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Philippe Lamy

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Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Traba-lhadores – Brasil – www.pt.org.br

Iole Iliada Lopes – Secretária de Relações Internacionais do PT

Coordenação: Beluce Bellucci

Diagramação: Sandra Luiz Alves

Equipe da Secretaria:Edma Valquer ([email protected]); Fábio El-Khouri ([email protected]); Wilma dosReis ([email protected]); Valter Pomar – Membro da Direção Nacional e Se-cretário Executivo do Foro de São Paulo (pomar.valter @gmail.com).

PARTIDO DOS TRABALHADORES – Integrantes da CEN para o biênio 2010/2014Comissão Executiva Nacional (CEN) – (Direito a voto e voz)Rui Falcão – Presidente; José Guimarães – Vice-presidente; Fátima Bezer-ra – Vice-presidente; Elói Pietá – Secretário Geral; João Vaccari Neto – Secre-tário de Finanças; Paulo Frateschi – Secretária de Organização; André Vargas –Secretário de Comunicação; Renato Simões – Secretário de MovimentosPopulares; Jorge Coelho – Secretário de Mobilização; Carlos Henrique Ára-be – Secretário de Formação Política; Geraldo Magela – Secretário de AssuntosInstitucionais; Iole Ilíada Lopes – Secretária de Relações Internacio-nais; Humberto Costa – Líder do PT no Senado; Paulo Teixeira – Líder do PTna Câmara; Maria do Carmo Lara – Vogal; Benedita da Silva – Vogal; MarienePantoja – Vogal; Arlete Sampaio – Vogal; Virgílio Guimarães – Vogal; FátimaCleide – Vogal

Membros observadores da CEN – (Direito a voz sem direito a voto)João Felício – Secretário Sindical Nacional; Valdemir Rodrigues Pascoal –Secretário Nacional da Juventude; Edmilson Souza – Secretário Nacional deCultura; Júlio Barbosa – Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvol-vimento; Laisy Moliére – Secretária Nacional de Mulheres; Cida Abreu – Secre-tária Nacional de Combate ao Racismo; Elvino Bohn Gass – Secretário Nacio-nal Agrário

São Paulo – Rua Silveira Martins, no 132, Centro, CEP 01019-000São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] – Tel. (+5511) 3243-1377

Fax (+5511) 3243-1359.Brasília – SCS Quadra 2 – Bloco C – no 256 – Edifício Toufic

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Índice

Apresentação ....................................................5

A Ocupação Colonial da África. Da Conferênciade Berlim à Primeira Guerra Mundial...............7

Notas .............................................................59

Referências bibliográficas ................................63

O autor ..........................................................65

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Apresentação

O continente africano sempre teve importância ímpar para oPartido dos Trabalhadores. Mas foi somente após o início daadministração Lula, com o incremento das relações governa-mentais, que o PT acentuou práticas com o continente paraalém das definições de princípios. Assim, já foram realizadosseminários e palestras no âmbito das Relações Internacionaissobre a temática, como agora esta edição de uma coleção espe-cífica sobre a África que a Secretaria de Relações Internacionaisdefiniu preparar e encarregou-me da coordenação.

Iniciada com o texto já editado Por que África? de BeluceBellucci e Luiz Carlos Fabbri, a coleção inclui Cadernos especí-ficos sobre os seguintes temas:

O Islã na África, de Maria do Carmo Ibiapina de Menezes; O tráfico transatlântico de escravos e o desenvolvimento

do capitalismo mercantil, de Luiz Carlos Fabbri; Escravidão e tráfico de escravizados, de Keila Grinberg e

Hebe Mattos. África no século XIX. O fim do tráfico e o início do colo-

nialismo, de Philippe Lamy. A Ocupação Colonial da África. Da Conferência de Berlim

à Primeira Guerra Mundial, de Philippe Lamy. A exploração colonial na África, de Beluce Bellucci e

Philippe Lamy

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África do Sul: Ocupação e apartheid, de Pablo de RezendeSaturnino Braga.

Finalmente, trará ainda ao debate assuntos contemporâneossobre a África, como as ideologias de emancipação, os processosde independência, a modernização, a experiência socialista, asrelações Brasil x África, e a atual conjuntura político-econômica.

Esta Coleção foi pensada para ser útil aos militantes e ativis-tas sociais, para permitir o conhecimento sobre o continenteafricano, a discussão e a formulação de políticas comuns, demaneira a aproximar conscientemente os nossos povos, supe-rando as lacunas do passado e ampliando caminhos para alémdas nossas origens comuns.

Beluce Bellucci

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A Ocupação Colonial da África.Da Conferência de Berlimà Primeira Guerra Mundial

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1. A Conferência de Berlim

1.1 As justificativas europeiasAs justificativas europeias da corrida para a África foram le-

var a civilização, a religião cristã, a liberdade de comércio, portermo à escravidão e permitir a pacificação no continente. Oargumento de base era de que o ingresso africano no mercadointernacional se traduziria numa evolução do continente, capazde pôr fim às hostilidades entre os diferentes povos africanos.

Essa perspectiva europeia no final de século XIX implicavano desprezo do período imediatamente anterior, quando, du-rante longo tempo, se estabeleceram relações comerciais e polí-ticas entre Estados europeus e os poderes locais africanos.

A primeira releitura sobre tais fatos passou a encarar a parti-lha como consequência da expansão do capitalismo europeu,fruto da revolução industrial, ansioso por novos mercados pro-dutores de matérias-primas e consumidores de produtos manu-faturados. Esta tese assumidamente econômica, tem como ca-racterística o desprezo da ação realizada pelos africanos, pois apartilha aparece, quase sempre, como via de mão única.

O quadro mais nítido de tal análise se consolida na imagemna maioria dos livros sobre a Conferência de Berlim, ocorridaentre novembro de 1884 e fevereiro de 1885. Esta geralmente é

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apresentada como o momento em que as potências europeiasteriam traçado o mapa da África unicamente de acordo com seusinteresses. Do ponto de vista historiográfico, essa interpretaçãovem fazer frente a uma história ainda presa aos grandes persona-gens – militares e diplomatas – que teriam efetuado a partilha.

As alterações no modo de fazer história, no decorrer do sécu-lo XX, foram responsáveis por algumas mudanças, principal-mente de perspectiva, em relação à análise acentuadamente eco-nômica. A procura por uma nova interpretação dos documen-tos e a constante busca de fontes alternativas, que proporcio-nassem indícios complexificadores, mas que ao mesmo tempoauxiliassem na explicação de pontos ainda questionáveis, abri-riam as portas para novas pesquisas e também para novos argu-mentos sobre o tema.

1.2 Novas perspectivasOs novos trabalhos, em especial a produção dos historiadores

africanos, passaram a demonstrar que a relação entre a África e aEuropa tinha uma historicidade e que a partilha não poderia serestudada sem a incorporação desse passado. Passou a ser enfatizadoo fato de que os africanos não entraram na História com a che-gada dos europeus e muito menos no século XIX.

A proposta era ainda solucionar algumas questões que per-maneciam sem resposta:

Por que, após tanto tempo de relações comerciais, só no final doséculo XIX foi proposta uma dominação de tipo colonial formal?

Por que houve penetração colonial anterior na América e naÁsia e não na África?

Por que os europeus nunca conseguiram chegar às fontes afri-canas produtoras de ouro?

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Geralmente se respondia a essas questões apelando para oclima, para as doenças e para o desconhecimento do terreno.Mas tais problemas logísticos também foram encontrados emoutros continentes.

Até meados do século XIX, a Europa não tinha condições deinvestir em uma guerra de grandes proporções contra as estru-turas políticas africanas, algumas solidamente estabelecidas emesmo muito bem armadas. Por outro lado, até aquele mo-mento, a África fornecia ouro e escravos ao mercado internaci-onal através do comércio.

As novas considerações nesse campo de estudo não preten-dem argumentar que a África não tivesse interesse econômicopara a Europa, ou melhor, que o objetivo europeu não fosseprimordialmente econômico. As perspectivas que se anunciambuscam discutir as influências da conjuntura internacional nomomento da corrida para a África.

Não obstante a parceria comercial assinalada entre africanos eeuropeus, tornava-se cada vez mais evidente a importância estra-tégica da África. O continente poderia fornecer aos europeus,diretamente e sem os encargos dos Estados americanos, bens pre-ciosos para o crescimento europeu, tais como alimentos e matéri-as-primas, e irá se concretizar na dominação colonial formal.

1.3 Mudança de agente econômicoAté os finais do século XVIII e início do XIX, o interesse

privado europeu na relação com o continente africano prevale-ceu sobre o estatal. Os pontos de soberania europeus eram ra-ros. No início do século XIX, aumentou o número de posses-sões europeias, mas na sua quase totalidade estavam concentra-das ainda na costa. Esse quadro diz respeito sobretudo à região

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sul-saariana, à exceção do extremo sul do continente, onde des-de o século XVII se estabeleceu um crescente número de euro-peus, embora naquele momento não vinculados a nenhumapotência europeia.

No extremo oposto, na região norte da África, os interesseseuropeus, em especial franceses, se infiltraram prematuramen-te. A França invadiu a Argélia em 1830 e passou boa parte doséculo XIX para consolidar seu controle na região, principal-mente em relação aos grupos islâmicos do leste e do sul doterritório. No entanto, ao longo do século XIX, à exceção dessaparte norte do continente, a disputa dos diferentes interesseseuropeus para interligar as posições no terreno manteve certaautonomia em relação aos governos centrais.1

Os agentes locais, militares e exploradores, até o fim do sécu-lo XIX2, detinham o poder de realizar tratados em nome dassuas potencias, com os chefes tradicionais, e assim assegurar ocontrole sobre determinada região. Importante destacar que aÁfrica, para boa parte dos governos europeus, não era da alçadada diplomacia, mas sim dos militares, quase sempre da mari-nha. (Brunschwig, 1993)

1.4 Os exploradores e as descobertas mineraisAs expedições de europeus pelo continente africano, que vi-

nham ocorrendo desde o século XVIII, tiveram a função demapear as riquezas e as formas de acesso ao território. Nomescomo os de Livingstone, Stanley, Burton e Speke deixaram aspáginas exclusivas dos boletins das sociedades de geografia epassaram a povoar as manchetes dos periódicos da época.

Suas viagens através do continente africano eram acompanha-das pelos jornais europeus e até mesmo norte-americanos. Al-

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guns deixaram para trás a fama de cientistas e escritores aventu-reiros e assumiram a posição de homens de negócio, passando acuidar da exploração dos produtos comercializados na África.

Nas últimas décadas do século XIX, novos fatos se sucede-ram e o ritmo desse intercâmbio mudou drasticamente. Em1867, deu-se a descoberta de diamantes no Transvaal, África doSul, e, em 1881, de ouro no Rand, também África do Sul, e decobre na Rodésia do Norte, atual Zâmbia. Logo se iniciou umperíodo conturbado de disputas acirradas entre aventureiros pelafortuna fácil. Acima de tudo, a repercussão dessas descobertaspromoveu alterações nas posturas desenvolvidas pelos poderescentrais europeus até aquele momento.

Após a solução dos impasses provocados pela guerra franco-prussiana, em 1871, na qual a França perdera Alsácia e Lorena– parte do processo histórico de unificação da Alemanha –, aspotências europeias procuraram evitar gastos na partilha africa-na. Passaram a delimitar áreas de influência nos territórios, comperspectiva de no futuro mobilizar investimento privado para aempreitada que se anunciava de grande envergadura.

Não se produziu uma disputa imediata. A primeira ação foireforçar a diplomacia através dos agentes locais, que se multi-plicaram à procura de estabelecer o maior número possível detratados com os chefes africanos. Para se ter ideia dessa etapa decorrida diplomática, entre 1819 e 1890, a França fez 344 trata-dos com chefes africanos e 118 antes de 1880.

