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o PLA.NEJAMENTO DE CONSTRUÇOES POLIA LERNER HAMBURGER E HUGO HAMBURGER "O crédito fêz mil vêzee mais para enriquecer a hu- manidadedo que tôdas as minas de ouro do mundo." DANIEL WEBSTER No momento em que tanto se procura sanar a deficiên- cia habitacional julgamos oportuno discorrer sôbreo pla- nejamento de construções. Nossas observações valerão tanto para construções industriais e prédios de aparta- mentos, como para residencias modestas e de luxo. Analisaremos neste artigo quem são os "proprietários" que constroem o planejamento e o preparo do esquema de pa- gamentos nocomêço da obra, sua aplicação durante a construção, os efeitos da inflação e de outros fatôres sô- bre o esquema de pagamentos, e o financiamento. Lembremos, de início, que uma construção costuma ser demorada. Várias semanas são necessárias para preparar a planta e fazer com que ela seja aprovada pelos podêres públicos. Uma residência popular pode ser executada em 5 meses; mas uma residência de médio ou alto nível ra- ramente é construída em menos de 1 ano. A construção de prédios de apartamentos dura, em geral, mais de 2 anos. Fábricas, conforme a sua natureza, podem ser construídas PÓLIA LERNER HAMBURGER - Professôra-Adjunta, Departamento de Merca- dologia, e Coordenadarado 'Curso de Graduação, da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo. HuGO HAMBURGER - Engenheiro-Civil.

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o PLA.NEJAMENTO DE CONSTRUÇOESPOLIA LERNER HAMBURGER E

HUGO HAMBURGER

"O crédito fêz mil vêzee mais para enriquecer a hu-manidadedo que tôdas as minas de ouro do mundo."DANIEL WEBSTER

No momento em que tanto se procura sanar a deficiên-cia habitacional julgamos oportuno discorrer sôbreo pla-nejamento de construções. Nossas observações valerãotanto para construções industriais e prédios de aparta-mentos, como para residencias modestas e de luxo.

Analisaremos neste artigo quem são os "proprietários" queconstroem o planejamento e o preparo do esquema de pa-gamentos nocomêço da obra, sua aplicação durante aconstrução, os efeitos da inflação e de outros fatôres sô-bre o esquema de pagamentos, e o financiamento.

Lembremos, de início, que uma construção costuma serdemorada. Várias semanas são necessárias para preparara planta e fazer com que ela seja aprovada pelos podêrespúblicos. Uma residência popular pode ser executada em5 meses; mas uma residência de médio ou alto nível ra-ramente é construída em menos de 1 ano. A construçãode prédios de apartamentos dura, em geral, mais de 2 anos.Fábricas, conforme a sua natureza, podem ser construídas

PÓLIA LERNER HAMBURGER - Professôra-Adjunta, Departamento de Merca-dologia, e Coordenadarado 'Curso de Graduação, da Escola de Administraçãode Emprêsas de São Paulo.

HuGO HAMBURGER - Engenheiro-Civil.

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de 6 meses a 2 anos. Por isso, os recursos necessários àsconstruções devem estar disponíveis, parceladamente, du-rante meses ou anos.

Quanto aos chamados "proprietários" (como tais se en-tendendo pessoas físicas ou jurídicas que encomendamconstruções), classificam-se em dois grupos: a) os que en-comendam construções para vender ou alugar o imóvel aterceiros; b) os que precisam da construção para uso pró-prio (residencial, comercial ou industrial). Para êste se-gundo grupo a construção de uma casa, loja ou fábrica éocasional. Por isso, ao iniciar o planejamento dêsse em-preendimento, a pessoa tem de pensar em donde mobilizaros recursos para pagar a construção, e ocupar-se com issodurante o período da construção, ao lado de suas ativida-des normais.

Vejamos agora as várias etapas do planejamento, consi-derando que essas se aplicam tanto ao primeiro como aosegundo grupo de proprietários.

PLANEJAMENTO

Junto ao projeto arquitetônico, o construtor apresenta aoproprietário o memorial descritivo, que indica quais ma-teriais serão empregados e quais os acabamentos dos di-versos ambientes.'

