philip k dick - a formiga eletrica
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Existe uma terra fantástica, além do mar, onde as Light Novels são conhecidas e adoradas. E existe o nosso lar, onde todas as histórias ilustradas tendem a ser taxadas com infantis, o que, felizmente, é um tremendo equívoco.O NoveLand nasceu para trazer um pouco do mundo das novelas ilustradas para você, leitor brasileiro que respeita e admira a temática.E é nesse emaranhado de autores que buscamos mostrar, entre Light Novels e outros estilos, que existem escritores espalhados por todo um país, ainda que muitos deles se escondam atrás de uma página em branco de um editor de texto.Venha! Temos uma fantástica viagem para fazer, e o nosso principal convidado é você!TRANSCRIPT
A Formiga Elétrica
Philip K. Dick
Às 4:15 PM TST, Garson Poole acordou em sua cama de hospital.
Sabia que estava deitado na cama de um hospital, em uma enfermaria de três leitos e
percebeu, além disso, duas coisas: que ele já não tinha a mão direita, e que não sentia
nenhuma dor.
Eles me deram um analgésico forte, disse para si mesmo, enquanto olhava a parede
distante, com a janela exibindo a cidade de Nova York. Redes em que os veículos e
pedestres disparavam, e rodas que brilhavam ao sol da tarde, o brilho da luz poente
agradou-o. Não é tão tarde, ele pensou. Nem para mim.
Um fone estava na mesa ao lado de sua cama, ele hesitou, depois pegou-o e ligou para
uma linha externa. Um momento depois, ele olhava para Louis Danceman, responsável
pelas atividades Tri-Plan, na sua ausência.
“Graças a Deus você está vivo!" disse Danceman, o rosto grande e carnudo como a
superfície marcada da lua, encheu-se de alívio. "Estive ligando para todos e..."
“Eu só perdi a mão direita" disse Poole.
"Mas você vai ficar bem. Quero dizer, eles podem enxertar outra."
"Há quanto tempo estou aqui?" Poole perguntou. Onde estavam os enfermeiros e os
médicos, se perguntou, porque não estavam ali, reclamando por ele fazer uma chamada?
"Quatro dias" disse Danceman. "Tudo aqui na fábrica vai energeticamente bem. Na
verdade nós recebemos pedidos de compra de três sistemas distintos, todos aqui na
Terra. Dois em Ohio e um em Wyoming. Ordens de compra sólidas, com um terço de
antecedência e os habituais três anos de crédito para arrendamento opcional."
"Venha me tirar daqui", disse Poole.
"Não posso, até que a mão nova..."
"Posso colocá-la mais tarde."
Ele queria desesperadamente voltar ao ambiente familiar; a memória do foguete
mercantil grotescamente aparecendo na tela do piloto, se fechasse os olhos, veria
novamente sua nave danificada, um prejuízo enorme. As sensações cinéticas... ele
estremeceu, lembrando-se. Acho que estou com sorte, disse para si mesmo.
"Sarah Benton está com você?" Danceman perguntou.
“Não”. Naturalmente, sua secretária pessoal, mesmo que apenas por considerações de
trabalho, deveria estar por perto paparicando-o com seu jeito infantil e chato.
Todas as mulheres gordas gostam de agir como a mãe de outras pessoas, pensou.
E são perigosas, se caírem sobre você, podem matá-lo.
"Talvez seja isso que me aconteceu", disse ele em voz alta. "Talvez Sarah tenha caído
sobre meu foguete".
"Não, não, uma haste da aleta de direção se separou durante o tráfego pesado na hora do
rush e você..."
"Eu me lembro".
Virou-se em sua cama quando a porta da enfermaria abriu e um médico vestido de
branco, e duas enfermeiras de azul apareceram, vindo em direção a sua cama.
"Falo com você depois" disse Poole e desligou o fone. Respirou profundamente.
"Não deveria telefonar tão cedo" disse o médico que olhou seu boletim. "Sr. Garson
Poole, proprietário da Tri-Plan Electronics. Criador de dardos que seguem suas presas
por um raio de mil milhas, respondendo a padrões de ondas encefálicas. Você é um
homem bem-sucedido, Sr. Poole. Mas, Sr. Poole, você não é um homem. Você é uma
formiga elétrica".
"Cristo", disse Poole atordoado.
"Então não poderemos tratá-lo aqui, agora que nós descobrimos. Soubemos assim que
nós examinamos a sua mão direita ferida; vimos os componentes eletrônicos e em
seguida fizemos um raio-x do seu torso, e claro que eles confirmaram nossa hipótese."
"O que" disse Poole "é uma" formiga elétrica"?
Mas ele sabia, ele conhecia a expressão.
Uma enfermeira disse: "Um robô orgânico."
"Eu sei" disse Poole.
Uma transpiração fria subiu para a superfície de sua pele e por todo seu corpo.
"Você não sabia" disse o médico.
“Não”. Poole sacudiu a cabeça.
O médico disse: "Nós recebemos uma formiga elétrica a cada semana, ou quase. Até
trazida aqui por um acidente de foguete, como o seu, ou alguém que busca a internação
voluntária... pessoas a quem, como você, nunca lhes foi dito, e que acreditavam-se
humanas. Quanto à sua mão... ". Ele fez uma pausa.
"Esqueça a minha mão" disse Poole selvagemente.
"Tenha calma".
O médico inclinou-se sobre ele, olhou profundamente para o rosto de Poole.
