poesia abortada
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Rodrigo Menezes
Poesia Abortada
Copyright © 2014
Capa: Rodrigo Menezes
Imagem de Capa: Timothy Roufa Edição: Rodrigo Menezes
A mim mesmo.
Sobre o autor
Rodrigo de Menezes Gomes (26/08/1989, Brasília/DF) reside em Natal/RN desde
1992. Em 2011 publicou seu primeiro poema, “Carnaval”, na 13ª edição da Revista
Cultural Novitas. Em 2013 foi o vencedor do Concurso Nacional Novos Poetas –
Prêmio Sarau Brasil 2013, promovido pela Vivara Editora, com o poema “Hino de
Autoproclamação”, posteriormente publicado no livro “Antologia Poética – Prêmio
Sarau Brasil 2013”. Alquimista no mundo das letras e da poesia desde seus 13 anos
de idade, desde 2010 publica seus poemas no blog www.catarse-
terapeutica.blogspot.com.br.
E-mail para contato: [email protected]
• Esmeraldas Líquidas e Outros Poemas
Outros E-Books:
• Último Chamado do Mundo Meu
Prefácio
Mas afinal, e para fins de devido esclarecimento, que há de espiritual em escrever
poesia? Que há de divino em vomitar palavras gestadas em seu mais íntimo interior?
Palavras viscerais ainda imaturas neste mundo de sentidos e coerências, não é isto
exatamente o que toda poesia é? Que há de áureo em ofício tão tosco? Toda poesia é
palavra abortada, natimorta, que não encontrou condições de nascer devidamente sob
outra forma. É incompletude em seu nível mais essencial. Despejadas sobre o papel,
pálidas e relegadas ao acaso de quem as leia e conceda-lhes sentido, as palavras de toda
poesia são como cadáveres à espera de necropsia, e aqui me atrevo a dizer que Augusto
dos Anjos, se vivo ainda estivesse, confirmaria minha analogia.
De qualquer forma, não são esses motivos para desqualificar a poesia e descartá-la
como carne estragada. Sua beleza e relevância residem justamente no que ela havia de ser
e não foi. No que falhou em comunicar em primeira estância para dar a entender e insinuar
em segunda. A beleza da poesia saltou-me aos olhos em uma noite quente de verão, há não
muito tempo atrás, quando fui tomado por um espamo cerebral, num misto de dor e
orgasmo.
Estava distraído quando veio a cólica diabólica. Contorci-me em pranto, temeroso
por mim e meu rebento. Que fim levaria ele, tão tenro e pequenino? Antes da hora ele veio:
urgente, jorrante, rompendo portas e hímens. E de repente, em um segundo, lá estava ele
arremessado: cuspido para fora de meu útero mental. Ainda sanguinolento, olhei-o nos
olhos: que mistério guardava aquela Esfinge?! Na mesma hora assegurei-me do fato: meu
inconsciente abortara um poema. Misterioso. Desfalecido. Minguado.
Rodrigo Menezes 15/01/2014
Sumário
De Contra-ação em Contra-ação
(V)
Fluxo (VI) Viver Pela Metade (VIII)
Sir King of the Unknown (IX) Nós Macacos Esquizofrênicos (X)
Diabetes (XI) Desfrute (XII)
A-fetos (XIII)
Amizade (XIV) Alegria de Farmácia (XV)
Autoanálise (ou Autoajuda) (XVI) O Grito do Silêncio (XVII)
Silêncio (XVIII) Poema da Autopiedade (XIX)
Lamúrias de um Filho Inpródigo (XX) Monólogo (XXI) Amanhã (XXII)
Não Agora (XXIII) Sal e Sangue (XXV)
Hino de Autoproclamação (XXVI)
Gestar Palavras: Auto-Risco
(XXVII)
O Baile (XXVIII) Paz (XXIX)
O Banho dos Espíritos (XXX) Corvos Fitavam-me das Copas (XXXI)
Poema Abortado (XXXII)
Poesia Abortada
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de contra-ação em contra-ação
Poesia Abortada
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Fluxo
I. Fluxo,
De dentro p'ra fora Inflexível, interminável Indiscutível, indomável
A maçã do Éden alimenta o meu espírito Pecado a pecado, corpo, mente, libido
Instinto De ser o que se pode ser
Não aquilo que se é Na essência
No resguardo da alma Rasgando na carne, na pele P'ra ver raiar um novo dia
Sem saber se o amanhã virá.
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II.