Ao recomendar no memorial os diversos materiais, oconstrutor leva em conta o custo dêles e o desejo do pro-prietário. Prepara, depois, um orçamento pormenorizadodo custo da construção, conforme as quantidades deter-minadas pelo projeto, as qualidades dos materiais especi-

1) Exemplo (trecho do memorial):

"Pisos internosSerão colocados tacos de peroba de 1.8 qualidade nos seguintes comparti-mentos [ ..• ]Serão colocados ladrilhos de cerâmica prêta de La nos seguintes comparti-mentos [ ... ]Serão colocados ladrilhos hidráulicos cinzentos de 2.8 nos seguintes com-partimentos [ ... ] ••

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ficados no memorial e os preços (de material e mão-de-obra) do dia em que foi feito o orçamento.

Com o orçamento inicial prepara-se um cronograma, istoé, um gráfico que mostra para que mês (ou meses) seprevê a execução de cada etapa da construção. Por exem-plo, no primeiro mês dar-se-á o preparo da obra; nos doismeses seguintes far-se-ão as fundações; nos cinco seguin-tes a estrutura de concreto armado, etc .. (Ver exemplono Quadro 1.)

Com base no orçamento inicial e no cronograma prepara-se o esquema de pagamentos que mostra para quando sãoprevistos os pagamentos referentes aos diversos serviços.A soma dos pagamentos dos diversos serviços em cadamês dá a previsão de pagamento para êsse mês. (Verexemplo no Quadro 2.) Êsses são os elementos básicospara o planejamento.

Baseado nesse esquema de pagamentos, o proprietárioplaneja o financiamento da construção, levando, porém,em conta as distorções a que o esquema está sujeito (nãoperfeitamente previsíveis, conforme se vê abaixo) e a pos-sibilidade de mobilizar os recursos necessários nas épocasprevistas. Digamos que o orçamento da construção de umdepósito seja de Cr$ 20 milhões e o cronograma prevejao término em 8 meses. Não será possível executá-lo seo proprietário tiver no princípio só Cr$· 3 milhões e sópuder mobilizar Cr$ 1.500 mil por mês. Nesse caso é ne-cessário modificar o esquema de pagamentos e o crono-grama.

o planejamento financeiro não é fácil porque os váriosfatôres que distorcem o esquema de pagamento atuamsimultâneamente, sendo impossível, por isso, enfrentá-loscoeteris paribus. Em todos os esquemas os pagamentossão previstos para os diversos meses de acôrdo com o an-damento da construção. No comêço os gastos são quasesempre menores; depois crescem, permanecem elevados ediminuem no fim.

92 o PLANEJAMENTO :DE CONSTRUçoms R.A.E./14

Analisando numerosos casos, os autores observam quedurante o término dos serviços de concreto armado ospagamentos costumam ser altos, pois é nessa fase que seacumulam os pagamentos de mão-de-obra, de materiaisgastos e de materiais encomendados para o acabamentoda construção.

No exemplo recém-apresentado alguns pagamentos(como, por exemplo, os referentes a esquadrias de ferroe de madeira e a elevadores) são feitos bem antes daaplicação dos materiais na obra, para garantir não só aentrega na época em que a obra precisar dêsses materiais,como também (total ou parcialmente) a manutenção dospreços. Em geral, os cronogramas e esquemas de paga-mentos prevêem que o andamento da construção seja téc-nica e econômicamente normal.

A técnica recomenda que certos serviços sejam feitos an-tes e outros logo em seguida. Por exemplo, deve-se co-brir uma obra o mais breve possível para evitar infiltra-ção de chuvas. Feita a última parte do concreto ou al-venaria, inicia-se a estrutura de madeira do telhado. Co-locam-se, então, a calha e, logo depois, as telhas, para quenão empenem os elementos da estrutura de madeira. Du-rante a colocação de azulejos nas paredes dos banheirosdeve ser colocada a banheira, senão ficam remates paraserem executados posteriormente, exigindo que o operá-rio especializado em colocação de azulejos tenha de vol-tar à obra.

Esta seqüência coordenada no andamento das obras na-turalmente não pode ser aplicada nos casos especiais emque o proprietário precise ràpidamente da obra pronta,ou, ao inverso, quando seja necessário adaptar o ritmo daconstrução às disponibilidades de dinheiro.

