plano real e a financeirizaÇÃo do estado brasileiro
TRANSCRIPT
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Centro Sócio Econômico - CSE
Departamento de Economia e Relações Internacionais
GUILHERME IRINEU DE JESUS VASCONCELOS
PLANO REAL E A FINANCEIRIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Florianópolis, 2021
GUILHERME IRINEU DE JESUS VASCONCELOS
PLANO REAL E A FINANCEIRIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Ciências Econômicas do Centro Sócio Econômico da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas.
Orientador: Prof. Dr. Nildo Domingos Ouriques
Florianópolis, 2021
Guilherme Irineu de Jesus Vasconcelos
Título: Plano Real e a Financeirização do Estado Brasileiro
Florianópolis, 14 de maio de 2021.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso foi avaliado e aprovado pela banca examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. (a) Nildo Domingos Ouriques, Dr. (a)
Universidade Federal de Santa Catarina
Prof. (a) Valdir Alvim da Silva, Dr. (a)
Universidade Federal de Santa Catarina
Prof. (a) Lauro Francisco Mattei, Dr. (a)
Universidade Federal de Santa Catarina
Certifico que esta é a versão original e final do Trabalho de Conclusão de Curso que foi julgado adequado para obtenção do título de Bacharel em Economia por mim e pelos demais membros da banca examinadora.
____________________________
Prof.(a) Nildo Domingos Ouriques Dr.(a)
Orientador (a)
Florianópolis, 2021
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus pais por tudo que fizeram por mim, sem eles tudo seria mais difícil.
Ao meu irmão, pela parceria de sempre.
Ao meu orientador, Nildo Ouriques, por fazer despertar meu senso crítico e me fazer sentir um rapaz latino-americano.
À minha linda Marina, que me acompanhou durante toda a graduação.
RESUMO
O Plano Real não foi apenas um plano de estabilização para controle da inflação, mas sim uma série de políticas adotadas com base nos interesses do sistema financeiro internacional e as frações do capital nacional. Busca-se compreender o atual momento econômico brasileiro por meio do pacto de classes que se estabeleceu no Plano Real e os governos que o sucederam. O presente trabalho elucida o plano dentro dos marcos do Consenso de Washington e o modelo econômico adotado por ele para aprofundar a financeirização do Estado. Assim, embora eficiente no combate à inflação, demonstram-se alguns dos problemas estruturais herdados da concepção do Real e suas políticas, entre eles o endividamento do Estado, a concentração bancária, as privatizações, a reestruturação produtiva etc. Diante disso, verifica-se que o modelo de estabilização não trouxe o desenvolvimento prometido e aprofundou ainda mais a financeirização do Estado e, sobretudo, a dependência econômica e o subdesenvolvimento do país.
Palavras-Chave: Plano Real. Financeirização do Estado. Dependência econômica. Pacto de classe.
ABSTRACT
The Real Plan was not just a stabilization plan to control inflation, but a series of policies adopted according to the interests of the international financial system and the fractions of the national capital. We seek to understand the current Brazilian economic moment through the class pact established in the Real Plan and the governments that succeeded it. The present article explains the plan within the Washington Consensus landmarks and the economic model adopted by it to deepen the financialization of the state. Thus, although it was efficient in combating inflation, some of the structural problems inherited from the conception of the Real plan and its policies were demonstrated, including state debt, bank concentration, privatizations, and productive restructuring. Therefore, it appears that the stabilization model did not bring the promised development and further intensified the financialization of the state and, above all, the country's economic dependence and underdevelopment.
Keywords: Real Plan. Financialization of the state. Economic dependence. Class pact.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Inflação, PIB e taxa de investimento nos governos Figueiredo e Sarney..............26Tabela 2 - Alíquotas de Importação de Setores Selecionados — 1990-1994 (em %).............28Tabela 3 - Economia Brasileira: Síntese de Indicadores Macroeconômicos — 1990-1994....30Tabela 4 - Variação anual de preços 1990-1998 (%)...............................................................39Tabela 5 - Montantes acumulados na conta de transações correntes nos períodos pré e pós-Real (em US$ bilhões)..............................................................................................................40Tabela 6 - Montantes na balança de capitais nos períodos pré e pós-Real (em US$ bilhões). 40Tabela 7 - Relação Dívida Líquida do Setor Público – 1994-1998 (% do PIB)......................42Tabela 8 - Resultado do Programa Nacional de Desestatização 1991-jul./99 – US$ milhões.46Tabela 9 - Privatizações – resultados gerais acumulados – 1991 – jul./ - US$ milhões..........47Tabela 10 – Número de Instituições Bancárias........................................................................48Tabela 11 – Bancos nacionais com controle estrangeiro no total dos bancos múltiplos e comerciais.................................................................................................................................48Tabela 12 – Comparativo de Juros, Amortização e Estoque da Dívida (em bilhões de reais) 76Tabela 13 – Custo financiamento do Banco Central pelo Tesouro Nacional..........................77
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Contabilização do juros como se fosse amortização..............................................75Figura 2 - Prazo de vencimento dos títulos em posse dos detentores da dívida pública.........76Figura 3 - Orçamento Geral da União 2020: Gastos com a dívida..........................................78Figura 4– Detentores da dívida pública interna.......................................................................79
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Comportamento da inflação mensal – IGP-DI – 1985-1996 (%)..........................31Gráfico 2 - Taxa de câmbio comercial entre 1992 a 2002......................................................35Gráfico 3 - Dívida Externa Líquida/Exportações de Bens – 1981-2002.................................41Gráfico 4 – Resultado Fiscal Primário 1997-2020..................................................................58Gráfico 5 – Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF).............................................................60Gráfico 6 – Indústria de transformação (%PIB) - preços correntes, 1947-2020....................65Gráfico 7 – Taxa de câmbio comercial R$/US$ - 1990-2020.................................................66Gráfico 8 – Investimento líquido em máquinas e equipamentos............................................66Gráfico 9 - PIM PF - Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física....................................67Gráfico 10 – Importação e Exportação de Máquinas e Equipamentos..................................68Gráfico 11 – Taxa de juros Selic 1999-2020...........................................................................72Gráfico 12 - Dívida Interna Líquida – 1990-2020..................................................................72
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................10
1.1 PROBLEMÁTICA........................................................................................................10
1.2 OBJETIVOS..................................................................................................................11
1.2.1 Objetivo Geral............................................................................................................11
1.2.2 Objetivos Específicos.................................................................................................11
1.3 JUSTIFICATIVA..........................................................................................................11
1.4 METODOLOGIA..........................................................................................................12
2 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................15
2.1 NEOLIBERALISMO, PLANO REAL E O PROCESSO INFLACIONÁRIO.............15
2.2 TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA...............................................................16
2.2.1 A superexploração da força de trabalho.....................................................................18
2.2.2 Subimperialismo.........................................................................................................19
3 FUNDAMENTOS OCULTOS DO PLANO REAL..................................................21
3.1 A LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA..........................................................................21
3.2 O PANORAMA INTERNO E CONJUNTURAL DO PLANO REAL........................24
3.3 A FORMULAÇÃO DO PLANO...................................................................................32
3.4 A INFLAÇÃO E O CONFLITO DE CLASSE.............................................................36
3.5 PLANO REAL, SEUS RESULTADOS E CRÍTICAS.................................................38
3.5.1 As refomas do Estado.................................................................................................42
3.5.2 As privatizações.........................................................................................................45
3.6 AS FASES DO PLANO................................................................................................49
4 O PETUCANISMO E O PLANO REAL...................................................................53
4.1 A CONTINUAÇÃO DO PLANO REAL PELO PT E A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO LIBERAL PELOS SUCESSIVOS GOVERNOS..................................................54
4.1.1 A REDUÇÃO DA CAPACIDADE PRODUTIVA E O AUMENTO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.............................................................................................60
4.2 A COOPTAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA..................................................69
5 DO PLANO REAL AO GOVERNO BOLSONARO...............................................71
6 CONCLUSÃO..............................................................................................................81
REFERÊNCIAS......................................................................................................................84
10
1 INTRODUÇÃO
1.1 PROBLEMÁTICA
O Plano Real foi um marco na história econômica do Brasil, tendo em vista a
estabilização dos preços. Por isso, boa parte da teoria econômica mostra-o como o Plano que
deu certo, deixando de lado as consequências do mesmo, além das diversas interpretações a
respeito do endividamento do Estado, desindustrialização, aprofundamento da dependência
etc. Diante disso, cabe a pergunta: o Plano Real deu certo mesmo?
Há diversas interpretações sobre o Plano Real e seus desdobramentos. O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC), em entrevista, relata que o Plano Real respondeu a uma
demanda da sociedade (CARDOSO, 2009). O economista Gustavo Franco, em comemoração
aos 20 anos do plano afirma que faria tudo de novo (FRANCO, 2014). Contudo, é preciso
observar o plano através de uma investigação material da realidade social, pois os
instrumentos econômicos e políticos retratam o plano fenomênico da realidade.
O Brasil é um país dependente e subdesenvolvido, alguns entraves econômicos e
sociais aparecem na dinâmica econômica do mesmo e inviabilizam o desenvolvimento
qualitativo e quantitativo. Um desses entraves está em perfeita conexão com o grau de
financeirização do Estado e da dependência produtiva do país. Assim, os pilares sobre os
quais será analisado criticamente o Plano Real serão as políticas implementadas pelo mesmo.
Dentre as políticas, está o tripé macroeconômico composto por câmbio flutuante, metas de
inflação e superávit primário, de tal modo que essas políticas atingem o setor financeiro e a
dinâmica de acumulação no Brasil.
A implantação do Plano Real ocorreu no período de ascensão da ideologia neoliberal,
aliado ao elevado fluxo de entrada de capital internacional, de tal modo que fomentou as
políticas do plano e contribuiu para redução da inflação. No entanto, os custos do plano fazem
parte dos pressupostos ocultos, mantidos por sucessivos governos, que aprofundam o
subdesenvolvimento e a dependência econômica brasileira.
No entanto, este trabalho não tem como objetivo estudar a desindustrialização como
um todo, mas mostrar que a mesma tem relação com as políticas implementadas pós-Plano
Real e com elevado grau de financeirização da economia, o chamado rentismo. Conforme os
fatos apresentados, tem sido intensa a discussão na literatura econômica sobre os efeitos das
políticas adotadas pós-Plano Real sobre o setor externo da economia brasileira. É inegável que
os esforços empregados na estabilização de preços trouxeram tranquilidade na dinâmica
11
econômica. Entretanto, os efeitos continuados das elevadas taxas de juros e, por consequência,
de taxas de câmbio não competitivas, vêm penalizando o setor produtivo. Diante disso, cabe
trazer ao estudo qual a relação da dívida pública brasileira, no chamado rentismo, com o
aprofundamento do subdesenvolvimento. Não obstante, é importante ressaltar como
problemática de pesquisa neste trabalho: o desenvolvimento capitalista aprofundou a
financeirização do Estado pós-Plano Real?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo Geral
Analisar o modelo econômico imposto desde o Plano Real, o qual consolidou a dívida pública como um dos principais instrumentos de transferência de riqueza, além de expansão da financeirização do Estado brasileiro.
1.2.2 Objetivos Específicos
a) Identificar as principais políticas econômicas que foram responsáveis pelo nível de
endividamento e expansão da financeirização do Estado, o chamado rentismo;
b) Apontar a continuação desse modelo pelos sucessivos governos, vinculados a agenda
neoliberal imposta por FMI e Banco Mundial.
c) Demonstrar como o sistema da dívida pública aprofunda a dependência produtiva
brasileira por causa da predominância de uma economia “rentística”.
1.3 JUSTIFICATIVA
O Brasil está diante de um brutal endividamento acumulado nos últimos anos, por
diversos fatores, compreender quais são os mesmos é de suma importância para elucidar
diversas falácias e discursos que se apresentam como imparciais, deixando à deriva o debate
para as forças dominantes do debate político e econômico.
Portanto, estudar as possíveis causas de financeirização do Estado e sua concepção é
de suma importância ao desenvolvimento de uma nação dependente e subdesenvolvida como
o Brasil. Por outro lado, o aprofundamento teórico do tema acrescenta à pesquisa acadêmica,
auxiliando para a formulação de um novo consenso, a fim de gerar políticas de transformações
sociais.
12
Desde o Plano Real até a conjuntura atual, o nível de internacionalização da economia
aumenta expressivamente. Além disso, a dependência e o subdesenvolvimento vêm se
aprofundando, maneira pela qual afetam negativamente diversos indicadores sociais. Posto
isso, pretende-se contribuir de forma a elucidar cada um desses temas.
1.4 METODOLOGIA
A forma metodológica que será abordada nesse trabalho terá como base a concepção
marxista no que diz respeito ao método, ou seja, o método crítico dialético. Na concepção
marxista da dialética as coisas são analisadas em si, em seu conceito (KOSIK, 1985). Assim,
de acordo com a passagem de Kosik (1985 p. 13):
A dialética trata da coisa em si. Mas a coisa em si não se manifestaimediatamente ao homem. Para chegar à sua compreensão, é necessáriofazer não só um certo esforço, mas também um détour. Por este motivo opensamento dialético distingue entre representação e conceito da coisa, comisso não pretendendo apenas distinguir duas formas e dois graus deconhecimento da realidade, mas especialmente e sobretudo duas qualidadesda práxis humana.
Segundo Kosik, a realidade é a unidade do fenômeno e da essência. Assim, a essência
pode ser tão irreal quanto o fenômeno, assim como o fenômeno e a essência quando se
apresentam isolados e, estando isolados, sejam considerados a única realidade. Todavia, ao
compreendermos o conceito da “coisa” estamos compreendendo o seu conceito de fato, pois
conforme demonstra Kosik (1985 p. 13):
A característica precípua do conhecimento consiste na decomposição do todo. A dialética não atinge o pensamento de fora para dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento é que é a própria dialética em uma das suas formas; o conhecimento é a decomposição do todo. O “conceito” e a “abstração”, em uma concepção dialética, têm o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa, e, portanto, compreender a coisa.
De acordo com Kosik, o princípio metodológico da investigação dialética da realidade
social é o ponto de vista da totalidade concreta, significando que cada fenômeno pode ser
compreendido como momento do todo. Portanto, a posição da totalidade encontra-se em
antítese ao empirismo. Este considera as manifestações fenomênicas e casuais, porém não
compreende os processos evolutivos da realidade.
13
No entanto, algumas observações são importantes para compreensão da totalidade
concreta, porque a compreensão da mesma distingue-se da concepção “que tudo está em
conexão com tudo”. Ainda, a totalidade não significa que o todo é mais importante que as
partes.
A dialética da totalidade concreta não é um método que pretenda ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer um quadro “total” da realidade, na infinidade dos seus aspectos e propriedades; é uma teoria da realidade e do conhecimento que dela se tem como realidade. A totalidade concreta não é um método para captar e exaurir todos os aspectos, caracteres, propriedades, relações e processos da realidade; é a teoria da realidade como totalidade concreta. Se a realidade é entendida como concreticidade, como um todo que possui sua própria estrutura (e que, portanto, não é caótico), que se desenvolve (e, portanto, não é imutável nem dado uma vez por todas), que se vai criando (e que, portanto, não é um todo perfeito e acabado no seu conjunto e não é mutável apenas em suas partes isoladas, na maneira de ordená-las), de semelhante concepção da realidade decorrem certas conclusões metodológicas que se convertem em orientação heurística e princípio epistemológico para estudo, descrição, compreensão, ilustração e avaliação de certas seções tematizadas da realidade, quer se trate da física ou da ciência literária, da biologia ou da política econômica, de problemas teóricos da matemática ou de questões práticas relativas à organização da vida humana e da situação social (KOSIK, 1985, p. 36).
Ademais, a totalidade não está relacionada à soma de uma infinidade de fatos e
partes que se encontram na “aparência da realidade”. Portanto, “totalidade não significa todos
os fatos. Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do
qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente
compreendido” (KOSIK, 1985, p. 35).
Por outro lado, em “Ciência da Lógica”, Hegel (2011) demonstra como o pensamento
lógico funciona e quais suas determinações essenciais. Para o autor o pensamento científico é
também um pensamento filosófico, pois o primeiro pertence à estrutura do pensamento,
caracterizando a lógica, e o segundo estuda a lógica mesma. Todavia, é a partir da análise da
estrutura do pensamento que Hegel deduz o que pode ser chamado de método. Segundo o
autor:
A determinidade da ideia e todo o percurso dessa determinidade constitui o objeto da ciência lógica, de cujo percurso nasceu para si a ideia absoluta mesma; para si, porém, ela se mostrou como o seguinte: a determinidade não tem a figura de um conteúdo, mas pura e simplesmente como forma, a ideia é dessa maneira como a ideia universal pura e simplesmente. O que ainda tem de ser considerado, portanto, não é tanto um conteúdo como tal, mas o universal de sua forma - isto é, o método (HEGEL, 2011, p. 265, grifo do autor).
14
Karl Marx, em sua obra “Miséria da Filosofia”, demonstrou resumidamente a dialética
de Hegel. Assim, a dialética de Hegel consistiria em um processo progressivo do abstrair até
se chegar ao estado puro da abstração, sendo esta a categoria lógica. A partir da definição de
tal categoria, compreende-se a substância de todas as coisas, por meio da qual seria possível
encontrar a transformação delas, ou seja, o método absoluto (MARX, 2009).
Diante do método dialético, a investigação dos fenômenos sociais
com o objetivo de chegar aos fatos concretos por meio do reconhecimento da realidade como
totalidade concreta e dialética cabe ao pesquisador. Assim, a pesquisa fundamentada por este
trabalho terá por base: (i) trazer o Plano Real para a compreensão da atual dependência
econômica e do subdesenvolvimento; (ii) evidenciar como o modelo econômico imposto
desde o Plano Real foi responsável pelo aumento do grau financeirização do Estado brasileiro,
aprofundando uma economia rentista. Portanto, busca-se inserir o Plano Real na realidade
social e histórica brasileira. Desse modo, a pesquisa desenvolvida neste trabalho adquire
característica descritiva, tendo em vista descrever fenômenos e estabelecer relações entre as
variáveis econômicas, políticas, culturais etc.
Em relação ao primeiro objetivo, destinado a identificar as principais políticas
econômicas que foram responsáveis pelo nível de industrialização e internacionalização da
economia atual, será realizado um estudo que permita contextualizar os diferentes governos e
políticas adotadas pelos mesmos, fazendo, até mesmo, um comparativo histórico. Assim, o
presente trabalho terá como base dados dos órgãos nacionais de pesquisa, tais como Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC),
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEADATA), Ministério da Indústria, Comércio
Exterior e Serviços (MDIC), Banco Central do Brasil (BACEN) etc.
No entanto, tanto no primeiro quanto nos demais objetivos deste trabalho abordar-se-á
o Plano Real e a compreensão do mesmo historicamente, por meio da Teoria Marxista da
Dependência. Assim, seguirá a proposta metodológica exposta até aqui, ou seja, o método
dialético. Adiante será abordar-se-á o referencial teórico, de tal modo que será apresentado as
contribuições para elucidação desse trabalho.
15
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 NEOLIBERALISMO, PLANO REAL E O PROCESSO INFLACIONÁRIO
O período de ascensão do neoliberalismo no Brasil e no mundo será analisado de
acordo com Filgueiras (2000). Este demonstra que a partir dos anos 1970 a doutrina
neoliberal intensifica-se pelo continente. Destaca-se que no âmbito da América Latina, a
proposta neoliberal consolidou-se no Consenso de Washington, pois foram adotados planos
de estabilização por meio de valorização da moeda nacional e entrada de capitais
especulativos, assim como abertura da economia. Some-se a isso que houve intensa
desregulação comercial e financeira, com reformas estruturais do Estado, como a
privatização, a fim de minimizar sua participação na economia (FILGUEIRAS, 2000).
Diante disso, toda essa transformação do capitalismo internacional é expressa no que
pode ser conhecido popularmente por globalização. De modo que tal processo é definido por
Filgueiras (2000, p. 60):
[...] a competição intercapitalista, tendo por arma as inovações de todos os tipos, torna-se cada vez mais feroz e de fato mundializa-se, quase que sem limites impostos pelas barreiras nacionais; que se acelera fantasticamente o desenvolvimento das forças produtivas e cresce o volume e o valor dos meios de produção por trabalhador; que se intensifica a concentração e a centralização de capitais, com o domínio mundial de poucas empresas gigantescas em cada ramo de produção; que a esfera financeira assume um papel preponderante no conjunto do funcionamento do sistema, com um superdimensionamento da acumulação “fictícia”, num ambiente cada vez mais instável e com crescimento da incerteza e do risco; e, por fim, que se potencializa a possibilidade da crise e os seus efeitos destrutivos em escala planetária.
Todavia, segundo Filgueiras (2000), diante da predominância da esfera financeira no
processo de globalização, as barreiras nacionais foram reduzidas, fazendo intensificar a
entrada dos mercados emergentes, a partir dos anos de 1990, nos mercados internacionais. A
nova conjuntura permitiu aos países dependentes elaborarem planos de estabilização apoiados
nos fluxos internacionais de capitais de curto prazo, de modo a enfraquecer a autonomia dos
governos dos países dependentes em fazer políticas macroeconômicas (FILGUEIRAS, 2000).
Diante das abordagens destacadas por Filgueiras, compreender-se-á a ideologia e as
políticas adotadas pelo plano como forma de compreender, também, a continuação desse
modelo econômico. Desse modo, ajudarão a consolidar a pesquisa a fim de elucidar melhor o
período do Plano Real e as políticas que decorreram desse plano. Adiante, veremos as
16
contribuições teóricas da teoria marxista da dependência para a melhor compreensão do
trabalho.
2.2 TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA
Diante da análise do processo de dependência econômica do Brasil, o projeto terá
como embasamento teórico a Teoria Marxista da Dependência (TMD). Esta foi desenvolvida
no fim dos anos 1960 por teóricos como Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Vânia
Bambirra, entre outros. A TMD nasce em contraposição ao desenvolvimentismo. Assim, a
teoria desenvolveu uma análise crítica e marxista dos processos de acumulação na periferia do
capitalismo em relação à reprodução do subdesenvolvimento.
Diferentemente da Cepal, que acreditava num processo gradual, e em etapas, do
subdesenvolvimento até o desenvolvimento, a TMD procura compreender esse processo como
oposição e distinção, ainda que vinculadas. Diante disso, procura-se compreender o
subdesenvolvimento não como uma etapa precedente, mas sim um resultado do
desenvolvimento capitalista global. No entanto, a despeito da
noção de desenvolvimento autônomo, a TMD acredita que a superação da dependência não
seria possível por meio do capitalismo, mas por meio de uma transformação radical da
realidade dos países subdesenvolvidos, na qual o foco seria a luta pelo socialismo. Logo, a
distinção fundamental entre a CEPAL e a TMD é que esta explica a troca desigual entre
países de acordo com a teoria do valor. Por outro lado, os cepalinos examinam os diferentes
níveis de incrementalização do progresso técnico
Analisando a história da industrialização latino-americana, apesar das similaridades
aparentes, ela não é da mesma natureza da industrialização clássica nos países centrais.
