permanências e destruições

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PERMAN ÊNCIAS

&DESTR UIÇÕES

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O Oi Futuro tem uma linha curatorial que visa fomentar projetos de arte pública que reflitam questões pertinentes sobre a cidade e o espaço urbano. O Rio de Janeiro atravessa um período especial de grandes transformações e, mais do que nunca, o debate sobre as formas de uso e requalificação da urbe é muitíssimo urgente.

Nossa instituição reconhece a importância de fomentar oportunidades de discussão sobre os caminhos que a cidade toma em sua reconstrução permanente. E a arte pública é canal propício para o estabelecimento de diálogos entre a cultura, a população e as esferas institucionais—privadas, municipais e estaduais—, levando sempre em consideração que toda reconfiguração espacial prevê, em ultima instância, seu uso singular e diário pelo sujeito-cidadão.

Foi a partir dessa perspectiva que a Oi e Oi Futuro viabilizaram o projeto Permanências e Destruições, de João Paulo Quintella, ocorrido em janeiro de 2015. Ao reunir trabalhos de 11 artistas contemporâneos, o curador propôs ao público carioca novas formas de estar e perceber a paisagem urbana—e os seus vazios—com obras que transitam da performance à arquitetura, instaladas tanto em espaços recém resignificados, como a Praça XV, quanto em locais que, normalmente, estão fora do alcance da visão diária dos moradores da cidade, como a piscina do Edifício Raposo Tavares, em Santa Teresa, o Hotel Balneário Sete de Setembro/Colégio Brasileiro de Altos Estudos, no Flamengo, a Rua do Verde, no Centro, e a Estamparia Metalúrgica Victoria, em Benfica.

Permanências e Destruições procurou explorar o contato entre diversas linguagens e cenários e, principalmente, um possível circuito pelo mapa da cidade, propondo novos olhares sobre o Rio, suas construções e sua natureza.

Roberto GuimarãesGestor de Cultura do Oi Futuro

APRESENTAÇÃO

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TEXTOS

TENTATIVAS DE INSERÇÃO ENTRE A 9

APROPRIAÇÃO E O ESQUECIMENTO

---JOÃO PAULO QUINTELA

MAPA AFETIVO DE LUGARES EXTREMOS 21

---PAULA ALZUGARAY

A FORMA VISITANTE 31

---PRISCILLA MENEZES DE FARIA

VETOR-VETUSTO 41

---ROBERTO CORRÊA DOS SANTOS

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JOÃO PAULO QUINTELLATENTATIVAS DE INSERÇÃO ENTRE A

APROPRIAÇÃO E O ESQUECIMENTO

O caráter destrutivo não vê nada de duradouro (...) Mas eis precisamente por que vê caminhos por toda parte (...) O que existe ele converte em ruínas, não por causa das ruínas, mas por causa do caminho que passa através delas.

Obras Escolhidas Volume II. Walter Benjamin, p. 237

Havia quatro paredes sem saída. Acima delas uma abertura para a cidade que crescia ao longo de todo o campo visual. Desgovernada e por isso cheia de fraturas. Uma espécie de confluência urbana do absurdo, um jeito de encontrar caminhos de propagação dos fluxos. Assim avança na paisagem o Rio de Janeiro. As paredes, o campo aberto para a cidade, são imagens da minha memória, de vistas rasantes em trânsito, entre os prédios e as árvores de Santa Teresa. Do alto daquela montanha que é Santa se estica a zona norte para um lado e a zona sul para o outro. Mas as paredes de 3 metros de altura e 25 metros de comprimento gravitam sobre um penhasco e, exatamente onde a vista se escancara, elas recolhem as dimensões espaciais do macro para o contido. Essas quatro paredes não tem saída porque foram feitas para reter. Reter a água que ocupava seu vão e produzia, até 2001, a piscina do Edifício Raposo Lopes. Esse foi o último espaço ocupado pelo projeto Permanências

piscina foi revista por Pontogor de modo a produzir uma outra forma de contato com suas características físicas e seu entorno. Ao chegar e avistar a piscina de cima, imersa na paisagem, já se ouve o som dos três canais de áudio que, lá dentro das quatro paredes sem água, formam a instalação “Deus | Diabo | Homem”. Trabalhar unicamente com o som foi uma escolha precisa para não deixar a obra se tornar adereço da vista. A potência visual do espaço levaria, provavelmente, qualquer trabalho plástico a ser incorporado pelo discurso do des-lumbramento que qualquer mirante coloca. O que era incontornável foi habilmente subtraído e o espaço como experiência contemplativa se tornou, com intervenções mínimas, um espaço de experiência imersiva. Não se via no visitante a postura do turista. Muitos ficavam de costas captados por essa situação em transe que emanava da soma das três pistas de som. A primeira foi gravada sem nenhuma ingerência do artista pela artista Luísa Nóbrega—também participante do projeto. Em um gesto que acompanha a crueza da intervenção, Luísa executa proje-ções vocais sem adornos. Usa a voz como recurso de produção de som e manifestação física. Um som gutural, visceral. Essa composição, chamada de Deus, parte da ideia de uma produção que acontece fora dos limites do artista, em um lugar de descontrole. O projeto é, como um

e Destruições mas começo por ele pois na minha memória ele foi o primeiro a existir. Lidar com a memória aliás parece ser incontor-nável para um projeto que opera a obliteração. Importante dizer então que o projeto entende a memória não como uma visita ao passado mas como um impulso interno, subjetivo, que produz um deslocamento no presente. A memória não existe aqui como retorno. Existe como recurso. Não é um transporte para o passado mas sim um modo de operar o presente. É nessa tensão do tempo que o projeto existe. Aquilo que está em vias de desaparecer, em vias de deixar de ser o que é ou que vive o anacronismo de ser algo que já não é mais. A piscina é, para o artista Pontogor, parede, concreto, ladrilho e pedra. Não carrega mais sua função original. Pontogor encara o lugar como ele é e não como ele foi.

A proposta curatorial apresentou indicativos para a incidência do espaço no presente, um cuidado com as ressonâncias do passado sem que fosse necessário resgatar uma voz do lugar e buscando, ao contrá-rio, reverberar o que existe de atual na sua condição. Pontogor lidou com o espaço como se ele tivesse sido construído para ser assim. Uma forma de enfrentamento do estado das coisas.

Originalmente construída para ser preenchida por água e servir aos propósitos sociais do desem-bargador proprietário do edifício, a

todo, sobre o lugar do descontrole, sobre a ingerência do tempo na configuração espacial e a vontade que temos de sobrepor projetos e limites suprimindo vigores existen-tes dos espaços. A segunda compo-sição é o Diabo. Pontogor toca uma guitarra utilizando apenas trítonos, intervalos entre notas musicais banidos pela Igreja na idade média. A dissonância produzida é mais provocativa do que perturbadora. O último canal, o Homem, é composto por pequenos trechos harmônicos de uma peça de Bach executados em um órgão. Símbolo da razão, do que é palatável, dos encaixes geométricos e da constru-ção racional, a derivação de Bach é uma espécie de envoltório sonoro para as manifestações da voz e das cordas emitidas pelas outras duas caixas de som alocadas no fundo da piscina. A soma dos três canais produziu um ambiente sonoro capaz de integrar e transcender as características físicas do espaço simultaneamente. Uma experiência ao mesmo tempo física e etérea.

É também em um estágio de contato e supressão físicos que acontece o trabalho de Luísa Nóbrega. Suspensa sobre uma plataforma de 4m de altura, construída com madeiras de lei rejeitadas ou esquecidas pelos antigos administradores da Estamparia Metalúrgica Victoria, Luísa executa uma performance que consiste em apenas um gesto, o

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gesto de permanecer. Lá, deitada, ela passou 36hs com o corpo atravessado em uma antiga área de ventilação consumindo apenas água. Suprimiu do corpo a voz que aparece transportada no trabalho de Pontogor e também em dois gravadores posicionados do lado oposto do mezanino da Estamparia, em Benfica. Com falas ininteli-gíveis ou raciocínios desconexos e fragmentados os gravadores de fitas cassetes, datados, mecânicos, desprovidos de qualquer engenharia avançada, eram uma presença mínima dentro da escala industrial da Estamparia mas tencionavam a ideia de separação corpo/cabeça proposta pela performance. Luísa permaneceu com a cabeça para fora do galpão através do vão livre deixado pela ventilação. A cabeça como ser autônomo em relação ao próprio corpo. A condição incon-tornável que é habitar o próprio corpo. O pescoço como espaço intermediário propondo a fragmen-tação como forma de percepção e não a unidade. Em “Lâmina”, o estado performático está no limite do sustentável mas a exaustão, a rigidez, transportam para a calma e o amparo.

O tempo é um estado, não uma duração. Quando desceu da plataforma Luísa comentou a impossibilidade de pensar o tempo como algo que transcorre linear e continuamente. Ali, suspensa em um espaço hostil onde ela inclusive

de riquezas e bens promovido pelos impérios como forma de afirmar seu poder. A caçamba remete à indústria automobilística. Ambos representam deslocamentos continentais e são indicativos para o pensamento da macropolítica incidente na forma-ção das cidades. Suscitar a história como reagente. Uma história da extração e da insustentabilidade. Ao lado da Estamparia fica a Cadeg, Mercado Municipal do Rio de Janeiro que recentemente assumiu também a qualidade de centro gastronômico. O espelhamento com a Cadeg, com seu alto fluxo e rotatividade, ao lado de um projeto extinto, uma fábrica que não opera mais, é objeto de atenção por parte de Daniel de Paula.

