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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
PAULO JOSÉ SELHORST SEIXAS
APORTES SOBRE AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DE NICHOLAS
ONUF
CURITIBA
2019
PAULO JOSÉ SELHORST SEIXAS
APORTES SOBRE AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DE NICHOLAS
ONUF
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Prof. MSc. Marlus Vinicius Forigo
CURITIBA
2019
PAULO JOSÉ SELHORST SEIXAS
APORTES SOBRE AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DE NICHOLAS
ONUF
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora
formada pelos professores:
Orientador: Prof. MSc. Marlus Vinicius Forigo
Prof. Membro da Banca
Prof. Membro da Banca
Curitiba, de de 2019
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo fazer uma revisão bibliográfica a respeito de algumas tendências das discussões contemporâneas que nos permitam pensar o campo das Relações Internacionais. Nos amparamos no projeto de investigação do pensador Nicholas Onuf, em seu livro World of Our Making: Rules and rule in social theory and international relations. O autor inaugura o uso do termo construtivismo para nomear sua contribuição em teoria social, articulando-as com as Relações Internacionais. Começamos nosso trabalho fazendo algumas considerações sobre o estudo de István Mészáros, “A Teoria da Alienação em Marx”, e apresentamos o programa geral marxiano que trata dos conceitos sobre a constituição subjetiva da sociedade. A seguir, utilizamos os elementos elaborados por Antonio Gramsci em sua teoria ampliada do Estado para enfim introduzir o quadro de referência teórico do estudo de Onuf. Sua proposta analisa as relações internacionais e posiciona-se criticamente aos principais paradigmas que atravessam as ciências humanas no presente momento. A discussão apresentada neste trabalho tem a intenção de reflexionar sobre respostas novas para os desafios atuais que se apresentam no capitalismo global. Palavras-chave: Alienação. Estado. Sociedade. Subjetividade. Construtivismo.
ABSTRACT
The aim of the present study is to make a bibliographical revision concerning some of the tendencies in contemporary discussions that allows us to think about International Relations' field. We use the investigation of thinker Nicholas Onuf, in his book World of Our Making: Rules and rule in social theory and international relations, as our foundation. This author is the first to use the concept of constructivism to name his contribution in social theory, relating it to international relations. Our investigation starts with the studies of István Mészáros about The Theory of Alienation in Marx. We present the general marxian program about the concepts that explain the subjective formation of society. After that, we use some elements of Antonio Gramsci's amplified theory of State, thereafter we introduce the theoretical framework of reference in Onuf's work. His proposition analyzes international relations and locates himself in a critical position of contemporary social sciences. The discussion in our investigation aims to think about new answers to the actual challenges presented by global capitalism. Keywords: Alienation. State. Society. Subjectivity. Constructivism.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 06
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA DOS
FENÔMENOS SOCIAIS 10
2.1 A ONTOLOGIA MATERIALISTA 10
2.2 O CONCEITO AMPLIADO DE ESTADO 14
3 REVISÃO TEÓRICA DE ONUF PARA UMA POSIÇÃO CONSTRUTIVISTA 16
3.1 ECONOMIA POLÍTICA 16
3.2 TEORIA DO VALOR–TRABALHO 17
3.3 A SOCIEDADE POLÍTICA 18
4 CATEGORIAS DE REGRAS 20
5 POSIÇÃO CONSTRUTIVISTA 23
5.1 O LUGAR DE WITTGENSTEIN 25
5.2 ESTRUTURAÇÃO TEÓRICA CONSTRUTIVISTA 28
6 CONCLUSÃO 35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 37
REFERÊNCIAS CONSULTADAS 39
6
1 INTRODUÇÃO
As críticas acerca de temas como poder e ideologia são comumente rejeitadas
por comentaristas dentro da ordem ideológica, econômica, política e legal que constitui a
sociedade. Tais críticas permanecem marginalizadas uma vez que investigando estruturas
sociais, políticas e econômicas percebe-se que estas não são frutos de uma fatalidade da
natureza, feitas de uma força externa todo-poderosa, natural ou metafísica, mas resultado
de um tipo determinado de desenvolvimento histórico, que pode e deve ser positivamente
alterado através da superação das desigualdades estruturais. Com a virada do século
XXI, torna-se evidente o desgaste na ordem atual e, por todos os cantos, urge a
necessidade de novas formas de construção do pensamento. Assim, o presente trabalho
tem a intenção de apresentar algumas hipóteses a respeito da construção social da
subjetividade, das relações de poder e das ideias sobre Estado, procurando pensar quais
estruturas estão circunscritas a estes processos.
Nossa investigação começa com algumas considerações sobre o trabalho do
filósofo húngaro István Mészáros, que se debruçou sobre a teoria da alienação na obra de
Karl Marx. Tal exposição descreve como a sociedade distorce as relações humanas,
indicando quatro principais aspectos de alienação: dos seres humanos em relação à
natureza; à sua própria atividade produtiva; à sua espécie, como espécie humana; e de
uns em relação aos outros. Para o autor, através da história o homem modificou a
natureza para criar o que precisa para sobreviver, entrando em relações de cooperação
para isto. O processo de trabalho é, portanto, fundamental para a vida humana. A hipótese
apresentada é que, sob o capitalismo, o trabalho é controlado por uma força alienígena, o
capitalista.
A alienação é vista como uma prisão da mente – tornando impossível para os
trabalhadores alcançarem libertação real através de suas lutas. Este entendimento pode
ajudar a explicar porque os trabalhadores algumas vezes reproduzem ideias reacionárias,
como racismo e sexismo, que vão em contra de seus interesses. Porém estas ideias
estão sempre em tensão com outras – a necessidade de união racial, de demonstrar
solidariedade contra patrões e assim por diante – e se rompem quando os trabalhadores
começam a contra-atacar.
Ainda no primeiro capítulo, somamos a contribuição do pensador marxista
italiano Antonio Gramsci, que se destaca por sua concepção dialética da história, ao
privilegiar o estudo dos conflitos no processo histórico, evidenciando o papel ativo do
7
sujeito na construção das relações humanas e na promoção das mudanças sociais.
Compreendemos, com Gramsci, a divisão da sociedade em dominantes e dominados
como resultado de um processo histórico de lutas, não natural. Para um estudo
aprofundado das relações de poder, o revolucionário italiano entendia ser necessária uma
crítica inscrita na análise da totalidade histórica. Resgatando-se o princípio marxiano de
totalidade, ao perceber a realidade como a síntese de múltiplas determinações, a esfera
política não pode ser pesquisada isoladamente do conjunto das relações sociais.
Gramsci desenvolveu a teoria ampliada do Estado, ao estabelecer a
diferenciação entre sociedades organizadas nos moldes “orientais” ou “ocidentais”. Não
se trata de conceitos geográficos ou geopolíticos, mas indicadores de diferentes tipos de
formação econômico-social, em função da relação existente, em cada modelo, entre a
sociedade política, entendida como o conjunto dos aparelhos estatais de coerção (os
mecanismos pelos quais a classe dominante impõe sua dominação, por deter o
monopólio da força, tais como o aparato burocrático executivo e as forças da repressão
policial e militar) e a sociedade civil, formada pelos aparelhos privados de hegemonia (os
organismos sociais responsáveis pela formulação e circulação das diferentes ideologias,
tais como os partidos políticos, os sindicatos, a Igreja, as escolas, os meios de
comunicação de massa, etc.). Neste sentido o papel dos intelectuais é muito importante,
pois eles têm “a função de criar e sustentar as imagens mentais, tecnologias e
organizações que mantém coesos os membros” dentro de uma ordem através da
construção de uma identidade comum (COX, 2007, p. 112).
Por fim, nossas reflexões a respeito das Relações Internacionais
desembocaram no estudo do autor norte-americano Nicholas Onuf, que utilizou pela
primeira vez o termo construtivismo1. Sua proposta analisa as relações internacionais2 e
posiciona-se criticamente aos principais paradigmas que atravessam as ciências
humanas. Apresentamos o quadro teórico que o autor utiliza na construção do seu
1 “Construtivismo”, como [o autor usa] o termo aqui, carrega apenas uma distante afinidade ao
construtivismo como um importante movimento em artes soviéticas depois da Revolução de Outubro. Construtivistas soviéticos viam a arte como necessariamente sociais e sua abordagem como “a expressão comunista de estruturas materiais.” Eles investiram contra “a atividade estética especulativa da arte,” e direcionaram sua atenção para processos técnicos e materiais de trabalho (LODDER, Christina. Russian constructivism. New Haven: Yale University Press, 1983, p. 237-238 apud ONUF, Nicholas. World of our making. 2 ed. UK: Routledge, 2013, p. 36, traduzido do original).
2 Seguimos o autor, “por conveniência, disciplinas e campos de estudo serão sempre designados com Letra Maiúscula, seus assuntos de interesse em letra minúscula” (ONUF, 2013, p. 1, traduzido do original).
8
projeto, no qual elabora uma nova abordagem de análise para teorias sociais com o
objetivo de fornecer descrições mais precisas dos fenômenos elencados.
Para o autor estadunidense, comumente a política é compreendida
principalmente pela referência específica à instituição do Estado e causa estranhamento
quando as relações internacionais são apresentadas sem tê-lo em evidência. Em sua
investigação, percebe que “dependendo da perspectiva de cada um, as relações
internacionais são a política no limite, talvez o caso limitador da política, talvez além”. A
ambiguidade que une política e relações internacionais não se dá apenas pelo “uso
desleixado ou mal entendimento popular”, mas também pela reprodução acadêmica do
uso de termos como descentralização, autoajuda e anarquia (ONUF, 2013, p. 5).