"Temos um veículo de transporte para levá-lo a um serviço de assistência, no caso, de
reparos ou substituição de peças, e sua mão poderá ser feita por um gasto razoável, quer
para si mesmo, tratando-se de auto-propriedade, ou para seus proprietários, se existirem.
De qualquer forma você estará logo de volta em sua mesa na Tri-Plan, funcionando
como antes."
"Exceto" disse Poole "que agora eu sei."
Questionou se Danceman ou Sarah, ou qualquer um dos outros no escritório sabia.
Teriam eles, ou um deles, o comprado? Projetado-o?
Um títere, disse a si mesmo, isso é tudo que eu sou. Nunca realmente devo ter
comandado a empresa, era uma ilusão implantada em mim quando eu fui feito...
juntamente com a ilusão de que eu sou humano, e que estou vivo.
"Antes de sair para a instalação de reparos" disse o doutor "você poderia gentilmente
pagar a conta na recepção?"
Poole disse acidamente: "Como pode haver uma conta a pagar se vocês não tratam
formigas aqui?"
"Para os nossos serviços" disse a enfermeira. "Até onde sabemos."
"Mandem-me a conta" disse Poole com raiva e fúria impotente. "Mandem a conta para
minha empresa."
Com grande esforço conseguiu sentar-se, sua cabeça não parava, pisou hesitante no
chão. "Ficarei feliz em sair daqui", disse ele enquanto se ajeitava. "E muito obrigado
pela sua atenção humana".
"Obrigado também, Sr. Poole” disse o médico. "Ou melhor, eu deveria dizer apenas
Poole".
Na oficina conseguiu a mão substituta.
Era fascinante, ele a examinou por um longo tempo antes de deixar os técnicos instalá-
la. Na superfície parecia orgânica, na verdade na superfície ela era. Pele natural
cobrindo carne natural, verdadeira e cheia de sangue nas veias e capilares. Mas abaixo
desta, fios e circuitos, componentes miniaturizados brilhando... olhando profundamente
o pulso, viu engates surgirem, motores, válvulas, todas muito pequenas. Intrincado.
E a mão custou quarenta sapos. O salário de uma semana, de modos que ele tirou-o da
folha de pagamento da empresa.
"Tem garantia?" perguntou enquanto os técnicos fundiam a seção do osso da mão para o
equilíbrio do seu corpo.
"Noventa dias para as peças e a mão de obra" disse um dos técnicos. "A não ser que seja
submetido a abuso incomum ou intencional."
"Isso soa vagamente sugestivo" disse Poole.
O técnico, um homem - todos eram homens - disse a ele sutilmente:"Você estava
fingindo ser gente?”
"Não intencionalmente." disse Poole.
"E agora é intencional?
Poole disse: "Exatamente”.
"Você sabe por que você nunca adivinhou? Devem ter havido sinais... estalos e chiados
de dentro de você. Você nunca imaginou, porque você estava programado para não
notar. Você agora quer descobrir porque você foi construído e para quem você está
trabalhando."
"Um escravo" disse Poole. "Sou um escravo mecânico".
"Você teve seu divertimento."
"Vivi uma vida boa" disse Poole."Eu trabalhei duro."
Ele pagou os quarenta sapos, flexionou seus dedos novos, testando a mão ao pegar
vários objetos, como moedas, e então partiu. Dez minutos depois estava a bordo de um
transportador público, em seu caminho para casa.
Tinha sido um dia bastante duro.
Em casa, no seu apartamento de um quarto, derramou o Jack Daniel Purple Label -
sessenta anos de envelhecimento - e sentou-se bebendo-o, enquanto olhava através da
única janela de seu quarto para o prédio do lado oposto da rua.
Deveria ir para o escritório? se perguntou. Em caso afirmativo, por quê? Se não, por
quê? Escolha. Cristo, pensou, está te matando saber disso. Sou uma aberração, ele
concluiu. Um objeto inanimado que imita um animado. Mas... ele se sentia vivo. Ainda
assim ele se sentia diferente agora. Sobre si mesmo. Assim como sobre tudo,
especialmente Danceman e Sarah e todos na Tri-Plan.
Acho que vou me matar, disse para si mesmo. Mas provavelmente sou programado para
não fazer isso, seria um enorme prejuízo que meu dono teria que absorver. E que ele não
iria querer.
Programado.
Em algum lugar, pensou, existe uma matriz local, eliminando determinados
pensamentos, certas ações. E obrigando-me a outros.
Não sou livre. Eu nunca fui, mas agora eu sei disso, o que faz diferença.
Tornando sua janela opaca, acendeu a luz, enquanto cuidadosamente removia suas
roupas, peça por peça. Tinha visto atentamente, como os técnicos na instalação de
reparo haviam anexado a mão novamente: e tinha a idéia bastante clara agora, de como
seu corpo havia sido montado. Dois painéis principais, um em cada coxa, e o técnico
havia retirado os painéis para verificar os complexos circuitos por debaixo.
Se eu estou programado, decidiu, a matriz provavelmente se encontrada lá.
O labirinto de circuitos deixou-o perplexo.
Preciso de ajuda, disse a si mesmo. Vamos ver... qual é o código de acesso para o
computador classe BBB que contratamos no escritório?
Ele pegou o fone, discou para o computador em sua sede em Boise, Idaho.
"O uso deste computador custa cinco sapos por minuto" disse uma voz mecânica no
fone. "Por favor segure o cartão de crédito diante da tela".
Ele assim o fez.
"Ao sinal você estará conectado com o computador", continuou a voz. "Por favor
consulte-o o mais rapidamente possível, tendo em conta o fato de que sua resposta será
dada em termos de microssegundos, enquanto a sua consulta será...”
