plutarco em portugal

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  • ,.,m

    HUMANITASVOL LV I MMII

    NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES Universidade de Coimbra

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Scrates Philosophiam e coelis deduxit in terras, Phitarchus introduxit in cubiculum, in conchue, in tbalamos sngidomm.

    Erasmo, L.B., IV, 57-58*

    Jacqueline de Romilly, com a agudeza e a sensibilidade que pe em todos os seus trabalhos, dedica dois importantes captulos a Plutarco, na sua obra La douceur dam la pense grecque, onde afirma: Vers la fin de la grande littrature grecque, on trouve, avec Plutarque, 1'apoge de la notion de douceur. Chez lui, elle est partout; elle commande tout; et elie s'panouit

    2

    comine l'immage mme d'un ideal de vie essentiellement grec. O prprio vocabulrio da doura ? termo que exprime a

    qualidade humana de cada situao mais rico e mais completo do que

    3

    em qualquer out ro escritor, grego ou r o m a n o .

    ' ErasmiDesiderii Opera omnia (in decem tomos distincra). Recognovit joannes Clcricus, Leidcn 1703. Univcranderter reprographischer Nachdruck. Hildesheim, 1961-1962 [cit. L.B].

    ' Paris, 1979- Cf. chap. XVI e XVII: Plutarque et la douceur des hros (p. 275-292); Plutarque et la douceur des sages (p. 293-307).

    2 Ibidem, p. 275. prossegue a eminente professora (p. 292): ...la douceur voque

    par Plutarque s'inspire en certains cas de modeles [...]. Entre tous ces modeles, Plutarque choisit selon les circonstances; et leur combinaison mme releve d'un mrite qu'aucun des auteurs prcdents n'avait possd savoir Ia finesse dans Panalyse psychologique.

    3 Ibidem, p. 274. esta a concluso a que chega, aps o confronto que faz dos Moralia

    e das Vitae Parallelae de Plutarco com as obras de autores gregos e romanos, designadamente

  • _NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    Diversos, com efeito, so os estudos que analisam os termos, recorrentes

    na o b r a d e P l u t a r c o , q u e e x p r i m e m es ta n o o . E n t r e e les , s u r g e

    f r e q u e n t e m e n t e o de philanthrpia, que se def ine c o m o a v i r t u d e p o r 4

    excelncia do h o m e m civilizado e bem educado.

    Essncia do mov imen to humanista , a humanitas pon to de encont ro

    entre tradio clssica e tradio crist abarca os conceitos de humanitas

    c o m o sympteia, de humanitas c o m o pietas, de humanitas c o m o charitas

    hominum, q u e n o so ma i s d o q u e var iaes d o c o n c e i t o g rego de

    philanthrpia.

    Se no possvel e n c o n t r a r no R e n a s c i m e n t o q u a l q u e r d o u t r i n a

    filosfica c o m u m , c o m o observa Paul Oskar Kristeller, premissa essencial

    de toda a cultura humanst ica, assente no aristotelismo tico-poltico e no

    designado socratismo cristo, que o homem nasce para ser til ao ou t ro

    homem, pelo que o desenvolvimento dos dotes da ratio e do uerbum, que

    Plato, Aristteles, Iscrates, Xenofonte, Ccero e Sneca. Este ltimo tem tratados sobre os mesmos temas com os mesmos ttulos, como o caso do De ira e do De tranquiltate animi.

    4 Ibidem, p. 274-307. Sobre a noo de philantrpia que ultrapassa o mbito dos

    autores da Antiguidade greco-latina nos autores cristos, cf. ibidem, Douceur paenne et bont cbxtienne. I. La rvolution du Christianisme.

    5 Ilustrativa, neste sentido, a expresso de Guarino de Verona: Humanitas dicitur

    doctrina et erudicio unde vocantur srudia humanitatis pro illa affectione quam habemus erga homines, quam Graeci uocant philanthrpia, apud Gioacchino Papareili, Feritas, humanitas, diuinitas. Lessenza urnanistka dei Rinascimento, Napoli, 1973, p. 129. Papareili demonstra, no cap. IX, p. 115-129, como os conceitos de doctrina e philanthrpia se encontram intimamente ligados, na definio dos studia humanitatis, desde Petrarca e os humanistas do Quattrocento Guarino de Verona, Leon Battista Alberti, Enea Silvio Piccolomini aos primeiros humanistas europeus de Quinhentos, e entre eles Erasmo, fervoroso seguidor de Plutarco.

    6 P. O. Kristeller, The CUssicsandRenaissance thought, Cambridge-Massachusetts, 1955,

    p. 22. Em seu entender, o Humanismo da Renascena, movimento cultural e literrio, que na sua substncia no era filosfico, teve importantes implicaes e consequncias filosficas, directamente relacionadas com o seu fundamental classicismo, que modelou o pensamento da poca, em todos os domnios do conhecimento. Entre os autores da Antiguidade Clssica que considera favoritos do Humanismo Renascentista, conta-se Plutarco (cf. ibidem, e. g. p. 18 e 21).

    7 Vide e. g. Leon Battista Alberti, De kiarchia, in Opere volgari, ed. Bonucci (Firenze,

    1843-1849): Il, p. 92.

    194

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    os d i s t i n g u e m dos o u t r o s a n i m a i s , t e m u m a lcance socia l . O s studia

    humanitatis so assim colocados ao servio da vita civile, em profunda

    implicao entre doctrina e societas.

    N o sem razo, Plutarco est entre os autores gregos que mais interesse

    despertaram no Renascimento . H o u v e j quem afirmasse que Ccero, Sneca, Plutarco preenchiam., no essencial, o quadro de uma humanitas or ientada

    no sentido da vida social, ou melhor de uma humanitas destinada a torna-se

    humanitas christiana.

    Cons ide rado pelos humanis tas desde Poliziano e Marsil io R e i n o , a

    Erasmo e Fr. Lus de Granada como um moralista capaz de fazer a sntese

    entre a filosofia moral pag e o verdadeiro cristianismo, foi assinalvel a

    influncia de Plutarco no mov imen to getal das ideias renascentista.

    O H u m a n i s m o , que se centra no saber e nos valores da Ant iguidade

    apoiados nos textos originais dos seus autores, criteriosamente depurados e

    estabelecidos pela rigorosa filologia, vai conhecer e apreciar Plutarco, nos

    seus escritos morais, nos Moralia, de grande variedade e ampl i tude temtica,

    e nas Vitae Parallclae, as suas biografias de homens ilustres, gregos e romanos,

    sobre os quais estabelece o pmgon.

    C o n h e c i d o na Idade Mdia atravs do tratado pseudo-p lu ta rquiano

    Institutio Trajani, e redescober to , na sua obra comple ta , nos finais d o

    8 Sobre o empenhamento cvico do primeiro humanismo italiano e, na sua peugada, do

    movimento humanista europeu, vide e. g. j . Benthley, Politics andcidture in Renaissance Npoles. Princeton, 1987, maxime, p. 196-197; P. Burke, The Italian Renaissance eultureand'society in Italy. Cambridge,-'1987.

    ' Cf. O. Schottenloher,' rasme et la Respublca Christiana', in Colloquia Erasmiana Turonensia, voi. II, Paris, Vrin, 1972, p. 667-690. Cf. maxime p. 684.

    111 Frei Lus de Granada refere-o explicitamente, no prefcio da sua Collectanea mora/is

    philosopbiae (Olyssipone, 1571). Na sua Ecclesisticae rhetorkae siue de raone concionandi libri sex (Olyssipone, 1576) aduz o testemunhos de insignes autores e, em primeiro lugar, Plutarco, o mais grave de todos os filsofos. Cf. trad. espanhola: L. De Granada, Los seis libros de la Rhetrica Eclesistica, III, Madrid, 1945, p. 494.

    1' lista obra que segundo a tradio o resultado do magistrio de Plutarco junto do

    imperador Trajano , encontrada no sculo XII, apresenta a orgnica do estado da Antiguidade, com um tnue revestimento cristo, e aponta no sentido da secularizao. Cita-a Frei Antnio

    195

  • _NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    Trecento, sobretudo a partir do sculo XV que o escritor cie Queroneia vai merecer edies e tradues latinas da autoria de humanistas de renome, e nas diferentes lnguas vulgares, nos quatro cantos da Europa culta. Entre estas, dadas as afinidades culturais e polticas de Portugal e Castela, merecem especial relevo as tradues castelhanas quatrocentistas de Alonso de Palencia e Carlos de Aragn, prncipe de Viana e, no sculo XVI, as de Diego Gracin de Alderete.

    Plutarco foi um dos autores mais fret]uentemente traduzidos e editados, mais lidos e imitados no Renascimento. A Guarino de Verona se deve a traduo do tratado pseudo-plutarquiano, o TTepl ?, conhecido pelo ttulo latino De liberis editcandis, com importncia marcante na divulgao da moderna pedagogia humanista a ponto de ser

    de Beja, na sua Breve Doutrina e ensinana de prncipes, atravs de Vincent de Beauveais. Vide a este propsito, Nair de Nazar Castro Soares, O prncipe ideal no sculo XVI e a obra de D.

    Jernimo Osrio, Coimbra, INIC, 1994., p. 60 e 68. 12

    Vide August Buck, Lredit clssica nelle letterature neolatine dei Rinascimento, trad.

    ital., Brescia, 1980, p. 157 e sqq.; D. P. Lackwood, 'Plutarch in the 14th Century , TAPhA 64

    (1933) 66 c sqq. 13

    Entre os tradutores de grego para latim, encontram-se humanistas famosos como

    Guarino de Verona, Francesco Brbaro, Leonardo Bruni, Franccsco Filero, Coluccio Salutati,

    Bartolomeo Platina, Angelo Decembrio, Niccol Perotti, Desiderio Erasmo.

