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PERÍFRASES PROGRESSIVAS NO PRESENTE NO PORTUGUÊS DO BRASIL: UMA ANÁLISE ASPECTUAL JULIANA FERNANDES CORRÊA NUNES Rio de Janeiro 2017

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PERÍFRASES PROGRESSIVAS NO PRESENTE NO PORTUGUÊS DO BRASIL: UMA

ANÁLISE ASPECTUAL

JULIANA FERNANDES CORRÊA NUNES

Rio de Janeiro

2017

JULIANA FERNANDES CORRÊA NUNES

PERÍFRASES PROGRESSIVAS NO PRESENTE NO PORTUGUÊS DO BRASIL: UMA

ANÁLISE ASPECTUAL

Monografia submetida à Faculdade

de Letras da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como requisito

parcial para obtenção do título de

Bacharel em Letras na habilitação

Português/Francês.

Orientadora: Profª. Drª. Adriana Leitão Martins

RIO DE JANEIRO

2017

Nunes, Juliana Fernandes Corrêa.

Perífrases progressivas no presente no português do Brasil: Uma

análise aspectual / Juliana Nunes - 2017.

32f.

Orientador: Adriana Leitão Martins

Monografia (graduação em Letras habilitação Português - Francês) -

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes,

Faculdade de Letras.

Bibliografia: f. 32

1.Aspecto. 2. Perífrases Progressivas 3. Português do Brasil I.

Nunes/Juliana. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Letras, 2017. III. Título

JULIANA FERNANDES CORRÊA NUNES

112202588

PERÍFRASES PROGRESSIVAS NO PRESENTE NO PORTUGUÊS DO BRASIL: UMA

ANÁLISE ASPECTUAL

Monografia submetida à Faculdade

de Letras da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como requisito

parcial para obtenção do título de

Bacharel em Letras na habilitação

Português/Francês.

Data de avaliação: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:

________________________________________________ NOTA: _________

Prof. Dra. Adriana Leitão Martins (UFRJ) – Presidente da Banca Examinadora

________________________________________________ NOTA: _________

Prof. Dra. Suzi Oliveira de Lima (UofT)

MÉDIA: ________

Assinaturas dos avaliadores: _______________________________________________

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à minha mãe, Ioná, meu grande apoio e incentivo desde sempre, em

todas as áreas da vida, mas principalmente nos estudos.

Agradeço à minha irmã, Renata, por toda a preocupação e por ser tão presente na minha vida.

Estou chegando em breve!

Ao meu tio Marcos, que se preocupa com minhas escolhas e me ajuda desde que nasci.

Ao grupo Biologia da Linguagem, uma inspiração semanal.

À minha cachorrinha Maggie, que passou muitas horas me fazendo companhia, deitada no meu

colo enquanto eu escrevia esta monografia.

À minha orientadora Adriana Leitão, que me apresentou a Linguística no meu primeiro período

e desde então só me impressiona com toda a sua capacidade, humildade e carinho.

À todas as pessoas que estavam do meu lado durante esses 4 anos, aturando minhas crises, me

apoiando e vibrando com minhas conquistas, em especial: Edu e Larissa.

Aos meus alunos, por sempre me fazerem acreditar que fiz a escolha certa.

RESUMO

NUNES, J. F. C Perífrases progressivas no presente no português do Brasil: Uma análise

aspectual. 2017. 32f. Monografia (Graduação em Bacharelado em Letras na habilitação

Português/Francês) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.

O objetivo deste estudo é investigar os aspectos veiculados pelas perífrases progressivas no

português do Brasil com auxiliar no presente. Considera-se para isso a classificação de Comrie

(1976) a respeito dos aspectos gramaticais. A hipótese, inspirada no mesmo autor, é de que as

perífrases progressivas com auxiliar no presente veiculam exclusivamente o aspecto

imperfectivo contínuo. Para verificar esta hipótese, foi feita uma análise de todas as 12

amostras de um corpus de fala espontânea coletado pelo grupo de pesquisa Biologia da

Linguagem no ano de 2016, totalizando 3 horas e 24 minutos de dados. Tais amostras dizem

respeito a diálogos ou conversas. Os participantes possuem de 18 a 40 anos e ensino superior

completo ou incompleto. De um total de 178 ocorrências de perífrases progressivas,

verificaram-se dois aspectos veiculados pelas perífrases além do imperfectivo contínuo:

imperfectivo habitual e perfect universal. Logo, a hipótese foi refutada. Discutimos que as

expressões adverbiais auxiliam na definição do aspecto veiculado pelas sentenças.

