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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO ELIZAMA PEREIRA MESSIAS POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO EDUCACIONAL NA CIDADE DO RECIFE: TRAJETÓRIAS E CONTRADIÇÕES NA LUTA POR RECONHECIMENTO DA POPULAÇÃO NEGRA RECIFE 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

ELIZAMA PEREIRA MESSIAS

POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO

EDUCACIONAL NA CIDADE DO RECIFE: TRAJETÓRIAS E

CONTRADIÇÕES NA LUTA POR RECONHECIMENTO DA

POPULAÇÃO NEGRA

RECIFE

2009

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ELIZAMA PEREIRA MESSIAS

POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO

EDUCACIONAL NA CIDADE DO RECIFE: TRAJETÓRIAS E CONTRADIÇÕES NA

LUTA POR RECONHECIMENTO DA POPULAÇÃO NEGRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Simão de Freitas

RECIFE 2009

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Messias, Elizama Pereira

Políticas de promoção da igualdade racial no âmbito educacional na cidade do Recife: trajetórias e contradições na luta por reconhecimento da população negra / Elizama Pereira Messias. – Recife: O Autor, 2009.

255 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CE. Educação, 2009.

Inclui bibliografia e anexos.

1. Educação e Estado 2. Políticas públicas - negros - Brasil 3. Negros - Educação - Brasil 4. Igualdade na educação I. Título.

379.2 CDU (2.ed.) UFPE 37 CDD (22.ed.) CE2010-008

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A bela flor da minha vida, Ayana Maisha, inspiração, força, fonte de alegria. A minha mãe que com garra e carinho batalhou para criar seus quatro filhos. A todas as crianças negras do Brasil e do mundo. A minha ancestralidade africana, pessoas que eu conheço e que não conheci, mas que se fazem presentes na minha fibra de vida.

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AGRADECIMENTOS

A todos os meus familiares: mãe, irmãos, irmã, sobrinho, tios, tias, primos, primas e avós e em especial a tia Celeste por acreditar e se orgulhar de nossa família sempre.

As minhas amigas que conheci na esfera acadêmica mais cuja amizade

enraizou para vida em todas as suas esferas Guiomar e Clarisse, beijos e abraços sem fim. A Eduardo José do Nascimento Júnior, poeta querido, pela caminhada e aprendizado juntos, obrigada pela admiração e carinho.

Agradecimento especial a Alexandre Freitas, meu orientador, que me possibilitou o conhecimento de novos horizontes com a devida liberdade e respeito ao meu ritmo, movimento, pensamento e convicções.

A todos os amigos e amigas que acompanharam de alguma forma a escrita da dissertação com expectativa, curiosidade e carinho.

A todos os colaboradores que gentilmente aceitaram participar da pesquisa. A todos do Centro de Educação Popular Maria da Conceição, em especial a

Lúcia dos Prazeres.

A todos do Movimento Negro de ontem e de hoje...Walter, Jair, Henrique Cunha Júnior, Inaldete Pinheiro, Claudilene, Marta Rosa, Juliane, Fátima Oliveira, Delma, Deyse, Euclides, Ester, Piedade, Salviano, Rosilene, Júnior Afro, Josélia Lages, em fim a todos... O nosso axé e a nossa luta é o que nos une.

À Auxiliadora Martins, cujo carinho e incentivo foram fundamentais para sempre acreditar que é possível.

A Itacy, amigo de se mandar e-mail para compartilhar algumas angústias na trilha da busca pelo conhecimento, obrigada por seu carinho e solicitude.

Aos colegas do programa de pós-graduação, em especial Lília e Assis, pelo

compartilhar de idéias e conhecimentos.

Aos funcionários do programa de pós-graduação pela atenção, solicitude e palavras de apoio.

A todos os estudantes, educadores, educadoras e equipe pedagógica da

Rede Municipal da cidade do Recife, lócus de trabalho, aprendizagem e pesquisa.

A todos os estudantes, funcionários, educadores e educadoras da Universidade Federal Rural de Pernambuco que me deram a oportunidade de aprender e trocar experiências.

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Agradecimento a todos os/as professores/as da banca examinadora: Prof. Edílson Fernandes, Prof. Henrique Cunha Júnior e em especial a profa. Eliane Veras que gentilmente atendeu ao chamado emergencial para substituir um examinador titular.

