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PATRICK CARMAN

As Montanhas Misteriosas

As Terras de Elyon Livro I

Tradução de Isabel Gomes

FICHA TÉCNICA Título original:The Dark Hills Divide - The Land of Elyon Book I Autor:Patrick Carman Tradução:Isabel Gomes Capa:Ilustração de Brad Weirman Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.

1ª edição, Lisboa, Agosto, 2007

Para a Karen

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer às seguintes pessoas eorganizações pela sua contribuição para estetrabalho:

À Jeremy Gonzalez, Jeffrey Townsende Squire Broel. Sem eles este livro ainda es-taria dentro de uma caixa, no meu armário.

Ao fantástico grupo da Book and Game Company, em Walla Walla, Washington; àThird Place Books em Seattle, Washington; eà Barnes & Noble em Kennewick, Washing-ton. A sua paixão pelo trabalho foi a centelhaque fez as coisas andarem.

À Brad Weinman pela excelente ilus-tração da capa da edição original, que cap-tou a atenção de tantas pessoas.

À Kathy Gonzalez e Matt McKern, duaspessoas trabalhadoras e talentosas, sem asquais este livro não teria visto a luz do dia.

À Peter Rubie, um grande agente. O-

brigado pelo incansável trabalho que tevepara colocar este livro no mercado.À David Levithan. Não é fácil encontrar

um editor com tanto empenho e talento co-mo o David.

À Gene Smith, por ter encontrado, lidoe promovido o livro.

À Graig Walker, por quem tenho omais profundo respeito e admiração.

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Em todos os locais em que o oceano encontterra, há penhascos de rochas escuras e pontiag Quem olhar além da ponta desses penhascos, peralguns metros abaixo, um nevoeiro tão denso qu permite ver a água.

A nossa volta, só se vê nevoeiro branco e esp

como se estivéssemos suspensos nas nuvens e, se mos do penhasco, a queda duraria vários dias. Se fosse o ruído violento das ondas a rebentarem corochas, lá embaixo, poderíamos pensar que as nterras eram uma ilha no céu.

Além do Vale dos Espinhos

ALEXA DALEY

Antes de construir uma muralha perguntaria

O que estaria a proteger ou a repelir, E a quem poderia ofender. Há algo que a muralha não aprova, E que quer derrubá-la.

«Mending Wall»Robert Frost

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PARTE I

CAPÍTULO 1WARVOLD

are de bater os dentes, ou teremos queregressar e nos sentar à lareira — disse omeu companheiro, despindo a sua enorme capae colocando-a sobre meus ombros. Tinha quesegurá-la no ar para evitar que arrastasse na es-trada, mas caía-me bem, e não tardei a deixar detremer.

P —

O Sol tinha se posto e os candeeiros bri-lhavam sobre as ruas como lanças amarelas eafiadas, um a cada seis metros, dos dois lados daestrada. Iluminados pela luz suave, os calçamen-tos de pedrinhas arredondadas faziam com queaquela caminhada parecesse um sonho. Cada vezque contornávamos uma nova esquina, depará- vamo-nos com nova fileira ziguezagueante decandeeiros, casas e vitrines de lojas. Algumasportas estavam pintadas de azul ou roxo-vivo;mas as casas em si, apertadinhas umas contra asoutras, eram todas de pedra caiada de branco.

Caminhávamos juntos, sem dizer palavra. A cidade estava em silêncio, a não ser pelo piarocasional e distante de uma ou outra coruja,

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empoleirada em cima da muralha em busca deratos e outras criaturas do gênero.

Ao fundo de um calçamento escuro, de-paramos com um portão de ferro, fechado àchave. Retirando uma chave dourada do bolso, omeu companheiro enfiou-a num pequeno me-dalhão oval que trazia pendurado ao pescoço.Era um medalhão que eu já tinha visto várias

vezes. Observei-o enquanto ele o abria e tiravade lá outra chave. Ele era o nosso líder, o ho-mem que se tinha aventurado mais do que qual-quer de nós nos mistérios do mundo exterior.Fazia todo o sentido que fosse o guardião deuma chave secreta. Vendo bem, era ele o guar-

dião de tão grande parte da nossa história e detantos dos nossos segredos mais profundos!Observei-o enquanto ele metia a chave numafechadura no portão e o empurrava, fazendo-ogirar nas suas dobradiças enferrujadas.

O meu companheiro desapareceu na es-

curidão, dizendo-me que o seguisse sem fazerbarulho. Às apalpadelas, procurei a sua mão e, demãos dadas, avançamos, a sua capa arrastando-seagora pelo chão atrás de mim. Depois parou,tirou a minha mão da sua e, abrindo-a comple-tamente, puxou-a para frente até eu sentir a su-perfície lisa da rocha, ainda quente do sol daque-le dia. Esticando o braço tanto quanto podia,senti uma fenda e depois mais rocha.

— É a muralha — explicou ele. — Achei

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que gostaria de tocá-la. — Não conseguia ouvirnada além da sua respiração. Passado algumtempo, continuou. — Passei a minha juventudea construir esta muralha para manter afastadas ascoisas perigosas. Agora, às vezes, interrogo-mese não as terei encerrado aqui dentro.

— Porque diz isso? — À medida que osmeus olhos se acostumavam à escuridão, come-

cei a distinguir as suas feições. Estava pensativo,olhando fixamente para a muralha enquantopassava os delicados dedos pela fenda. O seurosto marcado pelo tempo estava cheio de rugas,e o cabelo e barba emaranhavam-se um no outroformando uma massa branca e fofa.

— Vamos fazer o seguinte, Alexa... por-que não nos sentamos um pouco e eu te contouma história? Não podemos dar na vista, casocontrário o velho Kotcher pega seus cães e vemà procura de um petisco.

Ele tinha fama de inventar histórias as-

sustadoras de aranhas gigantes que transpunhama muralha para comer crianças, portanto fiqueipreocupada.

— Que tipo de história é que vai contar? — perguntei.

— Na realidade, é mais uma fábula queuma história. Ouvi-a há muito tempo, durante asminhas viagens e antes disto tudo — disse, mo- vendo a mão à sua frente, com o olhar distante. — A maioria das pessoas não faz idéia do quan-

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to viajei enquanto era jovem. Caminhei quilôme-tros e quilômetros em todas as direções e duran-te meses a fio, sempre sozinho.

«Mais tarde apareceram a Renny e depoiso Nicholas, e tornei-me cada vez mais protetor. Tinha um medo terrível de me afastar deles, porisso comecei a ficar mais perto de casa. Nãotardou nada, estava a construir estas muralhas

para proteger a minha família e todas as outraspessoas.Estávamos os dois sentados e ele o-

lhou-me nos olhos, enquanto continuava. — Lembre-se de uma coisa, Alexa. Se fi-

zer de algo o trabalho da sua vida, certifique-se

de que é uma coisa da qual possa se orgulharquando for uma velha relíquia como eu. — Fezuma pausa, e eu fiquei sem saber se era para queas suas palavras causassem efeito ou porque ti-nha se esquecido do que ia dizer. Depois disso,retomou a conversa.

— Estava eu numa das minhas viagensdistantes, quando ouvi esta lenda. Gostei tantodela que a memorizei:

Haviam seis homens da Indostânia, Que, muito dados ao estudo,O Elefante foram visitar.Embora todos fossem cegos,Cada um queria, pela observação,Satisfazer a sua mente

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O Primeiro aproximou-se do elefante e,Caindo sem querer Contra o seu flanco largo e forte,De imediato começou a gritar: — Valha-me Deus! O elefante é muito parecido com uma parede! O Segundo, apalpando uma presa, gritou — Ahá! Que temos aqui?

Tão redondo, liso e afiado? Para mim é evidente: este prodígio de elefanteÉ muito parecido com uma lança! O Terceiro aproximou-se do animal e,Segurando a tromba com as duas mãos, disse: — Agora entendo.

O Elefante é muito parecido com uma serpent O Quarto estendeu uma mão curiosa e, Apalpando a zona do joelho, disse: — É muito fácil de ver que o elefante A uma árvore se assemelha. O Quinto, que tocou na orelha, disse:

— Até um cego vê que, o que isto mais parece Ninguém pode negar, Esta maravilha de Elefante E muito parecido com um leque! O Sexto mal tinha começado A apalpar a criatura quando, Agarrando na cauda oscilante, Que passou à sua frente, disse: — Agora entendo.O Elefante é muito parecido com uma corda!

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E assim, estes homens da Indostânia Muito tempo discutiram,Cada qual com sua opinião,Teimando, embora todos estivessem certos E todos estivessem errados.

— Nada mau para um velhote esquecido — brincou Warvold.

— Pare de ser tão deprimente. Acho quetem uma ótima memória. — Há muitos segredos encerrados nestas

muralhas e muitos mais rondam fora delas — disse o meu companheiro em tom profético. — Acho que estão todos prestes a se encontrar.

Murmurou qualquer outra coisa sobre «e-les terem razão desde o início», mas estava agoramais calado, falando consigo mesmo e baixinho.

Continuamos ali sentados, escutando osuave vento noturno. Algo nas suas palavras — algo naquela noite — penetrou na minha pele,

fazendo-me tremer ainda mais do que momentosantes. Tinha a sensação de que alguma coisa es-tava errada. Alguma coisa muito maior que eu.

— Estou ficando com frio. Podemos irembora? — perguntei. Ele não me respondeu e,quando olhei para cima, para o seu rosto, naque-la noite límpida e fria, percebi imediatamente deque Warvold estava morto.

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CAPÍTULO 2A ESTRADA PARA BRIDEWELL

inha doze anos, era pequena para a minhaidade e tinha braços magros e joelhos no-

dosos. O meu pai costumava brincar, dizendoque conseguia enfiar o meu antebraço na suaaliança de casamento (infelizmente, o exageronão era grande). O cabelo, que eu usava quasesempre numa trança, era cor de areia.

T

Poucas horas antes da morte de Warvold, viajava com o meu pai da nossa cidade natal,Lathbury, para Bridewell. Como menina de dozeanos, com uma vida sem aventura, esta nossa viagem anual a Bridewell era o acontecimentopelo qual eu mais ansiava.

O nosso dia na estrada tinha sido calmo,embora mais quente do que seria de esperar numcomeço de Verão.

Em Bridewell havia um edifício que emtempos tinha sido uma prisão. Na verdade, haviasido um campo de trabalho para onde eram en- viados os vagabundos e os condenados das nos-sas cidades. Durante o dia, os prisioneiros saíampara o outro lado da muralha para executarem ostrabalhos pesados que as suas sentenças deter-minavam.

Quando falo em muralha, não me refiro àda prisão, embora essa também existisse. Refi-

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ro-me à muralha que delimitava Bridewell inteirae que rodeava não só a aldeia e a prisão, mas seestendia ao longo dos dois lados das estradas queconduziam às três cidades de Lathbury, Turlock e Lunenburg.

O nosso reino era uma roda de carroçafeita de pedra. Bridewell ficava no eixo da roda,com as outras três cidades em cada ponta dos

três raios. Na tarde anterior à morte de Warvold, viajávamos pelo raio de Lathbury, em direção aBridewell.

As muralhas erguiam-se por cima de nósde cada lado da estrada, retendo o calor, comoum forno longo e estreito. Eu estava aborrecida

e cheia de calor. — Pai? — Sim, Alexa? — Conte-me a história da construção das

muralhas. — Ainda não se fartou de ouvir essa velha

lenda?Eu sabia perfeitamente que ele gostava decontá-la. O meu pai adorava contar histórias, eesta era uma das suas preferidas. Não tive de es-perar muito para que ele começasse a sua narra-ção.

— Thomas Warvold era órfão. No dia doseu décimo terceiro aniversário, afastou-se daterra natal, com todos os seus pertences guarda-dos numa única mochila. Durante anos ninguém

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soube nem quis saber por onde ele andava. Nãopassava de uma criança aparentemente sem va-lor, sem pais nem futuro; duvido que alguémtivesse sequer percebido sua partida. Mas ele eraum rapaz cheio de gênio, esperto e aventureiro.Muito mais tarde, depois de ter se tornado fa-moso, houve quem afirmasse que tinha vaguea-do sem rumo durante vinte anos ou mais, cole-

cionando tesouros de lugares longínquos na Terra de Elyon. Outros defendiam que ele viveranas selvagens e encantadas florestas e montanhasque ficavam além destas mesmas muralhas.

«Seja como for, parecia ter-se transfor-mado num poderoso líder, pois acabara por

convencer outras pessoas a se juntarem a elenum local que quase todos acreditavam estar as-sombrado e ser maléfico e perigoso.

O bater dos cascos dos cavalos ressoavanas paredes altas, à medida que nos aproximá- vamos de Bridewell, e o meu pai parou para co-

çar os pêlos curtos e loiros do queixo. Era umhomem grande com cabelo ruivo, comprido,enrolado e emaranhado. Durante o Inverno u-sava barba, mas no Verão sentia muito calor,optando por gozar o alívio refrescante de umrosto barbeado.

— A medida que o sucesso e prosperida-de de Warvold aumentavam, cada vez mais pes-soas se convenceram de que era realmente segu-ro viver naquela área, e assim mudaram-se para

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quando o meu pai chicoteou os nossos dois ca- valos e gritou:

— Iá! Iá! — Não tardamos a ficar lado alado com a outra carroça, com menos de ummetro entre as duas e a outro tanto das mura-lhas, de cada lado. O meu pai lançou ao condu-tor um olhar de desafio e declarou: — Há cincoanos que não perco uma corrida na estrada para

Bridewell! A corrida começou e o arranque dos po-derosos cavalos quase me fez cair do assento. Onosso adversário, todo babado de excitação porestar competindo com alguém tão importantecomo o meu pai, acompanhou o nosso anda-

mento durante bastante tempo. O ar estavacheio de poeira e o som furioso de cascos e ro-das ecoava na estrada.

As paredes passavam voando ao nossolado, erguendo-se em direção ao céu durante oque pareceram quilômetros e quilômetros. Na

verdade, tinham uns doze metros de altura eeram feitas de blocos de pedra quadrados depouco menos de um metro.

Pensei na muralha que se estendia até La-thbury e Turlock, cidades que estavam protegi-das do Mar da Solidão, onde envoltas em nevo-eiro as ondas rebentavam contra escarpas enor-mes. O rio Roland, que recebeu o nome do úni-co homem que, tanto quanto se sabe, o atraves-sou (um homem que nunca mais foi visto; de

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quem nunca mais ninguém ouviu falar), tambémcorria pela nossa terra. O rio era uma massa po-derosa e larga de águas rápidas, alimentado peloscursos das montanhas, em terras ainda não ex-ploradas.

Perdida nos meus pensamentos, tinha-medistraído da corrida. Quando o meu pai puxou asrédeas com força, o meu corpo franzino quase

foi cuspido da carroça. — Que agradável quebra na monotoniadesta viagem! — exclamou ele, enquanto o pro- vocador se colocava ao nosso lado, coberto dacabeça aos pés por uma grossa camada de poei-ra. — Pena é haver esta poeirada toda.

— Não tem importância, Sr. Prefeito, nãotem importância. Os meus cavalos já não são oque eram, mas deram o seu melhor — disse ohomem, fazendo o possível para sacudir o pó daroupa enquanto prosseguíamos estrada abaixo.

— O que o traz a Bridewell neste dia a-

brasador? — perguntou o meu pai. — Na verdade, vou a caminho de Turlock para entregar o correio semanal de Lathbury.

— E pode se saber como se chama? — Silas Hardy, à sua disposição. — O

homem acabou de sacudir a roupa e sorriu-nos,mostrando os dentes branquíssimos que con-trastavam com o tom fortemente bronzeado doseu rosto.

— Bem, Silas, e se nos acompanhasse o

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resto do caminho até Bridewell? Não quero dei-xá-lo para trás com esses animais pouco confiá- veis a arrastá-lo até à cidade. Além disso, estavacontando à minha filha a história da muralha eda sua construção. É uma história agradável que vale a pena ouvir.

Silas olhou para as muralhas de cada ladoe para o sol escaldante por cima delas. Gotas de

suor escorriam-lhe pelas têmporas. — Já a ouvi muitas vezes, senhor, masestou com calor e aborrecido e os meus cavalosestão muito cansados para ultrapassá-lo, portan-to estou pronto para ouvi-la mais uma vez. — Limpou o suor das têmporas e descansou os co-

tovelos em cima dos joelhos, segurando frouxa-mente as rédeas nas mãos grandes e carnudas.O pai retomou a história: — Como estava dizendo antes do nosso

amigo Silas ter se juntado a nós, Warvold tinhaum problema. Cada vez mais pessoas imigravam

para Lunenburg: pioneiros, mineiros, comerci-antes e suas famílias. Muitos tinham vindo para o vale em busca de uma vida melhor e depressa apobre cidade ficou muito povoada.

«Um dia, Warvold teve uma idéia. Umaidéia fantástica! Ia construir uma estrada ladeadapor muralhas, que se estenderia pelo territóriodesconhecido e, no fim dessa estrada, fundariauma nova cidade. Desde que a muralha se es-tendesse à frente das pessoas, os perigos mágicos

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que espreitavam por todo o lado seriam manti-dos à distância.

Depois, com uma expressão comicamentecarregada, o pai acrescentou:

— E quem iria construir a muralha? Comcerteza que os habitantes de Lunenburg tinhammedo de estar perto da muralha ou do outro la-do dela, o que seria necessário caso optassem

por construir semelhante estrada.«Não, o Warvold precisava de outraspessoas para executar a obra. Foi assim que sereuniu com os líderes de Ainsworth, a grandecidade onde tinha nascido.

«Em Ainsworth havia uma prisão sobre-

lotada, cheia de ladrões e gente da pior espécie.Nessa cidade, quem fosse condenado era presi-dido por dois juízes, marcado com um C deCriminoso, com um ferro em brasa, e enviadopara a prisão a fim de cumprir trabalhos força-dos.

Um falcão de cauda vermelha executouum vôo baixo por cima de nós e avistava-se ou-tro empoleirado no alto da velha muralha, domeu lado direito. Isto era comum, visto que osfalcões estavam sempre a rondar as muralhas e, àmedida que nos aproximávamos do portão dacidade, apareceram ainda mais aves. — Warvold fez um acordo com os líderesde Ainsworth — continuou o meu pai. — Eleestava construindo uma prisão em Lunenburg

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havia já algum tempo, e estava disposto a aceitartrezentos dos mais vis criminosos de Ainsworth.Só punha uma condição: passados dez anos, Warvold podia devolver os condenados, sem terque dar qualquer justificativa.

«Os líderes de Ainsworth acharam que erauma idéia maravilhosa. A prisão só tinha capaci-dade para quatrocentos homens e estava cheia.

Se dessem os prisioneiros a Warvold, teriamtempo de projetar uma prisão nova, maior. Alémdisso, os trabalhos forçados faziam parte da sen-tença de todos os prisioneiros.

«O acordo foi celebrado e, um ano depois,a prisão de Lunenburg estava pronta e os con-

denados foram entregues conforme prometido.Não sendo homem para correr riscos, Warvoldtratou de arquitetar um plano para garantir queos prisioneiros jamais conseguissem escapar semserem descobertos. O C marcado a ferro embrasa era uma marca fácil de ver, permitindo a

todos em Lunenburg identificar quem era cri-minoso e quem não era.«O resto se passou como já te contei umas

cem vezes, Alexa — disse o meu pai. — War- vold pôs os criminosos para trabalhar e, emmenos de três anos, construíram a muralha atéao que é hoje Bridewell. Nessa ocasião, maispessoas já tinham anuído ao vale.

«Depois de terminada a estrada amura-lhada, Lunenburg expandiu-se como a rolha de

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uma garrafa de vinho estragado. Parecia que aspessoas jorravam da cidade para se instalaremem Bridewell, e muitas delas ajudaram a constru-ir a muralha de três quilômetros e pouco quehoje envolve a cidade.

«Mal terminaram a muralha em volta deBridewell, os condenados, sob o comando de Warvold, iniciaram a construção de mais duas

estradas amuralhadas. Nos anos seguintes, asestradas amuralhadas para Turlock e Lathbury foram concluídas, completando assim o nossoreino.

«Warvold levou os prisioneiros a Ains- worth como tinha prometido. Há muitos anos

atrás, devolveu todos, exceto os poucos que ti-nham morrido de doença ou acidente. — Assimterminou o meu pai a história e nós chegamos àsportas de Bridewell.

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CAPÍTULO 3BRIDEWELL

ridewell era o centro de tudo, no nosso pe-queno universo. Tinha três portas, iguais à

que transpusemos nessa tarde, uma para cadaestrada amuralhada. Cada uma das portas erafeita de madeira sólida de carvalho e ferro, e eraiçada e aberta por correntes com elos grossos, demetal, do tamanho da cabeça de um cavalo. Decada lado das portas havia uma torre, de modo aque os guardas pudessem observar qualquerpessoa que entrasse ou saísse da cidade fortifi-cada.

B

— Icem o portão de Lathbury! — gritouo guarda do alto da vigia do nosso lado esquer-do. — Chegou o Sr. Daley.

A porta rangeu insidiosamente à nossafrente, parou e depois ganhou vida de novo, a-brindo-se ruidosamente, as correntes raspandocontra a parede de pedra.

No momento em que o sol tocou na terraà nossa frente, a cidade tornou-se visível. Abai-xei-me para espreitar por baixo do portão que seelevava, e depois levantei-me, acompanhando agigantesca e ruidosa porta, à medida que a cidadese tornava inteiramente visível.

Estava tal qual me lembrava: cheia de ca-sas e edifícios apertados uns contra os outros e

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atravessada por ruas estreitas. Não havia ne-nhuma casa com mais de dois andares, o quesignificava que nenhuma delas tinha vista para ooutro lado da muralha. Tanto as casas como asruas eram simples, bem-conservadas e tinhamsido construídas com um cuidado extraordinário. As casas tinham sido construídas de pedra emadeira: as paredes eram de pedra; as portas e os

parapeitos das janelas, de madeira-de-lei enve-lhecida, e as telhas eram também de madeira. Asruas e calçamentos eram feitos de pedrinhas ar-redondadas, que o uso tornara acastanhadas, masestavam muito limpos.

À distância, vislumbrei o único edifício de

três andares, que espreitava por cima do ladooeste da barreira entre a cidade e os Montes das Trevas. Era o edifício da antiga prisão, o lugaronde eu tinha dormido, tomado as minhas re-feições e procurado segredos escondidos nosseus inúmeros quartos e corredores.

Depois dos prisioneiros terem sido devol- vidos a Ainsworth, deixara de haver necessidadede uma prisão em Bridewell, portanto, o edifíciofora transformado, rebatizado com o nome deCasa Renny, e abrigava agora uma biblioteca,dois tribunais e várias salas de aula para os mes-tres e aprendizes de várias áreas das artes. Umaparte do enorme edifício estava reservada à reu-nião anual a que tínhamos vindo assistir. Haviaelegantes quartos de dormir, uma cozinha grande

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e uma sala de jantar, uma sala de reuniões ondeeram tratados os assuntos oficiais e uma sala defumo, com uma enorme lareira (embora os diasfossem quentes, as noites em Bridewell arrefe-ciam e era comum acender-se a lareira à noite,mesmo nos meses de Verão). No porão existiauma zona de detenção bolorenta que quasenunca era usada, a não ser para encarcerar os

prisioneiros em trânsito de uma cidade para ou-tra.Éramos uma sociedade simples e passiva e

normalmente nos mantínhamos um pouco iso-lados. No entanto, o Verão era uma época decomércio para os nossos artesãos. Além dos u-

suais médicos, ferreiros, lojistas, etc, cada umadas nossas cidades tinha lojas onde se faziam erestauravam livros. Em Ainsworth éramos co-nhecidos como os melhores e mais fidedignoscriadores de capas decorativas e lombadas ro-bustas; e dizia-se por todo o lado que éramos um

povo especializado no restauro dos mais precio-sos livros e manuscritos.Com o calor do Verão, Bridewell ficava

deserta. A maioria dos seus habitantes estava emLunenburg recolhendo livros danificados paraserem reparados, angariando novos projetos,entregando volumes terminados, ou tratando deoutros negócios da nossa sociedade. Os visitan-tes de fora entravam em Lunenburg por um pe-queno portão, fortemente guardado, para aí re-

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colherem trabalhos acabados. Muitas vezes tra-ziam com eles mais livros para serem restauradose manuscritos para serem compostos em diver-sos tipos de letra e transformados em livros.Com tantos dos nossos habitantes viajando etrabalhando noutro lugar, o Verão em Bridewellera calmo: pouca gente, uma brisa ocasional, umlocal limpo, arrumado, ideal para se explorar.

Aproximamo-nos do edifício maciço equadrado que era a Casa Renny e paramos comum solavanco. Desci imediatamente para a es-trada dura, de pedra, contente por terem termi-nado as sacudidas e solavancos da viagem. Umcriado apareceu e levou as malas do meu pai. Eu

fiquei com a minha e subimos os poucos degrausque conduziam à entrada. Trepei pelos degrausaos pulinhos, contando — um, dois, três —, edepois entrei no edifício de pedra.

A Casa Renny estava dividida em váriossetores. A entrada era um espaço grande e aber-

to, com um corredor que conduzia às salas deaula do térreo, às salas de tribunal e aos aposen-tos dos aprendizes. As cortinas vermelhas, de veludo, estavam abertas e um raio poeirento desol banhava a escadaria que subia até o primeiroandar. Outra escadaria, escondida na penumbra,conduzia às celas que ficavam no porão. — Valha-me Deus, está calor mesmo ho-je. Calculo que o calor tenha tendência a aumen-tar à medida que subimos. Vamos a isto! — disse

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o meu pai, subindo à minha frente, galgando osdegraus dois a dois. Eu corri atrás dele, usando ocorrimão para me impulsionar. Consegui agar-rar-lhe a fralda da camisa no momento em queatingimos o topo da escada.

Meu pai gostava de entradas espetaculares,e irrompeu na sala de fumo de braços abertos,pedindo um abraço a quem quisesse dá-lo a um

viajante cansado. — Olhem, é a minha senhorita preferida! — disse uma voz, ignorando completamente omeu pai e arrebatando-me do chão. Era Ganesh,prefeito de Turlock, um homem divertido echeio de vida, com um sentido de humor algo

seco e um amor de avô por quase todo mundo.Se Warvold era o cérebro de Bridewell, entãoGanesh era o seu coração.

— Isto aqui tem estado tão seco que asárvores até subornam os cães — disse ele, a suabarba preta e farta fazendo-me cócegas no om-

bro descoberto. A sala de fumo era, de longe, a mais con-fortável da Casa Renny. Tinha muitas janelasgrandes, decoradas com cortinas de veludo roxo,que enchiam a divisão de luz, e os seus belosmóveis pousavam em cima de finos tapetes or-namentais. Uma das paredes era ocupada poruma imponente lareira de rocha, rodeada porsofás e cadeiras confortáveis. Noutra parede,havia uma porta dupla que conduzia à sala oficial

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de reuniões.Olhando por cima do ombro de Ganesh,

vi Warvold, o seu corpo velho e cansado curva-do, sentado numa suntuosa cadeira vermelha.Ele sorriu, piscou-me o olho e depois estendeuum braço na minha direção. Ganesh voltou apôr-me no chão de madeira, fitou o meu pai dealto a baixo e disse:

— James Daley! Continua o mesmo doidode sempre!Ganesh e o meu pai conversavam en-

quanto eu me dirigia a Warvold e pegava na suamão ossuda. Ele puxou-me para junto do seurosto marcado pelo tempo, embora os olhos

verdes ainda brilhassem como os de um jovem, esussurrou-me ao ouvido: — Logo, depois que tudo acalmar, vá se

encontrar comigo na sala de jantar para darmosuma volta pelas ruas de Bridewell.

Terminados os cumprimentos e havendo

trabalho a fazer, era chegada a hora de eu sair einstalar-me no meu quarto. Enquanto subia asescadas de carvalho, que rangiam à minha pas-sagem, segurando a minha única mala, olhei paratrás, para a maciça sala de fumo, e observei assuas paredes de pedra, as partículas de pó a dan-çar no ar e o eco de homens importantes a secumprimentar. Sentia-me muito jovem para meinteressar pela arte de gerir as nossas cidades etive uma sensação estranha quando o meu pai

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olhou na minha direção. O seu olhar dizia-meque não via com bons olhos a minha participa-ção naquelas conversas porque não era seguro eusaber o que nelas se dizia. Se me pusesse à escutaem lugares escuros, certamente teria problemas.

Desde que me lembrava, ficávamos sem-pre nos mesmos quartos e nunca ninguém nosacompanhava ou ficava hospedado lá durante a

nossa estada. Warvold só tinha um filho, quegeria os assuntos de Lunenburg na sua ausência. A minha mãe fazia o mesmo em Lathbury e erapor isso que só eu e o meu pai fazíamos a via-gem anual até Bridewell. A mulher de Warvoldtinha falecido dois anos após a construção da

muralha e ele não tinha casado novamente (ela sechamava Renny, daí o nome da casa). Ganeshcontinuava inquieto e gostava da liberdade que a vida solitária lhe oferecia, e assim, chegava sem-pre sozinho, parecendo perfeitamente satisfeitocom a situação.

No corredor do segundo andar o ar erabolorento e seco, um cheiro que eu associava aaventura e liberdade.

A alguns passos da escadaria ficavam asportas do meu lugar preferido da Casa Renny: abiblioteca. A cidade de Bridewell tinha muitoslivros maravilhosos e a maioria deles era guarda-da na Casa Renny, vigiados pelo meu melhoramigo naquela cidade, um velhote esquisitochamado Grayson. Aquela hora a biblioteca es-

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tava fechada, portanto virei na outra direção edirigi-me ao meu quarto, que ficava quase no fimda ponta oposta do corredor. Conseguia ouvir vozes abafadas vindas do andar de baixo, fazen-do com que as palavras chegassem deturpadas aoalto das escadas.

O meu quarto tinha vista para um mar dehera verde que subia pela muralha, passando pa-

ra o lado de fora. Olhei para o topo da muralha,onde a rocha se fundia com uma amálgama decores distantes. Ficaria em Bridewell mais trintadias, praticamente sem supervisão. Enquanto omeu pai estivesse ocupado gerindo o reino, euestaria entretida fazendo explorações e talvez

neste Verão conseguisse encontrar aquilo queprocurava todos os verões: uma passagem para oexterior da muralha.

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CAPÍTULO 4PERVIS KOTCHER

o meu quarto e, tanto quanto sabia,só a partir dele,conseguia ver-se um pouco do

mundo fora de Bridewell. Se me empoleirasse noparapeito da janela, que ficava a cerca de ummetro do chão, podia espreitar pela parte de ci-ma da muralha. Deste ponto de observaçãoconseguia ver à distância, por cima dela. Malcheguei ao meu quarto, subi para o parapeito eolhei em todas as direções.

D

Depois desci, dirigi-me à minha mala, sol-tei a fivela que a prendia e abri a tampa de couro.O meu pai tinha se zangado comigo por não terlevado mais roupa quente, mas a verdade é queeu precisava de espaço na mala para outras coi-sas.

Tendo arrumado a roupa toda, desfiz olaço que existia no meio do que parecia ser ofundo da mala. Tinha aí cosido duas abas decouro que se encontravam no meio da mala eestavam bem amarradas uma à outra. Isto criavaa ilusão de um fundo e cobria o terço inferior damala. Abri as abas, revelando uma curiosa cole-ção de objetos: guloseimas trazidas de casa, umabolsa com moedas, um livro, um estojo compequenas ferramentas de metal comprado de umcomerciante ambulante em Lathbury; uma bús-

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portamento desconfiado pesava muito contraele. Parecia pressentir o meu interesse pelomundo exterior e em todas as minhas visitas ti-nha sido implacável, andando atrás de mim co-mo uma sombra. Mau, cruel e sempre a obser- var-me... Do meu ponto de vista, é esta a descri-ção de Pervis Kotcher.

Os meus olhos captaram um ligeiro mo-

vimento e os pensamentos desviaram-se de Per- vis.Do outro lado na muralha nordeste, o

leito do vale transformava-se rapidamente numasérie de montanhas suaves que iam aumentandode altitude até desaparecerem no nevoeiro. O

mato era denso e emaranhado, em tons de verde,castanho e vermelho. Quanto mais longínquas asmontanhas, mais o mato que as cobria criavauma tapeçaria de cor, que ia escurecendo com adistância, ficando com um aspecto sombrio epouco convidativo.

Vi novamente o tal movimento, a unsnoventa metros da muralha, envolto numamancha de vermelho. Seria um animal de grandeporte errando pelos Montes das Trevas ou umacriatura maléfica se mexendo na densa vegeta-ção? Levei o telescópio ao olho, semicerrando-opara espreitar pela lente, e varri a zona de umlado para o outro. O mato apenas se moviaquando atingido por uma rajada de vento. Talvezfosse só isso que eu tinha visto: um arbusto a-

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banado pela brisa.Continuei a inspecionar a área até ficar

com o pescoço ardendo e as costas doendo, aponto de precisar descansar. Desmontei o meutelescópio, virei-me para saltar do parapeito e aliestava ele, de pé, na minha frente.

— Bem, bem, bem. Alexa Daley.Emiti um som semelhante a um ganido,

perdi o equilíbrio e caí do parapeito. Era PervisKotcher. — Que hei de fazer contigo, Alexa? —

perguntou ele com um esgar condescendentenos lábios finos. Esfreguei o joelho com umamão e, com a outra, meti o telescópio no bolso.

Rezando para que ele não tivesse me vistoa usá-lo, levantei-me e encarei-o, sentindo-memenor que o meu metro e trinta e sete.

Pervis era apenas uns trinta centímetrosmais alto que eu. Usava o cabelo negro pelosombros e tinha olhos escuros e encovados. Uma

pessoa pode perder-se na profundidade de al-guns olhos escuros, principalmente os que per-tencem a um homem bem-apessoado ou a umamulher bonita, mas os de Pervis faziam-me lem-brar olhos de rato ou de outras criaturas da noitee, quando os encontrava olhando fixamente paramim, desviava sempre o olhar.Pervis levou um dedo aos lábios finos epôs-se a tamborilar enquanto o seu olhar se fi-xava em mim. Na minha ausência, tinha acres-

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centado um bigode ridículo à sua figura. — Estou vendo que voltou tão descuida-

da como sempre — disse, passeando pelo quartoaté chegar junto da minha mala aberta. — Temsido um belo Verão em Bridewell até agora;quem usa farda quase não tem nada para fazer. Vive-se um dia de preguiça após outro. Porém,agora que voltou, vou ter muito com que me

entreter, não vou? — inquiriu ele enquanto ron-dava a minha mala, pronto a revistar o seu con-teúdo.

— Acho que esse bigode o faz parecermais baixo — disse eu, consciente do risco quecorria por estar num cômodo sozinha com ele.

Pervis recolheu bruscamente a mão da minhamala e apontou-a para mim. — Vamos deixar uma coisa bem clara. Se

voltar a vê-la em cima do parapeito da janela ou-tra vez, terei uma conversa com o seu pai — disse ele, olhando-me ferozmente e levando a

mão ao bastão negro que trazia à cintura. — Es-tou de olho em você, Alexa Daley. Aproxime-sesequer da muralha e sentirá o meu bastão nosjoelhos... Estamos entendidos?

Concordei com a cabeça. — Ah, e mais uma coisa... Eu fico com

esse telescópio que tem no bolso — acrescentouo Pervis. — Para o caso de ter alguma idéia ma-luca.

— Não sei do que está falando.

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Pervis levantou a voz. — Dê-me o telescópio já, ou levo-a lá

embaixo e obrigo-a a entregar-me na frente doseu pai, de Ganesh e de Warvold.

Se o meu pai descobrisse que eu tinhaandado a espiar para o outro lado da muralha,ainda mais com um telescópio que tinha roubadode minha mãe, restringiria consideravelmente a

minha liberdade durante o resto da estadia. As-sim, tirei-o do bolso, olhei para ele uma última vez e atirei-o para Pervis.

— Você não é ninguém, Alexa. É um verme. E, aqui entre nós, o seu pai também. — Com estas palavras, voltou para junto da minha

mala exibindo um esgar mal-humorado nos lá-bios. Estava prestes a meter a mão lá dentro,quando ouvimos passos se aproximando do meuquarto. Pervis apressou-se a esconder o telescó-pio no casaco e passou as mãos pelo cabelo ole-oso.

Warvold entrou pela porta do quarto, o-lhando curiosamente para Pervis. — Kotcher, que faz aqui? — perguntou,

bloqueando a saída para o corredor. — Estava apenas a pôr a conversa em dia

com a Alexa. Há muito tempo que não nos vía-mos, sabe? — respondeu ele. Warvold olhou-o acusadoramente e de-pois desviou-se da frente da porta.

— Volte para o seu trabalho de proteger a

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cidade das hordas malévolas e essa coisa toda. Alexa e eu temos um encontro ao qual já nos fezatrasar.

Pervis lançou-me um olhar de advertênciae vi que estava pensando em falar a Warvold so-bre o telescópio, mas não o fez.

— Muito bem. Assim farei — disse, es-boçando uma mesura e deslizando pela porta

como uma serpente. Warvold acompanhou-me para fora doquarto, descemos as escadas e mergulhamos naescuridão da noite. O passeio terminou com asua morte, tal como já expliquei, e deixou-mesozinha, longe da casa, muito assustada para me

mexer.Depois da morte de Warvold, encolhi-mecontra a muralha, à procura da réstia de calorque permanecia armazenado nas gigantescas pe-dras.

O meu olhar fixou-se no medalhão pen-

durado no seu pescoço sem vida e depois nopunho cerrado que segurava a chave do meda-lhão, o que me pôs a pensar em coisas que nãodevia pensar numa hora daquelas. Se havia al-guém que soubesse como passar para o exteriorda muralha, essa pessoa teria sido Warvold. Nãofazia idéia que outras coisas a chave abriria, massuspeitava que, se a tivesse em meu poder, ficariamais perto de poder me sentar de costas contra aparede, mas do outro lado da muralha.

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O desejo de possuir a chave do portãodeu-me um pouco de coragem, o suficiente paratocar no punho frio e ossudo de um morto, emplena escuridão.

Sem o sobretudo vestido, o punho do ve-lho Warvold era magro e nu, frio e úmido, co-berto de partículas de poeira. Segurando-lhe opunho com a mão, levantei-lhe o braço pesado e

sem vida. Naquele momento, saí do estado dechoque em que me encontrava, e, pela primeira vez, percebi que o meu velho amigo Warvoldtinha realmente partido. Nunca mais poderiaconversar com ele, segurar a sua mão na minhaou escutar uma das suas assustadoras histórias.

Esperava sentir medo ao tocar na sua pele sem vida; em vez disso, senti-me triste e só. Fiqueisentada no escuro, segurando a mão reconfor-tante de Warvold, e chorei amargamente.

Levei bastante tempo a recompor-me,mas finalmente comecei a levantar a mão de

Warvold de maneira a conseguir abri-la e tirar achave. A meio caminho deixei-lhe cair o braço,que fez um som seco ao bater no solo. Cuidado-samente, virei-lhe o braço e o pousei no colo,abrindo-lhe depois os dedos até a chave douradaficar à vista. Peguei nela e abri o medalhão, vol-tando depois a colocá-la na mão, fechando osseus dedos sem vida sobre ela. Dentro do me-dalhão encontrei mais duas chaves.

Segurando o medalhão numa mão, retirei

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dele as chaves. Uma era grande, de ouro, e a ou-tra era pequena e de prata. Depois de pensar noassunto, voltei a colocar lá dentro a chave maior,a que tinha aberto o portão, pensando que eramelhor deixar ficar alguma coisa dentro do me-dalhão para evitar suspeitas quando o meu paiou Ganesh o inspecionassem.

Pus-me de pé, surpreendentemente dolo-

rida por ter estado tanto tempo sentada no frio.Depois de olhar uma última vez para Warvold,comecei a caminhar na direção da Casa Renny.Num único passeio tinha perdido tanto... mastinha encontrado algo também.

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CAPÍTULO 5A BIBLIOTECA

uando cheguei à Casa Renny com a notíciada morte de Warvold, encontrei Ganesh na

sala de fumo, fumando o seu cachimbo junto dalareira. Ele me abraçou fortemente, aquecen-do-me o corpo e a alma abatida, e ficamos sen-tados durante alguns minutos quase em silêncio.Quando o meu pai chegou foi mais prático emrelação ao assunto.

Q

— Onde está o cadáver? Você está bem, Alexa? Temos que pensar no que deve ser feito aseguir. — Mas até meu pai, com a sua aborda-gem pragmática das coisas, acabou por se deixarcair a meu lado no sofá, com a cabeça entre asmãos.

A responsabilidade de tratar das coisas, deserem os homens de Estado mais velhos e detomarem conta de todos nós, era agora de Ga-nesh e do meu pai. Nessa noite, sentados à luztremeluzente da lareira, o sentido de responsabi-lidade que ambos enfrentavam caiu-lhes em ci-ma, selando para sempre um passado mais sim-ples.

As pessoas começaram a regressar a Bri-dewell no dia seguinte. Em poucas horas, chega-ram centenas de pessoas e, depois da notícia teralcançado todas as cidades, começávamos a as-

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sistir a um fluxo constante de cidadãos oriundosde todas as direções. Na manhã do funeral, trêsdias após a morte de Warvold, Bridewell estava arebentar pelas costuras. A cidade tinha apenasalguns quilômetros quadrados e os guardas ha- viam deixado entrar tantas pessoas quantas elapodia conter. As restantes formavam fila nas es-tradas, vindas de Lathbury, Turlock e Lunen-

burg. O meu pai estivera numa das torres de vi-gia, por cima da porta de Lunenburg, e con-tou-me que a fila de carroças e cavalos se esten-dia por muitos quilômetros.

Foi então que se decidiu que a única ma-neira de poder conter a enorme multidão seria a

realização de uma procissão. Ao longo do dia dofuneral, os guardas abriam uma das portas, dei-xando entrar uma dúzia de carroças de um lado,enquanto outras tantas saíam pelo outro lado.Depois fechavam a porta e, uns minutos maistarde, abriam outra. Esta procissão circular con-

tinuou até a noite cair sobre Bridewell.No funeral, tanto o meu pai como Gane-sh falaram sobre Warvold e os seus grandes fei-tos. Ao ouvi-los, fiquei novamente espantadacom tudo o que ele tinha sido: aventureiro, gênioda arquitetura, líder dedicado.

Pervis andava tão empertigado comosempre, metendo o nariz em tudo, acusando tu-do e todos de infringir a lei e fazendo perguntasmordazes. A multidão constituía também um

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problema e a pobre Bridewell foi bastante mal-tratada nos dias que se seguiram à morte de Warvold.

Depois, misericordiosamente, as coisasacalmaram. As emoções esfriaram e as pessoascomeçaram a ir embora. A cidade não tardaria aficar novamente deserta.

O meu pai e Ganesh puseram mãos à o-

bra, fazendo planos, e convidaram Nicholas, fi-lho de Warvold, a juntar-se a eles. Nicholas tinhaa mesma energia e ambição que eram caracterís-tica de Warvold, mas pertencia a uma geraçãodepois: era jovial e sempre pronto a escutar eaprender. Era fácil ver que os três iriam trabalhar

bem juntos, e eu percebi que iria ver pouco omeu pai durante as semanas seguintes, enquantoeles se reuniam para discutir assuntos importan-tes.

Era tempo de voltar ao assunto em cursoque, no meu caso, significava encontrar uma

passagem para o exterior da muralha. Agora,mais que nunca, ansiava sentir a liberdade dafloresta e das montanhas e tinha uma chave novaque, assim esperava, me ajudaria a consegui-lo.

Às três horas, no dia seguinte ao funeral,com Bridewell reduzida ao suave zumbido dos visitantes e residentes que nela permaneciam,escapuli até a biblioteca para visitar Grayson efugir ao que restava da multidão. Com a confu-são toda que tinha havido desde a minha chega-

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da, ainda não soubera o que era o prazer de ca-minhar entre as filas ziguezagueantes de livrosou ouvir o ranger íntimo das tábuas do assoalhoenquanto procurava calmamente novo materialde leitura. Ao abrir a porta da biblioteca inalei omaravilhoso e familiar cheiro de livros antigos esenti a calma pacífica que o local sempre ema-nava.

