pikachu verde e amarelo: a saga da franquia pokémon no brasil

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PUBLICIDADE E PROPAGANDA GABRIELA BIRNFELD KURTZ PIKACHU VERDE E AMARELO: A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL Porto Alegre 2012

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O presente trabalho tem por objetivo avaliar quais foram os efeitos da série Pokémon no Brasil. Foram analisados aspectos como audiência, economia e popularidade da série no Brasil, sempre fazendo a relação com os países onde Pokémon se originou e foi adaptado, Japão e Estados Unidos, respectivamente. As diferenças e semelhanças analisadas foram entre o herói principal, cortes de episódios e cenas, mudanças na imagem, trilha sonora e diálogos. A história originalmente japonesa surgiu das tradições dos mangás, também conhecidos como “histórias irresponsáveis”. Pokémon foi modificado nos EUA em diversos aspectos e a estratégia de lançamento dos produtos também se diferenciou da nipônica. No Brasil, a narrativa permaneceu a mesma dos norte-americanos, com algumas adaptações nos nomes dos monstros de bolso, gadgets e músicas. Os lançamentos e popularidade dos produtos relacionados a Pokémon seguiram as tendências econômicas da época: lenta recuperação do poder aquisitivo dos brasileiros entre 1999 e 2001. Por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, se fez possível identificar a importância da ‘localização’ de Pokémon para o ocidente. O fato de os ‘localizadores’ se preocuparem com o contexto sócio-histórico e os referenciais da audiência ocidental neutralizou a influência nipônica, tornando a franquia global.

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Page 1: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

GABRIELA BIRNFELD KURTZ

PIKACHU VERDE E AMARELO: A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL

Porto Alegre 2012

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GABRIELA BIRNFELD KURTZ

PIKACHU VERDE E AMARELO: A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como

requisito para obtenção do grau de Bacharel em

Comunicação Social, com habilitação em

Publicidade e Propaganda, da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Profª Dra. Silvia Orsi Koch

Porto Alegre 2012

Page 3: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

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GABRIELA BIRNFELD KURTZ

PIKACHU VERDE E AMARELO: A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como

requisito para obtenção do grau de Bacharel em

Comunicação Social, com habilitação em

Publicidade e Propaganda, da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovado em: ____de__________________de________.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________

Profª Dra. Silvia Koch - PUCRS

______________________________________________

Prof Dr. José Fernando Azevedo - PUCRS

______________________________________________

Prof Dr. Roberto Tietzmann - PUCRS

Porto Alegre 2012

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4

AGRADECIMENTOS

Minha trajetória na graduação foi repleta de pessoas especiais. Sem elas,

possivelmente eu não teria aproveitado tanto esta fase da minha vida, com

perseverança e resiliência. Gostaria de agradecer primeiramente à toda a minha

família, em especial aos meus pais, Sandra e Alexandre, meu irmão, Leonardo e à

minha avó Sara, por me apoiarem em todos os momentos, acreditarem e sentirem

orgulho de mim. Expresso também minha gratidão ao meu namorado, Gustavo, que

ficou ao meu lado em todos os momentos de minha graduação, com paciência e

carinho. Também às minhas melhores amigas, parceiras desde o de jardim de

infância, Anelise e Jéssica, que me tiravam da rotina universitária, me lembrando

sempre de que há vida fora do campus.

Na PUCRS, fiz muitos amigos, aprendi com muitos mentores. Quero

agradecer à Ana Carolina (Aninha) e à Renata (Rê), por se tornarem não só

excelentes colegas de trabalhos em grupo, mas amigas para toda a vida. Aos

queridos professores da FAMECOS, em especial a Silvia Koch, minha paciente e

atenciosa orientadora e o Fernando Azevedo, meu primeiro “chefe” no Espaço

Experiência e grande amigo. Agradeço também ao Ir. Albino Trevisan, que me deu a

oportunidade de participar de sua bolsa de iniciação científica, que me proporcionou

muito aprendizado e crescimento pessoal.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo avaliar quais foram os efeitos da série

Pokémon no Brasil. Foram analisados aspectos como audiência, economia e

popularidade da série no Brasil, sempre fazendo a relação com os países onde

Pokémon se originou e foi adaptado, Japão e Estados Unidos, respectivamente. As

diferenças e semelhanças analisadas foram entre o herói principal, cortes de

episódios e cenas, mudanças na imagem, trilha sonora e diálogos. A história

originalmente japonesa surgiu das tradições dos mangás, também conhecidos como

“histórias irresponsáveis”. Pokémon foi modificado nos EUA em diversos aspectos e

a estratégia de lançamento dos produtos também se diferenciou da nipônica. No

Brasil, a narrativa permaneceu a mesma dos norte-americanos, com algumas

adaptações nos nomes dos monstros de bolso, gadgets e músicas. Os lançamentos

e popularidade dos produtos relacionados a Pokémon seguiram as tendências

econômicas da época: lenta recuperação do poder aquisitivo dos brasileiros entre

1999 e 2001. Por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, se fez possível

identificar a importância da ‘localização’ de Pokémon para o ocidente. O fato de os

‘localizadores’ se preocuparem com o contexto sócio-histórico e os referenciais da

audiência ocidental neutralizou a influência nipônica, tornando a franquia global.

Palavras-chave: Pokémon. Cultura. Narrativa transmídia.

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ABSTRACT

The present work has as an objective to evaluate which were the effects of the

Pokémon series in Brazil. Aspects like audience, economy and popularity of the

series in Brazil were analyzed, always making a relation to the countries where

Pokémon has originated and was adapted, Japan and United States, respectively.

The differences and similarities analyzed were between the main hero, cuts in

episodes and scenes, image changes, soundtrack and dialogues. The originally

Japanese story emerged from manga tradition, also known as “irresponsible stories”.

Pokémon was modified in the USA in several aspects, and the launch strategy also

differentiated from the Nipponese one. In Brazil, the narrative remained the same as

the North-Americans’, with some adaptations in the pocket monsters’ names,

gadgets and songs. The launch and the popularity of Pokémon’s related products

followed the economical tendencies of the time: Brazilians’ slow acquisitive power

recovery between 1999 and 2001. Through bibliographic and documental research, it

has been made possible to identify the importance of Pokémon’s ‘localization’ to the

west. The fact that the ‘localizers’ were concerned about the social and historical

context and the western audience’s references neutralized the Nipponese influence,

making the franchise global.

Keywords: Pokémon. Culture. Transmedia Storytelling.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Pippi, Pokémon principal nos quadrinhos..................................... 17

Figura 2 – Pikachu, personagem principal nas séries de TV......................... 17

Figura 3 – Caracteres japoneses no primeiro episódio.................................. 24

Figura 4 – Os caracteres japoneses foram inteiramente removidos.............. 24

Figura 5 – Versão original do banner............................................................. 25

Figura 6 – Na tradução para o inglês, o significado é: “Vai, Ash, Vai!”.......... 25

Figura 7 - O Pokémon Pidgey não se parece com um pombo....................... 59

Figura 8 - Paras possuía mais semelhanças com um crustáceo................... 59

Figura 9 - Revista Pokémon CLUB custava R$ 3,90...................................... 63

Figura 10 - Envelopes continham 3 cromos custando R$ 0,35...................... 64

Figura 11 - Cards promocionais entregues no primeiro filme......................... 65

Figura 12 – Miniaturas Pokémon Grud-Grud, da Estrela............................... 66

Figura 13 – Ioiô Pokémon, da Estrela............................................................ 66

Figura 14 – Jogo Poké-Tapa, da Estrela........................................................ 67

Figura 15 – Guaraná Caçulinha...................................................................... 67

Figura 16 – Cartões telefônicos LigMania Pokémon...................................... 68

Figura 17 – Tazos Pokémon Elma Chips....................................................... 68

Figura 18 – Jó-Kén-Pokémon Elma Chips..................................................... 69

Figura 19 – Cartas de batalha Pokémon Elma Chips..................................... 69

Figura 20 - Pokémon Bulbasauro................................................................... 76

Figura 21 – Estratégia de ‘localização’........................................................... 81

Figura 22 – Estratégia transmídia................................................................... 84

Figura 23 – Estratégia Pokémon no Brasil..................................................... 85

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Diferenças entre narrativa central de Pokémon x cultura............. 72

Tabela 2 – Música de abertura de Pokémon na primeira temporada............. 73

Tabela 3 – Pokémons e suas traduções......................................................... 75

Tabela 4 – Diálogos do episódio “The Kangaskhan Kid”................................ 79

Tabela 5 – Estratégias de lançamento............................................................ 82

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10

2 QUEM É ESSE POKÉMON? ........................................................................ 14

2.1 O NASCIMENTO DE UM “SONHO DE MARKETING” .............................. 14

2.2 A VIAGEM DE POKÉMON PARA O OCIDENTE ....................................... 20

3 CULTURA E NARRATIVA TRANSMÍDIA .................................................... 29

3.1 NOÇÃO DE CULTURA NO CONTEXTO ATUAL ....................................... 29

3.2 A CULTURA E O DISCURSO DAS MÍDIAS .............................................. 34

3.3 A NARRAÇÃO ONIPRESENTE: NARRATIVA TRANSMÍDIA .................... 38

3.3.1 O poder da narrativa das marcas ......................................................... 38

3.3.2 Narrativa, hipertexto e hipermídia ....................................................... 42

3.3.3 Narrativa transmídia .............................................................................. 44

4 PIKACHU VERDE E AMARELO: A NARRATIVA NO BRASIL ................... 49

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................... 49

4.2 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO .............................................................. 51

4.3 A TRAJETÓRIA DE POKÉMON NO BRASIL ............................................ 57

4.4 ANÁLISE DA TRAJETÓRIA POKÉMON NO BRASIL ................................ 70

4.4.1 Localização e narrativa ......................................................................... 70

4.4.2 Estratégia transmídia ............................................................................ 81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 86

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 90

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1 INTRODUÇÃO

A franquia Pokémon tomou conta do mundo inteiro entre os anos de 1997 e

2001. Milhões de crianças foram englobadas por uma completa estratégia de

narrativa transmídia: assistiam ao desenho animado, trocavam cards colecionáveis,

jogavam os games e consumiam toneladas de brinquedos. Fenômenos assim

ocorreram no passado, mas não com a mesma extensão e escala. Um produto

oriundo do oriente conseguiu cruzar o oceano e invadir o ocidente. Contudo, o quão

japonês é Pokémon? Ao ser exportado para outros países, a Nintendo of America se

encarregou de adaptar a franquia aos padrões estadunidenses, para não causar

estranhamento por parte da audiência ocidental.

A identidade cultural é um fator muito importante quando se analisam formas

simbólicas e suas relações com os receptores. A partir de suas experiências, de

seus contextos sócio-históricos, e da forma com a qual esses indivíduos se

enxergam no mundo, a maneira de interpretar um discurso torna-se diferente. Além

disso, no que tange as estratégias de marketing, nem todo o tipo de mídia e

abordagem funciona com todos os grupos, haja vista que estes são permeados

pelas variáveis citadas anteriormente.

O presente trabalho de conclusão busca explorar a questão da ‘localização’ –

termo de Katsuno e Maret (2004) - e narrativa transmídia no Brasil. A ‘localização’ é

uma expressão criada para explicar adaptações de discursos em âmbitos que vão

além da tradução do texto. Essa tradução é também de formas simbólicas, como

trilha sonora, ícones visuais e estrutura narrativa. Este esforço é sempre permeado

por um contexto sócio-histórico, que define as estratégias adotadas. Já a narrativa

transmídia é o desenrolar de uma história em várias mídias, que trabalham em

conjunto, para complementar a narrativa.

Assim, o problema de pesquisa é: quais foram os efeitos da série Pokémon

no Brasil? Dentro de efeitos, englobam-se aspectos como audiência, economia e

popularidade da série no país, sempre fazendo a relação com os países onde

Pokémon se originou e foi adaptado, Japão e Estados Unidos, respectivamente.

Para responder a esse questionamento central, alguns objetivos específicos foram

elencados.

Primeiramente, é necessário contextualizar Pokémon na perspectiva sócio-

histórica do Brasil e do mundo, já que tal visão explica muito de fenômenos como

Page 11: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

11

esse. No momento seguinte, objetiva-se realizar a comparação entre a série no

Japão, nos EUA e em nosso país, para encontrar semelhanças e diferenças na

‘localização’ da série, relacionando, sempre, com fatores culturais que levaram a tais

configurações. No âmbito da estratégia transmídia, se tem por objetivo comparar e

identificar a repercussão da narrativa transmídia de Pokémon nos três países

citados acima, bem como suas particularidades e similaridades.

O caráter da pesquisa é o do estudo exploratório. Este é classificado por não

ser conclusivo, auxiliando o pesquisador a solucionar e/ou aumentar sua expectativa

em função do problema que determinou. Tal estudo é uma opção quando não se

tem informação suficiente sobre determinado tema e se deseja conhecê-lo.

A escolha do caráter exploratório para essa pesquisa é buscar conhecimento

em um assunto não tão explorado, que é Pokémon no Brasil. O tipo de pesquisa é

qualitativo, pois os dados aqui obtidos não são quantificáveis e são dotados de certo

grau de ambiguidade, sendo passíveis de interpretações distintas. A metodologia

empregada na análise dos dados é a Hermenêutica de Profundidade, que se

constitui de três movimentos, que são interdependentes entre si: Análise Formal ou

Discursiva, Análise Sócio-Histórica e Interpretação/Reinterpretação.

Para encontrar informações que contribuíram para a pesquisa, foram

utilizadas técnicas de pesquisa como a bibliográfica e a documental. Na

bibliográfica, autores relacionados ao tema foram utilizados para a base da análise a

fim de delimitar conceitos e pontos de vista. Esta etapa é importante para o trabalho,

pois dá embasamento para a análise posterior. Já na pesquisa documental, foram

levantadas notícias, material publicitário, revistas e imagens na Internet. É

importante destacar que, por Pokémon ser um tema relativamente novo, e

pertencente a uma história que se encontra em constante movimento, a Internet foi o

meio escolhido para buscar os dados necessários para a análise, na falta de

documentos formais sobre o assunto.

Este trabalho é constituído de três capítulos. No primeiro, “Quem é esse

Pokémon?”, foi contextualizada a franquia, desde seu nascimento no Japão –

contido no subcapítulo “O nascimento de um sonho de marketing” - até os esforços

de adaptação da série nos Estados Unidos – no subcapítulo “A viagem de Pokémon

para o ocidente”. Neste é realizada a reflexão acerca da produção de Pokémon e até

que ponto a estratégia contou com a sorte, ou com planejamento puro. Os principais

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autores abordados neste capítulo são: Anne Allison (2004), Paul Gravett (2006),

Koichi Iwabuchi (2004), Hirofumi Katsuno (2004) e Jeffrey Maret (2004).

No segundo capítulo, “Cultura e narrativa transmídia”, são abordados

conceitos culturais e narrativos. Os autores escolhidos para este capítulo teóricos

são: Denys Cuche (1999), Manuel Castells (2001), John B. Thompson(2009), Patrick

Charaudeau (2006), Lev Manovich (2001) e Henry Jenkins (2009). O primeiro

subcapítulo, “Noção de cultura no contexto atual” aborda o assunto de identidade

cultural, responsável por uma parte da definição nossa como indivíduos. No segundo

subcapítulo, “A cultura e o discurso das mídias”, é discutida a questão da relação

entre a identidade cultural e a análise de discurso, sendo esta análise permeada por

diferenças e semelhanças culturais. No terceiro subcapítulo, “A narração

onipresente: narrativa transmídia”, é abordado o poder que as narrativas têm sobre

as marcas, o hipertexto e a hipermídia – conceitos que vêm antes dos estudos de

transmídia –, convergência de mídias e a própria narrativa transmídia.

Já o terceiro capítulo, “Pikachu verde e amarelo: a narrativa no Brasil”

compreende a análise dos dados obtidos permeado pelo problema de pesquisa e

seus objetivos específicos. No primeiro subcapítulo, é apresentada de forma

detalhada a metodologia utilizada para este trabalho, e os principais autores desta

etapa são: Neves (1996), Thompson (2009), Oliveira (2008) e Duarte (2008). No

segundo subcapítulo, são reunidos dados de contexto sócio-histórico, tanto do Brasil

quanto do mundo, no período que compreendeu o auge da série Pokémon em nosso

país: de 1999 a 2001. No terceiro subcapítulo, “A trajetória de Pokémon no Brasil”, é

o levantamento de dados acerca dos efeitos que a franquia teve nos consumidores

brasileiros, nos âmbitos social, econômico e histórico.

O quarto subcapítulo “Análise da trajetória Pokémon no Brasil” compreende a

interpretação dos dados obtidos durante todo o trabalho de conclusão, por

intermédio de quatro autores considerados mais relevantes: Thompson (2009),

Charaudeau (2006), Castells (2001) e Vincent (2005). Nesta análise, são discutidos

aspectos da adaptação e da narrativa transmídia de Pokémon do Japão para os

EUA, até chegar ao Brasil. Assim, busca-se entender quais os aspectos da

‘localização’ da série são semelhantes e quais são diferentes, e encontrar relações

com os teóricos descritos acima. Também faz parte da análise trazer à tona as

estratégias transmídia distintas que foram empregadas em cada um dos países, com

o intuito de entender os motivos das escolhas dos profissionais de marketing.

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13

A motivação para este trabalho partiu do interesse da autora pelo tema, uma

vez que este teve um papel importante em sua infância e pré-adolescência. Em sua

vida acadêmica, ao se deparar com a literatura de Henry Jenkins, “Cultura da

Convergência”, encontrou uma pequena passagem sobre estratégias transmídia

japonesas. E, entre elas, estava Pokémon. A identificação com o assunto foi

imediata, e a pesquisadora desejou buscar mais informações sobre a série, o que

culminou na definição deste TCC. A curiosidade, então, surgiu para avaliar até que

ponto os efeitos – e o sucesso - da série Pokémon foram influenciados pela

identidade cultural.

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2 QUEM É ESSE POKÉMON?

O primeiro capítulo da presente monografia irá abordar o objeto de pesquisa,

a franquia transmídia Pokémon. Iniciará com uma contextualização histórica da

série, bem como as mudanças que ocorreram no andamento da mesma de acordo

com diferentes mídias e aspectos culturais. O referencial teórico predominante

desse capítulo é o livro Pikachu’s Global Adventure: The Rise and Fall of Pokémon,

organizado por Joseph Tobin. Os autores principais são Anne Allison (2004), Paul

Gravett (2006), Koichi Iwabuchi (2004), Hirofumi Katsuno e Jeffrey Maret (2004).

2.1 O NASCIMENTO DE UM “SONHO DE MARKETING”

Luigi Longinotti-Boutoni (1999, p. 57), em seu livro Vendendo Sonhos,

escreve: “Uma empresa que vende sonhos nunca pode se limitar a vender

simplesmente produtos ou serviços; ela precisa vender uma experiência”. O ex-CEO

da Ferrari North America inseriu no vocabulário de marketing a expressão

“sonharketing” para definir a estratégia de “vender sonhos” para o cliente. Mas o que

exatamente são esses sonhos?

[...] sonhos são compostos de símbolos, chamamos de consumo simbólico os impulsos multissensoriais que ligam emocionalmente a fantasia do cliente ao produto físico. Do ponto de vista do consumo simbólico, os produtos são vistos menos como entidades objetivas e muito mais como símbolos subjetivos. [...] Os produtos e serviços de que os sonhos são feitos contêm naturalmente muito mais peso simbólico do que aqueles que satisfazem necessidades.

(LONGINOTTI-BOUTONI, 1999, p. 67)

O “sonharketing”, então, baseia-se na interpretação juntamente com a

moldagem dos desejos mais fortes dos consumidores. As empresas precisam cativar

os clientes por meio de sua imaginação, criando experiências fantásticas. O objeto

de pesquisa atual faz parte dessa gama de produtos e serviços (como a Ferrari,

Revlon e Coca-Cola) considerados verdadeiros sonhos que se tornaram realidade.

(LONGINOTTI-BOUTONI, 1999)

No final dos anos 80, a era de ouro dos games iniciava. Daquele para este

século, muito mudou, e a tendência no desenvolvimento de games tem sido na

direção de jogos mais complexos, que compele os jogadores para formas solitárias

de engajamento. Perturbado com essa tendência recorrente para o atomismo, um

jovem japonês de 18 anos chamado Tajiri Satoshi idealizou realizar um jogo que

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15

promovesse interação social – denominando-o Pokémon. (ALLISON, 2004). Como

Anne Allison (2004) descreve, aos 12 anos, Tajiri era um viciado em games, e

costumava jogar Space Invaders em um fliperama de sua cidade. Tajiri foi fisgado

por esses mundos virtuais como se estivesse na natureza.

Tajiri Satoshi realizou uma entrevista para a revista Time (CHUA-EOAN e

LARIMER 1999), contanto sua trajetória no universo Pokémon. Os próximos dois

parágrafos abordam essa matéria da revista. Juntamente com alguns amigos

(incluindo Ken Sugimori, o designer dos 151 primeiros Pokémons), Tajiri iniciou uma

revista em 1982 chamada Game Freak. Nela havia publicações de dicas e códigos

secretos de seus jogos favoritos. No entanto, Tajiri perseguia algo maior: "Nossa

conclusão foi: não havia muitos jogos de boa qualidade, então vamos fazer o nosso.”

Dessa forma, ele desmontou um console da Nintendo e aprendeu a fazer jogos

sozinho. Em 1989, com o lançamento do Game Boy da Nintendo, Tajiri descobriu

novos horizontes: no console portátil havia um cabo que poderia ligar dois aparelhos

juntos. "Eu imaginei um inseto se movendo para frente e para trás pelo cabo. Foi

isso que me inspirou”. Tajiri encontrou a fórmula que faria Pokémon ser um “sonho

de marketing” (GRAVETT, 2006, p. 75). Coletar criaturas levaria a trocas via Game

Boys, e eventualmente entre colecionadores de cartas e bonecos.

Ainda nesta entrevista (CHUA-EOAN e LARIMER 1999), Tajiri relata que,

mesmo após assinar o contrato para desenvolver o jogo, foram seis anos até sua

conclusão, em meio a altos e baixos. Dessa maneira, quando Pokémon foi

finalizado, em 1996, a tecnologia do Game Boy estava ultrapassada. Masakazu

Kubo, produtor executivo da companhia de publicações Shogakugan Inc. comenta:

“Nenhuma revista ou programa de TV estava interessada. [...] Nem criadores de

brinquedos”.

