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Universidade de S˜ ao Paulo Instituto de Matem´ atica e Estat´ ıstica A constru¸ ao do grau topol´ogico e sua aplica¸ ao a um sistema diferencial n˜ ao linear com condi¸ oes de contorno. Adriano Leandro da Costa Peixoto sob orienta¸ ao do Professor Doutor Pierluigi Benevieri. Disserta¸c˜ ao de mestrado apresentada ao Instituto de Matem´ atica e Estat´ ıstica da USP para obten¸ ao do t´ ıtulo de Mestre em Matem´ atica.

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  • Universidade de São PauloInstituto de Matemática e Estat́ıstica

    A construção do grautopológico e sua aplicação aum sistema diferencial não

    linear com condições decontorno.

    Adriano Leandro da Costa Peixoto sob orientaçãodo Professor Doutor Pierluigi Benevieri.

    Dissertação de mestrado apresentadaao Instituto de Matemática e Estat́ıstica

    da USP para obtenção do t́ıtulo de Mestre em Matemática.

  • Notações

    sgn x pag. 14 −1 se x < 0; 0 se x = 0; 1 se x > 0

    det pag. 14 determinante de uma matriz

    ∂ pag. 16 bordo topológica

    δ pag. 16 bordo diferencial

    conv pag. 17 envoltório convexo

    sup pag. 17 supremo

    inf pag. 17 ı́nfimo

    | · | pag. 18 norma de um elemento de R

    (f, U, y) pag. 22 terna admisśıvel para o grau topológicode Brouwer

    degB pag. 22 grau topológico de Brouwer

    {e1, e2, · · · , en−1, en} pag. 27 base canônica do Rn

    〈·, ·〉 pag. 28 produto interno

    span A pag. 28 espaço gerado pelo conjunto A

    3

  • 4

    V ⊥ pag. 28 espaço ortogonal ao espaço V

    dist(x, y) pag. 32 distância entre x e y

    ‖ · ‖ pag. 32 norma de um elemento do Rn, n > 1

    Bα(x) pag. 33 bola aberta de centro x e raio α

    max{x, y} pag. 54 o máximo entre os valores de x, y ∈ R

    (f, U, y) pag. 68 terna admisśıvel para o grau topológicode Leray-Schauder

    degLS pag. 73 grau topológico de Leray-Schauder

    C pag. 84 C([0, T ],Rn)

    C1 pag. 84 C1([0, T ],Rn)

    CT pag. 84 {u ∈ C : u(0) = u(T )}

    C1T pag. 84 {u ∈ C1 : u(0) = u(T ), u′(0) = u′(T )}

    L1 pag. 84 L1([0, T ],Rn)

    L1m pag. 84 {h ∈ L1 :∫ T

    0 h(t)dt = 0}

    ‖ · ‖0 pag. 84 norma de um elemento de C

    ‖ · ‖1 pag. 84 norma de um elemento de C1

    ‖ · ‖L1 pag. 84 norma de um elemento de L1

    Nf pag. 93 operador de Nemytski

  • Resumo

    O pricipal objetivo deste trabalho é apresentar a construção do grautopológico em dimensão finita e infinita. Veremos, também, algumas de suaspropriedades e aplicações topológicas, como o clássico Teorema de pontofixo de Brouwer. Seguindo o que fizeram Manásevich e Mawhin no artigo“Periodic Solutions for Nonlinear Systems with p-Laplacian-Like Operators.Journal of Differential Equations, vol. 145, p. 367-393, 1998”, vamos provara existência de soluções para um sistema diferencial não linear com condiçõesde contorno, usando, entre outras ferramentas, o grau topológico.

    Palavras-chave: teoria do grau, grau de Brouwer, grau de Leray-Schauder.

    5

  • 6

  • Abstract

    The main purpose of this work is the construction of the topological de-gree in finite and infinite dimension. In addition, we will see some of its pro-perties and topological applications. Following the approach of Manásevichand Mawhin in the paper “Periodic Solutions for Nonlinear Systems withp-Laplacian-Like Operators. Journal of Differential Equations, vol. 145, p.367-393, 1998”, we will prove the existence of solutions for a nonlinear dif-ferential system with boundary conditions, using, among other tools, thetopological degree.

    Keywords: degree theory, Brouwer degree, Leray-Schauder degree.

    7

  • 8

  • Sumário

    Introdução 11

    1 Preliminares 13

    1.1 Álgebra linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    1.2 Topologia diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    1.3 Análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    1.4 Topologia geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    2 Grau topológico em dimensão finita 21

    2.1 Definição do grau para valores regulares . . . . . . . . . . . . 22

    2.2 Definição do grau para valores cŕıticos . . . . . . . . . . . . . 32

    2.3 Definição do grau para funções cont́ınuas . . . . . . . . . . . . 34

    2.4 Propriedades do grau topológico de Brouwer . . . . . . . . . . 36

    2.5 Grau de Brouwer em espaços normados . . . . . . . . . . . . 45

    3 Algumas aplicações do grau de Brouwer 53

    3.1 Teorema do ponto fixo de Brouwer . . . . . . . . . . . . . . . 53

    3.2 Teorema de Borsuk . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

    4 Grau topológico em dimensão infinita 65

    4.1 Introdução ao grau de Leray-Schauder . . . . . . . . . . . . . 65

    4.2 Grau de Leray-Schauder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    4.3 Propriedades do grau de Leray-Schauder . . . . . . . . . . . . 73

    5 Sistemas não lineares 83

    5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

    5.2 Problema auxiliar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

    5.3 Problema principal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    9

  • 10 SUMÁRIO

  • Introdução

    Neste trabalho, vamos apresentar uma ferramenta muito importante daAnálise funcional não linear chamada grau topológico. O grau topológiconos fornece informações sobre soluções de equações do tipo

    f(x) = y,

    onde f : X → Y é uma função dada entre, por exemplo, espaços euclidianos(Rn), variedades diferenciáveis ou espaços normados de dimensão infinita,y é um ponto dado em Y e U ⊆ X é um conjunto onde procuramos assoluções. Esta ferramenta é uma função que associa a cada terna do tipo(f, U, y) um número inteiro.

    A construção e as propriedades do grau topológico nos permitem obterinformações sobre a equação f(x) = y em U . Tais informações podem ser,por exemplo, existência e localização de soluções. Isso será posśıvel graçasàs propriedades que a construção do grau topológico permitirá provar. Porexemplo, a propriedade , talvez, mais importante é chamada de existênciade solução. Tal propriedade diz que, se o grau topológico da terna (f, U, y)é não nulo, então a equação f(x) = y possui solução em U . Uma outrapropriedade é um tipo de invariância do grau topológico por homotopias.Algumas vezes podemos nos deparar com uma função f muito complicada,de tal maneira que se torna dif́ıcil determinar o grau topológico da terna(f, U, y). Entretanto, veremos que, se conseguirmos deformar continuamentea função f a uma função mais simples, g, o grau topológico da terna (g, U, y)será igual ao grau topológico da terna (f, U, y).

    No Caṕıtulo 1 deste trabalho, veremos alguns resultados preliminares deÁlgebra linear, Topologia geral, Topologia diferencial e Análise que serãousados nos caṕıtulos seguintes.

    No Caṕıtulo 2, faremos a construção do grau topológico em espaçosde dimensão finita, também chamado de Grau topológico de Brouwer. Asprincipais referências deste caṕıtulo são [13, Outerelo & Ruiz], [6, Fonseca& Gangbo] e [5, Deimling].

    11

  • 12 SUMÁRIO

    No Caṕıtulo 3, vamos ver o Teorema do ponto fixo de Brouwer e o Te-orema de Borsuk, que são dois exemplos de aplicação do grau de Brouwer.Esses teoremas podem ser encontrados em [13, Outerelo & Ruiz] e [6, Fon-seca & Gangbo].

    No Caṕıtulo 4, vamos estudar o grau topológico em espaços de Banach dedimensão infinita, conhecido como Grau de Leray-Schauder. As referênciaspara este caṕıtulo são [12, Mawhin] e [6, Fonseca & Gangbo].

    No último caṕıtulo deste trabalho, Caṕıtulo 5, usaremos o grau to-pológico para mostrar a existência de soluções para um sistema de equaçõesdiferenciais não lineares com condições de contorno. Este caṕıtulo é norteadopelo artigo [11, Manásevich & Mawhin].

  • Caṕıtulo 1

    Preliminares

    Neste trabalho, precisaremos de alguns resultados básicos de Álgebra li-near, Topologia geral, Topologia diferencial e Análise. Neste caṕıtulo, apre-sentaremos tais resultados.

    1.1 Álgebra linear

    Os resultados a seguir são referentes a bases de espaços vetoriais e de-terminantes de matrizes.

    Definição 1.1. Seja V um espaço vetorial real de dimensão finita e considereB1 e B2 duas bases de V . Então, as bases B1 e B2 são equivalentes se amatriz de mudança de base entre B1 e B2 tem determinante positivo.

    Proposição 1.2. Sejam V e W espaços vetoriais reais de mesma dimensãofinita e L : V → W um isomorfismo. Considere B e C bases de V e W ,respectivamente, tais que a matriz A do operador linear L nestas bases temdeterminante positivo. Então, a base B̂ = L−1(C) de V é equivalente à baseB.

    Demonstração. Seja M a matriz de mudança de base de B̂ para B. Noteque as colunas da matriz M são formadas pelas coordenadas dos vetoresde B̂ escritos na base B e as colunas da matriz A−1 são formadas pelascoordenadas das imagens dos vetores de C pelo operador L−1 escritos nabase B. Como B̂ = L−1(C), então M = A−1. Desde que detA−1 > 0,temos B̂ equivalente à B.

    Proposição 1.3. Sejam T : Rn → Rn um isomorfismo e A a matriz associ-ada a T na base canônica. Considere uma outra base B do Rn e a matriz Â

    13

  • 14 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

    associada a T , onde fixamos a base B no domı́nio e a canônica no contra-domı́nio. Então, sgn det  = sgn detA se, e somente se, B é equivalenteà base canônica.

    Demonstração. Sejam Σn a base canônica do Rn e M a matriz de mudançada base Σn para a base B. Observe o seguinte:

    • As colunas da matriz A são formadas pelas coordenadas das imagensdos vetores de Σn pelo operador T escritas na base Σn;

    • As colunas da matriz Â−1 são formadas pelas coordenadas das imagensdos vetores de Σn pelo operador T

    −1 escritos na base B.

    Da observação acima, conclúımos que as colunas da matriz Â−1A sãoformadas pelas coordenadas das imagens dos vetores de Σn pelo operadorT−1 ◦ T = I escritos na base B. Então, M = Â−1A.

    Sabemos, pela Definição 1.1, que as bases Σn e B serem equivalentes éo mesmo que dizer que detM > 0. Desta forma, temos

    detM > 0⇔ det Â−1A > 0⇔ det Â−1 · det  > 0.

    Sendo assim,

    sgn detA = sgn det Â.

    Proposição 1.4. Considere um espaço vetorial V de dimensão finita sobreR. Sejam L : V → V um isomorfismo, α uma base de V fixada e Aα amatriz de L na base α. Então, detAα não depende de α.

    Demonstração. Sejam β uma base qualquer de V e M a matriz de mudançada base α para a base β. Desta forma, M−1 é a matriz de mudança da baseβ para a base α. Observe que, se Aβ é a matriz de L na base β, então

    Aβ = MAαM−1,

    portanto

    detAβ = detAα.

  • 1.1. ÁLGEBRA LINEAR 15

    Proposição 1.5. Sejam V e W dois espaços vetoriais de mesma dimensãofinita sobre R. Considere os isomorfismos L : V → V , S : V → W eS ◦ L ◦ S−1 : W → W . Fixadas as bases de V e W , se A é a matrizassociada a L e B a matriz associada a S ◦ L ◦ S−1 nestas bases, entãodetA = detB.

    Demonstração. Seja M a matriz associada a S na base fixada de W . Temos

    B = MAM−1,

    portanto

    detA = detB.

    A prova da proposição a seguir pode ser encontrada em [8, Hoffman &Kunze].

    Proposição 1.6. Considere uma matriz em blocos de ordem n da seguinteforma (

    A B0 C

    ),

    onde A é uma matriz r × r, C é uma matriz s× s, B é uma matriz r × s e0 é a matriz nula s× r. Então,

    det

    (A B0 C

    )= detA · detC.

    Analogamente, se a matriz em blocos é da forma(A 0B C

    ),

    onde A é uma matriz r × r, C é uma matriz s× s, B é uma matriz s× r e0 é a matriz nula r × s,então

    det

    (A 0B C

    )= detA · detC.

  • 16 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

    1.2 Topologia diferencial

    Nesta seção, veremos alguns resultados de topologia diferencial. Con-sideramos conhecidas as definições de variedade diferenciável com bordo esem bordo e, também, o conceito de difeomorfismo entre variedades.