O princípio de ocupação efetiva definido na ata final daConferência de Berlim3 foi substituído na prática pelo conceitode zonas de influência, do inglês: spheres of influence (apareceno acordo anglo-alemão de 29/04/1885), próximo do hinterlandalemão. O conceito foi operacionalizado pela prática de assina-

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tura de tratados ou acordos de protetorado com os chefes deterritórios africanos. Esses tratados deveriam ser notificados àsdemais potências e permitiam protelar “por prazos bastante lon-gos, 25 a 30 anos”, a ocupação efetiva do território do estadoafricano protegido. Sem ocupação efetiva neste período, o trata-do se tornaria coisa nula. (Brunschwig, 1993)

Vale realçar que a própria ideia de protetorado não eratraduzida com exatidão para os chefes africanos. Estes, em tro-ca de alguns tecidos, pólvora e álcool, deveriam ceder o controlede extensas faixas de terra a governantes europeus. Para com-pletar o quadro, muitos desses europeus, responsáveis pela cele-bração dos acordos, apresentavam-se de forma humilde, semassessores, e pedindo em troca pelos produtos oferecidos a con-cordância em um documento escrito em língua desconhecidados africanos. O curioso é que as próprias chancelarias europeiaseram enganadas com tratados falsos. Chefias africanas e pontosgeográficos eram muitas vezes inventados pelos exploradores.

1.5 A volta dos comerciantesSe num primeiro momento os comerciantes europeus não es-

tavam interessados na partilha formal, isto é, no colonialismo –já que esta poderia significar direitos alfandegários e outras limi-tações –, a crescente concorrência acabou por alterar o cenário.Os mesmos comerciantes, com o aumento do interesse europeusobre o continente, passaram a pedir a interferência do Estado.

O alargamento das fronteiras coloniais proporcionaria impos-tos capazes de manter a jurisdição, enfrentaria interesses privadosdas outras nações e controlaria minimamente as guerras com eentre os africanos, que dificultavam o comércio e a arrecadação.Vale acrescentar que alguns comerciantes eram investidos de au-

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toridade para representar as potências europeias. Assim sendo, ointeresse em buscar anexações era acrescido da cobiça pessoal paraalcançar objetivos comerciais. (Mackenzie, 1994)

Os aspectos que fizeram acelerar a disputa se sucederam. Osmilitares franceses4 passaram a buscar uma recuperação de suaimagem junto à opinião pública francesa após a derrota para aAlemanha, e iniciaram, em meio a certa indiferença governa-mental, a montagem de um vasto território sob a sua guarda.

Na parte central da África, a disputa pelo rio Congo se in-tensificou. O rio passou a ser considerado fator fundamentalpara a exploração de parte significativa do interior do continen-te. Na parte norte-oriental, o complicado jogo de interesses einvestimentos em torno do canal de Suez (e do controle do valedo Nilo) ameaçaram as relações entre ingleses e franceses.

1.6 A Conferência de BerlimQuando da Conferência de Berlim (1884-1885), a corrida

para a África já havia começado. Inglaterra, França e o reiLeopoldo da Bélgica, principalmente, já dominavam espaços erealizavam tratados de comercio e soberania com os povos afri-canos. O encontro pretendia, entre outros objetivos, freá-la eregular os interesses para impedir o desentendimento entre asnações europeias. O chanceler alemão Otto Von Bismarck, re-ceoso do avanço da situação e de suas consequências para aperenização do Império Germânico – que havia conseguidounificar, em 1871, e desejoso de que a França esquecesse a per-da da Alsácia e da Lorena, sugeriu a Jules Ferry, primeiro-mi-nistro francês, convocar em conjunto a Conferência. A reuniãoestava, assim, inserida nesse contexto de investimentos priva-dos e pouca intervenção militar, em que a busca principal seria

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o comércio. Daí que o ponto de destaque tenha sido a discussãoa respeito da livre navegação nos rios Congo e Niger.

Os resultados da conferência ainda falaram de livre comér-cio, mesmo em caso de guerra, e da regulação das disputas.Não se pretendia uma divisão imediata, que pelas regras acor-dadas poderia ser onerosa e, finalmente, definiu-se pela ocupa-ção do interior para a demarcação do território.

África Colonial em 1887

A imagem imortalizada da Conferência, em que os diferen-tes representantes europeus rodeiam uma mesa, onde está aber-to um grande mapa da África, auxilia na manutenção da ideia

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recorrentemente apresentada de que a conferência teria sido res-ponsável pela partilha definitiva dos territórios africanos entreas nações europeias. Ela foi um aspecto importante de um pro-cesso extremamente complexo.

Mantendo a perspectiva de contenção dos gastos, os partici-pantes da conferência decidiram pelo princípio da notificação.Isto é, as nações deveriam comunicar entre si o seu interessesobre determinada região e demonstrar sua atuação nele. Essaestratégia fortaleceu o papel das companhias concessionárias,que retiravam encargos do Estado.

Para confirmar a preocupação financeira existente na época, osparcos orçamentos da Inglaterra para seus governantes coloniaisna África, na última década do século XIX, eram capazes de arcarcom o custo de menos de uma dezena de quadros europeus.

1.7 O equilíbrio europeuSe estudos recentes buscam realçar o papel dos africanos nes-

se cenário, uma análise equilibrada não pode deixar de levar emconta as disputas na própria Europa e seus novos reordenamentosnacionais. Bismarck, por exemplo, estava mais preocupado coma França e a Rússia, e as relações com a Inglaterra.

Com possibilidades e estratégias diferentes, Portugal eLeopoldo II da Bélgica também conseguiram, através de umdelicado jogo diplomático europeu, salvaguardar extensas áreascoloniais na África, apesar de suas diminutas proporçõesterritoriais, militares e políticas, quando comparados às demaispotencias europeias. No caso do rei belga, seus domínios naÁfrica eram pessoais e foram construídos sob a fachada de asso-ciações internacionais filantrópicas, que só em 1908 passou aocontrole do Estado belga.

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Outro fator europeu a influenciar nesse xadrez político e di-plomático foram os grupos de pressão. Homens de negócio,intelectuais e militares, todos próximos de políticos europeus,inclusive por vezes com relações familiares entre si, articulavame aceitavam a ideia de que seria uma perda estratégica nacionalnão partir para a África.

A capacidade de persuasão aumentava na medida que chega-vam na Europa notícias de lucros e da celebração de novos tra-tados entre potências coloniais e as autoridades locais africanas.O desenvolvimento tecnológico da época, capaz de proporcio-nar a industrialização de uma série de produtos africanos, comoa borracha, só viria a selar de vez a ambição reinante.

Somente alguns anos após a Conferência de Berlim, a partirde 1890, é que se acelerou a corrida para a África por parte dasnações europeias. Exatamente quando se substituiu a ideia denotificação e de ocupação, que vingou na Conferência, pelaideia de área (ou zona) de influência.

1.8 As causas da partilhaA Conferência deve ser encarada como uma etapa de um

longo processo de conquista do controle colonial da África pe-las potências europeias, que conheceu diferentes fases de inten-sidade e que assumiu o seu momento culminante nas duas últi-mas décadas do século XIX, e só alcançou maior solidez aolongo da segunda década do século XX.

Alguns autores amenizam a tese de cunho econômico afir-mando que, em seu conjunto, o continente africano foi o quemenos recebeu investimento estrangeiro até a Primeira Guerra.Para J. Mackenzie (199: 63), um desses historiadores, “a parti-lha da África parece ter emergido de uma combinação de espe-ranças exageradas com preocupações excessivas”.

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Para o avanço da partilha, a elite europeia teve um papel im-portante, bem como a passagem da primeira revolução industrial– carvão e ferro – para a segunda – energia elétrica e aço, propi-ciando ambições e condições econômicas novas, além do contex-to político das disputas entre africanos e entre europeus.

De forma menos ousada, Olivier (1994: 200) afirma que a“soberania colonial oferecia o meio através do qual as potênciascoloniais se assegurariam contra o protecionismo comercial queseria praticado pelos rivais da Europa, na medida em que aconcorrência por mercados se tornasse mais acirrada”.

Cabe ainda realçar o avanço tecnológico conquistado peloseuropeus. Se este avanço não pode ser considerado como o motordo processo de colonização, deve ser visto como instrumentoque possibilitou tal ação. Podem ser lembrados os avanços damedicina (o quinino, no combate à malária), da indústria béli-ca (a metralhadora), das comunicações (o telégrafo), dos trans-portes (a ferrovia e o navio a vapor), entre outros.

1.9 Um novo mapaO desenho do mapa político da África que se conhece hoje é

fruto desse período, das ações e reações européias e tambémafricanas. Ainda que o colonialismo, posteriormente, tenha sidosuperado pelos povos africanos, as fronteiras estabelecidas pelosinteresses europeus, desrespeitando tradições e conexões locaise regionais, permanecem em vigor até os dias de hoje, o querealça a importância do processo de partilha.

Mais de 10.000 entidades políticas – tribos, reinos, etc.- fi-nalizaram por ser condensadas nos 54 estados atuais, no pro-cesso de colonização da África, concluído na Grande Guerra,com a incorporação do Marrocos pela França, em 1911, e aocupação definitiva do Egito pela Inglaterra, em 1914.

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As fronteiras, ao serem mantidas em função da recusa políti-ca de uma nova arquitetura no momento da descolonização,demarcaram os novos Estados nacionais e ganharam, por vezes,uma dimensão formal, em muitos casos inexistente nos perío-dos colonial e pré-colonial.

Apesar de todas essas circunstâncias, a Conferência de Berlimfoi a primeira conferência internacional sobre a África. Foi umaconferência entre europeus tomando consciência da importân-cia deste continente, antes mesmo que os próprios africanos.

1.10 Mapa colonial da África em 1914

Note bem: África do Sul, independente desde 1910, Etiópia, nãocolonizada, e Egito, ainda independente, não figuram nas coresda legenda acima, que apontam apenas os países colonizados.

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A África Ocidental Francesa, AOF, era o domínio colonialque incluía os atuais Mauritânia, Senegal, Guiné Conacri, Costado Marfim, Benin, Mali, Burquina Faso e Níger.

A África Equatorial Francesa, AEF, compreendia os atuaisCongo (Brazaville), Gabão, República Centro-Africana (ex-Ubangui-Chari) e Chade.

2. Ocupação e resistência

2.1 Modalidades da ocupaçãoAcertadas as regras de ocupação de territórios na África e as

modalidades do seu reconhecimento pelas potências coloniza-doras europeias, a partilha da África, iniciada antes da Confe-rência de Berlim pela França e pela Inglaterra, se acelerou.

Os objetivos da colonização visaram o monopólio do comér-cio internacional dos países africanos. Esse processo, entretan-to, não se deu pacificamente. A resistência partiu, geralmente,dos povos do interior, mais que dos povos do litoral. Estes,comprometidos com o tráfico, estavam em transição para ou-tras atividades.

O procedimento para controlar os territórios africanos atra-vés da assinatura de tratados de protetorados, que pretendia dartranquilidade ao processo de ocupação entre os colonizados,provocou uma corrida às aldeias para “chegar primeiro” e “ven-der proteção e exclusividade de comércio” aos reis locais, e as-sim, “comprovar” no âmbito internacional europeu a extensãodo seu domínio. Isso provocou muitas vezes conflitos entre oscolonizadores. Na África oriental entre alemães e ingleses, e naocidental entre franceses e ingleses.

Esses conflitos, porém, nunca resultaram em choques mili-tares, sendo sempre resolvidos, na Europa, pela via política, pois

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existia um “acordo de cavalheiros” entre colonizadores para nãodar aos africanos mostra de contradição entre eles.

A ocupação dos territórios africanos de Angola e Moçambi-que por Portugal era mais teórica do que real. Os comerciantesagiam mais do que os militares ou a administração colonial. Asregras para ocupação da África forçaram os políticos portugue-ses a formar uma bancada parlamentar colonialista, de váriospartidos, que votavam em comum em prol da questão colonial,visando conseguir recursos para efetivar a ocupação lusa.

Movimento semelhante foi notado também na França, naInglaterra, na Alemanha e na Itália (para a conquista da Somáliae da Líbia), onde setores da sociedade votavam pela obtençãode recursos orçamentários para a colonização.