Lado a lado estão dois progra-mas diametralmente opostos. A Cadeg, no destrinchamento da sigla, Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara, já evidencia seu sentido público, uma zona de mobi-lidade e deslocamento criada para ser o principal ponto de distribuição de produtos agrícolas para a cidade. A Estamparia Metalúrgia Victoria é uma unidade industrial, de caráter privado, com funcionamento hermético e fronteiras restritas. A sobrevivência de um espaço e não do outro coloca o esgotamento contra o perene, vetores principais na construção de “histórias oblí-quas”. Esse pareamento geográfico de opostos é integrado ao trabalho de Daniel de Paula. A repercussão

dormiu de um dia para o outro, sem referência de horário, a ideia de contagem e medida não cabia. Cabia apenas lidar com a situação. Os dados climáticos e a voz dos visitantes serviram como guia circunstancial para a artista.

Permanências e Destruições é de fato menos sobre a interpretação e mais sobre a percepção. Não existem guias, textos em parede e nenhum aparato museológico para conduzir ou elucidar a experiência do visitante. Existem o trabalho e os espaços e a convergência entre ambos é o que existe como produto do projeto. A relação entre os trabalhos foi tratada também como aspecto de um trabalho site-specific, ou seja, o lugar é também de outro e a intervenção aqui existe também a partir desse contato. No caso da Estamparia isso fica claro. O corpo da artista atravessando o espaço e a palmeira imperial usada por Daniel de Paula atravessando uma caçamba de automóvel 4×4, colocam, ambos, o embate direto entre o orgânico e o inorgânico. Essa dualidade e a própria dispo-sição dos trabalhos criam relações visuais mas o processo de cada artista é essencialmente diferente. Luísa Nóbrega tem um discurso interno, de questionamentos sobre subjetividade e percepção. Daniel de Paula um discurso para fora, para o contexto histórico e geográfico do espaço. A palmeira de mais de 6 metros é índice do deslocamento

do tempo é distinta e a condição de estagnação da Estamparia se inscreve fora de um período de hiper modificações.

Em períodos de transformações extremas, catástrofes e calamidades globais e locais, o que significa olhar não para o novo mas para o negligenciado? O que os projetos abandonados ou fracassados guar-dam como potência? O novo sugere reorganizações e ressignificações do espaço. Pode o espaço inviável, o condenado, o imbróglio operar da mesma maneira? Ou de que maneira esta condição exposta ao tempo sem maquiagem pode operar?

Ao longo do projeto, o trabalho de pesquisa dos espaços proporcio-nou uma amplitude de possibilida-des. A abertura de escolhas levou a uma série de negativas, e dentro de um processo de entendimento das forças que determinam a dinâmica dos espaços da cidade, me parece fundamental falar sobre o que não foi.

Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então pode entrar mais tarde.

– É possível—diz o porteiro— Mas agora não.

Diante da Lei. Franz Kafka, p. 1

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Nesse pequeno conto, o homem nunca mais sai da frente desta porta. A espera por ser admitido o toma por completo. No fim, o porteiro lhe diz que o espaço estava ali apenas para a sua entrada e que agora não tem mais sentido.

Em Permanências e Destruições o problema se inverte: entrar é possível mas permanecer não é. Contudo, a metáfora do espaço como lugar de um pertencimento real porém inalcançável se aplica. A busca e liberação dos espaços para uso do projeto se mostraram mais demorada e complexa do que planejado inicialmente.

Muitos espaços encontravam-se em um estado de degradação que impossibilitava a permanência e, consequentemente, qualquer visitação. Uns não possuíam alvará que permitsse a entrada de público, edifícios condenados pela defesa civil ou em embargos. Em outros houve dificuldade de encontrar o proprietário, outros estavam em inventário, outros eram de grandes empresas ou do governo e demanda-ram uma negociação extensa.

No caso de espaços públicos, mergulha-se de fato em um processo kafkaniano para a liberação dos espaços, presos por incontáveis burocracias e forças intangíveis que não se notam na realidade onde só esbarramos em porteiros, vigias, tapumes e vazios.

Os trâmites excessivos repre-sentam atrasos mas não negativas e

na maior parte dos casos os agentes envolvidos não criaram entraves à realização do projeto. Um caso específico merece ser citado, o das caixas d’água imperiais reguladas pela CEDAE. Estivemos em dois antigos reservatórios de água, um construído em 1865 localizado em Santa Teresa e outro em 1891, no Flamengo. Pela carga histórica e pela importância de um debate sobre os recursos hídricos das grandes cidades, era um lugar com grandes contribuições ao projeto. Aos olhos da CEDAE, que planeja fazer do espaço um ponto turístico, seria mídia negativa para um espaço negligenciado pelo poder público. Em Santa Teresa, uma placa indica que o espaço é Patrimônio Cultural Carioca. Pergunto então de que vale um patrimônio cultural que não pode ser acessado pela cultura? Menos contraditório mas mais preocupante é a lógica de negar o uso de um espaço público com medo de que ele seja visto. Se houvesse perspicácia por parte da CEDAE seria fácil perceber que nenhuma ocupação é tão eficaz na revitalização de um espaço quanto a ocupação cultural. A atenção sobre as antigas caixas d’água poderia de fato gerar questionamentos sobre a gerência e a manutenção do patri-mônio histórico mas, ao mesmo tempo, esse zelo necrosa o espaço fazendo com que seja cada vez mais difícil reativá-lo. A preocupação parece ser sempre apresentar um

1. Antigo laboratório Moura Brasil. Atualmente tramita na câmara municipal do Rio de Janeiro projeto de lei para a criação do Parque Municipal Sustentável Da Gávea no terreno. 2. Antiga sede do Automóvel Club do Rio de Janeiro.3. Antigo reservatório do Morro da Viúva.4. Caixa da mãe d’água e Reservatório do carioca.

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novo projeto, uma lógica cega voltada para o retorno econômico e para compromissos e barganhas políticas. Antes de instrumento de manipulação política, os espaços vazios ou em desuso do Rio de Janeiro são capitais urbanos funda-mentais na produção de identidade da cidade.

No CBAE (Colégio Brasileiro de Altos Estudos), antigo Hotel Sete de Setembro, as camadas de signifi-cado sobrepostas pelos diferentes usos do espaço ao longo de sua história refletem os movimentos periódicos do investimento público e sua relação com a construção civil acima da cultura e educação. Construído em 1922 pela Prefeitura do Rio de Janeiro para a Exposição Internacional que marcou as comemorações do Centenário da Independência, o edifício funcionou como hotel durante apenas 4 anos. É, portanto, um projeto de ocasião. Para o projeto Permanências e Destruições, esse espelhamento da história, face a um novo ciclo do setor hoteleiro, foi uma importante demarcação na adesão ao debate sobre investimento de recursos públicos. Com um capítulo de amplo envolvimento político, já que de 1973 a 1995 o palacete abrigou a Casa do Estudante Universitário, o prédio hoje repousa em um limbo produzido pelo sistema de repasse de recursos à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em uma ala do prédio funciona o Fórum de

às necessidades expressivas e não às nomenclaturas.

Amalia Giacomini também propõe uma reorganização da relação entre fixos e fluxos. Uma única corrente atravessa o segundo pavimento do prédio conduzindo a uma reinterpretação e percepção da escala, das alturas, larguras e comprimentos. A corrente, como símbolo de encadeamento serial, aponta questões da repetição, do contínuo e do sequencial no espaço. Subverte a noção de cerceamento funcionando como um fio condutor do olhar e do percurso. Cria bar-reiras e inviabiliza passagens. Mas, para além dos desvios do sensível, a corrente única testa o espaço pragmático da geometria cartesiana. A compartimentação do hotel é vivenciada ao mesmo tempo por esse objeto que recusa a fragmentação imposta por medidas e paredes.

No pavimento superior, uma nuvem ruidosa propõe ainda uma outra abordagem ao estar. Não linear e fragmentária, “Nuvem”, de Floriano Romano, estabelece parâmetros de contato através dos estímulos sonoros que cruzam o ambiente. Os sons captados por Romano são as próprias ressonân-cias do espaço, o vento cruzando um corredor, uma madeira rangendo, os carros que passam em velocidade do lado de fora. Emitidos por caixas espalhadas por todo o andar, esses sons criam uma reverberação do espaço nele mesmo.

Ciência e Cultura da Universidade, atuante e movimentado. Na outra ala, bem maior em área, não existem condições estruturais, hidráulica e elétrica, para o assentamento institucional. A Universidade não consegue recursos pois para justifi-ca-los precisa de alunos, de ensino. Para ter ensino e alunos precisa de estrutura e recursos.

Se rever a história é uma preocupação, isso não significa que o projeto seja historicista. Ao contrário, o que existe é uma soma, um “e”, aos diferentes programas sobrepostos ao longo dos anos e ao próprio desempenho da arquitetura a partir de diferentes formas de aproveitamento.

Os movimentos da performance realizada pelo grupo Miúda se adaptaram aos pontos de vista, à circulação e aos materiais do antigo hotel. O embate do corpo contra as formas sólidas, rígidas, desfez a imponência do espaço. Conduzido por uma caixa de som móvel, o público teve contato com a simetria dura através da presença dos performers. A questão colocada por Miúda é: até que ponto a arqui-tetura está preparada e disposta a receber esses corpos? As estruturas coreográficas investem contra as paredes, alteram passagens e criam barreiras, aproveitam e esgarçam enquadramentos. Experimentam o espaço e também o contato entre a dança e a performance buscando um repertório discursivo que atenda

Um eco relacional entre o lugar e seus preenchimentos invisíveis trazidos a tona pelos 45 falantes ali dispersos. O corpo se move pelo corredor a partir de rotinas simultâneas, sobrepostas no tempo outro da obra.