ABSTRACT

NUNES, J. F. C Progressive periphrases in the present tense in Brazilian Portuguese: An

aspectual analysis. 2017. 32f. Monografia (Graduação em Bacharelado em Letras na

habilitação Português/Francês) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.

This paper aims to investigate the aspects conveyed by the progressive periphrases in the

present tense in Brazilian Portuguese. For this, we considered Comrie (1976)'s classification of

grammatical aspects. The hypothesis, based on a statement of the same author, is that the

progressive periphrases with the auxiliary in the present exclusively convey the continuous

aspect. To verify this hypothesis, we conducted an analysis of all of the 12 samples of a

spontaneous speech corpus collected by the research group Biologia da Linguagem in 2016,

totalizing 3 hours and 24 minutes of data. These samples constitute dialogues or

conversations. The informants are between 18 and 40 years old, with complete or incomplete

higher education. From a total of 178 occurrences of progressive periphrases, there were found

two aspects conveyed by the periphrases besides the continuous aspect: the habitual aspect and

the universal perfect. Therefore, the hypothesis was refuted. We discuss that the adverbial

expressions help in the definition of the aspect conveyed by the sentences.

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................... 09

1. Aspecto e as perífrases progressivas no português do Brasil

1.1 Tempo x aspecto ................................................................................. 12

1.2 Aspecto gramatical .............................................................................. 13

1.2.1 Aspectos perfectivo e imperfectivo ….............................................. 13

1.2.2 Aspecto perfect ................................................................................. 15

1.3 Outras informações aspectuais na sentença ......................................... 16

1.4 As perífrases progressivas no português do Brasil .............................. 16

2. Metodologia

2.1 Dos dados .......................................................................................... 19

2.2 Procedimentos para análise ....................................................................... 19

3. Resultados e Análises

3.1 Aspectos veiculados............................................................................ 21

3.2 Perífrases progressivas e seus valores aspectuais............................... 22

3.3 Expressões adverbiais ........................................................................ 23

3.4 Discussão ………………………………………………………...… 25

4. Considerações Finais ............................................................................ 26

5. Referências ............................................................................................ 27

Introdução

Este trabalho fundamenta-se na teoria da linguística gerativa, corrente de estudos que

teve início nos Estados Unidos e foi proposta pelo linguista Noam Chomsky na década de 50,

aproximando a Linguística das ciências cognitivas. O gerativismo defende que a linguagem é

uma capacidade biológica e inata do ser humano, e não apenas resultante de um

condicionamento social.

O conceito de faculdade mental pode ser compreendido como uma estrutura funcional

da mente humana. O gerativismo assume a existência da Faculdade da Linguagem, a qual

designa a representação do conhecimento linguístico na mente. Essa Faculdade da Linguagem

em seu estágio inicial é chamada Gramática Universal: um conjunto de princípios linguísticos

determinados geneticamente que tornará possível o desenvolvimento de qualquer língua na

mente do falante.

Neste estudo, assume-se que um dos traços linguísticos presentes na Gramática

Universal seja o traço de aspecto. Segundo Comrie (1976), aspecto diz respeito às diferentes

formas de se observar a constituição temporal interna de uma situação. O valor aspectual de

uma sentença pode estar expresso explicitamente na morfologia do verbo (aspecto gramatical)

ou referir-se a propriedades aspectuais inerentes às raízes verbais e aos outros itens lexicais

das sentenças (aspecto semântico).

O aspecto gramatical pode ser classificado como perfectivo, quando se descreve uma

situação como um todo, ou como imperfectivo, quando se descreve a situação destacando as

diferentes etapas que a compõem. O último pode ainda ser dividido em habitual e contínuo.

Além dos aspectos perfectivo e imperfectivo, Comrie propõe ainda a existência do aspecto

perfect que, quando relacionado ao tempo presente, indica uma situação que começou ou

ocorreu no passado mas tem relação com o presente.

A expressão do aspecto gramatical pode se dar por meio de perífrases progressivas, as

quais consistem, em muitas línguas, de um verbo auxiliar seguido do verbo principal no

gerúndio. A hipótese considerada neste trabalho é baseada em um diagrama de Comrie (1976)

que sintetiza sua proposta acerca dos aspectos gramaticais das línguas, no qual o progressivo

está diretamente ligado ao imperfectivo contínuo. Portanto, a hipótese considerada neste estudo

é: perífrases progressivas com auxiliar no presente veiculam exclusivamente o aspecto

imperfectivo contínuo.