    Em lnguas vulgares, alm das tradues para castelhano, refiram-se as tradues de

    Pedro Crinito, para italiano, de Thomas Elyot e Thomas North para ingls, de Amyot, para

    francs, entre os principais. Sobre as tradues das obras de Plutarco, vide Nair de Nazar

    Castro Soares, O prncipe ideal no sculo XVI c a obra de D. Jernimo Osrio cit., p. 86; 87; 90; 92-

    93; 100; 112; 115; 116; 122; 143; 145; 149; 160; 167; 226-228; 237.

    '"' Alonso de Palencia (1423-1492) foi pajem de D. Alonso de Cartagena e de Bessarin, em Itlia, onde estudou grego com Jorge Trebizonda. D. Alonso de Cartagena, futuro bispo de

    Burgos, traduziu o primeiro livro do De inuentione de Ccero para o nosso rei D. Duarte e foi

    diplomata em Portugal de 1421-1431. Vide a este propsito, Nair de Nazar Castro Soares, O

    prncipe ideal no sculo XVI e a obra de D. Jernimo Osrio cit., p. 90. 15

    Vide V R. Giustiniani,'Sulle traduzioni latine delle Vitei Plutarco nell Quatrocento', Rinascimento 1 (1961) 3-62; R. Aulotte, Amyot et Plutarque. La tradition des moralia auXVI'siclc, Genve, 1965- Sobre Plutarco, 1'auteur peut-tre !e plus u au XVI'' siclc, vide Augustin

    Redondo, Antnio de Guevara (I480?-1545) et Espagne de son temps. (De la carrire officielle aux oeuvres politico-morales), Genve, 1976, p. 623. Tambm P. O. Kristeller, The Classicsand Renaissance tbought cit., p. 18 e 21 o considera um dos autores favoritos do Renascimento.

    196

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    considerado, conjuntamente com a obra de Quint i l iano, verdadeiro vademecum de todos os escritores pedaggicos do Renascimento.

    Plutarco foi objecto de grande apreo e efusivos louvores. So reveladoras, neste sentido, as palavras de Rabelais, quando apresenta Gargntua, na clebre carta a Pantagruel, a deleitar-se com a leitura dos dilogos de Plato e "les Moraulx de Plutarche" e a recomend-la a seu filho.'7

    A mensagem espiritualizada de Plutarco, posta ao servio da moral natural e do relacionamento, em termos afectivos, entre os membros de uma comunidade, encontta-se na Utopia de Thomas More. Os seus habitantes, leitores de Plutarco, tinham uma constituio modelada pelas leis de Licurgo, em Esparta, e adoravam uma deusa, Mytra o nome de Mytra amplifica o sentido misterioso e sobrenatural do ser divino

    aparentada com a divindade persa referida por Plutarco em De Iside et ia

    O siri de. Guil laume Bud modela a sua Institution dn prince sobre os

    Apophtegmata de Plutarco. Frei Antnio de Guevara, no Relox de prncipes editado em Lisboa

    em 1529 por Germo Galhardo, com privilgio de D. Joo 111, segue Plutarco como principal fonte.

    Antnio de Nebrija, em De liberis educandis, Thomas Elyot, em The

    16 So estas as palavras de G B. Gerir, Gli scrittori pedagogici Jtaliani dei secolo

    decimoquinto, Torino, Ed. Paravia, 1896, p. 274; Tra le moltepl ici operette di Plutarco, tradotte

    dal Guarino, notevole 1'opuscolo lntorno aWeducazione dei fanciulli, che fece latino ira il 1410 ed ii 1411, dedicandolo ad Angelo Corbinelh, il qualescritto, unitamenteallOperadi Quintiliano, divenne il vademecum di tutti gli scrittori pedagogici dei Rinascimento

    17 Franois Rabelais, Pantagruel. Texte tabli et presente par Jean Plattard. Paris, 1959,

    cap. VIII, p. 42. 18

    Andr Prvost, UUtopie de Thomas More. Prsentation, texte original, apparat cri-

    tique, exegese, traduetion et notes. Prface de Maurice Schumann. Paris, 1978, pp. 119-120;

    541; 590; 613 e 715-7 i6 . 17

    Cf. Claude Bontems et alii, Le prince datis la Trance des XVI" et XVII'. sicles, Paris,

    1965, p. 9-10. 20

    Augustin Redondo, Antnio de Guevara (1486-1545) et Espagne de son temps cit., p. 545.

    197

  • JSAIR DENAZAR CASmioSQARES

    governam; Sadoleto, em De liheris recte instituendis., do testemunho da presena constante de Plutarco, modelo pedaggico do humanismo europeu o Educador da Europa.

    Montaigne sada nestes termos a traduo das Oeuvres morales de Plutarco, que Amyot acabava de publicar (Essais, II, 4): "... mais surtout je lui sais bon gr d' avoir su trier et choisir um livre si digne et si props, pour en faire prsent son pays. Nous autres ignorants tions perdus, si ce livre ne nous euf releves du bourbier: sa merci (grce lui) nous osons cette heure et parler et crire; les dames en rgentent les matres d'cole; c' est notre breviaire .

    23

    Encarregado da educao dos dois ltimos prncipes Valois, Amyot traduziu em 1559, com dedicatria a Henrique II, as Vis des hommes illustres e em 1 572 as Oeuvres morales que dedica a Carlos IX. A Amyot e lio de Plutarco se deve a reputao de ter sido este rei educado "fort catholiquement", assim como a do seu "bon, orne et loquent parler".

    contudo Erasmo, entre todos os autores desta poca, aquele cuja obra reflecte de forma mais profunda, temtica e formalmente, a lio do autor de Queroneia. que aos muitos escritos de Erasmo alm da preocupao moral de fornecer modelos de conduta ao homem comum e ao homem de estado preside tambm o ideal pedaggico e didctico da formao integral do homem, na sua dimenso humana, espiritual e

    21 Vide Elio Antnio de Nebrija, De liberis educandis libeUm (1509): la edticacin de los

    hijos. Estdio, edicin, rraduccin y notas por Lon Esteban y Laureano Robles. Valncia, 1981;Thomas Elyot, TheBokenarned'thegovernour. Edit. . H. S. Croft, 2 vols. London, 1880; do tratado de Sadoleto, vide Trait d'iducation du Cardinal Sadolet et vie de Vauteur par Antoine Florebelli. Traduit pour la premire fois avec texte latin, notes explicatives et justificatives par P. Charpenne. Paris, 1855.

    22 Cf. Pierre Villey, Les sources d' ides. Paris, 1912, p. 13-14.

    2S Vide A. Adler, 'J. Amyot preceptor of rwo kings', Renaissance News 10, 3 (1975), p.

    131-138. 2A

    Vide Ferdinand Buisson, Dictionnaire de pdagogic et d'instruction primaire. Paris, 1887, s.v. Princes (Education des), p. 2435-2436.

    Para se fazer uma ideia do empenho dos humanistas pela obra de Plutarco, pode

    consultar-se a bibliografia apresentada por Robert Aulotte, Plutarque en Francc au XVIe Sicle

    (Trois Opuscules Moraulx traduits par Antoine du Saix, Pierre de Samt-julien et Jacques Amyot). Paris, 1971, p. 243-245.

    198

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    metafsica, numa permeabilidade intrnseca entre studia humanitatis e studia diuinitatis. Elucidativas, neste sentido, so estas palavras do Humanista de Roterdo: Bonae litterae reddunt homines; philosophia plusquam hommes; tbeologia redd.it diuos.

    Erasmo no se cansa de proclamar a grandeza do moralista grego, com quem profundamente se identifica, nos interesses comuns, nas ideias pedaggicas, tico-polticas, de moral individual e social, na sensibilidade e gostos estticos afins.

    A expresso do apreo de Erasmo por Plutarco a par da confessada dvida em relao sua obra surge a cada passo, a abrir os Adagia, os Apophthegmata, na Institutio principis christiani. Nesta obra, o humanista de Roterdo coloca Plutarco em primeiro lugar, entre os autores clssicos que aconselha ao prncipe, no s pelos ensinamentos dos seus tratados nada pode existir de mais santo ' como pelo exemplo da sua vida.

    Compreende-se assim que Plutarco, a par de Quintiliano logo seguidos de Digenes Larcio seja. tambm a principal fonte do tratado de Erasmo que se destina educao da primeira infncia, o De pueris

    27

    instituendis, cuja recepo enorme em toda a Europa. na obra de Plutarco e na de Digenes Larcio, editadas por vezes

    conjuntamente sem esquecer as de Suetnio, Aulo Glio ou Valrio Mximo , que os humanistas satisfazem o interesse pela Antiguidade, pelo pulsar concreto da vida das grandes figuras histricas, pela profundidade do seu pensamento, e colhem os exempla que enriquecem a sua inventio.

    25 D.Erasmo, L.B., -IV, 628 D.

    26 D. Erasmo, L.B., IV, 587 F.

    Vide tambm a este propsito, Pierre Mesnard, Vessorde la philosophie politique auXVF sicle. Paris, 1977, chap. II "rasme ou vangelisme politique", p. 97.