Contudo, os consoles portáteis ainda eram muito mais acessíveis para os

jovens japoneses. A companhia de Masakazu Kubo entendeu a mensagem e

lançou, juntamente com o game, uma série em mangá e os primeiros cards

colecionáveis. E esse foi apenas o início de parcerias:

Entrando na produção e em acordos de licença com companhias japonesas - Game Freak, Creatures, Shogakukan and TV Tokyo, entre outras – e com companhias estrangeiras, incluindo a subsidiária completamente deles, a Nintendo of America, Wizards of the Coast (agora uma divisão da Hasbro), 4 Kids Enternainment e a Warner Brothers Network, a Nintendo criou um leque de produtos inter-relacionados que dominaram o consumo infantil entre 1996 e 2001, aproximadamente (TOBIM, 2004, p. 3, tradução nossa).

Page 16: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

16

Antes mesmo de ser conhecido como o animê, Pokémon inciou como jogo

para Game Boy, mangá e cards colecionáveis. No game, o objetivo era capturar 151

Pokémons durante a trajetória de um herói. Conforme Buckingham e Sefton-Green

(2006), o jogo Pokémon foi desenvolvido para explorar os pontos fortes da

plataforma (Game Boy), de uma maneira que iria à contramão das tendências

dominantes da indústria. Longe de aspirar aos realismos 3D da mesma forma que os

consoles contemporâneos, Pokémon visa à simplicidade gráfica. Apesar de criar um

mundo completamente ficcional como em Zelda e Final Fantasy – ambos voltados

para jovens adultos -, ele possibilita às crianças imaginarem a maior parte do mundo

elas mesmas.

Pokémon é um exemplo de narrativa transmídia, assunto que será abordado

no próximo capítulo. Contudo, é preciso contextualizar a história nesse ambiente

onde muitas mídias interagem em conjunto. Dessa forma, sem muito

aprofundamento nesse capítulo, narrativa transmídia, segundo Henry Jenkins:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório do público dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. (JENKINS, 2009, p. 29)

Nesse contexto, com um produto multiplataforma, a franquia constantemente

se reinventava. Na criação das revistas em quadrinhos (que vieram logo após o

lançamento do game) e na série de televisão, Pippi e Pikachu foram escolhidos

como os personagens principais, respectivamente. Contudo, nem Pippi ou Pikachu

eram os protagonistas no jogo para Game Boy (IWABUCHI, 2004). Iwabuchi ainda

completa:

Pippi (em inglês Clefairy) foi selecionado como o principal personagem Pokémon para fazer a série de revistas em quadrinhos mais “engajante”. Contudo, para atrair telespectadores mais jovens e meninas, bem como suas mães, Pikachu substituiu Pippi como o personagem principal quando a série de TV foi introduzida em 1997 (IWABUCHI, 2004, p. 63, tradução nossa).

Page 17: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

17

Figura 1 – Pippi, Pokémon principal nos quadrinhos

Fonte: DOCTRUYEN. Disponível em: <http://doctruyen.vechai.info/pokemon-pippi-chap-3/> Acesso em: 11 nov. 2012.

Figura 2 – Pikachu, personagem principal nas séries de TV

Fonte: POKEMON VERSUS DIGIMON. Disponível em: <http://pokemonversusdigimon.blogspot.com.br/2010/06/pikachu.html> Acesso em 11 nov. 2012.

Ainda segundo Iwabuchi (2004), o desenvolvimento da estratégia de

Pokémon foi obtido por tentativa e erro no mercado japonês. No momento em que

os componentes dessa estratégia se encaixaram no Japão, eles poderiam ser

utilizados sistematicamente para introduzir Pokémon ao mercado global. A

promoção da série no ocidente foi formada por um conjunto de desenhos animados,

revistas em quadrinhos, filmes, merchandising dos personagens e jogos de Game

Boy.

A tradição japonesa, até muito recentemente, foi de fornecimento de

eletrônicos. Conhecido como um produtor de tecnologia de alta qualidade

(automóveis, videocassetes, televisões), o selo Japonês na esfera cultural de

tecnologia ‘suave’ – música, dramas de televisão, ídolos pop – têm sido bem mais

Page 18: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

18

limitado. Como o designer do Walkman da Sony lamenta, enquanto a tecnologia

japonesa circula abertamente ao redor do mundo, poucas pessoas (fora do Japão)

têm sido similarmente impressionadas ou comovidas pela cultura japonesa

(ALLISON, 2004).

A dificuldade de emplacar sucessos culturais se devia, de maneira geral, ao

“odor cultural” que o oriente possui sobre o ocidente. Segundo Koichi Iwabuchi

(2004), professor de mídia e estudos culturais no Japão, o termo “odor cultural” é

utilizado para se referir à maneira em que cada característica cultural do país de

origem é associada a um produto em particular no processo de consumo.

Culturalmente, o oriente sempre demonstrou diferenças muito grandes em

relação ao ocidente. No Japão, segundo Paul Gravett (2006), a palavra “estrangeiro”

não existe. O que há é a palavra “gaijin”, que significa “pessoa de fora”. Dessa

forma, o país forjou uma imagem de autoisolamento, “selado pelo sangue e pela

tradição”. O primeiro país a interferir nessa cultura foi os Estados Unidos, em 1863,

quando seus navios entraram na baía de Edo. Contratos comerciais foram

assinados, cessando o isolamento oriental:

Dessa forma, já que os japoneses não podiam mais evitá-lo, o contato com o mundo exterior seria ao menos feito em seus próprios termos, como parte de seu dever patriótico para tornar a nação mais forte. (GRAVETT, 2006, p.14)

Após os primeiros contatos, os japoneses se tornaram bons em aprender com

“as pessoas de fora” (GRAVETT, 2006). O fenômeno que ocorreu com o automóvel

e com o chip de computador, segundo Gravett (2006), onde os japoneses superaram

os EUA em seu próprio campo – tecnologia -, se repetiu com o mangá (a origem dos

desenhos animados japoneses, jogos e outras manifestações). Com a base dos

quadrinhos americanos e seu amor tradicional pela arte popular de entretenimento,

os japoneses “os ‘niponizaram’, de forma a criar um veículo narrativo com suas

próprias características” (GRAVETT, 2006, p.14). E, ainda segundo Gravett (2006,

p.14), excedendo os limites das tiras diárias ou dos gibis americanos de 32 páginas,

eles criaram quadrinhos com “narrativas longas e livres, feitas para ambos os sexos

e quase todas as idades e grupos sociais. Os japoneses transformaram os

quadrinhos em uma poderosa literatura de massa”.

Contudo, isso tornou o “odor cultural” (IWABUCHI, 2004, p.47), japonês muito

mais forte, abrindo margens para preconceitos do ocidente. Podem-se citar alguns

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19

exemplos contidos no livro de Paul Gravett - Mangá: como o Japão reinventou os

quadrinhos (2006, p. 13). Palavras como “excessos sadistas”, “canibalismo” e

“decapitações” descreviam os mangás em artigos de revistas britânicas como a New

Society e a The Great Hallway Bazaar nos anos 60 e 70. A própria palavra mangá

surgiu na língua inglesa com tom pejorativo. Um estudo realizado por Frederik

Schodt deu início a isso. Em sua publicação, ele explicava que os ideogramas “man”

significava “involuntário” e “ga”, “imagens”:

O ideograma “man”, Schodt completava, “tem um significado secundário e ‘moralmente corrupto’”, o que produziu a tradução “imagens irresponsáveis”. E essa foi a definição que foi divulgada à exaustão pela mídia e pelos críticos da área, assegurando a estigmatização do mangá no Ocidente.(GRAVETT, 2006, p.13)

Segundo GRAVETT (2006, p.156), “O fato de que a aceitação do mangá fora

do Japão seja frívola e distorcida não deveria ser nenhuma surpresa”. O mesmo

ocorre para todas as outras manifestações do entretenimento japonês,

diferentemente do mercado tecnológico:

Sony é o principal exemplo de uma companhia japonesa que desde o início aspirou ser uma companhia global. O nome da companhia e de seus produtos, como o Walkman, é em inglês, ‘a língua mundial’. O que caracteriza a Sony (e os manufaturadores japoneses em geral) é a estratégia de marketing sensível às diferenças do mercado local. [...] ela é mais bem expressa por algo que a Sony chama de ‘localização global’, ou ‘glocalização’. Para ter sucesso simultaneamente em mercados locais diferentes, as companhias tentam ‘transcender diferenças nacionais vestigiais e criar mercados globais padronizados, ainda continuando sensível às peculiaridades de mercados locais e segmentos de consumidores diferentes (IWABUCHI, 2004, p. 67, tradução nossa).

Dessa forma, o Japão se tornou famoso por exportar produtos tecnológicos e

‘culturalmente neutros’, em contraste à indústria de entretenimento norte-americana.

(IWABUCHI, 2004). Ainda de acordo com Iwabuchi (2004, p.56, tradução nossa):

“Hoskings e Mirus contrastam a facilidade de exportar commodities culturalmente

neutras com a dificuldade muito maior de exportar produtos que são culturalmente

enredados”. Esses produtos são, por exemplo, filmes japoneses, programas de

televisão e música (IWABUCHI, 2004). Isso também se deve à imagem negativa que

circula no ocidente, em que o Japão é uma terra de nerds que “evitam contato físico

e pessoal e estão ‘perdidos para o cotidiano’ por causa de sua imersão na realidade

computadorizada” (IWABUCHI, 2004, p.59, tradução nossa).

Em face desses desafios, os japoneses precisariam criar um produto para

exportação diferente do que existia para eles, onde as histórias eram feitas “para

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20

japoneses, culturalmente específicos e baseados em valores compartilhados,

criados sem preocupação com possíveis respostas estrangeiras à sua abordagem

do sexo, do cristianismo e de outras questões polêmicas” (GRAVETT, 2006, p. 156).

O diretor da versão animada do aclamado Ghost In The Shell (CREATOR..., [200?]),

Oshii Mamoru, diz que os animadores e cartunistas japoneses inconscientemente

escolheram não desenhar personagens nipônicos realistas, e sim, personagens

baseados em pessoas caucasianas (IWABUCHI, 2004).

2.2 A VIAGEM DE POKÉMON PARA O OCIDENTE

A entrada positiva e definitiva do entretenimento japonês nos mercados

ocidentais (especialmente nos EUA) se deu com ajuda da Marvel Comics e da onda

“cyberpunk”, liderada por Neuromancer, romance de William Gibson, de 1984. Em

1988, a Marvel Comics lançou os quadrinhos originais de Akira, escrito por Katsuhiro

Otomo com a diferença de ter trabalhado em uma colorização que lembrava o

cinema (os originais eram em preto-e-branco) (GRAVETT, 1996). Em novembro de

1995, o filme animado Ghost in the Shell - O Fantasma do Futuro, no Brasil (FILHO,

[2000-2010]) - foi às telas simultaneamente no Japão, América e Grã-Bretanha

(IWABUCHI, 2004):

[...] esse mercado nascente foi ameaçado em vários países por excessos na produção, escolhas editoriais malfeitas e cobertura tendenciosa por parte da imprensa. Apesar disso ele sobreviveu e prosperou atraindo novas gerações de jovens leitores com adaptações de sucesso da TV e jogos para computadores, além da internet, já que se tornou mais fácil baixar e assistir a trechos ou episódios completos de anime, ler amostras de mangás e compartilhar descobertas [...] com as comunidades globais (GRAVETT, 1996, p. 159).

Segundo Iwabuchi (2004), nos anos 90, a Nintendo, a Sony e a Sega – três

companhias japonesas – dominavam o mercado de jogos digitais. Jogos como

Super Mario Brothers e Sonic exemplificam a popularidade dos softwares nipônicos.

De acordo com uma pesquisa de 1995 – citação de Iwabuchi (2004) do livro Sekai

Shohin no Tsukurikata: Nihon Media ga Sekai o Sesshita hi, de Akurosu

Henshushitsu -, Mario havia se tornado um personagem mais conhecido que o

Mickey Mouse entre as crianças norte-americanas. E, foi nesse contexto que surgiu

Pokémon no mundo ocidental.

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Jenkins (2009, p. 183) afirma que “A narrativa transmídia mais elaborada, até

agora, talvez esteja nas franquias infantis, como Pokémon e Yu-Gi-Oh!”. Jenkins

(2009, p. 283) cita os professores de pedagogia David Buckingham e Julian Sefrom-

Green, que dizem: “Pokémon é algo que você faz, não algo que você apenas lê, vê

ou consome.” A série foi exibida pela primeira vez no Japão em 1997. Iniciou como

um jogo para Game Boy, mas “[...]passou a ser desenho de TV, cardgame, mangá,

brinquedo, filme e sonho de marketing” (GRAVETT, 2006, p. 75).

Diferentemente do Japão, onde Pokémon começou como um jogo para Game

Boy, a franquia surgiu nos Estados Unidos primeiramente como um programa de

televisão. A Nintendo of America (NOA) e a Warner Brothers juntaram forças para

criar uma campanha massiva para o programa de televisão. Dessa forma, alguns

meses depois, os jovens telespectadores norte-americanos esperavam pelo próximo

passo da narrativa de Pokémon. A série de televisão, então, preparou o mercado

para games, cards colecionáveis e merchandising que logo seriam introduzidos

(KATSUNO;MARET, 2004).

Contudo, não foi apenas a ordem dos esforços midiáticos que foi alterada

nessa exportação de Pokémon do oriente para o ocidente. “A série de TV Pokémon

apresentada nos Estados Unidos (e em qualquer outro lugar do mundo fora da Ásia)

não é a mesma série que foi ao ar no Japão” (IWABUCHI, 2004, p. 67, tradução

nossa). Ainda conforme Iwabuchi (2004), copiando os esforços de marketing das

commodities tecnológicas, Pokémon foi adaptado para o mundo globalizado.

Nesse ponto, é importante fazer distinção entre os termos ‘tradução’ e

‘localização’1. Tradução é o ato de traduzir, que por sua vez significa “transpor,

transladar, de uma língua para outra, verter” (FERREIRA, 1993, p. 541). Para

entender o processo de ‘localização’, Katsuno e Maret (2004, apud Delabastita 1990,

p. 101-102) descrevem um texto audiovisual sendo constituído de três signos: signos

verbais transmitidos acusticamente (diálogo), signos não verbais transmitidos

acusticamente (efeitos sonoros e música de fundo) e signos linguísticos transmitidos

visualmente (expressões faciais, entre outras). Como termo “tradução” se refere

apenas a palavras, para descrever o que foi realizado com a série de televisão em

questão ao ser exportada para os Estados Unidos, o termo “localização” é mais

1 Tradução nossa do termo em inglês citado por Katsuno e Maret: ‘localization’.

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22

adequado, pois indica o processo de modificação de todos os signos contemplados

acima (KATSUNO;MARET, 2004).

Dessa maneira, em 1998, ao ser contratada pela Nintendo of America para a

dublagem e adaptação da série de TV, a 4Kids Entertainment precisava fazer

esforços para que o desenho animado fosse acessível e atraente para as crianças

estadunidenses e sem objeções por parte de seus pais. Outra preocupação era a

forma com a qual a narrativa da televisão iria interagir e dar suporte aos produtos

relacionados, como videogames, cards colecionáveis, brinquedos, livros e roupas.

(KATSUNO;MARET, 2004). Já que, embora Pokémon estivesse focado em uma

audiência jovem, a série é oriunda da tradição do animê. É necessário aqui fazer um

adendo, com a definição do iDicionário Aulete ([2000-2010]) em relação à palavra

‘animê’. É um desenho animado japonês, gerado por adaptações de histórias em

quadrinho homônimas, conhecidas como mangá. Sendo o animê tipicamente

japonês, alguns episódios estavam predestinados a incluir temas que normalmente

não são encontrados nos desenhos animados ocidentais, mais especificamente,

norte-americanos (KATSUNO;MARET, 2004).

Para Katsuno e Maret (2004), o processo de ‘localização’ da série de

Pokémon nos Estados Unidos precisava estar de acordo com o estilo mais limitado

de desenho animado normalmente assistido pelas crianças norte-americanas. Para

que isso ocorresse, alguns elementos da série japonesa acabaram por ser

modificados ou eliminados, e novos pontos de referência e associações foram

criados. Em algumas situações, novos significados totalmente diferentes do original

surgiam em virtude dessa ‘localização’.

Enquanto nas narrativas japonesas “[...] Bem e mal são raramente

apresentados em preto e branco, e heróis normalmente questionam suas

motivaçoes e valores” (KATSUNO;MARET, 2004, p.83, tradução nossa), nas

narrativas norte-americanas, a dicotomia entre o bem e o mal é claramente definida.

Dessa forma, os ‘localizadores’ adaptaram a série para que Ash fosse, sem sombra

de dúvida, o herói. (KATSUNO;MARET, 2004). Diferentemente das “histórias

irresponsáveis” descritas por Gravett (2006, p.13), os comics norte-americanos

necessitavam um compromisso com a moral e lógica, como David Kunzle (1973)

comenta em The Early Comic Strip.

Um problema identificado na ‘localização’ da série foi a necessidade de retirar

traços de violência contidos nela. Segundo Katsuno e Maret (2004), o episódio: “A

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23

Lenda de Dratini” é um exemplo da incapacidade dos ‘localizadores’ de suprimir a

violência. Este episódio nunca foi ao ar nos Estados Unidos. Nesta parte da história,

Satoshi, Kasumi e Takeshi (Ash, Misty e Brock) vão para um local chamado “Safari

Zone”. Lá eles encontram um homem estilo cowboy chamado Kaiza, com uma

personalidade facilmente irritável. Enquanto conversa com Ash, ele aponta uma

arma para o protagonista e o ameaça. Neste mesmo episódio, Kaiza atira nos vilões

da Equipe Rocket, apesar de ninguém ter ficado seriamente machucado.

De acordo com Katsuno e Maret (2004, p.90, tradução nossa), “está claro

porque este episódio foi suprimido do mercado dos EUA. A ameaça de violência

com armas, particularmente nas escolas dos EUA, faz dessa paródia de um cowboy

fanfarrão e violento problemática”. Os autores ainda lembram que, em 1998, ano

que Pokémon estreou nos Estado Unidos, quatro massacres ocorreram em escolas

no país, e nove crianças perderam suas vidas. O massacre de Columbine ocorreu

na primavera seguinte, no momento em que a febre Pokémon estava no auge.

Segundo Jorge Nóvoa (2006), no documentário Tiros em Columbine, Michael Moore

“procura despertar o povo americano para algo que se encontra inevitavelmente

cada vez mais no centro da propulsão do capitalismo mundial: a indústria de

armamentos” (NÓVOA, 2006, p.4). Ainda segundo Nóvoa (2006), o número de

mortes anuais por armas de fogo nos Estados Unidos era de 11 mil em 2006.

Outro aspecto importante na mudança no tom da narrativa foi na trilha sonora.

De acordo com Katsuno e Maret (2004, p. 84, tradução nossa):

“[…] O time de ‘localizadores’ dos EUA alteraram a trilha sonora japonesa significativamente. […] A série Pokémon japonesa possui uma partitura orquestral dramática que tende a dar peso e intensidade e intervalos de silêncio para construir uma tensão dramática. […] A adaptação americana de Pokémon não utiliza a música , como na versão japonesa, para aumentar a tensão e drama, mas na tradição dos desenhos animados americanos, para sinal de entrada aos telespectadores para o tom da ação na tela. A trilha sonora dos EUA tem muito mais qualidade pop do que a original japonesa.

Além da evidente alteração na trilha sonora, aspectos visuais também

englobaram a ‘localização’ da série. De acordo com Katsuno e Maret (2004), os

‘localizadores’ da 4Kids Enterntainment procuraram retirar todos os traços exóticos

ou exclusivamente japoneses da série para a audiência estadunidense. Muitas

características do original caracterizadas como japonesas foram escondidas,

suavizadas e até removidas. Logo, o processo foi muito mais do que apenas traduzir

o script para o inglês. Uma das mudanças mais consistentes foi a remoção de letras

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japonesas. Outras referências visuais relacionadas à cultura, cotidiano e

alimentação foram por vezes eliminadas ou colocadas em segundo plano no

processo de edição, como sugerem as imagens a seguir:

Figura 3 – Caracteres japoneses no primeiro episódio

Fonte: DOGASU’S BACKPACK. Disponível em: <http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>. Acesso em 19 ago. 2012.

Figura 4 – Os caracteres japoneses foram inteiramente removidos

Fonte: DOGASU’S BACKPACK. Disponível em: <http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>. Acesso em 19 ago. 2012.

Page 25: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

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No blog Dogasu’s Backpack ([2000-2012]) é realizada uma análise minuciosa

de todos os episódios da primeira temporada de Pokémon, no que tange o esfoço de

‘localizar’ a série. As imagens acima são do episódio de número 1, marcando a

primeira mudança na parte visual. Em outras situações, o que ocorria era a

eliminação de caracteres japoneses e a colocação de uma tradução, nem sempre

literal, como sugere o autor do blog Dogasu’s Backpack ([2000-2012], tradução

nossa): “Quando a mãe do Satoshi traz todas aquelas pessoas para o laboratório de

Ochid-Hakase para torcer para ele, essas pessoas estão segurando um banner que

diz Ganbare Satoshi! (Boa sorte, Satoshi!). Isso foi traduzido pelos dubladores”.

Figura 5 – Versão original do banner

Fonte: Dogasu’s Backpack. Disponível em: <http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>. Acesso em 19 ago. 2012.

Figura 6 – Na tradução para o inglês, o significado é: “Vai, Ash, Vai!”

Fonte: Dogasu’s Backpack. Disponível em: <http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>. Acesso em 19 ago. 2012.

Outra cena que merece atenção nesta análise ainda se refere ao primeiro

episódio. No blog Dogasu’s Backpack ([2000-2012], tradução nossa), há a descrição

dessa cena: “Quando Kasumi pesca Satoshi para fora da água, ela diz: ‘Você está

bem?’ Satoshi diz que ele está bem e Kasumi lhe dá um tapa na cara, dizendo que

ela estava perguntando sobre o Pokémon dele, não sobre ele.” O que ocorre na

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26

versão norte-americana, segundo o autor do blog, é o congelamento da cena no

rosto de Ash (Satoshi) para remover o tapa.