Surgiram então, as companhias concessionárias5. Eram em-presas internacionais privadas, com direito de cobrar taxas emdinheiro ou em trabalho dos africanos, importar e exportar,realizar comércio, de criar e gerir grandes plantações, de cons-truir infraestruturas, garantir a ordem e os serviços de comuni-cação. Em contrapartida, pagavam uma taxa ao governo.

Em Moçambique, para dar continuidade à ocupação, o go-verno português, carente de recursos financeiros, entregou nes-se período a maior parte do país a companhias majestáticas decapital estrangeiro. Atuaram a Companhia do Niassa, Compa-nhia de Moçambique e a Companhia do Zambeze6.

Na África Equatorial, a França confiou a exploração de vastasexpansões territoriais às companhias à chartes, empresas privadasde capital francês: Compagnie Française d’Afrique Equatoriale e aCompagnie du Sénégal et de la Côte Occidentale de l’Afrique.

A Inglaterra concedeu carta a diversas companhias, como a BritishSouth Africa Company (BSAC), de Cecil Rhodes, que desempe-

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nhou papel importante na colonização na região austral, e a Impe-rial British East Africa Company (IBEAC), na África Oriental.

Os resultados econômicos foram diversos nas diferentes co-lônias e entre as companhias, mas as consequências sociais ondeatuaram foram sempre perversas para as populações locais.

Com o tempo, os atos de resistência – que se manifestavamde várias formas, brandas ou não – viraram habituais. Entre1920 e 1935, a situação se acomodou, até que a crise mundiallevou, de novo, os europeus a intensificarem a exploração e aextorsão das suas colônias, desta feita para se defenderem elesmesmos da nova conjuntura. Com isso voltaram as manifesta-ções populares e a repressão.

2.2 O comportamento das classes dominantes africanasPara as classes dominantes africanas, que viviam da arrecada-

ção de tributos e do comércio de escravos e de novos produtos,a ocupação colonial se traduziu em perda do poder e de receitas.Em compensação, como regra geral, essas classes foram cooptadaspelas potências colonizadoras para ajudar na coleta dos novosimpostos, em particular o imposto per capita, que substituiu oimposto de palhota7, e no recrutamento obrigatório de homenspara o transporte de cargas.

O recrutamento era feito, também, para a construção deinfraestruturas, em particular de ferrovias e rodovias. Os cam-poneses, além dos impostos a serem pagos, eram compelidos asair da sua aldeia para o trabalho obrigatório.

Nos territórios sob o controle de companhias privadas, comoem Moçambique, na África Equatorial Francesa ou no Congodo rei Leopoldo da Bélgica, a situação era ainda pior, na medi-da em que essas companhias não se preocupavam, por princí-

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pio administrativo, em aproveitar as hierarquias políticas e ét-nicas, e preferiam, em geral, recorrer diretamente a ameaças erepressões pela ação de milícias privadas que exerciam ação vio-lenta. Mas, mesmo assim, muitos africanos resistiam e preferi-am morrer queimados em suas casas a se deixarem recrutar parao trabalho forçado, considerado uma escravidão moderna.

Essas situações aconteceram em várias regiões africanas, fo-mentando novas revoltas e atos de resistência individual ou co-letiva. Essas revoltas conseguiram, como nunca antes, juntarvários grupos linhageiros, e mesmo étnicos, contra os coloniza-dores. Como exemplo, a revolta Magi Magi8 na África oriental,e a aliança das etnias Macua-Swaili, que resistiram aos portu-gueses até depois de 1920, no norte de Moçambique.

Atos de resistência das classes dominantes africanas vieramde reinos e potentados da costa atlântica ou do interior, queestavam constituídos em impérios territoriais, a partir da cap-tura e do tráfico de escravos. Esse foi o caso do reino Achanti,no interior da Costa do Ouro, atual Gana, que entrou em con-flito com os ingleses instalados na costa.

As divergências surgiram quando os ingleses proibiram o trá-fico de escravos e a prática da escravidão, e depois, quando tive-ram a pretensão de monopolizar o comércio transoceânico, aexportação dos produtos africanos e a importação dos bensmanufaturados europeus, até então controladas pelos achantis.

O rei de Daomé, Behanzin, não aceitou os poderes estran-geiros em seu território e, estrategicamente, ganhou dois outrês anos, tempo suficiente para comprar armas modernas, in-clusive canhões, e treinou tão bem os seus artilheiros, que oexército francês, preconceituoso, pensou que fossem alemães9.No exército de Behanzin havia ainda, um destacamento deamazonas aguerridas que lutavam até a morte.

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Essa resistência se travou primeiro por guerra aberta e, depois daperda da capital, através da guerra de guerrilha. O comandantefrancês Dobbs venceu Behanzin e libertou os escravos iorubás, inimi-gos do povo daomeano, que se beneficiava da economia escravista.Os iorubás queimaram, então, as plantações da região, o que cau-sou fome e contribuiu para a derrota da resistência.

Se por um lado, a invasão colonial “dividiu” a África entre aspotências europeias, por outro, ela “uniu” mais de dez mil rei-nos e etnias em não mais do que uma quarentena de unidadesadministrativas, apesar dos conflitos interétnicos, que eram ex-plorados pelos colonizadores.

Como as fronteiras entre as unidades repartidas eram dese-nhadas na Europa, nem sempre respeitando os territórios tradi-cionais africanos, e as administrações coloniais ocupassem pro-gressivamente os espaços das cidades capitais até os limites decada domínio colonial, os africanos utilizaram livremente du-rante muito tempo os caminhos pré-coloniais.

Na maioria dos casos, a ocupação do território africano to-mou o aspecto de um lento processo de infiltração, embora nemsempre com derramamento de sangue. O comércio local e amão de obra migratória fluíam com bastante facilidade atravédas fronteiras coloniais.

Somente quando a cobrança de impostos e o recrutamento parao trabalho forçado foram introduzidos para os africanos, é que apercepção das fronteiras começou a acontecer, pois então tornou-se necessário diferenciar a qual poder estrangeiro se obedeceria.

2.3 Os instrumentos da conquistaPara adentrar e ocupar efetivamente os territórios que tinham

conseguido na partilha, as potências europeias recorreram à

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constituição de forças militares formadas por soldados africa-nos, enquadrados por oficiais e suboficiais europeus.

Esse sistema apresentava duas grandes vantagens aos europeus: reduzia o custo do recrutamento, transporte e manutenção de

tropas europeias para a África; dispunha de combatentes conhecedores da região, adaptados

a ela e pouco propensos às doenças tropicais, portanto com umadisponibilidade para o combate equivalente aos exércitos dosreinos e impérios africanos.

O recrutamento dessas tropas regulares, com soldo, armas efardas, foi feito inicialmente entre escravos libertos, em seguidaentre soldados e civis feitos prisioneiros de guerra, depois entrevoluntários e, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, porconvocação obrigatória.

Infantaria ligeira, artilharia e metralhadoras faziam parte dasunidades. A formação de colunas para ofensiva à longa distânciaincluía, além das tropas, auxiliares e três carregadores por cada com-batente. Essas tropas, cuja remuneração era a permissão de pilha-gens ao longo das aldeias, infligiam terror às populações, rouban-do, matando e violentando os conquistados. Ao regressarem dessasbarbáries, os oficiais europeus contavam com promoções e meda-lhas, enquanto os parlamentos de seus países nem mesmo toma-vam conhecimento dos fatos ou simplesmente silenciavam.

A primeira unidade desse tipo, a dos tirailleurs (fuzileiros)senegaleses, foi criada em 1857 a pedido do general Faidherbe,governador-geral do Senegal, e oficializada por decreto deNapoleão III. Na prática, os seus integrantes não eram apenassenegaleses, mas vinham de todas as partes da África sul-saariana,sob controle francês.

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Os ingleses recorreram, na guerra de ocupação de 1873-74,à Policia Militar Hauçá da Nigéria do Sul, a HCSN10, contraos achantis e sua capital Kumasi. No Estado Livre do Congo,as milícias africanas, recrutadas desde 1883, foram transforma-das oficialmente pelo rei Leopoldo, dos belgas, em Force Publi-que, em 1888. Na África Oriental, os soldados africanos eramdesignados pelo termo askari, que significa soldado em suaíli.O exército colonial alemão utilizava askaris comandados poroficiais e suboficiais germânicos na formação das suas unida-des. Por outro lado, em 1888 foi oficializada a Companhia Ale-mã da África Oriental, a DOG11.

As milícias da Companhia Imperial Britânica da África Ori-ental, a IBEAC12, foram organizadas em tropas regulares em1895. Eram os Fuzileiros Africanos do Leste, mais tarderenomeados Fuzileiros Africanos do Rei, os KAR13.

A conquista colonial só não se efetivou em dois países africa-nos – a Etiópia e a Libéria, que escaparam por se distinguiremdos demais pelo senso de nacionalidade de suas classes domi-nantes, pelo conhecimento do “sistema mundo” de seus líderese pelo domínio de tecnologia militar, no caso da Etiópia, e daproteção dos EUA, no caso da Libéria.

2.4 Resistência islâmica na África norte-orientalNo Sudão Nilótico, o movimento mahadista, forma messiâ-

nica de islamismo, expandiu-se desde o início da conquista co-lonial anglo-egípcia, como um movimento popular.

Em 1881, Muhamad Aharad proclamou-se Mahadi. Seusapelos foram para o retorno ao “Islã puro e justo”, contra o“Islã deturpado” da administração turca, para a luta contra aopressão, mobilizando os descontentes. Formou um exército e

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avançou em direção à capital. O poder egípcio que tinha setornado anglo-egípcio a partir de 1882, foi expulso militarmente,e em janeiro de 1885, a capital Cartum capitulou. O governa-dor britânico Gordon, ali instalado, foi morto.

Apesar do falecimento inesperado do Mahadi, em junho de1885, seu sucessor conseguiu instalar um Estado Islâmico bemestruturado. Esse novo Estado, porém, rejeitou a oferta de umaaliança com a Etiópia Copta14 contra o retorno dos anglo-egípci-os. A aliança não foi aceita porque o novo Estado pretendia con-quistar a Etiópia e convertê-la ao Islã. No entanto, o EstadoIslâmico Sudanês, foi esmagado pela campanha de reconquista,conduzida pelo general britânico Kitchener entre os anos de 1896a 1898. Embora o Estado acabasse, o nacionalismo sudanês so-breviveu porque estava consolidado com o retorno do islamismo.

A tomada de Cartum e a morte de Gordon tiveram enormerepercussão positiva entre os africanos islâmicos. A tal pontoque uma última onda mahadista chegou 20 anos depois, em1905, às cidades de Buna, no norte, e Bonduku, no centro, naCosta do Marfim.

Nestes dois lugares, foram detidos pelos administradores co-loniais franceses marabutos que pregavam, em nome do Mahadi,a renovação islâmica e um novo jihad para expulsar os infiéisbrancos.

2.5 A resistência na EtiópiaComo forma de afirmação internacional, o Estado italiano,

recém criado em 1860, também pretendia participar do proces-so de partilha da África. Essa pretensão foi apoiada pela GrãBretanha, que esperava, assim, prejudicar os avanços da Françana África do Norte e no Chifre da África, sua principal concor-

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rente. Nesse momento, o Egito ocupava a maior parte das cos-tas africanas do Mar Vermelho, em particular o porto deMassawa, no nordeste da Etiópia, a principal saída marítima daregião do Tigre.

Em reação aos avanços militares do Mahadi, em 1883, osbritânicos decidiram retirar do Sudão e das costas do Mar Ver-melho as forças egípcias e inglesas. Para tanto, pediram o apoiodo Imperador Yohannes, da Etiópia. Este, em troca, pediu arestituição dos territórios fronteiriços do Sudão e do porto deMassawa, ocupados pelos egípcios. Os ingleses aceitaram a pri-meira condição, mas não a segunda. Para Massawa, concorda-ram com o trânsito comercial, inclusive de armas, mas sob aproteção britânica. Seis meses depois, em fevereiro de 1885, ositalianos ocuparam Massawa com a anuência dos britânicos,interessados em impedir o avanço francês na costa da Somália,a partir de Obok e Djubuti.