A biblioteca erguia-se como um labirintode estantes altas, cheias até o teto de velhos vo-lumes. Warvold havia sido um viajante erudito ea biblioteca era constituída pelos livros que eletinha recolhido nas suas inúmeras viagens. Maistarde, quando as viagens de Warvold se tornaram

menos freqüentes, ele insistira para que os digni-tários de todas as cidades da Terra de Elyon quesolicitassem uma reunião trouxessem um livro deque gostassem. Quanto mais fascinante e bemfeito o livro, melhor a recepção que tinham. As-sim, a biblioteca ficou conhecida como a maior e

mais invejada de toda Elyon. As paredes dos corredores estavam co-bertas por milhares de livros, que versavam todoo tipo de assuntos. O labirinto de estantes esten-dia-se em várias direções, algumas terminandoem paredes de pedra, outras junto de bancos demadeira, e outras ainda formando círculos, ouencontrando-se com outras filas. No entanto,uma dessas filas de estantes conduzia ao que euconsiderava ser o cantinho de leitura mais dese-

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jável do mundo. Contornando uma esquina edepois outra, no final de uma fila comprida deestantes, havia um recanto. Este recanto tinhauma janela pequena que dava para a muralha dosMontes das Trevas, coberta de hera. Encostadaao canto existia uma confortável, velha e puídacadeira com uma caixa de madeira servindo deapoio para os pés. Tranqüilo, privativo e confor-

tável... um autêntico paraíso.Muitas vezes passava dias inteiros sentadanaquela cadeira a ler, ora cochilando, ora folhe-ando volume após volume. Muitos deles até serevelavam bastante aborrecidos — textos legais etratados —, mas outros eram histórias de cidades

e regiões da nossa terra. Os livros melhores con-tinham histórias e lendas inventadas e algunsfalavam de animais exóticos encontrados emselvas e pântanos. Procurava constantementeinformações sobre o que poderia estar do outrolado da muralha, na floresta, nas montanhas e

nos Montes das Trevas, mas, por mais que pro-curasse, não encontrava quase nada. As poucas e superficiais referências à na-

tureza misteriosa da magia que espreitava portodo o lado, em lugares longínquos, pareci-am-me as lendas que tinha ouvido contar sobre anossa área selvagem. Contudo, nunca havia mui-ta informação e nunca aparecia nada sobre coisaspróximas de nós ou sobre o tipo de criaturas quese moviam furtivamente no exterior das mura-

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cumprimentar de braços abertos. A sua enormebarriga fez-me arquear as costas quando nos a-braçamos e chorei um pouco, ainda muito sen-sível devido a todos os acontecimentos recentes.Finalmente, consegui recompor-me e olhei paraos seus olhos castanhos e profundos.

— Cada vez se isola mais — disse eu, u-sando a minha manga para limpar o rosto. —

Como pôde faltar ao maior funeral que esta ci-dade já viu?Grayson arrastou os pés nervosamente,

para trás e para frente. — Eu sei, eu sei, devia ter assistido. Mas

odeio multidões, odeio. Fiquei aqui sentado e

tirei os livros preferidos de Warvold, poli-os,endireitei os cantos dobrados e reparei algumasarestas amarrotadas. — Grayson voltou para ooutro lado da sua escrivaninha, passando os de-dos pelo bigode grisalho e farfalhudo. Depois dese sentar, pegou num pequeno livro esfarrapado.

— Vês este aqui? Era o preferido de Warvold, aquele que ele adorava. — Esten-deu-me o livro e eu o peguei.

Era um livro preto, de tamanho médio,encadernado com ouro e muito estragado. A ca-pa dizia Mitos e Lendas da Terra de Elyon.

— Warvold adorava essas coisas. Adoravahistórias inventadas e fábulas de todos os cantosda terra — continuou Grayson. — Costumavaentrar aqui depois de um dia de reuniões com o

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seu pai e Ganesh e sentava-se durante algumtempo a ler esse livro. Sentava-se aí mesmo, naminha frente. Eu restaurava os livros e ele lia.Era tão bom, tão calmo. Depois, voltava a colo-car o livro na prateleira e saía, para ir se deitar oufumar o cachimbo junto à lareira.

Folheei as páginas gastas: letra pequena,algumas notas nas margens, aqui e ali.

— Encontra-se um pouco maltratado — observei eu. — Está negligenciando os seus de- veres?

Grayson sorriu. — Não, minha senhora. O velhote nunca

me deixou restaurar esse. Parecia gostar dele as-

sim. Acho que, ao deixá-lo tal como está, estou ahonrar Warvold. Acredite quando digo que ado-raria torná-lo perfeito novamente, dar-lhe umanova capa, compor as páginas e limpá-lo todo.Mas tenho a sensação de que, onde quer que eleesteja, prefere que eu deixe o livro esfarelado e

rasgado. — Empresta-me para ler esta tarde? — perguntei passando os dedos sobre a capa.

— Claro que sim, mas leve estes também. — Virando-se para a escrivaninha, pegou numapilha de livros. — São livros sobre os temas queandava pesquisando no ano passado: ursos, flo-restas, a história das regiões circundantes, essetipo de coisa. Na verdade, não há muita coisa,mas já os tenho guardados aqui há muito tempo,

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portanto, arrume-os no lugar ou ponha-se alê-los.

Era tão bom estar na companhia de um velho amigo, alguém que sabia que eu necessita- va apenas sentar na minha cadeira preferida eadormecer a ler. Saber que Grayson estava nabiblioteca comigo, dava uma paz especial aossentimentos que eu tinha por aquele lugar. Não

falávamos muito, mas compreendíamos a lin-guagem dos nossos movimentos e a necessidadede companheirismo silencioso. Com uma pisca-dela de olho, peguei nos meus livros e caminheipor entre uma fileira ziguezagueante de volumes.

Ao contornar a esquina para a minha ca-

deira, deparei-me com uma cena peculiar:Sam ePepper estavam sentados no parapeito da pequenajanela e, bem ao lado deles, encontrava-se umfalcão. Quando apareci, o falcão agitou as asasfuriosamente, batendo com elas contra a mura-lha de pedra antes de fugir pelo ar. Recuei com

um pulo, atirando os livros em todas as direções,e guinchei. Os pontos que uniam o livro prefe-rido de Warvold rebentaram e as folhas espalha-ram-se no chão à minha volta. Empilhei os ou-tros livros no assoalho ao lado da minha cadeira,enquanto ralhava com os gatos, que já estavamambos em cima da cadeira, deitados de lado, àespera que lhes fizesse festas.

Passei os dez minutos seguintes a apanharfolhas e a pô-las por ordem, tentando compor o

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livro. Quando terminei, ele estava mais ou me-nos arranjado mas precisaria de alguns reparospara se manter inteiro. O livro preferido de Warvold estava na minha posse há apenas unsminutos e já tinha conseguido destruí-lo.

Exasperada, empurrei os gatos para o ladoe deixei-me cair na cadeira. Eles subiram para omeu colo e, pouco depois, adormeci profunda-

mente.

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CAPÍTULO 6MAIS PROBLEMAS POR CAUSA

DO MEU TELESCÓPIO

cordei lentamente no calor do fim de tarde,transpirada e pegajosa depois do que devia

ter sido uma soneca de uma hora. Tateei à minha volta à procura dos gatos mas eles tinham desa-parecido, o que era estranho porque, quando eudormia na biblioteca, eles ficavam sempre co-migo. Depois de ter esfregado os olhos até melivrar do sono, abri-os e percebi por que motivoeles tinham se afastado.

— Estava vendo quando é que iria acor-dar. — Era Pervis Kotcher. Estava tão próximoque conseguia sentir o bafo da sua respiração,que tresandava a café forte recentemente ingeri-

do. Pervis dirigiu-se à janela, levou o lindo teles-cópio da minha mãe ao olho e, gozando, obser- vou a muralha através dele.

— O que quer? — perguntei. Mesmomeio dormindo, era espantoso como não deixarade estar irritada.

— Estava fazendo as minhas rondas e

pensei que talvez conseguisse ver alguma coisacom o meu telescópio novo — respondeu ele. — O problema é que não é lá muito bom. Achoque vou jogá-lo fora. — Dobrando o telescópio,enfiou-o no bolso da farda e depois virou-se pa-

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ra mim, semicerrando os olhos e ficando comuma cara ainda mais repugnante. — Eu a vi, e a Warvold, quando saíram e foram para junto damuralha. Perdi-os de vista, lá da minha torre,mas reparei que vocês estiveram ali muito tem-po. Depois, vi quando se esgueirou calmamentepelo portão, e voltou para a Casa Renny como senão fosse nada.

Pervis tinha apoiado uma mão em cadabraço da minha cadeira, aprisionando-me contraela, e chegara a cara muito perto da minha. Sen-tia-me inquieta, tinha medo e rezava ardente-mente para que fosse embora.

— Então, Alexa — disse ele, ao mesmo

tempo que um sopro do seu bafo fedorento meatingia em cheio no rosto —, que devo pensar?Desapareceu com Warvold durante mais de umahora num local aonde não devia ir, depois salti-tou descontraidamente de volta à Casa, e logo aseguir vamos encontrá-lo morto.

Pervis acrescentou então algo de estranho. — Alguém te contatou do outro lado damuralha?

— Quem é que está do lado de lá? — Não minta, Alexa! — berrou ele, visi-

velmente perturbado. — Que confusão é essa aí atrás? — EraGrayson que subia o corredor, as tábuas do as-

soalho rangendo à medida que ele se aproxima- va.

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— Nada. Não é nada — disse Pervis. — Volte lá para os seus livros.

Grayson ficou onde estava, mas eu sabiaque a coragem não era uma das suas característi-cas mais fortes.

— Mandei-o regressar aos seus livros — disse Pervis, com uma mão no bastão de guarda.Grayson recuou, arrastando os pés, virou-se e

afastou-se. Pervis olhou para mim com um risi-nho triunfante. Deixou aquele desconfortávelmomento de silêncio, enquanto o som dos pas-sos de Grayson se afastava cada vez mais, sus-penso no ar. Depois voltou para junto da janela,debruçou-se para frente, no parapeito, com as

mãos atrás das costas, olhando longamente parao verde e cinza da muralha. — Sabe, Alexa, ago-ra que Warvold se foi, posso fazer o que me a-petecer. O seu pai e Ganesh não têm controlesobre mim. Ninguém tem — disse.

— Como pode falar assim? — perguntei,

quase sem palavras. — Abro a boca e as palavras saem... Nãohá nada mais fácil.

A desfaçatez da sua resposta enervou-me. — Quem manda agora são o meu pai e

Ganesh,não você... — Não presto contas aninguém,muitomenos ao inútil do seu pai! — disparou Pervis,

impulsivamente e em voz alta. Naquele momen-to, Grayson dobrou a esquina, seguido de Ga-

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nesh.Pervis ficou com o rosto vermelho como

um pimentão, gaguejou e recuou de encontro àjanela.

Ganesh trazia um dos gatos nos braços eia fazendo festas na sua cabeça.

— Adoro estes gatos, e você, Kotcher?São tão calmos e meigos. — A palavra confronto

não fazia parte do vocabulário de Grayson e elejá ia a meio caminho de volta para o seu escritó-rio quando Ganesh pousou o gato. — Agora vá. Vá apanhar uns ratos.

Ganesh olhou de frente para Pervis, mui-to acima da sua figura baixa e magra. Pervis ten-

tou falar, mas Ganesh ergueu a mão e fez-lhesinal para parar. — Quero ter certeza de ter entendido os

fatos como deve ser. Não quero minimizar a suaimportância, agora que compreendo a magnitudedo seu poder.

Pervis ficou ainda mais vermelho, os seuslábios ficaram ainda mais finos e uma expressãocarrancuda passou-lhe rapidamente pelo rosto.

— Pensei ter ouvido: «Presto contas aGanesh e a Nicholas, mas presto principalmentecontas ao Sr. Daley.» Estou certo, ou esqueci-mede alguma coisa? — perguntou Ganesh. Nãoconsegui evitar esboçar um sorriso e Pervis lan-çou-me um olhar furibundo. — Ou foi isso — continuou o Ganesh —, ou então foi aquela ou-

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tra coisa que julgo ter ouvido e que lhe podecustar um rebaixamento para soldado encarre-gado de limpar as cavalariças e descascar batatas.De qual das versões se lembra?

Pervis estava prestes a ceder, pronto a re-conhecer a sua derrota. Era impetuoso, mastambém era esperto. Olhou para mim, depoispara Ganesh, e meteu a mão no bolso, retirando

de lá o telescópio. A seguir sorriu. — Peço desculpas — disse. — A Alexadeu-me alguns problemas no passado e andatramando alguma agora, tenho certeza disso. E-xaltei-me um pouco. É claro que vocês três éque mandam. Não voltará a acontecer.

Indicando o telescópio com um gesto,continuou: — De qualquer maneira, este brinquedo

pertence à Alexa. Encontrei-o na sala de fumo. — Dito isto, apontou-me o dedo, falando-mecomo um pai fala a uma filha pequena. — Devia

ter mais cuidado com as tuas coisas, Alexa. Apróxima vez que encontrá-lo, jogo-o fora. — Ecom isto estendeu-me o telescópio. Fiquei tãoexcitada por tê-lo outra vez que estendi a mãopara arrancá-lo das mãos dele. Pervis puxou-opara si, virou-o para o lado e atirou-o contra aparede com toda força, partindo o vidro que e-xistia no cilindro.

— Não! — gritei. — Ganesh, bem sabe que em Bridewell é

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estritamente proibido possuir um telescópio, anão ser, é claro, que se pertença à guarda, comoé o meu caso. Tenho muita pena, mas a pobre Alexa vai ter que ficar sem ele. Lamento. Regrassão regras e devem ser cumpridas. — Pervis o-lhou novamente para mim. — Aqui o tem, que-rida. Agora já pode ficar com ele.

Peguei no telescópio partido. Ganesh es-

tava com ar de quem se preparava para atirarPervis pela janela, mas que podia ele fazer? Paracomeçar, eu não devia ter trazido o telescópiopara Bridewell.

Ganesh mandou Pervis sair e este obede-ceu prontamente, não sem antes me lançar o seu

olhar «avisei-para-não-se-meter-comigo». Maistarde descobri que ao sair ele tinha parado parafalar com Grayson e lhe tinha dito que os dela-tores ficavam com a cama cheia de vermes ànoite — exatamente o tipo de ameaça velada quegostava de fazer.

Meti o telescópio partido no bolso e tenteinormalizar a respiração. Estava sendo uma se-mana realmente péssima.

Ganesh estendeu-me a mão e eu a segurei.Era quente, grande e segura. Ele me puxou dacadeira e envolveu-me num abraço, falando aseguir com a sua maravilhosa voz profunda. — Vou fazer com que Kotcher te deixeem paz para que possa explorar Bridewell maislivremente. Sei como gosta de andar por aí bis-

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bilhotando e até sou a favor disso, desde queninguém se magoe. — Soltei-me do seu abraço edeixei-me cair na cadeira, sentindo-me muitomelhor. Sorrimos um para o outro.

— O problema que temos com Kotcher éque ele já está aqui há muito tempo — disseGanesh. — E é ótimo a proteger Bridewell. Osseus guardas estão sempre em excelente forma,

trabalha incansavelmente e os seus relatórios sãoexcelentes. É apenas um pouco paranóico noque toca ao mundo exterior e você parece fa-zê-lo mostrar o seu lado pior, o que é realmentemau. — Ganesh fez uma pausa e olhou-me comos seus penetrantes olhos azuis. — Para ser

franco, Alexa, não sei se me sentiria muito segu-ro se ele não estivesse aqui. Às vezes é precisoaceitar-se o bom e o mau para se conseguir a-quilo de que se necessita. Isto é algo que o seupai e eu ainda estamos tentando equilibrar.

Mal sabia eu que, em breve, teria de fazer

o mesmo.

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CAPÍTULO 7JOCASTAS

entia-me cheia de energia depois da minhasesta da tarde. Juntei-me ao meu pai, a Ga-

nesh e a Nicholas para a refeição da noite, nasala de jantar que ficava ao lado da sala de fumo.Era bom passar algum tempo com eles, princi-palmente com o meu pai, que estava com um aresgotado.

S

— Eu pediria para me passar o pão, masestá com um ar tão estafado que talvez não te-nha força para fazê-lo chegar aqui — provoquei.

— Devia se inscrever no curso de atoresque está decorrendo no andar de baixo. Ouvidizer que andam à procura de um bom professor — respondeu o meu pai. Estava mesmo com arcansado e até o contra-ataque dele soou umpouco fraco, ao tentar trazer um pouco de viva-cidade à conversa.

— Não faz mal, Daley, continue tentando. A determinação é uma das tuas melhores quali-dades — disse Ganesh.

— Essa vem logo depois do meu charmee beleza — acrescentou o meu pai.

Conversamos e comemos durante mais deuma hora, apreciando a amenidade do nossojantar. Era o convívio mais descontraído do dia,e todos nós o aguardávamos sempre ansiosa-

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mente.Nicholas mostrava-se encantador e convi-

via perfeitamente conosco, partilhando históriasengraçadas sobre Warvold, com as quais todosnós ríamos. Nicholas também sabia quando erahora de se calar para dar a vez a outra pessoa. Warvold tinha sido pai tarde e Nicholas era umjovem de apenas vinte e cinco anos. Um rapaz

bem-apessoado, alto e de cabelo curto e escuro,sem barba nem bigode. — Já lhes contei que promovi o nosso

novo amigo Silas Hardy? — perguntou o meupai.

— Quem? — respondi eu.

— Aquele homem simpático com quemfizemos a corrida na estrada para Bridewell.Nomeei-o nosso mensageiro particular, o quequer dizer que transporta cartas minhas sempreque eu precise e queima todas as que Ganeshtenta enviar. O Hardy e eu estamos empenhados

em evitar que o Ganesh envergonhe a si mesmo. — Daley, você tem uma língua até àscostas — retorquiu Ganesh.

— E você é tão feio que a sua mãe quasemorreu de susto quando nasceu — disse o meupai. Continuaram assim por mais algum tempo,mas não vale a pena entrar em pormenores.Como queria devolver a palavra a Nicho-las, um pouco depois aproveitei para interrom-per com uma pergunta.

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— Nicholas, pode me falar um pouco dasua mãe, Renny? Não sei quase nada sobre ela egostaria de saber.

Ganesh e o meu pai sossegaram e enche-ram novamente os pratos, enquanto Nicholasbebia o seu vinho e arrumava os pensamentos.

— Vejamos... A minha mãe era alta, es-belta e bonita, com cabelo negro e bons dentes.

Não sei porquê, lembro-me sempre dos seusdentes perfeitos. É engraçado como as nossasmemórias funcionam, não é? Agarramo-nos aosmais estranhos pormenores sobre uma pessoa. — Aqui fez uma pausa para beber um gole de vinho e, gentilmente, Ganesh encheu-lhe nova-

mente o copo.Nicholas agradeceu com um gesto e con-tinuou.

— Ela tinha um interesse enorme por pe-dras preciosas e jóias. O meu pai tinha uma boacoleção de pedras preciosas que tinha trazido das

suas viagens. Algumas conseguira na troca poroutros objetos, outras ganhara no jogo. Disse-ram-me que ele era um ás nas cartas e nos dados,e desconfio que tenha corrido o globo aprovei-tando-se dos jovens e ricos governantes que en-contrava.

«Renny começou a fabricar as suas pró-prias pulseiras e anéis. Na realidade, não passa- vam de jóias de pequeno valor, mas tinha muitojeito. Acho que a maioria das pessoas a conside-

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rava uma artesã de grande qualidade. Mais tardeela começou a interessar-se por minúsculas eminuciosas gravações em safiras e rubis, chama-das jocastas, e essa arte foi a sua paixão até à ho-ra da morte. — Nicholas puxou um colar comuma enorme pedra de baixo da camisa e er-gueu-o no ar para que todos pudéssemos admi-rá-lo. — Não se consegue ver a verdadeira gra-

vação porque está coberta por um desenho queesconde a real essência da peça. Na superfície vêem-se uns desenhos elaborados mas, com aajuda de uma lupa, veriam também que a Jocastaque escondem é uma reprodução do nosso bra-são de família: uma coroa de espinhos. — Ni-

cholas aproximou a pedra de cada um de nóspara podermos vê-la e depois virou-a para si, afim de olhar também para ela, esforçando-se pordistinguir as gravações existentes sob a superfí-cie.

— Estava com tanta pressa para chegar

aqui que deixei a minha lupa em Lunenburg.Caso contrário, mostraria. Não sei quantas elafez, talvez umas trinta. O medalhão que o meupai usava tinha um desenho semelhante, mas a Jocasta dele eram dois minúsculos corações a-travessados por uma flecha, simbolizando o laçoexistente entre a minha mãe e o meu pai.Eu achava fascinante a idéia das jocastas eperguntei-lhe se sabia da existência de mais jóiasdaquelas feitas pela mãe.

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— Estas coisas levavam muito tempo pa-ra fazer, por vezes levava meses só para fazeruma peça, portanto havia poucas. Tanto quantosei, fez muito poucas peças destas. Oferecia-ascomo prendas a familiares e amigos chegados. Aminha tia tem uma, e há umas tantas nas jóias defamília, mas não sei de mais nenhuma.

«De qualquer maneira, sem uma boa lupa,

não saberiam que se tratava de uma Jocasta, nemque a tivessem na mão. — Nicholas bebeu umpouco mais de vinho. Eu me recordava que Warvold apreciava um bom vinho e era óbvioque o seu filho também. — Quando regressarpara casa, trago a lupa para que possamos ver

esta ou, se calhar, podíamos mandar o Silas bus-cá-la, uma vez que esta semana só há cartas deGanesh para entregar.

Os três não tardaram a voltar a trocar al-finetadas. Perguntava a mim mesma quantotempo levariam o meu pai e Ganesh a tratar Ni-

cholas pelo último nome, ou se alguma vez ofariam. Para eles, uma pessoa era um Daley, umGanesh, um Warvold ou um Kotcher. O fato deser chamado pelo último nome significava queera considerado um adulto importante. Duvidavaque algum dia me chamassem de outra coisa quenão Alexa.Quando a conversa começou a prolon-gar-se noite dentro, o vinho correndo tão livre-mente como os insultos proferidos no momento

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certo, eu saí de fininho e dirigi-me ao meu quar-to. Tinha visto a minha mãe durante o funeral,mas ela viera para ficar apenas um dia. A minhamãe, tal como Grayson e eu, odiava multidões, eesta era a maior multidão, metida no menor es-paço, que uma ou outra tínhamos visto. A exis-tência das muralhas tinha-nos feito parecer mi-lhões de formigas fechadas num frasco de vidro,

passando por cima e rastejando por baixo umasdas outras. Tinha que lhe enviar uma carta, uma carta

que não me apetecia nada escrever mas da qualme queria ver livre. Vesti a camisola e arrumei oquarto, andando de um lado para o outro numa

tentativa de evitar a minha escrivaninha. Até merecostei na cama para ler o livro de Warvold, quetinha trazido escondido da biblioteca, na espe-rança de ficar com sono e adormecer. Mas osentimento de culpa dominava-me e sentei-me àescrivaninha de caneta em punho, começando a

escrever: Querida Mãe, Espero que a sua viagem de regresso para c

não tenha sido muito longa. Desconfio que tenha parado com mais poeira do que alguma vez pen poder ser levantada por carroças daqui a Lathbury perava-te por certo um longo dia na estrada, mas saber que chegou sã e salva em casa.

As coisas aqui sossegaram e já voltou quase

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ao normal. Gostei muito de jantar com o pai, com Gsh e com Nicholas hoje. Parecem estar todos encacom Nicholas e acho que ele irá se sair bem.

O pai está cansado e tem trabalhado demais tra vez, mas temos nos entendido bem e arranjamo pre alguns momentos livres para darmos uns pa juntos.

Tenho que lhe contar uma coisa pela qual, esp

não me dê um castigo muito grande quando reg para casa, embora eu não mereça menos que umsurra. Nesta visita, eu queria muito ver mais longe,da muralha, por isso tirei da sua gaveta o telescótrouxe-o comigo. Mas isso não foi o pior. Pervis Kapanhou-me a utilizá-lo e confiscou-o. Mais tarde

veu-me, mas não sem antes lhe partir as lentes. Desculpe, mãe. Prometo trabalhar dia e noite ganhar o suficiente para mandar consertar este probjeto que te pertence. Sei que errei ao pegá-lo seautorização. Você me perdoa? Vou para a cama agtenho muito que fazer amanhã. Grayson manda c

primentos. Um beijinho, Alexa.

Dobrei a carta, enderecei-a à minha mãe edepois derramei nela um pouco de cera da minha vela e apliquei-lhe o meu sinete. Dá-la-ia a Silasao café-da-manhã.

Voltei para a minha cama e folheei o ve-lho livro de Warvold. Fiquei quase imediata-

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mente com sono e meti o livro debaixo da al-mofada, com medo de que Pervis se pusesse a vaguear pelo meu quarto no meio da noite, a vasculhar as minhas coisas. A propósito, o queele queria dizer ao perguntar se alguém tinha mecontatado do outro lado da muralha? Era umacoisa estranha para se dizer e a verdade é queaquilo ficou remoendo na minha cabeça durante

algum tempo, até adormecer.

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CAPÍTULO 8

A PRIMEIRA JOCASTA

o dia seguinte Bridewell ficou novamentedeserta, com os últimos visitantes a saírem

pelas portas, a caminho de casa. Enquanto pas-seava, vi Pervis e os seus homens baixar e subirdiferentes portas, inspecionar documentos, re- vistar carroças e, no geral, controlar o mar depessoas que saía de Bridewell. Tive que admitirque ele tinha tudo sob controle e os seus ho-mens pareciam acatar as ordens de boa vontade.

N

Durante o meu passeio matinal pela cida-de, reparei em Silas, que esperava a sua vez juntoà porta de Lathbury, e fui até à sua carroça paracumprimentá-lo. Tinha lhe dado a carta ao ca-

fé-da-manhã, e ele parecera mais do que satisfei-to por se pôr a caminho e ir entregá-la pessoal-mente na casa da minha mãe.

— O seu pai também tem um embrulhopara ela. Certamente vai ficar contente por ternotícias dos dois — dissera ele. Se ele soubessecomo a minha mãe iria ficar triste quando lesse a

minha carta!Cheguei junto da carroça e olhei para ci-ma.

— Parece que vai ter de esperar bastantepara conseguir sair da cidade. Tem seis carroças

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à sua frente e o sol já está quente como uma fo-gueira!

— Sou um homem de estrada, Alexa...sempre fui. Já fico contente por estar na minhacarroça com a Maiden e o Jaz a me puxarem, nãoimporta que tempo faça — respondeu Silas.

— Tente não meter esses velhos pangarésem mais corridas no regresso para casa. Desta

vez podem bater as botas e deixá-lo no meio docaminho — disse eu. — Pare de fazer pouco dos meus cavalos!

— berrou Silas. Tinha razão: fora uma tentativainfeliz de ser engraçada. Um mau hábito apren-dido com o meu pai.

— Desculpe, Silas. — Caminhando para afrente da Maiden e de Jaz,fiz-lhes umas festassuaves nos focinhos. — E peço-lhes desculpastambém. São uns corcéis maravilhosos, muitomaiores do que qualquer outro cavalo dos está-bulos de Bridewell. — Isto fez aparecer um sor-

riso no rosto de Silas, que me piscou o olho. Eugostava de Silas; era dos meus. A porta se abriu e algumas carroças ar-

rancaram com um solavanco. Saltei da frente doscavalos para poderem avançar e eles deram al-guns passos adiante, ficando a cinco carroçaspara serem soltos na estrada para Lathbury. Silasainda tinha muito que esperar, portanto decidiregressar à biblioteca antes do meu cantinho deleitura aquecer de tal maneira que se pudesse

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estrelar um ovo em cima da cadeira.Quando cheguei, fui à procura de Gray-

son mas ele não estava, o que era estranho. Oescritório dele encontrava-se no seu estado ha-bitual: livros começados a restaurar empilhadospor todo o lado, ferramentas espalhadas, umacamisa meio pendurada meio caindo de uma ca-deira. Ele tinha estado lá, isso era certo, uma vez

que era ele que abria a biblioteca todas as ma-nhãs. Devia ter ido à cozinha buscar qualquercoisa para comer.

Encolhi os ombros e caminhei em direçãoà minha cadeira, parando pelo caminho para pe-gar num livro de histórias e no meu livro prefe-

rido de poesias. Tinha também o livro de War- vold comigo, que planejava passar a maior parteda manhã a ler.

Sentada em segurança na minha cadeira,tive um momento de ansiedade ao aperceber-meda possibilidade de outro confronto com Pervis.

Desta vez Grayson não estava na biblioteca parame salvar. Enquanto pensava nisto,Sam puloupara o meu colo seguido, um segundo depois,por Pepper.Ronronando, enfiaram as cabeças nomeu peito, ávidos de festas. Fiz festas na barrigade Pepper,mas ele virou-se e enfiou a cabeça de-baixo da minha mão. — Desde quando desdenha cócegas nabarriga? — perguntei em voz alta. Ele limitou-sea empurrar a cabeça contra o meu peito e, pouco

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depois,Sam imitou-o. Agarrando os dois pelocangote, ergui-os até ficarem ao nível da minhacara. Olhei-os fixamente, olhos nos olhos, e re-cebi ummiau de cada um. Depois o meu olharfixou-se nas coleiras de jóias e nas medalhas ne-las penduradas.

Por instantes, fiquei gelada, paralisada, talcomo ficara quando percebi que Warvold estava

morto. Miau! Miau! protestaram os gatos. Tinhame esquecido de que ainda os tinha penduradospela parte de trás do pescoço.

Pousei os dois e pedi desculpas, tentandorecuperar a compostura. Os gatos sentaram-se,muito eretos, e eu peguei nas suas coleiras. Cada

medalha era um quadrado de pouco mais de vinte e cinco milímetros de tamanho e estavaenfeitada com desenhos maravilhosos. Como osgatos tinham pertencido a Renny, era possívelque as medalhas contivessem jocastas. Estavacuriosíssima por saber o que poderiam revelar e

sabia exatamente onde encontrar o que necessi-tava para desvendar o mistério das jóias.Levantei-me de um salto, colocando rapi-

damente os gatos na cadeira. — Não saiam daqui, vocês dois — disse,

agitando um dedo no ar. — Eu volto já. — Ecorri pelos corredores ziguezagueantes cheios delivros, em direção à parte da frente da biblioteca.

Quando cheguei à porta do escritório deGrayson, fiquei contentíssima por ver que ele

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liga a mínima para isso e está me deixando velho.Fechei a caixa e estava prestes a colocá-la

de novo na prateleira quando ouvi a porta dabiblioteca abrir. O som de passos aproximava-seenquanto eu manuseava desajeitadamente a cai-xa, e quase a deixei cair ruidosamente no chãoantes de conseguir devolvê-la ao seu lugar, emsegurança. Meti a lupa de tipógrafo no bolso no

mesmo instante em que Grayson apareceu àporta. Ele sorriu, esfregando a barriga. Traziauma substância vermelha e de aspecto pegajosopresa ao bigode grisalho.

— Vou te dizer, Alexa, na cozinha fazema melhor compota de morangos frescos do

mundo. Mmmm mmmm, não me importaria depassar os dias a comê-la com pão. — Pelo ta-manho da barriga de Grayson, era consumidorhabitual das delícias culinárias da Casa Renny.

— É melhor cortar um pouco esses ata-ques à cozinha, Grayson. Já quase não anda, rola

— disse-lhe eu. — Não goze dos velhos. Não é debom-tom. — Sorrimos um ao outro, enquantoele entrava no escritório.

— Que faz aqui dentro, afinal? — conti-nuou o Grayson. — Se anda à procura de algu-ma coisa para comer, abra a gaveta de baixo, àdireita. São mimos fresquinhos dochef.

Em circunstâncias normais teria me en-ganado mas, como já sabia que a gaveta continha

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uma surpresa mais que rançosa, recusei a suaoferta e despedi-me.

«Por favor, estejam lá, gatos. Por favor,estejam lá, gatos», ia repetindo mentalmente en-quanto caminhava de volta para a minha cadeira.Contornei a esquina e lá estavam os dois senta-dos, esperando o meu regresso, tal como os ti-nha deixado, lambendo distraidamente as patas.

As minhas mãos tremiam quando tirei aferramenta do bolso e me pus de joelhos nafrente dos bichanos. Segurando a medalha deSam na mão, coloquei a lupa de tipógrafo sobreela e semicerrei um olho para espreitar pelo apa-relho. A princípio, apenas parecia uma confusão

de pontos e linhas entrelaçadas. Depois foquei alupa, rodando-a no seu mostrador com umtic,tic, tic.Os minúsculos pontos e linhas junta-ram-se para formar uma teia de caminhos semprincípio ou fim definidos, e sem qualquer indí-cio quanto ao seu objetivo. Era apenas um

monte de trilhas sinuosas. Seriam as estradas deBridewell ou os caminhos ao longo da muralha?Havia uma montanha em miniatura, cintilante,no final de uma das trilhas pontilhadas, mas essaera a única indicação clara de um local que euconseguia encontrar. A Renny era realmente ta-lentosa: este era um fantástico exemplar de arteescondida.

Corri de novo para o escritório de Gray-son para pedir emprestada uma caneta e tinta,

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regressei e copiei meticulosamente o mapa numafolha. As costas me doíam muito por estar de-bruçada e tinha os olhos lacrimejantes por olhartão intensamente para a Jocasta. Agora entendiapor que Grayson tinha desistido de reparar letrasdatilografadas.

Finalmente satisfeita com o meu desenhoda gravação da Jocasta, coloquei-o no parapeito

da janela para que a tinta secasse. Levantei-mecom um rangido e, quando estiquei os braços emdireção ao teto para esticar o meu corpo maltra-tado, a minha coluna estalou de alto a baixo. Ti-nha acabado de investigar a medalha deSam,porisso pus-me novamente de joelhos e dobrei o

corpo para frente, diante dePepper.Quando iasegurar a pedra preciosa na palma da mão,Pepper assanhou-se e atacou-me com as garras, fazen-do-me um arranhão enorme nas costas da mão.Encolhendo-me de dor, recuei atabalhoadamen-te e, ao recolher instintivamente a mão, larguei a

lupa, atirando-a pelo ar.Ouvi-a bater em alguma coisa e a dor quesentia na mão em nada se comparou com o de-sapontamento de ouvir a lente estilhaçar-se con-tra a parede de pedra. Pior ainda, ouvi Graysoncorrendo por entre as filas de livros, na minhadireção, gritando o meu nome repetidamente,num tom aflito. Apenas tive tempo de agarrar nalupa e ver que a lente estava rachada. Pus-me depé com dificuldade e guardei no bolso o segundo

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objeto que tinha roubado, no espaço de apenasalguns dias, e que tinha acabado em cacos.

— Que se passa aí atrás? — perguntouGrayson, contornando a esquina. — Há anosque não ouvia um destes gatos bufar desta ma-neira. — Nisto, viu a minha mão. — Valha-meDeus, esse é dos fundos! O que lhe fez? Tentouarrancar-lhe os bigodes?

Eu não sabia o que dizer, portanto, limi-tei-me a ficar ali, de pé, com o sangue a escorrerpelo braço. A certa altura, apercebi-me de quedeixara o mapa que tinha desenhado no para-peito da janela, por isso meti-me entre ele eGrayson para escondê-lo.

— Deve estar de mau humor hoje — dis-se eu. — Deixe-me dar uma olhada. Tenho que

me certificar de que não corre o perigo de san-grar até à morte. — Grayson pegou-me na mãoe puxou-a para a luz, junto à janela. Gaguejei um

pouco mas não consegui encontrar as palavrascertas para fazê-lo parar. — Acalme-se — disseGrayson, examinando-me a mão naquela luzquente, virando-a e limpando-a com o seu lenço.

— Acho que vai ficar bem — disse. — Não é assim tão ruim, apenas parece horrível. Omelhor que pode fazer é deixá-lo no ar para criarcrosta. Daqui a uns dias só se lembrará dele porcausa do comichão.

Posto isto, largou a minha mão, lan-

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çou-me um olhar longo e sério e disse: — Está me apetecendo um pouco mais

daquela compota de morango... com bolachas. Ese se juntasse a mim para um passeio até à cozi-nha?

Com um sorriso pálido, concordei com acabeça e começamos a caminhar para a parte dafrente da biblioteca. Pelo menos tínhamos nos

afastado do meu desenho. Só esperava que nin-guém o encontrasse na minha ausência.Percorremos os corredores de livros, pa-

rando aqui e ali para arrumar uma prateleira, umhábito que tanto Grayson como eu tínhamosadquirido por passarmos tanto tempo a vaguear

pela biblioteca. — A propósito — disse o Grayson. — Desenhou um mapa muito bonito da biblioteca.Estou impressionado!

— Que disse? — perguntei, tentandomanter a calma.

— O desenho que tinha no parapeito dajanela. Deve ter demorado um pouco para per-ceber que este lugar forma um caracol. Acho queconseguiu desenhar isso, pelo menos, do poucoque vi, pareceu-me estar muito bom.

As minhas mãos tremiam. — Você está bem, Alexa? Talvez devês-semos ir a um médico verdadeiro para termos

certeza de que essa mão está bem. Está tremen-do como vara verde.

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Ergui o olhar para Grayson e dei-lhe umgrande sorriso.

— Não é preciso, estou apenas ansiosapara provar aquelas bolachas com compota demorango. Mal posso esperar — disse, começan-do a puxá-lo ao longo da fila de livros, em dire-ção à cozinha. Tinha que distraí-lo e levá-lo atéonde houvesse comida, pois era, decididamente,

a melhor maneira de consegui-lo.

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CAPÍTULO 9

SOZINHA EM BRIDEWELL

uando, mais tarde, regressei na companhiade Grayson, não estava preparada para ini-

ciar a minha busca pela biblioteca, por isso pe-guei no mapa e corri para o meu quarto. Aí, fi-quei sozinha durante algum tempo, a pensar noque iria fazer a seguir, e depois fui até à cozinhapara ver se jantava. Quando regressei ao meuquarto, sentei-me no parapeito da janela com osbraços em volta dos joelhos, a olhar para a lu-minosidade alaranjada e enevoada do pôr do Sol. A brisa noturna que soprava era bem-vinda de-pois do calor sufocante do dia. Numa mão segu-rava a chave prateada de Warvold e na outra omeu desenho da gravação da Jocasta, agitadopela brisa. Uma hora mais tarde, o pôr do Solcor-de-laranja tinha-se transformado em noiteescura e eu saí do parapeito da janela, atravesseio quarto e sentei-me na minha cama.

Q

Tive uma noite de sono agitado, cheia desonhos em que a cabeça de Pervis Kotcher ba-lançava grotescamente no corpo de um gato,perseguindo-me de cômodo em cômodo, portoda a casa. Na manhã seguinte, acordei, ves-ti-me e dirigi-me à cozinha. Já estava calor e aleve brisa da noite tinha desaparecido. O sol iria

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aquecer Bridewell como uma fornalha toda amanhã, até atingir temperaturas insuportáveis aomeio-dia. Perguntei a mim mesma qual seria asensação de estar debaixo das grandes árvores,do lado de lá da muralha, no chão fresco da flo-resta.

O café-da-manhã estava mais concorridodo que de costume. Grayson apareceu em busca

de mais compota de morango, desta vez companquecas. Ganesh, o meu pai e Nicholas deba-tiam o uso de terra e expansão entre Lunenburg e Ainsworth. Silas tinha regressado de Lathbury cedo nessa manhã e estava acabando de dar osúltimos retoques num prato cheio de torradas,

biscoitos e panquecas, tudo coberto com com-pota vermelha e espessa, sem dúvida seguindo oconselho de Grayson.

Dei um toque nas costas de Silas e cum-primentei-o.

— Já de volta? Pensei que ficaria fora pelo

menos mais um dia. Tanto Silas como Grayson se viraram naminha direção.

— Sabe, é que os meus velhos cavalospreferem viajar de noite em vez de no calor dodia — respondeu Silas. Depois, olhando paramim e piscando-me o olho, acrescentou: — Selhes contar que eu disse isto, amarro seus sapa-tos um no outro.

— Vejo que descobriu a compota de mo-

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rangos frescos. Grayson anda comendo isso aoslitros. Acho que ele é um urso disfarçado dehomem, se preparando para a hibernação — brinquei.

Grayson, com uma já familiar gota ver-melha no bigode farfalhudo, levantou-me umasobrancelha e enfiou uma panqueca inteira, afo-gada em compota, na boca. Que nojo!

— A minha mãe mandou notícias? — perguntei, rezando para que a resposta fosse não. — Esperei o mais que pude, mas ela tinha

saído quando eu cheguei lá. Contudo, deixei asua carta e um bilhete dizendo que voltaria den-tro de alguns dias, no caso de querer mandar al-

guma coisa para você ou para o seu pai. Tenhocerteza de que vai enviar-lhe uma resposta.Mais aliviada, dirigi-me para obuffet e en-

chi um prato de comida. Em seguida, sentei-meao lado do meu pai. Nicholas estava falando,encontrando-se a meio da exposição de uma i-

déia. — ...é o que lhes digo: se não prestarmosatenção a Ainsworth, eles um dia ainda tomam ocontrole de Bridewell. Temos que expandir Lu-nenburg para noroeste, na direção de Ainsworth,antes que eles se estendam muito. Eu sei queparecem amigáveis agora, mas a verdade é quenão confio neles, e o meu pai também não con-fiava.

O meu pai, Ganesh e Nicholas deram-me

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bom-dia calorosamente, e continuaram a con- versar, o pai pousando uma mão no meu ombro.Era bom sentir o seu braço à minha volta.

Este tipo de conversa era chamada «pes-car». Sempre que o meu pai e Ganesh queriamsaber a opinião do povo sobre os assuntos dodia, elevavam o tom de voz, como se falassempara o ar, tal como quem lança isca para peixe, a

fim de verem qual dos pontos de vista fazia comque o anzol fosse engolido inteiro. Obviamente,também tinham ensinado esta táctica a Nicholas, visto que tinha sido ele a lançar a primeira linha.

— Discordo totalmente — disse Ganesh.Disfarçadamente, o meu pai deu-me uma piscada

de olho. — Se construirmos na direção deles,considerarão isto um ato hostil e seremos arras-tados para um confronto. Concordo que neces-sitamos expandir — estes últimos dias em Bri-dewell provaram-no. Dentro de poucos anosBridewell e as cidades que estão junto ao mar

terão atingido a sua capacidade máxima, e de-pois, que faremos? Temos mais de dezesseisquilômetros entre nós e Ainsworth, o que con-sidero uma distância saudável. Não podemosexpandir para lá dos penhascos a partir de Lath-bury ou Turlock, portanto esses são becos semsaída. Bridewell está presa no meio, sem espaçopara crescer. Acho que a nossa melhor opçãoserá começarmos a construir edifícios com dois etrês andares, crescer para cima em vez de para

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fora. Poderíamos crescer para o dobro do nossotamanho se abolíssemos a regra dos andares ú-nicos.

— Essa é uma péssima idéia. — Quemfalava era Pervis, que tinha chegado à entrada dasala de jantar sem que déssemos por ele. Estavaencostado à parede, de braços cruzados sobre opeito.

— Porque não está lá fora a nos protegerdo papão? — perguntou o meu pai. Ficava arre-piada quando ele dizia isto, mas parece que to-dos os outros achavam graça.

— Podem rir à vontade, mas aviso-os queconstruir em altura é uma idéia perigosa. Ex-

põe-nos ao exterior e nos torna vulneráveis — disse Pervis. — E quando as pessoas começarema passar todo o seu tempo livre à procura decoisas estranhas do lado de fora da muralha, te-rão um problema ainda maior. Aticem a curiosi-dade da arraia-miúda e mais vale colocarem Bri-

dewell sobre um barril de pólvora.Pervis estava agora junto dobuffet,en-chendo o prato de ovos. Não me agradava orumo que ele estava dando à conversa.

— A Alexa, por exemplo — continuouPervis. — Damos-lhe o único quarto em Bride- well que tem uma janela com um pouco de vistapara lá da muralha. Ela é apenas uma criança enós partimos do princípio que uma criança é a-canhada e medrosa. Que interesse poderia uma

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criança ter no mundo exterior? Mas mesmo apequena e doce Alexa descobriu que, se subir noparapeito da janela, consegue ver uma amostrado que está lá fora. Edepois,que faz ela?

Era agora — ia ficar de castigo para oresto da vida.

— Traz um telescópio para Bridewell e seempolera no parapeito à procura de sabe Deus o

quê. Um telescópio para ver à distância! Essascoisas são proibidas em Bridewell, desde que melembro. Ou será que mudaram de idéia a esserespeito e se esqueceram de avisar o velho Per- vis?

