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Embrapa Hortaliças I Encontro Nacional do Agronegócio Pimenta (Capsicum spp.) PESQUISA COM PIMENTA-HORTÍCOLA NO IAC Arlete Marchi Tavares de Melo Instituto Agronômico Centro de Horticultura Campinas, SP ÍNDICE 1. Introdução ...................................................................................................................... 1 2. As pesquisas com pimentas no Instituto Agronômico .............................................. 2 Literatura citada ................................................................................................................. 4 1. Introdução As pimentas do gênero Capsicum são originárias das Américas e sua disseminação pelos demais continentes iniciou-se à época das grandes navegações, no final do século XV. Levando-se em conta a aceitação e a impressionante rapidez de sua difusão e utilização global, a pimenta-hortícola pode ser considerada um alimento do mundo moderno, ainda que dados arqueológicos mostrem o seu uso e consumo pelos povos nativos desde há milhares de anos. A pimenta-hortícola ainda não teve seu valor econômico reconhecido no Brasil, embora seja largamente cultivada, consumida e apreciada em todo o país. Internamente, sempre foi considerada uma hortaliça de “fundo de quintal”, pois seus admiradores (“chile-head”) sempre têm alguns pés cultivados para consumo próprio e para intercâmbio entre amigos. Esse fato, certamente, vem contribuindo para o aumento da variabilidade e disseminação das pimentas entre as diversas regiões brasileiras. Nos últimos anos, a cadeia produtiva da pimenta-hortícola vem sofrendo mudanças positivas, visando atender às demandas dos mercados consumidores interno e externo. Há um interesse crescente por esse agronegócio, com a ampliação de alguns segmentos e introdução de outros. Os segmentos de pimenta em conserva e de embutidos condimentados vêm se diversificando de maneira significativa, aliados com o aumento da qualidade do produto, para atender às exigências do consumidor. Pimenta desidratada em pó (páprica) é outro segmento importante, cuja produção se amplia no país. A produção de pimenta ornamental é um elo recente da cadeia, mas com tendência de aumento Finalmente, há segmentos com potencial para exploração, como a extração de óleos essenciais e o uso medicinal da pimenta-hortícola. Desse modo, abre-se um vasto campo de pesquisa nesse agronegócio, que poderá gerar muitas divisas para o país. Além disso, por utilizar muita mão-de-obra, é uma cultura geradora de emprego e característica de agricultura familiar. Um aspecto negativo desse agronegócio é a carência de dados estatísticos amplos, reais e consolidados sobre produção e área cultivada com pimenta-hortícola no Brasil. Essa situação tem como causas o modo de cultivo e a comercialização dessa hortaliça. Excetuando poucos casos (pimenta em pó em Goiás, pimenta Tabasco, no Ceará), a pimenta é cultivada, tradicionalmente, em muitos locais e em áreas pequenas, cujo

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Embrapa Hortaliças

I Encontro Nacional do Agronegócio Pimenta (Capsicum spp.)

PESQUISA COM PIMENTA-HORTÍCOLA NO IAC

Arlete Marchi Tavares de Melo

Instituto Agronômico Centro de Horticultura

Campinas, SP

ÍNDICE

1. Introdução ......................................................................................................................1

2. As pesquisas com pimentas no Instituto Agronômico ..............................................2

Literatura citada.................................................................................................................4

1. Introdução

As pimentas do gênero Capsicum são originárias das Américas e sua disseminação pelos demais continentes iniciou-se à época das grandes navegações, no final do século XV. Levando-se em conta a aceitação e a impressionante rapidez de sua difusão e utilização global, a pimenta-hortícola pode ser considerada um alimento do mundo moderno, ainda que dados arqueológicos mostrem o seu uso e consumo pelos povos nativos desde há milhares de anos.

A pimenta-hortícola ainda não teve seu valor econômico reconhecido no Brasil, embora seja largamente cultivada, consumida e apreciada em todo o país. Internamente, sempre foi considerada uma hortaliça de “fundo de quintal”, pois seus admiradores (“chile-head”) sempre têm alguns pés cultivados para consumo próprio e para intercâmbio entre amigos. Esse fato, certamente, vem contribuindo para o aumento da variabilidade e disseminação das pimentas entre as diversas regiões brasileiras.

