percepção da luz: dos microrganismos ao olho humano...
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Percepção da luz: dos microrganismos ao olho humano Percepção da Luz:
dos Microrganismos à Visão Humana
Instituto de Química Universidade de São Paulo
Suely Lopes Gomes
A luz solar é essencial para a vida na terra tanto pela energia calorífica como pela energia luminosa •A luz é um dos mais importantes sinais que fornecem informação crítica para os sistemas biológicos. •A capacidade de detectar a luz e de utilizá-la para obter energia confere considerável vantagem aos organismos fotossintéticos. •Mesmo organismos que não realizam fotossíntese são capazes de perceber a luz, p.e., aqueles capazes de se movimentar em resposta a este sinal (fototaxia), e podendo garantir assim sua sobrevivência ao alcançar ambientes mais apropriados ao seu crescimento. • Para detectar a luz os organismos vivos possuem várias moléculas fotorreceptoras como fitocromos, criptocromos, xantopsinas, rodopsinas, que são todas elas proteínas sensíveis à luz de diferentes comprimentos de onda.
Rodopsinas estão entre as mais importantes classes de
proteínas sensíveis à luz
Rodopsinas são proteínas fotorreceptoras que podem ser encontradas nos 3 grandes domínios dos seres vivos: Bactérias, Archaeas e Eucariotos, onde exercem diversas funções. São classificadas como microbianas (Tipo I) ou animais (Tipo II). Apresentam alta homologia estrutural, porém baixa similaridade na sequencia de aminoácidos.
Rodopsinas
- Rodopsinas possuem 7 alfa-hélices transmembrana e contêm o cromóforo retinal (aldeído da vitamina A). O retinal sofre isomerização na presença da luz provocando mudança conformacional da Rodopsina.
- Muitos procariotos (bactérias e archaeas) empregam Rodopsinas para controlar gradientes de prótons e manter o potencial de membrana e a homeostase iônica.
- Vários microrganismos que apresentam motilidade possuem Rodopsinas fotorreceptoras (Tipo I), que em resposta à luz modulam, p.e., o batimento do flagelo ou a motilidade por deslizamento e produzem uma resposta denominada de fototaxia.
- A importância da Rodopsina também está associada ao seu papel na visão de vertebrados, que utilizam a Rodopsina Tipo II como fotorreceptor, como veremos a seguir.
Rodopsina Tipo II e o retinal
Rodopsina apresenta 7 hélices transmembrana e o cromóforo retinal, que é ligado covalentemente por uma base Schiff à lisina 296. Na presença de luz o retinal sofre isomerização (11-cis a all-trans), provocando grande mudança conformacional da Rodopsina
Muitas Rodopsinas microbianas (Tipo I) atuam como canais iônicos: ChR (1 e 2) atuam como canais de cátions e são responsáveis pela
fototaxia na alga verde Chlamydomonas reinhardtii
The Microbial Opsin Family Cell 147, 1447, 2011
Eyespot da alga verde Chlamydomonas: estrutura que contém glóbulos de lipídeos ricos em carotenóides,
onde se localizam as rodopsinas ChR1 e ChR2
O eyespot (olho primitivo) localiza-se no cloroplasto da alga verde
Eyespot de Chlamydomonas
Os fótons de luz entram no eyespot e se difundem lateralmente refletidos pelos carotenóides, ativando ChR1 e ChR2 e provocando um influxo de cálcio que induz mudanças no batimento do flagelo, o que leva ao movimento da alga em direção à luz (fototaxia).
No caso da visão de vertebrados, a luz dispara a isomerização do retinal (11-cis retinal a all-trans retinal) provocando mudanças conformacionais na
Rodopsina, iniciando uma série de interações proteína-proteína que disparam uma cascata de sinalização, que envolve o
segundo mensageiro GMP cíclico (cGMP)
Rodopsina Retinal
Nucleotídeos cíclicos (segundos mensageiros)
3’-5’ monofosfato cíclico de guanosina 3’-5’ monofosfato cíclico de adenosina
Guanilato ciclase (GTP)
Adenilato ciclase (ATP)
2º. mensageiro dos hormônios glucagon e adrenalina: age no metabolismo de glicogênio e lipídeos ativando a proteína quinase dependente de cAMP (PKA)
Sinalização por cGMP em vertebrados
cGMP
rGC
sGC
PDE
NO
Peptídeos
PDE PKG Canais Iônicos
Cascata de fosforilação Aumento/diminuição dos níveis de cAMP
Fluxo de íons
5’GMP
Visão, Olfato, Contração muscular, Homeostase de eletrólitos, Função cardiovascular e neuronal
No processo de visão do olho humano: os bastonetes da retina recebem o feixe de luz que a córnea focaliza através das lentes internas do olho. A ativação da Rodopsina pela luz provoca a queda nos níveis de cGMP, inativando os canais iônicos e causando hiperpolarização da membrana o que gera impulsos elétricos que são carregados pelo nervo ótico ao cérebro gerando a imagem.