Como Katsuno e Maret (2004) observam, é provável que a remoção deste

tapa ocorreu para amenizar indícios de um relação amorosa entre Satoshi (Ash) e

Kasumi (Misty). Em filmes clássicos de Hollywood, quando uma mulher bate em um

homem no rosto, especialmente em seu primeiro encontro, indica um envolvimento

romântico futuro, que normalmente se torna real no final do filme, como em E O

Vento Levou e Indiana Jones.

Em outras situações, diálogos inteiros são modificados de forma a reduzir

estranhamento em relação à cultura. Conforme analisado por Katsuno e Maret

(2004), na cena final de “Nibi Jimu no Tatakai”, Brock encontra seu pai

desaparecido. Após sua partida, Brock ficou incumbido de cuidar de seus dez (10)

irmãos. Neste episódio, seu pai se oferece para cuidar das crianças para que Brock

possa perseguir seu sonho de ser um treinador de Pokémons. Takeshi (Brock)

dispara rapidamente as instruções de como cuidar das crianças a seu pai.

Na versão japonesa traduzida por Katsuno e Maret (2004, p. 87, tradução

nossa), Takeshi diz: “Jiro gosta de aka-miso, Saburo sempre toma shiro-miso, mas

Imoko sempre comerá apenas azu-miso. E Goro insiste em sumashi-jiru”. Já na

versão americana, lançada pela 4 Kids, a fala é diferente: “Suzy sempre rasga seus

vestidos então é melhor você aprender a costurar, e Timmy come apenas espaguete

gelado no café da manhã. Tommy gosta de cereal no jantar”.

Essa obviamente não é uma tradução literal do script japonês. Aka-miso,

shiro-miso, azu-miso e sumashi-miso são tipos de sopas japonesas. Sem uma

adaptação, muitos telespectadores americanos não entenderiam que se tratava de

comida. Em contraste a isso, “espaguete gelado para o café da manhã” e “cereal no

jantar” são acessíveis para a audiência ocidental. Além disso, continua

demonstrando a caótica maneira de Brock cuidar das crianças (KATSUNO;MARET,

2004).

De certa forma, traduzir desenhos animados japoneses é muito mais fácil do

que traduzir mangás. Paul Gravett discorre sobre o assunto:

Além do tamanho considerável das histórias e as dificuldades de tradução, os quadros precisavam ser rearranjados para poder ser lidos da esquerda para a direita. E não é só uma questão de “inverter” a página inteira como num espelho: isso pode levar personagens destros a se tornarem canhotos ou as dobras e nós das roupas tradicionais podem acabar ficando fora de ordem. Por outro lado, se você mantiver os quadros “não invertidos”, mas

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inverte sua sequência, as falas dos personagens podem acabar ficando fora de ordem (GRAVETT, 2006, p. 156).

Em comparação, ainda segundo Gravett (2006), os desenhos animados

nipônicos demandavam, proporcionalmente, alterações significativamente menores:

títulos adaptados, dublagem, e alguns cortes nas cenas com traços de violência,

para a adequação às normas televisivas do país de destino. Citado por Iwabuchi

(2004), Kubo Masakasu, um dos encarregados pela produção da série de televisão,

explica que ele e outros produtores acreditavam que Pokémon seria relativamente

fácil de ‘localizar’ para o mercado Global, pois na maioria das aventuras de Satoshi e

Pikachu parecem ser mukokuseki (ocidentais) e não há aspectos religiosos

envolvidos. Parecia fácil produzir versões internacionais apenas apagando

caracteres japoneses o máximo possível.

No entanto, o trabalho de ‘localização’ se deu de maneira muito mais intensa

do que Kubo previa: segundo Iwabuchi (2004), o produtor que primeiro trouxe

objeções às mudanças propostas, admite que a estratégia agressiva contribuiu para

o sucesso global de Pokémon. Assim, comprovando a hegemonia da cultura norte-

americana sobre a japonesa, a versão refeita nos EUA foi exportada para o resto do

mundo. A ambição da NOA (Nintendo of America) era justamente de tornar

Pokémon um produto global, em vez de japonês (IWABUCHI, 2004).

Nesse sentido, de acordo com Buckingham e Sefton-Green (2006 p. 19), “[…]

a diferença entre Pokémon e fenômenos anteriores pode ser uma questão de escala

ou grau, em vez de tipo”. O jogo para Game Boy foi traduzido para inglês, francês,

alemão, espanhol e português. O programa de televisão e os filmes foram ainda

mais longe, incluindo versões em italiano, mandarim, cantonês, coreano, hebraico e

grego. (IWABUCHI, 2004)

Como foi observado nesse capítulo inicial, Pokémon conquistou o mundo com

sua narrativa transmidiática com dimensões dificilmente vistas em outras febres do

mesmo gênero. Contudo, não bastou apenas a criação de uma estratégia no oriente:

grande parte do trabalho de disseminação da franquia se deu graças a esforços de

‘localizadores’ da Nintendo of America (NOA). Neutralizando aspectos culturais da

narrativa e adaptando-a a valores morais estadunidenses, Pokémon é a prova de

que nada que ocorre no mercado atual é por acaso. A sorte esteve ao lado de Tajiri

nos primeiros momentos, mas foi a preocupação por parte da NOA com a cultura e

com as diferentes modalidades da narrativa que realmente configuram a série como

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notável. No próximo capítulo serão abordados temas teóricos relacionados ao objeto

de pesquisa, iniciando por aspectos culturais, passando por narrativa e narrativa

transmídia.

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3 CULTURA E NARRATIVA TRANSMÍDIA

Como foi visto no capítulo anterior, a influência da cultura na construção e

adaptação da série Pokémon é direta e também um dos fatores de sucesso da

franquia. Sem a preocupação de ‘localizadores’, a narrativa em si não poderia ser

entendida em outros locais fora do Japão, e o efeito transmidiático não ocorreria

com a mesma abrangência. Nesse capítulo será abordada a noção de cultura, sua

importância na construção de discursos, e a narrativa transmídia. Os principais

autores escolhidos são: Denys Cuche (1999), Manuel Castells (2001), John B.

Thompson (2009), Patrick Charaudeau (2006), Lev Manovich (2001) e Henry

Jenkins (2009).

3.1 NOÇÃO DE CULTURA NO CONTEXTO ATUAL

De acordo com Denys Cuche (1999), a cultura é necessária para estudar as

diferenças humanas além do âmbito biológico. De certa forma, ela dá explicações

mais satisfatórias para a diferença entre os povos. Ainda segundo o autor:

O homem é essencialmente um ser de cultura. O longo processo de hominização, começado há mais ou menos quinze milhões de anos, consistia fundamentalmente na passagem de uma adaptação genética ao meio ambiente natural a uma adaptação cultural (CUCHE, 1999, p. 9-10).

Cuche (1999, p. 10) pondera que “a noção de cultura se revela então o

instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes dos

comportamentos humanos. A natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela

cultura”. O antropólogo Lévi-Strauss (2003) conceitua a cultura como todo e

qualquer conjunto etnográfico que demonstra diferenças significativas em relação a

outros. No entanto, a definição de cultura é muito abrangente. Segundo Cuche

(1999), a palavra ‘cultura’ passou por diversas modificações ao longo dos anos. No

início do século XIV a palavra significava a ação de cultivar a terra, e foi apenas no

meio deste mesmo século que se forma o sentido conotativo, e ‘cultura’ “pode

designar então a cultura de uma faculdade, isto é, trabalhar para desenvolvê-la”.

(CUCHE, 1999, p.19)

O sentido figurado de cultura começou a se popularizar no século XVIII, na

França. Sua entrada no Dicionário de Academia Francesa em 1718 é seguida

normalmente de um complemento, como “cultura das artes”, “cultura das letras”,

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entre outros. (CUCHE, 1999). O autor ainda complementa dizendo que, com o

passar dos tempos, a palavra foi se desvencilhando dos complementos anteriores e

passa a ser ligada à “educação” ou “formação” do espírito. Trata-se de “ter cultura”

no sentido oposto à natureza: ser culto. Assim, no Iluminismo a cultura é “a soma

dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade” (CUCHE, 1999, p. 20). O

surgimento da palavra “civilização”, utilizada para classificar povos com mais ou

menos cultura, dá origem aos pensamentos na cultura como vemos atualmente

(CUCHE, 1999).

Ainda no século XVIII, na Alemanha, surge a palavra Kultur, que parece a

transcrição exata da palavra francesa. (CUCHE 1999). Cuche (1999) destaca a

diferença entre a aristocracia e a burguesia alemã. Na primeira, o Francês era a

língua utilizada, remetendo à cultura e grande saber. Já na burguesia, a palavra

Kultur é oriunda do alemão e é uma forma de oposição à cultura relacionada à

civilização da nação francesa, com sua maneira cerimonialista e superficial. Para a

classe sem poder, Kultur significava o enriquecimento intelectual e espiritual.

A concepção universalista da palavra cultura irá surgir muitos anos mais

tarde, com o fundador da antropologia britânica, Edward Burnett Tylor, de acordo

com Cuche (1999). Em 1871, Tylor escreve que:

Cultura e significação [...] são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade (CUCHE apud TYLOR, 1999, p. 35).

Em oposição à Tylor, com a concepção de cultura particularista, Franz Boas,

em 1986, nos Estados Unidos, traz outra visão antropológica para a cultura. Para

ele, a principal diferença entre os povos e grupos humanos é cultural, e não racial.

Ele abandona o conceito de “raças” e passa a estudar “as culturas” e não apenas a

“cultura” de Tylor (CUCHE, 1999). Assim, Boas se preocupava em “não somente

descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los juntando-os a um conjunto ao

qual eles estavam ligados” (CUCHE, 1999, p. 45).

Durkheim trouxe o conceito de estudos das culturas para a França. No

entanto, o pai da sociologia moderna não se interessava diretamente aos estudos

antropológicos, mas trouxe elucidações interessantes ao termo ‘civilização’ ao

descartar a ideia de povos primitivos e civilizados (CUCHE, 1999). Muitos outros

estudos na área culminaram na teoria de Lévi-Strauss, citado no início desse

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subcapítulo. Segundo Cuche (1999, p. 95), em 1950, Strauss definiu a cultura dessa

maneira:

Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros.

De acordo com Cuche (1999), a marca da antropologia estrutural de Strauss

é: além de estudar as variações culturais, pretende analisar a invariabilidade da

cultura. Para Strauss, não se pode fugir da referencia da ‘cultura’ como “capital

comum”. Este é a referência para que grupos sociais criem seus próprios modelos

(CUCHE, 1999). Nesse sentido, apesar da amplitude do termo cultura para os

estudos da sociedade, a linha utilizada na presente monografia seguirá

primariamente o conceito de Strauss.

Cuche (1999) pondera que apenas as diferenças culturais não são fatores de

separação entre grupos etno-culturais. Para o professor de antropologia, “o que cria

a separação, a ‘fronteira’, é a vontade de se diferenciar e o uso de certos traços

culturais como marcadores de sua identidade específica” (CUCHE, 1999, p. 200).

Dessa forma, pode-se perceber que as diferenças culturais são importantes quando

se considera que elas possuem uma “identidade cultural”:

Não se pode pura e simplesmente confundir as noções de cultura e identidade cultural ainda que as duas tenham uma grande ligação. Em última instância, a cultura pode existir sem consciência de identidade, ao passo que as estratégias de identidade podem manipular e até modificar uma cultura que não terá, então, quase nada em comum com o que ela era anteriormente [...] A identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas (CUCHE, 1999, p. 176).

Tal identidade é descrita por Castells (2001, p. 23) como “o processo de

construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto

de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras

fontes de significado”. Esses atributos são a forma de uma cultura ser conhecida

pelos outros, a noção de “nós e eles” (CASTELLS apud CALHOUN, 2001). A

construção de identidades, ainda segundo Castells (2001, p. 23), é sempre oriunda

da “história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória

coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho

religioso”. Assim, indivíduos, grupos sociais e sociedades interpretam o significado

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dos aspectos citados anteriormente em função de tendências sociais e culturais que

estão dentro de sua estrutural social, assim como seu ponto de vista no contexto

espaço-temporal (CASTELLS, 2001).

Assim, é crucial, quando se leva em conta o conceito de cultura, pensar

nessas manifestações também como criações de identidades culturais que vão além

das diferenças entre os sistemas de cultura. Segundo Lévi-Stauss (2003), esses

sistemas são diversos, podendo ser universal, continental, nacional, provincial, local,

familiar, profissional, confessional, político, entre outros. Todavia, pensar em cultura

apenas no sentido de diferenciação é insuficiente.

Em um mundo globalizado, diferentes sistemas se comunicam (CUCHE,

1999). Para Richard Sennett (2006), a globalização possui diferentes interpretações,

como a do sociólogo Leslie Sklair, que considera o fenômeno apenas no âmbito de

corporações multinacionais, e sustenta que o jogo não irá mudar de acordo com o

país dominante (ele sustenta que os chineses podem um dia desempenhar o mesmo

papel que as multinacionais estadunidenses fazem hoje). Ainda segundo Sennett

(2006), críticos da página nova (referente ao novo capitalismo, com teorias opostas

aos ensaios Marxistas) acreditam que há mais a ser observado:

[...] a ascensão de imensas cidades interligadas numa economia global própria; inovações que, na área da tecnologia de comunicações e dos transportes, muito pouco tem a ver com as maneiras como os indivíduos costumavam viver, com suas formas de fazer contato ou os tipos de transportes dos bens e produtos (SENNETT, 2006, p. 25).

A sociedade atual passa por um momento onde identidade e globalização são

tendências presentes, mas conflitantes. (CASTELLS, 2001). De acordo com Castells

(2001), o novo capitalismo e as inovações na tecnologia de informação trouxeram

uma configuração social diferente: a sociedade em rede. Essa nova configuração

está sendo difundida em todo o mundo, e se caracteriza por uma cultura de

“virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado

e altamente diversificado” (CASTELLS, 2001, p.17), onde o padrão de vida está se

transformando. Há mais flexibilidade e instabilidade nas estruturas de produção.

Pierre Lévy (1999) introduz a ideia de sociedade em rede quando aborda a

cibercultura. Segundo Lévy, o Ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela

interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY,

1999, p. 92). Este está em constante mutação, como sugere o autor, já que o digital

é “fluido [...], desprovido de qualquer essência estável” (LÉVY, 1999, p. 27). A

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33

sociedade em rede de Castells (2001) obrigatoriamente perpassa o conceito

levantado por Lévy: a inteligência coletiva (1999). Esta é uma das grandes

responsáveis da mutação do espaço cibernético. Lévy (1999) resgata a ideia de

Chardin em relação ao pensamento coletivo, em que já não é possível negar que

uma rede de filiações econômicas e psicológicas está em formação em crescente

velocidade, e se encontra na vida das pessoas cada vez mais entrelaçada.

Atualmente, é muito difícil agir ou pensar de maneira que não a coletiva.

Para Pierre Lévy, a inteligência coletiva “é uma inteligência distribuída por

toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta uma

mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 1999, p. 28). De certa forma, a

inteligência coletiva é a forma mais viva da sociedade em rede. Para essa realmente

florescer, Lévy (1999) destaca que é necessário existir o Ciberespaço, pois ele

funciona como suporte dessa inteligência e é também uma das principais condições

para seu desenvolvimento.

Seria falacioso, no entanto, dizer que a inteligência coletiva e a sociedade em

rede proporcionam a homogeneização completa da cultura e das identidades

culturais. De acordo com Castells (2001), a humanidade se encontra em uma era em

que expressões de identidade coletiva vão à contramão da globalização em virtude

das diferenças existentes entre sociedades. Para o autor, “Essas expressões

encerram ações múltiplas, são altamente diversificadas e seguem os contornos

pertinentes a cada cultura, bem como às fontes históricas da formação de cada

identidade” (CASTELLS, 2001, p.18). No segundo volume de seu livro “O poder da

identidade” (2001), Castells estuda as diferentes manifestações sociopolíticas que

envolvem diversos países, a fim de entender processos sociais que são ao mesmo

tempo diferentes, mas interligados quanto a seu significado, formando então uma

relação direta com a monografia em questão.

Logo, pode-se perceber que a cultura e identidade cultural são, ao mesmo

tempo, propícias para a separação e para a convergência. A globalização trouxe

muitos pontos de contato entre diferentes nações e grupos sociais, mas também

acentuou diferenças. Assim, a definição de Castells (2001, p. 19) de “sociedades

culturalmente inter-relacionadas” serve a presente monografia para trazer a

compreensão de por que a ‘localização’ da série Pokémon foi tão importante para

que se tornasse um fenômeno transmídia por todo o mundo.

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34

3.2 A CULTURA E O DISCURSO DAS MÍDIAS

No subcapítulo anterior foi contextualizado o termo cultura e suas diferentes

interpretações. Foi observado que a cultura pode ser ao mesmo tempo força

divergente e convergente em relação à identidade. Retomando o conceito de que a

natureza do homem “é inteiramente interpretada pela cultura” (CUCHE, 1999, p.10),

as ideias abordadas a seguir serão no âmbito dos espaços de interação entre as

pessoas e o discurso, permeados pela cultura.

Em seu livro Ideologia e Cultura Moderna (2009), Thompson propõe uma

nova análise cultural, por meio do estudo das formas simbólicas. Esta é denominada

como concepção estrutural da cultura. Esta vem para enfatizar tanto o caráter

simbólico dos fenômenos culturais, como a maneira que tais fenômenos se inserem

nos seus contextos sociais estruturados. (THOMPSON, 2009). O autor ainda

enfatiza que, sendo formas simbólicas, os fenômenos culturais se constituem na

interpretação por parte das pessoas em suas vidas cotidianas. Esta interpretação

está sempre inserida em contextos e processos socio-históricos, e, por meio destes,

se produz, se transmite e se recebe.

As formas simbólicas são, para Thompson (2009), expressões de um sujeito e

para um sujeito (ou sujeitos). O sujeito produz, constrói ou emprega uma forma

simbólica perseguindo certos objetivos ou propósitos e busca expressar por si

mesmo o que quer dizer. Este sujeito produtor também possui a intenção de ser

entendido por outro sujeito (ou mais de um) recebe a mensagem e a interpreta de

acordo com seu entendimento. (THOMPSON, 2009). Assim, as formas simbólicas

serão produzidas e compreendidas pelos sujeitos nas cinco características das

formas simbólicas: intencional, convencional, estrutural, referencial e contextual.

De maneira resumida, as características podem ser entendidas como formas

de interação cultural. A primeira, intencional, implica em dizer que as formas

simbólicas são sempre intencionais, a transmissão de algo de um sujeito para outro

(ou outros). A convencional supõe que toda a produção, construção e interpretação

das formas simbólicas precisam passar por regras, códigos e convenções. Tais

formas também são estruturais, ou seja, possuem uma estrutura normalmente inter-

relacionada com outros elementos da cultura e do contexto, por exemplo. Em

relação ao seu aspecto referencial, tais formas sempre irão representar, referir-se ou

dizer algo sobre alguma coisa. Já a última característica é a mais pertinente à

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35

presente monografia: o aspecto contextual das formas simbólicas. Essas são

sempre inseridas em contextos e processos sociais e históricos, sendo específicos

dos âmbitos em que são produzidas, transmitidas e recebidas (THOMPSON, 2009).

O conceito do aspecto contextual das formas simbólicas dialoga diretamente

com o pensamento de Cuche (1999). Uma das naturezas humanas é a

comunicação, e as formas simbólicas são produzidas para significar algo para a

alguém (THOMPSON, 2009). Tais formas irão possuir uma interpretação por parte

de quem recebe a mensagem, cujo entendimento irá depender do aspecto

contextual destas. Ao examinar tal aspecto, Thompson (2009) afirma que, a inserção

das formas simbólicas em um contexto social implica que, mesmo sendo produção

de um sujeito, este está inserido em um contexto sócio-histórico específico, e dotado

de habilidades e recursos que nem sempre todos possuem. Da mesma maneira, os

sujeitos interpretantes também se encontram na mesma situação, o que influenciará

diretamente a interpretação da forma simbólica.

Adentrando no conceito sócio-histórico, há alguns aspectos deste que

merecem atenção. Para se entender como a influência da cultura se dá em uma

produção simbólica, é importante entender que há diversos tipos de situações que

ocorrem no contexto sócio-histórico: as espaço-temporais, os campos de interação,

a estrutura social e a mídia. (THOMPSON, 2009). O autor (2009) conceitua que as

situações espaço-temporais podem ser mecanismos sociais e ambientes

histórico/geográficos, enquanto os campos de interação se constituem em círculos

mais específicos que os espaço-temporais (de aspectos familiares e de instituições

religiosas, por exemplo). A estrutura social também é outro fator contextual,

juntamente com a mídia, que atua como fator de envelopamento do receptor. Tais

situações nunca ocorrem sozinhas, pois sempre irão influenciar uma na outra no

processo de produção e interpretação de formas simbólicas.

Para complementar as ideias de Thompson (2009), Patrick Charaudeau

(2006) traz seus conceitos em estudos de recepção. Para ele, a significação

discursiva é uma resultante de dois componentes:

[...] dos quais um pode ser denominado linguístico, já que opera com material verbal (a língua), sendo ele mesmo estruturado de maneira significante segundo os princípios de pertinência que lhe são próprios, e outro, situacional, já que opera com material psicossocial, testemunha dos comportamentos humanos, que colabora na definição dos seres ao mesmo tempo como atores sociais e como sujeitos comunicantes (CHARAUDEAU, 2006, p. 6).

Page 36: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

36

Dessa maneira, tais componentes agem como uma resultante nessa

equação: mesmo ambos sendo simultaneamente autônomos, são também

interdependentes quando se fala em efeitos, ou seja, na análise de um discurso, não

é possível chegar a conclusões sem levar em conta estes dois aspectos

(CHARAUDEAU, 2006). O autor comenta também que a análise dos fatos de

linguagem “tornou-se pólo em torno do qual gravitam diferentes correntes das

ciências da linguagem: pragmática, etnometodológica, conversacional,

sociolinguística, etc.” (CHARAUDEAU, 2006, p. 6). Ao mesmo tempo, de acordo com

Charaudeau (2006), houve um consenso em como abordar tal problemática da

significação discursiva, convencionando-se em denominá-la “uso da fala”.