Nos últimos anos, a cadeia produtiva da pimenta-hortícola vem sofrendo mudanças positivas, visando atender às demandas dos mercados consumidores interno e externo. Há um interesse crescente por esse agronegócio, com a ampliação de alguns segmentos e introdução de outros. Os segmentos de pimenta em conserva e de embutidos condimentados vêm se diversificando de maneira significativa, aliados com o aumento da qualidade do produto, para atender às exigências do consumidor. Pimenta desidratada em pó (páprica) é outro segmento importante, cuja produção se amplia no país. A produção de pimenta ornamental é um elo recente da cadeia, mas com tendência de aumento Finalmente, há segmentos com potencial para exploração, como a extração de óleos essenciais e o uso medicinal da pimenta-hortícola. Desse modo, abre-se um vasto campo de pesquisa nesse agronegócio, que poderá gerar muitas divisas para o país. Além disso, por utilizar muita mão-de-obra, é uma cultura geradora de emprego e característica de agricultura familiar.

Um aspecto negativo desse agronegócio é a carência de dados estatísticos amplos, reais e consolidados sobre produção e área cultivada com pimenta-hortícola no Brasil. Essa situação tem como causas o modo de cultivo e a comercialização dessa hortaliça. Excetuando poucos casos (pimenta em pó em Goiás, pimenta Tabasco, no Ceará), a pimenta é cultivada, tradicionalmente, em muitos locais e em áreas pequenas, cujo

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comércio também é local e onde não são feitas coletas de dados de produção. As informações disponíveis, atualmente, são aquelas geradas pelo produto que passa pelas centrais de abastecimento e não representam a realidade do agronegócio pimenta no Brasil. São dados subestimados tanto pelo volume produzido quanto pela diversidade de produto. Exemplificando, a CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) disponibiliza apenas os dados1 dos quatro tipos de pimenta que passam por aquela central (“vermelha”, “verde”, “verde americana” e “cambuci”). Um exemplo de conseqüência da ausência de estatística é que o Brasil não figura em publicações sobre o assunto, como ocorre em Nuez et al., 1996, ao contrário de alguns países vizinhos. Além da produção in natura, há carência de informações quantitativas sobre o produto processado nos seus diversos segmentos (molhos, conservas, geléias etc.) e modos de produção (industrial e artesanal). Finalmente, também não há dados sobre o mercado de pimenta ornamental.

2. As pesquisas com pimentas no Instituto Agronômico

De acordo com os registros, as pesquisas com pimenta-hortícola no IAC tiveram início na década de 70, com o trabalho pioneiro de melhoramento de pimentão de Hiroshi Nagai (Nagai, 1971). Sendo o pimentão a cultura prioritária para a incorporação de resistência a doenças e pragas, os trabalhos com pimenta sempre estiveram atrelados aos dessa cultura, visto que várias espécies de pimenta são usadas como fontes de genes de resistência. Aproveitando sua capacidade perceptiva e conhecimento da cadeia produtiva, Nagai soube avaliar e selecionar também genótipos promissores de pimenta, que resultaram no lançamento de diversas cultivares, das quais duas ainda são cultivadas – ‘Agronömico 11’ e ‘IAC Ubatuba’.

Agronômico 4 – oriunda do cruzamento entre a pimenta P11 (P.I. 264281) e o pimentão ‘Casca Dura’, ambos pertencentes a C. annuum. As progênies foram retrocruzadas para ‘Casca Dura’ e, da seleção individual feita a seguir, surgiu ‘Agronômico 4’. A planta é resistente ao Potato virus Y, estirpes Yn, Yw e Yf possui frutos alongados, de coloração verde-clara, sem pungência e película fina (Nagai, 1973).

Agronômico 11 – derivada do cruzamento de ‘Agronômico 4’ com o pimentão ‘Ikeda’ (Figura 1). Possui as mesmas características de resistência de ‘Agronômico 4’ e o objetivo da hibridação foi aumentar o tamanho e a intensidade da cor verde dos frutos (Nagai, 1971).