Conforme demonstra Marini (2005, p. 169-170):
A industrialização latino-americana se dá sobre bases distintas. A compressão permanente que exercia a economia exportadora sobre o consumo individual do trabalhador não permitiu mais do que a criação de uma indústria débil, que só se ampliava quando fatores externos (como as crises comerciais, conjunturalmente, e a limitação dos excedentes da balança comercial, pelas razões já assinaladas) fechavam parcialmente o acesso da esfera alta de consumo para o comércio de importação. É a maior incidência desses fatores, como vimos, o que acelera o crescimento industrial, a partir de certo momento, e provoca a mudança qualitativa do capitalismo dependente. A industrialização latino-americana não cria, portanto, como nas economias clássicas, sua própria demanda, mas nasce para atender a uma demanda pré-existente, e se estruturará em função das exigências de mercado procedentes dos países avançados.
17
Segundo Marini, as economias da América Latina não chegaram ao patamar de
uma economia industrial plenamente desenvolvida, por mais relevante que fosse o
desenvolvimento industrial e a extensão do mercado interno, não houve uma mudança
qualitativa no desenvolvimento econômico desses países. Contudo, nesses países, a indústria
continuou tendo um papel subordinado diante da produção e exportação de bens
primários, sendo estes o centro vital do processo de acumulação (MARINI, 2005).
A partir do final do século XIX se não houvesse as nações dependentes que ofertassem
bens primários de subsistência em grande escala, o desenvolvimento industrial moderno seria
significativamente afetado, pois só assim fora possível aprofundar a divisão do trabalho e
especializar os países industriais como produtores mundiais de manufaturas (MARINI,
2005). Contudo, sendo uma necessidade histórica, a divisão internacional do trabalho fora
determinante para acumulação de capital. Entretanto, a forma como se expressa o capitalismo
na América Latina distingue-se da dinâmica da acumulação nos países centrais. De acordo
com Marini (2005, p. 144):
O que importa considerar aqui é que as funções que cumpre a AméricaLatina na economia capitalista mundial transcendem a mera resposta aosrequisitos físicos induzidos pela acumulação nos países industriais. Maisalém de facilitar o crescimento quantitativo destes, a participação daAmérica Latina no mercado mundial contribuirá para que o eixo daacumulação na economia industrial se desloque da produção de mais-valiaabsoluta para a de mais-valia relativa, ou seja, que a acumulação passe adepender mais do aumento da capacidade produtiva do trabalho do quesimplesmente da exploração do trabalhador. No entanto, o desenvolvimentoda produção latino-americana, que permite à região coadjuvar com essamudança qualitativa nos países centrais, dar-se-á fundamentalmente combase em uma maior exploração do trabalhador. É esse caráter contraditórioda dependência latino-americana, que determina as relações de produção noconjunto do sistema capitalista, o que deve reter nossa atenção.
Contudo, a industrialização latino-americana, a brasileira em particular, encontra-se
dependente da dinâmica do capitalismo internacional:
A industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova divisão internacional do trabalho, em cujo marco são transferidas para os países dependentes etapas inferiores da produção industrial (observe-se que a siderurgia, que correspondia a um sinal distintivo da economia industrial clássica, generalizou-se a tal ponto que países como Brasil já exportam aço), sendo reservadas para os centros imperialistas as etapas mais avançadas (como a produção de computadores e a indústria eletrônica pesada em geral, a exploração de novas fontes de energia, como a de origem nuclear etc.) e o monopólio da tecnologia correspondente. Indo ainda mais longe, pode-se distinguir na economia internacional escalões, nos quais vão sendo recolocados não só os novos países industriais, mas também os mais antigos. É assim como, na produção de aço e na de veículos automotores, a Europa Ocidental e o Japão competem vantajosamente com os mesmos Estados Unidos, mas não
18
conseguem ainda fazê-lo no que se refere à indústria de máquinas e ferramentas, principalmente as automatizadas. O que temos aqui é uma nova hierarquização da economia capitalista mundial, cuja base é a redefinição da divisão internacional do trabalho ocorrida nos últimos 50 anos (MARINI, 2005, p. 174-175).
Ao analisar as trocas desiguais, as mesmas estão relacionadas com a inserção da
economia brasileira na divisão internacional do trabalho e a expansão do mercado mundial. A
América Latina é a responsável direta da transformação das condições técnicas – passagem
para a produção de mais-valia relativa – nas economias centrais, pois fornece as mercadorias
que incidem nos bens-salários (alimentos e gêneros similares) com preços relativamente
baixos, modificando a taxa de mais-valia.
2.2.1 A superexploração da força de trabalho
A análise da superexploração da força de trabalho pode ser compreendida por meio
da obra “A Dialética da Dependência” de Ruy Mauro Marini. Este analisa a América Latina e
sua condição econômica, social e política em relação ao método marxista de análise, buscando
elucidar a forma particular do desenvolvimento capitalista na América Latina.
A análise de Marini a respeito das economias dependentes pauta-se em um nível de
abstração diferente de Marx. Enquanto este descreve o modo de produção capitalista como
totalidade – nível de abstração mais elevado, aquele apontou como essa totalidade insere-se
na América Latina – nível de abstração menos elevado. Diante disso, Marini procura analisar
a dependência estrutural no âmbito da divisão internacional do trabalho.
A categoria superexploração se expressa em três pilares conjuntamente, os quais são:
aumento da jornada de trabalho, maior intensidade do ritmo na linha de produção e a redução
do fundo de consumo do trabalhador, transformando em fundo de acumulação do capital,
sendo este a remuneração abaixo do valor da força de trabalho. Assim, configura-se em maior
desgaste da força de trabalho e um “modo de produção fundado exclusivamente na maior
exploração do trabalhador e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva”,
ocasionando seu esgotamento prematuro (MARINI, 2000, p.125).
A participação da América Latina no comércio internacional facilitou o crescimento
quantitativo dos países industriais. Além disso, foi determinante para que o modo de
acumulação na economia industrial se deslocasse da produção de mais-valia absoluta para a
de mais-valia relativa, isto é, “que a acumulação passe a depender mais do aumento da
capacidade produtiva do trabalho do que simplesmente da exploração do trabalhador”
(MARINI, 2000, p.113). Consequentemente, a expansão da oferta de bens salário que a
19
América Latina fornece permitiu a redução do valor da força de trabalho nos países
industriais, reduzindo o tempo de trabalho necessário relativamente ao excedente e ampliando
a massa de mais-valia apropriada.
A inserção da América Latina na economia capitalista responde às exigências da passagem para a produção de mais-valia relativa nos países industriais. Esta é entendida como uma forma de exploração do trabalho assalariado que, fundamentalmente com base na transformação das condições técnicas de produção, resulta da desvalorização real da força de trabalho. O forte incremento da classe operária industrial e, em geral, da população urbana ocupada na indústria e nos serviços, que se verifica nos países industriais no século passado, não poderia ter acontecido se estes não contassem com os meios de subsistência de origem agropecuária, proporcionados de forma considerável pelos países latino-americanos. Isso foi o que permitiu aprofundar a divisão do trabalho e especializar os países industriais como produtores mundiais de manufaturas. Mas não se reduziu a isso a função cumprida pela América Latina no desenvolvimento do capitalismo: à sua capacidade para criar oferta mundial de alimentos, que aparece como condição necessária de sua inserção na economia internacional capitalista, prontamente será agregada a contribuição para a formação de um mercado de matérias-primas industriais, cuja importância cresce em função do mesmo desenvolvimento industrial (MARINI, 2005, p. 143).
Portanto, Marini denominou de superexploração da força de trabalho esse fenômeno,
que implica ao trabalhador ganhar um salário inferior ao mínimo necessário à sua
sobrevivência e reprodução. Assim, por meio da elevação da intensidade do trabalho, da
prolongação da jornada de trabalho ou da redução do consumo do trabalhador para além do
mínimo necessário à sua sobrevivência que se faz possível compensar a perda no comércio
internacional. Os capitalistas latino-americanos não buscam contrapor tais perdas por meio do
desenvolvimento da capacidade produtiva do trabalho, mas sim pelo pagamento da força de
trabalho a um preço inferior ao seu valor.
2.2.2 Subimperialismo
Ainda, cabe destacar a teoria do subimperialismo de Marini. Assim, entende-se
subimperialismo o modo pelo qual as economias dependentes chegam à etapa dos monopólios
e do capital financeiro. Assim, o aumento dos lucros para determinadas classes internas se
expressa através da expansão de mercado, mas sem alterar a forma dominante dos países
imperialistas na economia mundial. De tal modo que Marini constatou dois pontos centrais ao
subimperialismo. O primeiro destaca-se pela busca da hegemonia regional. Já o segundo
baseia-se na autonomia relativa frente ao imperialismo dominante, por meio da cooperação
20
antagônica. Portanto, trata-se assegurar as condições mais favoráveis para a reprodução do
capital da burguesia dos países subdesenvolvidos - sendo neste trabalho a burguesia brasileira.
O subimperialismo implica dois componentes básicos: por um lado, uma
composição orgânica média na escala mundial dos aparatos produtivos nacionais e,
por outro lado, o exercício de uma política expansionista relativamente autônoma,
que não apenas é acompanhada de uma maior integração ao sistema produtivo
imperialista, senão que se mantém no marco da hegemonia exercida pelo
imperialismo à escala internacional (MARINI, 1977, pág. 31).
Não obstante, destaca Marini sobre o caso brasileiro e o seu papel subalterno, pois “o
subimperialismo brasileiro implica uma política de subpotência; mas a política de subpotência
praticada pelo Brasil não nos dá a chave da etapa subimperialista em que este tem entrado ”
(MARINI, 1977). Contudo, a definição mais resumida de Marini acerca de subimperialismo
pode ser esta:
O subimperialismo corresponde à expressão perversa da diferenciação sofrida pela economia mundial, como resultado da internacionalização da acumulação capitalista, que contrapôs ao esquema simples da divisão do trabalho – cristalizado na relação centro-periferia, que preocupava a Cepal – um sistema de relações muito mais complexo. Nele, a difusão da indústria manufatureira, elevando a composição orgânica média nacional do capital, isto é, a relação existente entre meios de produção e força de trabalho, dá lugar a subcentros econômicos (e políticos), dotados de relativa autonomia, embora permaneçam subordinados à dinâmica global imposta pelos grandes centros [...] (MARINI, 1992, p. 137).
Embora utilizando contribuições de diversos autores, a partir desta proposta teórica
procura-se analisar histórica e politicamente o desenvolvimento econômico e social brasileiro
e o aprofundamento da dependência econômica no período pós-Plano Real. Posto isso,
utilizaremos os escritos de Ruy Mauro Marini para a construção da base teórica da realidade
brasileira, procurando estudar a dependência e o subdesenvolvimento pela análise das classes
sociais. Por conseguinte, será abordado os pressupostos ocultos do Plano Real, explicando os
mecanismos políticos, técnicos e conjunturais que levaram ao mesmo.
21
3 FUNDAMENTOS OCULTOS DO PLANO REAL
De acordo com Kosik (1985), o princípio metodológico da investigação dialética da
realidade social é o ponto de vista da totalidade concreta, caracterizando que cada fenômeno
pode ser compreendido como momento do todo. Desse modo, para o entendimento concreto
do Plano Real é preciso superar a análise fenomenológica do mesmo, fazendo com que o
ponto de vista da totalidade concreta permita compreender o respectivo plano na inserção do
contexto internacional vigente em sua época. No entanto, a abordagem deve seguir para uma
esfera mais restrita, sendo esta a esfera nacional e o contexto latino-americano.
3.1 A LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA
Ao final do século XX assistiu-se a um processo de profundas transformações
econômicas, sociais e políticas. Esses processos ocorreram tanto nos países centrais quanto
nos periféricos. A crise do fordismo, ao final dos anos 1960, e o fim do acordo de Bretton
Woods, no início da década de 1970, manifestam o processo de transformação do sistema de
produção e organização social da dinâmica capitalista. Os resultados dessas transformações se
expressam em três fenômenos tratados na literatura: o neoliberalismo, a reestruturação
produtiva e a globalização (FILGUEIRAS, 2012).
Busca-se se ater neste trabalho aos fenômenos neoliberalismo e globalização, pois
esses dois fenômenos têm uma relação direta com o Plano Real e as políticas decorrentes do
mesmo. O neoliberalismo como fenômeno político e ideológico é disseminado pelo mundo ao
final da década de 1970, caracterizando-se como um guia prático e teórico dos governos,
partidos, mundo acadêmico etc.
Aclamado de forma dominante nas academias e demais centros de produção de conhecimento, foi vulgarizado para o grande público, com apoio e influência decisivos da mídia. Os seus princípios passaram a ser aceitos, consciente ou inconscientemente, pela maior parte da população, evidenciando-se, assim, a constituição de uma hegemonia na forma de se pensar a vida em sociedade, com influência crucial nas ações cotidianas dos indivíduos. Em suma, o neoliberalismo assumiu a condição de hegemonia cultural, no sentido mais abrangente que este conceito possa ter (FILGUEIRAS, 2012, p. 43).
Em oposição a certa forma de intervenção estatal, caracterizando-se precisamente o
Estado de bem-estar social, a atuação do Estado no aspecto econômico limita-se à função de
que não atrapalhem o livre mercado – não gerando regulação econômica. Qualquer
22
intervenção geraria distorções na dinâmica econômica que inviabilizariam a “eficiência” dos
mercados.
A decorrência dessa visão se expressa, do ponto de vista econômico, na recusa em aceitar o exercício de políticas ativas por parte do Estado; quer sejam macroeconômicas, no sentido de estimular em geral a atividade produtiva e o emprego, quer sejam políticas setoriais (industrial, por exemplo) e regionais. Em ambos os casos, segundo o neoliberalismo, o resultado final seria um desastre; porque a tentativa de impulsionar a economia, através de políticas monetárias e fiscais, terminaria apenas com mais inflação sem, contudo, reduzir o patamar de desemprego, enquanto o apoio a regiões e setores específicos implicaria ineficiências e desperdícios, em virtude da distorção que provocaria no “livre” funcionamento do mercado (FILGUEIRAS, 2012, p. 45).
Contrapondo-se à visão intervencionista por parte do Estado, o objetivo primordial
da política econômica seria assegurar a defesa da moeda, ou seja, o Estado seria responsável
pela estabilidade de preços. Além disso, garantir o cumprimento dos contratos e da livre
concorrência. Por outro lado, no plano internacional caracteriza-se pela livre mobilidade de
capitais e mercadorias por meio da não restrição ao comércio e a livre circulação do capital
financeiro.
Cabe destacar a contradição do que é feito na prática e o que é disseminado pelo
neoliberalismo, pois do ponto de vista da ação política não se observa o fim da intervenção do
Estado na economia, porém há uma reorientação da intervenção estatal. Assim, destaca
Filgueiras (2012, p. 47):
Os extraordinários gastos militares do Estado americano durante o Governo Reagan, reconhecidamente neoliberal, e o socorro dado aos bancos no Brasil pelo Governo FHC (nem tanto assumido) através do Programa de Restruturação Bancária (Proer), evidenciam que, na realidade, essa contradição – entre o discurso liberal e uma prática intervencionista – explicita o que é essencial e o que o discurso formal tenta esconder: a doutrina neoliberal [...] é objetivamente coerente e funcional e se ajusta perfeitamente à sustentação e legitimação de todas as políticas que favorecem o capital em sua correlação de forças com o trabalho, tanto no interior do espaço fabril quanto no conjunto da sociedade.
Entretanto, diante da crise econômica nos países centrais nos anos 1970, e com o
esgotamento do fordismo, o neoliberalismo saiu do ostracismo político que esteve durante
todos os “anos de ouro” do desenvolvimento capitalista, difundindo-se como uma doutrina
atual e totalmente aplicável a realidade dos países – sobretudo aos subdesenvolvidos.
Ao fim dos anos 1970 o mundo contemplou o desmoronamento da ordem
internacional construído no pós-Guerra a partir do acordo de Bretton Woods. No plano
internacional, era o fim da conversibilidade do dólar em ouro e do sistema de taxas de câmbio
23
fixas. Todavia, a partir dos anos 1970, consolida-se na periferia do sistema a doutrina
neoliberal através do Consenso de Washington. Esse “consenso” pode ser caracterizado pela
desregulamentação dos mercados, planos de estabilização valorizando as moedas nacionais
frente ao dólar, entrada de capitais especulativos, abertura da economia. Além disso,
destacam-se as reformas estruturais, que se baseiam nas privatizações e quebra dos
monopólios estatais. A seguir cito as dez recomendações do consenso:
1. Disciplina fiscal, evitando grandes déficits fiscais em relação ao PIB.
2. Redirecionamento dos gastos públicos de subsídios (especialmente subsídios
indiscriminados) para uma ampla provisão de serviços essenciais pró-
crescimento e pró-pobres, como educação, saúde e investimento em
infraestrutura.
3. Reforma tributária, ampliando a base tributária e adotando alíquotas marginais
moderadas.
4. Taxas de juros determinadas pelo mercado.
5. Taxas de câmbio competitivas.
6. Livre comércio: liberalização das importações, com ênfase na eliminação de
restrições quantitativas (licenciamento, etc.), proteção comercial a ser
fornecida por tarifas baixas e uniformes
7. Liberalização do investimento estrangeiro direto interno.
8. Privatização de empresas estatais.
9. Desregulamentação: abolição das regulamentações que impedem a entrada no
mercado ou restringem a concorrência, exceto aquelas justificadas por motivos
de segurança, proteção ambiental e do consumidor e supervisão prudencial de
instituições financeiras.
10. Segurança jurídica para direitos de propriedade privada.
Diante da dinâmica do capitalismo global, observa-se a expansão do modo de
produção capitalista e sua expansão fronteiriça, comercial, comunicacional, social etc. Esse
fenômeno, chamado globalização, foi difundido pela ideologia neoliberal ao final do século
XX. Assim, discorre Filgueiras sobre o mesmo:
Todas essas características e tendências estruturais do capitalismo, já identificadas por Marx no século passado, não são negadas pelo processo de globalização; antes, pelo contrário, ele, juntamente com os outros dois fenômenos tratados
24
anteriormente, libera o capital, em seu movimento de acumulação, de todas as amarras e restrições, permitindo-lhe uma flexibilidade quase que total no seu afã e necessidade de valorização (FILGUEIRAS, 2012, p. 60, grifo do autor).
Ademais, cabe destacar que toda essa dinâmica do capitalismo global, compreendida
pelo senso comum por globalização, se expressa num movimento de mutação do capital, além
de o mesmo ser transfronteiriço, de modo que sua velocidade de valorização fictícia se tornou
ainda mais elevada. Diante disso, explicita Filgueiras:
Pode se observar que a competição intercapitalista, tendo por arma as inovações de todos os tipos, torna-se cada vez mais feroz e de fato mundializa-se, quase que semlimites impostos pelas barreias nacionais; que se acelera fantasticamente odesenvolvimento das forças produtivas e cresce o volume e o valor dosmeios de produção por trabalhador; que se intensifica a concentração e acentralização de capitais, com o domínio mundial de poucas empresasgigantescas em cada ramo de produção; que a esfera financeira assume umpapel preponderante no conjunto do funcionamento do sistema, com umsuperdimensionamento da acumulação “fictícia”, num ambiente cada vezmais instável e com crescimento da incerteza e do risco; e, por fim, quepotencializa-se a possibilidade da crise e os seus efeitos destrutivos emescala planetária (FILGUEIRAS, 2000, p. 60, grifo do autor).
A dimensão financeira é o principal aspecto do processo de globalização,
especialmente se considerarmos a estratégia de estabilização adotada no Plano Real, pois o
mesmo era altamente dependente de capitais de curto prazo. Desse modo, a dimensão
financeira caracteriza-se pela instauração de um mercado unificado de capitais em âmbito
global, significando que as empresas multinacionais industriais e financeiras podem contratar
empréstimos ou aplicar fundos sem limites, seja onde e quando quiserem. Assim, recorrem a
todos os instrumentos financeiros existentes.
Portanto, a globalização financeira engloba três processos relacionados entre si: a
desregulamentação ou liberalização monetária e financeira, a desintermediação e a abertura
dos mercados financeiros nacionais (FILGUEIRAS, 2012). Com o desmonte do Sistema
Monetário Internacional no início da década de 1970, constituído a partir do acordo de
Bretton Woods, identifica-se a partir desse período a origem do processo de
desregulamentação que contribuiu para a globalização. Na sequência, observar-se-á qual era a
conjuntura do Brasil entre 1970 e 1994.
3.2 O PANORAMA INTERNO E CONJUNTURAL DO PLANO REAL
25
Este trabalho não tem como objetivo mostrar o desenvolvimento econômico
brasileiro como um todo. Assim, centrar-se-á na conjuntura política e econômica que
transcorreu a partir dos anos 1970, com objetivo de compreender a implantação do Plano Real
e as políticas adotadas após o mesmo.
Por volta dos anos 1970 os países desenvolvidos tiveram um período de estagflação e
ajustes estruturais, decorrentes da crise do fordismo, sendo esta crise intensificada pelo fim da
conversibilidade do dólar, além do choque do petróleo. Por outro lado, o Brasil passava pelo
“milagre econômico”, o qual começou a se esgotar em 1973, desdobrando-se no II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND) elaborado em 1974, dando sobrevida ao ciclo
expansivo até o final da década, com o custo da aceleração do endividamento externo.
Diante da crise da dívida externa que afetou a economia dos países periféricos,
constata-se a crise do modelo de substituição de importações na década de 1980. Entretanto,
nos países desenvolvidos ocorria o processo de reestruturação produtiva, portanto a
“globalização” dava as cartas iniciais, difundindo-se o neoliberalismo e tornando-o
hegemônico como ideologia. Ademais, na década de 1980 houve a reconstituição do Estado
de Direito e o fim da Ditadura Militar que durou 21 anos.
A conjuntura internacional das décadas de 1970/1980 ficou marcada por
transformações significativas. Destaca-se ao final da década de 1970 o segundo choque do
petróleo e a elevação da taxa de juros americana. Na década seguinte houve a crise do México
em 1982 decorrente da falta de recursos financeiros ao país. Portanto, a conversão de excesso
de liquidez para escassez de recursos internacionais fez com que os países dependentes
passassem por um período de estagnação do crescimento, aceleração inflacionária e
exportação de capitais. Diante disso, a conjuntura internacional no início dos anos 1980,
principalmente a partir da crise do México, fez com que houvesse a crise da dívida externa em
diversos países. Isso explica a vulnerabilidade dos balanços de pagamentos de praticamente
todos os países dependentes. Todavia, começava a crise da dívida externa, que se estenderia
por toda a década e adentraria os anos 1990. Conforme destaca Filgueiras (2012, p. 71):
De fato, na década anterior (anos 70), esses países haviam se endividado rapidamente, tomando empréstimos com taxas de juros muito baixas naquele momento, em virtude de grande liquidez no mercado financeiro internacional. No entanto, após o segundo choque do petróleo e a elevação da taxa de juros americana atingir a partir de 1979 – que chegou a atingir 19% ao ano em 1983 -, esses países passaram a sofrer pressões cambiais insustentáveis. Além dos elevados déficits comerciais já existentes, cresceu o montante de juros a ser pago pelos empréstimos internacionais já realizados. Para piorar a situação, ainda mais, desapareceram os recursos financeiros disponíveis, até então, no mercado internacional, inviabilizando a prática usual de renovação dos empréstimos (rolagem de dívidas).
26
Entretanto, a responsabilidade da crise caiu sobre os países dependentes, pois o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o sistema financeiro internacional desconsideraram as
circunstâncias econômicas que levaram à situação desses países, ou seja, tudo se resumiu
apenas a erros de avaliação e de política econômica dos “gestores” desses países
(FILGUEIRAS, 2012). Não obstante, o FMI passa a fazer uma defesa explícita dos interesses
do capital financeiro internacional, ou seja, recomenda aos países dependentes acordos
econômicos e políticos extremamente rígidos, a fim de garantir os empréstimos feitos a esses
países.