Em fim, obrigada, obrigada, obrigada a todos, a todas e muito Axé!!!!!!

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A COR QUE CARREGA (Du Nascimento)

Carrego minha cor como quem carrega uma praga. Fizeram-me achar cada vez mais, menos. Nos confins já da infância, em outros tempos, Caso atual seja apenas estar vivo, E por isso mesmo, vejo as pessoas de hoje Usarem do que já se feria como preconceito ontem. Carrego minha cor como uma marca. Uma “Mancha” da qual eu nunca esqueça: Negra. Uma forma de me colocarem um lugar, De me darem posição mediana, E dizerem sem fé ao homem: “Toma teu lugar e não inventas de te expandir” Sendo mesmo o que é do homem o humano que cresce, [independente da cor. Carrego minha cor como quem carrega um sonho Uma descendência revelada. Uma luz negra no fim do túnel, Da qual minha sombra já não se vê pelos cantos A percorrer buracos de vidas Quase vida...quase... De um quase que mutila Impende Rotula Preconceitua E minoriza. Carrego minha cor E não entendo o que minha cor tem haver Com minhas capacidades? Entendo enfim onde há limitação, Onde ser humano não é o que de importante bastava em existir... Existiremos então a mercê donde estamos existindo E verde vestimos outra cor Quiçá seríamos transparentes Como já transparentes somos aos olhos de muitos. Carrego minha cor como quem enfim carrega uma bandeira, Uma esperança preto-azulada, Uma história longa e sem jeito da humanidade, Que em tantos túmulos guardou nossas certezas: Guardará se permitirmos... A história se diz pelo tempo. Será assim até que assim seja: Pretos, brancos, amarelos e vermelhos, Tal qual a ser humano, Ser gente, Além de ser somente uma cor. Poema escrito e recitado pelo poeta Eduardo José do Nascimento Júnior no dia da defesa desta

dissertação, 05/08/2009.

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RESUMO

Neste trabalho nos propomos a analisar o processo de formulação e implantação das Políticas de Promoção da Igualdade Racial levadas a diante pela Secretaria de Educação da Cidade do Recife, no período de 2005 a 2008. Tomamos como ponto de partida a problematização da identidade étnico-racial da população negra brasileira. Sabendo que a luta por reconhecimento de identidades individuais e coletivas tem inscrito na agenda pública a problemática racial brasileira que foi silenciada durante anos. No campo educacional reconhecemos como marco a aprovação da lei 10.639/03, que institui o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira como obrigatório nas escolas da Educação Básica. Este dispositivo legal tem impelido os Sistemas de Ensino a concretizarem ações para a sua efetivação. Nosso objetivo principal, portanto, foi historiar o processo de implantação de tais políticas e compreender as representações que orientam a prática dos técnicos responsáveis por elaborá-las e implementá-las. Para tanto, lançamos mão da pesquisa qualitativa através da análise de documentos e da realização de entrevistas semi-estruturadas com as pessoas envolvidas neste processo. Os resultados nos revelam a influência das iniciativas tomadas pelo governo central na agenda local. As ações no âmbito da educação estão centradas na formação continuada sobre o tema, esta a despeito do que está posto em lei vem acontecendo de forma esporádica e descontínua, atingindo um pequeno número de educadoras/es. Isto mostra as contradições do processo de institucionalização das políticas de promoção da igualdade racial numa estrutura administrativa marcada pelo racismo institucional. Revelam ainda a força das representações dos sujeitos na materialização das políticas públicas, colocando estes e suas formas de sociabilidade como protagonistas desse processo.

