patrimônio histórico e cultural. cidade de londrina (pr)
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Trata-se do volume 05 da coleção História na Comunidade, editada pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do departamento de História da UELTRANSCRIPT
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL
Alberto Gawryszewski(org.)
Coleção História na Comunidade – volume 5
cidade de Londrina-PR
Coleção História na Comunidade
volume 5
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURALcidade de Londrina-PR
ReitoraProfa. Dra. Nádina Aparecida Moreno
Vice-ReitoraProfa. Dra. Berenice Quinzani Jordão
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoProf. Dr. Mário Sérgio Mantovani
Pró-Reitora de ExtensãoProfa. Dra. Cristianne Cordeiro Nascimento
Pró-Reitor de GraduaçãoProf. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos
Diretor do Centro de Letras e Ciências HumanasProfa. Dra. Mirian Donat
Chefe do Departamento de HistóriaProfa. Dra. Edméia Ribeiro
Coordenador do LEDiOrganizador da Coleção História na ComunidadeProf. Dr. Alberto Gawryszewski
Agradecemos ao Museu Histórico de Londrina/UEL pela cessão das imagens de seu acervo e, em especial, a funcionária Célia Rodrigues de Oliveira
Alberto Gawryszewski (org.)
Universidade Estadual de Londrina
Londrina • 2011
Coleção História na Comunidade
volume 5
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURALcidade de Londrina-PR
Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina
Copyright© dos autores
Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral
Imagem da capa: Primeira Estação Ferroviária de Londrina, 1935, fotografia de José Juliani, acervo do Museu Histórico de Londrina/UEL.
Imagem da contracapa: Cemitério São Pedro/2011, fotografia e arte final de Alberto Gawryszewski
Tiragem: 1000 exemplares
Distribuição gratuita. Venda proibida.
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Feito depósito legal na Biblioteca Nacional
P314 Patrimônio histórico e cultural : cidade de Londrina-PR / Alberto Gawryszewski (org.). – Londrina : Universidade Estadual de Londrina / LEDI, 2011.
90 p. : il. (Coleção História na Comunidade ; v.5)
Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-124- 9
1. Patrimônio histórico – Londrina (PR). 2. Patrimônio cultural – Londrina (PR). 3. História social. I. Gawryszewski, Alberto. II. Série.
CDU 930.1:719
Apresentação
A Cidade de Londrina e a Imagem do
Patrimônio Edificado: a Estação/Museu e a
Secretaria de Cultura/Casa da CriançaZueleide Casagrande de Paula
Casas de Madeira em LondrinaAntonio Carlos Zani
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memóriaAlberto Gawryszewski
Referências bibliográficas
Sumário
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Sobre os autores
Alberto GawryszewskiDoutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL)[email protected]
Antonio Carlos ZaniDoutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Professor Associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL)[email protected]
Zueleide Casagrande de PaulaDoutora em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP-Assis). Professora Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). [email protected]
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Apresentação
A publicação deste quinto livro, da coleção História na Comunidade, é a
continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas
produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em
especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos
dos Domínios da Imagem (LEDI). É possibilitar um diálogo entre o saber científico
e a comunidade. No decorrer dos anos de suas atividades (2006 até hoje) muitas
realizações: cursos de extensão, publicação da revista do LEDI (“Domínios da
Imagem”), do livro “Imagens em debate” (pela EDUEL, 2011), realização do Encontro
Nacional de Estudos da Imagem (ENEIMAGEM, 2007, 2009 e 2011), além da
produção de exposições e vídeos. Toda esta produção pode ser conferida pelo site do
LEDI - http://www.uel.br/cch/his/ledi
Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008-
Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios
da Cultura e da Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio
à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF) o que possibilitou o início da
coleção História na Comunidade, a realização de exposições e produção de vídeos.
Em 2008 tivemos a grata notícia da aprovação de nosso projeto junto ao Conselho
Nacional Científico Nacional (CNPq) no edital Difusão científica. Foi com este que
demos a continuidade à coleção História na Comunidade, das exposições e da
produção de vídeos.
Este quinto livro, que acompanha a exposição com o mesmo nome, foi
concebido como mais um instrumento nas mãos dos professores na tarefa de dialogar
com os alunos. A exposição, composta por cerca de 60 banners (que podia variar
conforme o espaço físico disponível), foi e está sendo montada em escolas, museus,
associações esportivas,classistas e culturais. Foi dividida em três partes, as mesmas
que compõem este livro. Assim, portanto, este possui três capítulos.
A cidade de Londrina completou, neste ano de 2011, 77 anos de emancipação.
Uma cidade recente de conta com dois cursos de História (sendo um não presencial)
e dois cursos de especialização em Patrimônio Histórico e Cultural. Conta a
prefeitura com uma diretoria de Patrimônio Histórico, vinculada a Secretaria
Municipal de Cultura. O PROMIC (Programa de Incentivo à Cultura) têm financiado
diversos projetos de educação patrimonial e publicação de livros. Da mesma forma
Universidade Estadual de Londrina tem conseguido verbas para desenvolver projetos
nesta área (PROEXT, Universidade Sem Fronteiras entre outros). Entretanto o que se
assiste hoje na cidade de Londrina é a devastação de seu patrimônio histórico cultural.
Dezenas de edificações de seu centro histórico, dezenas de casas de madeiras, tanto
na zona rural quanto urbana, centenas de jazigos de seus cemitérios são destruídos
no silêncio de todos os membros da comunidade londrinense. Este livro se insere
na discussão da necessidade da compreensão do patrimônio histórico e cultural
de uma cidade nova, mas possuidora de uma rica história e memória e, portanto,
necessitando de sua conservação para esta e futuras gerações.
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O primeiro texto desta obra foi escrito por Zueleide Casagrande de Paula e
é intitulado “A cidade de Londrina e a imagem do Patrimônio edificado: a Estação/
Museu e a Secretaria de Cultura/ Casa da Criança”. Sua preocupação foi abordar
o patrimônio urbano de Londrina sob os aspectos histórico e cultural, mas na
perspectiva da identidade, da rememoração, utilizando-se de espaços e lugares
sacralizados e ainda não patrimonializados (Casa da Criança/ Secretaria de Cultura)
e já patrimonializados (Estação rodoviária/ Museu de Arte), ambas obras projetadas
pelo consagrado arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985).
O segundo texto foi escrito por Antonio Carlos Zani sob o título “Casas de
madeiras em Londrina”. O objetivo deste texto foi apresentar um pequeno histórico
das construções das casas de madeira em Londrina entre os anos 40/60, período
que se deu o boom desta modalidade de construção. Pretendeu demonstrar a
existência de uma cultura arquitetônica local, única, por meio dos ornamentos
(frontões e varandas), tipos de madeiras usadas, técnica de carpintaria entre outras.
Mostrou que é impossível pensar a história de Londrina e região sem compreender a
importância das casas de madeira na ocupação deste espaço geográfico. Por décadas
elas resolveram o problema de moradia, sempre com estética e exatidão construtiva.
Mas, hoje, há uma sistemática demolição deste importante instrumento da história
da cidade e da zona rural de Londrina. Assim, adverte o autor: “Caso não hajam
mecanismos legais de controle pela preservação desta arquitetura ela estará fadada
a desaparecimento.”
Por fim, o último texto, escrito por mim, trata do cemitério São Pedro de
Londrina, localizado no centro da cidade e fundado no ano de 1935. Voltamo-nos
para vários aspectos do cemitério São Pedro: o uso da fotografia e dos epitáfios nas
sepulturas, a estatuária, ornamentos e outros signos. Foi dividido em três tópicos:
os epitáfios, no qual percebemos o uso de metáforas e eufemismos que ajudam a
enfrentar a morte; a fotografia cemiterial como forma de memória do falecido, sendo
este tópico subdividido em três partes (casais; “personalidades” e retratos pintados);
por fim, o último, os túmulos, ornamentos e estatuária.
O cemitério é compreendido como um espaço privilegiado da memória da
cidade, daí o título do capítulo “Cemitério de São Pedro: espaço de vida, espaço
de memória”. Pelas imagens fotográficas, pelos epitáfios, pela estatuária podemos
perceber os valores morais e sociais de uma época. As formas de vestir, o uso de
variados cortes de cabelo, do bigodinho entre outros aspectos culturais. As imagens
de casais, o uso da fotopintura nos apresentam as marcas de um tempo na forma de
produzir uma imagem e a valorização da permanência da imagem do casal, formador
de uma família, exemplo de união e amor.
Espero que este livro, da coleção História na Comunidade (composta por
nove livros), contribua para o debate e o ensino de História, em especial na discussão
da preservação dos bens históricos e culturais de nossa terra.
Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada
sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDi .
Prof. Dr. Alberto Gawryszewski / coordenador da coleção
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A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado:
a Estação/Museu e a Secretaria de Cultura/Casa da Criança
Zueleide Casagrande de Paula
Introdução
O século XXI apresenta uma nova perspectiva quando tratamos
do patrimônio, sobretudo do urbano. O patrimônio urbano proporciona
uma racionalidade socioespacial diferente daquela que marcou o século
passado, pois o patrimônio arquitetônico assumiu novos contornos e
novos sentidos de uso.
Este texto tem, portanto, a preocupação de abordar o patrimônio
urbano na cidade de Londrina (localizada na parte norte do Estado do
Paraná), sob os aspectos histórico e cultural. Porém, na perspectiva da
identidade, da rememoração, principalmente do uso relativo aos espaços
e lugares, sacralizados e não patrimonializados ainda, como a antiga
Casa da Criança, hoje Secretaria Municipal da Cultura (no decorrer do
texto, serão empregados Casa da Criança e Secretaria de acordo com o
necessário); de edificações já patrimonializadas, como a antiga Estação
Rodoviária de Londrina, hoje Museu de Arte (mencionada, doravante,
como Estação/Museu). Esses espaços foram sacralizados na memória
promotora da identidade, no uso cotidiano de tais lugares.
Se para as cidades antigas há uma preocupação em discutir a
revitalização e consequente refuncionalização do patrimônio
urbano, para as cidades que nasceram no século XX, há um cuidado em
definir o que deve ser primeiro contemplado como bens patrimoniáveis,
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
para, então, ser defendido como tal, visto que a cidade é, ela toda, um
lugar de atenção e de tensão, pois sua temporalidade é muito recente
e os processos de construção/demolição/reconstrução perpassam seu
cotidiano com a naturalidade que marca sua essência, ou seja, aquilo
que a identifica na sua condição de urbana – em outras palavras,
edificar/demolir, reconstruir, restaurar.
A revitalização implica o uso dos bens patrimonializados com seus interiores readaptados, mantendo-se, geralmente, as fachadas restauradas, para a nova realidade que passarão a compor. A revitalização das cidades, de acordo com Odete Douro, apresenta a seguinte perspectiva, a qual destacamos: “Na verdade, trata-se de construir sobre o já construído, aproveitando o já existente como base para uma nova configuração tanto funcional quanto estética. Aliás, nesses casos, uma nova configuração estética é considerada primordial, no sentido de obliterar a antiga imagem de decadência da área abordada, fazendo reemergir a sua nova condição moderna, condição essa fundamental para sua reinserção na totalidade do tecido urbano e na vida econômica do país.” POR UM RESTAURO URBANO: novas edificações que restauram cidades monumentais”. http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rua/article/view/3225/2342
A paisagem das cidades novas é marcada por esta espécie de
tripé – construção/demolição/reconstrução. isso caracteriza todas
as cidades, mas nas cidades novas tais práticas são intrínsecas à sua
condição de terem sido iniciadas no século XX. Esses espaços urbanos
recentes são marcados pela velocidade, pela urgência em renovar
sua plasticidade de acordo com os materiais mais atuais e dentro das
mais modernas tendências arquitetônicas. Características como as
mencionadas se fazem presentes nas cidades do norte paranaense.
Diferentemente daquelas que praticam demolições de construções
antigas para “atualizar” sua paisagem urbana, as cidades novas dessa
região substituem uma arquitetura que remonta a setenta anos atrás,
no máximo, por outra em estilo mais recente, por não entendê-la como
cidade histórica, entre outras razões.
No caso de Londrina, a paisagem nos lembra um canteiro de
obras, pois nela há regiões em que a construção nunca silencia. A cidade
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A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
está em expansão constante: regiões desabitadas pertencente às áreas
rurais são integradas à área urbana; são planejadas para se tornarem
habitáveis. Em alguns casos o planejamento propõe aglomerados de
edifícios, como é o caso da região da gleba Palhano, cujo aspecto altera
a paisagem de quem circula ou mora nessa região: e de onde olharmos,
vemos cotidianamente as constantes transformações, seja um edifício
finalizado, seja uma construção iniciada. Enfim, é a cidade se fazendo...
Essa imagem urbana parece nos dizer que o horizonte, embora não
devesse ser um limite para as edificações horizontais, necessita
respeitar o limite imposto pela verticalização, por contraditório que
possa parecer.
Marcos: são referenciais que o observador desenvolve em contato com a cidade numa relação de interação. Os marcos, na visão de Kevin Lynch (1997), quase sempre, são físicos e se constituem como tais porque o usuário estabelece uma relação simples, mas funcional, com o marco. Geralmente são edifícios, sinais, lojas ou outro lugar, como uma praça, etc. Um exemplo para o morador de Londrina: a “Casa dos Anões” era um marco, bem como o relógio instalado no alto do Edifício América, no cruzamento da rua Paraná com a rua Rio de Janeiro, e conhecido pelos usuários como “Relojão”. Para se tornar marco, foi preciso que a imagem do “Relojão” se construísse socialmente. http://www.jornaldelondrina.com.br/edicaododia/conteudo.phtml?id=992888. Exposições retratam a busca do tempo perdido. Consulta em 29/10/2010. Reportagem de 15/04/2010 | 00:00 Paulo Briguet.
- Limites: Os limites podem ser barreiras claras e definidas, como abaixo do Calçadão ou acima dele, abaixo da linha de trem ou acima dela, abaixo da Avenida Leste-oeste ou acima dela, ou ainda, a travessia do lago que divide os bairros ( Cinco Conjuntos) da zona norte de Londrina. Portanto, são elementos entendidos como fronteira entre uma face e outra dentro da cidade, mas podem também ser espaços em construção, muros e paredes.
- Bairros: são lugares reconhecíveis por seus moradores e por possuírem características comuns que os identificam, como, no caso de Londrina, a gleba Palhano: sua verticalização faz com que o bairro seja reconhecido por essa característica e, quando mencionado, remeta o observador a essa imagem já mentalmente construída. Nesse bairro também encontramos a ideia de limite.
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
O mesmo cenário há pouco descrito encontramos na região dos
Cinco Conjuntos, que, há muito tempo, deixou de abranger apenas
cinco conjuntos habitacionais para reunir vários, que podem ser
considerados bairros, aonde a verticalização também chegou. Embora
ainda impere ali a residência horizontal, o número de construções
verticais vem aumentando, e até mesmo a legibilidade urbana está
sendo comprometida.
Entendemos, a legibilidade, com base na leitura de Kevin Lynch (1997), como a facilidade com a qual as partes podem ser reconhecidas e organizadas numa estrutura coerente. Um exemplo: ao nos aproximarmos da entrada da Praça Primeiro de Maio pela Avenida Souza Naves a partir da Secretaria da Cultura, reconhecemos, o espaço/lugar, e sabemos que o prédio do Correio fica na extremidade da praça, cujo o acesso se faz pela rua Rio de Janeiro. Trata-se de uma informação dada pela capacidade do usuário de ler o espaço urbano e se reconhecer nele, mesmo que ele não visualize a edificação que tem em mente. A imaginabilidade também pode ser definida em termos de uma qualidade de um objeto físico que oferece grande probabilidade de evocar uma imagem forte num dado observador; Cada usuário constrói sua própria Londrina de acordo com as informações, percepções, religiosidade, cultura, poder econômico e até mesmo lugar de residência que tenha, enfim sua visão de mundo é que permite essa imaginabilidade. A imagem elaborada a respeito da antiga casa dos anões e sua integração á imagem urbana depende da formulação de cada usuário e do seu lugar social (os moradores do Centro a viam diferentemente do modo como a viam os moradores dos bairros da região norte da cidade).
As construções “antigas” (erguidas há sete décadas, por exemplo)
também são atingidas pela renovação da paisagem urbana. Nesse
momento, põem-se em risco as edificações que já se consolidaram no
imaginário urbano e são referência para seus usuários. isso não as
impede, contudo, de serem “varridas” da face urbana para que outras
ocupem seu lugar. Um exemplo desse processo é a “casa dos anões”,
uma das residências mais mencionadas pelos usuários urbanos de
Londrina. Foi demolida recentemente para que, em seu lugar, fosse
erguido um edifício onde funciona hoje uma agência de atendimento
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A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
a clientes especiais (contas personalizadas) do Banco do Brasil. Dito
de outra forma, o que poderia vir a ser patrimonializado sucumbiu ao
capital.
A cidade vive entre a expansão territorial com construções que
fazem uso das mais modernas tecnologias e a demolição de edificações
consideradas velhas, mas não históricas o suficiente para serem
protegidas pela patrimonialização. Mas não é só isso: há prédios que
devem ser preservados; entra, então, em cena, a ideia de restaurar o
“antigo” – o que, como dito anteriormente, não exclui a renovação, ou
seja, manter a cidade sempre “nova”.
Se nas cidades mais antigas o tratamento dado à arquitetura,
quando falamos de bens patrimoniáveis, visava a manter a cidade com
sua legibilidade histórica “intacta” quanto a seus equipamentos urbanos
(praças, parques, playgrounds, entre outros) e também sua arquitetura
com a “marca” de antiga (caso das cidades mineiras), ou seus “centros
históricos” sempre antigos, há, por outro lado, no contexto da
patrimonialização, a ideia de revitalização, como o que se propõe hoje
para o centro da cidade de São Paulo.
Patrimonialização é o termo utilizado para referir-se a todo o processo instaurado para proceder ao possível tombamento da obra, incluindo a base jurídica que sustente os argumentos de defesa do bem a tombar, assim como a avaliação técnica e o parecer dos vários técnicos (engenheiros, arquitetos entre outros) e conselheiros (membros eleitos, geralmente integrantes dos órgãos oficiais de tombamento, como iphan e representantes da comunidade). Também se inclui nesse processo o próprio registro de tombamento. Ao se iniciar esse processo a obra ficará impossibilitada de sofre qualquer alteração até finalizar. Se tombada, e, em sua maioria, sempre ocorre o tombamento, somente os órgãos oficiais podem conceder qualquer mudança na obra, mas apenas em caráter de manutenção.
Tombamento é o ato de registrar a obra, com todas as suas características, no livro tombo (livro de registro especial para esse fim), junto ao órgão no qual se iniciou o processo de patrimonialização. O registro no livro tombo é o último ato a ser praticado para que uma obra esteja realmente tombada.
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Nas cidades novas, por seu turno, as práticas levam-nos a
concluir que sua arquitetura se revigora, mesmo que não se pergunte
aos seus usuários se desejam ou não que o lugar por eles habitado
permaneça constantemente em renovação/reformulação.