Tal consenso foi construído em torno de três proposições: proposicional X

relacional, explícito X implícito, interno X externo (CHARAUDEAU, 2006). Ainda em

conformidade com as ideias do autor, pode-se entender que a primeira oposição –

proposicional X relacional - “produziu uma mudança definitiva sobre a maneira de

conceber a língua: esta não tem mais por vocação quase exclusiva voltar-se para o

mundo referencial para segmentá-lo, estruturá-lo e representá-lo de maneira factual”

(CHARAUDEAU, 2006, p.7). A função dessa proposição vai além da linguagem em

si, e parte para significar a relação que ocorre entre os parceiros no momento em

que ocorre o ato de linguagem. Mais do que isso: essa relação não é apenas entre o

locutor e o interlocutor, é um triângulo, “que subordina a referência ao mundo (a

proposicional) à intersubjetividade dos interlocutores (a relacional)” (CHARAUDEAU,

2006, p.7).

Já a segunda oposição, a explícita X implícita, tem como cerne a mudança de

pensamento em relação à construção de sentido. Este não é unicamente concebido

por junções de vocábulos e por regras semânticas: este é apenas o que está

explícito. Há um leque muito maior de significados contidos no espaço implícito, que

atua de maneira inter-relacionada com o espaço explícito, denominando-se um

“intercâmbio linguageiro” (CHARAUDEAU, 2006, p.8).

A oposição interno X externo é uma correlação das duas oposições citadas

anteriormente. Dessa maneira, Charaudeau (2006) defende que aceitar que existe

um sentido relacional e um sentido implícito no significado de um discurso é aceitar

o chamado “fora da linguagem”. Este ainda não está totalmente definido, sendo o

maior desafio apontado pelo autor:

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37

E é aí que está o problema. Porque se nenhuma das abordagens da linguagem definidas anteriormente chega a negar a existência desse “fora da linguagem” empírico, os métodos de análise e sua teorização não lhe dão todos o mesmo estatuto. Para alguns, trata-se somente de um dado empírico que não pode ser integrado no estudo da linguagem; para outros, ele pode ser estudado, mas permanece exterior à linguagem enquanto outros se contentam em realizar pequenas incursões nesse terreno (CHARAUDEAU, 2006, p.8).

O que Patrick Charaudeau (2006) defende então é: uma teoria do discurso

que impossibilita a construção do jogo de comunicação sem levar em consideração

um espaço externo e um espaço interno de forma simultânea. Assim, o autor sugere

que “a significação é construída por meio de duas inter-relações que se articulam ao

mesmo tempo uma sobre a outra” (CHARAUDEAU, 2006, p. 8). A primeira, como

sugere o autor (1996), é entre os dois espaços de produção de sentido: o externo e

o interno. A segunda é entre dois espaços de enunciação: o de produção

(conceituado como EU) e de interpretação (nesse caso o TU), com a interposição da

avaliação.

Assim como Thompson (1999) traz à luz seu conceito de situações espaço-

temporais como forma de interpretar formas simbólicas, Charaudeau (2006) utiliza o

termo sociolinguageiro para a análise de um discurso. Recapitulando as ideias

anteriores, o autor (2006) escreve que um ato de linguagem indica que há uma

intenção dos sujeitos falantes, que são parceiros nesse ato, não podendo existir um

sem o outro. Tal ato depende da identidade deles, que é resultante de um “objetivo

de influência”, sendo portador de um “propósito sobre o mundo”. Junto a isso, ele se

realiza em uma situação espaço-temporal, denominada por Charaudeau (2006)

como “situação”.

Nota-se então a relação direta das ideias de Charaudeau (2006) de que não

há uma análise de discurso sem a noção situacional e de identidade dos sujeitos

parceiros de um intercâmbio, com as propostas de Cuche (1999) e Castells (2001).

Para o primeiro autor (1999), tudo o que é da natureza humana necessariamente é

perpassado pela cultura. Castells (2001) complementa com uma descrição de

identidade cultural, como sendo a construção de significados com base em

características culturais, o que gera a noção de “nós e eles”.

Page 38: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

38

3.3 A NARRAÇÃO ONIPRESENTE: NARRATIVA TRANSMÍDIA

Como abordado no primeiro capítulo, Pokémon iniciou sua trajetória no

Japão, passou por adaptações de conteúdo nos Estados Unidos, e essa versão

“ocidentalizada” foi exportada para o restante do mundo, o que inclui o Brasil. Pode-

se perceber, no subcapítulo anterior, que a noção de cultura é de suma importância

para a produção e compreensão de discursos. O presente subcapítulo abordará a

relação entre cultura, narrativa das marcas, bem como linearidade e não linearidade

desta, e narrativa transmídia.

3.3.1 O poder da narrativa das marcas

Em seu livro, Marcas Legendárias (2005), Laurence Vincent escreve sobre a

importância da narrativa para as marcas atuais. Essas, que possuem um forte valor

na vida das pessoas são conceituadas por ele como Marcas Legendárias. O autor

cita o advento do consumismo como um dos fatores que originaram essa

configuração de marca:

Não tenha dúvida a respeito; vivemos em uma sociedade muito mais focalizada no consumo do que na produção de bens e serviços. O consumo é rei. Definimos a nós mesmos, nossas vidas e nosso bem-estar por aquilo que consumimos. Nossos hábitos de consumo constituem presentemente uma forma de aceitação social. [...] A cultura do novo consumidor cria uma grande demanda por bens e serviços que servem para nos diferenciar (VINCENT, 2005, p.10-11).

Segundo Vincent (2005), tal cultura consumista é vista com pessimismo por

muitos, chegando a inspirar reações agressivas de sociólogos. Estes colocam o

peso de muitos problemas sociais nas marcas que oferecem ao consumidor valor

existencial, metafísico ou pessoal. Ignoram o fato de que os consumidores atuais

são muito mais esclarecidos e céticos em relação às mensagens de marketing que

os rodeiam. Ainda de acordo com Vincent (2005), manipular as pessoas não é uma

estratégia válida, já que “os consumidores anseiam por marcas que representem

efetivamente algo, marcas que ajudem a proporcionar significado e ordem em suas

vidas” (VINCENT, 2005, p.12).

Como escreve Vincent (2005), as pessoas estão expostas a um número cada

vez maior de mídias diferentes. Contudo, esse não é o maior desafio para as

empresas. Estas tantas formas de comunicar uma mensagem possuem um volume

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39

de informação sem precedentes, e o alcance e a rapidez da propaganda nunca

estiveram em tamanhas proporções. Assim, “durante os últimos 25 anos, o mundo

da propaganda evoluiu para uma indústria sofisticada” (VINCENT, 2005, p. 13). A

técnica, ainda segundo o autor (2005), precisava também aliar a narrativa. Essa, por

sua vez, precisava ser contada com muito mais rapidez e apelo visual do que no

passado. Ou seja, as pessoas possuem uma inclinação a serem convencidas mais

facilmente de algo quando há uma história envolvida. “A velha técnica de gritar

repetidamente ‘compre’, para os consumidores, chegou ao fim” (VINCENT, 2005, p.

13). Para distinguir a marca comum da Marca Legendária, Vincent conceitua:

Existe uma distinção básica entre as Marcas Legendárias e todas as demais marcas de produtos. A mitologia da marca usa a narrativa para transmitir uma visão de mundo, um conjunto de crenças sagradas que transcendem os atributos funcionais e cognitivos do produto. A narrativa, que une o consumidor e a marca em um tipo de vínculo existencial, constitui o fundamento da força da marca. A mitologia da marca opera em um ciclo autogratificante que envolve a participação do consumidor (VINCENT, 2005, p. 19).

Vincent (2005) afirma que a mitologia da marca atua na parte cognitiva das

pessoas de maneira semelhante a religiões e crenças. O autor realiza um paralelo

entre a mitologia ocidental das civilizações antigas e a mitologia da marca,

apontando que ambas têm o intuito de explicar o mundo à sua volta e que tanto uma

quanto outra opera por meio de instrumentos narrativos. Conforme Vincent (2005, p.

25), “é de nossa natureza buscar uma prova para nossas crenças”. Para o autor,

isso normalmente é encontrado como um agente. Este é a prova tangível de que a

nossa visão de mundo é verdadeira. Nem sempre esse agente é uma pessoa, mas

precisa ser algo físico, com o qual sejamos capazes de vincular tal visão de mundo a

uma pessoa, a um local ou a alguma coisa.

No caso de Pokémon, o agente físico mudou de acordo com o local onde se

encontrava: no Japão era o rato amarelo Pikachu, e no ocidente (por conta dos

esforços de ‘localização’) era o menino Ash. Isso ocorreu porque os aspectos

culturais diferentes propiciavam identificações igualmente distintas, como abordado

no primeiro capítulo.

Vincent (2005) acrescenta que, embora os agentes de marca sejam

indispensáveis para tal conjunto de crenças, eles não têm sustentação sem a

narrativa. Para o autor, a narrativa é o componente mais importante da mitologia da

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40

marca. Ele faz valer as palavras de Robert McKee2 para comprovar seu ponto de

vista: “contar uma história é a demonstração criativa da verdade. Uma história é a

prova viva de uma ideia, a conversão da ideia em ação. A estrutura de eventos de

uma história é o meio pelo qual você primeiro expressa e então prova sua ideia”

(VINCENT apud MCKEE, 2005, p. 27). Vincent (200) ainda vincula a narrativa a um

processo cognitivo que o torna essencial a um sistema de crenças sagradas: a

narrativa vincula suas crenças a um agente, o que dá credibilidade à história, já que

a torna tangível. Após essa etapa, a narração estimula a parte emocional e subjetiva

das pessoas, tornando a crença mais forte ainda. Por fim, essa narrativa “prescreve

o comportamento exigido para se viver o sistema de crenças e adaptar-se à cultura

de marca” (VINCENT, 2005, p. 27-28).

No momento em que a narrativa dita o costume e “o comportamento

necessários para a pessoa beneficiar-se do sistema de crenças” (VINCENT, 2005, p.

33), ela naturalmente convida essa pessoa a “conversar” com a marca, interagindo

com ela. Para obter êxito, ela agrega comportamentos humanos ao sistema, como a

formação de sociedades e grupos, a prática de rituais e o uso de símbolos.

(VINCENT, 2005). Criando um paralelo entre os conceitos de Vincent e o objeto de

pesquisa, as Marcas Legendárias normalmente “ganham força pela formação de

tribos que compartilham uma aceitação das crenças sagradas da marca” (VINCENT,

2005, p. 34).

O autor (2005) ainda pondera que, os consumidores que fazem parte das

tribos o fazem a fim de confirmar mais uma vez que sua crença é correta. No caso

da franquia Pokémon, os fãs se reuniam e, imersos na mitologia existente, trocavam

informações e produtos, o que criou uma “compreensão social” (VINCENT, 2005, p.

35), facilitando a confirmação dessas crenças. Os rituais de troca de informações, de

brincadeiras e jogos criavam justamente estes vínculos. O último comportamento

significativo diz respeito ao uso de símbolos:

[...] as tribos de culturas de marcas usam símbolos para se vincular à marca. Símbolos, muitas vezes, são a insígnia da tribo. Símbolos agradam a nossa mente orientada visualmente. A afirmação de que uma imagem vale mil palavras é mais verdadeira do que a maioria das pessoas pensa. Uma simples imagem pode provocar uma resposta emocional co muito mais rapidez do que uma frase em um livro. [...] Símbolos proporcionam uma representação visual instantânea de uma criação significativa. Em termos

2 Criador de histórias de Hollywood, que descreve em seu livro Story: Substance, Structure, Style, and The

Principles of Screenwriting (2006), a ligação entre narrativa e crenças.

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simples, provocam uma crença lógica ligada às emoções (VINCENT, 2005, p. 35).

Vincent (2005) afirma que as Marcas Legendárias usam os símbolos de um

modo diferente. Eles relembram a pessoa de uma narrativa da marca. No caso de

Pokémon, por ser uma franquia completamente visual, símbolos iguais transitavam

por entre as várias mídias, facilitando o reconhecimento da narrativa como unidade.

Por exemplo: no jogo para Game Boy, a Pokébola (uma espécie de repositório para

armazenar Pokémons) possuía as mesmas características e utilidade que no

desenho animado.

Vincent destaca que as Marcas Legendárias precisam estar presentes no

cotidiano das pessoas: “Como os consumidores baseiam suas vidas nas narrativas,

e as marcas tentam se tornar parte das narrativas, o entretenimento e o consumo se

fundem” (VINCENT, 2005, p. 77). É importante levar em consideração também a

necessidade que o ser humano tem por entretenimento, por práticas lúdicas.

Joah Huizinga (2000), constata que, mesmo nas formas mais primitivas e

simples, o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico,

ultrapassando os limites de uma atividade apenas física:

É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa "em jogo" que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se explica nada chamando "instinto" ao princípio ativo que constitui a essência do jogo; chamar-lhe "espírito" ou "vontade" seria dizer demasiado. Seja qual for a maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em sua própria essência (HUIZINGA, 2005, p. 5).

Conforme Huizinga (2005), apesar de haver diferentes estudos nas áreas de

psicologia e fisiologia, há sempre o consenso: estas pesquisas procuram determinar

a natureza e o significado do jogo, fornecendo-lhe uma participação no sistema

cotidiano. Dessa maneira, não importa o campo de estudo: “a extrema importância

deste lugar e a necessidade, ou pelo menos a utilidade da função do jogo são

geralmente consideradas coisa assente, constituindo o ponto de partida de todas as

investigações do gênero” (HUIZINGA, 2005, p. 5).

Pode-se observar que há alguns elementos importantes que atuam

juntamente com a narrativa: aspectos do comportamento humano, como formações

de tribos, realização de rituais e uso de símbolos; agentes de marca (VINCENT,

2005); e a capacidade que a narrativa tem de interagir com o público, utilizando o

potencial lúdico do ser humano (HUIZINGA, 2005). Assim, para uma história

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42

realmente chegar ao ponto de emocionar, engajar e mover as pessoas, ela precisa

ser completa e sincera, para se adaptar ao consumidor cada vez mais exigente

(VINCENT, 2005).

3.3.2 Narrativa, hipertexto e hipermídia

Como foi observado anteriormente, a narrativa é um recurso poderoso para

gerar identificação entre o consumidor e a marca, principalmente quando propicia a

interação e participação no processo por parte das pessoas. Antes de conceituar a

narrativa transmídia propriamente dita, é importante trazer a distinção entre os

conceitos de hiperxtexto e hipermídia, sendo essa última importante para explicar o

fenômeno de integração de diferentes mídias em uma narrativa.

De acordo com Vicente Gosciola (2003), “a arte de contar histórias é uma

qualidade por vezes deixada em segundo plano quando uma nova técnica ou uma

nova tecnologia surge” (GOSCIOLA, 2003, p. 19). Em seu livro “Roteiro para as

Novas Mídias” (2003), o autor escreve que, no começo do cinema, as histórias

contadas eram muito menos complexas que a literatura da época, mas a evolução

da tecnologia propiciou narrativas mais elaboradas. E esse fenômeno não ocorreu

apenas em uma mídia:

As novas tecnologias de comunicação e de informação, ou as novas mídias, abriram-se também para as possibilidades de contar histórias. Assim como no caso do cinema, no período inicial de contar histórias através das novas mídias, as histórias eram mais simples. Porém, agora, elas são contadas de maneira complexa, isto é, graças aos recursos das novas mídias, podem ser apresentadas por diversos pontos de vista, com histórias paralelas, com possibilidade de interferência na narrativa, com opções de continuidade ou descontinuidade da narrativa e muito mais (GOSCIOLA, 2003, p. 19).

Um exemplo dessa mudança da narrativa conforme a evolução tecnológica é

o desenho animado inspirado em Charles Chaplin, parte da programação do canal

de Tv a cabo Gloob. Pela primeira vez, o personagem de Chaplin, O Vagabundo,

dos anos 20 (FLOOD, 2012), ganhou uma nova roupagem na forma de uma

animação em 3D (MUNDOGLOOB, 2012a). A produção é francesa e cada episódio

tem cerca de 7 minutos. Apesar de ser inspirada no personagem, a histórias se

passam nos dias atuais, mas a vestimenta e os trejeitos de Carlitos são os mesmos,

e não há falas (SANTOS 2012). Além da série de televisão, há também jogos e

vídeos na temática do desenho animado no site do canal Gloob (MUNDOGLOOB,

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43

2012b). Dessa maneira, há extensões da narrativa que não poderiam existir na

época do cinema mudo, e novas experiências são trazidas ao telespectador – que

se torna também um usuário, ao ir além da série na televisão e buscar outras formas

de interagir na internet.

Essas mudanças influenciadas pelo contexto tecnológico das mídias também

afetam programações para jovens adultos. Pode-se exemplificar isso com o seriado

Dallas. Entre os anos 1978 e 1991 (IMDB, [2000-2012]), Dallas foi uma série

dramática de sucesso nos EUA e em muitas partes do mundo, com personagens

marcantes e assuntos da época. Assim, quando o novo seriado foi proposto, tornou-

se fundamental adequar o discurso ao público de jovens adultos, consumidores

ativos de seriados norte-americanos. Na nova trama, Dallas entra no século 21 com

intrigas por e-mail e preocupação com novas formas de energia, mas com a mesma

fórmula de novela que a primeira possuía (REUTERS, 2012).

Aqui entra um importante adendo: o que são as novas mídias propriamente

ditas? Lev Manovich, em The Language of the New Media (2001), conceitua as

novas mídias como objetos que podem ser descritos matematicamente. Assim, elas

são programáveis. As mídias anteriores se encaixavam em um pensamento

industrial: no momento em que um “modelo” (podendo ser uma fotografia, um filme,

entre outros) é criado, numerosas cópias podem ser produzidas a partir de sua

matriz. As novas formas midiáticas correm então, à contramão da sociedade pós-

industrial, trazendo customização individual ao invés de padronização massificada.

(MANOVICH, 2001)

Gosciola (2003) pondera que, uma vez que a narrativa torna-se não-linear e

estruturada pelas novas mídias, ela gera usuários, e não leitores apenas. O usuário,

diferentemente do leitor, interage com a narrativa, utiliza-a para seus próprios fins e

comunica-se com ela de forma singular. Seguindo essa lógica, Manovich (2001)

explica que, ao invés de “empurrar” as mesmas informações para uma audiência

massificada, o marketing agora tenta atingir cada indivíduo separadamente.

Ainda de acordo com Manovich (2001), as novas mídias são interativas: em

contraste com a mídia antiga, onde a ordem da apresentação é fixa, o usuário atual

pode interagir com o objeto. Nesse processo o indivíduo pode escolher quais

elementos serão mostrados, ou quais caminhos serão seguidos, gerando, assim,

uma peça única. Seguindo essa linha de raciocínio, o usuário torna-se co-autor de

uma peça. No entanto, é preciso tomar cuidado com as generalizações. Manovich

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44

(2001) ressalta que, nem todo o objeto de mídia obedece aos princípios

estabelecidos por ele em seu livro. Esses objetos não podem ser considerados leis

absolutas e sim, tendências gerais de uma cultura passando por mudanças

tecnológicas.

Na era da “cultura da informação”3, há uma estrutura popular chamada de

hipermídia. Segundo Manovich (2001), na hipermídia, os elementos multimídia que

compõem um documento são conectados por meio de hiperlinks. Os elementos e a

estrutura tornam-se, então, independentes uns dos outros. O hipertexto é um caso

particular da hipermídia que utiliza apenas um tipo de mídia: o texto. Seguindo os

links, o usuário pode acessar um texto por diversas entradas, e irá ler uma versão

particular do mesmo. Dessa maneira, pode-se dizer que o hipertexto “é um texto que

faz referência a outros textos e que possibilita ir ao encontro deles” (GOSCIOLA

apud KILIAN, 2003, p. 30). O hipertexto possibilitou que os usuários realmente

escolhessem o que desejassem consumir, e essa lógica se estende à hipermídia.

A hipermídia, por sua vez, é uma versão ampliada do hipertexto, pois “permite

acesso simultâneo a textos, imagens e sons de modo interativo e não-linear,

possibilitando fazer links entre elementos de mídia” (GOSCIOLA, 2003, p. 34). Ainda

segundo o autor (2003), o usuário controla a navegação entre as informações, e

pode extrair textos, imagens e sons que formarão uma sequência única, gerando

uma versão pessoal criada pelo indivíduo. A hipermídia, então, traz “ênfase na

interatividade e no acesso não-linear promovidos pelos links entre os conteúdos”

(GOSCIOLA, 2003, p. 35).

Com tantas maneiras diferentes de acessar um conteúdo, é necessário um

comprometimento especial com o roteiro/narrativa para sua realização. Isso exige

uma equipe inteira para elaborar processos que trabalham com o relacionamento

entre obra e usuário. (GOSCIOLA, 2003). O que nos leva ao tipo mais completo de

narrativa envolvendo diferentes mídias: a narrativa transmídia.

3.3.3 Narrativa transmídia

A complexidade da hipermídia propiciou um importante desafio para os

criadores de roteiros. Na hipermídia, “se quisermos agir (interagir) com os objetos

3 Conceito utilizado por Manovich (2001) para situar a cultura atual. Tradução nossa do inglês:

“information culture”

Page 45: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

45

presentes (ou representados) na interface que estamos utilizando, temos de achar

modos para dizer exatamente o que e com o que interagimos como interagimos e

quais mecanismos utilizamos para essa interação” (GOSCIOLA, 2003, p. 35).

Ainda segundo o autor (2003), a hipermídia é um dos conceitos utilizados

para obras que usufruem das novas mídias de forma integrada. Essas novas

convergências podem ser encontradas em diversos segmentos do entretenimento,

arte, ciência e comunicação, e “resultam em uma nova forma de expressão através

da capacidade de síntese das linguagens” (GOSCIOLA, 2003, p. 37). Em relação à

convergência, Henry Jenkins (2009) entende que:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas

plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e

ao comportamento migratório do público dos meios de comunicação, que

vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento

que desejam (JENKINS, 2009, p. 29).

Segundo Jenkins (2009), a convergência traz uma mudança não apenas

tecnológica, mas também cultural. Os consumidores são incentivados a buscar

informações em diversas mídias e a fazer conexões entre elas (assim como ocorre

com a hipermídia). Além disso, há uma crença falaciosa de que a convergência

ocorre por meio de aparelhos. Jenkins (2009) acredita que, ao invés de todas as

novas mídias convergirem entre si e tornarem-se um único dispositivo, elas irão se

pulverizar em vários gadgets diferentes.

