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 O ATOR COMO ATLETA DAS EMOÇÕES: O RASABOXES THE ACTOR AS ATHLETE OF THE EMOTIONS: THE RASABOXES EXERCISE Michele Minnick e Paula Murray Cole Towson University (Towson, MD, USA) e Ithaca College (Ithaca, NY, USA) Tradução de Ana Bevilaqua, Márcia Moraes e Michele Minnick Resumo Neste artigo, originalmente publicado na revista Movement for Actors,  em 2002, Michele Minnick e Paula Murray Cole discutem a teoria e prática de rasaboxes, uma abordagem ao treinamento do performer baseada na emoção, criada por Richard Schechner e desenvolvida pelas autoras. Elas explicam a teoria e conduzem a alguns exercícios fundamentais, dando exemplos de suas próprias aplicações do trabalho em ensaios e performances. Palavras-chave | Treinamento | Ator | Fisiologia | Emoção | Performance Abstract In this article, originally published in Movement for Actors in 2002, Michele Minnick and Paula Murray Cole discuss the theory and practice of the rasaboxes, an emotion-based approach to performer training originated by Richard Schechner and developed by the authors. They explain the theory take us through some of the fundamental exercises, giving examples of their own applications of the work to rehearsals and performances. Keywords | Training | Actor | Physiology | Emotion | Performance

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  • O ATOR COMO ATLETA DAS EMOES: O RASABOXES

    THE ACTOR AS ATHLETE OF THE EMOTIONS: THE

    RASABOXES EXERCISE

    Michele Minnick e Paula Murray Cole

    Towson University (Towson, MD, USA) e Ithaca College (Ithaca, NY,

    USA)

    Traduo de Ana Bevilaqua, Mrcia Moraes e Michele Minnick

    Resumo

    Neste artigo, originalmente publicado na revista Movement for Actors, em

    2002, Michele Minnick e Paula Murray Cole discutem a teoria e prtica de

    rasaboxes, uma abordagem ao treinamento do performer baseada na

    emoo, criada por Richard Schechner e desenvolvida pelas autoras. Elas

    explicam a teoria e conduzem a alguns exerccios fundamentais, dando

    exemplos de suas prprias aplicaes do trabalho em ensaios e

    performances.

    Palavras-chave | Treinamento | Ator | Fisiologia | Emoo | Performance

    Abstract

    In this article, originally published in Movement for Actors in 2002, Michele

    Minnick and Paula Murray Cole discuss the theory and practice of the

    rasaboxes, an emotion-based approach to performer training originated by

    Richard Schechner and developed by the authors. They explain the theory

    take us through some of the fundamental exercises, giving examples of

    their own applications of the work to rehearsals and performances.

    Keywords | Training | Actor | Physiology | Emotion | Performance

  • ISSN 2176-7017

    Volume 03 Nmero 01 janeiro-julho/2011 2

    Michele Minnick (CMA, MA), performer e diretora, analista Laban de

    movimento, Mestre em teatro e fomentadora de rasaboxes nos EUA e no

    Brasil (www.rasaboxes.org). Professora de teatro na Towson University, em

    Maryland, Michele membro da companhia de Richard Schechner East

    Coast Artist, e co-diretora de educao, junto com Paula Murray Cole. Ela

    ensina nos programas de certificado em Anlise Laban do Movimento em

    Nova Iorque e no Rio de Janeiro.

    Michele Minnick (CMA, MA in Theatre) is a performer, director, Laban

    movement analyst, and developer of the rasaboxes in the U.S. and Brazil

    (www.rasaboxes.org), and teaches theatre at Towson University in

    Maryland. Michele was a member of Richard Schechners company East

    Coast Artists, and co-director of education with Paula Murray Cole. She

    teaches and presents the rasaboxes in the U.S. and internationally. She

    teaches in the LMA certification programs in New York and Rio de Janeiro.

    Paula Murray Cole (MFA, LMT) professora assistente de interpretao no

    Ithaca College, em Ithaca, NY, co-diretora de educao para a East Coast

    Artists. Desenvolveu o treinamento rasaboxes com Michele Minnick na New

    York University e no Ithaca College; ensina na University of Tennessee, em

    Knoxville; na Central Washington University; na The DellArte International

    School of Physical Theatre; e no Actors Movement Studio (NY). Ela

    colaboradora do Rasaesthetics, de Richard Schechner, para quem est

    produzindo o documentrio em vdeo Crossing the Line: Inside Schechners

    Performance Workshop.

    Paula Murray Cole (MFA, LMT), is Assistant Professor of acting at Ithaca

    College in Ithaca, NY. As co-director of education for East Coast Artists, she

    developed rasaboxes training with Michele Minnick at NYU and Ithaca

    College, and has taught rasabox work at the University of Tennessee at

    Knoxville, Central Washington University, the The Dell Arte International

    School of Physical Theatre, and Actors Movement Studio (NY). A

    contributer to Rasaesthetics, by Richard Schechner. Paula is producing the

    documentary video Crossing the Line: Inside Schechners Performance

    Workshop.

  • ISSN 2176-7017

    Volume 03 Nmero 01 janeiro-julho/2011 3

    O ATOR COMO ATLETA DAS EMOES: O RASABOXES

    THE ACTOR AS ATHLETE OF THE EMOTIONS: THE RASABOXES

    EXERCISE

    Michele Minnick e Paula Murray Cole

    Traduo de Ana Bevilaqua, Mrcia Moraes e Michele Minnick

    No podemos mais pensar nas emoes como tendo menos

    validade que a substncia fsica, material, mas ao contrrio,

    devemos v-las como sinais celulares que esto envolvidos

    no processo de traduzir informaes em realidade fsica,

    literalmente transformando mente em matria. Emoes so

    as conexes entre matria e mente, transitando de uma

    para outra e influenciando ambas (Pert apud Juhan, 1998:

    p. 370).

    Artaud, Schechner, O Natyasastra e Neurocincia: origens das

    Rasaboxes

    Uma das grandes discusses do teatro do sculo XX foi sobre a

    questo da direo do trabalho do ator: ele aborda essa questo de fora

    para dentro ou de dentro para fora? Em seu artigo Rasaesthetics, nosso

    professor e parceiro, terico da performance e diretor de teatro

    experimental, Richard Schechner, discute uma questo co-relacionada: a

    localizao da teatralidade,1 fazendo um dilogo entre o que poderia

    parecer a primeira vista, um trio sem semelhanas: o texto clssico indiano

    sobre performance Natyasastra,2 estudos contemporneos de neurobiologia

    e psicologia, e escritos do terico e pesquisador teatral do sculo XX,

    Antonin Artaud. Com um olhar mais apurado podemos perceber que todos

    os trs esto interessados em uma mesma questo: uma teoria sobre uma 1 Ver: Schechner, 2001 (T136). Neste artigo, Schechner discute a localizao da teatralidade, comparando a teoria e prtica teatral ocidental (Aristotlica) com a prtica e teoria clssica indiana para a dana-drama-teatro. Com base em estudos sobre o sistema nervoso entrico, Rasaesthetics sugere uma abordagem teoria e prtica da performance mais visceral, do que puramente visual. O artigo apresenta a teoria que Schechner chama de performance rsica, assim como d uma explicao bsica sobre a abordagem do treinamento emocional e sobre a composio da performance em rasaboxes. 2 Alm de Rasaesthetics, de Richard Schechner, ver o excelente estudo de Kapila Vatsyayan, Bharata: The Natyasastra (Nova Delhi: Sahitya Akademi, 1996), para um panorama sobre a histria de Natyasastra e diversas interpretaes, assim como The Natyasastra, de Adya Rangacharya (Nova Delhi: Munshiram Manoharlal Publishers Pvt., Ltd., 1986).