Rearranjos são formas de rever e ocupar o espaço não familiar a partir de uma ótica específica. Raquel Versieux é uma artista voltada para as organizações do mundo, seja em uma escala íntima e pessoal, como através de trabalhos que exploram e evidenciam as qualidades e aleato-riedades das ferramentas de pesquisa do google, ou em uma escala macro como na pesquisa sobre as caixas d’água Fortlev que, acopladas sobre a maioria das casas de favelas do Rio, influem na paisagem urbana. Na Rua do Verde, Versieux não produziu uma instalação como a entendemos mas, ao contrário, tomou o lugar para si e, assim como alguém que habita um lugar e vive uma rotina, a artista fez do entorno a sua fonte de matéria prima. Estipulou um perímetro e dele extraiu as ferramentas, as plantas e a narrativa que ergue seu trabalho. Convidou um frequentador para realizar uma ação de corte repro-duzindo a escala dos parafusos que habitam o Palácio das Ferramentas ao lado em uma linha de espadas de São Jorge. Reconfigurou os objetos esquecidos que lá estavam e assim criou uma dobra na existência do lugar.

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5. Kalanchoe delagoensis (família das Crassulaceae), cujo nome popular é flor-da-abissínia.

A Rua do Verde é um imaginário que liga a Rua da Carioca à Rua Sete de Setembro. Nessa passagem existe uma floricultura enquanto as sobrelojas de cada lado permanecem vazias. O que acontece com o espaço vago? O que adere ao vazio? São questões que cruzam todo o projeto. Nesse caso, o espaço sujo, desgastado, sem nenhum cuidado, serve de repouso para os funcio-nários da Rua do Verde. Ali eles tiram um cochilo após o almoço, ali tomam pausas da intensidade do manuseio das plantas.

No espaço vago, sem constância humana, floresce também um certo tipo de natureza. São esses terrenos que indicam a capacidade de permanência e destruição de um projeto arquitetônico e/ou urbano frente às condições que se sobrepõem ao controle e ingerência humana. Nas frestas do concreto existe uma capilaridade extrema. Por ali, zonas de irrigação se desen-volvem. Uma planta em particular se repetiu em mais de um espaço. Kalanchoe Delagoensis (família das Crassulaceae), cujo nome popular é flor-da-abissínia. É conhecida, além do uso em ornamentação, por seu potencial invasivo. Invasivo soa demasiado estranho para uma planta que simplesmente cresce em solos de construções monumentais ergui-das sobre um terreno onde anterior-mente havia (surpreendentemente?) plantas. Importante ressaltar que Permanências e Destruições não

em silêncio durante toda a ação, 3. a duração da ação corresponde ao expediente da fábrica de onde provêm os tijolos, de 07hs às 16hs. Dentro desses limites, o corpo passa a depender da unidade estrutural para gerar um terreno possível enquanto o tijolo assume um status e um uso diferentes de sua aplicação comum, uma vez que deixa se ser fração para tornar-se uma estrutura móvel plena. Os caminhos são alterados a todo tempo pelos participantes, inviabilizando a consolidação das formas.

Um projeto modular, avesso ao estático e ao estético de grandes projetos e aberto à participação da enorme quantidade de pessoas que cruzava a Praça XV durante sua execução. Ao longo das 8hs de duração, um grande número de tijolos cedeu ao peso do corpo e aos deslocamentos necessários para que fossem criados os percursos dos participantes. Executavam portanto um plano arquitetônico desprovido de arremates e cálculos, erguido diretamente pelo seu uso e não para um uso futuro. Uma arquitetura que responde e reage às dinâmicas do corpo, às suas necessidades imedia-tas e transitórias.

Como a arte pode atuar sobre os projetos arquitetônicos e urba-nísticos? A partir do trabalho dos artistas, Permanências e Destruições procurou produzir alguma alteração na experiência do espaço e na sua percepção de modo que os debates

levantados pelo projeto fossem ativados pelo próprio estar do visitante.

Foi assim que aconteceu no trabalho “Cota 10”, de Júlio Parente e Pedro Varella. Do alto da plataforma de 10 metros de altura, medida exata da antiga bandeja da Perimetral, os visitantes puderam ter um contato com a Praça XV e com a cidade do Rio de Janeiro a partir de um ponto nevrálgico do processo de transformação que a cidade atravessa. Ali, onde antes erguia-se uma via expressa, um espaço de literal sobreposição do veículo sobre o pedestre, os artistas implantaram uma estrutura composta por módulos de estrutura tubular em aço, habitualmente usados como andaimes pela constru-ção civil, gerando uma invisibilidade do trabalho, uma transparência em um ambiente repleto de obras em andamento. As obras de infra-es-trutura acampavam, na época, em todo o entorno da Praça XV. Ambos os trabalhos, “Ação com tijolos” e

“Cota 10”, se confundiam portanto com a paisagem existente. Prova disso é a forma como a própria fiscalização encarou a presença do projeto em praça pública, confun-dindo os trabalhos com os limites dos canteiros de obra.

“Cota 10” é preciso na sua abor-dagem sobre o recondicionamento do espaço público. De maneira enxuta, apesar da escala, o trabalho propõe uma estadia onde antes havia

é um projeto contra a engenharia civil mas sim questionamento da supremacia do concreto sobre a grama, da canalização dos recursos hídricos das cidades e da urgência dessas reflexões para a sustentabili-dade das cidades. A Kalanchoe com seus 30 e poucos centímetros de altura em média sugere apenas um balanceamento no equilíbrio entre o orgânico e o inorgânico.

A relação entre o orgânico e a construção civil é latente também no trabalho “Ação com tijolos”, de Priscila Fiszman e Kammal João. A ação é um jogo regido por três regras, 1. só se pode pisar sobre os tijolos, 2. deve se permanecer

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velocidade. O olhar do passante que experimentou a subida encontrou uma nova visada para a paisagem urbana, uma perspectiva sobre parte do centro histórico da cidade, a Baía de Guanabara, a ponte Rio-Niterói e, enquanto houve concomitância, sobre a própria “Ação com tijolos”. Não existe, no entanto, um direcio-namento deste olhar. O trabalho se esquiva de um juízo de valor e de qualquer antagonismo que serviria, no fim das contas, apenas para simplificar um debate mais com-plexo. As alterações provocadas pela

demolição da Perimetral, finalizada em 2014, repercutiram em várias instâncias, desde o tráfego nas vias que cruzam o centro até as condi-ções climáticas da cidade, alterando, por exemplo, a incidência de ventos na região.

O que importa são portanto as questões de contingência. Como estar no espaço. As formas como ocupamos os lugares. As contingên-cias não são, portanto e ainda bem, determinações. Não são permanên-cias. Tão pouco destruições. O que existe, existe porque passa, e persiste.

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deste início de século 21. Só perceptível talvez para nostálgicos e melancólicos?

Atrás do portão aberto havia apenas um senhor, que me apontou o caminho para a intervenção. Depois soube que era o responsável pelo estacionamento que hoje funciona no local. Soube também pelo curador que o edifício tem outros quatro andares de salas desativadas. “Dava pra fazer uma bienal do esquecimento”.

Uma bienal do esquecimento. A ideia me fez compreender que uma função deste projeto que reuniu Daniel de Paula, Raquel Versieux, Pedro Varella e Júlio Parente, Amalia Giacomini, Floriano Romano, Miúda, Pontogor, Luísa Nóbrega, Priscila Fiszman e Kammal João não é recuperar a memória de sítios históricos, mas criar condições para que se desenvolvam ali novas relações. E assim, talvez interromper por um brevíssimo período de tempo alguns processos de esquecimento? Sem ser interceptado pelo pensamento curatorial, por ímpetos de reconstituição histórica, textos, claquetes ou avisos prévios, o visitante é então estimulado a elaborar, a partir da experiência, sua própria dimensão desses espaços, atribuindo-lhes sentidos afetivos e pessoais.

Um projeto sobre o descontrole. A partir dessa premissa, aceito as regras do jogo proposto por João Paulo Quintella e me permito construir este texto de uma maneira quase sensorial.

Passagens

Talvez uma diferença marcante entre os espaços em desuso do Rio e de São Paulo seja que, no Rio, eles não apenas perdem sua qualidade funcional e civilizada, mas retornam a uma natureza selvagem. Imagino que seja esta mesma natureza que Luísa Nóbrega foi buscar tocar quando subiu em uma plataforma acoplada a uma janela dos fundos da antiga estamparia e deitou-se lá por 32 horas. Nesta performance de longa duração, em que permaneceu em jejum e imobilizada, a artista se fundiu ao ambiente, tornando-se quase tão imperceptível quanto o edifício no contexto da cidade contemporânea.

No mesmo local, fruto de uma operação com pendor arqueológico—mas não nostálgico—, a obra de Daniel de Paula consistiu em uma carroceria de caminhonete atravessada por

Regarder c’est un geste quand les images arrivent a nous toucher

Georges Didi-Huberman

Nada como um bom motivo para ir além. Pensava isso ao ultrapassar a estação Ana Rosa, na linha verde do metrô paulistano, deslizando rápido em direção ao Alto do Ipiranga. Ao descer em meu destino final, subir as escadas rolantes cercadas de documentação iconográfica de um marco histórico brasileiro, e atravessar as ruas Dona Leopoldina, Marques de Olinda e Visconde de Pirajá, tive a confirmação de que havia retrocedido quase duzentos anos no tempo. Mais precisamente para 1822, o ano do grito.

A caminho para o ateliê de Daniel de Paula, neste início de fevereiro, em São Paulo, pisava em território até então inexplorado por mim e me divertia com a reincidência de ter de atravessar dois Brasis imperiais para visitar sua obra. Há algumas semanas, ele me levara até o bairro de Benfica, zona norte do Rio de Janeiro, vizinho de São Cristóvão, que já foi conhecido como “bairro imperial” por ter abrigado a corte portuguesa no século 19. Fui ver sua instalação dentro do projeto Permanências e Destruições, curadoria de João Paulo Quintela em cinco lugares extremos do Rio.