Fluxo, Faço meu tempo no minuto
Na hora, no relógio No ponteiro desse mundo imundo
Civilização neandertal Sociedade marginal
De lobos cordeiros prontos p'ra saciar Necessidade animalesca
Essa ambição tão gigantesca Egos inflados flutuando no ar
Sem agulha p'ra estourar.
Fluxo, Inocência, decência
Maledicência Tolo é quem pensa que vai mudar
Alguma coisa ao se chegar lá.
Fluxo, De dentro p'ra fora
Imprevisível, incontestável Inteligível, inabalável...
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Viver Pela Metade
Pior que não viver, é viver pela metade E pior que a mentira, é a meia verdade
Residir entre extremos Onde tudo é embaçado Se ajustar ao incompleto Conviver com o inexato
Pois pior que não saber, é não saber ao certo
E pior que um dia triste, é um dia incerto
Nem feliz, nem triste Letárgico e parcial
Nem ruim, nem bom Indiferente, impessoal
Porque pior que a burrice, é a ingenuidade
E pior que morrer...é viver pela metade
Poesia Abortada
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Sir King of the Unknown
You might swear your sweat is sacred Though no more salty than mine
See this unconcern is mutual And I sustain head above clouds
'Cause by no means I'll bend for you
In this devilish ritual you support I'm not bowing down in reverence
To your fake glassy majestry
You Sir King of the Unknown Belongs there by the mediocre
Your heart and mind so immature Are not far more than average
Oh little man, just watch this ocean We're side to side rowing our boats But those miles won't let me see you
You're pulled behind by your small soul
Poesia Abortada
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Nós Macacos Esquizofrênicos
O que seria de nós,
Macacos esquizofrênicos, Sem estas cenouras diante de nossos olhos a nos guiar?
O que seria de nós,
Arrogantes primatas, Sem potes de ouro no fim do arco-íris p'ra nos impulsionar?
Seríamos pássaros sem asas. Seríamos peixes sem guelras.
Animais quaisquer sobre esta terra a vagar.
Seríamos canoas sem remos. Seríamos mastros sem velas.
Índios à espera de quem pudesse nos colonizar.
Porque a necessidade de um sentido É o que tanto nos inquieta.
É o vazio disso tudo Que inflama a chama desse pretenso terror.
Mas um afago repousaria
Sobre nossas mentes e almas, Se aceitássemos que a falta de sentido
Não é motivo p'ra temor...
Poesia Abortada
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Diabetes
Ambos batalhávamos contra demônios similares. Mas ao contrário de mim, lá estava ela:
Reerguida sobre as próprias pernas, Vomitando palavras adocicadas e clichês lustrosos, Perdida numa verborragia que de tão esperançosa
chegava a me doer os tímpanos. Lá estava ela: estampando fotografias
com paisagens iluminadas pelo pôr-do-sol ao fundo. Com o cérebro encharcado de pseudofilosofia barata E já corroído por inúmeras páginas de Paulo Coelho.
Ela estava ali: de pé, exibindo seu sorriso odontológico de fazer qualquer Cristão desejar-lhe cáries.
Mas eu não: eu não estava assim. De pé, sim; mas sem arco-íris tatuados nas pálpebras.
Sem óculos cor-de-rosa diante dos olhos. Não vou encher minha vida com torrões de açúcar.
Me recuso a caramelizar minha torpe existência. Pois já dizia o sábio filósofo grego: "A melancolia é prima da diabetes."
Poesia Abortada
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Desfrute
Às vezes, Se me pego por aí sonhando alto,
Se me percebo com sorrisos a entortar os lábios, Me dou logo um motivo p'ra desalegrar.
Às vezes,
Se me vejo às voltas com alegrias de esquina, Se me julgo em alta em questões de estima, Já é esse um bom motivo p'ra desconfiar.
Por isso,
Se me vês a antecipar minhas próprias tragédias, Se me vês a coadjuvar minhas próprias comédias,
Não é por burra vontade de me sabotar.
É p'ra que assim, Quando me aparecer uma ponta de felicidade,
Daquelas eloquentes, que zombam da realidade, Eu possa reconhecê-la e saber desfrutar.
Poesia Abortada
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a-fetos
Poesia Abortada
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Amizade
esse fio tão fino e tão tênue
e tão frágil que me une às pessoas, eu não consigo vê-lo, e ainda assim insistem
em chamá-lo de amizade. mas p'ra onde vai essa enxurrada de não-presenças ou ausências
consentidas que encaixadas de modo perfeito em seus lugares,
em seus receptáculos de vidro, me fazem esse ser digno
de atenção de pena
de compaixão de uma mão estendida com mais uma migalha
que alimente esse alma mal lavada e encardida
que não preenche a si mesma?