Uma novidade em sua abordagem é que ele propõe ir além da “problemática
da anarquia”3. Enquanto as ciências naturais são orientadas por teorias que buscam
representar a realidade da forma mais objetiva e plausível possível, para propôr a solução
de problemas também de forma objetiva; as ciências sociais, através de reivindicações
constitutivas da realidade, orientam a solução de problemas e conduzem para a teoria.
Onuf entende essas reivindicações como proto-teorias, uma vez que defende que elas
carregam significado através de uma doutrina, o que justifica que comunidades
acadêmicas façam sua defesa em projetos e pretensões disciplinares.
Estipula-se, em Relações Internacionais, a seleção de problemas relacionados
com “a presença ou necessidade de ordem, equilíbrio, ou cooperação em face de
atividades políticas não delimitadas” em uma realidade social que funciona como uma
ordem descentralizada, sob um sistema de autoajuda ou de anarquia. Se uma teoria
paradigmática deve generalizar a solução de problemas sobre essas características,
explica o que é estipulado com propósitos constitutivos. Esta análise aponta que uma
teoria paradigmática de Relações Internacionais não estaria próxima de abarcar a
realidade, porque apesar de ser inegável a existência de eventos anárquicos, “estes
sempre ocorrem sob condições, que deveriam ser caracterizados de outra maneira”
(ONUF, 2013, p. 14).
As reivindicações de que as relações internacionais formam uma realidade
social distinta e delimitada correspondem a um paradigma da realidade operando que
acredita-se constituir a disciplina de Relações Internacionais. No entendimento de Onuf,
estas reivindicações são plausíveis se referirem-se ao conjunto de atividades engajadas
3 Termo de Richard Ashley (JACKSON, Robert. SORENSEN, Georg. Introduction to International
Relations: Theories and Approaches, 4 ed. Oxford University Press, 2010, p. 166).
9
por uma seleção relativamente perene e delimitada de entidades convenientemente
denominadas “Estados”. A concretude histórica transmitida pela designação “sistema de
Estados ocidental” reforça a propensão para observar a forma como as relações
internacionais operam. Se feita a consideração de que anarquia é a condição a qual a
disciplina responde, para o construtivista, contudo, não fica claro se o sistema de Estados
ocidental é a única instância concreta de relações internacionais disponível para estudo e,
consequentemente, se constitui um paradigma operativo no grau pressuposto. Muito
revelaria a respeito da ambiguidade das reivindicações constitutivas e do
desenvolvimento tardio da disciplina de Relações Internacionais.
O objetivo de apresentar a contribuição construtivista para ciências sociais é de
demonstrar novas formas de descrever a realidade. A exposição desta teoria tem como
propósito observar que as descrições de fenômenos sociais comumente têm
reivindicações enviesadas onde prevalecem certas visões de mundo. Elas possuem, na
verdade, sentido constitutivo para a coesão de uma ordem social. Como o texto de Onuf
nos lembra, descrever uma teoria é tomar uma posição. Sua proposta busca estabelecer
possibilidades gerais para as hipóteses levantadas em teorias sociais, onde nenhuma
visão prevaleça sobre outra. Nas observações do autor, o paradigma que ele descreve é a
sociedade política, como unidade de análise, e que se sobrepõe à entidade do Estado. O
caso do estudo demonstra, como característica inerente ao recorte da sociedade política,
a incidência de regras e condição de regra em todas suas manifestações.
Se a condição do sistema de Estados é a anarquia, quando observamos
ambientes onde não há sua presença, o que acontece em comunidades isoladas, sejam
geográfica ou economicamente (por exemplo, as favelas), concluímos que as
manifestações humanas não levam à condição de anarquia, mas de cooperação e
organização, através de regras implícitas e explícitas. Utilizando tal enfoque, pensar
unidades de análise autônomas, discerníveis e racionais que agem em benefício próprio,
como uma descrição do Estado moderno, não tem paralelo algum com a condição
humana quando eliminamos sua presença.
A intenção exposta neste trabalho é demonstrar uma perspectiva de análise na
qual seja possível superar a associação de política com a presença do Estado. Quanto
mais teorias extrapolem essa concepção e estabeleça uma posição nesse sentido,
veremos mais claramente que a característica constitutiva das ciências humanas de
explicação da realidade também permite ampliar a possibilidade de superar o Estado.
10
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA
DOS FENÔMENOS SOCIAIS
Diante da realidade sócio-histórica contemporânea de deterioração do
capitalismo enquanto sistema mundial, tornando-se cada vez mais perceptível que suas
crises não são mais parciais e localizáveis, fica claro que temos que pensar naquilo que
virá depois.
Certos aspectos das concepções de Marx, que devem ter parecido bem
remotos para o movimento da classe trabalhadora na virada do século XIX para o século
XX” se fazem imperativos no momento atual do desenvolvimento humano. Considerando
que o pensador alemão define a autoalienação do trabalho como fator central ao
capitalismo, a sua transcendência positiva só será possível dentro de um quadro de
referência global, como imaginou que se daria na etapa após o ciclo capitalista. A partir do
momento em que “os problemas em jogo […], têm implicações globais, envolvendo todos
os sistemas sociais existentes, ainda que de modos bastante diferentes […] o caráter
global autoevidente da crise socioeconômica do nosso tempo requer soluções globais”
(MÉSZÁROS, 2016, p. 25-26).
Nossa intenção é apresentar algumas das teorias que buscaram responder a
estes problemas, passando por questões referentes à luta de classes, à alienação e ao
conflito Estado versus sociedade civil. Logo, traremos algumas das ideias de Nicholas
Onuf, que, segundo nossa interpretação, desenvolvem uma crítica interessante aos
postulados das ciências sociais.
2.1 A ONTOLOGIA MATERIALISTA
Mészáros se debruça sobre os Manuscritos econômico–filosóficos (MARX,
2004) para explicar a emergência de uma síntese única e abrangente da experiência
humana no capitalismo. Esta síntese que o filósofo húngaro observa in statu nascendi,
“delineia as principais características de uma ‘ciência humana’ nova e revolucionária – por
ele [Marx] contraposta à universalidade alienada da filosofia abstrata, por um lado, e à
fragmentariedade e parcialidade reificadas da ‘ciência natural’, por outro”. O exercício do
autor para sintetizar a ideia de alienação como uma causa estrutural a todo o complexo
de alienações fica exposto quando exemplifica o sistema onde “cada ponto particular é
11
‘multidimensional’: ele está conectado com os demais pontos do sistema marxiano de
ideias; ele os implica tanto quanto é implicado por eles.” Ele caracteriza seus predicados
“em acentuado contraste com outras abordagens filosóficas da questão – como algo que
ocupa um lugar determinado dentro do sistema de atividades humanas, como algo
apoiado sobre a base socioeconômica e em constante interação com ela” (MÉSZÁROS,
2016, p. 22). A análise nos Manuscritos primeiramente:
[I]investiga por que há uma contradição antagônica (ou ‘oposição hostil’, como por vezes a denomina): entre diferentes tendências filosóficas (da mesma época, como também de diferentes épocas); entre ‘filosofia’ e ‘ciência’; entre ‘filosofia’ (ética) e ‘economia política’; entre a esfera teórica e a esfera prática (isto é, entre Teoria e Prática) (MÉSZÁROS, 2016, p. 22, grifo do autor).
Num segundo momento, o autor anima e estrutura (ou articula) seu argumento,
pois tais questões são impensáveis sem a busca de transcendência positiva ao sistema
de alienações prevalecente, manifestos nos estranhamentos da vida cotidiana e nas
concepções alienadas da filosofia. Ou, como Mészáros expressa de forma positiva: “como
é possível alcançar a unidade de opostos, em vez de oposições antagônicas que
caracterizam a alienação.” Dessa forma “a ‘unidade de teoria e prática’ é a expressão
mais geral e abrangente do programa marxiano” (MÉSZÁROS, 2016, p. 22, grifos do
autor).
Marx percebeu que a ideia de que “a alienação enquanto venalidade universal
implicava reificação foi reconhecida bem antes que toda a ordem social, que operou
nessa base, pudesse ser submetida a uma crítica radial e efetiva.” Ele percebe que a
mistificação de liberdade enquanto “liberdade contratualmente salvaguardada”, que
Mészáros identifica como “a abdicação contratual da liberdade humana”, foi um recurso
para retardar o reconhecimento das contradições subjacentes (MÉSZÁROS, 2016, p. 38,
grifos do autor). Tal recurso passa a ser sistematicamente posto em jogo quando não se
pode mais retardar o desenvolvimento das ciências sociais, como vai apontar Onuf com
seu projeto. O trabalho, para analisar o conceito de alienação, identifica-o com o
estabelecimento do “contrato” e com a:
conversão de tudo em ‘objetos alienáveis, vendáveis, sujeitos à servidão da necessidade egoísta e do negócio. […]a práxis da alienação. Enquanto o homem estiver religiosamente tolhido, só conseguirá reificar sua essência, transformando-a em uma essência fantástica e estranha a ele […]’ (MARX 2010, p. 59, grifo do autor). A reificação da pessoa de alguém e, consequentemente, a aceitação ‘livremente escolhida’ de uma nova servidão […] puderam avançar tendo como base uma ‘sociedade civil’ caracterizada pelo primado do dinheiro, que abriu as comportas
12
para a ‘servidão da necessidade egoísta’ de caráter universal (MÉSZÁROS, 2016, p. 39-40)4.