Para chegar à antiga Estamparia Metalúrgica Victoria, em Benfica, atravessei grandes avenidas com pequenos comércios de lustres, ruas estreitas, vias sinuosas, trilhos de trem e outras quebradas. Até chegar à obra propriamente dita, instalada em um mezanino nos fundos do edifício, cruzava-se ainda um galpão ocupado por carros velhos, alguns sucateados. Este prelúdio do contato com o trabalho e experiência do caminho sem dúvida foram determinantes de minha percepção sobre ele.

A primeira grata surpresa na chegada a Benfica foi o partido curatorial de Quintella, que não perdeu tempo nem recursos com preâmbulos para a apresentação do projeto. No lugar das estratégias de mediação que normalmente envolvem eventos de arte contemporânea—especialmente aqueles realizados em locais que não são espaços convencionais da arte—, encontrei o velho edifício de 1932 tal como imagino que ele se apresente em seu contexto cotidiano: dissimulado, silencioso, disfuncional, quase invisível. Um fantasma em relação ao ruído da paisagem urbana

PAULA ALZUGARAYMAPA AFETIVO DE LUGARES EXTREMOS

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parisiense. Em meus exercícios de descoberta e ressignificação desses espaços, me pergunto que relação essa via de ligação entre ruas teria com as passagens que surgiram em Paris após 1822 (de novo, o ano do grito) e que levaram Benjamin a montar seu discurso sobre a modernidade e o capitalismo a partir de um monumental arquivo de fragmentos de textos:

“Assim como as rochas do mioceno ou do eoceno carregam em si parcialmente a impressão de monstros destes períodos geológicos, situam-se hoje as passagens nas grandes cidades como cavernas com os fósseis de um animal extinto: dos consumidores da época pré-imperial do capitalismo, o último dinossauro da Europa”1.

Esse mesmo estado de flutuação histórica, conceitual e espacial que me leva à Paris de Benjamin parece ter regido o raciocínio de Raquel Versieux para construir seu projeto na Rua do Verde. A instalação é uma espécie de reconfiguração de elementos latentes, apropriados das ruas ao redor: as plantas da Rua do Verde, os parafusos da rua 7 de Setembro e a sonoridade da Rua da Carioca, tradicional endereço do comercio de instrumentos musicais.

Ocupando as três salas de um apartamento que teria sido um posto da Guarda Municipal—e consequentemente descuidado e destruído pelo órgão de serviço público—, a artista se utiliza de um mostruário de parafusos encontrado no local, como referencia para uma ação com espadas de São Jorge, documentada em vídeo. Ao produzir a poda das plantas seguindo o esquema gráfico demonstrativo de diferentes tamanhos das peças, criava um paralelo entre as linhas de produção industrial e as estratégias de domesticação da natureza.

Prazeres

As linhas de força que ligam pontos do mapa afetivo do Rio ganham fisicalidade no Hotel Balneário Sete de Setembro, no Flamengo, que teve dois andares compartilhados entre Amalia Giacomini, Floriano Romano e o grupo Miúda.

A percepção da cidade como um sistema relacional se afirma de entrada no trabalho de Amália Giacomini, que enlaçou o espaço com uma corrente, fazendo-a atravessar os cômodos em movimento tortuoso, induzindo o visitante a engajar-se em um

“labirinto organizado”.

uma palmeira imperial. Como um emblema, ou síntese, o objeto propunha a sobreposição de dois tempos daquele lugar. De um lado, a palmeira, “símbolo de poder desde o império até a igreja universal”. De outro, o fragmento de carro, que aponta para o reconhecimento das fraturas, acidentes e o isolamento daquela região da cidade.

“Acho que Benfica é mais complexa que o Ipiranga”, pondera Daniel, referindo-se às dificuldades durante a montagem do trabalho e as soluções encontradas coletivamente, com ajuda de um grupo de moradores do bairro, para içar a palmeira até o mezanino. “Essas dificuldades acabaram gerando contato com o entorno, são micro-relações que influenciam o trabalho”.

Para além das reflexões abertas pelos trabalhos de Luísa e Daniel sobre as camadas de histórias escondidas naquele tecido arquitetônico específico, não pude deixar de notar entre eles uma correspondência: as duas intervenções eram compostas por gestos de atravessamento.

A palmeira atravessa a carroceria por uma esfera cortada na funilaria. A esfera tem o mesmo diâmetro das janelas redondas do edifício. Através de uma dessas esferas, Luísa Nóbrega constrói a plataforma que sustenta seu corpo inerte. O ângulo oblíquo da palmeira insinua um estado de queda, ou de suspensão em algum lugar entre a morte e a vida. Tal qual o corpo da performer.

Dois corpos submetidos a condições extremas. Essa percepção me levou a notar relações não apenas entre os trabalhos de Benfica, mas entre as cinco intervenções do projeto Permanências e Destruições, reconhecendo sua aptidão em absorver a cidade como um sistema de trocas.

Começo então a ligar os pontos desse mapa de lugares extremos e encontro uma primeira conexão: a palmeira foi levada para Benfica por uma das botânicas da Rua do Verde, onde Raquel Versieux realizou uma intervenção. Ao contrário da Estamparia Vitória, que exige um deslocamento voluntário do público até um território não familiar, a Rua do Verde é um lugar de passagem. Localizada no coração da cidade e escondida entre a Rua Sete de Setembro e a Rua da Carioca—antigo caminho para a água do chafariz do Largo da Carioca—, é uma espécie de fantasmagoria que surge repentina para o passeante incauto.

Sabemos que esse pedaço de Rio de Janeiro, nas imediações da Praça Tiradentes, teve muita influência da vida e da arquitetura

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mera coincidência. Nesse sentido, as ocupações do Hotel Sete de Setembro dialogam frontalmente com as instalações na Praça XV de Novembro realizadas pelos artistas Priscila Fiszman, Kammal João, Pedro Varella e Júlio Parente.

Palco de alguns dos maiores acontecimentos políticos e sociais do Brasil—entre coroações de imperadores e a abolição da escravatura—, e até hoje um dos locais de maior circulação de toda a cidade, a Praça XV deu início ao projeto Permanências e Destruições.

Em 9 e 10 de janeiro de 2015, a Praça foi atravessada por duas intervenções que reinterpretam a atual identidade e condição urbanística do Rio, transformado em canteiro de obras sem fim. Priscila Fiszman e Kammal João convidaram os transeuntes a participar de uma performance com tijolos, em uma espécie de ação coletiva em grande escala do jogo de montar e desmontar cidades—que todo mundo brincou quando criança.

Pedro Varella e Júlio Parente subiram um andaime da altura exata do Elevado da Perimetral, demolido em 2014 a partir de manobras políticas tão engenhosas quanto às que levaram ao desmanche do Morro do Castelo, há cem anos. Na proposta dos artistas de erigir um fantasma do Elevado, um gesto de enfrentamento não só de questões políticas, mas também de um caráter estritamente pessoal. Isso porque se empenhava em restituir ao cidadão a posse de um sentimento que ele talvez não tenha registrado quando transitava em alta velocidade sobre o viaduto: o prazer da contemplação de uma das mais belas vistas da cidade, a Baía da Guanabara.

Epílogo: o anti-cartão postal

“Diz-se que o episódio hipnótico é geralmente precedido de um estado crepuscular: o sujeito está de certa forma vazio, disponível, propício sem o saber do rapto que vai surpreende-lo”. (Freud, Werther apud Barthes, 166).

Paulo Herkenhoff diz que o Pão de Açúcar é um problema pictórico antigo do Rio de Janeiro, impondo dificuldades aos artistas desde Taunay até Waltércio Caldas e Marcos Chaves, passando por Timóteo da Costa, Guignard, entre tantos outros3. Um projeto como Permanências e Destruições, que se propõe à promover a reapropriação de territórios que permanecem apesar

Mas a corrente respeita os corredores vazios, os dormitórios, as escadarias, as sacadas e acima de tudo a vontade pessoal do visitante. Há um circuito sugerido, sem a condução de um sentido obrigatório. O público pode escolher estabelecer através dela seu primeiro contato com o lugar desconhecido, sem ver-se atado e logo dando vazão a uma circulação espontânea.

Na performance dos dançarinos do grupo Miúda entende-se a corrente como cidade e sistema erótico que transcende os afetos. Dividida em 12 atos, a peça explora a ética e a erosão dos relacionamentos humanos, remetendo aos estados de conflito que configuram a cidade.

Ao expor situações de loucura, entusiasmo e outras disposições veementes próprias dos apaixonados, remontam os cânticos que evocam a cidade como espaço de tensão, lugar entre o eros e a violência, entre a beleza e o caos.

A instalação sonora de Floriano Romano escolhe uma terceira dimensão do mesmo espaço para atuar, preenchendo-o de forma a engendrar um outros encadeamentos, mais relacionados talvez às histórias latentes do lugar, histórias de desmontes e construções que tiveram lugar no Rio de Janeiro do início do século 20.

As sonoridades, emitidas por autofalantes dispersos no chão, são compostas por camadas de ondas do mar, que parecem obstruídas por roncos de escapamentos de carro e timbres dissonantes de máquinas em curto circuito. Elas vem evocar não apenas as ocupações passadas do prédio—a proximidade da praia, quando foi hotel—, mas são também altamente sugestivas de um jogo de oscilações entre a saúde e a insalubridade; entre a gentileza e a indisposição ao outro, que embala a vida da cidade desde tempos remotos2. Pisando sobre os cabos elétricos condutores de sons, chego a me emaranhar em memórias de antigas querelas e divergências sobre reformas urbanas deliberadas pelo poder público, algumas à revelia de órgãos de defesa do patrimônio.