Quando há uma preocupação puramente estética, em outras
palavras, do ponto de vista da beleza, da forma, da criatividade do
arquiteto etc. sobre uma edificação, a perspectiva histórica tende a se
perder nesse caminho, porque a estética de uma construção, muitas
vezes, não tem valor para a arquitetura, pois a edificação pode apresentar
uma repetição de expressões já existentes e, portanto, nada de novo a
acrescentar e a legitimar seu valor.
Para a história, no entanto, a relação é outra, pois,
independentemente de como seja a visualidade que temos do edifício,
ele está ligada a uma memória e a uma história do lugar. Não levamos
em consideração, portanto, se o edifício em questão atende ou não a
uma forma de ver e entender a arquitetura – como faz o arquiteto, por
exemplo. Quando tratamos de patrimonialização, vemos, sobretudo, o
sentido de memória, de vivência histórica, de identidade, de lembrança
afetiva. Talvez seja essa última a primeira que estabelecemos com um
bem que se pretende tombar e tornar patrimônio. Em outros termos,
a ideia de patrimonializar um bem pode ocorrer primeiro pela relação
de afetividade que o usuário e a comunidade estabeleceram com ele.
Essa relação não é histórica, mas é também a partir da afetividade que
uma edificação desperta em seus usuários que se manifesta o desejo de
preservação dos bens edificados. Entretanto a afetividade, geralmente
se constitui a partir da convivência com a edificação, mas não é
suficiente para que seja patrimonializada, é sim mais um dos elementos
de definição desse processo.
Nesse sentido, ao pensarmos a cidade de Londrina, consideramos
que a velocidade característica de sua história é realmente muito
significativa; contudo, ou exatamente por essa razão, foi possível a
sacralização de lugares no decorrer desse mesmo tempo veloz. Temos
claro que, ao nos propormos tratar de tal tema nessa dimensão,
inserimo-nos na condição de sacralizadores, pois assim trazemos
para o leitor um debate que diz respeito à história e à memória dos
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A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
usuários dessa cidade. E não apenas nós historiadores, mas também
os professores de história dos Ensinos Fundamental e Médio, quando
levam seus alunos para visitar lugares considerados de memória e de
lembranças, como os museus, o Centro “velho” da cidade, as áreas
verdes preservadas; os representantes de instituições oficiais e não
oficiais de preservação patrimonial, quando propõem que determinado
edifício seja tombado pelo patrimônio histórico, e não outro que possui
a mesma temporalidade; os legisladores, ao propor a proteção em forma
de lei; o Poder Judiciário, quando faz o cidadão e a cidade cumprirem
essa lei, o Poder Executivo, quando aplica a lei...
Desse modo, somos um grupo social significativo de
sacralizadores. Porém, ao historiador cabe tratar a respeito da história
da obra, sobre seu passado e sua relevância histórica na composição da
paisagem urbana no presente. Compete tratar a respeito da relevância
ou não da edificação, se esta é merecedora de atenção dos órgãos
patrimolializadores, de acordo com o que pensa a comunidade, enfim,
contribuir no que tange à sua história.
Neste ponto, cabe lembrar o que dissemos ao iniciar esse texto:
nas cidades novas tudo é histórico, pois tudo está-se fazendo, ou se fez em
um tempo tão próximo que não dispomos dos instrumentos oferecidos
pelo tempo histórico para definir o que é necessário e premente
preservar (isto é, o que compõe a paisagem urbana há muito, muito
tempo). No caso de que tratamos, a temporalidade de tudo é a mesma.
Também não podemos “descartar” a presença viva dos “fazedores de
história”, ou seja, daqueles que controem a cidade – e esses são todos,
pois ela está em construção contínua desde sua fundação, portanto seu
fazer histórico é ininterrupto, atual, e seus fazedores estão vivos.
Entretanto não se pode preservar tudo, pela razão já exposta:
o que caracteriza a cidade é a sua demolição/construção permanente.
Então, vemo-nos frente a um problema, qual seja: o que eleger, quando
tratamos de edificações, e como justificar que um determinado edifício
seja merecedor de preservação/patrimonialização?
Esta é uma das questões-chave da nosso texto. Para responder
a essa indagação, destacamos duas edificações, a fim de mostrar por
que elas são diferentes das demais de sua época e por que elas podem
ser integrantes do patrimônio edificado da cidade na perspectiva do
historiador.
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
A contribuição de João Batista Vilanova Artigas ao patrimônio
histórico de Londrina
As duas obras que elegemos para discutir o patrimônio edificado
em Londrina, como já dissemos, são a Casa da Criança e a Estação/
Museu. Visamos a demonstrar seu valor histórico e por que merecem
compor o patrimônio histórico da cidade.
Nesse sentido, faz-se necessário dizer quem as idealizou, dito
de outro modo, quem é o arquiteto que as concebeu – João Batista
Vilanova Artigas –, pois se trata de um dos motivos pelos quais essas
edificações são possuidoras de características diferentes das de outros
prédios da mesma época.
João Batista Vilanova Artigas, conforme informa Suzuki
(2007), nasceu em junho de 1915, em Curitiba, no estado do Paraná.
Sua formação superior se deu na Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo – USP, quando a engenharia e a arquitetura formavam
o engenheiro-arquiteto. Embora sua relação com a cidade de Curitiba
tenha se mantido sempre atualizada, pois era lá que se encontravam
seus familiares, estabeleceu-se em São Paulo (SP), onde a identidade
urbana e a do arquiteto se encontraram e se manifestaram em vários
momentos e obras. Artigas amava São Paulo; a cidade, por sua vez,
proporcionou tudo aquilo de que precisou para expor seu pensamento
modernista em suas obras, consideradas obras de arte.
Artigas igualmente deixou sua marca no Paraná, sobretudo na
cidade de Londrina. A Estação/Museu foi sua principal obra, mas há
outras, como veremos mais adiante. Era filiado ao Partido Comunista
Brasileiro , e essa filiação rendeu-lhe o exílio durante a época da ditadura
militar. Foi considerado um dos fundadores da arquitetura modernista
no País (KAMITA, 2003).
Era um defensor, no Brasil, das ideias de Frank Lloyd Wright,
arquiteto norte-americano que defendia a tese de que, quando três
linhas eram suficientes para projetar uma edificação, era estupidez fazer
empregar mais. Em outras palavras, defendia a arquitetura limpa. Por
essa influência, Yves Bruand (1981) denominou a primeira fase da obra
de Artigas (a compreendida entre 1938 e 1944) de “fase wrightiana”.
Mais tarde Artigas manteve estreito diálogo com o pensamento e
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A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
as obras de Le Corbusier. Esse arquiteto era francês e teve uma influência
marcante no pensamento dos arquitetos brasileiros. Artigas foi um
desses arquitetos e acabou por estabelecer laços com Le Corbusier, cujo
nome verdadeiro era Charles-Édouard Jeanneret. Corbusier era também
modernista e defendia que “as formas primárias são as formas belas,
porque são claras de ler” (LASZLO TASCHEN, 2010). Artigas fundia
o pensamento dos dois arquitetos em suas obras, embora tenha sido
influenciado, num determinado período, mais por um do que por outro.
Como veremos em suas duas obras aqui destacadas, Vilanova
Artigas apresenta essa mesma clareza na leitura das formas, pois
entendia que deveria expressar, ao propor um projeto para qualquer
edificação, uma linguagem arquitetônica que fosse acessível ao público
– como a que se expressou na Estação/Museu e na Casa da Criança.
Simultaneamente à atividade de arquiteto, Artigas foi professor
na Escola Politécnica na Universidade de São Paulo e, posteriormente,
no curso de Arquitetura dessa mesma instituição. Muitos foram
seus discípulos durante sua atuação como professor. Vários foram
seus projetos, os quais marcaram profundamente sua carreira e sua
existência. Em consequência de suas convicções políticas, foi exilado
durante a ditadura militar no Brasil. Ao retornar ao País, não mais
pode assumir a cadeira de Projetos, a qual lhe pertencia antes do exílio.
Permaneceu na Universidade de São Paulo como professor colaborador
de outras disciplinas e, em 1985, submeteu-se a uma banca de titulares
para reintegrar o quadro de professores daquela instituição, o que
causou grande constrangimento na ocasião (ARANTES, 2002).
As exigências institucionais às quais não pode fugir, ainda com os
resquícios da ditadura militar e reforçadas pelas correlações de forças
dentro da FAU/USP, ficam claras nesse acontecimento. Morreu um
ano depois, em consequência de um câncer. Tornou-se, em sua época,
um dos mais reconhecidos arquitetos do País. Porém, foi arremessado
ao esquecimento cultural e histórico. Se não tivesse tido uma morte
prematura e vivido como seus colegas de trabalho e de vida – Oscar
Niemeyer, ainda atuante, Lucio Costa, que morreu em 1998, e Oswaldo
Bratke, falecido em 1997 –, certamente seria o arquiteto mais festejado
depois de Niemeyer, conforme afirma o arquiteto e professor Hugo
Segawa.
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Hugo Segawa, também professor da USP, teceu o seguinte comentário em artigo que publicou sobre o evento do retorno oficial de Artigas a FAU/USP: “figura emblemática do ativismo engajado do Partido Comunista Brasileiro, seu discurso espelhou as vicissitudes que marcaram a trajetória das esquerdas brasileiras. Dono de uma retórica mais impetuosa que a esquemática oratória comunista de Niemeyer, Artigas não viveu para acompanhar a queda do muro de Berlim. Um homem que sempre estimou a literatura e a escrita, ele é um dos poucos arquitetos que têm registrado no papel seus posicionamentos intelectuais como cidadão e como artista, e esses textos retratam as ortodoxias e as incoerências de um período pleno de contradições. Por sua franqueza e ímpeto, ele foi criticado por jovens discípulos mais à esquerda, como massacrado pelas alas mais conservadoras. Sua morte precoce não pode ser desvinculada da humilhação de se submeter a uma prova para titulação acadêmica na USP aos 69 anos de idade, apesar de uma veemente vocação de professor, dentro e fora da universidade. A aula pública do concurso foi seu canto do cisne.” Publicado em jan. 2002, em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3258, por Hugo Segawa, sob o título: “Vilanova Artigas, renascer de um mestre”. Consulta em 21/10/2010.
São diversas as obras de João Batista Vilanova Artigas realizadas
na cidade de São Paulo, aproximadamente setecentos projetos.
Faremos, todavia, referência específica a duas delas, certamente
já vistas pessoalmente ou pela televisão: o prédio da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo/FAU, localizado no espaço da Universidade
de São Paulo, e o estádio do Morumbi (o do São Paulo Futebol Clube),
onde são realizados diversos jogos dos mais variados torneios do mundo
do futebol. Em ambos, fez vasto uso do concreto armado – um dos
elementos definidores dessas edificações e da escola paulista/brutalista.
Mesmo que Artigas nunca tenha se assumido como um dos
fundadores da escola de pensamento paulista/brutalista no campo
da arquitetura, a ele foi atribuída a maior influência dessa vertente
arquitetônica. Essa escola de arquitetura é conhecida por fazer uso
expressivo do concreto armado em suas construções, como é o caso da
Estação/Museu em Londrina. O que caracteriza a mencionada escola
é o uso do concreto exposto visível e as formas simples no uso desse
concreto, o emprego do tijolo aparente e das caixas expostas.
19
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
Portanto, a poética da forma em Artigas descaracteriza a peculiar
dureza do concreto. Como podemos ver no mencionado exemplar
arquitetônico (um dos símbolos do passado da cidade de Londrina, a
propósito), a forma apresenta leveza e a clareza defendidas por Artigas.
Essa defesa das formas simples tinha o objetivo de popularizar a
arquitetura modernista, para que todos tivessem acesso à compreensão
de tais formas e para que todos pudessem ter moradias construídas com
simplicidade, mas não desprovidas de formas suavizadas e de uma certa
arte, mesmo que as condições das construções, na época, não permitissem,
por exemplo, um acabamento refinado para as edificações populares.
Se o concreto ficasse exposto e fosse aceito pelas elites em suas
residências e em obras públicas, como a Estação/Museu em Londrina
e o estádio do Morumbi em São Paulo, seria possível construir para as
classes populares, sem que fosse necessário o acabamento (esconder
o concreto), pois o concreto seria o próprio acabamento. Para isso, no
entanto, era preciso que o concreto se tornasse arte. A causa de Artigas
era ideológica e política, por isso ele defendia o uso direto e exposto do
concreto: o rebuscamento na arquitetura encarecia a obra, e o Brasil era
um país onde a pobreza imperava.
Por outro lado, as formas “rudes” dessa arquitetura também
expunham o país onde se vivia; expressar suas ideias, materializadas
na arquitetura, era uma forma de posicionamento político frente à
pobreza. Porém, Artigas era, antes de tudo, alguém que enfrentava
Figura 1. Fotografia da autora, agosto de 2009. imagem transversal do edifício da Estação /Museu.
Nesse exemplar, em Londrina, é visível a exposição do concreto. Se em muitas edificações o concreto exposto é agressivo, aqui a forma elimina essa aspereza. O fato de o concreto compor uma forma/desenho em cascata – as chamadas abóbadas – proporciona a sensação de que elas irão levantar voo, pois apresentam uma leveza que o concreto parece impossibilitar, por sua dureza.
20
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
conflitos em suas escolhas e posições políticas e humanas, em seu
trabalho e nas demais relações que estabelecia. Assim, percebemos que
não seria possível estudar as obras (edificações) de Artigas sem saber
mais a respeito de sua vida, seus ideais e suas posições políticas. Não
seria possível separar a obra do artista: um estava no outro, e ambos
expressavam sua força imaginativa, sua arte criadora e vontade de
construir uma cidade acessível a todos.
Num futuro não muito distante, algumas de suas edificações (da
vasta obra de sua vida) localizadas na cidade de Londrina tornar-se-
iam patrimônio arquitetônico. Conforme o site da Coordenadoria do
Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura, a Estação/
Museu e o Cine Teatro Ouro verde já estão patrimonializados e
constam dos bens tombados pelo estado do Paraná. http://www.
patrimoniocultural.pr.gov.br/search.php?query=artigas&action=result
s&mids%5B%5D=2.
Portanto, embora não seja o objetivo nesse trabalho, tratar a
respeito das duas edificações que passaremos a apresentar, o faremos,
por entender que o leitor ao caminhar pela cidade, pode se reconhecer
nesses espaços e distinguir as obras de Artigas, às quais nos referiremos.
Nesse sentido, apresentaremos dentro dessa breve biografia do referido
arquiteto, o Cine Teatro Ouro Verde e o edifício Autolon.
O Cine Ouro Verde (hoje Cine Teatro Outro Verde) e o edifício
Autolon compuseram também marcos urbanos durante muitos anos na
cidade de Londrina. Ambos construídos, um ao lado do outro, ligados
por uma edificação que se estendia do edifício Autolon em direção
ao prédio do cinema, no qual foi instalado um restaurante. Foram
construídos na Rua Paraná, hoje o Calçadão.
Figura 2. Fotografia 1 – Cine Ouro Verde: destaque para as colunas em cunha, com cobertura em pastilhas. Fotografia 2 – Vão entre o Cine Ouro Verde e o Edifício Autolon: no passado um restaurante, hoje, uma loja. Fotografia 3 –Edifício Autolon: destaque para as colunas elípticas e cobertura em pastilhas. (acervo da autora).
21
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
O espaço funcionava como restaurante, era freqüentado pelos
moradores da cidade em almoços e jantares antes e depois das sessões
de cinema. Era também o ponto de encontro em final de tarde para os
empresários, profissionais liberais e políticos locais. Entre o edifício
do teatro e do Autolon, hoje funciona uma pequena loja de ponta de
estoque, como é possível constar pela imagem da figura 2, fotografia 2.
Esse conjunto arquitetônico foi pensado e proposto por um
grupo de empresários locais: Celso Garcia Cid, proprietário da empresa
de transporte rodoviário Viação Garcia, mas na época uma empresa
regional; Ângelo Pesarini e Jordão Santoro, também sócios proprietários
da Sociedade Auto Comercial de Londrina – Autolon, cujo produto
consistia nos veículos da marca Chevrolet. Esse edifício foi construído
sobre pilotis (nesse caso, coluna de forma elíptica e de extenso diâmetro)
e o espaço de vãos era destinado ao estacionamento dos visitantes
da loja de carros que era acessada pela Rua Paraná, ao passo que o
estacionamento tinha acesso pela Rua Rio de Janeiro. No decorrer do
tempo, esses espaços que eram abertos, foram fechados, passaram a
ser ocupados por lojas, mas ainda assim, quando transitamos pela rua
ou adentramos essas lojas, nos deparamos com as imensas colunas a
impor, aos freqüentadores, a sua presença.
O Cine Ouro Verde (Figura 2 – fotografia 1) foi construído para ter
uma plasticidade eloquente, pois a ideia, segundo Suzuki (2003), era de
que fosse o maior e o mais luxuoso cinema do interior do Brasil. Desde
sua proposição em 1948, tornara-se orgulho para a cidade, em razão
de sua grandeza, o que de certa forma também despertou a expectativa
sobre sua inauguração, a qual foi amplamente noticiada pelo jornal A
Folha de Londrina no ano de 1952. O jornal apresentou uma extensa
e elogiosa reportagem sobre a inauguração e destacou a classificação do
empreendimento, que nada deixaria a desejar aos cinemas dos grandes
centros, “pois foi ele construído sob os mais modernos e extraordinários
quesitos contemporâneos, admitida engenharia arquitetônica [sic]
que foi sua classificação entre os maiores da América Latina – o Cine
Marrocos, em São Paulo, e o São Luiz no Rio de Janeiro” (Folha de
Londrina, 20 dez. 1952, Apud, Kamita, 2003).
O jornal ainda defende a construção do edifício contra as
críticas, que assinalavam a suposta inutilidade de um cinema daquelas
22
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
proporções para uma cidade como Londrina, “plantada” no que
chamavam de “boca do sertão”. Essa defesa sinaliza para o contraste
da edificação com o universo citadino local, ou seja, para a existência
de um estranhamento: a convivência sertão/arquitetura sofisticada. São
essas impressões e sinais que se manifestaram à época e que sustentam
a ideia de que esse conjunto de edifícios foi um dos mais destacados
marcos urbanos para a cidade, pois até hoje o teatro ainda é referência
no Calçadão de Londrina, onde está localizado.
Percebemos, ao estudar sua vida, que Vilanova Artigas era um
caminhante urbano, um observador das cidades e também apaixonado
por elas. Durante sua existência, traçou seu próprio caminho: como bom
comunista que era, burlava o poder disciplinador que o planejamento e
a arquitetura impõem à cidade. Marcava os espaços urbanos com suas
obras, ao criar lugares e, dessa forma, possibilitava novas identidades
para esses espaços.
