurídicos dos negócios entabulados pelo cônjuge varão

à revelia da cônjuge virago, que não é matéria fática de alta indagação, mas solução

de natureza doutrinária e jurisprudencial.

II - A competência em razão da matéria é pressuposto de validade da relação

processual, de ordem pública, podendo ser suscitada e discutida a qualquer tempo e

grau de jurisdição, desde que não seja renovada perante o mesmo grau de jurisdição,

em face da preclusão pro judicato.

III - A sanção prevista no art. 600 do Código de Processo Civil, por ato atentatório à

dignidade da Justiça, apesar de não mais se referir a "executado", mas sim a

"devedor", tem seu campo de incidência nas ações de execução, em geral, não

podendo ser interpretado ampliativamente para alcançar a execução de toda ordem

emanada do Poder Judiciário, a exemplo da ação de inventário por separação

judicial combinada com partilha, mas tão somente aquelas derivadas nas ações de

execução estrito sensu.

IV - Por serem "...várias as formas através das quais se pode prejudicar o cônjuge

ou a companheira com atos praticados sob o manto pseudo-protetivo da empresa", o

julgador deve ser preocupar em trilhar "caminhos para se chegar a decisões que

fujam ao 'faz de conta'.

(APC5246299, Relator NANCY ANDRIGHI, 2ª Turma Cível, julgado em

18/10/1999, DJ 16/02/2000 p. 20)

Órgão : Segunda Turma CívelClasse : APC– Apelação CívelNº Processo : 52.462/99Apelante : A. J. R e H. A. R

Page 2: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

Apelados : OS MESMOSRelatora Desa. : NANCY ANDRIGHIRevisor Des. : EDSON ALFREDO SMANIOTTO

EMENTA

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE PARTILHA JUDICIAL POR DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL. INVENTÁRIO DE BENS POR SEPARAÇÃO JUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO DO ESBOÇO DE PARTILHA. DIVERGÊNCIA. REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. ALIENAÇÃO FRAUDULENTA DE AÇÕES ORDINÁRIAS NOMINATIVAS DA EMPRESA APÓS SEPARAÇÃO DE FATO, RESGUARDADA A MEAÇÃO DA EX-MULHER POR MEDIDA ACAUTELATÓRIA DE SEPARAÇÃO DE CORPOS E ARROLAMENTO DE BENS. DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS SUBJACENTES À SEPARAÇÃO DO CASAL, HAVIDOS EM FRAUDE À MEAÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA PARA APRECIAR A QUESTÃO, QUE APESAR DE CERCADA POR CONTROVÉRSIA JURÍDICA, INDEPENDE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. HOMOLOGAÇÃO DO ESBOÇO DE PARTILHA.I - A ação de inventário por separação judicial é o leito próprio para apreciação de questões jurídicas surgidas após a separação de fato do casal, admitindo a discussão de prova documental a respeito de fatos incontroversos, e comportando incidente processual quanto aos efeitos jurídicos dos negócios entabulados pelo cônjuge varão à revelia da cônjuge virago, que não é matéria fática de alta indagação, mas solução de natureza doutrinária e jurisprudencial. II - A competência em razão da matéria é pressuposto de validade da relação processual, de ordem pública, podendo ser suscitada e discutida a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde que não seja renovada perante o mesmo grau de jurisdição, em face da preclusão pro judicato.III - A sanção prevista no art. 600 do Código de Processo Civil, por ato atentatório à dignidade da Justiça, apesar de não mais se referir a “executado”, mas sim a “devedor”, tem seu campo de incidência nas ações de execução, em geral, não podendo ser interpretado

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Page 3: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

ampliativamente para alcançar a execução de toda ordem emanada do Poder Judiciário, a exemplo da ação de inventário por separação judicial combinada com partilha, mas tão somente aquelas derivadas nas ações de execução estrito sensu.IV - Por serem “...várias as formas através das quais se pode prejudicar o cônjuge ou a companheira com atos praticados sob o manto pseudo-protetivo da empresa”, o julgador deve ser preocupar em trilhar “caminhos para se chegar a decisões que fujam ao ‘faz de conta’.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, NANCY ANDRIGHI – Relatora, EDSON ALFREDO SMANIOTTO – Revisor e ROMÃO C. OLIVEIRA – Vogal, sob a presidência do Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO, em DAR PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME. REJEITADAS AS PRELIMINARES À UNANIMIDADE, de acordo com a ata de julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 18 de outubro de 1999.

Desembargador Edson Alfredo Smaniotto

Presidente

Desembargadora Nancy Andrighi

Relatora

EXPOSIÇÃO

Cuida-se de ação de inventário decorrente de

separação judicial ajuizada por H. A. R. em face de A. J. R., casados pelo regime

de comunhão universal de bens, cuja separação judicial litigiosa transitou em

julgado no dia 28-11-86, requerendo a partilha de patrimônio do ex-casal,

consistente em 87,5% de uma gleba de terra de 101ha, 61a e 60c.a na Fazenda

Capim Branco; imóvel residencial situado em Indianápolis n.º 2.120, Uberlândia-

MG; automóvel Fusca, ano 1967; título do 'Praia Clube Sociedade Civil' e do

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APC Nº 52.462/99

'Cajubá Country Club'; 84,34576% do capital social da Empresa Granja Rezende

S/A.

A r. sentença de fls. 2126/2138 homologou o

esboço de partilha judicial de fls. 1959/1960, reafirmando a decisão de tutela

antecipada (fls. 333/335) e a decisão que disciplinou a divisão das ações da

empresa Granja Rezende S/A (fls. 1636/1638).

Em conseqüência, suspendeu o Diretor

Presidente da sociedade anônima Granja Rezende e nomeou a ex-esposa,

requerente da divisão patrimonial, administradora judicial ad hoc. Determinou a

observância dos arts. 11 e 18 da Instrução Normativa/DNRC n.º 65, de 31-07-97,

culminando com o registro das ações da autora no novo livro comercial.

Condenou o requerido ao pagamento de custas

processuais, multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, no seu percentual

máximo de 20%, com espeque nos arts. 600, incisos II, III e IV, e 601, ambos do

Código de Processo Civil, e honorários advocatícios fixados em R$ 35.000,00

(trinta e cinco mil reais).

Apelaram, tempestivamente, ambas as partes,

recolhido o preparo (fls. 2176 e 2424).

A autora apelou para que sejam majorados os

honorários advocatícios, porque o proveito econômico obtido foi o valor de

R$ 183.000.000,00, correspondente a 42,1788 % das ações da empresa Granja

Rezende S/A em oposição ao percentual de 0,91% da ações, proposta pela parte

adversa, portanto, inferior a 1% do seu valor econômico. Acrescenta que as

manobras envidadas pelo requerido impuseram um estado de vigília constante

para que fosse evitada a proliferação de medidas liminares, requeridas perante a

Justiça de primeiro e segundo grau de jurisdição do Estado de Minas Gerais e do

Distrito Federal, além de ter sido suscitado incidente infundado perante a

Justiça paulista de primeiro grau de jurisdição de Catanduva, a qual julgou

procedente a primeira ação de anulação de transferência fraudulenta de ações

nominativas da empresa Granja Rezende S/A em fraude à meação da Autora

(processo n.º 1.324/75). Elenca a realização de 10 assembléias em Uberlândia-

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Page 5: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

MG, sede da empresa Granja Rezende S/A, às quais compareceram os patronos

da autora, para apenas em 30-04-99 conseguirem transcrever as ações no Livro

de Registro de Ações da empresa, decorrente de decisão antecipatória dos

efeitos da divisão patrimonial, deferida em 05-10-96. Narra que o nítido enlaço

dos objetivos da ação de inventário por separação judicial e do registro de ações

ordinárias nominativas com o direito empresarial, envolveu as partes em

procedimentos registrários perante a Junta Comercial de Uberlândia, e que,

relacionado aos presentes autos, há mais de duas dezenas de recursos e ações,

entre recursos internos e mandados de segurança originários, perante as Cortes

estaduais de Justiça, Colendo Superior Tribunal de Justiça e Excelso Supremo

Tribunal Federal - conflito de competência - (fls. 2.356/2.358, 2.359/2.362). Ao

final, requereu o provimento do recurso, para “fixá-los - os honorários

advocatícios - em não menos que 10% sobre o conteúdo econômico do êxito

obtido na demanda”.

Contra-razões ao recurso da autora, às fls.

2.426/2.443, nas quais sustenta que a.) deve ser considerado o valor atribuído à

causa foi de R$ 1.000,00; b.) o proveito econômico da demanda não é critério de

fixação de honorários advocatícios, mas sim o previsto no art. 20, § 4° do Código

de Processo Civil; c.) ainda que se adote o critério de “proveito econômico”, deve

ser observado o valor mercadológico das ações, vigente à data da propositura da

ação. Traçou um histórico da lide e considerações a respeito do mérito da

demanda e de seu próprio recurso, firmando conclusões à fl. 2.442.

Por seu turno, apela o Requerido, às fls.

2.142/2.175, narrando que: “O apelante demonstrou que, com relação às ações

dessa empresa na sua titularidade, poderiam ser partilhadas, atualmente, apenas

ações equivalentes a 1,82445% do seu capital total. Teria ainda a Apelada direito

a receber metade das ações que deveriam retornar ao patrimônio partilhável do

ex-casal em função de ter sido julgada procedente a ação anulatória n.º 1.324/75,

ajuizada pela Apelada na comarca paulista de Catanduva - SP, envolvendo

permuta de ações por imóveis. Tais ações totalizam, atualmente, 21,64108% do

capital da companhia, mas não poderiam ser partilhadas neste momento, já que

ainda não retornaram ao patrimônio do Apelante, uma vez que a Apelada, Autora

daquela ação, não havia notificado a empresa a cumprir o nela decidido.

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Page 6: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

Já a Apelada pleiteou o recebimento de ações

dessa companhia correspondentes a 42,17288% do seu capital social ... da

mesma forma que ocorria em 1973, antes do início da ação de separação do ex-

casal”.

Entende que “o MM. Juízo a quo partiu de uma

realidade fática inteiramente distorcida, não apreciou diversos aspectos jurídicos

relevantes suscitados pelo Apelante, julgou matéria não afeita à sua

competência, desconsiderou a ocorrência de prescrição e proferiu sentença extra

petita, além de equivocar-se com relação ao mérito da questão ...”.

Argüiu, em preliminar, que a.) o juízo da Vara de

Família é incompetente para julgar matéria societária e não poderia apreciar

eficácia ou validade de cláusula de incomunicabilidade de doação; b.) prescrição

da pretensão anulatória das assembléias de 30.04.75 e 31.03.76, que importaram

em transferência de propriedade de ações a serem partilhadas. Quanto ao

mérito, que c.) as ações equivalentes a 21,64108% do capital, advindas da ação

anulatória, na comarca de Catanduva, deveria ter sido objeto de execução, para

que retornassem ao patrimônio do requerido; d.) não há norma legal que permita

a declaração de ineficácia das doações e subscrições das ações havidas nas

Assembléias de 30-04-75 e 31-03-76; e.) há erro matemático na partilha

homologada pela sentença porque “a ação de uma empresa, como preleciona o

art. 28 da Lei n.º 6.404/76 é indivisível, não podendo ser fracionada, ... nem é

possível o ex-casal deter 367.747.513,60 ações, nem cada parte pode passar a

ser titular de 183.873.756,80 ações ... o percentual constante da sentença como

de direito para cada parte é o de 42,17388%, o que não se coaduna com o

percentual que afirmar a Autora deter o ex-casal - 84,34576%. Assim, mister é a

correção desse número, ..., para que seja estipulado o percentual requerido pela

Apelada - 42,17288%”; a partilha deve ser feita em número determinado de

ações, e não sobre um percentual; f.) a multa por atentado à dignidade da

Justiça, prevista no art. 600 do Código de Processo Civil é inaplicável e

excessiva; g.) a condenação em honorários advocatícios não atende o disposto

no art. 20, § 4° do Código de Processo Civil.