Construído em tempo recorde para a Exposição do Centenário da Independência, em 1922, o Hotel Balneário coincide com o início de uma era em que a vida social do Rio de Janeiro voltava-se para a praia e as políticas públicas favoreciam a construção da imagem do Rio como polo turístico. A semelhança com a presente reforma urbana no entorno da histórica região da Praça Mauá, impulsionada por mega eventos esportivos, não é

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do esquecimento, da negligência e da destruição, não se isenta de pensar também o lugar do corpo diante da grandeza e da miséria da paisagem.

É sintomático, então, que o projeto que encerra o ciclo tenha acontecido no alto de Santa Teresa, quase na entrada do morro dos Prazeres, na piscina do edifício Raposo Lopes. Ao ser construída de costas para o cartão postal mais celebrado da cidade, o Pão de Açúcar, mirando para uma longínqua Serra dos Órgãos, a Piscina do Raposão torna-se um emblema das ações promovidas pelo projeto curatorial de João Paulo Quintela, voltadas para a introjeção da paisagem. Justamente por isso a opção por convidar o artista Pontogor para uma imersão sonora no interior da piscina: para criar um contraponto, resistência, ou reação ao encantamento da vista.

Suspendo meu relato nessa altura que toca os Prazeres. Sustentada sobre incríveis 25 metros de alicerces de concreto armado apoiados na rocha. Tocada pelo perigo do encontro com o sublime e certa de que o que me rapta é a imagem dos corpos em situação.

Paula Alzugaray Fevereiro de 2015

1. Benjamin, Walter. Passagens. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.2. Bulhões, Antonio. Diário de uma Cidade Amada, Rio de Janeiro, 1922. pg 15.3. A afirmação de Paulo Herkenhoff, curador e director artístico do Museu de Arte do Rio (MAR) foi realizada durante apresentação da individual de Marcos Chaves, na mesma instituição, em 27 de janeiro de 2015.

MAPA AFETIVO DE LUGARES EXTREMOS

A FORMA VISITANTE

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Permanências e Destruições promoveu uma coreografia de encontros entre pessoas, lugares e proposições artísticas. Ativando locais do Rio de Janeiro que recebem pouco ou nenhum uso, o projeto provocou fendas em ritmos e espaços urbanos, convocando tanto artistas como o público a se colocarem em atitude de visita. Ao público era solicitado ir em direção a espaços não especializados em arte, como uma praça, uma rua de floriculturas, um antigo hotel, uma estamparia metalúrgica, a piscina de um prédio.

Interessou ao projeto que os procedimentos artísticos fossem elaborados a partir do enfrentamento dos espaços e que essas ações fossem efêmeras. Deslocaram-se os artistas, portanto, de seus ateliês para fábrica, hotel, praça, rua e piscina. Deslocou-se o público para o Centro, o Flamengo, o alto de santa Teresa e Benfica. Além do deslocamento era preciso um investimento desejante, ir a locais incomuns, seguir o fluxo de tempo das propostas, entrar por fachadas nem sempre convidativas. Era preciso, enfim, conceder com a angústia do imprevisível e do impermanente, já que não se tratava de ter experiências de apropriação dos espaços, mas de frequenta-los intempestivamente: visita-los.

Ao criar rasgos de disponibilidade nesses locais, Permanências e Destruições apontou para a potência metamórfica dos espaços mais do que para suas identidades e fantasmagorias. Se o fantasma é o ausente persistente, o visitante é o presente repentino, esse que surge para colocar em abalo o estado das coisas. Não interessou ativar espaços em desuso para fazer a estetização da ruína e o elogio à memória arqueológica, mas de colocar o presente em estremecimento. A ruína aponta para o paradigma da identidade (o que foi, o que era), e o que estava em questão não era afirmar estados, mas problematizar a experiência do devir na relação entre corpos e espaços.

Na proposta Cota 10, de Júlio Parente e Pedro Varella, era possível subir em um andaime de dez metros de altura e olhar para a cidade do mesmo ponto de vista onde, meses atrás, havia o elevado da Perimetral. Próximo dali, aconteceu a Ação com Tijolos, de Priscila Fiszman e Kammal João, que durante nove horas criaram situações entre seus corpos e um conjuntos de tijolos, ensaiando construções e desabamentos, erguendo e desfazendo paredes, dando a ver relances em que ruína e fundação podiam se suceder e coincidir. Ambas as propostas apontam para a força

inventiva da experiência com a cidade, mostram que habitá-la é precário e está sempre por ser criado. Tudo que se ergue é provisório, afinal, e a transformação dos espaços é aquilo que se mantém.

Muito da dignidade do sujeito contemporâneo ocidental é assegurada pelo fato de ele habitar uma propriedade, ter comprovante de residência. Ser cidadão, muitas vezes, não é diferente de ser proprietário de um espaço privado. Outra obsessão asseguradora é a identidade, o nome próprio, o número de registro. Estados fixados e fundantes: ter nome, ter casa. Essas propostas falam, por outro lado, da importância da existência em movimento, da anti-fixidez como uma dignidade. Cota 10 e Ação com Tijolos trabalham com a noção de que forma é força, mais movimento do que monumento, mais tensão que significação. Essas práticas propõem maneiras de experimentar espaços que incluem a perda da fundação identitária e reconhecem as intensidades do anônimo, do provisório e do impróprio.

Georges Didi-Huberman, ao estudar Warburg em A Imagem sobrevivente, fala dessa relação entre forma e devir. As propostas de Permanências e Destruições tocam nessa mesma questão já lidam com potências do tempo e do espaço. O devir, advertia Nietzsche, não é uma linha com sentido ou continuidade, nem uma superfície, tampouco um objeto isolado e fixo. Um ser em devir implica em movimento, metamorfose: fluxos refluentes, protensões sobreviventes, retornos intempestivos. Não haveria, portanto, forma anterior ao tempo, fixada no espaço. A forma é uma questão de estremecimentos temporais, aquilo que se cria entre o lapso e a memória, entre construções e desabamentos.

Didi-Huberman fala ainda de dois regimes do devir: o golpe, o regime das destruições, e o contra-golpe, o regime das persistências. Estas potências estão presentes em Cota 10, Ação com Tijolos e reverberam em todas as obras do projeto que tratam, cada uma a seu modo, do empuxo à transformação, essa força plástica capaz de acolher um ferimento e fazer sua cicatriz participar do próprio desenvolvimento do organismo (Didi-Huberman, 2013, p.140). O acolhimento de uma “forma quebrada” e a construção de novas formas a partir do efeito traumático da quebra foi o manejo realizado ao se instalar um mirante no mesmo local onde, pouco tempo antes, havia uma importante via da cidade. Essa ação exalta a plasticidade do trauma, transforma o abalo em possibilidade,

PRISCILLA MENEZES DE FARIAA FORMA VISITANTE

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metamorfoseia o choque em renovada experiência. Ação com Tijolos dá a ver ainda a intimidade que há entre forma e informe que, para além antíteses, são potências advindas de toda relação com o espaço. Compreende-se, assim, que um dos grandes esforços de Permanências e Destruições foi fazer experimentar locais da cidade, absorver suas contingências—vestígios de golpes e contra-golpe—e, a partir desses efeitos, provocar metamorfoses.

A estratégia curatorial buscou desviar de uma ação pedagógica que apontasse para as problemáticas urbanas e propusesse saídas e reparações desejáveis. Entendendo que a ação artística tem mais a ver com potencializar as tensões que buscar apaziguá-las, havia mais uma produção de forças que uma instauração de significações. No atual Colégio de Altos Estudos Brasileiros, antigo Hotel 7 de Setembro, foi instalado o trabalho de Amalia Giacomini que se constituía de um desenho feito com correntes de metal suspensas percorrendo os diversos ambientes do segundo andar da construção. Também neste local estava a instalação sonora de Floriano Romano que, a partir de uma escuta atenta, podia ser identificada como uma reprodução remontada e amplificada de sons captados no próprio espaço. Ao entrar no local podia-se ver as correntes de Amalia Giacomini, mas também espelhos, portas deslocadas, quartos em diferentes estados de conservação. Placas que diziam não ultrapasse. Vestígios. Nada nesse local apontava para uma pedagogia da ocupação, pelo contrário, provocam antes uma experiência de vertigem e estranhamento. Não havia nenhuma apologia a ser feita, mas a potente hospitalidade como a abertura aos encontros imprevistos.

Subitamente, uma mulher caía e deslizava pelas escadas, corpos se encontravam e se esbarravam pelo corredor, uma mulher trajando uma saia enorme ocupava um grande pedaço do chão, um baile sempre prestes a recomeçar reverberava em um dos salões, corpos vibravam atrás de portas e proferiam frases em línguas estrangeiras, o equilíbrio precário de dois homens se estendia em um dos quartos, o som do sino guiava os passos, o abraço-luta de duas mulheres na varanda encerrava a apresentação. As peças coreográficas do grupo Miúda se davam como essa repetição modificada, esse retorno dessemelhante, trabalhavam com o acaso calculado, a queda ensaiada. Desequilíbrio e rigor, a um só tempo, encadeavam as ações. Não havia nenhuma narrativa que

as sustentasse, era antes o espaço do antigo hotel, como cenário intensificador de casualidades, que tramava os encontros entre todos os corpos.

