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Pequenas (ou não tão grandes) casas na arquitetura contemporânea brasileira: ideias para amanhã? Ana Elísia da Costa* Resumo Diante da emergência de uma nova sociedade, não mais baseada nas famílias tradicionais, como a “casa compactase manifesta na arquitetura contemporânea brasileira? O artigo busca levantar elementos que ajudem a responder a este questionamento. Para tanto, é analisada a produção de 25 escritórios de jovens arquitetos brasileiros, eleitos em 2010 como a “nova geração de arquitetos brasileiros”. Quantitativamente, observa-se que poucas são as casas compactas produzidas e que a maioria é de casas não-urbanas e de uso esporádico. Para fundamentar o estudo do ponto de vista qualitativo, é desenvolvida uma pequena revisão bibliográfica sobre casas compactas na modernidade. Observa-se que os arranjos espaciais modernos, apesar de datados no ínicio do Século XX, ainda são pertinentes para analisar os casos contemporâneos brasileiros. Diante da reduzida produção e pouca inovação, questiona-se: seriam estas casas capazes de sugerir ideias para a casa brasileira do amanhã? Palavras-Chave: Casa compacta; Casa contemporânea; Arquitetura brasileira * Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil.

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Pequenas (ou não tão grandes) casas na arquitetura contemporânea brasileira: ideias para amanhã?

Ana Elísia da Costa*

Resumo

Diante da emergência de uma nova sociedade, não mais baseada nas famílias tradicionais, como a “casa compacta” se manifesta na arquitetura contemporânea brasileira? O artigo busca levantar elementos que ajudem a responder a este questionamento. Para tanto, é analisada a produção de 25 escritórios de jovens arquitetos brasileiros, eleitos em 2010 como a “nova geração de arquitetos brasileiros”. Quantitativamente, observa-se que poucas são as casas compactas produzidas e que a maioria é de casas não-urbanas e de uso esporádico. Para fundamentar o estudo do ponto de vista qualitativo, é desenvolvida uma pequena revisão bibliográfica sobre casas compactas na modernidade. Observa-se que os arranjos espaciais modernos, apesar de datados no ínicio do Século XX, ainda são pertinentes para analisar os casos contemporâneos brasileiros. Diante da reduzida produção e pouca inovação, questiona-se: seriam estas casas capazes de sugerir ideias para a casa brasileira do amanhã?

Palavras-Chave: Casa compacta; Casa contemporânea; Arquitetura brasileira

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil.

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Pequenas (ou não tão grandes) casas na arquitetura contemporânea brasileira: ideias para amanhã?

Com a emergência de uma nova sociedade, não mais baseada na família tradicional e seus inúmeros filhos, o tema da casa compacta ganha nova relevância na contemporaneidade. Livros, artigos, trabalhos acadêmicos, bem como workshops e concursos de projetos promovidos em vários países, buscam adotar este tema como objeto de estudo.

Diferente do modo como o tema foi adotado no início do século XX, hoje não se trata apenas de atender às demandas de habitação social, com restrições financeiras e de área útil, mas também de atender a um desejo contemporâneo de tornar o espaço, sensorial e fisicamente, mais amplo, versátil e dinâmico (FONSECA, 2013).

Como a casa compacta emerge na arquitetura contemporânea brasileira? Quais os esquemas tipológicos recorrentes? Tais experiências podem indicar que estão sendo construídas e/ou consolidadas novas práticas projetuais?

O artigo busca levantar elementos que ajudem a responder aos questionamentos. Trata-se de um levantamento inicial da pesquisa “Casa Contemporânea Brasileira: regra e a transgressão tipológica no espaço doméstico”, iniciada em 2014, com a participação de cinco universidades1.

Para tanto, é analisada a produção de 25 escritórios de jovens arquitetos brasileiros, eleitos em 2010 como a “nova geração de arquitetos brasileiros”2. Uma análise inicial revela que, apesar do perfil das famílias brasileiras ter mudado3, o programa residencial preserva padrões observados na primeira metade do século XX. As demandas por casas com três ou mais dormitórios ainda é quantitativamente mais expressiva. Poucas são as casas isoladas compactas e a maioria é de casas não-urbanas e de uso esporádico.