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Page 7: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

A autora, em contra-razões ao recurso do

Requerido, 2.216/2.258 narra que “vale lembrar aqui apenas dois fatos. O

primeiro, em 1974, quando deferido o seqüestro das ações da Granja Rezende

S/A pertencentes ao casal, o Sr. A., para inviabilizar o cumprimento da Carta

Precatória remetida à Uberlândia-MG, simplesmente sumiu com os Livros da

empresa; e o segundo, em 1975, quando o Réu simulou a permuta de 8.500.000

ações da empresa por uma fazenda, o que fez com que a ora Apelada tivesse

que com ele litigar no Juízo de Catanduva-SP até o ano de 1991, quando

transitou em julgado a sentença que julgou procedente a ação anulatória

proposta por ela.

Por isso que o Inventário só foi requerido muito tempo depois do

trânsito em julgado da sentença que deferiu a partilha, pois teve a

Autora que aguardar o desfecho da mencionada ação anulatória da

permuta simulada da maioria das ações do ex-casal, sendo certo,

ainda, que enquanto o Apelante dispunha de todo o poderio

econômico da empresa para contratar os melhores advogados,

a Apelada recebia a quantia de R$ 500,00 a título de pensão

alimentícia, o que lhe impediu de impulsionar os processos

como realmente gostaria”.

Impugnou, especificamente, os itens da

apelação, afirmando, que à exceção da condenação honorária e de multa, a

insurgência do requerido já foi examinada pelo Tribunal de Justiça em outras

oportunidades.

Parecer da douta Procuradoria de Justiça, às fls.

2.447/2.453 pela provimento parcial de ambos os recursos; quanto ao do

Requerido, para excluir a multa aplicada em razão do art. 600 do Código de

Processo Civil, e quanto ao da autora, para majorar a verba honorária no patamar

de R$ 432.000,00, tendo por base uma remuneração mensal de R$ 12.000,00

por mês, considerando que o mesmo vem tramitando por 36 meses.

É a exposição.

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VOTOS

A Senhora Desembargadora Nancy Andrighi - Relatora

Conheço as apelações, por vislumbrar presentes

os requisitos necessários à sua admissibilidade.

Inicialmente, devem ser apreciadas as

preliminares de incompetência absoluta do juízo de Família e a prescrição

da pretensão anulatória dos negócios jurídicos que envolveram as ações

nominativas após a separação de fato do ex-casal, nos idos dos anos de 1974 e

1975.

A competência do Juízo da Vara de Família para

afastar a eficácia de negócios jurídicos do ex-marido, em relação ao regime de

bens das partes, pela patente fraude à meação já foi resolvida nos autos do AGI

n.º 8.083/97.

Nos autos do AGI n.º 7.459/96, o recorrente

havia suscitado a necessidade da remessa das partes à via ordinária, ou seja,

para o juízo residual cível, o que foi rechaçado pela e. 3ª Turma Cível, que

reconheceu a competência do Juízo da 5ª Vara de Família da Circunscrição

Especial Judiciária de Brasília para dirimir a quaestio iuris.

Dispõe o art. 984 do Código de Processo Civil,

que:

"Art. 984. O juiz decidirá todas as questões de

direito e também as questões de fato, quando

este se achar provado por documento, só

remetendo para os meios ordinários as que

demandarem alta indagação ou dependerem

de outras provas". (Negritou-se).

A regra advinda do comando constitucional

erigido no art. 93, inciso IX da C.F.-88 de que "todos os julgamentos dos órgãos

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APC Nº 52.462/99

do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas toda as decisões" nos leva à

conclusão de que a "prestação de jurisdição" é inerente ao mister do magistrado,

não se concebendo a existência de juízo meramente administrativo e

homologatório. Assim sendo, o Juízo da Vara de Família, competente para dispor

sobre o regime de bens do ex-casal, também é para dirimir os conflitos surgidos

da disposição fraudulenta do patrimônio pela ex-cônjuge.

Como salientado, a prestação de jurisdição

integral, ampla, abrangente, é a regra, excepcionada apenas quando houver

"questão de alta indagação" ou depender de "outras provas", conceitos abertos

que pela dicção do art. 984 do Código de Processo Civil são interpretados

restritivamente.

Os autos estão instruídos com todos as provas

necessárias à convicção do juízo, constando dez volumes (2.454 páginas), mais

onze volumes de apensos, quatro mandados de segurança julgados pela 2ª

Câmara Cível e pelo e. Conselho Especial, e outros dois Recursos Especiais

pendentes de julgamento definitivo pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça,

reclamações e medidas cautelares. Há de se perquirir qual a real necessidade

propalada pelo Requerido de submeter as partes ao desgastante processo de rito

ordinário, se a questão é eminentemente de índole jurídica, qual seja, a eficácia

ou não de negócios jurídicos que comprometem a meação da ex-esposa, atingida

em seu condomínio de ações por atos unilaterais do ex-marido.

Veja-se que, em suas razões, o Requerido não

alega cerceamento de defesa ou imprescindibilidade de dilação probatória, aliás,

toda a prova necessária é documental, consubstanciada, basicamente, em atas

de assembléias gerais e extraordinárias, indicativas do histórico acionário da

empresa Granja Rezende S/A, maior bem patrimonial da ex-sociedade conjugal.

Sequer existem argumentos válidos para realização de prova pericial, porque

considera-se para fins de inventário e partilha, o patrimônio construído durante a

convivência marital e existente ao tempo da separação de fato. Esse é o lapso

temporal fixado para a justa partilha de bens sem privilegiar nenhum dos

consortes.

Ademais, a matéria suscitada foi debatida e

apreciada no âmbito do Agravo de Instrumento n.º 8.083/97, perante a e. 2ª

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Page 10: PARTILHA DE BENS inventário

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Turma Cível, na forma de agravo interno, como se dessumi do relatório lançado

naqueles autos:

"Aviou o agravante, o presente agravo regimental

(fls. 113/119), sustentando que: a.) não houve

repetição de pedido existente no AGI n° 7459/96;

b.) que das 91.112.880 ações nominativas da

Granja Rezende S/A, 88.193.760 foram

adquiridas por terceiros e doadas ao agravante

nos anos de 1975 e 1976, com a cláusula de

incomunicabilidade; c.) que trouxe fatos novos ao

impugnar a antecipação da tutela, o que impunha

a sua revogação; d.) que a agravada anulou a

permuta de ações por imóveis - perante o juízo

paulista de Catanduva, sentença confirmada pelo

TJSP, por ter o agravante simulado negócio

jurídico em detrimento da meação -, mas não

promoveu a execução do acórdão paulista; e.)

que a propriedade das ações nominativas

presume-se pela inscrição do nome do acionista

no livro de “Registro das Ações Nominativas”, e

sem essa averbação não poderia haver

convocação de Assembléia Geral Extraordinária

(art. 31, § 2° da Lei n° 6.404/76); f.) que situações

ou fatos de duas décadas atrás não podem

embasar a tutela antecipatória; g.) que as partes

devem ser remetidas à via de conhecimento de

rito ordinário”.

Naquela oportunidade, em voto vogal, asseverou o e. Des.

Edson Alfredo Smaniotto que:

"Adiante, Vossa Excelência observa que, quanto

à competência do juízo de família, este Tribunal

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Page 11: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

também já se posicionou definitivamente, e a

questão somente pode ser alterada agora pelo

Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Vossa Excelência, no seu despacho liminar, que

negou seguimento ao agravo, observou que ficou

consignado naquele julgamento: “É ação de

inventário por separação judicial a sede própria e

adequada para o agravante demonstrar o

desacerto do pleito da agravada em reivindicar os

42,5% (quarenta e dois e meio por cento) dos

85% (oitenta e cinco por cento) das ações que

afirma pertencer ao agravante”.

Claro está que, quando esta Corte disse que

ação de inventário é a sede própria, obviamente

afirmou, por extensão, que o juízo competente

seria o da Vara de Família.

Assim sendo, Senhora Presidente, acompanho o

douto voto de Vossa Excelência, negando

provimento ao agravo regimental, na medida em

que a repristinação do tema recursal não poderia

mesmo ser admitido no ajuizamento do agravo de

instrumento".

Por outro lado, a redação do art. 267, § 3° do

Código de Processo Civil não autoriza a revisão de matéria preclusa, submetida

perante o primeiro e segundo grau de jurisdição, elencada nos seus incisos IV a

VI, porque há preclusão pro judicato, para a Justiça do Distrito Federal, ainda

que se trate de matéria de ordem pública, e para as partes pelo arquivamento

dos autos do AGI n.º 8.083/97, porque devidamente suscitada, debatida e

apreciada.

Percebe-se a nítida intenção da parte em ver o

tema novamente debatido, em sede de recurso de apelação, para que seja

aberta a via futura da ação rescisória, o que é manifestamente inadmissível, face

11

Page 12: PARTILHA DE BENS inventário

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à preclusão verificada pelo julgamento dos AGI n.º 7.459/96 e AGRAGI n.º

8.083/97.

A 3ª Turma do Colendo Superior Tribunal de

Justiça, Rel. Min. Eduardo Ribeiro1, no julgamento do REsp n.º 32525, teve

oportunidade de decidir matéria societária, em sede de ação de inventário:

"1- INVENTÁRIO - QUESTÃO DE ALTA

INDAGAÇÃO.

Não se configura questão de indagação, a ser

deslindada nas vias ordinárias, aquela que

independe de prova e consiste em nulidade,

exposta a declaração de oficio.

2- SOCIEDADE POR COTAS DE

RESPONSABILIDADE LIMITADA -

INCORPORAÇÃO DE IMÓVEL PARA

FORMAÇÃO DO CAPITAL.

A aplicação subsidiária das normas da lei de

sociedade anônimas não envolve as pertinentes

ao titulo constitutivo, em vista do disposto no art.

2° do Decreto 3.708/19. Necessidade de escritura

publica para incorporação de imóvel, visando a

formação do capital, se excede aquele o limite

legal.

..."

REJEITO a preliminar, reconhecendo a

competência do Juízo da Vara de Família e a propriedade da via eleita.

Suscitou o Requerido preliminar de prescrição

quanto à pretensão desconstitutiva das assembléias da Granja Rezende S/A

realizadas em 30.04.75 e 31.03.76. Entende que o maior prazo prescricional

1 DJ de 18-04-94, pág. 8.491. 12

Page 13: PARTILHA DE BENS inventário

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previsto na Lei n.º 6.404/76 é de três anos (art. 287, inciso II, "b"), e que a ação

de inventário cumulada com partilha foi ajuizada em 24-09-96.

A autora nunca foi acionista da empresa Granja Rezende

S/A, embora esta tenha sido erguida durante a convivência do ex-casal. Era co-proprietária das

ações nominativas do Requerido, por força do regime legal de comunhão universal de bens,

vigente à época da celebração do casamento, assim, havia um condomínio de ações, uma

comunhão indivisível, portanto inaplicável as normas da lei societária, porque destinada a regular

as relações entre os acionistas, administradores e controladores da sociedade anônima entre si.

Quanto à incidência das normas de direito

comum, acerca da prescrição regida pelos arts. 161 a 179 do C.C., melhor sorte

não assiste ao Requerido.

Dispõe o art. 3° da Lei n.º 6.515/77, que a

separação judicial põe termo ao regime matrimonial de bens, e termina a

sociedade conjugal (art. 2°, inciso III), sendo que a separação judicial litigiosa do

casal só transitou em julgado no dia 28-11-86, após confirmação da sentença

do processo n.º 12.109/74, pelo e. TJDFT, não tendo havido conversão em

divórcio, porque não disciplinada a partilha de bens (art. 31 da Lei n.º 6.515/77).

Portanto, não há que se falar em início de prazo

prescricional vintenário, se o ex-marido sempre esteve na administração dos

bens do ex-casal, privando o acesso da Autora aos livros comerciais da empresa.