    Usaremos o śımbolo δX para denotar o bordo diferencial da variedadeX. Vale lembrar que δX é uma variedade diferenciável sem bordo comdimensão igual a dimX − 1. Ressaltamos que as variedades que aparecemno desenvolvimento deste trabalho são subvariedades do espaço euclidianoRn.

    No caso em que X for um subconjunto de um espaço topológico Y , ośımbolo ∂X denotará o bordo topológico de X.

    Definição 1.7. Sejam X e Y variedades diferenciáveis e f : X → Y declasse C1. Dizemos que x ∈ X é ponto regular de f se f ′(x) é sobrejetor.Caso contrário dizemos que x é ponto cŕıtico de f . Além disso, se y ∈ Y étal que f−1(y) contém pelo menos um ponto cŕıtico, dizemos que y é valorcŕıtico de f . Se f−1(y) é vazio ou contém apenas pontos regulares, dizemosque y é valor regular de f .

    As próximas três proposições podem ser encontradas em [13, Outerelo& Ruiz].

    Proposição 1.8. Considere X e Y variedades diferenciáveis, X com bordoe Y sem bordo, e seja f : X → Y uma função de classe C1. Seja y ∈ Yum valor regular de f e de f |δX . Então, f−1(y) é uma variedade com bordof−1(y) ∩ δX, cuja dimensão é dim(X)− dim(Y ).

    Proposição 1.9. Toda variedade de dimensão 1, compacta, conexa e combordo é difeomorfa ao intervalo [0, 1], se tiver bordo, ou a S1, caso contrário.

    Proposição 1.10 (Teorema de Sard). Considere X e Y variedades dife-renciáveis e f : X → Y de classe Ck, com k > dimX − dimY . Então, oconjunto dos valores regulares de f é denso em Y .

    1.3 Análise

    Iniciamos esta seção com resultados referentes a conjuntos convexos.

    Definição 1.11. Seja D ⊆ Rn um conjunto qualquer. Dizemos que D éconvexo se

    λx+ (1− λ)y ∈ D,

  • 1.3. ANÁLISE 17

    para todo x, y ∈ D e para todo λ ∈ [0, 1].

    Definição 1.12. Seja D ⊆ Rn um conjunto qualquer. Chamamos de en-voltório convexo de D a intersecção de todos os conjuntos convexos quecontém D. Denotaremos o envoltório convexo de D por convD.

    A demonstração do resultado seguinte pode ser encontrada em [2, Bach-man & Narici].

    Lema 1.13. Seja D ⊆ Rn um conjunto qualquer. Então,

    convD =

    {n∑i=1

    λixi : xi ∈ D;λi ∈ [0, 1] en∑i=1

    λi = 1;n ∈ N

    }.

    A seguir, apresentamos um importante teorema de extensão de funçõescont́ınuas, cuja demonstração pode ser encontrada em [6, Fonseca & Gangbo,pag. 16].

    Teorema 1.14 (Teorema de extensão de Tietze). Sejam X um espaçométrico, A ⊆ X um conjunto fechado e f : A → R uma função cont́ınua elimitada. Então, existe uma função cont́ınua g : X → R tal que g|A = f e

    supx∈X

    g(x) = supx∈A

    f(x) e infx∈X

    g(x) = infx∈A

    f(x).

    O teorema de Tietze acima tem uma extensão imediata ao caso em queo contradomı́nio de f tem dimensão m > 1. Veja [6, Fonseca & Gangbo].

    Proposição 1.15. Sejam K,L ⊆ Rn dois conjuntos compactos tais queK ⊆ L. Considere uma função cont́ınua f : K → Rm. Então, existe umafunção cont́ınua g : L→ Rm tal que g|K = f e

    sup

    {supx∈K

    fi(x) : i = 1, · · · ,m}

    = sup

    {supx∈L

    gi(x) : i = 1, · · · ,m},

    onde fi e gi denotam as i-ésimas coordenadas de f e g, respectivamente.

    Os dois resultados que seguem podem ser encontrados em [3, Bartle]

    Proposição 1.16 (Teorema de Aproximação de Weierstrass). Seja f umafunção cont́ınua em um intervalo compacto de R e com valores em R. Entãof pode ser aproximada uniformemente por uma função polinomial.

    Proposição 1.17 (Teorema de Ascoli-Arzelà). Sejam K um subconjuntocompacto do Rn e F uma famı́lia de funções cont́ınuas em K com valoresno Rm. Então, as seguintes propriedades são equivalentes:

  • 18 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

    (a) A famı́lia F é limitada e equicont́ınua em K.

    (b) Toda sequência em F tem uma subsequência uniformemente convergenteem K.

    O próximo resultado pode ser encontrado em [1, Apostol].

    Proposição 1.18 (Teorema da convergência dominada de Lebesgue). Seja(fn) uma sequência de funções Lebesgue-integráveis em um intervalo I. As-suma que

    i) (fn) converge para f quase sempre em I.

    ii) Existe uma função g : I → R não negativa e Lesbegue-integrável tal que,para todo n ≥ 1,

    |fn(x)| ≤ g(x) para quase todo x ∈ I.

    Então, f é Lesbegue-integrável, a sequência(∫I fn

    )converge e∫

    If = lim

    n→∞

    ∫Ifn.

    O resultado que segue pode ser encontrado em [10, Elon].

    Proposição 1.19 (Teorema da função inversa). Seja f : U → Rn de classeCk(k ≥ 1) no aberto U ⊆ Rn. Se a ∈ U é tal que f ′(a) : Rn → Rn éinvert́ıvel, então existe uma bola aberta B ⊆ U tal que a restrição f |B é umdifeomorfismo sobre um aberto V que contém f(a).

    1.4 Topologia geral

    Nesta seção M e N são espaços métricos.

    Definição 1.20. Sejam Ω ⊆ M um subconjunto qualquer e f : M → Numa função. Então, dizemos que f é própria em Ω se f−1(K)∩Ω é compactoem M para todo K subconjunto compacto de N .

    Definição 1.21. Considere uma função f : M → N . Dizemos que f éfechada, se f(F ) é um conjunto fechado em N para todo F fechado em M .

    Proposição 1.22. Se f : M → N é cont́ınua e própria nos fechados de M ,então f é fechada.

  • 1.4. TOPOLOGIA GERAL 19

    Demonstração. Fixe F ⊆M fechado. Considere uma sequência (yn) ⊆ f(F )convergente para y ∈ N . Seja K = {yn : n ∈ N} ∪ {y}, que é compactoem N , portanto, por hipótese, f−1(K) ∩ F é compacto em M . Agora,considere uma sequência (zn) ⊆ F tal que, para cada n, f(zn) = yn. Destaforma, (zn) ⊆ f−1(K) ∩ F . Pela compacidade de f−1(K) ∩ F , existe umasubsequência (znk) de (zn) que converge para algum z em f

    −1(K) ∩ F .Sendo f cont́ınua, segue que f(znk) converge para f(z), mas f(znk) é umasubsequência de (yn), portanto f(znk) converge para y. Pela unicidade dolimite, temos f(z) = y. Como z ∈ F , então y ∈ f(F ). Logo, f(F ) éfechado.

    A seguir, apresentamos um resultado no espaço euclidiano Rn.

    Lema 1.23. Sejam U ⊆ Rn aberto e limitado e f : U → Rn cont́ınua em Ue de classe C1 em U . Se y é valor regular de f em U e y /∈ f(∂U), entãof−1(y) ∩ U é um conjunto finito.

    Demonstração. Podemos supor f−1(y)∩U 6= ∅. Como y é valor regular e fem U , então f ′(x) é sobrejetor para todo x ∈ f−1(y)∩U . Portanto, usandoo Teorema da Função Inversa, conseguimos, para cada x0 ∈ f−1(y) ∩ U ,uma vizinhança Ux0 de x0 tal que f

    −1(y) ∩ Ux0 = {x0}. Assim, os pontosx ∈ f−1(y) ∩ U são isolados. Este fato garante que f−1(y) ∩ U é finito,pois caso contrário, como U é compacto, f−1(y) ∩ U tem um ponto deacumulação x ∈ U . Sendo f cont́ınua, temos f(x) = y e como y /∈ f(∂U),obtemos x ∈ U . Desta forma, encontramos x ∈ f−1(y)∩U com x não sendoponto isolado, o que é uma contradição. Logo, f−1(y) ∩ U é finito.

  • 20 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

  • Caṕıtulo 2

    Grau topológico emdimensão finita

    Como dito na introdução deste trabalho, o grau topológico é uma ferra-menta que ajuda no estudo de equações do tipo f(x) = y, onde f : X → Yé uma função dada e X e Y podem ser, por exemplo, espaços euclidianos,variedades diferenciáveis ou espaços normados de dimensão infinita. Alémdisso, y ∈ Y é um ponto dado e U ⊆ X é um conjunto onde as soluçõesestão sendo procuradas.

    Neste caṕıtulo vamos construir o grau topológico para funções definidasentre espaços vetoriais reais, normados e de dimensão finita, em particular,Rn. Este grau topológico é conhecido como grau topológico de Brouwer,definido por Brouwer em [4]. A teoria do grau topológico de Brouwer podeser encontrada, por exemplo, em [6, Fonseca & Gangbo] e [5, Deimling].

    Na prática, para construir o grau topológico de Brouwer, vamos estabe-lecer uma famı́lia T de ternas (f, U, y), que chamaremos de admisśıveis. Ograu topológico de Brouwer será uma funcão degB : T → Z, ou seja, umafunção que associa a cada terna admisśıvel um número inteiro. A forma quefazemos a construção desta função e as consequentes propriedades que elaverifica permitem obter infomações sobre a equação f(x) = y em U .

    No primeiro momento, o espaço de dimensão finita considerado será oespaço euclidiano Rn. Neste caso, primeiramente, a função f será de classeC2 em U e y um valor regular de f em U . Em seguida, estenderemos adefinição de grau topológico ao caso em que y será valor cŕıtico de f emU , mantendo, ainda, f de classe C2. O próximo passo será estender taldefinição ao caso em que f será cont́ınua. Tendo definido o grau topológico,apresentaremos uma lista de suas propriedades.

    21

  • 22 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Em um segundo momento, vamos considerar um espaço normado qual-quer de dimensão finita sobre R. E então, seguiremos um caminho análogoao feito no caso Rn.

    A partir deste ponto, diremos, simplesmente, grau em vez de grau to-pológico.

    2.1 Definição do grau para valores regulares

    Iniciaremos a construção do grau de Brouwer com a seguinte definição.

    Definição 2.1 (Terna admisśıvel). Considere Ω um subconjunto qualquerdo Rn e U um subconjunto aberto e limitado do Rn com U ⊆ Ω. Se f : Ω→Rn é cont́ınua em U e y ∈ Rn é tal que f(x) 6= y para todo x que pertence aobordo (no sentido topológico) ∂U de U , então dizemos que (f, U, y) é umaterna admisśıvel para o grau topológico.

    Segue agora a definição do grau de Brouwer para um caso espećıfico,como veremos em seu enunciado.

    Definição 2.2. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classe C2 emU e y valor regular de f em U . Então, definimos o grau de Brouwer de(f, U, y) como

    degB(f, U, y) =∑

    x∈f−1(y)∩U

    sgn f ′(x), (2.1)

    onde sgn f ′(x) denota o sinal do determinante da matriz associada ao ope-rador linear f ′(x) em qualquer base. Se f−1(y) ∩ U = ∅, definimos

    degB(f, U, y) = 0.

    Pelo Lema 1.23, f−1(y) ∩ U é um conjunto finito e portanto o segundomembro da fórmula (2.1) é uma soma finita, logo, neste caso particular, ograu de Brouwer está bem definido.

    A função dada pela fórmula (2.1), definida em um subconjunto do con-junto das ternas admisśıveis, possue as propriedades que veremos a seguir.

    Proposição 2.3. As seguintes propriedades são válidas:

    1. (Normalização). Sejam I : Rn → Rn a função identidade e U umsubconjunto aberto e limitado do Rn, então

    degB(I, U, y) = 1,∀ y ∈ U.

  • 2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 23

    2. (Translação). Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classe C2

    em U e y valor regular de f em U . Então,

    degB(f, U, y) = degB(f − y, U, 0).

    3. (Aditividade). Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classeC2 em U e y valor regular de f em U . Se U1, U2 ⊆ U são abertos edisjuntos com y /∈ f(U \ (U1 ∪ U2)), então

    degB(f, U, y) = degB(f, U1, y) + degB(f, U2, y).

    4. (Invariância local). Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classeC2 em U e y valor regular de f em U . Então, existe uma vizinhançaV de y tal que, para todo z ∈ V , degB(f, U, z) está definido e

    degB(f, U, z) = degB(f, U, y).