Quem me dera ter pulado o ca-

fé-da-manhã e ido diretamente para a biblioteca!Esperava que meu pai retirasse o braço do meuombro. Estaria no seu direito. Em vez disso, a-garrou o meu braço magricela com a sua mãogrande e puxou-me para mais perto dele. Depoisdebruçou-se com o garfo e roubou uma garfada

de ovos do meu prato, mastigando deliberada-mente devagar. A sala ficou em silêncio. — Sr. Kotcher — disse o meu pai —,

quanto tempo mais acha que eu e Ganesh esta-remos por aqui?

Já tinha visto o meu pai assim noutras o-casiões. O seu tom de voz mudou quase imper-ceptivelmente, mas todo mundo naquela salasabia que ele estava de garras de fora.

— Não faço a menor idéia — disse Per-

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go.Pervis percorreu a sala com os olhos, em

busca de apoio, mas as pessoas ou estavam o-lhando para baixo ou olhavam na direção dele,zangadas.

— Não voltarei a importuná-la — conti-nuou Pervis. — Mas não é porque não me pre-ocupe com um futuro sob a sua liderança. Se eu

não estiver aqui para comandar os guardas, estelugar ficarácompletamente vulnerável. Fiz um ju-ramento para proteger Bridewell e não me im-porto de meter o rabo entre as pernas para satis-fazer o seu ego e da sua filha mimada, desde queBridewell esteja em segurança. Só isso me im-

porta. — Com isto, girou sobre os calcanhares eabandonou a sala.Pervis ainda não tinha saído da sala de

jantar, e Grayson já ia a caminho da biblioteca.O resto do grupo ficou para trás, começandonovamente a falar.

— Importam-se que Alexa e eu os dei-xemos? — perguntou meu pai, guiando-me parafora da sala, pelas escadas abaixo e para o exteri-or. Caminhamos durante muito tempo sem quenenhum de nós falasse.

Por fim, o silêncio tornou-se muito pesa-do para mim e rompi-o com uma enxurrada depalavras.

— Já escrevi à mãe contando que mexi notelescópio, mas ela ainda não respondeu. Eu sei

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que não devia ter ficado com ele. Desculpe!Desculpe! Eu só queria ver um bocadinho doque há lá fora!

— Acalme-se, Alexa — disse o pai. Elepegou-me na mão e caminhamos até o centro dacidade, onde nos sentamos num banco. — Warvold morreu, Alexa. Acho que ninguém seapercebeu ainda da importância que isso tem.

Ganesh, Nicholas e eu somos bons líderes, masnão somos Warvold. Foi ele que construiu estacidade e tinha razões secretas para fazê-lo. Elesabia muito mais do que nos contou, sobre mui-ta coisa.

Os olhos do pai percorreram novamente a

praça, antes de continuar. — Já estamos sendo pressionados por Ainsworth para fazermos coisas que não quere-mos fazer. Estão testando o nosso poder de de-cisão, agora que Warvold morreu. E não é ne-nhum segredo que Pervis anda cada vez mais

descontrolado, num momento em que necessi-tamos da sua liderança. — O pai inclinou-se parafrente, com os cotovelos apoiados nos joelhos, ecomeçou a limpar as unhas.

— Warvold estava sempre a falar de você,sobre o seu visível interesse pelo mundo exteriore de como é inteligente para a sua idade. Via em você muito do aventureiro que ele próprio foi, emanifestou várias vezes pena por estar fechadadentro das muralhas que ele construiu. Ele com-

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preendia porque gostava tanto de vaguear furti- vamente, sozinha, por aí.

Fez uma pausa e virou-se para olhar paramim.

— Ele lhe disse alguma coisa na noite emque morreu? — Era uma pergunta acusadora efiquei surpreendida.

— Não. Não disse nada de importante —

respondi. — Mas comportou-se de uma formaestranha. Recordou o passado e contou-me umafábula tola sobre cegos, mas foi só isso.

O meu pai observava-me atentamente,enquanto eu falava, tentando ver se estava di-zendo a verdade ou não. Não me perguntou so-

bre a chave e eu nada disse. Era muito preciosapara entregá-la sem que me interrogassem dire-tamente sobre ela. Ele suspirou profundamente, voltou a limpar as unhas e continuou.

— As pessoas estão preocupadas em Turlock, e querem que eu e Ganesh façamos

uma visita. Vamos partir agora de manhã e esta-remos fora durante dois dias. Sei que é uma de-cisão repentina, mas vivemos um período turbu-lento e estamos tentando manter as coisas sobcontrole. Vou dar a Pervis uns dias de licença emLunenburg, enquanto estivermos fora, para evi-tar que se matem um ao outro. — O pai fez no- va pausa e olhou para mim, os seus olhos avi-sando-me para me portar bem na sua ausência. — Já falei com Grayson e ele tomará conta de

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você. Posso contar contigo para não se meter emencrencas, pelo menos até eu voltar?

Escolhi cuidadosamente a minha resposta. — Já tive encrenca suficiente até o final

da minha visita a Bridewell. A minha resposta pareceu satisfazê-lo.

Pusemo-nos de pé, trocamos um abraço rápido eele começou a se afastar, em direção à Casa

Renny. Pouco depois partiu, e eu fiquei sozinhano centro da cidade, com as muralhas de Bride- well erguendo-se por cima da minha cabeça.

Por algum motivo, senti-me mais prisio-neira do que até então.

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CAPÍTULO 10CABEZA DE VACA

ram nove horas da manhã quando saí domeu quarto pela segunda vez nessa manhã.

Levava uma bolsa de couro pendurada ao pes-coço, na qual colocara o mapa, a chave e o meucanivete. Atei à cintura a blusa que minha mãetinha me comprado no dia do funeral. Não le- vava mais nada comigo pensando que, mesmoque fosse bem-sucedida, estaria fora apenas al-gumas horas.

E

Quando cheguei à biblioteca, tirei o mapada bolsa e comecei a procurar um ponto de par-tida. Identificar os lugares estava sendo mais di-fícil do que eu imaginara. O mapa apenas mos-trava corredores sinuosos, não indicando quais-quer portas, paredes ou janelas. Do meu pontorasteiro de observação, não conseguia distinguiro padrão completo. A única coisa que se conse-guia ver claramente era que a montanha repre-sentada no mapa devia ficar num dos cantos dagrande sala. Achava estranho Grayson ter sidocapaz de entender o mapa à primeira vista, masele tinha estado na biblioteca todos os dias du-rante anos e anos, e tinha percorrido cada cor-redor milhões de vezes. Eu apenas visitava o lo-cal alguns dias por ano e estava completamenteconfusa.

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Cada vez que começava a caminhar porum dos corredores sinuosos de livros que meparecia ser igual a um dos do mapa, acabavachegando à conclusão de que era um corredorcompletamente diferente. Até parecia que o ma-pa mudava diante dos meus olhos. Virei-o aocontrário e em todas as direções possíveis. Partide paredes e entradas diferentes, mas todos os

meus esforços acabavam comigo andando emcírculos.Passada uma hora, entrei no escritório de

Grayson para ver se ele queria fazer uma visita àcozinha comigo. Fui dar com ele debruçado so-bre um lindo livro verde e amarelo, a reparar a

capa com folha de ouro. O meu estômago ron-cou e ele ergueu os olhos do trabalho. — Estava mesmo pensando nisso — dis-

se e, juntos, atravessamos o salão em conversaamena. Já na cozinha, falamos pouco, enquantobebíamos leite frio e comíamos pãezinhos com

compota. A certa altura, tirei o mapa da bolsa ecoloquei-o em cima da mesa. — Veja lá se consegue adivinhar onde a

minha cadeira preferida se encontra no mapa — desafiei, na esperança de descobrir alguma coisaque me ajudasse a encontrar o caminho.

Virei o mapa para Grayson, que o estudoupensativamente. A princípio, parecia estar com amesma dificuldade que eu, mas depois as suassobrancelhas ergueram-se. Com a pressa, utilizou

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um dedo indicador sujo de compota para mos-trar o lugar onde achava que ficava a minha ca-deira, deixando uma mancha vermelha e pegajo-sa no meu mapa limpinho. Pediu desculpas maseu não me importei muito, pois ele tinha acaba-do de deixar uma mancha vermelha, gigantesca,no lugar onde ficava a montanha. Agora que a-quela zona era bem visível, todo o resto se tor-

nava mais fácil de identificar. Apercebi-me dalocalização do escritório de Grayson e das portasque davam acesso à biblioteca, bem como dasjanelas e dos corredores de livros. Agora tudofazia sentido.

Era óbvio que Grayson ainda se preparava

para comer muito mais e não ia apressar-se a voltar ao trabalho, portanto, era uma boa horapara escapulir dali.

— Obrigada pela companhia, Grayson. Vemos-nos mais tarde. — Enquanto me punhade pé para sair, acrescentei: — Eu vou estar o-

cupada com uma coisa nos próximos dias, por-tanto não se preocupe se não me vir por aí.Grayson fez que sim com a cabeça e eu

saí da cozinha, não esperando outra coisa dele. Ao longo de todos os anos em que tinha vindopara Bridewell, meu pai nunca se lembrara deinvestigar que tipo de companhia era Grayson.No passado, sempre que se ausentava por um oudois dias, pedia a Grayson que tomasse conta demim e ele concordava sempre de bom grado,

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sem nunca ajustar o seu comportamento a essatarefa. Víamo-nos diariamente na biblioteca... outalvez não. Nem sequer se preocupava se ficasseum dia e uma noite inteiros sem me ver. Afinal,eu não poderia ir muito longe, não é?

Corri para a biblioteca e depois zigueza-gueei pelo labirinto de corredores. Ao contornaruma esquina, bati com o ombro numa estante,

quase atirando várias filas de livros ao chão.Depois de ter estabilizado a estante, segui cami-nho, desta vez caminhando rapidamente em vezde correr. Sem perceber, dei comigo em frenteda minha velha cadeira. Do lado de fora da jane-la, um falcão estava no parapeito, e nem se me-

xeu quando eu apareci. Os dois gatos estavamsentados em cima da cadeira, observando-meatentamente. Era estranho ver como as três cri-aturas permaneciam imóveis e alerta, seguindotodos os meus movimentos.

Comecei a apalpar a parede junto do pa-

rapeito da janela e depois ao longo das pratelei-ras, que estavam cheias de livros, junto à cadeira. Apalpei cuidadosamente cada canto e depressãoe tirei do lugar uma série de livros antigos que játinha visto no passado. Comecei a pensar quetalvez um deles abrisse uma passagem secreta ourevelasse um tesouro escondido. Não tardou,tinha retirado quase todos os livros da estante,formando pilhas oscilantes à minha volta. Essaatividade produziu muito pó, mas nada de inte-

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ressante, embora os gatos tivessem gostado debrincar pega-pega e esconde-esconde no meiodas pilhas de livros.

Voltei a colocar os livros, um a um, na es-tante, e dez minutos mais tarde deixei-me cair nacadeira, cansada e frustrada. A certa altura, olheipara trás, por cima do ombro, e vi que a cadeiraestava encostada à única parede que eu não tinha

inspecionado, uma parede que era partilhada poruma escadaria, do outro lado. Pus-me de pé epuxei a cadeira, um monstro pesado que certa-mente não era movido há muito tempo. Preciseide toda minha força para, lentamente, conseguirarrastá-la para um espaço livre.

Com a cadeira fora do caminho, ficava à vista uma parte da parede de madeira, normal-mente escondida, com os seus painéis casta-nho-escuros. Imediatamente abaixo do rematedo meio, onde estiveram as costas da cadeira,havia um desenho, verde e pequeno, de uma

montanha. Passei os dedos pela figura e sentiuma depressão no seu centro, embora não con-seguisse ver nada que alterasse o seu aspecto. Tirei a chave prateada do bolso e segurei-a comuma mão trêmula. Depois olhei por cima doombro e vi os gatos empoleirados na beirinha dacadeira, observando-me. — Vocês dois estão muito curiosos hoje — disse-lhes e, olhando por cima deles, vislum-brei o falcão no parapeito da janela. — E o seu

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amigo de penas, que está ali na janela também. Vocês três sabem alguma que eu não saiba? — Quase esperava que me respondessem, mas a-penas recebi olhares inexpressivos e fixos dostrês, assim como ummiau medroso por parte deSam.

Tateei novamente o desenho em busca dadepressão, aproximei dela a chave e fiquei o-

lhando, enquanto ela entrava na parede. Depois virei-a e ouvi um leveclic.Retirei a chave e volteia guardá-la na minha bolsa de couro, olhandorapidamente em volta para me certificar de queninguém estava olhando. Em seguida, empurrei aparede com a mão, e um painel, de sessenta por

sessenta centímetros, abriu-se sobre dobradiçasruidosas. Um leve sopro de ar fresco e cheirandoa terra escapou da abertura, acariciando-me orosto como um suspiro tênue.

Com a luz da biblioteca que invadia a a-bertura, conseguia ver uma escada de mão que

descia para a escuridão. No terceiro degrau daescada, pendurada num prego enferrujado, haviauma candeia a óleo junto de uma caixa de fósfo-ros de madeira. Só conseguia ver os primeirosseis degraus da escada e os primeiros centíme-tros das tábuas que forravam as paredes. Depoisdisso, a escuridão, negra e silenciosa, engolia tu-do.

O ar fresco continuou a escapar lenta-mente da pequena porta, como se um gigante

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congelado e adormecido respirasse regularmentepelo buraco. Cheirava como a estrada poeirentapara Bridewell, após uma chuva forte a ter en-charcado. Virei-me para a estante que havia àminha direita e li rapidamente os títulos que es-tavam ao nível dos meus olhos. Escolhi o menordos livros, um volume fino de capa vermelha,com letras brancas na lombada, com o título

Aventuras às Portas da Décima Cidade,escrito poralguém com um nome estranho, que nunca tinhaouvido antes. Abri o livro, li a primeira página edeixei-me imediatamente cativar pelo audaciosoassunto.

Cabeza de Vaca foi um explorador que abandnou o seu lar no Reino do Norte durante o sétimo rede Grindall.

Após ter sobrevivido a um furacão perto Montanha Laythen, voltou para trás e rumou em dià Grande Ravina, onde uma alcatéia de lobos imp

veis o encurralou, durante semanas, numa cav Quando, finalmente, os lobos cederam, um Cabezmeado e cansado continuou a sua viagem rumo ao ido Campo da Astúcia.

O Cabeza vivia do que encontrava e viajou entre as coisas estranhas existentes no Campo da A(que são muitas), em busca de uma forma de atravenevoeiro e entrar na mítica Décima Cidade. Mas, vez que tentava penetrar no nevoeiro, este cobria sua volta e ele não conseguia sequer ver a sua p

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a cerca de uns nove assustadores metros. Nãofazia a mínima idéia do que iria descobrir lá nofundo. Talvez houvesse mesmo um gigante a-dormecido, à espera de uma jovem saborosa pa-ra lhe aconchegar o estômago.

Virando-me, percorri a biblioteca com osolhos. O falcão ainda estava lá, mas os gatos ti-nham desaparecido. Levantei-me e tentei assus-

tar o pássaro, agitando os braços no ar e batendocom os pés no chão. Porém, a ave permaneceuimóvel e em silêncio, com os olhos fixos nosmeus mais insignificantes movimentos.

A seguir pus-me de cócoras, enfiei a mãono meio do escuro e tirei a candeia do prego. O

vidro que protegia o pavio estava colado e tivede fazer força para conseguir tirá-lo. Molhei opavio com óleo do recipiente e parti dois fósfo-ros antes de conseguir acender um terceiro. Tendo resolvido o problema da iluminação, vol-tei novamente a minha atenção para o túnel.

A brisa sinistra e escura continuava a sen-tir-se, fazendo tremelicar a minha candeia, queprojetava sombras nas paredes. Balancei os péspara o outro lado e apoiei-os na escada. Depoisentrei pela abertura e agarrei-me com a mão es-querda ao degrau de cima. Pegando na candeiacom a outra mão, pendurei-a no velho pregoenferrujado. Só me restava fazer uma coisa: fe-char-me lá dentro para que ninguém descobrisseonde tinha me metido. Ainda pendurada na es-

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cada, meti novamente uma das mãos na biblio-teca, agarrei na perna da cadeira e dei-lhe váriospuxões. Tendo colocado a cadeira no seu lugar,puxei a porta secreta até ouvir um clique fe-chando-a do lado de dentro.

Do lado de dentro o fecho era simples deusar, mas acionei-o várias vezes para ter certezade que funcionava. Depois peguei na candeia e

desci-a o máximo que consegui, voltando apendurá-la no quinto degrau. Fui repetindo esteprocesso até pisar um chão de terra, vinte e novedegraus abaixo.

Olhando para cima, via o mesmo que viraao olhar para baixo: apenas a alguns metros aci-

ma, a luz diluía-se num céu negro e sem estrelas.Havia paredes em três lados e um túnel que se-guia para oeste, debaixo da biblioteca, em dire-ção às montanhas. O livro que tinha atirado paraa escuridão jazia no chão. O Cabeza de Vaca ti-nha caído de mau jeito e, ao que parecia, tinha

agora em minha posse dois livros que precisari-am dos cuidados de Grayson. Estava destruindolivros a um ritmo assustador.

Olhando para cima uma última vez, co-mecei a caminhar para oeste, debaixo da cidade. As paredes eram feitas de tábuas de madeira comterra a espreitar por entre os intervalos; o chãoera terra batida. Passei por pegadas antigas, o quefez acelerar o meu coração e até pensar em vol-tar para casa. Disse várias vezes a mim mesma

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que estava sozinha no túnel e, finalmente, co-mecei de novo a caminhar em direção às mon-tanhas. À medida que avançava, a largura e a al-tura do túnel mantinham-se iguais, mas a incli-nação do terreno aumentou para um grau ines-peradamente elevado. Trinta minutos mais tarde(mais ou menos o tempo que leva para atravessarBridewell de um lado ao outro, em passo nor-

mal), o túnel começou a virar levemente para adireita, para depois endireitar novamente. A par-tir daqui, caminhei ainda uma distância igual àque tinha percorrido até ali.

Algum tempo depois cheguei ao fim: àminha frente erguia-se uma parede com outra

escada de mão e uma escuridão familiar e vazia,caindo de cima. Tive medo de subir e imagineios dentes afiados do gigante a fecharem-se sobremim, caso subisse para a sua bocarra escancara-da. Estava suada e cansada, por isso sentei-meno chão de terra, aos pés da escada, para des-

cansar um pouco antes de começar a subir. — Então Cabeza, como vai isso? — per-guntei ao livro que tinha na mão. Limpei a testacom a camisa e olhei para o túnel, na direção decasa. — Será que houve momentos em que tevemedo e pensou não ser capaz? Aposto que sim. Aposto que tinha esse tipo de pensamentos atoda hora.

«Acho que vou ter que deixá-lo aqui, poisnão tem nenhuma utilidade para o resto da mi-

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nha viagem, que certamente terminará sobre alíngua de um gigante, no alto desta escada. Es-pere aqui por mim e, se regressar com vida,prometo que lerei tudo sobre você. — Tinha quereconhecer que se tratava de um bom ouvinte;era um aventureiro galante, embora não fossemuito conversador.

Pus-me de pé, virei-me para a escada e i-

niciei a subida. Vinte e oito degraus acima, baticom a cabeça numas tábuas e empurrei com todaminha força para desviá-las do caminho. Semqualquer aviso, a tampa voou pelos ares e umaluz intensa cegou-me, obrigando-me a fechar osolhos ofuscados. Pedaços de terra caíram sobre

o meu rosto e cabeça e por pouco não caí paratrás, para dentro do buraco. A candeia balançouprecariamente no degrau mais alto, apagando-se.

Estava tudo em silêncio, com exceção dosruídos que anteriormente ouvira à distância: umabrisa a dançar por entre as árvores, pássaros a

cantar, arbustos a restolhar à minha volta. Tinhaum medo terrível de me esticar e espreitar peloburaco deixado aberto quando a tampa saltara.Mais uma vez, pensei em voltar para trás e desa-tar a correr pelo túnel. Decidi espreitar e, se medeparasse com algo assustador, desceria a escadao mais depressa que me fosse possível.Devagar, estiquei-me toda e espiei pelaabertura. Para minha grande surpresa, o falcãoestava empoleirado numa pedra grande a alguns

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metros de distância, com o mesmo ar com que otinha deixado quando saí da biblioteca.

— Bem, bem, é mesmo pequena, não é? — Virei-me rapidamente na direção da voz, que vinha de trás de mim. Segurando o alçapão, demaneira a mantê-lo aberto, estava o homem maispequenino que eu já vira. Não tinha muito maisque sessenta centímetros de altura. — Eles ti-

nham razão numa coisa... é uma malandrinha. Érealmente pequena o bastante — disse o ho-menzinho. O alçapão balançou para a frente epara trás ao sabor de uma leve brisa e da dema-siada força que o homem fez para segurá-lo. Secaísse, me bateria na cabeça e me atiraria como

uma pedra para o chão de terra, lá embaixo. — Preciso que saia daí bem depressa — continuou o pequeno homem. — Não consigosegurar esta porta por muito mais tempo. — Depois fez um sinal, com a cabeça, ao falcão,que desapareceu num relâmpago de penas e

guinchos. — Darius ficará contente por eu te terencontrado. Com um pouco de sorte chegare-mos à floresta amanhã, no meio da manhã, co-mo ele esperava. — Por esta altura, eu já tinhasaído do buraco e estava de pé, confusa e semsaber o que fazer a seguir.

O homenzinho empurrou a porta, quebateu no chão com um estrondo. Estava cobertade musgo e tinha uma corda comprida e fina,feita de casca de árvore entrançada, atada à quina

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de cima. — Não podemos ficar aqui a céu aberto.

Temos que ir. Temos uma grande distância apercorrer, e é uma subida — disse o homem,deixando-me para trás quando começou a cami-nhar num passo rápido, afastando-se em direçãoàs montanhas. Um pouco depois, olhou para tráse, com uma expressão zangada, ralhou:

— Então, vamos lá, Alexa! — Espere! Quem é você? Como é quesabe o meu nome? Volte aqui! — ainda pergun-tei, mas o homenzinho continuou a andar e eu osegui, correndo para apanhá-lo.

Sem parar de andar e sem olhar para trás,

gritou-me: — Chamo-me Yipes. Vivo nas montanhase estou aqui para te conduzir ao destino que tefoi atribuído.

Estávamos agora num triângulo fechado,com a muralha que ia de Bridewell a Lathbury de

um lado, a muralha que ia de Bridewell a Turlock do outro, e o imenso Mar da Solidão no terceiro.O Monte Norwood erguia-se, proeminente, àminha frente, preenchendo grande parte do es-paço entre as muralhas e o mar.

Olhando para trás, por cima do ombro, vias muralhas ficarem cada vez menores na distân-cia. Fiquei surpreendida ao ver como pareciaminsignificantes, agachadas no sopé das monta-nhas.

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Para lá das muralhas, os Montes das Tre- vas estendiam-se interminavelmente, com valesameaçadores e sinistros, que não eram visíveis deBridewell. Virei-me para as montanhas e come-cei outra vez a andar. Quanto mais eu trepava,mais elas pareciam subir, parecendo mais lon-gínquas e resplandecentes à luz do Sol e expan-dindo-se para lugares que eu jamais conseguiria

descobrir completamente. A certa altura parei e voltei-me para olhar novamente para Bridewell e vi a cidade como nunca a tinha visto. Estava e-xatamente no centro, entre a escuridão e a luz, assuas estradas parecendo uma serpente tricéfala,atada ao meio com uma cabeça hedionda, que

dividia terras vastas. Possuía um certo equilíbrio,uma simetria, como se cada terra estivesse fa-zendo força contra as muralhas, tentando derru-bá-las, esforçando-se por dominar e governar.Quando retomei a caminhada, seguindo o ho-menzinho, sentia-me dominada por uma forte

sensação de excitação e de medo.

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CAPÍTULO 11A LAGOA LUMINOSA

ipes andava depressa para um homem tãopequeno, e era difícil acompanhar o seu

passo. Os meus pés estavam ficando cheios debolhas, tinha os ombros e as faces queimados dosol e sensíveis ao toque. O suor escorria-me pelonariz e ardia-me nos olhos. Eu olhava constan-temente para trás, à medida que subíamos cada vez mais na direção das montanhas, enquanto asmuralhas iam diminuindo de tamanho, até pare-cerem lagartas magras e sem vida.

Yipes não era do tipo falador ou, pelomenos, manteve-se calado durante a nossa ca-minhada. No princípio, fiz-lhe algumas pergun-tas, mas a sua recusa em responder-me e o meucansaço acabaram por derrotar-me e acabamospor caminhar montanha acima quase em silên-cio, sob o calor do sol. De vez em quando pas-sávamos debaixo de um grupo de árvores, ondea sombra era fresca e as folhas restolhavam lá noalto, nos ramos que ficavam fora de vista.

Ao observar Yipes correndo na minhafrente como um coelho, tomei consciência deque estava seguindo um homem pequeno e es-tranho para um território selvagem. Podia nuncamais voltar para casa, nunca mais ver os meuspais e amigos, e nunca mais percorrer as filas de

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livros na biblioteca de Bridewell. Mesmo assim, arealidade de me encontrar fora da muralha e aexcitação da aventura eram sensações que, dealguma forma, me confortavam. Tinha a im-pressão de estar fazendo o que devia fazer, e nãome arrependia.

Não sei quanto tempo passei perdida nosmeus pensamentos mas, de repente, quase caí

em cima de Yipes, que tinha parado, voltando-separa mim. Se ele não tivesse gritado: — Calma aí, jovem! — era bem capaz de

ter esborrachado o narizinho gorducho com ojoelho. Pus-me de cócoras para observá-lo me-lhor e para aproveitar a rara oportunidade de

encarar o meu guia de frente. Tinha olhos escu-ros, um bigode delicado e uns lábios finos porcima dos dentes amarelados. A sua pele era es-cura e coriácea, de um castanho-dourado, comose tivesse passado muito tempo ao sol. Usavaum chapéu castanho-amarelado por cima duma

cabeleira comprida e castanha, vestia calções decouro, uma camisa simples e sandálias tambémde couro.

— Obrigada por ter parado. Pensei que iacontinuar nisto o dia inteiro. É um alpinista etanto, não é? — perguntei.

De queixo erguido e peito para fora, Yipesrespondeu-me com uma voz comicamente agu-da.

— Desculpa, peço muitas desculpas mas

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não posso falar contigo por enquanto. Quem medera que pudesse! São ordens deDarius. — De-pois de olhar em volta, aproximou-se do meurosto e acrescentou: — Obrigado pelo elogio.

Parecia totalmente inofensivo, ali de pé,no meio do caminho, com um ligeiro sorriso noslábios.

— Pode me dizer para onde vamos e

quem éDarius? Já estamos subindo há muitotempo e não faço idéia para onde está me le- vando — disse eu.

O meu guia estava agora novamente emsentido, tenso e sério.

— Lamento. São ordens expressas. Tenho

que conduzi-la ao destino marcado o mais de-pressa possível. Há uma reunião muito impor-tante amanhã, uma reun... — Yipes parou a-bruptamente de falar, virou a cabeça do tamanhode um melão para a esquerda, e pôs-se à escuta.Rápido como um raio, atravessou os arbustos e

trepou numa árvore próxima, parecendo um es-quilo assustado. Segundos depois, tinha subidotanto que o perdi de vista. Olhei lá para baixo e vi as finas e intermináveis cobras que eram asmuralhas, imaginando que podia dar um piparotecom o dedo e derrubar todas.

Quando me voltei novamente para o ca-minho, Yipes estava ali em sentido, nada ofe-gante e com a mesma calma de sempre.

— Mil desculpas. Pensei ter ouvido algu-

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ma coisa nos arbustos. Todo o cuidado é poucoagora, não concorda? Transporto mercadoriaimportante. Sim, mercadoria muito importante. — Conduziu-me até um ribeiro onde matamos asede. Comecei a beber sofregamente e Yipesdisse-me para não beber muito, caso contráriopoderia ficar mal disposta ou fraca. Depois debebermos, deu-me um pouco de carne seca que

tirou da bolsa e mandou-me sentar e descansar.Bebi mais um gole da água gelada do ribeiro,descansei uns minutos e partimos novamente.

— Já falta pouco. Já falta muito poucomesmo — disse Yipes enquanto avançávamos,montanha acima, a um passo muito mais rápido

que anteriormente. As árvores tornaram-se maisdensas, mas o calor permaneceu sufocante à me-dida que chegávamos ao meio da tarde. Os mi-nutos transformaram-se noutra hora de cami-nhada, atrás do meu resoluto companheiro. Osmeus pés doíam-me e estavam cheios de bolhas

estouradas e as pernas ardiam-me a cada passoque dava, mas estava decidida a continuar semme queixar.

O ribeiro junto ao qual tínhamos descan-sado anteriormente corria agora ao nosso lado,enquanto caminhávamos ao longo da sua mar-gem. Com apenas alguns metros de largura e umtapete de musgo verde, oferecia um som refres-cante de água corrente sobre rochas. De quandoem quando os meus olhos captavam lampejos

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das suas profundezas — peixes se movendo, osseus corpos lançando reflexos quando davampela nossa presença na margem. Estava tão can-sada que pensei que ia desmaiar e, embrenhadanos meus pensamentos delirantes, perdi maisuma vez Yipes de vista.

— Oh, por favor! Não pode parar agora — disse Yipes, sentado numa grande pedra, um

pouco atrás de mim, apertando os cordões dasandália de couro. Tinha um aspecto irritante-mente fresco, como se a caminhada violenta quetínhamos acabado de fazer não passasse de umcurto passeio para ver a vista.

— Tenho pena, mas não posso ir mais

longe. Terá que fazer o resto do caminho sozi-nha — anunciou Yipes, bebendo grandes golesde água do ribeiro, que tinha encolhido parapouco mais de sessenta centímetros de largura.

Coxeei até o ribeiro, cujas águas eram a-gora lentas e silenciosas, e bebi sofregamente até

quase rebentar. Em seguida, sentei-me à beira daágua e senti tudo a subir-me novamente à boca.Dobrando o corpo para a frente vomitei águaespessa como sopa e lutei contra um arrepio denáusea. Depois de passar água na boca, virei-mepara Yipes, mas estava tão exausta que cambaleeie caí para frente como um tronco.Porque estou aqui fora no escuro? Há algucoisa quente ao meu lado. É Warvold, com a boca ta, dentes podres e uma substância amarela, visco

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escorrer-lhe pelo queixo. Está me agarrando pelobros, abanando-me com força. Corra, Alexa, corra ja!

— Acorda, Alexa. Acorda imediatamente! Tem que seguir viagem. — Yipes dava-me pe-quenos empurrões no ombro com as suas mão-zinhas minúsculas. Estávamos no final da tarde,talvez fossem umas quatro horas. Devia ter

dormido pelo menos uma hora. Espreguicei-me,soltei um suspiro doloroso, puxei os joelhos atéo peito e fiquei ali sentada, soluçando copiosa-mente, as lágrimas escorrendo-me pelas rótulas edeixando uma trilha molhada até o peito dos pés.

Doía-me o corpo todo e a minha mente

continuava a esforçar-se para aceitar o que merodeava. Sentia uma dor latejante e incômoda nacabeça; parecia que um homem, ainda menorque Yipes, estava de pé atrás dos meus olhoscom um taco na mão, batendo com ele, com to-da a força, para conseguir sair.

Pum, pum, pum! — Desculpe, Sr. Yipes, mas ela não se mexe! — Com mais força, homem! Dá-lhe tudo o q

tem! — Pum, pum, pum! — Alexa, pare com isso imediatamente!

Não vai se sentir melhor por bater com a cabeçanos joelhos. Confie em mim — insistiu Yipes. — Vamos, ponha-se de pé. — E, com isto, me-teu-se no ribeiro e começou a salpicar-me comágua gelada. Acordei estremunhada e pus-me de

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pé com um salto, sentindo imediatamente amesma dor aguda nas pernas e nos pés. As bo-lhas rebentadas gritavam-me para que me sen-tasse.Sente-se, ou furo sua testa com o taco! Caí dejoelhos e Yipes continuou a disparar rajadas desalpicos gelados até que, finalmente, gritei.

— Já chega! Pronto, já me levantei!Dê-me só um segundo e ficarei pronta para ca-

minhar novamente.Parando de me salpicar, ficou a obser- var-me enquanto eu torcia o cabelo com asmãos. Depois, saiu do ribeiro e regressou ao seupoleiro em cima da rocha. Eu estava novamentede pé, ganhando mais confiança de que seria ca-

paz de arrastar os meus pobres ossos a fim deprosseguir, montanha acima. — Acho que estou pronta para mais uma

hora ou duas — anunciei. — Mas vai ter queabrandar um pouco, tenho algumas bolhas e-normes.

Yipes sorriu e sentou-se com os cotovelosapoiados nos joelhos e mãos cruzadas. Numa voz suave e lenta, disse:

— Cara jovem, tal como te disse anteri-ormente, já chegamos. Escala muito bem. Por-tou-se muito bem para uma criança, principal-mente uma criança tão pequena.«Bem — continuou —, é meu dever e umprivilégio apontar a direção do seu destino. Porora, a minha tarefa está cumprida. Trouxe-a até

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aqui mas o próximo esforço terá de ser todo seu,lamento. Quero que suba este ribeiro. Entre naágua e caminhe até chegar a uma lagoa. Saberáque chegou lá quando ver, acredite em mim. Éum lugar especial. Só se tem uma oportunidadena vida de ir lá. Não posso dizer-lhe o que devefazer quando chegar lá. Isso terá que descobrirsozinha.

Olhei para o ribeiro e o seu leito ver-de-vivo. Uns trinta metros adiante desapareciade vista numa curva, entre as árvores.

— Mas como é que eu sei que cheguei aolugar cert... — Voltei-me para olhar para Yipes edeparei-me apenas com a rocha.

Tirei as sandálias e segurei-as na mão,penduradas nos dedos pelas correias. Ali, nochão arenoso e quente à beira do ribeiro, os pésdoíam-me mais que nunca e, portanto, cambaleeiimediatamente para dentro da água. O ribeirotinha apenas alguns metros de largura e, no mei-

o, chegava-me aos joelhos. Senti a água geladanas pernas nuas e os meus pés sentiram o mara- vilhoso toque do fundo fofo e felpudo do ribei-ro. Era como se estivesse caminhando sobreuma almofada de penas ou algo ainda melhor,porque o musgo verde metia-se entre os meusdedos e rodeava-me os pés como um invólucrodelicado e molhado. Deixei escapar umahhhh cheio de gratidão e um sorriso inesperado bro-tou-me dos lábios. Debaixo daquele calor, mer-

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gulhei a cabeça e o resto do corpo, vindo nova-mente à superfície numa explosão de água. Sen-tindo-me mais fresca, comecei a caminhar, apre-ciando o sussurro aveludado de cada passo queos meus pés inchados davam.

O ribeiro estreitava ainda mais quandocontornei a curva, mas continuava com algumaprofundidade. A água corria devagar e sem ruí-

do. A medida que avançava e descrevia outracurva, vi uma lagoa rodeada de paredes de rochapor todos os lados, menos pelo lado de que eu vinha. Era aquele o lugar.

Aproximei-me da beira da lagoa, que tinhacerca de três metros de diâmetro. Olhando para

baixo, reparei que a água tinha ficado turva eacastanhada em volta das minhas pernas. Atrásde mim, no lugar por onde tinha caminhado,uma escuridão densa habitava o ribeiro, comouma praga de gafanhotos num céu de Verão. Alagoa propriamente dita reluzia com uma cor

estranha que eu nunca tinha visto. Com trêspassadas largas e rápidas, caminhei até o centroe, por um breve instante, vi o fundo. A água da- va-me agora pelo peito. Vi o contorno bruxule-ante de uma pedra, que irradiava uma intensa luz verde. Um minuto depois, a agitação que eucausara na lagoa fez subir uma mancha de lamacastanha e espessa em volta das minhas pernas,que se depositou em volta do meu peito, dei-xando-me com água suja quase até o queixo.

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Mergulhando, agarrei numa mão cheia depedras e trouxe-as para a superfície. Eram todascastanhas e leves, não irradiando qualquer cor. Teria sonhado? Mergulhei outra vez e mais ou-tra, em várias zonas da lagoa, até ficar exausta efuriosa, de pé, numa lagoa de sujeira castanha.

Bati com os braços ruidosamente na águae deixei escapar um grunhido de frustração.

— Não entendo! O que se espera que eufaça aqui? — gritei, na esperança de ver Yipesdescendo a parede de rocha e trazendo a respos-ta. Mas estava completamente sozinha. Enquan-to permanecia ali, de pé, sem me mexer, a águaescura tornou-se um pouco mais clara. Talvez, se

ficasse completamente imóvel, a lama assentasseo suficiente para eu ver novamente a pedra in-candescente, verde-esmeralda, e depois, se meabaixasse muito devagar, talvez conseguisse a-panhar a pedra certa e ela irradiasse aquele brilho verde na minha mão. Embora pudesse não ser o

fim do teste, pareceu-me uma boa maneira decomeçar, por isso fiquei quieta como uma está-tua, numa lagoa de água lamacenta, esperandopacientemente.

A água levou muito mais tempo do que euesperava para mudar, não sofrendo qualquer al-teração durante um período excruciante detempo. Será que o castanho estava mais claroagora? Será que conseguia ver os contornos deformas lá embaixo? Não tinha certeza, portanto

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continuei à espera. Era uma sensação semelhanteà que tinha quando me punha de pé no parapeitoda minha janela durante horas a fio, olhando pelajanela em busca de um sinal de vida nos Montesdas Trevas. Perguntei a mim mesma como esta-riam meu pai e Ganesh, e senti uma saudade e-norme deles.

Milhares de pensamentos dispersos en-

chiam-me a cabeça, enquanto me esforçava paraficar completamente imóvel. A água estava defi-nitivamente ficando mais clara. Para mal dosmeus pecados, o dia ia ficando mais escuro nomesmo ritmo. No começo, tinha sido divertidoestar dentro da água, mas começava a tremer à

medida que o calor do dia ia diminuindo. Já de- via ter os pés mais encarquilhados que ameixassecas e, pior que isso, as solas dos meus pés ar-riscavam-se perigosamente a serem atacadas porcãibras, o que me obrigaria a mexer, turvando denovo as águas. A noite aproximava-se e, com ela,

um frio cruel que me obrigaria a sair de dentroda água.Fechei os olhos e concentrei-me. Imagi-

nei-me sentada ao lado de meu pai, cujo ca-chimbo libertava espirais de fumo doce por todaa sala. O fogo ardia como um monstro furioso,alimentado por uma pilha de lenha crepitante eiluminando os rostos com uma luz bruxuleante ealaranjada — Ganesh, Grayson, Silas Hardy,Nicholas e meu pai, a provocarem-se uns aos

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outros como de costume — esse tabaco rançoso é tão bem-vindo como uma doninha fedorenta num ... acha que o Sol nasce só para te ouvir papaguea — todos as bobagens que faziam com que os serõesfluíssem como mel até altas horas da madrugada.

Abri os olhos e ergui-os. O céu estava es-curo, as estrelas brilhavam em pequenos gruposna minha linha de visão. E, no entanto, não es-

tava tão escuro como uma noite sem iluminaçãodeveria ser, como as ruas de Bridewell ficavamdepois dos candeeiros serem apagados e tudoficar negro, com exceção da iluminação das tor-res de vigia. As três paredes de rocha tremelu-ziam de forma pouco natural, como as páginas

de um livro à luz trêmula de uma vela. Percorrias paredes com a vista e depois olhei para a água,por baixo de mim. A lagoa brilhava com uma luz verde, radiosa, que pulsava de uma única pedrado tamanho de um polegar que jazia a algunsmilímetros do meu dedo grande do pé. Os meus

pés e pernas refletiam aquela chama verde, quelançava a sua magia, e que ia diminuindo até àsmargens da lagoa, onde se extinguia suavemente.

Tremia agora descontroladamente, o queera agravado pelo medo de meter a mão na água,de ter de mergulhar a cabeça, o pescoço e osombros naquele brilho gélido. Quanto mais tre-mia, mais fraca se tornava a luminescência e sa-bia que, se esperasse muito mais, a lama subirianovamente e apagaria por completo a luz irradi-

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ada pela pedra. Lentamente, mergulhei até opescoço, soltando gritinhos entrecortadosquando a água fria me picou o corpo e me tirouo ar. A seguir, respirei fundo, prendi a respiraçãoe mergulhei até o fundo.

Desta vez, conseguia ver claramente a pe-dra, rodeada por outras que permaneciam casta-nhas, pretas e sem vida. Era só aquela, aquela

pedra que estava junto do meu dedo grande, quebrilhava como um minúsculo Sol verde num céulíquido. Estiquei a mão devagar, agarrei na suasuperfície morna e depois emergi, irrompendoda água e ficando com o corpo gelado ao entrarem contato com o ar da noite.

— Muito bem, senhorita. — Era a incon-fundível voz aguda de Yipes. — Agora, saia daí.Não quero que se constipe.

Batendo os dentes devido ao frio, sorri,radiante por ver o meu amiguinho, uns metrosacima da minha cabeça, suspenso da parede de

pedra como um macaco pendurado no tronco deuma árvore. Yipes desceu para a beira do ribeiroa alguns metros de mim, não parando de me fa-zer sinal com o braço para que me aproximasse.

— E-e-e-s-stou g-g-elada, Y-Y-Yipes! — Cambaleando, saí da lagoa para a margem co-berta de musgo do ribeiro. Fui recebida com umcobertor quente que atirei energicamente sobreos ombros, sentando-me depois na margem fofae seca. Fora dos limites da lagoa, éramos banha-

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dos pela luz bem-vinda da Lua. — Onde estão os seus sapatos? — per-

guntou Yipes enquanto me colocava um fio decouro em torno do pescoço, com uma bolsapendurada.

Praguejei, surpreendendo Yipes e a mimmesma com a explosão.

— Devo tê-los deixado cair na l-l-lagoa.

Tinha-os na mão quando entrei na água, masp-p-perdi-os — respondi. — Não se preocupe. Não se preocupe.

Coloque a jóia na bolsa que tem ao pescoço. Eu volto já. — Antes de eu ter tempo de protestar,mergulhou de cabeça na água, desaparecendo de

vista e reaparecendo no meio da lagoa com umwhuush,segurando as minhas sandálias por cimada cabeça. — São suas? — perguntou com umsorriso estampado no rosto, a água a pingar-lhedo bigode.

Yipes nadou para junto de mim e esten-

deu-me as sandálias. Contudo, eu estava ocupadaa virar e revirar a pedra nas mãos.Continuava com o seu brilho radioso. Era

lisa, tinha mais ou menos metade do tamanho deum ovo de galinha e era mais pesada do que de- via, dado o seu tamanho. A sua cor era espanto-sa: parecia um saboroso creme de lima que medava vontade de cheirar, e quase esperava sentiro cheiro ácido do fruto.

— Ainda está com isso na mão? — per-

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guntou Yipes. — Devia guardá-la na bolsa paranão ficar sem ela. Essa é uma pedra que não vaisquer perder. — Obedeci, puxando bem o fio dabolsa depois de colocar a pedra no seu novo lar:um lar seco e áspero, muito diferente do seu an-terior ambiente aquático. Dei por mim estra-nhamente preocupada com o seu bem-estar.

— Agora, temos que continuar. Sei que te

doem os pés, mas o pior já passou. Só mais umbocadinho e depois já pode descansar — disse Yipes, molhado da cabeça aos pés mas ali de pé,em sentido, sem o mínimo sinal de desconforto.

Levantei-me sem me queixar, pronta apartir. Estava começando a gostar de Yipes e

pronta a acatar as suas ordens de boa vontade, seele não me deixasse para trás. Afastamo-nos doribeiro, penetrando no silêncio da noite, com alua a iluminar-nos o caminho e a Casa Renny emalgum lugar à distância.

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CAPÍTULO 12DARIUS

epois de Yipes e eu termos caminhado du-rante meia hora, ouvi o som de água cor-

rente veloz. Aproximamo-nos de um ribeiro quetinha uns seis metros de largura. Ao longo dasmargens e no meio, viam-se grandes pedras ar-redondadas, que se assemelhavam a sardas nobraço caído de uma gigantesca criatura da mon-tanha. Do outro lado do ribeiro, a lua iluminavauma estranha casinha, construída precariamentesobre estacas, meio dentro da água, meio na ter-ra. Era pequena e projetava três anda-res-miniatura na noite. Da chaminé saíam bafo-radas de fumaça.