Some-se, ainda, os fatos de que "não corre a prescrição entre cônjuges, na

constância do matrimônio" (art. 168, inciso I, C.C.), o qual deve ser entendido, de

igual forma, o prazo em que permaneça o cônjuge na administração do

condomínio das ações nominativas, ou seja, antes do divórcio. Por fim, a autora

prescinde de ação desconstitutiva dos negócios jurídicos entabulados em fraude

à sua meação, porque os efeitos daqueles negócios não atingem o fundo de seu

direito. Aqui não se discute o plano de validade do ato jurídico, tido como

eficaz entre as partes contratantes, mas tão somente o plano de eficácia do ato

jurídico, que não tem o condão de prejudicar o direito da autora requerente.

REJEITO a preliminar de prescrição.

Passo ao exame meritório da apelação do Requerido, por

conter matéria prejudicial ao recurso da autora, de acordo com a seqüência exposta na

exposição.

13

Page 14: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

Na alínea "c" da Exposição, consigna o

Requerido que:

c.) AS AÇÕES EQUIVALENTES A 21,64108% DO

CAPITAL, ADVINDAS DA AÇÃO ANULATÓRIA, NA COMARCA DE CATANDUVA, DEVERIA

TER SIDO OBJETO DE EXECUÇÃO, PARA QUE RETORNASSEM AO PATRIMÔNIO DO

REQUERIDO

Este tema está alcançado pela preclusão, porque esgotada

no julgamento do AGRAGI n.º 8.083/97, com baixa definitiva em 05-11-97, cuja ementa é

bastante esclarecedora, como anotam a recorrida e a douta Procuradoria de Justiça:

"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE MEDIDA

QUE ANTECIPOU PARCIALMENTE OS

EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA.

INVENTÁRIO DE BENS DECORRENTES DA

SEPARAÇÃO JUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DO

DOMÍNIO DE METADE DO PERCENTUAL DE

AÇÕES DO EX-CÔNJUGE AO PATRIMÔNIO DA

REQUERENTE DO INVENTÁRIO.

LEGALIDADE.

I - O provimento adiantado na ação de inventário

e partilha de bens adquiridos durante a existência

da sociedade conjugal é de natureza eficacial

executiva lato sensu; assim, sua execução é

processada no bojo do processo de conhecimento

especial, através de mandados e outros meios

executivos que sejam admissíveis no caso.

II - Proposta ação anulatória de negócio

jurídico simulado de alienação de ações

nominativas, cujo pedido foi julgado

procedente, as ações alienadas, em fraude à

meação do ex-casal, voltam ao montante total,

implicando no retorno das partes ao statu quo

14

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APC Nº 52.462/99

ante, e na gestão, pelo ex-cônjuge (antes

administrador dos bens do casal), do

patrimônio até a dissolução do condomínio.

III - Inexistente a ilegalidade apontada, e visível a

pretensão de rediscutir matéria apreciada

anteriormente - afrontando o princípio da

unicidade recursal e da preclusão consumativa -,

nega-se seguimento ao recurso, por

manifestamente inadmissível". (Negritou-se).

Conveniente a transcrição do seguinte trecho do v.

acórdão:

“Desnecessária a execução do acórdão paulista,

porque as ações nominativas retornaram à

administração do agravante, a quem incumbiria

exercer os atos de gestão até a partilha das

mesmas, isto, ainda considerando-se que o

patrimônio do ex-casal continuava indiviso,

apesar de litigioso desde a separação de corpos

do ex-casal. Se as partes foram remetidas ao

statu quo ante, não há que se atribuir natureza

condenatória ao v. aresto paulista, assim, não há

pretensão insatisfeita.

A respeito da desconsideração da personalidade

jurídica da empresa para fins de partilha, no

direito de família - quando, v. g., um dos cônjuges

transfere seus bens, quotas sociais, apesar de

sustentar reconhecido status social e financeiro -,

confira-se salutar artigo da professora TERESA

ARRUDA ALVIM WAMBIER, in “Repertório de

Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de

Família - Aspectos constitucionais, civis e

processuais”, pág. 176, vol. 3, Ed. RT, 1996”.

15

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APC Nº 52.462/99

E, ainda, nos autos do AGI n.º 7.459/96, firmei o

seguinte entendimento:

"É de ser salientado que iniciado o processo

judicial de separação em 1974, a agravada

ajuizou uma cautelar de arrolamento e outra de

seqüestro das ações da sociedade anônima.

Como já apreciado pela Justiça estadual paulista,

firmando-se a autoridade da coisa julgada, o

agravante, com o nítido propósito de privar sua

ex-esposa da meação devida, simulou negócio

jurídico para alienação de 8.500.000 (oito milhões

e quinhentas mil) ações. Em 27.12.73, foi lavrada

escritura registrada de promessa de permuta

simulada, com o fito de dilapidar o patrimônio da

requerente agravada; a anulação do negócio

entabulado foi buscada e desconstituído pelo

Judiciário, havendo o trânsito em julgado apenas

em meados do ano de 1991. Registre-se,

outrossim, que na ata da assembléia geral

extraordinária, realizada contemporaneamente à

separação do casal, ficou assinalado que a

sociedade comercial era composta de 10.927.152

(dez milhões, novecentos e vinte e sete mil, cento

e cinqüenta e duas) ações ordinárias ao portador,

devendo ser registrado que retornou ao

patrimônio da empresa 8.500.000 ações que

devem ser partilhadas".

Para refugir do teor do art. 471, caput do Código

de Processo Civil (“Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas,

relativas à mesma lide...”), afirma o recorrente que incumbia à autora proceder

na forma do art. 325 do Código de Processo Civil ("Contestando o réu o direito 16

Page 17: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10

(dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração de

existência ou incidência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento

da lide (art. 5°)").

Não prospera a tergiversação do Requerido, pois

a declaratória incidental não é conditio sine qua non para apreciação de lesão a

direito subjetivo pelo Poder Judiciário, e reproduziria idênticos argumentos

expendidos perante o juízo paulista de Catanduva, nos autos da ação anulatória.

A questão aqui não é superveniência de uma relação litigiosa, a qual preexistia e

já foi resolvida, mas entrave processual erigido pelo litigante, e não fático, que

pleiteia a execução de um comando normativo sentencial que não comporta tal

rito.

Para que seja afastado o sofisma do apelante, e

qualquer dúvida quanto à preclusão da matéria debatida, e de negativa de

vigência ao art. 325 do Código de Processo Civil, convém colacionar as palavras

do emérito professor baiano CALMON DE PASSOS2:

"Cuida-se, necessariamente, de direito outro,

que não o contido no objeto do processo, de

relação jurídica outra que não aquela

representativa da causa de pedir. Se o pedido do

autor tinha como pressuposto outro direito ou

outra relação jurídica, diversos do direito ou da

relação jurídica constitutivos da causa de

pedir (fundamento do pedido) e se a contestação

do réu impugna, inclusive, aquele direito,

pressuposto ou antecedente lógico necessário

da existência do direito do autor, posto como

objeto do pedido, então, nessas circunstâncias, o

autor pode ampliar o tema de decidir do juiz,

formulando um pedido novo, incidental ...

2 CALMON DE PASSOS, JOSÉ JOAQUIM. Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Forense, 1992, Rio de Janeiro, vol. III, pág. 476. em nota n.º 270 ao art. 325.

17

Page 18: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

No direito austríaco se diz que, até o

encerramento do debate oral, em seguida ao qual

se profere a sentença, pode o autor requerer sem

consentimento do réu, que uma relação jurídica e

um direito tornado controvertido no curso do

processo, de cuja subsistência ou insubsistência

depende, no todo ou em parte a decisão sobre a

lide, sejam declarados na sentença a proferir-se a

final, ou em sentença que a proceda (§ 226). E é

o que também prevê o nosso art. 5°: a relação

jurídica torna-se litigiosa no curso do

processo. Ela não serve de fundamento ao

pedido do autor, porquanto a relação litigiosa

constitutiva da lide é outra relação ...". (Destacou-

se).

d.) NÃO HÁ NORMA LEGAL QUE PERMITA A

DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DAS DOAÇÕES E SUBSCRIÇÕES DAS AÇÕES HAVIDAS NAS

ASSEMBLÉIAS DE 30-04-75 E 31-03-76

No AGRAGI n.º 8.083/97, o Requerido suscitou:

“Aviou o agravante, o presente agravo regimental

(fls. 113/119), sustentando que: a.) não houve

repetição de pedido existente no AGI n° 7459/96;

b.) que das 91.112.880 ações nominativas da

Granja Rezende S/A, 88.193.760 foram

adquiridas por terceiros e doadas ao

agravante nos anos de 1975 e 1976, com a

cláusula de incomunicabilidade; c.) que trouxe

fatos novos ao impugnar a antecipação da tutela,

o que impunha a sua revogação; d.) que a

agravada anulou a permuta de ações por

imóveis - perante o juízo paulista de

18

Page 19: PARTILHA DE BENS inventário

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Catanduva, sentença confirmada pelo TJSP,

por ter o agravante simulado negócio jurídico

em detrimento da meação -, mas não

promoveu a execução do acórdão paulista; ...

g.) que as partes devem ser remetidas à via de

conhecimento de rito ordinário”.

Às fls. 1.070/1072, em 25-08-97, a e. juíza Maria

Beatriz Parrilha lançou a seguinte decisão:

“...

Consoante a documentação dos autos e

afirmações das partes, o cônjuge varão sempre

foi o maior acionista, com participação acionária

de 84,35476% do capital social da empresa

àquela época.

No entanto, em 1975, teve sua participação

minorada já que usou ações como pagamento de

dívida da sociedade, transação realizada com

genitores, ações estas que, posteriormente,

retornaram ao seu patrimônio, desta feita com

cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade.

Ora, verifica-se facilmente que a sociedade

comercial sempre foi da família e administrada

pelo varão. Este, como maior acionista, permitiu a

sua diminuição acionária, para, posteriormente

ser-lhe restituída com cláusula de inalienabilidade.

Disserta sobre “efeito patrimonial da separação de

fato” Rolf Meleno, após dizer que o regime de

bens somente se extingue realmente com a

efetivação da divisão dos bens, com a seguinte

observação: ‘Deve ficar claro que uma separação

judicial sem divisão do acervo conjugal,

postergada esta partilha, não obstante cesse a

19

Page 20: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

comunicação sobre os bens de aquisição

posterior à judicial separação do casal, conserva

no entanto, esta comunicabilidade exclusiva no

acervo que restou indiviso’ (COAD - Seleções

Jurídicas - 1996).

Embora estivessem as partes, à época das

transações com as ações, apenas separadas de

fato, o patrimônio já se encontrava sob litígio, de

modo que não poderia o varão diminuir sua

participação societária, sem resguardar a meação

da mulher. Assim fazendo, em notória intenção de

fraudar a futura divisão do patrimônio,

principalmente por ter recebido de volta suas

ações com cláusula de incomunicabilidade, esta

cláusula deve ser desconsiderada e sem efeito

em relação à mulher.

Quanto à questão da execução da sentença que

declarou a nulidade da permuta que o varão

simulou para também fraudar a futura partilha dos

bens, o que foi judicialmente reconhecido e

anulado por sentença transitada em julgado,

tenho que as ações retornaram ao patrimônio do

varão, independente ou não de execução, ou

melhor, de tornar a mulher a iniciativa de registrar

as ações em nome do varão, o que, certamente,

seria de interesse do próprio varão e não apenas

dela. O fato é que as ações retornaram ao seu

patrimônio e assim devem ser vistas, pois, do

contrário, de nada valeria a decisão do Poder

Judiciário e os longos anos de litígio entre as

partes.

Dessa forma, tenho que o varão continua como

proprietário de 84,35476% do capital social da

empresa, por não reconhecer em relação à

20

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mulher eficácia na cláusula de inalienabilidade

das ações que foram doadas ao varão após sua

diminuição societária e por terem retornado ao

seu patrimônio, em razão de decisão judicial,

8.500.000 ações ‘permutadas’.

Determino, pois, aquele percentual para efeito da

divisão do número de ações entre as partes.

Quanto aos demais bens, determino sejam

avaliados”.