Raquel Versieux, por sua vez, foi convidada a intervir em uma sala suspensa localizada na Rua do Verde, um local no centro da cidade dedicado à venda de artigos para jardinagem. A sala, desocupada, continha uma grande quantidade de objetos estranhos que a artista rearranjou, compondo proposições escultóricas e instalativas. Levou para o espaço também um conjunto de mudas de espadas de São Jorge que compunham um desenho feito a partir de uma poda. Em uma das paredes era projetado um vídeo em looping que mostrava planos do próprio espaço e o momento da poda das mudas. Entre a ação escultórica e o micro-paisagismo, a artista acolheu as paredes descascadas, as infiltrações, os objetos que estavam esquecidos ali (como sofá, portas, esteiras, etc.). Raquel Versieux parece apostar na noção de que o deslocamento produz intensidade já que se tratava ali de preencher o espaço com uma espécie de energia de confrontação. Não havia como discernir o premeditado do acidental, o encontrado do adquirido, o novo do antigo, a obra do vestígio. O confronto se dava por similitude e divergência, causando a impressão de que um movimento de intervenção havia passado por ali, sem saber exatamente o seu sentido e a sua exata atuação.

O que estava em jogo em Permanências e Destruições era mais a questão do movimento e não a semiótica das formas. Didi-Huberman aponta o movimento como paradigma da sobrevivência, ele diz só poderei dizer que há um resto de vida quando eu puder dizer que isso ainda pode se mexer, seja de que maneira for. Toda problemática da sobrevivência passa, fenomenologicamente falando, por um problema do movimento orgânico (2013, p.167). Portanto, o que permanece só se faz ver como tal justo porque se move, varia. O autor afirma ainda que tudo aquilo que resiste e sobrevive se faz impuro, ou seja, mascarado, contaminado, transformado. Assim, a única forma de reconhecer a permanência seria reconhecendo sua parte variável. Havia uma celebração da impureza no projeto, já que não estava em questão a celebração das origens ou da memória como estrutura significadora, mas justo o contrário, a exaltação das transformações e a recusa à assepsia. Os locais eram apresentados com todas as características de espaços em desuso e as obras foram concebidas a partir

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da estratégia de site specif, sendo fundadas, portanto, sobre as singularidades dos espaços e suas impurezas.

Ativar, repensar, ocupar esses locais desusados era, sobretudo, criar fendas de hospitalidade em cada um deles. Existe a ideia popular de que a visita é sagrada. Em muitas culturas há uma mística em torno da visita e da hospitalidade. Minha hipótese, amparada pelos estudos de Lévinas e Derrida sobre a hospitalidade, é a de que o visitante dá a ver o caráter frágil de toda propriedade, suas fundações precárias. Diz Derrida que a hospitalidade tem a ver com uma espécie de interrupção de si, já que só se recebe na medida—e na desmedida—em que se recebe para além da capacidade do eu. Aquele que chega sempre chega para exceder e fazer faltar, chega para abalar as próprias dimensões da hospitalidade e do sujeito que hospeda. Em Papel-Máquina, Derrida cria o binário opositivo: a propriedade contra a chegada ilimitada do outro (2004, p. 249). A visita, como essa presença repentina, abala a propriedade como medida, estabilidade e força identitária. A potência visitante se fez presente em todo o projeto e foi bastante intensificada nas ações na Estamparia Metalúrgica Victoria e na piscina do edifício Raposo Lopes por serem locais que, mesmo durante as ações, abrigavam seus moradores e trabalhadores.

Na Estamparia Metalúrgica Victoria era possível se enganar e entrar pelo lado do estacionamento pensando que se havia chegado em um local privado por engano. Mas, ao persistir na busca, chegava-se num espaço onde estava performando a artista Luísa Nóbrega, que durante dois dias permaneceu em uma plataforma colocada a 4 metros de altura, apoiando sua cabeça na em uma janela circular, deixando-a pender para fora enquanto seu corpo permanecia dentro. Próximo à plataforma de Luísa ficava o trabalho de Daniel de Paula que consistia em um pedaço de lataria de carro através do qual, por corte circular, passava o tronco de uma palmeira imperial, formando um desenho de diagonais entre lataria e árvore. Ambos os trabalhos tratavam da tangência de corpos, do atravessamento e do jogo entre dentro e fora. Para chegar até as obras se passava por vestígios estranhos: carros abandonados, acúmulos indiscerníveis, inscrições nas paredes. Muitas plantas haviam nascido no solo e no telhado do local. Havia lama, galhos, folhas e raízes. Vida nascente e corpos em abandono se roçavam.

Interessava a Daniel de Paula provocar uma combinação insólita entre corpos comuns. A palmeira imperial permeia alguns locais da cidade oferecendo esse vestígio de um éden simbólico, desse paraíso que desde sempre alhures. Tendo sido transportada para a fábrica abandonada, a palmeira cruzava a lataria do automóvel e já não remetia ao paisagismo dos oásis e dos jardins, mas para esse cruzamento impróprio e forjado. A lataria que, isolada, muitas vezes remete à destruição—em um acidente—ou à construção—em uma fábrica—ali apontava para seu estado presente de corpo transplantado. Planta e lata, ambos estrangeiros, se amparavam mutuamente naquele solo estranho.

Luísa Nóbrega convocava a questão do atravessamento para seu próprio corpo. Propondo-se a permanecer deitada na plataforma suspensa, não apenas criava um desenho corpóreo, como se colocava à disposição dos acontecimentos do espaço. Seu corpo era atravessado por sons, luzes, correntes de ar e vibrações. Separar corpo da cabeça aponta para essa dicotomia platônica que aparta corpo e alma, pensamento e ação, sensação e elaboração, dentro e fora. Ali, Luísa criava uma pequena inversão: corpo dentro, cabeça fora. A cabeça, considerada centro da subjetividade do ser pensante e falante, ficava ao relento, ao sabor dos humores atmosféricos.Já o corpo, local dos apetites e dos instintos, repousava dentro, sobre um andaime e sob um teto. A presença da artista perturbava o espaço e exaltava a janela como esse local onde dentro e fora se misturam e se afetam, a janela como esse local apto a dissolver o privado no público, traz o fora para dentro e leva o doméstico ao domínio do comum. A janela, assim como o corpo, pode se dar como um dispositivo de abalar as dicotomias e virar fachadas pelo avesso.

Já na piscina do Edifício Raposo Lopes, para chegar à instalação Deus Diabo Homem de Pontogor, era preciso entrar em um prédio onde há moradores e residências particulares. Dentro da piscina desusada do prédio havia a possibilidade da imersão em uma estranha e elaborada sonoridade. A vista do alto de Santa Teresa colada ao Morro dos Prazeres era arrebatadora, mas para experimentar o trabalho havia que abrir mão dela e mergulhar na piscina seca de onde já não se podia ver a cidade, apenas o imponente edifício Raposão. A sonoridade, emitida por três caixas de som, dava a impressão geral de um mantra perturbador, um som que podia ser tanto profano como sagrado, bastante adequado

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aquele local cravado entre o bairro com nome de santa e o Morro do Prazeres. Vilém Flusser, em A História do Diabo postula a hipótese de que demoníaco seria mundo se fazendo mundo. Relacionando o diabólico à matéria e ao tempo, o coloca em oposição ao Ser e à Eternidade:

Chamarei de “influência divina” tudo aquilo que tende para a superação do tempo. Chamarei de “influência diabólica” tudo aquilo que tende para a preservação do mundo no tempo. (...) O “Divino” será portanto concebido como aquilo que age dentro do mundo fenomenal para dissolver e salvar esse mundo, e transforma-lo em puro Ser, portanto em intemporalidade. E o “diabo” será concebido como aquilo que age dentro do mundo fenomenal para mantê-lo, e evitar que seja dissolvido e salvo. (1965, p.17)

Diabólico, em Flusser, seria a própria transformação da realidade. O tempo do diabo seria a correnteza dentro da qual Deus teria mergulhado o Ser ao criar céus e terra. Deus e o diabo, Santa Teresa e Morro dos Prazeres, condomínio fechado e evento público: as sonoridades de Pontogor convocavam à piscina os corpos que eram afetados por todas essas forças a um só tempo íntimas e contraditórias. A diabólica mutação de tudo se fazia aqui mais uma vez premissa para o vislumbre das sobrevivências.

Tanto a presença das obras como a do público desorganizaram e reinventaram a vida desses espaços no tempo em que os visitaram, levando o que de imprevisível e de transformador uma visita carrega. A visita é sagrada, afinal, porque é impura. O projeto evidenciou as permanências e as destruições produzidas nos espaços, mas também nas possíveis relações entre espectador e obra e entre obra e espaço expositivo. Colocou em questão os pactos de hospitalidade, relativizou propriedade e pertencimento, afirmou o vestígio como expressão do movimento para além de práticas nostálgicas, apresentou a obra de arte como intensificadora de tensões antes de ser instrumento significativo e pedagógico, elogiou a impureza dos espaços, mas também a da própria ação visitante. Sendo a forma visitante, enfim, essa que afirma o movimento e suas ações destrutivas como possibilidade de uma permanência outra, para além dos paradigmas da fixidez, mais aberta aos abalos da invenção.

DERRIDA, Jacques. Papel-Máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.

FLUSSER, Vilém. A História do Diabo. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1965.

PRISCILLA MENEZES DE FARIA

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Fala interventiva no Evento Permanências e Destruições, curado por João Paulo Quintella. 17 de janeiro de 2015. Centro de Altos Estudos da UFRJ

Vetusto :: antiquíssimo :: respeitável pela idade :: o deteriorando-se já em tudo inscrito.Vetor :: segmento :: seta :: quantidade de fluxo.

*

1.Desde o nascer, o vetor-vetusto agindo :: o desgaste :: vetustez! :: a enorme perda hormonal :: uma dignidade advinda da queda constante.

2.Idade não significa marcador de tempo :: não há o tempo :: a ideia de tempo—um consolo metafísico :: idade corpórea :: idade social :: idade histórica :: idade afetiva—idades sempre outras compõem corpos no espaço :: idades! :: idades infiltradas por distintos ritmos, modos e naturezas de vetor :: todo vetor traz essa condição de constituir-se como vetor biológico (hospedeiro de agentes provocadores de devastações).