    27 Vide J . - O Margoiin, Declamatio de pueris statim ac liberaliter instituendis. Etude cri-

    tique, traduetion et commentaire. Genve, 1966, p. 96-100. 28

    Vide a edio conjunta de escritos de Plutarco e Digenes Larcio na B.N. Paris (cota: Z. 17588): Apophthegmata graeca regum et ducum, philosophorum item aliorumque... ex Plutarco et Diogene Laertio. Cum latina interpretatione. Loci aliquot n graeco contextu emendati fuerunt... . s. 1., H. Stephanus, 1568.

    l'' Sobre o interesse das obras de carcter biogrfico no Renascimento, vide P. O.

    Kristeller, 'Umanesino filosfico e umanesino letterario', LettereItaliane, 14 (1962), p. 392: "Nei

    199

  • .NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    Em Portugal, com a introduo do Humanismo, nos finais do sculo XV, designadamente a partir de Cataldo Parsio Sculo, Plutarco faz parte do corpus auctorum, lido e assimilado pelos nossos humanistas e integra a cultura literria dos nossos escritores da poca de Quinhentos.

    j antes, num proto-humanismo liderado pelos Prncipes de Avis, a lio de Plutarco se fizera sentir, entre ns, por influncia dos autores do

    . , . 30

    Quattrocento italiano. A preferncia por Plutarco reflecte-se j na obra de Vasco de Lucena,

    um portugus ao servio da duquesa Isabel, filha de D. Joo I, na corte de Borgonha do sculo XV, com estreitas relaes com o humanismo italiano, a que tambm ns no fomos alheios. A Vasco de Lucena se deve a Histoire d'Alexandre de Quinto Crcio, completada nas lacunas do original sobretudo pela Vida de Alexandre de Plutarco, segundo a verso latina de Ckiarino de Verona.

    Expressiva, neste sentido, a traduo do tratado pedaggico, com ntida influncia de Plutarco, de Per Paolo Vergerio, o De ingenuis nwribus et liberalibus studiis adulescentiae, realizada por Vasco Fernandes de Lucena, na corte de Avis, a pedido do Infante D. Pedro que conhecera Vergerio em

    campo letterario, la letteratura biogrfica e quella autobiogrfica ebbero una fiortura raramente

    raggiunta in altre epoche". 30

    Se possvel aludir a uni proto-humanismo na corte de Avis, a influncia humanista

    bem mais notria do ponto de vista ideolgico do que do ponto de vista esttico-filolgico,

    onde haveria ainda largo caminho a percorrer.

    Per Paoio Vergerio, que sabia grego e tivera Crisolara por primeiro mestre, recolhe, na

    sua obra pedaggica, os ensinamentos de Plutarco do tratado pedaggico c das restantes

    Obras morais e das Vidas Paralelas, pois cita a Vida de Mrio, Sabe-se que a traduo latina de

    Guarino de Verona do De liberis educandisde Plutarco data de 1410, apesar de ter sido publicada

    era 1497. (E conhecida, no entanto, a ampla divulgao, nesta poca, dos originais manuscritos, por vezes com implicaes a nvel de autoria, como o caso da obra De regnandi peritia de

    Agostinho Nifo, inspirada no manuscrito de Hprincipee Maquiavel). Sobre a importncia de Plutarco no Quattrocento italiano, vide G. B. Gerini, Scrittori

    pedagogia Italiani dei secolo decmoqunto, Torino, 1896; Eugnio Garin, II pensiero pedaggico

    dello Urnanesimo, Firenze, 1958, p. 307-503 e 725-726.

    " Vide R. Bossuat, 'Visquede Lucne, tradueteurde Quinte-Curce (1468)', Bibliothque d'Humanisme et Renaissanee 8(1946), 197-246; Idem, 'Lessources du Quinte-Curce de Vasque de Lucne', in Mlanges Flix Grat, 1, Paris, 1946, p. 345-356. Cf. Nair de Nazar Castro Soares,

    O prncipe ideal no sculo XVI cit., p. 87.

    >00

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Itlia. De grande significado na definio dos nossos ideais culturais a

    influncia directa da Itlia em Portugal, pelo menos a partir do incio do sculo XIV. Conhecida a presena de letrados portugueses em Itlia entre 1350 e 1450 e o papel desempenhado pelo abade D. Gomes, geral da ordem camalduense e nncio e visitador apostlico dos mosteiros de Portugal,

    33 .

    figura de grande prestgio em Florena. Na abadia de D. Gomes, futuro prior de Santa Cruz de Coimbra, fora D. Pedro recebido por ocasio da sua visita a Itlia.

    A importncia que o livro de Vergerio teve no Renascimento portugus advm-lhe no s da recepo que teve entre ns, a partir do sculo XV, mas sobretudo do facto de definir os ideais e o programa da educao humanstica. Dedicado a Ubertino de Garrara, este tratado destinava-se educao de jovens pertencentes a famlias principescas ou nobres. O ideal de renovao do esprito de Roma presidiu elaborao desta obra, em que sobressai a inspirao dos clssicos, Ccero e Sneca e os recm redescobertos Quintiliano e Plutarco intrprete este ltimo do pensamento grego dos autores do sculo

    36 IV e da filosofia da poca heienstica, com admirvel sincretismo.

    31 . Vergerio, De ingenuis moribus et liberalibus studiis aduleseentiae. Ed. A. Gnesotto.

    Padova, 1918. Vide a importncia desta obra na histria da pedagogia, in Nair de Nazar Castro

    Soares, O prncipe ideal no sculo XVI cit., p. 101-102. Vasco Fernandes de Lucena distinto

    de Vasco de Lucena, anteriormente referido foi uni dos tradutores mais activos dos autores

    clssicos, ao servio dos ideais pedaggicos dos prncipes de Avis. Desempenhou ainda funes

    de embaixador do rei D . Duarte (ao conclio de Basileia e junto do Papa Eugnio IV) e do rei D. Joo II (junto do papa Inocncio VII).

    "Vide Davide Bigalli, 'La citt e gli oceani. Linee di raporti tta Toscana e Portogallo

    nella prima et medicea1, in Studi e ricerche { nova serie), I, acura di Davide Bigalli, Bari, 1989, p. 65-117.

    " D. Pedro convivera, em Itlia, com humanistas famosos e atraiu as sua simpatias,

    como prova a dedicatria que lhe fez Ambrogio Traversari da sua traduo do De Prouidentia de

    S. Joo Crisstomo 35

    . P. Vergerio, De ingenuis moribus cit., maxime, caps. 26-32. 3 6

    O s princpios tico-pedaggicos, que desde a sofstica e a part ir de ento,

    designadamente em Iscrates, Xenofonte, Plato, Aristteles, o educador de Alexandre, aos

    autores latinos, e entre eles Ccero fonte de informao das vrias escolas de filosofia grega e

    modelo humanista de pensamento eclctico, em que se harmonizam eloquncia e sabedoria

    serviram de referncia a Plutarco bem como a Quintiliano e aos autores da Segunda Sofstica,

    | 201

  • !

    JNAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    A partir da obra de Vergerio, a influncia de Plutarco est amplamente documentada em toda a tratadstica pedaggica, de inspirao clssica,

    37 designada por educao moderna.

    Marco definitivo da orientao das ideias pedaggicas desta educatio so os ensinamentos do opsculo De tiberis educandis, que abre os Moralia, sobre a criao, instruo e formao dos filhos, desde a sua concepo sua emancipao, quando contraem casamento, verdadeiros topai nos tratados

    humanistas. Plutarco, defensor e representante de uma moral social nova, contesta

    valores da cultura grega como a pederastia e a homossexualidade e vai colocar, como centro do casamento, o amor conjugal, de que faz depender a feliz convivncia entre os esposos, a condio da mulher face ao marido. este um dos aspectos mais marcantes da modernidade do pensamento de Plutarco, nos Moralia: a importncia concedida instituio do casamento, reciprocidade de deveres dos cnjuges, famlia, pais e filhos, em que se assume como princpio universal a afectividade, a coniprenso, a doura semelhante caritas Paulina , do maior alcance no relacionamento mtuo e na educao dos filhos.

    j no Leal Conselheiro, da primeira metade do sculo XV, D. Duarte dedica alguns captulos reflexo sobre o amor e o casamento. Alm da sua

    experincia pessoal o mais interessante desta obra no faltaram ao

    nonarca referncias literrias. No poderemos deixar de lembrar que o De

    com seus ideais pedaggicos predominantes. 37

    O ?, traduzido em latim pela primeira vez em finais do sculo

    XV por Guarino de Verona, conhece uma edio conjunta (Paris, 1454) com o De ingenuis moribus de Pier Paolo Vergerio: B.N. Paris - cota: /Rs. R. 1566.

    38 Entre as obras de Plutarco que abordam mais directamente esta matria refiram-se

    cm traduo latina, veculo privilegiado da sua divulgao, no Renascimento Amatorius,

    onde enaltece a importncia do amor conjugal; Coniugalin praecepta, conselhos sobre a vida conjuga!, dirigidos a dois dos seus discpulos que vo casar, Eurdice e Poliano; a Consolaria ad uxorem, por ocasio da morte de uma filha, em que alia a serenidade filosfica a uma singular

    ternura peia esposa; o De amore prolis e o De liberis educandis, em que os filhos so o principal

    objecto; e, enfim, sobre o amor fraternal, o De fraterno amore. isto sem esquecer muitas das suas Vitae, que apresentam exemplos histricos dos valores enunciados nos Moralia.

    w Cf. os captulos RII1I-RVI1I. Vide Mrio Martins, amizade e o amor conjugal no

    202

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    regimine principum de Egdio Romano, que fazia parte da biblioteca real e era obra de leitura privilegiada na corte de Avis, se debrua no Livro II sobre a famlia: a primeira parte sobre a vida matrimonial e a segunda sobre a educao dos filhos.