Agronômico 12 – derivada do cruzamento de ‘Agronômico 4’ com a pimenta ‘Anaheim’. O objetivo dessa combinação foi incorporar resistência ao Potato virus Y em ‘Anaheim’, pimenta ainda muito cultivada nos sul dos Estados Unidos. Essa cultivar não chegou a ser lançada no Brasil (Nagai, 1971).

Gigante – pertence à espécie C. baccatum e foi selecionada como fonte de resistência a uma nova estirpe de Potato virus Y, denominada de Yft (=Yat), que superou a resistência das cultivares de pimentão e pimenta então em cultivo. Numa série de inoculações controladas mostrou-se tolerante ao Yft, resistente ao TMV (Tobacco mosaic virus) e ao ácaro branco (Polyphagotarsonemus latus) (Nagai & Costa, 1971; Nagai, 1971). Posteriormente, foi utilizada em cruzamento interespecífico recíproco com Agronômico 10G (C. annuum), cuja descendência F2 foi estudada quanto à presença de capsaicina e tamanho de fruto (Nagai, 1975).

1 CEAGESP. Seção de Economia e Desenvolvimento. Informação pessoal. 2004.

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IAC Ubatuba – cultivar do tipo cambuci obtida a partir de seleção de plantas livres de ácaro rajado em cultivo comercial (Figura 2). Com base na avaliação das progênies, verificou-se resistência aos ácaros rajado e branco (Tetranychus urticae Koch.), ao Potato virus Y e à “folha-miúda-da-pimenteira”. Produz frutos campanulados, doces ou levemente pungentes (Nagai & Lourenção, 1986, 1987).

Fig. 1 - Pimenta Agronômico 11 (Fonte: Sakata) Fig. 2 - Pimenta IAC Ubatuba

Outros estudos foram ainda realizados, sempre com o objetivo de descobrir fontes de resistência a doenças e pragas. Em 1972, Rossetto et al. testaram a resistência de Capsicum spp. a Myzus persicae. Nagai (1974) encontrou um gene dominante de resistência ao vírus Yft em ‘Jalapeño’.

Mais recentemente, a pesquisa com Capsicum no IAC tem dado continuidade à busca de fontes e incorporação de resistência a novas estirpes e/ou espécies de Potyvirus e de Tospovírus, além de nematóide. Acessos de C. baccatum e C. chinense (Figuras 3, 4, 5, 6) mostraram-se resistentes sob condições de incidência natural e de inoculação mecânica de potyvirus (Melo & Nagai, 1989; Melo et al., 2002; Sacchi et al., 2003).

Fig. 3 - Pimenta dedo-de-moça, seleção 175. Fig. 4 - Seleção 122 de C. baccatum.

Em outros trabalhos, foram selecionadas plantas de Capsicum imunes e resistentes a tospovírus e a nematóides. Os resultados de pesquisa são promissores, pois os genótipos selecionados como imunes poderão ser utilizados como fontes para a obtenção de cultivares de pimentão e pimenta resistentes ao TCSV (Roggero et al., 2002; Moreira et al., 2002; Moreira, 2003; Rossi et al., 2003).

Faz parte, ainda, dos objetivos de pesquisa com pimenta do IAC, a caracterização (Figuras 7, 8 ) da ampla coleção de Capsicum do banco ativo de germoplasma da instituição (Melo et al., 2002).

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Fig. 5 - Seleção 775 de C. baccatum. Fig. 6 - Seleção de C. chinense.

Fig. 7 - Pimenta malagueta, seleção 6. Fig. 8 - Parte da coleção IAC de Capsicum spp.

Do ponto de vista econômico, o melhoramento de pimenteiras não tem a mesma importância do que o de pimentão. Além disso, com a diversidade de espécies e de tipos cultivados, a ocorrência de resistência e/ou tolerância sempre causou prejuízos menores do que no pimentão. No entanto, vem crescendo no país o aumento de áreas cultivadas utilizando-se apenas uma ou duas cultivares e, certamente, aumentarão os problemas com doenças e pragas. Portanto, há um vasto campo de pesquisa em melhoramento com vistas à obtenção de cultivares resistentes bem como com qualidade de fruto.