D

Yipes atravessou o ribeiro por um cami-nho de pedras, saltitando de pedra em pedra, eeu o segui, obedientemente, até o outro lado,gostando do desafio mas também com medo deescorregar e sentir a mordida gelada da água. Ainda não tinha chegado à terceira das doze pe-dras, e Yipes já estava do outro lado, ficando àminha espera.

— Salta razoavelmente bem — disse ele,quando saltei da última pedra. — E seguiu exa-tamente o mesmo caminho que eu. Isso é bom,muito bom mesmo. Um talento como esse lheserá útil no futuro.

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Virando-se, subiu o caminho que ia dar naestranha casa de três andares. Segui-o, curiosapor saber como seria a casa por dentro. O ribei-ro continuava a fazer aquele ruído agradável efresco. Quando chegamos à varanda da frente, Yipes parou. Empoleirado no corrimão da va-randa estava o falcão. Yipes fez-lhe uma festa nopescoço.

— Esta é a minha casa, Alexa. Será minhahóspede até de manhãzinha.Darius vem buscá-laaqui amanhã, para te conduzir à reunião — disse,abrindo a porta, que tinha um pouco menos deum metro de altura e uns cinqüenta centímetrosde largura.

Tive de entrar de joelhos e com os om-bros virados de lado mas, como eu mesma sótinha um metro e trinta e sete centímetros dealtura, a porta não era tão pequena como me pa-recera. Imaginei o Grayson tentando entrar, en-colhendo a barriga gorducha, e ficando entalado

como uma rolha no gargalo de uma garrafa, coma pança apertada contra as ombreiras da porta;ou então Pervis Kotcher, agachado na sala deentrada, virando-se e metendo o traseiro na la-reira, batendo com a cabeça nas traves baixas,enquanto berrava e uivava de dor. Uma vez ládentro, calculei as dimensões da divisão comosendo da ordem dos três metros e sessenta delado a lado e de um metro e vinte do chão aoteto.

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Era acolhedora e quentinha, embora ti- vesse de ficar sentada para não bater com a ca-beça no teto. No centro da sala havia uma mesacom pão, nozes, fruta e água fresca. Tinha pas-sado o dia todo sem pensar em comida mas, ao ver aquele banquete na minha frente, o meu es-tômago roncou de fome.

— Yipes, posso...

— Nem precisa perguntar. Tenho a honrade tê-la como hóspede. A comida é para você,claro — respondeu ele, passando a língua peloslábios e alisando o bigode com a mão.

— Recuso-me a comer se não me fizercompanhia neste banquete — protestei.

— Bem, se insiste — concordou Yipes,puxando um pequeno e maravilhoso que-bra-nozes do bolso e aproximando-se da mesa.Um largo sorriso cobria-lhe o rosto, quase lheescondendo a boca debaixo do delicado bigode.

Apoiei-me no cotovelo e ele sentou-se à

mesa numa cadeira desengonçada. Comemos atéficarmos satisfeitos, enquanto o brilho morno dalareira dançava nas paredes. Uma escada em ca-racol conduzia até o primeiro andar, mas era ób- vio que eu teria dificuldade em subi-la. Pelo as-pecto da coisa, havia grandes probabilidades deficar encalhada no corredor, portanto decidi nãoperguntar se podia ver o resto da sua linda casi-nha. Em vez disso, bombardeei-o com pergun-tas.

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— Fez alguma jura de segredo, ou podeme contar algo sobre esse talDarius e sobre amisteriosa reunião em que eu devo estar presen-te? — perguntei, já na metade de uma grande esuculenta maçã.

— Não tardará que saiba tudo, não tarda-rá nada mesmo.

— Pode me dizer por que vive nas mon-

tanhas e de onde veio? — perguntei.Ele ficou pensativo durante algum tempo,brincando com o quebra-nozes e depois esvazi-ando uma casca de noz. Mordiscando o seuconteúdo, disse:

— Não posso contar grande coisa... não

me é permitido, lamento. Vivi em Bridewell du-rante uns tempos, há muitos anos. Quando osmeus pais se aperceberam de que não iria cresceraté um tamanho normal, abandonaram-me nasruas da cidade. — Depois de uma pequena pau-sa, acrescentou: — Uma pessoa pode desapare-

cer facilmente quando, para começar, ninguémrepara nela. — Ecrack,partiu outra noz. — Eu sou pequena e consigo desaparecer

facilmente — disse eu. — Bem, isso é porque você é especial. É

pequena, mas é mesmo muito especial. Acho que conversamos durante mais al-gum tempo mas o calor da sala e o meu estô-

mago cheio fizeram-me sentir tão sonolenta quenem consigo me lembrar de quando me deitei no

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chão nem de ter adormecido. Apenas me lembrode acordar com a sala banhada pela luz da novamanhã, revigorante e fresca. Estava encolhida nochão, como um bebê, coberta com um cobertor,e com uma almofada acolchoada debaixo da ca-beça. Estava meio dormindo, meio acordada.

É maior do que eu esperava que fosse. Ah, ela está bem assim. Até eu consigo ver iss

Está bem, está bem. Não é preciso se enervEla vai conseguir, concordo. Fez um ótimo trabalhozendo-a até aqui.

Ela conseguiu sozinha. Não precisa da ajudaalguém como eu. É ela que procura. É ela.

As vozes tornaram-se mais claras quando

me sentei. Durante um momento, pensei estarno meu quarto na Casa Renny e pensei que tudoo que acontecera no dia anterior não passava deum sonho. Depois virei-me e vi um lobo adultoao lado de Yipes, com a boca ofegante cheia dedentes grandes e afiados como lâminas.

Com um salto, encostei-me à parede, sen-tindo um medo familiar e frio penetrar-me osossos. Esfreguei os olhos para me certificar deque estava acordada e, confirmei que, infeliz-mente, estava desperta e perfeitamente consci-ente. Comecei a ter uma percepção estranha detudo o que me rodeava. Parecia que, de algumaforma, entendia o que as árvores estavam di-zendo, quando o vento soprava por entre os ra-mos do lado de fora, e o que dizia a água que

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corria por cima das rochas, no ribeiro. — Permita-me que me apresente — disse

o lobo. — SouDarius. — Os seus beiços não semoviam como os lábios dos humanos, quandofalava, mas eu compreendia perfeitamente. Aforma como ele se movimentava de um lado pa-ra o outro, como arrastava as patas no chão,como inclinava a cabeça e os leves ruídos que

saíam da sua garganta, e uma centena de outrascoisas que, em conjunto, formavam uma lingua-gem que eu compreendia na perfeição. O queestava me acontecendo?

— Desculpe, será que o ouvi se apresen-tando? — perguntei, espantada.

— Ouviu sim. E, segundo parece, você é Alexa Daley, de Bridewell. Muito prazer em co-nhecê-la.

— Igualmente — respondi baixinho, numtom inexpressivo.

Yipes não abriu a boca e permaneceu em

sentido, encostado à parede oposta. O lobo a- vançou em passos leves e parou a poucos centí-metros de mim.

— Sei que está confusa e precisando derespostas. Também sei que só tem hoje e ama-nhã e que depois precisa regressar a Bridewell.Sei tudo sobre o seu pai, sobre Grayson, Ganeshe sobre Pervis Kotcher. Também sei coisas so-bre a sua mãe, sobre Nicholas e Warvold, e seitambém muitas outras coisas que você não sabe.

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«Foi escolhida por um motivo muito es-pecial, Alexa. O nascimento de Warvold desen-cadeou acontecimentos que a sua morte tem quepôr um fim. Ele a escolheu para cumprir estatarefa e é o que deve fazer.

«Yipes foi muito gentil em tê-la trazido atéaqui. Agora é meu dever conduzi-la a uma reu-nião com o rei da floresta e o seu Conselho.

Posso levá-la até o túnel e a partir daí seguirácaminho com Malcolm.Ele a acompanhará du-rante o resto do percurso.

Rei da floresta, Conselho, mais túneis — o meucérebro estava cheio de fatos que eu não conse-guia compreender. Naturalmente, o meu pri-

meiro instinto foi tentar livrar-me de qualquerfalso sentimento de dever no qual pudesse tertropeçado.

— Mas, sou apenas uma criança... umacriança pequena — protestei. — Posso ir chamaro meu pai, ele acreditará em mim; pode falar

com ele sobre o que quer que precise. — Alexa. — Era Yipes sussurrando dooutro lado da divisão. Mal conseguia ouvi-lo di-zer o meu nome. Ele continuou numa voz suave: — O seu tamanho é a sua força. Sem ele, nãoteria sido escolhida. Olhe para mim... tenho me-tade do seu tamanho e, no entanto, se não fosseeu, ainda estaria batendo com a cabeça contra aporta de um túnel, fechada à chave em Bride- well. O seu corpo tem o tamanho ideal, Alexa. A

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única questão que se coloca é se você será sufi-cientemente grande pordentro.

Darius acrescentou então: — Prometo que, ao anoitecer, estará tudo

esclarecido e que, amanhã de manhã, já estará acaminho de casa.

Olhei para Yipes e tive uma vontade e-norme de me sentar com ele e conversar o dia

todo. Ele estava de pé, muito ereto, deixandoque uma lágrima lhe corresse pela face, sem lim-pá-la.

— Está bem, eu vou — disse eu, e enten-di o sorriso largo e doce do lobo selvagem. Eraóbvio queDarius estava com pressa de pôr as

coisas em andamento pois, mal concordei em irà reunião, colocou-se a meu lado, empurran-do-me em direção à porta com a sua poderosacabeça.

— Nos veremos outra vez? — perguntei a Yipes enquanto saíamos pela porta e descíamos

o alpendre. Ele estava me pendurando um sacocom comida seca em volta do pescoço. — Acho que sim — respondeu com os

olhos se enchendo de lágrimas. — Darius cuidarábem de você. Pode confiar nele. — Dito isto, voltou-me as costas, embaraçado, para tratar doseu falcão. Corri de novo para junto dele, pe-guei-o no colo como se fosse um grande bonecode trapos, e abracei-o. Depois, rodei com ele noar, antes de pousá-lo novamente na varanda.

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Sem olhar para trás, comecei a caminhar comDarius.O som do ribeiro ficou cada vez maislongínquo até se perder no roçar das árvores, ànossa frente.

Enquanto caminhávamos, comecei apensar: Warvold teria realmente me escolhido,como diziaDarius? Sim, ele tinha me pedido queo acompanhasse no seu último passeio. Mas não

era só isso. Ele podia ter me dado a chave... mas,em vez disso, fez-me um último teste. Tinha queencontrá-la e, quando conseguisse, me tornariadigna da escolha.

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CAPÍTULO 13O TERRÍVEL SEGREDO

ive a nítida sensação de que estávamos se-guindo o caminho errado. Sabia mais ou

menos a localização da muralha e das três estra-das com portões e tinha certeza de que estáva-mos nos dirigindo à estrada de Lathbury, queficava do lado oposto àquele para onde devía-mos estar caminhando. A estrada para Lathbury separava as montanhas dos Montes das Trevas enão o Monte Norwood da Floresta Fenwick.

T

— Darius? — chamei. — Sim, Alexa. O que foi? — O meu sentido de orientação não deve

ser tão bom como o seu, mas me parece que es-tamos na direção errada.

— Muito bem, Alexa. Tem razão. Vamosfazer um ligeiro desvio antes da reunião. Há algoque preciso que você veja e que não levará muitotempo.

Darius parecia bastante amigável, mas nãotinha mencionado este desvio inesperado quan-do estávamos com Yipes. Isso tornava-me des-confiada e nervosa. Afinal, ele era um lobo, e euestava perdida e indefesa como uma ovelha. Memanteria alerta e, se continuasse a sentir que ascoisas não estavam bem, desistiria da caminhadae regressaria à procura de Yipes.

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Ao contrário dos que tinha visto em li- vros,Darius era um lobo grande. Com as quatropatas no chão, chegava-me aos ombros, e a suacabeça era do tamanho das melancias madurasdo quintal da minha mãe. O seu pêlo era escuro,salpicado de pequenas manchas claras, e tinhaum aspecto macio e abundante, embora aindanão tivesse tido oportunidade de tocá-lo. Se en-

costadas à minha mão, as suas patas ultrapassa-riam seguramente, em tamanho, todos os meusdedos, e as suas poderosas mandíbulas tinhamaspecto de conseguir partir a roda de uma carro-ça.

— Pronto, já chegamos — anunciouDa-

rius. — Chegamos onde? — perguntei, aguar-dando, apreensiva, a resposta. Depois, olhei paratrás deDarius e apercebi-me de que estávamosnuma mata, com uns meros 18 metros entre aestrada de Lathbury e nós.

— A que distância, à nossa direita, fica aporta de Lathbury? — perguntei. — Não fica muito longe. Apenas uns du-

zentos metros. Mas estamos em segurança. Osguardas não conseguem nos ver. Além disso,temos falcões fazendo turnos duplos agora demanhã. Eles avisarão, se houver algum perigoiminente.

— Porque me trouxe aqui,Darius? Parame testar? Para ver se eu corro para a torre e

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conto a todo mundo que os animais falam e queeste lugar está assombrado?

— Meu Deus, não! Eles achariam que estálouca. Além disso, eles não nos entendem. Só você entende o que dizemos — respondeu.

Darius deixou que essa informação fosseassimilada e depois continuou:

— Havia um túnel que foi escavado há

muito tempo e que passa por baixo desta mura-lha. É estreito, quase estreito demais para mim e,de qualquer forma, odeio túneis. Recuso-me aentrar num, sejam quais forem as suas dimen-sões.

«Este túnel tem cerca de noventa metros

de comprimento e vai descendo gradualmente aolongo do solo. No final há uma fila de tábuas demadeira e, do outro lado dessas tábuas, há terrabatida, embora me tenham dito que há um lugaronde se pode ver o outro lado, se olhar comodeve ser. O túnel foi construído por texugos e

Yipes fez as tábuas e colocou a terra no final. Eleé menor que você e passou muito tempo traba-lhando lá embaixo.

«Tem que rastejar até o fundo do túnelantes de eu te levar a Malcolm.Só terá que fazermais isto.

Darius afastou-se para o lado e, realmente,à minha frente havia um buraco pequeno, comuns setenta centímetros de diâmetro.

— Não sei se caibo naquele buraco —

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observei, embora tivesse quase certeza de quecabia.

Darius deu alguns passos até ficar nasombra, debaixo de uma árvore enorme. Dei-tou-se e fechou os olhos, a sua enorme cabeçadescansando em cima das fofas patas dianteiras.

— Você pode nos ajudar porque é pe-quena, Alexa. Acho que cabe. — Dito isto, ficou

silencioso, respirando regularmente, como setivesse adormecido.Espiei para baixo, para o buraco, e fiquei

triste por ver que ele ficava mergulhado na escu-ridão logo depois da entrada. Queriam que euentrasse num buraco escuro e andasse aos tro-

peções numa toca de texugos, que me atacariamà unhada e à dentada, até me fazerem em peda-ços numa silenciosa caverna subterrânea?Darius podia, por vários motivos, estar conspirandopara mandar me matar. Mal o conhecia, isto alémde ser oúnicolobo que eu conhecia. Será que se

podia confiar num lobo? Olhei para o lugar ondeDarius estava, que parecia perfeitamente dispostoa dormir o resto da manhã à sombra das árvores.

Era verdade que eu podia correr em dire-ção à torre, gritando, berrando e esbracejando,ou talvez conseguisse encontrar novamente ocaminho para o túnel secreto que conduzia à bi-blioteca. Esta última hipótese era mais difícil depôr em prática, já que não fazia a mínima idéiade onde ficava o túnel. ComDarius adormecido,

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conseguiria provavelmente fugir e convencer Yipes a me ajudar. Mas, no fundo, o que eu sabiarealmente sobre Yipes? Não muito mais do quesabia sobreDarius.

Caminhei de um lado para o outro emfrente do buraco, sem saber o que fazer.

— Tem razão, por outros motivos tam-bém. — EraDarius,de cabeça levantada e bem

acordado, os seus olhos escuros e penetrantesolhando-me fixamente. — Temos estado obser- vando-a com interesse já a algum tempo. Cons-pira e maquina em busca de uma forma de saírpara o exterior da muralha. Sempre soube que asua vida tinha um propósito superior, que tinha

uma tarefa misteriosa a cumprir, talvez até umpassado misterioso de que não conseguia se re-cordar. A sua busca não foi tão sem sentido co-mo possa imaginar. Ela te trouxe até aqui, nãotrouxe? — Darius levantou-se e deu quatro pas-sadas largas na minha direção. Imaginava que ele

seria capaz de enfrentar sozinho qualquer ho-mem ou animal que eu conhecia.«Sabe de onde veio a pedra que estava na

lagoa e porque te permite entender o que eu di-go? Faz alguma idéia do que aconteceu a Renny Warvold, de quem é Elyon e de onde ele está? Acho que a resposta a estas perguntas, entremuitas outras, te surpreenderia. Mas, antes demais nada, não entenderá porque está aqui en-quanto não descer por esse buraco escuro para

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descobrir por si mesma. A sua aventura começaou termina aqui, Alexa.

Hesitei durante mais algum tempo, en-chendo o peito do ar fresco da montanha e o-lhando para o azul do céu matinal. Havia folhasdançando no ar e um falcão desenhava círculos,por cima das nossas cabeças. Yipes os teria en- viado para me proteger?

Passado um pouco, pus-me de joelhos eenfiei a cabeça no buraco, sabendo de antemãoque não tardaria a dar por mim debaixo da terra.Não conseguia resistir à tentação da descobertaqueDarius tinha, tão habilmente, colocado diantede mim.

As minhas mãos entraram a seguir. Aotocar no chão fresco, uma nuvem de poeira ro-lou para a escuridão. Depois que os meus om-bros entraram no buraco, já não conseguia me virar para olhar para trás sem soltar terra secadas paredes. O túnel era claustrofóbico, muito

menor do que parecera à primeira vista. O meucorpo impedia a passagem dos poucos raios desol que entravam no buraco, e apenas um ououtro iluminava fracamente o espaço à minhafrente. Quando os meus joelhos entraram notúnel, fiquei ainda mais desconfortável. As mi-nhas costas curvadas batiam no teto do túnelenquanto eu avançava, bamboleando de um ladopara o outro. Conseguia baixar o tronco e a ca-beça, dobrando os cotovelos, mas o meu traseiro

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era uma protuberância difícil de controlar na-quele estreito espaço subterrâneo. Para manteressa parte do corpo baixa, tinha que me reclinarsobre os tornozelos e avançar com impulsoscurtos e desajeitados. Depois de ter introduzidoo corpo todo no túnel e de ter avançado apenasuns metros, me vi envolvida por uma escuridãofria e seca.

Qual era a distância queDarius tinha men-cionado? Trinta ou noventa metros? Não con-seguia me lembrar mas, qualquer que fosse adistância, tinha certeza de que me pareceria cemquilômetros. Quanto mais avançava, mais escuroficava e, passado algum tempo, acabei por fechar

os olhos para evitar que a terra os ferisse. Após vinte minutos naquele desconforto, começarama me doer as costas e os joelhos e fui dominadapor um medo terrível. Abri os olhos e tive a es-tranha sensação de estar num sonho do qual nãoconseguia acordar; quer abrisse, quer fechasse os

olhos a escuridão era a mesma e um terror sinis-tro comprimia-me a garganta.Naquele momento ocorreu-me que não

podia voltar para trás. Na realidade, não seriasequer possível dar a volta quando chegasse ahora de sair do túnel. Já era suficientemente difí-cil arrastar-me para frente, arrastar-me para trásseria impossível. Morreria debaixo do solo, e-xausta e chorando que nem uma Madalena, pro- vavelmente virada de lado, numa tentativa vã de

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me voltar. Comecei a respirar com dificuldade ea ver um arco-íris de estrelas coloridas na escu-ridão. Mais um pouco e perderia os sentidoscom a cara enfiada na terra.

Reclinei-me sobre os tornozelos e tenteime acalmar. Tinha percorrido vinte minutosdentro do túnel. Porque não tinha contado cadaum dos impulsos que dava para avançar? Se cada

um dos meus avanços tivesse uns trinta centíme-tros de comprimento, então eu estava avançandoa um ritmo de seis metros por minuto, portanto,teria percorrido uma distância aproximada decem metros dentro do túnel. Isso significava queDarius tinha mentido, pois eu já tinha avançado

pelo menos uns noventa metros. Ele provavel-mente já tinha tapado a entrada do túnel comterra e partido, floresta adentro, em busca deuma vítima indefesa que lhe pudesse servir dealmoço. Voltei a me deitar de barriga para baixona terra negra e fria da minha sepultura, sem sa-

ber o que fazer a seguir.Sabia que não podia me virar para trásnem recuar assim, de marcha ré, pelo que tinhade optar entre continuar em frente ou ficar alideitada e morrer de fome. Decidi continuar emfrente e, depois de três arrastadas, a minha mãoencontrou ar em vez de chão.Deitei-me novamente sobre a barriga etentei apalpar o fundo, com os dois braços pen-durados no ar, mas ele estava muito longe para

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senti-lo. As paredes dos lados também tinhamdesaparecido e percebi uma luz fraca a penetrarno espaço. Peguei numa pedrinha e a deixei cairno precipício, ouvindo-a bater no chão, algunsmetros abaixo. Deslizei para este novo espaçoaberto como uma serpente seca e depois pus-mede pé.

Se calharDarius não tinha era jeito para

calcular distâncias, e talvez não fosse realmentemau.Estiquei os braços à procura de paredes

mas encontrei apenas ar durante algum tempo.Nisto, cheguei a uma parede que era claramentefeita de tábuas de madeira e apalpei a sua super-

fície em direção ao teto, que ficava a uns trintacentímetros acima da minha cabeça. A leve lu-minescência que tinha detectado anteriormentenão era suficiente para iluminar a escuridão, maso raio de luz que gerava via-se bem contra amadeira. Uma pequena abertura com não mais

de vinte e cinco milímetros deixava entrar umfraco feixe de luz poeirenta.De costas encostadas a uma das paredes,

fiquei olhando para o feixe de luz. Ao me apro-ximar da parede e ao encostar um olho no pe-queno buraco, não podia imaginar o que iria verdo outro lado.Era uma divisão. Havia uma candeiapendurada na parede mais afastada e outra àminha direita, a partir da qual só conseguia ver

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luz a brilhar de quando em quando. Havia umamesa e duas cadeiras, bem como um mapa,pendurado na parede à frente da abertura poronde eu espreitava, assinalando locais que eununca tinha visto, que se emaranhavam numnovelo de curvas e contracurvas de castanho epreto. Era uma divisão fracamente iluminadacom paredes de terra e não conseguia ver ne-

nhuma porta.Ouvia vozes, a princípio ecos distantes,como os sons que vinham da sala de reuniões naCasa Renny, quando tentava escutar atrás dasportas fechadas. Senti o mesmo medo, que mefazia acelerar o coração, quando as vozes se a-

proximaram. Eram dois homens que discutiampor algum motivo. À medida que se aproxima- vam, as suas palavras tornaram-se mais claras,pronunciadas numa linguagem sussurrada que euconhecia bem.

— Não me interessa o que ele diz. Mesmo

assim, já esperamos muito tempo — disse oprimeiro homem impacientemente. — Sei que quer ir; muitos de nós quere-

mos ir. O que quer que eu faça? Ele irá quandoestiver preparado para tal — disse o outro ho-mem. Os dois homens estavam agora na sala, domeu lado esquerdo. Fora do meu campo de vi-são, mas perto.

— Porque é que não podemos lhe dizerque temos que nos apressar com isso? — inqui-

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riu o primeiro homem, irritado. — Chegou anossa hora. Os homens estão prontos.

Os homens passaram à minha frente e eume afastei do buraco de um salto e, soltando umgritinho abafado, caí para trás com um baquesurdo. Tive medo de que tivessem me ouvido eme encolhi toda só de pensar em encontrar ou-tro olho espreitando de volta pelo buraco, e de

ver as tábuas voarem em estilhaços pelo ar, en-quanto os homens irrompiam pela parede edescobriam o meu esconderijo.

A luz suave continuava a passar pela mi-núscula abertura e as vozes afastaram-se umpouco. Quando tive certeza de que não tinham

me ouvido, voltei a aproximar silenciosamente oolho do buraco e vi que os homens tinham seinstalado em volta da mesa para continuar a suadiscussão, ao mesmo tempo que olhavam para omapa que estava pendurado acima deles, na pa-rede. Agora falavam mais baixo e, dada a maior

distância entre nós, apenas conseguia ouvir umapalavra aqui e um fragmento de frase ali. Muitotempo. Compreendo.Um enfático Não!

A maior parte do que conseguia ouvir erauma confusão de palavras inúteis que não con-seguia ligar umas às outras para fazerem sentido.Mas, pela forma como falavam e pela formacomo conspiravam, percebi que alguma coisasinistra estava para acontecer.

A certa altura, um dos homens se levan-

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tou e começou a caminhar na minha direção,aparentemente para ir buscar qualquer coisa queestava do lado do meu observatório. Era umhomem grande e, quando se aproximou, vi quetinha o cabelo desgrenhado e a barba muitocomprida. Prendi a respiração quando o homemse aproximou mais ainda, colocando-se quase naminha frente. Ele riscou um fósforo e acendeu

outra candeia, que estava pendurada bem juntoao orifício por onde eu espreitava, do lado direi-to. Quando a luz ganhou vida, vi o queDarius quisera que eu visse.

Aquele homem de aspecto maltrapilhotinha um C marcado a ferro em brasa, bem visí-

vel, na testa.Era um condenado!

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CAPÍTULO 14O CONSELHO DA FLORESTA

evei metade do tempo rastejando para a saí-da do túnel do que levara para entrar. O

percurso de regresso foi muito mais violentopara o meu corpo, pois bati muitas vezes com oscotovelos, com os joelhos e com as costas, naânsia de sair. Quando emergi do buraco, apanheia luz e o calor em cheio e levei algum tempo atéconseguir ver alguma coisa mais do que manchasardentes de branco e amarelo. Estava exausta,por isso me deitei de costas com as mãos co-brindo os olhos, escutando o vento soprar entreas folhas das árvores.

L

— Deve estar com fome. E se abríssemosaquele seu saco e comêssemos qualquer coisa? — EraDarius,que estava a uns metros de dis-tância. Rolei para me pôr de lado e olhei para elecom os olhos semicerrados.

— O que aqueles homens fazem ali em-baixo? — perguntei. — Vi um deles de perto;tinha um C marcado na testa. Pensei que todosos condenados que construíram as muralhas nãoestivessem mais aqui. Como é que estes aindaestão?

— Ah, eu sei o que eles estão fazendo aliembaixo e, logo logo, também saberá. Mas pri-meiro vamos almoçar, está bem?

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Tentei lhe fazer mais perguntas, mas ele serecusava a adiantar alguma coisa. Finalmente,dei-lhe um pouco de carne seca, que ele comeu,num lampejo de dentes e saliva. Eu mastigava,indiferente, um pedaço de pão, enquanto cami-nhávamos lentamente em direção à muralha de Turlock, que separava as montanhas da floresta.Continuei a interrogarDarius sobre os homens

que tinha visto, mas ele parecia querer continuaro trajeto em silêncio, abrindo caminho por entreo mato e contornando uma ou outra árvore caí-da. Finamente, completamente frustrada, gritei:

— Não é capaz de parar um pouco a fimde me contaralguma coisa?

Darius parou, voltando-se para mim. — Hoje sou responsável por duas coisas:fazê-la descer por aquele buraco e colocá-la nasmãos competentes de Malcolm até meio-dia. Atéagora, só cumpri uma dessas duas tarefas. Todasas tuas perguntas serão respondidas antes que o

Sol se ponha hoje, mas por hora, não posso re- velar mais nada. — Dito isto, virou-se e come-çou novamente a caminhar e, embora me sentis-se completamente exasperada, segui-o, um pou-co mais atrás, pelo caminho abaixo.

Foi uma viagem longa e quente, mas aomeio-dia, chegamos a um pequeno bosque dechoupos a uns cinqüenta metros da muralha de Turlock. A porta de Bridewell estava agora àdistância e, olhando para o céu, distingui vários

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falcões no ar patrulhando a zona, desviando-sede uma tempestade de cotão branco libertadopelas árvores. Enquanto eu eDarius regularizá- vamos a respiração, vi à distância um movimentona vegetação, um lampejo cinzento e depois no- vo movimento.

— Ah, lá vem ele. É um bom rapaz, ape-sar de não ter muito jeito para se fazer de deteti-

ve — disseDarius.Ficamos olhando, enquanto abola de pêlo cinzento, sem forma, continuava acorrer, entrando e saindo da vegetação. Passadoalgum tempo, ficou claro que se tratava de umcoelho que corria na nossa direção, de esconde-rijo em esconderijo, no meio do matagal. Pelo

visto, a criatura estava demorando muito tempopara chegar até nós. — Importa-se de parar com esse número

de espião secreto e se apressar?! — berrouDari- us. — Vai atrasar a todos nós. — Não houvequalquer movimento durante alguns momentos

— É você,Darius? — perguntou uma vo-zinha fina e insegura, em algum lugar no meio domatagal.

— Sim, sou eu, o lobo enorme que veiocomer o coelhinho indefeso. Quanto mais tem-po demorar para chegar aqui, com mais fome eufico — disseDarius. Uma cabeça cinzenta com umas orelhascaídas espreitou da vegetação a uns dezoito me-tros de nós.

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— Já vou! — exclamou o coelho comgrande exuberância, aparecendo aos meus pésalguns segundos depois.

— Não é preciso ser hostil — ralhou ocoelho, que eu calculei ser o tal Malcolm. — Ah,mas vejo que traz a menina... e na hora combi-nada. Bom trabalho!

— Não é nada do outro mundo, para

quem está sozinho — respondeuDarius,ficandode repente mais calado e olhando para Malcolm com uma tristeza enorme. — Sabe alguma coisadeOdessa e Sherwin?

— Pare de choramingar. É patético numacriatura do seu tamanho. Isto logo chegará ao

fim,Darius.Confie em mim — disse Malcolm. — E, agora, que tal nos apresentar como se deve?Darius rosnou e depois apresentou-me.

Malcolm esticou a pata, tentando me apertar amão. Segundo ele, era costume os humanos a-pertarem as mãos e queria que eu me sentisse em

casa. Inclinei-me e segurei na sua pata cinzenta efelpuda entre o meu polegar e o indicador e asacudi desajeitadamente para cima e para baixoalgumas vezes. Malcolm deu um risinho nervoso edepois olhamos os dois paraDarius,que revirouos olhos. Eu ri e, pela primeira vez, me sentimenos como uma estranha no exterior da mura-lha e tive a sensação de que talvez estes animaispudessem realmente ser meus amigos.

Darius e Malcolm se aproximaram um do

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outro e puseram-se a conversar, enquanto eu mealiviava atrás de uma árvore, o que originou umanova conversa sobre quando e onde se deve ir aobanheiro, e se se devia ou não cobrir os dejetosno final.

Após vários minutos de discussão,Darius disse:

— Sugiro que continuemos esta conversa

quando tivermos mais tempo. No entanto, re-conheço que a opinião de Malcolm sobre a mar-cação de árvores em vez de rochas constitui umargumento de peso.

Malcolm olhou para cima, para mim, e eufiz um movimento afirmativo com a cabeça, in-

dicando que estava pronta a seguir caminho. — Vou diretamente encontrar Yipes paralhe contar do nosso progresso. Vai ficar conten-te por saber que conseguiu chegar até aqui — disseDarius.Depois, inclinando levemente a ca-beça, acrescentou: — Malcolm,foi um prazer,

como sempre. Tome conta da nossa pequena ediga a todos que estou bem. — Dito isto, afas-tou-se e eu fiquei ali, sem nada para me protegeralém de uma bola de pêlo sorridente com poucascapacidades de batedor. De repente, me senti sóe com saudades do meu pai e dos amigos quetinha deixado em Bridewell. Acho que até sentisaudades de Pervis, ou, pelo menos, do confortomórbido da sua má educação.

— Cresceu um pouco desde que me fala-

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ram do seu tamanho. Deve ter se espremido to-da para conseguir caber naquele túnel em Lath-bury — observou Malcolm. — O próximo não étão mau.

— O próximo? — repeti. — Claro, o próximo.Darius não te con-

tou? Temos uma reunião importante na florestahoje à noite. Há muita coisa para ser discutida.

Caminhamos, ou seja,eu caminhei e Mal- colm saltitou em direção à muralha de Turlock. Acerta altura chegamos junto de um buraco deaspecto estranho, rodeado de pedras por todosos lados. Tinha uma inclinação de determinadoângulo e parecia passar sob a muralha.

— Que túnel mais estranho, Malcolm — notei eu. — É porque não foi escavado por ani-

mais. Foram os humanos que o fizeram e oshumanos fazem sempre as coisas de uma formamuito estranha. Sem ofensas, é claro. — Depois

de proferir estas palavras, ficou atrapalhado,como se desejasse poder retirar o que tinha dito. — Não fiquei ofendida — sosseguei-o. — Isto é um aqueduto — continuou Mal-

colm. — Aparecem de quando em quando aolongo das muralhas. Na Primavera, a água es-corre das montanhas para estes túneis e depoisao longo deles até à Floresta Fenwick, e daí paraos Montes das Trevas, onde, nos primeiros me-ses da Primavera, cria uma espécie de zona pan-

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tanosa. Malcolm continuou a falar, explicando que

os aquedutos estavam envoltos em pedra, pas-sando cerca de um metro e meio abaixo dos e-normes blocos de pedra das fundações da mura-lha, e subindo depois, gradualmente, até desem-bocarem na Floresta Fenwick e nos Montes das Trevas.

O meu companheiro de viagem cabiaperfeitamente dentro do túnel. Eu o segui edescobri que era um pouco apertado. Conseguiame arrastar lentamente, deitada de barriga parabaixo, mas as paredes de pedra do aqueduto ro-deavam-me e era difícil avançar, pois estava

constantemente raspando os ombros e os coto- velos nas paredes. Este túnel descia mais rapi-damente que o outro, endireitava e depois co-meçava novamente a subir lentamente, em teori-a, do outro lado da muralha. Não tardei a ver luza entrar pelo túnel e, pouco depois, estávamos

novamente no exterior, em campo aberto. En-contrávamo-nos na Floresta Fenwick. — Quem sãoOdessa e Sherwin? — per-

guntei, virando a cabeça para o lado e sacudindoterra e poeira do cabelo.

A princípio Malcolm não respondeu, masdepois parou de saltitar e olhou para mim. — Odessa é a companheira deDarius eSherwin é o filho.

Devia haver mais que ele pudesse dizer

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sobre aquela história e pouco depois Malcolm mecontou.

— Darius estava caçando a várias semanas — explicou. — Eles ergueram a muralha tãodepressa, e havia tantos humanos por aí, que foiapanhado do lado da montanha. Como muitosdos animais, ele é muito grande para caber numaqueduto e não há nenhuma forma de se conse-

guir cavar até uma profundidade suficiente parase passar por baixo das fundações da muralha.Ele não pode contornar a muralha, pois as duaspontas dão nos penhascos escarpados que mer-gulham no Mar da Solidão. A água e as muralhasnos mantém separados. Já não vê a família a

bastante tempo.Pensei durante algum tempo, tentandoanalisar as conseqüências do que Malcolm tinhadito.

— Há mais histórias como esta? — per-guntei.

Ele se virou e começou novamente a pu-lar, as suas desajeitadas patas traseiras levantandopequenas nuvens de poeira à medida que avan-çava.

— Bastante — respondeu.Continuamos a nos embrenhar cada vez

mais na floresta. Estava escurecendo e esfriando. A Floresta Fenwick era bem diferente do lugaronde tinha acabado de passar dois dias. O terre-no em torno do Monte Norwood era muito mais

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aberto e árido, com pequenos ribeiros se cru-zando e se encontrando por todo o lado. Aqui, a vinte minutos da muralha, estávamos completa-mente embrenhados numa floresta de abetos,pinheiros, choupos e álamos. O luxuriante chãoda floresta parecia dançar com as sombras pro-jetadas pelas inúmeras árvores oscilantes. Comonos aproximávamos do começo da noite, o am-

biente estava fresco e calmo. O som das árvoresbalançando ao sabor do vento, muito por cimadas nossas cabeças, parecia um amigável com-panheiro de viagem, chamando-nos cada vezmais para o coração da floresta.

Enquanto caminhávamos, não parava de

pensar no rosto daquele homem suspeito com oC na testa. A forma como esses homens teriamescapado para os Montes das Trevas era umaquestão intrigante que não conseguia tirar dopensamento.

Comecei a ter uma sensação sinistra de

que estávamos sendo observados e ouvindo oque pareciam ser sussurros à nossa volta. Tenteime livrar destes pensamentos e voltar a me con-centrar, mas os estranhos sussurros persistiram,e os atribuí ao vento soprando nas árvores, queestaria me pregando peças.

— Malcolm,não ouve nada de estranho? — perguntei. Malcolm parou e farejou o ar, comas patas da frente levantadas.

— Ah, sim, já começou a procissão. É

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famosa, Alexa. Todos os animais, num raio detrinta quilômetros, devem estar escondidos atrásde um arbusto ou tronco de árvore, tentando te ver.

As coisas estavam ficando cada vez maisestranhas.

Seguimos o caminho pela floresta durantemais cinco minutos, e depois paramos quando o

caminho bifurcou. Uma das bifurcações seguiaem frente e a outra virava para a esquerda, des-cendo até à muralha de Lunenburg; ambas seestendiam sob um dossel de ramos de árvores.

— Parece que chegamos, Alexa. Vá lá,segue em frente por esse caminho e não pare até

ver Ander. — O que é um Ander? — perguntei. — Quem é Ander, você quer dizer — riu

Malcolm baixinho. — Vá lá, então, as tuas per-guntas serão respondidas quando chegar ao fimdesse caminho.

Obedeci, muito cansada para me queixarou discutir com um coelho. Alguns minutosmais tarde, o caminho alargou até formar umazona circular, com uns dez metros de largura,rodeada por pedras grandes e troncos de árvoresmortas que estavam cheios de animais, mais a-nimais do que eu já vira até então: esquilos, coe-lhos, pumas, ursos, lobos, castores, texugos,porcos-espinhos, doninhas fedorentas, e outrascriaturas selvagens que, dados os meus limitados

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conhecimentos, não conseguia identificar. Erauma visão assustadora, acentuada pelo sussurrar,semelhante ao som de um enxame, que conti-nuava a ouvir no meu cérebro.

À minha frente, bem no meio de todos osanimais, estava um urso pardo de aspecto feroz. A sua cabeça parecia uma grande pedra arre-dondada assentada nos ombros maciços, e ba-

lançava de um lado para o outro enquanto a cri-atura caminhava na minha direção. Os sussurroscessaram. Eu estava prestes a me virar e desatara correr para salvar a vida, quando vi Yipes sen-tado numa rocha do meu lado direito. Fiquei tãocontente por vê-lo outra vez que não consegui

apagar o enorme sorriso que se formou no meurosto esgotado. Li seus lábios quando ele disse,silenciosamente: — Não há problema. Fiquecalma.

O urso pardo parou na minha frente, tãopróximo de mim que as suas narinas molhadas

sopraram um leve vento nos meus cabelos. O-lhei para baixo, para o lugar onde as suas enor-mes patas esmagavam a erva verde a meus pés. A criatura estava sobre as quatro patas e a suacabeça ficava uns trinta centímetros acima daminha. Eu sabia, das coisas que tinha lido sobreursos pardos, que uma patada rápida me partiriaos ossos e me deixaria a pele em frangalhos.Permaneci completamente imóvel, inspirando eexpirando em ondas espasmódicas.

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— Há muito, muito tempo que te espe-ramos, minha querida — disse o urso. A sua vozsoou profunda, triste e lenta na minha cabeça.Parecia ser velho, embora, não fizesse a mínimaidéia de que idade teria. — Sou Ander,o Rei daFloresta, e tenho muita coisa para te contar.

«Tragam a comida! — ordenou, e uma filade animais saiu de entre as árvores com ofertas

de nozes, fruta e água fresca. — Agora, vamos nos sentar e ter umalonga conversa, está bem, Alexa?

Caminhamos até o centro do bosque enos sentamos. Bebi até sentir vontade de vomi-tar e depois tirei um resto de carne do meu saco

para comer com as nozes e a fruta. — Se não se importa Alexa, será que podeevitar comer carne agora? A companhia é mista,sabe? A carne lhes dá idéias. — Ander olhou em volta, para todos os animais, que me olhavamcom olhos arregalados. Alguns dos animais mai-

ores tinham a boca cheia de saliva e estavam secomportando de forma estranha.Guardei a carne e comecei a comer uma

pêra. Ander passou então a me apresentar a umasérie de animais importantes que estavam pre-sentes.

Apresentou-me Murphy,um esquilo vivaçoque, depois de ouvir o próprio nome, não paravade correr para frente, para trás e em círculos. Foipreciso algum tempo para acalmá-lo, mas ele

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continuou a dar saltos mortais e a fazer piruetas,cada vez que Ander apresentava outro animal.HaviaBeaker,um guaxinim que Ander disse ter«mente científica e ser craque em resolver pro-blemas», um texugo chamadoHenry que foi elo-giado pela sua feroz perícia em combate.Picardy era uma linda ursa negra que não via o compa-nheiro há muito tempo: ele andava pela monta-

nha à procura de uma caverna quando a muralhafoi erguida. ConheciBoone,um lince matreiroassaltado freqüentemente por idéias bizarras que,por algum motivo desconhecido, até funciona- vam na maioria das vezes;Raymond,uma raposa veloz e manhosa; uma marmota nervosa chama-

da Vésper; e Chopper e Whip,um par de simpáti-cos castores de dentes salientes.O Sol começava a se pôr e eu estava fi-

cando com frio. Devia notar-se, pois Ander sus-pendeu as apresentações para chamar Yipes, quese aproximou e me estendeu um cobertor que

tirara da sua mochila. Coloquei-o em volta dosombros e encolhi as pernas até o peito, abra-çando os joelhos com os braços. Não tardaria aanoitecer, mas por enquanto o crepúsculo cobriaa floresta com uma mescla aveludada de douradoe verde. Era magnífico.

Ander terminou as apresentações comO- dessa e Sherwin,a companheira e o filho deDarius.Sherwin se aproximou cautelosamente, balançan-do a cabeça de um lado para o outro. Era uma

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criatura tão poderosa quanto o pai, mas as suasfeições eram jovens e o seu pêlo era de um cin-zento mais claro.

— Conhece o meu pai? — perguntou-me. — Sim, conheçoDarius.É um lobo mag-

nífico — respondi. Senti uma onda de compai-xão porSherwin e perguntei a mim mesma qualseria a sensação de se perder o pai de uma forma

tão injusta. — Quando foi a última vez que o viu? — acrescentei. — Não me lembro de já tê-lo visto algu-

ma vez. Só tinha alguns meses de vida quandoele ficou retido do outro lado da muralha e,quando atingi a idade de viajar através do aque-

duto, já estava muito grande para caber lá. Pro- vavelmente teria conseguido atravessar o aque-duto quando criança, mas tinha muito medo.Quando era pequeno, pensava muitas vezes ematravessar o aqueduto sem que ninguém me vis-se, para ir procurá-lo, mas nunca o fiz. Agora

estou tão grande que mal consigo enfiar a cabeçano túnel.Fazendo uma pausa,Sherwin pôs-se a o-

lhar para a muralha de Turlock, à distância. — À noite, o meu pai uiva para mim e eu

lhe respondo. Sonhamos poder caçar juntos eque ele e a minha mãe possam estar novamentelado a lado. A voz dele muitas vezes soa triste e,ultimamente, até um pouco velha e cansada,como se as longas e solitárias noites começassem

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a pesar-lhe. Às vezes ele uiva, para mim e paraminha mãe, durante horas e horas, até ficar coma voz entrecortada e rouca. Em noites como es-sas, vou muitas vezes até ao aqueduto e meto asminhas patas da frente nele, imaginando que voltei a ser pequeno. Depois olho para a muralhae bato com a cabeça nela, no mesmo lugar, até osangue me saltar do pêlo e escorrer para os o-

lhos. «A minha história não é muito diferenteda de muitos destes animais. A maioria dos ani-mais grandes perderam um filho ou uma filha,um companheiro, um amigo chegado ou umprogenitor. Outros sentem a terrível perda das

montanhas, dos exuberantes ribeiros selvagens,ladeados de árvores de fruto e silvados de amo-ras pretas. Os animais menores, os que podemutilizar os túneis, mantiveram uma vida relativa-mente normal depois da construção das mura-lhas.