    Duran te a Idade Mdia, descuraram-se as virtudes naturais e espirituais da unio conjugal, ps-se em causa a legitimidade do casamento como sacramento, considerado benfico no plano moral e social, mas bem inferior ao estado religioso, vida monstica.

    A consolidao progressiva da autoridade do estado, sobretudo a partir do sc. XV, e as perturbaes ocasionadas pela importncia conferida ao poder econmico como factor de asceno social, contriburam para a revalorizao do casamento e da famlia, clula de base da sociedade. Face a uma economia em expanso, em que o dinheiro desempenha um papel primordial, impe-se o regresso aos valores tradicionais, dignificao do casamento, ao fortalecimento dos laos familiares, sem os quais a ordem social no pode ser mantida. Exemplos significativos desta atitude so os tratados do Quattrocento italiano, profundamente influenciados pela obra de Plutarco, o De re uxoria de Francesco Brbaro, composto em 14.15-1416, e sobretudo o Delia famiglia, de Leon Battista Alberti, cie cerca de 1440, que teve grande e rpida divulgao, a julgar pela influncia que teria tido

    r- - 41 na Celestina.

    no sculo XVI que ganha actualidade a problemtica do casamento (An sit nubendum?), que constitui um dos debates favoritos das escolas dos sofistas, que surge no Organon de AristxSteles, nos livros das Categoriae uel praedicamenta sob as espcies do ltimo modo do praedicamentum De

    Leal conselheiro', in Estudos de cultura medieval, Lisboa, 1983, p. 187-206" Paulette Demerson,

    'Uamour dans le Leal Conselheiro de Dom Duarte', in Arquivos do Centro Cultural Portugus,

    Paris, 19 (1983) 483-500; M. Lurdes C. Fernandes, D a doutrina vivncia: amor, amizade e casamento no Leal conselheiro do rei D. Duarte', in Revista da Faculdade de Letras do Porto -

    Lnguas e Literaturas, II srie, vol. I, 1984, 133-194. 40

    Lucen Febvre, Amour sacr, amourprofane. Autour de 1'Hcptamcron, Paris, 1944, p. 314; Emile V. Telle, Erasme de Rotteram et le septime sacrement. Etude d'vanglisme matrimonial

    auXVIe. siecleet contribution la biograpbie intellectuelle dErasme, Genve, 1954, 409-410. 41

    Vide Mareei Bataillon, La Clestine selon Fernando de Rojas, Paris, 1961; j . A. Maravall, El mundo social de La Celestina, Madrid, 1964.

    203

  • _NAIR DE NAZARCASWD SOARES

    haberc e figura c o m o exemplum nos Progymnasmata de Hermgenes e

    de Aftnio, m u i t o divulgados e apreciados, no Renascimento .

    Tema eterno, pelas suas implicaes mltipas no domn io do h u m a n o ,

    o casamento tornou-se um dos assuntos mais vezes abordado pelos escritores

    de Q u i n h e n t o s . Nes te sent ido, reveste-se de particular impor tncia a obra

    de Erasmo que , sobre tudo a partir do Enchiridion militis christiani, mui to

    con t r ibu i para a secularizao da p iedade crist e c o n s e q u e n t e m e n t e do

    estado mat r imonia l . Diversas so as obras em que o H u m a n i s t a de Roterdo

    aborda o tema do casamento, designadamente o Encomium matrimonii, de

    1518, os Colloquia matr imoniais , que datam de 1523 os que apresentam

    ensinamentos pr-nupciais, Virgo misogamos, Virgo poenitens, Proci et Puelta

    e o clebre Uxor mempsigamos siue coniugium, que contm instrues para os

    esposos e a Institutio christiani matrimonii de 1526.

    Alm da produo erasmiana, que difundiu e vulgarizou um

    paulinismo matrimonial que actualiza a mensagem de Plutarco, outras obras

    de diferentes autores se lhe seguiram. Lembre-se, entre os mais clebres,

    Lus Vives com os seus tratados De institutione foeminae christianae de 1523 e De officio mariti de 1529.

    42 Vide Grard Defaux, Pantagruel et les sophistes. Contribution Vhistoire de 1'Humanisme

    Chren au XVP""Sicle, La Haye, 1973, p. 212-214.

    Assinalvel a importncia de que se revestem os Progymnasmata, no ensino da retrica

    e da dilctica, e na construo do discurso dos autores do Renascimento. Basta lembrar o caso

    de um Rudolfo Agrcola, tradutor dos Progymnasmata de Aftnio, de Erasmo, ou de um

    Guillaume Bud, influenciados pela tradio patrstica e bizantina. Vide R. Naudeau, 'The

    Progymnasmata of Aphthonius in translation, in Speech monographs 19 (1952) 264-285; Lisa Jardine, 'Distinctive disciplina: Rudolph Agrcolas influence on methodical thinking in the

    humanities' in Rudolphus Agrcola Phrishts (1444-1485). Proccedings ofthe International Confer-enceatthe University ofGroningen (28-30 October 1985). Ed. by F. Akkerman and A. J. Vvanderjagt, Leiden, 1988, p.38-57, em especial p. 48 e sqq.; J. Chomarat, Grammaire et rhtorique cbez

    Erasme, 2 vols. Paris, 1981, p. 520; A. Micliel, 'Le Credo de Guillaume Bud: rhtorique et

    philosophie dans le De transitu in Mlanges sur la littrature de h Renaissance h la mmoire de V-

    L. Saulnier, Genve 1984, p. 19-29; j . Ijsewijn, 'Le latiu des humanistes franais. volution et tude comparative', in Humansmefranais au dbut de la Renaissance (Colloque International de Tours, XIV e stage), Paris, 1973, p. 329-342.

    43 Vide Mareei Bataillon, Erasmo y Espana. Estdios sobre la historia espiritual dei siglo

    XVI, Mxico-Buenos Aires, 1966, p. 287.

    204

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Muitas foram as tradues e adaptaes destas obras por exemplo,

    na vizinha Espanha ou que delas receberam influncia.

    Por toda a Europa, onde era alarmante o nmero de filhos naturais e

    de casamentos clandestinos, se generaliza o gosto por esta literatura sobre o

    casamento, no seu aspecto teolgico, jurdico, institucional e humano, inspirada na Sagrada Escritura, no direito romano o romantismo impe-

    se como esteio da secularizao , nos tratados clssicos de economia

    domstica de Aristteles e de Xcnofonte e nos preceitos matrimoniais de

    Plutarco.

    O casamento foi tema de debate alargado, desde a primeira metade

    do sculo XVI at aos seus finais, em tempos da Contra-Reforma, de que

    so exemplo os dilogos filosficos sobre a vida civil de G. B. Girakli Cinzio

    que integram os Ecatommiti, as cem novelas que serviram de fonte de

    inspirao a Shakespeare que mereceram traduo francesa de Gabriel

    Chappuys (Paris, 1583).'' Sobre os Dilogos de Cinzio dir j . Guillerm: Seul Giraidi, sous le couvert d1 une runion elegante, s'efforce dans le contexte

    post-tridentin de proposer un moralisme tout impregne de la sagesse d'un

    44 Exemplo da recepo destas obras o Relox de prncipes de Fr. Antnio de Guevara.

    Vide Augustin Redondo, Antnio de Guevara (1480?-1545) et 1'Espagne desontempst., p. 623-624.

    Entre as tradues castelhanas de Erasmo contam-se o Colloquia de Erasmo intitulado

    Instucin dei matrimonio christiano de Diego Moejn (1527), verso do Colquio erasmiano Uxor mempsigamos; eoSermn en loor dei matrimonio, de Juan de Molina, composto a partir do

    Encomium matrimonii (1528). O tratado de Vives De institutione foeminae christianae traduzido por Juan Justiniano,

    com o ttulo Libro llamado Institucin de la mttger christiana (1528). 45

    Vide Jean Pierre Guillerm er alii, Le miroir desfemmes I. Moralistes etpolmistes auXVIe siecle. Lille, 1983. Entre todas so de referir as obras de Tiraqueau, De legibus

    Connubialibus (desde 1513), de Ncvizano, Sylvia nuptialis (1521), as de H. -C . Agrippa de Nettessheim, De sacramento matrimonii (1526) e De nobilitate etpraecellentia foeminei. sexus (1529) .

    '"' sobretudo a partir de 1520, data em que Lutero publicara O cativeiro babilnico da Igreja, que muitas obras se debruaram sobre o stimo sacramento. Vide mile V. Telle, rasme de Rotterdam et le septime sacrement cit., p. 296

    47 Dialogues Pliilosophiqucs et trs utiles italiens-francois, touchantla vie civiie...Taduhs de

    M. Jan Baptiste Giraidi Cynthien, par Gabriel Chappuys. Paris, 1583.

    205

  • JNAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    Plutarque. Em Portugal, inserem-se nesta tendncia moralizadora o Espelho de

    casados do Doutor Joo de Barros, o Casamento perfeito de Diogo Paiva de Andrade, e o tratado a que acresce a componente jurdica Dos priuilegios & praerogathias q bo gnero feminino te de Rui Gonalves.

    Curioso notar que o Espelho de casados do Doutor Joo de Barros reflecte os gostos retricos da poca e apresenta-se, formalmente, como um exemplo de debate An sit nubendum?

    A primeira parte contm Doze razes que disfavorecem o casamento as quaes se poserom aqui pra se reprouarem: por mayor favor dele. Na segunda parte o autor prova por Doze Razes evidentes e muytos fundamentos quam excelente e proveitoso e necessrio seja o casamento.