    5. (Invariância homotópica). Sejam U um subconjunto aberto e limitadodo Rn e H : U × [0, 1]→ Rn cont́ınua em U × [0, 1] e de classe C2 emU × [0, 1]. Considere y ∈ Rn tal que H(x, λ) 6= y para todo x ∈ ∂U epara todo λ ∈ [0, 1]. Denotando H0 = H(·, 0) e H1 = H(·, 1), se y évalor regular para H0|U e H1|U , então

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    Demonstração. 1 - Pela Definição 2.2, é evidente.

    2 - Definindo g = f−y, notamos que f(x) = y se, e somente se, g(x) = 0e que f ′(x) = g′(x) para todo x ∈ U . Desta forma, temos f−1(y) = g−1(0),portanto

    degB(f, U, y) =∑

    x∈f−1(y)∩U

    sgn f ′(x) =∑

    x∈g−1(0)∩U

    sgn g′(x) = degB(g, U, 0).

    Logo,degB(f, U, y) = degB(f − y, U, 0).

    3 - Pela Definição 2.2, é evidente.

    4 - Suponha f−1(y) ∩ U = ∅, que, pela Definição 2.2, implica

    degB(f, U, y) = 0.

    Sendo U compacto e f |U : U → Rn cont́ınua, segue que f(U) é com-pacto e, portanto, fechado. Sendo assim, como y /∈ f(U), então existe

  • 24 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    uma vizinhança V de y com V ⊆ Rn \ f(U). Portanto, para todo z ∈ V ,f−1(z) ∩ U = ∅. Assim, temos degB(f, U, z) = 0 para todo z ∈ V . Logo,

    degB(f, U, z) = degB(f, U, y), ∀ z ∈ V.

    Agora, vamos supor que f−1(y) ∩ U = {x1, · · · , xk}. Afirmo que o con-junto C dos pontos cŕıticos de f |U é fechado. De fato, se x é ponto cŕıticode f |U , então o determinante da matriz de f ′|U (x) é nulo. Como a funçãoque a cada ponto x associa o determinante da matriz de f ′|U (x) é cont́ınua,então C é fechado, pois C é a imagem inversa do 0 por uma função cont́ınua.Como C é fechado dentro de um compacto, então C é compacto. Segue quef(C) é compacto, portanto, é fechado. Como y /∈ f(C), então existe umavizinhança V̂ de y formada apenas por valores regulares de f |U . Usando ofato que f(∂U) é fechado e que y /∈ f(∂U), podemos tomar V̂ de tal maneiraque V̂ ∩ f(∂U) = ∅. Logo, degB(f, U, z) existe para todo z ∈ V̂ .

    Vamos mostrar que temos uma vizinhança V de y, dentro de V̂ , talque o grau de (f, U, z) não depende de z ∈ V . Pelo Teorema da FunçãoInversa existem vizinhanças U1, · · · , Uk de x1, · · · , xk, respectivamente, evizinhanças V1, · · · , Vk de y tais que, para todo 1 ≤ j ≤ k,

    f |Uj : Uj → Vj

    é um difeomorfismo. Sejam

    V =⋂j

    Vj e, para cada j, Uj = f−1(V) ∩ Uj .

    Desta forma, segue que, para cada j,

    fj = f |Uj : Uj → V

    é um difeomorfismo, e portanto sgn f ′j(x) é constante em Uj .Considere

    V = V \ f(U \

    ⋃j

    Uj).

    Agora, observe o seguinte:

    i - Como U \⋃j Uj é compacto, então f(U \

    ⋃j Uj) é fechado. Logo, V é

    aberto;

    ii - y ∈ V , pois f−1(y) = {x1, · · · , xk} ⊆⋃j Uj ;

  • 2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 25

    iii - Fixe z ∈ V . Então, z ∈ V. Sendo, para cada j, fj uma funçãobijetora, então f−1(z)∩Uj é um conjunto unitário que chamaremos de{aj}. Sendo assim, {a1, · · · , ak} ⊆ f−1(z) ∩ U . Agora, suponha queexista a ∈ f−1(z)∩U tal que a /∈ {a1, · · · , ak}. Então, como cada fj ébijetora, a /∈

    ⋃j Uj . Desta forma, f(a) ∈ f(U \

    ⋃j Uj) e z = f(a) /∈ V ,

    o que é contradição. Portanto, f−1(z) ∩ U ⊆ {a1, · · · , ak}. Logo,f−1(z) ∩ U = {a1, · · · , ak}.

    Como, para cada j, f |Uj : Uj → V é um difeomorfismo, segue que

    sgn f ′(aj) = sgn f′(xj).

    Desta forma, conclúımos que, para todo z ∈ V ,

    degB(f, U, z) =∑j

    sgn f ′(aj) =∑j

    sgn f ′(xj) = degB(f, U, y).

    5 - Vamos dividir essa demonstração em dois casos. No primeiro, vamossupor y valor regular de H|U×[0,1] e, no segundo, vamos excluir esta hipótese.

    Caso 1 : suponha y valor regular de H|U×[0,1]. Pela Proposição 1.8,sabemos que H−1(y) é uma variedade com bordo de dimensão 1 e

    δH−1(y) = H−1(y) ∩ δ(U × [0, 1]) = H−10 (y) ∪H−11 (y). (2.2)

    Agora, usando a Proposição 1.9, segue que cada componente conexa deH−1(y) é difeomorfa ao intervalo [0, 1] ou à circunferência S1. Se C for umacomponente conexa de H−1(y) difeomorfa à circunferência S1, então C nãoterá bordo, portanto, por (2.2),

    H−10 (y) ∩ C = ∅ e H−11 (y) ∩ C = ∅.

    Diante deste fato e observando que para os cálculos dos graus de (H0, U, y) e(H1, U, y) serão usados pontos que pertencem aH

    −10 (y)∪H

    −11 (y), conclúımos

    que os pontos das componentes conexas difeomorfas à circunferência S1

    podem ser descartados. Esta situação está ilustrada na figura abaixo:

    R

    Rn

    0 1

    C

  • 26 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    No caso em que C seja uma componente conexa de H−1(y) difeomorfaao intervalo [0, 1], C tem exatamente dois pontos P0 e P1 no bordo, onde{P0, P1} é imagem de {0, 1} através de qualquer difeomorfismo de [0, 1] emC. Pode ocorrer uma das seguintes situações:

    (i) {P0, P1} ⊆ U × {0},

    (ii) {P0, P1} ⊆ U × {1},

    (iii) P0, P1 não pertencem à mesma seção U × {0} ou U × {1}.

    Ilustramos abaixo essas três situações:

    R

    Rn

    0 1

    (i)

    P0

    P1 C

    R

    Rn

    0 1

    (ii)

    P0

    P1C

    R

    Rn

    0 1

    (iii)

    P0 P1C

    Analisando o caso (i), vamos parametrizar C por

    γ : [0, 1]→ Rn+1

    com γ(0) = P0 = (x0, 0), γ(1) = P1 = (x1, 0) e γ′(t) 6= 0 para todo t ∈ [0, 1].

    Como, para todo t ∈ [0, 1], H(γ(t)) = y e γ(t) é ponto regular de H, então

    H ′(γ(t)) : Rn+1 → Rn

    é operador linear sobrejetor. Portanto, para cada t ∈ [0, 1], kerH ′(γ(t)) temdimensão 1 e é gerado por γ′(t), pois γ′(t) 6= 0 e H ′(γ(t))γ′(t) = 0.

    Sendo Hj : Rn+1 → R a j-ésima componente de H, temos

    H ′(γ(0))γ′(0) =

    ∂H1

    ∂λ(x0, 0)

    A...

    ∂Hn

    ∂λ(x0, 0)

    γ′1(0)

    ...

    γ′n(0)

    γ′n+1(0)

    =

    0

    ...

    0

    0

    ,

    (2.3)

  • 2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 27

    onde A é a matriz n× n do operador linear H ′0(x0) nas bases canônicas doRn, ou seja,

    A =

    ∂H01

    ∂x1(x0)

    ∂H01

    ∂x2(x0) · · ·

    ∂H01

    ∂xn(x0)

    ∂H02

    ∂x1(x0)

    ∂H02

    ∂x2(x0) · · ·

    ∂H02

    ∂xn(x0)

    ......

    . . ....

    ∂H0n

    ∂x1(x0)

    ∂H0n

    ∂x2(x0) · · ·

    ∂H0n

    ∂xn(x0)

    ,

    com∂H0

    j

    ∂xidenotando a derivada da j-ésima coordenada de H0 com relação

    a i-ésima coordenada do ponto x.

    Agora, vamos supor que γ′n+1(0) = 0. Desta forma, por (2.3), temos

    ∂H10∂x1

    (x0)∂H10∂x2

    (x0) · · ·∂H10∂xn

    (x0)

    ∂H20∂x1

    (x0)∂H20∂x2

    (x0) · · ·∂H20∂xn

    (x0)

    ......

    . . ....

    ∂Hn0∂x1

    (x0)∂Hn0∂x2

    (x0) · · ·∂Hn0∂xn

    (x0)

    γ′1(0)

    γ′2(0)

    ...

    γ′n(0)

    =

    0

    ...

    0

    0

    .

    Sendo H ′0(x0) um isomorfismo, segue que (γ′1(0), · · · , γ′n(0)) = (0, · · · , 0).

    Assim, temos γ′(0) = 0, o que é uma contradição, pois γ′(t) 6= 0 para todot ∈ [0, 1]. Conclúımos, assim, que a condição de que γ′n+1(0) = 0 é falsa.Portanto, γ′n+1(0) 6= 0.

    Temos provado que γ′n+1(0) 6= 0 e, além disso, sabemos que γn+1(0) = 0.Como γn+1(t) ∈ [0, 1] para todo t em [0, 1] e denotando a base canônica doRn+1 por

    {e1, · · · , en+1},

  • 28 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    conclúımos que〈γ′(0), en+1〉 = γ′n+1(0) > 0. (2.4)

    De forma análoga, segue que

    〈γ′(1), en+1〉 = γ′n+1(1) < 0. (2.5)

    Agora, definimos

    Pt =

    γ(0) se t ∈[0,

    1

    3

    ]

    γ(3t− 1) se t ∈[

    1

    3,2

    3

    ]

    γ(1) se t ∈[

    2

    3, 1

    ]e

    vt =

    (1− 3t)en+1 + 3tγ′(0) se t ∈[0,

    1

    3

    ]

    γ′(3t− 1) se t ∈[

    1

    3,2

    3

    ]

    (3− 3t)γ′(1)− (3t− 2)en+1 se t ∈[

    2

    3, 1

    ].

    Seja, para cada t, Vt = span {vt}. Note que, para cada t ∈ [0, 1], Vt temdimensão 1. De fato, vejamos que vt é não nulo para todo t ∈ [0, 1]:

    • Se t ∈[0,

    1

    3

    ], temos vt = (1− 3t)en+1 + 3tγ′(0). Como 1− 3t e 3t não

    são simultaneamente nulos e 〈γ′(0), en+1〉 > 0, segue que vt 6= 0.

    • Se t ∈[

    1

    3,2

    3

    ], temos vt = γ

    ′(3t− 1) 6= 0.

    • Se t ∈[

    2

    3, 1

    ], temos vt = (3− 3t)γ′(1) + (3t− 2)(−en+1). Como 3− 3t

    e 3t−2 não são simultaneamente nulos e 〈γ′(1),−en+1〉 > 0, segue quevt 6= 0.

    Denotando por V ⊥t o espaço ortogonal a Vt, afirmamos que H′(Pt)|V ⊥t :

    V ⊥t → Rn é um isomorfismo. Para provarmos tal fato, basta mostrar queV ⊥t não contém o núcleo de H

    ′(Pt). Observe que:

  • 2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 29

    • se t ∈[0,

    1

    3

    ], então o núcleo é gerado por γ′(0);

    • se t ∈[

    1

    3,2

    3

    ], então o núcleo é gerado por γ′(3t− 1);

    • se t ∈[

    2

    3, 1

    ], então o núcleo é gerado por γ′(1).

    Dizer que um elemento do núcleo de H ′(Pt) não pertence a V⊥t é dizer

    que seu produto escalar com vt é não nulo. Então, vejamos:

    • se t ∈[0,

    1

    3

    ], então

    〈γ′(0), vt〉 = 〈γ′(0), (1− 3t)en+1 + 3tγ′(0)〉,

    ou seja,

    〈γ′(0), vt〉 = (1− 3t)〈γ′(0), en+1〉+ 3t〈γ′(0), γ′(0)〉.

    Usando (2.4), temos

    〈γ′(0), vt〉 > 0;

    • se t ∈[

    1

    3,2

    3

    ], então

    〈γ′(3t− 1), vt〉 = 〈γ′(3t− 1), γ′(3t− 1)〉 > 0,

    pois γ′(3t− 1) 6= 0, para todo t ∈[

    1

    3,2

    3

    ];

    • se t ∈[

    2

    3, 1

    ], então

    〈γ′(1), vt〉 = 〈γ′(1), (3− 3t)γ′(1)− (3t− 2)en+1〉,

    ou seja,

    〈γ′(1), vt〉 = (3− 3t)〈γ′(1), γ′(1)〉 − (3t− 2)〈γ′(1), en+1〉.