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    relao circular, ao invs de binria, entre emoo e corpo, dentro e fora,

    que est focada num modo de percepo instintivo, visceral, mais do que

    em uma percepo apenas visual e auditiva.

    Fascinado pela teoria clssica indiana de rasa,3 estimulado pelas

    descobertas da cincia contempornea, desafiado pela proposta de Artaud

    do ator ser um atleta das emoes,4 e destemido da idia provinda de

    muitos treinamentos baseados no mtodo Stanislavski onde um ator no

    deve nunca representar a emoo, Schechner concebeu os exerccios de

    rasaboxes, o componente prtico de seu argumento terico da

    Rasaesthetics. Ele comeou a ensinar estes exerccios, em workshops sobre

    performance na Universidade de Nova Iorque (NYU), treinando a

    expressividade e agilidade emocional-fsica-vocal do performer. Desde que

    comeamos ns mesmas a ensinar nesses workshops h alguns anos, vimos

    desenvolvendo e aprofundando os exerccios e aplicando o treinamento em

    nosso trabalho artstico de performance. Alm de sua funo como

    treinamento, o rasaboxes nos propiciou caminhos para a construo da

    personagem, a criao de partituras emocionais de performance e uma

    forma direta, encorpada e presente para a preparao emocional anterior

    ao palco.

    Princpios bsicos do treinamento

    O princpio mais bsico de rasaboxes o de que cada idia que um

    ator deseja comunicar deve, de alguma forma, ser incorporada, recebida

    por e expressa no, ou atravs do corpo, mesmo que seja apenas no nvel da

    respirao. Idealmente, os exerccios esboados abaixo colocam em

    movimento um circuito de feedback entre interno e externo: conforme a

    emoo corre atravs do corpo, ela d forma ao comportamento de acordo

    com suas demandas, e por seu turno, realimenta a imaginao e aciona

    impulsos fsicos. Fazer e manifestar de modo interligado com receber e

    responder. Quando algum se torna completamente conectado

    3 Para manter a singularidade desta palavra em Snscrito, separada da palavra rasa em portugus, chamamos ateno para a sua pronncia correta: r, como falamos a palavra prtica, e o s soando como ss: rrrrassa. 4 Ver: An Affective Athletecism, em The Theatre and Its Double, by Antonin Artaud. (New York: Grove Press, 1958). Caroline Richards traduz a frase como atleta do corao, mas a verso de Schechner: atleta das emoes oferece uma descrio mais clara do nosso uso da idia de Artaud.

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    energeticamente emoo, est trabalhando em relao a ela a partir do

    externo, at chegar ao interno, para novamente retornar. Mais do que focar

    em um ou outro ponto, no interno ou no externo, o rasaboxes encoraja uma

    abordagem holstica para as relaes entre os aspectos interno e externo do

    ofcio de um ator, gerando um dilogo frutfero entre mente e corpo,

    atravs de uma focalizao no que Candace Pert refere (acima) como as

    conexes entre os dois.

    Servindo de ponte entre psicofisiologia e expressividade, o rasaboxes

    desenvolve uma relao de trabalho consciente entre o indivduo-ator,

    corpo fsico e emoes, e uma relao emocional-fsica com o ambiente e

    outros performers. Os exerccios treinam performers a usar a emoo como

    uma ferramenta objetiva com a qual podem desenvolver e investigar

    personagens, cenas, peas inteiras e partituras de performance. Eles podem

    ajudar o ator a fazer escolhas que no so apenas para ser vistas e ouvidas

    pela audincia, mas tambm experienciadas palpavelmente e engajadas

    visceralmente. Alm disso, o rasaboxes pode servir como uma base de

    treinamento multidirecional, onde hbitos e padres podem ser trazidos

    luz e novas escolhas podem surgir.5

    Seja como resultado de nosso treinamento cultural ou teatral ou de

    nossas histrias individuais, muitos de ns tm acesso limitado

    experincia ou expresso de certas emoes. Ns observamos o poder de

    rasaboxes para libertar performers (ns mesmas includas) para

    experimentarem e desenvolverem uma ampla gama de expressividade, da

    atuao mais sutil do cinema ao histrionismo operstico ou grotesco, sem 5 Em nossa experincia, o exerccio rasaboxes uma forma de treinamento de movimento que afeta diretamente o trabalho de um ator, j que ele imediatamente engaja todo o complexo de emoo-corpo-voz-imaginao-personagem, que um ator deve acessar quando est trabalhando num papel. Rasaboxes no apenas treina diretamente as emoes, como integra um treinamento fsico e emocional de um modo profundamente pessoal. No entanto, o rasaboxes no necessariamente treina o corpo diretamente em termos de relaxamento, alinhamento, flexibilidade, fora, etc, da maneira que outras formas de treinamento fsico o fazem. Ns recomendamos que o treinamento rasaboxes seja acompanhado de prticas de ioga ou outra forma de aquecimento fsico que alongue, abra e relaxe o corpo de maneira profunda. O rasaboxes no pretende suplantar outras formas de treinamento do ator. Um ator treinado em rasaboxes no vai necessariamente abandonar objetivos, super objetivo, improvisaes criativas, e outras abordagens amplamente usadas. Se esses mtodos so usados para responder s questes sobre o qu da atuao, o rasaboxes pode ser usado, em combinao com eles para responder s questes sobre o como. Mudanas qualitativas podem ser feitas aplicando a idia de rasa a um personagem, uma cena, ou mesmo uma pea inteira. s vezes, til pensar na rasa como uma espcie de tonalidade, ou ritmo da representao, que pode ser modulado como o tom e clave ou o tempo e ritmo de uma pea de msica podem ser modulados.

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    sacrificar sinceridade ou verdade. De fato, por causa de seu foco na

    incorporao e expresso fsica, o treinamento rasaboxes pode servir para

    aprofundar a habilidade do performer em encontrar conexes emocionais

    autnticas que poderiam, de outra maneira, parecer indisponveis ao

    performer. Esse treinamento estimula o ator a abordar seu oficio como um

    processo consciente, orientado pelo corpo, onde ele possui as chaves e as

    ferramentas de seu prprio desenvolvimento.

    O que rasa?

    Rasa uma palavra em Snscrito que significa, literalmente,

    essncia, suco, sabor e pode ser encontrada em antigos textos indianos

    Ayurvdicos para descrever os seis sabores encontrados nos alimentos:

    salgado, doce, amargo, cido, acre e adstringente. Essa propriedade da

    comida ento usada na combinao de alimentos para equilibrar os

    humores do corpo fogo, gua e ar que por sua vez, refletem a

    composio material do universo. Rasa tambm se refere aos sabores que

    so percebidos na comida. No Natyasastra, rasa descrita como a

    experincia transmitida atravs da performance, que, nas formas clssicas

    indianas que usam a teoria da rasa, uma combinao inextricvel de

    dana, teatro e msica. Em um captulo dedicado rasa, Bharata, o autor

    (talvez real, talvez mtico) do Natyasastra, diz:

    Porque ela [performance] experimentada com

    prazer, ela chamada rasa. Como o prazer surge? Pessoas

    que comem alimentos preparados e misturados com

    diferentes condimentos e molhos, etc, se elas forem

    sensveis, apreciam os diferentes sabores e ento sentem

    prazer (ou satisfao); da mesma maneira, espectadores

    sensveis, depois de apreciarem as vrias emoes

    expressas por um ator atravs de palavras, gestos e

    sensaes, sentem prazer, etc. Este sentimento (final) dos

    espectadores aqui explicado como (vrias) rasa-s de Natya

    (Vatsyayan, 1996: p. 55).