A decisão monocrática dispôs acerca da

ineficácia de cláusula de “incomunicabilidade” e “impenhorabilidade” de ações

incorporadas ao patrimônio de A.J.R. por doações feitas pelos genitores, e foi

impugnada pela interposição do AGI n.º 8.760/97, em 21-03-97, o qual, apesar de

deferido efeito suspensivo, não foi conhecido pelo Colegiado da e. 2ª .Turma

Cível, decisão por maioria, confirmada no julgamento do REsp n.º 189.312, Rel.

Min. Costa Leite.

Inicialmente, cabe salientar, que no julgamento

do AGRAGI n.º 8.083/97, como destaca a menção ao relatório desse recurso, a

matéria havia sido suscitada pelo Requerido, oportunidade, na qual, assentei que

“Desnecessária a execução do acórdão paulista, porque as ações nominativas

retornaram à administração do agravante, a quem incumbiria exercer os atos de

gestão até a partilha das mesmas, isto, ainda considerando-se que o patrimônio

do ex-casal continuava indiviso”.

Não sem antes apontar que a matéria delineada

fora objeto recursal, havendo óbice ao revolvimento dos temas, convém adentrar

no mérito da questão, uma vez que a interposição sucessiva dos AGI n.º

8.083/97, 8.760/97, 1910-0/98 não logrou êxito na apreciação meritória.

Quanto ao retorno de 8.500.000 ações em

decorrência de sentença proferida no juízo paulista de Catanduva, a celeuma

teve solução dada na alínea “c.)”.

21

Page 22: PARTILHA DE BENS inventário

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Resta analisar a ”ineficácia de cláusula de

“incomunicabilidade” e “impenhorabilidade” de ações incorporadas ao

patrimônio de A.J.R. por doações feitas pelos genitores”.

O percentual de 84,35476% das ações

nominativas da empresa Granja Rezende S/A foi fixado, provisoriamente, em

acórdão unânime da e. 3ª Turma Cível, por ocasião do julgamento do AGI n.º

7459/96, sendo opostos embargos declaratórios, que também foram rejeitados à

unanimidade.

Como ressalvado, apesar de preclusa a

discussão do teor da decisão interlocutória que tornou definitivo o percentual de

ações (AGI 8760/97), fixado anteriormente, a título provisório (AGI 7.459/96), não

há qualquer ilegalidade na decisão que declara a ineficácia de cláusulas

gravadas em ações nominativas, porque coibi a concreção da fraude à meação.

Insiste o recorrente, sem razão, na tese de que

a.) é titular de 91.112.880 ações ordinárias, das quais 88.193.760 lhe foram

transmitidas por doação pelos genitores, que subscreveram parte do capital

social da empresa Granja Rezende S/A; b.) o direito de partilha da agravada está

limitado a 2.919.120 ações, correspondentes a 1,82445% do capital social; e c)

que atualmente o agravante não é portador de 84,35476% das ações

nominativas da empresa.

Não procedem as assertivas do réu. Todas as

alterações fáticas criadas pelo agravante como Presidente da Granja Rezende e

administrador das ações de propriedade indivisa do ex-casal não afetam o direito

de partilha da agravada, que nunca percebeu dividendos da sociedade, e há mais

de vinte anos busca a tutela jurisdicional frontalmente violada pelo agravante.

São ineficazes os negócios jurídicos entabulados

pelo varão sem o consentimento ou participação da autora agravada, não criando

obrigações e nem vinculando a autora do inventário por separação judicial, sendo

presumida a fraude à meação, até porque não é crível que o maior acionista da

empresa Granja Rezende S/A. - e que desde a sua fundação sempre dirige-a e

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de forma admirável e competitiva -, tenha disposto do patrimônio social, com

nítida diminuição de sua participação no capital social sem aparente motivo.

Noticiam os autos que a empresa não distribui

lucros e dividendos há cerca de dois anos, não possui Conselho Fiscal, tendo a

autora protocolado uma nova petição informando que o Requerido publicou

editais nos jornais de grande circulação de Uberlândia para aumentar o capital

social da empresa em vista do acúmulo de lucros e dividendos não distribuídos, o

que viria a alterar a composição do quadro acionário da empresa.

O ex-casal detinha a propriedade de

84,35476% do capital social da empresa, ao tempo da separação de fato, em

1974.

É esta a situação fática que deve se ter em

vista para fins de inventário e partilha dos bens do casal por separação

judicial.

Desde a separação de fato do casal, o agravante

engendrou diversas manobras negociais com o patente intuito de fraudar a

meação.

A agravada propôs ação de anulação de negócio

jurídico contra o agravante, perante o Poder Judiciário da Comarca de

Catanduva-SP, confirmada pela Colenda 1ª Câmara Cível do TJSP (fls. 515/551),

com trânsito em julgado em março de 1991, cuja decisão reconheceu a

existência de simulação de contrato de promessa de permuta das cotas sociais

da empresa Granja Rezende S.A., alienadas dolosamente pelo cônjuge varão,

Diretor Presidente do grupo empresarial, em detrimento do patrimônio comum do

casal.

Segundo cópia da declaração de rendimentos do

agravante - no exercício de 1975, da ata da assembléia geral extraordinária

realizada em 30.04.1973 -, infere-se que o varão possuía 716.596 (setecentos e

dezesseis mil, quinhentos e noventa e seis) ações ordinárias.

23

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É de ser salientado que iniciado o processo

judicial de separação em 1974, a agravada ajuizou uma cautelar de arrolamento

e outra de seqüestro das ações da sociedade anônima. Como já apreciado pela

Justiça estadual paulista, firmando-se a autoridade da coisa julgada, o agravante,

com o nítido propósito de privar sua ex-esposa da meação devida, simulou

negócio jurídico para alienação de 8.500.000 (oito milhões e quinhentas mil)

ações, correspondente a 77,7888% do total do capital da sociedade anônima. Em

27.12.73, foi lavrada escritura registrada de promessa de permuta simulada, com

o fito de dilapidar o patrimônio da requerente agravada; a anulação do negócio

entabulado foi buscada e desconstituído pelo Judiciário, havendo o trânsito em

julgado apenas em meados do ano de 1991. Registre-se, outrossim, que na ata

da assembléia geral extraordinária, realizada contemporaneamente à separação

do casal, ficou assinalado que a sociedade comercial era composta de

10.927.152 (dez milhões, novecentos e vinte e sete mil, cento e cinqüenta e

duas) ações ordinárias ao portador, devendo ser registrado que retornou ao

patrimônio da empresa 8.500.000 ações que devem ser partilhadas.

Frisando o dito alhures, “são ineficazes os

negócios jurídicos entabulados pelo varão sem o consentimento ou participação

da autora agravada, não criando obrigações e nem vinculando a autora do

inventário por separação judicial, sendo presumida a fraude à meação”. Assim,

percebe-se que a alteração societária advinda com a aquisição de terrenos

dos genitores do Presidente da empresa, convertidos em ações,

posteriormente doadas ao mesmo Presidente da empresa Granja Rezende,

Sr. A. J. R., integram o patrimônio do ex-casal e compensam as livres

disposições feitas pelo réu sem a interveniência da meeira prejudicada.

Dada a ineficácia do negócio jurídico familiar

entre pais e filho (A. J. R.) - venda de imóveis rurais (atas de assembléias de 30-

04-75, e 31-03-76) -, eventuais gravames sobre as ações ordinárias de co-

propriedade do réu e cláusulas onerosas do direito de disposição, não se

transmitem à meeira e nem atingirão o patrimônio que tem direito a perceber, e

que o receberá integralmente e totalmente desembaraçado.

O agravante, atualmente, é titular de 91.112.880

(noventa e um milhões, cento e doze mil, oitocentos e oitenta ações), das quais

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88.193.760 (oitenta e oito milhões, cento e noventa e três mil, setecentos e

sessenta ações) lhe foram transmitidas por doação, gravadas por cláusulas que

não têm eficácia em relação à autora agravada.

Insiste o Requerido, A.J.R. que não é mais

proprietário de 84,35476% do capital social da empresa, como era em 1974, mas

de 56,94555% de 160.000.000 (cento e sessenta milhões) de ações ordinárias,

no valor nominal de R$ 1,00 (um real) cada uma, todas partilháveis, porque não

desconstituída/anulada, em relação à autora agravada, os negócios jurídicos

subjacentes.

O processo foi longo e penoso para ambas as

partes, chegada a ocasião em que as partes terão delineados seus direitos e a

participação societária individual.

Mostram-se verossímeis as anotações dos

quadros societários da empresa Granja Rezende, suas alterações sociais,

estando fartamente documentada toda a vida social da sociedade anônima, não

se justificando maiores delongas.

Não há questão de alta indagação nos autos a

exigir a remessa das partes aos meios ordinários, ao contrário do apregoado. Os

autos estão generosamente documentados e bem instruídos, não havendo

necessidade de comprovação de nenhum outro fato. As eventuais dúvidas no

espírito do julgador podem ser sanadas pela atenta análise dos autos e a

ineficácia de cláusula onerosa nas ações ordinárias e dos negócios jurídicos

subjacentes independe de ação de conhecimento. Sobre o tema se debruçou,

com incisividade, a douta Procuradora de Justiça Olinda Elisabeth Cestari

Gonçalves, nos autos do AGI n.º 8.760/97, em apenso.

É de bom alvitre, dada a reticência do agravante,

afastar o apontado conluio do acionista I. A. com a agravada, porque estão no

regular exercício de um direito assegurado por decisão judicial, pelo estatuto

social, e pela Lei das Sociedades Anônimas.

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Dissertando sobre os efeitos patrimoniais da

separação de fato, registra o e. Desembargador do TJSP NEY DE MELLO

ALMADA3:

“Direitos e obrigações patrimoniais têm

inserimento na sociedade conjugal, primando

referir o princípio da imutabilidade do regime de

bens, delineado no CC, art. 230, em garantia aos

cônjuges, à prole e a terceiros...

De análoga postura a Corte Mineira ‘tem-se

entendido que a simples separação de fato

desobriga os cônjuges do dever de fidelidade.

Então, razoável se admita também que se tornem

incomunicáveis os bens adquiridos

individualmente pelos cônjuges, vigorante a

separação de fato’ (RJM 30/70). (págs. 216/217).

...

O protesto contra alienação de bens, outra

cautelar, ostenta serventia manifesta em

situações de fundado receio de dilapidação

patrimonial pelo cônjuge. Objetiva tal medida

cercear as transmissões dominiais de coisas

móveis ou imóveis, principalmente contra o

separado que exerça posse do patrimônio sob

sua administração. Mostra-se cogitável, também,

o arrolamento dos bens conjugais, na previsão de

seu desbaratamento pelo cônjuge responsável

pela cisão conjugal (Código de Processo Civil,

art. 855)”.

O ex-casal estava separado de fato, deferida

medida cautelar em sede de ação de separação de corpos requerida pela

3 ALMADA, NEY DE MELLO. In “Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre DIREITO DE FAMÍLIA Aspectos constitucionais, civis e processuais”, sob a coordenação de TERESA ARRUDA ALVIM, Ed. RT, São Paulo, 1995, vol. 2, .

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agravada desde 1974. Proposta ação cautelar de arrolamentos de bens, resultou

infrutífera a diligência empreendida pela agravada, porque o réu agravante não

providenciou os meios necessários para apuração dos haveres da sociedade

conjugal.

Dos doutos ensinamentos do e. Desembargador,

e dos fatos relatados, extraem-se dois postulados básicos, em relação à

presente demanda.

O primeiro seria a incomunicabilidade dos

bens supervenientes adquiridos individualmente. O segundo e mais

importante é que, dada a incomunicabilidade de bens, qualquer disposição

unilateral sobre a composição social da empresa Granja Rezende S/A teria

reflexo imediato na partilha do ex-casal, não realizada, prejudicando a meeira.