Por extensão à ideia de venalidade universal, a alienação se caracteriza “pela
fragmentação do organismo social em ‘indivíduos isolados’ buscando seus próprios
objetivos limitados, particulares ‘na servidão da necessidade egoísta’, transformando em
virtude o seu egocentrismo no culto que prestam à privacidade.” Aqui, o húngaro cita um
aforismo de Goethe que afirma que “toda particularidade isolada deve ser rejeitada” e
prossegue, “ele ergue frentes contra o mundo não em isolamento egocêntrico, mas
apenas em conexão com seus semelhantes” (GOETHE, 1903, p. 81 apud MÉSZÁROS,
2016, p. 40). Dadas as circunstâncias semelhantes nas quais emergem as indagações de
Marx, não é de se estranhar que as recomendações de Goethe permanecessem com um
caráter utópico.” Quando as várias áreas da experiência humana são convertidas em
“coisas” reificadas e venais, o desenvolvimento desta conversão estendida na ordem da
sociedade civil permaneceria “enquanto essa comercialização universal de todas as
facetas da vida humana, incluindo as mais privadas, não atingisse o ponto de saturação”
(MÉSZÁROS, 2016, p. 40).
O autor húngaro aponta que a consciência da alienação, ou de qualquer
recorte que pretenda descrever a realidade, está relacionada à historicidade porque é
“uma questão ontológica fundamental, a da ‘natureza do ser humano’ (‘essência humana’
etc.)”. Qualquer consideração que se pretenda a-histórica, vai ser convertida em alguma
espécie de mistificação irracional. Portanto, deve ser delimitada como premissa básica “se
a questão da ‘natureza humana’ é ou não apreciada a partir de um quadro de referência
expositivo implícita ou explicitamente ‘igualitário’.” Se a igualdade de todos os seres
humanos não é fundamentalmente reconhecida, “isso equivalerá ipso facto a negar a
historicidade”, porque assim qualquer tentativa de se explicar desigualdades
historicamente estabelecidas vai recorrer ao artifício da “natureza”. O autor defende que a
“‘orientação antropológica’ sem historicidade genuína – bem como, obviamente, as
condições necessárias para esta última – não passa de mistificação, não importa quais
determinantes sócio-históricas a criaram” (MÉSZÁROS, 2016, p. 43).
Em sua crítica avançada, Marx tem uma percepção que ecoa no processo
histórico, a da verdadeira relação entre antropologia e ontologia. Para Mészáros “há uma
só maneira de produzir uma teoria histórica oniabrangente e consistente em todos os
4 “As ênfases dadas por Marx são indicadas mediante sublinhado;” as de Mészáros, por meio do itálico
(MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em marx. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 21).
13
seus aspectos, a saber, situando positivamente a antropologia dentro de um quadro de
referência ontológico geral adequado.” Em geral haveria a submissão da ontologia à
antropologia e Marx aponta a “relação dialética entre a ontologia materialista e
antropologia” (MÉSZÁROS, 2016, p. 46). Mészáros traz a seguinte epítome:
as sensações, paixões etc. do homem não são fenômenos apenas antropológicos em sentido próprio, mas sim afirmações verdadeiramente ontológicas do ser (da natureza). […] Só mediante a indústria desenvolvida, ou seja, pela mediação da propriedade privada, vem a existir a essência ontológica da paixão humana, tanto na sua totalidade quanto na sua humanidade, a ciência do homem é, portanto, propriamente um produto do autoestabelecimento humano mediante a atividade prática. O sentido da propriedade privada – livre do seu estranhamento – é a existência dos objetos essenciais para o homem como objetos tanto de fruição quanto de atividade (MARX, 2004, p. 157 apud MÉSZÁROS, 2016, p. 46).
É importante ressaltar que para Mészáros, “não há como apreender o fator
antropológico específico (‘humanidade’) em sua historicidade dialética, a menos que seja
concebido com base na totalidade ontológica historicamente em desenvolvimento
(‘natureza’) à qual ele, em última instância, pertence.” Qualquer construção que não
identifique adequadamente a “relação dialética entre totalidade ontológica e
especificidade antropológica traz consigo contradições insolúveis.” Em geral, estabelece-
se o artifício “a postular alguma ‘essência humana’” para poder fixar um “dado original”
(MÉSZÁROS, 2016, p. 46). Também sugere que para compreender certos fenômenos
sociais exige-se “um conceito de causalidade não antropomórfico – mas, é claro,
dialético.” Ou seja, “os processos produtivos do capitalismo em seu longo
desenvolvimento histórico” jamais poderiam ser entendidos sob “leis naturais” derivadas
de algum tipo de “hipótese antropológica”.
As reflexões nos Manuscritos estabeleceriam assim o pressuposto para
qualquer proposição buscando “entender a base natural (as leis gerais da causalidade
etc.) da historicidade especificamente humana” (MÉSZÁROS, 2016, p. 47, grifo do autor).
O pensador húngaro percebe que sem estabelecer essas condições para uma
base natural, “a ‘ciência do ser humano’ é simplesmente inconcebível, porque, em última
instância, tudo é dissolvido no relativismo” (MÉSZÁROS, 2016, p. 47). Qualquer
consideração antropológica deve ser situada dentro de um quadro de referência
abrangente de uma ontologia histórica. Este movimento, para o autor, estabelece as
premissas em direção ao que ele chama de uma ontologia social dialética complexa.
14
2.2 O CONCEITO AMPLIADO DE ESTADO
Com o princípio da ação, Antonio Gramsci, considera seu próprio trabalho
como parte da “filosofia da práxis” (COX, 2007, p. 102). O pensado italiano elabora seu
conceito sobre o “aparato ou mecanismos de hegemonia da classe dominante” fazendo
uma análise histórica das diferentes classes, que alcançaram liderança sobre outras.
Analisando a burguesia europeia até o começo do século XX, afirma que como “sua
hegemonia estava firmemente entrincheirada na sociedade civil, a burguesia poucas
vezes precisou, ela própria, administrar o Estado.” Esta definição tem o intuito de ampliar
a definição de Estado, afirmando que “quando o aparato administrativo, executivo e
coercitivo do governo estava de fato sujeito à hegemonia da classe dirigente de uma
formação social inteira, não fazia sentido limitar a definição de Estado àqueles elementos
do governo” (COX 2007, p. 104).
Para ele, uma noção de Estado deve incluir as bases da estrutura política da
sociedade civil. A avaliação que faz são de elementos com base na sua concretude
histórica, por exemplo, “a Igreja, o sistema educacional, a imprensa, todas as instituições
que ajudavam a criar nas pessoas certos tipos de comportamento e expectativas
coerentes com a ordem social hegemônica.” Os conceitos de Gramsci emprestaram
significado para análises de relações internacionais através principalmente do trabalho de
Robert Cox. Ele indica que a hegemonia une “as categorias convencionais de Estado e
sociedade civil, categorias que preservam certa utilidade analítica, mas que, na realidade,
haviam deixado de corresponder a entidades separáveis” (COX, 2007, p. 104-105).
A partir dessas considerações Gramsci constrói o conceito de bloco histórico.
Atribui sua origem a Georges Sorel (1961), que interpretava “mitos sociais por meio dos
quais as pessoas engajadas na ação percebiam um conflito de totalidades – em que, viam
uma nova ordem desafiando uma ordem estabelecida.” Sob a condição de eventos
catastróficos, uma nova ordem poderia substituir a antiga. “Embora Gramsci não
compartilhasse o subjetivismo dessa visão, compartilhava a visão de que, Estado e
sociedade juntos constituíam uma estrutura sólida”. Fosse a ordem dominante ou
emergente, essa estrutura seria um bloco histórico.
O mito social na concepção de Sorel era “uma forma muito potente de
subjetividade coletiva”, que, em sua constituição, “obstruiria tendências reformistas”. O
bloco histórico para Gramsci também exibe uma orientação transformadora “por sua
pressão sobre a unidade e a coerência de ordens sociopolíticas”, que é exibida na defesa
15
intelectual contra mudanças de hegemonia. Assim um bloco histórico deve possuir uma
classe social hegemônica correspondente e “o Estado (no conceito ampliado de Gramsci)
mantém a coesão e a identidade no interior do bloco por meio da propagação de uma
cultura comum” (COX, 2007, p. 110-111).
Utilizando estes conceitos sobre a ordem mundial, podemos estabelecer
quando houve períodos hegemônicos. Para ocorrer, “um Estado teria de fundar e proteger
uma ordem mundial que fosse universal em termos de concepção”, quando outros
Estados não são submetidos diretamente, mas onde a maioria possa considerar a
hegemonia compatível com seus interesses. A ênfase se dá pelas “oportunidades para as
forças da sociedade civil operarem em escala mundial (ou na escala da esfera no seio da
qual determinada hegemonia prevalece).” Havendo regulação para os conflitos entre
Estados, é concebida uma sociedade civil global, “isto é, num modo de produção de
extensão global que gera vínculos entre as classes sociais dos países nela incluídos.”
Uma hegemonia mundial tem origem na “expansão para o exterior da hegemonia interna
(nacional) estabelecida por uma classe social dominante. As instituições econômicas e
sociais, a cultura e a tecnologia associadas a essa hegemonia nacional tornam-se
modelos a serem imitados no exterior” (COX, 2007, p. 118).