Apenas sete dos escritórios analisados produziram, após o ano de 2000, casas com menos de 150m2: Nitsche arquitetos; Carla Juaçaba, Studio Paralelo; Arquitetos Associados; Frederico Zanelato; SBPR; Grupo SP; Metro Arquitetos. Identificou-se dezoito projetos, sendo eles casas-refúgio (08), casas urbanas em terrenos de grandes e pequenas dimensões (03), casas-protótipo e habitações sociais (06) e casas-studio (01). Apesar das diferenças programáticas, percebe-se estratégias projetuais recorrentes, sendo estas apresentadas neste artigo.

Para fundamentar o estudo, é desenvolvida uma pequena revisão bibliográfica sobre casas compactas na modernidade europeia, americana e brasileira. Identifica-se estratégias recorrentes de projetos, que, apesar de adotadas no início do século XX, ainda são pertinentes para analisar os casos contemporâneos brasileiros. Destaca-se o zoneamento por níveis, por faixas ou pela inserção de blocos hidráulicos isolados na planta livre. Tais estratégias, bem como a miscigenação das mesmas, também são observadas nas casas contemporâneas brasileiras.

1 UFRGS, UFPB, UFPel, UEG, UCS. 2 http://mulher.uol.com.br/casa-e-decoracao/noticias/redacao/2010/08/17/revista-elege-os-25-escritorios-que-devem-definir-o-perfil-da-arquitetura-brasileira-ate-2035.htm 3 Segundo o Censo do IBGE, em 2010, o perfil da família brasileira podia ser assim caracterizado - 11,5% - pessoas sozinhas; 17,4% - casais sem filhos; 47,3% - casais com filhos; 17,4% - mulheres solteiras com filhos; 6,2% - Outros tipos.

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De modo conclusivo, são traçadas considerações quantitativas e qualitativas sobre o universos estudado e apontada uma problematização - Seriam estas casas capazes de sugerir ideias para a casa brasileira do amanhã?

A Habitação compacta moderna

O tema da casa mínima tem suas origens no segundo CIAM (1929), que buscou estabelecer parâmetros mínimos para o habitar. A partir daí, começou a ser discutida a relação entre a área dos ambientes e as necessidades físicas e psicológicas de um “homem–comum”. Também foram discutidos parâmetros de salubridade, decorrente da ventilação e iluminação dos ambientes. (AYMONINO, 1973)

A discussão subsidiou, principalmente, experiências de habitação social e coletiva. Merece destaque o pioneirismo dos conjuntos habitacionais de Stuttgart (1927), Viena (1929 e 1934) e Frankfurt (1929-1930). Mais tarde, as Unidades de Habitação de Le Corbusier também se transformaram em emblemas da habitação coletiva moderna. No conjunto, foram construídas habitações de 21m2 para pessoas solteiras; de 40m2, com dois dormitórios; e de 57m2, com três. Discutia-se que a área mínima para uma pessoa deveria variar de 2,5 a 14m2, considerada como “unidade biológica” ou “célula”. (FOLZ, 2005)

Além da área reduzida, uma série de estratégias projetuais caracterizam a habitação mínima. Fonseca (2013) destaca: 1) a planta livre, integrando os ambientes sociais e permitindo a compartimentação por móveis e paníes deslizantes; 2) a sobreposição ou simultaneidade de usos num mesmo espaço; 3) a compartimentação do banheiro, com individualização do vaso sanitário, permitindo o uso simultâneo do mesmo; 4) a compactação das cozinhas, independente do número de moradores.