Ele abaixou o som. Mas rapidamente aumentou quando a entrada de áudio do
computador apareceu na tela. Nesse momento, o computador tornou-se uma orelha
gigante, a ouví-lo, assim como a outros cinqüenta mil consultantes por toda Terra.
"Me escaneie visualmente" instruiu ele o computador "e me diga onde eu vou encontrar
o mecanismo de programação que controla meus pensamentos e comportamentos."
Ele esperou.
Na tela um grande olho ativo olhou para ele, e Poole exibia-se para ele, no seu
apartamento de um quarto.
O computador disse: "Retire o painel do peito. Aplique a pressão no osso do peito e
puxe para fora."
Ele assim o fez. Uma seção do seu peito saiu; e ele deitou-a ao chão.
"Posso distinguir os módulos de controle", disse o computador "mas não posso dizer
qual..." Ele fez uma pausa enquanto seus olhos vagueavam sobre a tela do fone.
"Percebo um rolo de fita perfurada montada acima do seu mecanismo do coração. Você
vê isso?"
Poole esticou o pescoço e espiou. Viu também.
"Vou ter que desconectar" disse o computador "depois de ter examinado meus dados
disponíveis, irei contatá-lo e lhe darei uma resposta. Bom dia." A tela apagou.
Vou puxar a fita para fora, disse Poole a si mesmo.
Diminuto... não maior que dois carretéis de linha, com um leitor-scanner montado entre
os tambores. Ele não podia ver qualquer sinal de movimento, os carretéis pareciam
inertes. Eles devem ser removíveis para substituição, refletiu, sob situações específicas.
Como substituir meus processos encefálicos. E estiveram fazendo isso por toda minha
vida.
Ele estendeu a mão, tocou o tambor de saída. Tudo o que tenho a fazer é puxar para
fora, pensou ele, e...
O telefone religou-se.
"Cartãodecrédito 3 BNX-882-HQR446-T" disse a voz do computador. "Aqui é BBB-
307DR recontactando-o em resposta à sua consulta de dezesseis segundos atrás, 4 de
novembro de 1992. O rolo de fita perfurada acima de seu mecanismo de coração não é
uma central de programação, mas é de fato um construtor de suprimento de realidade.
Todos os estímulos recebidos pelo seu sistema neurológico central, provém daquela
unidade, e a sua adulteração seria arriscada se não fatal." Ele acrescentou: "Você parece
não ter circuito de programação. Consulta respondida. Bom dia." E apagou.
Poole, nu diante da tela, tocou a bobina mais uma vez, com um cuidado enorme.
Entendo, pensou. Ou será que não? Esta unidade... Se eu cortar a fita, meu mundo
desaparecerá. A realidade vai continuar para os outros, mas não para mim. Porque a
minha realidade, meu universo, vem desta unidade minúscula. Passa no leitor-scanner e
depois para o meu sistema nervoso central. Assim há anos, ele concluiu.
Pegando suas roupas, vestiu-se e se sentou na poltrona grande, um luxo trazido para seu
apartamento dos escritórios principais da Tri-Plan, e acendeu um cigarro de tabaco.
Suas mãos tremiam quando ele baixou o cigarro; inclinando-se para trás, e soprou a
fumaça diante de si, criando uma nuvem cinzenta.
Tenho que ir devagar, disse a si mesmo. O que estou tentando fazer? Ignorar a minha
programação? Mas o computador não encontrou nenhum circuito de programação.
Quero interferir com a fita de realidade? No caso afirmativo, por quê?
Porque, pensou ele, se eu a controlo, controlo a realidade. Ao menos o tanto quanto
estou ciente. Minha realidade subjetiva... mas isso é tudo que existe. A realidade
objetiva é uma construção sintética, lidando com uma universalização hipotética de uma
multiplicidade de realidades subjetivas.
Meu universo está sob meus dedos, percebeu. Se eu pudesse apenas descobrir como esta
maldita coisa funciona. Tudo o que eu quis fazer foi procurar e localizar o meu circuito
de programação, para que assim, pudesse ter o verdadeiro controle homeostático de
mim mesmo. Mas com isto... Com isso, ele não se limitaria a ganhar o controle de si
mesmo, ele ganharia o controle sobre tudo.
E isso me levaria além de qualquer ser humano que já viveu e morreu, pensou sombrio.
Indo até o fone, discou para seu escritório.
Quando Danceman apareceu na tela, ele disse rapidamente:
"Quero que você envie um conjunto completo de microferramentas e uma tela de
ampliação para o meu apartamento. Tenho alguns microcircuitos para trabalhar."
Então desfez a ligação, não querendo discutir o assunto.
Meia hora depois, uma batida soou na porta. Quando abriu, se viu diante de um dos
capatazes da empresa, carregando microferramentas de toda espécie.
"Você não disse exatamente o que queria" disse ele entrando no apartamento. "Então o
Sr. Danceman me mandou trazer tudo."
"E o sistema de lentes de ampliação?"
"No caminhão em cima do telhado".
Talvez o que eu queira fazer, pensou Poole, é morrer.
Acendeu um cigarro, fumava esperando que o capataz trouxesse a pesada tela, com a
sua alimentação e o painel de controle, para dentro do apartamento.
É suicídio o que eu estou fazendo aqui. Estremeceu.
"Alguma coisa errada, Sr. Poole?" o supervisor da loja disse ao levantar-se, aliviado do
peso do sistema de lentes de ampliação. "Deve estar ainda fragilizado por conta do seu
acidente."
