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REDVET Rev. Electrón. vet. http://www.veterinaria.org/revistas/redvet 2014 Volumen 15 Nº 03 - http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n030314.html Pesquisa de dermatófitos em animais assintomáticos em clínica pediátrica http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n030314/031403.pdf 1 REDVET - Revista electrónica de Veterinaria - ISSN 1695-7504 Pesquisa de dermatófitos em animais assintomáticos em clínica pediátrica - Survey of dermatophytes in asymptomatic pediatric pets DVM. Cruz, Marta: Departamento das Ciências Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected] | DVM. Marinho, Tatiana: Departamento das Ciências Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected] | DVM. PhD. Coelho, Ana Cláudia: Departamento das Ciências Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected] Resumo A dermatofitose e uma infeção cutânea causada por um dos 3 géneros de dermatófitos: Microsporum, Trichophyton ou Epidermophyton, sendo considerada como a causa mais frequente de problemas dermatológicos em animais de companhia. Neste estudo efetuou-se o rastreio de dermatofitose em 35 cães e gatos assintomáticos, com idade inferior a 1 ano durante o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de 2011 a dia 1 de Maio de 2012. O estudo micológico foi efetuado através de técnicas de rotina. Uma amostra (2,9%) foi positiva para dermatófitos em cultura tendo-se isolado Microsporum canis, proveniente de um cão, fêmea, com 3 semanas de idade, de raça Buldogue Inglês. Estes resultados demonstram que a dermatofitose e uma infeção presente de forma assintomática em clínica pediátrica. O potencial zoonótico deste isolado deve ser tomado em consideração na epidemiologia da dermatofitose humana em Portugal. Palavras chave: Dermatófitos | Pediatria | Assintomáticos | Animais de companhia. Abstract Dermatophyte infection is a superficial cutaneous infection with one or more of the fungal species of the genera Microsporum, Trichophyton, or Epidermophyton. Dermatophytes are known as the most frequent cause of skin problems in pets.

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REDVET - Revista electrónica de Veterinaria - ISSN 1695-7504

Pesquisa de dermatófitos em animais assintomáticos em clínica pediátrica - Survey of dermatophytes in asymptomatic pediatric pets

DVM. Cruz, Marta: Departamento das Ciências Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected] | DVM. Marinho, Tatiana: Departamento das Ciências Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected] | DVM. PhD. Coelho, Ana Cláudia: Departamento das Ciências Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected]

Resumo A dermatofitose e uma infeção cutânea causada por um dos 3 géneros de dermatófitos: Microsporum, Trichophyton ou Epidermophyton, sendo considerada como a causa mais frequente de problemas dermatológicos em animais de companhia. Neste estudo efetuou-se o rastreio de dermatofitose em 35 cães e gatos assintomáticos, com idade inferior a 1 ano durante o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de 2011 a dia 1 de Maio de 2012. O estudo micológico foi efetuado através de técnicas de rotina. Uma amostra (2,9%) foi positiva para dermatófitos em cultura tendo-se isolado Microsporum canis, proveniente de um cão, fêmea, com 3 semanas de idade, de raça Buldogue Inglês. Estes resultados demonstram que a dermatofitose e uma infeção presente de forma assintomática em clínica pediátrica. O potencial zoonótico deste isolado deve ser tomado em consideração na epidemiologia da dermatofitose humana em Portugal. Palavras chave: Dermatófitos | Pediatria | Assintomáticos | Animais de companhia. Abstract Dermatophyte infection is a superficial cutaneous infection with one or more of the fungal species of the genera Microsporum, Trichophyton, or Epidermophyton. Dermatophytes are known as the most frequent cause of skin problems in pets.