Partindo de Massawa, os italianos avançaram com destaca-mentos militares em território etíope, iniciando a guerra deconquista da Eritreia, operação completada no final de 1889.

2.6 Menelik IIEnquanto isso, o ras Menelik II15, da província do Shoa, no

centro da Etiópia, embora fosse formalmente vassalo deYohannes, mantinha relações cordiais com a Itália, que manti-nha um representante diplomático na sua corte.

A Itália estava muito interessada nessa aliança, tendo em vis-ta seus projetos de conquista. Dos italianos, Menelik recebeuassistência de médicos e, o mais importante, muitas armas defogo que lhe permitiram conquistar as ricas regiões vizinhas asudoeste de Shoa.

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Logo após a morte de Yohannes, em combate com os maha-distas do Sudão, em 1889, os italianos propuseram a Menelikum tratado de paz e amizade, que foi assinado em Wuchale(Uccialli, em italiano).

O tratado reconhecia a soberania da Itália sobre a Eritreia e,em troca, a Itália reconheceria Menelik como Imperador daEtiópia e lhe garantiria a livre passagem de armas e mercadori-as, através do território da Eritreia. Porém, o artigo 17 do Tra-tado de Uccialli tinha significados diferentes nas redações. emamárico16 e em italiano. Na versão amárica, a Etiópia podia,quando quisesse, pedir à Itália que a representasse junto a ou-tros países. Na versão italiana, era obrigatório que a Etiópiarecorresse à Itália para se relacionar com outras nações. Atravésdesse subterfúgio, a Itália pretendia estabelecer um protetoradoitaliano na Etiópia e anunciou às potências europeias a assina-tura do Tratado de Uccialli na versão italiana.

Nesses termos, o tratado foi aceito pelos países europeus,sem discussão. Quando Menelik anunciou a esses países a datada sua coroação como Imperador da Etiópia, recebeu como res-posta que a Etiópia era um protetorado italiano, e caberia àItália informar-lhes dessa solenidade.

Entre 1891 e 1894 a Grã Bretanha assinou com a Itália, trêsprotocolos que fixavam as fronteiras entre a Etiópia e as colôniasinglesas do Chifre da África e do Vale do Nilo. Enquanto isso,Menelik comprava fuzis e canhões na França e na Rússia e anexa-va várias províncias ao sul e sudoeste, formando o atual territórioda Etiópia. No início de 1893, Menelik informou às potênciaseuropeias que estava denunciando o Tratado de Uccialli. Naque-le momento, ele já tinha acumulado 82 mil fuzis e 26 canhões. Aguerra com a Itália começou no final de 1894.

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De início, os italianos ocuparam grande parte do Tigré. En-tão, Menelik mobilizou seus exércitos e contra atacou, conse-guindo empurrar os inimigos para Andowa, a nordeste, ondeaconteceu a batalha decisiva. O exército italiano perdeu 40% doseu efetivo, entre mortos e feridos, 11 mil fuzis e seus 56 canhões,um completo desastre. Após essa derrota, a Itália assinou o Trata-do de Adisabeba que anulava parcialmente o Tratado de Uccialli.Não totalmente pois não devolvia a Eritreia. Mas reconheceu atotal independência da Etiópia, que passou a receber embaixadasdas potências europeias e do Império Otomano.

A vitória de Menelik é festejada ainda hoje em toda a África,pois foi a única que fez os colonizadores recuarem no momentoda ocupação do continente. A Etiópia conseguiu, por esta vitó-ria, evitar o jugo colonial, mantendo-se assim como o únicopaís africano independente. A Libéria, outro país não coloniza-do, foi, entretanto, uma invenção americana.

Isso reforçou o etiopismo17 na convicção de valorizar o ne-gro. Mas, infelizmente, a Etiópia não pode servir de modelo deadministração e de governo para o restante da África, na lutacontra o colonialismo. O Imperador Menelik II era um auto-crata feudal que formou um gabinete ministerial pela primeiravez apenas em 1907, e criou a imprensa oficial em 1911.

Seguindo os passos de Menelik II, o seu sucessor HailêSelassiê, somente promulgou a libertação dos escravos em 1924e o fim do comércio escravagista em 193118.

Por falta de organização governamental de Menelik, o pensa-dor ganês, J.E. Casely Hayford, em seu livro Ethiopia Unbound(Etiópia Livre), publicado em 1911, fez mais referências à ex-periência japonesa19, do que citações do exemplo ainda nãoamadurecido da Etiópia.

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É importante observar que a invasão ulterior da Etiópia, em1936, pela Itália fascista não pode ser confundida com umaconquista colonial, uma vez que a Etiópia era membro da SDN(Sociedade das Nações) e o Imperador Hailê Selassiê instalou-se no exílio, em Londres, com o seu governo. O invasor italianofoi expulso em 1941, com a participação do exército inglês.

A entrada italiana na Segunda Guerra Mundial esteve mar-cada pelo ataque fascista à Etiópia, assim como o ataque nazistaà Polônia em 1939, marcou a entrada da Alemanha.

2.7 Grandes revoltas africanasSuperando os fatores interétnicos de divisão das sociedades tra-

dicionais, várias tribos que exprimiam em bloco a rejeição à do-minação colonial se uniram. Insurreições populares, então,eclodiram. Nesse cenário, líderes carismáticos apareceram, ofere-cendo às populações, saturadas de opressão, uma via de reinte-gração com a própria história. Dois levantes maiores apresenta-ram essas características, embora afastados no tempo e no espaço:

A Revolta Maji-Maji em Tanganica, parte continental da atu-al Tanzânia, de 1905 a 1907;

A Guerra do Kongo-Warra, na África Central, atual Repúbli-ca Centro Africana, de 1927 a 1932.

2.8 A revolta Maji-Maji (1905 a 1907)Essa revolta situa-se no período de consolidação da domina-

ção colonial. Exprimiu a recusa ao trabalho forçado nas planta-ções de algodão e aos abusos dos mercenários alemães. Uniumais de 20 grupos étnicos diferentes. Atingiu o sul de Tanganica,superando as divisões tribais, e apoiou-se nos recursos tradicio-nais, nas técnicas religiosas e em magia. A Revolta Maji-Majicaracterizou-se pela utilização de temas milenaristas.

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O profeta Kinjikitile-Ngwele era reconhecido como o men-sageiro de Deus que iria salvar o povo da opressão colonial.Teria o dom de imunizar os guerreiros com o maji (água mági-ca), que transformaria as balas alemãs em água. Enquanto isso,anunciava que os ancestrais ressuscitariam em Ngarambe, suaaldeia, para lutar ao lado dos vivos. Nela construiu um grandealtar que chamou “A Casa de Deus”.

Apelou para as crenças religiosas, afirmando que a unidade ea liberdade dos africanos constituíam um princípio fundamen-tal e que todos deveriam se unir para combater os alemães econseguir a sua integridade.

O levante terminou com um massacre, promovido pelos ale-mães, de cerca de cento e vinte mil africanos. Fato que ficoupara sempre gravado na memória coletiva do povo. Menos dedez anos depois, em 1914, a África Oriental Alemã tornou-se omaior palco africano da Primeira Guerra Mundial.

A Revolta Maji-Maji foi uma das primeiras manifestaçõespopulares multiétnicas anticoloniais, apoiada nas religiões tra-dicionais, e é considerada como protonacionalista.

2.9 A Guerra do Kongo-Warra (1927 e 1932)O ponto de partida do levante Kongo-Warra foi o povo baya,

até então disperso em vários clãs. Do território baya se propa-gou ao coração da Federação da África Equatorial Francesa, noUbangui-Chari Ocidental, atual República Centro Africana, enas zonas de fronteira com o Congo e os Camarões.

A população da região era subjugada há muito tempo pelaexploração das companhias concessionárias, voltadas à colheitada borracha de cipó e do marfim e conhecidas pelos abusos quecometiam nos processos de exploração. Às exigências dos pesa-

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dos impostos era adicionado o trabalho obrigatório para a co-lheita e o transporte da borracha, que continuava sendo explo-rada, embora estivesse muito desvalorizada. Havia também, orecrutamento forçado para a construção da ferrovia CongoOceânica, iniciada em 1921.

Barka Ngainumbey, o Karnu, um profeta baya, foi quemdeu alma à revolta, e catalisou um movimento que nasceu apósum longo período de humilhação e sofrimento. A partir de 1924,começou a pregar, de aldeia em aldeia, a doutrina da não-vio-lência, fundamentada na recusa do contato com o colonizadore na resistência passiva às exigências coloniais.

A administração colonial francesa se deu conta da situaçãotrês anos depois, quando os seguidores de Karnu já iniciavamos levantes armados, convencidos de sua invulnerabilidade pelouso bastão mágico de comando, o Kongo-Warra. Uma popula-ção de mais de 350.000 habitantes aderiu ao profeta, organi-zando 60.000 guerreiros, num movimento solidário que uniualdeias e clãs numa área até então marcada pela dispersão polí-tica e guerras tribais.

Karnu foi morto em dezembro de 1928, mas a insurreiçãoalastrou-se pelas iniciativas de autodefesa das aldeias e se pro-longou até 1931. Em 1935, ainda existiam guerreiros escondi-dos em grutas, nas regiões montanhosas.

Pela sua extensão geográfica, duração, número de insurgentes ede confrontos militares, a Guerra Kongo-Warra foi a maior insur-reição na África Sul-saariana entre as duas Guerras Mundiais.

A revolta nasceu em sociedades segmentares, que viviam emtribos. A ação de Karnu apoiava-se, sobretudo, em valores an-cestrais, mas incorporava também reivindicações políticas, comoa recusa em colaborar com o ocupante e o apelo à unidade de

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todas as etnias. Estas características situam o movimento navirada dos tempos modernos. A violência da repressão francesaesmagou de tal maneira o levante que a região ficou empobrecidae abandonada, permitindo os abusos de dirigentes contempo-râneos como Bokassa, pouco inclinados em reviver a memóriadesta gesta.

2.10 Compromisso e resistênciaA colonização da África pelas potências européias, como se

viu pelos exemplos, não foi como os europeus apresentaram:pacífica e, sobretudo, benéfica para o continente africano. Asubjugação africana ao europeu deve ser entendida pelas dife-renças tecnológicas e militares entre as sociedades dos dois con-tinentes naquele momento, e as necessidades econômicas docapitalismo europeu, que lhe permitiam uma visão de mundomais abrangente, que ia além de suas fronteiras nacionais. Acolonização significou o estabelecimento de regimes ditatoriaisestrangeiros sobre os povos africanos para a sua brutal explora-ção econômica, em prol dos colonizadores. Os africanos, deuma forma ou de outra, em meio a alianças e compromissosque grupos africanos estabeleceram com os colonizadores, serebelaram e se revoltaram. Compromissos e resistências efetivasapareceram em diversos momentos, demonstrando a complexi-dade do processo. O exemplo maior de inconformismo é o daEtiópia que, pela ação militar e diplomática de um grande se-nhor feudal, conseguiu ficar imune à colonização, preservandoo próprio processo de evolução histórica.

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A Ocupação Colonial da África. Da Conferência de Berlim à Primeira Guerra Mundial

3. A Grande Guerra em solo africano

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) começou como umaguerra essencialmente europeia. As alianças de defesa na Euro-pa colocaram de um lado a Triplice Entente agrupando a Fran-ça, a Grã-Bretanha e o Império Russo e, de outro, a TrípliceAliança ou a Aliança dos Impérios Centrais, formada pelo Im-pério Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Ao come-çar a guerra, as peças se moveram. A Itália se manteve neutra,por divergências com o Império austro-húngaro, e no fim aca-bou se alinhando com a Entente.

A Sérvia e a Bélgica foram imediatamente arrastadas para olado da Entente, a primeira devido ao ataque austríaco, que naverdade detonou a guerra, e a segunda devido ao ataque alemãocomo parte da estratégia de guerra germânica.