"Sim" disse Poole calmo.
Esperou, tenso, até que o capataz se foi.
Sob o sistema de lentes, a fita plástica assumiu um novo formato: uma faixa larga com
centenas de milhares de buracos.
Como desconfiei, Poole pensou. Não se tratavam de registros gravados sobre uma
camada de óxido de ferro, mas fendas na verdade.
Sob a lente a tira de fita avançava visivelmente. Muito lentamente, mas a uma
velocidade uniforme, se movendo na direção do leitor-scanner.
A forma como eu imagino, pensou, é que os furos funcionam para o leitor como... Ele
funciona como um piano mecânico, sólido é não, o furo é sim.
Como posso testar isso? Obviamente, através do preenchimento de uma série de
buracos. Mediu a quantidade de fita a esquerda do carretel de saída, calculou com
grande esforço a velocidade da fita, e depois teve uma ideia. Se ele alterasse a fita
visível na borda que entra no leitor-scanner, de cinco a sete horas se passariam antes que
este determinado ponto alterado chegasse ao leitor.
Ele na verdade experimentaria os estímulos horas depois.
Com uma micro escova, cobriu uma parte relativamente grande de fita com verniz
opaco, obtido a partir do kit que acompanhava as microferramentas.
Experimentarei estímulos imprecisos por meia hora, ele ponderou.
Tinha coberto pelo menos mil buracos.
Seria interessante ver o que iria mudar, se algo aconteceria além do seu meio ambiente,
seis horas a partir de agora.
Cinco horas e meia depois, sentou-se no Krackter's, um excelente bar em Manhattan,
para tomar uma bebida com Danceman.
"Você parece mal", disse Danceman.
"Eu estou mal" disse Poole.
Terminou sua bebida, um Scotch, e pediu outro.
"Desde o acidente?"
"Em certo sentido sim."
Danceman disse: "Será por que...você descobriu sobre si mesmo?"
Erguendo a cabeça, Poole olhou-o à luz escura do bar.
"Então você sabe."
"Eu sei", disse Danceman "que deveria chamá-lo de Poole, ao invés de Sr. Poole. Mas
eu prefiro o último, e continuarei a fazê-lo."
"Há quanto tempo você sabe?" Poole perguntou.
"Desde que você assumiu a empresa. Foi-me dito pelos verdadeiros proprietários da Tri-
Plan, que se encontram no Sistema Prox, que eles queriam a Tri-Plan comandada por
uma formiga elétrica, que pudessem controlar. Eles queriam alguém brilhante e
enérgico..."
"Os verdadeiros donos?"
Esta foi a primeira vez que ele tinha ouvido falar sobre isso.
"Temos dois mil acionistas. Espalhados por toda parte. Marvis Bey e seu marido Ernan,
em Prox 4, controlam cinqüenta e um por cento. É assim desde o começo."
"Por que ninguém me disse?"
"Me mandaram não dizer. Você foi criado para pensar que você era responsável por
toda a política da empresa. Com a minha ajuda. Mas na verdade eu estava te passando o
que os Beys passavam para mim."
"Eu sou um títere", disse Poole.
"Em certo sentido, sim." Danceman assentiu. "Mas você sempre será Sr. Poole para
mim."
Uma seção da parede havia desaparecido. E com ela, várias pessoas nas mesas
próximas. E... Através do vidro do lado do grande bar, a silhueta dos prédios de New
York City cintilou e desapareceu.
Olhando para seu rosto, Danceman disse: "O que foi?"
Poole disse com voz rouca, "Olhe ao seu redor. Você vê alguma mudança?"
Depois de olhar ao redor, Danceman disse: "Não. Como assim?"
"Você ainda vê o horizonte?"
“Claro! Em meio à neblina, como sempre. As luzes piscando..."
"Agora eu sei" disse Poole. Ele tinha razão, cada furo coberto significara o
desaparecimento de algum objeto em sua realidade mundial.
De pé, ele disse: "Te vejo mais tarde Danceman. Eu tenho que voltar para o meu
apartamento, estou trabalhando em algo. Boa-noite".
Saiu do bar e na rua procurou um táxi.
Nenhum táxi.
Eles também, pensou. Eu me pergunto o que mais eu fiz desaparecer. As prostitutas? As
flores? Prisões?
No estacionamento do bar, o veículo de Danceman.
Vou usá-lo, decidiu. Ainda há táxis no mundo de Danceman, ele pode conseguir um
mais tarde. De qualquer forma é um carro da empresa, e tenho uma cópia da chave.
Agora ele estava à caminho, voltando para seu apartamento.
Nova York não tinha retornado.
À esquerda e à direita veículos e edifícios, ruas, pedestres, placas... e no centro nada.
Como posso voar para lá? se perguntou. Eu desapareceria. Ou não?
Voou em direção ao nada.
Fumando um cigarro atrás do outro, voou em círculos por quinze minutos... e em
seguida, silenciosamente, Nova York reapareceu.
Ele poderia terminar a sua viagem.
Apagou o cigarro (um desperdício de algo tão valioso) e disparou na direção de seu
apartamento.
Se eu inserir uma tira opaca, ponderou destravando a porta do apartamento, posso...
Seus pensamentos cessaram. Alguém estava sentado em sua cadeira, na sala, assistindo
ao capitão Kirk na TV.
"Sarah" disse ele irritado.
Ela levantou-se graciosa.
"Você não estava no hospital, então eu vim até aqui. Ainda tenho a chave que você me
deu em Março, antes daquela briga. Oh... você parece tão deprimido".