O objetivo geral deste trabalho é contribuir para o entendimento da representação

mental do(s) aspecto(s) subjacente(s) às perífrases progressivas. Como explicitado no segundo

parágrafo, o arcabouço teórico gerativista possui como principal objetivo investigar o

conhecimento de linguagem na mente do falante. Uma das formas de investigar este

conhecimento é através da fala, podendo, assim, através das análises de realizações

linguísticas, criarmos hipóteses acerca dos traços contidos na Gramática Universal.

Os objetivos específicos deste trabalho são: (i) investigar os aspectos veiculados pelas

perífrases progressivas com auxiliar no presente no português do Brasil e (ii) investigar quais

expressões adverbiais associam-se às diferentes perífrases progressivas com auxiliar no

presente no português do Brasil, veiculando diferentes aspectos possíveis.

O trabalho será dividido em quatro capítulos. No capítulo 1, será discutida a distinção

entre tempo e aspecto e serão apresentadas, especialmente, informações acerca de aspecto,

posto que este é o objeto de estudo em sentido amplo desta pesquisa. No capítulo 2, será

apresentada a metodologia do trabalho. No capítulo 3, serão apresentados resultados e

análises, tanto quantitativos quanto qualitativos. Finalmente, no capítulo 4, serão apontadas as

considerações finais.

1. Aspecto e as perífrases progressivas no português do Brasil

1.1 Tempo x aspecto

Tempo e aspecto são fenômenos diferentes apesar de estreitamente vinculados. A

categoria de aspecto refere-se a uma forma de se observar a constituição temporal interna de

uma situação (COMRIE, 1976). Sendo assim, o aspecto exprime, por exemplo, o início, a

duração, a conclusão ou o resultado de uma situação. Na perspectiva desse autor, é uma

categoria não dêitica, pois o evento não é relacionado a algum ponto no tempo.

A categoria de tempo exprime a constituição temporal externa a uma situação. Os

tempos verbais básicos são: presente, passado e futuro. Nessa perspectiva, é uma categoria

dêitica, pois o evento é relacionado a algum ponto no tempo.

O valor aspectual de um enunciado geralmente não depende de seu valor temporal.

Como exemplo, tomemos as sentenças em (1a) e em (1b) abaixo.

(1a) Comia churros na praça.

(1b) Comi churros na praça.

Na sentença em (1a), a forma verbal "comia" faz referência a um momento anterior ao

momento da fala e à duração/desenvolvimento do evento, o que está relacionado às noções de

tempo e aspecto, respectivamente. Já na sentença em (1b), a forma verbal "comi" faz

referência a um momento anterior ao momento da fala e a uma ação vista como um ponto no

tempo, o que novamente está relacionado às noções de tempo e aspecto, respectivamente.

1.2 Aspecto gramatical

A categoria de aspecto está relacionada a diferentes elementos das sentenças. Comrie

(1976) trata do aspecto gramatical, cujas distinções aspectuais podem ser expressas

explicitamente na morfologia (flexão dos verbos, construções de locuções verbais), e do

aspecto lexical, cujas distinções aspectuais referem-se às propriedades inerentes às raízes

verbais e a outros itens lexicais empregados pelo falante para descrever uma determinada

situação.

Uma vez que o objeto deste estudo diz respeito à realização morfológica (perífrases

progressivas), deve-se então destrinchar o aspecto gramatical, o que será feito nas seções 1.2.1

e 1.2.2 a seguir.

1.2.1 Aspectos perfectivo e imperfectivo

O aspecto gramatical pode ser classificado fundamentalmente como: aspecto

perfectivo, quando se descreve a situação como um todo, de maneira completa, e aspecto

imperfectivo, quando se descreve a situação de maneira interna, destacando as diferentes

etapas que a compõem.

Ao observarmos os exemplos em (2a) e (2b) abaixo, podemos perceber que ambas as

sentenças referem-se ao passado. Porém, há uma diferença aspectual gramatical entre elas,

sendo (2a) ilustrativa do aspecto gramatical perfectivo e (2b), do aspecto gramatical

imperfectivo.

(2a) O João comeu acarajé.

(2b) O João comia acarajé.

Na sentença em (2a), a ação enunciada pelo verbo "comer" é descrita como um ponto

fechado no tempo, está completa, e essa ideia é expressa através do uso do pretérito perfeito

do indicativo. Diferentemente da sentença em (2b), em que a ação enunciada pelo verbo

"comer" é prolongada, não descrita como completa e sim destacando fases mais internas da

ação. Essa ideia é expressa através do uso do pretérito imperfeito do indicativo.