O império Otomano e a Bulgária logo se juntaram aos Im-périos centrais. Do outro lado, a Triplice Entente se avolumavanuma coalizão bastante grande. Após a entrada da Itália, vie-ram a Grécia, a Romênia, e ainda Portugal e o Brasil, que man-dou navios para a luta anti-submarina. Mais objetivo, o Japãoentrou quase de imediato, a fim de tomar posições alemãs noExtremo Oriente e no Pacífico ocidental, mas não se interessoupor nada fora da sua região. Importante e decisivo foram osEUA que entraram na guerra em 1917, transferindo um mi-lhão de homens para a França.

Essa guerra teve um cunho interimperialista, com as rivalida-des políticas expressando a competição econômica entre as po-tências europeias. Em consequência disso, os seus impérios colo-niais foram envolvidos de maneiras distintas no conflito e, parti-cularmente, as suas possessões africanas. Entre os principais beli-

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gerantes, quatro possuíam colônias na África: Inglaterra, Françae Bélgica, do lado da Entente, e do outro lado, a Alemanha.

Com as declarações de guerra na Europa, a primeira medidatomada pelos aliados da Entente, na África, foi o bloqueio dosportos e a invasão das colônias alemãs. Mas as intenções dosdiferentes protagonistas eram mais amplas do que isso.

Na Alemanha, o partido belicista esperava uma guerra rápi-da e vitoriosa, como havia sido a guerra franco-prussiana de1870, e realizar o sonho de uma Mittelafrika, ligando os Cama-rões à África Oriental Alemã (AOA). Na África, os governado-res alemães do Togo e da AOA, foram mais realistas e tentaram,em vão, obter da Entente a neutralização dos seus territórios.

A vitória dos Aliados na Europa permitiu a divisão das colô-nias alemãs entre eles, como butim de guerra. A Primeira Guer-ra Mundial afetou a quase totalidade da África. Diretamente,em combates pela ocupação dos territórios alemães, e indireta-mente, como reserva de homens para a guerra no próprio con-tinente ou em operações na Europa e no Oriente Médio.

3.1 Os combates na África Ocidental e EquatorialEm 1914, os alemães dominavam os seguintes territórios na

África: Togo, na África Ocidental, configurando um corredor de terra

que partia do Golfo da Guiné e subia para o norte, entre a Costado Ouro (Gana) inglesa, a Oeste, e o Daomé francês, a leste.

Camarões, na África Equatorial, entre a Nigéria inglesa, anoroeste, e o Gabão francês, ao sul. Após o acordo franco-ale-mão de 1911 sobre o protetorado do Marrocos, a fronteira doCamarões alemão com o Congo belga passava a ser o rio Congo,na foz do rio Sanga e, mais ao norte, um acesso ao rio Ubangui,

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na foz do rio Lobaye. Com isso, a África Equatorial Francesa(AEF) foi cortada em três partes que se interligavam pelos doisrios maiores.

O Sudoeste Africano Alemão, a atual Namíbia, entre Angolae União Sul Africana (atual África do Sul). Esta sob domíniobritânico, mas com autonomia da Grã-Bretanha, desde 1910.

A África Oriental Alemã, que juntava os territórios deTanganica, parte continental da atual Tanzânia e de Ruanda eUrundi (atual Burundi).

3.2 A Guerra no TogoPara defender a sua autoridade no Togo, a Alemanha possuía

apenas uma força de polícia. Não mantinha ali exércitos. Aúnica instalação militar era uma estação de rádio. A colônia foiinvadida pelos ingleses a partir da Costa do Ouro (atual Gana)e pelos franceses a partir do Daomé (atual Benin). As hostilida-des começaram em 22 de agosto de 1914 e acabaram em cincodias, quando os alemães destruíram a própria estação de rádio ecaíram prisioneiros.

3.3 A disputa por CamarõesNos Camarões, os alemães tinham cerca de mil oficiais e suboficiais

germânicos e mais três mil soldados africanos. Foram atacados pelosingleses a partir da Nigéria, região de floresta, e resistiram vitorio-sos. Enquanto isso, tropas francesas atacaram os Camarões peloextremo norte de deserto, a partir do Chade, e ocuparam Kusseri.Na costa atlântica, uma frota franco-inglesa bombardeou e ocu-pou Duala, porto e capital colonial alemã dos Camarões.

A resistência alemã foi difícil de ser vencida. Em 1915, umaaliança franco-belga de tirailleurs senegaleses, vindos do Congo

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francês e da Force Publique, vinda do Congo belga, juntando13.000 homens, continuaram a luta por mais um ano, até queas cidades de Limbe e de Yaundê foram conquistadas no finalde 1915. A ocupação de Camarões pelos aliados se completouem fevereiro de 1916, com a queda do Forte de Maruá, nonorte, que estava sitiado desde setembro de 1914.

Na Nigéria, na AEF, no Congo belga e nos Camarões, talcomo em toda África envolvida na guerra, o transporte de car-gas militares na cabeça, utilizado pelas quatro potências belige-rantes, à razão de 30 quilos por homens, em etapas de dezenasde quilômetros por dia, com descanso reduzido e alimentaçãoinsuficiente, levou milhares de africanos à morte.

As tentativas de introduzir carretas de tração humana nastrilhas, na AEF, foi em vão, pois os próprios administradoresafricanos se encarregaram de abortar as experiências. Segundoconsta, era mais fácil recrutarem carregadores, do que fazê-losconstruir carretas, embora o uso destas, e talvez este o motivoda recusa, garantisse maior produtividade.

3.4 A Guerra no Sudoeste AfricanoNo início da campanha contra o Sudoeste Africano Alemão

(atual Namíbia), o governo da União Sul Africana, domínioinglês autônomo desde 1910, declarou-se pronto para invadir acolônia alemã vizinha, permitindo assim, a retirada das tropasbritânicas presentes no país, para ir combater na Europa.

A Grã Bretanha achava que a perspectiva do governo sul-africano de anexar o sudoeste africano como nova província,asseguraria a sua lealdade para com a Coroa Britânica. Esque-ceram, no entanto, de que boa parte dos bôeres, descendentesde holandeses, tinha simpatia pelos alemães do sudoeste africa-

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no, porque estes os apoiaram durante a Segunda Guerra Anglo-Bôer, terminada em 1902. Essa simpatia gerou uma revolta bôer,só debelada em fevereiro de 1915, que atrasou a ofensiva anglo-sulafricana contra os alemães.

Em setembro de 1914, tropas britânicas atacaram sozinhas,sem o apoio dos sulafricanos e foram derrotadas pelos alemães.Em março de 1915, o exército sul africano entrou no SudoesteAfricano com 67.000 homens para enfrentar 3 mil militaresalemães e 7.000 soldados africanos. A ocupação do SudoesteAfricano Alemão pela União Sul Africana foi concluída em ju-lho de 1915. Nessa campanha, as forças da África do Sul nãoincorporavam soldados negros, por desconfiança do EstadoMaior sulafricano, quanto à lealdade de tropas negras. Oapartheid já se anunciava. Tão pouco recorriam a carregadorespara a logística militar, mas a animais e a carroças ou veículosautomotores, já que a tradição da Grande Marcha dos bôeres, avegetação, o clima e o relevo, o permitiam.

3.5 A Guerra na África OrientalEm 1914, na África Oriental Alemã, o exército alemão con-

tava com 200 oficiais, 1.700 suboficiais e soldados germânicos,e 2.500 askarise e era comandada pelo coronel Paul Von Lettow-Vorbeck.

Contrariando as vontades pacifistas do governador alemãode Tanganica e do governador inglês do Quênia, Lettow-Vorbeckcomeçou a guerra atacando aldeias do Congo Belga. O objeti-vo do exército alemão era reter na África Oriental, o máximodas forças militares aliadas. Através de uma estratégia que alter-nava batalhas campais com ações de guerrilha, manteve-se in-victo até o final da Grande Guerra.

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Essas operações militares envolveram além da África Orien-tal Alemã, Moçambique, Rodésia do Norte (atual Zâmbia),Quênia, Uganda e o Congo Belga, obrigando a Entente a trazerforças da África do Sul (13 mil homens) e da Índia (7 mil ho-mens), e ainda as tropas africanas vindas da Costa do Ouro(Gana) e da Nigéria, num total que teria alcançado 160.000homens, enquanto que os efetivos de Lettow-Vorbeck não seri-am mais que 15.000 homens, principalmente de africanos, jáque estava impossibilitado de receber reforços da Europa. Arenovação dos armamentos dos alemães era obtida pelas perdasou abandonos involuntários da Entente.

A participação da União Sul Africana se baseava na esperan-ça de que, após a conquista da colônia alemã, haveria uma ne-gociação com a Grã Bretanha e Portugal e uma troca de territó-rios seria acordada. Uma faixa na margem esquerda do rioRovuma, ao sul de Tanganica, seria anexada ao norte de Mo-çambique e, em contrapartida, a ponta sul de Moçambique,incluindo a Baia Delagoa e o porto de Lourenço Marques (atu-al Maputo), saída marítima do Transvaal, seria anexada ao ter-ritório da África do Sul. Isso, entretanto, não veio a acontecer.

Na África Oriental, os belgas mobilizaram, ao longo dos qua-tro anos da guerra, cerca de 260.000 carregadores para o apoiologístico às tropas. Nenhum africano foi mandado do CongoBelga para a Europa, mas o povo do Congo pagou um alto preçoà Primeira Guerra Mundial. Os mortos por esgotamento, fome edoença foram incontáveis. Entretanto, as populações africanasmais afetadas pela guerra vieram a ser as da AOF - África Oci-dental Francesa – e da AEF – África Equatorial Francesa.

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3.6 As colônias francesas como reservas estratégicasDesde 1908, no conjunto das políticas de preparação para a

guerra entre os Impérios Centrais e a Entente, o governo francêsconsiderou a possibilidade de recorrer ao recrutamento de sol-dados nas colônias e, particularmente, na África sul-saariana.

Um decreto de 1912 tornou possível a criação de um exércitonegro: os homens com idade entre vinte e vinte e oito anospoderiam ser recrutados por via de conscrição, para um serviçode quatro anos de duração. Era a concretização da proposta dosmilitares coloniais de criar uma Força Negra para compensar odéficit de homens da França, devido à baixa taxa de natalidadena época.

Em agosto de 1914, a França já tinha militarizado as suascolônias e mais de 14.000 fuzileiros senegaleses encontravam-se na AOF e 15.600 fora dela, ocupados principalmente na“pacificação” da África do Norte. Em setembro de 1914, seisbatalhões de senegaleses, com 800 homens cada um, foram trans-feridos para o front na França. Em 1917, cerca de 120.000 sol-dados africanos encontravam-se em luta.

No final da Gran de Guerra, dos 211 mil soldados africanosnegros recrutados, 164 mil haviam sido engajados em comba-tes na Europa, de onde mais de 30 mil não voltaram, e outrostantos voltaram aleijados ou doentes, principalmente,tuberculosos.

Desde os primeiros meses do conflito, e passados os efeitosda campanha de propaganda patriótico-belicista inicial, a con-tribuição militar em homens para a guerra na Europa revelou-se uma pesada obrigação para os africanos. “O recrutamentoparece, finalmente, com uma tarrafada que se dá a cada ano”,na definição de um oficial francês (Michel:2003), ou seja, esta-

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va mais para caça ao homem do que para rotina burocrática.Os chefes de aldeias eram encarregados de designar os recrutas.

Os escolhidos eram os mais pobres, os cativos ou seus descenden-tes, os desafetos, etc. Porém, com o avançar da guerra, começarama se multiplicar os retornados: aleijados e doentes, e os seus teste-munhos deixam entrever o que era a guerra na Europa.

As resistências à conscrição foram múltiplas e variadas nasintensidades e gravidades. Desde outubro de 1914, manifesta-ções de descontentamento apareceram abertamente, emboraainda dispersas e localizadas - recusas individuais, deserções,mutilações voluntárias e, sobretudo, fugas para o mato ou paraas colônias de outras potências europeias.