Esses marcos eram ainda inovadores. As obras que realizou em
Londrina mostram esse espírito: naquele momento, era o concreto
vencendo a mata, vencendo o sertão. Era o concreto vencendo a
resistência do País quanto ao seu uso como acabamento, sua brutalidade
tornando-se digna de ser vista, conforme demonstra a imagem da
Estação/Museu (figura 1), como o que havia de mais moderno na
arquitetura brasileira. E mais: era o concreto compondo uma cidade
nova numa expansão cafeicultora que urbanizava o sertão paranaense,
sertão esse que ainda teimava em ocupar grande parte do País. Era o
Brasil modernizando-se. O concreto, no período, era amplamente usado
por arquitetos norte-americanos e europeus; era o que havia de mais
moderno na construção civil. Sua obra, em meio a esse sertão, possuía
harmonia, leveza e integração, ao ser aplicado na construção de um
edifício que tinha como função ser um cartão de visita de Londrina. A
Estação Rodoviária, “plantada” numa cidade que ainda era marcada pelo
agreste, pela terra vermelha, pela fronteira em expansão, apresentava
em sua forma, em sua plasticidade, o que havia de mais moderno para
a época: o concreto.
A imagem a seguir apresenta a integração e modernidade do
edifício; a cada curva das abóbadas, observa-se um movimento de asas,
como as asas dos pássaros que certamente circulavam pela região em
23
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
bandos e de variedades diversas, muito mais presentes do que hoje, no
ambiente urbano, onde o desequilibrio levou a eliminação de especies e
superpopulações de outras.
A Estação trazia na sua própria arquitetura a ideia de moderno,
expressão que aparecia no concreto, sem excluir a da natureza
brasileira, ao representar na curvatura das abóbadas o movimento das
asas das aves. Em suma, a Rodoviária apresentava, em sua suas formas
arquitetônicas, movimento, passagem, deslocamento. Tudo o que era a
cidade de Londrina no período áureo do café na região.
Além dessa edificação, Artigas “plantou” na cidade de Londrina
edifícios que até hoje chamam a atenção, por todas as características
que expusemos acima: o Cine/Teatro Ouro Verde e o Edifício Autolon,
a seu lado; parte do edifício da Santa Casa de Misericórdia; o Londrina
Country Clube e apenas uma residência, afora os já mencionados
Estação/Museu e Casa da Criança.
Esse rápido relato sobre o homem e o arquiteto João Batista
Vilanova Artigas permite que se possa ter uma ideia de sua relevância
para a história da arquitetura no Brasil. Para a arquitetura das cidades
novas, mas sobretudo para Londrina (PR), que praticamente desconhece
a importância histórica desse arquiteto para o Brasil, para a existência
de sua própria arquitetura, para a formação da paisagem e da imagem
que a cidade exibe hoje (visto que, depois de Artigas em Londrina, a
arquitetura local assumiu outra dimensão).
Figura 3. Fotografia da autora, agosto de 2009.
Essa imagem retrata um corte no edifício, exatamente onde se observa o movimento em que é possível fazer a comparação com o das asas de uma ave. Não por acaso, foi pensado para essa região e para a função de estação rodoviária – porta de entrada e saída das pessoas que se dirigiam à cidade.
24
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Cidade-usuário-patrimônio
É preciso entender como a cidade desenvolve sua compreensão
sobre o patrimônio local e como esse patrimônio foi eleito como tal,
de que modo alcançou essa condição, e mais, como população local
participa dessa eleição.
Essa relação é complexa. Por mais que se busque simplificá-la,
isso não é possível, quando tratamos do patrimônio urbano, pois a
relação que temos com a cidade é a de usuários.
O usuário, nesse caso, tem uma perspectiva de relação com a cidade que vai além da de ser apenas seu morador. Morar na cidade não significa dela usufruir, ser seu usuário, pelo contrário, há pessoas que se restringem ao espaço de seu bairro, ilhando-se nele. O usuário diferentemente usufrui dia a dia de todos os seus espaços e lugares. Usufrui em sua plenitude, se integra a ela, faz parte de sua paisagem desde seu lugar de moradia até as multidões nas ruas, na circulação urbana, leva e traz informações, sensações, percepções visualidade, enfim, é seu usuário. Essa relação não diz respeito apenas ao morador, mas a todos aqueles que dela usufruem, por uma razão ou outra.
Assim, nós, mesmo que não nos apercebamos desse movimento,
produzimo-la; contudo, ela também nos produz... Então, como podemos
entender de forma simples algo que é, em sua natureza, complexo?
Tentaremos discutir um pouco essa relação entre cidade, usuário e
patrimônio, para que, ao nos deparamos com as imagens da Estação/
Museu (figuras 1, 3, 4, 5, 6, 7) e da Casa da Criança (figura 4 – fotografia
3, figura 9 e 10), possamos entender por que há lugares na cidade que
nos dizem coisas que outros não dizem. Por que nossas lembranças são
constantemente ameaçadas por novas edificações e novos lugares, e
como todo esse emaranhado toca nossa sensibilidade. Sobretudo, por
que há edificações que são reconhecidas como patrimônio urbano e
outras não.
As imagens que até aqui apresentamos sobre a obra de Vilanova
Artigas, foco deste trabalho, são contemporâneas, e todas as demais,
neste texto, são do mesmo período. Há um propósito claro nesse uso.
25
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
Qual? O de fazer o leitor relembrar sua relação com essas obras ao longo
de sua ligação com a cidade, de sua convivência como usuário.
Enfim, ao apresentarmos as mencionadas obras em imagens
recentes, propomos a você, leitor, rememorar, lembrar e então somar
tudo isso ao já dito neste texto, a fim de que possamos entender por que
esses dois edifícios são históricos, e por que a Estação/Museu (figura
4 – fotografia 1 e 2 ) já compõe o patrimônio local e estadual (conforme
registrado na Coordenadoria Cultural da Secretaria de Estado da
Cultura), em detrimento de outras, como a Casa da Criança ( figura 4 –
fotografia 3), também de autoria de Artigas e ainda não tombada.
Figura 4. fotografias 1e 2 – Estação/Museu, 2009; fotografia 3 – Casa da Criança em reforma, 2010. Acervo da autora.
O geógrafo e arquiteto Kevin Lynch defende que nós, humanos,
desenvolvemos quadros mentais para nos deslocarmos na cidade. Esses
quadros mentais possibilitam a um usuário de Londrina se deslocar da
Estação/Museu em direção à Casa da Criança, sem pedir orientação a
ninguém; isso porque esse usuário teria um quadro mental referente
ao espaço e ao tempo de deslocamento entre essas duas edificações.
Tal mapa mental é formado pelo convívio cotidiano com e na cidade
de Londrina; portanto, guiar-se por intermédio desse quadro, ou de
outros quadros metais que tenha elaborado sobre a cidade, é o que
sempre ocorre, mesmo que não se atente para tal fato. Assim formamos
a imagem urbana.
É comum, quando ficamos algum tempo sem ir a um lugar, ou a
outra cidade, observarmos, quando novamente em contato com esses
locais, que o quadro mental que tínhamos sobre o lugar em questão não
mais corresponde ao que nos proporciona a nova visita. Nosso quadro
mental, portanto, está desatualizado e nos deu uma informação que já se
encontra no passado. Desse modo, num primeiro momento, tudo pode
26
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
parecer estranho, mas não demorará para percebermos que temos uma
lembrança sobre esses espaços. Ou seja, nossa memória e nosso quadro
mental estão sempre em contato; ambos tocam nossas sensibilidades,
principalmente quando a cidade está relacionada às nossas lembranças
e até às nossas afetividades.
Nesse sentido, é preciso pensar as imagens urbanas como uma
das formas para refletir acerca da cidade, pois esta é constituída de um
todo cujo interior apresenta uma sobreposição de imagens individuais.
imagens que são pensadas pelos planejadores de modo individual, mas
também imagens que nós, quando nos remetemos ao nosso quadro
mental, vemos individualmente. Porém, tanto quem planeja e projeta
as edificações, quanto nós, não descolamos de seu contexto as imagens
dessas construções. Em outras plavras, mesmo que sejam imagens
individuais, referem-se também ao todo da cidade e cada um de nós
elaborou mentalmente a sua Londrina. O exemplo que apresentamos
acima, a respeito de nossas lembranças sobre um determinado lugar
que muda, pode ser retomado aqui para que possamos entender essas
sobreposições de imagens que formam as “camadas” da cidade, tanto
para nós, seus usuários, como para seus planejadores e projetistas. Estes
últimos fazem registros fotográficos para que, ao ser necessário alterar
um lugar, seja possível ter informações sobre como ele era antes. Tudo
isso forma as muitas camadas urbanas ou sobreposições de imagens.
Tudo o que compõe uma espacialidade urbana procede da
leitura visual de sua paisagem, feita por seus habitantes, planejadores
– enfim, usuários –, por meio de seus olhares, percepções, definições,
interpretações, representações e intervenções.
A existência de uma cultura urbana é determinada pela imagem
construída pelos moradores da cidade por intermédio de seus sentidos,
lembranças, sentimentos e impressões, vividos diariamente nesse
ambiente. É, contudo, igualmente resultado da percepção que a imagem
urbana proporcionada ao usuário. isso quer dizer que o usuário urbano
promove a imagem urbana quando constrói e vivencia a cidade, mas
também é promovido por ela no seu contexto, no seu desenho, na sua
“textura” urbana e arquitetônica, por suas edificações e pela propria
imagem individual que elaboru a respeito dela.
Por conseguinte, vale olharmos novamente para a paisagem
27
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
urbana, a fim de reconhecermos que há, em seu interior, um conjunto de
objetos físicos (edifícios, residências, praças, ruas, avenidas, viadutos,
pontes, lagos, placas, sinais etc.). A representação da imagem produzida
por esses objetos pode ser do conjunto ou isolada, como já apontamos.
Essas imagens, contudo, são significativas para os usuários urbanos e
podem, dependendo de um conjunto de elementos que constroem essas
imagens, conduzir à eleição, pelos sacralizadores, de qualquer objeto
com vistas à sua patrimonialização. Lembramos que estamos tratando
de edificações, mas qualquer coisa pode ser patrimonializada dentro do
urbano, como um busto, uma luminária, uma árvore, o traçado de um
bairro, entre outros.
Um prédio, visto isoladamente, para efeitos de análise de sua
identidade, nada mais é que um objeto físico no espaço que ajuda a
compor a imagem da cidade. No entanto, a imagem que ele oferece
tem de incluir a sua relação estrutural (a do próprio prédio) ou a
espacial (o que significa aquele prédio naquele lugar) com os outros
objetos (no conjunto da rua, da praça, de todos os prédios ao redor),
com o observador/usuário. Afinal, a cidade não é vista em seus objetos
tomados isoladamente; pelo contrário, ela é vista pelo todo, é composta
pelo todo das edificações. O edifício não pode responder isoladamente
por toda espacialidade urbana, mas pode “falar” por ela, pois a integra.
É preciso que sejamos capazes de ler a cidade. Nessa leitura
está implícito que possamos ser capazes também de imaginá-la,
para que possamos fazer um diagnóstico da qualidade visual que ela
possui. Esse conhecimento está em nós e o aprimoramos à medida que
“usufruímos” do espaço urbano. É nesse uso da cidade que promovemos
o reconhecimento dela e construímos uma imagem mental de que
passamos também a usufruir quando queremos remetermo-nos a ela e
em nossos deslocamentos. A partir dessa imagem e dos elementos que
são significativos para quem dela usufrui (como os marcos, limites, vias,
bairros...), é possível realizar a análise e descrição de qualquer espaço
urbano, as quais possibilitam uma leitura sobre a cidade.
É preciso compreender essa leitura da cidade como uma
metodologia para entendermos a relação entre cidade e patrimônio
arquitetônico, e como essa relação nos ajuda a compreender a ordenação
urbana – em nosso caso, a da cidade de Londrina, pois é nesse complexo
28
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
da composição do urbano que estão a Estação/Museu e a Casa da
Criança.
A imagem da Estação/Museu é, entre várias outras, um desses
elementos de construção de uma identidade para Londrina, pois nos
remete ao passado, a uma imagem construída a respeito da cidade. A
cidade moderna e metrópole regional. Remete-nos às lembranças e
rememorações desse passado de modo tal que nos sentimos ligados a
sua existência e acabamos por estabelecer uma memória afetiva para
com a cidade e com determinados lugares.
Portanto, é preciso pensar como Londrina foi sendo constituída
cotidianamente, a partir do seu próprio fazer-se, por meio de seus
moradores. Mais: como se construiu sua arquitetura, como se registrou
essa arquitetura na memória, na lembrança; como essa arquitetura se
tornou símbolo no imaginário da população e, ao mesmo tempo, nos
escritos e na imagem sobre a cidade. Aí incluímos as imagens/memórias
que os historiadores locais produzem e aquelas que são transmitidas
nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.
A construção à qual nos referimos anteriormente promove
a eleição do que deve ser patrimonializado e, do mesmo modo, é
promovida nessa eleição simbólica a respeito de sua própria história
e de seu patrimônio arquitetônico. É preciso considerar, portanto,
quando tratamos dos bens patrimoniais de Londrina, que tratamos
também da sua natureza, em outras palavras, de como ela se construiu
como cidade – consequentemente, também de entender a importância
do patrimônio arquitetônico nesse contexto. Pois voltamos a lembrar:
Londrina é uma cidade do século XX; assim, o patrimônio urbano
do qual tratamos é entendido de modo muito diferente daquele que
considera e vê o usuário da cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais,
por exemplo. Também difere o “olhar” dos próprios órgãos de proteção
patrimonial, como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), órgão orientador e gestor das políticas patrimoniais
no Brasil, ao definir políticas, consequentemente verbas, destinadas à
proteção do patrimônio das cidades antigas e das novas, no País.
Talvez caiba perguntar: defender o patrimônio arquitetônico
é uma preocupação de toda a população londrinense? Quem são os
defensores desse patrimônio local? Essa defesa partiu da organização das
29
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
vivências em grupos sociais? Quais os interesses acerca da preservação do
patrimônio urbano na cidade e até onde seus cidadãos participam dessa
defesa? E ainda: em que consiste o trabalho do historiador na construção
da imagem urbana sobre a patrimonialização? Como participam dela
os professores da formação básica? Eles, em seu fazer histórico no
cotidiano da sala de aula, também são sacralizadores patrimoniais? De
que maneira? Esses são questionamentos que precisam ser feitos, pois
nos permitem pensar como a cidade de Londrina produziu uma imagem
de progresso e desenvolvimento para si e em que medida a Estação/
Museu e a Casa da Criança participaram dessa construção, de que forma
foram elevados à condição de bens patrimoniais urbanos.
Se, em linhas gerais, a cidade pode ser estável durante algum
tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes, pois
cotidianamente nos deparamos com construções em todas as direções.
Grandes e pequenas interferências, desde a construção de um novo
edifício a uma reforma de residência ou de uma rua, como é o caso
do Calçadão. Então, se por um lado a cidade é estável, por outro ela
muda dia após dia. Só um controle parcial pode ser exercido sobre seu
crescimento e sua forma. Não há resultado final, apenas uma contínua
sucessão de fases de seu crescimento/transformação (CERTEAU,
1997, p. 2).
Vemos, pois, a cidade sempre em transformação. Ela é, assim,
um espaço indomável, porém está à mercê dos homens e mulheres;
deles depende para a sua forma, seu traçado, sua existência, sua
imagem (conforme vimos), mas principalmente para a escolha de seu
patrimônio. Nesse caso, a imagem da Estação/Museu representada pela
figura do seu criador, por sua arquitetura com múltiplo uso, o de Estação
Rodoviária e Museu de Arte, por sua história de porta de entrada e saída
da cidade durante anos, demonstra por que essa edificação tem todos
os elementos necessários para compor o patrimônio urbano, histórico e
cultural de Londrina.
igualmente, o próprio arquiteto João Batista Vilanova Artigas não
deixa de ser também um dos símbolos de nosso patrimônio histórico,
pois, com sua proposta de arquitetura, trouxe para o município de
Londrina, na época, a arquitetura modernista, o que veio a mudar a
imagem da urbe “plantada” no meio da floresta, para a de cidade que
visava se modernizar.
30
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Sua arquitetura passou a ser a representação da modernidade na
região norte do estado do Paraná na época em que foi construída. Foi
também uma manifestação da arquitetura modernista no Brasil. A esta
altura, acreditamos que o leitor tem as informações necessárias para
entender por que essa obra, a Estação/Museu tem valor de patrimônio
arquitetônico urbano para a cidade de Londrina; enfim, por que ela foi
patrimonializada e tombada como patrimônio arquitetônico.
Diante do exposto, passaremos a apresentar algumas imagens
dessa edificação, com o objetivo de demonstrar a diferença desse
exemplar arquitetônico em relação aos demais construídos na mesma
época. Em outras palavras, suas características modernistas.
Figura 5. fotografias: 1 – caixote maior brise-soleil, 2 – Caixote sobre colunas, 3 – parcial das abóbadas, 2009. Acervo pessoal da autora.
Nesse conjunto de fotografias vemos a parte de trás do edifício da
Estação Rodoviária, hoje Museu de Arte. Na imagem está em destaque
o caixote principal; vemos que o concreto está exposto, e há um
amplo uso do vidro e do ferro. Aparece também, do lado esquerdo, na
primeira imagem, o conjunto de brise-soleil (quebra sol – uma espécie
de proteção feita de fibrocimento), distribuído em várias faixas de
lâminas com formas curvas e horizontais. Essas lâminas possuem uma
certa mobilidade, promovida por meio do uso de manivelas planejadas
especificamente para esse modelo e para esse fim. Trata-se de algo que
correspondia ao mais apurado gosto modernista, na época, para essa
edificação, e protege a parte norte do edifício.
O uso do brise-soleil para proteção de janelas e paredes
envidraçadas tem a função de equilibrar a temperatura. Essa tecnologia
foi trazida ao Brasil pelo arquiteto Le Corbusier, que a empregou num
de seus projetos, em 1933. (Artigas, como já dissemos, era admirador
31
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
do mencionado arquiteto.) Mas não só por isso essa técnica foi aplicada
na antiga Estação Rodoviária. O brise-soleil era um dos elementos
da arquitetura moderna que emoldurava a fachada dos edifícios
considerados pertencentes a essa vertente arquitetônica e viria a
compor a plasticidade de vários dos imponentes prédios da arquitetura
brasileira. Entre essas edificações, estão o edifício que abrigava o
Ministério da Educação e Saúde (conhecido como Palácio Gustavo
Capanema) e o Edifício Seguradoras, ambos localizados na cidade do
Rio de Janeiro (RJ).
O exemplar dessa arquitetura mais próximo de nós e amplamente
conhecido está localizado em São Paulo (SP). Trata-se do edifício Copan,
cuja espetacular arquitetura foi considerada, durante muito tempo, a
obra máxima da produção do arquiteto Oscar Niemayer na cidade. A
forma do mencionado prédio é a de um grande “S”, e sua fachada é toda
em brise-soleil. Ainda hoje, o edifício Copan é tido como uma das mais
importantes obras da arquitetura moderna brasileira.
A parte interna da Estação/Museu apresenta um jogo de rampas
e amplos espaços em composição com as paredes envidraçadas – algo
inusitado para a Londrina de 1952.
Figura 6. fotografias: 1- rampa de acesso ao 1º andar; 2 – coluna pastilhada interligando as rampas; 3 – série de colunas cujo pé direito interliga os três andares; 4 – rampa de acesso ao 3º andar e paredes com uso de vidro e ferro. 2009, do acervo da autora.