Através da ordem econômica se impõe um modo de produção que penetra
todo o recorte da hegemonia, construindo relações complexas entre as classes de
diversos países, além de “normas, instituições e mecanismos universais que, estabelecem
regras gerais de comportamento para os Estados e para as forças da sociedade civil
atuando além das fronteiras nacionais – regras que, apoiam o modo de produção
dominante.” Assim, a apreensão da análise de Robert Cox sobre fenômenos das relações
internacionais, seguindo conceitos de Gramsci, explica que “a hegemonia mundial pode
ser definida como uma estrutura social, uma estrutura econômica e uma estrutura política,
e não pode ser apenas uma dessas estruturas: tem de ser todas as três ao mesmo
tempo” (COX, 2007, p. 117-119).
16
3 REVISÃO TEÓRICA DE ONUF PARA UMA POSIÇÃO CONSTRUTIVISTA
Para uma reivindicação constitutiva coerente das relações internacionais é
preciso buscar “um conjunto substancial de práticas, que não sejam refletidas por e muito
menos produzidas pelas disciplinas de ciências sociais estabelecidas.” O autor traz o
exemplo de três paradigmas atravessando o mapa das ciências sociais: a teoria
microeconômica, que depois projeta a Economia Política; o Marxismo; e a própria
proposta do autor para o paradigma de regras que operam na sociedade política.
3.1 ECONOMIA POLÍTICA
Talvez seja possível considerar a Microeconomia um dos paradigmas
disciplinares mais fortes das ciências sociais. Tal paradigma supõe como parte central do
estudo liberal de Economia, uma “alta especificidade formal e grande poder explicativo”,
em que afirma que “entidades autônomas agem racionalmente, ou seja, usam qualquer
meio disponível para maximizar benefícios para si mesmas” e seu recorte de análise
“delimitados à fatia da realidade social conhecida convencionalmente como mercado”
(ONUF, 2013, p. 17).
A teoria microeconômica define a Microeconomia como um empreendimento
disciplinar distinto, especificando na sua escala de aplicação o mercado como “qualquer
conjunto amplo de trocas (escolhas pareadas) entre entidades autônomas. Trocas essas
facilitadas através de um meio de troca, permitindo uma taxa de troca, ou preço, que será
calculado mas de outra forma não são coordenadas” e estipula que nenhuma dessas
trocas é “importante suficiente para que demande intervenção” (ONUF, 2013, p. 17).
Após a Segunda Guerra Mundial, o estudo em microeconomia procurou
estender sua escala de aplicação como uma “primeira instância para cobrir uma nova fatia
da realidade social, que passou a existir com as políticas públicas de bem-estar social.”
Tal campo de estudos entrou na esfera disciplinar da Ciência Política, e, com este
movimento para além do mercado, “a teoria microeconômica passa a ser vista como um
caso especial, altamente desenvolvido de uma teoria mais geral, em rápido
desenvolvimento, a teoria da escolha social”5. Seus adeptos argumentam que todas as
relações de autoridade devem ser consideradas. Esta reivindicação constitui uma nova
5 “Para uma introdução acessível da teoria da escolha social, ver Bonner 1986, e para uma presentação
formal, Schwartz 1986” (ONUF 2013, p. 18, traduzido do original).
17
disciplina com alcance maior, batizada Economia Política e a teoria da escolha social
seria seu paradigma adequado. Sob esse rótulo, seus proponentes reivindicam um
sentido amplo de Economia, semelhante ao que foi formado quando ela surgiu.
Principalmente os pensadores marxistas clamam pelo termo, não “aceitando a
subsequente divisão do trabalho entre Economistas Liberais e cientistas políticos,
sobrando até para Sociologia”. Dessa forma “dois campos rivais de Economia Política
fazem reivindicações constitutivas incompatíveis e conduzem projetos disciplinares
alheios” (ONUF, 2013, p. 17-18).
A teoria da escolha social invoca elementos como ator racional ou interesses
em práticas atravessando possivelmente todas as disciplinas das ciências sociais. Na
opinião do autor, a Economia Politica evoca predicados que correspondem ao paradigma
da realidade operativa do liberalismo. Ele afirma que
as práticas assim identificadas com as relações internacionais são paralelas ao liberalismo intocado bem como seriam as práticas humanas. Mas uma vez que relações internacionais independem de encapsulação e incorporação no paradigma operativo do liberalismo, as Relações Internacionais são uma ilusão liberal. (ONUF, 2013, p. 19)
Dessa forma, Onuf, ao discorrer sobre a influência da teoria da escolha social,
afirma não ser surpresa nenhuma que as afirmações que identificam as relações
internacionais como puramente anárquicas sejam renovadas, uma vez, que a “anarquia é
o liberalismo levado ao seu extremo lógico: O único limite à conduta racional são aquele
impostos pelas condições materiais.” Essas afirmações não seriam um paradigma
operativo coerente para constituir a disciplina de Relações Internacionais, já que a
Economia Política tem instâncias excepcionais sobre cooperação internacional em
resposta a deficiências do mercado, por exemplo (ONUF, 2013, p. 19).
3.2 TEORIA DO VALOR–TRABALHO
O Marxismo é outro paradigma operativo que extrapola as linhas disciplinares e
idealiza as relações de produção de forma não menos abstrata que o mercado com as
relações de troca. O liberalismo, assumindo como certa a centralidade operativa do
mercado, recebe uma crítica marxista que, por sua vez, “situa manifestações históricas
em uma sucessão de modos de produção, fundamentados materialmente e necessários
logicamente.” Com considerável elegância e poder, a teoria do valor-trabalho orientou o
18
sistemático trabalho de Karl Marx sobre o capitalismo. Confinando a política na conexão
direta entre valoração de produtos e apropriação de mais-valia a teoria ganha sua força
por excluir a maioria das atividades consideradas importantes pelos membros das
sociedades capitalistas para serem chamadas de política.
Mesmo que a Economia Política Marxista dê uma consideração econômica do
que acontece com a mais-valia apropriada através da teoria do valor-trabalho, Onuf
enxerga que é necessário aprofundar o papel da política além desse sentido amplo. Para
sua análise, acredita, da mesma forma, que sua contrapartida liberal não apresentar uma
teoria paradigmática adequada a toda economia política (ONUF, 2013, p. 19-20).
3.3 A SOCIEDADE POLÍTICA
Uma terceira via de paradigma operativo com alcance interdisciplinar se
sobrepõe ao liberalismo e ao marxismo. Na tentativa de caracterizar qualquer conjunto de
práticas em termos suficientemente gerais para um paradigma operativo, Onuf acredita
existirem duas propriedades na sociedade política em todas suas manifestações. A
primeira é a penetrante presença de regras que, apesar de orientarem, não determinam,
mas que dão sentido social à conduta humana. Uma segunda propriedade surge se as
regras não são capazes de distribuir vantagens igualmente, sendo o resultado disso a
regra. “O predomínio de regra reflete a importância, que as pessoas dão para as
vantagens, que [a condição de] regra – através de regras – os assiste segurança e
manutenção” (ONUF 2013, p. 22). Onuf deixa claro que as pessoas usam recursos para
obter vantagens, mas nunca sem regras implicadas. Com isso, indica que
o paradigma da sociedade política é com aptidão nomeado porque conecta irrevogavelmente o sine qua non de sociedade – a disponibilidade, não, a inevitabilidade de regras – e política – a persistência de relações assimétricas, também conhecida como condição de regra (ONUF, 2013, p. 22).
Deste modo, o autor propõe uma “construção plausível de propriedades do
paradigma operativo da sociedade política” e defende que a análise de regras e regra
“deveriam constituir elementos essenciais em qualquer paradigma disciplinar
correspondente a esta realidade operativa”. Contudo, nega a proximidade de uma teoria
das propriedades gerais da sociedade política. Para ele, esta tentativa é encarada como
um primeiro passo em direção ao paradigma. Seguindo a tradição de Sheldon Wolin, para
19
quem o elemento da “autoridade” é identificado com a ideia do paradigma da sociedade
política (WOLIN, 1980 apud ONUF, 2013, p. 21), Onuf parte sua análise de grandes
teorias do passado e alcança as teorias mais robustas da tradição política ocidental.
Estas teorias, com seus usos constituintes seletivos, conferem a edificação de
proto-teorias relacionadas aos campos da Ciência Política e das Relações Internacionais.
Este exercício é o método favorito da filosofia. Assim, a seleção e leitura minuciosa
desses textos empreende o que Onuf chama “uma incursão filosoficamente informada nas
ciências sociais” (ONUF, 2013, p. 22).
20
4 CATEGORIAS DE REGRAS
Onuf procura desenvolver a ideia de que o paradigma operativo da sociedade
política possui propriedades abrangentes e assim identifica três categorias de regras “a
partir da consideração da linguagem como habilitadora na execução de atos sociais e
realização de objetivos fazendo declarações de afirmação, direção, e compromisso”
(ONUF, 2013, p. 23, grifo nosso). Onuf encontra formulações dessas categorias em vários
dos textos, clássicos e contemporâneos. Mesmo em teorias robustas onde acadêmicos de
Relações Internacionais apontam a centralidade da anarquia são discerníveis e evidentes
as discussões das condições de regra. As categorias aplicam-se mutuamente para as
regras e a condição de regra e apoiam a conexão decisiva entre regras–condição de
regra e a sociedade política, pois para Onuf, elas carregam toda uma gama de práticas
humanas e a sociedade política seria o termo operativo delas, ou seja, é a realidade na
qual elas operam.
O estabelecimento de categorias pressupõe que “dentro do paradigma
operativo estão vínculos de prática” e estes devem ser vistos “como resposta aos
problemas que repetidamente a sociedade confronta em sua existência social”, método
sem surpresa ou originalidade reconhecido desde Aristóteles (ONUF, 2013, p. 23). O
modo como as soluções de problemas são difundidas ou reinventadas possui tamanha
consistência, pois permite ao observador sua utilização para tipificação e consequente
constituição social, o que Max Weber chamou de tipos ideais (SHILS, FINCH, 1949, p.