Além das estratégias destacadas, pode-se mencionar ainda as soluções com mezanino. Dispondo dormitórios no pavimento superior e ambientes sociais e de serviço no pavimento inferior, a solucão busca amenizar a falta de privacidade que a sobreposição de funções impõe nas áreas restritas, como na Casa para Artesãos (1924) (Figura 1) e na Unidade de Habitação de Marselha (1947-1953), de Le Corbusier.

a

Fig. 01 - Casa para artesãos. 1924. Le Corbusier Fonte: http://gianf.altervista.org/projects/lecorbusier/lecorbusier.html

O Refúgio

Gradativa e concomitantemente, as estratégias da habitação mínima social e coletiva também foram incorporas em habitações isoladas, nas quais não havia necessariamente restrições econômicas. Destacam-se cabanas, casas-refúgio ou casas de fim de semana, cujas restrições dimensionais

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serviram de laboratório para experimentar soluções que inspiram o que hoje se entende como casa compacta.

A Petit Maison (1925) e a Casa de Fim de Semana (1935), ambas de Le Corbusier, são exemplares notáveis das décadas de 1920 e 1930. A primeira casa aceita a sobreposição de usos e o controle da privacidade se dá através de painéis deslizantes. Na segunda, quarto e banheiro compartimentados deixam integrados os ambientes sociais. Nos dois casos, a cozinha compacta e o banheiro compartimentado convergem com o discurso da habitação moderna. (Figuras 2a e 2b)

Na década de 50, dois projetos de cabanas merecem menção - Cabanon-de-Roqubrune (1952), de Le Corbusier, e a Cabana Peterson (1958), de Frank Lloyd Wright. Na primeira, o detalhamento do mobiliário é entendido como componente indispensável para o bom funcionamento da “máquina de morar”. Na segunda, “quarto-banheiro-cozinha” configuram um núcleo compartimentado, que se contrapõe à planta livre do setor social. (Figuras 2c e 2d)

a/b

c/d

Fig. 02 – Casas-refúgio modernas: (a) Petit Maison (1925); (b) Casa de Fim de Semana (1935); (c) Cabanon-de-Roqubrune (1952); (d) Cabana Peterson (1958)

Fonte: (a) http://institut-architecture-nice.npage.fr/le-corbusier-die-idee-der-wohnmaschine-une-petite-maison-von-alfred-werner-maurer2.html;

(b) http://petitcabannon.blogspot.com.br/2012/12/the-weekend-house-and-small-house-by-le.html; (c) http://pavidillion.blogspot.com.br/2013/07/le-cabanon-de-roqubrune-le-corbusier.html;

(d) FLORIO, 2008, p. 174

A casa compacta isolada

A integração dos ambientes do setor social será recorrente nas Usonian Houses de Wright, construídas como habitações compactas e econômicas. Destaca-se a casa George Sturges (1939), com duas faixas de uso - planta livre e planta compartimentada -, estando os ambientes de permanência prolongada voltados para a paisagem. (Figura 3a)

A experiência de Wright com as experiências europeias alavancaram movas propostas de casas compactas, principalmente, por parte dos

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arquitetos europeus que migraram para os Estados Unidos. As casas binucleadas de Marcel Breuer merecem menção, com faixas compartimentadas contrapostas a plantas-livre, como fazia Wrigth. Nelas, recorrentemente, cozinha e banheiro configuram um núcleo hidráulico longitudinal ou transversal na planta-livre. (COTRIN CUNHA, 2005) (Figuras 3b e 3c)

Simultâneo às experiências de Breuer, Mies Van der Rohe e Philip Johnson desenvolvem casas que possuem apenas um quarto e uma generosa área social - Farnsworth (1945-50) e Glass House (1949). Apesar de não configurarem casas exatamente compactas, os arranjos apresentam soluções que serão replicadas nas investigações de casas compactas contemporâneas. Nelas, se destaca o modo como dramatizam a inserção dos núcleos hidráulicos, favorecendo a sobreposição de funções e a relação entre interior e exterior. (Figuras 3d e 3e)

a

b/c

d/e

Fig. 03 – Casas compactas isoladas: (a) Casa George Sturges (1958); (b) Cabana Chamberlain (1940); (c) Casa Breuer II (1948); (d) Farnsworth (1945-50); (e) Glass House (1949).