Poesia Abortada
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Alegria de Farmácia
O que seria de você
Sem esses pequenos deslizes Que você compartilha, Como se fossem doces,
Com seus amigos Na hora do recreio?
"De onde você vem? P'ra onde você vai?"
P'ra quê essa hostilidade Excitada em suas origens
Que você disfarça com um sorriso Idiota?
Com um olhar torto
Que te enfeia E não convence
Nunca convence...
Porque você não tem a verdade
Nos olhos Você não tem a verdade
Daqueles que compram a alegria Na farmácia
Você não tem...
Poesia Abortada
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Autoanálise (ou Autoajuda)
Anomia Afasia amnésica
Paralisia por análise Mitomania Ceticismo
Complexo de patinho feio Normose
Mania de auto-rotulagem
Subtraia
Cresça
Seja feliz
Poesia Abortada
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O Grito do Silêncio
é quando as vozes se extinguem que eu ouço os zumbidos
é quando as palavras repousam que o silêncio suspira tudo aquilo que eu não quero ouvir
e então vem o anseio a coceira o pensamento em espiral rombo n'alma que eu cimento
com três línguas ásperas de pessoas que eu não sei o nome cinco doses um orgasmo nenhum telefonema
quatro notas escritas à mão sob meu travesseiro sete colheres e meia de açúcar
dois comprimidos e um copo d'água seis folhas de caderno escritas e amassadas
e só então o grito do silêncio finalmente se cala...
Poesia Abortada
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Silêncio
Meu silêncio sufoca.
Desemboca onde Palavras não ousariam ir.
Meu silêncio arranha. Desce pelas entranhas
De quem já não quer sorrir.
Meu silêncio sepulta. Cimenta sentenças
Que à luz nunca hão de vir.
Meu silêncio esteriliza. Acidula as terras
Onde amor poderia florir.
Meu silêncio esfola perfura tortura embaraça reduz extermina.
Mas meu silêncio é meu poder. Minha inspiração.
Meu silêncio é minha voz. Minha comunicação...
Poesia Abortada
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Poema da Autopiedade
Vêm em ondas: Convulsões senoidais, Espasmos em espiral.
Vêm de dentro: Do centro do meu umbigo. Meu ego grita e ecoa em dor
O quanto sou desamável, Monótono e desprezível.
E eu dou-lhe todo o amparo. E eu dou-lhe abrigo da tempestade
De todos os corações nefastos Que um dia ousaram rejeitar-me.
Logo a mim: Pobre criatura!
Mas que terrível petulância!
Poesia Abortada
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Lamúrias de um Filho Inpródigo
Eu sonho com o dia Da porta batida
Do lenço ao vento Das malas no portão
Eu espero ansioso Pela minha partida
Pela despedida Pela janela do avião
Eu quero viajar nas asas do acaso
Porque o meu caso já é o de temer viver Eu quero gritar esse 'adeus' engasgado Sem ter o temor de me arrepender...
Poesia Abortada
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Monólogo
Mas o que você esperava?
algum tipo de clique instantâneo? uma epifania delirante de desejos incontidos?
gargalhadas orgásmicas depois de anos de cárcere familiar?
depois de cada folha intacta arrancada do seu calendário?
fluxos de palavras presas por anos nas paredes úmidas de um esôfago?
anjinhos pelados sem sexo tocando harpa talvez? a persona perfeita, por que não?
Ha! Ha ha ha!
Três ha!'s p'ra você se um não for suficiente. Misantropia não tem cura,
Otário!
Poesia Abortada
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Amanhã
Amanhã: felicidade coragem amor amantes glória.
Contas em acerto, Beija-flor em minha janela,
Remorsos dissolvidos, Rancores destroçados.
Enfim um novo eu!
Amanhã (se me houver tempo): outro amanhã.
Amanhã o que não hoje, o que não ontem, o que ainda há de.
Mas por obséquio: Amanhã...
Poesia Abortada
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Não Agora
I.
Ultimamente Meus pensamentos
Não têm-se deixado domar Em palavras.
Tento comprimi-los Em sentenças
Mas eles inquietos Indóceis
Fazem um zumbido Alto
Agudo Como o apito
De uma chaleira E se liquefazem
Em uma poça de gosma Preta
Quente Viscosa
Sob uma névoa De vapor.
É estranho...
Poesia Abortada
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II. Síndrome? Paralisia?
Ansiedade? Apatia?
Na verdade não me importa...