    Usando (2.5), temos

    〈γ′(1), vt〉 > 0.

  • 30 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Portanto, H ′(Pt)|V ⊥t : V⊥t −→ Rn é um isomorfismo.

    Denotando por Σn a base canônica do Rn, considere, para cada t ∈ [0, 1] abase B̃t de V

    ⊥t obtida por [H

    ′(Pt)|V ⊥t ]−1(Σn). Note que, para cada t ∈ [0, 1],

    B̃t ∪ {vt} é base do Rn+1 e que V ⊥0 = Rn × {0} = V ⊥1 . Agora, definimos,para cada t ∈ [0, 1], o seguinte isomorfismo:

    Ft : V⊥t ⊕ Vt → Rn × R

    (x+ µvt) 7−→ (H ′(Pt)x, µ).

    Seja B0 = B̃0 ∪{en+1} base de V ⊥0 ⊕ span {en+1}. Considere, para cadat ∈ [0, 1], At a matriz de Ft nas bases B0 do Rn+1 no domı́nio e Σn+1 doRn ×R na imagem. Como, para cada t ∈ [0, 1], Ft é um isomorfismo, entãodetAt 6= 0 e, portanto, tem sinal constante. Sendo A0 a matriz identidade,temos detAt > 0 para todo t ∈ [0, 1].

    Pela Proposição 1.2, F−11 (Σn+1) é uma base do Rn+1 equivalente a B0.Pela definição de B̃1 e como v1 = −en+1, então

    F−11 (Σn+1) = (H′(P1)|V ⊥1 )

    −1(Σn) ∪ {−en+1} = B̃1 ∪ {−en+1}.

    Além disso, a matriz de mudança de base de B0 para F−11 (Σn+1) é do tipo

    M =

    0

    N...0

    0 · · · 0 −1

    ,

    onde N é a matriz de mudança de base de B̃0 para B̃1. Como

    detM = −1 · detN > 0,

    entãodetN < 0,

    o que prova que B̃0 e B̃1 não são equivalentes. Desta forma, apenas umadas bases B̃0 e B̃1 é equivalente à base Σn, portanto, pela Proposição 1.3,

    sgn H ′0(x0) 6= sgn H ′0(x1). (2.6)

    Com uma demostração análoga, podemos provar, mas não o fazemos,que, no caso (ii),

    sgn H ′1(x0) 6= sgn H ′1(x1), (2.7)

  • 2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 31

    onde P0 = (x0, 1) e P1 = (x1, 1). Também de forma análoga, podemosprovar (não exibimos a prova) que, no caso (iii),

    sgn H ′0(x0) = sgn H′1(x1), (2.8)

    onde P0 = (x0, 0) e P1 = (x1, 1).

    Neste ponto, vamos dividir as componentes conexas dos casos (i), (ii) e(iii), que são em número finito, da seguinte maneira:

    • Γ0 ⊆ U × {0} é o conjunto dos pontos em U × {0} das bordas dascomponentes conexas representadas no caso (i);

    • Γ1 ⊆ U × {1} é o conjunto dos pontos em U × {1} das bordas dascomponentes conexas representadas no caso (ii);

    • Λ0 ⊆ U × {0} é o conjunto dos pontos em U × {0} das bordas dascomponentes conexas representadas no caso (iii);

    • Λ1 ⊆ U × {1} é o conjunto dos pontos em U × {1} das bordas dascomponentes conexas representadas no caso (iii).

    Segue que

    degB(H0, U, y) =∑

    (x,0)∈Γ0

    sgn H ′0(x) +∑

    (x,0)∈Λ0

    sgn H ′0(x)

    edegB(H1, U, y) =

    ∑(x,1)∈Γ1

    sgn H ′1(x) +∑

    (x,1)∈Λ1

    sgn H ′1(x)

    Por (2.6) e (2.7), obtemos∑(x,0)∈Γ0

    sgn H ′0(x) =∑

    (x,1)∈Γ1

    sgn H ′1(x) = 0.

    Portanto,

    degB(H0, U, y) =∑

    (x,0)∈Λ0

    sgn H ′0(x)

    edegB(H1, U, y) =

    ∑(x,1)∈Λ1

    sgn H ′1(x)

    Finalmente, por (2.8),

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y),

  • 32 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    que prova a invariância homotópica no caso 1.

    Caso 2 : vamos desconsiderar agora a hipótese de y ser valor regular paraH|U×[0,1]. Pelo item 4 acima, existe uma vizinhança V de y tal que

    degB(H0, U, z) = degB(H0, U, y) e degB(H1, U, z) = degB(H1, U, y)

    para todo z ∈ V . Agora, como H é de classe C2 em U× [0, 1], podemos usaro Teorema de Sard e concluir que V contém algum valor regular (de fato,infinitos) ẑ de H|U×[0,1]. Pelo caso 1, temos

    degB(H0, U, ẑ) = degB(H1, U, ẑ).

    Logo,

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    E a prova é conclúıda.

    2.2 Definição do grau para valores cŕıticos

    Até agora, temos a definição de grau topológico para ternas admisśıveis(f, U, y), com f de classe C2 em U e y valor regular de f em U . O próximoresultado nos permite estender esta definição para o caso em que y seja valorcŕıtico de f em U .

    Proposição 2.4. Considere uma terna admisśıvel (f, U, y), com f de classeC2 em U. Sejam z0, z1 valores regulares de f em U tais que ‖y − zi‖ <dist(y, f(∂U)), i = 0, 1. Então,

    degB(f, U, z0) = degB(f, U, z1).

    Lembre que dist(y, f(∂U)) = infx∈∂U dist(y, f(x)).

    Demonstração. Observe que a existência de z0 e z1 valores regulares de fem U tais que ‖y − zi‖ < dist(y, f(∂U)), i = 0, 1, é garantida pelo Teoremade Sard. Considere a função H : U × [0, 1]→ Rn dada por

    H(x, λ) = f(x)− [λz1 + (1− λ)z0].

    Temos

    H(x, 0) = H0(x) = f(x)− z0 e H(x, 1) = H1(x) = f(x)− z1.

  • 2.2. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES CRÍTICOS 33

    Portanto, pela Proposição 2.3, item 2,

    degB(H0, U, 0) = degB(f, U, z0) e degB(H1, U, 0) = degB(f, U, z1).

    Desta forma, basta mostrar que

    degB(H0, U, 0) = degB(H1, U, 0).

    Como H é uma homotopia C2, pela Proposição 2.3, item 5, é suficientemostrar que H(x, λ) 6= 0 para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Paratanto, suponha que para algum x′ ∈ ∂U e para algum λ′ ∈ [0, 1] temosH(x′, λ′) = 0. Então,

    f(x′) = λ′z1 + (1− λ′)z0.

    Sejam α = dist(f(∂U), y) e Bα(y) a bola aberta de centro y e raio α.Sendo Bα(y) convexa e z0, z1 ∈ Bα(y), então λz1 + (1− λ)z0 ∈ Bα(y) paraqualquer λ ∈ [0, 1]. E como Bα(y) ∩ f(∂U) = ∅, segue que f(x′) /∈ f(∂U),o que é uma contradição. Portanto, H(x, λ) 6= 0 para todo x ∈ ∂U e paratodo λ ∈ [0, 1]. Logo, degB(H0, U, 0) = degB(H1, U, 0), ou seja,

    degB(f, U, z0) = degB(f, U, z1).

    Com o último resultado podemos estender a definição de grau topológicopara valores cŕıticos.

    Definição 2.5. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classe C2 emU . Então,

    degB(f, U, y) = degB(f, U, y),

    onde y é um valor regular qualquer de f em U com ‖y−y‖ < dist(y, f(∂U))e degB(f, U, y) é dado pela Definição 2.2.

    Agora que estendemos a definição de grau para ternas admisśıveis (f, U, y),com f de classe C2 em U e y valor cŕıtico de f em U , podeŕıamos apresen-tar uma lista de propriedades análogas às vistas na Proposição 2.3. Porém,será apresentada, neste momento, somente a estensão da invariância ho-motópica, pois será de grande importância para estendermos a definição degrau às funções cont́ınuas. Após o término da construção do grau topológicode Brouwer, apresentaremos uma lista mais completa de propriedades.

  • 34 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Proposição 2.6 (Invariância homotópica-caso valor crit́ıco). Sejam U umsubconjunto aberto e limitado do Rn e H : U × [0, 1] → Rn cont́ınua emU×[0, 1] e de classe C2 em U×[0, 1]. Considere y ∈ Rn tal que H(x, λ) 6= y,para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Então,

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    Demonstração. Usando o Teorema de Sard, tome z ∈ Rn valor regular deH0 e H1, com ‖z − y‖ < dist(y,H(∂U × [0, 1])). Observe que ‖z − y‖ <dist(y,H0(∂U)) e ‖z − y‖ < dist(y,H1(∂U)). Pela Definição 2.5, temos

    degB(H0, U, y) = degB(H0, U, z)

    edegB(H1, U, y) = degB(H1, U, z).

    Agora, note que o fato de ‖z − y‖ < dist(y,H(∂U × [0, 1])) implica queH(x, λ) 6= z para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Desta forma, po-demos aplicar a Proposição 2.3, item 5, e concluir que degB(H0, U, z) =degB(H1, U, z). Logo,

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    2.3 Definição do grau para funções cont́ınuas

    Para finalizarmos a construção do grau de Brouwer, vamos estender suadefinição às funções cont́ınuas.

    Proposição 2.7. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel e considere g0, g1 :Ω→ Rn funções cont́ınuas em U e de classe C2 em U tais que

    supx∈U‖gi(x)− f(x)‖ < dist(y, f(∂U)),

    i = 0, 1. Então,degB(g0, U, y) = degB(g1, U, y).

    Demonstração. Primeiramente, é importante notar que a existência das fun-ções g0 e g1 é garantida pelo Teorema de Aproximação de Weierstrass.

    Defina H : U × [0, 1] −→ Rn por

    H(x, λ) = λg1(x) + (1− λ)g0(x).

  • 2.3. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA FUNÇÕES CONTÍNUAS 35

    Note que H é uma homotopia cont́ınua em U × [0, 1] e de classe C2 emU × [0, 1] e que H0 = g0 e H1 = g1. Portanto, basta provar que

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    Pela Proposição 2.6, é suficiente mostrar que H(x, λ) 6= y para todox ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Para x ∈ U e λ ∈ [0, 1] temos

    ‖H(x, λ)− f(x)‖ = ‖λg1(x) + (1− λ)g0(x)− λf(x)− (1− λ)f(x)‖,

    portanto

    ‖H(x, λ)− f(x)‖ = ‖λ(g1(x)− f(x)) + (1− λ)(g0(x)− f(x))‖.

    Pela desigualdade triangular da norma,

    ‖H(x, λ)− f(x)‖ ≤ λ‖g1(x)− f(x)‖+ (1− λ)‖g0(x)− f(x)‖.

    Segue que

    ‖H(x, λ)− f(x)‖ ≤ λ supx∈U‖g1(x)− f(x)‖+ (1− λ) sup

    x∈U‖g0(x)− f(x)‖.

    Mas, por hipótese,

    supx∈U‖gi(x)− f(x)‖ < α, i = 0, 1,

    onde α = dist(y, f(∂U)). Logo,

    ‖H(x, λ)− f(x)‖ < λα+ (1− λ)α = α.

    A desigualdade acima implica que H(x, λ) 6= y para todo x ∈ ∂U e paratodo λ ∈ [0, 1], pois se existisse (x0, λ0) ∈ ∂U × [0, 1] com H(x0, λ0) = y,teŕıamos

    ‖H(x0, λ0)− f(x0)‖ = ‖y − f(x0)‖ < α,

    o que seria uma contradição. Logo,

    degB(g0, U, y) = degB(g1, U, y).

    Agora, podemos concluir a construção do grau topológico, estendendo,finalmente, sua definição às funções cont́ınuas.

  • 36 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Definição 2.8. Sejam (f, U, y) uma terna admisśıvel e g : Ω → Rn umafunção cont́ınua em U e de classe C2 em U tal que

    supx∈U‖g(x)− f(x)‖ < dist(y, f(∂U)).

    Então, definimosdegB(f, U, y) = degB(g, U, y),

    onde degB(g, U, y) é dado pela Definição 2.5.

    2.4 Propriedades do grau topológico de Brouwer

    Vimos nas seções anteriores algumas propriedades do grau de Brouwerrestritas aos casos particulares das ternas admisśıveis (f, U, y), com f declasse C2. Nesta seção, estenderemos aquelas propriedades ao caso geral,onde f é cont́ınua. Além disso, apresentamos outras propriedades.