Fonte: (a) FLORIO, 2008, p. 174; (b) http://chamberlaincottage.blogspot.com.br/; (c) http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.064/428;

(d) http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/05e6_45-02-12.jpg; (e) http://www.greatbuildings.com/buildings/Johnson_House.html

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Entre as casas-refúgio e as casas compactas isoladas modernas, percebe-se a consolidação de dois arranjos espaciais principais, além do mezanino lecorbusieno – a organização da planta em faixas, com áreas compartimentadas e planta livre; e a inserção isolada dos núcleos hidráulicos na planta livre.

Algumas experiências da arquitetura moderna brasileira

As inovações espaciais modernas também foram experimentadas no cenário brasileiro, mesmo com poucas casas isoladas compactas produzidas. A casa moderna brasileira, prioritariamente, possui grandes dimensões, três e mais dormitórios, e destinava-se a famílias de classe média e alta, que cultural e financeiramente tinha condições de assimilar os valores modernos de morar.

Como experiências isoladas e ilustrativas, que não procuram esgotar toda a produção realizada, podem ser apontadas algumas casas de Affonso Eduardo Reidy4, Oscar Niemeyer, Aldary Henrique Toledo, Irmãos Roberto e Lina Bo Bardi. Quase todas as casas são inseridas em grandes glebas, e também possuem caráter de casas de fim de semana ou uso esporádico.

Na década de 1930, Niemeyer projeta a Casa Oswaldo de Andrade (1938), que abriga o programa em um volume de base quadrada e dormitórios organizados num mezanino (CAVALCANTI, 2001). O arranjo remete à Casa para artesãos (1924) de Le Corbusier, pela sua geometria, espacialidade e zoneamento em níveis. (Figura 4a)

Na década de 40, merecem destaque a Casa Charles Ofaire (1943), de Niemeyer, e a Casa Jorge de Castro (1948), de Toledo, que assumem arranjos similares - uma barra horizontal, com aspecto pavilhonar e quarto disposto no desvão da cobertura em asa de borboleta, configurando um pequeno mezanino. No pavimento inferior, as áreas compartimentadas se agrupam em faixas, sendo que na primeira ainda existe um pilotis. (Figuras 4b e 4c). Estas casas fundem o arranjo em mezanino de Le Corbusier com o arranjo em faixas de Breuer.

Dois projetos de Niemeyer de 1949 retomam os modelos das casas binucleares de Breuer - Casa em Mendes e Casa no Rio de Janeiro (CAVALCANTI, 2001). Nos dois casos, observa-se faixas que concentram as instalações hidráulicas, voltando quartos e salas para a paisagem. (Figuras 4d e 4e)

A experiência de organização da planta em faixas tem continuidade na década de 50. A casa Faria Goes (1952), dos Irmãos Roberto, revela a concentração de banho-cozinha-quarto em uma faixa e os ambientes sociais integrados em outra faixa, configurando um grande salão. (Figura 4f)

Em sentido oposto, Bo Bardi desenvolve a Casa Cirrel (1958), que retoma a estratégia da casa para artesãos (1924), de Le Corbusier. Observa-se um prisma de base quadrada e um mezanino que ocupa a sua diagonal. O programa principal se reduz a este volume, sendo acrescido um segundo volume de serviço. (Figura 4g) (CAVALCANTI, 2001)

4 Cita-se: Casa Itaipava (1942) e Casa na Tijuca (1948).

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a

b/c

d/e

f

g

Fig. 04 – Casas compactas modernas brasileiras: (a) Casa Oswald de Andrade (1938); (b) Casa Charles Ofaire (1943); (c) Casa Jorge de Castro (1948); (d) Casa em Mendes (1949); (e)

Casa no Rio de Janeiro (1949); (f) Casa Faria Goes (1952); (g) Casa Valéria Cirrel (1958).