    A temtica do casamento, na nossa literatura, a exprimir a mentalidade do tempo, est presente nas obras de teatro em alguns autos de Gil Vicente, nas comdias de Jorge Ferreira de Vasconcelos, nos autos de Cames , ou ainda mais explicitamente, porque repositrio de preceitos, na Collectanea moralis philosophiae de Frei Lus de Granada. Neste livro de sentenas, a matria apresenta-se seriada, segundo os diferentes temas series locorum. Dividida em trs partes, a segunda dedicada aos opsculos

    48 Cf. Jean-Pierre Guillerm et alii, Le miroir desfemmes I. Moralista etpolmistes au XVIe

    sicle cit., p. 42. O prprio Conclio de Trento se pronunciou sobre a disciplina e a prpria liturgia do

    casamento cristo. Cf. Ibidem, p. ! 15-124, a traduo francesa quinhentista por Gabriel Du

    Prau dos Decretos e Cnones do Conclio de Trento, respeitantes ao casamento. 49

    Vide Espelho de casados pelo Doctor Joo de Barros, 2a edio conforme a de 1540,

    publicada por Tito de Noronha e Antnio Cabral. Porto, Imprensa Portuguesa, 1874; Diogo

    Paiva de Andrade, Casamento perfeito em que se contem advertncias...para viverem os casados

    quietao...& muitas hystorias, & acontecimentos...dos tempos antigos, & modernos...

    varias sentenas, & documentos de autores gregos , & latinos...Lisboa, Jorge Rodrigues,

    1630; Rui Gonalves, Dos priuilegios & praerogatiuas q o gnero feminino te por dereito coma & ordenaes do Reyno mais que ho gnero masculino. Apud lohanne Barrerium RegiumTypographum,

    AnnoDomin i 1557. 50

    Vide Collectanea moralis philosophiae, in trs tomos distribua: quorum primus sekctissimas

    sentetias cx omnibus Senecae operibus, Secundas ex moralibus opusculis Plutarchi, Tertius cuirissimorum

    principum r philosophorurn insigniora apophthegmata, hoc est, dieta memorabilia complectitur.

    Coilectore F. Ludovico granatefi monacho Dominicano. Olisippone, Excudebat Franciscus

    Corra, Serenis S. Cardinalis Ift. Typogra. 1571.

    em

    com

    206

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    morais de Plutarco, e estende-se por cerca de trezentas pginas (p. 497-787). Entre as reflexes, feitas no prefcio desta obra, que servem para

    enaltecer a grandeza moral da mensagem dos autores clssicos e encarecer a urilidade da sua leitura, surge o elogio de Plutarco, que termina nestes termos: Tudo, em Plutarco, est como que de acordo com a luz da razo e da natureza mais recta: talvez porque o Evangelho de Cristo, brilhando ao longe no sculo em que ele vivia, acrescentava ao esprito humano uma maior luz de verdade

    Na segunda parte desta colectnea, dedicada mensagem de Plutarco (p. 497-787), tm relevo temas como o casamento, o relacionamento entre os cnjuges, a educao dos filhos, ou outros respeitantes moral individual ou social. A auetoritas de Plutarco e o fcil acesso sua mensagem equiparam esta obra, pelo menos junto de um pblico mais erudito, aos tratados especificamente compostos sobre o assunto, pese embora a divergente forma discursiva.

    Todas estas obras, apesar de enfoques variados, apresentam, a nvel da doutrinao ou da linguagem, das imagens e das sententiae, aspectos comuns que tm por fonte Plutarco.

    Muitos dos preceitos e ideias que Plutarco defende so o resultado da serenidade filosfica do Sacerdote do templo de Delfos, da sua vivncia de marido e pai de filhos.

    " ibidem: Horum lerroruml nihilin Plutarcho deprehendes: sed omnia ferepurgatissirnae rationi, et nturae lamini consentnea: portasse quoniam Euangelio Christi eius sculo latias coruscante,

    maior hitmanis mentibus ueritatis lux addi ta esset. i2 Vidz cg. Matrimoniam (p. 518; 548); Virctuxor Matrimoniam (?. 518-520; 548);

    Pater, filias, filiorum ediusatio (p. 520-527); educatiofiliorum (p. 520; 510; 715); Pater (520; 613; 510); Adolescentia, senectus (517); Obseruantia in maiores (p. 666); Verecundia siuepudor (p. 737); affectus etpassiones animae (514); Dilectio erga inimicos (p. 587, 600; 630); adulatio (632; 567; 586; 548; 009); Hipocrisis (p. 765); Beneuolentia ciuium captanda et maleuolentia fugienda (p. 621); Virtas qtwmodo facilis (p. 578); Hominisdignitas (p. 513); Quiessiue tranquillitasnimi (p. 725; 580). Note-se que todos estes loci apresentam a mensagem de Plutarco, colhida nas diferentes obras, pelo que os Moralia e as Vitae so aproveitados indistintamente. Assim, por

    exemplo, a educao dos filhos (p. 520-527) apoia-se sobretudo no De liberis educandis, mas em grande medida nos costumes dos Lacedeninios, veiculados pela vida de Licurgo. Na Collectanea

    se encontra tambm a recomendao do aleitamento materno, que favorece a relao afectiva

    entre me e filho (p. 522): uinculo amorem beneuolentiamque fauerent.

    207

  • JMAIR DENAZAR CASTRO SOARES

    Na base da afectividade familiar, pedra angular do seu edifcio pedaggico se desenvolve toda a sua filosofia da educao, delineada nos praecepta do seu De libem educandis e ao longo de toda a obra moral, em que influncia estica, diatribe cnica e aos lugares comuns da filosofia popular, se sobrepe sempre a sua forma peculiar de encarar a vida, decorrente da sua experincia e das suas mais profundas convices.

    A nvel dos princpios, dos fundamenta em que assenta a educao, Plutarco, ou pseudo-Plutarco, encarece neste opsculo pedaggico, De liberis educandis, a importncia da natureza, o aperfeioamento cias tendncias naturais pela criao de bons hbitos, que moldam o carcter, o papei da memria, a crena na virtude que pode ser ensinada, o valor da emulao, o sentido da honra, a cultura da vergonha, com origens na poesia homrica; a importncia cio carcter do preceptor e a sua arte em estabelecer uma relao de respeito e afecto, em dosear os louvores e as censuras, em evitar a fadiga, em incentivar, nos discpulos, o amor aos estudos, em que ntida a inspirao platnica. Esta influncia, porm, est condicionada ao contexto

    5:5 Os humanistas atriburam a Plutarco este pequeno tratado e nunca puseram em

    causa a sua autoria, pelo que no tem grande significado para o estudo desta poca a opinio da

    crtica moderna, que praticamente unnime em consifer-lo pseudo-plutarquiano. Assim

    atribuiremos a Plutarco as ideias nele recolhidas. Sobre a questo da autenticidade do De liberis

    educandis, que foi pela primeira vez levantada no sculo XVII, vide Francesca Albini, "Family

    and the formation of character in Plutarch", in Plutarch and bis intellectual world, ed. by judith Mossman. London, 1997, p. 69, n. 2.

    54 A importncia da trade educativa natura (ingenium), ars, studium (exercitado)

    remonta aos pr-socrticos e conhece grande divulgao entre os sofistas e sobretudo a partir

    deles, tornando-se um tpico discutido por todas as escolas filosficas. Vide Plato, Men. 70a

    sqq.; Phdr. 269d; Prt. 323d; e Lg. 792e; Aristteles, PoL 1332a 38-40; 1337a 1; EN. 1179b 20-21;

    Rh. 1410b 6-7; Xenofonte, Mem. 3 . 9. 2; 2. 6. 39; 3. 3. 11; Iscrates, Paid. III; Lucrcio, Derer.

    nat. 3 . 319 sqq. 55

    A arte da memria, prtica pedaggica do Renascimento, teve como mais antiga

    fonte que se conhece o poeta grego do sculo VI a. C , Simnides de Cos a quem se deve a

    definio de to grande fortuna, "a pintura poesia muda, a poesia imagem que fala". Vide sobre

    o assunto F. A. Yates, Uart de la mcmoire, trad. de 1'anglais par Daniel Arasse, Paris, 1975;

    Michele Simondon, La mmoire et 1'oublidam lapensegricquejusqa lafin du V'siecleavantJ'.- C , Paris, Les Belles Lettres, 1982, em especial p. 181-190.

    56 Plutarco desenvolve esta temtica no opsculo moral, conhecido pelo ttulo latino,

    An virtus doceripossit. O problema do ensino da virtude j posto no Mnon por Plato.

    208

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    histrico e social de Plutarco e ao ponto de vista por si adoptado, que se prende prioritariamente com os fundamentos da educao e da moral.

    Plutarco dirige-se prioritariamente aos pais e recomenda-lhes que se empenhem, acima de tudo na criao, formao e educao de seus filhos. Os dois progenitores devem ter, em parceria, um papel complemenrar. me, desde os cuidados a ter com o nascimento dos filhos, cabe-lhe amament-los, num estreitamento da ligao entre ambos, prevenir-se contra uma educao amolecida e branda, enfraquecedora do carcter e desencadeadora da filautia, precaver-se do turpilquio, preservar os filhos de ms convivncias. Aos pais cabe providenciar, sem olhar a gastos, a melhor educao de seus filhos. Plutarco recomenda aos pais que se lembrem de que tambm j foram jovens, para suportarem, sem se indignarem, as faltas de seus filhos e, tal como os mdicos o smile, de grande fortuna, colhido em Lucrcio devem misturar a doura, a -, com a amargura das correces. Em suma, a educao integral, concebida como um bem supremo, ser a preocupao primeira dos pais que, acima de tudo, devem ser exemplo, paradigma para os filhos.