Assim, as condicionalidades formuladas pelo FMI aos países devedores foram
duríssimas, acarretando um conjunto de metas que determinavam taxas de inflação, déficit
público, exportações e importações, taxas de juros, câmbio etc.
Contudo, para solucionar o problema - conhecido como o ajuste monetário no
balanço de pagamentos – era preciso reduzir a demanda interna por meio da redução dos
gastos do Estado, fazendo com que a queda da atividade econômica diminuísse as
importações. Por sua vez, isso era feito pelo controle das necessidades de financiamento do
setor público e da elevação das taxas de juros, em paralelo com o estímulo às exportações
decorrentes da desvalorização das moedas dos países dependentes. Além disso, o arrocho
salarial e os subsídios creditícios e fiscais geraram uma espécie de competitividade espúria
dos produtos.
Conforme explicita Filgueiras, o resultado dessa política seria: “[...] a geração de
superávits crescentes das balanças comerciais dos países periféricos, que possibilitassem
compensar os déficits históricos e estruturais das suas balanças de serviços e, assim, dispensar
a entrada de novos recursos, ou mesmo pagar parte do principal de suas dívidas”
(FILGUEIRAS, 2012, p. 74).
Em particular, o Brasil teve um período de estagnação que durou quase toda a
primeira metade da década de 1980. Destaca-se que tivemos PIB negativo de -4,3% e -2,9%
em 1981 e 1983, respectivamente, conforme se vê na Tabela 1.
Tabela 1 – Inflação, PIB e taxa de investimento nos governos Figueiredo e Sarney
Ano Inflação Taxa de Crescimento do PIB (em%) Investimento Interno Bruto Governo
1980 100,2 9,3 22,9
1982 109,9 -4,3 24,3
1982 95,4 0,8 23,0 Figueiredo
27
1983 154,5 -2,9 19,9
1984 220,6 5,4 18,9
1985 225,5 7,8 18,0
1986 142,3 7,5 20,0
1987 224,8 3,5 23,2 Sarney
1988 684,5 -0,1 24,3
1989 1320,0 3,2 26,9 Fonte: Conjuntura Econômica – FGV (1999 apud FILGUEIRAS, 2012, p. 75).
A abrupta elevação da inflação que saiu de 100% em 1980 para 1320% em 1989 não
estava prevista formalmente nos acordos com o FMI – a abrupta elevação foi fruto das
próprias políticas recomendadas. Entretanto, as desvalorizações cambiais elevaram os preços
internos devido ao encarecimento das importações que, por sua vez, estimularam uma espiral
inflacionária, pois os agentes econômicos indexaram seus rendimentos ao dólar.
A ineficácia dos programas do FMI para estabilizar a economia brasileira, naprimeira metade dos anos 80, era vista como prova cabal de que a inflação brasileira não era resultado de um sobreaquecimento da demanda em relação à estrutura da oferta. A inflação seria resultado, primordialmente, de cláusulas deindexação que a perpetuavam ao longo do tempo (CASTRO, 2011, p. 103).
Ainda, a dívida pública cresceu, em função dos grandes superávits comerciais
promovidos pela política formulada pelo FMI, de tal forma que os governos do período
compravam dólares dos exportadores por meio da emissão de títulos do Tesouro Nacional ou
do Banco Central com taxas de juros altas e prazos de resgate curtíssimo. Portanto, ampliava-
se, segundo Filgueiras, uma espécie de “ciranda financeira” que afetou as contas públicas.
Embora não houvesse êxito nos planos de estabilização, sem ser em curto período de
tempo, pois a inflação média no período de 1984-1989 foi de 471,7% ao ano, no período que
compreende 1985-1989 a expansão acumulada do produto fora de 24% (CASTRO, 2011).
Deve-se salientar, ainda, que os indicadores de investimento e comércio exterior foram
melhores do que na primeira metade da década de 80.
As políticas recomendadas pelo FMI geraram impactos negativos que perpassaram
os anos 1980, resultando nos diferentes planos de estabilização, começando pelo cruzado em
1986. Todavia, os anos 1980, conhecidos como a “década perdida”, ficaram caracterizados
pela estagnação econômica por não haver crescimento do PIB per capita, além de taxas de
inflação significativamente elevadas (FILGUEIRAS, 2012).
28
Cabe destacar que, ao final dos anos 1980, as políticas com viés ortodoxo e
heterodoxo fracassaram no combate à inflação em razão de uma série de fatores subjetivos e
objetivos, além das condições internacionais desfavoráveis. A ideia de inflação inercial foi
importante para compreensão da inflação crônica na América Latina, porém não foi suficiente
para conter a inflação, assim como o congelamento dos preços.
Portanto, nos anos 1990 o liberalismo já tinha expressividade em boa parte da
América Latina, entretanto, no Brasil, ganha força com o Governo Collor. De tal modo que o
discurso liberal radical, incluindo a abertura da economia e intensificação das privatizações,
consagra o que podemos denominar a “era liberal” no Brasil.
A condição que permitiu tal postura adveio da gravidade da crise econômica, pois o
país estava beirando hiperinflação, além de que o discurso heterodoxo já estava saturado por
boa parcela da população. Diante disso, surge alguém que se diz da “nova política”, um
“outsider” dos empresários com amplo apoio da classe dominante.
Com a Medida Provisória n. 168, de 16/03/1998, surge o Plano Collor. Este
caracteriza-se por ser um programa de estabilização em conjunto com um modelo de mudança
estrutural de longo prazo. Constituiu-se, assim, de reforma monetária, ajuste fiscal e a
liberalização do comércio exterior com uma nova política cambial (FILGUEIRAS, 2012). No
entanto, a reforma monetária fez-se pela substituição do Cruzado Novo pelo Cruzeiro. Assim,
preços e salários foram convertidos ao par, além de um rígido controle da liquidez da
economia. Portanto, tomou-se uma medida inédita na história econômica brasileira, o confisco
da poupança. Segundo Filgueiras (2012, p. 87):
A totalidade do confisco dos ativos financeiros do país foi atingida por um confisco – que reduziu a liquidez da economia de 25% para 10% do PIB – que seguiu a seguinte regra: dos depósitos à vista e da poupança, os titulares das contas puderam sacar um limite máximo de Cr$ 50 mil e, das demais aplicações, um limite máximo de Cr$ 25 mil ou 20% do total – prevalecendo o que fosse maior. Esses recursos foram bloqueados em conta no Banco Central por 18 meses, rendendo correção monetária e mais 6% ao ano, sendo liberados, a partir de 16 de setembro de 1991, em 12 parcelas mensais. Durante 180 dias foi permitida a transferência de valores entre contas (devedores/credores) para pagamentos e o cumprimento de contratos.
As privatizações consolidam-se como elemento principal no projeto do Governo
Collor. Tal fato
[...] provou ter metas muito mais otimistas em termos de receita e cronograma, do que se verificou na prática. Nos governos Fernando Collor e Itamar Franco (1990-94) foram privatizadas 33 empresas federais (as empresas estaduais só entraram no programa posteriormente). Os principais setores foram o de siderurgia, petroquímica
29
e fertilizantes. O total de receitas obtido foi de US$8,6 bilhões, com transferência para o setor privado de US$3,3 bilhões em dívidas (CASTRO, 2011, p. 137).
Tratando-se das reformas, a agenda do governo Collor não se limitou às
privatizações, pois as políticas de comércio exterior também ajudaram no aprofundamento da
dependência econômica, dada a mudança da estrutura produtiva brasileira. Assim, adoção do
câmbio livre serviu para acelerar o programa de liberalização das importações, o mesmo teve
início ao final da década de 1980. Ainda, de acordo com Castro (2011, p. 137):
Assim, no governo Collor, foram extintas as listas de produtos com emissão de guias de importação suspensa (o chamado “Anexo C”, que continha cerca de 1.300 produtos) e os regimes especiais de importação (exceto Zona Franca de Manaus, drawback e bens de informática).
Além disso, houve a reforma tarifária em que todos os produtos teriam reduções
graduais ao longo de quatro anos, atingindo uma alíquota modal de 20%, sendo o intervalo de
variação de 0 a 40%, conforme se vê na Tabela 2.
Tabela 2 - Alíquotas de Importação de Setores Selecionados — 1990-1994 (em %)
199
0199
1199
2199
3199
4
Tarifa média 32,2 25,3 21,2 17,1 14,2
Tarifa modal 40,0 20,0 20,0 20,0 20,0
Desvio-padrão 19,6 17,4 14,2 7,9 7,9
Setores selecionados
Insumos industriais básicos 12,6 8,3 6,1 4,8 4,3
Bens de capital 36,0 29,2 25,0 21,0 19,3
Veículos de passageiros 85,0 59,3 49,3 39,3 34,3
Peças e acessórios de bens de capital 34,0 27,8 24,3 20,9 19,1Peças e acessórios de equip.
transport. 39,0 31,5 26,3 21,2 18,6
Outros 51,2 40,7 33,5 25,7 19,3Fonte: Horta et al. (1992 apud CASTRO, 2011, p. 138)
Diante disso, verificou-se um acentuado crescimento das importações, contribuindo
ainda mais para a redução da capacidade produtiva brasileira. Assim, como resultado:
As importações aumentaram continuamente (12,6% em média) ao longo de todo o período. No início do período, porém, é razoável crer que a própria abertura fosse
30
um incentivo, sobretudo para a reposição de bens de capital, após anos sem investimentos significativos. A importância desse fator se tornou maior com o passar do tempo. Como visto anteriormente, a tarifa média de importação caiu de 32,2% para 14,2%. Somado a isso o efeito provocado sobre as compras externas pelo crescimento do produto (a partir de 1993), as importações cresceram, em 1994, para um patamar 60% superior ao vigente em 1990. As importações de bens de capital, cuja alíquota média sofreu um corte de 16,7 pontos percentuais, aumentaram em 91,4% no mesmo período, enquanto os gastos com a aquisição de automóveis importados passaram de US$31 milhões, em 1990, para US$1,6 bilhão, em 1994 (CASTRO, 2011, p. 157).
No aspecto fiscal, o objetivo era a obtenção de um superávit operacional nominal de
2% do PIB, sendo feito através de ajuste fiscal que chegaria a 10% do PIB. Desse modo,
acarretou-se em corte de gastos públicos, elevação da carga tributária (política contrária ao
que prega o discurso neoliberal), venda de ativos da União e na privatização de empresas
estatais, sendo estas concretizadas pelos Certificados de Privatizações (CPs), que foram
compulsoriamente adquiridos pelos bancos. No entanto, eliminou-se o regime de câmbio fixo
e adotou-se o câmbio flutuante (FILGUEIRAS, 2012).
Entretanto, como em todos os governos de natureza heterodoxa, o resultado do Plano
Collor foi uma abrupta queda da inflação. Aliado às políticas neoliberais, o custo disso foi
uma profunda recessão – gerando uma queda no PIB de 4% em 1990, aumento do
desemprego e redução do salário real dos trabalhadores. Todavia, a inflação voltou mais
adiante com a remonetização da economia, gerando um cenário de instabilidade institucional.
Todavia, vemos que a indexação é a causa principal, isto é:
Na medida em que se instituíram os mais variados mecanismos formais e informais
de indexação, o componente inercial da inflação institucionalizara-se de tal forma
que, independentemente da existência de choques inflacionários, a inflação passada
era simplesmente projetada para o presente, perpetuando-se. Desse modo, o
processo inflacionário brasileiro tornara-se um fenômeno autônomo, que não era
causado por excesso de demanda ou por choques negativos de oferta, mas, sim, pela
indexação de preços e rendimentos [...] (MODENESI, 2005, p. 304)
Com o impeachment de Collor e a chegada de Itamar Franco, a continuação do
projeto liberal parecia desacelerar, pois o perfil político do novo presidente era antiliberal.
Aliadas a isso, as forças políticas que sustentavam Collor já estavam fragilizadas. Não
obstante, ocorreu o contrário da expectativa, aumentaram-se as privatizações que sofreram
modificações em algumas regras (FILGUEIRAS, 2012). Segundo Castro, o desempenho do
PIB e da indústria, como resultado das políticas neoliberais, foram prejudiciais ao mercado
interno:
31
[...] o sequestro de liquidez realizado no Plano Collor I (1990) gerou uma forte retração na economia (-4,3%), particularmente na indústria (queda de 8,2%). Após um modesto crescimento em 1991, o PIB voltou a cair (-0,5%) em 1992, em função da crise instalada no país com o processo de impeachment do presidente. Se não fosse o bom desempenho da agropecuária em 1992 (4,9%) o resultado teria sido pior. Vale ressaltar que a retração da indústria no Plano Collor I (1990) se deu em todas as categorias, mas foi especialmente forte no setor de bens de capital, que só veio a se recuperar em 1993. O crescimento dos juros reais provocou, por sua vez, uma forte contração nas vendas de bens de consumo duráveis. Em 1992, essa categoria apresentou uma queda de nada menos que 13% em relação ao período anterior (CASTRO, 2011, p. 155).
Em resumo, entre 1990 e 1994, o crescimento médio anual do PIB foi o inexpressivo
1,3%, ainda, tivemos uma inflação anual média que chegou a 1210%. Em relação ao
comércio exterior, as exportações tiveram crescimento de 4,8%, enquanto as importações
cresceram a uma taxa de 12,6%, contrastando a liberalização econômica do período. Por sua
vez, a participação da formação bruta de capital fixo (FBCF) no PIB foi de 19,5%, ou seja,
reduziu-se em relação à segunda metade da década anterior (1985-1989), saindo de uma
média de 22,5% para uma média de 19,5% (CASTRO, 2011), conforme demonstra a Tabela 3
a seguir.
Tabela 3 - Economia Brasileira: Síntese de Indicadores Macroeconômicos — 1990-1994(médias anuais por período)
1990-1994
Crescimento do PIB (% a.a.) 1,3
Inflação (IGP dez/dez, % a.a.) 1210
FBCF (% PIB a preços correntes) 19,5
TX. de cresc. das exportações de bens (US$ correntes, % a.a.) 4,8
TX. de cresc. das importações de bens (US$ correntes, % a.a.) 12,6
Balança comercial 12,1
Saldo em conta corrente -0,3
Dívida externa líquida/Exportações de bens 3,2Fonte: Castro (2011, p. 158).
O desgaste da política liberal no período abriu espaço para as forças de esquerda,
tendo o candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, notoriedade no
período. De um lado estavam as forças conservadoras identificadas com o governo Collor e
sua política liberal, representado por Maluf e, do outro, estava Lula com um projeto ainda não
testado. A polarização do período não satisfez as forças políticas conservadoras e o grande
empresariado. Assim, buscou-se uma “terceira via”. Esta começou a se desenhar com
32
Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o Ministério da Fazenda, em 1994 e,
consequentemente, candidatando-se à Presidência da República (FILGUEIRAS, 2012).
De acordo com Filgueiras, FHC daria continuidade à política neoliberal desenvolvida
por Collor:
Cardoso já havia optado pelo projeto de modernização neoliberal, a partir de uma colonização de forças políticas conservadoras e de centro-direita, desde 1991, ainda no desenrolar do Governo Collor – assumindo, e aceitando, como fato consumado as relações de poder e dependência internacionais próprias da globalização financeira (FILGUEIRAS, 2012, p. 91).
No cargo de Ministro da Fazenda, sendo responsável pela adoção do Plano
econômico que acabou com a inflação – conhecida como o “mal da nação” -, fez com que
ganhasse apoio do grande capital e se consolidasse como a “terceira via”.
Gráfico 1 - Comportamento da inflação mensal – IGP-DI – 1985-1996 (%)
Fonte: FGV (apud CASTRO, 2011, p. 156).
Portanto, a partir de 1º de julho de 1994, depois de implementada a nova moeda, a
candidatura de FHC avançou com bastante popularidade. Assim, chega às eleições com o
seguinte cenário: inflação em Real próxima a zero, crescimento da atividade econômica,
poder aquisitivo dos salários mantidos desde a implantação da Unidade de Referência de
Valor (URV) e o fim do imposto inflacionário às camadas de baixa renda, além de
comprarem com mais facilidade à prestação. Estando no governo, a manutenção da inflação
baixa e decrescente foi determinante para sua sustentação e capacidade de ação política em
33
benefício das frações da classe dominante. Em síntese, o Plano Real consagrou mais uma vez
a derrota das forças de esquerda, retomando o projeto liberal desde os tempos do governo
Collor (FILGUEIRAS, 2012). Por conseguinte, adentraremos à formulação do plano e suas
principais políticas.
3.3 A FORMULAÇÃO DO PLANO
Diante do avanço do neoliberalismo pelo mundo, a partir dos anos 1970, a
elaboração do Plano Real deu-se por duas vertentes. A primeira está associada ao Consenso
de Washington, que formulou para a América Latina políticas neoliberais que guiaram os
rumos das sociedades e economias. Nos lugares em que foi implantado o plano verificou-se
um roteiro: combate à inflação, através da dolarização da economia e valorização das moedas
nacionais, além da necessidade de um profundo ajuste fiscal das economias. Por sua vez, a
segunda vertente está associada à experiência com o Plano Cruzado, de tal maneira que os
debates que ocorreram a respeito da natureza da inflação inercial foram de suma importância
para elaboração do Plano Real. Ressalta-se a disputa de uma “moeda indexada” em
contraponto com o “choque heterodoxo”. No entanto, o próprio esforço na condução da
política de estabilização do Cruzado indicou quais os métodos e procedimentos que deveriam
ser descartados (FILGUEIRAS, 2012).
Para Filgueiras, as experiências trazidas pela implantação do Plano Cruzado e seus
resultados trouxeram os seguintes aprendizados:
a) a inflação brasileira não era apenas inercial e a fragilidade financeira do Estado se constituía num dos seus componentes fundamentais;b) a passagem abrupta de todos os preços e salários para a nova moeda num determinado dia “D” traz consigo as pressões inflacionárias já presentes na velha moeda – ao sancionar o desalinhamento de preços relativos previamente existentes e detonar a retomada do conflito distributivo na nova moeda;c) a remonetização da economia e o consumo se aceleram com a queda da inflação nos primeiros meses da nova moeda – implicando a necessidade de uma política monetária que estabeleça taxas de juros mais elevadas; ed) o salário real médio do conjunto da economia, em relação àquele que prevalecia anteriormente, pode crescer e pressionar o consumo a curto prazo etc. (FILGUEIRAS, 2000, p. 100).
Ainda, devemos nos ater às circunstâncias favoráveis presentes na época, as quais
são fundamentais para qualquer plano de estabilização. Pode-se destacar a elevada liquidez do
sistema financeiro internacional, reservas em divisas estavam no patamar de U$ 40 bilhões,
dando folga para uma possível especulação contra a nova moeda. Além disso, o país tinha
34
um saldo elevado na balança comercial e crescimento do fluxo de capitais estrangeiros,
garantindo o nível das reservas e, contudo, as importações. Soma-se a isso uma safra de 76
milhões de toneladas de grãos (FILGUEIRAS, 2012).
Em relação ao aspecto do regime fiscal, o consenso no Plano Real foi de que era
preciso implementar uma série de reformas estruturais na economia brasileira para se
conseguir uma estabilização consistente. Tal consenso resultou na concepção do novo regime
fiscal brasileiro. Diante disso, com essa nova concepção o país precisava se mostrar
comprometido com as políticas estabilizantes com o objetivo de ganhar a credibilidade do
mercado na manutenção de tal regime.
No entanto, a administração da política fiscal exigiria uma institucionalidade sólida a
fim de gerar um superávit primário necessário ao equilíbrio nas contas públicas e garantir o
Novo Consenso em Macroeconomia (NCM). Isto é, “O Plano Real se propôs a redesenhar o
aparato institucional e a formar um regime fiscal que atendesse às demandas tanto do ideário
neoliberal quanto dos pressupostos da teoria macroeconômica dominante, do NCM”
(SANTOS e LOPREATO, 2016, p. 9).
A partir dos anos de 1990, a base teórica adotada no Brasil para condução da política
macroeconômica refere-se ao NCM. Este, também chamado de Nova Síntese Neoclássica, faz
a junção das principais correntes do pensamento ortodoxo no debate macroeconômico a partir
dos anos 80. Desse modo, trata-se como consenso por utilizar das contribuições da escola
Novo-Clássica, além das críticas e propostas dos Novos Keynesianos. Assim, no consenso
considera-se a otimização intertemporal e as expectativas racionais nos modelos
macroeconômicos dinâmicos, relacionando-se com a concorrência imperfeita e rigidez de
preços e salários (SANTOS e LOPREATO, 2016).
Portanto, neste regime “[...] as ações da política fiscal ficam submetidas ao
comportamento daquelas variáveis que influenciam a trajetória da dívida e à volatilidade dos
fluxos internacionais de capitais, fruto da avaliação do mercado sobre o risco de determinado
país” (SANTOS e LOPREATO, 2016, p. 7).
Todavia, o Plano Real consistiu em três fases diferentes e sucessivas para sua
implantação, sendo: o ajuste fiscal, a criação da URV e a instituição de uma nova moeda (o
Real). O entendimento dos mecanismos de cada fase e seus momentos de transição de uma à
outra é de suma importância para compreender a lógica interna do plano e como o mesmo
está vinculado ao projeto neoliberal.
A URV foi embrião da nova moeda, por ser considerada como um superindexador,
de tal maneira que a variação em cruzeiros reais era determinada por uma espécie de “banda”
35
formada por três outros índices (o IGPM da Fundação Getúlio Vargas, o IPCA do IBGE e o
IPC da FIPE/USP). De acordo com Filgueiras:
Na verdade, contudo, ela foi muito mais do que um “superindexador”, ela foi o embrião da nova moeda, ou uma espécie de moeda incompleta, pois, embora não se constituísse, ainda, em meio de pagamento e reserva de valor, cumpriu uma das três funções de qualquer moeda, qual seja: a de ser unidade de conta (FILGUEIRAS, 2012, p. 104, grifos do autor).
A URV foi significativa para a transição das moedas, pois não deixou que os agentes
econômicos sentissem de forma rápida e com desconfiança a nova moeda, como ocorreu nos
planos anteriores utilizando-se de congelamento de preços e salários. Dessa forma,
possibilitou a transição gradual de todos os preços e salários de Cruzeiro Real para URV, de
forma induzida, por meio da fixação de preços, tarifas e contratos públicos em URV. Esta
teria como objetivo apagar o componente inercial da inflação, isto é, serviria para alinhar os
preços relativos, fazendo com que a criação da nova moeda não fosse contaminada pela
inflação antecedente relacionada à velha moeda.
O ex-ministro da fazenda, Gustavo Franco, deixa claro o papel central das políticas
de juros e câmbio e como a URV não estava bem estruturada, maneira pela qual foi preciso a
intervenção por aumento de juros e sobrevalorização do câmbio.
Apesar de bem-sucedido, o processo de reengenharia da moeda, por meio da URV, estava construído sobre bases fiscais extremamente precárias, e as remarcações de preços nas vésperas da entrada em vigor da nova moeda foram fortíssimas. A partir de 1º de julho, a URV ficaria para trás, e o destino do Real passaria a depender dos nossos próximos movimentos. Qual seria a inflação do primeiro mês, já na nova moeda, qual o grau de desindexação posterior, tudo isso ia depender da atuação do Banco Central, em particular das políticas de juros e câmbio (FRANCO, 1999, p. 274).