Ela veio até ele, olhando para o seu rosto.
"Será que o seu ferimento dói tanto assim?"
"Não é isso."
Tirou o paletó, gravata, camisa, e então seu painel do peito; colocando-o ao chão,
começou a vestir as luvas para manusear as microferramentas.
Parou e olhou para ela e disse: "Descobri que sou uma formiga elétrica. O que sob um
ponto de vista abre para mim algumas possibilidades, e estou explorando-as agora".
Ele flexionou os dedos e no outro extremo do braço remoto, uma microchave de fenda
moveu-se, ampliada pelo sistema de lentes.
"Você pode assistir" informou-a. "Se assim desejar."
Ela começou a chorar.
"Qual é o seu problema?" disse brava, sem olhar para o que ele fazia. "Eu... é tão triste.
Você foi um patrão tão bom para todos nós da Tri-Plan. Nós o respeitávamos. E agora
está tudo mudado".
A fita de plástico possuía uma margem não perfurada no topo e abaixo, ele escolheu
uma tira horizontal, muito estreita, então, após um momento de grande concentração,
cortou a fita a quatro horas de distância da cabeça de leitura. Em seguida, a girou em
ângulo reto em relação ao leitor-scanner, fundindo-a no lugar desejado, com um
microponto de calor, então recolocou o carretel de fita fixando o lado esquerdo e o
direito. Ele tinha, de fato, inserido um "espaço morto" de vinte minutos no fluxo de
desdobramento de sua realidade.
Faria efeito, segundo seus cálculos, poucos minutos depois da meia-noite.
"Você conserta a si mesmo?" Sarah perguntou timidamente.
Poole disse: "Eu estou me libertando."
Além disso, ele tinha diversas alterações em mente. Mas primeiro ele teria que testar sua
teoria, a do branco, da fita não perfurada não significar estímulos, neste caso, a falta de
fita...
"Esse olhar em seu rosto" disse Sarah.
Ela começou a recolher sua bolsa, o casaco, a revista audiovisual.
"Vou embora, posso ver como você se sente sobre encontrar-me aqui."
"Fique" disse ele. "Eu vou ver o capitão Kirk com você."
Ele vestiu sua camisa.
"Lembra-se de anos atrás, quando existiam... quantos? Vinte ou vinte e dois canais de
TV? Antes de o governo fechar os independentes?”
Ela assentiu com a cabeça.
"Como seria" disse ele "se este televisor projetasse todos os canais na tela de raios
catódicos ao mesmo tempo? Poderíamos distinguir algo na mistura das imagens?"
"Penso que não."
"Talvez pudéssemos aprender. Aprender a ser seletivos, perceber o que queremos e o
que não. Pense nas possibilidades, se o nosso cérebro pudesse lidar com vinte imagens
de uma só vez, pense na quantidade de conhecimento que poderia ser armazenada
durante um determinado período de tempo. Gostaria de saber se o cérebro, o cérebro
humano..." Ele parou. "O cérebro humano não poderia fazê-lo" disse ele, na verdade,
refletindo sobre si mesmo. "Mas em teoria, um cérebro semi-orgânico pode."
"É isso o que você possui?" Sarah perguntou.
"Sim", disse Poole.
Eles assistiram o Capitão Kirk até o fim, e então foram para a cama.
Mas Poole sentou-se contra os seus travesseiros, fumando e meditando. Ao seu lado
Sarah mexeu inquieta, querendo saber por que ele não desligava a luz.
23:50. Poderia acontecer a qualquer momento agora.
"Sarah" disse ele. "Quero sua ajuda. Em poucos minutos algo estranho vai acontecer
comigo. Não vai durar muito tempo, mas eu quero que você me assista com atenção.
Veja, se eu..." Ele fez um gesto. "Avise se algo mudar. Se eu parecer adormecer, ou se
começar a falar bobagem, ou..." Ele quis dizer, se eu desaparecer. Mas não disse.
"Não farei nenhum mal a você, mas acho que seria uma boa idéia se você estivesse
armada. Você trouxe sua arma anti-assalto com você?"
"Na minha bolsa."
Ela ficou totalmente desperta agora, sentada na cama. Olhava para ele com medo, os
ombros amplos, bronzeados e sardentos, na luz vinda da sala.
Ele pegou sua arma para ela.
O quarto se imobilizou.
Em seguida, as cores começaram a escorrer. Objetos diminutos, até a fumaça, voaram
para as sombras. A escuridão cobriu os objetos do quarto como uma película.
O ultimo estímulos morria, Poole pensou.
Apertou os olhos tentando enxergar. Viu Sarah Benton sentada na cama: uma figura
bidimensional como uma boneca, então ela desbotou e encolheu.
Rajadas aleatórias de substância desmaterializada moveram-se em nuvens instáveis, os
elementos colhidos, desmoronaram em seguida, recolhidos novamente.
E então o último ardor, energia e luz dissiparam-se, a sala fechou-se dentro de si
mesma, como se isolada da realidade. E nessa escuridão absoluta que substituía tudo, o
espaço sem profundidade não era escuro, mas sim duro e inflexível.
E além disso ele não ouviu nada.
Tentou tocar alguma coisa. Mas não tinha nada a alcançar.
A consciência de seu próprio corpo partiu-se com tudo mais no universo. Ele já não
tinha mãos, e mesmo se tivesse, não haveria nada para sentir.
Estou certo sobre a forma como a maldita fita funciona, disse a si mesmo usando a boca
inexistente para comunicar uma mensagem invisível.