3.Devastar :: assolar :: invadir :: causar estragos :: ganhar mais e mais recursos! :: justo por.

4.Idade diz respeito ao estado da matéria no espaço :: somente o estado da matéria no espaço permite dar à coisa uma hipótese de idade :: ou seja :: o grau de corrosão.

5. Não há o fora quando se trata de espaço :: o destino dos corpos e dos afetos impõe acolher o vetor-vetusto :: exige-se para bem fazê-lo tornar-se ativo :: pôr-se a serviço do expandir :: e do multiplicar.

6.O fora :: o grande espaço do espaço :: o espaço é o que permanece :: ganhamos e perdemos e trocamos espaço quando no amor.

7. Amor e sensação :: processos vetoriais (inclusos no vetor-vetusto) clamantes por espaço.

8. Todo espaço é carnal e ósseo :: e há o sopro:: e os tendões.

9.Feitura de espaços :: abertura de vãos :: por vezes, asfixia no espaço :: isso :: amar :: mais-amar-mais :: no edifício criar janelas.

10.Nos corpos :: espaços mentais :: espaços respiratórios :: espaços afetivos :: espaços sensórios.

11.Vetor-vetusto :: encanto :: sedução :: piedade :: sim piedade :: consultas ao pulsar das coisas sensíveis.

12.Vetor-vetusto :: desejo :: operações no quase sem combustível :: anciãos :: anciãos sabem.

13.Afeto, sim, lugar :: lugar cravado no grande espaço do corpos :: habita-se algo :: é-se habitado por algo :: a sensação da vida do vetor-vetusto apaga-se por ora quando em dado afeto :: acende-se por ora quando em outro dado afeto :: o amor move.

14.Todas as sensações desligando-se por vezes do efeito-corrosivo :: ah, o bem-estar.

VETOR-VETUSTO ROBERTO CORRÊA DOS SANTOS

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15.Em vetor-vetusto não mais ornamentos fracos :: somente ornamentos de resistência :: o uso dos modos do viver sobre :: o sobreviver :: daí o valor altaneiro dos atos interventivos onde for :: intervir tem a ver com aparelhar :: rechamar as forças firmes.

16.Nenhuma nostalgia :: nenhuma vontade de memorizar o-foi :: nenhum elogio melancólico da ruína :: assim pedem corpos :: obras :: prédios :: o que há :: há :: o que há exige mais-há.

17.Vetor-vetusto :: depressão :: bloqueios físico-químicos :: mudança de sentidos :: quietude imposta :: passagem para outro lugar de pontaria :: novas curvaturas no corpo :: o arrastar-se :: uma certa febre constante.

18.Depressão :: como se outra espécie de bravura no vetor-vetusto :: olhe a fúria do que tomba! :: imenso perigo e gozo lidar com corpos deprimidos :: imensos ganhos lidar com corpos deprimidos :: corpos deprimidos ganham lógicas que somente poucos (bem poucos) dominam :: corpos deprimidos elaboram sentenças ofegantes :: em corpos deprimidos—estrangeiras soberanias :: em corpos deprimidos—algo ferve :: em corpos deprimidos—neles, sempre calor, mesmo quando cobertos por umidades.

19.O bolor (onde esteja e em toda parte encontra-se) abriga espécies de vida que dele carecem :: viva o bolor :: musgo! :: mais musgos! :: fungo :: seres vivos :: vivos :: mortos :: talvez.

20. Poemas:

20a.abriram-se todas as portas dos armários de uma só vez com a brutalidade espontânea e inesperada de um surto de livramento agindo sobre anos de uma estranha organização de bens resguardados para o dia em quê.

20.bos mortos, disse o menino de treze anos, os mortos despertam não apenas ao meio-dia. e isso não para destituir ou inaugurar. os mortos não explodem: ardem. não recusam ou cedem. dos mortos devem-se recolher resíduos para acoplar ao vivo. qualquer pó ou sobra ou casca dos mortos serve. sopram os mortos à noite completou o garoto ao fim da última garfada à mesa jantando.

20.c pensamentos espiralados entre malhas a cercarem o vão dos voos. pensamentos brutos transportando cadáveres maiores mais terríveis mais assombrosos. pássaros escuros dizem haver carne solta em alma finda. ossadas e texturas ocultam-se. penas e fezes graves. o desígnio das curvas. Fogo secreto corte dobra e. galhos ausentes subitamente paralisados estariam. areias elevam-se. a arte terá tido por fim falar de outra coisa senão. a morte. imensa leve exterior subterrânea aérea. vívida. lá na primeira granulagem a soltar-se. derivantes imagens silenciosas. ordem serena. labirinto descentralidade. largos terrores dos desertos. o assustador oco compacto das solitudes. abusos da ideia e da beleza. inscritos divinos e míticos. linhas. novecentos mil pontos vezes novecentos mil pontos vezes novecentos mil pontos vezes novecentos mil pontos areosos. declívios formas relevos. território dos instintos. zonas entre. acasos. assistemas. o vibrar neural sonoro.

VETOR-VETUSTO ROBERTO CORRÊA DOS SANTOS

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20.d envelhecer falta envelhecer. o tempo o tempo o tempo não existe mas seu mitológico sopro devastador virá pela foto do documento de uma quase havida identidade. compaixão compaixão. você compreende não é mesmo. outra vez em todos os lugares uma vontade em contraste. clemência e terríveis palavras a serem proferidas a um algo criado no corpo para o corpo. o corpo em queda e belo. a morte. a morte não reconhece ser tola e provisória. não reconhece não reconhece não reconhece e segue o preço por ter assinado: eu pago disse o artista em um sentido e em outro levantando os dedos os colecionadores x y z. você poderia não resistir e alterar ao máximo a obra fazendo-a permanecer sendo o que pôde. dos traços das potências de algo esta uma das mais vibrantes: conquistar a pobreza. enfim a pobreza também da data nos começos do artista que data ao assinar avulta o fato de não ter conseguido o adultério intuirá contudo um dia onde acaba o território veja-o furioso e dócil a quem interessa o quem escreve teria indagado o escritor olhando com ternura e pena seus personagens de frases.

20.eno escuro o coração bombeia. a morte não consiste em problema dele. seu serviço é feito. em pouco uso pode o coração das coisas sofrer definitivo dano. uma tecla aguda por todo o corpo age. opera com ardorosa pragmática. não identifica norte. seta. motivo. trabalha. não se move. não medita. naquele instante dessabido alarma-se em disparo. está tranquilo. não importa o claustro.

20.f o poema a arte nega o tempo como se uma estrutura bioquímica fosse. a arte perdura. quase nada nele nela se transforma. seus elementos de base são mínimos. servem-se de menos caracteres do que as notas musicais e os alfabetos mais conhecidos. cuida da finitude pois sabe ser sua quase perenidade

oriunda não da grandeza humanista mas de limites incondicionais. de onde evidentemente sua força. bem entendeu goethe o poema ao localizar diferenças entre as formas históricas e formas naturais de arte. o poema é um artifício natural. retoma o poema a recusada noção língua como natureza conforme assinalaram três poetas materialistas. benjamin. arendt. chomsky.

20.glagartas restritas aos assaltos inesperados das forças dos outros seres do mundo deslizam das árvores. dobram-se por ordem apenas do movimento. lagartas provam as inteligências da matéria. requerem constância e delicadeza no uso das patas. lagartas não investigam o que teria sido entender e fruir

20.hporque rui o que rui. ah as fábulas criadoras do durar. e da beleza. dores no ombro. sua alma é sólida. dissolvem-se os medos cedo ou tarde em chuva fina a revigorar campos e heras e arbustos. o arbusto que plantaram cresce e utiliza o apesar de e o pois. tão alegre está a casa por sua visita rápida e suficiente. a menina viu ontem bem e belo e iluminado o menino. floresce aquilo que é. os três dias de afastamento cru fizeram congelar os ventos. sua vinda, João Paulo, doa aos espaços luz afastando os domínios do sombrio que houvesse. ela não ficou guardada felizmente para as horas de amor. o liso. o reto. o perfeito. e a aspereza. a ternura difícil. o contratempo. nenhum desfecho é humilhante a menina sussurrou. cabe desintoxicar. desapareceremos todos como se em filme. que venham os débitos. a menina pediu. :: débitos exigem energia para pagar :: débitos pedem o fazer :: débitos :: mais débitos :: mais e mais :: e mais.

VETOR-VETUSTO ROBERTO CORRÊA DOS SANTOS

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PRAÇA XV

LOCAIS

PRISCILA FISZMAN

E KAMMAL JOÃO

JÚLIO PARENTE E

PEDRO VARELLA

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INTERVENÇÕES

AMALIA GIACOMINI

FLORIANO ROMANO

MIÚDA

RAQUEL VERSIEUX

DANIEL DE PAULA

LUÍSA NÓBREGA

PONTOGOR

HOTEL 7 DE SETEMBRO

RUA DO VERDE

ESTAMPARIA

METALÚRGICA VICTORIA

PISCINA DO RAPOSÃO

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LOCAIS

A

C

B

E

D

A PRAÇA XV

B HOTEL 7 DE SETEMBRO

C RUA DO VERDE

D ESTAMPARIA METALÚRGICA VICTORIA

E PISCINA DO RAPOSÃO

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52 53PRAÇA XV

Interseção de diferentes fluxos da cidade a Praça XV é um dos espaços urbanos de maior transição programática no ciclo de investimento olímpico pelo qual passa a cidade do Rio de Janeiro. Desde ponto de desembarque de escravos passando por paço imperial, hoje converge o centro histórico com a migração pendular. Nos dias de semana é conturbada, aos sábados feira de pulgas e aos domingos desértico. Com o fim da perimetral, seu destino ainda é incerto.