O processo da visão dos animais pode ter sua origem na fototaxia dos microrganismos?
• Rodopsinas Tipo I e Tipo II têm uma origem comum ou
tiveram uma evolução convergente?
• A estrutura de 7 hélices transmembrana e a ligação do cromóforo retinal pode ter ocorrido na natureza duas vezes (Tipo I e Tipo II) de forma independente?
• Tanto a hipótese de uma origem comum como da evolução convergente tem seus defensores!
A alta conservação da estrutura de 7 alfa-helices e a ligação do retinal numa lisina da hélice 7 nas rodopsinas Tipo I e Tipo II, contrasta com a baixa conservação da sequencia de aminoácidos. A conservação da estrutura 3-D seria essencial para a capacidade de responder à luz? Uma estrutura tão complexa poderia ter surgido de forma independente 2 vezes na natureza (Tipo I e Tipo II)?
Ciclo de vida do fungo aquático Blastocladiella emersonii
Germinação
Esporulação
Zoósporo
Crescimento vegetativo
Carência nutricional
Lovett, Bacteriol Rev, 1975
Microscopia de fluorescência de um Zoósporo marcado com anticorpo anti-tubulina
Zoosporangios liberando zoósporos
Árvore filogenética mostrando a posição do filo Blastocladiomicota
Na base da arvore dos fungos, próximo à separação entre fungos, plantas e animais
•Obtida por seqüenciamento do genoma através do 454 e Illumina e confirmada por 5’ RACE
Seqüência completa da guanilato ciclase BeGC1
Nova Guanilato Ciclase contendo Rodopsina como domínio sensor: Resposta à Luz?
Ultraestrutura do Zoósporo de B. emersonii mostra a presença do ‘eyespot’
Lovett, Bac Rev, 1975
E Y E S P O T
BeGC1 (Rodopsina-Guanilato ciclase) foi imunolocalizada no “eyespot” do zoósporo de Blastocladiella
eyespot BeGC1
Nile red
Anti-BeGC1 DIC
Sobreposição
lipideos
flagelo
Avelar et al., Current Biology v.24, 1234-1240, 2014
Guanilato ciclase Rodopsina Hélice de sinalização ou S-helix
Opsina HS GC
(72 aa) (214 aa) (183 aa)
Modelagem tridimensional da BeGC1 Modelagem por homologia (SWISS-MODEL)
Alinhamento da estrutura dos domínios de BeGC1
K255 W126
W223 F184
Retinal
W230
Y99
Modelada a partir da bacteriorodopsina de Halobacterium salinarum (PDB ID: 1cwqB)
Sequence Identity [%]: 23.64 Evalue: 3.50e-40
Sequence Identity [%]: 17.02 Evalue: 7.90e-6
Resíduos idênticos em verde e resíduos similares em amarelo
Modelada a partir da hélice de sinalização da subunidade beta1 da guanilato ciclase solúvel Rattus norvegicus (PDB ID: 3hslA)
K640
R603
C592
D482
E523 N599
R571
D527 Modelada a partir do domínio catalítico da guanilato ciclase solúvel de Chlamydomonas reinhardtii (PDB ID: 3ET6)
Sequence Identity [%]: 41.08 Evalue: 2.60e-39
Fototaxia dos zoósporos de B. emersonii é máxima na região da luz verde
0
10
20
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90
100N
um
ber
of z
oosp
ores
465±25 nm (67µW/cm²)565± 25 nm (55µW/cm²)620± 30 nm (34.5µW/cm²)
* * 4 cm
1 mm 1 mm
Local onde os zoósporos são inoculados.
Luz é incidida e os zoósporos são contados.