Não há mais tempo p'ra isso agora. Simplesmente agarre-se
A esse pedaço de felicidade. Segure-o contra o peito.
Capture-o na palma da mão. Não deixe-o ir, garoto!
"A vida é curta demais!", sussurram os vultos. Apenas flutue como um balão.
Sinta o frio na barriga. Sinta o vento.
Mas não olhe p'ra baixo, garoto. Não olhe p'ra baixo!
Não agora...
Poesia Abortada
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Sal e Sangue
Sal e sangue
Nuvens mornas Palavras incoesas E frascos vazios
Copos d'água
Gotas de remorso Lágrimas represas E rostos baldios
Memórias difusas Noites disformes
Clichês requentados E remendos tardios
Leitos incólumes Gozos contidos Afetos abortados E amores arredios
E o sal e o sangue E o sangue no sal
Salmoura vermelha Tingindo os ladrilhos
E a volta sem ida
Desalento orquestral Mais um ele em moldura Que me tire dos trilhos
Poesia Abortada
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Hino de Autoproclamação
Se em cárceres alheios hei de empenhar meu Espírito, Que sejam eles despojados de qualquer Santidade.
Se a peles outras hei de confiar minha própria, Que sejam elas não altivas e de igual qualidade.
Pois falta-me a nobreza e a arte retórica. Faltam-me os requintes e as lapidações.
Pois falta-me o polimento em minhas arestas. Faltam-me os moldes e as incondições.
Minha história não conta, define ou altera.
Meu berço não diz, condiz ou desfaz. Minh'alma é uma chaga, ferida aberta
Que não ousa sangrar e não fecha jamais.
Jamais.
Poesia Abortada
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gestar palavras: auto-risco
Poesia Abortada
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O Baile
Agi na neutralidade. Acendi o pavio e estatuei-me.
"Vomite tua face, anjo!, Como nos dias idos."
"Reverbere teu engasgo Como um grito fosco!" Tela de projeção sou:
Amplie tua loucura sobre mim. Metralhe-me sem misericórdia
E saia a bailar com teus demônios. Sereno e áureo plantar-me-ei aqui:
Contemplarei o teu remorso...
Poesia Abortada
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Paz
Guerra.
Contenda como nunca houvera visto. Cenário que demanda de mim congelamento sanguíneo,
Verdadeira cristalização hemática. Um distanciamento com um quê de autismo, outro quê de blasé.
"Refine seu ennui se quiser sobreviver", já diziam as velhas damas, taça de champanhe à mão.
Se eles quiserem se explodir, que se explodam. Que se esfacelem em mil pedaços pelo ar.
Ricocheteiem suas munições pelas paredes desta casa. Esfaqueiem-se.
Façam jorrar uns nos outros o próprio sangue que compartilham. Matem-se, se quiserem.
Que apenas não derramem uma gota sobre minha pele. Que eu permaneça incólume nesta guerra de loucos,
entrincheirado em minha própria e recém-achada sanidade. Que eu seja deixado de lado, se preciso for.
E de preferência: em paz.
Poesia Abortada
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O Banho dos Espíritos
Verdades oníricas Aludem ao mármore Da lápide psíquica.
Fantasmas caminham Em meu quarto Como se nele Habitassem:
Bons e maus espíritos Coexistindo
Em mesmo recinto. Obsessores encarnados
Insistentes Em sua soberba
Cumprimentam-me Com seu silêncio.
Banham-se Em Jacuzzis
Transbordando lixo, Deleitando-se
Em sua imundície E meu recalque.
Poesia Abortada
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Corvos Fitavam-me das Copas
(e pela tarde minha mente ia...)
há tanto no silêncio que não silencia. há tanto na garganta
que não se cala. há ruas vazias. há pés descalços no asfalto.
há engrenagens a girar reinventando destinos,
desabando sonhos, regurgitando passados
inquietos que ainda pingam sangue de um vermelho tinto.
há noites denunciando verdades presas e insólitas.
há minha sanidade num moinho gigante
e imponente, fálico,
que não cessa essas sinapses
cretinas. sim, disso eu sei,
corvos: calhariam bem
as pazes com Deus, mas já é tarde... (e eu me nego.)
Poesia Abortada
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Poema Abortado
De cores fecundas Recubro meu talo
Abato a tumba Transpiro a chaleira De berros reinantes Abaulo meu cérvix Reitero a macumba
Estiro o punhal Sentido e molenga Vomito casebres
De palha e bambu Telhados marfim
De pouco em pouco Meus dedos necrosam
Suam petróleo Desmancham em sol
Poesia Abortada
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