Enfrentando situação hipotética análoga, com

muita originalidade e sensibilidade, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER4

leciona, sob a rubrica de “A desconsideração da pessoa jurídica para fins de

partilha e a prova dos rendimentos do cônjuge-varão, na ação de alimentos, pelo

nível da vida levada por este” que:

“Na verdade, a vontade de incursionar neste

tema nasceu da angústia diante de casos em que

se precisou juridicizar pretensões evidentemente

justas, mas aparentemente sem base no sistema

jurídico e muito menos na lei. Assim, em face da

perspectiva inexorável de que o pleito fosse

exatamente aquele formulado, e da esperança no

sentido de que o Poder Judiciário se

sensibilizasse e decidisse favoravelmente, é que

começaram as perguntas a respeito de qual seria

o melhor caminho, dentro do sistema, para que

se pudessem justificar jurídica e racionalmente

pedidos ligados à partilha de casais riquíssimos,

4 ARRUDA ALVIM, TERESA WAMBIER. In “Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre DIREITO DE FAMÍLIA Aspectos constitucionais, civis e processuais”, sob a coordenação de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e ALEXANDRE ALVES LAZZARINI, Ed. RT, São Paulo, 1996, vol. 3.

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que ‘não têm bens’ ou à pensão alimentícia, junto

a homens que levam vida de altíssimo padrão, e

tem ‘baixos rendimentos’, via de regra, nas

empresas de que são sócios.

Procurou-se, pois, neste estudo, trilharem-se

caminhos para se chegar a decisões que fujam

ao ‘faz de conta’, e que não ‘tapem o sol com a

peneira’.

... (págs. 176/177)

São várias as formas através das quais se pode

prejudicar o cônjuge ou a companheira com atos

praticados sob o manto pseudo-protetivo da

empresa.

Podem, por exemplo, o cônjuge ou o

companheiro, transferir seus bens pessoais (= do

casal) para empresa, podem esvaziar o

patrimônio da empresa, podem transferir suas

quotas para outros sócios, principalmente quando

se trata de empresa familiar, caso em que existe

veemente indício de simulação, podem encobrir

seus gastos pessoais, de molde a que não se

consiga provar seu padrão de vida etc.

... (pág. 178).

A adoção dessa teoria” - disregard of legal entity -

“todavia ou do raciocínio que está em sua base já vem acontecendo em nossa

jurisprudência e mesmo no plano do direito posto, apesar de ainda não haver um

dispositivo genérico e explícito autorizando a aplicação dessa teoria a toda e

qualquer hipótese em que a sociedade não desempenhe senão o papel de

encobrir fraudes lato sensu, e, portanto, afastada a interpretação literal do art. 20

do CC ‘acontece uma espécie de suspensão da vigência da separação ou

incomunicabilidade patrimonial entre pessoa física e jurídica, sendo esta para

certo fim específico, ‘desconsiderada’ ” . (Pág. 180).

28

Page 29: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

Todos esses considerandos doutrinários se

fazem necessários a fim de possibilitar o adequado embasamento fático e lógico,

a ser aqui esposado.

Alegou o agravante que a decisão do TJSP que

anulou a permuta das ações nominativas da empresa não implicou na

transferência dessas ações ao patrimônio do agravante, mas sim de outro

acionista, I. A. de O., entre os anos de 1976 e 1992 (fls. 43/45).

Contudo não é esta a realidade dos autos.

Está clara a detenção de 8.500.000 ações em

nome de R. S., o que demonstra que as ações permaneceram compondo o

quadro societário da empresa. Em suas primeiras declarações de inventariante, o

agravante reconheceu o direito de restituição do valor nominativo das ações

ordinárias, embora em patamar diverso do pleiteado.

A atual disposição societária do agravante nada

mais é do que conseqüência da bem sucedida gerência exercida sobre o

patrimônio do ex-casal.

Em que pese o fato de parte das 8.500.000 ações

não estarem adicionadas no patrimônio pessoal do agravante, a forma escolhida

para dilui-las no patrimônio de terceiros pela empresa Granja Rezende S/A, seus

acionistas remanescentes e os demais que vieram a integrá-la a partir de

sucessivas doações de ações ordinárias entre si não atinge a meeira que à

época dos negócios entabulados gozava de incomunicabilidade dos bens

adquiridos pelo regime de comunhão total.

Nas apropriadas palavras da professora TERESA

ARRUDA WAMBIER, “são várias as formas através das quais se pode prejudicar

o cônjuge ou a companheira com atos praticados sob o manto pseudo-protetivo

da empresa”, e o julgador deve ser preocupar em trilhar “caminhos para se

chegar a decisões que fujam ao ‘faz de conta’, e que não ‘tapem o sol com a

peneira’. Não vejo como subsistir a eficácia dos sucessivos negócios jurídicos

entabulado entre o agravante, sua empresa e os acionistas, à revelia da principal

interessada que é a autora do inventário.

29

Page 30: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

Como asseverei, por ocasião do julgamento unânime do

Agravo Regimental no Mandado de Segurança n.º 7294/97, quem responderá por eventual abuso

de direito e desmandos na empresa será o sócio controlador.

A estes fundamentos peço vênia para transcrever

trecho do venerando acórdão proferido pela e. 2ª Câmara Cível, no julgamento

mencionado, e relacionado aos interesses em lide:

“Quem arcará com os ônus decorrentes da

transferência de 42,17288% das ações

nominativas da empresa será o réu no processo

de inventário, com seu patrimônio pessoal e não

sua empresa e acionistas. Veja-se que o

percentual deferido é açambarcado pelo

percentual de ações que detém o réu da ação de

inventário”.

Com estes fundamentos, mantenho indene a

r. sentença de homologação de partilha, e as demais decisões

interlocutórias precedentes, rejeitando as preliminares de incompetência do

juízo agravado, de impropriedade da via eleita, tendo como ineficazes os

negócios jurídicos entabulados pelo cônjuge varão desde a separação de

fato do ex-casal, sem disposição bilateral de vontades. Rejeito a preliminar

de prescrição.

Quanto ao apelo do Requerido resta abordar a

condenação da verba honorária, que será analisada em conjunto com o apelo da

autora, por guardar relação de prejudicialidade.

O erro aritmético de divisão de ações em fração é

meramente material podendo ser corrigido de ofício, com ele anuindo a autora.

Assiste razão ao Requerido quanto à

inaplicabilidade da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, estatuído no

art. 600 do Código de Processo Civil.

Não se pode dizer que o Requerido tendo se

conscientizado da necessidade de se submeter aos desígnios da Justiça, após tumultuar o 30

Page 31: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

processo, abusar do direito de defesa, erigir inúmeros empecilhos à entrada da autora na

empresa GRANJA REZENDE S/A, evadir-se da citação por precatória, desrespeitar os dignos

oficiais de justiça em Uberlândia, e obstar a realização de assembléias convocadas pela autora e

o acionista I. A..

Contudo, como observa CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO:

“Os casos de atentado à dignidade da Justiça

estão arrolados no art. 600 do Código de

Processo Civil. Trata-se de hipóteses típicas,

descritas numerus clausus pela lei e sem

possibilidade de ampliação em via interpretativa

justamente por causa de sua natureza

sancionatória. Todos esses casos são de

deslealdade perpetrada pelo executado, nunca

pelo exequente (v. caput); e isso corresponde à

deliberada intenção do legislador, no sentido de

agilizar a execução forçada, combatendo a

lentidão da Justiça e reprimindo atos que lhe

impeçam o curso normal, em seu desprestígio5.”

De acordo com a lição do emérito mestre e

processualista, a sanção prevista no art. 600 do Código de Processo Civil, apesar

de não mais se referir a “executado”, mas sim a “devedor”, tem seu campo de

incidência nas ações de execução, em geral, não podendo ser interpretado

ampliativamente para alcançar a execução de toda ordem emanada do Poder

Judiciário, a exemplo da ação de inventário por separação judicial combinada

com partilha, mas tão somente aquelas derivadas nas ações de execução estrito

sensu.

Por ocasião do julgamento do REsp n.º

112.347/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, decidiu-se:

5 DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Execução Civil, Ed. Malheiros, São Paulo, 1997, pág. 178.31

Page 32: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

“EXECUÇÃO. ATO ATENTATÓRIO À

DIGNIDADE DA JUSTIÇA. ÂMBITO DE

INCIDÊNCIA. FUNDAMENTO CONSTANTE DA

DECISÃO RECORRIDA QUE NÃO É OBJETO

DE IMPUGNAÇÃO.

- A sanção prevista para a hipótese de prática

pelo devedor de ato atentatório à dignidade da

justiça aplica-se às execuções em geral.

- Fundamento expendido pela decisão recorrida

que permanece inatacado nas razões de recurso.

Recurso especial não conhecido6”. (Negritou-se).

Forte nestas razões, DOU PARCIAL

PROVIMENTO AO APELO DO REQUERIDO, A.J.R., tão somente para excluir

a condenação da multa prevista no art. 601 do Código de Processo Civil.

Passo a examinar a irresignação da autora,

quanto ao pedido recursal de majoração da verba honorária.

O réu entende que os honorários advocatícios

devem ser minorados, porque foi a autora que atribuiu o valor da causa em R$

500,00, por outro lado a Autora propala que deve ser considerado o proveito

econômico obtido com o sucesso da demanda, uma vez que o requerido se

propunha a partilhar quantitativo ínfimo das ações da empresa.

O art. 20, § 3° do Código de Processo Civil reza

que serão considerados o grau de zelo profissional, o local de prestação de

serviços, “a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado

e o tempo exigido para o seu serviço”. Não é parâmetro legal para fixação de

verba honorária o proveito econômico, ou o sucesso proporcional ao conteúdo do

pedido e o ofertado pelo Requerido, tão menos a tabela de honorários divulgada

pela OAB; esses pontos de relevância dizem respeito à economia interna do

contrato de prestação de serviços entabulado entre o cliente e seu patrono. São

critérios legais ou de equidade judicial, aqueles elencados no art. 20, §§ 3° e 4°

do Código de Processo Civil.

6 REsp n.º 112.347, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª Turma, publ. no DJ, pág. 127, em 23-08-99.32

Page 33: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

A sentença recorrida é homologatória da partilha,

tendo o juízo monocrático, em outras oportunidades, decidido questões de fato e

de direito apresentadas pelas partes no curso do processo (art. 984, Código de

Processo Civil), sem que dispusesse sobre os honorários devidos. Sem dúvida, a

sentença deve considerar os incidentes processuais verificados no curso do

processo para fixar a justa retribuição ao labor dos patronos das partes.

Embora não haja vedação legal para fixação de

verba honorária segundo o valor atribuído à causa, o magistrado não pode se

distanciar dos parâmetros do art. 20, § 3° e alíneas do Código de Processo Civil.

O trabalho dos patronos da autora foi árduo pois

se mantiveram com constante vigilância sobre a distribuição de feitos urgentes,

ofertando memoriais, e ajuizando Reclamações perante o Colendo Superior

Tribunal de Justiça para cassar decisões liminares obtidas pela parte adversa,

tanto no Juízo do Distrito Federal como no do Estado de Minas Gerais,

especificamente, Uberlândia.

O “lugar de prestação de serviços” foi tanto em

Brasília, como Uberlândia, com expedição de várias cartas precatórias, sempre

havendo a necessidade de requisição de força policial e de acompanhamento de

dois oficiais de justiça. Houve a convocação para realização de cerca de uma

dezena de assembléias em Uberlândia-MG, sede da empresa Granja Rezende

S/A, às quais compareceram os patronos da autora.

A natureza e a importância da causa envolveram

magistrados e promotores, atuantes no primeiro e segundo grau, e na instância

especial, imprescindindo de atuação pronta e eficaz dos patronos, que também

realizaram diligências perante a Junta Comercial de Uberlândia-MG.

Considerando o tempo de trâmite da ação de inventário por

separação judicial, cumulada com pedido de partilha - cerca de três anos -, mostra-se justo o

pleito de majoração da verba honorária.

A douta Procuradora de Justiça, Ruth Kicis

Torrentes Pereira, com propriedade, alvitrou a melhor solução à espécie:

33

Page 34: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

“A presente demanda teve início em setembro de

1996, quando distribuída a inicial de fls. O feito

vem tramitando, portanto, há 36 meses.