Comrie (1976) ainda subdivide o aspecto gramatical imperfectivo em habitual e

contínuo. O primeiro aspecto refere-se a um evento que ocorre de maneira rotineira e o

segundo aspecto refere-se a um evento em andamento em um determinado período de tempo,

como pode ser observado nas orações em negrito em (3a) e (3b), respectivamente.

(3a) João comia acarajé todos os dias.

(3b) João estava comendo acarajé quando sua mãe ligou.

A distinção aspectual desses dois exemplos é dada pela morfologia verbal. Na

primeira sentença, pelo morfema –ia do verbo e, na segunda sentença, pela perífrase "estar" +

gerúndio (perífrase progressiva).

Apesar de ser mais produtiva no português do Brasil, a perífrase progressiva não é a

única forma possível de expressar o valor de imperfectivo contínuo, como pode ser observado

na oração em negrito em (3c), em que o verbo aparece com o morfema –va (morfologia não

progressiva).

(3c) Eu cozinhava ontem à noite quando o telefone tocou.

No diagrama a seguir, Comrie sintetiza sua proposta acerca dos aspectos gramaticais das

línguas, no qual o progressivo está diretamente ligado ao imperfectivo contínuo (COMRIE,

1976, p.25, tradução nossa). Esse diagrama inspirou a hipótese do presente estudo.

Foram tratados nesta seção do estudo dos dois aspectos gramaticais considerados

básicos segundo a classificação de Comrie (1976). Na seção a seguir, o aspecto perfect será

detalhado.

1.2.2 Aspecto perfect

Além dos aspectos perfectivo e imperfectivo, Comrie (1976) propõe ainda a existência

de um terceiro aspecto, o aspecto perfect, que difere das duas categorias básicas, pois, de uma

maneira geral, não diz nada sobre a situação em si, mas a relaciona a um ponto no tempo.

Além disso, a veiculação do aspecto perfect em uma sentença está necessariamente associada

à veiculação do aspecto perfectivo ou imperfectivo.

É importante ressaltar ainda que o aspecto perfect pode ser combinado a diferentes

tempos verbais, porém, neste estudo, será tratado apenas o aspecto perfect combinado ao

presente.

Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) propõem uma divisão de aspecto perfect

em dois tipos: universal e existencial.

Segundo os autores, quando associado ao momento presente, o perfect universal trata

de uma situação que se iniciou no passado e persiste até o momento da fala. Na sentença em

(4a), o verbo "morar" no presente do indicativo combinado a expressão adverbial "desde

2002" indicam que uma situação que se iniciou em um ponto do passado se dá até o momento

da fala.

(4a) Janine mora no Canadá desde 2002.

Já o perfect existencial, quando associado ao momento presente, trata de uma situação

que ocorreu em algum momento antes da fala, mas, ainda que não se estenda até o presente,

tem uma repercussão no presente, já que os efeitos da situação passada são relevantes no

presente. Na sentença em (4b), a partir do advérbio "já" e do verbo "visitou" no pretérito

perfeito, podemos afirmar que houve pelo menos uma visita de Janine aos Estados Unidos,

mas também pode ter havido mais de uma visita, e essa informação é relevante ao momento

presente. Além disso, não sabemos o início da situação, mas sabemos que ocorreu em um

momento antes da fala e que não se estende até o presente, ainda que seus efeitos sejam

sentidos no presente.

(4b) Janine já visitou os Estados Unidos.

1.3 Outras informações aspectuais na sentença

Além das morfologias verbais, existem outros elementos que devem ser levados em

consideração para a leitura aspectual de uma sentença. Castilho (2002) e Travaglia (2006)

defendem que o adjunto adverbial é um desses elementos. Vejamos os exemplos a seguir:

(5a) Maggie está latindo agora.

(5b) Maggie está latindo muito todos os dias.

Na sentença em (5a), o advérbio "agora" denota uma ação em continuidade em

determinado momento que, nesse caso, é o momento da fala. Por isso, podemos concluir que o

aspecto veiculado por essa sentença é o imperfectivo contínuo. Já na sentença em (5b), a

expressão adverbial "todos os dias" denota um hábito. Por isso, podemos concluir que o aspecto

veiculado por essa sentença é o imperfectivo habitual.