Construções demoradas são mais caras porque aumentamos custos fixos (mestres, guarda etc.). Por outro lado, tra-balhar dia e noite encarece a obra, pois o trabalho notur-no é mais caro que o diurno (legislação trabalhista). Há

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limitações técnicas agravadas pelo alto custo de máqui-nas que possibilitam maior rapidez. A qualidade tambémpode ser prejudicada com a rapidez excessiva, como sepode ver em algumas construções de Brasília.

DISTORÇÕES DO ESQUEMA DE PAGAMENTOS

Muitos proprietários desejam saber até que ponto a pre-visão financeira de um projeto coincide com os gastosreais. Os Gráficos 1 e 2 lançam alguma luz sôbre essadúvida. As obras em questão foram executadas entre1960 e 1963.

O Gráfico 1 compara aos custos reais os dados referentesaos custos estimados para a construção de um prédio deapartamentos. (Vide Quadro 2.) No caso a obra foi ini-ciada vários meses após a elaboração do orçamento, oque acarretou considerável aumento dos custos reais. Con-tudo, mesmo que a execução da obra seja iniciada ime-diatamente após a previsão, os custos costumam superaros valôres estimados, como fica evidenciado pelos exem-plos dos Gráficos 2.

GRÁFICO 1: Custos Previstos e· Reais de um Prédio deApartamentos

_____ CUSTO PRMSlO

__ CUSTO REAL

3 ~/) 11"- -r.-... V\ "..- -~11\

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lifo" , ~'~ ~->'- - V \~1\ .....

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Vo10 IS 20 2S 30 3S

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GRÁFICO 2: Custos Previstos e Reais de Várias Obras

5

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A. PRÉDIO DE APARTAMENTOS

10 15

MESES

___ ~. __ CUSTO PREVISTO___ CUSTO REAL

B. GRUPO OE OITO .CASAS

15MESES

••• CU5TO PREVISTO

___ CUSTO REAL

20 25 30 35 40

c. DUAS~ASAS

15MESES

Um engenheiro de produção e contrôle industrial talvezse admire com a disparidade havida entre o custo pre-visto e o efetivo. Mas ela é normal no ramo de constru-ções. As maiores causas das distorções do esquema de pa-gamentos são a inflação e o que chamamos "picos", ouseja, os períodos de maiores gastos mensais. Mais adianteestudaremos melhor a influência dêsses dois fatôres. Alémdessas, há outras causas de distorções:

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• Nos primeiros meses o andamento da obra muitas vê-zes difere do cronograma em virtude das condições de sub-solo que podem dificultar a execução das fundações.Chuvas prolongadas, greves de operários, falta de mate-riais na praça são motivos de fôrça maior que podem con-trariar o cronograma e o esquema de pagamentos.

• Não se pode prever exatamente o mês em que certosmateriais serão pagos porque isso vai depender do mêsde entrega do material, que pode ser antecipada (exem-plo: quando se estocam tijolos para evitar sua falta naépoca de chuvas) ou retardada (como ocorre quando amadeira não é entregue por dificuldades de transporte) .

• No caso dos prédios de apartamentos (Gráficos 1 e2-A) os proprietários dos diversos apartamentos deter-minaram modificações de acabamento (por exemplo: emvez de colocar azulejos brancos até 1,50 m de altura nosbanheiros, foram colocados azulejos de côr até o teto),o que, além de aumentar o custo da construção em rela-ção ao orçamento inicial, provocou atrasos. Assim foi queno vigésimo sétimo mês do Gráfico 1 e no trigésimo pri-meiro mês do Gráfico 2-A um dos motivos de poucos gas-tos (e, portanto, andamento vagaroso da construção) foia falta de resolução dos proprietários na escolha de ma-teriais . Essa causa de distorção é diminuída quando oplanejamento restringe a possibilidade de o projeto e omemorial serem modificados durante a construção .

• Nos quatro exemplos que citamos os proprietários de-terminaram ao construtor, em certas épocas, quanto deve-ria ser gasto, em média, durante certo período. No Grá-fico 2-A os proprietários determinaram a média a ser gastado 10.0 ao 20.0 mes e o andamento da obra se adaptoua isso.• O Gráfico 2-B indica grandes gastos no fim da cons-trução. Nesse caso particular o fato se explica porque oempreiteiro de mao-de-obra, excecionalmente, "finan-ciou" a obra, cobrando grande parte de seus serviços so-mente no final.