90-110 apud ONUF, 2013, p. 23).
O autor ressalta que o ato de tipificar acontece somente na mente do
observador, mas o importante para ele é a posição de Weber de que as “tendências na
prática e representações do observador são constituídas separadamente mas reforçadas
mutuamente”. Weber acreditava que “a interação de práticas e representações operam
em conjuntos maiores de práticas que vistos de seu interior não possuem alguma
coerência” e também que existem “conjuntos menores e recorrentes de práticas, cuja
coerência é evidente até por aqueles nelas engajados.” Os primeiros, isto é, os grandes
conjuntos de práticas desprovidas de coerências, constituem o que Onuf chama
paradigmas operativos e ele usa o liberalismo como exemplo. Já o segundo grupo das
práticas reconhecidas coerentes, “são soluções de problemas tipificados, em primeiro
lugar por aqueles para quem são solução.” O motivo de nomear problemas na forma de
21
paradigmas é que eles compartilham com as soluções tipificadas uma função constitutiva
(ONUF, 2013, p.24).
Onuf pondera que a análise de teorias fornece interpretações de problemas
paradigmáticos, com frequência altamente abstratos, como os tipos “puros” de Weber. O
autor afirma ainda que é mais provável encontrarmos protótipos e estereótipos, como fez
George Lakoff (1987 apud ONUF, 2013, p. 24), e exemplares, do que tipos puros, uma
vez que, os “tipos não podem ser puros, porque são enxames de coisas, incluindo
conjuntos de práticas, que não possuem delimitações rígidas” (ONUF, 2013, p. 24).
A solução de Onuf para classificar a problemática sobre a incidência de regras
e regra se dá através do estabelecimento de suas três categorias em busca de soluções
duráveis. Para ele, diferente de tipos weberianos, suas categorias são puras pois
possuem delimitações definitivas. Utilizando como referência o trabalho de Lakoff aponta
que “uma forma recipiente pode ser chamada de ‘forma pura’” (1987, p. 354 apud ONUF,
2013, p. 25). Chama aqui de “categoria” apenas formas puras de acordo com as
pesquisas sintetizadas por Lakoff (1987), que desafiaram a visão de que “conceitos são
recipientes para coisas parecidas, metaforicamente estendida para todos os predicados.”
Desta forma, são “melhores descritos categorias impuras como famílias, […]espécies ou
gêneros” (ONUF, 2013, p. 25).
Afirma o autor que a criação de “esquemas classificatórios sistematicamente
relacionando categorias também são paradigmas construídos por práticas operativas e
representações dos observadores”. Onuf segue a linha de Robert K. Merton (MERTON,
1968, p. 64-72 apud ONUF, 2013, p. 26) e Talcott C. Parsons (PARSONS, 1978, p. 352-
353 apud ONUF, 2013, p. 26). Tais autores concebem esse tipo de trabalho com o
conceito de paradigmas codificatórios, ou seja, “eles permanecem entre problemas
paradigmas de um lado e paradigmas disciplinares e operativos do outro.” Como exemplo
de trabalhos neste sentido, que construíram teorias robustas, podemos elencar os
trabalhos de Michel Foucault (MEGILL, 1985, p. 234-236 apud ONUF, 2013, p. 26),
Anthony Giddens (sobre quem discorremos posteriormente) e Jürgen Habermas
(HABERMAS, 1984, p. 321 apud ONUF, 2013, p. 82). Afirma Onuf que
teorias robustas […] não rejeitam a possibilidade de uma reorientação disciplinar; de fato, esta é uma das razões para sua recente aparição e recepção entusiasmada. Muito em desacordo com o ethos normal da ciência, a chegada de teorias robustas fala do mal-estar crescente dentro das disciplinas existentes. Teorias robustas são paradigmas codificatórios, que não podem ser ignorados. Tenho vasculhado através de um número delas, não apenas por retalhos de apoio,
22
mas com uma ambição maior. Teria que juntar meu paradigma codificatório a outros, que na falta de algo melhor, chamamos “teoria social”. Como a teoria social ganha coerência, vai substituir paradigmas disciplinares em descrédito. Se disciplinas vão perdurar, vão depender de reivindicações paradigmáticas em que, menos paradigmas operativos possam ser distinguidos sem sobreporem o significado teórico atribuído a suas distinções. A reconstrução de Relações Internacionais requer a disciplina ser despida de suas pretensões atuais. Se isto significa um abandono de Relações Internacionais (a disciplina como é) e a possibilidade de teoria internacional (teoria peculiar a Relações Internacionais), então concordo. Bem como não concordo que isso signifique desistir das relações internacionais. Pelo contrário honra sua importância e assim seu lugar no paradigma operativo da sociedade política (ONUF, 2013, p. 26-27).
Apesar de terem uma concepção grandiosa, Onuf indica que “certamente não
são teorias paradigmáticas orientando disciplinas, pois elas permanecem em oposição à
gama atual de disciplinas de ciências sociais”. As realizações dos autores acima citados
“são concebidas para paradigmas operativos mais abrangentes que os das disciplinas de
ciências sociais contemporâneas” e “consequentemente elas atravessam as disciplinas
existentes e suas proto teorias.” O autor americano entende que “algumas delas se
assemelham as ‘grandes teorias’ de uma era pré disciplinar” (ONUF, 2013, p. 26).
23
5 POSIÇÃO CONSTRUTIVISTA
O caminho por onde Onuf pavimenta não começa no solo, com dados, como
julgariam em comum a maioria dos acadêmicos de Relações Internacionais e das
Ciências Sociais. Nas palavras do autor, “já cavados no solo estão as fundações, [que]
são usadas para erguer estruturas conceituais e construir teorias” desde a Grécia
Clássica até a atualidade (ONUF, 2013, p. 35). Resta no solo, na verdade, os escombros
dessa construção. Nos fala Onuf que as
verdades como nós assumimos que sejam, são inextricáveis dos argumentos oferecidos por elas. Alguém pode começar com fatos, ‘coisas’ como elas são, desse modo assumindo como dado o argumento pela sua factualidade. Alguém pode começar com palavras, ideias, argumentos, assumindo como dados os fatos aos quais se referem. Construtivismo começa com façanhas. Façanhas feitas, ações tomadas, palavras ditas – Isso é tudo que fatos são (ONUF, 2013, p. 35-36).
Com o intuito de reconstruir as Relações Internacionais, como uma
contribuição para a teoria social, Onuf retoma um aforismo de Goethe citado por Ludwig
Wittgenstein: “‘No começo havia a façanha” (WITTGENSTEIN, 1976, p. 420 apud ONUF,
2013, p. 35). O que para Wittgenstein expressava uma posição filosófica, Onuf chama de
construtivismo. “Em termos simples, pessoas e sociedades constroem, ou constituem,
uma a outra” (ONUF, 2013, p. 35, grifo do autor).
Como posição filosófica, o construtivismo aparece em variações e graus
diferentes em consideráveis segmentos na filosofia e teoria social contemporâneas, sendo
o filósofo Nelson Goodman um construtivista talvez em seu grau máximo. Assumindo uma
posição nominalista (GOODMAN, 1984, p. 50-53 apud ONUF 2013, p. 37), tradição “há
muito fora de moda” como aponta Onuf, Goodman “apreende que, as coisas existem
apenas na medida em que, são nomeadas como tais. O mundo é o que assumimos ser”
(ONUF, 2013, p. 37).
Oposto a tal posição está o realismo, segundo o qual “o mundo existe
independente de nós mesmos e as coisas em seu interior esperam nossa nomeação.” O
realismo encontra seus progenitores filosóficos em René Descartes e Immanuel Kant,
sendo este último, para Onuf quem “mais que ninguém impulsionou a Filosofia para sua
‘virada epistemológica’, e que, codificou o dualismo Cartesiano mente e mundo, dando
aos filósofos a responsabilidade primária para o primeiro e deixando o último para os
teóricos sociais.” No século XX a reaproximação entre filosofia e ciências sociais foi
24
possível através da “virada linguística” manifesta no interesse em cognição, “mas o
resultado foi um tipo de imperialismo epistemológico. Através do meio da linguagem, a
mente subordinou mundo” (ONUF, 2013, p. 38-39).
A visão construtivista de Onuf a respeito de paradigmas “aponta para um
conteúdo socialmente construído de todo o conhecimento, incluindo conhecimento
científico, sem repudiar a realidade material a qual o conhecimento se relaciona.” A
diferença na proporção do conteúdo social e material e nos diferentes modos de sua
interação “são a grande base para a proliferação de paradigmas através do reino do
conhecimento humano e sua sucessão através do tempo.” Uma vez que não há
separação entre realidade material e social, o construtivismo “encontra conteúdo
socialmente feito dominante em e para o indivíduo sem negar a independente, realidade
‘natural’ de indivíduos como seres biológicos materialmente situados” (ONUF, 2013, p.
40).
De outra forma, Onuf afirma que os pós-estruturalistas estariam corretos em
refinar as teorias sociais, dando ênfase na crítica radical sobre as muitas dualidades que
dominam o pensamento ocidental e que são carregadas de conteúdo logocêntrico. “Em
um lado estão mente, sujeito, consciência, racionalidade, permanecendo externos à
história ou tendo a palavra. No outro estão matéria, objeto, não saber ou compreender,
capturados na história ou surgidos da graça”. Nesse sentido, o construtivismo que o autor
apresenta “supera estas dualidades por tratar pessoas e sociedade como produtos um da
construção do outro” (ONUF, 2013, p. 41). Essa solução lembra o autor do ritmo dialético
de Hegel, no qual a dualidade entre tese e antítese resulta no terceiro movimento de
síntese.