1.4 As perífrases progressivas no português do Brasil

Cunha e Cintra (2001) afirmam que a forma simples e a forma composta do gerúndio

apresentam internamente uma oposição de aspecto, sendo a forma simples a expressão do

aspecto não concluído e a forma composta, do aspecto concluído, como podemos observar nos

exemplos em (6a) e (6b), retirados de Cunha e Cintra (2001, p. 342).

(6a) lendo

(6b) tendo lido

Além disso, os autores dizem que a forma composta é de caráter perfeito e indica uma

ação concluída anteriormente à que exprime o verbo da oração principal, como podemos

observar no exemplo em negrito na sentença em (6c), retirada de Cunha e Cintra (2001, p. 345),

e que a forma simples expressa uma ação em curso.

(6c) Não tendo conseguido dormir, fui escaldar um chá na cozinha e dei de cara com a Rosa e

a Idalina.

O objeto de estudo deste trabalho é a forma simples do gerúndio, perífrases formadas por

um auxiliar no presente seguido de um verbo auxiliar no gerúndio. Um exemplo dessa forma

simples seria a sentença "Eu estou comendo"

Cunha e Cintra (2001) afirmam ainda que o gerúndio na locução verbal combina-se

com os auxiliares “estar”, “andar”, “ir” e “vir”, para marcar diferentes aspectos da ação

verbal. Pode-se então concluir que os autores fazem claramente uma dissociação entre as

categorias de tempo e aspecto, utilizando explicitamente tais nomenclaturas.

Cipro e Infante (2003) propõem que o gerúndio atua como verbo nas locuções verbais

e indica normalmente um processo em curso ou prolongado. A afirmação parece indicar que

esses autores entendem que o gerúndio veicula normalmente o aspecto imperfectivo contínuo,

o que equivaleria ao “processo em curso”, como podemos observar na sentença em (6d), ou

ainda o aspecto imperfectivo habitual e o aspecto perfect, o que equivaleria ao “processo

prolongado”, como podemos observar na sentença em (6e), ainda que não utilizem tais

nomenclaturas aspectuais. As seguintes sentenças foram retiradas de Cipro e Infante (2003, p.

200).

(6d) Estou ouvindo o disco que você me deu.

(6e) Está estudando para melhorar profissionalmente.

Além disso, no capítulo 4, intitulado “As locuções verbais”, os autores apresentam as

perífrases verbais, que, segundo eles, desempenham papel equivalente ao de um verbo único,

descrevendo que, nelas, o verbo principal sempre é empregado numa de suas formas nominais

e as flexões de modo, tempo, número e pessoa se dão nos verbos auxiliares, como podemos

observar na sentença em (6f), retirada de Cipro e Infante (2003, p. 200).

(6f) Está havendo uma profunda transformação na sociedade.

Os autores também afirmam que locuções verbais podem dar mais precisão ao processo

verbal. A sentença em (6g) está presente em Cipro e Infante (2003, p. 201) e, segundo os

autores, indica um processo que se prolonga.

(6g) O planeta está pedindo a sua ajuda.

Podemos então concluir que para os autores as perífrases progressivas veiculam o

aspecto imperfectivo contínuo. Além disso, os autores dissociam tempo e aspecto. O capítulo 5

da obra consultada é intitulado “O aspecto verbal”, porém não apresenta exemplos de

perífrases progressivas, objeto de estudo deste trabalho.

Bechara (2009) propõe que o auxiliar das locuções verbais por muitas vezes empresta

um matiz semântico ao verbo principal, dando origem aos chamados aspectos do verbo. O

autor ainda explicita que, em nossa língua, o uso do gerúndio com o auxiliar "estar" traduz

atos que se realizam paulatinamente, em vez do uso de forma simples do verbo. Pode-se então

observar que o autor explicita um aspecto veiculado por essa perífrase progressiva.

2. Metodologia

A fim de investigar os aspectos veiculados pelas perífrases progressivas com auxiliar

no presente no português do Brasil, foi proposta uma análise de dados de fala espontânea e

uma comparação dos resultados com as caracterizações sobre a perífrase progressiva

apresentadas no Capítulo 1.

2.1 Dos dados

Para verificar a hipótese considerada neste estudo, de que as perífrases progressivas

com auxiliar no presente veiculam exclusivamente o aspecto imperfectivo contínuo, foi feita

uma análise de todas as 12 amostras de um corpus de fala espontânea coletado pelo grupo de

pesquisa Biologia da Linguagem1 no ano de 2016, totalizando 3 horas e 24 minutos de dados.