No tocante aos salários, adotou-se a passagem compulsória dos mesmos, ou seja,
com base na média do salário real vigente no período imediatamente anterior. Diante disso,
considerou-se o salário real vigente dos últimos quatro meses. Contudo, o salário real de cada
mês fora calculado dividindo o salário nominal respectivo pelo valor da URV do último dia
do mês (FILGUEIRAS, 2012).
A fase final do plano deu-se com a introdução da nova moeda em 1º de julho,
ocorreu pela transformação da URV em Real. Neste período, a moeda vigente – Cruzeiro
Real – valia CR$2750,00, de tal maneira que a conversão foi feita de 1 URV = R$1.
36
Denominou-se assim a conversão de “âncora cambial”. Isso foi possível com a garantia das
reservas em dólar acumuladas desde 1993.
O combate à inflação com crescimento econômico e aumento do emprego, dada a
passagem para a nova moeda, pode ser resumida nas seguintes políticas: abertura da
economia às importações, devido à queda das alíquotas do imposto de importação; quebra das
barreiras para a entrada de capitais estrangeiros no mercado financeiro, sendo atraídos por
elevadas taxas de juros; e câmbio nominal e real em queda.
No aspecto cambial, houve uma sobrevalorização do real devido à não intervenção
do Banco Central no mercado de câmbio, gerando-se uma deflação dos preços de bens e
serviços relacionados ao dólar. No entanto, essa estratégia viabilizou-se graças à política de
juros altos, fazendo com que entrasse um elevado fluxo de capitais de curto prazo.
Assim, pode-se notar através do gráfico a seguir o longo período de real apreciado,
fazendo com que prejudicasse nossa base produtiva nacional e beneficiasse o mercado
externo com a compra de produtos com alta sofisticação tecnológica.
Gráfico 2 - Taxa de câmbio comercial entre 1992 a 2002.
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 20020,0000
0,5000
1,0000
1,5000
2,0000
2,5000
3,0000
3,5000
4,0000
Taxa de câmbio comercial - R$/US$ 1992-2002
Fonte: elaboração própria, Banco Central (2020).
Além disso, existia um elevado nível de reservas correspondentes a 18 meses de
importações, considerando-se as médias mensais dos 12 meses anteriores a julho de 1994,
alcançando em 1994 US$ 40,5 bilhões no conceito de caixa. Cerca de 70% do montante das
reservas acumulou-se quando FHC era Ministro da Fazenda (FILGUEIRAS, 2012). Adiante,
veremos como a inflação atinge as classes sociais de maneira distinta.
37
3.4 A INFLAÇÃO E O CONFLITO DE CLASSE
Perante uma sociedade dividida em classes, é de suma importãncia tratar a inflação e
seus efeitos para as diferentes camadas da população, pois a mesma não atinge a todos
uniformemente. Evidente que tal tema não passa nos meios de comunicação e noticiários
econômicos de forma abrangente, portanto, procuraremos salientar sobre o mesmo.
Primeiramente, é importante ressaltar que a inflação não é um mal por si mesma,
porque se todos os preços da economia subirem de forma homogênea seu efeito seria nulo. A
questão relevante está na medida em que os preços afetam de forma diferente as classes
sociais e suas frações, gerando um processo de transferência de riqueza.
Numa conjuntura de inflação crônica e perda de poder de comprar da maior parte da
população, a inflação torna-se uma ameaça para o modo de produção capitalista. Isso pode
acarretar o confisco da riqueza dos cidadãos, sendo que atinge as classes sociais de modo
distinto, empobrecendo muitos e enriquecendo uma parcela reduzida da população. No
entanto, a parcela reduzida é chamada de “especuladores”. Para Keynes, essa parcela
demonstra indiferença, assim como um sentimento de injustiça no que diz respeito à
distribuição de riqueza e renda. Isso não é por acaso se considerarmos que é por meio da
inflação que os especuladores obtêm lucros acima do normal e de suas expectativas. Diante
disso, o processo inflacionário ameaça a ordem capitalista na medida em que o descrédito ao
sistema aumenta. Portanto, no processo de produção numa economia monetária, a classe
empresarial é forçada a sempre assumir uma posição especulativa (KEYNES; KALECKI,
1978).
Esses “especuladores”, falando em sentido amplo, são a classe empreendedora dos capitalistas, isto é, o elemento ativo e construtivo do conjunto da sociedade, o qual, num período de preços rapidamente ascendentes, não pode deixar de enriquecer, queira ou não. Se os preços crescem continuadamente, todo negociante que formou estoques ou que tem propriedade ou fábrica inevitavelmente realiza lucros (KEYNES; KALECKI, 1978, p. 3, grifo dos autores).
Para Keynes, os capitalistas protegem-se muito melhor em um período inflacionário,
tendo em vista que podem aumentar preços e manter sua taxa de lucro. Além disso, a procura
por investimentos atrelados à inflação, principalmente no mercado financeiro atual, faz com
que boa parcela dos capitalistas não sofram com a elevação dos preços e percam sua riqueza,
ao contrário da maioria dos trabalhadores.
38
Segue-se, portanto, que uma variação no valor do dinheiro, isto é, no nível dos preços, só é importante para a sociedade na medida em que sua incidência seja desigual. Tais mudanças produziram no passado, e agora produzem, as mais amplas consequências sociais, pois, como sabemos, quando muda o valor da moeda, ele não muda igualmente para todas as pessoas e para todas as finalidades. Os ganhos e as despesas de um homem não são todos modificados numa proporção uniforme. Assim, uma alteração nos preços e nos ganhos, medida em dinheiro, geralmente afeta diferentes classes desigualmente, transfere riqueza de uma para outra, produz aqui a opulência e ali necessidade, e redistribui os favores da Fortuna de tal forma que se frustra o desígnio e se desaponta a esperança (KEYNES, 1983, p. 292).
Ainda, o capitalista pode se beneficiar do lucro inflacionário se tiver estoques
significativos, pois na maior parte dos casos compra-se o mesmo antecipadamente. Isto é, na
medida em que se elevam os preços, os empresários acabam ficando com o excedente dos
“melhores preços”. De acordo com Keynes (1983, p. 297):
Contudo, durante o período de mudança, enquanto os preços estão subindo mês após mês, os empresários têm uma nova e maior fonte de ganhos extraordinários. Comerciante ou industrial, ele geralmente comprará antes de vender, e, ao menos em relação a uma parte de seu estoque, correrá o risco de alterações nos preços. Se, portanto, mês após mês, o estoque se valorizar em suas mãos, ele estará sempre vendendo a preços melhores do que os esperados, e assegurando um ganho extra que não foi calculado. Em tais períodos, os negócios do comércio se tornam injustificadamente fáceis. Qualquer um que seja capaz de tomar dinheiro emprestado, e que não seja excepcionalmente azarado, pode obter lucros que em termos de valor real, não somente não representa qualquer juro mas, além disso, é até inferior ao capital originalmente adiantado.
A inflação, a despeito dos impactos negativos citados, não prejudica as posições dos
bancos porque é por meio da conjuntura inflacionária que propicia aumento da margem dos
mesmos. Explica-se pelo fato dos ativos reais da sociedade estarem na forma monetária - os
proprietário da riqueza têm direitos em dinheiro, e não em ativos reais. Não obstante, uma
parte considerável dessa atividade financeira passa pelos bancos, cabendo a estes a
intermediação entre os depositantes e os clientes, os quais são tomadores de recursos.
Portanto, os ativos financiados pelo sistema bancário se valorizam e, por consequência,
possibilitam o aumento nas margens dos bancos num momento de alta geral nos preços.
Keynes, referindo-se a Lênin, ressaltou o papel da inflação e sua ameaça para o
modo de produção capitalista.
Lênin, segundo se diz, declarou que a melhor maneira de destruir o sistema capitalista é desmoralizar a moeda. Por um contínuo processo de inflação, os governos podem confiscar, de modo secreto e despercebido, parte importante da riqueza de seus cidadãos. Com este método, eles não apenas confiscam, mas confiscam arbitrariamente; e, enquanto o processo empobrece a muitos, de fato enriquece a alguns. A visão desse arbitrário remanejo repercute não somente na segurança, mas também na confiança quanto à equidade da existente distribuição da
39
riqueza. Aqueles a quem o sistema traz ganhos extraordinários, além de seus merecimentos e mesmo além de suas expectativas e de seus desejos, se tornam "especuladores", objeto do ódio da burguesia — empobrecida pelo inflacionismo — assim como do ódio do proletariado. Na medida em que a inflação avança e o valor real da moeda flutua selvagemente de um mês para outro, todas as relações permanentes entre devedores e credores, que formam o fundamento último do capitalismo, se tornam tão completamente desordenadas que passam quase a não ter sentido; e o processo de aquisição da riqueza degenera em jogo e loteria. Evidentemente Lênin estava correto. Não há meio mais sutil nem mais seguro de revirar a base da sociedade do que corromper a moeda. O processo mobiliza, para a destruição, todas as forças ocultas da lei econômica — e o faz de modo tal que nem mesmo um só homem em um milhão é capaz de diagnosticar (KEYNES,1983, p. 291).
Portanto, o que se pode constatar diante da contribuição de Keynes para
compreensão do impacto da inflação sobre as classes e suas frações é que a própria inflação
surge e se propaga de acordo os interesses das classes dominantes. No entanto, ela irá afetar o
nível de exploração das classes subalternas de acordo com a capacidade organizativa e de
enfrentamento dessas, sendo este um processo inerente ao capitalismo com ou sem inflação.
Todavia, abidica-se da fé de que a inflação é o principal mal a ser combatido para atender os
interesses das classes populares.
A seguir, depois de analisarmos as características do plano e sua formulação,
mostrar-se-à os resultados e críticas inerentes ao mesmo.
3.5 PLANO REAL, SEUS RESULTADOS E CRÍTICAS
A redução da inflação foi alcançada com êxito, sendo consenso entre todos. Porém, a
trajetória para alcançar a estabilidade de preços aprofundou desequilíbrios estruturais que já
existiam anteriormente, assim como desencadeou novos. Esses desequilíbrios puderam ser
vistos pelo explosivo crescimento dos déficits da balança comercial. Verificou-se que a
abertura da economia e a sobrevalorização do Real explodiu as importações e tirou a
competitividade das exportações.
Analisando a inflação, de acordo com o que já foi explicitado, em qualquer índice
de preços que analisarmos constata-se a redução profunda. Pode-se verificar a tendência de
queda até 1998, conforme Tabela 4.
Tabela 4 - Variação anual de preços 1990-1998 (%)
ANO ÍNDICE
IGP-DI IPA-DI IPC-DI IPC-FIPE ICV
40
1990 2739,70 2734,70 2938,10 2902,4 3256,80
1991 414,70 404,70 440,80 410,6 458,70
1992 991,40 976,90 998,00 965,2 980,70
1993 2103,70 2065,40 2169,60 1920,4 2054,80
1994 2406,80 2279,00 2668,50 2502,5 2782,40
1995 67,50 58,80 81,60 76,8 102,40
1996 9,34 8,09 11,34 10,04 13,18
1997 7,48 7,78 7,21 4,83 6,11
1998 1,70 1,51 1,66 -1,79 0,47Fonte: FGV, FIPE e DIEESE (apud FILGUEIRAS, 2000, p. 155).
Necessitando de elevados níveis de reservas, a abertura econômica e a âncora
cambial sustentaram-se por altíssimas taxas de juros, acarretando na fragilização de todas as
outras variáveis econômicas, com exceção da inflação. As taxas de crescimento foram
ínfimas, com períodos de estagnação e recessão, levando ao aumento das taxas de
desemprego devido ao fechamento de postos de trabalho na indústria e insuficiente
crescimento do comércio e serviços, dado que a população economicamente ativa cresceu
com a entrada de 1,5 milhão de novas pessoas no mercado de trabalho. Para ocorrer tal
absorção o crescimento do PIB teria que ser entre 6% e 7% ao ano (FILGUEIRAS, 2012).
Em relação às finanças do Estado, o déficit público operacional–nominal elevou-se
explosivamente, embora houvesse superávits primários, decorrente dos juros altíssimos. De
acordo com Nildo Ouriques (1997, p. 12):
En 1994 se estableció en Brasil un pacto de clase conocido como Plan Real. Es un pacto sostenido por los intereses de la banca nacional y extranjera, por el capital productivo nacional e internacional, por los propietarios de tierra y la parte de los sindicatos más fuertes del país organizados por la Central Única de los Trabajadores (CUT). El control de la inflación fue el camino legitimación del plan de estabilización que se basó en elevadas tasas de interés (49,9% en junio de 1994), sobrevaluación de la moneda nacional (0,82 real por 1 dólar) y política fiscal regresiva.
Não obstante, a consequência dessas medidas econômicas foi o aprofundamento da
dependência externa, sobretudo aos capitais de curto prazo. Assim, as dívidas em dólares
aumentaram, pois o setor privado sentiu-se estimulado a captar recursos devido à diferença
entre as taxas de juros interna e externa.
Ao analisarmos o período pré-Real, a balança comercial braasileira teve um saldo
positivo de US$ 60,3 bilhões, correspondente a 85% do déficit na balança de serviços no
mesmo período (US$70,6 bilhões). Por outro lado, depois do crescimento das importações,
41
transformou-se num déficit acumulado de US$ 23,7 bilhões, sendo um déficit na balança de
serviços de US$ 97 bilhões, conforme a Tabela 5 a seguir.
Tabela 5 - Montantes acumulados na conta de transações correntes nos períodos pré e pós-Real (em US$ bilhões)
Discriminação PRÉ-REAL (90-94) PÓS- REAL (95-98)
Balança Comercial 60.3 -23,7
Balança de Serviços -70,6 -97,0
Transferências Unilaterais 8,9 11,0
Saldo -1,4 -100,97Fonte: Banco Central (apud FILGUEIRAS, 2012, p. 152).
O saldo em transações correntes que no período pré-Real acumulou déficit de US$
1,4 bilhão, no período seguinte atingiu o montante de US$ 109,7 bilhões, um impressionante
aumento de 7736% (FILGUEIRAS, 2012). Analisando apenas nos três anos entre 1995-1997,
verifica-se que
[as] importações em dólar aumentaram a uma taxa média de 21,8% a.a. — com destaque para o crescimento de 51% em 1995 — enquanto as vendas ao exterior cresceram apenas 6,8% a.a., em que pese o fato de esses terem sido anos de grande expansão do comércio internacional e nos quais a economia mundial cresceu 4,3% a.a. (GIAMBIAGI, 2011, p. 169).
Na conta de capitais houve um crescimenrto do investimento líquido total de 253%,
quando comparados os dois períodos pré e pós-Real. Além disso, houve aumento de
empréstimos e financiamentos em cerca de 44,1% na comparação entre os dois períodos.
Tabela 6 - Montantes na balança de capitais nos períodos pré e pós-Real (em US$ bilhões)
Balança de Capitais PRÉ-REAL (90-94) PÓS- REAL (95-98)
Investimento Líquido Total 17.443 61.628
Empréstimos e Financiamentos 105.385 151.900
Amortizações -85.456 -87.522
Outros 3.445 -20.291
Saldo 40.817 105.715Fonte: Conjuntura Econômica – FGV (1999 apud FILGUEIRAS, 2012, p. 152).
Ademais, entre 1994-1998 o balanço de entradas e saídas de recursos expressou-se
nos seguintes modos:
42
Em suma, entre 1994 e 1998, os empréstimos e financiamentos atingiram o montante de US$ 169,8 bilhões, os investimentos líquidos diretos aportaram US$ 54,4 bilhões, os investimentos líquidos em portfólio somaram US$ 19,1 bilhões e os outros investimentos estrangeiros totalizaram US$ 3,8 bilhões, resultando numa entrada de capitais no montante total de US$ 247,1 bilhões. No entanto, como houve uma saída de US$ 103,6 bilhões no mesmo período, na forma de amortizações e de investimentos líquidos de brasileiros, o superávit da balança de capitais ficou em US$ 143,5 bilhões, que financiou, no período, os recorrentes e crescentes déficits da conta de transações correntes (US$ 110 bilhões) e ainda possibilitou o crescimento das reservas [...] (FILGUEIRAS, 2000, p. 161).
Diante disso, a dívida externa líquida voltou a aumentar rapidamente ente 1995-
1998, como pode ser visto no Gráfico 2. A mesma saiu de 2,3 vezes o valor da exportação de
bens em 1995, chegando, em 1998, a 3,9 vezes o valor da exportação de bens. Todavia, com a
crise internacional, em 1998, houve uma piora em que se reduziram as exportações brasileiras
naquele ano (GIAMBIAGI, 2014).
Gráfico 3 - Dívida Externa Líquida/Exportações de Bens – 1981-2002
Fonte: Banco Central (apud GIAMBIAGI, 2011, p. 170).
Em relação à dívida pública líquida, aumentou em todos os anos entre 1994-1998.
Isso se deve ao fato da taxa Selic estar elevada, atraindo, por conseguinte, fluxo de capital.
Assim, o crescimento da dívida explica-se porque grande parte dela está indexada à respectiva
taxa. A relação dívida líquida/PIB saiu de 30,4% em dezembro de 1994 para 41,7% em
dezembro de 1998, de acordo com a Tabela 7.
43
Tabela 7 - Relação Dívida Líquida do Setor Público – 1994-1998 (% do PIB)
Período Total* Interna Externa
Dez/94 30,4 21,6 8,8
Dez/95 30,8 25,20 5,60
Dez/96 33,2 29,30 3,90
Dez/97 34,3 30,00 4,30
Dez/98 41,7 35,50 6,20Notas: *Inclui ajuste patrimonial (com privatizações).
Fonte: Ipeadata on-line (apud MODENESI, 2005, p. 333).
Cabe destacar, ainda, que nos anos de 1995-1998 a parcela dos títulos públicos
indexados à Selic, em relação ao total da dívida pública interna, foi de 37,8%, 18,6%, 34,8% e
69,1%, respectivamente (MODENESI, 2005). Adiante, observaremos as reformas do Estado
que vai ao encontro dos interesses do sistema financeiro.
3.5.1 As refomas do Estado
As reformas do Estado constituíram-se numa das dimensões cruciais do plano, assim
como as privatizações, para o aprofundamento do projeto neoliberal. Ainda, fazem parte dessa
dimensão o próprio programa de estabilização e abertura financeira/comercial
(FILGUEIRAS, 2012). Contudo, uma característica implícita no desenvolvimento do Plano
Real é o impacto desigual entre as classes sociais. Ademais, o discurso modernizante das
reformas, emitidos por FHC, esconde seus reais interesses e suas contradições, conforme
demostra Nildo Ouriques (1997, p. 95):
[...] é necessário precisar que o êxito governista que reconhecemos consiste na derrota do movimento sindical e no aumento da exploração da força de trabalho, questão que o governo não admite entre seus objetivos, afirmando o caráter social e distributivo do Plano Real. Por outro lado, o fracasso que indicamos refere-se ao conjunto de contradições criadas para manter o mito da moeda forte e que são insolúveis sem uma desvalorização do Real, realidade que o governo absorveu como sua grande conquista.
Logo, as medidas defendidas não são dignas de apoio da maior parte da população.
Frisar o discurso apenas da moeda em si e, por sua vez, na redução da inflação, mostrou-se
uma estratégia para ocultar os reais interesses, os quais não são nacionais e da maioria da
classe trabalhadora. Assim, ressalta Ouriques (1997, p. 102):
44
Apresentar o Real como uma moeda forte faz parte desta operação política que pretende apoio popular para interesses mais amplos que não podem ser defendidos abertamente na sociedade brasileira. Tem sido uma característica notável de todos os países onde se aplicaram as reformas atuais o fato de as mesmas nunca terem sido defendidas em processos eleitorais de maneira aberta. Mesmo quando, por pressão internacional, foi adotado em vários países o mecanismo da reeleição, as privatizações, as demissões de funcionários públicos, o arrocho salarial, o pagamento religioso da dívida externa e a política de endividamento estatal nunca foram defendidos pelos candidatos-presidentes.
Com relativa facilidade no congresso nacional, aprovaram-se todas as reformas de
ordem econômica já no primeiro ano de mandato. Nesse período, extinguiu-se o monopólio
estatal na área de prospecção, exploração e refino do petróleo. Tal extinção ocorreu, também,
nas telecomunicações e na geração e distribuição de energia. Ainda, mudou-se o conceito de
“empresa nacional” visando possibilitar a igualdade de condições para as empresas
estrangeiras. Aliada a tudo isso, houve a desregulamentação da exploração do subsolo e a
navegação costeira, ou seja, permitiu-se a participação do capital estrangeiro (FILGUEIRAS,
2012).
Por outro lado, as reformas do Estado tiveram mais obstáculos em serem aprovadas.
A reforma fiscal só começou a ser discutida após a crise cambial de janeiro de 1999. Já as
reformas administrativa e previdenciária apenas foram colocadas em pauta ao fim do primeiro
governo FHC.
No tocante à reforma administrativa, o objetivo era a separação das funções próprias
de Estado e as demais funções, possibilitando a terceirização de várias atividades e setores
que atuam na área social. Assim, a estabilidade dos servidores foi identificada como o
obstáculo para a saúde das contas públicas, principalmente de estados e municípios. Diante
disso, aprovou-se a possibilidade de demissão por ineficiência e em caso de excesso de
quadros, se os salários pagos superarem 60% das receitas (FILGUEIRAS, 2012).
Em relação à reforma da previdência, identificada como o motivo principal do déficit
público, inclusive constando no Programa de Estabilização Fiscal de 1998, teve como
objetivos reduzir as aposentadorias especiais, redefinir a aposentadoria proporcional e por
tempo de contribuição, aumentar a contribuição dos ativos e instituí-la para os inativos. Além
disso, estabelecer um teto máximo de benefício para os trabalhadores privados menor do que
o existente, fazendo com que os fundos de pensão privados se desenvolvam (FILGUEIRAS,
2012).
Segundo Giambiagi (2011, p. 182), as reformas principais do período podem ser
resumidas nos seguintes termos:
45
i. Privatização.ii. Fim dos monopólios estatais nos setores de petróleo e telecomunicações.
iii. Mudança no tratamento do capital estrangeiro.iv. Saneamento do sistema financeiro.v. Reforma (parcial) da Previdência Social.
vi. Renegociação das dívidas estaduais.vii. Aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
viii. Ajuste fiscal, a partir de 1999.ix. Criação de uma série de agências reguladoras de serviços de utilidade pública.x. Estabelecimento do sistema de metas de inflação como modelo de política
monetária.
Após o fim das altas taxas de inflação, o sistema financeiro deparou-se com
problemas associados ao desaparecimento das receitas de float (o dinheiro parado em conta
corrente e sem movimentação aplicado pelos bancos), fazendo com que as ineficiências do
setor ficassem expostas. Diante disso, as crises dos bancos Econômico, Nacional e
Bamerindus, além dos casos inicialmente não resolvidos dos bancos estaduais, notadamente
Banespa e Banerj, deu-se entre os anos 1995-1997. No entanto, esses três bancos privados
foram absorvidos por outras instituições financeiras, também privadas. Em busca de “salvar”
o sistema financeiro nacional, o governo lança mão de algumas políticas, que podem ser
compreendidas nos seguintes termos:
(1) instituiu o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), concedendo uma linha especial de assistência financeira destinada a permitir reorganizações societárias no sistema, o que, com um custo fiscal relativamente baixo (estimado em 1 a 2% do PIB), evitou uma crise financeira dramática como a vivida antes no México e depois em países da Ásia e na Argentina; (2) privatizou a maioria dos bancos estaduais, mediante negociações com os governadores; (3) facilitou a entrada de bancos estrangeiros no mercado brasileiro, procurando ampliar a concorrência no setor; (4) favoreceu um processo de conglomeração no setor, que deixou o mercado com menos instituições, porém relativamente mais fortes; (5) ampliou os requisitos de capital para a constituição de bancos; e (6) melhorou substancialmente o acompanhamento e monitoramento do nível de risco do sistema por parte do Banco Central (GIAMBIAGI, 2011, p. 182).