Os pós-estruturalistas propõem em suas análises uma quarta unidade,
negando tanto o ritmo do movimento ternário da filosofia hegeliana quanto as
características de dualidades do pensamento ocidental. Jacques Derrida identifica essa
quarta hipótese para a investigação como um movimento desconstrutivo e,
consequentemente, acaba com toda a “máquina dialética” de Hegel (MEGILL, 1985, p.
273-274 apud ONUF, 2013, p. 42). Assim, a propensão de Onuf o coloca “distante da
contra tradição do ‘pensamento quaternário’ [do pós-estruturalismo] bem como da tradição
ocidental dominante do pensamento binário.” Porém, isso não implica para ele que “as
pessoas não construam e então dependam de dualidades”, ou que os “pós-estruturalistas
não tenham nada pertinente a dizer para um construtivista”.
25
Onuf reivindica que a desconstrução não pode ser associada com o
construtivismo. Sua visão de logocentrismo é esta: “O ato da construção, a co–
constituição de pessoas e sociedade, faz a história” (ONUF, 2013, p. 42).
Segundo o autor, a desconstrução “privilegia as palavras em uma guerra de
palavras”. Assim, o aforismo de Goethe “nega prioridade para a palavra ou para o mundo.”
Para Onuf, “a ‘façanha’ é inteligível somente como conjuntamente uma construção social
e evento natural, produzido pela mente mas fenomenal em sua própria maneira.” Esta
posição orienta a “filosofia de volta para a ontologia” e permite que a filosofia e a teoria
social sejam consideradas, sem privilegiar nenhuma à custas da outra, e o que o autor
assume como uma “virada ontológica” (ONUF, 2013, p. 42-43).
5.1 O LUGAR DE WITTGENSTEIN
A referência de partida do projeto de Onuf, está na leitura das teorias de
Wittgenstein em razão da enorme influência do filósofo austríaco “na Filosofia e teoria
social, precisamente porque ele é visto na conjuntura das duas” (ONUF, 2013, p. 43).
O pensamento de Wittgenstein é dividido em duas partes. Existe consenso
sobre o começo de sua carreira, período em que, criou “a mais rigorosa exposição da
linguagem como um veículo para representar a realidade já apresentada” (ONUF, 2013, p.
43). Resultado “de um programa filosófico secular em apoio à visão logocêntrica do
mundo. A linguagem nos permite suficiente distância do mundo que podemos representá-
lo como ele é, incluindo nosso lugar nele, através da linguagem” (ONUF, 2013, p. 43)
O mesmo Wittgenstein, mais tarde, vai repudiar esse programa, “seguindo seu
reconhecimento que a exposição sistemática – uma representação coerente de uma
realidade alegadamente coerente – é o problema”. Para descreditar uma visão de mundo
prevalecente apoiada em “uma concepção particular da linguagem”, a resposta só pode
estar em uma visão de mundo alternativa, pois para Wittgenstein “o que, a linguagem é, é
uma questão de como as pessoas a usam” (ONUF, 2013, p. 44).
Para Onuf, a preocupação da obra de Wittgenstein com a linguagem registra
uma virada da epistemologia para ontologia quando desloca “uma concepção particular
da linguagem com bases filosóficas”, o que torna possível pensar o construtivismo como
um projeto para a teoria social (ONUF, 2013, p. 44).
O interesse de Wittgenstein em teoria social se estende “ao que, parece estar
contido à tese familiar que a humanidade dá origem aos costumes e instituições”, e,
26
assim, “formam o pano de fundo pelo qual transpira a atividade humana.” Desta forma,
investiga “o que indivíduos fazem com a linguagem em determinadas circunstancias
sociais.” Quando muitas pessoas se comunicam em acordo, produzem formas de vida e
mais especificamente “convenções e instituições que dando ‘forma’ para ‘vida’ a tornam
social.” O ponto de vista de Wittgenstein é o do indivíduo pelo qual “as formas são sólidas
suficiente para orientar suas atividades cognitivas, ou como chama ‘jogos de linguagem’”.
Como suporte para sua interpretação está uma condição da tradição cultural logocêntrica,
uma das mais convencionais ideias sobre a condição humana, que é a defesa de que
“antes da sociedade, existem alguns traços fundamentais comum a todos humanos. No
começo havia natureza, ‘natureza humana’.” Seu interesse está “na relação do que, é
normal e o que, é natural” (ONUF, 2013, p. 44-45).
A contribuição de Wittgenstein ao construtivismo como teoria social está em
“sua preocupação pela linguagem em uso”, revisando “sua formulação paradigmática
anterior da linguagem como representação.” O seu movimento entre as duas fases de sua
carreira, quando avança da “teoria de imagem” da linguagem para a teoria de “jogos de
linguagem”, permite a Wittgenstein perceber “o lugar de regras na linguagem e se
linguagem é uma questão de uso (uso é uma questão social, afinal de contas)”,
percebendo o lugar de regras na sociedade. Como atribuiu à linguagem uma questão de
uso, “buscou atribuir o sentido do termo ‘regra’ por examinar seu uso” e assim identificou
regras caracteristicamente utilizadas para jogos de linguagem. Estes jogos podem ser
“um sistema de símbolos logicamente relacionados – uma linguagem não tendo
significado social em si mesma” e seu uso é incidental. Desta forma as regras governam o
jogo e não usá-las “altera o jogo e contribui para a multiplicidade de jogos.” Uma outra
leitura sobre jogos de linguagem pode ser que “um jogo deve ter uma linguagem ou, da
mesma forma, uma lógica, mas não é um jogo até que pessoas o joguem”. Assim, as
“regras guiam o jogo” e não usá-las “sacrifica a orientação mas nem o fato de jogar ou o
jogo ele mesmo.” Como “tais jogos não dependem de jogá-los, jogar depende deles”, eles
e suas regras “são necessariamente públicas”, mas “não os tornam diretamente sociais,
nada mais do que, faz suas existências depender de ‘uso regular’ ou ‘costumes’
(WITTGENSTEIN, 1968, par. 198 apud ONUF, 2013, p. 48). As regras governam a
linguagem a qual pessoas então usam para propósitos sociais” (ONUF, 2013, p. 47-48).
Algumas análises do trabalho de Wittgenstein “desconsideram a distinção entre
regras públicas governando a linguagem e regras sociais guiando uso”. Defendendo a
“preposição que a linguagem é governada por regras (seja representando a realidade ou
27
sendo ‘uma parte de uma atividade’)”, Peter Winch declara que “todo comportamento que
é significativo (portanto todo comportamento especificamente humano) é ipso facto
governado por regras” (WINCH, 1958, p. 52 apud ONUF, 2013, p. 49).
A intenção de Winch é “demonstrar uma diferença decisiva entre os reinos da
causa natural e assim ciência natural, e intenção humana e assim ciência social”. Sua
constatação coincide com a ideia de que “a consideração de Wittgenstein do que é seguir
uma regra é, por razões obvias, dado principalmente com um olhar para elucidar a
natureza da linguagem”. Afirma ainda que “a maioria do comportamento humano pode ser
descrito adequadamente em termos da noção de hábito ou costume e nem a noção de
regra, nem a de reflexividade são essenciais a isto” (WINCH, 1958, p. 45; 47 apud ONUF,
2013, p. 49, grifo do autor).
Onuf acredita ser “difícil sustentar a afirmação de que causalidade e intenção
são fontes primárias, mutualmente exclusivas da realidade, não menos que a inferência
tirada daí de que as ciências naturais e as ciências humanas são esferas distintas
invioláveis” (ONUF, 2013, p. 49).
Roy Bhaskar segue adiante e identifica que Winch falha em não distinguir
regras constitutivas de regulativas. De forma assertiva, Bhaskar afirma que “uma regra
nos diz que, formas de ação são possíveis (se é constitutiva) ou permissíveis (se é
regulativa)” (1979, p. 184 apud ONUF, 2013, p. 51, grifo do autor). Esta distinção remonta
honrosamente a Kant, porém não como categorias, uma vez que, “seu interesse era
discriminar entre relações lógicas estritas, as quais como categoria são regidas por
princípios constitutivos, e relações existenciais regidas por princípios regulativos.” Mas,
enquanto Roy Bhaskar continua afirmando que: “[…] ela [referindo-se a ‘uma regra’]
normalmente não nos diz como continuar”, Onuf discorda de tal posição, pois para ele
“regras de fato nos dizem como continuar”, apesar de não conterem tudo que podemos
saber enquanto continuamos, porque “nenhuma criação humana é capaz disso” (ONUF,
2013, p. 51).
A interpretação de Onuf é de que “regras não podem fornecer encapsulamento
para os propósitos de continuar porque regras não são arbítrio suficiente pelas quais
intenções equivalem a causas”. Ou seja, Onuf demonstra que a suposição de Winch que
separava os reinos de intenção e causa (tal qual ocorre com as ciências naturais e
sociais) não é necessária (ONUF, 2013, p. 51). Afirma, então, que
28
[…] podemos de forma bastante fácil interpretar regras como um importante, talvez ainda um arbítrio constitutivamente decisivo para a realização das intenções humanas e desse modo uma parte indispensável do que seres humanos precisam para serem capazes de “continuar” em um mundo socialmente construído (ONUF, 2013, p. 51).