Tais amostras dizem respeito a diálogos (entre duas pessoas) ou conversas (entre mais de duas

pessoas). Os participantes do corpus pertencem a ambos os sexos, possuem de 18 a 40 anos,

são cariocas e possuem ensino superior completo ou incompleto.

2.2 Procedimentos para análise

O percurso investigativo foi dividido em quatro etapas. A partir de uma ferramenta

1 Grupo de pesquisa certificado pelo CNPq cuja certificação no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil pode ser

aferida em dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5381496730312976.

para listar as ocorrências de uma determinada frase ou palavra, foi possível: (i) averiguar por

meio de análise quantitativa as ocorrências das perífrases progressivas com auxiliar no

presente; (ii) averiguar por meio de análise quantitativa os valores aspectuais veiculados por

essas perífrases progressivas; (iii) verificar quais expressões adverbiais associavam-se a essas

perífrases progressivas e a seus respectivos valores aspectuais; (iv) comparar os resultados

obtidos sobre o comportamento do objeto de estudo com as informações a respeito do mesmo

na literatura consultada, a fim de verificar a equivalência dos resultados com as obras

consultadas, presentes na seção 1.4 deste estudo.

3. Resultados e análises

3.1 Aspectos veiculados

No que diz respeito à análise quantitativa de perífrases progressivas com auxiliar no

presente no corpus consultado, foram encontradas 182 ocorrências. A respeito dos aspectos

veiculados por tais perífrases, houve a ocorrência dos seguintes aspectos: imperfectivo

contínuo, imperfectivo habitual e perfect universal.

O aspecto imperfectivo contínuo certamente foi o aspecto mais veiculado pelas

perífrases progressivas no corpus utilizado, contabilizando um total de 169 ocorrências.

Abaixo, temos alguns exemplos de perífrases progressivas que veicularam esse aspecto:

(7a) “Isso daqui que a gente tá passando agora é Itaboraí, não é não?”

(7b) “E acaba pegando aquele ... o ... o que é mais caro. R$ 16,00/R$ 17,00, sei lá quanto foi.”

(7c) “Aí nisso Cabral só vai mordendo a maçã, vai comendo a maçã... ”

(7d) “Gente, eu fico imaginando esses europeus quando chegaram aqui vindo daquelas

desgraças todas da Europa da época.”

Cinco perífrases veicularam o aspecto imperfectivo habitual. Abaixo, temos alguns

exemplos de perífrases que veicularam esse aspecto:

(7e) "Aí a Luciana tá conhecendo vários caras"

(7f) “Aí eu vou gastando achando que tinha dinheiro.”

Oito perífrases veicularam o aspecto perfect universal associado ao aspecto

imperfectivo contínuo. Abaixo, temos alguns exemplos de perífrases que veicularam esse

aspecto:

(7g) “Eu não comprei. Será que tá vendendo ainda?”

(7h) “Desde então, vou guardando como se elas estivessem pagas.”

A seguir, podemos observar as porcentagens dos aspectos veiculados pelas diferentes

perífrases progressivas encontradas no corpus.

Gráfico 1: Aspectos veiculados pelas perífrases progressivas encontradas no corpus.

:

3.2 Perífrases progressivas e seus valores aspectuais

Foram encontradas no corpus perífrases progressivas com os seguintes auxiliares: “estar”,

“acabar”, “ir” e “ficar”.2 O verbo auxiliar “estar” é o mais frequente, tendo ocorrido em 166

perífrases. O verbo auxiliar “ir” apareceu em 8 perífrases. O verbo auxiliar “ficar” apareceu em

7 perífrases e o verbo auxiliar “acabar” apareceu em apenas uma perífrase. A tabela a seguir

mostra exemplos de algumas dessas perífrases progressivas encontradas.

Tabela 1: Exemplos de ocorrências com as diferentes perífrases progressivas encontradas no

corpus.

Estar + gerúndio Ir + gerúndio Ficar + gerúndio Acabar + gerúndio

“A gente tá indo pra lá, tá

tudo engarrafado pra lá.”

“Você vai contando as

horas, né? Ah, falta uma

hora, faltam três, faltam

duas, falta uma!”

“Num fala nada, só fica

olhando.”

“E acaba pegando

aquele ... o ... o que é

mais caro.

R$ 16,00/R$ 17,00 reais,

sei lá quanto foi …”

Para melhor visualização das ocorrências, podemos observar no gráfico a seguir a

porcentagem de perífrases progressivas com seus respectivos verbos auxiliares encontrados no

corpus.