Além do PROER, destaca-se o PROES (Programa de Incentivo à Redução do Setor
Público Estadual na Atividade Bancária), sendo este voltado para os bancos públicos e àquele
aos bancos privados. Assim, o governo federal fazia com que os estados decidissem o
financiamento da totalidade das suas dívidas. Porém, somente se o estado abrisse mão do
controle do banco ou houvesse sua liquidação, senão o financiamento seria apenas da metade
dívida.
46
Dos bancos que foram liquidados ou extintos estão: Banacre (Acre), Banap (Amapá),
Bandern (Rio Grande do Norte), Banroraima (Roraima), Bemat (Mato Grosso), Beron
(Rondônia), Rondonpoup (Rondônia), Caixego (Goias), Minascaixa (Minas Gerais),
Produban (Alagoas), Badesc (Santa Catarina), Bandes (Espirito Santo), BDGoiás (Goias), e
Desembanco (Bahia).
Dentre os bancos que foram privatizados tem os que foram controlados pelos
estados, tais como: Bandepe (Pernambuco), Baneb (Bahia), Banerj (Rio de Janeiro),
Banestado (Parana), Banco do Paraná, Bemge (Minas Gerais), Credireal (Minas Gerais), e
Paraiban (Paraiba).
Aqueles bancos que foram privatizados enquanto controlados pela União estão:
Banespa (Sao Paulo), Banescor, BEA (Amazonia) e BEG (Goias).
Já os bancos que decidiram pelo saneamento sem abrir mão do controle acionário
estão: Banese (Sergipe), Banestes (Espirito Santo), Banpará (Para), Banrisul (Rio Grande do
Sul), Nossa Caixa (São Paulo), BDMG (Minas Gerais), BEC (Ceará), BEM (Maranhão), BEP
(Piauí), e BESC (Santa Catarina).
Todavia, o PROES reduziu a participação pública no setor bancário estadual. Assim,
criou-se através do programa três linhas de crédito (duas destinadas à privatização dos bancos
estaduais e uma voltada a garantir a tomada, por parte dos bancos públicos federais, de
passivos dos bancos estaduais).
Portanto, o argumento de que as reformas garantiriam a racionalização do Estado,
possibilitando um regime fiscal sustentável, aumento da competitividade da economia e
atração de investimento externo não teve êxito. Ademais, serviram apenas para diminuição do
gasto corrente, sobrando dinheiro para o pagamento de juros e amortização da dívida e,
também, para concretização da venda do patrimônio público. Assim, internacionalizou-se
ainda mais a economia, aumentando a dependência externa e garantindo juros elevadíssimos
ao sistema financeiro nacional e internacional.
3.5.2 As privatizações
Deve-se destacar que as privatizações começaram no governo Collor como Programa
Nacional de Desestatização (PND). No entanto, o governo FHC expandiu e acelerou as
mesmas como, por exemplo, a Vale do Rio Doce e os setores de concessão de serviços
públicos que estão relacionados à energia elétrica e telecomunicações.
47
O debate acerca das privatizações é repleto de inúmeras justificativas, porém
destacam-se aquelas de natureza estrutural e conjuntural (FILGUEIRAS, 2012). Em relação à
primeira utilizam-se das seguintes justificativas:
a) ideológica (defesa da livre iniciativa);b) eficiência (as empresas estatais não conseguem se guiar por parâmetros exclusivamente de mercado, pois têm as suas gestões extremamente politizadas);c) mudança dos setores estratégicos (por um lado, não teria mais sentido o Estado permanecer em seguimentos da economia que perderam o seu caráter de vanguarda do ponto de vista tecnológico e, por outro, novos setores, como o de telecomunicações, exigiriam um aporte de recursos e a adoção de novas tecnologias que o Estado não teria condições de arcar);d) amadurecimento e fortalecimento do setor privado (as empresas estatais são de uma época em que as empresas privadas não demonstravam capacidade de investimento, por várias razões, em muitos segmentos da economia; a solução, para que o país não ficasse carente foi a presença do Estado, o que hoje já não é mais necessário); e, por fim,e) evitar o efeito crowding-out (a presença do Estado e das empresas privadas nos mesmos setores pode resultar em desestímulo ao investimento destas últimas nesses setores) (FILGUEIRAS, 2012, p. 112).
Por outro lado, as justificativas do tipo conjuntural estão relacionadas à
“credibilidade política”, à “crise fiscal e à estabilização monetária”, às “limitações de
investimento público e aos efeitos catalizadores e dinamizadores sobre a economia”
(FILGUEIRAS, 2012). As justificativas de Collor para realizar as privatizações deram-se pela
obtenção de recursos para aplicação na área social, modernização do parque industrial e o
resgate da dívida pública. Já o governo FHC também utilizou o argumento do atendimento às
áreas sociais, porém mudou-se o discurso depois de um tempo, dando ênfase à redução da
dívida pública.
[..] a verdadeira âncora do Plano Real tem sido o patrimônio público acumulado nos últimos 50 anos [..]. Esse é o lastro que mantém a credibilidade do programa de estabilização. As reservas cambiais suportariam pouco mais do que alguns meses de déficit em transações correntes, isso na hipótese de indexação de uma onda especulativa contra a moeda (HADDAD, 1998, p. 64).
Em sentido contrário do anunciado, as privatizações não garantiram benefícios para
as finanças públicas como um todo, assim demonstram Gonçalves e Pomar (2000 p. 26):
Segundo o governo federal, de 1991 a 1998 o país teria arrecadado 85 bilhões de reais com as privatizações. Cálculos mostram que – mesmo desconsiderando os preços subavaliados e o impacto social negativo – o governo perdeu pelo menos 87 bilhões de reais com as privatizações. Embora tenha produzido um abatimento contábil na dívida interna, a privatização aumentou a dívida externa e o passivo externo do país. Por exemplo, com os empréstimos contraídos no exterior por empresas privadas que compraram estatais.
48
Analisando a Tabela 8, com dados do BNDES, percebe-se que foram privatizadas, a
partir do PND, entre 1991-1999, cerca de 64 empresas estaduais, as quais renderam US$
28.861 milhões. Desse valor, cerca de 68% foi obtido com a receita das vendas e 32% de
transferências de dívidas. Cabe destacar os principais setores, que são: siderúrgico,
petroquímico, fertilizantes, elétrico, ferroviário, minerais, portuário e financeiro
(FILGUEIRAS, 2012).
Tabela 8 - Resultado do Programa Nacional de Desestatização 1991-jul./99 – US$ milhões
Período Nº de empresasReceita de
vendasDívidas
transferidasTotal
1991 4 1.614 374 1.988
1992 14 2.401 982 3.283
1993 6 2.627 1.561 4.188
1994 9 1.966 349 2.315
1995 8 1.003 625 1.628
1996 11 4.080 669 4.749
1997 4 4.265 3.559 7.824
1998 7 1.574 1.082 2.737
até jul./99 1 49 - 49
Total 64 19.579 9.201 28.861Fonte: BNDES (apud FILGUEIRAS, 2012, p. 114).
Até julho de 1999 as privatizações no Brasil tiveram um montante de US$ 88,3
bilhões (ver Tabela 9), somando-se as privatizações federais (PND + telecomunicações = US$
57.964 milhões) e estaduais (US$ 30.346 milhões) (FILGUEIRAS, 2012).
Assim, constata-se na tabela a seguir o intenso processo de privatizações do
patrimônio público brasileiro:
Tabela 9 - Privatizações – resultados gerais acumulados – 1991 – jul./ - US$ milhões
ProgramaReceita de
vendasDívidas
transferidasResultado
Geral
Telecomunicações 26.978 2.125 29.103
PND 19.660 9.201 28.861
Privatizações Federais (PND + Telecomunicações) 46.638 11.326 57.964
Privatizações Estaduais 24.553 5.793 30.346
Total (Priv. Federais + Estaduais) 71.191 17.119 88.310Fonte: BNDES (apud FILGUEIRAS, 2012, p. 115).
Portanto, pode-se resumir a tabela e o período de privatizações nos devidos termos:
49
No governo Collor, foram vendidas 18 empresas, num total de US$ 4 bilhões, enquanto no Governo Itamar foram privatizadas 15 empresas, num montante de US$ 4,6 bilhões. Como se pode observar, portanto, foi no governo Cardoso que, de fato, as privatizações deslancharam, tornando-se, na prática, elemento essencial do novo projeto de desenvolvimento. Apenas em relação ao PND (US$ 28,9 bilhões), as privatizações no governo Cardoso corresponderam a 70% do total; se incluirmos o setor de telecomunicações (mais US$ 29,1 bilhões), essa participação chega a 85% do valor arrecadado pela União (FILGUEIRAS, 2012, p. 115).
A concentração, a privatização e a desnacionalização do setor bancário demonstra o
modo pelo qual o sistema financeiro ganha mais predominância na economia brasileira,
caracterizando-se pela diminuição dos bancos estaduais (privatizações) e a compra dos bancos
privados nacionais pelo capital externo. Pela criação dos bancos múltiplos e da extinção da
carta patente, o total de instituições bancárias deu um salto de 166 para 273, entre 1988 e
1994.
Porém, esse número reduziu-se para 233, em 1998. Observa-se, também, que os
bancos com controle estrangeiro passaram de 19 a 36 no período de 1994-1998, expressando-
se num aumento significativo aproximadamente 90% (FILGUEIRAS, 2012). Assim, pode ver
na tabela a seguir:
Tabela 10 – Número de Instituições Bancárias
Tipos de Banco Dez/88 Jun/94 Dez/98
Bancos Públicos Federais 6 6 6
Bancos Públicos Estaduais 37 34 24
Bancos Privados Nacionais 44 147 106
Filiais de Bancos Estrangeiros (comerciais) 18 19 16
Bancos com Controle Estrangeiro 7 19 36
Bancos com Participação Estrangeira 5 31 23
Bancos de Investimento 49 17 22
Total do Sistema Bancário Nacional 166 273 233Fonte: Banco Central (apud FILGUEIRAS, 2012, p. 164)
Também houve aumento da participação dos bancos nacionais com controle
estrangeiro no total dos bancos múltiplos com atuação no Brasil. Ao considerarmos o número
de instituições nos totais de créditos, ativos e depósitos e patrimônio líquido houve uma maior
participação dos bancos estrangeiros (tabela 11).
50
Tabela 11 – Bancos nacionais com controle estrangeiro no total dos bancos múltiplos e comerciais
Jun/94 Dez/95 Dez/96 Dez/97 Dez/98
Nº de bancos 7,7 8,3 10.6 13,5 17,7
Créditos 6 6,1 9,5 14,2 18
Ativos 6,4 6,8 9,1 12,6 18,4
Depósitos 6,4 5,3 7 12 15,7
Patrimônio Líquido 5,9 9,5 8,2 12,9 19,5Fonte: Sisbacen (apud FILGUEIRAS, 2012, p. 165)
O enorme programa de privatização promovido por FHC não trouxe resultados
esperados. Do ponto de vista da dívida interna não teve solução, pois não conseguiu impedir
seu crescimento. Além disso, o resultado não foi satisfatório para atração de investimento
direto estrangeiro.
As privatizações não contribuíram para reduzir o “rombo” e as dívidas do Tesouro – totalmente atolado, em 1999, com o pagamento de juros na casa astronômica dos 130 bilhões de reais. Uma quantia impagável, já que é praticamente o valor do todo o orçamento da União em 1999 – excluindo-se a Previdência -, no montante de 160 bilhões de rais. Pior ainda: a política de privatizações tampouco desempenhou o outro papel que se anunciava para ela, a saber, o de criar “novos motores da economia”, com a contratação maciça de encomendas nas indústrias do país, graças aos investimentos gigantescos previstos para as áreas de telecomunicações, energia e, em menor escala, ferrovias – além da área petrolífera. Ao contrário: com a conivência e até incentivos do governo, esses setores vêm realizando importações explosivas “torrando” dólares e ampliando o “rombo” da balança comercial (exportações menos importações). Além disso, os “donos” multinacionais das empresas privatizadas passaram a realizar remessas maciças para o exterior, para seus países, sejam como lucros, dividendos, juros ou até como pagamento de “assistência técnica” ou “compra de tecnologia” de suas matrizes. Em lugar de ajudar a tapar o “rombo” externo, a privatização agravou, e de forma permanente (BIONDI, 2003, p.24).
Portanto, houve uma piora da situação financeira do país, aliado a isso, abateu-se a
crise cambial. Após a desvalorização do real evidenciou-se as condições estruturais de um
país dependente e subdesenvolvido, de tal modo que a fragilização financeira, a
desindustrialização e a internacionalização da economia se intensificaram. Assim, de acordo
com o que foi abordado até então, o aumento da influência do sistema financeiro nacional e
internacional intensificou-se no domínio das políticas públicas e no destino dos interesses
nacionais. Diante disso, a concepção da economia rentista é cada dia mais notória e, por
51
conseguinte, será abordado nos próximos capítulo sua evolução no domínio do sistema da
dívida e nas decisões políticas dos sucessivos governos.
3.6 AS FASES DO PLANO
A abordagem de Filgueiras fraciona o período do governo FHC em 4 fases de flutuações do nível de atividade da economia brasileira.
A primeira, expansiva, compreendeu o período de julho de 1994 a março de 1995; a segunda, recessivo-estagnacionista, que começou em abril de 1995 e foi até março do ano seguinte, a terceira, de retomada do crescimento, compreendida entre abril de 1996 e junho de 1997; e, por fim, a quarta fase, novamente recessivo-estagnacionista, que se iniciou no segundo semestre de 1997 e se prolongou até o final do período aqui considerado (junho de 1999) (FILGUEIRAS, 2012, p. 118).
O período inicial foi marcado pelo acelerado crescimento do consumo, da produção
e do emprego. Os fatores que contribuíram para o aumento da atividade econômica nesse
período deram-se através do aumento das compras a prazo, a baixa remuneração nominal das
aplicações financeiras, a não desindexação imediata dos salários. Desse modo, o consumo
teve alta e o PIB, em 1994, cresceu 5,8%.
No entanto, com a crise cambial mexicana e a derrubada das cotações do dólar, a
contrapartida dessa política de estabilização começou a mostrar seus efeitos. Em 1994, com a
crise cambial no México, evidenciou-se a impossibilidade de os países periféricos
sustentarem o crescimento econômico com uma profunda abertura comercial e financeira,
por meio de uma sobrevalorização da moeda em relação ao dólar. Por isso, o governo elevou
novamente a taxa de juros, a fim de conter a fuga de capitais e sustentar a âncora cambial,
além de outras medidas.
A fim de controlar a situação, que ameaçava desembocar num colapso cambial, o Governo tomou as seguintes medidas adicionais: elevações consecutivas dos depósitos compulsórios dos bancos comerciais no Banco Central, com o crescimento assustador das taxas de juros; redução nos prazos dos consórcios e do número de prestações nas compras a prazo; elevação das alíquotas do Imposto de Importação de mais de cem produtos de consumo durável para 70% - algumas delas, depois por violação das regras da OMC, caíram para 45%; incentivos à exportação e à entrada de capitais especulativos, com a retirada ou diminuição do IOF, e, por último, o estabelecimento de quotas de importação para os automóveis (FILGUEIRAS, 2000, p. 126).
O fim da desindexação do ajuste salarial, que ocorreu em julho de 1995, serviu para
compensar as perdas do capital produtivo. Desse modo, o Plano Real desde o princípio
52
aponta para o aprofundamento da superexploração do trabalho. O desemprego fruto da
política liberal fez com que afetasse ainda mais o salário real dos trabalhadores.
O terceiro período relatado por Filgueiras caracteriza-se pelo crescimento, que é
principalmente estimulado pela redução das taxas de juros. Por causa da estabilidade do
período, a taxa de juros passou a ser reduzida gradualmente. Desse modo, o cenário de
eleições municipais fez com que o governo aumentasse seus gastos e começasse a divulgar a
retomada do crescimento. Assim que a atividade econômica aqueceu, a partir do segundo
semestre de 1996, os déficits na balança comercial voltaram a aparecer. Além disso, a crise
na Àsia e, consequentemente, na Rússia.
Os primeiros sinais da crise começaram no segundo semestre de 1998, mas agravou
ainda mais com a moratória da dívida russa e a desvalorização do rublo. Assim, o governo
para conter as duas crises internacionais aumentou a taxa de juros, que chegou a 49%. Ainda,
concedeu facilidades tributárias ao capital estrangeiro. Em outubro um novo pacote fiscal foi
implementado para o período de 1999 a 2001, chamado Programa de Estabilidade Fiscal, o
qual seria a base do acordo feito posteriormente com o FMI. O programa contemplava metas
para ampliação do superávit primário, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), etc.
Os objetivos dessa política, mais uma vez, foram os mesmos de sempre: de um lado, conseguir superávits primários nas contas públicas e, de outro, reduzir o nível de atividade econômica, buscando uma redução dos déficits na balança comercial, através da diminuição das importações e do incitamento às exportações. Tudo isso para tentar demonstrar ao capital financeiro internacional a capacidade do país para pagar as suas dívidas externa e interna. (FILGUEIRAS, 2000, p. 140).
Os motivos para recorrer ao FMI foram os mesmo do início da década de 1980.
Devido ao estrangulamento externo e ameaça de uma crise cambial, o país novamente
recorreu ao FMI em dezembro de 1998, pois o risco de uma moratória era cogitado, sendo os
motivos para recorrer ao FMI foram os mesmos do início da década de 1980. A situação do
Brasil era totalmente instável.
Em suma, a perda de mais de US$30 bilhões das reservas do país, que diminuíram de US$ 70 bilhões para algo em torno de US$ 40 bilhões em três meses, a partir da crise da Rússia, mais a necessidade de, aproximadamente, US$ 60 bilhões para fechar as contas externas no ano de 1999 e o crescimento do déficit público e em transações correntes no balanço de pagamentos explicitaram uma trajetória explosiva da economia, com a virtual incapacidade do país de cumprir seus compromissos internacionais e manter o Plano Real com as características e contradições aqui mencionadas (FILGUEIRAS, 2000, p. 142).
53
O acordo fez com que o governo se comprometesse a desvalorizar gradativamente o
real, continuar a abertura comercial, acelerar as privatizações, intensificar as reformas
liberais e realizar um ajuste fiscal para três anos (1999-2001). Desse modo, garantindo as
metas de superávit primário fiscal e o pagamento de juros. O total dos empréstimos junto ao
FMI foi de US$ 41,5 bilhões.
Conforme destaca Santos e Lopreato:
Do lado cambial, não suportando as pressões especulativas contra a moeda e a despeito da recorrência aos recursos do FMI e das negociações junto à comunidade financeira internacional, o País deixa o regime de taxas administradas em janeiro de 1999 e passa a adotar o câmbio flexível, com taxas determinadas pelo mercado. Do lado monetário, a instituição das metas de inflação daria as novas bases para o trato da política: o Conselho Monetário Nacional passava a determinar as metas a serem atingidas a cada ano e o BC a controlar a taxa SELIC que se julga compatível com a inflação na meta definida. Fechava-se, portanto, o modelo de política macroeconômica proposto pelo NCM, com a taxa de juros como variável de ajuste macroeconômico para a obtenção da estabilidade de preços no longo prazo (as metas de inflação). Com a política fiscal comprometida com as metas de superávit primário compatíveis com a estabilidade da relação dívida/PIB, completava-se a nova concepção de política macroeconômica, conhecida desde então como o “tripé macroeconômico” (câmbio flexível, metas de inflação e superávit primário) (SANTOS e LOPREATO, 2016, p.14)
O desfecho do acordo com o FMI foi a predominância da hegemonia do capital
financeiro internacional sobre o pacto estabelecido na economia brasileira. O resultado da
política liberal mostrou a dependência econômica do Brasil em relação ao sistema financeiro
internacional. De acordo com Alvez:
Após a desvalorização da moeda nacional, em janeiro de 1999, o déficit comercial começou a diminuir, porém só apresentou resultado positivo no ano de 2001. Já o déficit na balança de serviços sofreu uma redução marginal após 1998, permanecendo em níveis elevados. Assim, o déficit em conta corrente, que é o maior indicador da vulnerabilidade externa brasileira, sofreu uma redução após a desvalorização do real, mas o montante de US$ 23,2 bilhões apresentado em 2001 mostra que a economia brasileira continua extremamente dependente dos fluxos financeiros internacionais. Desta forma, a desvalorização do Real inverteu a curva dos déficits externos crescente, mas não foi suficiente para afastar o perigo do estrangulamento externo da economia brasileira (ALVES,2002, pag. 281).
Ainda, destaca o mesmo:
Em 1994, o PIB cresceu 5,9% e, nos sete anos seguintes, cresceu numa média anual de cerca de 2,5%. Como a população estava crescendo em torno de 1,6% ao ano nesse período, o crescimento da renda per capita brasileira, no período, ficou abaixo de um por cento ao ano. [...] O desemprego medido pelo Dieese passou de 14,2% em 1994 para 18,3% em 1998 e 17,5% em 2001 (ALVES,2002, pag. 282).
54
Portanto, houve a incorporação da classe exportadora no pacto, beneficiando as
contas externas. Por outro lado, tivemos uma maior estagnação da economia brasileira,
aumento do desemprego, desnacionalização da economia, arrocho salarial e concentração da
riqueza. A internacionalização da economia, que começa de forma mais acentuada com
Collor, aprofunda-se após Plano Real. Não obstante, a predominância de uma economia
dependente e rentística se expressa ainda mais após o Plano, maneira pela qual o capital
financeiro se hegemoniza em torno da dívida pública, atraindo diversas frações da classe
dominante.
Essa hegemonização da economia rentística em torno da dívida pública e a
continuação do modelo preconizado pelo FMI e Banco Mundial pode ser observado ao longo
dos distintos governos, isso será abordado no capítulo seguinte.
4 O PETUCANISMO E O PLANO REAL
A conjuntura econômica mostrava-se desfavorável a continuação do pacto
promovido pelo governo FHC, isto é, renovar era preciso para manter as políticas
implementadas até o final do mesmo. No entanto, a despeito de se voltar a classe
trabalhadora, o governo de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos trabalhadores (PT),
estava longe de ser o governo de ruptura com o modelo econômico estabelecido pelo Plano
Real. Assim, o programa econômico que constava na carta aos brasileiros seria a escolha das
classes dominantes pela renovação do poder e, por conseguinte, a continuação do plano até
55
então administrado por FHC, ao invés do seu sucessor, do mesmo partido já desgastado, José
Serra.
As transformações na política econômica defendida pelo PT sofreram um processo
de moderação desde sua fundação, existem quatro momentos no período anterior e posterior
as eleições presidenciais de 2002 que evidenciam essas mudanças (NETO, 2003). Desse
modo, o primeiro vai ao encontro do que estabeleceu o programa aprovado no XII Encontro
Nacional do PT, ocorrido em 2001, o qual estabeleceu diretrizes para um programa de
governo.