O jogo de rampas é amplamente aplicado nas obras projetadas
por Artigas. Elas se encontram no edifício da FAU/USP, em São Paulo;
na Estação Rodoviária de Jaú (SP); na Casa da Criança, em Londrina;
no edifício Louveira, em São Paulo; no edifício Autolon, em Londrina;
no Anhembi Tênis Clube, em São Paulo, e em praticamente todas as
32
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
residências e outras edificações projetadas por Artigas. As rampas
não eram necessárias naquele período (pois não se pensava ainda nas
necessidades especiais dos cadeirantes, por exemplo), mas suas criações
já apresentavam esse melhoramento, embora não se fizesse alusão a
essas estruturas nesse aspecto (o de benfeitoria).
Figura 7. fotografais: 1- visão da sala de exposição e térreo do 1º andar; 2 – visão de sala de exposição e ultimo andar com a proteção do quebra sol; 3 – vista do caixote principal e escadaria que da acesso ao estacionamento; 4- área coberta por abóbadas e antigamente denominado de gare (estacionamento de ônibus); 5 – pátio frontal do edifício; 6 e 7 – corredor com rampa de acesso a biblioteca; interior da biblioteca no subsolo. Acervo da autora, 2009.
É significativo o lugar que a Estação/Museu ocupa na paisagem
londrinense, uma vez que os estudos realizados a respeito da vida e da
obra de Vilanova Artigas apontam seus trabalhos como inovadores na
cidade de Londrina. Essa informação é citada por muitos arquitetos
brasileiros e estrangeiros que estudam a obra de Artigas, além de ter
sido confirmada por uma informação que o próprio deixou.
Trata-se de uma das fotografias que documentam a construção
da Estação/Museu, cujo foco na imagem, apresenta a última sequência
de abóbadas com dois pilotis que a acompanham até finalizar em terra.
Por sobre esta imagem Artigas escreveu: avisar Vasconcelos que não
caiu”. Esta anotação referia-se à retirada das estacas e em deixar apenas
as duas colunas como suporte ao final da sequência das abóbadas. Assim
permaneceu até a década de 1970. Vasconcelos era o engenheiro chefe
da obra em construção. Essa mensagem, registrada na fotografia, indica
a preocupação da equipe a respeito do que estava sendo construído. A
33
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
condição de laboratório que a cidade de Londrina teve para as obras de
Artigas não pode, portanto, ser descartada.
Contudo, é sabido que, durante a aplicação de projetos, também
podem acontecer imprecisões ou situações nas quais é preciso repensar
ideias, bem como determinar ajustes não planejados, materiais e
técnicas. É preciso considerar, também, que não há, no projeto, certeza
absoluta de precisão, antes que ele seja executado, por mais que
tenhamos, no senso comum, desenvolvido a confiança de que há.
Esse mesmo tema rendeu outros enfrentamentos ao longo da
história do prédio da Estação/Museu. Anos mais tarde um engenheiro
iria pôr duas estacas para dar suporte àquelas duas colunas (mencionadas
por Artigas na mensagem a Vasconcelos) que pareciam suspensas no
ar. As mesmas pilastras que foram projetas por Artigas para servir de
âncora para as abóbadas que não caíram ao tirar as estacas. A imagem a
seguir mostrará o acréscimo sofrido, o que lhe rendeu outra plasticidade.
Figura 8. Fotografia do acervo da autora, 2009
As referidas colunas, que tinham o objetivo de evitar que a
sequência de cascatas ruísse, tinham formas redondas em oposição
às elípticas, portanto, diferentes daquelas que suportaram a Estação/
Museu desde a inauguração, em 1952.
Em sua última visita a Londrina, em 1983, Artigas se referiu à
mencionada interferência na obra. Segundo ele, sua obra, depois de
concluída, se tornara autônoma e se misturara com o povo, se esfregando
nele, adquirindo vida própria. Assim não caberia ao autor opinar sobre
a vida independente da obra.
Pelo fato de as últimas colunas ficarem aparen-temente distantes do final da última cascata, e alegando rachaduras na obra, a Secretaria de Obras do Município propôs, na década de 1970, a adição de duas colunas, inseridas pelo engenheiro José Augusto Queiroz.
34
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Entretanto, em 2003, de acordo com entrevista concedida pelo
engenheiro Queiroz a Juliana Suzuki, Artigas teria ficado enfurecido,
mas nada manifestou a respeito para a imprensa. Comportou-se com
elegância e não expôs sua raiva, que poderia ter sido pública, mas não
o foi, pois não há registros. O que encontramos, em uma entrevista ao
jornal Folha de Londrina (a que nos iremos referir, daqui em diante,
como a Folha), diz respeito à autonomia da obra, não a seu desagrado
com as intervenções.
É interessante notar que nem mesmo o processo de tombamento
menciona as tais colunas. E, ao realizar a patrimonialização, a
Coordenadoria de Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da
Cultura, agiu de forma a que o acréscimo não se tornasse um empecilho
ao tombamento da obra de modo que segue o registro de tombamento.
ESTAÇÃO RODOViÁRiA DE LONDRiNA – PRAÇA ROCHA POMBOANTiGA ESTAÇÃO RODOViÁRiAInscrição Tombo: 52 – II L ivro Tombo HistóricoProcesso Número 53/74Data da Inscrição: 08 de dezembro de 1.974Localização: Município de LONDRiNA Praça Rocha PomboProprietário: Prefeitura Municipal de Londrinahttp://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=128
Em arquitetura, como em qualquer outra autoria, um acréscimo
é uma violação praticada na obra. Trata-se de uma discussão que não
enfocaremos, embora, muitas vezes, ela esteja no centro do debate
sobre a patrimonialização, pois a questão é tombar ou não tombar,
quando há uma interferência na obra. Para responder a essa questão tão
relevante, passaremos agora a tratar da segunda obra de João Batista
Vilanova Artigas: a Casa da Criança. E procuraremos mostrar por que a
Estação/Museu já foi tombada e a Casa da Criança ainda não. Podemos
adiantar que, no cerne do não tombamento, está a adição de um andar
à obra, o que, conseqüentemente, a impediu de tornar-se patrimônio
arquitetônico da cidade.
Em 2010, uma reportagem da Folha, publicada em 01 de
35
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
agosto e intitulada Patrimônio recuperado. Reforma vai devolver as
características (quase) originais à antiga Casa da Criança, planejada
por Vilanova Artigas, chamou nossa atenção, pois abordava a proposta
de restauro/reforma da referida edificação. De acordo com a matéria
jornalística, o secretário de Cultura do município de Londrina, Leonardo
Ramos, vinha a público anunciar o que denominou de restauro do
referido edifício. Esse restauro/reforma traz para o centro do problema
levantado neste texto a questão da adição à obra. A intervenção que se
faria na Casa da Criança tinha como um dos principais objetivos retirar
um andar que havia sido acrescido logo após a sua inauguração, em
1952.
Na entrevista concedida à Folha, o secretário de Cultura teria
dito que a proposta era a de recuperar a ideia original da obra e remover
dela tudo aquilo que havia sido acrescido durante sua a existência
até aquele momento. Segundo o texto, o edifício em questão tinha se
transformado em um “Frankenstein”; havia sido criada para ser uma
creche, mas acabou por se tornar uma biblioteca e, depois, sede da
Secretaria Municipal de Cultura. De acordo com a citada reportagem:
“a proposta é recuperar a ideia original, fazendo as pazes, mesmo que
postumamente, com Artigas. ‘Vamos mudar o revestimento de pastilhas
e retirar os anexos construídos ao longo dos anos. Perdemos o segundo
andar, o solarium volta a ser solarium, e os jardins ficarão integrados’ ’’.
Chamamos a atenção para esse restauro/reforma, pois traz
para nosso debate a questão da relevância da obra, de sua história e
do reconhecimento feito por seu autor acerca dela, no momento da
inauguração. O restauro/reforma, no entanto, aponta sobretudo para
a negação da obra pelo autor, após a inserção das adições, que se
avolumaram e tornaram a obra sem identidade. A patrimonialização e
seu tombamento exigiam que ela apresentasse algo de inédito, para que
se pude argumentar em favor de seu mérito, de um diferencial que viesse
a justificar a patrimonialização. Com a perda de identidade, não haveria
mais a originalidade da obra como argumento para seu tombamento.
A perda da identidade da edificação por sua vez, levou-a a
igualar-se a todas as edificações de seu período e cuja identidade não
justificava o tombamento, desse modo, a Casa da Criança tornou-se
apenas mais uma edificação na cidade, sua perda de identidade levou
36
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
consigo sua história, sua memória e a integrou às demais edificações
urbanas de valor menor e que não justificam o tombamento, a não ser
que se tombasse toda a cidade, pois todas suas edificações são históricas
e oriunda de uma vivência recente data de 1930 em diante. Porém, esse
não é um argumento relevante para a patrimonialização de um bem,
como já vimos até aqui.
Diante dessa situação, a Secretaria de Cultura do Município,
por meio da Diretoria de Patrimônio, solicitou que se pensasse nessa
edificação como obra de arte de um arquiteto de renome na arquitetura
(ou seja, como obra de arte de João Batista Vilanova Artigas) e
propusesse a “recuperação” do prédio em questão, a fim de que fosse
possível solicitar à Coordenadoria de Patrimônio Cultural da Secretaria
de Estado da Cultura sua patrimonialização. Esse processo teve início,
segundo a Folha, com o restauro/reforma.
Podemos concluir, desse modo, que, se a adição das colunas na
Estação/Museu não alterou sua autoria ou sua história (ou seja, não
impediu seu tombamento), o mesmo não se pode dizer a respeito da
Casa da Criança, que exatamente pela existência de acréscimos não
pode ser patrimonializada.
O edifício da Casa da Criança, como bem disse o secretário de
Cultura, tem em si uma série de adições, feitas ao longo de sua existência.
Trata-se de um fato. No entanto, cabe dizer que esses acréscimos
foram incorporados em razão de seu uso, embora prejudiquem sua
originalidade. Mas, então, caberia retirar os acréscimos e fazer o edifício
retornar à sua imagem original, dela apagando toda a história da obra?
Essa questão é uma das principais no centro do debate para os
restauradores; portanto, por mais que queiramos não tratar da questão
da reforma (ou restauro) no momento (como o leitor pode notar), torna-
se impossível evitá-la, diante da existência e da importância das citadas
adições. Não poderemos ignorar que foi feito um acréscimo, seja ele a
retirada do solarium (que se transformaria em sala), ou um andar
inteiro acrescido.
Solarium é uma varanda por sobre a casa, destinada a banhos de sol. Na arquitetura antiga, era denominada “terraço”.
37
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
Seguimos apresentando ao leitor duas imagens, uma do início do
processo de reforma/restauro e a outra do andamento.
Na sequência, reproduzimos a segunda imagem, que mostra a
reforma/restauro em processo avançado em relação à imagem da figura 9.
Figura 10. Fotografia panorâmica da edificação em restauro/reforma: edifício Casa da Criança, hoje Secretaria da Cultura.
A ideia defendida pela Secretaria de Cultura é a de que demolição
dos agregados devolverá ao edifício sua feição primeira e a aparência
projetada por Artigas o que possibilitará a solicitação do processo de
patrimonialização. Essa obra sofreu outra interferência significativa:
Figura 9. Fotografia panorâmica do alto: edifício Casa da Criança, hoje Secretaria da Cultura.
É uma imagem panorâmica, mas pode-se observar que houve a retirada da cobertura do solarium. Além disso, há uma demolição em curso do segundo andar da parte frontal.
38
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
a inserção de um painel de azulejos, exposto na fachada principal do
edifício e cujo tema é a força e a pujança do trabalho dos pioneiros locais
(Figura 4 – fotografia 3). O mencionado painel retrata fragmentos da
paisagem que se constituiu entre 1930 (década que marca o início da
cidade) e 1960, quando foi instalado no edifício da Prefeitura Municipal.
Um dos referenciais urbanos da cidade, o edifício que hoje abriga
a Secretaria da Cultura compõe uma parte da Praça da Concha, como
é conhecida a Praça Primeiro de Maio e seu entorno, espacialidade que
orienta todo usuário no centro da cidade.
O prédio em questão constitui também um dos marcos urbanos
da cidade de Londrina, mas há outros de igual relevância e que servem
de orientação para o usuário apressado, cuja preocupação é reduzir
trajetos ao longo do dia e, assim, facilitar sua rotina diária. A relação
dos usuários com a urbe é a de identidade, estabelecida ao longo d e sua
vivência na cidade.
Londrina, uma entre as muitas cidades novas brasileiras, trava
sua “batalha” contra a corrosão do tempo. Qual o melhor caminho:
deixar que suas edificações, seus monumentos, a despeito de sua pouca
idade, sucumbam ao desgaste, ou restabelecer-lhes a imagem idealizada
pelo projeto original? Enfrentar a relação com o tempo ou retornar
ao “novo”, por meio do restauro/reforma? Ou ainda: se restaurar/
reformar, como fazê-lo?
Essas questões aqui levantadas põem em evidência um lugar de
práticas sociais e culturais em Londrina acerca de que história, memória
e patrimônio são desejadas para a cidade, ou sinalizam para sua opção.
Apresenta-se, pois, outro dos eixos condutores da patrimonialização:
para quê e para quem?
O edifício da Casa da Criança está localizado numa das
extremidades da Praça Primeiro de Maio, para onde se voltam os
olhos dos moradores e usuários do Centro, quando veem o prédio da
Secretaria da Cultura cercado por tapumes e seu teto sendo “destruído”.
Muitos que por ali circulam não sabem que prédio é aquele e quem o
projetou. Desconhecem que é uma obra de Artigas e que sua história se
mistura com a da cidade de Londrina, pois “nasceu” no decurso do fazer
da urbe em suas primeiras décadas.
No entanto, muitos conheceram a Casa da Criança e a
39
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
frequentaram, pois ali funcionava um posto de atendimento médico
destinado a crianças.Outros têm suas lembranças vinculadas ao edifício
quando ele abrigava a antiga Biblioteca Municipal, onde provavelmente
passaram horas de sua vida escolar em pesquisas, encontros com colegas
e mesmo estudos e visitação com professores. Mais recente e presente
é sua identificação com a Secretaria da Cultura; afinal, Londrina é
conhecida no País por seus festivais de teatro e de música, durante os
quais a cidade é “povoada” por visitantes.
Nessas ocasiões, a circulação de pessoas nas proximidades do
prédio em questão aumenta significativamente, e o morador do Centro
está sempre disposto a dizer ao visitante onde está localizada a Secretaria
da Cultura. Logo, causa estranhamento a demolição visível da rua e das
cercanias dos edifícios vizinhos, do segundo andar do prédio e o retorno
à sua imagem inicial, que data dos anos 1950.
Acreditamos que fornecemos informações e questões pertinentes
para que o leitor perceba o porquê da necessidade de reforma/restauro.
Ela se faz mister para que possa ser solicitada a patrimonialização do
edifício que abrigou a Casa da Criança. Por outro lado, é necessário
perguntar: cabe deixar a arquitetura contemporânea sob tutela? Esse
problema diz respeito a todas as cidades com arquitetura recente e que
se deparam com mudanças constantes e impiedosas.
A alteração da paisagem citadina, decorrente das muitas
demolições/construções, ou então de restauros/reformas, tem sua
plasticidade centrada na tentativa de preservar e na necessidade de
implantar novas tendências arquitetônicas, o que não deixa de ser
o cotidiano das espacialidades urbanas. Por outro lado, onde fica
o reconhecimento do valor histórico? Afinal, em termos gerais, as
construções têm temporalidades correspondentes às da própria cidade;
elas também são alteradas, como vimos no exemplo da Casa da Criança.
Se o “envelhecimento’ da obra não é permitido, se suas adições são
retiradas para que ela possa ser patrimonializada, se sua história, até
aquele momento, não foi preservada, estamos realmente preocupados
com a história de nossas cidades, com seus patrimônios? Por outro
lado, também importa indagar: os acréscimos feitos na Casa da Criança
não fazem parte de sua história, não merecem ser incorporadas a essa
história, como memória identitária da obra? Tudo é valido quando
40
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
propomos a patrimonialização de obras históricas como a Casa da
Criança? Até mesmo apagar da lembrança dos usuários urbanos como
o mencionado prédio foi um dia, em nome da sua identidade original?
E a identidade construída pelo uso, pela história local, não conta? Não
é história?
É possível que você, leitor, se pergunte agora: qual a posição dessa
historiadora, que parece não saber se defende ou não a obra original,
se apoia ou não a patrimonialização da obra de Vilanova Artigas?
Pois bem, eis minha posição acerca dos estudos urbanos, entre eles a
patrimonialização das edificações históricas: temos, antes de qualquer
atitude, informar a comunidade, ou melhor, o usuário urbano, por
meio de todos os veículos possíveis. Saber, consultando-o, se esse
usuário deseja ou não a patrimonilização; se quer ou não a reforma,
pois é a ele que diz respeito a transformação da paisagem urbana. A
ele pertencem as lembranças, a memória, e só por ele existe história.
Portanto, as medidas de transformação urbana – , mesmo que medidas
mais nobres, como a patrimonialização de um bem como uma obra de
João Batista Vilanova Artigas – precisam levar em conta quem faz a
cidade e quem dela faz uso.
Nossos argumentos são formulados exatamente com base no fato
de que as obras de Vilanova Artigas vieram a ocupar esse lugar simbólico,
no que diz respeito à criação desses espaços/lugares sacralizados em
Londrina. E já não é sem tempo que o usuário urbano dessa cidade
venha a saber quem é João Batista Vilanova Artigas.
A cidade de Londrina, em sua oficialidade, entra na corrida pela
salvaguarda de seu passado recente, visto que pertence ao grupo de
várias outras que compõem as cidades novas no Brasil e que reivindicam
aos órgãos públicos atenção para com seus patrimônios. Contudo, tudo
isso só terá sentido, se o uso dos edifícios e bens patrimonializados for
posto em prática, assim como se deu com a Casa da Criança, que sediou
a Biblioteca e, depois, a Secretaria da Cultura. Essa tendência de uso
de um bem, ainda que tenha passado por restauro/reforma, é parte do
processo e também e história. Mesmo quando ocorre a restauração de
uma edificação, ela só tem sentido se houver o uso da obra restaurada.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos dizer que a cidade é um
lugar de polifonia urbana: nela se justapõem diferentes temporalidades
41
A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edificado...
em um mesmo lugar. As duas obras de Artigas aqui abordadas
apresentam essas características, pois em ambas se sobrepõem
camadas temporais históricas, seja em suas paredes, compartimentos
e corredores, seja em outros de seus espaços. De suas janelas, emanam
muitas lembranças, que retumbam na própria espacialidade onde estão
localizadas e, certamente, na textura da própria cidade.
Passado e presente se encontram nas citadas obras, exatamente
porque são edificações reabilitadas e em processo; também porque
possibilitam esse intercâmbio de lembranças e memórias de diferentes
usuários no interior da cidade; porque possibilitam pormos em discussão
a cidade e seu patrimônio – no caso em questão, seu patrimônio
arquitetônico (DOSSE, 2004, p. 88).