2 Foram consideradas perífrases progressivas formadas por outros auxiliares além daqueles descritos por

Cunha e Cintra (2001), apresentados no capítulo 1.

Gráfico 2: Perífrases progressivas com os diferentes auxiliares encontradas no corpus.

A tabela a seguir é um resumo das perífrases progressivas, seus respectivos verbos

auxiliares e aspectos veiculados.

Tabela 2: Perífrases progressivas e seus valores aspectuais.

RESUMO IMPERFECTIVO

CONTÍNUO

IMPERFECTIVO

HABITUAL

PERFECT

UNIVERSAL

ESTAR + GERÚNDIO X X X

IR + GERÚNDIO X X X

FICAR + GERÚNDIO X

ACABAR + GERÚNDIO X

Como podemos observar na tabela 2, as perífrases “ficar” + gerúndio e “acabar” +

gerúndio foram as únicas encontradas na amostra veiculando apenas o imperfectivo contínuo,

enquanto as perífrases “estar” + gerúndio e “ir” + gerúndio foram encontradas na amostra

veiculando ora o imperfectivo contínuo, ora o imperfectivo habitual, ora o perfect universal,

sendo este aspecto sempre necessariamente associado ao aspecto imperfectivo.

Na tabela 3, podemos observar a quantidade de ocorrências de cada perífrase e seus

respectivos aspectos veiculados.

Tabela 3: Quantitativo das perífrases progressivas e seus valores aspectuais.

RESUMO IMPERFECTIVO

CONTÍNUO

IMPERFECTIVO

HABITUAL

PERFECT

UNIVERSAL

ESTAR + GERÚNDIO 155 ocorrências 7 ocorrências 4 ocorrências

IR + GERÚNDIO 5 ocorrências 1 ocorrência 2 ocorrências

FICAR + GERÚNDIO 7 ocorrências

ACABAR + GERÚNDIO 1 ocorrência

3.3 Expressões adverbiais

A presente seção tem o objetivo de descrever os advérbios/expressões adverbiais

aspectuais que acompanharam as perífrases progressivas com auxiliar no presente no corpus

analisado.

Nas perífrases progressivas que veicularam o aspecto imperfectivo contínuo, houve a

ocorrência do advérbio “agora”, como podemos observar na sentença extraída do corpus em

(8a). O advérbio “agora” denota uma ação em continuidade em determinado momento. Porém,

a grande maioria das perífrases que veicularam esse aspecto não estava acompanhada de

expressões adverbiais. De 169 perífrases que veicularam esse aspecto, apenas 5 estavam

acompanhadas do advérbio “agora”, sendo todas essas com o auxiliar “estar”. O grande

número de ocorrências de perífrases progressivas veiculando o imperfectivo contínuo

desassociado de advérbios/expressões adverbiais aspectuais provavelmente foi consequência

do fato de o aspecto imperfectivo contínuo ser o aspecto mais comumente veiculado pelas

perífrases progressivas, o que dispensaria o uso desses advérbios/expressões adverbiais para a

expressão desse aspecto.

(8a) Alexandre tá fazendo o que agora?

No gráfico a seguir, podemos observar com mais clareza a porcentagem das expressões

adverbiais e da ausência de expressões adverbiais usadas para veicular o aspecto imperfectivo

contínuo.

Gráfico 3: Expressões adverbiais e o aspecto imperfectivo contínuo

As perífrases progressivas que veicularam somente o aspecto imperfectivo habitual não

estavam acompanhadas de expressões adverbiais que pudessem definir a leitura aspectual. O

aspecto veiculado foi definido apenas pelo contexto das sentenças, como podemos observar no

exemplo em (8b) abaixo.

(8b) Qual o volume que o vaso ocupa ali? O volume que o vaso tá ocupando ali no

espaço?3

Das 8 perífrases progressivas que veicularam apenas o aspecto perfect universal, 4

perífrases estavam acompanhadas do advérbio "ainda", sendo todas elas associadas a perífrases

3 Essa classificação foi proposta para esta sentença pois é levada em conta neste trabalho a classificação aspectual

proposta em Comrie (1976). No entanto, há uma classificação que poderia ser mais adequada com base na

classificação aspectual proposta por Cinque (1999): o aspecto genérico, que se refere a algumas características

inerentes de um objeto, que pode não ter sido realizado concretamente.

progressivas com o auxiliar “estar”. Além disso, uma perífrase estava acompanhada do

advérbio “até hoje”, sendo esta perífrase progressiva com o auxiliar “estar” e uma perífrase

estava acompanhada do advérbio “desde então”, sendo esta perífrase progressiva com o

auxiliar “ir”. Esses advérbios/expressões adverbiais denotam uma situação que começou em

algum momento antes da fala mas persiste até o momento presente. Vejamos os exemplos

extraídos do corpus:

(8c) “Eu não comprei. Será que tá vendendo ainda?”