— O que é que os faz pensar que o fatode me terem trazido até aqui vai fazer algumadiferença? — perguntei. — Eu sou apenas umacriança e não tenho nenhuma importância espe-cial em Bridewell. Faço lá mais mal do que bem.Pergunte a qualquer pessoa.

Sherwin baixou os olhos durante um longomomento e depois fitou-me diretamente, comuma expressão de partir o coração estampada nofocinho.

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— Então nos enganamos seriamente edevemos devolvê-la. É suficientemente pequenapara utilizar os túneis e tem o caráter certo, issoé verdade. Mas falta-lhe fé. Se para derrubar amuralha, precisar voar, tem que acreditar queconsegue voar. Caso contrário, quando chegar omomento decisivo, certamente descobrirá quenão tem asas.

Dito isto, deu meia volta e caminhou denovo para junto da mãe. Tanto os sussurroscomo o Sol tinham desaparecido. Os ruídos dascorujas, dos grilos e dos sapos misturavam-separa formarem uma sopa espessa de música no-turna. A Lua cheia emergiu do meio das árvores

ao Leste, derramando um balde de luz branca esuave sobre a floresta, e mais uma vez senti aincômoda solidão que tantas vezes me perseguia.

— Estou vendo que tem um grande ar-ranhão aí no braço — comentou Ander,a sua voz profunda arrancando-me do momento de

comiseração por mim mesma em que tinhamergulhado. — Peço desculpas. Os animaisdomesticados por vezes são bem desagradáveis.Isso não quer dizer queSam e Pepper sejam gatosmaus. Até nos ajudaram bastante nas nossastentativas de te trazer até aqui fora. Mas, às ve-zes, são... digamos que... fogosos.«Bem, e agora, tenho que pedir que meentregue a pedra que leva consigo. Se não seimportar, é claro. Talvez não seja a pessoa certa

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para esta tarefa, apesar de eu estar convencidoque é. De qualquer maneira, a pedra nos dirámuita coisa sobre o que o futuro te reserva.

Com tudo aquilo que estava acontecendo,tinha me esquecido completamente da pedra quetrazia pendurada ao pescoço, dentro da bolsinhade couro. Fechei a mão sobre ela, debaixo docobertor, com receio de entregá-la. E se não me

devolvessem? Abri o cordão que fechava a bolsa e tireide lá a pedra. Quando a estendi a Ander,o seubrilho verde iluminou o espaço entre nós, e amultidão de animais soltou um coro deohs e ahs.Pousei a pedra numa rocha grande e plana que

havia entre mim e Ander,e ela continuou a pulsarluz verde, líquida, a um ritmo semelhante ao ba-ter de um tambor.Pum, pum, pum.

— É uma beleza, não é? — perguntou Ander,olhando para o brilho radioso e pulsanteda pedra.Pum, pum, pum. — Esta área toda, in-

cluindo a floresta, as montanhas e os montesesteve, em tempos, cheia do encanto de Elyon.Era um lugar maravilhoso. É a pedra que esco-lheu que te permite se comunicar conosco, talcomo nós nos comunicamos uns com os outros.

«Em tempos, houve seis pedras como estana lagoa. Yipes encontrou a primeira, depois le- varam a segunda e a seguir vieram os condena-dos, que levaram todas as pedras, menos esta. — Fez um movimento de cabeça em direção ao

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volume verde e pulsante que estava entre nós. — Nestas pedras residem as respostas às perguntas:porque Elyon nos criou? Porque criou este lu-gar? Para onde ele foi?

Ander ficou sentado, em silêncio, durantemuito tempo, a sua respiração pesada enchendoo ar. Parecia estar à procura de algo no silêncio,algo que ele não conseguia encontrar. Depois

ganhou vida novamente. — Infelizmente, não temos tempo parafalar sobre tudo isso agora. Elyon entrou em a-ção, os seus planos estão se desenrolando nestamesma era e todos nós vamos testemunhar o seuregresso triunfante nos próximos dias. O que

posso te dizer, pois não temos tempo para mais,é que um conhecido seu foi o responsável portrazer as pedras para cá.

— Thomas Warvold — disse eu sem amenor hesitação.

— Excelente palpite. Ele é responsável

por muitas coisas que, com a sua morte, temosde ponderar. Mas não foi ele que trouxe as pe-dras. Elas foram colocadas na lagoa pela suamulher, Renny.

Ander olhou para o céu, farejou o ar e de-pois continuou.

— Quando as coisas acalmarem, pode virme visitar outra vez e eu conto tudo sobre amisteriosa família Warvold. Mas agora temosmesmo de pôr mãos à obra.

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Protestei, e fiz perguntas sobre Elyon, queeu sempre pensara ser uma mera lenda. Mas,sempre que perguntava alguma coisa, Ander in-sistia que nos limitássemos aos temas que eletinha selecionado e que ainda não tinha chegadoa hora de obter essas respostas. Não ia arriscardiscutir com um urso pardo de mais de trezentose setenta quilos, mas os seus comentários deixa-

ram-me terrivelmente curiosa por saber maissobre Thomas, Renny e, principalmente, sobreElyon.

— Toda a magia acaba se esgotando Ale-xa, e a deste lugar está se esvaindo a muito tem-po. Costumávamos ser capazes de nos comuni-

car com os pássaros; agora eles nos entendemmas nós não conseguimos entendê-los. Podemosmandá-los fazer coisas, mas não podemos tercerteza de que fizeram o que lhes pedimos. Elesconseguem nos dizer qualquer coisa pela manei-ra como se movem e pelos sons que fazem. No

entanto, é como se agora falássemos línguascompletamente diferentes.«Alguns animais começam a ter o mesmo

problema — explicou Ander. — Conseguimosnos compreender a maior parte do tempo, maspor vezes, as nossas vozes ficam deturpadas du-rante uma manhã ou uma tarde, e só normalizamalgumas horas mais tarde. Isto piorou depois daconstrução da muralha.

Ander tocou na pedra com a ponta da pata

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e empurrou-a suavemente alguns milímetros so-bre a superfície da rocha espalmada. A luz verdee fluida continuou a pulsar entre nós dois.

— No caso dos humanos, a pedra temdois efeitos importantes — continuou, voltandoa pousar a pata no chão. — Lhes dá a capacidadede se comunicar com os animais e lhes permite vislumbrar o futuro. Por outras palavras, lhes

permite uma nova visão do presente e do futuro. Tal como acontece com qualquer efeito mágico,este tem um conjunto de regras próprias. Porexemplo, a capacidade de falar com os animaissó funciona se se mantiver em terreno selvagem.Mal o abandone, o poder começa a desaparecer.

Uma vez iniciado este processo, não pode serrevertido e não há mais pedras que se possamadquirir. Mal saia do território selvagem, a pedracomeçará a se transformar numa pedra normal.Pulsará mais lentamente e com menos intensi-dade, durante um período indeterminado de

tempo.«Como pode calcular, Yipes nunca saiu doterritório selvagem que são as montanhas ou afloresta, portanto continua a usufruir dos benefí-cios questionáveis de falar com os animais. — Ander parou um pouco para olhar para Yipes,acenando-lhe com a cabeça e piscando-lhe o o-lho, e depois continuou.

— Disse anteriormente que outra pessoa,além de Yipes e dos condenados, tinha levado

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uma pedra da lagoa. Essa pessoa pousou a pedrano mesmo lugar onde você colocou a sua, e elabrilhou como um pequeno mas glorioso solcor-de-laranja, no final de um dia quente. É ca-paz de adivinhar quem possa ter se sentado onde você está agora, Alexa?

Pensei durante um momento nas respos-tas possíveis para essa pergunta, mas tinha quase

certeza de saber a quem Ander se referia. — Warvold — respondi. — Exatamente! Foi o Sr. Warvold, o

grande aventureiro, em pessoa. Quer saber o quea pedra dele revelou sobre o seu futuro?

Disse que sim com a cabeça e ele se in-

clinou para frente, sobre a mesa, o brilho verdeda minha pedra ondulando no seu pêlo espessocom um brilho aquoso.

— A pedra de Warvold revelou que, umdia, forças terríveis desta terra encantada se re- voltariam e causariam a destruição de tudo o que

ele havia criado — disse Ander. — A interpreta-ção que ele fez foi que a zona era habitada pormonstros do mal e que eles, um dia, invadiriam oseu reino e matariam todo mundo. Mas ele in-terpretou muito mal o significado do seu futuro.

— Ele estava enganado, tal como me dis-se — disse eu. — Quando se sentou comigonaquela última noite, encostados à muralha, eleme disse que tinha entendido tudo errado. — Tinha a cabeça num turbilhão, tentando juntar

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todas as peças da história. — O seu futuro nãoera constituído por monstros encantados. Elecriou os seus próprios monstros e os libertounos Montes das Trevas para...

— Não se precipite, Alexa. Só tem meta-de da razão. Deixe-me contar-lhe a história toda — pediu Ander. — Quando Warvold foi infor-mado sobre o seu futuro ficou aterrorizado, re-

ceando por Renny, sua mulher, e por todas aspessoas que afluíam a Lunenburg. Estava fora desi de tanta aflição. Tentamos explicar-lhe que a Jocasta podia ser mal interpretada, que se podiaatribuir-lhe um significado que na realidade nãotinha, e lhe asseguramos que não tínhamos co-

nhecimento de que houvesse monstros escon-didos nas redondezas. — Disse «Jocasta»? — perguntei. — Sim. É o nome que se dá às mensagens

gravadas nas pedras — explicou Ander. — E qual foi a participação de Renny

Warvold nisto tudo? — Foi enorme. E ela era mais inteligentedo que possa imaginar. Ela trouxe as pedras en-cantadas até aqui. Ela deu início a tudo. — Ander endireitou as suas imensas costas e rugiu baixi-nho. — Não sou tão novo como antigamente eestamos nos aproximando da minha hora dedeitar — disse, distraidamente. — Onde é queeu estava?... Ah, sim... Quando o Warvold re-gressou a Lunenburg, arquitetou um plano para

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se construir uma muralha antes que a cidade seexpandisse mais. Aumentou o número de guar-das e fez o acordo com os líderes de Ainsworth.Correu tudo conforme os planos e, durante osanos seguintes, Warvold completou, não uma,mas três estradas amuralhadas, assim como trêsnovos principados amuralhados. Por esta alturaele já tinha descoberto como utilizar trezentos

condenados e mais umas centenas dos seus pró-prios homens para erigir mais rapidamente asconstruções. A muralha entre a floresta e asmontanhas foi a última a ser construída. A prin-cípio, a construiu com apenas dois metros emeio de altura, depois a sua própria gente o se-

guiu e acabou o resto. Era realmente fantástico.Havia dias em que mais de trezentos metros deterritório eram envoltos em muralha, pelo que apassagem entre a floresta e as montanhas foi ra-pidamente cortada. A operação foi um prodígiode rapidez e eficiência.

«Mas o Warvold cometeu um erro no seuplano: pensou, confiante, que os líderes de A-insworth receberiam de novo os condenados.Mais, aceitou a sua palavra quando eles confir-maram tê-los recebido. Até àquela noite em quese sentou com ele junto à muralha, Warvold nãosabia que os líderes de Ainsworth tinham liber-tado esses homens nos Montes das Trevas. Elesnunca pensaram que Warvold os devolveria re-almente e não estavam preparados para o seu

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regresso. Os oficiais, em Ainsworth, não tinhamonde enfiá-los, portanto os levaram para osMontes das Trevas e os exilaram nas cavernas.Os oficiais de Ainsworth pensaram que nuncaninguém saberia.

— De que cavernas está falando, Ander? Nunca ouvi falar de caverna nenhuma.

— As cavernas foram criadas quando se

extraíram todos os materiais para a construçãodas muralhas. Minha querida, há quilômetros equilômetros de túneis nos Montes das Trevas eoutros tantos quilômetros à superfície, feitos de vegetação rasteira farfalhuda e espinhosa. É as-sim que os condenados se deslocam de um lado

para o outro, tanto debaixo da terra como nasuperfície, sem serem vistos. Onde pensa que seenfiariam quase trezentos homens?

«Aquelas muralhas, aqueles quilômetros equilômetros de muralhas, são feitas de barro quesó se encontra debaixo da terra. O barro é uma

substância que abunda nos Montes das Trevas,fácil de recolher. A única coisa que tem de sefazer é cavar alguns metros abaixo da terra edepois começar a cavar túneis. Ao fazer essestúneis, praticamente só se encontra barro, e essaera a matéria-prima que Warvold queria para fa-zer os blocos que compõem as muralhas.«Não é só por culpa de Warvold que ascoisas evoluíram da forma como evoluíram.Contudo, foi o seu medo que o levou a criar um

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monstro. Esse monstro não é o bando de cri-minosos que vive nos Montes das Trevas, massim a muralha em si. No entanto, acho que isso éum assunto para se debater noutra altura.

Agora estava tudo ficando mais claro. Eracomo um puzzle gigante, com peças que se en-caixavam umas nas outras e, em apenas umanoite iluminada pela lua, Ander tinha encaixado

as peças que formavam a história. No entanto,parecia que faltava ainda uma peça no relato de Ander.

— Ander,o que é que eu estou fazendoaqui?

Os sussurros recomeçaram e Murphy

pôs-se novamente a dar saltos mortais e piruetas.Era estafante ver o pequeno esquilo gastandotanta energia. Ander levantou a cabeça e a flores-ta ficou novamente quieta e em silêncio.

— Acreditamos que a morte de Warvoldpôs em movimento o princípio do fim desta era.

Não fazemos idéia se este fim virá daqui a cincodias ou cinco anos, mas sabemos que virá. Para obem ou para o mal, você é a escolhida, não sópor nós, mas pelo próprio Warvold. Só tenhoque te contar mais umas coisas, depois temosque ler a sua pedra e colocá-la na cama. Está fi-cando tarde, muito tarde mesmo.«Alexa, tudo o que estou contando temque ser mantido em segredo até chegar a horacerta de revelar o que sabe. Há alguém em Bri-

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dewell que não é o que parece. Essa pessoa éaquela a quem os condenados chamam Sebasti-an. Ouvimos falar nele e nos seus planos. Ele vive em Bridewell, ocupando uma posição decomando e preparando tudo para a altura emque os condenados invadirão a cidade e realiza-rão o futuro profetizado por Warvold. Quem éSebastian? Tenho a certeza de que os pássaros

poderiam dizer, se conseguíssemos entendê-los,mas não fazemos idéia de quem seja. Não faze-mos a mínima idéia. Só posso dizer uma coisa:os condenados deixaram a última pedra por ummotivo. Estava destinada ao seu líder e quandodescobrirem que alguém a levou ficarão ainda

mais enfurecidos.«É preciso descobrir quem é Sebastian,desmascará-lo como a serpente que é e impedirque os vis criminosos invadam Bridewell. Secortarmos a cabeça da serpente, a serpente intei-ra morrerá. Os condenados não são muito inte-

ligentes Alexa, mas são extremamente vingati- vos, e Sebastiané brilhante. Neste momento essaé uma combinação mortífera.

«Se o poder for transferido para os crimi-nosos, entraremos em guerra, e a muralha setransformará numa fortaleza militar. Uma vezdesencadeada, a violência cairá sobre Bridewell ea muralha se manterá de pé, possivelmente parasempre. Temos que desmascarar e eliminar operigo e, ao fazê-lo, convencer as pessoas de que

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o perigo desapareceu. Essa é a única esperançaque temos de derrubar a muralha. — Ander es-tava fazendo rodeios, não dizendo exatamente oque pretendia. Depois gaguejou e foi direito aoassunto.

— Não pode contar a ninguém o que a-conteceu aqui hoje eespecialmente sobre Sebastian — disse.

— Acha que Sebastian pode ser o meupróprio pai? — perguntei. A reação de Ander àminha pergunta foi um olhar frio e silencioso. — Mas o meu pai não tem um C marcado na testa! — gritei.

— Isso é verdade, mas não temos certeza

de que Sebastian seja um condenado — conti-nuou Ander. — Pode ser alguém lá dentro quesabe mais do que revela, e que tem um motivopara se aliar a eles. Talvez seja alguém que pro-cura mais poder, alguém como um filho descon-tente ou um guarda astuto, com ambições malé-

volas. Talvez seja um velhote que restaura livrosou um simples carteiro com acesso a pessoasimportantes. Pode ser qualquer pessoa, por issoé que não pode revelar o que sabe.

«Alexa, você sabe trabalhar sozinha emanter segredo. É pequena e esconde-se facil-mente. Relaciona-se com pessoas importantes,mas não é suficientemente importante para ser vigiada. Tem que reconhecer que é perfeita paradesempenhar a tarefa.

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Não tinha como refutar o raciocínio de Ander.

— Só falta fazer uma coisa: ler a sua Jo-casta — disse Ander.

— E se não quiser que ela seja revelada?E se preferir não saber o meu futuro? — per-guntei.

— A escolha é sua e respeitaremos o seu

desejo. Mas, neste caso, acho que a sua Jocasta tedará uma clareza preciosa para lançar luz sobreos dias que se seguem.

Fiquei sentada em silêncio, durante umlongo momento, e depois olhei diretamente parao poderoso focinho do urso.

— Leia — decidi. Yipes saltou da sua pedra e caminhou atéjunto de nós. Trepou para cima da rocha grandee plana e tirou uma lupa do colete. Em seguida,segurou-a contra o olho e abaixou-se, ficandocom o rosto a poucos milímetros da pedra, que

pulsava ritmadamente.Pum, pum, pum.Um mo-mento depois, sentou-se e olhou para Ander.Ourso disse que sim com a cabeça e Yipes olhoupara mim.

— É você quem vai encontrar a serpente — revelou.

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PARTE II

CAPÍTULO 15UM INIMIGO INESPERADO

alçapão oscilava no ar, enquanto Yipessegurava nele o melhor que podia. Acho

que ele estava fingindo que era mais difícil doque na realidade era, para evitar que os nossosolhares se cruzassem. Estávamos ambos tristes

por eu ter que regressar a Bridewell nessa ma-nhã.

O

— Tem uma visita, Alexa — disse Yipes.Olhei por cima do meu ombro, por entre a on-dulação distorcida do calor matinal e vi à distân-cia a silhueta imóvel de um grande lobo. Dis-

se-lhe adeus com a mão e ele se virou para oeste,dirigindo-se para as montanhas. — Tenho que ir — disse eu.Comecei a descer a escada, para o túnel

escuro. — Espere! — berrou Yipes. — Quase me

esqueci de te dar isto. — Metendo a mão nobolso do colete, tirou dele um pequeno tubo. — Não deve mostrá-lo a ninguém atéaquela pessoa que você sabe ser descoberta. Ah, e mais uma coi-

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sa... — acrescentou, agitando o dedo indicadorno ar enquanto tentava equilibrar a pesada portacom a outra mão. — Tenha cuidado com quemfala daqui para frente. Não confie emninguém!

Enquanto proferia estas palavras tor-nou-se óbvio que estava perdendo o controle doalçapão, que oscilou perigosamente por cima daminha cabeça. Desci mais três degraus o mais

rapidamente que fui capaz e a porta caiu pesadae ruidosamente, cobrindo-me com uma chuva deterra. As mãos escorregaram-me do degrau a queestava segura e fiquei pendurada na escada, ape-nas segura por três dedos. Mais uns milímetros ea porta teria me atingido como um martelo num

prego, atirando-me para uma queda livre de novemetros e tal.Recuperei o apoio dos pés e das mãos na

escada, e sacudi a terra do cabelo e dos ombros.Estava escuro como breu no túnel. Far-

tei-me de esperar que Yipes abrisse a porta, mas

continuou tudo escuro e silencioso. — Yipes! — gritei, mas não obtive res-posta. Retirei um fósforo da minha bolsa e ris-quei-o contra a escada. A luz permitiu-me ver acandeia que tinha deixado pendurada no terceirodegrau a contar de cima. Graças a Deus não ti-nha caído, estilhaçando-se em pedacinhos inú-teis.

Acendi a candeia e senti-me muito melhorpor conseguir ver o que me rodeava. Segurei-a

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túnel secreto.O mapa mostrava linhas pretas e casta-

nhas, bem como umas notas sobre algumas de-las. As linhas pretas representavam túneis sub-terrâneos, e as castanhas, passagens na superfí-cie, criadas pelo espesso matagal. Teria de revercuidadosamente o mapa assim que tivesse maisluz e pudesse me certificar de que não cairia nas

mãos erradas.Olhei mais uma vez para cima, com espe-rança de vislumbrar o alçapão entreaberto e opequeno rosto de Yipes a espreitar para baixo. Ao ver apenas escuridão, virei-me e comecei acaminhar em direção a Bridewell. A idéia de ver

o meu pai, Grayson, Ganesh, Nicholas e Silas mefez apressar o passo, mas abrandei quando pen-sei em Pervis. A idéia de dormir na minha cama,em falar comSam e comPepper pela primeira vez,ou em procurar um bom livro na biblioteca, mefez andar mais depressa outra vez. Sabia que, mal

abrisse a porta secreta e entrasse na biblioteca, aminha pedra começaria a perder poderes e aminha capacidade de falar com os animais desa-pareceria aos poucos. Isto me fez avançar maislentamente, arrastando os pés, e olhando paratrás, na direção de onde acabava de vir. Foi, nomínimo, uma caminhada agridoce.Finalmente, dei por mim na escada, notopo do túnel do poço das escadas, à escuta,tentando detectar algum movimento na biblio-

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Sam saltou para o chão e encostou-se àsminhas pernas, olhando para cima, na minhadireção, com os seus olhos cinzentos e pene-trantes. O tempo parecia ter parado, enquantoele ronronava e caminhava para a frente e paratrás. Lançando-me um último olhar, voltou asaltar para a cadeira.

— Menina estúpida! — exclamou. — I-

nútil como sempre. Passa o dia todo ouvindoronronar e miar. Já devia calcular. Virei a cara aSam,olhando para a estante,

e passei a mão pela fileira de livros, a fim de es-conder a minha expressão chocada.

Enquanto estava ali, de pé, pensando

nervosamente no que fazer a seguir, um lampejode sombras moveu-se de um lado ao outro dadivisão e o som do bater de asas encheu o pe-queno espaço. Não tinha reparado no falcão,perfeitamente estático, que estava no parapeitoda janela, à espera de informação. Quando me

virei para olhar para ele, vi o pássaro levantar vôo e desaparecer em direção ao intenso sol damanhã.

— Sem dúvida, vai correndo contar a Se-bastian do regresso de Alexa — comentouSam.

Tentei desesperadamente lembrar-me detodas as coisas queSam e Pepper me teriam vistoa fazer ou a dizer. Quantas vezes tinha sido ob-servada por falcões? Estariam me observandoquando Warvold morreu e eu lhe tirei a chave?

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Passei distraidamente a mão pelo antebraço, sen-tindo o arranhão quePepper me tinha feitoquando tentara segurar no seu amuleto.São trai- dores, os dois.Mal conseguia acreditar. E o falcão...também era um traidor. Tinha que fazer chegaruma mensagem a Ander.

— Não tenho tempo para te fazer festasagora,Sam. Tenho muito que fazer — disse num

tom falsamente alegre. Depois empurrei a cadei-ra para o seu devido lugar e me sacudi o melhorque pude. Estava suja, portanto era essencial daruma escapada até o meu quarto para uma lavadarápida, antes que alguém me visse. Percorri si-lenciosamente os corredores sinuosos de livros,

fazendo ranger o assoalho aqui e ali, à medidaque continuava cautelosamente na direção doescritório de Grayson. Ao chegar à última esqui-na, espiei e vi a porta do escritório aberta e alonga cauda dePepper,agitando-se de um ladopara o outro no chão. Tive um momento de

medo, quandoSam ronronou e se roçou inespe-radamente na minha perna. — Pepper! — chamouSam. — Ela está

muda! Ainda não disse uma palavra. — A cabeçade Pepper apareceu rapidamente na ombreira daporta.

— É você,Sam? — disse a voz de Gray-son. As coisas estavam a se complicar rapida-mente e ainda só tinha regressado a Bridewell hápoucos minutos.

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Caminhei sorrateiramente pelo corredor,o mais silenciosamente que consegui, enquantoSam ficava para trás, na frente da porta de Gray-son.

— Isso, esgueire-se para o seu quarto paratirar uma longa soneca — escarneceuSam.

O assoalho rangeu a poucos passos daporta da biblioteca e, por momentos, fiquei pe-

trificada. — Quem está aí?... É você, Alexa? — EraGrayson, mas eu já estava em segurança, do ou-tro lado da porta, desaparecendo de vista umsegundo depois.

O meu quarto nunca tinha me parecido

tão maravilhoso. Escondi a minha pedra, o tuboque Yipes me tinha dado e as outras bugigangasque transportava comigo, vesti roupa lavada, ar-ranjei-me um pouco e atirei-me em cima da ca-ma, sentindo-me capaz de dormir um mês intei-ro. Pensei nos acontecimentos dos últimos três

dias e me deixei levar por sonhos de animais fa-lantes e homens com marcas de ferro em brasanos rostos.

Acordei ao meio-dia, transpirando e comcalor. Tinha sonhado com um falcão na minhajanela. A criatura arranhava o vidro, tentandoentrar. No meu sonho, deixei o pássaro entrar eele me perseguiu pelo quarto, pousou em cimada minha cabeça e me arrancou porções de ca-belo com as suas monstruosas garras. Enquanto

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me sentava na cama, toda molhada e pegajosa docalor e do horrível sonho, ouvi o som de arra-nhões, vindo das da janela. Ainda estaria dor-mindo ou já estava acordada? Cautelosamente,saí da cama.

Doía-me tudo e os meus pés pareciam es-tar caminhando numa cama de pregos.

Enquanto coxeava até a janela, percebi

que o que quer que estivesse batendo e a arra-nhando as janelas, tentando entrar, era muitomenor que um falcão, e corria rapidamente deum lado para o outro, do lado de fora. Só podiaser um tipo de animal: Murphy,o esquilo hipera-tivo que conhecera na floresta. Abri repentina-

mente a janela e ele caiu para o interior do quar-to, saltitando de um lugar para o outro, farejandotudo e agitando a cauda de um lado para o outro.

— Mas que surpresa inesperada — disseeu.

Ele estava atrás da minha cama, entre o

banheiro e a mesa-de-cabeceira, e tive de cami-nhar pelo quarto para encontrá-lo. — Acho que seria melhor se nos manti-

véssemos afastados da janela — disse Murphy. — Nunca se sabe quem poderá estar nos vigiando.

Deitei-me de barriga para baixo e me a-poiei nos cotovelos. Era bom poder tirar o pesode cima dos pés. Murphy continuou ativo, cor-rendo para baixo da cama, saltando de lá comoum raio, aterrando em cima das minhas costas e

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depois correndo pelas minhas pernas abaixo e voltando a subir para as costas.

— Murphy,se conseguir se acalmar umpouco, eu tenho novidades.

— Que gênero de novidades? São boas oumás?

— Bem, para ser franca, acho que sãomajoritariamente más — respondi.

Os pinotes de Murphy transformaram-seem estremecimentos e safanões rápidos de umlado para o outro. Dada a sua natureza, acho queera mais difícil ficar quieto do que correr comoum louco pelo quarto.

— Desembucha, então... Não vale a pena

adiar o inevitável — disse ele, fechando os olhoscom força e virando a cabeça ligeiramente para aesquerda, como se isso, de alguma forma, suavi-zasse o impacto do que eu estava prestes a dizer.

Meus cotovelos começavam a doer, por-tanto, deitei-me com o queixo apoiado nas mãos.

Estava cara a cara com o esquilo, com apenasalguns milímetros entre nós e, sem qualquer mo-tivo aparente, sussurrei quando falei.

— Sam e Pepper são traidores. Além disso,acho que alguns dos pássaros podem estar con-tra nós. Sei de pelo menos um falcão que estátrabalhando para Sebastian. Ainda não tive tem-po de descobrir mais nada. Chegar ao meuquarto já foi uma aventura e tanto, e estive dor-mindo a maior parte do dia.

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Quando os seus olhos se abriram nova-mente, Murphy parecia estar atordoado, e ficouquieto pela primeira vez desde que o conheci.

— Isso são más notícias mesmo, não são? Já suspeitávamos dos pássaros, masSam e Pepper? Mal posso acreditar!

— Pode acreditar — assegurei-lhe. — Ander vai querer saber disto imediata-

mente — disse Murphy. — Suponho que devo irlhe contar.Preparava-se para partir, mas depois pa-

rou. — Ah, quase me esqueci. Foi Yipes que

me enviou. Pede desculpas por ter deixado cair a

porta na sua cabeça. Fez bastante barulho ao caire ele correu para se esconder entre as árvores,com medo de que alguém ou alguma coisa pu-desse ouvir. Quando regressou, você já tinha idoembora. Ele vai ficar contente por saber que nãoficou ferida.

Murphy correu rapidamente para a janela.Quando consegui colocar o meu amassado edolorido corpo de joelhos, encostando-me à ca-ma, ele já estava sentado no parapeito.

— Com que aspecto está a pedra? — perguntou.

— Não tenho olhado para ela, mas esta-mos falando um com o outro, portanto, achoque ainda deve estar bem.

— Se puder, é melhor ir espreitando de

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tantas em tantas horas — aconselhou Murphy.Mexia-se de um lado para o outro, olhando pelajanela e depois para mim. — Vai ser uma pena sete perdermos. Mas talvez tenhamos sorte e oefeito não desapareça. — Com estas palavras euma sacudida final da sua cauda, desapareceu.

Não fazia mal: eu ia ter uma tarde muitoatarefada.

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CAPÍTULO 16PERVIS REGRESSA DE FÉRIAS

meu primeiro encontro com quase todomundo aconteceu na sala de jantar princi-

pal. Cheguei pouco antes do jantar e, como decostume, a sala borbulhava de atividade. Os cri-ados traziam comida para obuffet: carnes, quei-jos, frutas frescas e vegetais. Muitas destas igua-rias eram importadas de Ainsworth e estavamdispostas em linda porcelana branca. O meu paifoi o primeiro a me cumprimentar quando entreina sala saltitando.

O

— Alexa! Como está a minha menina?Chegamos a apenas alguns minutos. — Abra-çou-me e ergueu-me no ar, sussurrando-me aoouvido. — Depois do jantar vamos ter umaconversinha.

Fiz um movimento afirmativo com a ca-beça e endireitei a blusa quando ele me pôs nochão.

— Tem que ir mais vezes a Turlock: des-perta o seu lado sentimental.

Meu pai contra-atacou. — Estou apenas feliz por estar de volta

para poder te dar toda a minha roupa suja paralavar. Já estava sem camisas lavadas.

— Que conversa fiada! Sentiu tanto a faltada nossa menina como nós. — Era Ganesh, que

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me puxou, encostando-me a ele, e esfregan-do-me a cabeça com os nós dos dedos da outramão. — Na próxima, a levaremos conosco. A-conteceu alguma coisa excitante na nossa ausên-cia? — Ganesh soltou-me e abaixou-se, apoian-do-se num joelho, para ficarmos cara a cara.

— Andei pela cidade em busca de confu-são, mas não os encontrei, por isso li um livro

sobre um homem que se perdeu no nevoeiro.Ganesh riu e olhou para Grayson. — Que gênero de livros está aceitando na

nossa biblioteca, hoje em dia? — Grayson res-pondeu apenas com um ronco e um encolher deombros.

Dirigi-me à mesa da comida, que estavacom ótimo aspecto. Agarrei num prato e enchi-ode pão quente, amoras e fatias de maçã. Graysonestava parado junto dos morangos, espetando-osum a um com um garfo minúsculo e metendo-osna boca.

— Quase não te vi enquanto o seu pai es-teve fora — disse-me ele. — Pensando bem, nãopus os olhos em você. — Olhou em volta da salae depois sussurrou-me: — Vamos manter issoentre nós, está bem? — Meteu outro morangona boca e continuou a falar enquanto mastigava. — Escute, passou pela biblioteca esta manhã? Tive um encontro muito estranho com os gatos,e alguém andava por lá mas fugiu.

— Não fui eu. Deve ter sido um dos es-

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tudantes lá de baixo, a te pregar uma peça outentando roubar livros — respondi. Estava fi-cando muito confortável para mentir a todomundo e isso me incomodava. Haveria algumaaltura em que era bom mentir? Sem saber emquem podia confiar, não podia propriamentecontar a minha aventura, esperando que Sebas-tian não estivesse na sala. O meu pai, Ganesh,

Grayson, Nicholas e Silas — estavam todos ali enão conseguia acreditar que algum deles fosseSebastian. Só faltava Pervis.

— Onde está o Sr. Kotcher, o meu ho-mem fardado preferido? — perguntei.

— Ainda está de férias em Lunenburg, vi-

sitando uns amigos. Está previsto voltar hoje ànoite, por isso não fique muito entusiasmada — respondeu Nicholas, que estava mais bonito doque nunca.

— Espere só um minuto. Quer dizer quePervis tem amigos? — perguntei.

— Parece que sim — riu Nicholas. — Longe da vista, perto do coração... ou seja lá oque for. Mexa-se, Grayson... gostaria de encon-trar aí pelo menos um morango para enfeitar omeu prato.

Grayson continuou a espetar morangoscom o seu garfinho, ignorando Nicholas porcompleto.

Sentamo-nos à mesa e comemos um belojantar. Eu comi até não poder mais, a minha fo-

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me satisfeita pela primeira vez em vários dias. Tinha o corpo muito menos dolorido e as mi-nhas forças começavam a voltar a níveis que po-diam ser considerados normais.

Estava sentada ao lado de Silas, que se in-clinou para o lado e me sussurrou ao ouvido:

— Tenho que te falar em particular, de-pois do jantar.

Assenti com a cabeça mas acrescentei: — Primeiro o meu pai, depois, sou todasua.

— Que tal uma partida de xadrez, depoisdo jantar, Alexa? — sugeriu Silas uns minutosmais tarde.

— Lamento, Silas, mas ela já me prome-teu um passeio por Bridewell. Talvez depoisdisso — disse meu pai.

— Sim, gostaria muito. Mas o aviso quejogo bem. Meu pai e eu começamos a jogarquando eu tinha apenas três anos de idade.

— Bem, então talvez não se importe dejogar uma partida comigo um dia destes, agoraque voltei da visita aos meus amigos. — Era a voz untuosa e familiar de Pervis Kotcher, vindada entrada da sala, da qual ele tinha se aproxi-mado sem que ninguém desse por isso. Traziaum sorriso horrendo estampado no rosto e a- vançava para obuffet com passinhos alegres eirritantes. Era óbvio que estava bêbado. — Istoé, se está disposta a jogar a dinheiro. Só jogo xa-

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drez quando está em causa alguma coisa de va-lor. Acho que confere uma dimensão completa-mente diferente a um passatempo aborrecido. — Pervis ia empilhando no prato carne e batatassuficientes para alimentar uma família de quatroelementos.

— Mas chega de falar desse jogo estúpido — continuou. — Vamos a temas mais impor-

tante, está bem? Como, por exemplo, a atitudeque impera, hoje em dia, em Ainsworth, em re-lação a Bridewell. Andam ficando um pouco ir-ritados por lá, não andam? — Pervis sentou-seem frente a meu pai, ao fundo da mesa, balan-çando-se para frente e para trás e usando o garfo

para cutucar e espetar a comida enquanto conti-nuava o seu discurso.Ganesh interpôs: — Pervis, não estamos sozinhos. Estou

avisando... — Está me avisando de quê? De que te-

nho de manter a boca fechada em relação à dis-córdia que você e os restantes idiotas que go- vernam esta cidade causaram em Ainsworth?Não se fala de outra coisa em Lunenburg! Aspessoas em Ainsworth estão prontas a arrasarcom isto aqui e têm mão-de-obra suficiente parafazê-lo. — Pervis! — gritou o meu pai, mas Pervisnão parou.

— Com as coisas que sei, posso dar a A-

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insworth as chaves da nossa amada Bridewell,portanto, é melhor começarem a me tratar comum pouco mais de respeito.

Ganesh levantou-se, a sua estatura su-plantando em muito a de Pervis.

— Basta, Pervis. Acaba de transpor a li-nha para um lugar de onde não poderá regressar. — Seis guardas apareceram de uma das esquinas

e foram posicionar-se dentro da sala; dois delescolocaram-se, um de cada lado, junto de Pervis. — Ei, calma aí. Estava só brincando. Isto

é ridículo! Eu posso ajudá-los a defender a cida-de... posso mesmo... eu... — Dois dos guardasarrancaram Pervis da cadeira, contra sua vonta-

de. Ele desatou aos pontapés, gritando obsceni-dades e atirando o prato ao ar. O prato deu vol-tas e voltas, atirando comida em todas as dire-ções e depois estilhaçando-se contra o jarro, queestava em cima da mesa e continha água.

— Levem-no para uma cela de detenção e

revistem seu quarto — ordenou meu pai. Dava aimpressão que Pervis tinha ido longe demaismas, por algum motivo, aquela cena parecia estarerrada. É certo que Pervis tinha exagerado, masnão passava de um bobo embriagado que re-gressava de férias. Embora o seu comportamen-to tivesse sido baixo, até para ele, não se podiadizer que constituísse qualquer ameaça no seuestado atual. Talvez Ganesh e o meu pai estives-sem de tal maneira fartos das suas provocações,

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que não suportaram outra explosão. Uma coisaestava certa: os animais tinham razão. A mortede Warvold tinha feito com que as coisas ficas-sem rapidamente fora de controle. Estava seformando um ciclone e Bridewell encontrava-seno seu centro.

Depois do ataque de loucura de Pervisdurante o jantar, estava pronta para passear com

o meu pai pela cidade e respirar um pouco de arfresco, embora me sentisse estranhamente des-contente pelo chefe dos nossos guardas estarbêbado e detido, enquanto o perigo rondavaBridewell. Se os condenados atacassem hoje,queria Pervis sóbrio e no alto da torre a berrar

ordens aos seus homens. A não ser, é claro, queele fosse Sebastian e, nesse caso, as coisas atéestavam a correr bastante bem.

— O que foi aquilo? — iniciei a conversa,enquanto caminhávamos pelo calçamento depedras, ao longo de uma das serpenteantes ruas

secundárias de Bridewell. — Já a algum tempo que falávamos emprendê-lo, Alexa. Tem andado verdadeiramenteimpossível, desde a morte de Warvold. Todospensamos, quero dizer, Ganesh, Nicholas e eu,pensamos que uns dias longe daqui o acalmari-am. Mas ter aparecido bêbado e enchido a salacom todos aqueles disparates foi a última gota. Vamos ter de arranjar uma maneira de passar-mos sem ele.

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— Não tenho pena nenhuma de Pervis,embora, com o chefe dos nossos guardas atrásdas grades, fique um pouco preocupada com anossa segurança. Especialmente se for verdade oque ele disse. — Odiava este homem mais doque qualquer outro e aqui estava eu, quase a de-fender a sua libertação! Era estranho como ascircunstâncias começavam a alterar o que sentia

em relação às pessoas. — Ele está apenas tentando arranjar pro-blemas. Não posso te contar muita coisa sobreas nossas negociações com Ainsworth. É verda-de que as coisas têm andado um pouco tensascom eles. Após a morte de Warvold, têm tentado

reivindicar mais controle, mas não é nada quenão consigamos resolver. — Meu pai pareciaconfiante que tudo estava bem, contudo, dadoaquilo que eu sabia, não me sentia nada confor-tável. Eu sabia que vinham problemas por aí, eproblemas maiores do que ele poderia prever.

— Então, não se meteu em confusão du-rante a minha ausência? Não tentou pular a mu-ralha?

Não confies em ninguém! Mas tratava-se domeu pai, como eu poderia não confiar nele?

— Não arranjei confusão, tal como mepediu — respondi. — Porém, agora que está de volta, preciso voltar a quebrar coisas. Tenho umareputação a defender.

Meu pai parou e sorriu, enquanto esfre-

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gava o queixo. Parecia exausto devido às preo-cupações e a poucas horas de sono. Senti penadele, algo que nunca tinha acontecido.

— Tenha cuidado, está bem? E não andemetendo o nariz onde sabe que não é chamada.Estamos de acordo?

— Vou fazer o possível. — Não era aresposta que ele queria, mas aceitou-a.

Ficamos de mãos dadas mais algum tem-po e depois ele se dirigiu novamente para a CasaRenny.

Caminhei até o centro da cidade, onde fi-cava a praça principal. Pelo caminho, passei portrês falcões que voavam em círculos, mais baixo

do que de costume. Será que Ander os tinha en- viado ou estariam em patrulha a mando de Se-bastian? Fosse qual fosse o caso, era improvávelque os pássaros conseguissem se comunicar comqualquer dos dois, portanto não me alarmarammuito. Conforme prometido, Silas estava à mi-

nha espera e não perdeu tempo, indo direto aoassunto. — Alexa, obrigado por ter vindo — disse.

Estava nervoso, irrequieto e sem saber comoabordar o assunto que queria falar. — É o se-guinte, Alexa... Já trabalho para o seu pai a algumtempo e admiro-o... a Ganesh e a Nicholas tam-bém. Acho que farão grandes coisas por todosnós. O que se passa é que não quero arranjarproblemas com o seu pai, mas sinto que tenho

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uma obrigação para com ele. — Estava mesmonervoso, olhando para baixo e em volta, em cír-culos, mal me olhando nos olhos.

— O que se passa, Silas? — perguntei.Ele olhou para mim com os seus olhos

castanhos e profundos, com as sobrancelhasfranzidas e, saltava aos olhos, uma grande difi-culdade em formular as palavras que precisava

proferir. — Estive com a sua mãe ontem, de ma-nhã, quando estava entregando correio em La-thbury, e trouxe-lhe uma carta. Sabia que estavaansiosa por ter notícias dela, por isso queria en-contrá-la o mais depressa possível. Procurei por

toda a parte e até perguntei por você a Grayson,mas ele apenas encolheu os ombros e disse quedevia andar bisbilhotando em algum lugar naCasa. Chamei o seu nome por toda a Casa epercorri quase todas as ruas da cidade, nas nãoconsegui encontrá-la. Estava pensando em dizer

ao seu pai , quando ele regressasse, que achavaque você tinha desaparecido, mas espiei no seuquarto esta manhã e lá estava você, dormindoprofundamente. — Silas fez uma pausa, avançoupara um banco e sentou-se. — Naturalmente,interrogo-me por onde andou.

Silas era uma pessoa bondosa e eu gostavamuito dele. Era o que se podia considerar umapessoa simples, mas não estúpida. Gostava derespostas simples para as complicações da vida e

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não estava habituado a qualquer tipo de con-fronto. Tinha percebido estas coisas nos brevesencontros que tivera com ele e achei que o me-lhor seria usar o humor para lhe dar uma res-posta que ele conseguisse suportar.

— Viajo sozinha e em segredo pois sou Alexa, a espiã de Bridewell — declamei na minhamelhor voz cômica, mas ele não riu. Em vez

disso, olhou-me furiosamente, o que me fez ficarinquieta quanto aos seus motivos. Tentei a táticaseguinte.

— Pode ser difícil de compreender, masGrayson e eu temos uma regra não escrita, queaplicamos quando meu pai viaja e eu fico em

Bridewell. Ele finge que toma conta de mim e eubrinco à vontade de espiões. É um jogo, sabe?Pensei que Grayson o tinha enviado para mefazer sair do meu esconderijo. Ele já usou essetruque antes, mas parece que desta vez não o fez.Desculpe se o preocupei.

Silas pareceu ficar aliviado. — Da próxima vez que eu te chamar e você me ouvir, faça-me o favor de não partir doprincípio de que estou brincando.

— Combinado! E desculpe, mais uma vez — disse eu. Detestava ter que mentir para todomundo, e acho que o novo pedido de desculpasfoi mais para mim do que para Silas. Sabia que viria o dia em que todas as minhas mentiras se-riam descobertas e, cada vez que mentia, senti-

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a-me pior.Conversamos durante mais algum tempo

e depois Silas levantou-se e fez menção de irembora.

— Ah, quase me esqueci — disse, me-tendo a mão no bolso do peito. — Aqui está atal carta da sua mãe. — Entregou-me a carta eafastou-se, a leveza dos seus passos demons-

trando claramente que tinha sido retirado umpeso dos seus ombros.Fiquei ali sentada mais um pouco, pen-

sando, e revirando nos dedos a carta ainda fe-chada. Refleti em tudo o que tinha acabado deacontecer e não pude evitar pensar que a prisão

de Pervis tinha sido muito repentina e talvez atéerrada. Fiquei surpreendida com este pensa-mento e com o seguinte também.

Tinha que ir visitá-lo.

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com uns relatórios. Reconheci o homem queestava à escrivaninha, mas não o outro.