A verdadeira convergência, então, ocorre dentro do cérebro de cada

indivíduo, e também na sociedade onde ele vive. Esse fenômeno “[...] altera a

relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos”

(JENKINS, 2009, p. 43). Jenkins descreve que “a convergência altera a lógica pela

qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o

entretenimento” (2009, p. 43).

A sociedade evoluiu para uma “sociedade em rede” (CASTELLS, 2001), e de

certa forma aprendeu a buscar informações e selecionar o que consome. No

entanto, essa seleção só ocorre por que há uma variedade imensa de opções.

Lipowetsky (2007, p. 14) sustenta que “[...] desvanecem-se os antigos limites de

tempo e espaço que emolduravam o universo do consumo”. Ainda segundo o autor

(2007), o consumidor contemporâneo é hiperindividualista e dessincronizado. Agora,

Page 46: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

46

cada um pode remodelar seu espaço-tempo e a maneira como consome,

diferentemente de tempos de comunicação puramente massificada.

É dentro desse contexto que emerge a narrativa transmídia. Uma narrativa

não-linear, convergente, permeada fortemente pela nova cultura de consumo:

Uma narrativa transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de

mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para

o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de

melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser

expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser

explorado em games ou experimentado como atração em um parque de

diversões (JENKINS, 2009, p.138).

Newton Cannito, em seu livro A televisão na era digital (2010), fala sobre o

suposto antagonismo entre interatividade e narrativa. Segundo o autor, parece

estranho que uma história com apenas um narrador possa ser interativa, e a era

digital parecia pôr em risco a ideia de histórias lineares. Contudo, Cannito afirma que

“a narrativa não está em crise e o digital não é o seu fim [...] A popularidade da

narrativa é permanente, pois ouvir histórias é uma demanda cultural da espécie

humana, assim como contá-las é uma atividade social [....]” (CANNITO, 2010, p.

167).

Na era da convergência, a narrativa é novamente indispensável. No entanto,

a narrativa também precisa, para se sustentar por mais tempo, da resposta e

interação do público. Pierre Lévy (1999) teoriza que deve existir uma sinergia entre

as mídias e os públicos, sendo muito importante a construção e manutenção de

memórias em comum e a criação de modos de cooperação, flexíveis e transversais.

Esses e outros fatores contribuem para que a apropriação pelo público seja um

sucesso.

Segundo Jenkins (2009), o marco fundador da narrativa transmidiática foi

Guerra nas estrelas. O filme e suas produções posteriores (inclusive por fãs)

geraram debates sobre quem é realmente o dono da produção. Os filmes passaram

a ser a narrativa central, enquanto outros acontecimentos periféricos ou que não

apareciam nas películas eram narrados em histórias em quadrinhos, livros e

animações:

Criou-se um universo complexo que permite a visualização de várias narrativas e a busca de mais informações sobre personagens secundários e outros fatos que foram abordados superficialmente nos filmes. Essas novas informações fazem o espectador se surpreender e ter vontade de rever os

Page 47: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

47

episódios anteriores, para aprender cada nuance da história (CANNITO, 2010, p. 170).

Cannito (2010) sugere que narrar é mais do que construir histórias. O

roteirista precisa aprender a criar universos. Assim, o autor estabelece os seguintes

princípios para guiar esse processo criativo: “construir um universo, não apenas uma

narrativa; incentivar rituais; favorecer a formação de comunidades” (CANNITO, 2010,

p. 170).

Dentro dessa nova realidade, a geração que se adapta mais facilmente são

as crianças. De acordo com Jenkins (2009, p. 183), “habitar um universo assim

acaba sendo brincadeira de criança – literalmente”. O autor (2009) escreve ainda

que, crianças que cresceram imersas na cultura transmidiática produzirão novos

tipos de mídia, à medida que a dinâmica atual se torne mais intuitiva. Jenkins ainda

diz que: “na sociedade da informação, elas [as crianças] brincam com informação”

(JENKINS, 2009, p. 185). E é nesse contexto que se insere a franquia de Pokémon,

abordada mais detalhadamente no primeiro capítulo.

Segundo Buckingham e Sefton-Green (2004), Pokémon claramente não é

apenas um “texto”. Não é também apenas uma coleção de textos, como uma série

de TV, jogo de cartas, brinquedos, revistas ou um jogo de computador. Não é um

conjunto de objetos que podem ser analisados de forma isolada como nos estudos

mais ortodoxos de mídia. É mais apropriado que Pokémon seja descrito como, em

termos antropológicos, uma “prática cultural”.

Junto a isso, houve a preocupação dos criadores em utilizar as diversas

mídias de forma a segmentar seus públicos, mesmo que se faça uso de uma mesma

narrativa. Como um exemplo disso, Buckingham e Sefton-Green (2004, p.16)

escrevem que, Pokémon também foi feito para atingir as diferenças de gênero, ou

ao menos oferecer atrativos para ambos. Na cultura de azul-e-rosa, isso é algo bem

incomum. Enquanto o herói da série e do jogo Ash Ketchum é um menino, ele é

obviamente pré-adolescente e assexuado. Os temas do desenho animado e as

atividades do jogo incorporam tanto valores estereotipados femininos e masculinos.

A narrativa em si é sobre colecionar e competir (atividades mais masculinas), mas

também é sobre cuidado e cooperação (características mais femininas).

Além da já citada preocupação com a localização da série Pokémon, o

esforço em criar um universo e adaptá-lo às necessidades de um público alvo

exigente e abrangente como o infantil e infanto-juvenil foi um desafio que configurou

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48

a importância da série Pokémon para a narrativa transmídia. Há diversos estudos

sobre recepção de Pokémon no mundo, mas muito pouco sobre como esse

fenômeno ocorreu no Brasil. No próximo capítulo, será realizada uma análise em

relação aos efeitos observados pela autora a respeito dessa franquia no país, sob os

fundamentos da narrativa e dos conceitos de cultura.

Page 49: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

49

4 PIKACHU VERDE E AMARELO: A NARRATIVA NO BRASIL

Como descrito nos dois capítulos anteriores, a narrativa de Pokémon não

obteve sucesso por acaso. O esforço de profissionais capazes de adaptar o discurso

à realidade cultural de cada ambiente onde ele se encontrava foi determinante para

a disseminação tão abrangente de Pikachu e seus amigos. Por mais que a franquia

tenha sido exportada dos EUA para o Brasil, é importante destacar que há contextos

e públicos diferentes envolvidos. Esse capítulo irá abordar os procedimentos

metodológicos utilizados para realizar a pesquisa em questão e a apresentação e

análise dos dados coletados sobre a recepção de Pokémon no Brasil.

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para realizar a análise em questão, serão utilizados procedimentos

metodológicos de caráter exploratório. O tipo de pesquisa escolhido é o qualitativo,

já que os dados obtidos não serão quantificáveis, e sim, fenomenológicos. Tais

fenômenos são singulares e “dotados de certo grau de ambiguidade.” (NEVES,

1996).

A metodologia empregada será a Hermenêutica de Profundidade, que se

constitui em três movimentos de análise, que não ocorrem de formar linear: Análise

Formal ou Discursiva, Análise Sócio-Histórica e Interpretação/Reinterpretação.

(THOMPSON, 2009)

A análise Sócio-Histórica compreende a contextualização do período em que

as obras foram produzidas e/ou apropriadas. Para a pesquisa em questão, é crucial

entender o momento pelo qual o Brasil passava enquanto a série fazia sucesso

entre os jovens (período que compreende os anos de 1999 e 2001). Para isso, serão

analisadas as Situações espaço-temporais (mecanismos sociais, ambientes

históricos/geográficos), os Campos de Interação(família, instituições religiosas), a

Estrutura Social (quem foram os consumidores de Pokémon?) e a Mídia (como fator

de envelopamento do receptor). (THOMPSON, 2009)

Já a análise Formal ou Discursiva constitui-se pela análise dos elementos

internos das formas simbólicas, sendo uma descrição do objeto a ser pesquisado

(OLIVEIRA, 2008). A descrição das formas simbólicas foi realizada em parte no

primeiro capítulo, quando foi contextualizado o fenômeno de Pokémon no Japão e

Page 50: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

50

nos Estados Unidos. A segunda parte diz respeito às formas simbólicas no Brasil e

irá dialogar com a primeira. Esta análise contribuirá para o trabalho no sentido de

retratar as formas simbólicas da série Pokémon, no que tange significado e

apropriação por parte do público-alvo. Para essa segunda parte, será feita

primeiramente uma análise Narrativa, que engloba a narrativa transmídia de

Pokémon no Brasil (em comparação a outros lugares do mundo, com análise de

episódios de televisão e produções gráficas da série como cardgames e álbuns de

figurinhas), seguida da análise do Discurso propriamente dito (discurso cotidiano

envolvendo as práticas em torno da série em questão) e, por fim, a análise Sintática

(que ajudará a realçar algumas das maneiras como o significado é construído dentro

das formas cotidianas do discurso). (THOMPSON, 2009)

A Interpretação/Reinterpretação é realizada durante todo o processo. “Nessa

fase os significados são criados. /.../ a Interpretação ou Reinterpretação é a reflexão

sobre os dados obtidos anteriormente, relacionando contextos e elementos de forma

a construir um significado à forma simbólica.” (OLIVEIRA, 2008, p.43). É importante

definir qual foi o significado da série Pokémon para os brasileiros e, mais ainda, o

significado da estratégia transmídia que envolveu a franquia. Não se pode deixar de

lado, também a relação entre os espaços interno X externo descritos por

Charaudeau (2006), já que a relação do mundo com o indivíduo é crucial para se

conceber uma análise satisfatória da Interpretação/Reinterpretação dos públicos

com a série.

O enfoque tríplice, nesta monografia, está apoiado nos alicerces de uma

estratégia transmídia: produção e transmissão, construção e recepção e

apropriação. Todos eles são decorrentes do contexto sócio-histórico, de estruturas

lingüísticas e da interpretação do público, ou seja, é a partir da Investigação

Hermenêutica que será possível encontrar a cerne do estudo em questão.

(THOMPSON, 2009)

A técnica que irá auxiliar a coleta de dados acerca do objeto de pesquisa é a

pesquisa documental. Os documentos são, de maneira geral, textos escritos, não

importando a mídia na qual esteja alocado. Para a pesquisa documental, podem ser

considerados: relatórios, registros governamentais, estatísticas oficiais, conteúdo de

mídia de massa, discursos, romances, fotografias, desenhos, peças, mapas,

documentos pessoais, diários, entre outros materiais (MAY, 2004). Serão feitos

levantamento de dados em revistas como Veja, Época e Istoé; em jornais como Zero

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51

Hora e Folha de São Paulo; em lançamentos temáticos da série Pokémon como a

revista Pokémon Club.

Unindo esta técnica de pesquisa, bem como o enfoque tríplice que envolve a

série Pokémon, será realizada a análise dos dados obtidos durante toda a

monografia (primários e secundários). Os dados serão cruzados e analisados de

forma a refletir sobre a questão principal: “Quais foram os efeitos da série Pokémon

no Brasil?”, bem como os outros objetivos subsequentes.

4.2 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

Nesta parte da pesquisa foi realizado um levantamento dos fatos mais

relevantes no mundo e no Brasil nos anos de 1999, 2000 e 2001, época em que

Pokémon esteve no auge no país. Foram utilizadas reportagens e notícias da revista

Veja Online, do site Globo.com, do site da BBC Brasil e do jornal Folha de São

Paulo Online. A escolha de sites jornalísticos é fundamentada no fato de que se trata

de história recente, que está sempre em movimento e, por isso, não há tantas

publicações acerca disso. Sabe-se que colunas, reportagens e notícias dos veículos

escolhidos carregam dados opinativos com posições parciais, por isso tomou-se

cuidado para resgatar apenas os fatos históricos, sem se valer da opinião dos

meios. Esses dados servirão para uma posterior análise do contexto sócio-histórico.

O ano de 1999 marca o fim de século, mas também época de inúmeras

inovações tecnológicas no Brasil. A implementação das redes de fibra óptica é uma

delas. Essas redes diminuiriam os preços dos serviços de telecomunicações e

tornaria a qualidade de transmissões telefônicas, de rádio e TV muito melhor. Além

disso, a fibra óptica permitiria avanços na Internet, com banda larga e maior

velocidade (VELOZ..., 1999). Todas essas previsões mostraram-se fortuitas, e a

comunicação passou por um salto muito grande por conta desse advento. Nesse

ano também houve o aumento de pessoas comprando televisores com mais de 29

polegadas. Até o final de 2009, 15%das casas brasileiras já estavam equipadas com

aparelhos maiores (A TV..., 1999). Outro ponto marcante foi o crescimento das

compras pela Internet no Brasil. Sites como o Submarino, que haviam aberto o e-

commerce há 4 meses, já contavam com 1.000 (mil) compras diárias na época do

natal (NÃO..., 2000).

Page 52: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

52

Este também foi o ano do apagão, algo que apenas havia ocorrido em 1985.

De acordo com reportagem do Portal Terra (BRASIL..., 2009), dez estados e o

Distrito Federal foram atingidos pelo blecaute que ocorreu por volta das 22h do dia

11 de março de 1999, e é considerado o maior já enfrentado pelo Brasil. Cerca de

60 milhões de pessoas ficaram no escuro, a maioria delas nas regiões Sul, Sudeste

e Centro-Oeste. Este fato reforçou a ideia de que haveria uma grande crise com o

sistema de energia brasileiro, que culminou no racionamento de energia no ano de

2001.

No âmbito econômico, no início de 1999, as perspectivas de crescimento do

país eram pessimistas. Na Veja Online de 27 de janeiro (A VOLTA..., 1999), eram

realizadas comparações com a inflação que chegou a 2000% antes do plano de

estabilização econômica, de 1994. O Plano Real estava se fortalecendo, mas a

sombra da inflação que atingiu a tantos brasileiros não deixava de existir.

Felizmente, muitas dessas previsões mostraram-se exageradas e, no final do ano,

foi publicada na mesma revista uma reportagem sobre os reais efeitos. Muito

dependente do capital estrangeiro, o país recebeu investimentos e entrada de

empresas internacionais. A inflação não se elevou, mas houve desvalorização da

moeda brasileira em relação ao dólar (APESAR..., 1999).

Ainda nessa mesma reportagem, uma pesquisa em relação ao o que mais

preocupava os brasileiros na época foi realizada, revelando que o maior problema

era o desemprego. O índice de 7,5%, ainda que estagnado, era alarmante, haja vista

que muitos jovens entravam no mercado de trabalho ano após ano. Outros fatores

como saúde, drogas e salário também figuravam esse ranking.

No mundo, uma grande transformação econômica estava ocorrendo. O ano

de 1999 marcou o lançamento do euro. O euro foi lançado em 1º janeiro de 1999

como moeda escritural para ser utilizada, em transações eletrônicas, pelos bancos,

operadores de câmbio, grandes empresas e bolsas de valores. No entanto, por se

tratar de uma moeda nova, com muitas incertezas entre os membros de seu

conselho de governadores, houve um primeiro momento de enfraquecimento nos

mercados internacionais (A HISTÓRIA..., [200?]).

Nos EUA, um dos massacres mais violentos ocorreu. Conhecido como o

Massacre de Columbine, aconteceu em 20 de abril de 1999. Dois estudantes

portando armamentos pesados mataram 12 colegas e um professor, e cometeram

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53

suicídio em seguida (ATAQUE..., 2007). Esse episódio trouxe à tona discussões

sobre violência nas escolas, bullying e armas em todo o mundo.

No final de 1999, havia a especulação do conhecido “bug do milênio”

(DANTAS, [200?]). O problema central do “bug do milênio” era o fato de que os

sistemas antigos desenvolvidos no século XX apenas guardavam e reconheciam

datas com os dois últimos dígitos do ano. Assim, foi previsto que, ao passar para os

anos 2000, todas as datas seriam interpretadas como se fosse o ano de 1900. Se

realmente ocorresse, o caos irromperia no sistema econômico mundial, em uma

crise maior do que 1929. No entanto, em razão de esforços no ramo tecnológico,

essa previsão não ocorreu.

O ano de 2000 chegou com muitas perspectivas novas. A Internet wireless foi

uma delas. A Internet sem fio traria novas possibilidades no campo das

telecomunicações, mas comenta que a entrada dessa rede no Brasil seria difícil, por

conta da qualidade da rede telefônica (no ano passado estavam iniciando a troca

das redes com fio de cobre para fibra óptica). No entanto, mesmo sem afetar

diretamente o país, a Internet em si recebeu mais estímulos para crescer (A

REDE..., 2000).

Ainda sobre tecnologia, um lançamento revolucionou os anos 2000. O

Playstation 2, com qualidade superior ao seu antecessor, era muito mais do que

apenas plataforma de jogos (O VIDEOGAME..., 2000). O aparelho era capaz de

tocar CD, DVD e acessar a internet. O console também suportava jogos mais

complexos, com gráficos mais próximos da realidade. Esse grande passo

tecnológico consolidou ainda mais a participação japonesa nos mercados ocidentais,

reafirmando sua força no mercado.

No âmbito televisivo, uma atração foi destaque na virada do milênio. O

programa No Limite marcou a entrada dos realities shows no Brasil. Tendo seu início

em março de 2000, o programa atingiu 45 pontos no Ibope, superando a novela das

8 da época, Laços de Família (O POVO..., 2000). No cinema, uma produção

brasileira voltada ao público infantil entrou em cartaz. Castelo Rá-Tim-Bum – O

Filme estreou nesse mesmo mês com um investimento de 7,5 milhões de reais, boa

parte por conta de leis de incentivo, marcando o início de outros longas nacionais (O

SENHOR..., 2000). Esse ano também foi auspicioso para empresas de TV a cabo.

De acordo com o jornal Folha de São Paulo (INTERATIVIDADE..., 2001), com o

mercado formado por cerca de três milhões de assinantes, “a TV por assinatura foi o

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54

veículo que mais cresceu, em faturamento publicitário, no terceiro trimestre de

2000”. Conforme o Inter-Meios, a TV paga, no final dos anos 2000, registrou

faturamento 160% superior ao do mesmo período no ano anterior.

Quanto à sociedade, algumas preocupações estavam em voga na época. A

população estaria rumando para a obesidade, afetando 13% das mulheres, 7% dos

homens e 15% das crianças. Em países desenvolvidos como os EUA, este índice

chegava a 28% para mulheres e 27% para homens, mostrando ser um problema de

saúde pública de ordem mundial (RISCO..., 2000).

A virada de século também marcou uma tendência na sociedade: o aumento

de famílias com pais separados. De 11% dos casamentos realizados, pelo menos

um dos cônjuges já estava se casando pela segunda vez. Isso revela uma tendência

de novas famílias, com crianças desenvolvendo pensamentos diferentes em relação

a compromissos e convenções civis (A HORA..., 2000).

No mundo, os anos 2000 marcaram a eleição conturbada de George W. Bush

nos EUA. Bush, com posicionamento conservador e pró-pretróleo, venceu as

eleições com uma diferença de 0,3% para Al Gore, candidato conhecido por

defender causas ambientais (UM PRESIDENTE..., 2000). Esse ano colocou em

evidência que a economia norte-americana não era mais tão forte quanto se

pensava, com aumento no índice de desemprego, maior inflação, juros mais altos e

decrescimento econômico (COM GREENSPAN..., 2000).

O ano de 2001 marcou algumas transformações importantes no mundo. As

tensões entre os EUA de Bush e o Iraque de Saddam tornam-se latentes e, no início

do ano, bombardeios e ataques ao Iraque vão tomando força, de acordo com a Veja

Online (O BIGODUDO..., 2001). Ainda nessa reportagem, menciona o maior motivo

para o início dos ataques: suspeitas de que o Iraque esteja fabricando armas de

destruição em massa. No entanto, há outra forte razão: o Iraque é um dos maiores

produtores de petróleo do mundo. De lá saem por dia mais de 3 milhões de barris –

responsáveis por 95% da receita do país. Assim, os EUA estavam em uma posição

contraditória, e tentando depor o ditador utilizando a força bruta.

Com as tensões cada vez mais latentes, grupos terroristas começaram a

ameaçar o ocidente, até uma das maiores tragédias do mundo contemporâneo

ocorrer: o ataque às torres gêmeas. Foram 2.752 mortos e aproximadamente 10 mil

feridos em decorrência do atentado (DIAS..., 2011). O terrorista Osama Bin Laden

se responsabilizou pelo ataque e, desde então, tornou-se um dos homens mais

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55

procurados do mundo. A guerra tornou-se mais violenta, passando para a luta

terrestre na semana anterior, com o aparente objetivo de capturar Bin Laden (A

LUTA..., 2001).

Após o atentado, outra ameaça começou a abalar as estruturas dos norte-

americanos: a guerra biológica. A substância com potencial letal anthrax estava

chegando via correio para alvos específicos nos EUA, e causou uma morte. Os

ataques, no entanto, não eram destinados a matar em massa, e sim, a causar

pânico e insegurança nos governos e altos escalões. Unindo os ataques do 11 de

setembro, o anthrax e muitos outros incidentes como o atentado ao pentágono, a

sombra da violência e terrorismo trouxe medo para o mundo todo (O MAL..., 2001).

O ano seguinte à virada do século também marcou preocupação com o meio-

ambiente. Um grupo de cientistas da Organização das Nações Unidas revelou um

relatório que apontava uma série de catástrofes climáticas devido ao aquecimento

global (TEMPO..., 2001). Dentre elas, enchentes, secas e o aumento da temperatura

em 5,8 graus Celsius em 100 anos. A reação mundial dividiu-se em ceticismo e

pânico, mas um consenso existia: era necessário cuidar do meio-ambiente encontrar

novas soluções.

No Brasil, a economia mostra indícios de recuperação. A população começa a

comprar mais carros zero quilômetro, resultado dos esforços do Plano Real de 1994,

que aumentou o poder aquisitivo da população e melhorou as condições de crédito e

financiamento. Além disso, o mercado brasileiro foi aberto a produtos

automobilísticos importados, que eram mais modernos que os nacionais e possuíam

preços mais competitivos. Uma pesquisa realizada pelas montadoras revela que o

consumidor com renda de até 4.000 reais por mês corresponde a 82% do aumento

das vendas nos últimos dez anos (O 1º ZERO..., 2001).