Atribuindo-se R$ 12.000,00 (doze mil reais) por

cada mês de trabalho, o que alcançaria a cifra de

R$ 432.000,00 (quatrocentos e trinta e dois mil

reais), estar-se-ia estabelecendo uma justa

retribuição ao incansável trabalho dos advogados

da autora, e atendendo plenamente às normas

das alíneas “a”, “b”, e “c” do § 3° do art. 20 do

CPC“.

Contudo, o patamar sugerido deve ser mitigado para que

não haja excessiva oneração da parte contrária, em versão dos valores da partilha.

Forte nestas razões, DOU PARCIAL

PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS, PARA MAJORAR A VERBA

HONORÁRIA PARA R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), e excluir a condenação

da multa do art. 601 do Código de Processo Civil, inerente ao processo de

execução.

De ofício, corrijo erro material do esboço de

partilha (fl. 1960), para que caiba à Autora 183.873.756 ações nominativas da

empresa Granja Rezende S/A, considerado o percentual de 42,17288%.

É como voto.

O Senhor Desembargador Edson Alfredo Smaniotto - Revisor

Eminentes Desembargadores.

Conheço dos recursos.

Trata-se de ação de inventário e partilha de bens

proposta por H. A. R. em desfavor de A. J. R., em decorrência de separação

judicial litigiosa transitada em julgado em 28.11.86.

Após regular desenvolvimento, o MM. Juiz de

Direito da 5ª Vara de Família da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília

homologou o esboço de partilha de fls. 1975/1960; manteve a antecipação de

tutela (fls. 333/335) e a decisão de fls. 1636/1638, que disciplinou a divisão das 34

Page 35: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

ações; condenou o requerido ao pagamento de multa no valor de 20% sobre o

valor do item 6 do esboço de partilha, pela prática de ato atentatório à dignidade

da Justiça (CPC, 600, II, III e IV), impondo-lhe, ainda, a condenação ao

pagamento das custas e honorários de advogado, estes fixados em R$35.000,00.

Inconformadas, as partes apelaram.

Em suas razões (fls. 2142/2175), A. J. DE R.

alega que:

“a) as referências da Apelada com relação ao

Apelante nada tem de real, tendo este, ao longo

de toda a demanda, apenas tentado resguardar

seu direito;

b) não há coisa julgada com relação à quantidade

ou ao percentual de ações da Granja Rezende

S/A que devem passar à titularidade da Apelada,

até mesmo em virtude de não ter sido requerido

declaração incidental a respeito no prazo legal;

c) não tem, um juiz da Vara de Família

competência para apreciar eficácia ou validade de

cláusula de incomunicabilidade inserida em

doação, matéria afeita apenas à competência de

um juiz de Vara Cível;

d) igualmente, um juiz da Vara de Família não tem

competência para apreciar matéria societária,

também afeita apenas à competência de um juiz

de Vara Cível;

e) a decisão de fls. 333/335, mantida na sentença

ora apelada, que determinou que a Apelada teria

direito à propriedade de 42,17288% do capital

acionário da Granja Rezende S/A, incorreu em

erro material, por supor, em contradição à prova

dos autos e às alegações das partes, que as

ações que o Apelante recebeu de seus pais

35

Page 36: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

teriam sido anteriormente de propriedade do ex-

casal;

f) está prescrita qualquer pretensão de anular as

subscrições de ações levadas a efeitos nas

Assembléias da Granja Rezende S/A de 30.04.75

e de 31.03.76;

g) igualmente prescrita se encontra qualquer

pretensão de se invalidar as doações de ações da

mesma empresa feitas pelos pais do Apelante em

seu favor;

h) tanto as subscrições quanto as doações supra

referidas foram feitas em observância às normas

legais, sendo válidas e eficazes;

i) não há qualquer norma legal que permita sejam

as doações e as subscrições, declaradas

ineficazes, perante quem quer que seja;

j) a diminuição proporcional da participação do ex-

casal na capital social da Granja Rezende S/A

não acarretou nenhum prejuízo patrimonial, já que

as subscrições ocorreram com aumento do ativo

da companhia;

k) as únicas possibilidades de ter havido fraude

nas subscrições não ocorreram e não foram nem

mesmo alegadas pela Apelada;

l) pela sentença, a Apelada passa a ter um

patrimônio bem superior ao do Apelado, e não

apenas metade dos bens do ex-casal;

m) o instituto da antecipação dos efeitos da tutela,

com relação a ações declaratórias, não permite a

antecipação da própria declaração, como consta

da sentença;

n) na partilha, a Apelada tem direito a receber sua

meação sobre uma certa quantidade de ações, e

não sobre um percentual;

36

Page 37: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

o) perante a Granja Rezende S/A, não foi

cumprida a sentença proferida na ação anulatória

nº 1.342/75, julgada no Juízo da 2ª Vara Cível da

Comarca de Catanduva – SP;

p) o não cumprimento da sentença supra referida

deve-se a não ter a Apelada, autora daquele feito,

pleiteado sua execução, bem como a terceiro que

impediu a mesma quando pleiteada pelo

Apelante;

q) em virtude do exposto nas alíneas anteriores,

não foram transferidos ao Apelante, para fazer

parte da presente partilha, ações equivalentes a

21,64108% do capital social da Granja Rezende

S/A;

r) as ações referidas na alínea anterior somente

poderão ser partilhadas quando retornarem ao

patrimônio do Apelante;

s) há erro matemático na partilha homologada

pela sentença;

t) a matéria sub judice não se subsume a

qualquer das hipóteses do art. 600 do CPC, vez

que não cuida a espécie de execução e nem a

conduta do Apelante encartar-se-ia em qualquer

das hipóteses do referido artigo;

u) em virtude do exposto acima, a multa imposta

pela sentença é inaplicável in casu;

v) os honorários conferidos na sentença estão em

inteira dissonância do valor atribuído à causa pela

Apelada e devem ser fixados atendendo ao

disposto no § 4º do art. 20 do CPC.”

Finaliza requerendo seja o recurso provido para:

37

Page 38: PARTILHA DE BENS inventário

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“(i) se alterar a partilha homologada a fim de que

se outorgue à Apelada a metade de 102.309.711

ações da Granja Rezende S/A, que equivalem às

mesmas no patrimônio do o ex-casal por ocasião

do fim do processo de separação judicial;

(ii) que a antecipação da tutela fique restrita ao

número de ações correspondente à metade das

102.309.711 ações supra referida;

(iii) determinar que as ações pertencentes ao ex-

casal, em virtude da procedência da ação

anulatória aforada em Catanduva, que não foram

ainda transferidas ao patrimônio comum das

partes, somente deverão ser partilhadas quando

ocorrer essa transferência, com o que não

poderá, neste momento, serem partilhadas

metade de 94.355.109 ações, que equivalem a

21,64108% do capital total (meação de

10,82054%);

(iv) em qualquer hipótese e consoante o princípio

da eventualidade serem corrigidos os erros

aritméticos constantes da partilha homologada,

caso os pedidos supra elencados não sejam

acolhidos;

(v) também em qualquer hipótese, ser excluída da

condenação a absurda multa prevista no art. 601

do CPC, imposta ao Apelante.

(vi) ainda, se mantida a r. sentença, ser reduzida,

nos termos do art. 20, par. 4º do CPC, a verba

honorária decorrente da sucumbência.”

Ab initio cumpre registrar que a dissolução da

sociedade conjugal entre as partes decorreu da separação judicial litigiosa

transitada em julgado em 28 de novembro de 1.986, pondo termo ao regime

matrimonial de bens.

38

Page 39: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

Certo de que o regime de bens adotado pelas

partes foi o da comunhão universal, cada cônjuge terá direito à metade do

patrimônio comum do casal, comunicando-se tanto os bens trazidos como os

adquiridos na constância do casamento, nos exatos termos do artigo 262, do

Código Civil.

Na individualização dos bens que formam o

acervo patrimonial, dissentiram as partes tão somente quanto à partilha das ações

da Granja Rezende S/A, tendo havido acordo no tocante à divisão dos demais

bens, quais sejam: um imóvel residencial situado na Rua Indianópolis, nº 2120,

em Uberlândia – MG; um automóvel marca Volkswagen Sedan, placa EF 2310,

ano 1967; um título do Praia Clube Sociedade Civil de Uberlândia – MG; um título

do Cajubá Country Clube de Uberlândia – MG e 87,045% de uma gleba de terras

com 101 há, 61 a e 70 c.a., na Fazenda Capim Branco, no Município de

Uberlândia – MG.

No despacho de deliberação da partilha (fls.

1943/1946), o juízo monocrático designou os bens que deveriam constituir o

quinhão de cada uma das partes, remetendo os autos ao Sr. Partidor para

organizar o esboço de partilha (CPC, 1023). Na oportunidade, dirimindo a questão

atinente às ações da Granja Rezende S/A, dispôs Sua Excelência, in verbis:

“No que pertine à partilha das ações da Granja Rezende

S.A, o bem de maior vulto do ex-casal, determino a

observância da v. decisão de fls. 70 e 333 a 335,

reafirmada integralmente pela v. decisão de fls. 1614/1638,

que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional à autora,

reconhecendo a existência de 84,35476% do capital social

da empresa Granja Rezende S.A como integrante do

patrimônio do casal, e o percentual de 42,17288% do

capital social da empresa citada, como o direito de meação

de cada uma das partes, matéria já largamente debatida e

analisada nos presentes autos, inclusive em sede de

recursos, pelo que não merece amparo jurisdicional a tese

defendida pelo ora réu.”

Em face da referida decisão, A. J. R. interpôs o

Agravo de Instrumento nº 03326-9/98, que foi liminarmente indeferido pela e. Des.

39

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Nancy Andrighi em esclarecedora decisão, cujo teor, com a devida vênia da e.

Relatora, transcrevo:

“...

O agravante omite pontos nodais para o julgador

apreciar com isenção a causa, pois deixa de se

referir aos inúmeros recursos interpostos perante

o Tribunal de Justiça do Distrito Federal,

distribuídos por prevenção a essa Relatoria.

Com efeito, no AGI nº 7.459/96, 3ª Turma Cível,

decidiu-se que a ação de inventário por

separação judicial é o leito processual adequado

para apreciação da partilha das ações

nominativas da Granja Rezende S/A, não sendo

matéria de alto indagação a ser remetida ao juízo

residual cível, in verbis:

PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO

DOS EFEITOS DA TUTELA DEFINITIVA. ART.

273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO

CONTRA A DECISÃO MONOCRÁTICA.

PARCIAL PROVIMENTO PARA LIMITAR OS

EFEITOS DA TUTELA QUANTO AO DIREITO

DE DISPOSIÇÃO DAS AÇÕES NOMINATIVAS

DE SOCIEDADE ANÔNIMA, HAVIDAS EM

AÇÃO DE INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS

DECORRENTES DE SEPARAÇÃO JUDICIAL.

I - O pedido de tutela antecipatória pode ser

formulado em qualquer ação, independente da

natureza eficacial da sentença ser declaratória,

constitutiva, ou condenatória, até sem audiência

da parte contrária, de acordo com a probabilidade

do direito apresentado e a urgência da medida.

40

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II - Instaurada a relação processual e nomeado o

inventariante - em ação de inventário decorrente

de separação judicial -, não se vislumbra a

apontada expropriação de bens sem o devido

processo legal, face a provisoriedade da medida

que poderá ser reavaliada pelo juízo a quo a

qualquer momento, antes ou após a realização de

prova pericial.

III - A verossimilhança da pretensão à meação do

patrimônio pessoal no percentual apresentado,

decorrente do direito de partilha e da propriedade

dos bens, respaldada por forte conteúdo

probatório trazido junto à petição inicial, autoriza a

concessão da medida antecipatória in limine,

porque preenchido o requisito específico da tutela

de emergência previsto no inciso I do art. 273 do

Código de Processo Civil.

IV - A antecipação da tutela, com espeque no

inciso II do art. 273, não é condicionada ao

atendimento do inciso I, podendo ser deferida

quando a parte demostre que o direito perseguido

foi objeto de outras demandas judiciais, ou com

ela relacionado, nas quais encontrou resistência

injustificada do réu.