— Olá, Sr. Martin. A bastante tempo quenão tinha serviço aqui embaixo. Como está o seuhóspede? — perguntei eu.

— O que faz aqui, Alexa? Isto não é umlugar próprio para ficar perambulando. Deviafazer as tuas explorações noutro lugar, princi-

palmente devido à carga que aqui temos arma-zenada — disse o Sr. Martin. O homem que es-tava junto à porta permaneceu imóvel e em si-lêncio.

— Já passou a bebedeira? — perguntei. Ohomem que guardava a porta sorriu e depois deu

uma risadinha. — Digamos que tem passado muitotempo com a cabeça enfiada num balde — res-pondeu o guarda.

— Posso vê-lo? Ele gosta de jogar xadreze achei que um joguinho o faria esquecer os seus

problemas. — Porque quer fazer com que o Sr. Kot-cher se sinta melhor? Todo mundo sabe que seodeiam um ao outro — disse o Sr. Martin.

— Eu sei que ele é um bruto, só queria... — Um momento! — interrompeu o Sr.

Martin. Estava ofendido, tinha-se levantado dacadeira e estava apoiado na mesa com as duasmãos à sua frente. — Nós trabalhamos para eleportanto, como deve calcular, temos sentimentos

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contraditórios em relação ao que está aconte-cendo. Muita gente acha difícil lidar com ele e, às vezes, é bem verdade. Mas ele também tem assuas coisas boas, uma das quais é o amor inaba-lável que tem por Bridewell e tudo o que ela re-presenta. Se ficarmos sem ele, perdemos umpouco da nossa segurança, especialmente se elefor embora e provocar confusão em Ainsworth.

Lembre-se disso quando o seu pai correr com eleda cidade. — Desculpe, Sr. Martin. No futuro, ten-

tarei escolher melhor as palavras. — A cada dia que passa, parece mais com

um político falando — retorquiu o Sr. Martin.

— Então, posso vê-lo? Prometo não fazernenhuma asneira — disse eu.O Sr. Martin revirou os olhos. — Está bem, vai lá... Mas comporte-se

como deve ser. Se o que você quer é atormen-tá-lo ainda mais, não hesitarei em dar queixa ao

seu pai. — Sim, senhor. — Deixe-a entrar, Raymond.O guarda abriu a porta e o ar fresco esca-

pou para o corredor, trazendo o odor sutil e a-docicado de vômito, o suficiente para me causarnáuseas. Mal entrei na zona das celas, o guardabateu ruidosamente a porta atrás de mim.

A zona das celas era composta por quatrodivisões com grades, duas de cada lado. O chão

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era duro, as celas continham catres, e as paredesfrias, de pedra, estavam completamente despidas. As duas celas da parte de trás tinham pequenasjanelas, no alto da parede mais afastada, que dei-xavam entrar uma luz fraca. As janelas mediamapenas uns trinta centímetros de diâmetro e ti-nham grades.

Ouvi um leve gemido vindo de uma das

celas traseiras. Ao lado da porta estava um bancode três pernas e eu agarrei nele. Com um poucode dificuldade, equilibrei o banco, o tabuleiro dexadrez e o saco das peças e me dirigi lentamentepara o fundo da zona das celas. Três das celasestavam vazias e a quarta, do meu lado direito,

na parte de trás, continha Pervis Kotcher, queestava com um aspecto medonho. A princípio não me viu. Estava sentado à

beirinha de um catre, virado para a parede daparte de trás da cela, balançando o corpo paratrás e para frente e olhando fixamente para den-

tro de um balde que estava, certamente, cheio dealgo terrivelmente nojento. Pousei o banco detrês pernas ruidosamente e comecei a montar otabuleiro a uns milímetros das grades da cela.

O som do banco batendo no chão teveum efeito interessante. Ao tentar virar-se rapi-damente, Pervis torceu dolorosamente o pesco-ço. Era visível a dor excruciante que o movi-mento repentino da cabeça fizera disparar no seucrânio. No segundo seguinte, estava no chão,

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agarrado à cabeça, contorcendo-se de dor e res-mungando algo sobre «aquela menina imbecil».Depois, rápido como um coelho, pôs-se nova-mente de joelhos agarrado ao balde, a fazer umbarulho repugnante, que ecoava. A subida rápidado chão para a posição ajoelhada tinha-lhe, ob- viamente, causado nova dor lancinante na cabe-ça, pois, mal terminou de usar o balde, atirou-se

de costas para o chão, gemendo baixinho. — Olá, Pervis. Como tem passado? — perguntei, sem intenção de ser sarcástica maspercebendo, mal terminei de dizê-lo, que era as-sim que tinha soado.

Ele continuou a gemer durante mais al-

guns segundos; depois, voltou-se para mim eabriu os olhos com muito esforço. — Seja o que for que queira, por favor

volte mais tarde. Hoje não tenho paciência parate aturar.

— Na realidade, pensei que talvez gostas-

se de um pouco de companhia. Trouxe um ta-buleiro de xadrez. Quer jogar? — Disse aquilona minha voz mais exuberante o que, sem dúvi-da, deve tê-lo irritado ainda mais.

Pervis abriu a boca e começou a prague-jar, mas depois pareceu pensar duas vezes.

Fechou os olhos, apoiou-se lentamentenum cotovelo e encolheu-se de dor. Com a mãodireita, agarrou no balde e empurrou-o pelochão, fazendo uma chiadeira aguda e sacolejando

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o seu conteúdo. Cuspiu para dentro do balde,após o que iniciou a penosa tarefa de arrastar ocorpo para fora da cama e pelo chão. Primeiromovia o braço que empurrava o balde para fren-te e depois puxava o resto do corpo atrás de si.Milímetro a milímetro, Pervis aproximou-se dasgrades enquanto eu preparava o tabuleiro.Quando finalmente chegou junto das grades,

sentou-se lentamente, lançou uma enorme des-carga para dentro do balde e perguntou calma-mente:

— O que é que apostamos?Sentada no banco, tinha uma visão per-

feita do conteúdo do balde, portanto, optei por

me sentar de pernas cruzadas, no chão úmido deterra. Para uma menina de doze anos, eu jogavaxadrez maravilhosamente bem. Era um jogo queme assentava que nem uma luva. Pervis não seriao primeiro adulto que eu derrotava sem grande,ou mesmo nenhum, esforço.

— Engraçado, estava exatamente pen-sando nisso — respondi. — Se eu vencer, possofazer-lhe cinco perguntas às quais terá que res-ponder com honestidade, por sua honra. Se você vencer, eu farei o mesmo.

Com bastante esforço, ele respondeu: — Que você pode saber que me possainteressar?Lancei-lhe um olhar demorado e duro. — Sei muita coisa — respondi.

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Até certo ponto, deve ter acreditado emmim, e um sorriso pretensioso, típico de PervisKotcher, estampou-se no rosto. Estava com umaspecto um pouco melhor, embora possa ter si-do apenas uma encenação para me enervar.

— Está bem. Vamos jogar. Por sua honra,resposta honesta a cinco perguntas — disse ele.

— Combinado.

Não havia muita coisa em Pervis Kotcherque me despertasse confiança. Na realidade, eunão confiava em quase nada. Era um oportunistadesavergonhado, um líder fugidio para os seushomens e, provavelmente, a pessoa que pior a-güentava a bebida que eu conhecia. Mas era sa-

bido na povoação de Bridewell que as pessoas,mesmo as más, nunca hesitavam em dizer a ver-dade depois de terem dado a sua palavra. Sa-bendo disto, custava-me ainda mais mentir,mesmo que as minhas mentiras fossem por umaboa causa. Acreditava que Pervis me contaria a

verdade, se eu tivesse a oportunidade de lhe fa-zer as cinco perguntas, pois era assim que ascoisas funcionavam por aqui. De qualquer for-ma, era um risco que estava disposta a correr.

— Primeiro as brancas, que é o Pervis.Pervis moveu o seu peão para a posição

g4, uma jogada inicial insignificante, típica de umamador. Isto ia ser mais fácil do que eu pensara.Movi o meu peão para b6, uma jogada de

calma para tentar adivinhar a sua próxima joga-

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da. O tabuleiro tinha agora o seguinte aspecto,jogando eu com as peças pretas e Pervis com asbrancas.

Uma das tácticas que eu costumava usarera distrair os meus adversários com perguntasou comentários inesperados.

— Nunca o tinha visto bêbado. Porquêesse desânimo todo? — Lamento, nada de respostas honestas

— nem de conversa — até me derrotar — dissePervis. Pronto, ele estava concentrado, recusan-do-se a tomar parte nas minhas distraçõezinhas.Ótimo, assim acabaria mais rapidamente com

ele. As três jogadas seguintes colocaram-me

numa posição boa para começar a comer peças

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com o meu bispo e o cavalo do rei, e começava aperceber as táticas dele, por mais infantis queelas fossem. O tabuleiro estava agora assim:

Pelo visto, Pervis não tinha nenhum planode ataque. Apenas defendia as minhas jogadas,enquanto esperava que eu mexesse uma peçaimportante (algo que eu nunca fazia logo de iní-cio). Infelizmente para Pervis, a estratégia de jo-go dele estava deixando o seu rei desprotegido,no centro, e vulnerável ao ataque. Sim, isto esta- va indo bem. Nesta altura do jogo, tínhamosambos jogado cinco vezes. Desafiei a mim mes-ma a acabar com ele em menos de vinte jogadas.Pervis comeu-me o peão que tinha na casad5 e eu contra-ataquei, usando outro peão paracomer o dele em d5, ao que ele respondeu, co-

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mendo-me esse peão em d5 com um cavalo vindo da casa c3. Duas jogadas depois, Pervismoveu a rainha para e2, colocando-a diretamenteem frente do seu rei. Que estranho. Ele estavatentando criar uma situação em que o meu reificaria imobilizado pelas minhas próprias peças.Ligeiramente perturbada, movi o meu cavalopara a casa g7.

Pervis moveu o seu cavalo para f6, dei-xando o tabuleiro assim:

— Xeque-mate — disse Pervis, atirandouma grande cuspida de expectoração para dentrodo balde.

— Você me enganou! Se fez de idiota e eufui na conversa! — Estava completamente in-crédula e zangada. Ele me derrotara em apenas

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nove jogadas! Isso não acontecia desde os meussete anos de idade.

— Aposto o dobro ou nada. Dez pergun-tas! — exclamei.

— Não, obrigado. Prefiro reclamar o queganhei e ficar por aqui, se não ae importa.

Dirigiu-se novamente para o catre, arras-tando os pés e aquele balde nojento também.

Após um esforço monumental, estava deitado decomprido, com a cabeça em cima da almofada velha e suja que já devia estar ali a tanto tempoquanto a Casa Renny.

— O velho Grob, funciona sempre contrajogadores com excesso de confiança — disse o

Pervis, com novo ar de satisfação na voz. — O que é um Grob? Está me dizendoque trapaceou? — perguntei.

— Não. Teria sido muito mais difícil tra-pacear do que utilizar o Grob — disse Pervis.Estava novamente apoiado sobre um cotovelo e

parecia se sentir melhor. — A abertura do jogocom um Grob começa com a jogada de um peãopara a casa g4 — continuou ele. — Muitos jo-gadores não sonhariam em fazer uma primeirajogada tão chocante, num jogo sério de xadrez.Destrói a estrutura dos peões do rei com umflanco avançado desprotegido. Mas, como viu,oferece muitas hipóteses táticas por caminhospouco usuais. Comecei a utilizar o Grob comomeio de aperfeiçoar a minha destreza tática, mas

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depois descobri que os meus adversários maispoderosos, em Lunenburg, se deixavam levarrepetidamente por ele.

Tinha me enganado totalmente em relaçãoà sua perícia para jogar xadrez.

— O Grob — continuou ele — é umaexcelente arma-surpresa contra bons jogadoresque conhecem e esperam todas as aberturas de

jogo usuais. Joguei um campeonato de Grobcontra um jogador classe A no Clube de Xadrezde Lunenburg e venci o jogo em apenas algumasjogadas. Horrorizado, ele exigiu que eu jogassenovamente aquela abertura feia. Joguei e, maisuma vez, venci... venci cinco jogos seguidos. O

Grob venceu cada um dos jogos, para horror domeu estupefato adversário.Pervis sentou-se com dificuldade, visivel-

mente encorajado pela pura satisfação de ter meinfligido uma derrota tão pesada. Estranhamen-te, sentia um novo respeito por ele. Era, torna-

ra-se óbvio agora, inteligente e muito bom numjogo no qual, para se ser bom jogador, uma pes-soa necessita de astúcia e perícia.

— Vejamos, a primeira pergunta tem queser bem esclarecedora... algo que estabeleça opadrão das restantes... O que acha? — perguntouele. Esfregou os poucos pêlos que tinha noqueixo praticamente inexistente, cuspiu dentrodo balde, que estava agora no chão, entre as suaspernas, e olhou para mim com um grande sorri-

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so sarcástico estampado no rosto. — Já beijou um rapaz alguma vez?Olhei para ele com total falta de respeito. — Tenho doze anos, Pervis. Éclaroque já

beijei um rapaz — disse-o com um ar indignado,apesar de não ser verdade.

— Tal como disse anteriormente — dissePervis um pouco corado. — Não consigo ima-

ginar que saiba alguma coisa que eu já não saibajá que queira saber.Ele passou as mãos pelo cabelo sujo, es-

fregou a parte de trás do pescoço e depois olhoupara mim.

— Está bem, já tenho uma pergunta —

disse. Preparei-me para qualquer idéia nojentaque ele pudesse ter. Imaginei que pudesse meperguntar se já tinha comido as cacas do nariz,chupado o dedão do pé ou cheirado os sovacos... A resposta a essas perguntas todas seria «sim».

— Naquela noite, quando Warvold mor-

reu, esteve lá fora muito tempo. Agora diga-me,por sua honra, o que aconteceu de fato?Pensei seriamente em mentir, mas algo me

impediu de fazê-lo e não acho que tivesse sido aminha honestidade inquebrantável. Houve outracoisa completamente diferente que me levou acontar a verdade. Talvez fossem os primeirossinais de desespero por estar tudo ficando forade controle à minha volta.

— Ele morreu — comecei. — Quando

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dei por isso, ele já estava morto há um tempo.Fiquei perturbada por ter estado sentada no es-curo com o seu corpo sem vida, mas conseguime controlar. Pouco tempo depois de ter des-coberto que ele estava morto, corri para a CasaRenny, mas não sem antes abrir o seu medalhãoe tirar a chave prateada que estava lá dentro.

— Eu sabia! Eu sabia que estava mentin-

do sobre essa noite! — Eu não menti... Apenas omiti certosfatos. Só estou lhe contando isto porque precisoda sua ajuda, e porque, por algum motivo, ouconfio em você ou acho que é muito obtuso paraser a pessoa que procuro — contra-ataquei.

— Que quer dizer com «pessoa que pro-curo»? Que significa isso? — Essa é uma das suas perguntas? — in-

daguei.Pervis mordeu o lábio e levou um pouco a

responder.

— É, é uma das minhas perguntas — respondeu finalmente. — Nesse caso, ando à procura de um

homem chamado Sebastian. — Quem é Sebastian? — Pervis estava

obviamente confuso. Das duas uma, ou era umator muito talentoso, mesmo após uma noite debebedeira ou, dada a sua aparente ignorância,estava se transformando rapidamente em alguémem quem eu podia confiar.

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— Só mais um pouco. Temos de mudá-lopara outro lugar para limparmos essa cela — disse o guarda, fechando a porta com uma ex-pressão contrafeita no rosto.

Pervis estava pensando a todo o vapor,tentando registrar as perguntas que poderia fa-zer-me e tentando decidir se eu estava contandoa verdade ou simplesmente tentando pô-lo ma-

luco. Acho que a bebida tinha lhe afetado bas-tante a capacidade de processamento mental,pois ficou ali sentado falando baixinho, sozinho,durante muito tempo.

Passado algum tempo, empurrou o baldecom o pé, para desviá-lo do caminho, e olhou

para mim. — Se o que está dizendo é verdade, queroque escute com atenção. Pode não gostar muitode mim e, para dizer a verdade, eu nunca tivemuito boa opinião acerca de ti. É pequena, es-perta e fogosa, e é exatamente isso que eu era

quando tinha a sua idade. — Com uma expres-são irritada a transparecer-lhe no rosto, fez umapausa, segurou o estômago com as mãos e deuum monumental arroto gorgolejante.

— Sabe o que acontece a uma criançapequena, cheia de energia que não tem dinheiro,esperança no futuro nem conhecimentos impor-tantes? — continuou, limpando a boca com umantebraço.

— É espancada. Primeiro por um pai al-

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coólatra, e depois, vivendo na rua, por criançasmais velhas. E, a certa altura, é a própria vidaque começa a maltratar essa criança, que nãotarda a ficar amarga, enfurecida, disposta a fazerqualquer coisa para ganhar o respeito dos outros.E quem acha que essa criança, quando cresce,odeia mais do que a qualquer outra pessoa? Éclaro que é a jovem que se parece com ele, mas

que tem dinheiro, pais poderosos e todas as o-portunidades do mundo. A essa jovem tudo éentregue de bandeja e isso é demais para umhomem conseguir ultrapassar.

Pervis levantou-se e dirigiu-se para juntodas grades, segurando-se a elas com as duas

mãos para conseguir se manter de pé. — Isto é tão sossegado quando você nãoestá aqui, Alexa. A cada Verão que passa, tor-na-se mais difícil disfarçar os meus sentimentos eaumenta a minha fúria. Talvez eu não queiramesmo ver algo de bom em você. A verdade é

que já não tinha férias há vinte anos e há maistempo ainda que não me embebedava. A idéia de voltar para Bridewell e ter que enfrentar maistrês semanas contigo e com os outros, foi muitopara mim. — Pervis escorregou e, por um terrí- vel momento, pensei que ia cair no chão semsentidos, mas conseguiu segurar-se a tempo epuxou-se a muito custo para cima, apoiando-sepesadamente nas grades para se suster.

Continuou falando, apesar de estar prestes

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a perder os sentidos. — Se o que diz é verdade, então veja se

compreende isto, Alexa: eu posso proteger a ci-dade melhor do que qualquer outra pessoa. De-diquei a minha vida toda a isso e, acredite, sou apessoa certa para fazê-lo. Portanto, se está inte-ressada na minha ajuda e está dizendo a verdade,aqui vai a minha última pergunta... — Consegue

me tirar daqui? — Não sei — respondi, e foi então quecontei tudo a Pervis Kotcher.

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CAPÍTULO 18UMA MISSÃO NOTURNA NA BI-

BLIOTECA

epois de deixar a zona das celas, fui para omeu quarto. A noite tinha caído sobre Bri-

dewell enquanto eu falava com Pervis, e uma luacheia subia no céu. Tirei a minha Jocasta da suabolsa de couro. Pulsava como um pequeno co-ração cor de esmeralda... com a mesma intensi-dade que tinha da última vez que olhara para ela.Estava ansiosa para falar com os animais e per-guntei a mim mesma se a pedra perderia maisrapidamente o seu efeito se eu não falasse comeles durante algum tempo. Haveria mais animaispor ali, sem ser aqueles gatos traidores?

D

— Acho que fez bem ter confiado em

Pervis. — A voz vinha da janela. — Murphy! — gritei. — Sim, minha senhora, sou eu, de volta

com notícias da floresta — disse, saltando doparapeito da janela, atravessando o chão a correre pulando para o meu colo, como uma bola depêlo apanhada numa ventania.

— Como é que sabe sobre Pervis? — perguntei. — Estive lá o tempo todo, observando

tudo pela janelinha. Merece um prêmio por teragüentado ficar ali embaixo durante tanto tempo.

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O fedor que vinha daquele lugar me obrigou afugir várias vezes em busca de ar fresco.

— É um autêntico anjo-da-guarda, não é Murphy?

— Na verdade, o anjo-da-guarda é o Yi-pes. Ele é que está sempre me mandando velarpor você. Continua preocupado com a sua segu-rança.

— Como ele está? — Está ótimo, e está mais perto do quepossa imaginar, pois encontra-se escondido nassombras, junto à muralha. Montamos uma cadeiade comunicação que começa comigo, passa por Yipes, depois porDarius,por Malcolm e alguns

dos outros da floresta, que você conheceu, e fi-nalmente chega a Ander e ao Conselho. Depoisas mensagens voltam pela linha acima, até Yipes,a mim e agora a você. — A cauda de Murphy a-gitava-se para frente e para trás. Correu rapida-mente até a porta, onde se pôs à escuta, depois

de volta para o parapeito da janela e, finalmente,até o banheiro que separava o quarto do meu paido meu. Poucos segundos depois, estava nova-mente no meu colo.

— Tenho uma mensagem de Ander — disse ele. — Ficou surpreendido por saber sobreSam e Pepper,mas como estão domesticados, elecompreende que possa ter acontecido. Afinal,dependem dos humanos para comer e beber.Quanto aos falcões, Ander acha que aquele que

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você viu pode ser um caso isolado e que os ou-tros ainda podem estar do nosso lado. Ele per-gunta se sabe de alguém em Bridewell que possater um falcão como animal de estimação.

Pensei em todo mundo que eu conhecia eque poderia ter um falcão em Bridewell, mas nãodescobri ninguém. Além de Yipes, nunca tinhatido conhecimento de que alguém tivesse um

falcão como animal de estimação, muito menosalguém por aquelas bandas. — Lamento Murphy,não sei de ninguém

que tenha um bicho de estimação desses. Ander disse mais alguma coisa?

— Só uma: «Estamos ficando sem tempo,

portanto, apresse-se.» São palavras dele, nãominhas. Eu acho que está fazendo um trabalhoesplêndido, embora tenha que admitir que ascoisas parecem estar indo muito devagar, nãoacha?

— Tenho uma idéia que talvez ajude a a-

celerar as coisas, mas vou precisar da sua ajuda — disse eu. — Mas é claro! Tenho todo o prazer em

ajudar no que for preciso.Passei alguns minutos a contar-lhe os de-

talhes do meu plano e depois partimos em dire-ção à biblioteca. O primeiro ponto na ordem detrabalhos seria entrarmos na biblioteca que esta- va trancada. Há uns anos tinham acrescentadouma portinhola para gatos na parede, do lado

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esquerdo das portas duplas que davam acesso àbiblioteca. Nenhum humano conseguia passarpela abertura, com a sua aba de madeira articu-lada, mas Murphy não teria qualquer dificuldadeem passar por um lugar que para ele seria largo.

Eram apenas dez horas da noite, por issoainda havia gente por todos os cantos da CasaRenny. A sala de fumo estava cheia dos seus u-

suais freqüentadores tardios e conseguia ouvir oscozinheiros a limparem a cozinha e a prepararemas coisas para a manhã seguinte. Murphy desceufurtivamente as escadas a meu lado, olhando pa-ra todos os lados, as suas patinhas leves fazendoum ruído muito suave, como pequenas pedri-

nhas caindo na areia. O único ruído audível quefizemos até chegar às portas duplas foi o ocasi-onal ranger de um ou outro degrau, causado pelomeu grande peso, comparativamente com o de Murphy.

— Ali está o postigo — sussurrei. —

Lembre-se: não faça barulho. Rode o trinco daporta devagarinho, caso contrário, ele dará umestalido alto quando abrir.

Murphy não disse nada, enquanto exami-nava a portinhola. Com a sua minúscula patadianteira, empurrou levemente a aba de madeirae depois deixou-a balançar de volta ao lugar.Não se ouviu o som de roçar nos cantos, nem seouviram as dobradiças chiando. A aba balançoulivre e silenciosamente. Empurrando a aba com a

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cabeça, Murphy entrou pela abertura, baixando-alentamente do outro lado com a sua longa cauda.Mal ouvi ruído quando ele saltou para a maçane-ta da porta, equilibrando-se nas patas traseiras, erodou o trinco lentamente. Este fez umclique quando abriu, como o som de uma casca deamendoim a ser esmagada entre um polegar eum nó de dedo.

Tinha dito a Murphy que não saltasse damaçaneta porque achei que o barulho que fariaao pousar no chão poderia acordar os gatos. Eleestaria pacientemente à espera, equilibrando-sena maçaneta, do outro lado da porta. Rodei amaçaneta devagar, ouvindo os minúsculos me-

canismos no seu interior se mexerem. Não con-seguia ver Murphy,mas imaginei que parecesseum palhaço de circo caminhando em cima deuma grande bola, as suas patinhas rápidas dandopequenos pulos, enquanto a maçaneta girava etornava a girar debaixo dele.

Finalmente, a porta se abriu e eu meti amão do outro lado para agarrar Murphy pelotronco surpreendentemente ossudo. Debaixodaquele pêlo todo, era mais magro do que eupensava, e não era, certamente, adversário paraSam nem paraPepper,quanto mais para os doisjuntos. Pousei-o no chão e fechei a porta atrás demim.

A biblioteca ficava no terceiro piso e tinhachão de madeira. Era inevitável fazer ranger o

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chão ao andar, portanto, Murphy teria que tratarda caçada. Era suficientemente leve para nãofazer barulho ao caminhar pelos corredores paraencontrar o que nós pretendíamos. Eu teria queficar ali pacientemente à espera, enquanto Mur- phy encontravaPepper,de preferência dormindo,e lhe cortava a medalha do pescoço. Isto nãoseria tarefa fácil. A medalha estava pendurada

numa coleira grossa de couro, com uma argolasólida de ouro. A sua única hipótese seria cortara coleira de couro e fazer deslizar a argola, cor-rendo depois para a portinhola dos gatos comela e a medalha entre os dentes, sendo persegui-do por dois felinos assanhados e de garras de

fora. Teria de ser uma operação rápida:cortar,agarrar e correr.Era a única maneira.Fiz um sinal a Murphy e ele se afastou em

direção ao escritório de Grayson. Estava maisescuro na biblioteca do que eu esperava e perdi Murphy nas sombras, quase imediatamente. Os

segundos transformaram-se em minutos en-quanto esperava. Finalmente, Murphy regressoucom notícias.

Peguei nele e aproximei-o do ouvido. — Encontrei os dois enrolados um no

outro numa cadeira — sussurrou ele. — Não hásinal de qualquer falcão do lado de fora da janela.Com esta luz, é difícil dizer qual dos gatos é oSam e qual é oPepper.Sei que oPepper é mais es-curo mas, fora isso, são quase iguais.

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— Não conheço mais nenhuma marca — respondi num murmúrio. — Se não tiver certeza,corte a medalha que for mais fácil pôr a mão efuja.

Coloquei Murphy no chão e meti a mão nobolso à procura do utensílio que tinha fabricadopara ele. Era um pequeno cubo de madeira. Combastante esforço — partira a lâmina menor do

meu canivete — tinha feito uma pequena ranhu-ra no cubo e encaixado a extremidade maisgrossa da lâmina na madeira. Peguei no cortadorde couro improvisado e coloquei o cubo de ma-deira na boca de Murphy.Ele fincou-lhe os den-tes com força e eu rocei a manga da minha ca-

misa no gume afiado da lâmina, no momento emque ele levantava a cabeça. A lâmina rasgou acamisa de um lado ao outro.

— Se não conseguir chegar à medalha,mantenha a lâmina na boca. É a única proteçãoque tem contra os gatos — disse baixinho. Mur-

phy se virou e desapareceu, engolido pela escuri-dão. Fiquei imediatamente arrependida de tê-loenviado naquela missão.

Os minutos passaram e eu ouvi vozes àdistância, eco de risos, o ruído feito por uma ca-çarola ou panela a ser colocada dentro de umapia. Água a correr. Nisto, ouvi um guincho so-brenatural de um dos gatos, som este que nãoconsegui traduzir em palavras. Receava por Murphy e temi que a minha capacidade de enten-

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der os animais já tivesse começado a desapare-cer. Sem pensar no que fazia, levei a mão à bolsade couro que trazia em volta do pescoço com apedra, e apertei-a com força.

As vozes regressaram. — Agarre-o! Ele tem a medalha! Mate-o!Estava na hora de eu me mexer. Abri a

porta e regressei ao corredor, fechei-a firme-

mente atrás de mim e puxei a aba da portinholados gatos na minha direção. Durante esse tempotodo, ouvia uma mistura de guinchos e palavrase garras batendo no chão de madeira. Pus-me degatinhas e encostei a cabeça ao chão para poderespreitar pela pequena abertura. Continuava sem

ter sinal de Murphy na escuridão.Os ruídos estavam agora muito mais pró-ximos.

— Miiiiiiaaauu! Não o deixe escapar!Um minuto depois, tive que me desviar

do caminho pois uma bola deslizante de pêlo

disparou pela portinhola. Era Murphy,com a ar-gola entre os dentes e a medalha balançando ne-la. Mal ele tinha passado, deixei cair a porta de vaivém e sentei-me bem na frente. Murphy tentoubrecar, mas continuou deslizando pelo chão en-cerado. Chocou-se com a parede em frente dabiblioteca, fazendo um ruído seco; a argola deouro soltou-se dos seus dentes e voou pelo ar,caindo com um tinido agudo entre nós dois. Ogato que encabeçava a perseguição chocou-se na

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porta, atrás de mim. O segundo caiu por cimadele e gritou do interior da biblioteca. EraSam,egritava:

— Afaste-se da porta! Quem é você?Devolva a medalha! — Fez também outros co-mentários desagradáveis que ecoaram no ar.

Murphy recuperou os sentidos no exatomomento em que se ouviram passos que come-

çavam a subir a escada, vindos do andar de bai-xo. — Oh, não! — sussurrei. — Murphy! Le-

vante-se, Murphy! Mantendo a aba fechada com uma mão,

tirei o canivete do bolso com a outra e abri a lâ-

mina maior com os dentes. Os gatos arranhavame empurravam a aba, guinchando o tempo todo.Empurrei a aba com toda a força que ti-

nha, lançando-os para trás pelo ar. Com um gol-pe forte cravei o canivete no batente da pequenaportinhola. A aba desceu e embateu na lâmina,

deixando os gatos presos na biblioteca.Os passos que se aproximavam já estavamquase em cima de nós. Corri até Murphy,agarreina medalha, peguei o esquilo no colo e atirei-opelo corredor que conduzia ao meu quarto, ondebateu com uma pancada seca. Depois virei-mepara enfrentar os passos que dobravam a esqui-na.

Era Althia, uma das cozinheiras, seguran-do uma frigideira numa das mãos e com ar de

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quem ia me dar com ela na cabeça. — Alexa! — gritou ela. — O que anda

fazendo aqui a esta hora da noite, no meio destaalgazarra toda? Quase me matou de susto!

— Desculpe, Althia, desculpe. — Preci-sava fazê-la voltar para a cozinha para poder ir ver como Murphy estava, mas os gatos continua- vam a guinchar e a arranhar a porta, tentando

sair. — Os gatos estavam fazendo um barulhoterrível, por isso vim aqui ver o que se passava — expliquei. — Parece que Grayson os deixoufechados e eles querem sair. Amanhã digo-lhepara verificar a portinhola deles. Parece estar

bloqueada, provavelmente por uma pilha de li- vros velhos ou coisa parecida. — Na luz fracaque iluminava o corredor, coloquei-me entre Althia e a portinhola dos gatos e ela pareceu a-creditar em mim.

— Ainda bem que era apenas você —

disse com algum alívio. — Vou voltar para omeu soufflé antes que ele baixe. É melhor voltarpara o seu quarto.

Dito isto, desceu as escadas resmungandoalgo sobre os gatos e agitando a frigideira no ar.

Fiquei ali no corredor durante um mo-mento, atordoada, abanando a cabeça e revi- vendo a cena, rezando para que Althia não vol-tasse atrás para fazer mais perguntas. Depoisavancei rapidamente pelo corredor, cujo assoa-

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lho rangia, para encontrar Murphy e voltar parameu quarto. Fiquei horrorizada ao ver que elecontinuava sem sentidos, tinha a respiração en-trecortada e sangrava de um golpe feio, na parteda frente da cabeça. Peguei nele com cuidado efui para o meu quarto, praguejando comigomesma por tê-lo feito entrar na biblioteca comaqueles terríveis gatos.

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CAPÍTULO 19A CARTA DA MINHA MÃE

ui ao banheiro buscar uma toalhinha mo-lhada. Murphy estava deitado na minha cama,

tremendo e com espasmos, como se tivesse acabeça cheia de sonhos em que tentava se de-fender de gatos enfurecidos. Limpei-lhe o feri-mento e o pêlo em volta dos olhos e nariz, queestava sujo de sangue. O que mais me preocu-pava era o enorme galo que encontrei na testa.Ou era resultado do choque contra a parede de-pois da perseguição, ou, Deus quisesse que não,da queda quando o atirei para o patamar.

F

Enquanto Murphy jazia imóvel, meti a mãono bolso e tirei de lá a medalha e a argola de ou-ro. Tal como a medalha queSam trazia ao pes-coço, esta tinha um desenho lindo gravado nasuperfície. Esperava que a Jocasta escondida sobo desenho me desse a ajuda de que eu precisavadesesperadamente. Levantei o tapete que tinhadebaixo da minha cama. Debaixo dele havia umatábua de assoalho solta, que eu fiz saltar. Eranesse pequeno espaço debaixo da tábua que euguardava as minhas ferramentas, a chave pratea-da de Warvold, o seu livro preferido, o telescó-pio quebrado da minha mãe, e a lupa de tipó-grafo com a lente danificada.

Retirei a lupa de tipógrafo e tapei nova-

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mente o buraco com a tábua e o tapete. Quandome levantei, Murphy estava sentado, muito ereto,lambendo uma das patas.

— Ainda bem que está melhor! — Colo-quei-lhe a mão na cabeça e, suavemente, fiz-lheuma festa.

— Não podia estar melhor! Já não viviauma aventura assim desde que um coiote me

perseguiu até eu me refugiar numa árvore, ummês atrás. Tenho uma dor de cabeça, mas estouinteiro — respondeu ele.

Estava contentíssima por vê-lo de pé. — O que aconteceu? Conte-me tudo —

pedi.

— Bem, deixe-me pensar... Estava escuroe, a princípio, não sabia bem o que fazer. Depoisdecidi que o melhor era enrolar as minhas patasde trás em volta do pescoço dePepper e sen-tar-me em cima da sua cabeça, tudo num movi-mento rápido, e depois cortar a coleira, agarrar

na argola de ouro e voar para a porta. — En-quanto falava, comportava-se de forma dramáti-ca, apoiado nas patas de trás. — Mal lhe puleiem cima da cabeça, ele começou a gritar e a es-pernear por tudo quanto era lugar. Eu voava peladivisão a uma velocidade tal que só por sorteconsegui me agarrar. Cortei a coleira, o que fezcom que a argola e a medalha fossem atiradaspelo chão, até o corredor. Infelizmente, tambémpiquei o pescoço do gato e ele dobrou a cabeça

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para trás com tanta força que eu fui projetadopelo ar como uma boneca de trapos. Houve umaenorme confusão quando aterrei, mas era eu queestava mais perto da medalha. Corri até ela, a-garrei na argola de ouro com os dentes e largueia correr até à porta, com os dois gatos atrás demim.

— Espantoso! — exclamei. Murphy estava

radiante, o orgulho de uma batalha mítica rode-ava-o como uma auréola. A história não preci-sava ser acrescentada: era, só por si, uma lendade primeira categoria e tive a sensação de que Murphy a iria contar aos filhos e netos durante osanos vindouros.

— E conseguiu trazer a medalha certa, ado Pepper.Lutava como um louco, quando o fe-chei na biblioteca — disse eu.

Peguei na lupa de tipógrafo e encostei-ana medalha. O que eu vi ondulava como um ca-leidoscópio em todas as direções. A lente partida

faria com que fosse mais difícil ler a Jocasta. En-direitei a cabeça, inspecionei a lente e identifiqueio pedaço maior, que não estava perdido. Depoisajoelhei-me no chão e tirei a lente partida do seuaro de metal, espalhando os pedacinhos de vidrono chão. Peguei no pedaço maior do que restavada lente, mais ou menos um quarto da lentecompleta, e voltei a sentar-me na cama.

— Acha que vai funcionar? — perguntou Murphy.

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— Acho que sim, mas pode demorar al-gum tempo até conseguirmos ver tudo — res-pondi.

No final das contas, tratava-se de uma Jo-casta muito simples, constituída por um diagra-ma de três caixas. Duas das caixas tinham umalinha a uni-las; a terceira não estava ligada às res-tantes. A ponta da linha terminava numa seta,

que apontava para a terceira caixa. O desenhoera o seguinte:

Copiei o diagrama para um pedaço depapel e apanhei os vidros do chão. Murphy e euestudamos o diagrama durante uns minutos, massem qualquer idéia do que poderia significar.

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Finalmente, Murphy disse: — Desculpe Alexa, mas tenho que ir in-

formar Yipes do que se passou. Deve estar pre-ocupado por eu ainda não ter regressado e Ander deve estar à espera para saber em que pé estão ascoisas. — Com isto, saltou da cama, atravessou ochão a correr e pulou para o parapeito da janela. — Que tal se eu exagerar um pouco os nossos

progressos? — Por mim, tudo bem — respondi. — Embora, tanto quanto saiba, tenha chegado a umbeco sem saída, e não faça idéia do que devatentar a seguir. Esta Jocasta era a minha grandeesperança, e foi uma desilusão. Desculpe tê-lo

feito enfrentar todo aquele perigo por nada. — Não se preocupe. Diverti-me muito.Sou um herói de guerra; quando isto terminar,provavelmente vão condecorar-me e ofere-cer-me um desfile. Que mais um esquilo poderiadesejar?

Murphy saiu correndo pela janela e eu fi-quei sozinha com os meus pensamentos na partemais profunda da noite. Já passava da uma horada manhã e estava completamente exausta. Re-clinei-me na cama e senti um chumaço no meubolso de trás. Era a carta da minha mãe, e aquelaera uma hora tão boa como qualquer outra paralê-la. Com um pouco de sorte, talvez me ajudas-se a adormecer.

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Alexa, Obrigada pela carta. Tenho muitas saudades

você e do seu pai e umas linhas, por poucas que fazem-me sentir mais próxima de vocês. As margestão abrindo por toda a cidade e o quintal está chtomates. Eu disse ao seu pai para não plantar tanmas ele não me deu ouvidos. Agora eu ando, de trtrês dias, indo na casa dos vizinhos oferecendo tom

comendo-os ao café-da-manhã, almoço e jantar. Nteressa quantos eu coma ou ofereça, no dia seguimais por lá. Dê um recado meu ao seu pai: eu te avi

Fiquei com pena que tenha levado o meu tel pio para Bridewell. É difícil discipliná-la à distâmas pode estar certa de que vou te pôr para arranc

tomateiros do quintal quando chegar em casa. Enque a tentação tenha sido grande, mas tem que apre fazer escolhas melhores. O telescópio foi uma preRenny Warvold. É a única recordação que guardo portanto tenho um afeto especial por ele. Tenha ccom ele e traga-o de volta. Depois mando consertar

e pode pagá-lo fazendo uns trabalhos aqui em casa. Como tem estado o tempo em Bridewell? Tcerteza que está quente, como sempre. O Rio Rolanainda mais cheio este ano e refresca Lathbury ao ftarde.

Escreva mais vezes! Espero ver-te e a seu pabreve. Beijinhos,

Mãe

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O lindo e ornamentado telescópio. Malsoube que tinha sido uma prenda de Renny, co-mecei a ver as coisas por outra luz. Talvez as trêscaixas da medalha dePepper fossem as três partesdo telescópio. As imagens gravadas nas primeirasduas talvez fossem iguais ao que quer que fosseque estivesse gravado na terceira. Saltei da camae corri para a janela, onde olhei para todos os

lados à procura de Murphy,rezando para que a-inda conseguisse apanhá-lo. Mas ele já tinha de-saparecido há muito.

Regressei ao meu esconderijo, afastei otapete e a tábua do assoalho e, com as mãos atremer, peguei no telescópio quebrado e voltei

para a cama. Desdobrei as partes do telescópio,expondo todos os maravilhosos padrões decornucópias que decoravam os tubos. Cada partedo telescópio parecia uma vibrante floresta decor, e a tarefa de encontrar as jocastas escondi-das parecia impossível, principalmente porque eu

só tinha um pedaço de lente de aumento comque trabalhar. Comecei a observar o grande tuboexterior através do estilhaço de lente e depressame apercebi de que levaria horas a inspecionarsó essa parte. Já estava tão cansada que mal con-seguia manter os olhos abertos.

Dirigi-me ao banheiro e escutei o ressonarregular do meu pai, que enchia a noite, um res-sonar gracioso, não muito alto e quase relaxante.Molhei o rosto e o pescoço com água da bacia,

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na esperança de que a água fria me despertasse.Depois voltei para a cama e comecei novamentea estudar o telescópio.

Era inútil. A velocidade com que eu a- vançava, levaria vários dias a encontrar as jocas-tas escondidas e já estava a cabecear, apesar doesforço que fazia para me manter acordada; embreve desfaleceria de exaustão e acordaria com

Sam em cima do meu rosto e Sebastian de pé,junto à minha cama, empunhando uma marreta.Levantei a cabeça e esfreguei os olhos. Tinha dehaver outra maneira. Já eram duas horas da ma-nhã e eu não conseguiria ficar acordada muitomais tempo.

Segurei o telescópio à distância de umbraço esticado e rodei-o lentamente na mão,procurando um padrão que unisse os três tubos.Coloquei uma mão sob o tubo maior e a outrapor cima do menor e continuei a rodar o objetotodo. Na realidade, parecia haver um ponto em

que os três desenhos coincidiam, mas não esta- vam alinhados. Segurei no tubo de cima e no debaixo e, para minha surpresa, com algum esfor-ço, consegui rodá-los em direções opostas.Quando os desenhos ficaram alinhados, os tubosencaixaram-se com um estalido, parando de ro-dar. Nunca me tinha ocorrido rodá-los destaforma.

Agora conseguia ver uma fila de espiraisde cores vivas, umas em cima das outras e cada

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uma ligeiramente maior do que a anterior, ali-nhadas na extensão dos três tubos. A cor tam-bém ia escurecendo desde o primeiro desenhoao último. No centro de cada padrão de cornu-cópias havia um símbolo, que parecia um lam-pejo de luz amarela. Peguei no meu estilhaço de vidro e aproximei-me o mais que pude para ob-servar o centro do padrão do primeiro tubo. Ti-

nha encontrado a primeira de três jocastas.Era a imagem de um homem sem olhos,que tateava o ar, erguendo e esticando o braçopara o lado, à procura de um objeto invisível.Lembrei-me imediatamente da fábula que War- vold me contara, na noite da sua morte, sobre os

cegos e o elefante, e interpretei o objeto invisívelcomo sendo o elefante da história de Warvold. Tinha o coração a bater aceleradamente e,

de repente, o sono abandonou-me por completoe passei para o tubo seguinte. A Jocasta destetubo representava um homem ajoelhado com os

braços erguidos em adoração a um Deus invisí- vel.Passei para o último tubo e encontrei uma

Jocasta ainda mais simples do que a da medalhadePepper.Não era mais do que um S maiúsculo.

Elefante + Adoração = Sebastian.Estava mais confusa que nunca.

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CAPÍTULO 20A SALA DE REUNIÕES

fadiga extrema é uma força avassaladora.Em circunstâncias favoráveis, cobre o seu

prisioneiro com pesadas camadas de sono pro-fundo, que têm de ser retiradas uma a uma parase chegar ao que está sob elas. Quando as vozese a luz do mundo insone tentam entrar, deba-tem-se com uma grossa membrana, para conse-guirem arrancar os exaustos, trazendo-os de no- vo à vida.

— Acorda, Alexa! Acorda! — Há quantotempo estava dormindo? Há quanto tempo umesquilo me gritava na sua vozinha fina? Era tudoum sonho, tudo... os animais falantes, a muralhae o roedor que dava cambalhotas sobre o meupeito... era tudo um delicioso sonho.

O esquilo tinha agora o focinho encosta-do no meu rosto, a sua boca estava escancarada,revelando uma dentadura surpreendentementerobusta. A criatura mordeu, primeiro suavemen-te e depois com força, a ponta do meu nariz... eacordei.

— Murphy! — gritei enquanto me sentavade um pulo, atirando-o às cambalhotas para ospés da cama e fazendo-o cair no chão com umapancada seca. A primeira luz suave da manhãesgueirava-se por cima da muralha, entrando no

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quarto. Tinha dormido quase quatro horas. Murphy subiu para a cama com um ar a-

tordoado. — Está ganhando o mau hábito de me a-

tirar pelo ar. — Faz parte do dia-a-dia de um herói —

respondi, acrescentando depois um sentido pe-dido de desculpas.