As discussões sobre a distinção entre constituição e regulação também surgem
num importante ensaio de John Rawls (RAWLS, 1955). No entanto, este autor não usa os
termos “constituição” e “regulação”. Ao invés disso, Rawls identificou dois conceitos de
regras. O primeiro conceito diz respeito às “regras gerais ou leis científicas”, isto é,
“generalizações da experiência”. O segundo conceito se refere à noção de que as “regras
práticas, são ambas constitutivas e regulativas” (RAWLS, 1955, p. 24-25; 30 apud ONUF,
2013, p. 51).
Rawls identificaria a forma como a palavra “regra” significa causa e intenção.
Para pensar um mundo socialmente construído usamos ambos conceitos, já que, quando
observamos através da “rede de atividade intencional que constitui o social […], vemos
padrões causais”. De toda forma, isso “não muda o fato de todas regras em uma
realidade socialmente construídas estarem relacionadas à prática” (ONUF, 2013, p. 52,
grifo do autor).
Onuf destaca que “na realidade social que pessoas constroem (e constrói as
pessoas) o que pessoas assumem ser possível e o que a sociedade faz permissível
depende em ponto de vantagem, de uma relação com a prática, e não com a prática em
si” (ONUF, 2013, p. 51). Onuf aponta também que “a associação de Rawls entre prática e
um conceito de regras que, tem a ver com intenções é muito pontual. Práticas são o
conteúdo da continuidade.” Em um nível de “consciência prática” e muitas vezes de
reflexão autoconsciente, seres humanos consideram as regras para continuar. Anthony
Giddens identifica a noção de conhecer regras e saber como continuar em Wittgenstein
como consciência prática (GIDDENS, 1982, p. 31 apud ONUF, 2013, p. 52).
5.2 ESTRUTURAÇÃO TEÓRICA CONSTRUTIVISTA
Ainda há pouca defesa metódica do construtivismo em teorias sociais, porém
uma delas é a apreciação fenomenológica da vida diária presente nos trabalhos de
Edmund Husserl e Alfred Schutz, citados no trabalho de Richard J. Bernstein
(BERNSTEIN, 1978, p.126-136 apud ONUF, 2013, p. 53). Mas, na análise desses
trabalhos, Onuf observa uma “referência desqualificada para os papéis da ‘realidade’
29
sobre a tensão entre a constituição de significado e da sociedade, tolerando um viés em
favor de um sobre o outro” (ONUF, 2013, p. 55). Tratar significado e sociedade como co-
constituídos é necessário para uma abordagem construtivista adequada, pois
“constituição carrega uma carga fenomenológica em dois caminhos: a constituição de
significado subjetivo e a constituição de sociedade” (ONUF, 2013, p. 54).
O sofisticado trabalho de Giddens é outra exceção que defende a posição
construtivista metodicamente e, com excepcional cuidado, se posiciona em relação às
maiores tradições da teoria social. Em seu mapa teórico, Giddens traça duas tradições
fundamentais em oposição diametral, uma positivista representada pelo estruturalismo e
pelo funcionalismo, e outra interpretativa, representada pela hermenêutica e pela
fenomenologia. A tradição positivista possui um “’ponto de vista naturalista’ e é ‘propensa
ao objetivismo’”, dessa forma não faz distinção fundamental de ciência natural e social.
“Como os próprios termos ‘funcionalismo’ e ‘estruturalismo’ sugerem, esta tradição
enfatiza ‘a preeminência do todo social sobre suas partes individuais’. Em contraste, a
tradição interpretativa fixa no sujeito humano”, onde a “subjetividade é o centro pré-
constituído da experiência da cultura e história e como tanto fornece as fundações
básicas da ciência social e humana”. Fora está o mundo material, “governado por
relações impessoais de causa e efeito”. As sociologias interpretativas são fundadas sobre
o imperialismo do sujeito, enquanto, por sua vez o funcionalismo e estruturalismo são
fundados pelo imperativo do objeto social (GIDDENS, 1984, p. 1-2 apud ONUF, 2013, p.
55). Onuf lembra que essa construção da situação em teoria social não tem nenhuma
semelhança com as discussões das teorias de Relações Internacionais e de Ciência
Política.
Parece que, essas tradições colapsam em dois conjuntos de polaridades. O
primeiro conjunto objetivista–subjetivista, é epistemológico; o outro individualista–
coletivista, é ontológico. A prática usual seria identificar apenas a primeira polaridade, mas
ao distinguir a segunda Giddens falhou em mantê-las separadas.
Cada prática germina uma séria discórdia, mas, ao sistematizá-las, podemos
imaginar uma matriz de quatro células de possibilidades gerais para teorias sociais.
30
Fonte: ONUF, 2013.
Assim conforme Onuf, mesmo Giddens ciente em seu trabalho das orientações
pós-estruturalista e da escolha social, falha por não reconhecer a divisão das
propriedades fundamentais entre hermenêutica–fenomenologia e funcionalismo–
estruturalismo. O caso do pós-estruturalismo parece mais difícil. Mas podemos pensar
com Onuf que “na medida em que desconstrução prevalece, todas fundações são
repudiadas. Na medida em que genealogia prevalece, resultam histórias – nas instâncias
de Foucault, histórias da loucura, assistência médica, encarceração, sexualidade.” Assim
o que mais seriam essas histórias, se não a “experiência subjetiva manifesta
coletivamente” (ONUF, 2013, p. 56-57).
Giddens tenta conectar posições polares, ou seja, o individualismo subjetivista
com o coletivismo objetivista. Recusando a se alinhar a uma tradição teórica existente e
afirmando que especificar uma teoria significa ocupar uma posição, Giddens opera
“exclusivamente no domínio das relações de posições” e coloca acima dessas tradições o
que vai chamar a teoria da estruturação que bebe destas relações. Em suas próprias
palavras, “o domínio básico do estudo de ciências sociais não é a experiência do ator
individual, nem a existência de alguma forma de totalidade social, mas práticas sociais
ordenadas através do espaço e tempo.” Atividades sociais não existem por causa de
atores sociais (muito está contido na expressão ator), mas por eles são continuamente
recriadas. Nas atividades e através delas, os agentes reproduzem as condições que as
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tornam possíveis (GIDDENS, 1984, p. 1-40 apud ONUF, 2013, p. 58). Este projeto
desenvolve o que Onuf chama teoria social construtivista e conecta quatro posições
através das tradições de teoria social, operando em dois axis – epistemológico e
ontológico. São as afirmações de Giddens que, finalmente, permitem a realização de
Onuf.
Observando o polo superior esquerdo da figura 1-1, representado pelas
tradições da hermenêutica e fenomenologia, vemos que elas partem de uma orientação
interpretativa com epistemologia subjetiva e ontologia individualista. Onuf percebe que
Giddens contempla essa posição de análise a partir da proposição: “As regras tornam a
vida social inteligível para aqueles que estão participando dela”, ou seja, a realidade social
é resultado das regras que, permitem a cognoscibilidade necessária para sobrevivência,
sendo capazes de prover um significado subjetivo à vida. Sem habilidades cognitivas, os
seres humanos não podem sobreviver dependendo apenas de programas geneticamente
codificados (ONUF, 2013, p. 59).
Do lado superior direito da figura 1-1, uma epistemologia objetivista de
ontologia individualista representa a teoria da escolha social e é concebida como uma
posição de análise, que fica evidente quando Giddens observa que “seres humanos são
agentes competentes”. Isto significa que seguir ou não uma regra depende de saber fazer
uma avaliação de consequências desta escolha. A vida social é constituída e reconstituída
através do tempo e espaço através dessa consciência prática. Se essa continuidade da
vida social existe, “a maior parte dos atores devem estar certos a maior parte do tempo;
quer dizer, sabem o que fazem, e com sucesso comunicam seu conhecimento.” Assim,
em concordância com os teóricos da escolha social, Onuf destaca que “a maior parte de
tal conhecimento não é articulado por agentes” e que qualquer agente age racionalmente
quando “pode especificar sistematicamente as regras e condições de ação” (GIDDENS,
1984, p. 41-92 apud ONUF, 2013, p. 59).
Na célula inferior esquerda da figura 1-1, Onuf entende que o pós-
estruturalismo como posição de análise epistemológica subjetiva e de ontologia coletiva
tem sua concepção atribuída a Foucault. A sua caracterização versa sobre determinado
recorte de espaço e tempo, que pressupõe que “agentes humanos criam regras e
distribuem recursos de acordo com essas regras, a fim de garantir e abrigar vantagens
sobre outros agentes. Seu sucesso diferencial produz assimetrias na habilidade de
agentes controlarem as ações de outros agentes”, mas isso não exclui “a possibilidade
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que agentes desavantajados mas competentes podem subverter ou reverter tais
assimetrias” (ONUF, 2013, p. 59-60)
Por fim no polo direito da figura 1-1, a constituição do funcionalismo e
estruturalismo como posição de análise contempla a epistemologia objetivista sobre a
ontologia coletiva. Onuf observa a afirmação de Giddens sobre a hipótese na proposição
de que “a vida social exibe coerência.” Existem propriedades objetivas na consistência
com que o comportamento racional de agentes humanos produz e reproduz uma vida
social caracteristicamente orientada por regras. “As ações de agentes particulares são
geralmente improváveis para afetar decisivamente a produção contínua de uma realidade
social coerente. Agentes sabem disso” (ONUF, 2013, p. 60). Porque é aceita como real e
existe por sua facticidade, vivemos uma realidade de sistemas sociais que implica
assimetrias.