A competência funcional do Juízo de Família

também foi reconhecida por esta E. Corte de

Justiça, bem como o montante de ações

nominativas a serem partilhadas, ad verbum

(AGRAGI nº 8.083/97, 2ª Turma Cível):

“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE MEDIDA

QUE ANTECIPOU PARCIALMENTE OS

EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA.

41

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INVENTÁRIO DE BENS DECORRENTES DA

SEPARAÇÃO JUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DO

DOMÍNIO DE METADE DO PERCENTUAL DE

AÇÕES DO EX-CÔNJUGE AO PATRIMÔNIO DA

REQUERENTE DO INVENTÁRIO.

LEGALIDADE.

I - O provimento adiantado na ação de inventário

e partilha de bens adquiridos durante a existência

da sociedade conjugal é de natureza eficacial

executiva lato sensu; assim, sua execução é

processada no bojo do processo de conhecimento

especial, através de mandados e outros meios

executivos que sejam admissíveis no caso.

II - Proposta ação anulatória de negócio jurídico

simulado de alienação de ações nominativas, cujo

pedido foi julgado procedente, as ações

alienadas, em fraude à meação do ex-casal,

voltam ao montante total, implicando no retorno

das partes ao statu quo ante, e na gestão, pelo

ex-cônjuge (antes administrador dos bens do

casal), do patrimônio até a dissolução do

condomínio.

III - Inexistente a ilegalidade apontada, e visível a

pretensão de rediscutir matéria apreciada

anteriormente - afrontando o princípio da

unicidade recursal e da preclusão consumativa -,

nega-se seguimento ao recurso, por

manifestamente inadmissível.

Idêntica discussão quanto à preclusão pro

judicato para reavivar a celeuma quanto à

competência ratione materie do Juízo de Família

foi em outra oportunidade apreciada (AGRAGI

1901-0/98):

42

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AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

EFEITO SUSPENSIVO ATRIBUÍDO AO

RECURSO. POSTERIOR DISTRIBUIÇÃO AO

RELATOR PREVENTO. DE CASSAÇÃO DA

LIMINAR E INDEFERIMENTO DO RECURSO,

COM ESPEQUE NO ART. 557 DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL. AFRONTA AOS ARTS. 471

E 473 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

QUESTÕES ANTERIORMENTE DECIDAS PELO

COLENDO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE AS

QUAIS HAVIA PRECLUSÃO PRO JUDICATO.

AUTORIDADE DA COISA JULGADA VIOLADA.

SUPRESSÃO DE COMPETÊNCIA

CONSTITUCIONAL DO COLENDO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

I - Por ocasião do julgamento do AGI nº 7459/96,

pela e. 3ª Turma Cível do TJDFT, foi fixada a

competência funcional do Juízo de Vara de

Família para solução das questões advindas da

ação de inventário decorrente de separação

judicial. Em Reclamação proposta junto ao

Colendo Superior Tribunal de Justiça, foi

reconhecida a usurpação da competência daquela

Corte para examinar a causa em grau especial.

II - No AGI nº 8.760/97, reg. ac. nº 102.157,

complementado pelo acórdão de Embargos de

Declaração nº 105.563, foi analisada a partilha

judicial das ações nominativas, de propriedade do

agravante, a qualquer título, portanto, operada a

preclusão pro judicato.

III - Pendentes o AGI nº 7.459/96 e o AGI nº

8.760/97 de julgamento pelo Colendo Superior

Tribunal de Justiça, a renovação das questões

43

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discutidas é vedada, porque 'nenhum juiz decidirá

novamente questões já decididas, relativas à

mesma lide'.

Os argumentos do agravante são reproduções de

questões jurídicas exaustivamente suscitadas,

debatidas, discutidas e apreciadas pelas 2ª e 3ª

Turma Cível, 2ª Câmara Cível e Conselho

Especial. Há portanto, óbice intransponível à

admissibilidade recursal, pela pretensão em violar

a autoridade da coisa julgada.

...” (Apenso nº 11 – fls. 128/135)

Decorrido o prazo legal sem que o Agravante se

manifestasse, restou a r. decisão indeferitória alcançada pela preclusão (Apenso

nº 11 – fl. 139).

Em prosseguimento à partilha, o Sr. Partidor do

Juízo apresentou o esboço de fls. 1948/1949, sem que fossem incluídas as

ações da Granja Rezende S.A. A seguir, as partes se manifestaram,

apresentando suas reclamações (fls. 1951/1953 e 1954/1955).

Após determinação judicial (fl. 1956), foi

apresentado novo esboço (fls. 1959/1960), desta feita incluindo a partilha das

ações da Granja Rezende S/A.

Submetida à apreciação das partes, a autora

manifestou sua concordância (fl. 1962), tendo o réu discordado quanto a partilha

das ações (fls. 1963/1969).

Dirimindo a quaestio juris, o MM. Juiz

sentenciante consignou:

“...

A esta altura do processo a discordância do Réu

não tem o menor efeito prático, isto porque já

foram tantas as decisões, com trânsito em

julgado, confirmando a quantidade de ações da

44

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Granja Rezende S/A que pertencem a Autora,

que a homologação e julgamento do esboço de

fls. 1.959/1.960, é uma imposição da moral, da

honestidade processual e da justiça, ....

.....omissis.....

A decisão de fls. 333/335 é suficientemente clara

e não há nenhum fato ou motivo para justificar a

sua revisão como pede o Réu na sua petição de

fls. 2.072/2.123 e, muito menos, impossível de ser

cumprida como afirma na petição de fls.

2.060/2.063, em face da decisão de fls.

1.614/1.638, ambas transitadas em julgado, ou

seja, não podem mais ser revistas, conforme

indica com clareza a decisão de fls. 1.900/1.910.”

A despeito das judiciosas razões recursais

deduzidas, tenho como irrepreensível a r. sentença nesse particular.

Tanto as questões preliminares suscitadas pelo

Apelante - relativas à incompetência do juízo de família para apreciar a eficácia ou

validade de cláusula de incomunicabilidade inserida em doação; à prescrição do

direito de ação para anular os aumentos de capital e correspondentes subscrições

de ação; e à prescrição do direito de ação para anular o gravame de

incomunicabilidade imposta às ações doadas pelos pais do Apelante -, como

aquelas concernentes ao percentual de ações que compõem a meação da

Apelada, já foram objeto de decisão judicial, tal como consignado na decisão do

AGI nº 03326-9/98, transcrita em linhas volvidas.

Entrementes, vale destacar que o direito da

Apelada ao percentual de 42,17288% das ações da Granja Rezende S/A decorre

da decisão judicial de fls. 333/335, que restou confirmada por este egrégio

Tribunal no julgamento do AGI nº 8.760/97 e pelo Superior Tribunal de Justiça no

Recurso Especial nº 189.312/DF.

No tocante ao reconhecimento da prescrição,

urge salientar, inclusive com arrimo na própria peça recursal (fl. 2.155), que as

subscrições de ações se deram nas Assembléias da Granja Rezende S/A de

45

Page 46: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

30.04.75 e de 31.03.76 e as doações de ações gravadas com cláusula de

incomunicabilidade ocorreram em 29.05.75 e em 09.11.76, portanto, após 1974,

quando todo o acervo patrimonial do casal já se encontrava em indisponibilidade,

em decorrência da medida cautelar preparatória para ação de separação judicial e

partilha de bens do casal.

Examinando o contexto das razões proclamadas

na petição de apelo, verifica-se que o recorrente pretende ver reexaminadas

questões já acobertadas pela preclusão, o que não se harmoniza com o veto legal

inserto no artigo 473, da Lei Adjetiva Civil, que dispõe:

“Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do

processo, as questões já decididas, a cujo respeito se

operou a preclusão.”

Oportuno mencionar-se o ensinamento do

eminente jurista Humberto Theodoro Júnior que, ao tratar da preclusão, pontifica:

“Embora não se submetam as decisões

interlocutórias ao fenômeno da coisa julgada

material, ocorre frente a elas a preclusão, de que

defluem conseqüências semelhantes às da coisa

julgada formal.

Dessa forma, as questões incidentalmente

discutidas e apreciadas ao longo do curso

processual não podem, após a respectiva

decisão, voltar a ser tratadas em fases posteriores

do processo.

Não se conformando a parte com a decisão

interlocutória proferida pelo juiz (art. 162, § 2º),

cabe-lhe o direito de recurso através do agravo de

instrumento (art. 522). Mas se não interpõe o

recurso no prazo legal, ou se é ele rejeitado pelo

tribunal, opera-se a preclusão, não sendo mais

lícito à parte reabrir discussão, no mesmo

processo, sobre a questão.

46

Page 47: PARTILHA DE BENS inventário

APC Nº 52.462/99

A essência da preclusão, para Chiovenda, vem a

ser a perda, extinção ou consumação de uma

faculdade processual pelo fato de se haverem

alcançado os limites assinalados por lei ao seu

exercício.

Decorre a preclusão do fato de ser o processo

uma sucessão de atos que devem ser ordenados

por fases lógicas, a fim de que se obtenha a

prestação jurisdicional, com precisão e rapidez.

Sem uma ordenação temporal desses atos e sem um limite

de tempo para que as partes os pratiquem, o processo se

transformaria numa rixa infindável.

Justifica-se, pois, a preclusão pela aspiração de

certeza e segurança que, em matéria de

processo, muitas vezes prevalece sobre o ideal

de justiça, pura ou absoluta.”7

Nelson Nery Júnior, comentando o artigo 473 do

CPC, ensina que se “a decisão recorrível versar

sobre matéria de direito disponível, se a parte não

interpuser o agravo, a questão estará

inexoravelmente preclusa, a teor do CPC 471. Se

a decisão recorrível tiver por objeto matéria de

ordem pública ou de direito indisponível e dela

não se interpuser agravo, não haverá incidência

da preclusão, segundo o CPC 267 § 3º e 471 II. O

limite final para a apreciação das questões de

ordem pública e de direito indisponíveis é a

preclusão máxima, denominada impropriamente

de “coisa julgada formal” (nas instâncias

ordinárias) ou, em se tratando de juiz de primeiro

7 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 21ª edição, v. I, p. 531;47

Page 48: PARTILHA DE BENS inventário

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grau, a prolação da sentença de mérito, quando

cumpre e acaba seu ofício jurisdicional”.8

Destarte, a pretensão revisional das questões já

apreciadas se me afigura inadmissível, em face do óbice intransponível da

preclusão.

Feitas tais considerações, forçoso é concluir que

subsistem como temas recursais a serem analisados neste julgamento: a

condenação do Apelante ao pagamento de multa no valor de 20% sobre o valor

do item 6 do esboço de partilha, pela prática de ato atentatório à dignidade da

Justiça (CPC, 600, II, III e IV) e a condenação ao pagamento dos honorários de

advogado.

Alega o apelante que a multa imposta pela

sentença, pela prática de ato atentatório à dignidade da justiça, somente é

aplicável no processo de execução, sendo descabida em face da antecipação da

tutela prevista no artigo 273 do CPC ou no âmbito do processo de conhecimento.

Aduz ainda que o montante da multa é excessivo:

“vinte por cento sobre o valor total do item 6 do esboço de partilha de fls.

1959/1960, ou seja, R$ 367.747.513,60 (trezentos e sessenta e sete milhões,

setecentos e quarenta e sete mil, quinhentos e treze reais e sessenta centavos)

Tal importa em uma multa no valor de R$ 73.549.502,72 (setenta e três milhões,

quinhentos e quarenta e nove mil, quinhentos e dois reais e setenta e dois

centavos)”.9

Razão assiste ao Apelante.

A multa prevista no artigo 600, do Código de

Processo Civil, somente tem aplicação no âmbito do processo executivo.

Nos termos do artigo 598, aplicam-se

subsidiariamente à execução as disposições que regem o processo de

conhecimento. Isto ocorre quando não houver no processo de execução, regra

própria que discipline o caso.