Fonte: (a, b, c, d, e, f) HECK, 2005, p. 124,166, 218, 232 ,234, 296; (g) http://www.urbipedia.org/index.php?title=Casa_Valeria_Cirell

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Assim, a experiência de casa compacta moderna no Brasil, de modo recorrente, busca referência na casa com mezanino de Le Corbusier e nos arranjos em faixas de Wright e Breuer. As casas de Johnson e Mies, com suas plantas livres e núcleos hidráulicos ilhados, pouco reverberaram no cenário das casas compactas modernas brasileira.

A casa compacta contemporânea brasileira

Se a casa compacta moderna brasileira não foi quantitativamente expressiva, o mesmo pode ser dito sobre a casa contemporânea. A análise do website de 25 escritórios de jovens arquitetos brasileiros revela dois aspectos fundamentais: 1) a produção de casas unifamiliares é significativa, mas o número de casas pequenas é quase inexpressivo – dos 263 projetos levantados, somente dezoito possuem área inferior a 150m2. O arquiteto brasileiro ainda é solicitado a atender, prioritariamente, as demandas por casas grandes, com três ou mais quartos; 2) a maioria das pequenas casas são desenvolvidas para uso esporádico, são casas não-urbanas ou módulo flexíveis que permitem a inserção em diferentes contextos. Apenas cinco das casas estudadas estão inseridas num tecido urbano, das quais, três em um lote urbano ordinário.

Apesar do perfil das famílias brasileiras ter mudado, o programa residencial ainda se faz resistente aos padrões da primeira metade do século XX. As motivações para o fato podem ser diversas5, mas o fenômeno também é observado no mercado imobiliário de edifícios de apartamentos. Segundo Tramontano e Villa (2000), a oferta do número generoso de quartos persiste, sendo observada apenas a redução de suas áreas. Em alguns apartamentos de um ou dois quartos, a ampliação a área dos quartos se deve ao novo perfil do consumidor – “(...) singles, casais sem filhos ou com um único filho, de poder aquisitivo alto, que preferem não ter muito trabalho com a casa (...)” e que usufruem em paralelo de uma generosa área de lazer coletiva.

As poucas experiência brasileira inclui casas casas-refúgio, casas urbanas, casas-protótipo, habitações sociais e casas-studio. Apesar das diferenças programáticas, percebe-se estratégias projetuais recorrentes, condicionadas principalmente pela tentativa de compactar áreas, estando estas analisadas pelo número de pavimentos.

Casas térreas

A maioria das casas estudadas com um pavimento remete aos arranjos em

faixas, variando essencialmente a disposição dos núcleos hidráulicos: 1)

transversalmente dispostos na planta - entre sala e quarto ou nos seus

extremos; 2) longitudinalmente, integrando sala e quarto6.

No primeiro caso, a disposição do núcleo hidráulico entre sala e quarto

compromete a continuidade espacial e flexibilidade de uso em favor da

privacidade do quarto. (TABELA 1.1). No segundo caso, a integração da sala e

quarto responde, potencialmente, mais ao ideal de integração e sobreposição de

uso dos quartos com a sala. (TABELA 1.2)

5 Supõe-se: 1) o público-alvo da casa compacta não recorre ao suporte técnico de arquitetos; 2) por status, as famílias constroem grandes casas, mesmo abrigando famílias pequenas; 3) o público-alvo tem optado por morar em edifícios de apartamentos. 6 Cinco casas analisadas não são organizadas a partir dos núcleos hidráulicos, que assumem posições fragmentadas nas plantas: Barra do Una 1 (2004 - Nitsche); Varanda e Mínima (2007 - Juaçaba); Habitação social em Brasília e em Luanda (2010 e 2011 - Grupo SP).