Para garantir uma conexão destas quatro vias – dispostas no diagrama da
figura 1-1 – que esteja ancorada na natureza e na história é imperativo para Giddens
considerar a relevância das condições materiais. Nenhuma das quatro tradições
elencadas requer ou proscreve esta necessidade. Onuf identifica que as condições
materiais são “circunstâncias – imediatas, inteligíveis, mas não de nossa própria escolha
– nas quais agentes humanos fazem a história” (ONUF, 2013, p. 60-61). Na análise
realizada acerca da teoria da estruturação giddeana, Onuf observa a abordagem utilizada,
afirmando que
Giddens […] começa por substituir dualidades necessárias às divisões permanentes da teoria social – sujeito, objeto; agente, estrutura – com o que, ele chamou uma dualidade de estrutura, mas qual ele explicou como uma dualidade de estruturas e de sistemas. A dualidade de estruturas recebe “regras e recursos” para serem “organizados como propriedades de sistemas sociais.” A dualidade de sistemas recebe “relações reproduzidas entre atores ou coletividades” para serem “organizadas como práticas sociais regulares”. Estruturas carecem de sujeito e são “fora de tempo e local.” Os sistemas dependem “das atividades situadas por agentes humanos” mas não possuem lugar, em seus próprios termos, para regras e recursos. O problema é conectar a transformação de relações efetuadas através de regras e recursos com a reprodução de relações como práticas sociais regulares. A solução é estruturação, definida como as “condições que governam a continuidade ou transmutação de estruturas, e portanto a reprodução de sistemas sociais” (GIDDENS, 1984, p. 25 apud ONUF, 2013, p. 61).
A articulação para essas condições governantes estaria na proposição acerca
das “propriedades estruturais de sistemas sociais […], ambos meio e resultado de
práticas que elas organizam recursivamente” (GIDDENS, 1984, p. 25 apud ONUF, 2013,
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p. 61). Esta dupla dualidade é entendida pela referência em estruturas “para a
transformação de relações” e em sistemas “para relações reproduzidas.” O termo
“organizado” pressupõe recursividade na “propensão para agentes bem informados
referirem-se às ações passadas e antecipadas, suas e de outros, em decidir como agir:
Empenham-se em ‘autorregulação reflexiva’” (GIDDENS, 1979, p. 78 apud ONUF, 2013,
p. 62). O meio para unir as dualidades de estruturas e sistemas são, portanto, as regras.
Fundamentais a ambas dualidades, as regras atravessam cada uma delas permitindo
recursividade. “Se recursividade é a chave conceitual, então regras são a chave
operacionalmente.” Para acompanhar a teoria da estruturação, ao que parece Giddens cai
novamente no lugar que “sua ou qualquer teoria social construtivista deve repudiar – a
distinção entre tipos de regras constitutivas e regulativas”. Ele defende a “visão
convencional que as regras funcionam recursivamente em qualquer um de dois modos:
por constituir significado ou impor custos em conduta contrária ao que o seu conteúdo
indica”. Isto é, sob o risco de uma discriminação injustificada entre constituição e
regulação, que pode derivar da dualidade de significação e sanção. Onuf nos lembra que
“as regras devem ser sempre constitutivas (quer dizer, transformativas) e regulativas (quer
dizer, reprodutivas)” (ONUF, 2013, p. 63).
Retomando a abordagem sobre recursos, “no sistema de definições de
Giddens, regras fazem estruturas, e recursos as fazem ‘estruturas de dominação’.” Ainda
ecoando o tema da convenção da dualidade de regras constitutivas e regulativas, afirma
que os recursos são divididos entre alocativos e autoritativos. “Estes termos são muito
familiares, na medida em que eles convencionalmente distinguem mercado e economias
direcionadas” (ONUF, 2013, p. 63). Este autor defende, ainda que
em apreciação, sua lista de recursos alocativos – características materiais do ambiente, meios de produção material, e artefatos de produção – identifica os tipos de condições materiais implicadas na construção social da realidade. Sua lista paralela de recursos autoritativos – organização do espaço-tempo social, organização de seres humanos em associação mútua, e organização das chances de vida – de fato descreve categorias de regras (ONUF, 2013, p. 63-64).
O empreendimento humano é possível uma vez que é organizado relacionando
de alguma forma regras e condições materiais, pois assim são identificadas com
propósitos sociais. As características apreciadas em ambas listas relacionam-se com
regras e recursos, e sua discriminação serve analiticamente para concluir que “regras são
o componente social, recursos o componente material em todo empreendimento humano.
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[…] Recursos não são nada, até mobilizados através de regras; regras não são nada, até
combinadas a recursos para efetuarem regra” (ONUF, 2013, p. 64).
Onuf assume o trabalho de se aprofundar ainda mais nas regras, dando o teor
necessário para propósitos construtivistas além dos termos de recursos, esclarecendo a
relação entre ambos. Em outras palavras, o trabalho do autor prossegue, categorizando
regras com o objetivo de identificar as características do processo de constituição dos
seres humanos, e relacionando as condições materiais às condições de regra presentes
em todas as sociedades (ONUF, 2013, p. 65).
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6 CONCLUSÃO
O esforço aqui empreendido tem como interesse analisar algumas
considerações teóricas na constituição científica do começo do século XXI. Elas apontam
um caminho possível na busca por formas diversificadas de investigação de problemas e
obtenção de soluções mais eficazes. Neste sentido, sugerem um aperfeiçoamento nas
análises das relações sociais e das estruturas existentes para o melhor nível possível. Isto
porque aparentemente, o nível atual de desenvolvimento não é sustentável.
As hipóteses aqui apresentadas trazem ideias pertinentes sobre a construção
subjetiva do tecido social, com o intuito de superar as justificativas para as desigualdades
estruturais do sistema vigente, tão presentes no senso comum. Neste sentido, o trabalho
apresenta posições relevantes sobre o sentido que as ciências humanas poderiam tomar.
Quando Karl Marx fez sua pesquisa, no século XIX, sobre as contradições
inerentes à constituição da sociedade capitalista, indicava também que o desenvolvimento
dessas contradições esgarçariam as relações sociais a tal ponto que uma inflexão seria
imperativa.
O trabalho arquitetado por István Mészáros, sintetizando as ideias contidas na
teoria da alienação marxiana, apreende que a construção subjetiva da sociedade repele
críticas tratando as contradições do sistema como um dado pertencente à essência
humana. Ele apontava que o caminho para uma ciência verdadeiramente humana
necessariamente requereria uma percepção ontológica positiva, que ele vai chamar de
ontologia social dialética complexa, no qual certas concepções antropológicas devem
situar-se dentro desse quadro ontológico. Podemos concluir a inevitabilidade dessa
interpretação e, uma vez que, distinções preteridas como a-históricas serão
desmistificadas pelo próprio movimento da história.
O filósofo italiano Antonio Gramsci, desenvolvendo seu conceito ampliado de
Estado, evidencia como a formação sociopolítica de nosso tempo acontece pela relação
entre sociedade política e sociedade civil, que propaga uma ideologia comum através
da hegemonia dentro do que chama bloco histórico. Sua análise histórica prevê o
surgimento, no seio de uma hegemonia, de críticas às contradições existentes. Neste
sentido, é necessário um esforço de compreensão dos fenômenos em busca de
significados positivos, que possam traduzir-se em “campanhas de massa” com propósitos
constitutivos. Por exemplo, nesse momento da história, está sendo delineado um
movimento composto por intelectuais, políticos e artistas que busca recompor estes
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significados através de um projeto estadunidense chamado New Green Deal. Na
apresentação do movimento, Naomi Klein explica como “na hora certa, uma massa crítica
da humanidade na maior economia do mundo chegou a acreditar que, realmente
valíamos a pena ser salvos” (KLEIN, 2019).
Para pensar no sentido da constituição subjetiva da sociedade atual,
apresentamos o trabalho do professor estadunidense Nicholas Onuf. Sua contribuição
esboça a situação atual de teorias sociais e desenvolve um quadro de referência mais
preciso para a descrição da realidade. Na mesma tradição do italiano Antonio Gramsci,
busca por alargar as análises sobre política para além da instituição do Estado,
desenvolvendo de forma crítica suas propostas no campo das Relações Internacionais.
Como o autor explica, uma vez que as ciências sociais fazem reivindicações constitutivas
da realidade, para ele é necessário assumir posições precisas para analisar fenômenos
de forma que não recorram a um conteúdo enviesado com a carga de suposições que, ele
afirma, são transmitidas através de uma doutrina.
Diante da exposição do projeto de Onuf, podemos assim concluir que análises
constitutivas da sociedade, que buscam descrições abrangentes e precisas, devem ser
orientadas por considerações que incluam simultaneamente ontologias com percepção
individualista e coletiva, sob a premissa de que pessoas e sociedades são co-
constituídas. Também podemos estabelecer hipóteses sobre ambas epistemologias
objetiva e subjetiva, uma vez que suas relações não são possíveis de delimitar
rigidamente, em completo acordo com as diferentes tradições do pensamento ocidental.
Assim, considerações onde a exposição de uma posição não prevaleça sobre a outra são
necessárias para o objetivo de extrapolar a conexão entre política e Estado.
O trabalho de Onuf segue por aplicar o estabelecimento da sua teoria para
discorrer sobre o paradigma de regras na sociedade política. Nosso objetivo aqui limita-se
em apresentar a posição que este autor toma para confluir com formações subjetivas do
pensamento, e consequentemente da sociedade. Se sua teoria possuir poder suficiente
em fornecer orientação para descrições aprimoradas da realidade, mais paradigmas serão
elencados sobre premissas construtivistas. Se tais paradigmas perdurarão ou cairão em
perspectivas idealistas, apenas o tempo indicará.
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