Palavras chave: políticas públicas, identidade étnico-racial, reconhecimento

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ABSTRACT

In this study we propose to analyze the process of formulation and insertion of Public Policy which would promote racial equality, implemented by Education Office of Recife from 2005 until 2008. To start with there is a view of the problem of ethnic and racial identity of Brazilian black people. It has been known the fights in order to recognize either individuals or group identities who have been writing in a new public agenda with the Brazilian racial problems that has been quietly silenced for years. In educational area we acknowledge the main point which is the law 10.639/2003. It has established, necessarily, the teaching and learning of History and African Culture and the Brazilian and African Studies in all schools along the Basic Education. This legal element has impelled the Education System to create actions in order to make sure its accomplishment. Our aim is to investigate the process of implantation of these politics and understand the representations which lead to the practice of those who created and implanted such policies. To do so we searched and analyzed several documents and also interviewed people involved in the process. The results revealed the influence of government decisions on that issue. Concerning to Education, the actions are geared in the Continuing Formation Program involving those themes, although it only reaches a small number of educators. That shows the contradictions of the process to legitimate the policies for promotion of racial equality within a social and political context marked by racism. They also reveal the power of individual representations to make such public policies happen and to set up those individuals and their life style as protagonist of that process.

Key Words: Public Policies; Ethnic racial identity; Recognition.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Colaboradores ........................................................................................34

Quadro 2 – Documentos analisados .........................................................................35

Quadro 3 – Fenômenos a serem enfrentados e políticas mais adequadas ..............99

Quadro 4 – Categorias temáticas nos documentos analisados...............................157

Quadro 5 – Dados de Identificação dos Colaboradores .........................................161

Quadro 6 – Principais ações das gerências para implementação da lei 10.639/03

..................................................................................................................................171

Quadro 7 – Principais ações desenvolvidas pelo GTERÊ.......................................179

Quadro 8 – Principais ações desenvolvidas pela DPPIR.........................................183

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 4 – 1. População da cidade do Recife por sexo e cor/raça......................... 132

Tabela 4 – 2. População da cidade do Recife por sexo e cor/raça......................... 132

Tabela 4 - 3. Anos de estudo por sexo cor/raça (pessoas com 10 ou mais anos de

idade)........................................................................................................................134

Gráfico 0.1 Renda per capita por sexo e raça do responsável pelo domicílio.........133

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC – Análise de conteúdo

ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

CEAFRO – Profissionalização e Educação para a Igualdade Racial e de Gênero, um

projeto de extensão da Universidade Federal da Bahia

CF – Constituição Federal

CMPPIR – Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNPPIR – Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

COMUDE – Conferência Municipal de Educação

DFID – Departamento de Desenvolvimento Internacional

DIRE – Diretoria de Educação e Formação Continuada

DIR – Diretoria de Igualdade Racial

FIPPIR – Fórum Intergovernamental de Políticas de Promoção da Igualdade

GAC- Gerência de Animação Cultural

GBFL – Gerência de Biblioteca e Formação de Leitores

GEI – Gerência de Educação Infantil

GT – Grupo de Trabalho

GTERÊ – Grupo de Trabalho da Educação das Relações Étnico-Raciais

GTI – Grupo de Trabalho Interministerial

IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

MEC – Ministério da Educação

PCR – Prefeitura da Cidade do Recife

PCRI – Programa de Combate ao Racismo Institucional

PNPIR – Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial

PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SEEL – Secretaria de Educação Esporte e Lazer

SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................18

CAPÍTULO 1 .............................................................................................................24

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................24

1.1 O Caminho Trilhado: Metodologia e Reflexões ...................................................30

1.1.1 O processo de construção e aplicação dos instrumentos.............................33

1.1.2 Os colaboradores da pesquisa .....................................................................34

1.1.3 Análise de documentos.................................................................................35

1.1.4 Análise dos dados.........................................................................................37

CAPÍTULO 2 .............................................................................................................40

2 IDENTIDADE NEGRA: LUTA POR RECONHECIMENTO E AS POLÍTICAS

IDENTITÁRIAS..........................................................................................................40

2.1 Reconhecimento ou redistribuição: contextualizando o debate...........................41

2.1.1 Axel Honneth e a gramática moral dos conflitos sociais ...............................43

2.1.2 A perspectiva dualista de Nancy Fraser .......................................................47

2.2 O reconhecimento e o caso da população negra brasileira: as alternativas

teóricas de Jessé Souza e João Feres Júnior...........................................................50

2.2.1 Construção de um tipo humano ideal e subcidadania perspectivas de

reconhecimento em Jessé Souza..........................................................................51

2.2.2 Oposições semânticas assimétricas e formas de negação do

reconhecimento: a contribuição de Feres Júnior ...................................................60