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    Neste contexto, a experincia da rasa gerada pela representao

    das novei emoes bsicas (chamadas de bhavas no Natyasastra) e suas

    muitas combinaes possveis.6 Como diz Schechner,

    As sthayi bhavas so as emoes permanentes ou

    duradouras ou ntimas, que so acessadas e evocadas por

    uma boa atuao, chamada abhinaya. Rasa a experincia

    de sthayi bhavas. Para colocar de outro modo, o doce em

    uma ameixa madura a sthayi bhava, a experincia de

    provar o doce rasa. Os meios de chegar ao provar

    preparando a ameixa, apresentando-a abhinaya. Cada

    emoo a sthayi bhava. Atuar a arte de apresentar

    sthayi bhavas, desta forma, ambos performer e pblico

    podem provar a emoo, a rasa 9 (Schechner, p. 31).

    As nove rasas bsicas e suas emoes correspondentes, livremente

    traduzidas, so: sringara (amor, o ertico), raudra (raiva), karuna (tristeza,

    mas tambm pena e compaixo), bhayanaka (medo), bibhatsa

    (repugnncia, nojo), vira (coragem, virilidade), hasya (riso, o cmico),

    adbhuta (maravilha, surpresa), e santa (graa, paz). A experincia dessas

    emoes tem lugar entre o performer e o espectador no momento da

    performance ao vivo. Este espao compartilhado entre a localizao de

    rasa. O conceito de prazer essencial aqui tanto para o performer quanto

    para o espectador. Em certo sentido, ambos esto provando a emoo

    representada. Embora alguns praticantes da dana clssica indiana iro

    dizer que no vivenciam as emoes que esto retratando, o que

    importante que eles representam de tal modo que a rasa de uma emoo

    especfica usufruda degustada como uma boa refeio pela audincia.

    Como algum alcana essa experincia compartilhada entre ator e

    espectador? Nas formas de dana clssica indiana, tais como kathakali,

    expresses faciais especficas correspondentes s nove emoes bsicas

    6 Nota para esta traduo: hoje em dia, eu nomearia somente as oito rasas originais, pois so elas que so treinadas expressivamente. A santa, representa o entendimento budista da relao humana com as emoes. No rasaboxes, ela o centro de tudo, mas no de verdade uma emoo, e no trabalhada da mesma maneira que as outras rasas. Este estado de ser importantssimo existe como a ncora invisvel de tudo, o prprio corao do trabalho, que se toca no treinamento, mas que no visto pelos espectadores da mesma forma que as outras.

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    so aprendidas e memorizadas pelos bailarinos-atores e representadas em

    combinaes altamente complexas de sapateado rtmico, gestos e outros

    movimentos do corpo, todos os quais so codificados e representados como

    dana-teatro tradicional, com apenas pequenas variaes de uma gerao

    de danarinos para a seguinte. Mas como esta idia de rasa se relaciona

    prtica cnica da performance ocidental? Ser, afinal, um modo dos atores

    ocidentais fazerem uso direto, fsico das emoes, sem enfraquecer, mas

    pelo contrrio, fortalecendo outros modos de treinamento deles? Ser que

    os performers podem vir a ser o que Artaud apenas imaginou atletas das

    emoes? Os exerccios de rasaboxes descritos a seguir formam o campo

    de nossa explorao e experimentao para responder a essas questes.

    Linguagem: porque o snscrito?

    Antes de comearmos nossa descrio dos exerccios propriamente

    ditos, talvez necessrio explicar nossa relao com os termos em

    Snscrito e a complexa teoria que eles refletem. Ao criar um exerccio de

    treinamento projetado principalmente para a aplicao nas prticas

    performticas fora do complexo dana-teatro clssico indiano, ns usamos o

    termo rasa (tanto como parte do ttulo da tcnica de treinamento como

    nos prprios exerccios) de modo especfico que reflete o uso original no

    Natyasastra, mas expressa mais exatamente, a maneira particular como

    Schechner reconfigura o termo em Rasaesthetics7. Como voc poder ver

    na nossa descrio dos exerccios bsicos a seguir, ns tambm

    mantivemos as palavras em Snscrito original para cada rasa. Schechner

    fala de sua escolha por conservar o termo em Snscrito:

    Para mim a razo foi para ajudar os alunos nenhum deles

    em minha prtica jamais foi literato em Snscrito a

    proporem seus prprios equivalentes para as rasas. por

    isso que o exerccio comea com a escrita das palavras e

    desenho de imagens. Usar Ingls (ou qualquer outra lngua

    do conhecimento dos participantes) desde o incio seria 7 Para permanescermos fiis teoria do Natyasastra, tecnicamente deveramos chamar o exerccio de Bhavaboxes, j que bhava se refere s emoes que so de fato representadas a fim de evocar rasa. Porm mantemos o uso da palavra rasa tanto por uma questo de simplicidade, como tambm por suas outras associaes como o prazer e a experincia fsica do saborear, com o sentido de algo fsico que desfrutado entre ator e espectador.

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    despersonalizar e limitar o alcance de significados/sensaes

    associados com cada rasa especfica. E mais ainda, se

    usssemos somente uma traduo feita por mim mesmo.

    Minha sringara no a sua sringara, e importante para

    mim que durante o exerccio sua sringara encontre seu

    lugar. O exerccio tambm exploratrio. Voc pode no

    saber o que sua sringara at voc passar pelo processo

    de escrev-la, se mover atravs dela, vocaliz-la, etc.

    Finalmente, sua sringara de hoje pode no ser, e

    certamente no ser, sua sringara de amanh.

    Organicidade e vivacidade no sentido de possibilitar

    desenvolver novos significados foram por longo tempo

    central tanto no meu trabalho artstico quanto no

    acadmico8.

    De fato, ns observamos ser verdade essa liberdade individual e

    mudanas constantes de associaes. Na prtica, cada rasa surge como

    uma categoria ou famlia de emoo, tal como raudra, que contm uma

    srie de emoes relacionadas. Ns traduzimos livremente a palavra em

    Snscrito raudra como raiva, mas, alm das vrias associaes pessoais

    que se possa ter do conceito de raiva, tambm se subentende os vrios

    nveis de intensidade emocional relacionados raudra como categoria

    maior: irritao, clera, aborrecimento, e assim por diante. Assim, em

    nosso uso da palavra, raudra uma rasa, irritao um aspecto de

    raudra9.