No âmbito social, uma tendência começava a surgir. Os “bebês de proveta”

tornaram-se alternativa para casais que não podiam ter filhos, ou que apresentavam

dificuldades para tal. A técnica, aprimorada desde os anos 70, agora possuía alta

taxa de sucesso, e mais de 7.000 crianças nasceram no Brasil dessa forma até

aquele ano (TUDO..., 2001). Isso significou mães e pais mais velhos (por vezes

quase na idade de serem avós) com filhos recém-nascidos, o que mudou também

estruturas familiares como um todo.

Ainda no ambiente familiar, a palavra bullying começa a ser apropriada pelos

brasileiros para indicar um problema que sempre ocorreu nas escolas: a

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56

discriminação e violência entre crianças. Segundo reportagem da Veja Online

(INFERNO..., 2001), estudos nos EUA revelaram comportamentos comuns entre

agressores e agredidos, e também formas de prevenir e remediar essa situação. O

tema violência na idade infantil e infanto-juvenil também abrangeu o mundo dos

games, quando foi criada a classificação de videogames por idade. Essa

classificação viria para tornar mais fácil para os pais escolherem o que é adequado

para seus filhos, e evitar que entrem em contato com materiais dotados de temas

muito avançados para seu entendimento, como violência, sexo e drogas (AGORA...,

2001).

No âmbito dos desenhos animados, animações como “Os Anjinhos”

(LUCRO..., 2001) e “Shrek” (A AMEAÇA..., 2001) começavam a chamar a atenção

das crianças, revelando uma tendência por histórias e produções mais elaboradas.

Além disso, marca a descentralização das produções 2D da Disney. O estúdio

pioneiro da DreamWorks, criador de “Shrek” traz novos horizontes à animação em

3D, e uma narrativa mais profunda em relação às produções da concorrente.

No campo tecnológico, a popularização dos gravadores de CDs no país. Uma

matéria da Veja Online (QUEM..., 2001) demonstra um comportamento agora

comum entre usuários de computadores: “queimar CDs”. Junto a isso, sites que

distribuem músicas sem autorização se propagam na Internet. Diversos endereços

com esse fim se propagavam na web, como o Napster, o Gnutella, o AudioGalaxy e

o Aimster – voltado para trocas utilizando o AOL Instant Messenger. Grandes

empresas como a Amazon.com, prevendo essa tendência, fecharam contratos com

bandas para que algumas músicas fossem disponibilizadas gratuitamente

(NAPSTER..., 2001). Contudo, as grandes gravadoras já se sentiam ameaçadas por

uma tendência crescente e praticamente impossível de conter.

Nesses três anos que compreenderam o ápice da série Pokémon no Brasil, o

mundo passou por diversas transformações, como a Guerra no Iraque, os ataques

terroristas e a implantação do euro. Já em terras brasileiras, as inovações

tecnológicas começavam a ser implantadas pouco a pouco, como as redes de fibra

óptica, a internet wireless e o Playstation 2. A economia se recuperava pouco a

pouco desde o Plano Real de 1994, aumentando o poder aquisitivo da população.

As famílias tornaram-se mais enxutas e divididas. A preocupação com a qualidade

de vida também foi um tópico muito discutido, com o aumento da obesidade entre os

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57

brasileiros. Bullying e classificação de videogames demonstram a atenção dada à

violência entre crianças.

4.3 A TRAJETÓRIA DE POKÉMON NO BRASIL

Nesta etapa da pesquisa documental foi realizado um levantamento de

reportagens e textos relacionados ao Pokémon no Brasil. Revistas como a Veja, a

Istoé e a Folha de São Paulo foram as principais fontes jornalísticas. Fan Sites

relacionados ao assunto também proveram informações importantes referentes aos

produtos e brinquedos comercializados na época. Novamente, vale salientar que o

motivo da pesquisa na Internet é por se tratar de um assunto recente, e sobre a

franquia no Brasil, algo que não foi muito explorado por teóricos. Estes dados irão

contribuir no sentido de relacionar o contexto sócio-histórico às interpretações e

reinterpretações dos fãs da série.

Na Revista Veja de 03 de novembro de 1999 (A FEBRE..., 1999), eram

anunciados os primeiros números da febre Pokémon no Brasil: “Atenção, senhores

pais, se seu filho anda berrando palavras ininteligíveis como Pikachu ou Raichu e

finge estar treinando monstros imaginários a lutar, não se preocupe. Esses são os

principais sintomas da mania do momento, o desenho Pokémon (monstros de bolso,

em inglês à maneira japonesa)”. Nesta matéria, conta-se que Pokémon chegou ao

Brasil como videogame da Nintendo no ano anterior (1998), mas que apenas se

popularizou após a transmissão do desenho animado no programa Eliana & Alegria,

da Rede Record. Com a chegada do merchandising licenciado apenas em setembro

de 99, muitos produtos “piratas” eram vendidos nos camelôs, e já obtinham grande

aprovação. Ainda de acordo com a reportagem, a marca de brinquedos Estrela havia

colocado 140 mil brinquedos no mercado com previsão de venda até o Natal. No

entanto, os produtos acabaram em duas semanas, no Dia das Crianças.

Em 2009 a franquia movimentou US$ 14 milhões em vendas no varejo – o

mesmo que os produtos da Turma da Mônica e 25% menos que o obtido pela

Disney. De acordo com Ana Kasmanas, diretora da Exim Licensing Group, empresa

responsável pelo licenciamento da marca japonesa no País, “E isso representa

apenas o mercado oficial, que deve ter sido 20% do total”. Contando produtos

importados e piratas, estima-se que um faturamento de US$ 70 milhões

(POKÉMANIA, 2000).

Page 58: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

58

a) Pokémon e a TV

Para fins de organização e melhor entendimento, a trajetória de Pokémon no

Brasil será dividida em televisão, filmes, impressos e merchandising. A série de

televisão foi fundamental para alavancar a popularidade da série no mundo

inteiro, e no Brasil não foi diferente. Por isso, ela é considerada o centro da

narrativa, que levou os fãs a procurarem outras fontes de informações.

De acordo com um artigo sobre a trajetória do desenho animado de Pokémon

no Brasil, encontrado no site Boyrex (A TRAJETÓRIA..., [200?]) - os próximos

parágrafos contarão com informações deste artigo - a estreia da série ocorreu no

dia 10 de maio de 1999, no canal Record, durante o programa Eliana & Alegria,

às 9 horas e vinte da manhã. Ao perceber o sucesso do desenho animado, o

horário foi fixado às 11 horas e trinta da manhã. As informações a seguir também

são oriundas desse mesmo artigo. No Japão, a animação estreou muito tempo

antes, no dia 1º de abril de 1997. A versão localizada dos EUA foi distribuída no

Brasil pela Swen Entretenimentos, e foi rejeitada pelas grandes emissoras Globo

e SBT. Mesmo assim, a Swen decidiu dublar os episódios para português.

De modo a facilitar o processo de dublagem e distribuição da série no

ocidente, Pokémon foi dividido nos Estados Unidos por temporadas pela 4Kids. A

primeira temporada constituía-se de 52 episódios da saga da Liga Pokémon de

Kanto, enquanto a segunda continha 28 episódios de conclusão da saga. Essa

divisão acarretava em problemas com contratos com estúdios de dublagem, e as

duas temporadas poderiam ser tratadas com locais diferentes.

Em 1999, quando a primeira temporada chegou ao país, a Swen contratou

a extinta Master Sound, considerado um dos melhores estúdios de São Paulo e,

consequentemente, com o maior preço. Apesar das dificuldades – eram 52

episódios, com muitos personagens e um vasto vocabulário do mundo Pokémon

-, essa é considerada uma das melhores dublagens da série.

Um dos esforços de localização que ocorreu no Brasil foi a respeito dos

golpes dos Pokémons. Os ataques dos monstros de bolso eram oriundos do jogo

para Game Boy, o qual a maioria dos brasileiros não tinha acesso por conta dos

altos preços. Dessa maneira, ao invés de traduzir os nomes em inglês, os

tradutores optaram por dar nomes aos golpes de acordo com o visual e efeito

dos mesmos. Por exemplo, o ataque chamado Disable (desabilitar, em

português) utilizado por um Pokémon chamado Psyduck foi chamado de

Page 59: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

59

Congelamento, pois ele utilizou para imobilizar os inimigos. Já o golpe Confusion

(confusão em português) do mesmo Pokémon foi chamado de Arremesso, pois

era esse o efeito que ele aparentava ter.

Além disso, havia um vasto vocabulário que compreendia o nome dos

Pokémons, das pessoas e de gadgets utilizados na série. Na maioria das vezes,

os nomes de cidades e de Pokémons foram mantidos em inglês, traduzindo

quando era realmente necessário. Muitas traduções foram bem aceitas. Os

nomes dos Pokémons Miau (Meowth) e Bulbassauro (Bulbasaur), são utilizados

por fãs até hoje. Outras trocas que funcionaram foram a Pokébola (Pokéball), a

Pokéagenda (Pokédex) e o nome do Professor Carvalho (Professor Oak).

Contudo, ocorreram trocas estranhas, como a tradução de alguns monstros,

como Pombo (Pidgey) e Parasita (Paras), muito provavelmente porque os nomes

não condiziam com sua aparência. Esses problemas foram corrigidos com o

tempo.

Figura 7 - O Pokémon Pidgey não se parece com um pombo

Fonte: POCKET MONSTERS. Disponível em: <http://www.pocketmonsters.net/characters/1840>.

Acesso em: 15 nov. 2012.

Figura 8 - Paras possuía mais semelhanças com um crustáceo

Fonte:IGN. Disponível em: <http://faqs.ign.com/articles/824/824188p1.html>. Acesso em: 15 nov. 2012.

Page 60: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

60

A exibição dos cinquenta e dois (52) episódios se deu de forma diária na

Rede Record, o que esgotou a temporada em dois meses e meio. Até a próxima

temporada ser dublada, foram 8 meses de espera, e de reprises. Alguns meses

depois da estreia na Tv aberta, a primeira temporada de Pokémon chegou ao

canal de TV a cabo Cartoon Network. De forma mais organizada, os episódios

eram exibidos às 17 horas, com reprises às 22 horas. Apesar de ser o mesmo

desenho animado, o Cartoon Network exibia o encerramento norte-americano do

episódio, com a música PokéRap, enquanto a Rede Record omitia essa parte.

A segunda temporada de Pokémon estreou na Rede Record no dia 21 de

fevereiro de 2000, e apresentou algumas diferenças relacionadas à dublagem. O

autor do artigo comenta não saber o motivo, mas outro estúdio foi contratado,

dispensando a Master Sound e trocando pela BKS. Por maiores que fossem os

esforços, nem todo o elenco conseguiu ser mantido, e a voz do Narrador e do

Pokémon-vilão Miau foram alteradas, o que causou certo impacto, pois tanto o

narrador quanto Miau apareciam em praticamente todos os episódios. Outras

mudanças ocorreram nos nomes dos golpes dos Pokémons, como o golpe do

personagem Bulbassauro, Vine Whip, que antes era chamado de Chicote de

Vinha, começou a ser chamado de Chicote de Cipó. A pronúncia dos nomes de

alguns Pokémons também mudaram, e alguns nomes voltaram ao original em

inglês, como Magikarp – que antes era chamado Magicarpa.

Após as duas temporadas serem exibidas e um longo hiato de novos

episódios ter ocorrido – sem, no entanto, diminuir a popularidade da série -, a

Liga Laranja (que também fazia parte da segunda temporada, de acordo com o

pacote dos EUA) estreou no Brasil em meados de abril de 2000 na Rede Record.

Esse segmento foi transmitido pelo Cartoon Network alguns meses depois,

novamente com uma música de encerramento – Karaokémon -, que tinha a

finalidade de promover o primeiro CD com a trilha sonora da franquia: Pokémon

– Para ser um Mestre.

A partir desse momento, o envio de episódios para o Brasil se tornou mais

esparso. No Japão e nos Estados Unidos o desenho animado era exibido

semanalmente, e os episódios eram enviados ao Brasil em pacotes a serem

dublados ao longo do ano. Aqui, as emissoras exibiam Pokémon diariamente. O

resultado foi a transmissão da terceira temporada no dia 1º de Janeiro de 2001

no Cartoon Network, quase oito (08) meses da estreia da Liga Laranja no

Page 61: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

61

programa da Eliana. Com novos episódios chegando cada vez mais tarde, o que

ocorreu foi uma série de reprises, principalmente na TV aberta, onde a Rede

Record optou por esperar a temporada ser dublada por inteiro para iniciar a

exibição, que sucedeu no final de março de 2001. Toda a espera e reprises

acabaram desgastando a série, que perdeu a audiência de forma significativa –

passou de 14 (POKÉMANIA, 2000) para 6 pontos no Ibope (FELTRIN, 2001).

Ricardo Feltrin (2000), editor-chefe da Folha Online na época escreve em sua

coluna Ooops!: “Não dá mais pra aguentar as repetições de ‘Pokémon’. São 104

capítulos, mas a Record repete só uma dúzia, de forma interminável. Eliana deve

estar dormindo”.

Nesse meio tempo, outra moda se iniciava. Em meados da segunda

temporada de Pokémon, no auge de seu sucesso, uma criação da Toei

Animation desviou a atenção das crianças. Digimon possuía o mesmo princípio

dos monstros de Tajiri Satoshi: seres que lutam entre si e são capazes de evoluir

em criaturas maiores e mais fortes, acompanhando um grupo de crianças em

suas aventuras. O animê Digimon foi adquirido pela Fox Kids norte-americana

com a intenção de derrubar a audiência implacável de Pokémon na Kids’ WB – a

emissora que exibia Pokémon nos EUA.

No Brasil, a Rede Globo passou a transmitir Digimon, com o intuito de barrar

a audiência da Record. Segundo notícia da Revista Istoé Dinheiro de 31 de maio

de 2000 (POKÉMANIA, 2000), a série atingia picos de 14 pontos no Ibope. Na

TV aberta, a rivalidade entre os monstros de bolso (Pokémon) e os monstros

digitais (Digimon) ganhou força, enquanto na TV a cabo ambos eram exibidos em

horários diferentes. Digimon se popularizou principalmente por esforços de

marketing da Rede Globo, e ajudou a diminuir a popularidade de Pokémon, que

decaiu durante a exibição desorganizada da quarta temporada, em 2002. De

acordo com a coluna Ooops! (FELTRIN, 2001), nessa época a série passou a ter

6 pontos no Ibope.

b) Pokémon e os filmes

Até o ano de 2012 foram lançados 13 filmes relacionados à série (POKÉMON

MYTHOLOGY, 2012a). No entanto, as películas analisadas nessa parte são duas

– que compreendem o período de ápice da franquia no Brasil: Pokémon – O

Filme e Pokémon – O Filme 2000. No dia 10 de novembro daquele ano,

Page 62: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

62

Pokémon, The First Movie (filme lançado no Japão em 1998) estreou nos

Estados Unidos, e faturou 10 milhões de dólares em um dia. No final da primeira

semana, os cinemas haviam arrecadado 56 milhões de dólares com 20 milhões

de espectadores, a maior bilheteria de um filme infantil e a quinta de toda a

história do cinema em sete dias de exibição (O SUCESSO..., 1999).

No Brasil, ainda de acordo com a reportagem anterior, o filme estava previsto

para ter sua estreia em abril de 2000, mas foi antecipada para janeiro do mesmo

ano. Conforme o Diário de Cuiabá de 21 de janeiro de 2000 (ALMEIDA, 2000), o

longa entrou em cartaz no país no dia 7 de janeiro de 2000, em 270 salas de

cinema. Em três dias, 480 mil pessoas foram assistir às aventuras de Ash e

Pikachu e, ao final do período de exibição, mais de 1 milhão de pessoas haviam

feito o mesmo. Tal audiência tornou-se recorde de bilheteria infantil no Brasil até

então.

O segundo filme, lançado nas férias de julho do mesmo ano, contava com

estimativa de público de 2 milhões de pessoas (POKÉMANIA, 2000). O segundo

longa Pokémon - O Filme 2000 passou por esforços agressivos dos localizadores

norte-americanos. O desenho foi produzido no Japão, com o uso de animação

tradicional e computação gráfica. O roteiro, então, era repleto de referências

culturais compreensíveis apenas por japoneses. Para a versão internacional,

foram aproveitadas as imagens e o esqueleto da história, mas criaram-se novos

diálogos e situações, de maneira a tornar a narrativa mais clara para os

ocidentais (POKÉMON..., 2000).

c) Pokémon e impressos

Além do desenho animado e dos filmes, outros produtos que conquistaram a

população brasileira foram impressos. Revistas, álbuns de figurinha e cards

colecionáveis foram responsáveis por grande parte do faturamento da franquia.

Lançada em setembro de 1999, a revista Pokémon CLUB chegava às bancas

pela Conrad Editora (POKÉMON MYTHOLOGY, [200?]). De acordo com a

Revista Veja de 24 de novembro de 1999 (VEJA ONLINE, 1999f), a primeira

tiragem de 70 mil revistas esgotou-se em dias, e mais 250 mil cópias foram

vendidas. O sucesso tornou a revista quinzenal, e alcançou mais de um milhão e

500 mil leitores. A revista foi publicada até 2003, quando tornou-se uma seção da

Nintendo World (POKÉMON MYTHOLOGY, [200?]).

Page 63: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

63

De acordo com o prefácio da primeira edição da Pokémon CLUB (1999),

esta era “Uma revista feita na medida para os jovens Treinadores Pokémons

brasileiros [...] Aqui será possível saber tudo a respeito dos monstrinhos de

bolso, Suas origens, curiosidades, os Treinadores e muito mais”. De certa forma,

a publicação tornou-se um importante guia para os fãs. Ela centralizava as

informações, com seções de textos sobre as aventuras da TV, sobre os jogos

para as diversas plataformas e atividades. Em seu ápice, as revistas chegavam a

ter uma tiragem quinzenal de 300 mil exemplares (POKÉMANIA, 2000).

Figura 9 - Revista Pokémon CLUB custava R$ 3,90

Fonte: POKÉMON MYTHOLOGY. Disponível em: <http://www.pokemonmythology.110mb.com/viewpage.php?page_id=408> Acesso em 15 nov. 2012.

O álbum de figurinhas Temos que pegar, lançado pela Panini, consistia de

mais de 100 cromos normais e mais alguns brilhantes, ilustrando os 150

Pokémons conhecidos na época, os personagens principais e as 8 insígnias

(espécie de brasão que um treinador recebia ao vencer um treinador importante)

(MORAES, 2011). Na primeira semana foram vendidas mais de 15 milhões de

figurinhas, que logo ficaram em falta nas bancas (A FEBRE..., 1999). Em matéria

da Revista Istoé Dinheiro de 31 de maio de 2000 (POKÉMANIA, 2000), “a Panini

teve de trabalhar 24 horas durante dois meses para atender à demanda por

Page 64: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

64

figurinhas. Vendeu 61 milhões de envelopes de figurinhas com imagens dos

monstrinhos. O recorde anterior, com os personagens da Família Dinossauro, era

de 40 milhões”.

O sucesso do álbum de figurinhas é uma repetição do que ocorreu na França,

quando a Panini lançou o livro ilustrado. De acordo com Gilles Brougère (2004),

as figurinhas tiveram um papel importante na divulgação da série em seu país:

“Isso repetiu uma estratégia de marketing de sucesso na França, asscociada a

cartas colecionáveis distribuídas pela Panini apresentando jogadores de futebol,

heróis de programas de TV para crianças e tazos, mas levou a um nível mais

alto” (BROUGÈRE, 2004, p. 195, tradução nossa).

Figura 10 - Envelopes continham 3 cromos custando R$ 0,35

Fonte: ZIRO. Disponível em: <http://emulaziro.blogspot.com.br/2010_10_06_archive.html>. Acesso em 11 nov. 2012.

A estratégia de divulgação dos cards colecionáveis no Brasil se deu com a

distribuição de algumas cartas promocionais em salas de cinema e lojas. Esta

promoção é inspirada na norte-americana, e servia justamente para divulgar o

jogo e estimular a compra de envelopes com mais cartas colecionáveis. Na

distribuição durante o primeiro filme, no lançamento do DVD e VHS do mesmo, e

do lançamento do jogo de cartas para Game Boy, as cartas não haviam sido

traduzidas para o português, mas alavancaram as vendas mesmo assim. Foi na

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65

exibição do segundo longa que a Devir Livraria iniciou a tradução das cartas,

denominando-as estampas ilustradas (POKÉMON BY PSYDUCK, [200?]).

Figura 11 - Cards promocionais entregues no primeiro filme

Fonte: POKÉMON BY PSYDUCK. Disponível em: <http://www.reocities.com/TelevisionCity/satellite/5722/tcg4.html>. Acesso em 15/11/2012.

d) Pokémon e merchandising

A série de televisão, os filmes, o álbum de figurinhas e a revista quinzenal

foram os principais motores da estratégia transmídia no Brasil. Outros produtos

também tiveram destaque, licenciados por marcas de brinquedos como a Estrela

e marcas de bebida, como a Antartica. Estes estavam sempre de acordo com o

mote “Temos que pegar!” da série, que estimula a prática de colecionar os

personagens.

Os brinquedos da Estrela fizeram muito sucesso entre as crianças. Como

citado anteriormente, a empresa havia colocado 140 mil produtos relacionados a

Pokémon em setembro de 1999, esperando vendê-los até o Natal. Estes se

esgotaram no Dia das Crianças, e outro lote igual foi encomendado para as

festividades de final de ano. Ao todo eram 35 produtos, que, em 2000, já

representavam 7% do faturamento da marca (POKÉMANIA, 2000). Entre eles

estavam miniaturas colecionáveis, jogos de tabuleiro, ioiôs, e chapas metálicas.

Page 66: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

66

Figura 12 – Miniaturas Pokémon Grud-Grud, da Estrela

Fonte: TODA OFERTA UOL. Disponível em: <http://todaoferta.uol.com.br/comprar/pokemon-estrela-pikachu-colecao-gurdgrud-TPKKJZWLFR#rmcl>. Acesso em 15 nov. 2012.