Construído em 1922 para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, o Hotel Balneário Sete de Setembro atendia a uma demanda hoteleira por conta de um grande evento e comemoração na cidade. Nos anos que seguiram o edifício vinculou-se a então Universidade do Brasil como Internato da Escola de Enfermagem Anna Nery e de 1973 a 1995, abrigou a Casa do Estudante Universitário.  O antigo anexo abriga desde 2009 o Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, mas grande parte do edifício principal, ainda que revitalizado, é usado de forma modesta perante sua vocação de residência de passagem.

HOTEL 7 DE SETEMBRO

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Esconde-se entre as Rua da Carioca e Sete de Setembro sob forma de uma travessa, um enclave verde no centro da cidade. Ambos os acessos desse logradouro publico são gradeados e a rua fecha regulando com expediente das floriculturas. As duas sobrelojas, uma em cada ponta, mesclam-se com as fachadas dos sobrados da região mas também realçam o abraçamento da rua pra dentro dela mesma.  O ultimo ocupante da sobreloja, imóvel da prefeitura da cidade,  foi a Policia Civil do Rio de Janeiro. Desde então o espaço permanceu vazio e desocupado usado apenas como depósito de coisas esquecidas.

A Estamparia Metalúrgica Victória LTDA é vizinha do movimentado Mercado Municipal do Rio de Janeiro —CADEG. Fundada anos antes do sacolão, em 1933, funcionou até meados dos anos 1970. Até seu fim passou por diversos usos e ainda é lembrada pelos moradores da região como fábrica de cigarro e em seguida, ironicamente, de veneno.  São duas estruturas. Uma, um galpão com cobertura de treliça de madeira e piso de taco. Ao fundo um mezanino onde incursões de vegetação cobrem o azulejo hidráulico do chão. Hoje é estacionamento. A segunda, edificação não tem uso e nem acesso pela rua. Nos quatro pavimentos encontram-se vestígios do escritório da fábrica, e barricadas de jogo de paintball.

RUA DO VERDE ESTAMPARIA METALÚRGICA VICTORIA

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56 PISCINA DO RAPOSÃO

A piscina do Edifício Raposo Lopes, também conhecido como Raposão, integrava a  vontade de seu proprietário original de fazer de seu prédio um clube. Com vinte e cinco metros de extensão e cinco de profundidade em sua parte mais funda, a piscina construída nos anos 1940 lança-se sobre o desfiladeiro e fixa-se à pedra metros abaixo através de uma improvável estrutura de pilotis. Ainda é presente na memória dos moradores de Santa Teresa que nela nadaram e permeia no imaginário da vida do bairro desde sua desativação em 2001 devido a uma obra de impermeabilização mal sucedida. 

INTERVENÇÕES

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58 PRISCILA FISZMAN / KAMMAL JOÃO

Existe no deslocamento do corpo uma série de dobras e acontecimentos. O tijolo, unidade maciça, fixa, módulo estrutural, serve como caminho, chão sobre chão, piso sobre piso. Através de regras simples, infinitas e constantes,

disposições e dinâmicas se tornam possíveis. Um jogo de interferências mútuas, dentro do qual os movimentos de cada participante alteram constantemente o entorno.

Ação com tijolos, 2015performance/ação, 500 tijolos duração: 8hs por dia, dois dias em sequência

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64 JÚLIO PARENTE / PEDRO VARELLA

A intervenção consiste em uma escada em estrutura tubular que conduz o público até uma plataforma que se eleva a 10 metros do nível do solo da praça XV—precisamente a mesma altura da extinta bandeja da perimetral. A estrutura é implantada no trecho onde se erguia um dos pilares que sustentava o viaduto. A partir desta cota

Cota 10, 2015Estrutura tubular em aço (40m², h=10m)

experimenta-se a praça XV de forma nunca antes explorada. Descortina-se a Baía de Guanabara por trás da estação das barcas, o ir e vir dos transeuntes se torna distante. Onde antes havia uma pesada infraestrutura agora há o vazio, o vento, a fragilidade de uma estrutura efêmera. O corpo pode demorar-se onde um dia passou veloz.

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70 AMALIA GIACOMINI

A tensão de uma única corrente é usada para repensar a arquitetura do espaço e propor desvios do olhar dentro de uma simetria de quartos e corredores. O trabalho existe atrelado ao

Sem título, 2015450m de corrente de alumínio contínua

percurso do espaço, criando um fluxo próprio e influindo no trajeto do visitante. Um gesto sem vontade de excesso ou preenchimento, voltado-se para a própria percepção da arquitetura.

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76 FLORIANO ROMANO

O som da casa e do seu entorno. Das portas e do piso. Os micro ruídos amplificados e distribuídos pelo corredor e pelos quartos. Rotinas invisíveis que acontecem sem que percebamos. Casa sonora. Simultaneidade. O corpo se move no corredor em busca do próximo som. Uma

composição feita com o ranger das portas e do piso, os passos e as ressonâncias do ambiente, considerando o caminhar do ouvinte. Uma composição que pode ser iniciada por várias partes diferentes do espaço. De acordo com o local a experiência difere. Uma nuvem sonora.

Nuvem, 2015Gravações de campo, instalação sonora

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82 MIÚDA

Testa-se o espaço e o corpo, o choque, o repouso e o movimento através de estruturas performáticas espalhadas por dois andares.A resistência, o atrito e o impacto são tensões físicas que devolvem a matéria fria sua organicidade.

Direção e Coreografia: Caio Riscado e Luar MariaCriação e Performance: Bel Flaksman, Fred Araujo, Gunnar Borges, Isadora Malta, Luar Maria, Marília Nunes, Mayara Yamada, Natália Araújo e Rafael LorgaProdução: Caio Riscado, Luar Maria e Bel FlaksmanProdução e articulação de sessão: Lia SarnoTransposição para audiovisual: Lucas Canavarro e Renan BrandãoRealização: MIÚDA

Miúda no antigo Hotel 7 de Setembro, 2015Performance, 9 performers, materiais diversos

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88 RAQUEL VERSIEUX

O mezzanino localizado sobre as floriculturas, sobre o verde, funciona como inconsciente da própria rua e do seu entorno. A partir da Rua do Verde, passagem que conecta as ruas da Carioca e Sete de setembro, imagina-se um quarteirão que se fecha pela ocorrência da

loja Palácio das Ferramentas, outra entidade. Uma vez delimitado esse perímetro de atenção, escutam-se histórias e pessoas e observar-se esses espaços como se eles pudessem também indicar um ponto de vista, emitir suas opiniões sobre a suas condições

existenciais, como se a obra fosse resultante de um filtro canalizador dessas múltiplas vozes. Esses relatos, que são visuais, sonoros e jogados à projeção imaginativa, servem de repertório para o desenho final da obra artística a ser apresentada, narrativamente.

Rua do Verde, 2015encarte gráfico offset sobre cartao 26 × 62cm, parafusos sobre compensado de madeira 26 × 62cm, vasos de espadas de São Jorge, videoprojeçao.

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94 DANIEL DE PAULA

A instalação se sustenta através do atravessamento de seus dois elementos constituintes. A caçamba de um carro 4x4 e uma palmeira imperial. O processo de aquisição, negociação, transporte e posicionamento de ambos os objetos integram

histórias oblíquas, 2015palmeira imperial e ferragem de automóvel

a obra em um debate expandido com a cidade e com a história. A proximidade com a Cadeg, mercado municipal ativo e vibrante, acentua o questionamento da indústria e da matéria, da falência, de fluxos, de equilíbrios e durações.

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100 LUÍSA NÓBREGA

Experimentar a separação da cabeça e do corpo através do dentro e fora do espaço da Estamparia Metalúrgica. O pescoço como espaço intermediário propondo a fragmentação como forma de percepção e não a unidade. O estado performático está no limite do sustentável mas a exaustão e a rigidez transportam para a calma e o amparo.

lâmina, 2015performance, estrutura em madeira, gravação em fita casseteduração: 30 horas

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106 PONTOGOR

A piscina como quadrado vazio. A imersão como contraponto a contemplação da paisagem. A intervenção crua que aponta para o estado cru do lugar, sem o levante da memória, apenas o preenchimento do espaço pelo som invisível. Três composições. O órgão indica o Homem racional, a teoria, a matemática. O Diabo é a guitarra em trítonos, som banido. Deus, o acaso, o intangível, variações vocais espontâneas.

Deus | Diabo | Homem, 2015Piscina vazia, três caixas de som, áudio, nuvensDuração: 3 horas e 30 minutos

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Permanências e Destruições aconteceu no Rio de Janeiro no período de 9 de janeiro a 1º de fevereiro.

ISBN 978-85-64140-13-4Copyright©2015, +2 EditoraPraça Santos Dumont 14/20222470-060 Rio de Janeiro, RJT (21) 2259 9257

apoio:

patrocínio:

realização: produção:

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FICHA TÉCNICA

curadoriaJoão Paulo Quintella

coordenação de produçãoDaniela Moreira

produção executivaDaniela MoreiraBebel Kastrup

assistência de curadoriaClaudio Seichi Kawakami Savaget

assistência de produçãoJuliana De Moraes Monteiro

design gráficoBeatriz NóbregaMiguel Nóbrega

montagemBruno Jacomino

vídeo e fotografiaBernard Lessa

fotos por páginaClara Consentino: pp.58, 62-63Rafael Salim: pp.64, 66-67todas as demais fotos são do fotógrafo do projeto Bernard Lessa

Website permanenciasedestruicoes.com.br

patrocínio apoio realização produção

patrocínio apoio realização produção

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