A concepção econômica de conjunto dessas Diretrizes pode talvez ser chamada de “social-desenvolvimentista”. Combina uma retomada das propostas desenvolvimentistas com uma maior preocupação com a distribuição de renda e principalmente com a defesa uma maior participação dos trabalhadores e do povo na direção do processo, bem como com uma maior ênfase no caráter nacional do projeto de desenvolvimento. Aponta, além disso, a necessidade de “ruptura global” com o modelo existente, como vimos. Assim, embora sua formulação seja mais moderada do que o “programa democrático e popular” tradicional do PT, essa concepção pode legitimamente ser considerada como uma versão desse programa- como aliás é sugerido na sua frase inicial: “A implementação de nosso programa de governo para o Brasil, de caráter democrático e popular...” (Concepção e Diretrizes do programa de Governo do PT para o Brasil, dezembro de 2001, §1, p.15) (NETO, 2003, p.182).
O encontro estabeleceu diretrizes, as quais defendiam uma ruptura com o ideário
liberal que predomina no país e a elaboração de políticas para reduzir a dependência e a
vulnerabilidade externa. Com isso, criticava-se a política econômica de FHC no que diz
respeito a dependência ao capital externo, a abertura comercial, ao déficit na balança de
serviços e a dívida externa. Assim, prometia-se denunciar política e juridicamente os acordos
com o Fundo Monetário Internacional.
O segundo momento teve expressão com a divulgação da Carta aos Brasileiros de
Lula, além da aprovação, no Diretório Nacional do PT, do programa de Governo da
coligação “Lula Presidente, Um Brasil para Todos”. Na ocasião, para acalmar os mercados,
afirma-se a continuação da política econômica de FHC. Assim, o PT tratou a devida
continuação do modelo econômico como uma política transitória para as reais mudanças que
enunciava.
Já, em relação ao terceiro momento, diz respeito aos primeiros meses de gestão do
governo Lula, em que as políticas econômicas do governo anterior foram mantidas sem
sinais de modificação ou de transição para outro modelo. Posto isso, essa situação ficava
56
evidente pelos discursos e medidas econômicas dos ministros da economia, os quais não
apontavam que essas políticas iriam se alterar.
Não obstante, o quarto momento se expressa através do Plano Plurianual 2004-2007,
tal plano demonstrou de fato o que seria a política econômica adotada pelo PT.
Portanto, os referidos momentos são de suma importância para a compreensão do
processo gradual de adaptação do PT a agenda econômica imposta pelas classes dominantes,
pois muitos economistas, acadêmicos, militantes e movimentos sociais que se reivindicam de
esquerda aceitaram essa continuação do modelo econômico vigente anteriormente como
natural e necessária, fazendo com que a culpa recaísse sobre uma suposta “herança maldita”
vinda do governo FHC e impossível de ser alterada.
4.1 A CONTINUAÇÃO DO PLANO REAL PELO PT E A CONSOLIDAÇÃO DO
MODELO LIBERAL PELOS SUCESSIVOS GOVERNOS
A fim de elucidar o porquê do governo Lula ter obtido resultados melhores, mesmo
mantendo a mesma política econômica, é de suma importância compreender a continuação
desse modelo econômico. Portanto, a conjuntura internacional é relevante ao entendimento,
pois houve uma diferença conjuntural no início do governo Lula em relação ao final do
governo FHC, o que possibilitou com a mesma política econômica que se obtivesse
resultados melhores, em especial na balança comercial. A manutenção deu-se,
principalmente, pela política de superávits primários, o regime de câmbio flutuante, o sistema
de metas de inflação e a manutenção da Lei de Responsabilidade Fiscal. Os treze anos do PT
no poder podem ser apresentados sob dois períodos. O primeiro momento consiste no
período Lula, em que o crescimento que servira de base para a conciliação. Já o segundo
momento equivale ao período Dilma, onde se observa uma crise de acumulação que auxilia
no fim da estratégia de aliança e no acirramento da luta de classes.
O crescimento dos fluxos comerciais tem possibilitado, aos países, em
desenvolvimento em geral, e ao Brasil em particular, expandir suas exportações e
obter elevados superávits nas suas respectivas balanças comerciais. Ocorre um
fenômeno generalizado de redução dos déficits ou mesmo obtenção de superávits
nas contas de transações correntes. Assim, a melhora na situação das contas
externas permitiu que a mesma política ortodoxa, que vinha sendo adotada desde
1999, tivesse resultados macroeconômicos melhores a partir de 2003, usando-se
57
como referência sua própria lógica e seus objetivos anunciados e, de fato,
perseguidos. Sem dúvida, a evolução das contas externas do país evidencia que o
período mais recente (2003-2006) tem se caracterizado por melhora dos indicadores
de vulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira e, por consequência,
menor instabilidade macroeconômica (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p.
99).
Essa conjuntura favorável pode ser analisada através dos dados levantados por
Filgueiras e Golçalves (2007, p.102). De acordo com os mesmos:
• a taxa média de crescimento da renda real mundial entre 2003-2006 foi de 4,9%, acima da média histórica (1890-2006) que foi de 3,2%;
• tanto o nível de investimento como a taxa de crescimento do PIB mundiais apresentaram trajetórias crescentes no primeiro governo Lula, ao contrário dos últimos anos do governo FHC. Isso também significou um crescimento do investimento estrangeiro direto nesse período. Um dos grandes influenciadores desse crescimento foi a ampliação do desenvolvimento tecnológico a partir das indústrias de informática e telecomunicações;
• houve um crescimento do volume de exportações e dos preços no comercial mundial no período 2002-2006, em especial das commodities;
• o déficit nas contas externas e o déficit das contas públicas dos Estados Unidos gerou um excesso de dólares na economia mundial. Assim as reservas internacionais cresceram nesse período;
• os países, ditos, em desenvolvimento se favoreceram da conjuntura financeira internacional, melhorando seus indicadores em relação a vulnerabilidade externa. O saldo da conta corrente do balanço de pagamentos desses países aumentou de US$77 bilhões em 2002 para U$544 bilhões em 2006. Somam-se a isso um processo de melhoria dos indicadores relativos desses países. A relação entre as reservas internacionais e as importações de bens e serviços aumenta de 55,3% em 2002 para 71,4% em 2006 e a relação entra a dívida externa e a exportação de bens e serviços reduziu-se de 119% em 2002 para 67% em 2006.
Entretanto, diante da finalidade deste trabalho, os dados apresentados são
necessários para entender que havia uma conjuntura favorável para a estabilidade econômica
e a melhoria da situação na balança comercial. Diante disso, a despeito do que defendia os
economistas ligados ao governo, não foram mudanças na política macroeconômica que
levaram a melhores desempenhos da economia brasileira - sendo estes desempenhos sob
padrões dentro dos objetivos estabelecidos pelo Plano Real e o modelo econômico
recomendado pelo FMI -, mas sim a conjuntura econômica favorável. Assim, a política
macroeconômica pouco modificou-se em relação ao governo antecedente, tendo como seu
instrumento principal a taxa de juros.
Desde o Plano Real, a taxa de juros constitui uma espécie de variável-síntese para compreensão do país. Ela é, ao mesmo tempo, a expressão mais aparente – “a ponta do iceberg” – da natureza financista do atual bloco de poder dominante e o
58
elemento central mais imediato de explicação dos principais problemas macroeconômicos. Dentre estes problemas, vale destacar: as baixas taxas de crescimento do PIB e sua elevada volatilidade; a grande concentração de riqueza e renda; o elevado grau de pobreza da população; a enorme dívida pública (de curto prazo) comparada ao PIB e a reduzidíssima capacidade de investimento do Estado; o tipo precário de inserção internacional do país e, por decorrência, a sua grande vulnerabilidade externa estrutural.
Esses problemas, estreitamente relacionados entre si – alimentando-se reciprocamente -, têm em suas respectivas origens, como uma espécie de denominador comum, o modelo econômico que vem sendo consolidado há doze anos e, mais particularmente, a política macroeconômica adotada a partir de 1999. Tal política envolve a combinação de três elementos: metas de inflação como o único objetivo da política monetária; ajuste fiscal permanente como elemento central da política fiscal; e regime de câmbio flutuante, definido essencialmente pelo mercado, que tem resultado em forte apreciação cambial.
Nesse contexto, a alta taxa de juros constitui o principal instrumento de política macroeconômica, condicionando decisivamente as políticas fiscal e cambial, bem como os seus resultados. Expressão da abertura econômico financeira passiva e desregulada, a política monetária restritiva sobrecarrega a dívida pública e impõe a necessidade de um ajuste fiscal permanente. Ademais, a restrição monetária dificulta a inserção comercial internacional mais ativa do país, pois desestimula o investimento e a inovação (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 100).
Nota-se que o governo Lula não rompeu com o pacto de classes estabelecido no
Plano Real, aliás, intensificou a agenda da classe dominante. Isto verifica-se no aspecto da
política econômica através da elevação da taxa de juros e do aumento dos superávits fiscais
primários, isto é, manteve-se o tripé macroeconômico. Houve mudança nas medidas
econômicas do governo petista, isso demonstrou-se através da apreciação do Real, de tal
modo a viabilizar o controle da inflação, como ocorreu no primeiro governo FHC, porém em
níveis menos intensos para não prejudicar os interesses dos exportadores. A despeito desse
mecanismo não ter sido descartado pelo governo anterior, as crises cambiais no segundo
mandato de FHC fizeram com que o real desvalorizasse.
A apreciação do câmbio foi possível devido ao cenário internacional favorável e as
altas taxas de juros que favoreceram a inserção de um elevado fluxo de capitais de curto
prazo. A conjuntura possibilitou que houvesse uma melhora na balança comercial pela
“desvalorização cambial de 2002, o crescimento das economias americana e chinesa, que
puxaram o comercial mundial, a recuperação da Argentina e a disparada dos preços das
commodities (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 102) ”. Todavia, a melhora na
balança comercial foi acompanhada por um aumento nas remessas de lucros e dividendos,
com aumento dos déficits de serviços e rendas. Diante da conjuntura favorável, possibilitou-
se ao governo valorizar o Real – não abdicando de atender aos interesses dos setores
59
exportadores - como um mecanismo para reduzir tanto as metas quanto os índices de inflação
entre 2003 e 2006, além das altas taxas de juros do período. Houve uma redução das metas,
sendo em 2003 de 8,5%, passou para 4,5% em 2006. Além disso, o IPCA reduziu de 9,3%
em 2003 para 3,1% em 2006. No entanto, a política de estabilização da inflação do governo
Lula foi mais ortodoxa que a dos próprios formuladores do Plano Real.
O governo Lula, com a mesma política econômica do governo anterior e sem mudar
a natureza passiva da inserção internacional do país, mas com uma conjuntura
internacional muito favorável, tem se beneficiado de resultados expressivos na
balança comercial – apesar de haver forte apreciação cambial. Esta circunstância,
em que pese o desempenho interno medíocre, tem lhe possibilitado manter
intocável o modelo econômico, nas suas características fundamentais. Além disso,
lhe permite, também, administrar mais facilmente eventuais contradições no
interior do bloco de poder e defender, agora abertamente, a política econômica que
estava desacreditada no final do segundo governo Cardoso (FILGUEIRAS e
GONÇALVES, 2007, p. 104).
Assim, o governo petista apostou nas altíssimas taxas de juros, apreciação do real e
a dominância da lógica financeira, servindo aos interesses do sistema financeiro como um
todo, tendo como estímulo a participação de diversas classes na financeirização do estado,
como os latifundiários, industriais, comerciantes, banqueiros etc. Desse modo, reforçou a
dependência do país e aprofundou a lógica de reprimarização da economia.
Essa política econômica é determinada pela dominância da lógica financeira nos âmbitos político, econômico e social. Ela implica a quase estagnação da renda per capita e do mercado interno. Ademais, a política econômica de Lula monta a armadilha da vulnerabilidade externa estrutural e do atraso no médio e longo prazos: a perpetuação da inserção internacional do país, apoiada, essencialmente, em commodities e produtos industriais com baixo e médio-baixo conteúdo tecnológico, intensivos em trabalho e recursos naturais. Esse processo mantém o país em situação de grande vulnerabilidade em relação aos ciclos do comércio internacional.
No curto prazo, a apreciação do real decorre da manutenção de grande diferencial entre as taxas de juros interna e externa. No entanto, a apreciação cambial tem como contrapartida a elevação das importações e a redução da competitividade das exportações. Essa perda de competitividade internacional ainda não se explicitou claramente nas contas do balanço de pagamentos por causa da conjuntura favorável do comércio internacional.
A elevada taxa de juros, além de impulsionar o círculo vicioso que justifica o permanente ajuste fiscal e provocar a quase estagnação do mercado interno torna extremamente difícil, senão impossível, a transição para um outro tipo de inserção internacional – apoiada em produtos de maior conteúdo tecnológico e com
60
demanda em expansão no mercado mundial. Em sentido contrário, a pauta de importações concentrada em produtos de média e alta tecnologia, além da ausência de uma polícia industrial ativa, agrava ainda mais a situação (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 104).
Acerca das informações apresentadas pelos autores, vale destacar alguns
apontamentos relevantes. Há uma impossibilidade de transição para um outro tipo de
inserção internacional, em relação a produtos de alta densidade tecnológica, pois a
manutenção desse modelo é estrutural dentro da divisão internacional do trabalho para um
país dependente como o Brasil. Além disso, a classe dominante brasileira não quer aderir a
um projeto de nação em que produzirão produtos de alta sofisticação tecnológica. Diante
disso, uma transformação do modelo atual não se passa por mudanças na política econômica
através de um tecnicismo, mas sim pela ruptura com o modelo de capitalismo dependente
rentístico.
De 1997 até 2013 a economia apresentou um resultado fiscal superavitário, um pilar
do tripé macroeconômico, conseguido principalmente por ajustes fiscais.
Gráfico 4 – Resultado Fiscal Primário 1997-2020
Fonte: Elaboração do autor, baseada em Ipeadata (2020).
Tal superávit demonstrou um crescente aumento até 2013, fazendo com que boa
parte do que estava sendo previsto em gastos sociais fosse economizado para ser gasto em
juros e amortização da dívida pública. Basta ver que em 2014, no último mandato de Dilma
61
Rousseff, o respectivo pagamento chegou a ultrapassar 1 trilhão de reais, chegando ao
patamar de 42,2% do orçamento federal.
A partir do primeiro mandato do governo Lula a política de metas de superávit
primário foi acompanhado por uma modificação da política de endividamento externo para
endividamento interno. Com isso, o endividamento interno cresceu exponencialmente, pois a
dívida interna líquida que era de 660,5 bilhões de reais em 2002, passou para 1,158 trilhões
em 2006 e, consequentemente, 2,341 trilhões em 2013. Por outro lado, a dívida externa
liquida reduziu de 231,7 bilhões de reais em 2002 para -27,8 bilhões em 2006 e, em 2013,
chegou a 714,7 bilhões (IPEADATA, 2020).
Assim, diante do aumento das reservas cambiais, devido ao cenário externo
favorável, a redução da dívida externa líquida tornou-se viável. No entanto, a dívida externa
bruta brasileira permaneceu crescendo, chegando a 485 bilhões de dólares ao final de 2013
enquanto a dívida interna bruta atingiu 2,986 trilhões de reais.
Contudo, as medidas econômicas no primeiro mandato do governo Lula, as quais
foram continuação do governo antecedente, mantiveram suas diretrizes gerais durante o seu
segundo mandato e no início do governo Dilma. Isto é, utilizou-se das metas de superávit
primário, sobrevalorização do real, metas de inflação, altas taxas de juros e a situação estável
na balança de pagamentos diante de um cenário internacional favorável, além do crescimento
da economia chinesa e os elevados preços dos produtos agrícolas e minerais.
No segundo mandato de Dilma Rousseff, com a crise de acumulação capitalista
global se intensificando, há uma mudança na dinâmica econômica interna. Não mais seria
possível, dentro do modelo econômico, continuar com políticas de investimento e gastos
sociais que se intensificaram no primeiro e segundo governo de Lula e, também, no primeiro
de Dilma. No entanto, assim que Dilma assume o segundo mandato há um ajuste fiscal
profundo, o qual reduziu investimentos em áreas essenciais, assim como gastos na educação,
saneamento etc. Toda a atividade produtiva sentiu o profundo ajuste, pois reduziu-se
atividade econômica devido à queda no consumo, produção, aumento do desemprego e
redução de salários.
O argumento utilizado para promover o profundo ajuste fiscal se deu em torno da
pressão inflacionária e do crescimento da dívida pública – explicada por excesso de gastos
públicos pela mídia dominante -, porém verificou-se que a pressão inflacionária estava
relacionada a pressão cambial, a qual afeta a maior parte dos preços de produtos importados
no Brasil, e não ao excesso de demanda. Além disso, o crescimento da dívida pública pode ser
explicado pelo excessivo pagamento de juros e amortização da dívida, sendo esta afetada por
62
diversos mecanismos financeiros, os quais serão explicados ilegais e sem contrapartida para a
nação.
No entanto, o ajuste fiscal foi de uma magnitude tão grande que reduziu a formação
bruta de capital fixo (FBCF), depois de décadas de crescimento contínuo, como pode ser
verificado no gráfico a seguir:
Gráfico 5 – Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF)
19931994
19951996
19971998
19992000
20012002
20032004
20052006
20072008
20092010
20112012
20132014
20152016
20172018
20192020
0,0000
200.000,0000
400.000,0000
600.000,0000
800.000,0000
1.000.000,0000
1.200.000,0000
1.400.000,0000
Formação Bruta de Capital Fixo - R$ (em milhões)
Fonte: elaboração própria, IPEADATA (2020).
4.1.1 A REDUÇÃO DA CAPACIDADE PRODUTIVA E O AUMENTO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
O nível de desenvolvimento econômico está intimamente ligado ao grau de
desenvolvimento produtivo de uma respectiva nação. Diante das diversas teorias do comércio
internacional, a teoria desenvolvida por Friedrich List ganha notoriedade, pois analisa as
nações e suas contradições, além do fato de que nem todos os países partem do mesmo estágio
de desenvolvimento. Assim, priorizando o desenvolvimento de uma nação através da adoção
de medidas protecionistas e como essas auxiliam na industrialização, List ainda ganha
destaque para compreensão de como uma nação deve se desenvolver.
Todavia, no ano de 1841, List publicou seu livro, intitulado “O Sistema Nacional de
Economia Política: Comércio Internacional, Política Comercial e a União Aduaneira
Germânica”. Contrapunha-se ao pensamento hegemônico que preconizava o livre comércio,
fundamentado na teoria clássica de Adam Smith.
63
List recupera o conceito de “nação” como unidade econômica. Além disso, seu estudo,
o qual denomina Economia Política, define como uma nação consegue obter prosperidade por
meio da agricultura, indústria e comércio tendo em vista seus próprios interesses nacionais,
divergindo, portanto, do cosmopolitismo da escola clássica, maneira pela qual a mesma
assume como Economia Política o estudo da economia mundial.
Se quisermos permanecer fiéis às leis da lógica e da natureza das coisas, devemos distinguir a economia dos indivíduos da economia das sociedades, e diferenciar quanto a esta última, entre a verdadeira Economia Política ou nacional (a qual, emanando do conceito e da natureza da nação, ensina de que maneira determinada nação, na atual situação do mundo e das próprias relações nacionais específicas, pode manter e melhorar suas condições econômicas). (LIST, 1986, p. 91).
Dessa forma, o Estado deve privilegiar os interesses nacionais, desenvolvendo e
fortalecendo a participação de setores mais produtivos e dinâmicos – setores industriais – de
forma que tais setores não sejam estrangeiros, mas prioritariamente nacionais.
De acordo com List o princípio da igualdade entre as nações não é condizente com a
realidade, pois as nações encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento. Não
obstante, há também períodos de guerra em que o protecionismo se torna compulsório, devido
à interrupção no intercâmbio de mercadorias. Portanto, para que houvesse de fato o “suposto”
livre comércio, as nações teriam que ter um desenvolvimento similar em setores como
indústria, comércio, cultura, política e agricultura. No entanto, a realidade é distinta, pois o
livre comércio é uma política de sujeição de países atrasados aos países dominantes em que o
comércio e a indústria são mais desenvolvidos.
Pelo fato de não haver limites para a produção manufatureira (sobretudo em consequência do uso da maquinaria), a não ser os decorrentes de capital que se possua e dos meios para aumentar as vendas, ocorre o seguinte: determinada nação, cujas atividades manufatureiras tem operado ininterruptamente por um século e que conseguiu acumular capitais imensos, que conseguiu estender seu comércio por todo o mundo, tal nação é capaz de declarar guerra de extermínio contra os manufatores de todos os países do mundo. Se tal ocorrer, é totalmente impossível que em outras nações, pelo curso normal das coisas (para usar a expressão do próprio Adam Smith), simplesmente em consequência do programa da agricultura surjam grandes manufaturas, sendo possível também que continuem a substituir, pelo curso normal das coisas, as manufaturas que já haviam nascido em virtude de interrupções comerciais causada pela guerra. A razão disso é a mesma pela qual uma criança ou um menino em luta com um homem forte dificilmente poderá vencer ou oferecer resistência constante. As manufaturas constituem a supremacia comercial e industrial (da Inglaterra), levam mil vantagens sobre as manufaturas recém-nascidas ou ainda adolescentes de outros países (LIST, 1986, p. 200).
Assim, segundo List, para que ocorra o desenvolvimento econômico e social, é
crucial alcançar o nível de desenvolvimento industrial das demais nações, as quais utilizam-se
64
de políticas protecionistas. Ademais, as nações já industrializadas têm certa vantagem em
relação às demais, pois podem produzir em grande escala, reduzir preços (dumping
comercial) etc.
Outra corrente que procurou estudar os países, centrando-se no grau de dependência
e nível de industrialização é a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL). Esta surgiu pela ONU e acabou se tornando uma escola de pensamento com o
objetivo de analisar as tendências econômicas e sociais de médio e longo prazo dos países
latino-americanos e caribenhos.
A Escola de Pensamento da CEPAL tem como norte o estudo das relações dos países
e seu grau de dependência produtiva e econômica, isto é, a análise de centro e periferia e suas
relações desiguais. Portanto, o apoio do Estado na superação do subdesenvolvimento e da
condição de periferia seria de suma importância, sendo a condição de país periférico um
estágio transitório que seria superado. O núcleo do pensamento cepalino foi concebido por
Raúl Prebisch (1949) e Celso Furtado (1961), ambos nortearam as políticas estruturalistas.
A expressão “periferia” definida por Prebisch serviu para destacar a posição
vulnerável da América Latina diante dos ciclos econômicos que resultava em processos
inflacionários com um forte componente exógeno.
De acordo com Prebisch, o que determinava essa condição periférica de um
determinado país era um componente intrinsecamente relacionado ao posicionamento dos
países latino-americanos no comércio internacional. Assim, a posição em que um país
periférico ocupa é a de exportador de matérias-primas, portanto, isto implicaria em trocas
desiguais entre um país exportador de matérias-primas e outro país exportador de
manufaturados, fazendo com que a desigualdade comercial, em termos de valor agregado,
condicionaria aos países periféricos terem uma crescente deterioração de suas balanças de
pagamentos. Não obstante, os ganhos do comércio internacional convergiam-se aos países
centrais e proporcionavam a eles a manutenção de seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo,
condenava as economias periféricas ao subdesenvolvimento, resultado que se expressa pelo
baixo crescimento econômico da deterioração de suas contas (PREBISCH, 1949).
A tese de Raúl Prebisch (1949) abordou dois pontos centrais da visão estruturalista,
discutindo acerca das desvantagens comparativas da especialização em bens primários.