Para que essa dinâmica seja compreensível, no caso de Londrina,
faz-se necessário pontuar os caminhos pelos quais as obras arquitetônicas
que passaram a ocupar os lugares de patrimônio enfocados neste texto
reivindicaram tal condição. Também é preciso determinar quem foram
os responsáveis por essas reivindicações.
Pois bem: a sacralização tem início no momento em que a autoria
da obra é vinculada à do arquiteto (nesse caso, à do arquiteto Vilanova
Artigas).
As cidades novas, como aponta Yves Bruand (1981), reivindicam
o direito de ter seu patrimônio preservado. Em 2008, foi organizado
um evento, em Londrina, denominado Encontro Cidades Novas –
A Construção de Políticas Patrimoniais, durante o qual se afirmou
que essas cidades são merecedoras de análise no que diz respeito à
possibilidade de patrimonialização de seus bens. Na organização desse
mesmo evento estiveram envolvidos os seguintes sacralizadores: a
Diretoria de Patrimônio da Secretaria de Cultura Municipal, o Centro
de Documentação e Pesquisa Histórica da Universidade Estadual de
Londrina, o Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss e Unifil.
Na ocasião, estiveram presentes inúmeras representações de cidades do
Paraná, com o forte compromisso de reivindicar a patrimonialização
dos bens que constituem a paisagem das cidades novas desse estado,
sua arquitetura inclusive. Essa é uma reivindicação que vem tomando
corpo, mas está longe de atingir seus objetivos. Como vimos, com todas
as controvérsias que envolvem a reforma/restauro da Casa da Criança,
42
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
a tentativa de solicitar sua patrimonialização faz parte de um processo
que já se iniciou e que promete muitos debates, polêmicas, disputas e
contestações.
43
Casas de Madeira em Londrina
Antonio Carlos Zani
O objetivo deste texto é apresentar um pequeno histórico das
construções das casas de madeira em Londrina entre os anos 40 e
60. Foi exatamente neste período que se deu o boom deste tipo de
construção. Pretende-se demonstrar a existência de uma cultura
arquitetônica local, única, por meio dos ornamentos (frontões e
varandas), tipos de madeiras usadas, técnica de carpintaria entre
outras modalidades. Houve um recorte nesta temática em função do
espaço disponível.1
O homem inicialmente se adapta ao meio para depois dominá-
lo. A abundância de diversos tipos de madeira favoreceu a criação
de variadas madeireiras na região, o que barateou o custo da peça
da madeira e gerou muitos empregos. Assim, não se pode furtar de
apresentar o importante papel deste setor da produção. igualmente
não se pode deixar de citar o papel do imigrante japonês na aplicação
da técnica construtiva nativa, seus ornamentos etc., bem como sua
adaptação às ferramentas e madeiras disponíveis.
Com o decorrer do tempo as casas de madeira de Londrina
têm sido demolidas para atender a demanda por moradia, ou seja,
a construção de prédios de andares. A expansão imobiliária para o
1 Para maiores informações sobre as casas de madeira, ver outras obras do autor cita-das nas referências bibliográficas.
44
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Marco Zero, região ainda possuidora de numerosas casas de madeira,
leva-nos a pensar em uma nova onda demolitória. Outro fator da
demolição desenfreada desse tipo de moradia é o alto valor da peroba
rosa, principal madeira usada em tempos idos. Assim, dentro em breve,
este importante componente de nossa história local será passado. Um
patrimônio cultural que irá desaparecer.
Casa de madeira
Os primeiros habitantes da região de Londrina encontraram uma
imensa floresta cobrindo toda sua extensão. Para habitá-la era necessário
desmatar para poder cultivar, seja para seu sustento imediato, seja para
obter uma renda que pudesse pagar pela terra e demais demandas
da vida (vestimenta, saúde, querosene para iluminação etc.). Assim,
aliaram-se duas atividades com um objetivo: construir moradias e abrir
espaço para o plantio com a derrubada da mata.
As primeiras moradias foram edificações precárias com o objetivo
de atender a questão da moradia, pois não havia uma preocupação
imediata com a qualidade da mesma e sua durabilidade. Além do
que, havia um desconto de 50% sobre o valor do terreno para quem
construísse, fato que estimulou ainda mais sua ocupação.
Corte de peroba rosa executado a machado na década de 30. Foto: José Juliani, Museu Histórico de Londrina/UEL
Desdobramento de madeira com a serra portuguesa. Foto: Theodor Preising, Museu Histórico de Londrina/UEL
45
Casas de Madeira em Londrina
O primeiro lote urbano da cidade de Londrina foi adquirido pelo
sr. Alberto Koch, em 28 de novembro de 1930, da Companhia de Terras
Norte do Paraná (CTNP) e ficava localizado onde hoje seria a esquina
da av. Duque de Caxias com Celso Garcia Cid. Sua primeira casa foi
construída com paredes de palmito e cobertas de tabuinhas de cedro,
substituindo-a, posteriormente, por uma edificação de madeira maciça
serrada.
Assim como Alberto Koch, os primeiros habitantes e
comerciantes construíram suas casas e lojas com tais materiais. Narciso
Rodrigues, um carpinteiro pioneiro de Londrina, que chegou ao ano
de 1932, comprou um lote e também construiu sua própria casa: “Meu
primeiro rancho em 1932 era de palmito coberto com tabuinhas: cortei
os palmitos, fiz caibros e vigas e amarrei-os com cipó. O telhado fiz em
tabuinhas tiradas de um cedro que existia onde é a delegacia”. Tanto o
palmito, como o cedro abundavam na região. Note-se que o material era
amarrado com outro material da região, o cipó, pois era difícil o acesso
ao prego.
Muitos dos migrantes e imigrantes (japoneses, poloneses,
alemães entre outros) que vieram para o Paraná tinham a profissão de
carpinteiro e possuíam técnicas específicas de construção em madeira.
Estas sofreram mudanças em função da disponibilidade do material e
das madeiras existentes. Assim, uma técnica local foi surgindo.
A ocorrência de muita peroba rosa, uma árvore grande e com
madeira de boa qualidade, favoreceu o seu uso sistemático na construção
das casas definitivas a partir, em especial, dos anos 40. Juntamente
Rancho da Família Baum - década de 30. Parede de palmito e telhado de tabuinhas de cedro. Autor desconhecido. Acervo Museu Histórico de Londrina/UEL.
Casa de Sr. Alberto Koch, década de 30. Fotografia José Juliani. Acervo Museu Histórico de Londrina/UEL.
46
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
com a abundância desta árvore típica, o surgimento de serrarias de
grande porte e a vinda de carpinteiros para a região barateou o preço
da madeira, favorecendo ainda mais sua expansão com o tempo. Como
relata Zortéa: “A primeira casa de madeira de tábuas e mata-junta,
serrada manualmente por dois portugueses, com a serra chamada
portuguesa, foi construída pelo Sr. David Dequech […], na qual utilizou-
se da peroba rosa, que foi retirada do próprio local.” Mais uma vez vemos
que a construção era no local ou próxima de onde se retirava a madeira.
Das muitas casas de madeira lavradas (aplainadas) à machado
feitas nas zonas rural e urbana, poucas restam. Na cidade de Londrina,
nenhuma; na roça, ainda persistem algumas.
A tabela abaixo nos ajuda a perceber como houve a predominância
da construção em madeira entre os anos de 1940 e 1959. Se pensarmos em
dados para a década de 30, o número de casas de madeira predominaria
ainda mais. Os dados nos apontam que houve um crescimento de casas
de alvenaria entre 1940 e 1959, mas as construções de casas em madeira
permaneceu como predominante.
Tabela 1. Construção de casas aprovadas pela Prefeitura Municipal de
Londrina.
Ano Madeira Alvenaria Mista
1940 189 56 --
1941 210 80 --
1942 135 48 --
1943 28 35 --
1944 95 91 --
1945 258 135 5
1946 304 101 10
1947 318 82 5
1948 400 130 14
1949 305 141 30
Total 2242 899 64
47
Casas de Madeira em Londrina
Ano Madeira Alvenaria Mista
1950 402 131 35
1951 648 246 49
1952 723 232 38
1953 734 278 41
1954 667 218 12
1955 481 268 12
1956 431 247 7
1957 467 312 13
1958 561 302 19
1959 425 314 70
Total 5539 2466 298
Tipologias e ornamentos
O inventário realizado revela que as casas de madeira construídas
nas décadas de 40, 50 e 60 produziu um repertório arquitetônico
com uma tipologia singular, ou seja, através das variações dos tipos
volumétricos, proporcionado pelas diversas formas geométricas dos
telhados, das varandas e dos detalhes figurativos. Pode se perceber,
portanto, a possibilidade da existência de inúmeras formas construtivas,
que dá uma dimensão das edificações como frutos de uma cultura local e
regional. Não se pode pensar a cidade de Londrina do passado como um
conjunto de casas de madeira em formato padrão, muito pelo contrário.
É isto que pretende mostrar a seguir.
Uma das riquezas das casas de madeira de Londrina é o
ornamento dos frontões e dos emolduramentos das varandas. Era por
meio destes que os carpinteiros mostravam suas habilidades manuais
e criativas. Certamente, em razão disto, deveria haver uma saudável
competição entre eles, favorecendo ainda mais a realização de um
trabalho mais cuidadoso e esmerado. Tudo isto valorizando ainda mais
a beleza plástica da habilitação, dando-lhe um aspecto peculiar, uma
marca própria. As ilustrações abaixo apresenta uma diminuta amostra
dos frontões que podíamos (e podemos ainda) encontrar nas residências
de madeira da cidade de Londrina.
48
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Os ornamentos dos frontões e varandas podem possuir um caráter
de utilidade, como elemento construtivo (pingadeiras, testeiras, grades
da varanda entre outras) ou não, isto é, poderiam possuir apenas função
decorativa, tais como o rendilhado nos frontões e o emolduramento das
varandas.
Nas ilustrações abaixo uma variedade de grades das varandas
das casas, dando um ar de distinção e valorizando o ambiente.
49
Casas de Madeira em Londrina
Nas construções das casas
de madeiras eram necessárias
as estruturas complementares
formadas por vedações verticais
e horizontais e o enquadramento
dos vãos. Uma das mais usadas
nas casas construídas na região
era a vedação vertical: tábua e
mata-junta. Este sistema era
composto por tábuas de 22 x
2,2 cm colocadas na vertical, pregadas perpendicularmente no quadro
inferior e superior, tendo juntas entre elas de 1 cm, que posteriormente
eram cobertas no lado interno e externo com réguas de 6 x 1,2 cm
chamadas de mata-juntas.
Outra característica das
casas de madeira é o uso do
xadrez ou ripado nas paredes
e tetos. Trata-se de um painel
composto por ripas de 5 X 1,5
cm (nas paredes) ou 10 por 1,5
cm (teto) pregadas umas sobre
as outras no sentido diagonal ou
ortogonal. Esse sistema ajuda a
manter a privacidade (parede) e
a circulação do ar (parede e teto, em especial na cozinha e áreas de
serviço).
50
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Outro tipo de forro, que dá uma particularidade às edificações,
principalmente quando do uso de formas geométricas, é o tipo macho
e fêmea. Este é formado por painéis horizontais de madeiras medindo
10 por 1,2 cm, com o encaixa que leva seu nome: macho e fêmea. São
pregadas no sentido diagonal ou ortogonal sob tarugamento de caibros
no quadro superior. Abaixo temos uns modelos ilustrativos.
Vejamos agora os pisos mais utilizados. O piso misto (lastro de
tijolo comum sobre tábuas cruas) é composto de tábuas de 22 X 2,2 cm
sobre barrotes e cobertas por lastro de tijolo maciço, com revestimento
de argamassa tendo como acabamento cimento alisado, às vezes
pigmentado com óxido de ferro, também conhecido como “vermelhão”.
Esta solução era adotada para evitar umidade na cozinha, banheiro e
área de serviço sobre porão (ver ilustração abaixo à esquerda).
O piso assoalho, outra forma usada, era composto de tábuas de
10 X 2,2 cm com encaixe tipo macho e fêmea, as quais eram pregadas
em barrotes de madeira com espaçamento de 50 cm, sendo utilizado
nos quartos, salas e varandas, ou seja, área de pouco acesso à água,
umidade (ver ilustração acima à direita)
51
Casas de Madeira em Londrina
Por fim, encerrando esta ligeira descrição construtiva das casas
de madeira vejamos como eram os telhados. As construções em madeira
estudadas, utilizaram-se da mesma técnica e sistema construtivos, ou
seja, o mesmo material e os mesmos procedimentos. A única diferença
está na composição estrutural dos telhados que variam de acordo com o
uso ou a origem do carpinteiro e do proprietário. Tanto as casas urbanas
como as rurais, utilizaram-se das tesouras romanas, com exceção das
casas produzidas pelos carpinteiros alemães em Rolândia, que se
utilizaram das tesouras atirantadas para usarem o espaço da cobertura
para o sótão, as capelas na sua maioria, utilizaram-se de pórticos
atirantados. Uma das características marcantes, nas casas em madeira,
é a diversidade de soluções formais dos telhados adotados pelos
carpinteiros. Estes surgem com as mais diversas soluções volumétricas
que se originaram do quadro inferior da casa.
Pelos levantamentos efetuados durante demolições de várias
composições de telhados, constatamos que apesar de apresentarem
uma diversidade de soluções formais, eles obedecem a uma
única regra construtiva, isto é, adotam a mesma solução
estrutural e o mesmo processo de montagem.
A solução estrutural adotada pelos carpinteiros é formada a
partir de tesouras romanas e sobre estas, a trama de terças, caibros e
ripas.
A tesoura adotada tem as mesmas características das tesouras de
Paládio ou romanas, que chegaram até o Brasil através dos portugueses.
Por este motivo, também são chamadas de “portuguesas”.
Os cinco tipos mais utilizados foram: Telhado de quatro águas;
Telhado de duas águas; Telhado de duas águas desencontradas; Telhado
de seis águas; Telhado de oito águas.
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
As serrarias
Não pode pensar em expansão da habitação em madeira sem
a presença de serrarias. O estado do Paraná tem história sobre este
setor produtivo uma vez que foi um grande fornecedor de madeiras
(extrativismo da madeira nativa) desde meados do século XIX até a
década de 80 do século passado.
No período aqui estudado nos anos 40 e 50, constam a existência
na cidade de Londrina pelo menos três grandes serrarias e 10 de médio
porte, que serravam cerca de 50 mil metros cúbicos ano. As três de
grande porte seriam: Siam, Mortari e Curotto..
A serraria SiAM (Seleção industrial de Artefatos de Madeira),
foi instalada em 1937 pelos seus diretores Henry e Otto Blumenschein,
que trouxeram parte de seu equipamento de Santo André (SP). Foi a
primeira indústria da região de laminados para compensados, e em
sua volta formou-se uma pequena vila formada por seus operários,
53
Casas de Madeira em Londrina
chamada de Vila Siam. Além dos laminados que era exportado, produzia
tacos, assoalhos, forros e esquadrias, que eram vendidos nos grandes
centros. Somente na década de 1950 é que começou a produzir peças
padronizadas para construções de madeira na região. Sua produção
anual girava em torno de 12 mil m3 (LUESDORF, 1987)
A serraria Mortari, de Amadeu Mortari, foi fundada no ano de sua
chegada em Londrina, 1936, vindo de Matão (SP). Nesta cidade fabricava
carroças e trabalhava de marceneiro, ofício que aprendera com o pai, que
por sua vez o praticara em seu país de origem, a itália. Trouxe consigo,
além da família, todo o maquinário da serraria e seus funcionários
especializados. inicialmente trabalhava com a comercialização da
madeira serrada padronizada para construção da região. Adquiria a
maior parte da madeira dos proprietários dos lotes rurais, que tinham
que destruir a mata para a formação da lavoura. Retirava toda a madeira
de lei de boa qualidade e dava em troca a madeira serrada necessária
para o proprietário de o lote construir sua casa e a estrutura de serviços,
como a tulha e o paiol. Além de ser o responsável pela produção de uma
grande quantidade de peças padronizadas para construções das casas de
madeira da região, a serraria Mortari produzia janelas, portas, batentes,
assoalhos e forros para comercialização com grandes centros, e também
exportava madeiras em pranchões. O cedro, a peroba e o pinho eram
exportados com mais frequência (SILVA, 1986).
As serrarias Mortari e SiAM exportavam grandes quantidades
de vigas 8 x 16 cm de peroba rosa para a Inglaterra, que a utilizava na
construção naval, principalmente durante a segunda guerra mundial
(1939-45), além de grande quantidade de cedro e pinho para móveis e
esquadrias (SILVA, 1986).
Serraria SIAM 1937. Acervo Museu Histórico de Londrina/UEL
Serraria Mortari 1941. Acervo Museu Histórico de Londrina/UEL
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
A serraria Curotto iniciou suas atividades de beneficiamento de
madeira em 1945, com a Adolfo Curotto, que chegou em Londrina vindo
de São Paulo em 1937, para comercializar toras, ou seja, comprava as
toras na mata, extraía e mandava de trem em gôndolas para São Paulo.
Seu maior cliente era a serraria Americana do sr, Salim Maluf (ZANi,
1987).
Em 1945, o sr. Adolfo Curotto e os filhos instalaram a serraria
e construíram um conjunto de casas e um escritório na antiga estrada
dos pinoneiros, hoje Avenida Celso Garcia Cid, esquina com estrada dos
japoneses, hoje Avenida Paul Harris. Ali funcionava a serraria e moradia
do sr. Adolfo e dos filhos que ajudavam na atividade da serraria. As
madeiras mais serradas pela Curotto foram peroba rosa e o cedro que
adquiriam em pé na mata, ou após as queimadas para a formação das
lavouras. A retirada e o transporte eram por conta da serraria. O cedro
e a peroba de boa qualidade eram comercializadas em São Paulo, a
maior parte para a serraria Americana. Em São Paulo os Curottos eram
conhecidos como o “rei do cedro”, por venderem grande quantidade
de cedro de boa qualidade, que era extraído na lua certa, ou seja, lua
nova.2 A peroba rosa também era exportada para a inglaterra e França,
e parte destinada para consumo da região em peças padronizadas para
construções de madeira, normalmente vendidos em lotes fechados. Os
pedidos eram os mais variados: 20 casas para colonos, 3 tulhas e uma
capela para as fazendas ou 1 casa, uma tulha e um paiol, ou ainda 5 casas
6x6m para casas de aluguel, e assim por diante. Consta que do final da
década de 30 até o final de 50 atuaram na cidade cerca de 13 serrarias
com produção média anual de 40 a 50 mil metros cúbicos de toras de
madeira (ZANI, 2003).