    Proposição 2.9. As seguintes propriedades são válidas:

    1. (Normalização) Sejam I : Rn → Rn a função identidade e U umsubconjunto aberto e limitado do Rn. Então,

    degB(I, U, y) = 1,∀ y ∈ U.

    2. (Translação) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Então,

    degB(f, U, y) = degB(f − y, U, 0).

    3. (Aditividade) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Se U1, U2 ⊆ U sãoabertos e disjuntos com y /∈ f(U \ (U1 ∪ U2)), então

    degB(f, U, y) = degB(f, U1, y) + degB(f, U2, y).

    4. (Excisão) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel e considere um conjuntocompacto K ⊆ U tal que y /∈ f(K). Então,

    degB(f, U, y) = degB(f, U \K, y).

    5. (Invariância homotópica) Sejam U um subconjunto aberto e limitadodo Rn, H : U× [0, 1]→ Rn uma função cont́ınua e γ : [0, 1]→ Rn umacurva cont́ınua tais que γ(t) /∈ Ht(∂U), para todo t ∈ [0, 1]. Então,degB(Ht, U, γ(t)) não depende de t;

  • 2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 37

    6. (Continuidade em relação à função f) Seja (f, U, y) uma terna ad-misśıvel. Então, existe � > 0 tal que, para toda função cont́ınuag : Ω→ Rn com

    supx∈U‖g(x)− f(x)‖ < �,

    a terna (g, U, y) é admisśıvel e

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    7. (Invariância local) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Então, existeuma vizinhança V de y tal que, para todo z ∈ V , degB(f, U, z) estádefinido e

    degB(f, U, z) = degB(f, U, y).

    8. (Existência de solução) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Se

    degB(f, U, y) 6= 0,

    então f−1(y) ∩ U 6= ∅.

    9. (Propriedade do bordo) Sejam (f, U, y) e (g, U, y) ternas admisśıveis.Se f(x) = g(x) para todo x ∈ ∂U . Então,

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    10. (Mudança de variável) Sejam (f, U, y) uma terna admisśıvel, g : Rn →Rn um difeomorfismo de classe C2 e E ⊆ Rn um conjunto aberto elimitado tal que g(E) = U . Se p = g−1(y), então (g−1 ◦ f ◦ g,E, p) éuma terna admisśıvel e

    degB(f, U, y) = degB(g−1 ◦ f ◦ g,E, p).

    11. (Função oposta) Se (f, U, y) for uma terna admisśıvel, então (−f, U,−y)será admisśıvel e

    degB(−f, U − y) = (−1)n degB(f, U, y).

    Aqui, n é a dimensão do espaço euclidiano Rn.

  • 38 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Demonstração. 1 - Já foi provada no item 1 da Proposição 2.3.

    2 - Seja α = dist(y, f(∂U)) = dist(0, f(∂U)− y). Pelo Teorema de Apro-ximação de Weierstrass, podemos tomar uma função g : U → Rn de classeC2 tal que

    supx∈U‖(g(x)− y)− (f(x)− y)‖ = sup

    x∈U‖g(x)− f(x)‖ < α.

    Usando a Definição 2.8, segue que

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y) e degB(f − y, U, 0) = degB(g − y, U, 0).

    Agora, sabendo que y /∈ g(∂U), temos dist(y, g(∂U)) = β > 0. Aplicando oTeorema de Sard, tome z valor regular de g em U tal que ‖z− y‖ < β. PelaDefinição 2.5,

    degB(g, U, y) = degB(g, U, z).

    Como dist(0, g(∂U)−y) = dist(y, g(∂U)) = β e supx∈U ‖(g(x)−y)− (g(x)−z)‖ = ‖z − y‖ < β, então, aplicando novamente a Definição 2.8,

    degB(g − y, U, 0) = degB(g − z, U, 0).

    Finalmente, aplicamos a Proposição 2.3, item 2, e conclúımos que

    degB(f, U, y) = degB(f − y, U, 0).

    3 - Primeiramente, note que ∂U ,∂U1 e ∂U2 estão contidos em U\(U1∪U2).Considere � > 0 tal que dist(y, f(U \U1∪U2)) = �. Podemos tomar uma

    função g : U → Rn de classe C2 tal que supx∈U ‖g(x) − f(x)‖ <�2 . Então,

    y /∈ g(U \ (U1 ∪U2)). De fato, se x ∈ U \ (U1 ∪U2) é tal que g(x) = y, então

    ‖g(x)− f(x)‖ = ‖y − f(x)‖ < �2,

    o que é contradição. Pela Definição 2.8,

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    Para x ∈ ∂U , temos

    ‖y − g(x)‖ ≥ ‖y − f(x)‖ − ‖g(x)− f(x)‖ > �− �2

    =�

    2.

    Portanto, dist(y, g(∂U)) > �2 . Usando o Teorema de Sard, tome z ∈ Rn \

    g(∂U \ U1 ∪ U2), onde z é valor regular de g em U e ‖z − y‖ < �2 . PelaDefinição 2.5, segue que

    degB(g, U, y) = degB(g, U, z).

  • 2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 39

    Logo,degB(f, U, y) = degB(g, U, z).

    De forma análoga, conclúımos que

    degB(f, U1, y) = degB(g, U1, z) e degB(f, U2, y) = degB(g, U2, z).

    Agora, usamos a Proposição 2.3, item 3 e obtemos

    degB(f, U, y) = degB(f, U1, y) + degB(f, U2, y).

    4 - Pelo item 3 acima, segue que

    degB(f, U, y) = degB(f, U \K, y) + degB(f, ∅, y).

    A Definição 2.2 implicadegB(f, ∅, y) = 0.

    Logo,degB(f, U, y) = degB(f, U \K, y).

    5 - Primeiramente, note que a função (x, t) 7→ ‖γ(t)−Ht(x)‖ é cont́ınuae positiva no compacto ∂U × [0, 1] e, portanto, tem um mı́nimo � > 0. Poroutro lado, H é uniformemente cont́ınua no compacto U × [0, 1], portantoexiste δ > 0 tal que

    ‖Ht(x)−Ht′(x′)‖ <�

    2sempre que |t− t′| < δ e ‖x− x′‖ < δ.

    Agora, fixe t0 ∈ [0, 1]. Vamos mostrar que a função t 7→ degB(Ht, U, γ(t))é constante em uma vizinhança de t0 e, como t0 é arbitrário, é constante noconexo [0, 1].

    Pelo Teorema de Aproximação de Weierstrass, existe uma função g :

    U → Rn de classe C2 tal que ‖g(x) − Ht0(x)‖ <�

    2para todo x ∈ U. Dáı,

    temos

    ‖g(x)−Ht(x)‖ ≤ ‖g(x)−Ht0(x)‖+ ‖Ht0(x)−Ht(x)‖ < �,

    para todo x ∈ U e para |t− t0| < δ. Assim,

    ‖g(x)−Ht(x)‖ ≤ ‖γ(t)−Ht(x)‖ (2.9)

    para todo x ∈ U e para |t − t0| < δ. Em particular, para x ∈ ∂U e t = t0,temos

    ‖g(x)−Ht0(x)‖ < dist(γ(t0), Ht0(∂U)). (2.10)

  • 40 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Portanto, g(x) 6= γ(t0) para todo x ∈ ∂U . Como g(∂U) é compacto,conclúımos que dist(γ(t0), g(∂U)) > 0. Desta forma, podemos dizer que|t− t0| < δ implica

    ‖γ(t)− γ(t0)‖ < dist(γ(t0), g(∂U)).

    Agora, usando (2.9) e a Definição 2.8, temos

    deg(Ht, U, γ(t)) = deg(g, U, γ(t)).

    Por translação, segue que

    degB(Ht, U, γ(t)) = degB(g − γ(t), U, 0).

    Observando que

    ‖(g − γ(t))− (g − γ(t0))‖ = ‖γ(t)− γ(t0)‖

    < dist(γ(t0), g(∂U))

    = dist(0, (g − γ(t0)(∂U)))

    e aplicando a Definição 2.8, temos

    degB(Ht, U, γ(t)) = degB(g − γ(t0), U, 0).

    Logo, a função t 7→ degB(Ht, U, γ(t)) é localmente constante e, consequen-temente, constante no conexo [0, 1].

    6 - Faça r = dist(y, f(∂U)) e fixe g : Ω→ Rn uma função cont́ınua com

    supx∈U‖g(x)− f(x)‖ < r

    2.

    Para mostrar que (g, U, y) é admisśıvel, basta provar que y /∈ g(∂U).Para tanto, fixe x ∈ ∂U . Segue que

    ‖y − g(x)‖ = ‖y − f(x) + f(x)− g(x)‖ ≥ ‖y − f(x)‖ − ‖f(x)− g(x)‖ ≥ r2.

    Logo, y /∈ g(∂U).Agora, defina H : U × [0, 1]→ Rn por

    H(x, t) = (1− t)f(x) + tg(x).

  • 2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 41

    Vamos mostrar que H(x, t) 6= y para todo x ∈ ∂U e para todo t ∈ [0, 1]. Defato, fixe x ∈ ∂U e t ∈ [0, 1]. Então,

    ‖H(x, t)−f(x)‖ = ‖(1−t)f(x)+tg(x)−(1−t)f(x)−tf(x)‖ = t‖g(x)−f(x)‖.

    Portanto,

    ‖H(x, t)− f(x)‖ ≤ tr2≤ r

    2.

    Logo, H(x, t) 6= y para todo x ∈ ∂U e para todo t ∈ [0, 1]. Desta forma,podemos aplicar o item 5 acima e concluir que

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y),

    ou seja,degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    7- Sejam α = dist(y, f(∂U)) e V = Bα(y). Fixe z ∈ V e considere asfunções H : U × [0, 1]→ Rn e γ : [0, 1]→ Rn definidas por

    H(x, t) = f(x) e γ(t) = ty + (1− t)z.

    Como V é um conjunto convexo, γ(t) ∈ V para todo t ∈ [0, 1]. Além disso,V ∩ f(∂U) = ∅. Pela definição de H, temos Ht(∂U) = f(∂U) para todot ∈ [0, 1]. Portanto, γ(t) /∈ Ht(∂U) para todo t ∈ [0, 1]. Desta forma,podemos aplicar o item 5 acima e concluir que

    degB(f, U, z) = degB(f, U, y).

    8 - Suponha f−1(y) ∩ U = ∅. Então,

    dist(y, f(∂U)) ≥ dist(y, f(U)) = � > 0. (2.11)

    Pelo Teorema da Aproximação de Weierstrass, existe uma função g :U → Rn de classe C2 tal que supx∈U ‖g(x)− f(x)‖ <

    �2 . Pela Definição 2.8,

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    Para x ∈ U , temos

    ‖y − g(x)‖ ≥ ‖y − f(x)‖ − ‖g(x)− f(x)‖ > �− �2

    =�

    2.

    Isso implica que dist(y, g(U)) > �2 . Desta forma, g−1(y) ∩ U = ∅ e y é valor

    regular de g em U . Assim, podemos usar a Definição 2.2 e concluir que

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y) = 0.

  • 42 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Isso contraria a hipótese. Portanto, conclúımos que f−1(y) ∩ U 6= ∅.9 - Considere a homotopia H(x, t) = (1− t)f(x) + tg(x). Como f(x) =

    g(x) para todo x ∈ ∂U , então, para todo x ∈ ∂U e para todo t ∈ [0, 1],temos

    H(x, t) = (1− t)f(x) + tf(x) = f(x) = g(x).

    Desta forma, H(x, t) 6= y para todo (x, t) ∈ ∂U × [0, 1]. Sendo assim,aplicamos o item 5 acima e conclúımos que

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y),

    ou seja,degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    10 - Seja h = g−1 ◦ f ◦ g. Primeiramente, como g é difeomorfismo, entãog(∂E) = ∂U e, portanto,

    x ∈ ∂E ⇒ g(x) ∈ ∂U ⇒ f(g(x)) ∈ f(∂U)⇒ f(g(x)) 6= y.

    Portanto, g−1(f(g(x))) 6= p. Logo, p /∈ h(∂E).Agora, vamos dividir a demonstração em três passos.

    Passo 1: Assuma que f seja de classe C2 e que y seja valor regular de fem U . Neste caso, como g é um difeomorfismo de classe C2, temos

    degB(h,E, p) =∑

    (g−1◦f◦g)(q)=p

    sgn [g−1 ◦ f ◦ g]′(q),

    portanto

    degB(h,E, p) =∑

    (g−1◦f◦g)(q)=p

    sgn (g−1)′(f(g(q)))sgn f ′(g(q))sgn g′(q),

    ou seja,

    degB(h,E, p) =∑

    (g−1◦f◦g)(q)=p

    sgn f ′(g(q))sgn g′(q)

    sgn g′(g−1f(g(q))).