— Temos problemas, Alexa. Os conde-nados entraram em ação. — Então temos de nos apressar. — Pas-

sei os minutos seguintes contando a Murphy oque tinha descoberto na sua ausência. Uma vezexcitado, é preciso um grande esforço para a-

calmá-lo novamente, e a notícia dos meus pro-gressos lançou-o num ataque de entusiasmo fre-nético. Por fim, tive que agarrá-lo pelo tronco esegurá-lo no ar, para acalmá-lo. Passados algunssegundos, ficou pendurado nas minhas mãos,com as patas pendentes e a arfar.

— Não nos excitemos demasiadamente — disse eu. — Ainda não conhecemos a verda-deira identidade de Sebastian e receio que este-jamos ficando sem tempo. Acho que o que des-cobrimos ainda pode fazer algum bem, mas pre-cisarei da sua ajuda para me certificar disso.

Eu sabia que ele estaria disposto a de-sempenhar outra missão, por isso expliquei-lherapidamente o que precisava que fizesse e elepartiu. Estaria ausente durante mais de uma ho-

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ra. Quanto a mim, o Sol estava a nascer e tinhachegado a hora de falar com o meu pai.

Entrei sorrateiramente no banheiro, abrisilenciosamente a porta do quarto dele e espiei lápara dentro. O quarto estava escuro, com exce-ção do raio de luz que vinha do lugar onde euestava e que dava a tudo um tom brilhante decor-de-laranja suave. A sua respiração profunda

e familiar enchia a divisão. Na ponta dos pés,dirigi-me ao outro lado da cama e deitei-me emcima dos cobertores. A cama estava quentinha etive de resistir à tentação de adormecer outra vez.

— Pai? — chamei baixinho. E depois ou-

tra vez, mas mais alto: — Pai? Ele se mexeu e voltou-se de lado, viradopara mim, estalando os lábios e esfregando osolhos. Tinha o cabelo espetado, formando umgrande arco dourado, o que me fez rir alto. O paiabriu os olhos.

— Alexa. Que bom te ver — disse elenuma voz sonolenta e depois os seus olhos sefecharam novamente. Chamei-o outra vez e des-ta vez ele se sentou, completamente acordado. — Você está bem? — perguntou.

— Estou cansada, mas sim, estou bem.Olhamos um para o outro durante umlongo momento. — Tenho muita coisa para te contar —

continuei.

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— Que quer dizer?Sentei-me e coloquei o cobertor grosso,

que estava na cama, em volta dos ombros e con-tei ao meu pai todos os acontecimentos dos úl-timos dias. Bem, quase todos os acontecimentos. A meio do relato, decidi que a noção de animaisfalantes era algo que eu iria manter em segredo.Não servia de nada contar-lhe e tinha grande

preocupação acerca do uso que seria dado a essefato quando se tornasse conhecido dentro e forade Bridewell.

Quando terminei, fiz-lhe a pergunta quetinha andado a fazer a mim mesma toda a ma-nhã:

— Quem você acha que é Sebastian?O meu pai esfregou a barba, que cresceradurante a noite e cobria as suas faces ruboriza-das, e olhou pensativamente para o outro ladodo quarto.

— Não sei, mas temos que contar aos ou-

tros o que descobriu — decidiu ele. — Vista-se e vá até sala de reuniões dentro de meia hora. — Saiu da cama e dirigiu-se ao banheiro, esticandoos braços por cima da cabeça e baixando-os no- vamente, enquanto caminhava. Fiquei parada,com medo de me mexer, ainda com o cobertor aenvolver-me os ombros. O meu pai jogou águano rosto e depois virou-se para mim, a água es-correndo-lhe pela barba grossa. — Levante-se, Alexa. Não há tempo a perder. — Era uma or-

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dem, não um pedido.Engatinhei para fora da grande cama e

pus os pés no chão frio, de madeira. Enquantopassava por ele, dirigindo-me para o meu quarto,rocei-lhe nas pernas e ele se ajoelhou a meu lado,colocando-me as suas gigantescas mãos nos om-bros. Nesse momento apercebi-me de uma coisanova em relação ao meu pai, uma coisa na qual

eu nunca tinha pensado. Se quisesse, poderiaesmagar-me com aquelas mãos monstruosas; nãoprecisaria fazer muito esforço. Em vez disso, ecomo se tivesse noção desta minha nova cons-ciência, puxou-me para ele e abraçou-me durantemuito tempo, segurando a minha pequena cabe-

ça na sua mão e sussurrando-me ao ouvido. — Que hei de fazer contigo, minha me-nina manhosa? — Depois soltou-me e voltoupara o que estava fazendo no lavatório, passandoas duas mãos pela sua crista dourada de cabelo.

Com a minha porta do banheiro fechada,

vesti-me e preparei-me para a reunião. Vesti a minha camisa verde, de mangascompridas, um colete vermelho com botões euma túnica castanha, sem mangas e com um de-brum de cor viva, de cima a baixo, na parte dafrente. Terminei atoilette com o meu gorro quen-tinho, de couro, e puxei o cabelo para trás dasorelhas. Pouco tempo depois, ouvi a porta doquarto do meu pai abrir e fechar, os seus passosno corredor e enquanto descia as escadas, até

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deixar de distinguir os seus movimentos. Entãoabri a minha janela e olhei em volta à procura de Murphy,mas só tinha passado uma hora desdeque iniciara a sua missão, portanto não havia si-nal dele ainda. Peguei na minha mochila e descio corredor, na direção da misteriosa sala na qualnunca tinha entrado.

Um dia, no Verão anterior, estava tão a-

borrecida que comecei a percorrer furtivamentea Casa Renny, escondendo-me debaixo de mesase atrás de sofás que estivessem junto a paredes.Era um intervalo divertido numa tarde aborreci-da, e dei por mim a gostar da excitação de fingirque era uma espiã. Tinha transformado todas as

pessoas da casa em personagens maléficas nomeu plano secreto de encontrar um tesouro fic-tício escondido. Perdida num mundo só meu, deipor mim escondida atrás de uma cortina grossa eroxa, perto da sala de reuniões. Para minha sur-presa, a porta desta mística sala abriu-se e Ga-

nesh apareceu, seguido de Warvold e depois domeu pai. Puxei um pouco mais a cortina e espieilá para dentro, à medida que a porta se fechava. Apenas vi um raio de luz que entrava por umajanela enorme e brilhava contra as silhuetas dosobjetos que estavam dentro da sala. Quando aporta fechou, com um rangido, uma mão grandetocou-me no ombro, fechou-se sobre ele e pu-xou-me de trás da cortina.

— Já te disse para não andar bisbilhotan-

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do por tudo quanto é lugar. É para seu própriobem, portanto faça o favor de obedecer. — Erameu pai e não tinha falado em tom zangado masenérgico e severo. Depois, tinha se afastado emdireção à cozinha, deixando-me ali com o cora-ção a cavalgar no peito. Desde esse dia, nuncamais tinha me aproximado da sala.

E agora, apenas um ano mais tarde, ali es-

tava eu, a ser convidada a entrar naquela mesmadivisão. Um arrepio percorreu-me o corpoquando me aproximei da porta fechada. Olheipara o meu lado esquerdo e vi a pesada cortinade veludo formando um cacho junto à parede.Em seguida, agarrei a maçaneta da porta, abri-a e

entrei. A sala de reuniões era profissional e semgraça, com chão de mosaicos escuros e paredessombrias, onde não havia nada pendurado. Tin-teiros e canetas gastas de tanto uso enfeitavamduas mesas compridas, viradas uma para a outra,

que ocupavam o centro da sala. Em cima dasmesas havia ainda sólidos jarros de água e coposde terracota. Era uma sala sem enfeites, uma salade trabalho, uma sala sem caráter nem charme.Fechei a porta atrás de mim, fazendo com que aúnica luz que entrava na divisão fosse a luz na-tural que se filtrava pela imponente janela de umdos lados. Havia poeira matinal no ar, dourada ea rodopiar na luz do Sol, dançando no ar, en-quanto as pessoas se calavam e ocupavam os

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seus lugares em volta das mesas.Estavam todos presentes: Silas, Ganesh,

Nicholas, o Pai, Grayson, e até Pervis, acorren-tado a uma cadeira, de mãos agrilhoadas e zelo-samente vigiado por um guarda que estava atrásdele de bastão em punho.

Tomamos os nossos lugares, o meu paicom Ganesh do seu lado esquerdo e eu do seu

lado direito. Nicholas estava sentado a meu ladoe, à nossa frente, na mesa do lado oposto, esta- vam Silas, Grayson e o agrilhoado Pervis.

A última coisa que me recordo de ouvirantes do pai começar a falar foi o lamentávelsom de Pervis a mudar de posição na cadeira e a

mover os grilhões que lhe envolviam os torno-zelos. Isto produziu um tilintar arrepiante quefez eco no teto alto, fazendo-nos lembrar a suatriste situação.

— Obrigado por terem comparecido a tãomatutina reunião — começou o pai. — Significa

muito para mim o fato de terem podido satisfa-zer o meu desejo de lhes falar. Partindo do prin-cípio de que Pervis está bem seguro, tenho quepedir ao guarda que nos conceda a nossa priva-cidade. — O guarda inspecionou as amarras dePervis para se certificar de que tinha feito umbom trabalho e depois dirigiu-se para a porta. — Guarda — chamou o meu pai —, dei-xe as chaves. — O guarda voltou e, de pé diantedo meu pai, desprendeu as chaves do cinto e

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pousou-as em cima da mesa. Depois, virou-se eabandonou a sala.

Com a divisão devidamente selada, o paicontinuou.

— Como todos vocês sabem, a perda de Warvold tem sido uma dura prova para Bride- well. Ainsworth pressente a nossa nova fraqueza,e os seus habitantes podem tirar vantagem da

situação. Cada vez mais pessoas tentam insta-lar-se aqui e não temos onde metê-las. O chefedos nossos guardas está preso, deixando-nos vulneráveis a qualquer ataque, e aos seus ho-mens, sem um líder. Além disso, há outras cons-pirações mais sinistras, das quais, possivelmente,

nem temos notado.«Grayson está aqui há mais tempo queninguém; é um bom e velho amigo. Silas, é umanova aquisição deste grupo, mas alguém emquem, sinto, podemos confiar. Nicholas tambémé novo no grupo, mas é claramente um líder do-

tado e alguém que será, sem dúvida, uma impor-tante parte do nosso futuro. O meu querido a-migo, Ganesh... não há palavras para exprimir aimportância que representa para Bridewell e parao que ela será no futuro. Também convidei Ale-xa para se juntar a nós esta manhã. A necessida-de da sua presença aqui se tornará clara dentrode momentos.

Fez um pausa e olhou para o nosso com-panheiro agrilhoado.

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— E, Pervis, o que será de você? Receioque tenhamos cometido um erro ao prendê-lo,mas não consigo convencer a mim mesmo a sol-tá-lo.

Enquanto o pai se servia da água de umdos jarros que estavam em cima da mesa, percebium movimento estranho, na borda do parapeitoda grande janela que estava de frente para mim.

Foi um movimento pequeno, quase imperceptí- vel, como um pequeno galho preso numa teia dearanha, pendurado numa lufada de ar. Murphy estava de volta.

Murphy tinha o corpo pendurado por umapata no parapeito da janela e agitava a outra pata

no ar, tentando chamar a minha atenção. Nãoparava de agitar a pata no ar. Depois a patinhadesapareceu de vista quando ele escorregou eouvi um leve ruído, feito pelas suas unhas, en-quanto deslizava pelo lado de fora da parede.

— Pai, posso ir para junto da janela por

causa do ar fresco? Há muito pó aqui. — Eledisse que sim com a cabeça e continuou a falar. — Há uma semana, Alexa descobriu uma

saída para o lado de lá da muralha e passou doisdias inteiros nas montanhas e na floresta, tendoregressado ontem.

Ouviu-se um grito sufocado, coletivo. — Perdeu a cabeça? Ela podia ter morri-do lá fora! — gritou Ganesh. Grayson estavacom ar de quem preferia estar debaixo da mesa,

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onde ninguém conseguisse vê-lo, e o pobre Silasolhou-me como se as minhas mentiras lhe tives-sem partido o coração.

Enquanto o grupo fazia perguntas ao meupai, aproximei-me da janela, encostei as costas àparede, e tateei a borda do parapeito à procurade uma bola de pêlo. Murphy tinha desaparecido,mas deixara-me um presente em cima do para-

peito da janela. Peguei-o. — Escutem-me — disse o pai erguendo a voz, e a sala ficou novamente em silêncio. — Alexa fez tudo isto por si mesma, sem o meuconhecimento ou autorização. Mas acho que,antes mesmo desta reunião ter terminado, vamos

lhe agradecer.Lançou um olhar acusador a Grayson, queestava de boca aberta e olhava fixamente para ooutro lado da sala.

— Enquanto estava do lado de fora damuralha, Alexa descobriu um túnel que conduzia

a um lugar a partir do qual se via uma câmarasubterrânea — continuou o pai. — A câmara fazparte de um labirinto de túneis subterrâneos re-sultantes das escavações mineiras realizadas paraconstruir as nossas muralhas. Os túneis e as ca- vernas estendem-se em volta dos Montes das Trevas e também debaixo da própria Bridewell.Um grupo de pessoas, pessoas com C marcadocom ferro em brasa no rosto, vive dentro destestúneis.

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— Isso é um verdadeiro absurdo! — ber-rou Nicholas. — Tem consciência do que issosignificaria?

Todos os outros ficaram imóveis, algunsde boca aberta, calculando as implicações de talfato.

Eu já tinha regressado ao meu lugar e omeu pai acenou-me com a cabeça. Tirei um tubo

de madeira da minha mochila e entreguei-lhe. — Receio que seja verdade — afirmou e-le. — Tenho aqui um mapa que mostra o traça-do de todos os túneis e cavernas. Há um outroconjunto de túneis na superfície, cobertos porespesso matagal, e é através deles que estes cri-

minosos se deslocam, sem serem detectados, àprocura de comida e água.«Estes homens estão zangados e há mui-

tos anos que conspiram para invadir Bridewell etomar o comando da cidade. Podem atacar a ci-dade tão cedo como amanhã à noite e nós não

estamos adequadamente preparados para seme-lhante ataque. — Isso não pode ser verdade — protes-

tou Ganesh. — Nós devolvemos esses prisio-neiros. Warvold escoltou-os até Ainsworth. Di-go-lhes que issonão é possível!

— Lamento, Ganesh, mas, por mais quedeseje que nada disso seja verdade, não acho que Alexa esteja inventando estas coisas. Por favor,deixem-me acabar. Tenho mais coisas para con-

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tar e depois podem fazer as perguntas que qui-serem.

Todos ficaram momentaneamente quietose calados. Os rostos que estavam à minha frentedeixavam transparecer choque e confusão.

— Warvold era um homem misterioso, ea sua mulher, Renny, era talvez ainda mais des-concertante que ele. Como sabem das nossas

conversas com Nicholas, ela gostava de um tipode arte chamada Jocasta. Ela teve a gentileza dedeixar estes tesouros velados, escondidos em vários lugares à nossa volta, e Alexa os tem utili-zado para ajudar a resolver um puzzle que, creio,tanto Renny como Warvold queriam que resol-

vêssemos depois da sua morte. Temos que en-carar o fato de que a morte de Warvold pôs emação o fim de Bridewell como nós a conhece-mos. O significado disso permanece um misté-rio, mas uma coisa é certa: não estaremos todosdo mesmo lado nas batalhas que em breve serão

travadas.Puxei um pedaço de papel da minha mo-chila e entreguei-o ao pai.

— Isto é um desenho de uma Jocasta que Alexa encontrou escondida na medalha da colei-ra de um dos gatos da biblioteca. Para quem nãosaiba, aqueles gatos pertenciam a Renny War- vold. Como podem ver do desenho de Alexa, aimagem mostra três caixas, duas das quais ligadasuma à outra que, quando unidas, igualam clara-

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mente a terceira. — Tirei o telescópio da mochi-la, estendi as três partes, e dei-o ao meu pai.

— As três caixas desenhadas na Jocastarepresentam as três partes deste telescópio, quefoi oferecido por Renny Warvold à minha mu-lher. Cada uma das três partes deste telescópiocontém outra Jocasta, e são estas que revelamuma mensagem importante.

O meu pai apontou o dedo para o pri-meiro tubo do telescópio. — A Jocasta da primeira parte representa

um homem que procura um objeto, às apalpade-las, esticando o braço para cima da sua cabeça epara o lado. — Apontando para o segundo tubo,

continuou. — A Jocasta existente na segundaparte revela uma figura humana ajoelhada, comos braços estendidos para cima, rezando a umDeus invisível. E aqui, na terceira parte, a Jocastanão é mais do que um simples S.

O meu pai fez uma pausa e olhou em

volta, para os rostos confusos que olhavam fi-xamente para ele. — Fascinante! — disse Nicholas. — Os

condenados, o labirinto de túneis assustadores,as mensagens todas interligadas pelos projetosartísticos da minha mãe. É, no mínimo, umpouco exagerado. No entanto, a sua filha contauma bela história e não resisto a saber o final.

Sem mais comentários e, com o aceno decabeça tranqüilizador de Grayson e Silas, o pai

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continuou a relatar o que eu lhe tinha contadono início dessa manhã.

— Na noite em que morreu, Warvoldcontou a Alexa uma história sobre seis homenscegos que apalparam um elefante e cada umpensou tratar-se de um objeto diferente, devidoà parte do elefante em que tinham tocado. Umdeles tocou na cauda, outro no flanco, um outro

na cabeça, e assim por diante. De fato, o dese-nho da primeira Jocasta representa um elefante.O símbolo existente na segunda Jocasta dispensaexplicação... representa a adoração de um Deusdesconhecido. A letraS gravada na parte finalpodia não ter tido nenhum significado para Ale-

xa, se ela não tivesse tido o encontro com oscondenados.Foi nesta altura que o meu pai me fez si-

nal para que me levantasse e falasse, e eu mentipara proteger os animais.

— Segundo dois condenados que eu ob-

servei e escutei na câmara subterrânea, há umtraidor vivendo entre nós. Este homem é o seulíder e responde pelo nome secreto de Sebastian,daí a letraS.

Uma explosão de gritos abafados encheunovamente a sala, o mais significante dos quaispartindo de Ganesh, que me olhava com umaexpressão de horror estampada no rosto.

— Agora foi longe demais, Daley. Parecom este disparate! — gritou ele.

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— Realmente, vocês dois, isto passa doslimites — acrescentou Grayson.

Uma mistura de resmungos percorreu asala e depois ouviu-se uma voz que ninguém es-perava ouvir.

— Eu ajudei pessoalmente a escoltar oscondenados até Ainsworth. — Era Pervis, decabeça baixa, olhando para o chão.

Em seguida, ergueu a cabeça e inspecio-nou a sala de um lado para o outro. — O que se passou foi que Warvold ficou

em Ainsworth durante vários dias após eu e osmeus guardas termos regressado a Bridewell.Pode ter comprado a sua liberdade ou, de algu-

ma forma, ter convencido Ainsworth a liber-tá-los. Ele era um homem peculiar e, por vezes,tomava decisões secretas e pouco usuais, comimplicações que só ele entendia. Não pensemque ele já não esperava que as coisas se desenro-lassem como se têm desenrolado. É bem prová-

vel que vejamos a sua sabedoria nisto tudo, antesde chegarmos ao fim. — Raspando as correntesno tampo da mesa, virou-se e indicou a janelacom um gesto. — De qualquer forma, há muitotempo que sabemos que existem criaturas a semovimentarem nos Montes das Trevas. Os meusguardas e eu as vemos a toda hora. Talvez agoraficamos sabendo o que são.

— Vamos lá, Pervis, isto é simplesmenteridículo! — explodiu Nicholas. — Está me di-

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zendo que acredita nas fantasias de uma criança?Pela primeira vez desde que entrei na sala

de reuniões, senti convicção, coragem e até al-guma fúria. Tanta coisa estava em jogo e elestinham umas mentes tão fechadas! Seria precisoalgo mais concreto para fazer com que este gru-po acreditasse. Empurrei a minha cadeira e ca-minhei até à janela. Fiquei durante um momento

de costas para o grupo e observei a repugnantemuralha de pedra. Quase parecia estar viva, comas suas veias de hera verde dispersando-se emtodas as direções. Quando me virei para me diri-gir aos homens, brilhava uma nova paixão nosmeus olhos.

— Tenho mais para contar.

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CAPÍTULO 21OS MONTES DAS TREVAS

minha hesitação tinha desaparecido. Aspessoas que estavam sentadas às mesas, as

coisas sobre os condenados, que eu sabia serem verdade, a própria sala de reuniões... nada maisdaquilo me assustava. Os anos passados dentrodaquela muralha tinham cegado aqueles homenspara o mundo exterior. Mas a muralha tinha-lhestirado mais que a liberdade de experimentar omundo lá fora. Eu via que ela lhes tinha roubadoa capacidade de descobrir a verdade.

Desdobrei o papel que Murphy tinha medeixado no parapeito da janela. — Quando me aventurei no exterior da

muralha, conheci um homem notável. Este ho-mem vive nas montanhas há muitos anos e temuma capacidade extraordinária para lidar comanimais. Ele tem vigiado os condenados edeu-me esta mensagem.

— Esse homem disse como se chama? — perguntou Grayson. Assenti com a cabeça e dis-se-lhe que o homem se chama Yipes. Ele inter-rogou-me novamente, desta vez sobre a alturado homem, e eu respondi que era o menor ho-mem que já vira. Grayson ficou branco comoum fantasma e fitou-me com um olhar vago.Depois apoiou os cotovelos na mesa e deixou

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cair a cabeça nas mãos. — O que é, Grayson? — perguntou Ga-

nesh. Grayson ergueu a cabeça, olhou para osrostos que estavam na sala e respondeu.

— Acho que ela está dizendo a verdade. Todos o fitavam agora, tentando descor-

tinar o que ele estava dizendo. — Yipes não é nenhuma lenda — conti-

nuou ele. — Ele existe mesmo. É um homemmuito pequeno e o mais provável é sercapaz defalar com os animais e vive em território selva-gem — disse a gaguejar e começando a abanar acabeça. Pondo-se de pé, olhou em volta como seestivesse tentando se recordar de uma memória

antiga e a se lembrar dela corretamente antes defalar. — Quando era rapaz, viveu uns tempos

em Bridewell. Chegou aqui, vindo de Ainsworth,e vagueou pelas ruas até ficar suficientementefaminto para roubar pão. — Grayson parou, o-

lhou diretamente para mim e depois continuou. — Roubou aquele pão de mim e eu o apanhei.Depois disso, deixei-o ficar na biblioteca e dor-mir na cadeira que está no canto. Era tão pe-queno que nunca ninguém reparava nele. Quan-do alguém entrava, ele se escondia nas sombras.Eu lhe trazia restos da cozinha e lia para ele.Grayson caminhou até à janela, avivandoa recordação, e olhando para a onipresente pedrae trepadeira da muralha.

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— Um dia dobrei a esquina, dirigindo-meà cadeira, e encontrei-o sentado no colo de Warvold. Fiquei chocado, com medo de que o velho Warvold mandasse os dois embora, a mime ao rapaz. Mas não podia estar mais enganado. Warvold adorava o rapaz. Sentava-se junto dele,liam e conversavam sobre coisas que eu apenasouvia sussurradas, sobre animais falantes, sobre

coisas existentes nas terras selvagens para lá damuralha, sobre passagens secretas e mistérios dopassado distante que só Warvold entendia. Euachava aquilo tudo uma tolice.

Voltando-se, encarou os ocupantes da sa-la, encostando-se ao parapeito da janela, o seu

corpo recortado pela luz matinal. — Continuei com os meus afazeres, to-mei conta do rapaz e ensinei-lhe o que sabia.Naquele tempo, Warvold era um homem extre-mamente ocupado e, muitas vezes, ausentava-sedurante semanas seguidas. Yipes era incrivel-

mente forte e ágil para o seu tamanho e arruma- va livros nas prateleiras superiores, quando nãohavia ninguém na biblioteca. Escalava uma es-tante alta num instante, pendurando-se numamão, e arrumava volume após volume com per-feição.

«Não sei que idade tinha quando chegouaqui, nem a que tinha quando desapareceu, umano mais tarde. Só sei que ele me disse que iriaencontrar uma forma de transpor a muralha e

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que, quando o conseguisse, viveria em territórioselvagem com os animais e aprenderia a se co-municar com eles. Warvold tinha lhe dito que erapossível e ele acreditou. Tinha sido maltratadopelos humanos, esquecido e rejeitado. Acreditavaque em território selvagem as coisas seriam dife-rentes.

Grayson estava visivelmente comovido

com as suas recordações. Parecia não acreditarque o rapaz de quem ele um dia cuidara estava vivo e vivendo nas montanhas e na floresta.

— Um dia, entrei na biblioteca e dei com Warvold sentado na cadeira chorando copiosa-mente, segurando uma estranha chave prateada

entre os dedos. «Ele foi embora e não voltarámais», disse. Pelo visto, Warvold tinha razão,porque nunca mais voltei a ver Yipes.

A sala estava em silêncio. Senti que aquelaera a melhor oportunidade que tinha para revelaro resto que sabia, por pouco que fosse, e para

convencê-los de que o perigo estava realmenteiminente, por isso li a mensagem de Yipes que Murphy tinha ido buscar. E, enquanto lia, sentium frio nos ossos.

— «Os Montes das Trevas não podemprotegê-los do mal que se esconde no seu interi-or. Às doze badaladas desta mesma noite, eledará o sinal e eles irão à sua procura. A sua únicaesperança é derrubar aquilo que construíram.»Está assinado por Yipes — terminei eu. Depois

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disto, todos os rostos refletiram uma expressãoque eu, em todas as minhas idas a Bridewell,nunca tinha visto:

Desconfiança.

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CAPÍTULO 22UM PLANO SECRETO

epois de eu ter lido a mensagem de Yipes,a sala ficou em silêncio durante muito

tempo. Era como se ninguém soubesse o quedizer ou fazer a seguir, ou mesmo como agir. Foio meu pai que finalmente quebrou o silêncio.

D — Parece que estamos todos com difi-

culdade em compreender a presente situação. Amenos que haja objeções, sugiro que deixemosque Alexa nos conte tudo o que sabe. Se o queela já nos explicou for verdade, e tudo indica quesim, então quase não temos tempo de nos pre-parar para uma possível invasão. — Pervis me-xeu-se na cadeira e fez tilintar as correntes entreas pernas. Eu estava contente por tê-lo entrenós.

Levantei-me e avancei para o fundo dasala onde havia uma grande mesa de madeirarodeada de cadeiras. O meu pai soltou Pervis eescoltou-o até uma cadeira na nova mesa, pren-dendo-o a uma das pernas. Convidei todos a sejuntarem a nós e a se sentarem e desenrolei omapa no centro da mesa, usando uns pesadoscandelabros de bronze para mantê-lo aberto.

— Não temos muito tempo e nos faltamdefesas adequadas — disse o pai. — A maioriados que normalmente residem em Bridewell está

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tratando de negócios noutras partes do reino, oque é simultaneamente bom e mau. Assim hámenos pessoas em risco, mas faz com que te-nhamos falta de homens. Essa é, sem dúvida, arazão pela qual os condenados escolheram atacaragora.

O pai olhou para outro lado da mesa, paraPervis e disse:

— Nós somos seis. Quantos guardas te-mos? — Catorze, quinze se me tirarem estes

grilhões, mais uns sessenta e tantos homens,mulheres e crianças espalhados pela cidade — respondeu o Pervis.

— Catorze guardas? — perguntou Silas,partindo do princípio que não iríamos libertarPervis. — Pode haver centenas de condenadosnaqueles montes. Não conseguiremos enfrentartodos, principalmente porque não sabemos exa-tamente como e quando atacarão. E, pior que

isso, um deles está dentro da muralha. Pode serqualquer pessoa... até um de nós.Silas tinha dado voz ao que todos pensá-

vamos mas receávamos dizer: e se Sebastianfosse alguém que estivesse dentro daquela sala?

— Recuso-me a pensar nisso — disse opai. — O único de nós que não está neste grupoa anos e anos é Silas, e não me parece ser umcabeça maléfico. Além disso, quem quer que sejaeste Sebastian, se é que existe mesmo, deve ser

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muito discreto para conseguir passar desperce-bido tanto tempo em Bridewell. Sugiro que nãonos preocupemos tanto com o espião e nosmantenhamos concentrados na invasão que vemaí, quer exista espião ou não.

O que o pai estava dizendo fez eco nogrupo.

— O meu palpite é que já prendemos Se-

bastian — acrescentou Nicholas, lançando umolhar desconfiado na direção de Pervis. A indi-reta incomodou-me e Nicholas apanhou-menuma altura em que eu estava pronta a defenderPervis, quando mais ninguém parecia disposto afazê-lo. Esta era a oportunidade de que eu estava

à espera para tentar tirá-lo dos seus grilhões. — Não acho que apontar o dedo a Pervisresolva alguma coisa — protestei. — Não temosnenhuma prova que indique ser ele o tal Sebas-tian. Na realidade, ele é, provavelmente, a últimapessoa entre nós de quem deveríamos suspeitar.

Ele é a única pessoa que trabalhava diretamentecom Warvold antes dos condenados chegaremsequer a Bridewell. Além disso, temos maiorespossibilidades de sucesso se ele estiver livre paraliderar os nossos poucos guardas treinados numplano de batalha.

— Ela tem razão — concordou Grayson. — Já estou em Bridewell a mais tempo do queele mas, quando comecei a trabalhar na bibliote-ca, Pervis já fazia parte do círculo íntimo de

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Warvold.Em poucos minutos, o grupo concordou

que era excessivamente irrealista pensar que Per- vis pudesse ser Sebastian. Foi também decididoque ele era realmente mais útil à causa comohomem livre do que como prisioneiro. O grupoconcordou que lhe seria feita uma acusação sim-ples: conduta alcoolizada e desordeira, após o

que foi libertado com um aviso firme de que de- via comportar-se corretamente. — É bom tê-lo de volta — disse eu en-

quanto Pervis esfregava os pulsos onde o metaláspero lhe ferira a pele.

— É bom estar de volta ao trabalho. O-

deio férias! — respondeu.Estávamos prontos para analisar o mapa ecomeçar a elaborar um plano, e me debrucei so-bre a mesa para conseguir ver melhor os por-menores, à luz natural que jorrava do exterior.

— Se olharem para o mapa, verão que as

linhas castanhas representam as passagens à su-perfície — expliquei eu. — As linhas pretas re-presentam os túneis subterrâneos. Há uma sériede linhas pretas que passam por baixo de Bride- well, mas apenas uma delas parece ter algumaimportância estratégica... Esta aqui. — Coloqueio dedo em cima da linha preta localizada nosMontes das Trevas, e percorri o mapa com odedo, serpenteando até o centro, onde a linhaterminava. — Creio que este ponto representa a

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praça que fica no centro da cidade e que os con-denados continuaram a escavar até este túnelterminar, uns metros abaixo da calçada. Quandochegar a hora de atacarem, acho que irromperãoatravés desta calçada e invadirão Bridewell comoratos saindo de um esgoto.

Nicholas inclinou-se por sua vez sobre omapa e tentou calcular a distância e sentido da

linha para a qual eu estava apontando. — Receio que ela tenha razão — disse. — Aquilo parece ser o centro da cidade. A Casa ficaaqui, com a muralha adjacente aqui de lado. Ou Alexa tem razão, ou vão entrar em algum lugarperto da praça. — Olhando para cima, para

mim, sorriu-me e a minha fúria, pela sua acusa-ção a Pervis, diminuiu consideravelmente. — Há mais — continuei. — Desde que

ajamos depressa e encerremos a cidade de modoa que não seja permitida a saída de nenhum es-pião em potencial, os condenados não têm como

saber que descobrimos o seu plano. Creio queSebastian e os condenados se comunicam atra- vés de um falcão que transporta mensagens deuns para os outros. Com os animais, as coisas secomplicam, mas Yipes também tem um falcão.

Expliquei também que o falcão de Yipestinha passado as últimas horas sobrevoando osMontes das Trevas, procurando sinais de umlocal onde os condenados pudessem se encon-trar com o seu falcão para enviar e receber men-

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sagens. — A minha esperança é que, por esta al-

tura, o falcão que os criminosos e Sebastian es-tavam utilizando para se comunicarem tenha si-do apanhado. Se Sebastian tentar enviar maismensagens, será difícil de encontrar o seu falcão,pois Yipes deve tê-lo preso numa gaiola, nasmontanhas.

Um olhar pela sala revelou olhos arrega-lados e bocas abertas. Por enquanto era bom quenão soubessem do exército de animais que eraresponsável pela maior parte dos progressos queeu tinha feito.

— A melhor solução é deixarmos os

condenados seguirem em frente com o seu planode atacar a cidade e deixar que esse ataque acon-teça à noite. Se Yipes tiver razão e tivermos adi- vinhado bem o local da invasão, os condenadosatacarão no centro da cidade, à meia-noite dehoje.

— Mas isso não é tempo suficiente paraelaborarmos um plano contra eles, Alexa — dis-se o meu pai. — Devíamos contatar Yipes parasabermos se o ataque pode ser impedido do ladode fora.

— Não, eu discordo — argumentou Per- vis. — Neste momento temos o fator surpresafuncionando contra eles. Pode ser a nossa únicaoportunidade de apanhá-los desprevenidos. Nósprecisamos é de um plano, e acho que consegui

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descobrir algo que funcionará. — Pervis olhoupensativamente para o mapa e depois pediu anota escrita por Yipes, lendo novamente parte damensagem em voz alta. — «A vossa única espe-rança é derrubarem aquilo que construíram.»Não consigo tirar isso da cabeça e acho que sei oque ele quer que façamos.

A hora que se seguiu foi passada a plane-

jar a nossa estratégia e a prever tudo o que podiacorrer mal. Todos concordaram que era umplano brilhante, mas havia muita ansiedade uma vez que não se sabia se era possível pô-lo emprática a tempo. Quando terminamos os nossosplanos, já era meio-dia, pelo que tínhamos cerca

de doze horas até a esperada invasão começar.Efetuou-se uma reunião da cidade no sa-lão principal da Casa Renny, e todos foram pos-tos a trabalhar em projetos relacionados ao ata-que. Tínhamos oitenta pessoas, incluindo osguardas. Os quatro portões de Bridewell foram

fechados e mantidos debaixo de forte vigilância,e a porta da biblioteca ficaria trancada para im-pedir que o túnel fosse utilizado. Se realmentehavia um espião vivendo entre nós, era essencialpara o nosso plano que fossem eliminadas aspossibilidades de se comunicar com os conde-nados e de se movimentar livremente.Quando a noite caiu, a cidade estava numfrenesi de atividade. Todos se encontravam em-brenhados no trabalho. Eu me senti tão cansada

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depois da noite ter envolvido a cidade, que a-dormeci sentada, encostada a uma parede. O paiqueria levar-me ao colo para o meu quarto emeter-me na cama, mas recusei.

— Como está? — perguntei numa vozsonolenta.

— Nada mal, apesar de tudo. É muita in-formação para se processar tão depressa.

— Sei o que quer dizer. Como vão ospreparativos? — perguntei. — Muito bem. Vai ser na conta, mas acho

que vamos conseguir.Ele virou para se afastar, depois voltou

para trás como se fosse dizer mais alguma coisa.

Em vez disso, limitou-se a olhar para mim e eu vi que o seu cabelo espesso se tinha encaracola-do, formando um C na sua testa. O pai desman-chou-o com a sua vigorosa mão esquerda e a-fastou-se, enquanto eu adormecia novamente,encostada à parede.

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CAPÍTULO 23UMA CRIATURA MÍTICA

aldito Pervis! Acabou-se a compota demorango. Ele deve ter vindo aqui escon-

dido ontem à noite, e acabado com ela.

MSó faltavam alguma horas para a mei-

a-noite e eu estava na cozinha, excitada com ainvasão que se aproximava. Grayson estava demau humor e eu fazia o possível para animá-lo.

— Vamos fazer o seguinte, Grayson. Setudo correr bem esta noite, peço ao Silas quetraga uma carroça cheia de morangos e poderácomer compota o dia inteiro, se quiser.O cheiro de pães acabados de sair doforno e de fatias suculentas de maçãs vermelhase verdes enchia a cozinha. Enquanto eu enchia oprato com as duas coisas, Grayson pegou numabolacha e contemplou o seu tamanho e forma.

— A minha irritação fica completa com aperfeição de bolachas acabadas de sair do forno — disse. — É um pecado comê-las simples. — Desgostoso, atirou a bolacha para cima da mesa,lançando uma chuva de migalhas em todas asdireções.

Comi vorazmente e bebi grandes goles deleite, o meu corpo ainda procurando combustí- vel para preencher alguma reserva desconhecida.Quando levantei novamente os olhos do prato,

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uma criatura bizarra: pequena e, aparentemente,metade macaco, metade homem. À medida queGrayson lia, tornou-se claro que aquela coisa quehaviam encontrado tinha, por mais estranho queparecesse, muitas qualidades em comum com onosso amiguinho. A criatura era menor do que onormal e conseguia trepar e saltar com uma in-crível agilidade. Não confiava em humanos e

permanecia escondida quando havia homens porperto. — Aquelas estranhas criaturas míticas do

livro chamavam-seYipes.Mal acabei de ler essaparte, ambos concordamos que esse era o nomeideal para ele.

Grayson observou a tigela com olhar i-nexpressivo. A história tinha lhe trazido umatorrente de recordações.

— Ele está bem, Grayson — afirmei. — A vida lá fora é como ele lhe disse que seria, eainda melhor.

Grayson ergueu a cabeça e fitou-me comuma profunda gratidão. A nossa conversa ti-nha-lhe renovado as forças de uma forma que acomida não era capaz, e estávamos ambosprontos a voltar ao trabalho.

Deixamos a cozinha juntos e caminhamospelo centro da cidade que fervilhava de atividadeem todas as direções. Os homens e as mulherestinham um ar cansado e abatido. O trabalho eraconstante mas lento. Até Pervis parecia incapaz

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de se manter de pé, apoiando-se numa paredeenquanto berrava ordens. Aproximei-me delecautelosamente e perguntei-lhe como estavam ascoisas.

— Não vão nada bem, Alexa — respon-deu. — Subestimamos o trabalho que isto daria. Ao ritmo que avançamos, nunca estaremosprontos antes da meia-noite. Ganesh e o seu pai

discutiram o assunto e deram-me ordens a umahora. Mandei Silas ir buscar, sem alarido, maishomens a Lathbury; Nicholas está fazendo omesmo em Lunenburg e temos outro guardatentando o mesmo em Turlock. Mesmo assim,duvido que eles regressem a tempo de trazer re-

forços. — Nenhum de nós deu voz à nossa pre-ocupação relativamente ao risco de enviar os trêshomens sozinhos nesta missão; limitamo-nos aolhar um para o outro e a encolher os ombros,rezando para que tudo corresse bem.

Grayson agarrou em duas pás e entre-

gou-me uma. — Está na hora de fazer umas bolhas — disse, e o resto da noite perdeu-se num turbilhãode suor e poeira.

Horas mais tarde, com a meia-noite a seaproximar de Bridewell, um vento pesado varreua praça, fazendo-nos arder os olhos cansados eenchendo-nos os pulmões arquejantes de espessapoeira. Apesar das condições e da fadiga, aspessoas, que estavam a trabalhar há horas, con-

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tinuaram com uma energia sobre-humana. — Vem aí uma tempestade — observei.

Grayson levantou-se do seu trabalho e pôs-se ameu lado, encostando-se à parede, enquanto o vento separava os poucos cabelos que lhe resta- vam na cabeça. Vimos Pervis vir da direção daCasa Renny. Aproximou-se de nós devagar, coma camisa a esvoaçar descontroladamente contra

as suas ancas e as fortes rajadas de vento a bate-rem-lhe em cheio na cara. — Vamos conseguir até à meia-noite. Já

estamos acabando — gritou através do vento.Parecia exausto, mas alerta, ora vigiando osguardas na torre próxima, ora inspecionando os

trabalhos no solo.Uma hora antes da meia-noite, termina-mos o trabalho. Não havia candeeiros de ruaacesos; apenas o brilho do suave luar permane-ceu na praça da cidade. As famílias retiraram-separa as suas casas, enquanto os homens, cansa-

dos, se juntavam em torno do trabalho termina-do, cheios de expectativa. O pessoal da cozinhapreparou caldeirões de sopa e fez pães frescos, eas pessoas formaram uma fila à porta da CasaRenny. À porta pegavam numa tigela e numacolher e depois o meu pai servia-lhes a sopa eentregava a cada pessoa um pão. Dentro da casa,tinham-se colocado mesas na sala de fumo euma enorme fogueira ardia na lareira.

Uma estranha aura envolvia a sala, en-

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quanto nos sentamos, cotovelo com cotovelo, abebericar a nossa sopa, escutando o vento soprarcontra as janelas que tinham sido fechadas. Eraum som angustiante, como se os condenadosestivessem batendo nelas para entrar e destruír olocal. Após alguns goles do nosso jantar tardio,todos os habitantes da cidade voltaram para oexterior, segurando nas mãos pedaços de pão,

muito agitados para permanecerem dentro decasa a tagarelar sobre tigelas de caldo.Só eu e meu pai ficamos na sala. — Tem trabalhado muito — disse o pai. — Não me importo — respondi. — Acho que está na hora de se recolher

Alexa. Quero te ver fechada no seu quarto, deporta trancada, até isto terminar. Acabou-se abrincadeira — disse ele. A idéia do que estavapara vir me assustava e obedeci de bom grado aoseu pedido. Abraçamo-nos e depois retirei-mepara o meu quarto e tranquei a porta atrás de

mim.

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CAPÍTULO 24A TEMPESTADE DE PAPEL

F

altavam dez minutos para a meia-noitequando cheguei junto à janela aberta do meu

quarto, com a porta trancada e o vento a levan-tar-me o cabelo. Não tinha prestado atenção,mas o céu estava se enchendo de nuvens. Nu- vens de tempestade. Em poucos minutos, a Luadesapareceu e a cidade de Bridewell, sem ilumi-nação, ficou mais escura que os Montes das Trevas. Não conseguia distinguir o lado de den-tro do lado de fora da muralha e, por um breveinstante, pareceu-me que a própria muralha nãopassava de um mito e que Bridewell era uma ci-dade aberta, estendendo-se em direção às coli-nas, sem barreiras que a limitassem. Mas as nu- vens continuavam a se deslocar e uma parte daLua lançou a sua luz sobre a muralha coberta dehera. Tão depressa quanto tinha desaparecido, amuralha estava de volta, com toda a sua terrívelglória. Eu segurava nas mãos o livro preferido de Warvold, Mitos e Lendas da Terra de Elyon,aqueleque Grayson me tinha dado. Depois da minha visita ao mundo para lá da muralha, o seu títulome intrigava. Nunca tinha pensado na nossa ter-ra como sendo a Terra de Elyon. Apenas lhechamávamos Elyon. De alguma forma, era re-confortante folhear as suas páginas esfarrapadas

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e comecei a pensar em pedir a Grayson que orestaurasse para que deixasse de cair aos pedaçoscada vez que eu lhe pegava. Enquanto eu estavaperdida nos meus pensamentos, as nuvens tapa-ram mais uma vez a Lua e regressou a escuridãoda noite sem luz. Continuavam a soprar rajadasde vento; as primeiras gotas de chuva caíram-mesobre as mãos, em cima do parapeito da janela, e

fechei o livro para protegê-lo. — Alexa! Afastei-me da janela com um salto, perdi

o equilíbrio e cai no chão, sempre agarrada ao velho e precioso livro.

— Bem, suponho que isso seja um ponto

para mim. — Era Murphy,que saltava pela janelaaberta. A sua presença ali era mau sinal. — Porque está aqui, Murphy? Preciso que

fique na vigia — disse, pondo-me de pé. — O problema é exatamente esse Alexa.

Há uma hora atrás deixei o meu posto para ir

picar o ponto com o Yipes e, quando regressei,ela tinha sido aberta. — Tem certeza absoluta? — perguntei.

Parecia que os meus receios se tinham realizado. — Absoluta. A cadeira tinha sido posta

no lugar, mas não no mesmo lugar, pois verifi-quei que as pernas não estão colocadas bem emcima das marcas existentes no chão. — Murphy olhava para mim de olhos arregalados. — Oualguém entrou pela porta secreta, ou alguém saiu

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por ela. Não tenho certeza qual das duas.Uma rajada de vento entrou pela janela e

fez bater várias vezes as portadas contra a pare-de. O vento soprou para dentro do quarto, ar-rancando-me o livro de Warvold das mãos, sol-tando novamente a lombada e espalhando folhaspor todo o aposento.