3.7 Aumentam o trabalho forçadoe as culturas obrigatórias

A política dos franceses de utilização intensiva dos recursosdo seu império colonial para a defesa da Pátria Mãe era contra-ditória, pois exigia o aumento do trabalho forçado e da produ-ção das culturas obrigatórias às sociedades africanas, ao mesmotempo em que retirava dessas mesmas sociedades, para enviar àguerra, o máximo de homens jovens, que estavam no auge dassuas capacidades produtivas.

A Grande Guerra foi decisiva para a generalização do traba-lho forçado na África ocidental. Essa política retirava à forçahomens da sociedade tradicional para tarefas requeridas em se-tores da economia colonial, como as construções de infra-estru-turas, mas também em serviços particulares. A isso, somavam-se o estacionamento destas tropas africanas, que passaram a re-ceber instrução militar na própria África, em vastos acampa-mentos, por exemplo Buaké, para 8.000 homens, criando enor-

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mes problemas de transporte – estradas – e de abastecimento.No início de 1915, no Alto Senegal-Níger, o mal-estar tor-

nara-se tão forte que transformou-se em revolta, cuja repressãomilitar provocou enorme fúria popular. No entanto, a guerrapedia cada vez mais homens e, em novembro de 1915, ainsurgência chegou ao auge. A região do Oeste-Volta (do atualBurkina Faso e fronteira do Mali) se sublevou. Tratou-se deuma revolta supratribal, que juntou um grande numero de gru-pos étnicos: Marka, Bwa, Bobo, Samo, Gurunsi, entre outros,com traços culturais e história comum. Eles sempre se opuse-ram à dominação exterior e ao poder centralizado. O levantesomente foi dominado em 1916 e as últimas rendições dos che-fes tradicionais se deram em setembro.

Em novembro de 1916, novos distúrbios estouraram, destavez no norte do Daomé, onde os sombas do Atakora e os baribasdo Borgu entraram em insurgência até a primavera de 1917.Quando a calma se restabeleceu, a exasperação da populaçãoera evidente em toda parte. As fugas se multiplicaram, comoexemplificam a petição ao governador inglês da Costa do Ouro,assinada por 18.890 refugiados da Costa de Marfim.

As proporções de desertores dos campos de agrupamento fo-ram significativas em algumas regiões da AOF, variando de 5%no Senegal e Alto Senegal e Níger, para 12,5% na Costa doMarfim, até 17,5% na Guiné, segundo dados oficiais franceses.

No deserto do Saara, o tuareg Kaossen liderou uma revoltaque desceu para o sul, e após tomar Djanet, mantendo-a ocupa-da até 1918, sitiou Agadés em 1916, mas foi empurrado de voltapara o norte, por uma força militar conjunta franco-inglesa.

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3.8 Cidadania por sangueNo início de 1918, o governo francês, contra a opinião do

Governador Geral da AOF, decidiu retomar o recrutamento deafricanos, que estava parado desde meados de 1917. Desta vez,uma nova estratégia foi adotada: o deputado à Assembleia Na-cional pelas Quatro Comunas do Senegal20, o africano BlaiseDiagne foi nomeado comissário da República Francesa no OesteAfricano, com patente de governador geral e com a missão deintensificar o recrutamento.

Essa missão foi coroada de sucesso e 63 mil soldados foramrecrutados em 1918, contra apenas 13.800 em 1917. Em agos-to de 1914, Diagne, notável maçom do ultramar, havia se ele-gido deputado e teve um papel que foi muito além da sua baseeleitoral nas Quatro Comunas. Sendo o único deputado africa-no, passou a ser visto como a voz da África na Câmara dosDeputados.

Os oriundos das Quatro Comunas tinham o estatuto de ci-dadãos, com o privilégio de poder conservar seu estatuto pesso-al, mesmo que diferenciado no Código Civil francês, como,por exemplo, podiam ser polígamos. Mas não eram súditos co-loniais. Com isso não estavam submetidos ao serviço militar,assim como não estavam incluídos no Código do Indigenato21

destinados aos súditos, habitantes das colônias.Além deles, havia os letrados ou evoluídos, pertencentes aos

meios sociais ocidentalizados, senegaleses ou descendentes agudásdas famílias de retornados afro-brasileiros dos velhos estabeleci-mentos costeiros do Golfo da Guiné.

O problema dessas elites africanas modernas residia na desi-gualdade jurídica que havia entre os cidadãos e os súditos. Na-quela época, essas elites eram profundamente assimilacionistas.

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Não fugiam ao dever patriótico para com a França, mas recusa-vam-se a ser incorporadas aos fuzileiros senegaleses22, tropa in-dígena formada de súditos e não de cidadãos. Queriam ir paraas mesmas unidades militares que os demais cidadãos francesesda metrópole, da mesma forma que os brancos e negros dasVelhas Colônias das Antilhas.

Diagne reivindicou no parlamento francês o reconhecimentopolítico e o direito à cidadania, em troca da aceitação do impostode sangue23. Assim, conseguiu, com o apoio dos deputados ne-gros das Antilhas, aprovar uma lei que submetia os oriundos dasQuatro Comunas à conscrição nas mesmas condições da metró-pole. A lei foi aceita pelos africanos e a população aderiu, seguin-do os seus lideres. As incorporações se deram por classes de idade,como na França, e nas mesmas unidades, o que lhes garantia nãousar a chechia, o chapéu vermelho típico dos tirailleurs.

Mas a lei, que restabelecia um pouco de igualdade entre ci-dadãos e súditos, encontrou muita reticência no governo fran-cês. Havia o receio de se criar um precedente e chegar a ter queaceitar, de forma automática, a naturalização dos africanos mi-litares como cidadãos franceses. Por um momento, o generalinventor do conceito da Força Negra exprimiu o receio, infun-dado, de que Diagne se tornasse um novo Toussaint–Louverture,o libertador do Haiti.

Diagne foi escolhido pelo governo francês no início de 1918para uma missão única na história colonial. Tanto pelos recursosatribuídos, quanto pela habilidade da propaganda psicológicadesenvolvida e pela imensa demagogia utilizada. Ele dispunha deum generoso orçamento24 e também distribuiu condecorações:Estrelas Negras do Benin e Legiões de Honra aos maiores entreos chefes africanos, em particular aos grandes dignitários muçul-

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manos, os quais seriam promovidos a patente de Tenente Tem-porário, no caso de se alistarem ou aos seus filhos ou sobrinhos,que seriam então engajados em pelotões especiais de instrução,separados da tropa africana. Prêmios de alistamento foram con-cedidos aos voluntários. Essas ações foram fundamentais paraimpulsionar as adesões de uma população já exaurida.

Em 1918 os chefes africanos sentiram o perigo que seria para oseu futuro social e político, não enviar para a guerra na Europaalguns de seus filhos e sobrinhos, sobretudo nessa grande e espeta-cular operação de recrutamento. Caso mandassem apenas os escra-vos, estes, quando voltassem veteranos de guerra, teriam grandeprestígio por terem lutado ao lado dos brancos, e assim, poderiamameaçar e substituir as velhas famílias tradicionais, constituindo-senuma nova classe dominante ao lado dos colonizadores.

Os arquivos oficiais da França permitem reconhecer, entreos que lutaram, mais de 470 nomes de grandes famílias, princi-palmente das colônias do Senegal, do Alto Senegal – Níger, daGuiné e da Mauritânia.

Diagne fez promessas, abriu perspectivas de promoção socialpara os colonizados e empregos na administração colonial paraos veteranos de guerra. Aos condecorados em combate, foi pro-metida a cidadania e o escape ao indigenato. Enfim, vislum-brou a perspectiva de acesso a empregos superiores, com a pro-messa de abertura em Dakar de uma escola de agricultura, in-cluindo uma seção de veterinária, e uma escola de medicina.

Além disso, Diagne era apoiado pela “colaboraçãointercolonial”, obtida pelo governo francês com os seus aliados,via chancelarias. Tratava-se de impedir, ou pelo menos limitar,as fugas dos potenciais recrutas para os territórios das colôniasdos aliados ingleses, portugueses e belgas.

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A campanha de recrutamento se estendeu a toda a AOF e tam-bém à AEF, que até então tinha mandado apenas soldados e carre-gadores para as operações de conquista dos Camarões alemão. Osucesso foi retumbante e nas vésperas de 11 de Novembro de 1918,dia do cessar fogo na Europa, 50.000 homens senegaleses já ti-nham sido encaminhados para o Marrocos, a Argélia e a França.Com o armistício, poucos acabaram indo para o front.

3.9 Qual pátria?Por que os africanos deveriam ser mandados para a guerra?

Qual Pátria Mãe deveriam defender? O preço do sangue africa-no mereceria uma contrapartida, uma dívida a ser paga peloscolonizadores. Entretanto, a maioria dos franceses não enten-dia assim. No início da guerra, a opinião publica francesa nãocompartilhava exatamente o pensamento de Diagne, mas acha-va, sincera e equivocadamente, que “a obra de pacificação e decivilização da França na África”, merecia “um pouco” de sangueafricano pela Europa.

Após a guerra, essa opinião pública sentiu uma vaga sensa-ção de dívida, de reconhecimento sentimental e paternalista. Asimagens caricaturais que tinham dos africanos evoluíram dopreto selvagem para o bom fusileiro de chechia. Imageminfantilizada, porém, tão forte que permitiu a uma marca deachocolatados francesa se consagrar encima dessa imagem.

As reformas políticas prometidas por Blaise Diagne e tão es-peradas pelos evoluídos foram extremamente limitadas. O Có-digo do Indigenato, instituído desde os tempos do início dacolonização de povoamento na Argélia, foi suspenso em feve-reiro de 1919, três meses após o armistício, mas, restabelecidoem agosto de 1920.

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Para as potências coloniais vitoriosas, a Primeira GuerraMundial foi apenas um parêntese, fechado rapidamente, naHistória da colonização da África.

3.10 A pátria alheiaOs fatos obrigam a admitir que tanto os soldados negros

mandados para Europa quanto os que participaram de comba-tes para a ocupação das colônias alemãs, pelos Aliados, ou paraa defesa das mesmas, e também, os milhares de carregadoresrequisitados para a logística de todas essas operações, foramutilizados como bucha de canhão pelos colonizadores.

As sociedades africanas, mobilizadas inclusive por algumasde suas próprias lideranças, foram chamadas a defender umapátria alheia, com o sangue dos seus soldados, e com o suor dotrabalho de seus habitantes nos contratos de trabalho forçado enos aumentos dos cultivos obrigatórios, com promessas de di-reitos e melhorias econômicas. Terminada a guerra, tudo vol-tou como dantes.

4. Consequências da GrandeGuerra para a África

Se o capitalismo inglês e o germânico, mais avançados e maiscompetitivos, estavam interessados na abertura internacionaldos mercados africanos, este não era o caso dos franceses, belgase portugueses, mais propensos ao protecionismo nas suas res-pectivas colônias.

A ata final da Conferência de Berlim estipulava a igualdadede tratamento comercial na Bacia Convencional do Congo. Aconvenção franco-inglesa de 1898 aboliu as diferenças tarifárias

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entre Costa do Marfim, Daomé, Costa do Ouro e Nigéria, eesteve vigente até 1936.

Na África colonizada do final do século XIX e início do sécu-lo XX, consolidou-se um oligopólio de lojas comerciais euro-péias que, além de travar entre elas uma concorrência inflexível,afastavam, pela solidez das posições adquiridas, a entrada denovos concorrentes.

Das costas do Senegal até o Congo, casas francesas, inglesas ealemãs dividiam o comércio. As casas alemãs compravam a quasetotalidade do milho em grãos e o dendê do Daomé, e cerca de 2/5 da madeira exportada proveniente da AEF - África EquatorialFrancesa, e vendia para a África principalmente aguardente.