    Finalmente, mais do que codificar a expresso da emoo atravs de

    gestos e expresses faciais especficos, que so sempre executados da

    mesma maneira (como na dana clssica indiana), nosso mtodo

    improvisacional. Enquanto o rasaboxes pode dar a sensao de um

    8 Este comentrio foi feito por Minnick em um artigo que est escrevendo, sobre os benefcios e problemas potenciais em torno do aspecto da apropriao cultural em rasaboxes. 9 Quando ensinamos rasaboxes, usamos as palavras em Snscrito para as rasas que representam as nove emoes primrias, embora haja inmeras outras diferentes: so palavras relacionadas e correspondentes s bhavas, que, segundo o Natyasastra, so efetivamente as "emoes" interpretadas. Ns limitamos a quantidade de idioma em Snscrito que usamos em nossa prtica a fim de evitar confuso: muita terminologia nova pode paralisar programas de treinamento que so geralmente de curta durao. (ver tambm nota 11)

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    mergulho na piscina universal das emoes, o modo como cada pessoa

    entra em contato com e expressa cada emoo especfico do indivduo e

    pode mudar a cada vez que se engaja no exerccio.

    Alguns exerccios bsicos10

    A grade

    Ns comeamos fazendo uma grade no cho usando fita crepe ou giz,

    deixando espao em torno para as pessoas assistirem ao exerccio. O

    permetro da grade de aproximadamente 6,5 m X 5,5 m, criando nove

    retngulos de lados iguais de aproximadamente 2,15 X 1,80 m.

    Normalmente trabalhamos em um espao tipo caixa-preta vazio.

    Introduzindo as rasas

    Primeiramente designamos cada uma das oito rasas aleatoriamente

    para cada uma das oito caixas de fora, deixando o caixa central vazia.

    Esta caixa central reservada para santa, a rasa adicionada por

    Abhinavagupta alguns sculos depois do Natyasastra ter sido compilado.

    Refletindo a influncia Budista que levou a sua adio como a nona rasa,

    ns temos frequentemente interpretado santa como um estado de

    desapego das outras emoes. Localizada espacialmente sempre na caixa

    central, santa atua em certo sentido, como o olho do furaco. Explicaremos

    como usamos a caixa de santa mais adiante.

    Escrevemos a palavra em Snscrito para cada rasa nas caixas no

    cho com giz colorido. Se o cho no for apropriado para se escrever com

    giz, escrevemos em grandes pedaos de papel colados com fita crepe no

    cho. Quando todas as rasas esto em seus lugares, andamos em torno da

    grade e falamos sobre cada uma, dando descries bsicas de cada rasa,

    baseadas no seu significado e contexto tradicionais Snscrito, mas tambm

    em nossa compreenso contempornea desses oito estados emocionais. Por

    exemplo, podemos falar sobre sringara como amor, amor ertico ou

    romntico, amor de uma me por seu filho, amor a Deus, mas tambm

    10 Ao longo dos anos que vimos ensinando e desenvolvendo os exerccios de rasaboxes, Paula e eu mudamos bastante o nmero, a ordem, o foco e a natureza dos exerccios. O que segue aqui uma representao de algumas etapas imperdveis do trabalho, no contexto de uma oficina introdutria completa.

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    como prazer fsico, tal como ao cheirar odores doces, provar uma comida

    salgada e assim por diante.

    Aps esta fase, a grade vai aparentar algo assim:

    SRINGARA

    BIBHATSA

    KARUNA

    RAUDRA

    BHAYANAKA

    HASYA

    ADBHUTA

    VIRA

    Associao Palavra-Imagem

    Em silncio, os participantes entram em cada caixa, desenhando e

    escrevendo (em qualquer lngua que eles escolham) nas caixas suas

    associaes pessoais para cada rasa. Essas associaes podem ser

    diferentes de um dia para o outro. Essa fase do exerccio termina quando

    todos tiverem feito sua contribuio para cada caixa e pisarem para fora da

    grade. Essas associaes podem incluir desenhos abstratos, citaes de

    poesias, imagens evocativas, e tudo isso junto cria um tipo de grafite

    evocativo para o grupo para aquele dia.

    Incorporando as Rasas

    Ns temos experimentado vrias maneiras de comear o trabalho de

    fisicalizao. Normalmente comeamos com posturas que incorporam cada

    rasa no seu extremo. O mais importante que a rasa seja plenamente

    fisicalizada, da cabea ao dedo do p, todo o corpo engajado na sua

    expresso. Por exemplo, em raudra (raiva), os dentes podem estar

    mostra, os punhos cerrados, a barriga firme, os dedos dos ps agarrando o

    cho, os olhos arregalados, narinas infladas, coluna em atitude de

    prontido, a ponto de atacar.

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    Apesar das posturas serem estticas, o corpo est ativo, vivo.

    Geralmente as pessoas comeam criando e memorizando as poses estticas

    para trs ou quatro rasas. Depois que estas poses foram memorizadas, os

    participantes praticam mover-se de uma caixa para outra mudando

    instantaneamente de uma postura para a seguinte. A idia fazer isso sem

    preparao ou transio entre as posturas de rasa, fazendo cada rasa o

    mais pura possvel embora ns eventualmente combinamos rasas para

    alcanar emoes misturadas, nesta fase, importante mudar o mais

    completamente possvel, sem permitir uma rasa sangrar na seguinte.

    Essa mudana o cerne do exerccio rasaboxes, j que ela desenvolve

    agilidade psicofsica, permitindo ao performer transformar

    instantaneamente de raiva para amor, de medo para tristeza, e assim por

    diante.

    Respirao e Voz

    Uma vez que as poses so estabelecidas, procuramos deix-las mais

    vivas, engajando a respirao, sentindo como ela pode encher e animar a

    forma do corpo. Ento, a fisicalizao da rasa d forma voz. (Tambm

    possvel comear os exerccios com a respirao ou a voz e ir da para o

    corpo). Conforme Schechner aponta:

    As primeiras poses/sons freqentemente tm a qualidade de

    clichs sociais do j conhecido, que encaixam nas rasas

    como casualmente subentendido. Grandes risadas para

    hasya, punhos cerrados para raudra, choro para karuna e

    assim por diante. A distncia entre esteretipo e arqutipo

    no to grande. Mais cedo ou mais tarde, o

    esteretipo/arqutipo social vai ser ampliado por gestos e

    sons que sero mais ntimos, pessoais, peculiares,

    inesperados. A prtica leva a isso. A estrada de fora para

    dentro = a estrada de dentro para fora (2001: p.41).

    Uma relao com a rasa, que pode comear a partir de uma imagem

    estereotipada de uma emoo, progride para um dilogo intrincado entre o

    performer e sua prpria fisiologia e imaginao associativa. Pode-se entrar

    em uma caixa e experimentar a emoo a partir de uma sensao em um

    rgo especfico, uma imagem visual ou sensao evocativa ver um

  • ISSN 2176-7017

    Volume 03 Nmero 01 janeiro-julho/2011 13

    amante, segurar uma pedra na mo, sentir o cho como feito de areia, uma

    brisa na pele uma memria pessoal, a forma que o corpo faz, o peso do

    corpo no cho. Os exerccios de rasaboxes trabalham como um tipo de

    processo de impresso, desenvolvendo uma conexo entre mente, corpo, e

    emoo atravs do qual o performer descobre chaves especficas que iro

    abrir e reabrir os caminhos entre sensao interna e expresso externa.

    Improvisao com Som e Movimento

    Eventualmente, a incorporao da respirao, corpo e voz levam a

    abrir para improvisao com som e movimento nas caixas. Pode ser til

    comear essa fase a partir das posturas estticas, permitindo que som e

    movimento surjam a partir delas.