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Entre as casas térreas, também são encontradas aquelas em que os

núcleos hidráulicos configuram blocos isolados na planta,

compartimentando virtualmente os diversos setores. O esquema de Mies,

pouco explorado na arquitetura moderna brasileira, aparece em casas-

protótipos, reproduzíveis e transportáveis, o que exige um núcleo hidráulico

racionalizado. (TABELA 1.3)

TABELA 1: CASAS COMPACTAS - TÉRREAS COM ARRANJOS EM FAIXAS

1.1. NÚCLEOS HIDRÁULICOS TRANSVERSAIS

a.Casa em Extrema (2012)

b. Casa Vargem Grande (2010)

c. Casa no Rio Bonito (2005)

1.2. NÚCLEOS HIDRÁULICOS LONGITUDINAIS

d. Casa LP (2010)

e. Refúgio Juquitiba (2009)

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f. Residência na Barra do Una 2 (2007)

g. Refúgio São Chico (2006)

1.3. NÚCLEOS HIDRÁULICOS ISOLADOS NA PLANTA

h. Minimod (2013)

i. Living Box (2005)

Fonte: (a) http://www.nitsche.com.br/extrema; (b) http://www.nitsche.com.br/vargemgrande; (c) http://www.archdaily.com.br/br/01-159708/casa-rio-bonito-carla-juacaba;

(d) http://www.metroo.com.br/projects/view/60/3 (e) http://mapaarq.com/175531/1275431/projetos/rju-refugio-en-juquitiba;

(f) http://www.nitsche.com.br/una02/; (g) http://mapaarq.com/175536/1778537/-/rsc-refugio-sao-chico; (h) http://www.archdaily.com/476916/minimod-mapa/; (i) http://www.gruposp.arq.br/?p=253

Dois ou três pavimentos

As casas com dois ou três pavimentos exploram mezaninos, promovendo o isolamento do setor íntimo, como nos projetos de Le Corbusier. As plantas inferiores se organizam por faixas, que valorizam a integração dos ambientes do setor social e consolidam os núcleos hidráulicos, estes também concentrados verticalmente. São, portanto, casas que fundem dois esquemas – zoneamento por níveis e por faixas ou zoneamento por níveis e por blocos isolados, sendo este último esquema mais recorrente nas casas-protótipos ou habitaçãoes social (TABELA 2). Na maioria dos projetos, explicita-se a volumetria mais pura, com empenas cegas laterais. Essa estratégia é usada para permitir que o edifício “cole” nos limites estreitos dos lote ou a associação entre unidades habitacionais.

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TABELA 2: CASAS COMPACTAS – DOIS OU TRÊS PAVIMENTOS

a. Elemental Chile (2013)

b. Casa e Estúdio em Portland (2008)

c. Casa Rubi (2006)

d.Habitação Social no Amazonas (2005)

Fonte: (a) http://www.gruposp.arq.br/?p=344; (b) http://www.spbr.arq.br/projetos/0802_portland/0802.htm; (c) http://www.fredericozanelato.com/casa-

rubi/#/Casa Rubi; (d) http://www.gruposp.arq.br/?p=267

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Considerações finais

Observa-se que, do ponto de vista quantitativo, a produção de casas compactas é pouco relevante. Há uma lacuna na investigação de espaços que atendam às demandas da sociedade emergente no Brasil, principalmente nos contextos urbanos.

Do ponto de vista qualititivo, observa-se que, apesar da expressão formal assumir nova feição, decorrente principalmente do emprego de técnicas e materiais construtivos contemporâneos e/ou locais, os arranjos funcionais e espaciais das casas ainda obedecem aos esquemas experimentados e consolidados no modernismo. A mudança de perfil do usuário não impôs mudanças significativas no arranjo espacial das casas, sejam elas urbanas e não urbanas, de uso permanente e temporário.

Do ponto de vista espacial, a casa compacta contemporânea brasileira é “conservadora”, remete ainda aos esquemas utilizados no início do século XX e a única trangressão pode se dar pela miscigenação de difrentes esquemas de zoneamento.

Sem grandes inovações e produção reduzida,questiona-se - seriam estas casas capazes de sugerir ideias para a casa brasileira do amanhã?

Bibliografia

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FLORIO, Ana Maria T. Os princípios orgânicos na obra de Frank LLoyd Wrigh: uma abordagem gráfica de exemplares residenciais. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. 2008.

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