    Estas observaes sobre a puerlis institutio caracterizam a educao

    , 7 Vide , a este propsito Ana Esther Velzquez Fernndez, 'Limites dei influjo platnico

    en el Peri paidon aggs cit., p. 501- 514. 58

    Vide Francesca Albini, "Family and the formation of character in Plutarch", in

    Plutarch and bis intellectual world cit., p. 59-71. Para uma anlise das ideias do De liberis

    educandis, vide Domnique Faure, Uducation selou Plutarque daprs les Oeuvres morales, 2 vol.

    Aix-en-Provence, 1960: I, p. 18-22; cf ainda, sobre este tratado, na sua especificidade, e na sua

    relao com o pensamento platnico Ana Esther Velzquez Fernndez, 'Limites dei influjo platnico en el ' , in Plutarco. Platny Aristteles actas dei V Congreso

    Internacional de la . S. (Madrid-Cuenca, 4-7 de Mayo de 1999). Madrid, 1999, p. 501-514. 5 5

    Cf. De liberis educandis, 13d. este um dos aspectos mais expressivos da teorizao

    de Plutarco, com marcas indelveis na pedagogia humanista, por revelar uma nova atitude face

    criana, um ser em formao e no um adulto em miniatura. A modernidade do pensamento

    de Plutarco, que est na base da futura psicologia diferencial, defendida pelos pedagogos

    humanistas desde o Quattrocento, foi aceite com excessivas reservas pelo italiano Cataldo Parsio Sculo, o introdutor do Humanismo cm Portugal c educador da nobreza portuguesa, vide Nair

    de Nazar Castro Soares, 'Cataldo e Resende: da pedagogia humanista de Quatrocentos influncia de Erasmo', in Cataldo e Resende. Actas do Congresso Internacional do Humanismo

    Portugus. Coimbra-Lisboa-vora, 25 a 28 de Outubro de 2000, p. 311-340, maxime p. 321-323.

    209

  • '

    _NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    moderna desde o Qttattro cento, desde as obras de Per Paolo Vergerio e Francesco Patrizi Senense aos tratados pedaggicos de finais do sculo XVI.

    Na tratadstica portuguesa, o Livro da vertuosa benfeytoria do Infante D. Pedro um documento, no Portugal quatrocentista, das ideias da pedagogia moderna, veiculadas pelo tratado de Pier Paolo Vergerio, que o nosso Infante das sete partidas conhecera em Itlia.

    Alguns passos so por demais significativos do proto-humanismo da corte portuguesa do sculo XV, que indiciam a permeabilidade da mensagem clssica e do ideal pedaggico de Plutarco.

    A crena na natureza humana e na sua perfectibilidade, atravs do ensino e da educao, um dos aspectos notrios da modernidade do seu pensamento. A prpria metfora da terra, que deve ser cultivada para dar bom fruto, que se encontra em Ccero e em Plutarco e informa o tratado pedaggico de Vergerio, encontra-se na Virtuosa benfeitoria: Portanto assi como boos lavradores, com trabalhos e adubios, venamos a terra que he maninha.

    D. Pedro, neste tratado, no apresenta um plano de educao rgia ou aristocrtica. No entanto, manifesto o seu intelectualismo socrtico, a preocupao da ensinana, capaz de proporcionar a sabedoria, que a muytos tyrou e tyra de mal fazer, .como afirma na famosa "Carta de Bruges", documento indispensvel para se ajuizar, em plenitude, do pensamento pedaggico do Infante. Dir, na Virtuosa benfeitoria: que os benefficios da benquerena non devem seer tirados aaquelles cuja sade speramos. Os

    60 Vide Nair de Nazar Castro Soares, O prncipe ideal no sculo XVI e a obra de D.

    Jernimo Osrio cit., p. 97-188. 61

    Vide Nair de Nazar Castro Soares, Virtuosa Benfeitoria, o primeiro tratado de educao de prncipes em portugus', Biblos 69 (1993) -Actas do Congresso Comemorativo do 6 o Centenrio do Infante D. Pedro (Coimbra, de 25 a 27 de Novembro del992) , Coimbra, 1993, p. 289-314.

    62 Vide Infante D. Pedro e Frei Joo Verba, Livro da vertuosa benfeytoria. Ed. Crtica,

    introduo e notas de Adelino de almeida Calado, Coimbra, 1994 (As citaes so feitas a partir desta edio, indicada peia sigla VB): liv. II, cap. XXI, p. 132. Esta metfora surge, de forma recorrente, no tratado pedaggico de D. Jernimo Osrio, De regis institutione et disciplina.

    65 Cf. VB, liv. II, cap. XX, p. 125.

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM P O R T U G A L

    64

    duros e cruevees faamos brandos e amolentemos. E, ffalando com boa graa, dando conselhos e boas ensinanas aproveytaremos quaaesquer que po

    O primeiro cuidado a ter com a educao deve-se aos pais, que do aos filhos seer natural e criaom e ensinana. acrescenta: aquelle he julgado por besta cruevei que en seus filhos he negligente.

    O enaltecimento do papel dos aios e dos mestres, surge na pena do Infante em termos que no escondem a sua sensibilidade, diria mesmo a sua ternura por quem se dedica misso de ensinar, de orientar e formar para a vida, com pacincia, disponibilidade e total desinteresse.

    A ideia de que os mestres, pela emulao, com certos louvores e com bos ensinos, exalam em vertudes as naturezas ajusta-se com perfeio ideia, essncia de toda a pedagogia humanista, de que a educao uma segunda natureza, na expresso de Erasmo, seguidor de Plutarco.

    O ideal de mestre, que aflora em todos os tratados de pedagogia humanista, seno mesmo nos manuais de gramtica, como no prefcio da famosa gramtica do Pe. Manuel Alvares, editada inmeras vezes, no sc. XVI, e utilizada em todos os colgios da Europa, no est ausente das pginas do Livro da vertuosa benfeytoria.

    A este propsito, de interesse lembrar que D. Pedro, pela valor e significado que confere ao papel dos aios e mestres, afirma que a eles nunca

    "Cf .VB, liv. II, cap. XXI, p. 132. 65

    Cf. VB, liv. II, cap. XXI, p. 130.

    *Cf .VB, liv. II, cap. XV, p. 99-100. 67Cf. VB, liv. II, cap. XVIII, p. 115.

    "Cf .WS, liv. V, cap. VIII, p. 285: E os meestres, ensinando specialmente, filham

    muyto trabalho e nojo e, afora aquello que he demostrado juntamente a todos, dam ensinanas outras em special, e per seus castigos exalam em vertudes as naturezas, demovendo alguus com

    certos louvores e amoestando outros com boos ensinos. assy spercam o entendimento

    preguiosamente adormentado que lhe tiram as treevas da ignorncia e lhe fazem conhecer o

    claro splendor. M

    Erasmo, principal representante e divulgador do pensamento pedaggico moderno

    que funda as suas razes no Quattrocento italiano ir afirmar, cerca de um sculo depois de D. Pedro, que a educao uma segunda natureza, fonte de toda a virtude: Fons enim omnis

    uirtutis estdiligensacsancta cducatio {Opera omnia, Leiden, 1703: LB, I. 491 E).

    210 211

  • _NAIRDENAZARCASTRO SOARES

    se dar total agradecimento, porquanto nunca podemos leixar de seer obrigados a quem per natureza somos tehudos .

    Embora marcado pela .discursividade medieval, o Livro da vertuosa benfeytoria do Infante D. Pedro pode considerar-se pioneiro na abertura aos valores humansticos e aos ideais pedaggicos que as obras do sculo XVI, com ntida influncia de Plutarco, privilegiaram.

    No que se refere tratadstica pedaggico-politica, a presena de Plutarco notvel, designadamente a partir de Erasmo que, na Institutio principis christiani, difunde o gosto por este gnero de literatura no sculo XVI. Nesta obra erasmiana, Plutarco figura cabea dos autores que o prncipe deve estudar, logo depois dos textos sagrados.

    atravs da sntese que Erasmo faz das ideias polticas de Plutarco, que a sua doutrina ganha vida e actualidade, nos diversos tratados humanistas.

    Plutarco com frequncia citado pelos tratadistas pedaggicos portugueses de Quinhentos, sobretudo a partir de Frei Antnio de Beja,

    71 Breve doutrina e ensinana de prncipes. O nome de Plutarco surge

    72

    explicitamente na Doutrina de Loureno de Cceres ao Infante D. Luiz. Alm de um ou outro pormenor biogrfico, referente educao dos

    prncipes, que ocorre esporadicamente nas obras histricas, ou de pedagogia poltica, a puerilis institutio, com marcada influncia dos autores clssicos, designadamente Plutarco e Quintiliano vai ser objecto da Institutio Sebastiani Prirni de Diogo de Teive, dedicada a D. Sebastio, de sete anos de idade, e do De regis institutione et disciplina, 'Sobre a instruo e a educao do rei', de D. Jernimo Osrio, dirigido ao mesmo prncipe para o educar e

    70Cf.Vj3, liv. V, cap. II, p. 267. 71

    Frei Antnio de Beja, Breve doutrina e ensinana de prncipes. Repr. fac-similada da ed. de 1525. Introduo de Mrio Tavares Dias, Lisboa, 1965, p. 22 e 119.