    Imagine cada rasa como uma substncia que preenche o espao tri-

    dimensional de cada caixa e que acolhida, absorvida pelo corpo. como

    um tipo de processo alqumico, atravs do qual a constituio do corpo

    alterada no nvel celular, permitindo rasa ento emanar do corpo, atravs

    da pele, olhos, voz, gesto, etc. Esta transformao energtica palpvel

    nossa experincia que quase todo mundo observando sente a mudana

    tomar lugar na sala. No apenas aqueles de fora se tornam visceralmente

    engajados com a emoo sendo realizada, como eles freqentemente

    refletem fisicamente essa emoo na face e em outras partes do corpo. Se

    a performance verdadeiramente rsica, no existe mais um fora

    ambos, performer e espectador esto dentro, provando e desfrutando a

    mesma rasa. muitas vezes nesta fase que a caixa de rasa se torna um

    ambiente potencializado de onde personagem, situao, e relao (com

    pessoas ou objetos reais ou imaginrios) comeam a surgir.

    normalmente11 nesta fase do exerccio que introduzimos a

    possibilidade de entrar na caixa de santa. Schechner prope isso como uma

    11 Agora em vez de normalmente, diria que historicamente, fazamos assim. Nos ltimos anos, vimos desenvolvendo mais e mais a funo de santa no treinamento. Explicar o meu novo entendimento desta nona rasa exigiria um artigo inteiro, mas aqui quero enfatizar algumas coisas fundamentais. A santa toma seu lugar no centro da grade, como um lugar de aprender desapego, silncio, paz. um lugar, e um papel receptivo, mas no reativo quem entra em santa vai ficando sempre presente ao que acontece ao redor, mas sem reagir, sem ser ativado nem afetado pelas outras rasas. Em contraste s outras oito rasas, um lugar completamente sem desejo, sem ao, no sentido normal da palavra no contexto teatral. Hoje em dia usamos esta caixa com muito mais frequncia. L, o ator vai exercitar sua capacidade de presena pura. Todo o poder das oito rasas bsicas de possuir o corpo-mente

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    opo apenas se algum sente que est claro em relao a todas as outras

    caixas. Ns tambm trabalhamos sem esta restrio, tratando santa, s

    vezes, somente como mais uma rasa a ser explorada. A caixa de santa

    tambm pode servir como um lugar para se re-equilibrar neurologicamente,

    para clarear, esvaziar ou acalmar-se, assim como a postura do cadver

    deve atuar ao final de uma prtica rdua de yoga. Contudo, enquanto que a

    postura do cadver sugere um foco interno, a caixa de santa um lugar a

    partir do qual ainda se pode relacionar com os outros e com o ambiente,

    mas sem se relacionar com uma emoo em particular.

    Relacionando

    Uma srie de exerccios muito importantes foca na interao entre

    pessoas em diferentes rasas. Primeiro, duas pessoas entram cada qual em

    uma caixa diferente, digamos karuna e raudra. Inicialmente, eles se

    ignoram um ao outro, focando na expresso de suas prprias rasas. Ento,

    eles comeam a se engajar um com o outro a partir dos pontos de vista de

    suas respectivas rasas, respondendo no ao estmulo de sua prpria caixa

    ou imaginao, mas outra pessoa. Quando os dois estiverem plenamente

    engajados um com o outro, cada um pode mover-se para outra caixa,

    assim duas pessoas podem ir de uma relao em karuna-raudra para

    sringara-bibhasta. Por ltimo, o jogo abre para incluir as seguintes escolhas

    para cada jogador: mudar de caixas; permanecer na mesma caixa

    enquanto o outro jogador muda; deixar o jogo para permitir que outro

    jogador entre.

    A relao abre uma dinmica complexa. Mudanas tanto sutis quanto

    radicais em qualidade e intensidade surgem quando duas rasas esto em

    dilogo. Por causa do desafio que inicialmente se apresenta, ns

    geralmente, limitamos o relacionamento verbal, ao uso dos primeiros

    nomes, e talvez uma troca tal como a que se segue:

    Jogador A: Eu sou (nome do jogador A). Quem voc?

    Jogador B: Eu sou (nome do jogador B). Quem voc?

    do ator se dissolve em santa. Apesar de eu ter uma idia especfica do que seja santa, que vem da minha prpria experincia da meditao e do meu entendimento da filosofia budista, tentamos no dar uma definio limitada dela, mas sim de propor vrias possibilidades do que poderia ser explorado pelas pessoas: um vazio, uma sensao de paz, uma tentativa de desapegar das influncias das emoes, etc.

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    Invariavelmente, uma vez que as palavras so introduzidas, a

    improvisao verbal entra na troca.

    Finalmente, expandimos as possibilidades de relao atravs da

    incorporao de textos memorizados (cena, monlogo, ou poema). Em

    situao de grupo, ns geralmente pedimos a todos que decorem as

    mesmas seis ou oito linhas, de modo que eles possam fazer o trabalho de

    cena nas caixas em um formato de revezamento. Se estivermos

    trabalhando com uma cena de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee

    Williams, por exemplo, o grupo vai decorar tanto as falas de Stella quanto

    as de Blanche. Uma pessoa entra fazendo Stella, outra, Blanche. Depois de

    se moverem atravs de vrias trocas em diferentes rasas, uma delas vai

    sair das caixas, e outra vai entrar, comeando a cena novamente e assim

    por diante. As palavras so usadas como textos abertos, focando a

    explorao de como cada rasa informa esse texto diferentemente, ao invs

    de focar em personagens, circunstncias dadas, ou outros elementos do

    texto da pea. O texto permanece fixo, enquanto as rasas mudam. Ns

    aprendemos com esse processo que emoo no , necessariamente, psico-

    lgica. Muitas vezes, a emoo menos lgica a que torna a cena mais

    interessante.

    Camadas

    Enquanto que em todos os exerccios prvios, os participantes

    tentavam trabalhar com rasas puras, sem mistura, nesta fase, eles

    comeam a combin-las. Existem vrias possibilidades. Pode-se trabalhar

    com uma rasa como base, como centro ou rasa primria sobre a qual outras

    rasas vo se sobrepor. A Blanche representada com raudra (raiva) como a

    rasa primria, vai criar uma resultante muito diferente daquela

    representada com karuna (tristeza), por exemplo. A idia de uma rasa

    primria pode sugerir algumas coisas: que existem rasas mscaras sobre

    ela para esconder ou proteger a primria, ou que existem simplesmente

    rasas superficiais momentneas, que mudam de acordo com as aes e

    eventos da pea (veja a narrativa de Paula Murray Cole abaixo para uma

    descrio completa deste processo).

    Duas ou mais rasas podem tambm ser misturadas para criar

    combinaes de emoo mais complexas. Por exemplo, o que resultaria se

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    voc combinasse de 50% de raudra (raiva) com 50% de karuna (tristeza)?

    Ou 70% de sringara (amor) e 30% de hasya (riso)? As emoes

    representadas no rasaboxes como estados distintos e isolados, de maneira

    nenhuma abrangem a totalidade de extenso da emoo humana. Elas

    podem ser pensadas preferivelmente como uma palheta bsica a partir da

    qual todo o espectro pode ser criado.

    A idia da superposio de rasas pode estender-se como uma

    abordagem para o trabalho de cena. Pode-se marcar uma cena inteira sobre

    a chave de uma rasa especfica (ou uma combinao de rasas), enquanto

    que personagens ou momentos podem ser representados em outras rasas.