— Oh, não! — gritei. Algumas das folhas

foram sugadas pela janela quando o vento mu-dou de direção. As restantes esvoaçavam peloquarto numa tempestade de papel. Corri para ajanela e agarrei nas portadas para fechá-las. Achuva caía agora com mais força e as alças dasportadas estavam escorregadias. Vi algumas fo-

lhas do livro de Warvold a rodopiar ao vento, láfora. Uma delas ficou presa nas garras de hera damuralha, uma outra estava colada ao parapeitomolhado e outra ainda voou por cima da barreirae desapareceu na noite escura. Agarrei na folhaque tinha ficado colada no parapeito, atirei-a pa-

ra trás de mim, depois fechei as portadas e vi-rei-me para olhar para o quarto.Estava pior do que eu julgava ser possível.

Havia folhas por todo o lado, e Murphy arrastavapelo chão a lombada vazia, segurando-a com osdentes, para eu inspecionar. O livro estava des-truído para sempre. — Isto é horrível, Murphy! Por mais quetentemos, não vamos conseguir compô-lo!

Ele deixou cair a lombada em cima dos

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meus pés e ergueu os olhos para mim. — Lamento — disse.Sentei-me, encostada à parede, e Murphy

saltou para o meu colo. Peguei no que restava dolivro e o abri. Não restava uma única página. Alombada estava, não só sem folhas, como tam-bém descosida, deixando ver o cartão interior,debaixo do tecido. O livro sempre estivera assim,

pelo menos, desde que viera parar em minhasmãos. No entanto, sem as páginas, o defeito eramais visível e acessível. Passei distraidamente osdedos pelo rasgão e depois meti o dedo debaixodo tecido e apalpei ao longo do cartão. Foi umgesto impensado e, quando senti uma parte mais

alta, ignorei-a. Depois percebi que essa parte seassemelhava mais a papel do que a cartão ou te-cido e observei a capa com mais atenção. Haviaalguma coisa lá dentro, algo secreto.

Espantada, olhei para Murphy,e depoisrasguei o tecido da capa, descobrindo um pedaço

de papel dobrado. Pousei o livro destroçado edesdobrei o tesouro, as minhas mãos tremendode expectativa. Era uma página do diário de Warvold. A data e hora do apontamento era a dasua chegada a Bridewell para as reuniões de Ve-rão, provavelmente, entre o jantar e o passeiocomigo, do qual não regressou.Enquanto as portadas batiam para trás epara frente devido ao vento, li a nota a Murphy em voz alta.

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— Alexa! — ouviu-se um grito abafado, vindo de baixo da minha cama e, pouco depois, Murphy apareceu, empurrando a página 194 pelochão, com o nariz. Abaixei-me e peguei-a.

Um minuto depois, com a água a se acu-mular no parapeito da minha janela e a pingarpara o interior do quarto, encostamo-nos um aooutro, no canto onde tínhamos empilhado as

folhas, e li a página 194 em voz alta.Ficamos imediatamente sabendo quem eraSebastian, e Murphy disse aquilo que ambos está- vamos pensando:

— Temos que apanhá-lo!

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CAPÍTULO 25UMA SITUAÇÃO DIFÍCIL

bri a porta do quarto e corri pelo corredor,logo seguida de Murphy.Quando chegamos

ao patamar, no primeiro andar, parei e olhei pelajanela, em direção ao centro da cidade onde umraio de luar cortava a noite. A chuva começou acair a cântaros e a Lua desapareceu novamenteatrás das nuvens agourentas, desta vez até aofinal da tempestade. Deixei de ver a praça.

Iria precisar de uma arma, por isso fui àsala de fumo e peguei o atiçador de brasas deferro do seu lugar ao lado da enorme lareira.Depois fiz um sinal a Murphy,apontando na di-reção da biblioteca. Antes de sair da sala de fu-mo, peguei uma candeia que estava em cima damesa, acendi-a e baixei a chama.

Atravessamos a cozinha, subimos as es-cadas que rangiam, e chegamos ao patamar queficava em frente às portas da biblioteca. Tal co-mo já suspeitava, as portas tinham sido trancadaspelo lado de dentro, e a estante continuava fir-memente encostada à parede, em frente da por-tinhola dos gatos.

— Será queSam e Pepper ainda estão ládentro, de vigia contra os intrusos? — perguntei.

— Se estiverem, estão escondidos — respondeu Murphy.Não os tinha visto enquanto

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vigiava a biblioteca. Começamos a pensar se nãoteriam pulado pela janela aberta junto à cadeira,mas era uma grande distância até o chão. Murphy podia segurar-se e descer pela parede de seis me-tros de altura, mas os gatos teriam de saltar emqueda livre até o chão. Nenhum gato saltaria, delivre vontade, de uma janela tão alta.

O som de trovoada e chuva torrencial

aumentava a escuridão sinistra da Casa Renny. Agachei-me junto da portinhola dos gatos, abri-ana minha direção e inspecionei o peso e o ta-manho da estante que estava impedindo a pas-sagem. Mesmo com a estante no caminho, quasehavia espaço suficiente para Murphy passar, por-

tanto virei-me e meti o pé pela portinhola, en-costando-o à estante. Empurrei, a princípio compouca força e depois com toda força que tinha,mas ela não se moveu. Segurei a portinhola coma mão, retirei o pé e fiquei à espera do trovãoseguinte. Quando ele veio, empurrei, com força,

o calcanhar contra a estante. Isto me lançou umador lancinante pela perna acima, mas a estantepermaneceu no mesmo lugar.

Ficamos ali sentados durante alguns ins-tantes, muito quietos e depois, sem aviso, Murphy avançou velozmente, passando pelo meu pé eentrando, de lado, pela pequena porta. Murphy fez um tremendo esforço para passar pelo pe-queno espaço e eu rodei o corpo para conseguir ver.

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Nisto, ouvi-o falar num sussurro tão aba-fado que mal consegui entender.

— Isto aqui é muito apertado. Pode meempurrar?

Coloquei a mão no seu flanco peludo ecomecei a empurrar.

A madeira da parte de trás da estante eralisa e escorregadia e o seu pêlo era macio, mas a

parede de pedra era áspera. A rugosidade da pa-rede em conjunto com o pêlo e a madeira escor-regadios faziam o corpo de Murphy girar en-quanto avançava. Eu empurrava, Murphy girava,ora ficando de frente para a parede de pedra, orapara a saída, ora para a estante e ora para mim.

Era difícil conter o riso ao ver o seu pobre foci-nho esborrachado contra a parede, o nariz es-palmado, e o olhar atordoado quando rodava naminha direção. Fui empurrando até onde podia,mas quando o meu cotovelo atingiu a quina daportinhola dos gatos, tornou-se impossível em-

purrar mais e Murphy ainda estava longe de atin-gir a borda da estante. Estava preso. — Alexa? — sussurrou ele. — Sim?— respondi, com um tênue sinal

de histeria começando a se notar na minha voz. — Gato — disse ele.Nisto, ouvi o riso ameaçador deSam en-cher a biblioteca. — Que infelicidade a sua, Murphy...enca-

lhado numa posição tão inflexível. E sem nin-

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guém que te acuda — disseSam. Já não havia tempo de deliberar calma-

mente o modo de agir, portanto atirei-me repe-tidamente, e com toda a minha força, contra aporta da biblioteca, tentando entrar.

— Não vale a pena, Alexa. Ele está per-dido, Bridewell está perdida e Sebastian escapouileso e sem ser descoberto. Falhou redondamen-

te. — Desta vez eraPepper,que estava atrás daporta a me provocar.Rodei o atiçador de brasas na mão, exa-

minando-o, pensando em tudo o que tinha cor-rido mal, convencida, por momentos, de quetinha sido derrotada.

Os gatos inspecionavam a estante, go-zando o seu momento de vitória, continuando aprovocar e escarnecer, enquanto tentavam deci-dir qual dos dois iria rasgar a carne de Murphy com as garras e arrancá-lo do lugar onde estava.

— Acho que essa honra devia ser sua —

brincouSam. Por nenhuma razão especial, encostei-meà porta da biblioteca e continuei a inspecionar oatiçador de brasas. Era um instrumento sólido,de metal, com uma ponta afiada.

— Quase desejava poder abrir a porta, Alexa. Isto vai ser uma cena digna de se ver — disse oPepper.

Sem fazer barulho, dirigi-me à portinholados gatos e a abri.

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— Chega de brincadeira. Arranque-o daí! — disseSam.Com toda força que tinha, enfiei oatiçador de brasas debaixo da estante e levantei ocabo o mais que pude. A estante inclinou-se,lentamente a princípio, e depois mais depressa,até tombar para cima de outra estante à suafrente, fazendo voar livros em todas as direções.Conseguia ouvir as estantes caírem como domi-

nós pela biblioteca afora, lançando os livros aochão.Quando todas as estantes dessa fila ti-

nham tombado, fiquei à escuta, esperando ouviros gatos a perseguirem Murphy,mas apenas ouviaum ou outro livro caindo da sua prateleira incli-

nada e batendo ruidosamente no chão, comogotas de água gigantescas no final de uma tem-pestade.

Nisto ouvi um som mágico. A fechadurada porta da biblioteca rangeu e fiquei olhandoenquanto ela rodava lentamente e se abria. Cui-

dadosamente, rodei a maçaneta e empurrei aporta, abrindo-a uns milímetros. — Foi por pouco! — exclamou Murphy,

que já tinha saltado da maçaneta para o chão, eestava junto dos meus pés.

— Onde estão eles? — perguntei. Murphy fez-me sinal para entrar e eu o se-gui para o interior da biblioteca. Na luz tênue,

parecia que tinham tombado nove ou dez estan-tes e, debaixo de uma delas, espreitavam duas

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caudas de gato inertes. — Meu Deus! — exclamei. Murphy trepou

por cima da estante e desatou a correr em dire-ção da cadeira e do túnel secreto. Eu o segui emdireção aos recantos escondidos e escuros dabiblioteca.

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CAPÍTULO 26SEBASTIAN

s portadas da janela não tinham sido fecha-das e havia água por todo lado. Os livros, as

prateleiras e a velha cadeira estavam encharca-dos. A chuva continuava a entrar naquele pe-queno espaço, enquanto eu puxava a cadeira,revelando a entrada secreta. Tirei a chave prate-ada do bolso e abri a pequena porta. Uma rajadade vento voltou a fechá-la ruidosamente e eufiquei preocupada pois não sabia quem, lá em-baixo na escuridão, teria ouvido o barulho.

Abri novamente a porta e, desta vez, se-gurei-a firmemente. A candeia que estava pen-durada na escada tinha desaparecido e eu pen-durei lá a minha.

— Está pronto? — perguntei a Murphy.Ele disse que sim com a cabeça e eu peguei nelee meti-o na mochila, juntamente com o atiçadorde brasas. Desci a escada como tinha feito daoutra vez e, quando chegamos ao fundo, libertei Murphy e coloquei-o no chão de terra.

Para minha surpresa, cinco das tábuas queda outra vez forravam a parede por trás da esca-da estavam agora espalhadas no chão, a meuspés. No lugar onde anteriormente estavam astábuas, havia agora um túnel escuro e ameaça-dor, fitando-nos como um gigantesco olho ne-

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gro. Entrei pela abertura e Murphy seguiu-me. As paredes castanhas refletiam a luz fraca

da minha candeia e eu tive a sinistra sensação deque Sebastian iria saltar a qualquer momento deum esconderijo e atacar-me. Baixei a chama dacandeia de modo a ter apenas luz suficiente para ver à minha frente e comecei a correr pelo túnel.Passado um pouco, este virava e alargava e vi

uma luz a tremeluzir à distância. Parei e baixei achama da minha candeia para o mínimo e colo-quei-a no chão; depois mandei Murphy investigara situação. Ele regressou ofegante e agitado.

— Chegamos ao túnel principal — disse. — Estende-se em duas direções: uma, de volta

para Bridewell por outro caminho, e outra quesegue em direção aos Montes das Trevas. Há umarchote na esquina. Que quer fazer?

Sem responder, desatei a correr o maisdepressa que era capaz, em direção à luz treme-luzente. Quando cheguei junto do archote, ti-

rei-o do seu suporte e apaguei-o contra o chão. — Alexa, que está fazendo? — gritou Murphy.

— Fique calado... Vai nos denunciar — sussurrei. Tirei um pedaço de papel da mochila echeguei-o à luz. Era uma cópia tosca do mapados túneis, algo que eu achara que me poderiaser útil depois de ter entregado o original. — Eleiria querer encontrar os seus homens, o que sig-nifica que teria seguido este túnel aqui. — Indi-

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quei, com o dedo, uma linha preta, comprida esinuosa, que começava no ponto onde estáva-mos. Segui a linha com o dedo, ao longo domapa, enquanto falava. — Depois disso, iriacruzar-se com este túnel e descer por baixo deBridewell, aqui. Se o nosso plano funcionar, eleencontrará uma parede de terra perto do fim dotúnel. A única maneira dele voltar a sair, é atra-

vés deste cruzamento em que estamos. — Fizuma pausa e olhei para o Murphy. — Ele está separado dos seus homens e

anda à procura de uma saída. Sabe que não vaiconseguir sair antes da passagem ser bloqueada — concluiu ele.

Ficamos sentados, imóveis na escuridão, aluz fraca da minha candeia oculta entre as mi-nhas costas e a parede da caverna. Esperamosem silêncio, o que era difícil para Murphy,quenão parava de dar cambalhotas e fazer piruetas,enquanto sussurrava repetidamente:

— E se chegamos tarde demais? Antes que eu tivesse tempo de responder, vimos um tremeluzir de luz vindo da escuridão,movendo-se rapidamente. Agachei-me à entradado túnel contíguo e saquei o atiçador de brasasda mochila. A luz ricocheteava, cada vez maisforte, das paredes e depois viu-se a silhueta deum homem. Ouvi a sua respiração ofegante e osseus passos à medida que ele avançava pelo chãode terra, bem como o som abafado dos trovões

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que ribombavam lá fora. Espiei pela esquina para ver a que distância ele vinha. A uns escassos no- ve metros de nós, Sebastian tinha abrandado pa-ra um passo rápido. Recuei novamente para aescuridão e, quando ele passou na minha frente,ataquei-o com o atiçador de brasas, acertan-do-lhe em cheio no osso da perna. Ele gritou dedor e atirou a candeia ao chão, pulando num pé

para o lado do túnel, de costas voltadas paramim, segurando-se à parede com uma mão. Ti-nha-lhe feito um golpe por cima do osso e osangue começou a escorrer-lhe pela perna.

Peguei na minha candeia e aumentei achama, segurando o atiçador de brasas numa das

mãos. Sebastian, ainda de costas para mim, en-colheu-se de dor, com a mão em cima do feri-mento, apalpando a perna em busca de ossospartidos.

— Menina tola! — gritou, atirando-meuma mão cheia de terra na cara. Fiquei cega mas

não larguei a minha arma quando caí no chão,tentando esfregar a terra dos olhos. Nisto, sentiuma pancada forte nas costelas e fiquei sem ar.Em seguida, fui atirada de costas e o atiçador debrasas me foi arrancado das mãos. Fiquei à es-pera que algo horrível, algo doloroso aconteces-se, mas em vez disso, ouvi uma voz. — Se meseguir mais um passo que seja, trespasso-te ocoração com este atiçador — sussurrou ele, gro-tescamente perto do meu ouvido e pingando

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suor no meu cabelo. Depois afastou-se de mim eouvi o som de vidro a partir, quando destruiu aminha candeia.

— Ele tem a candeia e a nossa arma e vaia caminho dos Montes das Trevas — berrou Murphy.Eu ouvia Sebastian arrastando a pernaferida enquanto avançava. Sentei-me e tentei de-sesperadamente limpar a terra dos olhos, que me

ardiam terrivelmente, e apenas conseguia ver aluz, que se afastava à distância, como uma man-cha desfocada.

— Não tenho qualquer proteção nem luze mal consigo ver. Isto está indor bem, não acha?

— Se nos apressarmos, conseguiremos

apanhá-lo — disse Murphy,começando a correrpelo túnel antes que eu pudesse detê-lo, por issoo segui o mais depressa que podia. Tinha as cos-telas em chamas no lugar onde Sebastian mechutara, e estava com dificuldade em recuperar ofôlego. Mais quarenta e cinco metros e eu estaria

acabada. Quando cheguei na curva e abrandei,reparei que a luz estava outra vez mais próxima. Avancei mais um pouco e vi que Sebastian seencontrava numa divisão subterrânea familiar. Omapa dos túneis encontrava-se pendurado naparede e ele estava a estudá-lo, procurando a sa-ída. Eu conhecia esta divisão.

Entrei por trás dele, encostada à parede, eolhei em volta, em busca de uma arma que pu-

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desse utilizar. A única coisa que encontrei foi umarchote aceso e avancei silenciosamente para ele. Murphy escondeu-se na penumbra e esperou.

— Disse-lhe que não me seguir — voci-ferou Sebastian. A sua voz me chocou e tropeceinos meus próprios pés, caindo por baixo do ar-chote. Ele permaneceu de costas voltadas paramim, sem se mexer.

— Não teria acreditado que era você, senão fossem as pistas que foram deixadas — disseeu, a minha voz tremendo de medo. — A Renny desmascarou-o primeiro, mas foi preciso con- vencer Warvold. As pistas que ele me deixouconduziram-me a uma página do seu livro prefe-

rido, que descrevia um mítico deus-elefante, ti-rado de uma história fantástica passada no ladode lá da Montanha Laythen, à beira-mar. — Pus-me de pé e tateei ao longo da parede, pro-curando o archote. — Um deus imaginário cha-mado Ganesh.

Houve um longo momento de silêncio nadivisão. Retirei a mão do archote e fiquei à espe-ra, sem saber o que ele iria fazer. Ele continuoude costas e começou a falar numa voz cansada e velha.

— Eu era preguiçoso, estouvado e nãoqueria trabalhar. Em Ainsworth, um jovem comestas características ou ganha juízo ou tem queabandonar a cidade — contou ele. Foi então quese virou e me olhou pela primeira vez, com os

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seus olhos encovados, precocemente envelheci-dos. — Eu não fiz nem uma coisa nem outra e,aos dezenove anos, já tinha isto. — Afastou acamisa revelando umV marcado a ferro embrasa no peito. UmV de vagabundo.

«Na prisão, brincávamos, dizendo que oV significava vitória, mas em Ainsworth, osguardas eram implacáveis. Alguns vagabundos

foram mortos; muitos outros foram espancadosquase até à morte. — Sebastian fez uma pausa eos seus olhos ficaram vítreos durante uns ins-tantes, antes de continuar. — Não é que me im-portasse muito com isso... a maioria dos crimi-nosos que conheci eram homens muito maus

que tinham feito coisas horríveis. Mesmo assim,se Warvold não tivesse aparecido, tenho certezade que estaríamos todos mortos há muito. — Ele se aproximou, arrastando a perna ferida, epôs-se à minha frente.

— Mas ele apareceu e os oficiais de A-

insworth ficaram radiantes por se verem livres denós. Warvold não era nada indulgente mas, setrabalhássemos bem e obedecêssemos, ele cui-dava de nós. Comíamos bem, trabalhávamosduramente e tínhamos uma cama para dormir ànoite. Para muitos de nós era uma vida melhordo que alguma vez tínhamos tido.Ganesh rodou o meu atiçador de brasasna mão e examinou-o distraidamente. Havia neleuma loucura estranha e calma.

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— Quando acabamos de construir a mu-ralha, Warvold e os seus guardas escoltaram-nosaté Ainsworth, como tinham prometido. Nessaaltura já tínhamos todos uns trinta ou trinta ecinco anos, desgastados por anos de trabalhosforçados. Já não éramos jovens voluntariosos ecapazes e isso aterrorizava-nos.

«Ainsworth nunca esperou que Warvold

nos devolvesse e obviamente não haviam feitoplanos para nos receber. Após uma semana de volta à prisão, achei que iria enlouquecer. A pri-são já estava cheia quando chegamos e, da noitepara o dia, duplicamos o número de reclusos.

«Falei com um dos guardas e disse-lhe

que, se libertassem em território selvagem todosos condenados que tinham trabalhado em Bri-dewell, eu garantia que nunca mais nos veriamou ouviriam falar de nós. Permaneceríamos naselva onde ninguém nos encontraria e, se algumde nós fosse encontrado, não esperaríamos me-

nos que a morte. Vendo uma forma de se livra-rem de nós de uma vez por todas, sem teremque nos matar, os oficiais concordaram com oplano e, pouco depois, pela calada da noite, li-bertaram-nos nos Montes das Trevas. — Sebas-tian estava ficando esgotado devido ao ferimentona perna, cujo osso parecia ter sido despedaçadopelo meu ataque. A dor devia ser insuportável. Oseu corpo balançava para frente e para trás, co-mo se estivesse bêbado, mas parecia determina-

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do a terminar a história. — Uma vez libertados, começamos a

planejar tomar de assalto a cidade amuralhada.Bridewell é uma fortaleza fantástica e, com elasob nosso controle, poderíamos negociar com Ainsworth como iguais e transformar Bridewellnuma rota de comércio entre Ainsworth e as ci-dades costeiras de Turlock e Lathbury.

«Os que tinham nas faces marcas feitascom ferro em brasa tinham esperança de conse-guir tapá-las com barba. O meu C tinha sido fei-to mais abaixo e, como tenho a barba muito cer-rada, não se via, pelo que fui a escolha obvia pa-ra ir para a cidade.

«Pouco depois de termos chegado aosMontes das Trevas, fui viver para Turlock. Acidade tinha acabado de ser fundada e tinha a-penas umas poucas centenas de habitantes. Co-mecei imediatamente a construir casas e outrosedifícios e me envolvi em toda espécie de plane-

jamentos da cidade. Dentro de um ano os habi-tantes aumentaram para alguns milhares e eu fuieleito prefeito. Sem família, trabalhando por ve-zes vinte horas por dia para construir a comuni-dade, era natural que me tivessem escolhido.

«O resto é relativamente óbvio. Você jásabe tudo sobre o dom de falar com os animais,portanto não faz sentido escondê-lo agora. Al-guns dos outros condenados descobriram a lagoae os seus estranhos poderes. Fizeram amizade

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com o falcão e este tornou-se amigo dos gatos.«Comecei a viajar até Bridewell e a plane-

jar a invasão. Precisávamos de informação quelevaria tempo a obter e foram necessários anospara aumentar a já extensa rede de túneis. Masaqui estamos nós, muitos anos depois, com ainvasão a decorrer.

— Que vai fazer agora? — perguntei,

tentando mantê-lo a falar. — Está separado dosseus homens, ferido e desmascarado.Ganesh lançou-me um olhar frio, o atiça-

dor de brasas reluzindo na sua mão e o sangueescorrendo-lhe pela perna ferida.

— É desanuviador purgar a minha alma,

contando a minha história, mas a situação man-tém-se óbvia: mais ninguém sabe que estou aquiembaixo e há muitas saídas. Terei que matá-la,tal como matei Warvold. Com ele usei veneno...é mais limpo. É engraçado como ele não faziaidéia... Talvez não fosse tão esperto como todos

vocês achavam que era. — Por momentos, per-deu o equilíbrio, mas recuperou-o e falou nova-mente. — No seu caso, lamento, mas vou terque derramar sangue.

Saltei em direção ao archote e agarrei nelecom ambas as mãos, agitando-o no ar na minhafrente. — Acha realmente que esse pedaço demadeira seca vai te salvar? Acho que não. — Asua expressão tinha ficado sombria e ameaçado-

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ra. Este homem não era Ganesh: era Sebastian. Avançou para mim e eu comecei a me desviarpara o lado, movendo o archote de um lado parao outro, entre nós.

Ele já estava suficientemente próximo demim para conseguir dar uma sapatada no archo-te, arrancando-me das mãos, e trespassar-mecom o atiçador de brasas, quando Murphy saiu

correndo da penumbra, saltou para a perna deSebastian, e a mordeu com toda a força, cravan-do-lhe os dentes profundamente na carne. Se-bastian gritou ameaçadoramente, olhou parabaixo e, com um movimento violento da mão,atirou Murphy para o outro lado da divisão. Eu

estava encostada à parede oposta àquela onde seencontrava o mapa, sem lugar para me esconder,e Sebastian, espumando de raiva, concentroutoda a sua fúria em mim. Avançando rapida-mente, arrancou-me o archote flamejante dasmãos e prendeu-me contra a parede com o ante-

braço. — Aaaaarrrrgggggh! — gritou e recuouum pouco o corpo para me trespassar com oatiçador de brasas.

Fechei os olhos e fiquei à espera do im-pacto que, no entanto, não veio. Ouvi o som demadeira a ser estilhaçada e fui atirada ao chão. Ocaverna encheu-se de poeira e perdi Sebastiancompletamente de vista.

— Murphy,o que fez? — deixei-me es-

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corregar pela parede e puxei os joelhos para opeito.

À medida que a poeira assentava, vi Se-bastian deitado no chão. Debruçado sobre ele,coberto de poeira da cabeça aos pés, havia umhomem pequenino. A seu lado estavaDarius,com a bocarra pingando saliva, aberta sobre agarganta de Sebastian, pronto a cravar-lhe os

dentes afiados como lâminas ao mínimo movi-mento. Mas a precaução era desnecessária, poisSebastian estava morto, o pescoço torcido deuma forma horrível, fraturado durante a quedaprovocada pelo ataque do enorme lobo.

— Yipes! — guinchei. Levantei-me de um

salto e agarrei-o pela cintura, abraçando-o impi-edosamente. Depois virei-me paraDarius,fiz-lheuma festa na imponente cabeça e abracei-o.

— Está tudo bem, agora. Está tudo bem — disse Yipes. Olhei para trás e vi que Yipes eDarius tinham irrompido do esconderijo, dei-

xando um enorme buraco onde antes havia umaparede de terra. Tábuas partidas pendiam desor-denadamente para o interior da câmara.

— Como é que sabiam? — perguntei. — Foi um palpite, um mero palpite —

respondeu Yipes. — MasDarius é o verdadeiroherói. Trabalhou incansavelmente durante horase horas para poder descer o túnel e certificar-sede que estava bem. O grandalhão não cabia notúnel, portanto teve que ir cavando para alargá-lo

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à medida que ia avançando. Sem ele não tería-mos conseguido arrebentar a parede. É fortecomo um touro.

Murphy coxeou até junto de nós. Pareciaatordoado mas ileso.

— É bom ver todos juntos novamente — disse. Depois, num sussurro cômico, dirigiu-se a Yipes: — Cuidado com ela, amigo!... Tem fama

de atirar a nós, os baixinhos, por todo o lado. Yipes meteu a mão no bolso do colete etirou dele uma navalha pequena, de aspecto afi-ado. Depois aproximou-se cautelosamente deSebastian, virou-lhe a cabeça sem vida para olado e colocou a lâmina da navalha contra a sua

face. Olhando para mim, fez sinal para que meaproximasse e deslizou a faca para baixo, reve-lando a ponta escura da letra C, marcada comferro em brasa, por baixo da barba cerrada.

— Acho que o assunto está resolvido de vez.

Mal o ouvi pronunciar estas palavras, poisflutuava em algum lugar longe dali, onde nin-guém me podia encontrar, penetrando cada vezmais nos túneis, lá longe nos Montes das Trevase depois em túneis cada vez mais escuros até meencontrar tão longe e tão profundamente no in-terior da terra que nunca mais seria encontrada.E estava tudo muito escuro mesmo.

— Acorda, Alexa! Acorda!Senti-me como se me tivessem puxado

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para a luz por uma corda e, quando acordei, vi orosto familiar de meu pai, os seus olhos recon-fortantes olhando para baixo, para mim. Estiqueios braços e abracei-me ao seu pescoço. Apesarda dor que tinha nas costelas, abracei-o maisfortemente e durante mais tempo do que alguma vez o tinha abraçado.

— Desmaiou — disse o meu pai. — Yi-

pes tentou reanimá-la, mas não conseguiu. Foi aBridewell buscar ajuda.Olhei para o lugar onde Sebastian estava e

vi Pervis inspecionando o corpo. Em seguidaobservou o monte de tábuas partidas e a entradado túnel e, finalmente, com uma expressão de

espanto, os seus olhos pousaram no homenzi-nho sorridente que se encontrava à sua frente.No silêncio daquele momento, percebi,

pela primeira vez, o que tinha acontecido. Yipestinha estado em Bridewell, com pessoas — pes-soas civilizadas —, o que significava que seria só

uma questão de tempo até ele perder o dom defalar com os animais. — Não pode ser — disse eu. — Por fa-

vor, diga-me que não o fez! — Estiquei o braçopara segurar na mão dele e ele pegou na minha,mas não olhou para mim.

— Valeu a pena, Alexa. Acredite que va-leu a pena — disse Yipes. — Além disso, sintoque as coisas vão mudar lá fora. Isto só aceleraum pouco as coisas.

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Segurei a sua minúscula mão durantemuito tempo, os meus olhos enchendo-se delágrimas, e sussurrei baixinho:

— Obrigada! Murphy aproximou-se e saltou para a nova

abertura que conduzia ao território selvagem eequilibrou-se numa das tábuas partidas. Não ha- via sinal deDarius.Devia ter partido pelo túnel

quando Yipes fora em busca de auxílio, com re-ceio de ser visto por seres humanos. — Vamos, Yipes. Está na hora de irmos

embora — disse Murphy. Abanei a cabeça para indicar que concor-

dava e larguei a mão de Yipes.

— Nos veremos outra vez — afirmou ele,saltando para o buraco. Fiquei a vê-lo desapare-cer na escuridão. Murphy apareceu outra vez, pu-lou da entrada do túnel e aterrou confiantementenos meus braços abertos.

— Você é uma heroína — disse. — Não

tão grande como eu, mas não deixa de ser umaheroína. Abracei-o, levantei-me e pousei-o dentro

do buraco e, pouco depois, ele também tinhadesaparecido.

— Temos que voltar à superfície, Alexa.Isto ainda não acabou — disse Pervis. Abandonei a pequena e sombria caverna,com a sua ferida recém-rasgada, com o meu paide um lado e Pervis do outro. Era reconfortante

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tê-los comigo. — Quem é o roedor? — perguntou Per-

vis, colocando o braço em volta dos meus om-bros.

— Na verdade, é um esquilo... um esquilobom. Fala um pouco demais, mas é um bom ra-paz.

Pervis riu e eu consegui esboçar um sor-

riso. Ele não fazia a mínima idéia de que eu es-tava dizendo a verdade.

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CAPÍTULO 27PARA LÁ DE BRIDEWELL

uando saí da Casa Renny, a chuva caía emcântaros e o vento soprava furiosamente

pela praça. No meio do ruído da tempestade,ouvi outro som, um som mais ameaçador. Era osom abafado de metal e homens. A invasão tinhacomeçado.

Q

Embora conseguisse ouvir o som amea-çador do inimigo a avançar, não conseguia vê-lo.Os homens estavam escondidos e parecia que onosso plano iria funcionar. Nas últimas dozehoras, todas as pessoas fisicamente capazes emBridewell tinham trabalhado incansavelmentepara construir uma muralha dentro de uma mu-ralha. Sabíamos que o inimigo viria do lado dosMontes das Trevas e por isso, a metade de cimada muralha que separava Bridewell da florestatinha sido desmontada pedra por pedra, e cons-truída novamente com seis metros de altura emtoda a volta da praça no centro da cidade. O i-nimigo estava encurralado numa prisão de pedra,semelhante àquela em que eu vivera presa a vidatoda.

Assim que todos os prisioneiros tinhamentrado, prontos a atirar-se sobre Bridewell, nomeio da noite escura, as explosões foram deto-nadas nos locais coincidentes com o mapa. Senti

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as pedras da calçada ribombar debaixo dos meuspés. As explosões foram utilizadas para termoscerteza de que o túnel desabaria, encurralando oscondenados, uns debaixo da terra, mas a maioriajá fora do túnel, ignorando completamente apartida que lhes tinha sido pregada.

— Vão tentar escalar as muralhas. Temosque nos apressar! — gritou Pervis. Com um o-

lhar feroz, o meu pai fez-me sinal para que re-gressasse para casa e depois se virou e desapare-ceu na noite.

Fiquei ali de pé, imóvel, com a chuva afustigar-me e o medo a gelar-me os ossos. Tinhaum medo terrível de que o inimigo escapasse por

cima da muralha e tomasse Bridewell e que eufosse feita prisioneira, ou coisa pior. Uma enor-me rajada de vento varreu a praça e eu tive quefazer força para não ser atirada para trás.

Tinham-se colocado escadas em volta damuralha e havia guardas de quando em quando,

lá em cima. Estavam com dificuldade em manteras suas posições devido à chuva e ao vento, e eutemia que fossem atirados lá de cima, para amorte. Sem pensar, comecei a caminhar e depoisa correr na direção de uma das escadas. Escalei amuralha sob a forte chuva, a dor nas costelasrecordando-me, a cada passo, o ataque de Ga-nesh. Depois, de pé no alto da muralha, espieipara baixo, para o outro lado da mesma.

Os condenados tinham subido para os

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ombros uns dos outros, segurando-se nos inter- valos entre as pedras e escalando a muralha. Domeu lado esquerdo, havia uma pilha de pedras,todas do tamanho de uma maçã grande, ali co-locadas para servirem de armas, precisamentenuma situação destas.

— Você, aí! — berrou um guarda, à mi-nha esquerda. — Que está fazendo? Desça da

muralha! — Mas os condenados estavam subin-do por baixo dele, tal como por baixo de mim.Não conseguia ver ao longo de toda a vedação,mas calculei que houvesse homens escalando amuralha por toda a volta.

Peguei numa pedra e atirei-a para baixo.

Atingiu o ombro de um dos homens, uns metrosabaixo. Ele gritou, mas não caiu, e depois olhoupara cima, para mim, e rugiu por entre dentescerrados. Peguei noutra pedra e atirei novamen-te, desta vez atingindo-o na cabeça, fazendo-osoltar-se e cair para o chão, vivo, mas ferido.

A chuva começou a abrandar e o ruído doinimigo recuou. Estavam se agrupando no cen-tro do cerco, encostando-se uns aos outros co-mo reluzentes pedregulhos arredondados e ne-gros.

— Alexa! — Era Pervis, que corria pelotopo da muralha, na minha direção. Quandochegou junto de mim, fez-me sentar. Eu nemtinha reparado que estava bem na beirinha, auma rajada de vento de uma queda para a morte.

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— O que faz aqui em cima? — perguntouele. — Podia ter morrido!

Olhei para o centro da prisão que tínha-mos construído e percebi que algo não estavabem. Eles tinham desistido de escalar a muralhae corriam para se juntar no meio da praça. Ondeestavam os outros?

— Que se passa, Pervis? Recuaram para o

túnel?Pervis fitou-me durante um longo e silen-cioso momento antes de responder.

— Já mandamos alguns homens verificar Alexa, e só há estes.

— Onde se meteram todos eles?

Pervis olhou para mim, protegendo osolhos da chuva, com uma mão. — Morreram todos, Alexa. A maioria

morreu há anos. Só restam os que estão na pra-ça. Vamos descer daqui antes que a chuva e o vento piorem novamente. — Ele desceu alguns

degraus da escada e eu o segui, feliz por tê-lo a vigiar-me enquanto descia os degraus escorrega-dios. Quando chegamos ao chão, reparei numfio de sangue que lhe escorria pela face.

— Onde arranjou esse golpe que tem natesta? Não me diga que um deles conseguiu atin-gi-lo?! — provoquei. Pervis levou a mão à têm-pora e limpou um pouco do sangue aguado, fa-zendo uma careta de dor.

— Escorreguei enquanto subia a escada e

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bati com a cabeça na muralha — explicou, colo-cando uma mão em cima de uma das pedras ma-ciças da estrutura que tínhamos passado doisdias a construir. — Parece que a única coisa queestá causando dor por aqui são estas ridículasmuralhas que continuamos a construir.

No final das contas, eram cinqüenta e seteos condenados que tentaram invadir Bridewell

nessa noite. Todos os outros tinham morrido àespera que Sebastian ou Ganesh, ou quem querque essa pessoa fosse, desse ordem para atacar.Ele tinha se aproveitado indecentemente da pre-disposição deles para seguir cegamente qualquerpessoa que os liderasse. Enquanto ele tinha vi-

vido uma vida de rei durante muitos anos, elestinham permanecido escondidos em túneis, ti-nham tido dificuldade em encontrar comida eassistido à morte, por doença, dos seus compa-nheiros. A maioria deles ainda não atingira a i-dade adulta ao dar entrada na prisão em Ains-

worth e, ao vê-los ali encolhidos na praça, na-quela noite, fiquei com a impressão de que ape-nas ansiavam por um lugar que pudessem cha-mar lar. Estava com medo do que lhes iria acon-tecer, mas o meu receio era desnecessário.

Uns dias mais tarde, depois das coisas te-rem acalmado, o meu pai e Nicholas decidiramenviar vinte dos condenados sobreviventes paraLunenburg, vinte para Turlock e dezessete paraLathbury. Era mais fácil lidar com eles em gru-

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pos pequenos e cada cidade estava disposta afazer a sua parte. A vontade de lutar tinha aban-donado a maioria dos condenados, principal-mente depois de terem compreendido o queGanesh lhes tinha feito. Alguns deles, emboranão todos, foram reabilitados e viveram vidasprodutivas e havia outros que até pareciam des-locados como condenados. Um destes homens,

chamado John Christopher, se tornaria meu a-migo (mas essa é uma outra história). Alguns dias depois dos condenados terem

sido transferidos, o meu pai e eu levamos umgrupo de homens até o ponto central da estradaque ia de Bridewell a Turlock, e fizemos buracos

de cerca de dois metros de diâmetro nas mura-lhas, de ambos os lados da estrada. Antes de re-gressarmos, meu pai e eu olhamos para as mon-tanhas e observamos enquantoDarius apareciadiante dos nossos olhos. Depois olhei para aFloresta Fenwick, do outro lado, e vi mais dois

lobos aparecerem por entre as árvores. EramOdessa e Sherwin.Se reuniriam, finalmente, nessemesmo dia. Acenei em ambas as direções e ostrês lobos uivaram:

— Obrigado!Foi a última vez que entendi a fala de um

animal.

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EPÍLOGO

m mês após a invasão, o povo de Bridewell votou a favor da derrubada das muralhas.

Seis meses depois disso, os gigantescos blocosde pedra que formavam as paredes maciças ja-ziam espalhados pelo chão do vale em milhares

de pedaços, com ervas daninhas e flores a cres-cer entre pedras rachadas como uma interminá- vel lápide partida. As únicas muralhas que per-manecem de pé são as que envolvem Bridewell,por decisão do meu pai e de Nicholas, satisfa-zendo uma insistência de Pervis. A cidade er-

gue-se agora, solitária, como uma fortaleza amu-ralhada, no centro de tudo. Talvez essa muralhatenha a sua utilidade num futuro distante que eunão consigo vislumbrar, mas por agora, apenasme recorda um passado de cativeiro, que ficocontente por deixar para trás.

U

Todos concordam que a vida é melhorsem as muralhas. No entanto, às vezes tenhomedo do mundo exterior e, de quando emquando, nos meus pensamentos íntimos, desejoque as muralhas ainda estejam lá para me prote-ger. Sinto que estou crescendo, que a segurançada infância me foi arrancada e que acordei à bei-ra de algo perigoso. As muralhas desaparecerame eu posso fazer o que me apetecer. É uma li-berdade para a qual não tenho certeza de estar

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preparada.Hoje em dia, quando faço a viagem de

Lathbury para Bridewell, vejo animais ao longodo caminho. Já não entendo o que dizem e issome faz sentir velha, como se a criança que haviaem mim tivesse desaparecido por completo.Mas, de vez em quando, ainda recebo um olharestranho de um esquilo, de um lobo ou de uma

raposa, e recordo a excitação daqueles dias e tu-do o que estava em jogo. Jamais alguém saberáou entenderá a intensidade destas minhas recor-dações. Durante um breve momento, sinto-mecomo se tivesse doze anos novamente, sinto amagia que enche a floresta e quase consigo ouvir

os animais falando.Da última vez que visitei Bridewell, passeihoras e horas na biblioteca, percorrendo os cor-redores de livros, em busca de um livro que mefizesse companhia. Grayson e eu ficamos senta-dos lendo o dia inteiro, por vezes cochilando,

outras partilhando um trecho preferido, como só velhos amigos são capazes de fazer.Pervis ainda é o chefe dos guardas. Com

tantas muralhas derrubadas, ele parece mais A-risco, lançando constantemente um olhar receo-so na direção de Ainsworth e dos Montes das Trevas. Yipes mudou-se para Lathbury durantequase um mês, mas sentiu tanta falta das mon-tanhas que regressou à sua casa junto ao rio. Pa-

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rece satisfeito por viver os seus dias quase sem-pre sozinho, e regressa constantemente à lagoa àprocura de mais pedras. Eu sei disto porque às vezes vou com ele e também procuro. Mas nun-ca encontramos nenhuma pedra. As que encon-tramos são tão deslavadas e sem vida como aque trago ao pescoço, numa bolsinha de couro.

Na realidade, tanto quanto sei, toda a ma-

gia de Elyon desapareceu do vale, deixando paratrás um vazio seco e estéril, mesmo durante aépoca das chuvas. Suponho que a muralha tinhaa sua maneira própria de manter a beleza encan-tadora do território selvagem afastada de nós poruns tempos, mas acabamos por descobrir uma

forma de apagar a pouca magia que restava. Tal- vez seja isso que as pessoas fazem, ou talvez El-yon, se é que ele existe mesmo, esteja se afas-tando cada vez mais de nós, como sugeriu Ander,na floresta. Quem me dera ter pressionado Ander para obter mais respostas quando tive oportuni-

dade de fazê-lo. Receio que o silêncio que existeentre nós faça com que Elyon seja sempre ummistério para mim.

Ultimamente tenho me interrogado sedeveria ou não partir em busca de um lugar ondese possa entrar numa lagoa de água gelada e sairde lá conseguindo falar com os animais. Um lu-gar onde se podem encontrar mensagens secre-tas e onde os esquilos são cheios de bravura cô-mica. Às vezes penso que poderia convidar Yi-

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pes e que ele iria comigo. Viajaríamos pelomundo, como Warvold, em busca de bolsas demagia em lugares onde a presença de Elyon ain-da se fizesse sentir. Mas já não tenho doze anose tenho quase certeza de que aventuras assim sóacontecem quando se é criança.

Os meus pensamentos voltam-se cons-tantemente para Elyon e para tudo o que Ander

me contou sobre ele. O mistério deste «criador»mítico tomou conta da minha mente e não con-sigo tirá-lo de lá. O meu mundo foi sempre tãopequeno, escondido atrás de muralhas, mas co-meço a pensar que esta Terra de Elyon é maior emais perigosa do que alguma vez pude imaginar.

Quantos mistérios me aguardam para lá das mu-ralhas?O que será que aconteceria se conduzisse

a minha carroça de uma ponta à outra de Bride- well e depois até Ainsworth e além dela? Souuma menina de treze anos e não há uma única

muralha à vista que me impeça de fazê-lo.Foi um coelho que acabou de me piscar oolho? Acho que acabo de ver Ander no meio donevoeiro, e estou ouvindoDarius uivar no meiodas árvores fustigadas pelo vento. Será que El-yon se esconde nas sombras, esperando-nos, an-siando estar conosco uma vez mais? Talvez sejaboa idéia fazer uma visita surpresa a Yipes e le- var-lhe um saco grande de tomates.

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NOTAS DO AUTOR

Este livro foi inicialmente escrito como umahistória semanal para as minhas duas filhas.Se se cruzarem com elas nas suas viagens,tapem os ouvidos e fujam na direção oposta.Elas são uns amores, mas falam demais eestamos sempre em algum lugar à frente doleitor, nas aventuras de Alexa.

Bridewell existiu mesmo: era uma pri-são na Inglaterra, onde realmente punham amarca V, com ferro em brasa, nos vagabun-dos.

Casa Renny era o nome de um dos e-

difícios da histórica prisão de Bridewell.Lunenburg (a primeira cidade fundadapor Warvold) é o nome de uma cidade nopoema de Robert Frost, «A Montanha».

O Grob é uma estratégia do xadrezusada exatamente com os objetivos descritosnesta história.

Cabeza de Vaca era o nome de umapessoa que existiu mesmo, um exploradorespanhol do século XVI.

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www.scholastic.com/landofelvon

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Digitalização/Revisão: YUNA

TOCA DIGITAL

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