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This study was carried out in 35 pediatric animals during the period between1 of September and 1 of May 2012. All samples were collected from asymptomatic dogs and cats without clinical compatible signs and were submitted to mycological examination. Microsporum canis was isolated in one sample (2.9%) from a 3-week-old female, English bulldog. These results demonstrate that asymptomatic dermatophytosis is an infection with clinical concern in pediatric pets. Zoonotic potential of this isolate needs to be considered in the epidemiology of human dermatophytosis in Portugal. Keywords: Dermathophytes | Pediatrics |Asymptomatic |Pets. 1. Introdução Em Medicina Veterinária, o termo pediátrico refere-se ao período de tempo compreendido entre as 2 semanas e os 6 meses de idade (McMichael, 2005). De um modo mais específico, o termo neonato é definido como o período desde o nascimento até às 3 semanas de idade. O período de desmame engloba o tempo entre as 3 e as 8 semanas de idade, ou seja, desde que o animal tem a capacidade de movimentar-se, defecar e urinar por si próprio até ao instante em que se alimenta sozinho. O período adolescente é definido como o tempo desde o fim da amamentação até se atingir o peso completo de adulto e a fisiologia normal de todos os órgãos. Nos gatos, esse período é atingido aos 6 meses, no entanto, nos cães é variável, podendo ir desde os 6 meses nas raças miniatura aos 12 a 15 meses nas raças gigantes (Kustritz, 2011). Os cães e gatos jovens são, frequentemente, afetados por vários agentes fúngicos. Dentro dos fungos sistémicos, destacam-se: Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatidis, Cryptococcus (C. neoformans e C. gatti), Coccidioides, Aspergillus e Sporothrix schenckii (Fitzgerald e Newquist, 2011). Os fungos tópicos provocam várias doenças, tais como: Candidose, doença comum da mucosa oral e do trato gastrintestinal e urinário, causada por várias espécies de Candida, mais concretamente Candida albicans (Hoskins, 2001); Malassezia, o agente Malassezia dermatitis é uma levedura comensal normal da pele e a infeção ocorre por desenvolvimento de hipersensibilidade ou crescimento excessivo do número de leveduras e, a mais comum de todas, a dermatofitose (Fitzgerald e Newquist, 2011). Os dermatófitos representam um grupo de fungos queratinofílicos, capazes de colonizar tecidos de humanos e animais, como a pele, pelo e unhas, originando as dermatofitoses (Ihrke, 2009; Côbo et al., 2010; Nweze, 2011). Os dermatófitos mais importantes fazem parte dos géneros Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton (Côbo et al., 2010). Apesar da grande variedade de dermatófitos observados em animais, apenas algumas espécies zoofílicas, como Microsporum canis, Trichophyton mentagrophytes, T.

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equinum e T. verrucosum, e espécies geofílicas, como M. gypseum, são responsáveis pela maioria das infeções mais graves (Seker e Dogan, 2010). Os cães e gatos funcionam como reservatórios de Microsporum spp. e Trichophyton spp., sendo considerados agentes zoonóticos importantes. Segundo Cabañes (2000), os estudos de isolamento de dermatófitos demonstram uma maior prevalência em gatos do que em cães. Em gatos, a sua presença é superior a 20% e em cães encontra-se entre 4 e 20% (Seker e Dogan, 2010). M. canis é o dermatófito mais observado em cães e gatos e, apesar da designação de espécie canis, o gato é o hospedeiro mais comum. Cerca de 98% da dermatofitose felina é causada por M. canis (Ihrke, 2009). O presente trabalho teve como principal objetivo investigar a frequência e a etiologia dos dermatófitos em clínica pediátrica, em animais assintomáticos. 2. Material e métodos Efetuou-se o rastreio de dermatofitose em cães e gatos assintomáticos, com idade inferior a 1 ano. Estes animais encontravam-se internados por diversos motivos em dois Hospitais Veterinários (A e B) do distrito de Aveiro, durante o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de 2011 a dia 1 de Maio de 2012 Foram recolhidos os seguintes dados: espécie, sexo, idade, peso, raça, data e local da colheita de amostra.

Colheita de amostras

Para o diagnóstico de dermatofitose subclínica, obtiveram-se amostras de pelo de animais de áreas sem lesões clínicas compatíveis com dermatofitose, através da técnica da escova de dentes. Para a colheita das amostras foi utilizada uma escova de dentes esterilizada por animal. As zonas anatómicas escolhidas para a colheita foram a face, as orelhas, a base da cauda, as almofadas plantares e palmares e as extremidades distais dos membros, tendo sido escovadas entre 5 a 10 vezes, em várias direções, de modo a obter-se um maior número de pelos. Em seguida, colocou-se a escova de dentes com a amostra num envelope, devidamente identificado, fechando-se de imediato com fita-cola. Os envelopes foram acondicionados num local próprio, à temperatura ambiente, até posterior envio para o laboratório. No final do período da colheita de amostras, todos os envelopes foram entregues para o Laboratório de Microbiologia Médica da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, procedendo-se à análise micológica para diagnóstico de dermatofitose. Isolamento e identificação

As amostras foram inoculadas em meio de DTM® e Mycobiotic Agar®, com o auxílio de uma pinça que foi passada à chama entre cada amostra.