    No terceiro ato de As Trs Irms, de Tchekhov, por exemplo, enquanto

    todos os outros esto traumatizados e operando em um estado de

    emergncia por causa do fogo (talvez bhayanaka [medo] ou karuna

    [tristeza]), Masha no pode fazer nada a no ser deleitar-se com seu

    recm-encontrado amor (sringara) por Vershinin. Muitas vezes, rasas

    especficas parecem surgir logicamente do prprio texto, como se o autor

    estivesse trabalhando com um tipo de palheta rsica, mas tambm

    possvel aplicar aleatoriamente em um texto rasas escolhidas (ou

    combinaes) para descobrir o que funciona.

    Alm das caixas

    Por ltimo, um performer com experincia no treinamento rasaboxes

    pode internalizar sua estrutura e capaz de transformar de um estado

    rsico para outro sem o mapa fsico das caixas. possvel para tal

    performer mudar a qualidade emocional de um momento, um discurso, ou

    uma cena em qualquer ponto sem necessariamente mudar seu lugar no

    espao. Emoo, como espao, tempo e outros elementos da encenao, se

    torna simplesmente mais uma outra ferramenta para ser usada no processo

    de explorao e desenvolvimento do trabalho de performance. O rasaboxes

    pode libertar os performers de questes sobre motivao, permitindo-os

    pensar e usar emoo de um modo mais divertido e arriscado. Finalmente,

    emoo que to frequentemente bloqueada ou internalizada se move

    no corpo, onde pode energizar o espao entre um performer e outro e entre

    performer e espectador.

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    CONSTRUINDO O PERSONAGEM E A COMPOSIO DA

    PERFORMANCE: DUAS NARRATIVAS

    Paula Murray Cole

    Em 1999 eu interpretei Oflia na adaptao teatral de Richard

    Schechner para Hamlet de Shakespeare. Eu apliquei o trabalho das rasas de

    diferentes maneiras nesta produo: (1) como uma ferramenta de

    descoberta para o contedo emocional da pea tanto na anlise terica de

    texto, quanto na explorao psicofsica nos ensaios de cenas; (2) como um

    caminho para a construo da estrutura psicolgica do personagem; (3)

    como uma ponte entre preparao emocional fora de cena e a performance

    no palco em si.

    Quando comeo a trabalhar em uma pea, mergulho no texto

    buscando informaes sobre o meu personagem: olho as circunstncias

    dadas e a forma como suas relaes se constituemii. Eu comeo a entender

    os objetivos do personagem (o que ele deseja em relao aos outros), quais

    os obstculos que ele enfrenta na busca desses objetivos e quais so as

    aes especficas que ele toma. Baseada nas informaes colhidas do texto,

    eu desenvolvo uma biografia para o personagem, o que me ajuda a

    estruturar e a lidar com a sua psicologia: o qu e quem influenciaram na

    definio de sua identidade, nas suas necessidades emocionais, na sua

    relao com os outros, no meio em que vive e no seu comportamento. Este

    trabalho me ajuda a considerar quais as rasas eu possivelmente usarei

    durante o processo. Eu comeo a sentir quais sensaes rsicas so mais

    acessveis ao meu personagem, quais melhor apoiaro o texto, a minha

    prpria interpretao do papel, e a viso do diretor para a montagem.

    Mesmo tomando notas sobre todo este trabalho, mais importante ainda o

    processo de fisicalizao e externalizao em voz alta. Este o meu

    processo individual de ensaios e preparo para os ensaios em grupo.

    Eu ento comeo a experimentar com as rasas em ensaios de cenas.

    Uma forma de incorporar o mtodo em processo de ensaios, utilizada por

    mim em Hamlet, foi a interpretao de cenas inteiras dentro de uma nica

    rasa e em intensidade mxima. Por exemplo, a cena na qual Oflia conta a

    seu pai Polonius que Hamlet a havia assustado comportando-se de maneira

    estranha, eu inicialmente ensaiei a cena em bhayanaka (medo), depois em

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    karuna (tristeza), posteriormente em sringara (amor), depois em raudra

    (raiva) e assim sucessivamente em todas as rasas. Eu reparava em como

    cada rasa afetava o ator interpretando Polonius e em como isto informava

    as aes que eu escolhia fazer. Este tipo de experincia me ajuda a

    descobrir uma gama de variaes emocionais e de aes dramticas e a

    definir quais eu desejo manter e quais no, descartando as outras

    possibilidades que parecem menos teis.

    Prxima vivncia a superposio de camadas rsicas para explorar

    e criar os conflitos internos e externos que movem as decises do

    personagem atravs da pea. Para Oflia eu escolhi trabalhar com quatro

    rasas principais: duas rasas superficiais com as quais ela habitualmente

    gravitaria: bhayanaka (medo) e karuna (tristeza); uma rasa mscara:

    sringara (amor); com a qual ela se identifica profundamente e tambm usa

    estrategicamente para obter aprovao familiar e social; e uma rasa

    primria: raudra (raiva), que reprimida at a sua ltima cena. Eu usei

    estas escolhas em variaes de nveis de intensidade ou peso dependendo

    dos desafios enfrentados por Oflia nas cenas dadas.

    O elemento chave na minha interpretao do personagem foi a forma

    na qual eu utilizei a rasa primria, raudra: Ela fundou uma base psicolgica

    da qual eu constru a minha linha-pensamento de aes. Eu decidi que a

    sobrevivncia de Oflia em sua vida familiar com Polonius e seu irmo,

    Laertes (e posteriormente, por extenso, seu amante Hamlet) dependia

    inteiramente de sua habilidade em suprimir qualquer resistncia sua diante

    do que era esperado dela. Imaginei que desde a sua infncia qualquer

    mnima reao de resistncia da parte dela seria completamente esmagada

    por um tratamento de rejeio e desaprovao de seu pai. Enquanto que

    seu bom comportamento sendo doce, gentil, complacente e amorosa era

    prazerosamente recompensado. Ela assimilou, seja inconscientemente, que

    reprimir seus sentimentos de raiva (raudra) por baixo de uma mscara

    amorosa (sringara) era a forma de sobreviver, prosperar e ser bem

    sucedida em seus relacionamentos. Ento eu neguei a Oflia livre acesso ao

    sentimento de raiva at a sua ltima cena (embora o liberando em chamas

    intensas rapidamente sufocadas ao final da cena do convento e na cena dos

    Atores, medida que sua situao e relacionamentos iam se distendendo).

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    Mesmo assim raudra era a rasa por baixo de todas as outras, gerando a

    tenso que dava forma as outras rasas, como um gro de areia irritante

    criando uma prola.

    Determinando esta estrutura psicolgica ao personagem, o que

    acontece a Oflia quando seu pai assassinado por seu amante na ausncia

    de seu irmo e todo o acontecido sendo encoberto pelo Rei? O que acontece

    quando ela sente a emoo proibida de raiva e perplexidade por ter sido

    seu assassinado pai enterrado sem nenhuma cerimnia? O que ela faz

    quando as relaes que solicitavam a represso da sua rasa primria e a

    aderncia a sua rasa mscara desaparecem, violentamente arrancada?

    Felizmente Shakespeare nos leva a essa resposta na famosa cena final de

    Oflia: a cena de sua loucura.