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INFLAÇÃO E "PICOS" COMO FATÔRES DE DISTORÇÃO

Além dos fatôres acima mencionados, as principais causasde distorção entre o orçamento e a execução devem serencontradas na pressão inflacionária e naquilo que cha-mamos "picos".

Num período sem inflação o proprietário poderá economi-zar dinheiro durante meses ou anos, aplicando-o para obterum retôrno, e iniciar a construção depois de ter juntadoo suficiente. Num período inflacionário a tendência de talpoupança é prejudicada, pois que a porcentagem de retôr-no dificilmente será suficiente para contrabalançar a des-valorização da moeda. Além disso, a previsão orçamen-tária para a construção não pode ser mantida porque ospreços de materiais e mão-de-obra aumentam com a in-flação.

Assim, se o orçamento inicial é de Cr$ 50 milhões, quandoa obra fôr iniciada os preços poderão ter subido, estandoo orçamento já a Cr S 60 milhões. Durante a construçãoos preços continuarão subindo e, no fim, o proprietáriopoderá ter gasto Cr$ 75 milhões ou até mais. Milharesde pessoas se defrontaram com êsse problema e tiveramamargas experiências porque os recursos disponíveis nãoacompanharam ° ritmo da inflação.

A inflação afeta, também, o financiamento, pois quem em-presta dinheiro quer estar a coberto da inflação, o queprovoca a restrição creditícia.

---- CUSTO PREVISTO--- CUSTO· REAL

<lESES'

GRÁFICO 3: Custos Previstos e Reais da Cotlst'ruçãade tttn Galpão.

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Em vários dos gráficos observam-se "picos" indicativos demeses em que os gastos previstos são maiores, seja poraumento de serviços, seja por causa dos "sinais" de enco-menda. No Gráfico 2-A o proprietário determinou quedo décimo ao vigésimo mês de construção só fôsse gastadeterminada quantia. O construtor teve de diminuir oritmo da construção para evitar que ocorressem os "picos"previstos pelo esquema. Isso aumentou a duração daconstrução por vários meses. Conseqüentemente, a infla-ção vigente nesses meses adicionais aumentou, ainda mais,o montante de dinheiro gasto na construção. Tambémas despesas fixas, como as de ordenados de mestre e guar-da, aumentarão no caso de a obra demorar mais tempoque o previsto. Ademais, pode-se deixar de fazer umaencomenda vantajosa de material pelo fato de na épocao proprietário se ver obrigado a evitar os "picos".

Uma fábrica que programe uma nova construção e lhe des-tine uma verba mensal durante um ano, retirando-a deseus recursos normais, há de ter dificuldade em aplicarmaiores quantias em determinados meses. No Gráfico 3apresentamos o exemplo de uma fábrica para a qual foiconstruído um galpão. O orçamento inicial foi de Cr$ 20milhões. Como a fábrica só podia dispor de Cr$ 2 mi-lhões por mês, foi previsto o prazo de 10 meses para aconstrução. Que aconteceu na prática? As primeirascompras foram feitas a prazo, de modo que nos dois pri-meiros meses nem se atingiram os Cr$ 2 milhões. Noterceiro mês, porém, gastou-se bem mais. Nos sete pri-meiros meses gastaram-se Cr$ 14 milhões (média de 2milhões por mês). Os picos foram vencidos pelas reser-vas feitas nos primeiros meses, mas .nâo se pôde dar àconstrução o ritmo rápido que tecnicamente seria dese-jável. Entrementes, os preços aumentaram. E, assim,foi preciso gastar mais de Cr$ 13 milhões para terminara construção, que custou Cr$ 27 milhões e durou catorzemeses. Não fôra possível ao proprietário aumentar a mé-dia dos recursos mensalmente disponíveis.

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COMO ENFRENTAR AS DISTORÇÕES

A. Soluções com Recursos Próprios

o bom senso indica diversos caminhos para tentar eliminarou, ao menos, abrandar as distorções devidas à inflação eaos "picos". Vejamos alguns:

• Financiamento de materiais de construção - Os gas-tos de construção provêm de mão-de-obra prestada dire-tamente, materiais comprados e prestação de serviços pro-fissionais. Êstes últimos consistem, geralmente, numa pe-quena porcentagem da soma dos gastos de materiais emão-de-obra.