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Simultaneamente, os pelos foram examinados para a deteção de elementos fúngicos por meio de exame microscópico direto com hidróxido de potássio a 40%. A preparação foi observada ao microscópio (400x) para verificação da presença de hifas e artrósporos. As culturas foram incubadas a 25ºC e a 37ºC, em ambiente escuro e húmido, sendo examinadas diariamente durante um mês. Em alguns casos, fez-se a passagem de uma subcultura para novos meios de DTM® e de Mycobiotic Agar® e numa cultura primária foi efetuada uma subcultura em PDA®, para manutenção da mesma. A identificação dos dermatófitos foi baseada no exame macroscópico (cor, relevo, textura e mudança de cor do meio) das colónias que cresceram em cultura e no exame de lactofenol com azul de algodão. Sempre que necessário, recorreu-se a testes complementares, como a prova da urease. No caso dos fungos contaminantes, identificou-se o género e, no caso dos dermatófitos, a espécie, por microscopia. Os fungos contaminantes foram identificados de Hungerford et al. (1998). A identificação dos dermatófitos baseou-se na chave de identificação de Kane et al. (1997). 3. Resultados A caraterização da população de animais assintomáticos para rastreio de dermatófitos encontra-se na Tabela 1. Do total das 35 amostras inoculadas, 33 (94,3%) pertenciam a animais do Hospital A e 2 (5,7%) pertenciam ao Hospital B. Vinte e quatro amostras (68,6%) pertenciam a cães e 11 (31,4%) a gatos. Vinte e duas eram provenientes de fêmeas (62,9%) e 13 de machos (37,1%). A idade da população de animais assintomáticos variou de 2 semanas a 11 meses, tendo uma média de 4,8 meses. O peso variou entre 0,3kg a 17,8kg, com uma média de 4,6kg. Quanto à raça dos gatos, 10 (90,9%) eram Europeu Comum e 1 (9,09%) era Persa. A maioria dos cães (n=13; 54,2%) não tinha raça definida, 2 amostras pertenciam a 2 cães de raça Boxer (8,3%), distribuindo-se os outros animais pelas raças Beagle, Buldogue Inglês, Cocker Spaniel, Labrador Retriever, Pinscher, Pitbull, Podengo Português, Rafeiro Alentejano e Serra da Estrela. No exame microscópico direto, nenhuma amostra foi considerada positiva. Foi isolado o dermatófito Microsporum canis numa amostra proveniente de um cão, fêmea, com 3 semanas de idade, de raça Buldogue Inglês. O dermatófito foi simultaneamente isolado nos dois meios de cultura (Figura 1).

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Tabela 1 - Caracterização da população de animais assintomáticos para rastreio de dermatófitos.

Caraterísticas da População Frequência n (%)

Hospital

A 33 (94,3)

B 2 (5,7)

Espécie

Cão 24 (65,6)

Gato 11 (31,4)

Sexo

Macho 13 (37,1)

Fêmea 22 (62,9)

Total 35 (100)

Figura 1: Meios Mycobiotic® e DTM®, respetivamente, com cultura macroscópica compatível com Microsporum canis. Fotografia de autor. Laboratório de Microbiologia Médica da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro.

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Visualizaram-se, microscopicamente, as macroconídeas do dermatófito compatível com Microsporum canis (Figura 2). A ocorrência de dermatofitose subclínica neste rastreio foi de 2,9% (n=1).

Figura 2: Visualização microscópica de macroconídeas compatíveis com Microsporum canis. Fotografia de autor. Laboratório de Microbiologia Médica da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro. Das 35 amostras cultivadas observou-se contaminação fúngica em 26 (74,3%), no total de 33 isolamentos. Foram identificados 11 géneros fúngicos. A maioria dos fungos contaminantes foi isolada em cães (61,5%). Em algumas amostras isolaram-se 2 fungos contaminantes em simultâneo. A Tabela 2 apresenta o número e a percentagem de amostras em que se efetuou o isolamento de fungos contaminantes.

Tabela 2 - Frequência dos fungos contaminantes isolados a partir de amostras de animais, com menos de 1 ano, sem lesão aparente.

Fungo contaminante n (%) Acremonium spp. 2 (6,1) Alternaria spp. 5 (15,2) Aspergillus spp. 5 (15,2) Basidiobolus spp. 1 (3,0) Cladosporium spp. 5 (15,2 Fusarium spp. 3 (9,0) Geotrichum spp. 1 (3,0) Mucor spp. 4 (12,1) Penicillium spp. 2 (6,1) Phialophora spp. 1 (3,0) Stemphylium spp. 4 (12,1) Total 33 (100)