    72 Vide Antologia do pensamento politico portugus (sc. XVI), I o vol.: Perodo Joanino.

    Textos coligidos por Antnio Alberto de Andrade, Separata de Estudos polticos e sociais, III n. 2 e 3. Lisboa, 1965, p. 39 e 55.

    73 Vide Hieronymi Osori Lnsitani De regis institutione et disciplina, Olysippone, excudebat

    Franciscus Corra, 1572. Mais vulgarizada a edio dos seus Opera omnia, editada pelo sobrinho e homnimo, em Roma, em 1592: Hieronymi Osori Lusitani, Episcopi Algarbiensis, Opera omnia. In unum collecta, et in Qitattuor volumina distribua. Romae, MDXCII .

    212

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Em oito livros, este o mais completo tratado de pedagogia e de pedagogia poltica cio nosso Humanismo Renascentista, e dos mais expressivos da tratadstica europeia. Nele, o Bispo de Silves segue de muito perto, na doutrina e nos exempla, Plutarco, no De liberis educandis, no que toca primeira educao e formao de bons hbitos, e tem. por referncia constante toda a obra deste filsofo moralista, incluindo j que se trata

    74

    de um prncipe, ou antes de um rei a de orientao poltica. Apesar disso, no De regis institutione et disciplina, nunca referido o

    nome de Plutarco que, no livro III do seu tratado De gloria, saudado como glria e honra de Roma, sem dela ser filho.

    Assim acontece com muitos autores do nosso Renascimento que apresentam, nas suas obras, marcas indelveis da recepo de Plutarco. O prprio Cames leu Plutarco, com certeza, e sem o citar, colheu nele muito do saber que informa Os Lusadas.

    Frei Heitor Pinto aponta o nome de Plutarco, repetidas vezes, ao longo da sua Imagem da vida crist, evocando as obras em que se apoia. Nem sempre, contudo, assim acontece. No "Dilogo da Tribulao", refere vagamente a obra de Plutarco, veiculando o retrato ideal do prncipe, nestes termos: Muitos subiram a honras, que a no tiveram tanta, quando as alcanaram, como infmia, pelos meios com que as adquiriram. Donde veio a dizer Plutarco em uma epstola ao imperador Trajano, seu discpulo, que, com razo se podia dizer feliz seu imprio, pois fizera obras para o merecer, e no buscara maneiras para o alcanar.

    Para Plutarco, como para os autores da sua poca, que imbudos de eclectismo filosfico recebem a influncia da diatribe cnica, a imagem do governante impregnada de misticismo. nesta perspectiva, comum a

    71 Vide Nair de Nazar Castro Soares, O prncipe ideal no sculo XVI e a obra de D.

    Jernimo Osrio, Coimbra, INIC, 1994. 5 Cf. Hieronymi Osori Lusitani Opera omnia cit., I, 195-39-44.

    "' Afirma-o A. J. da Costa Pimpo (Prefcio edio de Os LusacLls, Lisboa, Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa, 1989, p. XXV), nestes termos: E que leu [Games] dos prosadores? Plutarco, com certeza. Em grego?. No necessariamente, pois tradues, como as de Amyot para lngua francesa foram verdadeira best-seller. Aelas se refere Montaigne, designando-as pornotre brviaire.

    77 Frei Heitor Pinto, Imagem da vida crist, com prefcio e notas de .' M. Alves

    Correia, Lisboa, S da Costa, 1952, p. 263.

    213

  • _NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    D. Jernimo Osrio, que Frei Heitor Pinto, sem referir a fonte, afirma, no captulo V do Dilogo da Justia:

    "O bom prncipe e prelado um sol comum a todos, que vigia sobre seu povo com muitos olhos, estancio sempre no meio como o Sol que est no meio dos sete planetas".

    Como est distante esta imagem da que servir de lema a Lus XIV, o "Rei Sol", do sculo seguinte!

    Frei Heitor Pinto, na sua Imagem da vida crist, faz referncia explcita a tratados morais de Plutarco, tais como o De tranquilitate animi e os que designa em portugus por 'Livro do ensino e criao dos meninos' e por 'Livro dos proveitos que se nos seguem de termos inimigos que nos injuriem' e colhe muitos dos seus exempla nos Moralia e nas Vidas Paralela, citadas com frequncia. No fora ele o tecelo, como se autodenomina, a ajuntar a doctrina de diversos autores, & de muytas autoridades, para fezer a sua teia. Ou melhor, diremos ns, o doutrinador e moralista, a manifestar a sua abundante erudio, que visa sobretudo fins didcticos.

    Plutarco figura destacadamente na obra de Andr Rodrigues de vora, Sentenas de diversos autores pelas quaes amoesto aos prncipes como na paz e na guerra se devem reger, dirigidas ao muito esclarecido Prncipe Dom Sebastio,

    84

    neto do mui Poderoso rei Dom Joo, Terceiro deste nome, nosso Senhor. Diogo de Teive no se esquece tambm de mencionar, nas suas

    Sententiae, "o excelente, gravssimo Plutarco" a quem deve muito da sua 85

    teorizao. 78

    Ibidem, . 173. 7 9

    Ibidem, p. 219 8 0

    Ibidem, p. 138.

    "' Ibidem, p. 250. 8 2

    Ibidem, pp. 22, 97, 171, 174. 8 3

    Vide a este propsito, o nosso artigo literatura de sentenas no Humanismo

    Portugus: res et uerb', in Actas do Congresso internacional Humanismo Portugus na poca dos

    Descobrimentos (Coimbra 9-12 de Outubto de 1991), Coimbra, 1993, p. 377-410: maxime, p. 395.

    84 Fac-sirnile do Manuscrito indito da Casa Cadaval. Introduo por Lus de Matos.

    Lisboa, 1983, p. 10-11; 82-83. 85

    Cf. Epodos que contm Sentenas teis a todos os homens, s quais se acrescentam Regras

    214

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Entre ns, a literatura de sentenas, que Plutarco cultivou em obras como Regum et imperatorum apophthegmata e Apophthegmata Lacnica, est bem representada desde os Prouerbia de Cataldo aos livros de Sentenas cie D. Francisco de Portugal, primeiro conde de Vimioso, Diogo de Teive, Diogo Pires, Andr Rodrigues de vora, Frei Lus de Granada.

    A presena de Plutarco nestas obras notvel, pela quantidade de textos representados e pelos juzos de valor que os acompanham.

    Plutarco indubitavelmente fonte inesgotvel de argumentos que se 87

    repetem de autor para autor. Curioso o aproveitamento que fazem de trechos ilustrativos da obra

    de Plutarco, as prprias oraes de sapincia, que se integram na pedagogia humanista e enunciam a sua ratio studiorum. Est neste caso a Omnium Philosophiae partium laudibus et studiis, 'Sobre o estudo e louvor de todas as partes da Fjlosofia', de Hilrio Moreira, proferida na Universidade de Coimbra, a mais prspera de todo o mundo, segundo o costume da Academia, em 1 de Outubro do ano do Senhor de 1552, como se l no frontispcio da edio de Coimbra dos tipgrafos rgios Joo Barreira e Joo Alvares, sada a lume no mesmo ano em que fora apresentada. A iniciar esta orao, figura um longo passo, que contm o elogio das letras, do De liberis educandis (10), em traduo latina, colhida na Miscelania

    para a boa educao de um Prncipe. Composto tudo na Lngua Latina pelo insigne portugus

    Diogo de Teive... Traduzido no vulgar em verso solto por Francisco de Andrade. Copiado

    fielmente da edio de Lisboa de 1565. Lisboa, 1786, p. 63 . 8

  • _NAIR DE NAZAR CASTRO SOARES PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Velasci de 1473 -

    Reveladores da importncia e significado da mensagem de Plutarco, na construo do discurso quinhentista, so ainda o Dilogo da viciosa vergonha de Joo de Barros e o Colloquium de Luisa Sigeia, um dilogo sobre a vida contemplativa, em contraste com a vida ulica, a vida activa. Nesta obra, Plutarco est representado, em profuso, com trechos de muitas das suas obras, na lngua original.

    Tambm Antnio Lus, um humanista da primeira metade do sculo XVI, comentador de Galeno e Aristteles e crtico de Erasmo, demonstra conhecer e apreciar o autor de Queroneia. No s no tratado De pudore sobre a mesma matria do Dilogo da viciosa vergonha que dedica a Joo

    92

    de Barros, mas tambm nos Problemmata. Entre as fontes apontadas por Antnio Lus para este tratado cientfico

    que, no seu ttulo, designado opus absolutum, et facundum, et uarium, multiiugaque eruditione refertissimum, 'obra completa e eloquente, cheia de multifacetada erudio' encontra-se Plutarco, citado, em vrios dos seus tratados.

    '} Vide A Orao de sapincia de Hilrio Moreira por Albino de Almeida Matos. Coimbra,

    INIC, 1990, pp. 48-49 e 93.

    '-*' O Dilogo da viciosa vergonha, inspirado no tratado de Plutarco, epi ?

    segundo afirma Barros (cf. foi. A ii Vo da edio princeps de 1540, em reproduo fotogrfica por Maria Leonor Carvalho Buescu, Joo de Barros, Gramtica da lngua portuguesa, Dilogo em

    louvor da Nossa linguagem e Dilogo da Viciosa Vergonha. Lisboa, 1971). Sobre a inspirao de Barros na traduo de Erasmo desta obra de Plutarco, e no no original grego, vide Amrico da

    Costa Ramalho, "Joo de Barros e Erasmo: a propsito da Viciosa Vergonha". 'Notas de investigao'

    - XXVI, Humanitas, 37-38 (1986), 275-280. " Sobre o Colloquium de Lusa Sigeia, vide em Odette sauvage, Luisa Sigeia. Dialogue

    de deux jeunes filies sur la vie de retraite (1552). Presente, traduit et annot. Paris, 1970. Cf. as mltiplas citaes de Plutarco, e. g. pp. 34; 37; 114-120.