    Resumindo, a minha partitura fsica e ao psicolgica durante a cena

    de loucura de Oflia focou-se em: (1) encenar um respeitvel funeral para

    meu pai; (2) punir e humilhar ao Rei e a Rainha pelo assassinato de meu

    pai; e (3) secretamente alertar meu irmo desta traio. Para Oflia esta

    cena motivada pela lgica, porm seus conflitos psico-emocionais levam-

    na ao desequilbrio, desorganizando e fragmentando o seu senso de

    realidade. As minhas quatro rasas principais foram energizadas ao extremo

    absoluto, enquanto eu abruptamente (mas no ilogicamente) trocava

    reaes entre elas. Nesta cena eu permiti Oflia a completa vivncia e

    expresso de raudra. A fora desta rasa, finalmente liberada, era muito

    estimulante, fazendo surgir outras rasas: hasya (pelo ridculo) e bibhatsa

    (pelo nojo), o que melhor servia para golpear e humilhar ao rei e a rainha.

    Indispensvel para o processo de construo deste espetculo foi a

    compositora e coregrafa Liz Claire. Ela e os outros msicos criaram a trilha

    sonora que entrelaava e costurava o tecido de ensaios e apresentaes

    deste espetculo. Liz treinada no mtodo rasaboxes e eu tive o privilgio

    de trabalhar com ela nas cenas de Oflia, na maioria desenhada ao som de

    seu violino. Entre ns duas, compusemos movimento e msica que

    geravam suporte, ampliavam, e reforavam bem as escolhas rsicas que

    foram feitas para o trabalho.

    Finalmente utilizei o mtodo como um aquecimento preparatrio para

    o espetculo antes e durante as apresentaes com o objetivo de

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    rapidamente entrar no estado fisiolgico da cena. Durante o treinamento

    dentro das rasas, eu aprendi a localizar pontos especficos no meu corpo,

    onde ao mov-lo ou ao mant-lo em uma determinada posio gestual ou

    rtmica, desencadeava-se uma mesma sensao psicofsica de uma rasa em

    particular. Por exemplo, quando eu vagarosamente e gentilmente girava

    meus braos para o cu em um gesto de impotncia, eu me sentia

    naturalmente engajada com a rasa karuna. Isto acontecia em questes de

    segundos. Ento como preparao para a entrada em minha cena da

    loucura de Oflia, eu me engajava com esta rasa ainda fora de cena, de

    modo a parecer como se eu estivesse chorando inconsolavelmente por

    semanas. Meu rosto tornava-se vermelho e inchado, lgrimas caindo pela

    minha face, e lquido corria pelo meu nariz! Isto era fcil e divertido de

    fazer, nada dolorido ou pessoal. Assim que eu crusava a linha de entrada

    nas cenas eu sentia que a platia vivenciava a rasa junto a mim. O seu

    retorno me alimentava ainda mais, abastecia a rasa estabelescendo um

    movimento entre ns. O efeito, ao que parecia, era tanto persuasivo e

    lancinante.

    O trabalho nas rasas me auxiliou a traar os conflitos de Oflia em

    sua trajetria pela jornada da pea. Me ajudou a acessar seus

    conportamentos psicolgicos e emocionais, a desenhar de momento a

    momento as suas aes fsicas. Em termos rsicos, eu posso dizer que o

    trabalho me ajudou a descobrir a minha prpria receita para a performance:

    quais ingredientes escolher e misturar, por quanto tempo mexer e cozinhar,

    provar e fazer ajustes e finalmente oferecer a todos a minha criao para

    ser dividida e saboreada.

    Michele Minnick

    Adicionando a funo de treinamento para o performer e a construo

    de personagem a partir de um texto dramtico, tambm possvel aplicar o

    mtodo rasaboxes como uma ferramenta de criao para a composio de

    um trabalho autoral, uma performance que se origine mais de um processo

    de pesquisa corporal do que de um texto dramtico j existente. Eu no

    momento desenvolvo uma performance autoral que ser interpretada por

    mim e pela coregrafa e compositora Liz Claire, sobre a poetisa russa

    Marina Tsvetayeva. Ns estamos usando um material biogrfico, histrico e

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    poemas para o texto da pea e o mtodo rasaboxes como um dos muitos

    meios para desenvolver a composio fsica emocional da dramaturgia e a

    composio musical.

    Rasaboxes me proporcionou uma estrutura para os ensaios, um

    caminho que nos permitisse navegar por possveis mapeamentos de

    emoo para ser usado como parte da partitura fsica da performance.

    Assim como tambm mostrando um caminho para a minha descoberta de

    possveis escolhas para o personagem. A minha abordagem do mtodo

    pensando o personagem diferente da forma como Paula abordou Oflia.

    Nesta pea eu no trabalho Tsvetayeva como um personagem completo, a

    ser desenhado por mim de uma forma unificada, mas sim como uma srie

    de estados, momentos, uma pluralidade de personas com as quais eu

    possa mover e navegar atravs do personagem, ao mesmo tempo me

    mantendo presente na pea. Apesar de eu ainda estar no meio do processo

    de criao e saber que muito do material at ento gerado poder ser

    descartado, posso falar um pouco sobre algumas coisas que venho

    descobrindo atravs da utilizao de rasaboxes nos ensaios.

    Trabalhando com a Liz e com a dramaturga Gisela Cardenas, eu usei

    a tcnica rasaboxes na primeira fase do processo de ensaios como uma

    moldura para investigao. Espalhando pelo cho no incio de todos os

    ensaios um mapa emocional que eu havia montado com textos, poemas,

    objetos, peas de figurino, e muitas fotografias de Tsvetayeva que Gisela

    havia juntado e catalogado para mim. Quando comecei a trabalhar com

    todo este material dentro das diferentes rasas, ele comeou a estabelecer

    uma relao dinmica entre si: em relao s emoes das rasas, com o

    universo da vida de Tsvetayeava retirado das pesquisar feitas em sua

    biografia, com movimentos improvisados, sons, e textos novos que surgiam

    do processo de ensaio.

    Texto e movimento

    Por exemplo, uma simples forma de trabalhar tem sido selecionar

    uma parte de um poema e simplesmente trabalhar com ele sonoramente

    em cada rasa. At o momento tenho trabalhado com os poemas no original

    em Russo, ocasionalmente improvisando textos como a prpria

    Tsvetayeva baseando-me tanto no que j sei sobre a sua vida quanto

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    tambm no que eu imagino dela, em Ingls e Russo. Assim como as rasas

    podem servir como um espao para a interpretao de textos, elas tambm

    podem gerar estmulos para a criao de novos textos, que foram surgindo

    a partir do meu prprio corpo emocional e imaginativo. Esta uma forma

    bem diferente do processo de escrita de um texto, daquele sentado em uma

    escrivaninha (o que no deixa de fazer parte do processo tambm).

    medida que eu entrava em cada rasa eu imediatamente associava

    aquela emoo com certos perodos da vida da personagem, certas

    pessoas, ou certos aspectos da vida de Tsvetayeva. Eu passei um ensaio

    simplesmente me movimentando de uma rasa a outra falando s vezes com

    figuras imaginrias, s vezes diretamente com a Gisela. Hasya (riso) me

    levou a infncia, karuna (tristeza) para a morte da me de Tsvetayeva,

    raudra (raiva) para o sentimento de traio sentido por ela em relao a

    toda Rssia e bhayanaka (medo) ao meu retorno para um tempo de solido

    absoluta perto ao fim da vida de Tsvetayeva. s vezes a combinao entre

    a emoo e o aspecto da vida da personagem me levava a falar, gerando

    novo texto e s vezes me levava somente a mover e pesquisar sons,

    gerando um tipo de coreografia emocional composta por posturas

    particulares, gestos e movimentos.