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4. Discussão As doenças infeciosas representam uma grande parte da casuística na clínica pediátrica. Os sinais clínicos induzidos por agentes infeciosos são comuns, logo é imperativo o seu diagnóstico e respetivo tratamento. A combinação dos sinais clínicos, da história clínica e do exame físico é essencial, de modo a elaborar-se uma lista de diagnósticos diferenciais, com suspeita do agente infecioso, responsável pela afeção (Lapin, 2009). Em relação à raça dos animais, a maioria dos gatos (90,9%) pertencia à raça Europeu Comum e a maioria dos cães (54,2%) não tinha raça definida. Estes resultados seriam de esperar devido à sua elevada expressividade em Portugal. Relativamente ao isolamento e identificação dos dermatófitos, das 35 amostras cultivadas, apenas uma foi positiva, sendo assim, a ocorrência de dermatofitose subclínica neste rastreio foi de 2,9%. A proporção de amostras positivas, em relação ao número de amostras pesquisadas, pode ser considerada baixa, no entanto, tendo sido o rastreio realizado em animais sem sinais clínicos compatíveis com dermatofitose, este resultado seria o esperado. A amostra positiva foi proveniente de um cão, com 15 dias, de raça Buldogue Inglês, o que não corrobora a bibliografia consultada. Segundo Ihrke (2009), as raças Dálmata, Poodle, Jack Russel Terrier e Yorkshire Terrier possuem um maior risco para a forma generalizada da dermatofitose. De acordo com Mason et al. (2001), a dermatofitose é 3 vezes mais comum em gatos do que em cães. O dermatófito isolado corresponde a Microsporum canis. Segundo Cabañes (2000) e Ihrke (2009), os gatos representam o principal reservatório de Microsporum canis. Este facto não se verificou no presente estudo, no entanto, o reduzido número de amostras não permite tecer conclusões. Das 35 amostras, observou-se contaminação fúngica em 74,3%, tendo sido identificados 11 géneros fúngicos. Esta elevada contaminação poderá ser justificada pela sua presença no ambiente do laboratório ou mesmo serem saprófitas do pelo dos animais. Normalmente, os fungos filamentosos existem na natureza como saprófitas, não dependendo do Homem nem de outros animais para sobreviver (Richard e Warnock, 2003). Estes organismos podem agir como agentes patogénicos primários, no caso de invadirem e causar doença em indivíduos saudáveis, ou agentes patogénicos oportunistas, em indivíduos imunodeprimidos (Van Burik e Magee, 2001). Do ponto de vista epidemiológico, pode-se considerar que os animais cuja amostra apresentou crescimento, são portadores podendo contribuir para a propagação dos fungos a outros animais e humanos (Osburn et al., 2009). Os esporos fúngicos encontram-se no ambiente, sendo transportados pelo ar. Alternaria spp., Aspergillus spp. e Cladosporium spp. Penicilium já foi previamente isolado em

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casos de infeções invasivas, em indivíduos imunodeprimidos, sendo causa frequente da sua morte (Enoch et al., 2006; Hamilos et al., 2011). O aumento da incidência de doenças como o cancro, e outras ações médicas que necessitam de tratamentos imunossupressores, constituem um fator de risco para a infeção fúngica. De entre os géneros de fungos causadores de alergias encontram-se: Alternaria spp., Aspergillus spp., Aureobasidium spp., Botrytis spp., Cladosporium spp., Curvularia spp., Drechslera spp, Fusarium spp., Gliocladium spp., Helminthosporium spp., Paecilomyces spp., Penicillium spp., Scopulariopsis spp., Trichoderma spp., Ulocladium spp., Epicoccum spp., como sendo os mais comuns (Kurup et al., 2000). Os fungos não dermatófitos mais comuns, que causam infeções superficiais são Fusarium spp., que pode causar infeção grave em pacientes imunodeprimidos, Scopulariopsis spp., que têm incidência elevada em humanos sujeitos a tratamento com anti-inflamatórios, e Acremonium spp., que normalmente não apresenta sintomas (Tosti et al., 2000). Além destes, outros como Penicillium, Scedosporium, Alternaria, Cladosporium e Curvularia, têm sido documentados (Moreno e Arenas, 2010). 6. Conclusões Como todos os pelos cultivados eram provenientes de áreas sem lesões dermatológicas compatíveis com dermatofitose, e apesar da amostra reduzida utilizada no estudo, o isolamento observado, embora com baixa frequência, parece ser um reflexo da ocorrência de dermatofitose assintomática em clínica pediátrica. O potencial zoonótico deste isolado deve ser tomado em consideração na epidemiologia da dermatofitose humana em Portugal. 7. Agradecimentos Os autores agradecem à Direção, Corpo Clínico e técnicos da Policlínica Veterinária de Aveiro e do Hospital Veterinário do Baixo Vouga. Agradecem ainda aos proprietários dos animais pediátricos. 8. Bibliografia 1. McMichael M. Pediatric Emergences. Vet Clin Small Animal Practice 2005;

35: 421-434. 2. Kustritz MV. History and physical examination of the neonate. In:

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5. Ihrke PJ. Dermatophytosis: still underdiagnosed & overdiagnosed! Proceedings of the Latin American Veterinary Conference. Lima, Peru. 2009.

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REDVET: 2014, Vol. 15 Nº 3

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