Será que isso vai passar em dez minutos? se perguntou. Estou certo sobre isso também?
Ele esperou... mas sabia intuitivamente que o seu senso de tempo se fora com todo o
resto. Eu só posso esperar, ele concluiu. E espero que isso não vá demorar muito.
Para acalmar-me, pensou, vou tentar lembrar tudo o que começa com "A". Vejamos.
Pensou. Ameixa, automóvel, acksetron, atmosfera, atlântico, anúncio... ele pensou assim
por diante, categorias deslizando através de sua mente assustada.
De uma vez só a luz surgiu.
Ele estava deitado no sofá da sala, a luz do sol suave derramando através da única
janela. Dois homens estavam curvados sobre ele, suas mãos cheias de ferramentas.
O pessoal da manutenção, ele percebeu. Estão trabalhando em mim.
"Ele está consciente" um dos técnicos disse.
Ele se levantou. Sarah Benton, lutando com a ansiedade, o abraçou.
"Graças a Deus!" disse ela respirando aliviada na orelha de Poole. "Tive tanto medo,
chamei Mr. Danceman..."
"O que aconteceu?" Poole interrompeu-a asperamente. "Comece do começo e pelo amor
de Deus, fale devagar para que eu possa assimilar tudo isso."
Sarah se recompôs, parou de esfregar o nariz e depois disse nervosa:
"Você desmaiou. Ficou ali deitado como se estivesse morto. Esperei até as duas e meia
e você não recobrou. Liguei para Mr. Danceman, acordando-o infelizmente, e ele
chamou a manutenção para formigas elétrica... quero dizer, o pessoal de manutenção
dos robôs biológicos, e esses dois homens chegaram cerca de quatro e quarenta e cinco,
e estão trabalhando em você desde então. E agora são seis e quinze da manhã e eu estou
com muito frio e quero ir para a cama, não posso ir ao escritório hoje, realmente não
posso." Ela afastou-se fungando. O som o irritou.
Um dos homens uniformizados da manutenção disse:
"Você esteve brincando com sua fita de realidade."
"Sim" disse Poole.
Por que negar? É óbvio que eles haviam encontrado a fita inserida.
"Eu não deveria ter ficado fora por tanto tempo" disse Poole. "Inseri uma tira de dez
minutos apenas."
"Isso desligou o transporte da fita" explicou o técnico. "A fita parou de se mover, ficou
presa, e o mecanismo automaticamente desligou para evitar rasgar a fita. Por que você
quer mexer com isso? Você não sabe o que você poderia fazer?"
"Não tenho certeza" disse Poole.
"Mas você teve uma ideia."
Poole disse amargo: "É por isso que eu estou fazendo isso."
"Sua brincadeira" o homem de manutenção disse "vai lhe custar noventa e cinco sapos.
Pode pagar em prestações, se assim o desejar."
"Tudo bem", disse ele sentando-se tonto, esfregou os olhos e fez uma careta. Sua cabeça
doía e seu estômago estava completamente vazio.
"Raspe a fita da próxima vez" disse o técnico principal para ele. "Dessa forma ela não
causará obstrução. Não lhe ocorreu que havia um fator de segurança embutido? É
melhor parar do que..."
"O que aconteceria" Poole interrompeu-o com sua voz baixa e intencionalmente
cuidadosa. "Se nenhuma fita passar pelo leitor-scanner? Nenhuma fita... nada. A
fotocélula brilhando sem impedância?”
Os técnicos se entreolharam. Um deles disse:
"Todos os neurocircuitos seriam acessados e ocorreria um curto-circuito."
"O que significa?" Poole disse.
"Significa o fim do mecanismo."
Poole disse: "Examinei o circuito. Ele não carrega voltagem suficiente para isso. Não
iria fundir sob tais cargas de corrente, mesmo se os terminais se tocassem. Estamos
falando de um milionésimo de um watt por um canal de césio, talvez o décimo sexto de
uma polegada de comprimento. Vamos supor que existe um bilhão de combinações
possíveis em um instante, decorrentes dos furos na fita. A saída total não é acumulativa,
a quantidade de corrente depende da bateria para esse módulo, e não é muita. Com todas
as portas abertas e sendo acessadas."
"Está dizendo que estamos mentindo?" um dos técnicos perguntou cansado.
“Por que não?” Poole disse. "Tenho a oportunidade de experimentar de tudo.
Simultaneamente. Para conhecer o universo e seus elementos, para estar
momentaneamente em contato com toda a realidade. Algo que nenhum ser humano
pode fazer. Uma partitura sinfônica entrando em meu cérebro de fora do tempo, todas as
notas, todos os instrumentos soando de uma vez. E todas as sinfonias. Percebe?"
"Isso vai te destruir" os técnicos disseram juntos.
"Eu não penso assim" disse Poole.
Sarah disse: "Você gostaria de uma xícara de café, Sr. Poole?"
"Sim" ele disse, se abaixou flexionando, pressionou os pés contra o chão frio e
estremeceu. Então levantou-se. Seu corpo doía. Estivera deitado durante toda a noite no
sofá, pensou. Pensando bem, eles poderiam ter feito melhor do que isso.
Na mesa da cozinha, no canto distante da sala, Garson Poole experimentou do café em
frente a Sarah. Os técnicos há muito haviam ido embora.
"Você não vai tentar outras experiências com você, não é?" Sarah pediu
melancolicamente.
Poole respondeu gentil: "Eu gostaria de controlar o tempo. Para revertê-lo."