Figura 13 – Ioiô Pokémon, da Estrela

Fonte: MERCADO LIVRE. Disponível em: <http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-441683809-brinquedo-antigo-estrela-io-io-do-pokemon-pidgey-anos-90-_JM>. Acesso em 15 nov. 2012.

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67

Figura 14 – Jogo Poké-Tapa, da Estrela

Fonte: QUE BARATO. Disponível em: < http://sp.quebarato.com.br/louveira/brinquedo-pokemon-poke-tapa-da-estrela-incompleto__44413.html>. Acesso em 15 nov. 2012.

O Guaraná Antártica também se valeu do sucesso da franquia para lançar

seu produto promocional. Em 20 de setembro de 2000 foi ao ar o comercial do

Guaraná Caçulinha Pokémon, que retratava uma mãe vestida como o

protagonista Ash e caçando as criaturas entre as prateleiras com o produto da

Antártica. Eram 40 miniaturas diferentes, entre monstros e personagens

humanos. Além disso, havia 5 rótulos colecionáveis, com Pokémons diferentes

(DM9DDB PUBLICIDADE LTDA, 2009).

Figura 15 – Guaraná Caçulinha

Fonte: MINILUA. Disponível em: < http://minilua.com/brinquedos-que-marcaram-epoca-3/>. Acesso em 15 nov. 2012.

A Tele Centro Sul, empresa de telecomunicações atualmente pertencente à

Oi (nome fantasia da Brasil Telecom) (TUDO EM FOCO, 2011), foi responsável

pela confecção dos cartões telefônicos com os personagens da franquia.

Page 68: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

68

Inicialmente, a empresa encomendou 6 milhões de cartões LigMania Pokémon.

No entanto, antes de lançá-los, realizou uma pesquisa e ampliou o pedido para

18 milhões de unidades (POKÉMANIA, 2000).

Figura 16 – Cartões telefônicos LigMania Pokémon

Fonte: TODA OFERTA UOL. Disponível em: < http://todaoferta.uol.com.br/comprar/rarissima-serie-pokemon-telems-12000-tiragem-PQXNUWMTUX#rmcl>. Acesso em 15 nov. 2012.

A Elma Chips também lançou coleções dos personagens favoritos da

franquia. Em épocas separadas, promoções eram criadas com brindes

diferentes, e poderiam ser encontradas nos salgadinhos Cheetos, Fandangos,

Stiksy e Pingo D’Ouro (POKÉMON MYTHOLOGY, 2012b). Os primeiros a serem

lançados foram os Tazos (COISAS OLDS, 2009a), seguidos por um jogo de

cartas de “pedra papel e tesoura” ilustrado com os personagens (COMERCIAL,

2011) e cartas de batalha (COISAS OLDS, 2009b).

Figura 17 – Tazos Pokémon Elma Chips

Fonte: COISAS OLDS. Disponível em: <http://coisasolds.blogspot.com.br/2009/04/pokemon-tazos-3.html>. Acesso em 11 nov. 2012.

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69

Figura 18 – Jó-Kén-Pokémon Elma Chips

Fonte: COISAS OLDS. Disponível em: < http://coisasolds.blogspot.com.br/2009/04/cards-pokemon-elma-chips-2.html html>. Acesso em 11 nov. 2012.

Figura 19 – Cartas de batalha Pokémon Elma Chips

Fonte: COISAS OLDS. Disponível em: < http://coisasolds.blogspot.com.br/2009/04/cards-pokemon-elma-chips-2.html html>. Acesso em 11 nov. 2012.

No ramo alimentício, a Arisco ilustrou seu macarrão instantâneo com os

personagens, a Plus Vita fez o mesmo com seus bolos e a Danone realizou a

mesma estratégia com seus iogurtes. Foram mais de 70 produtos licenciados,

entre doces, shampoos, roupas, material escolar, entre outros (POKÉMANIA,

2000).

Como foi observado, a febre Pokémon tomou conta do país entre os anos

1999 e 2001. Centrada principalmente na televisão, se propagou no cinema, na

mídia impressa e no merchandising. O jogo para Game Boy não obteve uma

participação tão expressiva no faturamento relacionado à franquia,

Page 70: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

70

principalmente por conta do preço elevado – apenas o game Pokémon Gold

custava R$ 94,05 nos anos 2000 (LOJAS..., 2000).

4.4 ANÁLISE DA TRAJETÓRIA POKÉMON NO BRASIL

Nesta etapa da pesquisa, serão relacionados os dados obtidos sobre a

trajetória da narrativa Pokémon com os autores da fundamentação teórica. Foram

escolhidos os principais teóricos abordados: Castells (2001), Charaudeau (2006),

Thompson (2009) e Vincent (2005). Serão realizadas comparações entre o Japão,

Estados Unidos e Brasil nos quesitos: localização e narrativa, linguagem – fala,

imagem e cultura – e estratégia transmídia.

4.4.1 Localização e narrativa

Quando a franquia Pokémon foi exportada do Japão para os EUA, houve uma

série de modificações. Essas foram denominadas por Katsuno e Maret (2004) como

‘localização’. Tal esforço vai além de apenas traduzir os diálogos, mas também

modificar e adaptar tais signos verbais transmitidos acusticamente, bem como os

signos não verbais – efeitos sonoros e música de fundo – e signos linguísticos

visuais, como expressões faciais, placas de sinalização, entre outros. Dessa forma,

serão relacionados aspectos da linguagem – fala, imagem, narrativa e cultura – aos

autores Vincent (2005), Castells (2001), Charaudeau (2006) e Thompson (2009),

comparando as mudanças que foram realizadas por responsáveis pela série fora do

Japão.

Conforme foi descrito no primeiro capítulo dessa monografia, Pokémon foi

criado no Japão aos moldes do gênero anime/mangá: com personagens que fossem

mais genéricos possíveis, sem marcas evidentes de serem orientais. Apesar de os

japoneses terem muito forte a noção entre “nós” e “ eles”, descrita por Castells

(2001), há uma tradição contrária a isso quando se fala de produtos para

exportação. A identidade cultural (CASTELLS, 2001) japonesa possui diversas

facetas, fruto de uma nação que, por muito tempo, esteve isolada do mundo

ocidental. Para se adaptar ao sistema capitalista e exportar produtos, o Japão

Page 71: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

71

desenvolveu produtos que fossem culturalmente neutros, e se tornou uma potência

em artigos tecnológicos e eletrônicos.

No entanto, por muitos anos, as produções de entretenimento japonesas não

obtinham o mesmo êxito que os insumos tecnológicos, justamente por conta das

influências da identidade cultural. Castells (2001) considera que a formação dessa

identidade envolve mais do que a cultura, mas sim, aspectos históricos, geográficos

e biológicos. Além disso, instituições de produção, memória coletiva, fantasias

pessoais, aparatos de poder e religião também influenciam tal formação. Para

popularizar o entretenimento também no ocidente, as histórias nipônicas precisaram

sofrer uma desconstrução da identidade cultural, tornando-a neutra. Dessa forma,

outras sociedades poderiam compreender e interpretar as histórias mais facilmente,

podendo relacionar as narrativas com seus diferentes pontos de vista em seus

contextos espaço-temporais (CASTELLS, 2001).

Mesmo com o esforço de tornar Pokémon o mais neutro possível

culturalmente, a série continuava contendo valores e temas orientais. A tradição que

surgiu do mangá trouxe uma narrativa que abordava assuntos que não se observa

nas histórias ocidentais para crianças – especialmente norte-americanas. Questões

como sexualidade, violência e a não polarização entre o bem e o mal ainda

confundiriam a audiência infantil ocidental, por ser de difícil relação com seus

contextos sócio-históricos (THOMPSON, 2009). Assim, para aproximar a franquia ao

ocidente, muitas formas simbólicas (THOMPSON, 2009) precisaram ser alteradas,

obscurecidas e até omitidas completamente. Pode-se observar, na tabela a seguir,

algumas diferenças na narrativa central – que também engloba os filmes - de

Pokémon no Japão e nos EUA e a influência cultural exercida para modificar tal

história no ociente.

Page 72: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

72

Tabela 1 – Diferenças entre narrativa central de Pokémon x cultura

Japão EUA

Temática central:

aprendizado de um garoto

que se prepara para a vida

adulta, com a ajuda de

amigos e Pokémons. Foco na

evolução e amadurecimento

dos personagens.

Forte cultura de heróis.

Temática central: o garoto é o

herói, que tem o intuito de

vencer o mal, com a ajuda de

amigos e Pokémons.

Desenvolvimento dos

personagens ofuscados.

Vilões: veia cômica; vencer o

mal não era o foco principal. Importância da polaridade

entre o bem e o mal.

Vilões: veia cômica; vencê-

los era o foco do desenho

animado.

Fonte: A autora (2012).

As músicas também refletem essa diferença na história central. No Brasil, as

faixas foram quase que completamente, à exceção de PokéRap, que apresentava o

nome dos personagens em inglês. Na tabela a seguir, podem-se perceber as

diferenças entre as versões original japonesa, norte-americana e brasileira da

música de abertura da primeira temporada da série.

Page 73: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

73

Tabela 2 – Música de abertura de Pokémon na primeira temporada

Japão EUA Brasil

Primeira

estrofe

Adeus, cidade de Pallet,

adeus.

Estou começando minha

jornada com esse cara aqui

(Pikachu!)

Vencer e vencer e vencer

com uma técnica perfeita

E fazer amigos na próxima

cidade

Sempre e o tempo todo, irei

avançar de forma habilidosa

(MEIKO ANIME, [200?],

tradução nossa).

Eu quero ser o melhor

Como ninguém nunca foi

Pegá-los é meu teste real

Treiná-los é minha causa

(LETRAS.MUS.BR,

[200?a], tradução nossa).

Esse meu jeito de viver

Ninguém nunca foi igual

A minha vida é fazer

O bem vencer o mal

(LETRAS.MUS.BR,

[200?b]).

Refrão

Mesmo através de fogo,

água, na grama, em florestas

Dentro da terra, através das

nuvens, embaixo da saia

daquela garota

É uma tarefa muito, muito,

muito, muito ruim, mas

Eu certamente pegarei!

Eu pegarei Pokémons!

(MEIKO ANIME, [200?],

tradução nossa).

Pokémon! Temos que

pegar todos.

É você e eu.

Eu sei que é o meu

destino

Pokémon

Ooh, você é meu melhor

amigo, em um mundo

que precisamos defender

(LETRAS.MUS.BR,

[200?a], tradução

nossa)..

Pokémon! (Temos que

pegar)

Isso eu sei, pegá-los eu

tentarei! Pokémon!

Juntos teremos que o

mundo defender!

(LETRAS.MUS.BR,

[200?b]).

OBS.: A música japonesa apresenta um arranjo musical completamente

diferente das versões ocidentais (INDIGO..., 2007).

Fonte: A autora (2012).

De acordo com as ideias de Vincent (2005), juntamente com a narrativa em si,

há o agente da marca. Este é responsável por conferir veracidade a uma história,

sendo a prova tangível desta. No Japão, a cultura da fofura (ALLISON, 2006) elegeu

o personagem Pikachu como agente. Diferentemente dos EUA, que, com a cultura

de heróis enraizada na sociedade e no entretenimento, promoveu Ash como prova

de tangibilidade narrativa.

Page 74: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

74

Prestar tanta atenção aos aspectos da trama do desenho animado foi o

cuidado que encaminhou a franquia à fama mundial. Vincent (2005) atribui à

necessidade inata do ser humano de contar e ouvir histórias o sucesso de muitas

marcas que desenvolvem narrativas coesas. E Pokémon não foi apenas uma

sequência de fatos narrados. Também ditou costumes e comportamentos

indispensáveis para a participação dos receptores. O autor de “Histórias

Legendárias” (2005) pondera que, quando isso ocorre, a narrativa naturalmente atrai

a audiência a conversar com a marca, e também interagir com ela. Com isso,

sociedades e grupos são formados, e a prática de rituais e uso de símbolos são

comportamentos agregados. Na franquia tratada neste trabalho, diversas práticas

estimulando tais formações podem ser observadas.

No estudo de Helen Bromley (2004) sobre jogos narrativos envolvendo

Pokémon, muitos comportamentos comuns foram observados nas crianças. A

professora e estudiosa na área da educação acompanhou um grupo de crianças de

até 6 anos que deveria criar narrativas com brinquedos relacionados à série. O

primeiro comportamento observado foi: a primeira preocupação das crianças era

sobre a posse dos Pokémons. Isso explica um comportamento estimulado pela

narrativa, onde o slogan da franquia é: “Temos que Pegar!”. Obter o maior número

de monstros significava maior status, prática replicada pelo público infantil fora do

programa de TV.

No Brasil, a narrativa Pokémon foi exportada dos Estados Unidos, por isso,

não apresenta mudanças significativas na narrativa. Os ‘localizadores’ da Nintendo

of America realizaram uma estratégia que adaptaria Pokémon para toda a audiência

ocidental, que, por sua vez, já estava acostumada com os cartoons norte-

americanos. Os próximos parágrafos retratarão de forma mais aprofundada os

aspectos da ‘localização da série’.

e) Fala, imagem e cultura

Charaudeau (2006) observa que, no “uso da fala” há três oposições que são

responsáveis por completar o significado de um discurso. Por isso, dizer que

apenas a junção de vocábulos organizados semanticamente constitui uma

produção de sentido é falacioso. Há, além do discurso em si, a visão de mundo

do interlocutor e do receptor, o espaço externo à realidade de ambos – que

influencia nessa visão de mundo – e o que está fora da linguagem. Dessa

Page 75: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

75

maneira, se o desenho animado fosse apenas traduzido da versão japonesa para

o ocidente, muitos aspectos culturais tipicamente nipônicos não seriam

compreendidos pela audiência, o que ocasionaria no fracasso da série.

Um exemplo disso é citado por Katsuno e Maret (2004), em relação aos

nomes dos Pokémons. Na versão japonesa, dois monstros com características

de lutadores são chamados Sawamura e Ebiwara, trocadilhos com nomes de

lutadores famosos no país nos anos 70. Para manter esse espírito, os

‘localizadores’ renomearam essas criaturas como Hitmonlee e Hitmonchan

(referências a Bruce Lee e Jackie Chan, respectivamente). Houve, então, uma

preocupação com a referência de mundo que a audiência possuía. No Brasil,

alguns Pokémons obtiveram nomes traduzidos para o português, principalmente

por conta da pronúncia. Na tabela abaixo, há alguns nomes que foram trocados

ao longo das exportações:

Tabela 3 – Pokémons e suas traduções

Japonês EUA Brasil Fushigidane Bulbasaur Bulbasauro

Nyaasu Meowth Miau

Koikingu Magikarp Magicarpa

Poppo Pidgey Pombo

Fonte: BULBAPEDIA ([200?])

A maioria dos Pokémons não foi traduzida para uma versão próxima ao

português e nomes como Pombo e Magicarpa só se mantiveram assim na

primeira temporada. No entanto, um exemplo interessante relacionado à

referência de mundo dos receptores é o nome do personagem Miau. No Japão, a

interjeição “nyan” está relacionada ao miado de felinos, enquanto nos Estados

Unidos, esse som é caracterizado por “meow” (NYAN, 2008). Para seguir a regra,

os dubladores optaram por utilizar a interjeição brasileira: “miau” (MIAU, [2000-

2010]). O Pokémon Bulbasauro também passou por mudanças, ainda que sutis,

no nosso país. A diferença pode-se perceber entre o original e o americano.

“Fushigidane” é a junção das palavras “fushigi”, que significa mistério e “tane”,

semente (ANGELFIRE, [200?]). Na ‘localização’, o monstro, por sua aparência,

foi relacionado às palavras “bulb” e “dinosaur” – bulbo e dinossauro, por,

provavelmente, ser a referência de mundo mais próxima dos ocidentais.

Page 76: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

76

Figura 20 - Pokémon Bulbasauro

Fonte: PIXEL JOINT. Disponível em:<http://www.pixeljoint.com/forum/forum_posts.asp?TID=15172>. Acesso em: 15. nov. 2012.

Uma particularidade ocorre nos nomes dos Pokémons no Brasil: apesar de

alguns terem sido traduzidos, essa estratégia não foi coordenada com os outros

meios. No álbum de figurinhas, na revista Pokémon Club e nos brinquedos, por

exemplo, os nomes foram mantidos em inglês. Além disso, músicas que estavam

no animê como o PokéRap não eram completamente traduzidas, apresentando

os nomes das criaturas em inglês e o resto da letra em português (AS 5

PARTES..., 2012). No entanto, essas diferenças não afetaram o sucesso da

franquia no Brasil, o que demonstra a familiaridade da audiência brasileira com

fonemas e nomes estadunidenses. A questão do contexto sócio-histórico citado

por Thompson (2009) ilustra que, tanto a audiência nacional quanto a norte-

americana possuem habilidades e recursos semelhantes para interpretar as

nomenclaturas dos monstros de bolso.

Durante as batalhas que ocorrem no desenho animado, os Pokémons utilizam

golpes para atacar seus oponentes, e estes movimentos têm nomes distintos.

Originalmente, esses golpes são oriundos dos jogos para Game Boy. Assim,

para os japoneses e norte-americanos, que têm fácil acesso à tecnologia e aos

games, a transcrição direta dos movimentos do jogo para o desenho animado e

para os cards colecionáveis é algo natural, já fazendo parte do referencial de

mundo descrito por Charaudeau (2006).

Já no Brasil, como citado anteriormente, o acesso às práticas relacionadas

à tecnologia era muito menor. Melhorias como a internet wireless e a fibra óptica,

por exemplo, demoraram a chegar ao país. Os games ainda contavam com a

barreira dos altos preços. Logo, para a maioria das crianças, o referencial

Page 77: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

77

relacionado aos golpes dos Pokémons era quase inexistente. Por isso, na

dublagem, os nomes dos ataques eram dados de acordo com o que eles

aparentavam. Alguns, por coincidência, mantinham-se semelhantes aos originais

em inglês, como o caso do ataque “vine whip” (THE POKEMON DATABASE,

[2008-2012]), do personagem Bulbasauro. Em português, foi transcrito

literalmente para “chicote de vinha”. O que ocorria na maioria das vezes,

contudo, era uma adaptação. O golpe, “confusion”, do personagem Psyduck

tornou-se “arremesso”, pois era isso que o movimento aparentava no desenho

animado. Com esse cuidado, os dubladores brasileiros evitaram o estranhamento

por parte da audiência que, em sua maioria, não possuía intimidade com os

games que originaram a série televisiva.

Pode-se perceber que, os esforços de mudança de nomenclaturas tanto

no Brasil quanto nos EUA refletem os referenciais culturais que ambas as nações

possuem. Para Charaudeau (2006), não existe uma análise de discurso que não

leve em conta dimensões proposicionais, situacionais e externas ao uso da fala

em si. Logo, tomando como base os conceitos de Thompson (2009), essas

diferenças não são fruto do acaso, e sim, oriundas de um planejamento e um

pensamento voltado à adaptação de formas simbólicas para audiências que

estão inseridas em contextos sócio-históricos.

Outra forma simbólica que foi alterada significativamente na ‘localização’

se encontra nos signos visuais. Foram traduzidos ou apagados todos os indícios

de língua japonesa do desenho animado. No Brasil, não houve nenhuma

alteração nas imagens, provavelmente por conta dos altos custos e da demora

deste processo, o que causaria atraso no lançamento dos episódios. As trilhas

sonoras durante os episódios foram alteradas significativamente na versão norte-

americana, que foi exportada sem mudanças para o Brasil. No primeiro capítulo

deste estudo mencionam-se tais alterações, analisadas por Kastuno e Maret

(2004). Segundo os autores, a trilha sonora japonesa tendia a ser muito mais

dramática e orquestrada, enquanto a norte-americana dava um tom mais leve,

humorístico e pop. Tanto as modificações nas imagens, quanto nas músicas de

fundo são reflexo de um estilo cartunesco estadunidense, onde desenhos infantis

não podem transmitir drama ou seriedade intensos. Logo, se estas formas

simbólicas não tivessem sido alteradas, seria mais difícil para a audiência se

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78

identificar com o ritmo do desenho animado, bem como a presença de signos

orientais iria aumentar a sensação de estranhamento.

Seguindo essa ideia da influência intrínseca do contexto sócio-histórico na

interpretação das formas simbólicas citada por Thompson (2009), outro aspecto

do “uso da fala” constitui relevância: o diálogo entre os personagens. Conforme

mencionado no primeiro capítulo desta monografia, muitos dos diálogos do

desenho animado foram adaptados para a realidade da audiência. Falas

relacionadas a comidas típicas, como por exemplo, o episódio em que Brock fala

das preferências culinárias de seus irmãos, foram modificadas completamente. A

citação de pratos que não existem no ocidente causaria confusão na

interpretação do discurso, justamente por não estar inserida no contexto cultural

desses locais. Dessa forma, as sopas miso foram trocadas por “espaguete” e

“cereal”, alimentos genéricos e sem traços culturais fortes.

Thompson (2009) discorre que, dentro do contexto sócio histórico, há

situações espaço-temporais, campos de interação e mídia. Um campo de

interação de influenciou a narrativa Pokémon foi o de família. No Japão, os laços

de sangue são considerados como a definição de união familiar. Todavia, essa

realidade não era a mesma no ocidente no final dos anos 90 e entrada do novo

milênio. Tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, o divórcio já era tratado

como uma situação natural da sociedade, e novas configurações de família

tornavam-se cada vez mais comuns. Pode-se perceber o reflexo desses valores

diferentes no episódio “The Kangaskhan Kid”. Neste episódio, Ash e seus amigos

encontram um menino que foi criado por Pokémons selvagens. No diálogo

analisado por Katsuno e Maret (2004), Ash (Satoshi), Brock (Takeshi) e Misty

(Kasumi) discutem sobre como o menino irá lidar com a situação de estar reunido

à sua família. A tabela a seguir ilustra as diferenças entre os diálogos japonês,

estadunidense e brasileiro. Pode-se perceber que, entre a versão norte-

americana e a brasileira, não há diferença no conteúdo do discurso:

Page 79: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

79

Tabela 4 – Diálogos do episódio “The Kangaskhan Kid”

Versão japonesa Versão estadunidense Versão brasileira

Satoshi: Você acha que o

trio Tarzan será capaz de

ser uma família real?

Takeshi: Não se preocupe

com isso! Afinal, eles são

verdadeiramente pais e

filho.