Câmara de microfluídica
Fototaxia dos zoósporos de B. emersonii é dependente de retinal (rodopsina)
Nfz - Norflurazon: inibidor da síntese de carotenoides (precursores do retinal) A1: retinal A1 (máximo de absorção no verde) A2: retinal A2 (máximo de absorção no vermelho)
0
10
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40
50
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100
Num
ber o
f zoo
spor
es
540± 12 nm (32.4µW/cm²)
10 µM Norfurazon
50 µM Norfurazon
10µM A1 - 540± 12 nm (32.4µW/cm²)
10µM A1 - 620± 30 nm (26 µW/cm²)
5µM A2 - 540± 12 nm (32.4µW/cm²)
5µM A2- 620± 30 nm (26 µW/cm²)
* *
* *
Fototaxia dos zoósporos de B. emersonii é dependente da atividade de guanilato ciclase
LY83583: inibidor de GC
0
10
20
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80
90N
um
ber
of z
oosp
ores
escuro
565± 25 nm (55µW/cm²)565± 25 nm (55µW/cm²)+ LY83583
* *
Ativação da guanilato ciclase durante a exposição à luz é dependente de rodopsina
* *
Adição de hidroxilamina (inibidor de rodopsina)
Controle Na presença de 50 µM de norflurazon (inibidor da síntese de carotenoides)
Na presença de 50 µM de norflurazon com adição de 10µM de retinal A1
0
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70
0s 5s 10s 15s
cGM
P (
pm
ols/
10
4 c
ells
)
Exposure time
* *
0
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70
0s 5s 10s 15s
cGM
P (
pm
ols/
10
4 c
ells
)
Exposure time
BeGC1 foi imunolocalizada no ‘eyespot’ do zoósporo
eyespot BeGC1
Nile red
Anti-BeGC1 DIC
Sobreposição
lipideos
flagelo
Consistente com a participação de BeGC1 na fototaxia do zoósporo
Canal iônico ativado por cGMP (BeCNG1): um possível componente da via de sinalização da fototaxia do zoósporo
CNGA1 (bastonetes, Homo sapiens): 22,5% identidade; 33,3% similaridade
Região da seletividade por K+
Aumento no potencial de membrana do zoósporo dependente de um canal ativado por cGMP
Inibidor de canal CNG = cis-diltiazem
Despolarização da membrana do zoósporo dependente de cGMP é devida à ativação de um canal de K+
TEA= tetra-etil-amônio
Influxo de K+ induzido por cGMP é dependente de canal de K+ visto que é inibido por TEA
Avelar et al., Eukaryotic Cell, 2015
Modelo proposto
Sinalização na fototaxia em
Blastocladiella
Sinalização nos fotorreceptores na retina de vertebrados
GC K+
GTP
cGMP
EM
Light
PM BeCNG1
channel RhI
GC
PDE T
GTP
cGMP
GMP
PM DM
DM
Light Na+/Ca2+
CNG
channel RhII
BeGC1 BeCNG1
Avelar et al., Current Biology v.24, 1234, 2014
Conclusões • Rodopsinas de microrganismos e de animais
possivelmente têm uma origem comum. • Olhos de animais podem ter evoluído de proto-olhos
(eyespots) de organismos unicelulares. • O segundo mensageiro cGMP participa da fototaxia
de fungos como Blastocladiella assim como na visão de vertebrados.
• Canais iônicos ativados por cGMP (CNG channels) participam da fototaxia de Blastocladiella assim como da visão do olho humano.
Perspectivas para BeGC1: Ferramenta Optogenética
• A Optogenética é uma modalidade de pesquisa científica que se dedica ao desenvolvimento de ferramentas genéticas que usam a luz para modular processos fisiológicos em células ou animais.
• O uso de BeGC1 como ferramenta optogenética permitiria a modulação por luz dos níveis de cGMP em sistemas biológicos.
• Dois grupos de pesquisadores da área de Optogenética publicaram recentemente o uso de BeGC1 como ferramenta optogenética em oócitos de ouriço do mar, em músculo do verme C. elegans e em neurônios de mamíferos.
• Os resultados apresentados por esses pesquisadores mostraram que BeGC1 é uma ferramenta versátil capaz de modular através da exposição à luz processos biológicos dependentes de cGMP em biologia celular e neurociências.
Science Signaling, vol 8, 2015 A light-responsive fungal guanylyl cyclase provides a tool with which
to study cGMP signaling in mammalian systems.
Agradecimentos
Dra. Gabriela Mól Avelar Tamaki •Prêmio Tese Destaque USP 2015, área de Ciências Biológicas Prof. Dr. André Luiz Gomes Vieira (UFRRJ) Prof. Dr. R. Ivan Schumacker Prof. Dr. Mauricio da Silva Baptista Prof. Dr. Henning Ulrich Dr. Paulo A. Zaini Dra. Talita Glaser University of Exeter (UK) Dr. Thomas Richards Dr. Guy Leonard •FAPESP, CAPES e CNPq