No mesmo diapasão, as regras do código sobre

os procedimentos especiais não abrangem, evidentemente, todos os termos do

8 Nelson Nery Júnior, CPC Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 3ª edição, nota 3 art. 473, p. 686;9 Fls. 2.171;

48

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processo. Cuidam, em princípio, apenas daquilo que especializa o rito para

adequá-lo à pretensão a cuja disciplina em juízo se destina. Por isso, naquilo em

que o procedimento especial for omisso incidirão as regras do procedimento

ordinário..”10 É o que dispõe o parágrafo único do artigo 272: “O procedimento

especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhes são

próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do

procedimento ordinário.”

As regras do artigo 598 e 272 decorrem do

preceito de que todas as formas de atividade da jurisdição estão sujeitos a

princípios e diretrizes comuns, refletindo a existência de uma teoria geral do

processo, cujas regras gerais estão previstas no Livro I do Código, que diz

respeito ao processo de conhecimento.

Nesse quadro, forçosa a conclusão de que as

regras específicas que regem o processo de execução e os procedimentos

especiais, dentre os quais o inventário e partilha, não se estendem aos demais

procedimentos.

Especificamente a respeito da inaplicabilidade do

artigo 600 do Código de Processo Civil a outro procedimento, dispõe o eminente

Professor Araken de Assis:

“Este esquema, de resto desdobramento lógico

das regras dos arts. 14 a 18, ostenta a inegável vantagem de instituir um dever de

lealdade. Eliminando dúvidas, e a possibilidade de tratar-se de simples ônus, o

texto consagrou a idéia de “dever, bem conforme, aliás, com a deliberada

intenção de Alfredo Buzaid”.

Comparativamente ao dever do art. 14, porém, o

art. 600, que se adscreve ao processo executivo, caracteriza somente a

deslealdade imputável ao executado. Também a sanção já mencionada,

constante do art. 601, recai sobre o devedor.”11 (grifo nosso).

Deveras, o vertente procedimento não encerra

processo executório capaz de viabilizar a aplicação do artigo 600, do CPC. Nem

10 Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., 16ª edição, v. III, p. 7/8;11 Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, 4ª edição, p. 360;

49

Page 50: PARTILHA DE BENS inventário

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se diga que a decisão monocrática que antecipou os efeitos da sentença possa

ter a natureza condenatória exigida no artigo 741, do Código de Processo Civil.

Aliás, não se trata de matéria inédita nos

presentes autos, porquanto restou devidamente tratada no julgamento da

Apelação Cível nº 46.161/97, interposta pelo apelante contra a r. sentença que

indeferiu liminarmente a petição de ação de embargos à execução, por entender

incabível a via eleita para obstar a execução da antecipação da tutela.

A referida apelação restou assim ementada:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO

DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO DE

INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS

DECORRENTE DE SEPARAÇÃO JUDICIAL.

PROVIMENTO EXECUTIVO LATO SENSU.

AJUIZAMENTO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO.

INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO

INICIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. - A

decisão monocrática que antecipa o provimento

de mérito, determinando a partilha do patrimônio

acionário do ex-casal, é executável pela simples

expedição de ofícios e mandados. Não possuindo

natureza condenatória, independe de prévia

liquidação ou de processo de execução, portanto,

correta a extinção da ação de embargos à

execução sem exame de mérito. II - Para manejo

da ação de embargos à execução de título

judicial, necessário o atendimento dos requisitos

postos no art. 741 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, a identidade de argumentos

expendidos e apreciados, por ocasião do

julgamento do AGRAGI n. 8083/97, impõe o

reconhecimento da preclusão pro judicato, uma

vez que o Tribunal de Justiça não pode

50

Page 51: PARTILHA DE BENS inventário

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reexaminar matéria já submetida ao segundo grau

de jurisdição”12.

Na oportunidade a e. Relatora Desembargadora

Nancy Andrighi dispôs:

“A pretensão recursal não prospera, porque não

está embasada no elenco do art. 741 do Código

de Processo Civil.

Apesar de ser apropriada a ação de embargos à

execução para obstar a execução do título judicial

provisório, seu manejo é restrito às ações que

versem condenação.

A natureza executiva do provimento judisdicional

que determina a partilha, em sede de antecipação

da tutela, independe de ato executório próprio,

sendo pois, autoexecutável, complementado por

singela expedição de ofícios e mandados. O

cabimento da ação de embargos à execução está

adstrito às ações de conhecimento, de natureza

condenatória, porque comportam execução

específica, ao contrário das ditas ações

executivas e mandamentais, já que quanto às

declaratórias e constitutivas, não se fala em

posterior execução, porque são provimentos que

esgotam em si mesmos, ou seja, com a prolação

da sentença de mérito.”

Na qualidade de Revisor, acompanhei o douto

entendimento expressado pela e. Relatora.

Concessa venia, a admissão da multa prevista

do artigo 600 do CPC importaria em verdadeira contradictio in terminis, na

medida em que estar-se-ia possibilitando a aplicação de regra específica do

12 APC nº 46.161/97, DJ 11.03.98, p. 47, Relatora Des. Nancy Andrighi;51

Page 52: PARTILHA DE BENS inventário

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processo executivo em diametral contraposição ao entendimento já esposado

pelo Colegiado ao negar provimento ao recurso interposto pelo ora Apelante.

Merece, pois, provimento o recurso para afastar a

condenação do Apelante na multa por prática de ato atentatório à dignidade da

justiça.

A derradeira questão posta pelo Apelante diz

respeito à condenação na verba honorária, sendo de mister salientar ser este o

único ponto do julgado contra a qual se investiu a autora Helena Abib Rezende,

razão pela qual passo a tratá-los conjuntamente.

O MM. Juiz monocrático fixou os honorários de

advogado em R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais), com fulcro no parágrafo 4º,

do artigo 20, do Código de Processo Civil.

Em apertada síntese, busca o requerido a

redução da verba honorária que deverá ser fixada “considerando-se o valor

atribuído à causa pela Apelada – R$ 1.000,00, que não pode ser desconsiderado

para tal fim.” A autora, por seu turno, após minucioso histórico dos trabalhos

desenvolvidos, enumerando inclusive os feitos originários do litígio entre as partes

na Ação de Inventário e Partilha, pugna pela majoração dos honorários

advocatícios, posto que não se levou em conta na sua fixação o valor econômico

do êxito efetivamente obtido, divorciando-se ainda da legislação e da

jurisprudência acerca do tema. Requer, a final, a fixação dos honorários “em não

menos que 10% sobre o conteúdo econômico do êxito obtido na demanda.”

A sentença homologatória de partilha lançada nos

autos na forma do artigo 1.025, do Código de Processo Civil, tem natureza

constitutiva, porquanto define nova situação jurídica sobre os bens do ex-casal.

Não se tratando de sentença condenatória, aplica-

se-lhe o § 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil, tal como o fez o MM.

Juiz sentenciante, devendo a verba honorária ser estipulada consoante

apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas “a”, “b” e “c” do

parágrafo 3º do mesmo artigo.

Trata-se, pois, de eqüidade jurídica, porque

baseada em fatos, isto é, objetiva, e não a de tipo subjetivo, extralegal, por vezes

confundida com o arbítrio judicial.

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Com efeito, devem ser sopesados pelo juiz na

ocasião da fixação dos honorários. A dedicação do advogado, a competência com

que conduziu os interesses de seu cliente, o fato de defender seu constituinte em

comarca onde não resida, os níveis de honorários na comarca onde se processa

a ação, a complexidade da causa, o tempo despendido pelo causídico desde o

início até o término da ação, são circunstâncias que devem ser necessariamente

levadas em conta pelo juiz quando da fixação dos honorários de advogado.13

Em que pese a possibilidade de arbitramento dos

honorários sobre o valor da causa (v.g. REsp 5664-SP e APC 48.479/98), tenho-a

como inaplicável à hipótese, na medida em que resultaria em flagrante

inobservância ao dispositivo legal em comento, porquanto ínfima e irrisória seria

a verba, atentando, inclusive, contra a dignidade profissional dos causídicos.

Por outro lado, não se me afigura revestida de

qualquer razoabilidade a fixação dos honorários em percentual sobre o conteúdo

econômico do êxito obtido na demanda, seja pela natureza da causa; pelo valor

do patrimônio partilhado ou mesmo pela falta de amparo legal.

Acompanho, no particular, a verba honorária

disposta pela eminente Relatora.

Ante o exposto, dou parcial provimento a ambos os

recursos. Ao de A. J. R., para expungir da sentença a condenação na multa por ato atentatório à

dignidade da justiça, e, ao recurso interposto por H. A. R., para acrescer a verba honorária,

acompanhando a eminente Relatora.

É como voto.

O Senhor Desembargador Romão C. de Oliveira – Vogal.

Senhor Presidente, o meu voto é no sentido de repelir a

preliminar de incompetência absoluta do juízo e o faço, também, em homenagem

aos diversos julgados deste Tribunal, mas não hesitaria em decidir de forma

diversa, porque nesse particular estou de acordo com o ilustre advogado que veio

à tribuna: não há preclusão para o juiz. O Tribunal poderia mudar esse

entendimento, desde que entendesse que, efetivamente, o juízo prolator da

sentença seria incompetente de forma absoluta. Assim está autorizado pelo art.

267, § 3.o do Código de Processo Civil.

13 Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, ob. cit., nota 17 art. 20, p. 297.53

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Ocorre que, a meu sentir, na verdade, de

incompetência não se cuida. A matéria não é de cunho comercial como

pretendera traçar a defesa de A. R.. Ao contrário, trata-se mesmo de inventário,

decorrente de ação de separação judicial, por isso, competente o Juiz da Vara de

Família.

No outro passo, Senhor Presidente, também afasto a

prescrição, até porque, adiantando o tema meritório, antevejo a prática de atos

atentatórios à execução futura daquela separação judicial. Na verdade, a silhueta

ficou bem traçada no sentido de que A. R. pretendeu repassar algumas ações

para seus genitores para, em seguida, recebê-las com a seqüela de

incomunicabilidade. Nada mais, pois, a acrescentar para que se diga que esse ato

é efetivamente ineficaz. Portanto, acompanho a eminente Relatora no tema

meritório específico, atinente à partilha traçada na respeitável sentença.

No que diz respeito, Senhor Presidente, à multa por ato

atentatório à dignidade da Justiça, confesso que, após ler e reler os memoriais

que me foram apresentados ao apagar das luzes, na sexta-feira, fi-lo no sábado,

estava convicto de que essa conduta havia realmente ocorrido e devia ser

repelida. Todavia, os argumentos da eminente Relatora e aqueloutros trazidos por

V.Ex.a convencem-me de que, não obstante a conduta imprópria tenha ocorrido, o

Judiciário não tem como apenar o infrator, haja vista o limite estabelecido no art.

600 do Código Processo Civil. Em se tratando de norma de natureza apenatória,

não deve receber interpretação ampliativa.

Portanto, curvo-me aos doutos entendimentos de

V.Ex.as e também provejo o recurso de A. R., nesse particular, afastando a

penalidade imposta na respeitável sentença.

No que diz respeito à verba honorária, peço vênia para

trazer uma terceira linha de raciocínio a respeito do tema. Penso que a douta

Procuradoria de Justiça traçou o caminho adequado, mas arbitrou em patamar

muito elevado. Com os meios de comunicações postos à disposição dos

escritórios de advocacia, esse trabalho, mesmo se desenvolvendo em três

unidades da Federação, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal, não geraria

tamanha mão-de-obra. Os serviços, certamente, foram concentrados em

determinado escritório onde se encontravam os luminares da advocacia reinante

sobre esta matéria. E lá, na base, contou com o auxílio de advogados menos

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experientes, mas nem por isso desnecessária a tarefa, para o acompanhamento,

do dia a dia. E por isso, Senhor Presidente, hei por bem arbitrar essa verba em

R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Aqui tenho como certo que está presente

parte destinada ao serviço de apoio e parte destinada ao serviço intelectual,

propriamente dito, da produção de peças e acompanhamento do processo nos

Tribunais.

D E C I S Ã O

Deu-se parcial provimento a ambos os recursos.

Unânime. Rejeitadas as Preliminares. Unânime.

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