    Objetos e Imagens

    Um dos objetos com o qual desenvolvi relaes claramente

    diferenciadas durante um perodo de dois ou trs ensaios o papel. Ele

    entrou inicialmente no jogo um dia atravs da rasa sringara (amor). Ns

    tnhamos um grande rolo de papel branco em mos, mais para o objetivo

    de escrever dentro das rasas. Em certo momento do ensaio Gisela trouxe-o

    para mim enquanto eu estava trabalhando em sringara, com imagens na

    minha mente do primeiro encontro entre Tsvetayeva e o homem que mais

    tarde viria a se tornar o seu marido, de repente o papel tornou-se ele

    mesmo, transformou-se em um vu de noiva, e voltou ao seu significado

    prprio de papel onde eu escrevia cartas e poemas para ele.

    Esta foi a primeira vez que o papel entrou como objeto e imagem no

    nosso processo. Uma descoberta cheia de sentidos, tendo em vista o

    relacionamento de uma vida da poetisa com uma folha de papel em branco.

    Posteriormente ele entrou na rasa bhayanaka (medo). Eu estava no meio

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    de um processo de descoberta onde o medo, aqui em uma alquimia

    complexa: eu + Tsvetayeva + medo, significava a perda da memria, a

    perda de sentido. Eu comecei a rasgar o papel em que tinha escrito a

    palavra bhayanaka. Cada pedacinho branco de papel encarava a mim (como

    Tsvetayeva) representando partes da minha vida, do meu passado, que de

    alguma forma haviam escorregado para longe de mim, no estavam ao

    alcance e nem a uma possvel identificao. Eu comecei lentamente a

    nomear cada coisa com palavras simples, infantis, como mame, Sergei

    (marido de Tsvetayeva), pegando cada pedao de papel representando

    essas coisas perdidas e colando-as juntas em uma espcie de fio de vazio,

    aterrorizada pela possibilidade dos espaos vazios do papel em branco no

    serem nunca novamente preenchidos, nem com a vida que eles

    representavam, nem com a poesia que no passado sempre chegava at a

    mim.

    Mais tarde na rasa raudra (raiva), eu me encontrei novamente

    picando papel, mas desta vez, raivosamente, zombando em palavras todo o

    tempo sobre uma Rssia que me havia trado. Eu empurrei cada pedao de

    papel para dentro da minha boca e mastiguei-os. medida que o papel

    enchia a minha boca o som da minha voz tornava-se mais monstruoso. Esta

    imagem de comer o papel retornou a mim em outro dia, quando eu

    trabalhava com o foco em diferentes perodos da vida de Tsvetayeva em

    cada caixa. De frente com a morte da filha de Tsvetayeva, Irina, morrendo

    de fome em um orfanato com a idade de dois anos, de repente, eu me vi

    empurrando uma enorme quantidade de papel dentro da minha boca, at

    novamente meu discurso soar hediondo, monstruoso. A ao e a imagem

    produzidas representavam para mim a culpa em no ter sido capaz de

    alimentar minha prpria filha.

    Musica e movimento

    Liz e eu comeamos a explorar uma interao entre msico e ator

    dentro das rasas. Ela trabalhando com o seu violino e eu com texto e

    movimento. A msica que ela cria, e o movimento que eu fao nas

    diferentes rasas criam um dilogo, que vem abrindo novos territrios para

    ns duas. O que ela toca estimula meus movimentos de uma forma que me

    permite entrar profundamente nas rasas e a continuar descobrindo novas

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    conexes fsicas a elas. Eu me lembro dela ter em um ensaio tocado por um

    longo tempo na rasa karuna, e o som do violino parecia ter aberto o meu

    peito, como se minhas costelas se separassem. Os movimentos descobertos

    nesta sesso eram bastante poderosos, um material que provavelmente

    voltaremos a visitar. De maneira geral, seguir um impulso musical (e de

    certa forma no ter que continuamente gerar meus prprios estmulos para

    a rasa) me liberta para ir a lugares onde eu no iria normalmente. Assim a

    rasa se torna um terreno para o dilogo entre ator e msico, borrando as

    fronteiras entre os nossos papis e tcnicas disponveis a ns.

    Eventualmente, conforme passarmos de uma fase mais exploratria

    para uma fase de composio, eu largarei as caixas, para que a partitura

    corporal da pea possa realmente surgir. Como estas imagens, movimentos

    e textos vo se encaixar, e se as rasas individuais da forma como as

    usamos vo aparecer como uma ferramenta consciente de composio, eu

    ainda no sei. No entanto elas j esto inseridas no processo de construo

    em camadas, no sentido de minhas relaes com a poesia, com os objetos,

    com todo o material usado por mim, incluindo meu prprio corpo e voz,

    todo este material j rsico. Embora as rasas eventualmente se tornem

    invisveis elas profundamente informaram a trajetria de toda a pea.

    Existem apenas at o devido momento dois exemplos de como aplicar

    o trabalho de rasaboxes na composio de uma performance. Mas as

    possibilidades so infinitas. Como Bharata fala no Natyasastra:

    impossvel [...] saber tudo sobre natya j que no h

    limites para bhavas (emoes) e nem fim para as artes

    envolvidas (no natya). No possvel ter um conhecimento

    profundo de nem mesmo uma delas que dir de todas elas

    (Rangacharya, 1986: p. 53).

    o nosso desejo que nesse esprito, a prtica de rasaboxes assim

    como Rasaesthetics ( qual atribuda) sirva como um campo criativo cada

    vez mais amplo de explorao para fins de treinamento e composio da

    performance, assim como tambm para a sade geral do corpo-mente.

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    Referncias Bibliogrficas

    PERT, Candace. Molecules of Emotion apud JUHAN, Deane. Jobs Body. Barrytown, N.Y.: Station Hill/Barrytown Ltd., 1998, p.370.

    RANGACHARYA, Adya. The Natyasastra. Nova Delhi: Munshiram Manoharlal Publishers Pvt., 1986.

    SCHECHNER, Richard. Rasaesthetics. The Drama Review, Cambridge, Mass: MIT Press, Fall 2001 (T136).

    VATSYAYAN, Kapila. Bharata: The Natyasastra. Nova Delhi: Sahitya Akademi, 1996.

    iNota para esta traduo: hoje em dia, eu nomearia somente as oito rasas originais, pois so elas que so treinadas expressivamente. A santa, representa o entendimento budista da relao humana com as emoes. No rasaboxes, ela o centro de tudo, mas no de verdade uma emoo, e no trabalhada da mesma maneira que as outras rasas. Este estado de ser importantssimo existe como a ncora invisvel de tudo, o prprio corao do trabalho, que se toca no treinamento, mas que no visto pelos espectadores da mesma forma que as outras. iiMuito do que se segue uma descrio bastante compacta cujo entendimento relativo ao quo familiar o leitor sobre a Histria de Hamlet. Minha esperana de no alienar aqueles no familiarizados com o texto da pea. Minha inteno a de ser concisa sobre como eu usei o trabalho, sobre a construo de um personagem em particular e suas funes na pea.