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17/11/2015 Página virada: editoras e autores LGBT investem em ficções com diversidade Jornal O Globo
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"Livros são particularmente importantes porque convidam os leitores a secolocar no lugar dos personagens", diz a autora Lisa Williamson Departamento de arte
LIVROS
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Página virada: editorase autores LGBT
investem em ficçõescom diversidade
Sem tom militante, livros querem romper padrõesheteronormativos
POR MATEUS CAMPOS
17/11/2015 6:00
PUBLICIDADERIO Aos 14 anos, David Piper está decidido: quer ser uma
menina. Os desafios da complexa transição, acompanhada de perto
pelos melhores amigos, Essie e Felix, foram a matériaprima de Lisa
Williamson em “A arte de ser normal” (Rocco). A escritora, cujo
trabalho com adolescentes transgênero no sistema público de saúde
inglês ajudou a dar substância ao romance, parte desse pressuposto
para construir uma jornada de amizade e autodescoberta da
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17/11/2015 Página virada: editoras e autores LGBT investem em ficções com diversidade Jornal O Globo
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‘A militância culturalcumpriu um papelimportante. Através dela,a gente chegou a ummomento diferente’
- ANDRÉ FISCHERCriador do MixBrasil
protagonista.
Sem tom militante ou didático, a obra aposta numa prosa simples e
atrativa, que explora a dimensão humana da protagonista. Numa
elogiosa resenha, o diário britânico “The Guardian” apontou: “O livro
destacase não só pelo sensível retrato da vida de um adolescente
transgênero, mas pela construção vívida e convincente dos
personagens”.
— Como administradora do setor de identidade
de gênero, uma de minhas tarefas era digitar as
notas das sessões de terapia. O resultado disso é
que ouvi centenas de histórias incríveis. Felizes,
tristes, dolorosas e triunfantes. Todas elas me
tocaram profundamente — conta a autora, por
email.
Desde o título, “A arte de ser normal”
representa um novo momento para o mercado editorial LGBT, com
obras panfletárias dando espaço a tramas complexas, em que
personagens com o signo da diversidade ocupam os principais papéis.
Lisa defende que livros como o dela são fundamentais para que a
discussão se amplie e, assim, transforme os preconceitos:
— Acho que livros são particularmente importantes porque convidam
os leitores a se colocar no lugar dos personagens, coisa que uma
matéria de jornal ou um panfleto não consegue. Recebi muitas
mensagens de jovens transgênero que deram o livro a parentes e
amigos para ajudálos a entender a transição. Os livros detêm um
grande poder emocional e possuem uma força quase única para
mudar corações e mentes.
EDITORA APOSTA EM FICÇÃO
É nessa força que está também a aposta da Hoo Editora, a mais
recente empresa do mercado editorial voltada ao público LGBT. Numa
área em que, até pouco tempo atrás, os volumes de não ficção e os
estudos acadêmicos eram maioria, a publisher Juliana Albuquerque
resolveu publicar apenas obras ficcionais, como romances e histórias
em quadrinhos.
Os dois primeiros títulos da editora foram lançados neste mês, com
tiragem inicial de 3 mil exemplares: “Nicotina zero”, de Alexandre
Rabelo, e “Torta de Climão”, série de tirinhas de Kris Barz.
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‘A Hoo não é uma editorade nicho. Nosso públicoem potencial é todomundo que consomeliteratura’
- JULIANA ALBUQUERQUEEditora da Hoo
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— A gente entende que estudos de gênero estão muito em pauta, por
isso achou melhor focar na literatura. É o que mais falta. Escolhemos
dar voz aos autores de ficção — diz Juliana.
Apesar de ousada, a escolha da Hoo Editora
surtiu efeito: dezenas de escritores enviaram
material para avaliação. A intenção de Juliana,
ela conta, é que os livros da empresa não
fiquem confinados às prateleiras reservadas às
obras LGBT nas livrarias. Ela quer que estejam
junto a todos os outros livros, espalhados pelas
seções de ficção.
— A Hoo não é uma editora de nicho. Nosso público em
potencial é todo mundo que consome literatura — explica. — Uma
ficção de temática LGBT não necessariamente envolve drama.
Precisamos tratar a homossexualidade de maneira natural,
precisamos romper com a heteronormatividade.
NOVA FASE
Criador do Mix Brasil, portal que aglutinava notícias sobre a cultura
LGBT e se converteu num festival de cinema sobre diversidade, André
Fischer afirma encarar com bons olhos a nova fase da militância. Para
ele, sair do nicho é uma estratégia interessante, sobretudo num país
onde os números do mercado editorial voltado para a diversidade são
incertos e pequenos:
— Esse é o caminho. No exterior, livrarias exclusivamente LGBT
fecharam as portas. Antigamente, as grandes livrarias separavam um
espaço para os livros do gênero, hoje isso não é mais comum. Você só
descobre um livro LGBT quando lê a contracapa ou a orelha. Houve
uma mudança. A militância cultural cumpriu um papel importante.
Através dela, a gente chegou a um momento diferente.
Leia um trecho de "A arte de ser normal":
Um silêncio se instala entre nós. O Leo está brincando com a barra
desfiada da calça jeans, e só me vem à cabeça a ideia de que o apavorei
e que ele cansou de me ouvir. Fui burro em pensar que ele reagiria de
outro jeito. Afinal, não é todo dia que alguém se vira para você e diz
que quer ser do sexo oposto, muito menos um garoto que você
conhece há apenas alguns meses.
– Acho que agora você também pensa que eu sou uma aberração –
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falo, minha voz saindo baixa e triste.
O Leo olha diretamente para mim. Nossos olhos se fixam por um
instante, e as sardas âmbar do Leo cintilam sob a luz da lua.
– Não acho que você seja uma aberração, David – diz ele com a voz
lenta e cuidadosa.
– Não?
Seus olhos estão com um brilho vidrado. Não são lágrimas (acho que
nem consigo imaginar o Leo chorando), mas algo parecido.
Leia um trecho de "Nicotina zero":
– Com licença, você teria um cigarro?
Era o diabo. Conseguiu entrever uma chama em seus olhos. Olhou
direto nas pupilas como se não tivesse visto nada de extraordinário,
como se fosse cego. Fingiu não ter percebido nada além do alcance da
razão. Quis sair de manso, mas o outro já sorria seu riso revelado de
trevas.
– Tem?
– Não. Eu parei de fumar.
O diabo riu:
– Então, que maço é esse na sua mão?
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