Abaixo uma lista das peças padronizadas produzidas pelas serrarias
de Londrina que podemos encontrar ainda nas casas de madeira:
• Vigas - 6 x 12 ou 6 x 16 cm
• Caibros - 6 x 5 ou 6 x 7 cm
• Tábuas - 2,2 x 22 cm
• ½ Tábuas - 2,2 x 11 ou 2,2 x 16 cm
2 Existe uma crença entre os madereiros lenhadores e agricultores que a madeira deva ser retirada na “lua certa”, para não “apodrecer”, não ser atacada pelo “cupim” e não “torcer”, ou seja, quando ela descansa na “lua nova”
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Casas de Madeira em Londrina
• Ripas - 1,5 x 5 cm
• Mata-junta - 1,2 x 6 cm
• Assoalho - 2,0 x 10 cm
• Forro - 1,2 x 10 cm
• Esteio - 10 x 10 cm
A presença da imigração japonesa
Os carpinteiros imigrantes tiveram uma atuação importante
neste ramo na região de Londrina. Os alemães se destacaram na cidade
de Rolândia, os japoneses em Cambé, Londrina, Uraí e Assaí. Vamos
nos ater somente à Londrina, portanto, discutiremos a presença e a
participação dos carpinteiros japoneses e seus descendentes a partir de
agora.
Os mestres carpinteiros japoneses (Daiku) deixaram sua marca
em Londrina, em especial nas décadas de 30 a 60. Adaptando seu ofício
à realidade e à cultura arquitetônica regional de construir em madeira,
mantiveram alguns aspectos que ajudam a perceber suas marcas nas
construções, em especial nas casas, tais detalhes veremos mais adiante.
As sambladuras (encaixes de madeira em madeira) foram
utilizadas por carpinteiros de diversas nacionalidades, com destaque
para os carpinteiros japoneses que as utilizavam sem o uso do prego
de metal, em seu lugar utilizavam cavilhas de madeira. As sambladuras
foi usada em todas as casas de madeira construídas, em especial nas
montagens dos telhados.
56
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
As casas edificadas pelos
mestres carpinteiros nipônicos
possuíam traços que lhe davam
uma identidade. Na zona urbana de
Londrina puderam lançar mão de uma
criatividade única sem romper com as
tradições, mantendo particularidades
no espaçamento interno e espaço
da habitação. Um exemplo desta
característica estão contidas na planta
ao lado. A habitação é composta por
quatro zonas básicas: estar, repouso,
serviços e higiene do corpo. A primeira
composta pela varanda e sala; a segunda pelos quartos; a terceira, pela
cozinha, área de serviço e despensa; por fim, a última, é composta pelo
banheiro e pelo espaço destinado ao ofuro (banheira japonesa).
Com o decorrer do tempo, em especial a partir da década de 40,
a técnica e o sistema construtivo dos mestres carpinteiros japoneses
se aproximaram muito das técnicas usadas pelos carpinteiros locais.
Entretanto, construções são marcadas pelo simbolismo no uso do espaço
físico e na ornamentação das varandas, telhados e frontão. Esta última
dava as casas japonesas um aspecto peculiar, própria da comunidade
nipônica em Londrina.
57
Casas de Madeira em Londrina
As qualidades plásticas das casas japonesas estão centradas nas
riquezas de seus elementos, enriquecendo a volumetria com a colocação
do telhado irimoya (treliça de madeira no frontão), guenkan (varanda)
e ornamentos como onigawara e o ranma. Todos estes elementos
conferem uma identidade nipônica à estas construções, diversa das
demais casas de madeira da região.
Da Terra da Promissão ao fim do Eldorado
O repertório arquitetônico dos edifícios em madeira do norte
do Paraná, construído por carpinteiros de 1930 a 1970, apresenta uma
série de elementos arquitetônicos que lhe conferem caráter próprio de
um vocabulário regional. Dentre eles destacamos: a volumetria dos
telhados; a textura do material madeira aplicado na vertical conjunto
tábua mata-junta; os ornamentos; varandas; cor e o apoio dos edifícios
sobre porão.
A ocorrência deste tipo de arquitetura coincide com as
representações históricas da região, ou seja, inicia-se em 1930 com a
“Terra da promissão”, passa pelo “Eldorado” de meados da década de
1940 até final da década de 1960 e termina com o fim do “Eldorado” a
partir da década de 1970.
Comparamos o repertório arquitetônico de Londrina com os
três períodos históricos da região, analisando-o do ponto de vista
das qualidades plásticas, através da cronologia da ocorrência desta
arquitetura no período acima citado, verificamos que, à medida que
mudou o período histórico mudou também o vocabulário arquitetônico,
ou seja, encontramos três momentos distintos no repertório da
arquitetura das casas em madeira: o primeiro correspondente a da
“Terra da promissão” inicia-se no final de 1929 e vai até meados da
década de 1940. É caracterizado por uma volumetria pura, composta
por telhados de quatro de duas águas, sem ornamentos nem cor,
deixando claro seu caráter provisório pela despreocupação estética. O
segundo, que corresponde ao “Eldorado”, marca o ápice da arquitetura
em madeira na região tanto pela quantidade como ela qualidade, é
caracterizado pela complexidade volumétrica, riqueza de ornamentos,
textura e cores, deixando claro seu caráter permanente e preocupação
no plano da estética e da qualidade construtiva.
58
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
O terceiro momento correspondente ao “Fim do Eldorado”
e inicia-se a partir de 1970. É caracterizado pela simplificação
volumétrica, ausência dos porões, varandas e ornamentos,
incorporação de novos elementos como telhado de fibrocimento
com pouca declividade e esquadrias metálicas.
A partir destas comparações do repertório arquitetônico com
as representações históricas da região, apresentadas no trabalho de
José Miguel Arias Neto (ARIAS NETO, 1993), podemos afirmar que a
ocorrência da arquitetura em madeira na região refletiu através do seu
vocabulário arquitetônico as duas representações histórica da região o da
“Terra da Promissão” e do “Eldorado”. Com o fim do “Eldorado” diminui
a ocorrência dessa arquitetura e seu repertório é marcado pela decadência
estética e construtiva, sinalizando o fim de uma cultura arquitetônica de
se construir em madeira com qualidade plástica e rigor construtivo.
Patrimônio Arquitetônico a ser preservado
As casas de madeira mostraram uma resposta coerente ao meio
físico no qual foram implantadas e deram suporte ao desenvolvimento da
cidade. Apesar do grau de espontaneidade com que foram construídas,
conseguiram resolver durante décadas o problema da moradia, sempre
com estética e exatidão construtiva.
Dos exemplares inventariados, muitos já foram demolidos
e outros permanecem intactos compondo o patrimônio cultural
arquitetônico da cidade. Estas casas testemunham o passado e ajudam a
contar a história de Londrina e região. Mas aos poucos com as constantes
demolições, perdem-se peças importantíssimas da memória urbana e
rural. Caso não hajam mecanismos legais de controle pela preservação
desta arquitetura ela estará fadada a desaparecimento.
É necessário proteger legalmente a arquitetura de madeira
da especulação imobiliária, através de leis municipais e estaduais de
preservação, as quais devem sempre que possível estar relacionadas
com o planejamento urbano e territorial. Carecemos da criação de zonas
especiais de proteção no plano diretor a fim de garantir um tratamento
diferenciado a esta arquitetura.
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Cemitério São Pedro:
espaço de vida, espaço de memória1
Alberto Gawryszewski
Não é feio o nosso jazigo; podia ser um pouco mais simples, — a inscrição e uma cruz, — mas o que está é bem feito. Achei-o novo demais, isso sim. Rita fá-lo lavar todos os meses, e isto impede que envelheça. Ora, eu creio que um velho túmulo dá melhor impressão do ofício, se tem as negruras do tempo, que tudo consome. O contrário parece sempre da véspera. Memorial de Aires, Machado de Assis.
Machado de Assis publicou no ano de 1908, ano de sua morte,
Memorial de Aires. A cena acima se passa no dia 10 de janeiro de
1888. Para Aires, principal personagem de seu romance, um diplomata
aposentado, as negruras do tempo nos jazigos os enobrecem. Rita,
entretanto, mantém o jazigo da família sempre limpo, dando uma
aparência de novo. O cemitério São Pedro, no centro de Londrina,
inaugurado em 1935, tem passado por reformas em função das
ameaças da autarquia municipal, que controla os cemitérios municipais
(ACESF), de se apropriar e vender os túmulos que aparentarem
abandono. Assim, somando este aspecto ao cuidado de muitas famílias
por seus entes falecidos, o cemitério São Pedro possui um aspecto
bom de conservação. Quando se coloca esta ideia, está se pensando na
1 Este texto faz parte da pesquisa “imagens e narrativas em cemitérios paranaenses: estudos de casos (séculos XIX e XX)”, ora desenvolvida no pós-doutoramento junto ao Departamento de História da UFF, sob supervisão da Profa. Dra. Ana Mauad.
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
manutenção dos antigos jazigos no seu estado primitivo, de construção de época. Muitas imagens apresentadas no decorrer deste trabalho nos dará uma demonstração do estado desses jazigos. Uma outra boa parte sofreu a ação do homem no sentido de sua “modernização”, isto é, sua ampliação para comportar um número maior de corpos, a utilização de novos materiais e a substituição de antigas imagens, estatuária e epitáfios. Talvez Aires considerasse o cemitério São Pedro sem as negruras do tempo, mas uma observação mais atenta poderia encontrar tais negruras em muitos jazigos e, em outros, muitas histórias de outros tempos, muitas memórias de um tempo passado. Um espaço privilegiado para a guarda do patrimônio histórico/cultural/religioso da cidade de Londrina.
O cemitério como espaço de memória, de visitação turística já é uma realidade em cidades importantes do mundo (Paris, Buenos Aires entre outras). Os cemitérios alcançaram status de museu a céu aberto. As sepulturas de pessoas outrora importantes ou famosas, a estatuária presente e mausoléus imponentes projetados e construídos por grandes mestres em seu ofício tornaram estas visitas um grande ato de apreciar a arte e lembrar aquele que marcou a vida de muitos.
No Brasil, vários cemitérios têm sido protegidos pela legislação do tombamento, em especial nacional, como no caso do cemitério de Belém, estado do Pará. Localizado em área nobre da cidade, encontra-se em estado de decadência muito grande, de abandono. Lá está enterrada a famosa negra Anastácia, além de outros nomes lendários da região. Outro caso é o de Joinville (cemitério protestante), no estado de Santa Catarina, que possui um rico acervo de peças em ferro fundido e que igualmente ficara muitos anos abandonado. Por fim, mais um caso seria o cemitério típico japonês da cidade paulista de Álvares Penteado, que funcionou de 1918 a 1943, tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do estado de São Paulo (Condephat).
Muitas pesquisas acadêmicas discutem o cemitério como importante componente na história. Ora, não poderia ser diferente uma vez que a morte se faz presente em todo o tempo. As formas de se lidar com ela, as dores sentidas, as formas de morrer, velar e enterrar, bem como o local dentro dos muros da igreja ou dos cemitérios, variaram com tempo, possuem história própria. Entretanto, a maioria dos estudos realizados até então se voltaram para a estatuária, os impotentes
mausoléus, aos signos existentes nos sepulcros.
61
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
Neste trabalho, voltamo-nos para vários aspectos do cemitério
São Pedro: o uso da fotografia e dos epitáfios nas sepulturas, a estatuária,
ornamentos e outros signos.
Se existe a cidade dos vivos, existirá uma cidade dos mortos?
Apesar do muro que separa o cemitério das ruas abertas da cidade, não
seria este muro ilusório? É possível pensar os vivos sem os mortos, a
cidade dos vivos sem a cidade dos mortos? Pensando também nestas
perguntas e em suas respostas que este texto foi pensado. O cemitério
pode ser imaginado como local pedagógico, de memória. A escrita tem
seu tempo, o uso de metáforas e eufemismo nos epitáfios ajudam no
ensino da língua portuguesa, mas também a compreender a visão de
vida e morte para os que ficaram; o uso da fotografia cemiterial ajuda
a compreender a sua própria história (técnica entre outras), a entender
a vestimenta, costumes, valorização da família, do trabalho, forma de
representação etc. O próprio uso do cemitério no ensino das religiões
é fundamental. Provavelmente é um dos espaços mais democráticos
que existem, pois é lá que encontraremos a junção de diversas religiões
(cristã, hindu, muçulmana, judaica, budista entre outras) e mesmo a
ausência de religião (jazigo laico) cada qual expressando seus valores
sobre a vida e a morte.
Este texto está dividido em três tópicos2. No primeiro trataremos
de discutir os epitáfios. O uso de metáforas e eufemismos que ajudam a
enfrentar a morte, ou melhor, manter a vida. Nos epitáfios não apenas
encontramos nomes e datas, mas expressões poéticas, formas de
valorização do falecido, sua forma de viver, suas qualidades morais e
profissionais entre outras. Não cabe interpretar verdades pessoais ou
coletivas, mas perceber a representação desejada pela família, amigo
etc. No segundo tópico, vamos tratar do uso da fotografia cemiterial
como forma de memória do falecido. Este será subdividido em três
partes: casais, “personalidades” e retratos pintados. O terceiro tópico
é sobre os túmulos, ornamentos e estatuária. Outras opções de análise
cemiterial existem, mas o espaço destinado a este texto nos obriga a
escolhas. As apresentadas neste texto são as mais visíveis ao passante,
ao visitante que se dispõe a um passeio no cemitério São Pedro.
2 Em razão do espaço disponível foi subtraído o tópico “A presença japonesa”.
62
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Epitáfios: formas escrita de expressar valores
Propomo-nos nesta parte do texto apresentar alguns epitáfios,
mostrando as informações em si contidas como importantes para a
história e o patrimônio da cultura londrinense.
A palavra epitáfio vem do grego epi (sobre) e taphos (tumba),
ou seja, escrito que se coloca sobre a sepultura. Enfim, são frases, curtas
ou longas, na forma simples ou poética, supostamente produzida pelo
próprio morto, por representante da família (pai, mãe entre outros)
ou amigo(s). São expressões léxicas que exprimem sentimentos
que ajudam a atenuar o fato da morte e traz ao passante (o familiar
ou visitante do cemitério) uma mensagem/memória sobre o falecido.
Sua base é o eufemismo, ou seja, é uma figura de estilo que procura
esconder ideias desagradáveis, que tem um significado diverso. No caso
específico, a existência ou a ocorrência da morte. A metáfora aparece
como a mais importante forma de eufemismo nos epitáfios. Esta deve
ser entendida como uma forma de perceber a realidade, pensar e agir
sob um olhar conceitual diferenciado, mais familiar, mais concreto.
Se a morte é uma realidade, pois como diz o ditado popular
“a única coisa certa na vida é a morte”, todos querem dela distância.
Os epitáfios, com suas metáforas eufemísticas, são um importante
componente nesta relação. A palavra cemitério quer dizer dormitório,
ou seja, um lugar em que o finado está em repouso. Então lá se jaz,
descansa ou dorme. A palavra finado, também ajuda a compor este
quadro, pois significa que uma pessoa teve fim, morreu. Outra palavra
que nos remete à morte é faleceu, que vem do latim fallere, ou seja,
faltar.
Os epitáfios podem associar a morte a um fato positivo ou
negativo, sendo o primeiro caso o mais comum. Como já vimos acima,
a morte pode ser vista como um repouso. Em um dos mais antigos
localizados no cemitério São Pedro apenas diz: “Aqui jaz Harue Gotto.
Fal – 20-11-1934. Saudades dos seus.” O corpo está deitado, sepultado,
descansando. Mas o ato imóvel causa a saudade em quem “ficou de pé”,
que continua “em ação”.
Então não morreram, apenas descansam. Depois de muito
trabalhar, de doar, de rezar, ao defunto é dada a oportunidade de
63
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
descansar. “Descansa na paz do Senhor”, como na ilustração 1, em que
fica patente um repouso espiritual. Ou descansa enquanto “aguarda
a ressurreição”, como diz a religião do morto e/ou sua família na
ilustração 2. Esta trata bem da questão, pois o casal, falecido em anos
diferentes, aguarda a ressurreição dos justos e injustos. Aguardam o
julgamento final.
Se o defunto descansa, como vimos,
também pode partir, deixa o mundo terreno
e segue para uma “viagem”. Neste caso,
encontra-se em movimento, pois subiu aos
céus, partiu e foi se encontrar com Deus. Isto
quando Deus não vem buscá-lo. É a ideia
maior, o sonho desejado por todo cristão de
alcançar o reino de Deus. A morte se transforma em uma expressão
hiperbólica, é a vida pós-morte, é a morte da própria morte. Na
ilustração 3, o falecido “partiu sorrindo às regiões celestiais [...]”.
Os epitáfios funcionam como um instrumento para atenuar a
morte, é a luta da vida contra a morte, a presença do ausente. Assim,
a memória, a saudade, as lições e o
amor vencem a morte. Na ilustração
4 mais uma vez é apresentado alguém
que partiu. Mas, muito bem lembra
que ele não morreu: “A palavra
morrer não faz sentido naquele que
viveu como cristão. Viveu e viverá
eternamente na noiva, nos pais,
nos irmãos e parentes que o tem no
coração.”
Ilustração 1 Ilustração 2
Ilustração 3
Ilustração 4
64
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
O ato de não esquecer é mútuo, tanto do
falecido (que não esquecerá quem amou na terra),
quanto os amigos e parentes. Vejamos o exemplo
da ilustração 5. São dois momentos, com duas
frases. Uma da família em que diz que “Jesus
veio à porta de nosso lar e chamou para sua
divina companhia nosso inesquecível”. E outro, a
mensagem do morto, uma frase comum: “Eu vou
para Deus, mas não esquecerei aqueles que amei
na terra.” O ato de não esquecer é uma vitória contra a morte. Comum
a frase em epitáfios com o sentido de que “quem vive na memória não
morre”.
A ilustração 6 traz uma frase muito interessante, pois, deixa em
branco as razões da permanência do morto. Não apenas levou, não
apenas deixou, simplesmente marcou e permaneceu. A ilustração 7 vai
no mesmo sentido.
Em relação à vitória, mais uma vez deslocando o sentido da morte,
temos o contraponto mundo real e mundo espiritual. Enquanto que este
é o reino de Deus, o fim da caminhada, a recompensa pelo exemplo, pela
luta, o outro é muito sofrimento e angústia. As ilustrações abaixo muito
bem mostram isto. De um lado vida, alegria, paz e esplendor; de outro
iniquidades.
ilustração 5
Ilustração 6 ilustração 7
ilustração 8 ilustração 9
65
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
Nesse mesmo sentido, podemos lembrar a separação carne/
espírito. Na ilustração 10 pode-se ler que sob a lage fria está o corpo do
falecido, “mas seu espírito, liberto dos lhames [sic] da matéria, continua
animando aqueles que gozaram do seu convívio, em um mundo de
provações” (mais uma vez o contraponto da felicidade espiritual e a
tristeza terrena). A ilustração 11 segue a mesma lógica: ficou a carne, o
envólucro carnal.
A morte pode ser contestada e ficar registrada na lápide, no
epitáfio. Mas ao lado da contestação há também a consolação. Neste
espaço, a metáfora pode ser muito usada, tal qual o eufemismo. Duas
expressões são muito usadas ao se referir à criança ou ao jovem: anjo e
flor. Nas ilustrações abaixo (12 e 13) podemos ver dois exemplos.
Ilustração 10
Ilustração 11
Ilustração 12
Ilustração 13
66
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Dina tinha 4 anos quando faleceu. Ela foi “arrancada tão
bruscamente”, mas os seus estão consolados pois sabem que ela foi
“mais uma rosa colhida para o jardim do Criador”. Em outro caso, Deus
deu, mas também tirou. Mas a devolução, apesar de dolorosa, deixando
o coração dilacerado, foi feita com o mesmo amor da chegada.