A mão-de-obra não pode ser financiada; deve ser executa-da (e, portanto, paga) nos períodos determinados peloandamento da construção. O caso mencionado no Grá-fico 2-B constitui exceção.

Restam os materiais de construção. Anos atrás era pos-sível encomendá-los com antecedência, pagando ou nãoum pequeno sinal, para recebê-los na época determinadae pagá-los em vários meses. Atualmente são raros os ca-sos de pagamentos posteriores a 30 ou 60 dias após aentrega, o mesmo se devendo dizer dos casos de materiaiscujos preços são garantidos por vários meses. Alguns for-necedores - especialmente os de tijolos e areia, e a maio-ria das serralharias (janelas e portas de ferro) - são pe-quenas emprêsas sem recursos para financiamento.

Outros produtos - cimento, ferro, azulejos, louça sani-tária e vidros - são feitos em grandes fábricas que pode-riam obter recursos para financiar a compra pelo consu-midor. Mas, nem as fábricas nem os seus distribuidoresse interessam em mobilizar tais recursos, porque o mer-cado é "de vendedor", isto é, a procura é maior que a ofer-ta. Relega-se, pois, ao consumidor a tarefa de procurarrecursos para financiamento da construção.

• Quando o proprietário tem recursos à sua disposiçãoalguns materiais podem ser comprados no início da obra

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e estocados. É o que se faz com tijolos, ferro redondopara concreto e canos para água. Outros materiais nãopodem ser comprados com antecedência porque se estra-gam ou se quebram (cimento, vidro). Outros (areia, pe-dra britada) exigem muito espaço para serem armazena-dos. Alguns materiais podem ser comprados com ante-cedência, mas só serão utilizados muitos meses mais tarde(tacos, telhas, ferragens e aparelhos sanitários). Assim,além do inconveniente da estocagem, isso representa imo-bilização de capital.• Poderia o consumidor pagar o material ao fornecedorno início da obra sem recebê-lo, comprometendo-se êste afornecê-lo quando o consumidor o quisesse? Isso envolveconfiança por parte do consumidor para com o fornece-dor, e êsse geralmente não aceita tal transação por correro risco de os aumentos de preços tornarem insignificantesas vantagens obtidas pelo pagamento antecipado.

• Algumas encomendas podem ser feitas dividindo-se ospagamentos em duas ou três parcelas mensais. Isso ajudaa diminuir um "pico", mas pode criar outro.

• Uma companhia estrangeira que possua recursos emmoeda forte pode promover a construção convertendo amoeda conforme as necessidades.

B. Soluções com Financiamento Externa

Os caminhos apontados ajudam em pequena escala. Es-gotados os recursos próprios e as possibilidades de finan-ciamento pelos fornecedores, ° proprietário deverá recor-rer a terceiros, isto é, a órgãos de financiamentos.

Os empréstimos que os bancos concedem a 60 ou a 90dias não resolvem o problema do proprietário, pois naépoca do resgate a construção ainda não estará terminada.O mesmo se diga dos empréstimos particulares a jurosaltos.Também não se pode, de maneira geral, contar com enti-dades como caixas econômicas e institutos de previdência,

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porque elas só atendem a pequeno número de contempla-dos que para conseguir o empréstimo precisam esperarmuito tempo e acompanhar o andamento dos respectivosprocessos.Interessante constatar que se pode adquirir um automó-velou caminhão a prestação, pagando-se, por exempio,metade a vista e metade em 12 ou 15 meses, com jurosaltos. Êsse financiamento é feito por sociedade especia-lizadas para tal fim. Não havia nos últimos anos órgãosque financiassem construções, nem mesmo em moldes se-melhantes aos das vendas de automóveis. Em vários paí-ses os financiamentos para construções ou para compra deimóveis são feitos a longo prazo e a juros baixos.

A nosso ver, é necessário que haja empréstimos a médio ea longo prazo para que a data do vencimento seja poste-rior ao término da construção. O financiamento seria glo-balou parcial, conforme as necessidades específicas decada caso. Uma indústria poderia pagar o empréstimocom as rendas mais elevadas que viesse a obter pelas novasinstalações. Uma pessoa que houvesse morado em resi-dência alugada poderia pagar o empréstimo com a econo-mia do aluguel, uma vez que teria passado a morar emprédio próprio.