    Isso implica que

    degB(h,E, p) =∑

    f(g(q))=g−1(p)

    sgn f ′(g(q)) =∑

    f(g(q))=y

    sgn f ′(g(q)).

    Então,

    degB(h,E, p) =∑

    f(x)=y

    sgn f ′(x).

  • 2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 43

    Logo,degB(h,E, p) = degB(f, U, y).

    Passo 2: Agora, assuma que f seja de classe C2 e que y seja valorcŕıtico de f em U . Aplicando o Teorema de Sard, podemos encontrar umasequência (yn) tal que yn é valor regular de f em U para todo n e

    limn→∞

    yn = y.

    Sendo assim, a sequência (pn) = g−1(yn) é tal que pn é valor regular de h

    em E para todo n elimn→∞

    pn = p.

    Tome N , suficientemente grande, de tal forma que

    ‖yN − y‖ < dist(y, f(∂U)) e ‖pN − p‖ < dist(p, h(∂E)).

    Pelo passo anterior e pela Definição 2.5, conclúımos que

    degB(h,E, p) = degB(h,E, pN ) = degB(f, U, yN ) = degB(f, U, y).

    Passo 3: Finalmente, assuma que f seja cont́ınua. Pelo Teorema deAproximação de Weierstrass, podemos tomar uma sequência (fn), onde,para cada n, fn é uma função de classe C

    2 e (fn) converge uniformementepara f . Desta forma, a sequência (hn) = (g

    −1 ◦ fn ◦ g) é tal que, paracada n, hn é de classe C

    2 e (hn) converge uniformemente para h. Tome N ,suficientemente grande, tal que

    supx∈U‖fN (x)− f(x)‖ < dist(y, f(∂U))

    esupx∈U‖hN (x)− h(x)‖ < dist(p, h(∂E)).

    Usando o passo anterior e a Definição 2.8, conclúımos que

    degB(hN , E, p) = degB(h,E, p) = degB(fN , U, y) = degB(f, U, y).

    11 - Primeiramente, é evidente que (−f, U,−y) é admisśıvel.Agora, dividiremos a demonstração em três passos.

    Passo 1. Suponha f de classe C2 em U e y valor regular de f em U .Note que

    f−1(y) ∩ U = (−f)−1(−y) ∩ U.

  • 44 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Assim, se f−1(y) ∩ U = ∅, pela Definição 2.2, teriamos

    degB(f, U, y) = 0 e degB(−f, U,−y) = 0.

    Portanto,

    degB(−f, U,−y) = (−1)n degB(f, U, y).

    Do contrário, ou seja, se f−1(y) ∩ U 6= ∅, então, pela Definição 2.2,

    degB(−f, U,−y)∑

    x∈f−1(y)∩U

    sgn [−f ′(x)].

    Lembrando que sgn f ′(x) denota o sinal do determinante da matriz associ-ada ao operador f ′(x), segue que

    sgn [−f ′(x)] = (−1)nsgn f ′(x).

    Desta forma,

    degB(−f, U,−y) = (−1)n∑

    x∈f−1(y)∩U

    sgn f ′(x).

    Logo, pela Definição 2.2,

    degB(−f, U,−y) = (−1)n degB(f, U, y).

    Passo 2. Suponha f de classe C2 em U e y valor cŕıtico de f em U . PeloTeorema de Sard, podemos tomar z ∈ Rn, valor regular de f em U , tal que

    ‖z − y‖ < dist(y, f(∂U)).

    Assim, a Definição 2.5 garante que

    degB(f, U, y) = degB(f, U, z)

    e

    degB(−f, U,−y) = degB(−f, U,−z).

    Pelo passo 1,

    degB(−f, U,−z) = (−1)n degB(f, U, z).

    Logo,

    degB(−f, U,−y) = (−1)n degB(f, U, y).

  • 2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 45

    Passo 3. Finalmente, não acrescentaremos hipóteses sobre f e y. PeloTeorema de aproximação de Weierstrass, podemos tomar uma função g :Ω→ Rn cont́ınua em U e de classe C2 em U tal que

    supx∈U‖g(x)− f(x)‖ < dist(y, f(∂U)).

    Assim, a Definição 2.8 garante que

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y)

    edegB(−f, U,−y) = degB(−g, U,−y).

    Pelo passo 2,degB(−g, U,−y) = (−1)n degB(g, U, y).

    Logo,degB(−f, U,−y) = (−1)n degB(f, U, y).

    2.5 Grau de Brouwer em espaços normados reaisde dimensão finita

    O objetivo desta seção é estender o grau às ternas (f, U, y), onde f é umafunção definida em um subconjunto de um espaço normado real de dimensãofinita qualquer.

    No restante desta seção, sempre que usarmos o termo terna admisśıvel,estaremos nos referindo à definição a seguir.

    Definição 2.10. Seja V um espaço normado de dimensão n sobre R. Consi-dere Ω um subconjunto qualquer de V e U um subconjunto aberto e limitadode V com U ⊆ Ω. Se f : Ω→ V é cont́ınua em U e y ∈ V é tal que f(x) 6= ypara todo x ∈ ∂U , então dizemos que (f, U, y) é uma terna admisśıvel parao grau topológico.

    A construção exposta nesta seção se iniciará com a definição do graupara ternas admisśıveis (f, U, y), onde f é de classe C2 em U e y é valorregular de f em U . Em seguida, apresentaremos a propriedade da invariânciahomotópica que, junto com o Teorema de Sard e o Teorema de aproximaçãode Weierstrass, nos pemitirá definir o grau para o caso em que y seja valorcŕıtico de f em U e para o caso em que f seja cont́ınua em U . Para finalizaresta seção, exibiremos uma lista de propriedades do grau.

  • 46 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Definição 2.11. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classe C2 emU e y valor regular de f em U . Então, definimos o grau de Brouwer de(f, U, y) como

    degB(f, U, y) =∑

    x∈f−1(y)∩U

    sgn f ′(x), (2.12)

    onde sgn f ′(x) denota o sinal do determinante da matriz associada ao opera-dor linear f ′(x) em qualquer base de V . Se f−1(y)∩U = ∅, então definimosdegB(f, U, y) = 0.

    Pela Proposição 1.4, sgn f ′(x) não depende da base escolhida para V .Desta forma, o grau está bem definido. É importante observar que estadefinição é uma extensão da Definição 2.2, pois, se V = Rn, a fórmula acimacoincide com a fórmula (2.1).

    ou seja, na definição acima, V pode ser o espaço euclidiano Rn.O resultado a seguir mostra que, utilizando um isomorfismo qualquer,

    podemos relacionar os graus definidos em Rn e em V .

    Proposição 2.12. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel tal que f seja declasse C2 em U e y valor regular de f em U . Se h : V → Rn é umisomorfismo qualquer, então

    degB(f, U, y) = degB(h ◦ f ◦ h−1, h(U), h(y)).

    O lado esquerdo da igualdade se refere à Definição 2.11, ao passo que olado direito se refere, ao mesmo tempo, às Definições 2.2 e 2.11.

    Demonstração. Sabemos que

    degB(h ◦ f ◦ h−1, h(U), h(y)) =∑

    q∈h(f−1(y))

    sgn [h ◦ f ◦ h−1]′(q).

    Como h é linear,∑q∈h(f−1(y))

    sgn [h◦f◦h−1]′(q) =∑

    q∈h(f−1(y))

    sgn [h(f(h−1(q)

    ))f ′(h−1(q)

    )h−1(q)].

    Pela Proposição 1.5, segue que

    degB(h ◦ f ◦ h−1, h(U), h(y)) =∑

    x∈f−1(y)∩U

    sgn f ′(x).

  • 2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 47

    Logo, pela fórmula (2.12),

    degB(f, U, y) = degB(h ◦ f ◦ h−1, h(U), h(y)).

    O próximo resultado é a propriedade da invariância homotópica. Esteresultado vai permitir definir o grau para valores cŕıticos e para funçõescont́ınuas de forma semelhante ao feito para o grau em Rn.

    Proposição 2.13 (Invariância homotópica). Seja V um espaço normadode dimensão finita sobre R. Sejam U um subconjunto aberto e limitado deV e H : U × [0, 1]→ V cont́ınua em U × [0, 1] e de classe C2 em U × [0, 1].Considere y ∈ V tal que H(x, λ) 6= y para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1].Denotando H0 = H(·, 0) e H1 = H(·, 1), se y é valor regular para H0|U eH1|U , então

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    Demonstração. Fixe h : V → Rn um isomorfismo qualquer. Pela Proposição2.12, temos

    degB(H0, U, y) = degB(h ◦H0 ◦ h−1, h(U), h(y))

    e

    degB(H1, U, y) = degB(h ◦H1 ◦ h−1, h(U), h(y)).

    Observe que h ◦H ◦ h−1 : h(U)× [0, 1]→ Rn é uma homotopia cont́ınuaem h(U)× [0, 1] e de classe C2 em h(U)× [0, 1]. Além disso,

    y /∈ Ht(∂U)⇒ h(y) /∈ (h ◦Ht)(∂U) = (h ◦H ◦ h−1)(h(∂U)).

    Portanto, podemos usar a Proposição 2.3, item 5 e concluir que

    degB(h ◦H0 ◦ h−1, h(U), h(y)) = degB(h ◦H1 ◦ h−1, h(U), h(y)).

    Logo,

    degB(H0, U, y) = degB(H1, U, y).

    As duas proposições a seguir são análogas, respectivamente, à Proposição2.4 e à Proposição 2.7. Como as demonstrações também são análogas, asomitimos.

  • 48 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Proposição 2.14. Considere uma terna admisśıvel (f, U, y), com f declasse C2 em U. Sejam z0, z1 valores regulares de f em U tais que ‖y−zi‖ <dist(y, f(∂U)), i = 0, 1. Então,

    degB(f, U, z0) = degB(f, U, z1).

    Proposição 2.15. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel e considere g0, g1 :Ω→ V funções cont́ınuas em U e de classe C2 em U tais que

    supx∈U‖gi(x)− f(x)‖ < dist(y, f(∂U)),

    i = 0, 1. Então,

    degB(g0, U, y) = degB(g1, U, y).

    Da mesma forma que fizemos no caso Rn, podemos apresentar as seguin-tes definições:

    Definição 2.16. Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel com f de classe C2 emU . Então,

    degB(f, U, y) = degB(f, U, y),

    onde y é um valor regular qualquer de f em U com ‖y−y‖ < dist(y, f(∂U))e degB(f, U, y) é dado pela fórmula (2.12).

    Definição 2.17. Sejam (f, U, y) uma terna admisśıvel e g : Ω → V umafunção cont́ınua em U e de classe C2 em U tal que

    supx∈U‖g(x)− f(x)‖ < dist(y, f(∂U)).

    Então, definimos

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y),

    onde degB(g, U, y) é dado pela Definição 2.16.

    De forma análoga ao grau topológico das ternas (f, U, y), onde f era de-finida em um subconjunto do Rn, podemos provar uma lista de propriedadesdo grau para ternas (f, U, y), onde f está definida em um subconjunto deum espaço normado real de dimensão finita V . A seguir, veremos uma listacom tais propriedades, onde a prova será omitida.

    Proposição 2.18. As seguintes propriedades são válidas:

  • 2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 49

    1. (Normalização) Sejam V um espaço normado de dimensão n sobre R,I : V → V a função identidade e U um subconjunto aberto e limitadode V , então

    degB(I, U, y) = 1,∀ y ∈ U.

    2. (Translação) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel, então

    degB(f, U, y) = degB(f − y, U, 0).

    3. (Aditividade) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Se U1, U2 ⊆ U sãoabertos e disjuntos com y /∈ f

    (U \ (U1 ∪ U2)

    ), então

    degB(f, U, y) = degB(f, U1, y) + degB(f, U2, y).

    4. (Excisão) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel e considere um conjuntocompacto K ⊆ U tal que y /∈ f(K). Então,

    degB(f, U, y) = degB(f, U \K, y).

    5. (Invariância homotópica) Sejam V um espaço normado de dimensão nsobre R, U um subconjunto aberto e limitado de V , H : U × [0, 1]→ Vuma função cont́ınua e γ : [0, 1] → V uma curva cont́ınua tais queγ(t) /∈ Ht(∂U), para todo t ∈ [0, 1]. Então, degB(Ht, U, γ(t)) nãodepende de t.

    6. (Continuidade em relação á função f) Seja (f, U, y) uma terna ad-misśıvel. Então, existe � > 0 tal que, para toda função cont́ınuag : Ω→ V com

    supx∈U‖g(x)− f(x)‖ < �,

    a terna (g, U, y) é admisśıvel e

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    7. (Invariância local) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Então, existeuma vizinhança W de y tal que, para todo z ∈ W , degB(f, U, z) estádefinido e

    degB(f, U, z) = degB(f, U, y).