    'n Antonii Lodotdci mediei olyssipponensis Problematum libri quinque opus absolutum, et

    facundum, et uarium, multiiugaque eruditione refertissimum, Olvssipone, M. D. XXXIX. Esra obra foi parcialmente estudada, em tese de mestrado orientada pelo Prof. Costa Ramalho, por

    Manuel Chaves de Andrade, As trs primeiras Seces do Primeiro Livro dos Problemas de Antnio

    Lus, Coimbra, Faculdade de Letras, 1995 (texto dactilografado).

  • JNAIR DE NAZAR CASTRO SOARES

    A poesia quinhentista indicia tambm a influncia de Plutarco: Andr Falco de Resende, na "Epstola I: a Heitor da Silveira, seu cunhado, estando na ndia", escreve: A Sparta que alcancei de Deus com tudo,/minha consorte digo, amo e acompanho. Esta expressso figurada, que se tornou proverbial, encontra-se nos Moralia e tambm nos Adagia de Erasmo, como provou o Prof. Costa Ramalho.

    Ainda a propsito de expresses senrenciosas, um dos Ditos portugueses dignos de memria, editados pelo Prof. Jos Hermano Saraiva, refere-se a uma resposta, um salse dictum, de D. Jorge, filho bastardo de D. Joo II, dada a um parente seu, que o interpelava sobre o casamento que ele queria contrair com uma rapariga nobre, muitos anos mais nova do que ele, sendo nisso contrariado pelos filhos, sobretudo pelo mais velho, D. Joo de Lencastre, duque de Aveiro. A resposta de D. Jorge, o discpulo de Cataldo, a mesma de Cato o Antigo, confrontado com situao semelhante, que figura nas Vidas Paralelas de Plutarco.

    Por tudo o que foi referido, vim facto pode ser constatado: a influncia de Plutarco no Humanismo, em Portugal, no resultado do manuseio de colectneas, em grande voga na poca, de que so exemplo as de Ravisius Textor, Gregorius Reish, Niccol Perotti.

    218

    " Na origem desta expresso figurada, contida nestes dois versos, est um passo da tragdia euripidiana Tlefo, que, perdida a ligao com o texto original, se tornou provrbio, a significar genericamente: aceita o que te coube em sorte e estima-o, da sorte que tiveste, no te queixes, mas tira dela o possvel partido.

    Este provrbio surge em dois trechos dos Moralia de Plutarco, bem acessveis aos leitores do sculo XVI: no De Tranquillitate anmi e no De exlio; figura nos Adagiaram opus de Erasmo, que sobre ele disserta longamente. Segundo o Humanista de Roterdo, este provrbio tem diversas aplicaes: por exemplo, quando aconselharmos algum a que desempenhe com decoro o papel que assumiu. explicita Erasmo: E marido cumpra as obrigaes de marido. Vide Amrico da Costa Ramalho, Para a histria do Humanismo em Portugal IV, Lisboa, 2000,

    p. 172-176. ""' A resposta, cheia de ironia, de D. Jorge que queria casar Por ver se podia haver

    outros filhos to virtuosos como os que j tenho. Vide A. Costa Ramalho, Para a Histria do Humanismo em Portugal, III, Lisboa, 1998, . 128-129.

    1,11 Vide Nair de Nazar Castro Soares, O prncipe ideal no sculo XVI cit., p. 226-228;

    Idem, A literatura de sentenas no Humanismo Portugus: res et uerbd cit.

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    Pelo contrrio, Plutarco, lido e assimilado, no original, em traduo latina e em vulgar e, com a sua mensagem, informa a prpria mundividncia da poca, no que se refere educao e formao do homem e do prncipe, teorizao tico-poltica, ao relacionamento em famlia e em comunidade, s formas de comportamento humano, nas diversas circunstncias.

    A influncia de Plutarco determina mesmo, muitas vezes, uma nova forma de mentalidade, uma nova atitude cultural, que passa pela reflexo sobre temas e motivos, em que se implicam e interpenetram parmetros de carcter ontolgico ou comportamental, do domnio da moral e da psicologia individual ou social, at ento latentes, que se revigoram e actualizam atravs da sua mensagem.

    Do ponto de vista das ideias estticas, que se impuseram no Renascimento, um aspecto peculiar deve ser referido, no que respeita recepo de Plutarco. Esta no se concretiza apenas como elemento informador da inuentio, da res inventiva, dos autores quinhentistas, mas tambm, e de modo decisivo, na definio do estilo, da elegantia da latinitas.

    A revitalizao da retrica helenstica e a reflexo sobre a obra de Plutarco, designadamente sobre a Vida de Ccero, vertida para latim por Leonardo Bruni Aretino, contribui para que se imponha a primazia do thos, instncia cie enunciao centrada no eu, que privilegia, em nome da autenticidade, a presena do indivduo na escrita.

    Nesta Vita Ciceronis, sobretudo na comparao que estabelece, no seu final, entre Ccero e Demstenes, favorvel ao orador grego, resume Plutarco o seu ideal de estilo, em que o primado da energia moral e da aco se sobrepe retrica da palavra.

    Neste sentido se orienta tambm o pensamento de Sneca, que, numa das suas cartas a Luclia (14. 90. 20), previne o discpulo de que o fascnio das palavras consegue desviar da verdade at mesmo os grandes espritos 103

    ""VideJeanLecointe, Lidal et la diffrence. La perception de la personnalit littraire L Renaissance, Genve, 1993, . 388 sqq.

    103 Vide Lcio Aneu Sneca, Cartas a Luclia. Traduo, prefcio e notas de J. A.

    Segurado e Campos. Lisboa, F. C. Gulbenkian, 1991, p. 445.

    219

  • __NAIR DENAZAR CASTOD SOARES

    Esta retrica do tbos, que pe em relevo a fora expressiva, a empbasis,

    do apotegma, do adgio, do provrbio, da sententia, em que se interpenetram conciso e propriedade, teve um papel preponderante na reflexo crtica da arte da palavra no Renascimento, designadamente na pedagogia de Erasmo, que exerceu marcada influncia, entre ns, em pedagogos e mestres de retrica como Jernimo Cardoso, Clenardo, Joo Vaseu, Joo Fernandes.

    A literatura de sentenas, de que Plutarco, com os seus Apophtegmata, um ldimo representante e fonte privilegiada dos humanistas, assume, como observmos, uma importncia singular, em Portugal e em toda a Europa do Renascimento.

    Alm de colectneas de apotegmas, a produo dramtica quinhentista reflecte o seu manuseio e memorizao. Servem de exemplo os autos de Cames e sobretudo as comdias de Jorge Ferreira de Vasconcelos.

    Eugnio Asensio, no magistral estudo que abre a sua edio da Comdia Eufrosina considera-a Un profuso repertrio de ejemplos y sentencias morales. E, a este propsito, acrescenta: Los hroes y la sabedura antigua penetraban en el mundo renacentista llevados por Plutarco y los

    104 textos de ciase.

    Alm da Eufrosina tambm a Aulegrafia entretece o seu discurso de apotegmas e provrbios, que, destacados no final da edio, ocupam vrias

    pginas a provar o gosto pela expresso sentenciosa, lapidar, que Plutarco

    privilegia.

    Em suma, Plutarco exaltou o valor da virtude e apresentou a forma de a pr em prtica, serviu de modelo esttico, no seu gosto pela breuiloquentia, e foi um dos autores mais lidos e imitados no sculo XVI.

    Defensor e representante de uma nova ordem social, Plutarco, soube,

    104 Vide Jorge Ferreira de Vasconcelos, Comdia Eufrosina. Texto de la edicion prncipe

    de 1555 con las variantes de 1561 y 1566. Edicin, prlogo y notas de Eugnio Asensio. Madrid, 1951, p- XI e XX, respectivamente.

    105 Nore-se que a linguagem da comdia, que procura adequar-se ao thos das personagens

    de baixa condio social, do vulgo ignaro, aos seus gostos e maneiras, reflecte, como nenhum outro gnero, as tendncias e marcas expressivas prprias do tempo e exprime o gosro pela expresso sentenciosa.

    220

    PLUTARCO NO HUMANISMO RENASCENTISTA EM PORTUGAL

    com a sua mensagem herana do pensamento grego dos sculos V c IV a. C , assimilada com eclectismo e apurada sensibilidade impor uma nova mentalidade, um novo estilo de vida.

    Para se ajuizar do significado e relevncia da sua obra, bastaria para tanto recordar as suas ideias sobre a educao do prncipe e do homem comum, precursoras da moderna psicologia diferencial; a importncia da afectividade entre os esposos e entre pais e filhos; a obrigao morai dos pais investirem na educao daqueles que geram; o papel da me, a relao umbilical entre me e filho e a defesa do aleitamento materno; o casamento e as regras do bom viver matrimonial; o proveito que advm do convvio, em famlia, das pessoas idosas, que acumulam saber e experincia e se tornam pilares dos valores essenciais da vida. Enfim, a crena na perfectibilidade do homem, na cultura como instrumento de virtude e de uita beata.

    Este ideal humano que assimilado pelos autores mais representativos do Renascimento, tornou-se patrimnio da humanidade e conferiu a Plutarco, na distncia de dezanove sculos, um lugar entre ns.

    221