Os comerciantes ingleses e alemães tinham acesso às impor-tantes frotas mercantes dos seus respectivos países, o mesmonão ocorrendo com os franceses, frequentemente obrigados arecorrer a navios de bandeiras estrangeiras, principalmente bri-tânica, para movimentar suas mercadorias entre a Europa e aÁfrica. Essa situação piorou com a requisição de navios dascompanhias comerciais de navegação francesas para transferir aForça Negra para a Europa.

4.1 Mudanças da economia colonialCom a guerra, os comerciantes franceses e os seus empregados

foram mobilizados para o front, na França, ao contrário dos in-gleses que não foram chamados pela Inglaterra. Os alemães quese encontravam na África fora dos territórios alemães, foram pre-sos ou expulsos e a marinha de guerra inglesa liquidou o trans-porte marítimo germânico. Para tanto, ocupou ou destruiu osportos marítimos das colônias alemãs e confiscou os navios mer-cantes alemãs que porventura encontrassem em alto mar.

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Esses eventos beneficiaram amplamente as grandes lojas comer-ciais inglesas, e revelaram a dimensão inter-imperialista da guerra.

Na AOF, ao final da guerra, as casas de comércio francesasreduziram em 18% os seus barracões/balcões no interior africa-no (de 1.714 para 1.403), enquanto as companhias estrangei-ras, principalmente inglesas, aumentavam as suas implantaçõesem 15%. (Michel, 2003:218). No Congo Belga, em 1919, aparticipação da Bélgica no comércio na província mineira deKatanga era de apenas 0,5%, enquanto a participação da zonada libra25 era de 70%, e a dos Estados Unidos de 27%. (Nziem,1998:444)

Durante os anos de guerra, a intervenção dos Estados colo-niais na economia dos seus impérios se tornou mais presente:controle de preços, requisição da produção de víveres, introdu-ção de culturas agrícolas obrigatórias, trabalho compulsório emcanteiros de obras de infraestrutura. Cada Estado favoreceu asempresas de sua bandeira, o que resultou na eliminação dasmais fracas, isto é, das lojas comerciais africanas.

A França montou em 1917 um sistema de economia de guer-ra, com monopólio de compra pelo Estado da produção de ce-reais, de oleaginosos, de farinha, de carne, etc., com preços ga-rantidos. As lojas comerciais funcionavam como agentes decompra junto ao produtor africano, enquanto a administraçãocolonial garantia o transporte e a armazenagem. O sistema foium fiasco e acabou agravando a situação dos camponeses afri-canos. A AOF só conseguiu exportar quantidades irrisórias deprodutos, com exceção das oleaginosas.

No conjunto, a guerra teve efeitos contraditórios sobre a eco-nomia colonial. De maneira geral, as políticas dirigistas tive-ram um efeito paralisante sobre os circuitos econômicos e aca-

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baram consolidando as grandes empresas comerciais europeias,inviabilizando as empresas africanas. Mesmo no interior, ospequenos comerciantes africanos foram substituídos por estran-geiros europeus, médio-orientais e asiáticos. O sistema das cul-turas agrícolas obrigatórias penetrou nos recantos mais afasta-dos do continente, fato que implicava em maior sacrifício àssociedades tradicionais.

Terminada a duras penas a ocupação efetiva do seu quinhãocolonial africano, Portugal generalizou para todas as regiões aexploração da população sob forma de trabalho compulsório,para homens e mulheres, e as culturas obrigatórias. Entretanto,o capital estrangeiro continuou preponderante nas colôniasportuguesas, até a reorientação introduzida pelo regimesalazarista, de portugalização das colônias, a partir dos anos1930, quando a obrigação da produção de algodão pelas socie-dades linhageiras assumiu grandes proporções.

No plano comercial, a Grã-Bretanha foi a grande beneficiáriada expulsão da Alemanha da África no final da Grande Guerra.

4.2 Consequências políticasPara o homem do campo africano, a guerra marcou o fim

dos “tempos antigos”. A colonização não podia mais ser consi-derada como uma metamorfose das tiranias jihadistas oumfecanianas do passado, mas era esmagadora, impiedosa, opres-sora e o distanciava das suas origens. Não deixava espaços paraacomodações, somente para a submissão.

Também o mito da unidade do mundo branco desmoronoucom o espetáculo da guerra inter-europeia dentro da África. Otestemunho daqueles que foram participar do conflito fora docontinente africano, possibilitou observar que havia europeus

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ricos que mandavam em europeus pobres, que obedeciam eeram explorados.

Mas essa constatação, ainda não inspirou sentimentos ouidéias de revolta contra o colonialismo. Isso porque a França e aInglaterra haviam sido as potências vitoriosas e as próprias tro-pas africanas, engajadas nos combates na Europa, participaramdos desfiles da vitória, no caso da França.

O equilíbrio entre os tradicionalistas e os modernistas eradelicado:

Os habitantes do Terceiro Mundo, que mais se ressentiamdos ocidentais, opunham-se igualmente, à justificada con-vicção das elites de que a modernização era indispensável.A grande tarefa dos movimentos nacionalistas de classemédia, nesses países, era conquistar o apoio das massas es-sencialmente tradicionalistas e anti-modernas sem por emperigo seu próprio projeto modernizante. (Habsbawm,1995:206)

Em 1914, no início da guerra, as elites africanas, essencial-mente costeiras, além de manifestarem pouco interesse pelaspopulações interioranas, eram animadas pelo pensamentoassimilacionista: queriam ser semelhantes ao colonizador e re-conhecidas por este como iguais e não como indígenas, súditosou cidadãos de segunda classe.

A reversão dessa expectativa de igualdade de tratamento entrebrancos e negros, em função da participação destes últimos naguerra dos brancos, foi extrema na África francesa, onde o depu-tado africano Diagne na Assembléia Nacional em Paris prome-teu “cidadania em troca do Imposto de Sangue.” Promessa essaque o governo francês tratou de esvaziar logo após o armistício.

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Na África Ocidental Inglesa e na África Oriental Inglesa nãoforam feitas promessas porque todos eram súditos de Sua Ma-jestade e o problema da assimilação não se colocava. Na Áfricado Sul, região de importante assentamento branco, já se haviaconcedido a autonomia interna, em 1910, criando o domínioda União Sul Africana26.

Na África Belga, reivindicações assimilacionistas apareceramsomente após a Segunda Guerra Mundial. Isso se deveu à polí-tica colonialista belga, que alardeou ter montado um sistemaadministrativo indireto27, mas na prática criou um rígido sis-tema de segregação racial: “Somente para brancos, proibido paranegros”28. Esse sistema atrasou por muito tempo a formação deuma classe instruída congolesa.

Com uma economia débil e um Estado pouco influente,Portugal tentou criar condições de fato que legitimassem e des-sem consistência à sua condição de negociador no cenário euro-peu, apostando na manipulação das desavenças entre os gran-des. Foi assim que aderiu, embora tardiamente, à Triplice Entente,o que lhe garantiu as fronteiras das suas colônias após a Primei-ra Guerra Mundial, revertendo a situação que existia à.vésperada guerra, quando importantes áreas de Angola e de Moçambi-que ainda escapavam ao controle efetivo de Lisboa. Somentecom o final da guerra e o término das atividades coloniais ale-mãs na África é que o período de intensa atividade diplomáticae militar-colonial portuguesa se concluiu.

Em Angola, a região de Ovambo se manteve efetivamenteindependente até 1914, e revoltas endêmicas continuaram emGanguela até 1917. As áreas Lunda do Quioco só foram ocu-padas em 1920. Na região do Congo, os rebeldes dembo desa-fiaram a administração colonial até 1918 e a oposição conti-nuou até 1919. Em Moçambique, vários sultanatos e chefaturas

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yao desafiaram o poder colonial até 1914. Os planaltos macondesescaparam da dominação até 1921. Quando, em 1918, as for-ças germano-africanas de Letton-Vorbeck, vindas do Tanganika,entraram e percorreram a região norte, foram acolhidas comolibertadoras por várias chefaturas macúas, cansadas da opressãoda concessionária Companhia do Niassa.

Terminada a guerra, as colônias alemãs foram redistribuídasentre a França (Camarões Franceses, Togo), a Grã-Bretanha(Camarões Oriental, Togo, Tanganica), a Bélgica (Ruanda-Urundi) e a União Sul Africana, embora sob a “proteção” daSociedade das Nações.

Camarões passou a integrar o condomínio britânico-alemãode 1914-16, e depois, até 1946, esteve sob mandato das SDNbaixo administração fiduciária da França (Camarões franceses)e da Grã-Bretanha (Camarões Orientais). E de 1946 a inde-pendência em 1960, sob administração fiduciária das NaçõesUnidas efetivada pela França e Grã-Bretanha.

4.3 Consequências sociaisSe os veteranos de guerra africanos tivessem obtido a cidada-

nia, como prometido por Diagne e pelos colonizadores, ter-se-ia aberto um caminho de privilégios a um grande número deex-escravos e descendentes de escravos. Significaria também, oreconhecimento da dignidade humana dos africanos, e para osletrados se teria aberto a possibilidade de conduzir uma lutanacionalista menos perigosa e mais positiva. Mas isso era tudoo que temiam tanto as autoridades coloniais francesas quantoas autoridades tradicionais africanas.

No entusiasmo da vitória, o Código do Indigenato foisuspenso em fevereiro de 1919, mas restabelecido dezoito me-

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ses depois, em agosto de 1920. Segundo o decreto de janeiro de1918, de apoio à campanha de recrutamento de Blaise Diagne,os militares africanos e suas famílias poderiam ser dispensadosdo Código do Indigenato. Na prática, os administradores colo-niais trataram de re-enquadrar, de alguma maneira, os vetera-nos no dito Código. Para estes administradores, a guerra deve-ria ser apenas uma suspensão transitória da rotina colonialista.

Somente em 1924, com o governo de centro-esquerda naFrança, se aprovou um decreto que isentava das punições físicasprevistas no Código oito categorias de indígenas da AOF, entreas quais:

Os veteranos de guerra (confirmando o decreto de 1918); Os chefes indígenas; Os funcionários coloniais africanos; Os titulares de condecoração; Os titulares de diploma, equivalente ou superior ao ensino

básico completo; Os comerciantes registrados e com estabelecimentos fixos.

A Grande Guerra gerou entre os tirailleurs um sentimentoantes desconhecido, o de pertencer a uma comunidade aofiana29.Os veteranos traziam da Europa um saber novo. Eles conhece-ram os países dos brancos, as suas limitações e os seus conflitos.Com isso, passaram o olhá-los com mais proximidade, commaior igualdade.

Os jovens recrutas, cidadãos das Quatro Comunas do Senegal,encontraram-se durante a guerra na situação de africanos isola-dos em unidades militares metropolitanas brancas, onde sofri-am frequentemente situações de racismo. Dessas experiências,iriam fazer brotar novas atitudes de contestação.

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Os veteranos da guerra formavam em todas as regiões dasAOF e AEF, comunidades separadas. Eram beneficiários depensões, sabidamente insuficientes para sustentá-los, que tinhamo objetivo de não retirar essa preciosa mão-de-obra da vida ati-va, permitindo à Administração Colonial explorar a sua situa-ção marginal e a sua dependência.

Embora revoltados contra os chefes africanos que os manda-ram para o front militar, e também contra os comandantes co-loniais, os veteranos continuaram leais à potência colonizadorae foram aproveitados para funções administrativas subalternas.E, nestes casos, tornaram-se os “homens dos brancos”.

O tirailleur, de mercenário do branco, tornou-se alienado. Fa-lava um francês-tirailleur, linguagem infantilizadora, inventadapelos militares coloniais, e que o tornaria depois um personagemnegativo. Sua “loucura”, no sentido que deu Fanon (1968) a essetermo, transformou-se num dos indicadores da alienação das so-ciedades africanas em geral devida ao fenômeno colonial.

Os veteranos de guerra formaram, ao lado dos evoluídos, umaclasse social intermediária, muito mais obstáculo do que ponte,colocando-se entre a massa tradicionalista antimoderna e os le-trados, da dialética de Hobsbawm. Com isso, não forneceram abase para os futuros protestos.