    8. (Existência de solução) Seja (f, U, y) uma terna admisśıvel. Se

    deg(f, U, y) 6= 0,

    então f−1(y) ∩ U 6= ∅.

  • 50 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    9. (Propriedade do bordo) Sejam (f, U, y) e (g, U, y) ternas admisśıveis.Se f(x) = g(x) para todo x ∈ ∂U , então

    degB(f, U, y) = degB(g, U, y).

    10. (Mudança de variável) Sejam (f, U, y) uma terna admisśıvel, g : V →V um difeomorfismo de classe C2 e E ⊆ V um conjunto aberto elimitado tal que g(E) = U . Se p = g−1(y), então (g−1 ◦ f ◦ g,E, p) éuma terna admisśıvel e

    degB(f, U, y) = degB(g−1 ◦ f ◦ g,E, p).

    11. (Função oposta) Se (f, U, y) for uma terna admisśıvel, então (−f, U,−y)será admisśıvel e

    degB(−f, U − y) = (−1)n degB(f, U, y).

    Aqui, n é a dimensão do espaço V que contém o domı́nio de f .

    Dado um espaço normado V de dimensão finita sobre R e uma funçãof : Ω→ V , definida em um subconjunto Ω de V , podemos relacionar o graude ternas do tipo (f, U, y) com o grau de ternas que contém restrições de fa subespaços W de V . O resultado a seguir mostra como fazer tal relação.Este resultado será fundamental, mais tarde, para definirmos o grau em umespaço de dimensão infinita.

    Lema 2.19. Sejam V um espaço normado de dimensão n sobre R e W umsubespaço de V de dimensão m < n. Sejam Ω ⊆ V um conjunto qualquere U ⊆ V um conjunto aberto e limitado tal que U ⊆ Ω. Considere umafunção f : Ω→W cont́ınua em U e defina g : Ω→ V por g(x) = x− f(x).Se g|Ω∩W : Ω∩W →W for a restrição de g em Ω∩W (com contradomı́nioW ) e y ∈W \ g(∂U), então

    degB(g, U, y) = degB(g|Ω∩W , U ∩W, y).

    Demonstração. Por simplicidade de notação, faça h = g|Ω∩W . Primeira-mente, vamos mostrar que

    g−1(y) ∩ U = h−1(y) ∩ U.

    A inclusão h−1(y)∩U ⊆ g−1(y)∩U é evidente. Para mostrar a outra inclusão,tome x ∈ g−1(y) ∩ U . Sendo assim, g(x) = y, ou seja, x = y + f(x) ∈ W .

  • 2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 51

    Desta forma, x ∈ U ∩ W . Portanto, y = h(x). Consequentemente, seh−1(y) ∩ (U ∩W ) = ∅, então g−1(y) ∩ U se torna igualmente vazio e estefato implica que

    degB(g, U, y) = degB(h, U ∩W, y) = 0.

    Suponha, portanto, h−1(y)∩(U ∩W ) 6= ∅ e divida o restante da demons-tração em dois passos.

    Passo 1: Suponha f de classe C2 em U e y valor regular de h em U ∩W .Considere a decomposição V = W ⊕W ′, onde W ′ é um complemento diretoqualquer de W . Fixe uma base de V obtida juntando uma base de W comuma base de W ′. Para x ∈ U ∩W , temos a seguinte matriz do operadorg′(x) na base que foi fixada: Ax B

    0(n−m)×m In−m

    ,onde Ax é a matriz do operador h

    ′(x) e

    B =

    − ∂f1∂xm+1

    (x) · · · − ∂f1∂xn

    (x)

    ......

    − ∂fn∂xm+1

    (x) · · · −∂fn∂xn

    (x)

    ,

    com∂fj∂xi

    denotando a derivada da j-ésima coordenada da função f com

    relação à i-ésima coordenada do ponto x.

    Conclúımos, pela Proposição 1.6, que, para x ∈ U ∩W ,

    sgn g′(x) = sgn h′(x).

    Juntando os fatos de que y é valor regular de h em U∩W e que h−1(y)∩U =g−1(y) ∩ U , segue que y é valor regular de g em U . Portanto,∑

    x∈g−1(y)∩U

    sgn g′(x) =∑

    x∈h−1(y)∩U

    sgn h′(x).

    Logo,

    degB(g, U, y) = degB(h, U ∩W, y).

  • 52 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

    Passo 2: Agora, suponha f apenas cont́ınua em U . Pelo Teorema deaproximação de Weierstrass, existe f̂ : Ω → W de classe C2 em U tal que,para todo x ∈ U ,

    ‖f̂(x)− f(x)‖ < dist(y, g(∂U)). (2.13)

    Defina as funções ĝ : Ω→ V e ĥ : Ω ∩W →W por

    ĝ(x) = x− f̂(x) e ĥ = ĝ|Ω∩W .

    Usando o Teorema de Sard, podemos escolher a ∈W valor regular de ĥtal que

    ‖a− y‖ < dist(y, ĝ(∂U)).

    Por (2.13), segue que

    ‖ĝ(x)− g(x)‖ < dist(y, g(∂U)).

    para todo x ∈ U e, pela Definição 2.8, obtemos

    degB(ĝ, U, y) = degB(g, U, y) e degB(ĥ, U ∩W, y) = degB(h, U ∩W, y).(2.14)

    Usando a Definição 2.5, segue que

    degB(ĝ, U, y) = degB(ĝ, U, a) e degB(ĥ, U ∩W, y) = degB(ĥ, U ∩W,a).(2.15)

    O Passo 1 implica que

    degB(ĝ, U, a) = degB(ĥ, U ∩W,a). (2.16)

    Conclúımos de (2.14), (2.15) e (2.16) que

    degB(g, U, y) = degB(h, U ∩W, y).

  • Caṕıtulo 3

    Algumas aplicações do graude Brouwer

    Vamos apresentar neste caṕıtulo duas aplicações do grau de Brouwer. Aprimeira é o Teorema do Ponto fixo de Brouwer. De uma forma geral, teo-remas de ponto fixo são de grande utilidade. Por exemplo, vários problemasde equações deferenciais podem ser transformados em problemas de pontofixo entre espaços de funções. Tal aplicação pode ser encontrada em [11,Mawhin].

    A segunda aplicação que veremos é o Teorema de Borsuk. Este teoremagarante, sob certas condições, que degB(f, U, y) é um número ı́mpar. Noteque, se degB(f, U, y) é um número ı́mpar, então degB(f, U, y) 6= 0. Destaforma, juntando este resultado com a Proposição 2.9, item 8, temos garan-tida a existência de solução para a equação f(x) = y.

    3.1 Teorema do ponto fixo de Brouwer

    Teorema 3.1 (Ponto fixo de Brouwer). Seja D ⊆ Rn um conjunto com-pacto, convexo e não-vazio. Se f : D → D é cont́ınua, então f tem umponto fixo. O mesmo continua verdadeiro se D é homeomorfo a um con-junto compacto e convexo.

    Demonstração. Primeiramente, vamos supor D = Br(0) e que f não tenhaponto fixo no bordo deD. DefinaH : D×[0, 1]→ Rn porH(x, t) = x−tf(x).Observe que:

    • para x ∈ ∂D temos H(x, 1) 6= 0, pois f(x) 6= x, para todo x ∈ ∂D;

    53

  • 54CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

    • para (x, t) ∈ ∂D × [0, 1) temos

    ‖H(x, t)‖ = ‖x− tf(x)‖ ≥ ‖x‖ − t‖f(x)‖ ≥ (1− t)r > 0.

    Conclúımos que H(x, t) 6= 0, para todo x ∈ ∂D e para todo t ∈ [0, 1]. Agora,usando a invariância homotópica, Proposição 2.9, item 5, temos

    degB(I,Br(0), 0) = degB(I − f,Br(0), 0).

    Pela Proposição 2.9, item 1, segue que

    degB(I − f,Br(0), 0) = 1.

    E, aplicando o item 8 da mesma proposição, segue que existe x ∈ Br(0) talque f(x) = x.

    Agora, suponha D um conjunto compacto e convexo qualquer e considerea seguinte extensão cont́ınua de f (veja em [5, Deimling, pag. 6]):

    f̃(x) =

    {f(x) se x ∈ D(∑

    i≥1 2−iφi(x)

    )−1∑i≥1 2

    −iφi(x)f(ai) se x /∈ D,

    onde {a1, a2, · · · } é um conjunto enumerável e denso em D e

    φi(x) = max

    {2− ‖x− a

    i‖dist(x,D)

    , 0

    }, ∀x /∈ D.

    O próximo passo é mostrar que f̃(Rn) ⊆ D. Para x ∈ D é evidente.Agora, note que, quando x /∈ D, temos

    f̃(x) = limm→∞

    Sm,

    onde

    Sm =

    (m∑i=1

    2−iφi(x)

    )−1 m∑i=1

    2−iφi(x)f(ai).

    Pela Proposição 1.13, para cada m, Sm ∈ convf(D), então f̃(x) ∈convf(D) para x /∈ D. Então, f̃(x) ∈ convf(D) para x /∈ D. Sendo Dcompacto, temos f̃(x) ∈ D para x /∈ D. Portanto, f̃(Rn) ⊆ D.

    Fixe r > 0 tal que D ⊆ Br(0). Pela primeira parte da demonstação,existe um ponto fixo x de f̃ em Br(0). Mas f̃(x) ∈ D, portanto x = f̃(x) =f(x).

  • 3.1. TEOREMA DO PONTO FIXO DE BROUWER 55

    Finalmente, suponha D homeomorfo a um conjunto compacto e convexoD0 ⊆ Rn e seja h : D0 → D um homeomorfismo. Pelo demonstrado no passoanterior, sabemos que h−1 ◦ f ◦ h : D0 → D0 tem um ponto fixo. Segue quef(h(x)) = h(x) ∈ D.

    O resultado seguinte é conhecido como Teorema de Perron-Frobenius eé uma aplicação do Teorema do ponto fixo de Brouwer.

    Proposição 3.2 (Perron-Frobenius). Seja A = (aij) uma matriz n× n talque aij ≥ 0 para todo i, j. Então, existem λ ≥ 0 e x 6= 0, tais que xi ≥ 0para todo i e Ax = λx.

    Demonstração. Seja

    D = {x ∈ Rn : xi ≥ 0 ∀ i en∑i=1

    xi = 1}.

    Vamos mostrar que D é um conjunto compacto e convexo. Primeiro,observe que D é um conjunto limitado. Para mostrar que D é fechado,considere dois conjuntos

    D1 = {x ∈ Rn : xi ≥ 0 ∀ i}

    e

    D2 = {x ∈ Rn :n∑i=1

    xi = 1}.

    Note que Rn\D1 = {x ∈ Rn : ∃ i0 tal que xi0 < 0} é um conjunto aberto,portanto D1 é um conjunto fechado. Defina a função cont́ınua f : Rn → Rpor

    f(x) =n∑i=1

    xi.

    Observe que D2 = f−1({1}), então D2 é um conjunto fechado. Como D =

    D1 ∩ D2, conclúımos que D é um conjunto fechado. Portanto, temos Dfechado e limitado no Rn, ou seja, D é compacto.

    Para mostrar a convexidade de D, fixe x, y ∈ D e λ ∈ [0, 1]. Então,

    λx+ (1− λ)y = (λx1 + (1− λ)y1, · · · , λxn + (1− λ)yn).

    É evidente que, para cada i, λxi + (1− λ)yi ≥ 0. Além disso,n∑i=1

    λxi + (1− λ)yi = λn∑i=1

    xi + (1− λ)n∑i=1

    yi = 1.

  • 56CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

    Logo, D é um conjunto convexo.

    Agora, se Ax = 0 para algum x ∈ D, então, o resultado está provadopara λ = 0. Suponha Ax 6= 0 em D. Lembre que as entradas da matriz A eas coordenadas do vetor x são não negativas, então Ax possui coordenadas(Ax)i não negativas. Como Ax 6= 0, pelo menos uma das coordenadas (Ax)ié positiva. Logo,

    n∑i=1

    (Ax)i > 0

    para todo x ∈ D. Defina uma função cont́ınua f : D → Rn por

    f(x) =Ax∑n

    i=1(Ax)i.

    Observe quen∑i=1

    fi(x) = 1

    e

    fi(x) ≥ 0

    para todo x ∈ D. Portanto,f(D) ⊆ D.

    Pelo Teorema 3.1, existe x0 ∈ D tal que f(x0) = x0. Fazendo λ =∑ni=1(Ax0)i, obtemos

    Ax0 = λx0.

    3.2 Teorema de Borsuk

    O objetivo desta seção é demonstrar o Teorema de Borsuk, cuja im-portância já foi mencionada no ińıcio deste caṕıtulo. Para tanto, vamosprecisar de alguns resultados preliminares.