Nos últimos anos a maior dificuldade para a concessãode tais empréstimos foi garantir o órgão financiador contraa desvalorização da moeda. Todavia, o plano de habita-ção apresentado ao Congresso Nacional pelo Govêrno Fe-deral em maio de 1964 e aprovado em agôsto do mesmoano prevê solução para isso, reajustando-se os resgates con-forme os aumentos de salários mínimos. Ê de esperar queos futuros aumentos de salários mínimos não hajam deser tão altos, isto é, que o Govêmo, de posse de dados es-tatísticos, não espere até que tenha de decretar aumentosde 60% ou mais, mas aumente os salários mínimos quandoo custo de vida subir de 20% ou 30%. Assim sendo, osreajustamentos dos resgates não sofrerão aumentos tãobruscos. Ê discutível se os reajustes devem ser feitos ba-seados em aumentos de salários mínimos ou em outras

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bases (índices de custo de vida, custo médio de materiaisde construção e custo médio de mão-de-obra). Mas, anosso ver, desde que se evitem alterações por demais brus-cas, o salário mínimo serve tão bem como qualquer dasoutras bases, porque tôdas elas, até certo ponto, estão in-terligadas.

Não obstante o Plano Nacional de Habitação acertada-mente dê ênfase ao financiamento para as pessoas menosabastadas, cremos que também para construção de indús-trias, lojas e habitações de maior valor deveriam ser con-cedidos empréstimos, a médio prazo, muito embora tantoos industriais quanto os particulares não estejam acostu-mados a ter dívidas com correição monetária. 2

A CONSTRUÇÃO DESTINADA A VENDA

Aos que constroem para vender ou alugar - chamemo-losempresários - o problema de financiamento é mais fácildo que para os particulares. O empresário ou conta comrecursos para financiar ou está organizado para obtê-los,estando, pois, melhor preparado para enfrentar os mesesde maiores pagamentos. Todavia, não está imune aos efei-tos da inflação.O que se disse acima para quem constrói ocasionalmenteaplica-se, em grande parte, aos que constroem para alu-gar ou vender. Mas, neste caso especial cabem algunscomentários sôbre os vários planos de construir para ven-der, que variam segundo os problemas de financiamentodo empresário. As várias maneiras de construir com fina-lidade lucrativa são as seguintes:A) Digamos que o empresário termine a construção, du-rante a qual o custo tenha aumentado por fôrça da infla-ção, e depois a venda. Êle precisará ter muitos recursospara custear a obra 'tôda , É verdade que quando o imó-vel está pronto êle o vende ou aluga, e pode aplicar' o re-

2) Vide, a respeito, a análise publicada na Conirmtura Econômica de julhode 1964, ano XVIII, n.0 7, pág. 53.

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sultado da venda (a vista ou a prazo) em outra constru-ção.. Mas, a parte .que êle vende a prazo e quer aplicarem outra construção sofre os efeitos da desvalorização damoeda. .o giro do capital é lento.

B) O empresário vende o imóvel "na 'planta", isto é, antesde começar, a preço fixo. Êle, então, já deve ter previstocerto ritmo inflacionário (nunca previsível com exatidão)e condições de pagamento que lhe permitam financiarparte da obra com o produto da venda, financiando outraparte com recursos próprios. Como já vjrnos, êsse pro-cedimento é muito arriscado; pode haver surprêsas desa-gradáveis para o empresário durante o período da cons-trução, provocadas, principalmente, por imprevisíveis con-seqüências da inflação.

C) A venda é feita "na planta", sujeita a "reajuste", istoé, com certas cláusulas que permitem ao empresário rea-justar o preço de .conformidade com os aumentos que ve-nhama ser verificados durante a construção, reajustesêsses baseados em diversos índices (custo de vida, aumen-tos de preços de materiais de construção e mão-de-obra,ete.) . Êsse sistema não é muito recomendável porque dáorigem a muitas discussões entre empresário e compradorsôbre qual seria a "taxa justa" de reajustamento.