Literatura citada

MELO, A.M.T.; NAGAI, H. Avaliação de uma coleção de germoplasma de Capsicum em Campinas, SP. Horticultura Brasileira, v.7, n.1, p.63, 1989.

MELO; A.M.T.; PASSOS, F.A.; RODRIGUES, P.R. Caracterização de germoplasma de Capsicum baccatum L. Horticultura Brasileira, v.20, n.2, p.341, jul. 2002, Suplemento 1.

MOREIRA, S.R. Identificação de isolados de Tospovirus e reação em Capsicum spp., 2003. Campinas, 2003. 66p. (Mestrado – Instituto Agronômico).

MOREIRA, S.R.; COLARICCIO, A.; MELO, A.M.T. Caracterização parcial de isolados de tospovírus de pimentão. Horticultura Brasileira, v.21, n.2, p.339, jul. 2003, Suplemento 1.

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NAGAI, H. Agronômico 4, uma nova variedade de pimenta-verde. Bragantia, Campinas, v.32, p.23-26, 1973.

NAGAI, H. Gene dominante de resistência ao vírus Yft numa pimenteira (Capsicum annuum L. cv. Jalapeño). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE FITOPATOLOGIA, 7., Brasília, 1974.

NAGAI, H. Híbridos interespecíficos entre Capsicum pendulum e C. annuum. Revista de Olericultura, v.15, p.13, 1975.

NAGAI, H. Novas variedades de pimentão resistentes ao mosaico causado por vírus Y. Bragantia, Campinas, v.30, p.91-100, 1971.

NAGAI, H. Observações sobre a resistência ao ácaro branco (Polyphagotarsonemus latus) numa variedade de pimenteira (Capsicum pendulum Willd). Revista de Olericultura, v.11, p.62, 1971.

NAGAI, H.; COSTA, A.S. ‘Gigante’, uma pimenteira (Capsicum pendulum Willd.) com resistência múltipla às estirpes do vírus Y. Revista de Olericultura, Campinas, v.11, p.61, 1971.

NAGAI, H.; LOURENÇÃO, A.L. Pimenta Cambuci ‘IAC Ubatuba’ (Capsicum baccatum L.), uma seleção com resistência múltipla a moléstias e pragas. Horticultura Brasileira, Brasília, v.5, n.1, p.67, 1987;

NAGAI, H.; LOURENÇÃO, A.L. Resistência da pimenteira ‘Cambuci’ (Capsicum baccatum L.) ao ácaro rajado (Tetranychus urticae Koch.). Horticultura Brasileira, Brasília, v.4, n.1, p.62, 1986.

NUEZ, F.; GIL ORTEGA, R.; COSTA, J. El cultivo de pimientos, chiles y ajies. Madri: Ediciones Mundi-Prensa, 1996. 607p.

ROGGERO, P.; MELO, A.M.T.; MOREIRA, S.R.; COLARICCIO, A. The search of resistance to tospoviruses in the genus Capsicum sp. Horticultura Brasileira, v.21, n.2, p.335-336, jul. 2003, Suplemento 1.

ROSSETTO, C.J.; NAGAI, H.; COSTA, C.L.; COSTA, A.S.; IGUE,T. Resistência de Capsicum a Myzus persicae. I. Capacidade de reprodução sobre C. annuum L., C. chinense Jaques e C. pendulum Willd. In: REUNIÃO DE ENTOMOLOGIA AGRÍCOLA, Itabuna, 1972.

ROSSI, C.E.; LIMA, C.B.; SIQUEIRA, R.N.P.; MELO, A.M.T.; LOURENÇÃO, A.L.; POLTRONIERI, M.C. Resistência de genótipos de Capsicum a Meloidogyne incognita. Horticultura Brasileira, Brasília, v.21, n.2, p.331, jul. 2003, Suplemento 1.