Vou cortar um segmento de fita, pensou ele, e colá-lo de cabeça para baixo. As
seqüências de causalidade então, fluirão de outra maneira. Eu vou andar para trás no
telhado, de volta para minha porta, empurrar uma porta trancada, andar para trás até a
pia, onde eu vou fazer crescer uma pilha de louça suja. Sentarei nesta mesa diante da
pilha, preencherei cada prato com alimentos produzidos a partir de meu estômago... Eu,
então, transferirei os alimentos a geladeira. No dia seguinte, eu vou levar a comida da
geladeira, embalar em sacos, carregar as sacolas de supermercado, distribuir a comida
aqui e ali nas prateleiras da loja. Na caixa registradora vão me pagar para isso. Os
alimentos serão embalados com outros alimentos em grandes caixas de plástico,
transportadas para fora da cidade, para as fabricas hidropônicas no Atlântico, onde
voltarão para as árvores e arbustos ou para os corpos de animais mortos ou empurradas
profundamente dentro do solo. Mas o que tudo isso prova? Uma fita de vídeo em
execução para trás... Gostaria de saber mais do que eu sei agora, e que não é suficiente.
O que eu quero, ele deu-se conta, é a final e a absoluta realidade, mesmo que por um
microssegundo. Depois disso, não importa, porque tudo será conhecido, nada será
deixado para entender ou ver.
Eu poderia tentar outra mudança, disse para si mesmo. Antes de tentar cortar a fita.
Vou fazer novos buracos na fita e ver o que acontece. Vai ser interessante, porque eu
não sei o que os buracos que eu farei significarão.
Usando a ponta de uma microferramenta, fez vários buracos, ao acaso, na fita. O mais
próximo do leitor-scanner que podia... não queria esperar.
"Eu me pergunto se você irá ver também" disse para Sarah. Aparentemente não iria, na
medida em que podia extrapolar. "Alguma coisa pode aparecer" disse para ela. "Só
quero te avisar, não quero que tenha medo."
"Oh, querido" disse Sarah frágil.
Ele examinou o seu relógio de pulso. Um minuto passou, em seguida outro e um
terceiro.
E então ...
No centro da sala surgiu um bando de patos verdes e pretos. Eles gritavam excitados,
levantando-se do chão, arremetendo-se contra o teto numa massa de penas e asas
frenéticas na ânsia, guiada pelo instinto, de fugir.
"Patos" disse Poole, maravilhado. "Eu furei um vôo de patos selvagens."
Agora outra coisa apareceu. Um banco de jardim com um homem, idoso e esfarrapado,
sentado e lendo um jornal rasgado e dobrado. Ele olhou para cima, mal enxergando
Poole, sorriu brevemente para ele com dentaduras feias, e depois voltou sua atenção ao
seu jornal dobrado.
"Você o vê?" Poole perguntou a Sarah. "E os patos?".
Naquele momento, os patos e o mendigo do parque desapareceram. Nada restou deles.
O intervalo dos buracos feitos por ele, haviam passado rapidamente.
"Eles não eram reais" disse Sarah. "Eram? Então como eu..."
"Você não é real" Poole disse para Sarah. "Você é um fator de estímulo na minha fita de
realidade. Uma perfuração que pode ser coberta... Será que você também têm uma
existência em outra fita de realidade, ou em uma realidade objetiva?"
Ele não sabia, não podia dizer. Talvez Sarah não soubesse também. Talvez ela tenha
existido em mil fitas de realidade, talvez em cada fita já fabricada.
"Se eu cortar a fita" disse ele "você vai estar em toda parte e em lugar nenhum. Como
tudo no universo. Pelo menos o tanto quanto eu estou ciente disso."
Sarah hesitou: "Eu sou real."
"Eu saberei" disse Poole. "Para isso preciso cortar a fita. Se eu não fizer isso agora, vou
fazê-lo outra hora qualquer, é inevitável que, eventualmente, eu vá fazê-lo."
Então por que esperar? se perguntou. E há sempre a possibilidade de que Danceman
tenha contado o ocorrido ao meu criador, e que estejam se preparando para me tirar do
comando. Porque, talvez, eu esteja colocando em risco a sua propriedade... eu.
"Você me faz desejar voltar ao escritório, mesmo depois de tudo que aconteceu" disse
Sarah com tristeza e o rosto voltado para baixo.
"Pode ir", disse Poole.
"Eu não quero deixá-lo sozinho."
"Eu vou ficar bem" disse Poole.
"Não, você não vai ficar bem. Você irá desconectar-se ou algo assim, se matar, porque
você descobriu que é só uma formiga elétrica e não um ser humano."
"Talvez sim" ele diz. Talvez se resuma a isso.
"E eu não posso evitar que o faça" disse ela.
"Não". Ele balançou a cabeça em concordância.
"Mas eu vou ficar" disse Sarah. "Mesmo que eu não possa fazê-lo. Porque se eu sair e
você se matar, vou sempre perguntar-me para o resto da minha vida o que teria
acontecido se eu tivesse ficado. Compreende isso?"
Novamente ele concordou.
"Vá em frente então" disse Sarah.
Ele levantou-se.
"Não é dor o que vou sentir" disse para ela. "Embora possa parecer. Tenha em mente o
fato de que os robôs orgânicos têm o mínimo de circuitos de dor neles. Irei experimentar
a mais intensa..."
"Não me diga mais nada" ela interrompeu-o. "Se for fazer então faça-o, senão não faça."
Desajeitado, porque estava com medo, ele remexeu com suas mãos as luvas de controle,
e chegou a pegar uma pequena ferramenta: uma lâmina afiada.