Primeiramente, Prebisch descreveu a configuração das estruturas produtivas e como estas
impediam de reter os ganhos do seu progresso técnico, diferentemente dos países centrais. No
entanto, na segunda abordagem, destacou o aspecto da tendência à deterioração dos termos de
troca, dado o excesso de mão de obra em atividades pouco produtivas, ficando bem evidente
65
com a agricultura, em que o preço tende a reduzir devido à oferta excedente dos produtos de
baixo valor agregado – normalmente produtos agrícolas e minerais.
Dessa forma, o mecanismo exposto decorria em maior volume de produção e menor
acúmulo de capital. Todavia, Prebisch defendeu que os recursos acumulados da atividade
agrícola fossem destinados à industrialização. A explicação plausível para isso decorre do fato
de que se os países não se industrializarem, principalmente os países subdesenvolvidos, isso
acarretaria o desequilíbrio estrutural na balança de pagamentos (PREBISCH, 1949). Contudo,
com o objetivo de que os países subdesenvolvidos retenham os ganhos do comércio
internacional, o capital acumulado do setor primário deveria ser realocado para o setor
industrial.
Considerando a relevância da indústria no desenvolvimento econômico da nação,
diante de uma economia que não possua uma indústria nascente, Friedrich List (1841) já
apontava que o Estado tem um papel fundamental em promover o surgimento do setor de
modo protecionista. Assim, o Estado deve estimular o desenvolvimento e fortalecer a
participação industrial na economia, de tal forma que as indústrias sejam nacionais, e não
estrangeiras.
No entanto, nos últimos anos houve um processo acelerado de aprofundamento da
dependência produtiva que permeou diversos governos. Os mesmos adotaram inúmeras
medidas que influenciaram o nível da industrialização presente, interligado com o cenário
econômico externo e políticas de proteção das economias centrais.
Há uma vasta produção acadêmica discutindo a questão do processo de
desindustrialização no Brasil, deixando de alguma forma evidente que o país está regredindo à
mesma situação econômica em que se encontrava no início do século XX: dependência da
exportação de produtos primários aliada à importância reduzida de artigos industriais na
produção nacional. Dados demonstram a acelerada desindustrialização brasileira.
Segundo o IBGE (2020), houve queda de 2,7% na produção industrial nos quatro
primeiros meses de 2019. Além disso, cabe destacar que a participação da indústria de
transformação caiu para 11,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no 1º trimestre – menor
percentual desde 1947. Já a produção industrial fechou o 1º semestre com uma queda de 1,6%
e já acumula 3 trimestres seguidos no negativo, após uma pequena recuperação em 2018.
Além disso, houve um retrocesso da produção da indústria em junho para o patamar de
2009, alcançando um volume de 17,9%, abaixo do ponto mais alto da série histórica, atingido
em maio de 2011. A melhor marca do setor manufatureiro foi registrada em 1985, quando o
peso da indústria de transformação chegou a 24,5%. A partir de então, entrou em trajetória
66
praticamente contínua de queda, com exceção de um breve período de recuperação no início
dos anos 2000 (IBGE, 2020).
Conforme os fatos apresentados, tem sido intensa a discussão na literatura econômica
sobre os efeitos das políticas adotadas pós-Plano Real sobre o setor externo da economia
brasileira. É inegável que os esforços empregados na estabilização de preços trouxeram
tranquilidade na dinâmica econômica. Entretanto, os efeitos continuados das elevadas taxas de
juros e, por consequência, de taxas de câmbio não competitivas, vêm penalizando o setor
produtivo. Nos últimos anos, o aprofundamento desse modelo tem causado desconforto da
burguesia industrial, um dos grupos dominantes.
Os mesmos chamaram de processo de desindustrialização o que vem ocorrendo.
Diante disso, Nildo Ouriques destaca a situação dos industriais e seu descontentamento com
as políticas econômicas adotadas até 2013.
El Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (IEDI), importante órgano de
la burguesía industrial del país reclama que el saldo positivo esconde el hecho de
que los déficits con productos de alta e media densidad tecnológica son
elevadísimos! El deficit de la balanza comercial para el sector en 2012 (50,6 mil
millones de dólares) fue aun más elevado que en 2011 (48,7 mil millones de
dólares). Hace diez años, revela el estudio, el superavit brasileño era de 7 mil
millones de dólares en este renglón. Los sectores responsables por este radical
cambio son los equipos eléctricos y mecánicos, productos químicos y transporte. La
adquisición de máquinas y equipos responde por 78,1% de la innovación de las
empresas mientras para la investigación y desarrollo (I&D) apenas el 15%.
Además, si el IEDI denuncia la grave situación de la burguesía industrial em
general, la ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos) lo hace de manera aún más vehemente. Según el presidente de la
entidad en discurso dirigido hacia la presidente Dilma, este sector nunca estuvo tan
amenazado como lo está ahora: en 2012, se perdió más de 5.000 empleos, la
producción física cayó 2.5% y la tasa de inversión no supera los 19% hace más de
18 años. Para el representante del sector, “todo es consecuencia de una política
económica basada en un alianza del mal: tasa de cambio, tasas de interés y tributos”
(OURIQUES, 2013, p. 3).
As críticas da burguesia industrial decorrem do aprofundamento da posição do
Brasil na divisão internacional do trabalho, a partir do pacto estabelecido no Plano Real.
67
Portanto, o Brasil assume seu papel de exportador de produtos agrícolas e minerais. Isso
pode ser observado através da diminuição do setor industrial na composição do PIB desde o
início do Plano Real, assim como na participação da pauta de exportações brasileira. Tal
fenômeno se mostra através do gráfico a seguir:
Gráfico 6 – Indústria de transformação (%PIB) - preços correntes, 1947-2020.
19481951
19541957
19601963
19661969
19721975
19781981
19841987
19901993
19961999
20022005
20082011
20142017
20200,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
Indústria de Transformação - preços correntes - (% PIB)
Fonte: Elaboração do autor, baseada em Ipeadata (2020).
Ademais, a pauta de exportação brasileira caracterizada por produtos de baixo valor
agregado pode ser observada através dos dados do MDIC. No ano de 2020 destacaram-se os
principais produtos exportados: 1º - Soja (14%); 2º - Minério de ferro e seus concentrados
(12%); 3º - Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos (9,3%); 4º - Açucares e
melaços (4,2%); 5º - Carne bovina fresca, refrigerada ou congelada (3,5%). No entanto, a
despeito do processo de perda da capacidade produtiva, é incorreto afirmar que o país de fato
passa por um processo de desindustrialização, pois seria necessário que o país tivesse
realmente uma indústria nacional consolidada e tecnologicamente desenvolvida. A
apreciação do real de 2002 a 2014 contribuiu para que a burguesia comprasse barato lá fora e
vendesse caro no mercado interno, isso ficou evidente em diversos setores, entre eles o
comercial e industrial. Diante disso, observou-se a decadência de uma burguesia industrial
que teve relevância de 1930 a 1980.
Por conseguinte, ganha cada vez mais predominância no cenário econômico e
político uma burguesia comercial, principalmente do ramo varejista. Esta burguesia não está
preocupada com o fortalecimento do mercado interno, muito menos com a industrialização do
68
país, mas sim auferir grandes lucros comerciais e aprofundar a superexploração da força de
trabalho. O protagonismo dessa elite se expressa através dos donos das lojas Havan,
Magazineluiza, Casas Bahia etc. Estes sempre estão nos holofotes da grande mídia sugerindo
políticas e influenciando ideologicamente.
Gráfico 7 – Taxa de câmbio comercial R$/US$ - 1990-2020
19901991
19921993
19941995
19961997
19981999
20002001
20022003
20042005
20062007
20082009
20102011
20122013
20142015
20162017
20182019
20200,0000
1,0000
2,0000
3,0000
4,0000
5,0000
6,0000
Taxa de câmbio comercial - R$/US$
Fonte: elaboração própria, BACEN (2020).
Com o câmbio sobrevalorizado, houve um crescimento da importação de máquinas e
equipamentos ao longo dos governos petistas (gráfico 7), aumentando ainda mais a
dependência do país. Ressalta-se que o atrativo para o capital seria aportar seus recursos na
dívida pública durante esses anos, maneira pela qual grande parte dos industriais nacionais
venderam seu parque produtivo para viver de juros, o chamado rentismo. Analisando o
investimento líquido em máquinas e equipamentos, verifica-se uma redução significativa logo
após o Plano Real devido a taxa de câmbio, redução de tarifas de importação etc.
Gráfico 8 – Investimento líquido em máquinas e equipamentos
19601963
19661969
19721975
19781981
19841987
19901993
19961999
20022005
20082011
20142017
-100.000,00
-50.000,00
0,00
50.000,00
100.000,00
150.000,00
Investimento Líquido em Máquinas e Equipamentos (preços 2010) -(milhões)
69
Fonte: elaboração própria, IPEADATA (2020).
Do início do primeiro governo do PT até meados de 2014 houve uma alta do
investimento em máquinas e equipamentos, mas assim que se acentuou a crise de acumulação
global e a retração da atividade econômica interna esses números voltaram a despencar. As
altas taxas de juros para investimentos cobrada pelos grandes bancos contribuíram para esse
cenário, razão pela qual afetou principalmente pequenas e médias indústrias que não
competiam no mercado internacional.
Ainda, ao analisarmos a pesquisa com dados sazonalidades da ABIMAQ
(Associação Brasileira da Industria de Máquinas e Equipamentos), entre o período de 2002 a
2020, percebe-se, também, uma redução significativa a partir de 2014 na produção. No
entanto, já retomando uma trajetória de crescimento em 2020.
Gráfico 9 - PIM PF - Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física de Máquinas e Equipamentos (Número índice, base: média de 2012 = 100)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 20200
20
40
60
80
100
120
PIM PF - Pesquisa Industrial Mensal de Produção Fisica (sazonalizado)
Fonte: elaboração própria, ABIMAQ (2021)
Contudo, não é de interesse da classe dominante industrializar o país, mas sim ser
sócia menor do capital transnacional, de tal modo que se for possível transferir sua jurisdição
ao EUA ou países europeus não haverá hesitação, pois seria um modo de obter mais
“segurança” nos negócios internacionais. Assim, está em curso uma acelerada
internacionalização da economia brasileira nos mais variados setores, os quais são dominados
por multinacionais, sendo a maior parte de baixa ou média densidade tecnológica.
70
Os dados da ABIMAQ entre o período de 2002 a 2020, demonstram uma redução
significativa a partir de 2014 na importação de máquinas e equipamentos, principalmente
devido à desaceleração econômica e a depreciação do real nos anos seguintes, fazendo com
que encarecesse a importação.
Gráfico 10 – Importação e Exportação de Máquinas e Equipamentos
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 20200,00
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
25.000,00
30.000,00
35.000,00
Importação e Exportação de Máquinas e Equipamentos US$ FOB
Importação Exportação
Fonte: elaboração própria, ABIMAQ (2021).
O discurso da desindustrialização visa, em última instância, pressionar o governo
para que reduza os impostos do setor e adote outras medidas tolerantes que possam aumentar
temporariamente os lucros da burguesia industrial do país e das empresas multinacionais,
especialmente da indústria automotiva. Entretanto, não se apresenta nenhuma política
industrial profunda para alteração desse cenário.
No entanto, dentro do pacto estabelecido não parece haver muitas possibilidades,
apenas o discurso de uma maior abertura econômica, ainda usado, com intenção de trazer
mais tecnologia através da inserção do capital externo no país, os formuladores do Plano Real
afirmavam que esse seria um papel do plano, mas que nos últimos anos já se demonstrou que
esse discurso não vai além da ideologia com um efeito contrário no setor industrial, assim
como a continuação desse modelo pelos governos petistas também não trouxe uma mudança
estrutural no modelo de país dependente e subdesenvolvido.
A partir de 2018 houve uma mudança de governo, chega ao poder Jair Messias
Bolsonaro, com seu ministro da economia Paulo Guedes, o qual segue a corrente liberal. Em
71
termos produtivo, há um aprofundamento da liberalização econômica e da dependência
produtiva. Em março de 2021, houve a redução da tarifa de importação produtos de
informática, telecomunicações e bens de capital (máquinas e equipamentos) que, segundo a
Camex (câmara de comércio exterior), atinge 1495 produtos. Assim, nota-se a continuação
desse modelo liberal, o qual enfraquece o mercado interno com a internalização de produtos
competitivos mais baratos, prejudicando a indústria remanescente.
Assim, diante do que foi exposto até então, este trabalho não tem como meta fazer a
análise sobre o processo de industrialização no Brasil, porém é preciso destacar a incoerência
da burguesia industrial brasileira e dos economistas ligados a mesma de defenderem um pacto
estabelecido pelo Plano Real. No entanto, ao mesmo tempo que lamentam um processo de
desindustrialização, demonstram a limitação desse discurso, que esconde a questão estrutural
do papel do país dentro da divisão internacional do trabalho e sua relação de dependência
econômica frente aos países centrais. Na sequência, será apresentado a influência petista no
cooptação da classe trabalhadora.
4.2 A COOPTAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA
Conforme constata Plínio (2017, pág. 177), para chegar ao poder o PT precisou
conciliar duas premissas que sustentaram o pacto: “a obediência às exigências dos donos do
poder econômico e a contenção do descontentamento das classes subalternas”. Constata-se as
premissas diante de dois aspectos que permitem uma maior estabilidade e controle das
classes dominadas, dando mais tranquilidade e preferência do governo petista às classes
dominantes. O primeiro é o aprofundamento das políticas de assistência, através do Bolsa
Família, que permitem o aumento da renda de uma parcela da população mais desamparada.
O segundo é um maior controle dos sindicatos, movimentos sociais e partidos da base do
governo.
Por causa da melhora no cenário internacional, houve uma melhora nos resultados
da política econômica brasileira, permitindo ao governo Lula a partir de 2003 aprofundar as
políticas sociais focalizadas, as quais se concentraram em programas de transferência de
renda. “De fato, essa política tem limites dados pelo modelo de desenvolvimento vigente.
Articula-se funcionalmente a ele, como uma espécie de contra face da política
macroeconômica ortodoxa baseada em enormes superávits fiscais primários (FILGUEIRAS e
GONÇALVES, 2007, p. 160) ”. Assim, não se descarta o papel importante que tem os
72
programas sociais para subsistência de muitos brasileiros, porém não é através de políticas
sociais focalizadas que mudará a estrutura social vigente, mas sim mudando as relações de
poder em que a classe trabalhadora se encontra de forma subalterna.
Mais do que o governo Cardoso, que deu início a esse tipo de política, Lula levou a sério a importância política e social dessas despesas, compreendendo sua função amortecedora de tensões sociais no interior do projeto liberal. Este é o objetivo essencial de um programa que não tem capacidade de desarmar os mecanismos estruturais de reprodução da pobreza. Apenas maneja a pobreza, pois mantém em permanente estado de insegurança, indigência e dependência o seu público alvo, permitindo, assim, a sua manipulação política (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 163).
Nos primeiros oito anos do governo do PT a democracia de cooptação foi se
consolidando de forma plena sobre as frágeis bases que foram plantadas. Neste período, o
partido “optou pela continuidade do ajuste ortodoxo, aceitando docilmente a tutela do
mercado financeiro e dos organismos financeiros internacionais sobre a política econômica”
(SAMPAIO JR., 2017, p. 48). Ademais, atraiu a confiança dos capitais internacionais de
acordo com as recomendações do FMI e, dessa forma, aprofundou as reformas neoliberais no
país. O governo atribuiu os positivos resultados obtidos, que levaram a acumulação
capitalista em terras brasileiras às alturas as reformas. Entretanto, percebe-se que não foram
as reformas neoliberais que ampliaram o grau de acumulação no país, mas sim a forte
ampliação da oferta de investimento estrangeiro direto e a expressiva elevação dos preços
dos produtos agrícolas e minerais.
Assim, diante da abordagem até então, verificamos que o modelo econômico
imposto durante os governos petistas também pode ser observado no governo Bolsonaro,
como veremos no capítulo seguinte.
73
5 DO PLANO REAL AO GOVERNO BOLSONARO
O Plano Real criou as bases para o endividamento do Estado brasileiro. A hegemonia
da classe financeira a partir do Plano Real se expressa, inicialmente, a partir da maior
concentração de capital no setor financeiro e nos ganhos dos bancos com o plano
(OURIQUES, 1997). Logo após o mesmo, a elevação da dívida pública cresceu
aceleradamente.
O crescimento do endividamento do Estado perpassou todos os governos e mostrou a
cumplicidade dos mesmos com o sistema financeiro. Ao analisarmos o governo de FHC,
Lula, Dilma, Temer e, por último, Bolsonaro, percebe-se a ligação que os mesmos têm com o
sistema da dívida e sua manutenção.
Nota-se que a política de juros altos, com o objetivo de sobrevalorização do real,
propiciou que o setor financeiro obtivesse elevados lucros ainda no governo FHC. Não
obstante, apresentavam-se naquele período dois meios de ganhos elevados para os bancos,
sendo através da valorização inicial do Real, em 1994, por meio de empréstimos em dólares
com aplicação em reais, ou, ainda, pela especulação de títulos públicos.
[...] o crescimento da dívida pública, que nos anos 80 – período de altas taxas de inflação – se constituiu em peça-chave da “ciranda financeira” e alimentou os lucros das instituições financeiras, não desapareceu com a queda da inflação. No período pós-Real, ao contrário da expectativa dominante, a dívida pública continuou sendo o ponto de apoio fundamental da especulação financeira, principalmente a partir de março de 1995 (FILGUEIRAS, 2000, p. 166).
A dívida pública cresceu durante todos os governos pós-Plano Real por meio de
vários mecanismos financeiros, como demonstrar-se-á adiante, e seu crescimento acelerado é
utilizado como desculpa para privatizações, contrarreformas, cortes de investimentos e gastos
sociais, impedindo o desenvolvimento socioeconômico do país. Portanto, a esse
funcionamento distorcido do endividamento público e dos mecanismos financeiros presentes
no mesmo, será denominado Sistema da Dívida, expressão utilizada pela Auditoria Cidadã da
Dívida (ACD).
Assim, busca-se compreender o sistema da dívida e o rentismo como um meio de
adquirir ganhos satisfatórios sem correr risco produzindo. Com altas taxas de juros
predominando no Brasil nos anos anteriores à crise, que se intensificou em 2015, percebeu-se
74
uma elevação da demanda por títulos públicos, ocorrendo uma transferência de capital do
setor produtivo para o financeiro. Além disso, as chamadas operações compromissadas fazem
parte desse mecanismo de transferência de riqueza ao setor financeiro.
Gráfico 11 – Taxa de juros Selic 1999-2020.
Fonte: elaboração própria, BACEN (2020)
Desse modo, alimentou-se o chamado rentismo desde a concepção do Plano Real,
desencadeando um crescimento vertiginoso da dívida pública até os dias atuais. Analisando o
estoque de títulos públicos emitidos, a dívida interna sai de um patamar de R$ 85,7 bilhões,
em 1994, para um patamar de R$ 1 trilhão em 2004. Cabe destacar que em 2020 está num
patamar de R$ 4,174 trilhões.
No gráfico a seguir vemos o crescimento exponencial da dívida interna líquida:
Gráfico 12 - Dívida Interna Líquida – 1990-2020
75
19901992
19941996
19982000
20022004
20062008
20102012
20142016
20182020
0,0000
1.000.000,0000
2.000.000,0000
3.000.000,0000
4.000.000,0000
5.000.000,0000
6.000.000,0000
DLSP - Dívida Interna Líquida 1990-2020 R$ (em milhões)
Fonte: Elaboração do autor, baseada em Ipeadata (2020).
Portanto, na contramão do que diz a economia neoclássica, o crescimento da dívida
interna não ocorreu devido ao excesso de gastos relacionados ao funcionalismo, educação,
saúde ou previdência, pois durante os primeiros anos do governo FHC e, em média, nos
governos subsequentes, o Brasil teve superávit primário. Isto é, o grande problema do
crescimento da dívida está estritamente relacionado à alta da taxa de juros e os serviços com
despesas financeiras no período.
Diante disso, a indagação a ser feita é a seguinte: como explicar o crescimento do
estoque da dívida pública federal, de R$ 86 bilhões para R$ 4 trilhões, apesar da produção de
Superávit Primário de R$ 1 trilhão no mesmo período e considerando que não foram feitos
investimentos? Levando em consideração que não houve contrapartida em investimentos
públicos nesse período, explica-se crescimento exorbitante da dívida pública federal por meio
dos mecanismos financeiros e de política monetária do Banco Central que usam a chamada
dívida pública para transferir grandes volumes de recursos principalmente para o setor
financeiro.
Segundo a ACD, os mecanismos correspondem aos seguintes:
•Transformações de dívidas do setor privado em dívida pública ilegal; transferência de dívidas privadas para o BC por meio do PROER, PROES e da recém aprovada EC 106, que em plena pandemia aprofunda o Sistema da Dívida e a Financeirização.• Transformação de dívida externa irregular, suspeita de prescrição, em novos títulos, por meio de obscura operação realizada em Luxemburgo, paraíso fiscal, denominada Plano Brady.• Elevadíssimas taxas de juros, sem justificativa técnica ou econômica.• A ilegal prática do anatocismo, que corresponde à incidência contínua de juros sobre juros que fazem a dívida se multiplicar por ela mesma.• A irregular contabilização de juros como se fosse amortização da dívida, burlando-se o artigo 167, III, da Constituição Federal.
76
• As sigilosas operações de swap cambial realizadas pelo BC em moeda nacional, garantindo a privilegiados sigilosos que têm acesso a tais contratos o pagamento da variação do dólar (xxv).•Financiamento do Banco Central pelo Tesouro Nacional mediante entrega de títulos sem contrapartida financeira e pagamento de juros sobre tais títulos dados de graça ao BC.•Remuneração da sobra de caixa dos bancos por meio do abuso das sigilosas “operações compromissadas” que chegam a R$ 1,5 trilhão, cerca de 20% do PIB, sem paralelo em qualquer outro país do mundo.• Emissão excessiva de títulos para formar “colchão de liquidez”.• Prejuízos do Banco Central transferidos para o Tesouro Nacional, como previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, que não estabeleceu limite algum para a política monetária do Banco Central, cujos prejuízos são arcados por toda a sociedade (Art. 7º da LRF).• “Securitização”, que corresponde à nova forma de gerar dívida ilegal e disfarçada, que é paga por fora dos controles orçamentários, mediante desvio de arrecadação que sequer alcançará os cofres públicos (FATORELLI, 2020, p.1)
Diante de todas as despesas financeiras apresentadas sem contrapartida, destacarei
aquelas mais relevantes e que geram os maiores gastos. Dentre esses mecanismos mais
absurdos que “geram” dívida pública no Brasil, a remuneração diária da sobra de caixa dos
bancos está entre essas aberrações. Isto explica-se do seguinte modo, o dinheiro que sobra no
caixa dos bancos refere-se ao quantitativo de todos os depósitos e aplicações de clientes, que
poderiam ser utilizados para empréstimos ao público em geral. Essa sobra já considera a
dedução obrigatória da parcela referente ao depósito compulsório, que os bancos são
obrigados a reservar. Na maior parte dos países o sistema financeiro busca fazer empréstimos
ao público em geral, oferecendo juros cada vez mais baixos, para não ficar com esse dinheiro
parado em caixa sem rentabilidade.
Entretanto, no Brasil os bancos não estimulam empréstimos à população e empresas
que precisam de crédito, pelo contrário: cobram juros altíssimos, além de várias exigências
burocráticas e comerciais, como venda de seguros e outros produtos. A forma de atuação dos
bancos se dá pelo fato de não perderem nada em relação ao dinheiro parado em caixa, pois
recebem remuneração diária, paga pelo Banco Central com recursos do orçamento público.