O embrião de novas atitudes será encontrado entre os evoluí-dos, como mostrarão os movimentos e os propósitos manifesta-dos, em conseqüência da crise econômica do final da guerra, queencareceu a vida para os assalariados brancos e negros do Senegal.

Em abril de 1919, apenas cinco meses após o armistício, osferroviários da linha Dakar - Saint Louis apresentaram um cader-no de reivindicações às autoridades coloniais, onde pediam van-tagens particulares para os trabalhadores brancos e aumento de

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salários para os trabalhadores negros, embora os estatutos profis-sionais fossem diferentes entre cidadãos e indígenas. Após trêsdias de greve e com ocupação das instalações ferroviárias peloExercito, foi fechado um acordo, sob a pressão dos comerciantes.

Após essa primeira greve “branca”, os trabalhadores negrosdos correios de Dakar e Saint Louis organizaram, no mês se-guinte, em maio de 1919, uma greve que durou uma semana.Em particular, reivindicavam a incorporação no quadro geraldos funcionários dos Correios e o fim do quadro “indígena”subalterno. Diagne colocou essa reivindicação em seu progra-ma eleitoral, para as eleições de novembro de 1919.

Nesse período de final de guerra, Portugal não mais acertouo ritmo e o calendário das suas atuações com os de seus parcei-ros colonizadores. Ocupou tardiamente os territórios, levandoa administração colonial e seus sistemas de enquadramento econtrole e também a imigração branca, e, com ela, a segregaçãoe o racismo, sustentados pela ideologia do darwinismo social30.

4.4 A África na Europa pós-Primeira Guerra MundialUma vez terminada a guerra, os franceses se interrogavam, o

que fazer com os soldados negros que estavam na França. Mandá-los de volta imediatamente, para a África e devolvê-los as suasfamílias? Continuar a empregar, em missões de manutenção daordem, na França ou na Alemanha vencida, aqueles que nãoterminaram o tempo de serviço militar? Utilizá-los na Françacomo trabalhadores civis, em substituição ao milhão de mortose ao milhão de deficientes físicos que a guerra custou à França?

As pressões vinham de vários lados da sociedade francesa.Políticos acusaram os militares de querer instalar um exércitopretoriano, mercenário e ameaçador da democracia, em territó-rio nacional. Hoteleiros do Sul da França, onde estavam con-

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centrados os tirailleurs, porque o clima lhes era mais favorável,preferiam receber turistas de maior poder aquisitivo.

O Estado-Maior das tropas americanas na França temia o “mauexemplo” dos soldados negros africanos sobre suas tropas, já queestes, quando permissionários31, podiam circular em qualquerlugar, particularmente nos transportes públicos e nos bares, semencontrar advertência restritiva do tipo: whites only32, como eraprática nos Estados Unidos naquela época. Por outro lado, ossindicatos franceses temiam a concorrência da mão-de-obra afri-cana mais barata. Esses interesses somados, levaram à decisãofrancesa de não mais admitir os fuzileiros africanos na França.

Tudo indica que o objetivo era evitar que veteranos negrosfossem atraídos pela Metrópole, evitando assim um possívelmovimento migratório, embora, naquele momento, os tirailleursaparentassem querer voltar para a sua terra.

Fato importante é que se constituiu durante o pós-guerra,uma incipiente intelectualidade africana, instalada fora da Áfri-ca, particularmente na França, na Inglaterra, em Portugal, naBélgica33 e na costa leste dos Estados Unidos, que estavaconectada aos afro-descendentes caribenhos e estadunidenses.Isso possibilitou os encontros pan-africanos, uma vez que essaintelectualidade desempenhava, cada vez mais, um papel prota-gonista no movimento africano.

Dois eventos estruturantes deram alento a esse movimento:os congressos pan-africanos e a revolução bolchevique na Rús-sia, que criou o Komintern.

Lamine Senghor irá fundar o CDRN - Comité de Défense dela Race Nègre, em 1926, do qual participou G. Padmore34, deTrinidad Tobago, que mais tarde será conselheiro de KwameNkrumah35. Os Estados coloniais criaram rapidamente seçõessecretas de polícias, eficientes na infiltração desses movimentos,

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tanto nas metrópoles quanto nas respectivas colônias, com oobjetivo de reprimi-los e desbaratá-los.

De tudo isso, pode-se concluir que se num primeiro momen-to a Grande Guerra não abalou os impérios coloniais africanos,certamente acendeu o estopim de um anticolonialismo coerente,em contraste com o anticolonialismo resignado das esquerdas doavant-guerre, perante a consumada atuação colonial.

Com a guerra, uma parte da intelectualidade africana saiuda África, emancipou-se mentalmente do colonialismo, no sen-tido da submissão ao poder colonial, mas não necessariamentede outro: o da independência de ideias. Isso, entretanto, permi-tiu que, no primeiro terço do século XX, de relativa e opacaprodução intelectual africana, sucedesse outro, de tanta e tãobrilhante produção, o dos anos 1930 aos 1950.

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1 Importa esclarecer que essa região esteve sob controle otomanoaté final da Primeira Guerra, o que dificultava a ação dos agenteseconômicos.2 Até o final do século XIX, os militares franceses trataram diretamen-te com os chefes locais. Faidherbe, Borgnis-Desbordes, Gallieni, Brazza(Bouche, 1991:65/66). Entre os britânicos, vão primeiro os comerci-antes, depois a Coroa para socorrer os primeiros (Ki-Zerbo, 1972:409). Leopold II passou diretivas gerais a Stanley para assinar tratadoscom os régulos das margens do Congo (Ki-Zerbo, 1972: 407).3 No Cap. VI, art. 35.4 A classe política republicana francesa considerava que a Françaprecisava de um exército forte e preparado para a “revanche” sobre aAlemanha. Porém, a hierarquia militar era profundamenteantirrepublicana, antidemocrática e potencialmente golpista, comoo demonstraram vários episódios no decorrer da 3ª República fran-cesa, vide Affaire Dreyfus, por exemplo. As atividades de conquistascoloniais na África foram um meio de desviar da metrópole as aten-ções dos militares.5 Forma que as metrópoles coloniais encontraram para incentivar oprocesso de exploração. Os governos concediam concessões paragrupos de capital investirem nas colônias, através das companhiasconcessionárias. Estas obtinham amplos poderes para atuar, e, efeti-vamente, substituíam o Estado nas colônias. Eram chamadas decompagnies à charte, na França, e companhias majestáticas em Por-tugal e na Inglaterra.

Notas

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6 A Companhia do Zambeze não era propriamente uma companhiamajestática, mas, através de um conjunto de concessões, controlavauma área de grande dimensão, considerada na prática uma compa-nhia majestática sem carta.7 O imposto de palhota era cobrado por habitação, não sendo umtributo pessoal, como o mussoco, cobrado em espécie. O imposto depalhota deveria ser pago em dinheiro. Foi criado para atender àsgrandes companhias de capital especulativo. O mussoco, pela moda-lidade de pagamento, correspondia mais aos objetivos de desenvol-vimento de uma agricultura colonial, mas, para a sua realização com-pleta, exigia que o concessionário efetuasse investimentos, enquan-to que o de palhota podia ser considerado como uma soma semprelíquida e solúvel. (Papagno, 1980:151)8 Pregador milenarista que convenceu populações de várias etnias deque os seus ancestrais os protegeriam no levante contra o coloniza-dor alemão.9 Os daomeanos tinham sido treinados por dois brasileiros agudás:Felix Lino de Souza e Círio de Souza descendentes do Xaxá I, ins-trutores do exército real e antigos artilheiros de Richter Ernst e PeterBuss, agentes das feitorias alemãs de Uidá (Guran, Milton, 2000:Agudás, os brasileiros do Benin. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Ed.U. Gama Filho, p.194, nota 166).10 Hausa Constabulary Southern Nigéria.11 Deutsche Ostafrikanische Gesellschaft.12 Imperial British East African Company.13 King’s African Rifles.14 Igreja cristã separada de Roma.15 Nascido Sahle Mariam, Menelik II era um nobre senhor de terras(ras), e se tornou Imperador da Etiópia de 1889-1907.16 Língua oficial do Império Etíope, ainda nos dias de hoje.17 De Etiópia, único país africano cristão (Igreja Ortodoxa Copta),que desde o século IV teve um clero negro. O etiopismo se desen-

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volveu no século XIX, principalmente na África do Sul, como umprojeto dos cristãos negros para se tornarem independentes da tute-la das igrejas, comandadas por brancos. No início do século XX, elefez uma interpretação laica que substituiu a evangelização pela edu-cação. Foi o neoetiopismo ou pan-negrismo que desembocou nopan-africanismo (Devés-Valdés, 2008:70).18 A abolição da escravidão era uma exigência para se ingressar naSDN (Sociedade das Nações). Assim, o ras Tafari Makonnen (futu-ro imperador Hailê Selassiê) promulgou em julho de 1922, um de-creto que renovava a proibição do tráfico e previa penas severas paraos traficantes; em 15 de setembro de 1923, um decreto condenandoà morte os sequestradores de escravos; e em 23 de setembro a Etiópiaingressou na SDN e assinou a adesão às convenções internacionaispara a abolição da escravidão. Em 1931, promulgou uma nova leideclarando que os escravos ficavam automaticamente livres com amorte dos seus senhores. [Akpan, Monday B. et ali (1987).“L’Ethiopie et le Libéria, 1914-1935: deux Etats independants àl’ère coloniale.” In Boahen, A. Abdu [dir.]. Histoire Générale del’Afrique VII: L’Afrique sous domination coloniale, 1880-1935. Paris:Unesco. Chap. 28, págs. 761-796].19 Em 1902, a frota japonesa, construída em grande parte em esta-leiros do próprio país, esmagou a frota russa, em Tsushima, ocupan-do o porto Arthur, que era o acesso da Rússia ao oceano Pacífico.20 Saint Louis, Gorê, Dakar e Rufisque. A população africana nasci-da nestas comunas tinha a nacionalidade francesa e elegia um depu-tado para a Assembleia Nacional em Paris.21 Esse código permitia ao administrador colonial do escalão maisbaixo, aplicar a seu bel prazer penas de prisão e multas aos indíge-nas. As penas corporais eram proibidas apenas oficialmente, umavez que não existia qualquer controle ou forma de recurso.22 Foi o caso da juventude instruída de Porto Novo, segundo o rela-tório oficial do Governador da AOF ao Ministério das Colônias.

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(Michel, M., 2003)23 No Antigo Regime, antes da revolução francesa, os nobres nãopagavam impostos ao rei, mas pagavam o imposto de sangue, comobrigação de irem para as guerras que o rei declarasse.24 O orçamento lhe permitia retribuir os chefes com 6 a 14 francosfranceses ouro por cada recruta conseguido.25 Zona da libra envolvia a Grã-Bretanha, as suas colônias e a Áfricado Sul.26 O estatuto de domínio existia desde 1907.27 Criou o corpo dos chefes africanos, nomeados e remunerados pelopoder colonial, praticado por todas as potências coloniais.28 Whites only, forbidden for negroes.29 De AOF, África Ocidental Francesa.30 Ideologia pela qual os mais ricos seriam mais aptos a sobreviverque os mais pobres e por isso eram mais evoluídos.31 Militares licenciados temporariamente, em férias.

32 Somente para brancos.33 Liderada por Paul Panda Farnana, também veterano da guerra naEuropa, fundador da Union Congolaise.

34 George Padmore (1903-1959). Militante caribenho do movimen-to panafricanista, co-organizador do Congresso Panafricanista deManchester, em 1945.35 Kwame Nkrumah (1909-972). Primeiro presidente de Gana inde-pendente, panafricanista e co-organizador do Congresso deManchester de 1945.

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Philippe Lamy

O autor

Philippe LamyEspecialista em história da África, licenciado em desenvolvi-mento econômico e social pela Université de Paris 1 - Sorbonne.Coordenou diversos projetos em Moçambique. É pesquisadorda Universidade Candido Mendes – Rio de Janeiro.