"Cortarei a fita dentro do painel do meu peito" disse enquanto olhava através do sistema
de lentes ampliadoras. Isso é tudo! Sua mão tremia quando levantou a lâmina de corte.
Em um segundo poderia estar feito, pensou. Tudo acabado. E...eu ainda terei tempo para
colar as extremidades cortadas da fita. Meia hora depois pelo menos. Se mudar de ideia.
Cortou a fita.
Olhando para ele, encolhida, Sarah sussurrou: "Nada aconteceu".
"Temos trinta ou quarenta minutos."
Ele sentou à mesa da cozinha, depois de ter retirado as luvas.
Sua voz, percebeu, estava alterada, sem dúvida. Sarah estava ciente disso, e ele sentiu
raiva de si mesmo, sabendo que havia alarmado-a.
"Sinto muito" disse ele irracionalmente. Ele queria se desculpar com ela.
"Talvez você devesse sair" disse em pânico e novamente se levantou.
Ela também o fez, repetindo-o, como se a imitá-lo; gorda e nervosa.
"Vá embora" disse ele grosseiramente. "Volte para o escritório, que é onde você deveria
estar. Onde nós dois deveríamos estar."
Vou colar a fita, disse para si mesmo, a tensão é grande demais para suportar.
Suas mãos alcançaram as luvas, e as puxou sobre os dedos esticando-a.
Perscrutando a tela da ampliação, viu o raio do brilho fotoelétrico apontado diretamente
para o leitor-scanner, ao mesmo tempo viu o final da fita a desaparecer sob ele... viu e
compreendeu que estava muito atrasado, pensou. Já havia acontecido.
Deus, pensou ele, me ajude.
A velocidade da fita acelerara em uma taxa maior do que a calculada.
Então é agora que...
Viu maçãs e paralelepípedos e zebras. Sentiu calor, a textura da seda de suas roupas,
sentiu o oceano o acertando e um grande vento do norte, como se a levá-lo para algum
lugar. Sarah era tudo ao redor dele, e Danceman... New York brilhava na noite, e os
foguetes sobre ele saltavam através do céu noturno e diurno, e inundações e secas.
Relaxado tal líquido em sua língua, ao mesmo tempo em que odores repugnantes e
gostos o assaltavam: como a presença amarga de venenos e limões, e as lâminas de
grama do verão.
Ele se afogou, ele caiu, estava nos braços de uma mulher em uma cama grande e branca
que, ao mesmo tempo soava estridente em seus ouvidos: como o sinal de alerta de um
elevador com defeito em um dos antigos hotéis abandonados do centro.
Eu estou vivendo, eu vivi, eu nunca vou viver, disse para si mesmo, e com seus
pensamentos vieram cada palavra, cada som; insetos guincharam e correram, e ele
afundou parcialmente no complexo de máquinas homeostáticas localizada em algum
lugar nos laboratórios da Tri-Plan.
Ele queria dizer algo para Sarah. Abrindo a boca, tentou trazer palavras... uma
seqüência específica delas, da enorme massa de palavras iluminadas em sua mente,
chamuscando-lhe com o seu significado total.
Sua boca queimou. Ele questionou o porquê.
Congelada contra a parede, Sarah Benton abriu os olhos e viu a coluna de fumaça
subindo da boca semi-aberta de Poole.
Em seguida, o robô caiu, firmando-se nos cotovelos e joelhos, para em seguida,
espalhar-se lentamente, quebrado, amassado.
Ela sabia, sem examiná-lo, de que tinha "morrido".
Poole fez isso a si mesmo, pensou. Não podia sentir dor, dissera. Ou pelo menos não
muita, talvez um pouco. De qualquer forma, agora estava acabado
Melhor chamar o Sr. Danceman e dizer-lhe o que aconteceu, ela decidiu.
Ainda abalada, caminhou através do quarto para o telefone, pegou-o e discou de
memória.
Ele pensou que eu era um fator de estímulo em sua fita de realidade, disse para si
mesma. Por isso, pensei que iria morrer quando ele "morreu". Que estranho, pensou. Por
que imaginar isso? Ele nunca estivera ligado ao mundo real, "vivia" em um mundo
eletrônico próprio. Que bizarro.
"Sr. Danceman" disse ela quando a conexão com seu escritório foi estabelecida. "Poole
se foi. Destruiu-se diante dos meus olhos. É melhor você vir".
"Então nós estamos finalmente livres dele."
"Sim, não vai ser bom?"
Danceman disse: "Vou enviar alguns homens da empresa."
Ele viu por detrás dela, a visão de Poole caído junto à mesa da cozinha.
"Você vai para casa e descanse" instruiu Sarah. "Deve ter sido desgastante tudo isso."
"Sim" disse ela. "Obrigado, Sr.Danceman".
Desligou e ficou parada de pé, sem rumo.
E então percebeu algo.
Minhas mãos, pensou. Ela segurou-as. Por que é que eu posso ver através delas?
As paredes da sala, também, tornaram-se mal definidas.
Tremendo, ela voltou-se para o robô inerte, ficou ao lado dele, sem saber o que fazer.
Viu através de seus pés o tapete, em seguida, o tapete tornou-se indistinto, e viu mais
camadas de matéria desintegrar-se além.
Talvez se eu poder colar a fita novamente, pensou.
Mas ela não sabia como. E Poole já tinha se tornado vago.
O vento da madrugada soprou sobre ela. Ela não sentiu, ela tinha começado agora a
deixar de sentir.
E o vento soprou.
FIM.