(8d) “Estão pagando a conta de vocês de água até hoje no débito automático dele?

(8e) “Desde então, vou guardando como se elas estivessem pagas.”

No gráfico a seguir, podemos observar com mais clareza a porcentagem das expressões

adverbiais e da ausência de expressões adverbiais usadas para veicular o aspecto perfect

universal.

Gráfico 4: Expressões adverbiais e o aspecto perfect universal

3.4 Discussão

Uma primeira discussão que podemos levantar a partir deste estudo é que a ocorrência

de perífrases formadas pelo verbo auxiliar no presente + gerúndio veiculando apenas o subtipo

universal de perfect vai na direção de achados de outros estudos sobre a realização de perfect

no português do Brasil, já que o aspecto perfect existencial não foi veiculado pelas perífrases

progressivas com auxiliar no presente.

A respeito dos auxiliares encontrados, embora as perífrases “ficar” + gerúndio e

“acabar” + gerúndio encontradas nos dados da amostra tenham sido caracterizadas como

veiculadoras do aspecto imperfectivo contínuo, esses auxiliares parecem trazer outras

informações aspectuais que não estão abarcadas no estudo de Comrie (1976), porém já foram

abarcadas em outros estudos. Além disso, destacamos o fato de os auxiliares dessas perífrases

não serem considerados por Cunha e Cintra (2001) dentre os auxiliares possíveis que figuram

em locuções verbais com o verbo principal no gerúndio no português do Brasil, como descrito

no capítulo 1 desta monografia.

Discutimos ainda que o fato de ter havido na amostra estudada sobretudo perífrases

progressivas com o auxiliar “estar” e de o aspecto veiculado ter sido sobretudo o imperfectivo

contínuo vai na direção da nossa expectativa. Contudo, destacamos que o aspecto imperfectivo

contínuo não foi o único veiculado pelas perífrases progressivas, o que possibilitou a refutação

da hipótese deste estudo de que perífrases progressivas com auxiliar no presente no português

do Brasil veiculam exclusivamente o aspecto imperfectivo contínuo.

4. Considerações finais

O objetivo desta monografia foi contribuir para o entendimento da representação dos

aspectos subjacentes às perífrases progressivas na mente do falante, investigando os aspectos

veiculados pelas perífrases progressivas com auxiliar no presente no português do Brasil e as

expressões adverbiais associadas a essas perífrases.

A fim de atingir tais objetivos, foram analisadas 12 amostras, totalizando 3 horas e 24

minutos de um corpus de fala espontânea com informantes cariocas de 18 a 40 anos, com

ensino superior completo ou incompleto, coletado pelo grupo de pesquisa Biologia da

Linguagem no ano de 2016.

Após a análise dos resultados, concluímos que a hipótese deste estudo, de que

perífrases progressivas com auxiliar no presente no português do Brasil veiculam

exclusivamente o aspecto imperfectivo contínuo, foi refutada, pois outros aspectos podem ser

veiculados por essas perífrases, ainda que com uma frequência mais baixa.

Muitas lacunas ainda estão em aberto a respeito das perífrases progressivas e da

categoria de aspecto. Como passo futuro, pretende-se investigar os aspectos veiculados pelas

perífrases progressivas no português do Brasil, considerando-se também auxiliares em

diferentes tempos verbais.

Referências

BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2009.

CASTILHO, A. T. de, & CASTILHO, C. M. M. de. Advérbios modalizadores. In Gramática do

português falado. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.

CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 2003

COMRIE, B. Aspect. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.

CUNHA, C. & CINTRA, L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro:

Editora Nova Fronteira, 2001.

IATRIDOU, S.; ANAGNOSTOPOULOU, E.; IZVORSKI, R. Observations about the form and

meaning of the perfect. In: ALEXIADOU, A.; RATHERT, M.; VON STECHOW A. (Eds.)

Perfect Explorations. Berlin: Mouton de Gruyter, 2003.

TRAVAGLIA, C. L. Gramática e Interação: Uma proposta para o ensino de gramática. 11. Ed.

São Paulo: Cortez, 2006.