Entre outros tantos motivos e eufemismos, veremos mais dois
exemplos: um com a mensagem do próprio morto; outro o falecido
como exemplo a ser seguido com seus valores morais. No primeiro
caso, ao dar vida ao finado, a morte perde espaço mais uma vez. Rafael
(o finado) não partiu, apenas voltou de onde veio. Disse ele: “Foi bom
ser materializado, mas Deus me chamou, valeu!” Em outra mensagem
encontramos: “Passei pela vida muito rapidamente somente para
trazer a grande mensagem de alegria e beleza que foi a minha curta
existência terrena. Deixo com você todo o carinho daquele sorriso o que
só eu sabia dar e volto contente para a casa do Pai. Porque terminei a
minha tarefa”. Teoricamente Maria, que viveu 56 anos, teria escrito tal
mensagem. Por seu conteúdo, tal frase foi elaborada por membros da
família. O importante é que ela teria cumprido seu papel na Terra para
poder voltar para a casa do Pai.
Por fim, outro exemplo interessante de mensagem do falecido é o
de Arquimedes que deixa claro os valores importantes para um homem
em sua existência terrena. Quais seriam eles? Resposta: respeito pelo
trabalho realizado; a amizade de uma verdadeira legião de amigos; o
amor da esposa e companheira e, por fim, os filhos.
Ilustração 14
67
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
Se pensarmos na questão do falecido como modelo, a própria
Maria serviria, pois, só trouxe alegria. O mesmo poderia ser dito de
Arquimedes, porque foi bom marido, pai, trabalhador e amigo sincero.
Mas citemos outro exemplo, o de Deolinda, falecida aos 92 anos, com
uma frase simples e sincera: “Aqui descansa uma grande mulher”.
Dentro dos padrões morais e comportamentais da época entende-se
que ela era uma mulher honesta, boa mãe, avó, vizinha, companheira,
trabalhadora (no lar e/ou fora dele).
Uma conclusão a que se pode chegar sobre os epitáfios é que
estes buscam atenuar a morte sob a forma de eufemismos. As frases dos
epitáfios fazem parte da formação cultural e mental de uma época que,
somados à religiosa, dão um caráter menos pesado ao fato da existência
da morte, tabu em quase todos os meios. A palavra morte, como nos
exemplos aqui apresentados, é pouco usual nos epitáfios. Mais comum
o “JAZ”, “DORME”, “DESCANSA”, “PARTE”, “VAi COM DEUS”, entre
outras expressões de esperança e leveza.
Os epitáfios nos dão, ao longo do tempo, informações culturais e
religiosas importantes frente ao conceito de morte e de sua superação.
Formas de expressar e vivenciar sentimentos.
Fotografia
A escolha da fotografia a ser colocada na sepultura não é gratuita.
Ela traz afetividade que comove. No entanto, não é só uma forma de
amenizar a dor, mas também manter a memória do falecido viva para
os próximos e distantes. A escolha pode ser feita por este ainda em vida
ou por algum parente ou amigo sobrevivente.
A fotografia constitui importante ferramenta nas mãos dos
historiadores, uma vez que está impregnada de valores e ideias sobre
aparência, padrões de beleza, saúde, valorização do ofício entre outros.
A fotografia possui uma marca cultural, a do seu tempo. A própria
fotografia cemiterial tem sua história. Seu formato, seu suporte, a
técnica usada etc. estão sofrendo mudanças no decorrer do tempo.
Por que o uso da fotografia em sepulturas? Com certeza busca-se
a construção de uma perenidade pelo uso de uma imagem. Ao passante
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
do cemitério fica mais fácil lembrar-se de um conhecido falecido
por meio de uma fotografia do que de um nome na lápide. Ela ajuda
a emocionar, a dar maior sentimento ao fato da morte. A mensagem
contida no epitáfio pode ser diferentemente entendida ou ter seu
conteúdo reforçado pelo uso da fotografia.
Vamos dividir esta parte em subtópicos para facilitar o
desenvolvimento das ideias. Trataremos do amor dos casais, das
“personalidades” e dos retratos pintados.
Casais
A presença de fotos de casais é comum nas sepulturas. O uso de
epitáfios na forma de um livro aberto possibilita o uso de cada “página”
para um membro do casal. Outra forma é o uso de foto-pintura ou foto-
montagem, em que os membros, mesmo tendo morrido em épocas
diferentes, ficam juntos no post-mortem. Neste caso, é um parente que
se encarrega de colocar a nova foto, independente do suporte.
Esse tipo de uso de fotografia
busca mostrar a união do casal. As
consequências sobre o passante podem
ser variadas. Apresentaremos um
pouco disto a seguir. A ilustração 15
choca e traz tristeza: um casal jovem morreu no mesmo dia. Talvez
um acidente de automóvel. A visitação ao cemitério nos apresenta
este tipo de informação: a morte de muitos jovens por arma de fogo e
acidente automobilístico. Um traço recente da vida moderna.
O epitáfio que está na sepultura, utilizando-se da metáfora, ajuda
a atenuar a tristeza, pois eram como “gotas de orvalho nas manhãs de
sol”, tiveram vida efêmera. Por fim, a resignação: “assim seja”: “Antônio
e Aparecida. Vocês vieram, vocês foram embora. Assim como as gotas
de orvalho nas manhãs de sol. Nós gostaríamos que vocês ficassem
para sempre, mais [sic] isto não pode ser. Que assim seja. Saudade da
família”.
Um exemplo do uso de “livro aberto” é do casal Nagafuti. Embora
encontremos outros semelhantes, a escolha recaiu sobre este em função
Ilustração 15
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Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
das diversas possibilidades de análise e por mostrar a “aculturação”
dos japoneses no Brasil. Ele se encontra jovem, faleceu em 1943. Ela,
uma idosa, faleceu 29 anos depois, em 1977. Aqui as fotografias estão
separadas, optou-se em colocar uma em cada página. Talvez já fosse
uma realidade o uso dos “livros em mármore” em 1943. O falecido
espera por sua companheira de viagem. Poderia ser a esposa, um filho,
irmão ou outro parente qualquer.
Outro exemplo de casal é dos também japonêses Kayamori.
Com uma das maiores diferenças entre as mortes que encontramos
no cemitério São Pedro (41 anos), a fotografia chama a atenção para a
diferença visual entre ambos. Ele muito jovem faleceu com 45 anos, e
ela bem idosa com 84 anos. Percebe-se que neste último caso houve a
opção de juntar os dois, formando uma só fotografia.
Quando retratamos um casal, estamos nos referindo à família,
um dos pilares da sociedade. E se pensarmos no início da colonização
de Londrina e região, a família passa a ter um caráter mais importante
ainda, pois a união da família, então bem numerosa, foi fator de
crescimento econômico não só da região como da própria família. Além
do que ao verificarmos, em ambos os casos acima, foi a matriarca quem
se manteve viva. Passou a ser responsável pela família, por sua união.
Foram décadas de viuvice. Uma opção de solidão matrimonial, de
lealdade à memória do morto.
Outro caso de longevidade de viuvez, agora acrescida de uma
fotografia que traz um marco na família, – uma passagem importante
na vida de ambos –, fotografia retirada do álbum de família, é a do
casal Bessa. Aqui, no caso, ela faleceu primeiro em 1968 com 53
anos. Ele depois, em 1987, com 72 anos. Foram 19 anos na viuvez. A
Ilustração 16Ilustração 17
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
fotografia escolhida para o casal foi
a do casamento. Ambos bem jovens,
elegantes e formalmente vestidos para
a ocasião e compenetrados na pose. O
local talvez seja o estúdio fotográfico
ou o interior da sacristia. Na mão o
buquê de flores, que será jogado para
as outras moças casadouras.
Caso semelhante ao anterior, no que se refere à escolha da
fotografia, é do casal Mendes. Ele faleceu primeiro, com 77 anos, ela
depois com 82 anos. A fotografia escolhida também foge ao padrão. Mais
uma retirada do álbum de família: jovens posando para a máquina com
olhares vivos. Bem vestidos, ela de saia, ele de paletó e gravata. Ela bem
penteada, com brincos e de batom, ele com seu bigodinho charmoso
de então e com o cabelo com brilhantina. Para reforçar este encontro
de amor e felicidade, a sepultura contém um poema. Na realidade,
trata-se de um trecho da letra da música “Eu gostava tanto de você”, de
Tim Maia. Com a retirada de algumas estrofes, concluindo com a frase
própria: “Porque o amor não conhece a barreira da morte”. A escolha
busca retratar a saudade e a vida de ambos, e demonstrar, mais uma
vez, que a morte não venceu.
Outro caso inovador, que se soma a todos os apresentados, é do
casal Busnardo. Em uma sepultura que destaca a lápide onde está escrito
o nome do casal e que suporta a fotografia, nada passa desapercebido.
Ilustração 18
Ilustração 19
71
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
Vestidos para o casamento, com o buquê nas mãos, jovens, posam para
a fotografia de um importante acontecimento, o dia mais importante na
vida deles. Ela faleceu ainda jovem, com 54 anos, ele bem idoso com 98
anos. Foram 37 anos de viuvez. Mais dois detalhes foram colocados na
fotografia original. Ao lado de cada um, na altura das cabeças, um círculo
contendo a fotografia em idade mais avançada. Ela provavelmente com
seus 50 anos, próxima da morte e ele, bem idoso, talvez com 80 anos.
Estas representações do casamento, de felicidade, fidelidade,
mesmo com a separação da morte, traz exatamente a ideia dos epitáfios
vistos anteriormente, pois a morte não vence o amor. A mensagem
sepulcral é de alegria, esperança e não de tristeza.
“Personalidades”
Outra temática em relação às fotografias cemiteriais refere-se às
personalidades que habitam o cemitério São Pedro. São os chamados
“pioneiros”. Estes, segundo a Associação Pró-Memória, foram aqueles
que chegaram ao Norte do Paraná até 1939, com pelo menos 15 anos
de idade. As “personalidades” também são algumas pessoas que
possuem nome de rua, empresários reconhecidos, personagens que
realizaram atos destacados em vida, e os chamados “intercessores” ou
“milagreiros”.
Comecemos pelos “intercessores”, ou seja, aqueles que possuem
o poder de interceder perante a Deus pelo pedinte. Em geral, quase todos
Ilustração 20
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
os cemitérios possuem tal personagem. São
crianças, jovens que morreram defendendo
sua honra, ex-escravos, entre outros
personagens. O principal intercessor, uma
das sepulturas mais visitadas, é o jovem José
Oswaldo Schietti, morto por atropelamento
em 1950, aos 9 anos de idade, em frente à
Catedral Metropolitana após fazer a primeira
comunhão, conforme depoimentos colhidos
no local. Até a reforma recente de seu túmulo, era conhecido como o
“túmulo que chora”. Hoje não há mais “lágrimas” no lugar, mas muitas
pessoas visitam diariamente o túmulo do menino intercessor. No dia de
finados, 2 de novembro, seu túmulo fica repleto de flores, velas acesas
e são colocadas imagens (fotografias) de crianças, em especial, e de
adultos, que dizem ter alcançado a graça pedida.
Outra importante intercessora, que já fora mais conhecida, é a
jovem Lecy Suzana Garcia, falecida em 1962, com 22 anos de idade.
Em seu túmulo, tal qual o do menino, podemos encontrar ex-votos.
Estes seriam manifestações de devotos por meio de fotografias e outras
formas de agradecimento, ou seja, que tiveram seus pedidos (saúde,
amor, riqueza etc.) atendidos. A parada do passante, visitante do
cemitério para uma oração, mostra ainda sua vitalidade no imaginário
popular londrinense. O caso da jovem Lecy ficou famoso nacionalmente,
inclusive com grande repercussão na imprensa3. A revista O Cruzeiro,
a mais importante e popular do Brasil da época, publicou uma
reportagem intitulada “A Bela Adormecida do Paraná”, em março de
1960, quando já haviam passados três anos que Lecy estava em sono
profundo. Sua tragédia começa aos 17 anos, em 1957, quando aparecem
os primeiros sintomas da doença (dormência e perda dos sentidos). Até
então era muito alegre e bonita, estava noiva e feliz com a vida. Nenhum
médico, nacional ou estrangeiro, nenhum religioso ou paranormal
conseguiu reverter a situação de Lecy. A dedicação dos pais, por cinco
anos, emocionou ainda mais a cidade de Londrina. Seu sepultamento
Ilustração 21
3 Ver link http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/26031960/260360_2.htm.
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Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
deve ter mobilizado toda a cidade. Em sua sepultura a alcunha (Bela
Adormecida) e uma fotografia de uma bela jovem em traje especial.
Um terceiro personagem que chama a atenção no dia de finados
é do primeiro falecido sepultado no cemitério. Não há nome, nem
data. Apenas um epitáfio tão apagado que foi necessário fazer outro,
intitulado “Justa Homenagem”, no qual está escrito: “Morto estendido
no chão, com seus braços abertos em forma de cruz. Jaz neste humilde
túmulo o número 1 deste cemitério. Os que passarem por aqui rezem
por sua alma.” Não bastava ser o primeiro sepultado, também morreu
estendido na rua, talvez só, abandonado pela família, um errante, mas
o principal, seu corpo inerte formava uma cruz, um sinal sagrado, que a
todos chamou a atenção. Junto ao túmulo, muitas velas, flores e placas
de agradecimento. Mais um intercessor.
Saindo dos “milagreiros”, voltemo-nos para a categoria
“pioneiros”. Estes são homenageados de diversas formas na cidade
de Londrina, dentro de um conceito estipulado e aceito pela história
oficial. Estão nos museus da cidade, nos nomes das ruas e praças e
monumentos específicos etc. São sempre referenciados e lembrados.
Mas, para alguns, a marca de uma vida dedicada à história da cidade
também se faz necessária dentro dos muros do cemitério. Vejamos três
exemplos, dentre outros semelhantes.
O primeiro, a família Romagnollo. Em sua capela-sepultura
há um altar onde se pode ver o porta-retratos dos irmãos Guerino e
Eventuil e duas miniplacas de rua, portando cada uma o nome de cada
Ilustração 22
Ilustração 23 Ilustração 24
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
irmão. Lembra ao passante curioso que ali há não só um pioneiro,
mas um homenageado que deu seu nome à via pública (Ilustração 25).
Outro caso seria a de Assumpta Bonini Campanhã. Sua família colocou
em seu túmulo, uma placa em porcelana que reproduz o diploma
recebido pela falecida, ofertado pelos poderes municipais por ocasião
do cinquentenário da emancipação de Londrina, em 1984. Neste
está escrito: “O Município de Londrina, estado do Paraná, outorga a
Assumpta Bonini Campanhã o título de Pioneiro de Londrina, nos termos
da Lei n. 3.738 de 9 de novembro de 1984, ao ensejo das comemorações
do Cinquentenário de Emancipação Política do Município. Ao pioneiro,
o tributo de gratidão dos Poderes Públicos e do povo de Londrina.”
A imagem da placa traz a mensagem do progresso pelo qual a cidade
passou. Em uma ampulheta, símbolo do tempo e da história, a cidade
das casas de madeira, com destaque para a velha catedral, na parte
superior, simbolizando o passado, e a cidade de hoje, com seus edifícios
altos em concreto e, mais uma vez, a catedral ao centro, agora mais
majestosa, simbolizando a modernidade (Ilustração 27).
Por fim, em uma sepultura reformada, vemos um “pergaminho”
com palavras respeitosas ao pioneiro Alberto Loureiro (Ilustração 26).
Este, junto com o inglês Craig Smith, o agrimensor russo Alexandre
Razgulaeff e outros peões, participou da primeira caravana da
Companhia de Terras do Norte do Paraná, fincando o primeiro marco da
cidade (hoje conhecido como Marco Zero) no dia 21 de agosto de 1929.
Em sua placa os dizeres: “Aqui repousa ALBERTO LOUREiRO pioneiro
londrinense da primeira caravana de desbravadores, que deixa um
legado de honradez, austeridade, justiça e generosidade. Homenagem
de seus filhos e netos”. Em sua fotografia, a presença de uma figura
madura, tranquila. Ao fundo a casa de madeira, uma marca da cidade.
Ilustração 25
Ilustração 26
Ilustração 27
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Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
Uma mulher que chama a atenção entre
tantas é a senhora Lindalva Milhomem Campos.
Além da sepultura comportar uma arquitetura
diferenciada, possivelmente dos anos 1970, em
função das cores e do material utilizado (ver
adiante), sua fotografia é expressiva. A placa
menciona uma senhora falecida aos 78 anos, mas
a fotografia nos apresenta uma jovem com uma
proteção na cabeça (de corrida de automóvel ou
de aviação), usando um batom de cor forte, meio
de perfil. Enfim, uma pose para a posteridade. Uma pesquisa na internet
nos dá as informações necessárias. Segundo a Folha de Londrina, de
28 de novembro de 2004, Lindalva foi a segunda aviadora brasileira
e escolheu Londrina para morar no ano de 1951. Mais uma busca na
internet e encontramos o Diário Oficial da União, de 12 de abril de
1944, com a aprovação do requerimento de carta piloto de recreio ou
desporto de Lindalva. Ela foi homenageada com o nome em logradouro
público na cidade. A família Campos optou por uma marca própria de
Lindalva: aviadora. Assim foi com muitas famílias que têm seus parentes
enterrados no cemitério São Pedro. Passar pela vida e deixar um legado,
como vimos escrito acima, ter contribuído com o desenvolvimento da
cidade e manter-se vivo, lembrado, e um exemplo a ser seguido.
Outra sepultura que chama a atenção
é da família Ermel. Lá encontramos um
tabuleiro de xadrez. O jogo está encerrado, as
peças brancas venceram com um xeque-mate.
As peças formam uma cruz, símbolo cristão.
Abaixo um trecho de Eclesiastes 3:5, “Tempo
de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras”.
Mais uma busca na internet e encontramos a
explicação desta marca no túmulo. Hercilio Ermel, cirurgião dentista
e agropecuarista, fixou residência em Londrina a partir de 1957,
vindo a falecer nesta cidade em 1998, aos 72 anos. Em sua biografia
se acrescenta que fora um brilhante enxadrista, conquistando diversos
títulos estaduais. Hoje existe um torneio com seu nome “Memorial
Hercílio Ermel”, realizado em Londrina.
Ilustração 28
Ilustração 29
76
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Bem no fundo, perto ao muro, pode-se encontrar um túmulo
rente ao chão. Sobre ela abre-se um enorme livro. Diferentemente
dos livros abertos vistos nos cemitérios, como já apresentado, trata-
se realmente de um livro publicado. É a apresentação da autora/
falecida por um texto escrito pelo professor Francisco iglésia para a
obra História da Educação no Brasil (1930-73). Produzida em 1973,
por Otaíza de Oliveira Romanelli, é uma obra ainda atual, referência
no estudo da educação no Brasil. Falecida em 1978, aos 34 anos, seu
túmulo sintetiza sua vida: educadora e pesquisadora.