Esse mecanismo tem sido feito por meio do abuso na utilização das chamadas
“Operações Compromissadas”. Em tese, as operações compromissadas se destinam a
controlar o volume de moeda em circulação para evitar ataques especulativos e até inflação,
porém, “a sua utilização de forma distorcida no Brasil tem possibilitado, na prática, um
mecanismo ilegal de remuneração da sobra de caixa dos bancos” (FATORELLI, 2020).
Em comparação com o resto do mundo, o volume dessas operações compromissadas
são muito abaixo dos valores que se apresentam no Brasil, chegando ao valor de R$ 1,5
trilhão, cerca de 20% do PIB, provocando vários danos ao país.
77
Essa operação aumenta o estoque da dívida pública e o volume das obrigações atuais e futuras, pois o Banco Central usa títulos da dívida pública para “justificar” a remuneração diária aos bancos. O Banco Central entrega títulos da dívida pública aos bancos e, enquanto estes estão de posse desses títulos, recebem juros diários (FATORELLI, 2020, p. 2).
Outra forma de crescimento exponencial do endividamento é através da
contabilização dos juros como se fosse amortização da dívida. A ACD descobriu que todo
ano é feito atualização monetária paralela de todo o estoque da dívida pública - não tem
sentido efetuar essa correção monetária, pois essa correção já está incluída no valor dos juros
nominais pagos aos detentores dos títulos da dívida. Diante disso, não há nenhum respaldo
legal referente a essas atualizações monetárias e as mesmas contribui para o endividamento
do Estado.
Apesar de não ter a menor lógica, essa atualização monetária é feita e, simultaneamente, incorporada ao estoque da dívida e subtraída dos juros, como representado em amarelo no diagrama. Em seguida, são emitidos títulos públicos para pagar essa atualização monetária paralela, que na verdade corresponde a grande parte dos juros (FATORELLI, 2020, p. 3).
Assim, podemos ver na figura a seguir como funciona esse mecanismo de
contabilização sem amparo legal.
Figura 1 – Contabilização do juros como se fosse amortização
Fonte: Elaborado por Auditoria Cidadã da Dívida (2020)
78
Portanto, a contabilização dos juros e amortização para o crescimento da dívida
pública, com a respectiva “atualização” pode ser resumido do seguinte modo:
À medida em que são emitidos títulos da dívida para o pagamento dessa “atualização”, o estoque da dívida pública de fato aumenta. O pagamento dessa “atualização” (que de fato corresponde a uma parcela dos juros) tem sido contabilizada como se fosse uma amortização. O resultado dessa manobra é esdrúxulo, pois se amortizam centenas de bilhões e a dívida cresce centenas de bilhões.
Devido à subtração de grande parte dos juros, que é registrada como amortização a parcela dos juros da dívida informada no Siafi fica pequena, pois somente uma pequena parte (representada no diagrama pelas pontas das colunas dos juros) é contabilizada de fato como juros da dívida, enquanto a outra parcela dos juros pagos por meio de novos títulos emitidos (representada em amarelo) é contabilizada como se fosse “amortização”. (FATORELLI, 2020, p. 3).
Ao analisarmos o período de 2008 a 2019 é perceptível que mesmo com a
amortização e pagamento de juros houve um crescimento exponencial da dívida sem
explicação, pois, conforme salienta a ADC, não há justificativa ao seu crescimento
desenfreado senão por mecanismos financeiros não legais.
Contudo, se estivéssemos de fato amortizando a dívida, perceberíamos a redução do
estoque da mesma. A tabela a seguir demonstra que apesar das “amortizações” crescentes ano
após ano, o estoque da dívida só aumenta:
Tabela 12 – Comparativo de Juros, Amortização e Estoque da Dívida (em bilhões de reais)
AnoJuros e Encargos
da DívidaAmortizações
Estoque da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna
2008 110,17 448,74 1759,132009 124,18 517,73 2036,232010 122,02 513,34 2307,142011 131,04 577,00 2536,072012 134,08 618,94 2823,002013 141,69 576,74 2986,222014 170,35 807,57 3301,052015 208,36 753,87 3936,682016 204,89 925,27 4509,262017 203.11 783,01 5094,972018 279,37 786,36 5523,122019 285,09 752,48 5971,93
Fonte: Tesouro Nacional e Banco Central (apud FATORELLI, 2020, p. 4)
Ainda, cabe ressaltar que a nossa dívida pública tem como característica elevados
juros na remuneração dos títulos com prazo curto de vencimento, diferentemente dos países
79
centrais que adotam taxas de juros reduzidas e prazos de vencimento elevados, de acordo
com os dados a seguir:
Figura 2 - Prazo de vencimento dos títulos em posse dos detentores da dívida pública.
Fonte: Tesouro Nacional, 2020
Outro mecanismo que faz parte do sistema da dívida, que é uma das principais
causas do crescimento da dívida pública federal, é a emissão de títulos públicos que são
doados ao Banco Central (BC). Contudo, além de doar esses títulos, o Tesouro Nacional
(TN) ainda paga juros ao BC sem contrapartida, como mostram os dados oficiais compilados
na tabela a seguir:
Tabela 13 – Custo financiamento do Banco Central pelo Tesouro Nacional
Ano
Volume de Títulos entregues pelo Tesouro Nacional ao
Banco Central sem contrapartida financeira
(Bilhões de Reais)
Volume de Juros pagos pelo Tesouro Nacional ao Banco
Central sobre os títulos públicos acumulados no BC
(Bilhões de Reais)
Soma
(Bilhões de Reais)
2010 56,86 71,51 128,372011 186,28 84,3 270,582012 117,81 89,43 206,542013 129,61 94,18 223,792014 287,4 108,82 396,212015 192,48 145,46 337,942016 238,66 162,05 400,712017 88,21 163,11 251,322018 188,19 158,49 346,682019 185,18 152,78 337,97Total 1669,98 1230,13 2900,11
Fonte: Banco Central e Tesouro Nacional (apud FATORELLI, 2020, p. 4)
Diante desse mecanismo financeiro, compreende-se o seguinte:
80
O Tesouro Nacional (TN) emite e entrega títulos da dívida pública ao BC sem contrapartida financeira, ou seja, o BC não paga por esses títulos. No entanto, o TN paga juros ao BC sobre esses títulos que dá de graça! Só essa parte da “política monetária” custou, nos últimos 10 anos, quase R$ 3 trilhões, como indicado na tabela anterior, sendo R$ 1,67 trilhão de renúncia financeira e R$1,23 trilhão de juros que o TN pagou ao BC (FATORELLI, 2020, p. 4).
A indagação a ser feita é a seguinte: qual o destino que Banco Central dá aos títulos
da dívida pública que recebe sem contrapartida do Tesouro Nacional? Segundo Fatorelli
(2020, p.4) “a maior parte é destinada às chamadas “operações compromissadas”, instrumento
que no Brasil tem sido desvirtuado e usado de forma abusiva pelo BC para, na prática,
remunerar a sobra de caixa dos bancos [...]”. Portanto, o TN propicia o funcionamento
distorcido da política monetária exercida pelo BC, a qual consome centenas de bilhões de
reais do orçamento federal anualmente, com recursos para o pagamento dos juros pelo TN ao
BC, além de impactar fortemente no crescimento da dívida pública federal.
Em resumo, o Banco Central tem funcionado como uma correia de transmissão dos
recursos públicos para os bancos, usando cerca de ¼ da dívida pública federal
interna para isso e a falsa “desculpa” de controle inflacionário que segundo seus
próprios estudos decorre de outros fatores que não tem relação alguma com o
volume de moeda em circulação na economia [...] (FATORELLI, 2020, p. 4)
Nos últimos 10 anos a grande mídia ocultou o fato de que o Tesouro Nacional
gastou quase 3 trilhões de reais com o Banco Central, o que caracteriza uma verdadeira
transferência de recursos públicos ao setor financeiro. Assim, para os meios de comunicação
dominante, há preocupação apenas com os gastos da previdência e pessoal. Contrapondo-se à
visão liberal de que o maior gasto do Brasil está na previdência e na administração pública, o
gráfico de pizza da ACD desmistifica esse argumento tão disseminado pela mídia dominante.
Em 2020 (ver figura 3), juros e amortizações da dívida corresponderam a 39,08% do
orçamento geral da União, já a previdência ficou em segundo lugar com 20,34%.
Figura 3 - Orçamento Geral da União 2020: Gastos com a dívida
81
Fonte: Elaborado por Auditoria Cidadã da Dívida (2020).
Cabe destacar quem são os detentores e beneficiários da dívida pública brasileira,
hoje liderada por grandes bancos nacionais e internacionais, os chamados dealers:
A participação do setor financeiro na condição de dealers preferenciais para a compra dos títulos é extremamente relevante, pois, devido a essa preferência, os mesmos exercem grande pressão para que o Tesouro ofereça taxas cada vez mais atraentes, caso contrário, recusam-se a comprar os títulos leiloados pelo Tesouro Nacional [...] (FATTORELLI, 2017, p. 10, grifo do autor).
Ademais, observa-se que os detentores da dívida pública são em grande parte
representados por instituições financeiras (29,62%), fundos de investimentos (25,98%) e
previdência (22,65%), conforme a seguir:
Figura 4– Detentores da dívida pública interna
82
Fonte: Tesouro Nacional, 2020.
Através da figura 2, verifica-se que mais da metade dos beneficiários da dívida
interna são investidores e grandes bancos nacionais e estrangeiros. No entanto, esses dados
demonstram o porquê de os aparelhos estatais sustentarem o pagamento estrondoso de
encargos da dívida pública, pois é o sistema financeiro nacional e internacional quem dão as
cartas à escolha das políticas apresentadas.
Nos últimos anos o crescimento da dívida interna gerada por mecanismos ilegítimos
e até ilegais serviram de justificativa para várias medidas restritivas que têm levado à perda de
direitos sociais, perda de patrimônio público e impedimento ao nosso desenvolvimento
socioeconômico, entre elas estão:
– Emenda Constitucional 95 (PEC do Teto);– Emenda Constitucional 93 (aumento da DRU para 30%);– Lei Complementar 159/2017 (ajuste fiscal nos estados);– Desonerações danosas ao financiamento da Seguridade Social;– Reformas Trabalhista, da Previdência e Administrativa;– Privatizações;– Esquema Fraudulento: “Securitização de Créditos Públicos”;– Autonomia do Banco Central, “legalização” da remuneração da sobra de caixa dos bancos – PLP 112/2019 e PLP 19/2019;– Plano mais Brasil para banqueiro: PEC 186, 187 e 188;– Proposta de Emenda Constitucional 438/2018;– Emenda Constitucional 106 (autorizou o Banco Central a comprar trilhões de papéis podres dos bancos às custas de mais dívida pública) (FATORELLI, 2020, p.6).
Todavia, a evolução da dívida pública não ocorreu como contrapartida de um
processo de transformação de forças produtivas, de industrialização ou de conquistas sociais,
mas como resultado de um endividamento interno e de seu repasse posterior a toda classe
dominante que faz parte do sistema da dívida. Portanto, não diferente dos governos anteriores,
os governos pós-Plano Real, por meio de ajustes, privatizações e, no geral, cortes nas
camadas desfavorecidas da sociedade, aprofundaram a dependência brasileira por meio da
regressão produtiva e internacionalização da economia.
83
6 CONCLUSÃO
Adotando-se as orientações do Consenso de Washington e da difusão da ideologia
neoliberal, o plano desenvolvido no Brasil, em sua essênca, serviu para consolidar um pacto
de classes capaz de garantir a inserção do capital internacional na economia brasileira. Assim,
por meio da análise totalizante, diante do método crítico dialético, observou-se o contexto
internacional no qual nosso país está inserido. Com a contribuição da Teoria Marxista da
Dependência, caracterizou-se o Brasil como um país subdesenvolvido e dependente para o
início da análise. Consequentemente, procuramos analisar em qual contexto desencadeou o
Plano Real, relacionando o mesmo com a ideologia dominante no período, ou seja, o
neoliberalismo.
As principais políticas desenvolvidas no Plano Real e as reformas “modernizantes”
nada se distanciam do desenvolvimento do subdesenvolvimento preconizado por André
Gunder Frank. A financeirização do Estado se evidencia no intocável sistema da dívida, nas
elevadas taxas de juros e na política de câmbio sobrevalorizado que permeou nos últimos
84
anos, altamente destrutivo para nosso setor produtivo. Contudo, justificados para controlar a
inflação e atrair o capital estrangeiro, permitem elevados lucros ao capital financeiro e exigem
um ajuste fiscal do estado, limitando os gastos sociais e um projeto de emancipação social das
massas. No entanto, amplia-se a fragilidade externa da economia brasileira, de tal maneira que
depende do capital externo para não gerar uma crise profunda.
A demonização da inflação tornou-se propaganda ideológica para ocultar o que está
por trás do “mal maior”, fazendo com que as privatizações, as “reformas modernizantes”, o
ajuste fiscal e monetário sejam facilmente aceitos pela classe trabalhadora.
Não obstante, o Plano Real consolidou o pacto de classe em que a burguesia
produtiva brasileira aceitou, como sócia menor do capital internacional, a produção de
produtos de baixo valor agregado ou associados ao capital estrangeiro investido no Brasil.
Evidenciou-se, também, que a inflação alta não necessariamente atinge todas as classes de
maneira uniforme, pois pode se tornar uma forma de transferência de renda e riqueza da
classe trabalhadora para a classe dominante. Além disso, constatou-se que os bancos elevam
seus lucros em período inflacionário, fazendo com que o resultado seja distinto para as
diferentes classes.
No Brasil, consagrado pela financeirização da economia, o neoliberalismo teve início
com Collor, consolidado na era FHC e aprofundado em maior ou menor grau nos governos
Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Ao longo de todo esse processo histórico na Nova
República, o Estado nacional continuou a serviço dos interesses das classes dominantes,
hegemonizado pelas frações rentistas da burguesia.
Diante disso, sinteticamente, podemos elencar alguns fatores relevantes iniciados ou
fortalecidos pelo Plano Real que estimularam o rentismo brasileiro, entre eles estão: 1 - a
liberalização econômica iniciada por Collor e aprofundada com o Plano Real; 2 - a
consideração de uma moeda forte – algo quase impossível num país dependente e
subdesenvolvido que não manda em seus próprios interesses econômicos -, expressando-se na
sobrevalorização do Real frente ao dólar, que se iniciou com o Plano Real até a crise de 1999;
3 – como consequência dessa última, a permanência da taxa básica de juros num nível
elevado ao longo de todo o governo FHC; 4 - estímulo à entrada de capital estrangeiro com o
objetivo de equilibrar o balanço de pagamentos e, também, adquirir ativos nacionais com o
processo de privatizações do governo FHC; 5 - e a consolidação e centralização do capital
financeiro no Brasil através das do PROER e da privatização dos bancos estaduais, além da
entrada de bancos estrangeiros.
85
O rentismo através dívida pública tem sido mais prejudicial ao interesse das classes
subalternas, porém vale ressaltar que existe, também, outras formas de rentismo, como o
agrário. No entanto, o sistema da dívida, desde o Plano Real, trasnfere elevada quantia de
recursos do Estado brasileiro ao pagamento de juros e amortização da dívida, os quais chegam
a mais de 40% do orçamento geral da união – um verdadeiro gasto de “guerra’. Desse modo,
desde o Plano Real o governo central vem adotando medidas para honrar o pagamento –
aplicando o tripé macroeconômico - através de superávits primários com o objetivo de manter
a relação dívida/PIB estável. Entretanto, observa-se que o resultado foi na contramão do que
pregam os representantes do capital financeiro, já que a DPMFi era de R$ 85 bilhões, em
1995, e alcançou mais de R$ 5 trilhões em 2020.
As contribuições relevantes da ACD evidenciam que o sistema da dívida pode ser
caracterizado como a expressão máxima do rentismo no Brasil. Ainda, podemos relacioná-lo
com o Plano Real a partir de todas as reformas - apresentadas neste trabalho - implementadas
pelos governos que vieram posteriormente, as quais estão na concepção desse sistema para
mantê-lo vigente. Tal modelo econômico poder se analisado retrospectivamente desde 1994
até os dias atuais. Diante disso, podemos caracterizar a república brasileira como uma
República Rentista. Assim, a dívida pública de uma nação deve ter, imprescindivelmente,
uma contrapartida real ao desenvolvimento social, isto é, uma dívida pública sem
contrapartida real vai ao encontro dos interesses das classes dominantes nacionais e
internaionais.
Além disso, embora o rentismo seja inerente a capitalismo, não vai ao encontro da
dinâmica principal de produção de valor, maneira pela qual cria um certo “conflito” entre o
capital industrial e financeiro, apesar de não ser tão expressivo como em épocas passadas.
Portanto, fazer a entanásia do rentista, como preconizou Keynes (1983, p. 343-344), é de
suma importância ao Brasil se quiser ser um país soberano e proporionar a emancipação
social ao seu povo.
Diante do que foi apresentado até então, e relacionado a lógica rentista, intensifica-
se um processo acelerado da dependência produtiva brasileira, caracterizando-se por uma
transferência do capital produtivo ao capital financeiro. A lógica de uma economia
dependente se expressa na importação de produtos de baixa a alta sofisticação tecnológica e,
por conseguinte, na presença de empresas transnacionais, o que caracteriza uma drástica
internacionalização da economia em diversos setores.
Ademais, a financeirização da economia, caracterizada pelo rentismo, é parte
constitutiva de uma economia que sofre interferência do imperialismo diante de sua política
86
de dominação econômica, conhecida como neoliberalismo. Por sua vez, cabe ao Brasil romper
com essas amarras que o aprofundam no subdesenvolvimento e o tornam subserviente.
Portanto, isso ocorrerá por meio da revolução brasileira.
REFERÊNCIAS
ALVES, José Eustáquio Diniz; FAVERSANI, Fábio. Análises de conjuntura: Globalização e o segundo governo FHC. 1ª ed. Ouro Preto: REM, 2002.
AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Contra o ajuste, auditoria já. Manifesto da Auditoria Cidadã da Dívida. Dez. 2014. Disponível em: https://auditoriacidada.org.br/contra-o-ajuste-auditoria-ja/. Acesso em: 17 nov. 2020.
AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Gráfico do Orçamento Federal - 2019. Maio 2020. Disponível em: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/grafico-do-orcamento-federal-2019-2/. Acesso em: 20 nov. 2020.
AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Explicação sobre o gráfico do orçamento elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida. Out. 2016. Disponível em:
87
http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/11/09/explicacao-sobre-o-grafico-do-orcamentoelaborado-pela-auditoria-cdada-da-divida/. Acesso em: 11 nov. 2020.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Séries Temporais. 2017. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/n/SERIESTEMPORAIS. Acesso em: 20 nov. 2020.
CARDOSO, Fernando Henrique. Plano Real respondeu a uma demanda da sociedade, dizFHC. Agência Câmara, 07 jul. 2009. Repostagem de Noéli Nobre. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/137241.html>. Acesso em: 11/04/2021.
CASTRO, L. B. de. Privatização, Abertura e Desindexação: A Primeira Metade dosAnos 90 (1990 – 1995). In: GIAMBIAGI, F. et al. Economia Brasileira Contemporânea[1945 – 2010]. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 131-158.
FATORELLI, M.L. Para quem tem servido a dívida pública no Brasil. 2020. Disponível em: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/para-que-tem-servido-a-divida-publica-no-brasil-por-maria-lucia-fattorelli/. Acesso em: 11 dez. 2020.
FATTORELLI, M. L. Relatório específico de auditoria cidadã da dívida nº 1/2017. 2017. Disponível em: http://www.auditoriacidada.org.br/relatoriosda-auditoria-cidada/. Acesso em: 11 nov. 2020.
FILGUEIRAS, L. A. M. História do plano real: fundamentos, impactos e contradições. São Paulo: Boitempo, 2012.
FRANCO, Gustavo. 20 ANOS DO PLANO REAL. Época NEGÓCIOS, 2014. Entrevistaconcedida a Marcela Bourroul. Disponível em:<http://20anosdoreal.epocanegocios.globo.com/entrevistagustavofranco.html>. Acesso em: 11/04/2021.
________. A Propósito do Inflacionismo: Os Termos de Troca Entre Estabilidade eDesenvolvimento. In: FRANCO, Gustavo H. B. O Desafio brasileiro: ensaios sobredesenvolvimento, globalização e moeda. São Paulo: Ed. 34, 1999a.
________. O Real e o Câmbio: observações à margem da experiência. In: FRANCO, GustavoH. B. O Desafio brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda. SãoPaulo: Ed. 34, 1999b.
GIAMBIAGI, F. Estabilização, Reformas e Desequilíbrios Macroeconômicos: Os Anos FHC (1995-2002). In: GIAMBIAGI, F. et al. Economia Brasileira Contemporânea [1945 – 2010]. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 97-192
GONÇALVES, R.; POMAR, V. O Brasil Endividado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
HADDAD, F. 50 anos em 5. In: Praga - Estudos Marxistas 6. São Paulo: Hucitec, 1998, p. 63-66.
88
HEGEL, G. W. F. Ciência da lógica (Excertos). Seleção e tradução de Marco Aurélio Werle. São Paulo: Barcarolla, 2011.
IBGE. Produção industrial. [2020]. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/industria/producao-industrial/industria-geral.html. Acesso em: 20 nov. 2020
IPEADATA. Dados macroeconômicos. [2020]. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/. Acesso em: 22 nov. 2020.
KEYNES, J. M. Teoria Geral do Emprego, Juro e do Dinheiro. São Paulo: AbrilCultural, 1983. (Coleção Os Economistas).
KEYNES, J. M.; KALECKI, M. Inflação e deflação. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
KOSIK, K. Dialética do Concreto. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressãopopular, 2008.
LIST, G. Sistema Nacional de Economia Política. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: TRANSPADINI, R.; STEDILE, J. P. (Orgs.). Ruy Mauro Marini: Vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 137-180.
MARINI, R. M. As razões do neodesenvolvimentismo. In: SADER, E. (Org.). Dialética da Dependência / uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: CLACSO, 2000.
MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
MARX, K. Miséria da filosofia: Resposta à Filosofia da miséria, do sr. Proudhon. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
MARX, K. O capital: crítica da economia política – Livro III: O processo global da produção capitalista. São Paulo: Nova Cultural, 1985-1986.
MINELLA, Ary Cesar. Elites financeiras, sistema financeiro e Governo FHC. In. :RAMPINELLI, Waldir José; OURIQUES, Nildo Domingos. No fio da navalha: critica dasreformas neoliberais de FHC. São Paulo: Xamã, 1997.
MODENESI, A. de M. Regimes monetários: teoria e a experiência do real. Barueri: Manole, 2005.
PREBISCH, R. O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas. Revista Brasileira de Economia, 1949.
89
OURIQUES, N. D. A sedução revolucionária e o Plano Real. In: RAMPINELLI,W. J.; OURIQUES, N. D. No fio da navalha: critica das reformas neoliberais de FHC. São Paulo: Xamã, 1997.
PAULANI, Leda. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre ocaso brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, p. 237-264, 2013. Disponívelem: <https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/53965>. Acesso em: 01 nov. 2017.
SANTOS, Flávio Arantes dos; LOPREATO, Francisco Luiz Cazeiro. O novo consenso emmacroeconomia no Brasil: a política fiscal do Plano Real ao segundo Governo Lula. Textospara Discussão / IE/Unicamp, Campinas, n. 267, 2016.