    Lema 3.3. Sejam K e M subconjuntos compactos do Rn com K ⊆ M .Considere f : K → Rm, m > n, uma função cont́ınua com 0 /∈ f(K).Então, existe uma função cont́ınua f : M → Rm tal que f(x) = f(x), paratodo x ∈ K, e 0 /∈ f(M).

  • 3.2. TEOREMA DE BORSUK 57

    Demonstração. Seja � = dist(0, f(K)). Pelo Teorema de Extensão de Tietze,existe uma função cont́ınua g : Rn → Rm com g(x) = f(x) para todo x ∈ K.Agora, pelo Teorema de Aproximação de Weierstrass, podemos tomar uma

    função polinomial h : Rn → Rm tal que supx∈K ‖g(x) − h(x)‖ <�

    4. Como

    m > n, então, para todo x ∈ Rn, h(x) é valor cŕıtico de h. Usando oTeorema de Sard, dado y ∈ h(Rn), qualquer vizinhança de y contém valoresregulares de h, ou seja, h(Rn) tem interior vazio no Rm. Portanto, podemosencontrar a /∈ h(Rn) com ‖a‖ < �

    4. Agora, defina h1 = h− a : Rn → Rm. É

    evidente que 0 /∈ h1(Rn). Além disso, para x ∈ K,

    ‖h1(x)− g(x)‖ ≤ ‖h1(x)− h(x)‖+ ‖h(x)− g(x)‖ <�

    2.

    Considere a seguinte função cont́ınua:

    h2(x) =

    �h1(x)

    2‖h1(x)‖se ‖h1(x)‖ <

    2

    h1(x) caso contrário.

    Note que, para todo x, ‖h2(x)‖ ≥�

    2. Por outro lado, para x ∈ K, temos

    f(x) = g(x) e

    ‖h1(x)‖ ≥ ‖g(x)‖ − ‖g(x)− h1(x)‖ > �−�

    2=�

    2.

    Segue que, para x ∈ K, h2(x) = h1(x), e portanto

    ‖h2(x)− f(x)‖ = ‖h1(x)− g(x)‖ <�

    2.

    Considere a funçãoh2 − f : K → B �

    2(0),

    onde B �2(0) é a bola de centro 0 e raio

    2. Aplicando o Teorema de Extensão

    de Tietze, existe h3 : M → B �2(0) tal que h3(x) = (h2 − f)(x) para todo

    x ∈ K. Afirmamos que f = h2 − h3 é a função procurada. De fato, parax ∈ K,

    f(x) = h2(x)− h3(x) = h2(x)− (h2(x)− f(x)) = f(x).

    Além disso, para x ∈M ,

    ‖f(x)‖ ≥ ‖h2(x)‖ − ‖h3(x)‖ ≥�

    2− ‖h3(x)‖ >

    2− �

    2= 0.

    E assim completamos a prova.

  • 58CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

    Antes de provarmos o próximo lema, precisamos da definição a seguir.

    Definição 3.4. Um conjunto D ⊆ Rn é dito simétrico se, para cada x ∈ D,tivermos −x ∈ D. Uma função f : D → Rm é chamada função ı́mpar sef(x) = −f(−x) para todo x ∈ D.

    Lema 3.5. Seja D ⊆ Rn um conjunto aberto e limitado. Suponha que 0 /∈ De que D seja simétrico. Considere f : ∂D → Rm, m > n, uma função ı́mpare cont́ınua tal que 0 /∈ f(∂D). Então, existe uma função cont́ınua e ı́mparf : D → Rm tal que f(x) = f(x), para todo x ∈ ∂D, e 0 /∈ f(D).

    Observação 3.6. Note que o Lema 3.3 garante a existência de uma extensãode f que nunca se anula. Entretanto, neste caso, queremos que tal extensãoseja ı́mpar.

    Demonstração. Provaremos por indução em n. Suponha n = 1. Como0 /∈ D e D é compacto, então existem a, b ∈ R, com 0 < a < b, tais queD ⊆ [−b,−a] ∪ [a, b]. Seja

    f1 = f |∂D∩[a,b].

    Desta forma, f1 é cont́ınua e 0 /∈ f1(∂D∩ [a, b]). Pelo Lema 3.3, f1 pode serestendida continuamente à uma função f2 : [a, b] → Rm, com 0 /∈ f2([a, b]).Afirmo que g : D → Rm, definida por

    g(x) =

    {f2(x) se x ∈ D ∩ [a, b]−f2(−x) se x ∈ D ∩ [−b,−a],

    é a função procurada. Da forma em que está definida a função g, fica evidenteque g é cont́ınua, ı́mpar e que 0 /∈ g(D). Falta mostrar que g|∂D = f . Paratanto, tome x ∈ ∂D. Se x ∈ ∂D ∩ [a, b], então

    g(x) = f2(x) = f1(x) = f(x).

    Caso x ∈ ∂D ∩ [−b,−a], como f é ı́mpar, segue que

    g(x) = −f2(−x) = −f1(−x) = −f(−x) = f(x).

    Agora, suponha n > 1 e que o lema valha para n− 1. Vamos identificarRn−1 com o conjunto {(x1, · · · , xn) ∈ Rn : xn = 0}. Sejam

    D+ = {x ∈ D : xn > 0} e D− = {x ∈ D : xn < 0}.

    Note queD = D+ ∪D− ∪ ∂D ∪ (D ∩ Rn−1).

  • 3.2. TEOREMA DE BORSUK 59

    Sejaf1 = f |∂D∩Rn−1 .

    Temos f1 cont́ınua, ı́mpar e 0 /∈ f1(∂D ∩ Rn−1). Portanto, pela hipótese deindução, f1 pode ser estendida continuamente a uma função f2 : D∩Rn−1 →Rm, onde f2 é ı́mpar e 0 /∈ f2(D ∩ Rn−1). Defina

    f3(x) =

    {f2(x), se x ∈ D ∩ Rn−1f(x), se x ∈ ∂D.

    Primeiramente, veja que f3 está bem definida. De fato, se x ∈ (D∩Rn−1)∩∂D = ∂D ∩ Rn−1, temos

    f2(x) = f1(x) = f(x).

    Além disso, como f2(x) 6= 0 para todo x ∈ D ∩ Rn−1 e f(x) 6= 0 para todox ∈ ∂D, obtemos

    f3(x) 6= 0

    para todo x ∈ D ∪ Rn−1 ∩ ∂D. Agora, veja que f3 é ı́mpar. De fato, sex ∈ D ∩ Rn−1, então −x ∈ D ∩ Rn−1. Desta forma, f3(x) = f2(x) ef3(−x) = f2(−x) = −f2(x), portanto

    f3(x) = −f3(−x).

    Se x ∈ ∂D, então f3(x) = f(x) e f3(−x) = f(−x) = −f(x), portanto

    f3(x) = −f3(−x).

    A continunidade de f3 é evidente.

    Seja D̂ = D \D−, ou seja,

    D̂ = (D ∩ Rn−1) ∪D+ ∪ ∂D.

    Desta forma, temos que D̂ é um conjunto compacto e, pelo Lema 3.3, f3 podeser estendida continuamente a uma função f4 : D̂ → Rm, com 0 /∈ f4(D̂).Finalmente, defina

    g(x) =

    {f4(x) se x ∈ D̂−f4(−x) se x ∈ D \ D̂ = D−.

    É evidente que 0 /∈ g(D). Note que, se x ∈ ∂D, então x ∈ D̂, portantog(x) = f4(x) = f3(x) = f(x). Logo,

    g|∂D=f .

  • 60CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

    Agora, para mostrar que g é ı́mpar, observe que se x ∈ D ∩ Rn−1, então−x ∈ D∩Rn−1, portanto g(x) = f4(x) = f3(x) e g(−x) = f4(−x) = f3(−x).Assim,

    g(x) = −g(−x).

    Se x ∈ ∂D, então −x ∈ ∂D, portanto g(x) = f4(x) = f3(x) = f(x) eg(−x) = f4(−x) = f3(−x) = f(−x). Logo,

    g(x) = −g(−x).

    Se x ∈ D+, então g(x) = f4(x) e g(−x) = −f4(x). Logo,

    g(x) = −g(−x).

    Se x ∈ D−, então g(x) = −f4(−x) e g(−x) = f4(−x). Logo,

    g(x) = −g(−x).

    Falta mostrar que g é cont́ınua. Se x0 ∈ D+ ∪ D−, então a continuidadeem x0 será evidente. Para x0 ∈ ∂D ∪ (D ∩ Rn−1), considere uma sequência(xr) ⊆ D tal que

    x0 = limr→∞

    xr.

    Temos dois casos para analisar:

    (i) (xr) possui uma subsequência (xrk) tal que xrk ∈ D̂ para todo rk;

    (ii) (xr) possui uma subsequência (x̃rk) tal que x̃rk /∈ D̂ para todo rk, istoé, −x̃rk ∈ D+ para todo rk.

    No caso (i), temos

    limrk→∞

    g(xrk) = limrk→∞f4(xrk) = f4(x0) = g(x0).

    No caso (ii), temos

    limrk→∞

    g(x̃rk) = limrk→∞−f4(−x̃rk) = − limrk→∞

    f4(−x̃rk) = −f4(−x0) = g(x0).

    Desta forma, conclúımos que g é cont́ınua.

    Agora veremos o último lema antes do principal resultado desta seção.Observe que, no lema a seguir, a função f tem domı́nio e contradomı́nio demesma dimensão.

  • 3.2. TEOREMA DE BORSUK 61

    Lema 3.7. Seja D ⊆ Rn um conjunto aberto, limitado e simétrico tal que0 /∈ D. Seja f : ∂D → Rn cont́ınua e ı́mpar tal que 0 /∈ f(∂D). Então,existe uma função g : D → Rn cont́ınua e ı́mpar tal que g(x) = f(x) paratodo x ∈ ∂D e g(x) 6= 0 para todo x ∈ D ∩ Rn−1.

    Demonstração. Vamos identificar o Rn−1 com o conjunto {(x1, · · · , xn) ∈Rn : xn = 0}. Considere os conjuntos

    Rn+ = {x ∈ Rn : xn > 0} e Rn− = {x ∈ Rn : xn < 0}.

    Sejaf1 = f |∂D∩Rn−1 = f |∂(D∩Rn−1).

    Como f1 é cont́ınua, ı́mpar e 0 /∈ f1(∂(D ∩ Rn−1)), então, pelo Lema 3.5,existe uma função f2 : D ∩ Rn−1 → Rn cont́ınua, ı́mpar tal que 0 /∈ f2(D ∩Rn−1) e f2|∂(D∩Rn−1) = f1.

    Defina f3 : (D ∩ Rn−1) ∪ ∂D → Rn por

    f3(x) =

    {f2(x), se x ∈ D ∩ Rn−1f(x), se x ∈ ∂D.

    Note que f3 está bem definida. De fato, se x ∈ ∂D ∩ (D ∩ Rn−1), entãox ∈ ∂D ∩ Rn−1 e, portanto,

    f2(x) = f1(x) = f(x).

    Além disso, é evidente que f3 é ı́mpar e 0 /∈ f3(D∩Rn−1). Como f3 é cont́ınuanos conjuntos ∂D e D ∩ Rn−1, então f3 é cont́ınua. Sendo o compacto∂D∪(D∩Rn−1) um subconjunto do compacto ∂D∪(D∩Rn−1)∪(D∩Rn+) =D̂, segue, pela Proposição 1.15, que existe uma função f4 : D̂ → Rn cont́ınuatal que f4|∂D∪(D∩Rn−1) = f3.

    Finalmente, defina g : D → Rn por

    g(x) =

    {f4(x), se x ∈ D̂−f4(−x), se x ∈ D \ D̂.

    Com argumento análogo ao usado na demonstração do Lema 3.5, prova-seque g é cont́ınua e ı́mpar. Além disso, como

    g|D∩Rn−1 = f4|D∩Rn−1 = f3|D∩Rn−1 = f2,

    então g(x) 6= 0 para todo x ∈ D ∩ Rn−1.

  • 62CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

    Finalmente, podemos provar o principal resultado desta seção.

    Teorema 3.8 (Teorema de Borsuk). Seja D ⊆ Rn um conjunto aberto,limitado e simétrico tal que 0 /∈ D. Seja f : D → Rn uma função cont́ınuatal que 0 /∈ f(∂D) e assuma que

    f(x)

    ‖f(x)‖6= f(−x)‖f(−x)‖

    (3.1)

    para todo x ∈ ∂D. Então,degB(f,D, 0)

    é um número ı́mpar.

    Demonstração. A demosntração será dividida em quatro passos.

    Passo 1: Vamos mostrar que podemos assumir, sem perda de generali-dade, que f é uma função ı́mpar. De fato, seja g : D → Rn uma funçãodefinida por

    g(x) = f(x)− f(−x).É evidente que g é c