D) O empresário que constrói várias unidades (um gru-po de casas, um prédio de apartamentos) combina os pla-nos Ae B. De um grupo de seis casas vende duas naplanta. O dinheiro que entra será aplicado durante aconstrução. No meio da construção - digamos, após aexecução da estrutura de concreto, após a cobertura ouapós o reboque das paredes - vende mais duas casas, jápor preço maior. Assim, o empresário conta com novosrecursos na época em que os pagamentos se acumulam.Terminada a obra, vende as duas últimas casas, já consi-derando no preço destas o custo atualizado da construção.Realiza, assim, seu lucro sem tanto empate de capital comono plano B e sem tanto risco como no plano C. As des-vantagens dêsse sistema são: nem sempre é possível ven-der o que se quer, no momento desejado; deve-se atualizar

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os orçamentos antes de vender. Verifica-se, ainda, queno mercado o preço de imóveis está sempre atrasado emrelação aos aumentos dos custos de construção. Êsse sis-tema foi muito usado para venda e construção de prédiosde apartamentos, onde o maior número de unidades per-mite maior flexibilidade nas vendas. Todavia, os empre-sários verificaram que os seus cálculos para empatar me-nos capital eram desfeitos pela inflação galopante dos úl-timos anos.E) "Preço de custo". Essa modalidade ganhou impulsonos últimos anos, principalmente no tocante a prédios deapartamentos. O empresário vende o terreno a preço fixo,parceladamente (no caso de casas) ou em frações ideais(no caso de apartamentos), a "proprietários de conjun-tos". Êstes pagam a construção mês por mês, e são com-paráveis aos proprietários que constroem para uso pró-prio. Ao terminar a construção, êles já terão pago tudo.O maior problema dêsses emprendimentos está em que ainflação pode impedir que os cronogramas e esquemas depagamentos previstos no comêço (vide Quadros 1 e 2)sejam seguidos na prática. Em decorrência, os proprietá-rios de conjuntos estão sujeitos a chamadas de capitalmaiores que as previstas. No caso da construção em con-junto ·pode acontecer que alguns compromissários-com-pradores queiram aumentar as chamadas de capital, masoutros não tenham recursos para tal. Se o grupo não fôrhomogêneo, precisa-se chegar a uma solução de compro-misso. De outro lado, êsse sistema tem vantagem de or-dem fiscal e jurídica sôbre os sistemas dos itens A e B. 3

Não há grande risco para o empresário.

F) Evidentemente, seria normal que o proprietário numaépoca sem inflação contratasse a preço fixo os serviços deum construtor, mediante determinadas condições de pa-gamento, com ou sem financiamento (empreitada). Naépoca inflacionária o empreiteiro de construção global temde ou se sujeitar a grandes riscos, ou cobrar muito caro

3) Isto antes da Lei n,o 4506, de 30-11-64.

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para cobrir-se dos efeitos da inflação. Por isso, no mo-mento êsse sistema não é muito usado na construção civil.

CONCLUSÕES

• Não se podendo prever exatamente o andamento daconstrução, os períodos exatos de maíeres pagamentos, adistorção devida à inflação, os recursos próprios (que va-riam também durante a construção, independentementedesta) e os recursos fornecidos pelos órgãos de financia-mento, é necessário ao proprietário fazer, periõdicamente,uma reavaliação de todos os recursos e, dessa forma, adap-tar aos recursos o ritmo da construção, se não lhe fôr pos-sível adaptar-se ao cronograma tecnicamente recomen-dável. Terá, assim, uma previsão que, embora revista pe-riõdicamente, proporciona certa orientação. Não fazeressas reavaliações periódicas e improvisar no meio de tan-tos fatôres variáveis pode causar dificuldades financeirase prejudicar o andamento da construção.

• Os financiamentos para construções a médio e a longoprazos seriam, a nosso ver, a solução mais lógica e adequa-da, por possibilitar maior produtividade na construção epermitir maiores poupanças, favorecendo, pois, todos osenvolvidos. Há bancos para crédito comercial e compa-nhias de financiamento que financiam vendas a presta-ções. Por que não há, então, companhias que financiemconstruções? Sempre que surge no mercado uma funçãoa ser desempenhada cria-se uma oportunidade para seudesempenho lucrativo. Parece-nos bem demonstrado queexiste a necessidade de órgãos governamentais e particula-res que desempenhem essa função de financiamento deconstruções. Resta provar que êsse desempenho seja lu-crativo para a iniciativa privada. Mas, não o tem sidotodos os demais? .