Kasumi: Eles ficaram cinco

anos separados.

Satoshi: É mesmo. [Taro]

passou todo esse tempo

vivendo entre os Pokémons

Kangaskhan. Isso não será

fácil (KATSUNO ;MARET,

2004).

Ash: Você acha que Tommy e

sua família podem realmente

ser uma família?

Brock: Ash, eles se amam. Eles

ficarão bem.

Misty: Mas isso será difícil.

Afinal, eles ficaram longe uns

dos outros por cinco anos.

Ash: E vai ser difícil até para

eles se comunicarem

(KATSUNO;MARET, 2004).

Ash: Será que Tommy e

seus pais podem ser uma

família?

Brock: Ash, eles se amam.

Eles vão ficar bem.

Misty: Mas deve ser difícil...

também, ficaram longe por

cinco anos!

Ash: E vai ser bem difícil

para eles se comunicarem

(POKÉMON..., [200?]).

Fonte: A autora (2012)

É possível notar que, no diálogo original, não se fala em problemas de

comunicação, algo que ocorre nas outras duas versões. Além disso, a referência

ao Tarzan só aparece explicitamente na fala de Satoshi (versão japonesa). A

maior diferença, no entanto, encontra-se na noção de família. Enquanto para os

japoneses os laços sanguíneos são o que determinam um grupo familiar, o amor

é o que une pais e filhos no ocidente. Como citado anteriormente, o contexto

deste campo de interação é semelhante tanto nos EUA quanto no Brasil, sendo

possível uma tradução apenas linguística do discurso.

Outro campo de interação citado por Thompson (2009) em seus estudos

em Hermenêutica de Profundidade é o religioso. Sendo um dos campos que

incita mais polêmica, os produtores da série televisiva do Japão optaram por não

inserir qualquer traço de religião. Essa estratégia teria sido traçada para facilitar a

exportação do desenho animado para o restante do mundo (KATSUNO;MARET,

2004).

Nem sempre se fazia possível apenas alterar diálogos, pois as imagens

que os acompanhavam impediam que fizessem sentido. Além disso, alguns

episódios apresentavam temáticas que fugiam completamente dos valores da

Page 80: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

80

sociedade ocidental, como sexualidade e violência. Sempre que possível, os

‘localizadores’ cortavam sequências e montavam novas cenas, como citado no

primeiro capítulo, quando foi feito um corte na cena do primeiro episódio, onde

Misty desferiu um tapa no rosto de Ash. Esse ato seria, culturalmente, uma

indicação que um romance estava para ocorrer, temática considerada pouco

aceitável para desenhos infantis ocidentais. Quando se fazia inviável montar

novas sequências, episódios inteiros eram banidos, como foi o caso de “Férias

em Acapulco”, onde um dos vilões, James, aparece utilizando seios falsos para

participar de um concurso de beleza.

Castells (2001) disserta sobre a identidade cultural, que é composta por

diversos fatores, entre eles, o histórico. Assim como no teatro grego, no Japão

antigo, apenas homens poderiam participar de peças dramatúrgicas (PORTAL,

[200?]). A ideia de pessoas “travestidas” não é algo incomum no oriente, pois faz

parte de sua história e, consequentemente, de sua identidade como cultura. No

episódio de Pokémon “Férias em Acapulco”, a caracterização de James é reflexo

dessa característica cultural e, portanto, não causa estranhamento para a

audiência nipônica. Quando essa história chegou aos EUA, os ‘localizadores’,

optaram por não exibi-la, pois este assunto é polêmico para a sociedade

ocidental.

Pokémon no ocidente pode ser considerada uma narrativa completamente

transformada. No Brasil, apenas mudanças pontuais na tradução foram

realizadas, e não houve diferença significativa no cunho da história, por conta de

semelhanças culturais que possibilitaram a exportação dessa maneira. O

diagrama a seguir representa a estratégia de ‘localização’ relacionada aos

autores estudados.

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81

Figura 21 – Estratégia de ‘localização’

Fonte: A autora (2012)

Por meio da análise das formas simbólicas foi possível perceber que

aspectos do contexto sócio-histórico (THOMPSON, 2009) e os aspectos externos

ao “uso da fala” (CHARAUDEAU, 2006) fazem parte do que se denomina

identidade cultural (CASTELLS, 1999). Prestar atenção nos fatores

influenciadores desta em uma narrativa exportada e adaptar a realidade de um

povo determinado à mesma foi a estratégia adotada pelos ‘localizadores’ para

tornar Pokémon uma história que tornasse marca legendária (VINCENT, 2005).

4.4.2 Estratégia transmídia

A estratégia transmídia de Pokémon se deu de maneira diferente nos países

para os quais foi exportada. Aspectos culturais, sociais e econômicos foram cruciais

para tais adaptações, pois mesmo com muitas semelhanças nesses âmbitos, os

países do ocidente possuem particularidades que deveriam ser observadas na hora

de traçar a estratégia transmidiática de Pokémon. Neste subcapítulo serão utilizados

os autores Castells (1999), Charaudeau (2006) e Thompson (2009), relacionados à

condução da narrativa Pokémon por meio de diversas mídias.

O Japão, por muitos anos, se destacou na economia como fornecedor de

eletrônicos, sendo eles com pouco ou nenhum traço oriental. O fato de as nações

orientais causarem estranhamento para a cultura ocidental dificultava a exportação

de produtos relacionados ao entretenimento, como música, programas de televisão,

comics e desenhos animados. Para vencer preconceitos, os japoneses precisaram

Contexto sócio-histórico (THOMPSON, 2009)

Aspectos externos à linguagem (CHARAUDEAU, 1996)

Identidade cultural (CASTELLS, 1999)

Marca legendária (VINCENT, 2005)

Fazem parte da

Estratégia de ‘localização’ de Pokémon levando em conta a identidade cultural

Page 82: Pikachu Verde e Amarelo: a saga da franquia Pokémon no Brasil

82

ocidentalizar seus personagens, tornando-os mundiais. Jogos como Sonic e Mario

fizeram sucesso por contarem com protagonistas que claramente eram do ocidente.

Assim, na criação de Pokémon, esse cuidado também foi tomado. Pode-se perceber

a diferença da estratégia no Japão, EUA e Brasil na tabela abaixo:

Tabela 5 – Estratégias de lançamento

País Ordem de lançamento da estratégia

Meio mais popular Duração do auge

do fenômeno

Japão

1) Jogo para Game Boy

2) Merchandising

3) Mangá

4) Desenho animado

Desenho animado 1997 - 2001

EUA 1) Desenho animado

2) Merchandising

3) Jogo para Game Boy

Desenho animado 1998 - 2001

Brasil 1) Jogo para Game Boy*

2) Desenho animado

3) Merchandising

Desenho animado 1999 - 2001

* O jogo para Game Boy foi o primeiro produto a aparecer no Brasil, mas sem promoção.

Fonte: A autora (2012)

A estratégia transmídia no Japão teve início no jogo para Game Boy,

passando para mangá, sendo adaptado para o anime e cards colecionáveis.

Merchandising em geral foi criado logo após o jogo para Game Boy, e distribuído

para os fãs. Já nos EUA, foi preferido lançar primeiro o desenho animado, que

serviria de “cama” para toda a narrativa, para depois divulgar o game. No Brasil, o

jogo importado já estava nas lojas, mas somente recebeu atenção após o

lançamento do desenho animado no canal Record, em 1999. O merchandising

começou a ser distribuído pouco depois, o que ocasionou na falta dos brinquedos,

revistas, figurinhas e cards colecionáveis em algumas semanas do início das

vendas.

O desenho animado foi o centro da narrativa em todos os países analisados,

mesmo que tenha sido lançado muito depois dos games no Japão. Já o tempo de

duração da febre Pokémon apresentou uma diminuição conforme era exportado.

Gilles Brougère (2004) realizou uma análise do fenômeno na França, e observou

esse movimento de condensação: “Mas o que mais distingue o marketing de

Pokémon na França da história de Pokémon no Japão e nos Estados Unidos é seu

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83

curto e condensado ciclo de vida” (BROUGÈRE, 2004, p.189, tradução nossa).

Pode-se obervar muitas semelhanças entre a estratégia transmídia na França e no

Brasil, que são descritas por Brougère:

Pokémon cards and, to a lesser extent, stickers, played an important role as a focus for collective practice. This repeated a successful marketing formula in France associated with trading cards distributed by Panini featuring soccer players, heroes of children’s TV shows, and pogs, but took it to a higher level. Pokémon as a social practice for most children was introduced by the TV series and reinforced by the trading cards. [...] The TV series provided the central myth and the cards the central rituals of children’s Pokémon communities (BROUGÈRE, 2004, P. 195).

No Brasil, as figurinhas distribuídas pela mesma Panini da França alcançaram

um sucesso sem precedentes, também alavancadas pelo sucesso do programa de

televisão. A diferença foi que os cards colecionáveis não obtiveram o mesmo êxito

aqui no país, principalmente por possuírem um valor elevado e por não estarem

traduzidos para o português. No geral, todos os produtos que envolviam esforços de

tradução e eram importados dos Estados Unidos não alcançaram o mesmo sucesso

em vendas como produtos ditos como “nacionais”, como os brinquedos da Estrela,

as miniaturas do Guaraná Caçulinha e os Tazos da Elma Chips.

Pode-se perceber então, que, aspectos econômicos foram cruciais para a

escolha da ordem de lançamento e divulgação dos produtos. Os sujeitos

interpretantes de Thompson (2009) são também sujeitos consumidores, inseridos

em um cotexto sócio-histórico definido. No caso do Brasil, a economia em

recuperação desde o salto inflacional entre 1992 e 1994 e a implementação de uma

nova moeda – o Real -, influenciou na natureza das vendas de Pokémon. Pacotes

de figurinha vendidos a 35 centavos, ou revistas a 3 reais e 90 centavos eram muito

mais rentáveis para os pais do que um jogo para Game Boy que, na época, estava

em torno de 94 reais. Logo, mesmo que os sujeitos interpretantes pudessem

entender e interagir com a mídia eletrônica, a situação espaço-temporal e a estrutura

social (THOMPSON, 2009) ditava quais produtos estavam fadados a vender mais. A

figura a seguir resume este raciocínio.

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84

Figura 22 – Estratégia transmídia

Fonte: A autora (2012)

Os avanços tecnológicos, no final dos anos 90 e início dos anos 2000

começavam a chegar com mais rapidez em países como o Brasil, ainda que

impedidos por barreiras burocráticas e de infraestrutura. Cabos de fibra óptica e

internet wireless, realidade para os países desenvolvidos em meados dos anos 90

eram novidade no século XXI. De acordo com Charaudeau (2006), os espaços

implícito e explícito são cruciais para a análise de um discurso. Ainda de acordo com

o autor, os sujeitos falantes – emissor e receptor – não podem existir um sem o

outro, e ambos têm uma identidade, que resulta em um “objetivo de influência”.

Logo, os realizadores da estratégia Pokémon precisaram entender os contextos e as

identidades culturais (CASTELLS, 1999) de cada país para traçar seu plano. Um

país como o Brasil, com pouca tradição em produtos tecnológicos, e fortemente

atrelado à televisão e folhetins, necessitou de adaptações na venda dos produtos.

Como foi observado nesta análise, Pokémon passou por adaptações não

somente na ordem com a qual apresentava seus esforços midiáticos. Foi apontado

como uma das razões do sucesso da franquia o esforço em ‘localizar’ a série para

Situação espaço-temporal

(THOMPSON, 1995)

Estrutura social

(THOMPSON, 1995)

No Brasil

Lenta recuperação da

economia

Classe média brasileira

ainda com baixo poder

aquisitivo

Popularização de produtos

com preços mais baixos

Em Pokémon

Venda de Tazos, figurinhas,

revistas, produtos com

brindes Pokémon,

brinqueodos da Estrela

No Brasil

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85

identidades culturais distintas. Logo, tanto a estratégia transmídia, quanto a

‘localização’ de Pokémon se mostraram importantes agentes na divulgação da

franquia, pois havia uma preocupação constante com a realidade sociocultural de

cada local onde a febre se instalava. Dessa forma, é possível relacionar os quatro

autores com estes aspectos de Pokémon e como estes se deram no Brasil na figura

abaixo:

Figura 23 – Estratégia Pokémon no Brasil

Fonte: A autora (2012).

A última parte da figura, onde há o campo “identidade cultural do Brasil”, pode

ser substituída por qualquer outro país onde a febre Pokémon existiu. Estudos de

recepção de Pokémon em outros países, como o de Brougère (2004) na França, e o

de Lemish (2004), no Iraque, ilustram a influência da identidade cultural na formação

desses fenômenos.

Contexto sócio-histórico (THOMPSON, 2009) Aspectos externos à

linguagem (CHARAUDEAU, 1996)

Identidade cultural (CASTELLS, 1999)

Marca legendária (VINCENT, 2005)

Constituem os

Levou a diferenças na estratégia e ‘localização’ de Pokémon em relação aos outros países

Situação espaço-

temporal

(THOMPSON, 1995)

Estrutura social

(THOMPSON, 1995)

Elevou Pokémon no Brasil

a status de

Espaços de Interação

(THOMPSON, 1995)

Que fazem parte da

Identidade cultural do Brasil

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86

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto para este trabalho de conclusão foi realizado com base na análise

da estratégia transmídia de Pokémon no Brasil. No entanto, ao ler o livro Pikachu’s

Global Adventure: the rise and fall of Pokémon (2004), a autora deste TCC

identificou uma questão tão importante quanto à estratégia transmidiática: a questão

da ‘localização’ da série quando foi exportada do oriente para o ocidente. Dessa

maneira, foi necessário ajustar a proposta inicial, de forma a englobar não só os

aspectos transmidiáticos, mas também no que tange a adaptação da série para a

audiência ocidental. Do título, então, foi retirada a expressão “narrativa transmídia”,

pois não traduzia o trabalho como um todo, sendo essa apenas uma parte da

análise dos fatores que levaram a franquia Pokémon ao sucesso mundial.

Os autores que mais contribuíram para a análise foram Charaudeau (2006),

Thompson (2009), Castells (2001) e Vincent (2005). Charaudeau (2006) aborda a

questão do “uso da fala” e das três oposições: proposicional X relacional, explícito X

implícito, interno X externo. Para o autor, não há como analisar discursos sem levar

em conta a interpretação do receptor, bem como tudo o que permeia esse indivíduo,

sendo aspectos externos ao discurso. Já Thompson (2009) aborda uma questão

semelhante: a Hermenêutica de Profundidade. Em sua teoria, as formas simbólicas

sempre serão interpretadas e reinterpretadas de acordo com o contexto sócio-

histórico. Dessa maneira, a audiência dispõe de recursos limitados para interpretar

símbolos, que são consequência do contexto onde vivem.

Para Castells (2001), todos possuímos uma identidade cultural, que nos

acompanha e delimita a fronteira entre “nós” e “eles”. Já para Vincent (2005), a

narrativa é um recurso fundamental para as marcas se tornarem legendárias, e

serem apropriadas pelo público. O uso de certos recursos como o agente da marca,

potencializa o diálogo entre produtor e receptor.

Para a análise da trajetória Pokémon no Brasil, estes quatro autores

contribuíram em suas áreas, e foi realizada uma relação entre eles e as diferenças e

semelhanças encontradas na narrativa, nas formas simbólicas e na estratégia

transmídia no Japão, nos Estados Unidos e no Brasil. Desejou-se, para tanto, expor

os dados coletados de forma sintética e analítica. Foram confeccionadas pela autora

tabelas e esquemas gráficos, que propiciam uma visualização mais clara dos pontos

em comum e divergentes da ‘localização’ de Pokémon em cada país, possibilitando

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87

melhor comparação. Pôde-se perceber que a estratégia da marca foi planejada

desde o começo para tornar-se global. O caráter genérico dos personagens – ou

seja, sem demonstração de ser de qualquer nacionalidade – e a ausência de

religiões situaram a série na fronteira entre “nós” e “eles”, de forma a não influenciar

em marcas que são fortes na identidade cultural. Assim, foi mais viável exportar os

monstros de bolso para o ocidente.

Ao chegar nos EUA, país com fortes princípios entre o bem e o mal, tradição

de cartoons e comics com heróis como protagonistas, e com casos crescentes de

violência com armas de fogo em escolas, Pokémon necessitou de severos ajustes.

As famílias norte-americanas não aceitariam um desenho animado com valores ou

características japonesas, principalmente por conta da imagem negativa que o país

possui, de jovens isolados por conta da tecnologia e supervalorização do trabalho.

Além disso, muitos assuntos abordados naturalmente nos desenhos animados e

mangás japoneses, como sexualidade, amor e crescimento pessoal não são tópicos

normais nas casas da terra do Tio Sam. A Nintendo of America precisou ‘localizar’

Pokémon tanto em suas imagens quanto em seu conteúdo, de forma a tornar o

personagem principal, Ash, um herói que luta contra o bem e o mal - enquanto a

história japonesa trata de crescimento e amadurecimento dos personagens, e da

busca constante pela perfeição.

A história que foi distribuída para o ocidente, então, foi ‘localizada’ por

produtores estadunidenses, onde seu roteiro era mais infantil, superficial e com trilha

sonora dentro da tradição dos cartoons que a audiência estava acostumada a ver.

Logo, esse esforço contribuiu de maneira direta para o sucesso da franquia. Os

produtores fizeram valer as referências que o público possuía para interpretar as

formas simbólicas contidas em Pokémon, o que possibilitou a identificação do

público com a narrativa. História esta que teve seu agente da marca modificado, de

Pikachu, no Japão, para Ash, no ocidente. É interessante observar que o mote

central da série, “Temos que pegar”, não foi modificado em nenhum país. Este

incentivava as crianças a comprar mais e mais produtos relacionados ao tema, a

“colecionar” tudo o que houvesse para possuir.

No Brasil, a série seguiu o mesmo plano narrativo dos Estados Unidos, pois

contamos com referências muito semelhantes às do primeiro mundo, no que tange

desenhos animados. Isso porque nos acostumamos a consumir cartoons

importados, e porque possuímos diversas características de identidade cultural

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88

semelhante aos EUA. Certos nomes de Pokémons foram substituídos – alguns com

mais sucesso que outros -, e expressões como “Pokébola” (Pokeball) e

“Pokéagenda” (Pokedex) foram bem aceitas pela audiência. A maioria das músicas

foi traduzida, mas os nomes norte-americanos dos Pokémons se mantiveram

originais em todas as mídias onde se encontravam – revistas, álbuns de figurinhas,

cartões telefônicos, jogos eletrônicos, entre outros.

O que mudou no Brasil foram as formas de apresentar a franquia à audiência

infantil. O país era muito dependente dos lançamentos e pacotes dos EUA, o que

transformou o lançamento de episódios dos desenhos animados irregular e repleto

de reprises, o que esgotou Pokémon em aproximadamente três anos. Muitos

produtos que eram populares no Japão e nos países ocidentais desenvolvidos não

obtiveram a mesma popularidade, como os jogos para Game Boy. Isso ocorreu

porque o Brasil estava recuperando-se de uma crise econômica, o que tornava difícil

para as pessoas consumirem produtos com valores elevados. Brindes oriundos de

salgadinhos e outros insumos alimentícios, álbuns de figurinhas com envelopes a

trinta e cinco centavos, cartões telefônicos e revistas, por serem mais acessíveis

fizeram sucesso em nosso país.

Ao perceber esses e outros padrões e diferenças na narrativa e nos esforços

transmídia, foi possível configurar resumos esquemáticos relacionando os autores

com a estratégia de globalização de Pokémon. O contexto sócio-histórico, a

estrutura social, a situação espaço-temporal e os espaços de interação propostos

por Thompson (2009), têm semelhanças e distinções de acordo com cada país. Este

grupo constitui os aspectos externos à linguagem de Charaudeau (2006), onde não

há análise de discurso sem levar em conta o que está fora do receptor. Estes

aspectos fazem parte da identidade cultural de cada indivíduo, conceito de Castells

(2001), que determina como nos vemos perante outras culturas.

Logo, a identidade cultural do Brasil levou a adaptações na estratégia de

Pokémon perante outros países, o que elevou Pokémon ao status de Marca

Legendária, conceito de Vincent (2005). Este esquema pode ser realizado para os

demais países que venham a ser analisados, basta que se conheça e se relacione

os aspectos externos à linguagem às adaptações realizadas na série. Pode-se

perceber, então, que não foi apenas a característica transmidiática de Pokémon que

o transformou em marca global. Os ‘localizadores’ da Nintendo of America e da

4Kids Entertainment estavam conscientes da importância de adaptar todos os

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89

aspectos da franquia para a audiência ocidental, e isso foi de suma importância para

ser apropriada pelo público infantil, e permitida pelos pais dessas crianças.

Assim como Pokémon, muitas outras narrativas foram exportadas do Japão

para o ocidente, algumas com mais ou menos renome. Histórias como Sailor Moon e

Yu-Gi-Oh! também conquistaram a atenção das crianças. Partindo da ideia de

identidade cultural e da análise do discurso sob a ótica da Hermenêutica de

Profundidade, estas e outras narrativas poderiam também ser exploradas. Este

trabalho pode então gerar outros assuntos, que levem em conta principalmente a

questão da cultura e recepção. Vale atentar que esta recepção não é passiva, sendo

ela repleta de interpretações e reinterpretações, gerando uma inversão entre

produção e audiência, onde a segunda é que faz o papel da primeira.

A experiência obtida neste trabalho acadêmico impulsionou a autora a buscar

novas fontes de conhecimento, e trouxe surpresas durante a pesquisa, como a

importância de entender a identidade cultural para posicionar a narrativa Pokémon

nos diferentes mercados e a influência decisiva dos ‘localizadores’ da série para o

sucesso da mesma em escala mundial. Assim, a autora espera poder dar

continuidade a seu trabalho em uma dissertação de mestrado, trazendo Pokémon

para os dias de hoje, na era da sociedade em rede, onde são os receptores que

apropriam a narrativa já consolidada na história do entretenimento e produzem

novos conteúdos em cima desta. Também, espera-se que esta monofgrafia

interesse aos profissionais que trabalham para tornar as marcas cada vez mais

emocionais, pois atenta para a importância de conhecer a cultura na qual um

produto ou serviço está incluído, e que isto pode ser decisivo para o sucesso ou

fracasso de uma marca.

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2012.