Por fim, não poderia ficar de
fora deste trabalho a sepultura de
Avelino Antonio Galante. Este faleceu
recentemente, em 2009, aos 86 anos. Foi
um dos mais antigos fotógrafos da cidade
de Londrina, atuando como “lambe-
lambe” na praça até se estabelecer com
um estúdio/laboratório, passando por
outras empresas como fotógrafo. A família
escolheu uma das últimas fotografias em que Galante posou ao lado
de seu instrumento de trabalho. Uma profissão que não só marcou a
cidade, mas a registrou. Seu acervo imagético está calculado em 50 mil
negativos.
O uso dos retratos pintados
Uma das presenças mais marcantes nos cemitérios, sem dúvida,
é a do retrato pintado. Técnica antiga que resistiu ao tempo, deixando de
ser produzido recentemente em Londrina, mas ainda viva no nordeste
brasileiro. Comum era um profissional passar pelas fazendas e sítios para
Ilustração 30
Ilustração 31
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Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
fotografar ou recolher fotografias
em preto e branco das famílias para
ser executado na cidade, por outro
profissional, o retrato pintado. Uma
visita aos parentes ou moradores
mais antigos e se poderá encontrar
pendurado na parede da sala ou
quarto uma moldura, em geral oval,
com uma fotografia pintada. Na
ilustração 32 temos um exemplo. A
imagem foi feita e colorida à mão tendo por base uma (do casal) ou duas
fotografias (isoladas), em geral no formato 3X4, feita em “lambe-lambe”
da via pública. No caso, parece-nos que houve uma montagem para formar
o casal. Esta fotografia, que antes adornava uma residência, hoje habita
uma capela-sepultura. Esta última questão é de fundamental importância,
pois este fragmento da vida, de um ornamento familiar continua vivo e
presente para que todos, familiares ou não, possam admirar.
Um exemplo em preto e branco do processo de junção de um
casal pode ser encontrado em um jazigo simples do cemitério São Pedro.
A primeira e segunda fotografias (Ilustrações 33 e 34) acompanhavam
as placas com os nomes e datas de nascimento e falecimento dos
retratados. A terceira fotografia (Ilustração 35), que nos interessa aqui,
foi o processo de retrato pintura. Percebe-se uma melhora na qualidade
da imagem frente aos originais: mais vivacidade facial. Da mesma
forma, como na ilustração original, foi desenhada uma vestimenta mais
distinta no cavalheiro, paletó e gravata, arrumada a camisa e colocado
brincos na senhora. Em geral também se acrescentava o colar.
Ilustração 32
ilustração 33 Ilustração 34 ilustração 35
78
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Outro exemplo que podemos encontrar dentro de uma capela-
sepultura é o da ilustração 36. Composta por cinco porta-retratos,
um vaso com flores e uma representação da crucificação de Cristo, a
imagem nos traz importantes informações. Apesar da parede estar
descascando, as fotografias ainda apresentam boa qualidade visual,
cores bem vivas (as fotografias centrais) mesmo recebendo o sol diário.
Duas delas são retratos pintura. Tanto a camisa com flores quanto o
paletó e a gravata (segunda e quarta retratos pintura da esquerda para
direita) são pintadas, ou seja, não necessariamente vestiam tal roupa. A
primeira fotografia pode ser pintada ou não, a posição e o seu estado de
conservação dificultam confirmar. A terceira e a última são fotografias
originais em preto e branco. Todos são aparentemente jovens ou estão
na meia idade. As três molduras centrais parecem recentes, ou seja, a
família adotou a foto antiga, mas a colocou em moldura nova. As outras
duas molduras devem ser as originais da fotografia. Portanto, além da
variedade técnica da fotografia, temos uma variedade de molduras.
O importante é perceber também que o jazigo, em especial a capela-
sepultura, transforma-se em extensão do lar, seu complemento. Não
se trata de um depósito de fotografias velhas, pois estas continuam a
rondar as casas em caixas e álbuns de famílias dentro dos armários, nas
gavetas e, mesmo, ainda nas paredes e sobre móveis.
Para concluirmos esta etapa do texto, observa-se que as
ilustrações 37, 38 e 39 possuem semelhanças e particularidades com as
anteriores. A primeira e a última encontravam-se em capela-sepultura.
A primeira é um suporte antigo, não mais existente, que era comum nas
Ilustração 36
79
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
primeiras décadas do século XX, mas ao que parece deve ter continuado
a existir em Londrina até os anos 1950. A fotografia ficava presa em
um suporte protegida por um plástico grosso, com quatro cantoneiras
nas extremidades. Percebe-se que, mesmo com a proteção, a fotografia
sofreu a ação da umidade, pois está machada. A ilustração central é
de uma fotografia em porcelana, em um jazigo comum. Trata-se de
um desenho de um senhor japonês trajando seu kimono. Neste jazigo
todos estão retratados assim. Por fim, a última ilustração refere-se a um
casal japonês. Está na tradicional moldura oval e é um retrato pintura.
A vestimenta é bem ocidental e o casal na meia idade. A mulher está
de frente, olhando diretamente para a câmera. O homem, meio de
lado, olhando para um horizonte. Diga-se, de passagem que fotografias
de perfil são raras, considerando o conjunto total das fotografias
cemiteriais no São Pedro. Vemos que a tradicional forma de fotografia
foi incorporada pela comunidade nipônica de Londrina.
Túmulos, Ornamentos e Estatuária
Sem a pretensão de esgotar a discussão sobre os ornamentos,
signos e a estatuária existente no cemitério São Pedro, propomo-nos a
apresentar algumas imagens que mostram as representações religiosas
e o imaginário social e cultural da cidade de Londrina, bem como do
material usado nos jazigos como prova de um tempo passado.
É curioso como símbolos da cidade são transpostos para o
cemitério, vinculados à religiosidade ou a profissão do falecido. Nas
ilustrações 40 e 41, temos dois casos sobre esta questão. O primeiro que
ilustração 37 ilustração 38 ilustração 39
80
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
vamos discutir é o da concha acústica, construída na década de 1950 no
centro de Londrina, e que foi palco de grandes manifestações políticas
e culturais (Ilustração 40). No cemitério encontramos uma concha,
abaixo e bem à sua frente, uma placa com um desenho de um saxofone,
e mais abaixo uma lira, símbolos da música (Ilustração 41). O falecido,
ou sua família, deixou claro o seu vínculo com a música por meio do
instrumento.
Outro exemplo é o uso da arquitetura da catedral de Londrina
(Ilustração 44)4. Esta foi iniciada no ano de 1968 e concluída e inaugurada
em 17 de dezembro de 1972. Possui um projeto considerado “moderno”.
Construída em local elevado, no centro da cidade, destaca-se por sua
imponência. Trata-se, portanto, de uma referência arquitetônica e
religiosa na cidade. Podemos encontrar dois tipos de reprodução da
catedral: uma em formato miniatura, sobre um túmulo, onde a família
Ilustração 40 Ilustração 41
Ilustração 42 Ilustração 43 Ilustração 44
4 imagem da catedral atual retirada de: http://www.google.com.br/search?q=catedral+de+londrina&hl=pt-BR&prmd=imvns&source=lnms&tbm=isch&ei=C_ffTuD2IMfj0QHPstjNBw&sa=X&oi=mode_link&ct=mode&cd=2&sqi=2&ved=0CBoQ_AUoAQ&biw=1170&bih=566
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Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
colocou em seu pequeno interior imagens de santos e dos falecidos da
família (Ilustração 43), outro, em formato maior ocupando o espaço de
dois jazigos comuns, é uma capela-sepultura (Ilustração 42). Assim,
comporta em seu interior não apenas as fotografias, ornamentos e dados
dos falecidos, mas os próprios restos mortais. A primeira revestida de
cerâmica (azulejos) e a segunda por pastilhas verdes, comuns nos anos
1960 e 1970. Parece-nos, por isto, que a segunda seria a mais antiga.
Por ser um cemitério com mais de 70 anos, sofreu a ação do
homem em todo este período. Os espaços que eram de enterramento,
propriamente ditos, dos primeiros tempos foram ocupados por jazigos
perpétuos. A necessidade de mais espaço para o enterro fez com que a
administração do cemitério autorizasse a construção de jazigos em pleno
caminho de deslocamento interno, bem como em outros espaços ainda
livres. Jazigos antigos foram reformados, ampliados ou modificados.
Assim, o material empregado nestas construções também variam com o
tempo, deixando sua marca.
O uso de revestimentos de pastilhas e azulejos, como já vimos,
é marcante. Outros exemplos de “modernidade” dos anos 1960 e 1970
seriam as ilustrações seguintes.
A ilustração 45 traz um jazigo em tijolo vazado, sem teto. Em
seu interior existe um pequeno jardim. Defronte à porta, os dados dos
falecidos e suas fotografias. Um ambiente transparente para quem “está”
dentro e para quem está fora. A ilustração 46 traz um jazigo em material
típico de sua época, com duas cercas que separam os dois ambientes,
tem um fundo em azulejo vazado, trata-se do local onde está sepultada
uma mulher aventureira: Lindalva Milhomem Campos.
Ilustração 45 Ilustração 46
82
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Por várias vezes citamos a existência das capelas-sepulturas
no cemitério São Pedro, que são um destaque a parte na paisagem
cemiterial. Muitas mantidas com esmero pelos familiares, com cores
vivas e floridas. Infelizmente ainda não catalogamos este material, mas
vamos apresentar exemplos de sua arquitetura construtiva e o uso das
cores para realçá-las.
As ilustrações 47 e 48 trazem variadas formas das capelas-
sepulturas. Com colunas grego-romanas, com varanda, lisas, com
janelões, com janelinhas, umas maltratadas e outras cuidadas pelos
proprietários. Todas, entretanto, possuem a cruz no local mais alto.
Algumas possuem anjinhos, outras não. Podemos ver também outras
formas de sepultura, mais antigas, como, por exemplo, a da ilustração
da direita, bem à frente na esquerda. Sua cor é azul e foi pintada
recentemente. É baixa, com uma pequena mureta. Ao seu lado, um
jazigo mais atual, em mármore, com a gaveta acima do nível da rua.
Assim são grande parte das sepulturas novas e reformadas do cemitério.
As variedades das formas das cruzes existentes também são ricas
em detalhes. Um estudo aprofundado daria uma visão exata de sua
datação. Muitas, provavelmente, como os anjinhos, devem datar dos
primeiros anos do cemitério. Aparentemente a maioria foi construída
em cimento, mas também existem produzidas em ferro e em outros tipos
de pedra (coloração, superfície, qualidade etc.) Abaixo, as ilustrações
apresentam diversos tipos. Na ilustração 49 uma cruz localizada no alto
de uma capela-sepultura e em seu centro as iniciais INRI. Na ilustração
50 um dos formatos em ferro e, por fim, a ilustração 51 uma variedade
das cruzes que ornamentam as sepulturas. Estes modelos predominam
e atestam sua época.
Ilustração 47 Ilustração 48
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Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
Quanto aos anjinhos, já citados em muitos momentos deste
trabalho, sua presença é constante. Aparentemente seguem um padrão
de tamanho e de forma (aqui com pequena variação). Eles se situam,
em geral, nos telhados das capelas-sepulturas e nas extremidades dos
jazigos térreos. Geralmente suas mãos estão juntas, como se estivessem
orando, de humildade, ou uma das mãos apontando para o céu. Muitos
são retirados das sepulturas e por isso ficam abandonados pelos cantos
do cemitério em função das reformas/demolições que ocorrem e/ou em
razão de adoção de uma religião que não adote tal ornamento.
A figura do anjinho também está associada a da criança falecida.
Hoje há placas específicas para adornar sepulturas de crianças. Nestas
aparece o rosto de um anjo alado e ao lado a data de nascimento e morte
da criança. A colocação de imagens de anjos para enfeitar sepulturas de
crianças é uma tradição brasileira. Vejamos dois exemplos. A ilustração
55 é de porcelana ou resina, de porte pequeno, uns quinze centímetros,
está colocada sobre o jazigo da família. Vê-se que está ajoelhada, em
posição misericordiosa. Em suas mãos uma pequena pulseira com um
crucifixo. Já a ilustração 56 ornamenta um túmulo de uma criança
falecida com 01 ano, em 1951. O anjo, com o sexo coberto, está sobre um
livro aberto jogando flores. Foi feito de mármore e no epitáfio, abaixo do
livro, está escrito: “Candura, graça e inocência refugiaram aqui: Terra
não peses sobre ela pois não pesou sobre ti.”
Ilustração 49 Ilustração 50 Ilustração 51
Ilustração 52 ilustração 53 Ilustração 54
84
Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
Uma atenção especial ao piso em volta dos túmulos que nos
revelam um material muito usado nas calçadas, em locais mais
movimentados da casa, como varandas e hall de entrada das residências.
Estas peças encontram-se fora de linha e de difícil acesso, isto é, por
não serem mais produzidas seu valor cultural e histórico é inestimável.
Pelas ilustrações abaixo, percebe-se que foram mosaicos, em geral com
peças coloridas, tornando os jazigos mais leves e alegres. A ação do
tempo e do homem está agindo sobre eles, um pela ação da natureza via
chuva, vento e seres vivos (bactérias etc); outra pela ação demolidora e
de descarte do homem.
Quanto à estatuária, o cemitério São Pedro não é muito rico,
comparado às capitais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Talvez pela decadência deste tipo de ornamento cemiterial, pela falta de
mão de obra especializada ou pelo seu alto custo. Muitas destas imagens
são de fundição, segundo um molde padrão, de pouco valor artístico.
Em alguns aspectos mantém o tradicional, ou seja, a desoladora, a
piedosa, o Sagrado Coração, e a figura de Cristo (caído, carregando a
cruz). Vejamos algumas destas obras.
Na ilustração 59 visualizamos duas sepulturas, a da esquerda
a tradicional Pietá, com o Cristo morto em seu colo; a da direita,
Cristo carregando a cruz. Em sua cabeça a coroa de espinhos e o suor
ilustração 55
Ilustração 56
ilustração 57 ilustração 58
85
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
escorrendo, aos seus pés os pregos que fixaram Cristo à cruz. Uma feita
em material escuro brilhante e outra na cor bronze. Ambas em tamanho
quase natural, destacam-se no visual cemiterial.
Outra figura presente em vários jazigos é da desoladora. A figura
feminina que lamenta a morte dos que estão na sepultura (ilustrações
60 e 61). Tal como esta figura, outras imagens obrigatoriamente se
apresentam, como Nossa Senhora Aparecida, Santo Antônio (figura
apresentadas em todos os cemitérios pelo número de devotos no Brasil),
São José, entre outros.
A existência de muitas placas alusivas aos fabricantes dos jazigos
com sua estatuária, ajuda-nos a definir datas de sua fabricação e origem.
Em conversa com descendentes de japoneses que visitavam os túmulos
de seus parentes, foi afirmado que estes foram encomendados na cidade
ilustração 59
Ilustração 60 Ilustração 61
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
de Marília, estado de São Paulo (Ilustração 62). Lá, portanto, havia
serviço especializado em língua japonesa, essencial para tal. Mas se para
este grupo a cidade de Marília foi importante, firmas de outras cidades
foram contratadas, inclusive da própria Londrina, para a comunidade
não nipônica, como podemos ver nas ilustração 63 e 64.
Considerações Finais
Ao passar os olhos atentamente sobre as ilustrações aqui
mostradas, muitas outras observações podem ser feitas, tais como: corte
de cabelo, forma de pentear, uso de bigodes e brilhantina nos cabelos,
vestimenta variando no decorrer do tempo, surgimento do sorriso nas
fotografias cemiteriais, entre outros temas possíveis. Muitos na busca
da valorização da pessoa, expressar a condição social e o respeito por
sua profissão (traje especial, uniforme, farda que usa etc.).
O combate entre a vida e a morte, a permanência do ausente,
as formas de encarar a morte e a vida post-mortem, a importância do
uso de eufemismos, como foi mostrado em algumas frases escolhidas de
epitáfios, no uso da fotografia para marcar presenças, como no caso da
fotografia do casal para expressar uma união que transpôs o tempo, um
amor que a morte não venceu, ou melhor, que venceu a morte.
O retrato pintura, muito usual em tempos idos, hoje resiste
em alguns lares, mas se faz presente de forma viva e permanente
nas fotografias cemiteriais e no interior das capelas-sepulturas. Sua
técnica, somada ao uso das molduras ovais, enfeitam, mantém presente
o(s) ausente(s) aos familiares e passantes, uma forma de fazer e ver,
rememorar.
Por meio da estatuária, ornamentos e da arquitetura cemiterial,
percebeu-se as representações religiosas e o imaginário social e cultural
da cidade de Londrina no passado e na atualidade. A presença de jazigo
Ilustração 62 Ilustração 63 Ilustração 64
87
Cemitério São Pedro: espaço de vida, espaço de memória
assemelhando-se a símbolos arquitetônicos, a variedade de estátuas de
anjos, de formas das cruzes, com muitos detalhes, das estatuárias com
seus personagens naturais (Cristo, Maria, Sagrado Coração etc.), os
selos dos fabricantes destas, bem como o material usado na construção
dos túmulos (com suas substituições no decorrer do tempo), dão uma
ideia das transformações em especial, e a permanência de um tempo
passado no presente.
Como espaço de memória, o cemitério São Pedro possui uma
importância ímpar para o estudo da história cultural e religiosa da
cidade de Londrina. Seu uso pedagógico, sua compreensão como
um museu a céu aberto, como local privilegiado de perceber a vida e
a morte (ou a post-mortem), obriga-nos a pensá-lo com outro olhar,
com a necessidade de preservá-lo como ponto de referência de nossa da
histórica local.
No início foram expressas algumas questões que cabe agora
responder. Somos frutos de um passado, dos mortos. Não se pode
separar os vivos dos mortos. O muro existente entre a “cidade dos
vivos” (agora colocamos aspas) da “cidade dos mortos” é imaginário. O
cemitério é um local privilegiado para a construção dos monumentos/
documentos, onde uma história familiar, particular, é também uma
história coletiva.
Um lugar privilegiado para se encontrar o nosso patrimônio
cultural material e imaterial: os modos de fazer, as celebrações, os
rituais, tradições de nossa ancestralidade e de nossa atualidade, o
material empregado nos jazigos, a estatuária religiosa, nossos costumes,
lendas entre outras expressões culturais.
Não se pode pensar, assim, o cemitério como um espaço
morto, pelo contrário, os roubos das peças de bronze, de estatuária, as
desapropriações pela prefeitura municipal, a venda de jazigos “perpétuos”
pelas ordens terceiras etc., mostram seu valor comercial. As reformas
nos jazigos pelos familiares e pelos novos proprietários demonstram
também que é um espaço ainda passível de grandes transformações,
isto em grande sentido, ou seja, estatuária, arquitetônica, cultural e
religiosa.
Portanto, faz-se necessário pensar o espaço cemiterial como
passível de perda de uma memória histórica, cultural e religiosa
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Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR
importante para a cidade de Londrina. Tal qual o acervo de um museu,
no caso do Museu Histórico de Londrina, pertencente à Universidade
Estadual de Londrina, o cemitério municipal São Pedro é um museu
a céu aberto, passível de ser admirado e estudado, portanto, objeto de
resguardo de memória a ser preservado.
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