2.3 Identidade étnico-racial: o negro na sociedade brasileira, a idéia de raça e o

Estado Brasileiro .......................................................................................................66

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2.3.1 Políticas Identitárias: o caso da população negra no Brasil..........................72

CAPITULO 3 .............................................................................................................76

3 AS POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, AS POLÍTICAS

EDUCACIONAIS E A REFORMA DO ESTADO .......................................................76

3.1 Políticas Públicas, aspectos e peculiaridades .....................................................78

3.2 A Reforma do Estado e a Reforma Educacional, ressignificando as políticas

públicas .....................................................................................................................83

3.3 Políticas de Promoção da Igualdade Racial ........................................................88

3.3.1 A constituição da agenda das políticas de promoção da igualdade racial ....89

3.4 As políticas de promoção da igualdade racial e a educação.............................104

3.5 Políticas de promoção da igualdade racial no âmbito educacional: historiando o

processo de formulação da agenda pública............................................................106

3.5.1 Construindo uma Proposta Para as Políticas de Promoção da Igualdade

Racial, os antecedentes na esfera federal...........................................................107

3.5.2 Construindo uma Proposta Para a Educação das Relações Étnico-Raciais na

Cidade do Recife .................................................................................................116

3.5.3 A inclusão da população negra, o que dizem as estatísticas......................126

3.6 Marco Legal da Educação das Relações Étnico – Raciais................................135

3.6.1 A constituição da agenda no âmbito federal a partir de alguns documentos

.............................................................................................................................136

3.6.2 A constituição da agenda municipal a partir dos documentos oficiais ........149

CAPÍTULO 4 ...........................................................................................................159

4 POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO

EDUCACIONAL: O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DA AGENDA PÚBLICA NA

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DA CIDADE DO RECIFE .....................................159

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4.1 Os colaboradores da pesquisa: fazedores de políticas de promoção da igualdade

racial........................................................................................................................160

4.2 O fazer política pública dentro da estrutura organizacional da Secretaria de

Educação do Recife ................................................................................................165

4.3 O fazer política pública de promoção da igualdade racial através do GTERÊ

dentro da estrutura organizacional da Secretaria de Educação do Recife..............177

4.4 O fazer política pública através da DIR dentro da estrutura organizacional da

Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã ............................................182

4.5 As representações dos fazedores das políticas de promoção da igualdade racial

da Secretaria de Educação e da Diretoria de Políticas de Promoção da Igualdade

Racial do Recife sobre o seu campo de atuação ....................................................188

4.5.1 Políticas de Promoção da Igualdade Racial .. ............................................189

4.5.2 Igualdade racial ou equidade: a questão da identidade étnico-racial e as

políticas implementadas ......................................................................................200

4.5.3 Os limites e tensões na confluência dos papéis do Estado e da Sociedade

Civil ......................................................................................................................206

4.5.4 Representação dos fazedores de políticas, retomando algumas concepções

.............................................................................................................................217

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................223

REFERÊNCIAS.......................................................................................................227

ANEXOS .................................................................................................................234

ANEXO 1.................................................................................................................235

ANEXO 2.................................................................................................................236

ANEXO 3.................................................................................................................237

ANEXO 4.................................................................................................................240

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ANEXO 5.................................................................................................................242

ANEXO 6.................................................................................................................244

ANEXO 7.................................................................................................................245

ANEXO 8.................................................................................................................246

ANEXO 9.................................................................................................................248

ANEXO 10...............................................................................................................250

ANEXO 11...............................................................................................................251

ANEXO 12...............................................................................................................253

ANEXO 13...............................................................................................................254

ANEXO 14...............................................................................................................255

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INTRODUÇÃO

Nosso interesse em trabalhar com as relações étnico-raciais começou a tomar

forma no ano de ingresso, como professora das séries iniciais, na Rede Municipal do

Recife em 2003. Assim, não casualmente o período delimitado para a pesquisa

(2005-2008) compreende exatamente momentos significativos em minha história de

vida enquanto educadora e pesquisadora, pois ao ingressar na Rede Municipal tive

um contato mais aprofundado com a realidade dos estudantes no que se refere à

questão racial e vivenciei um período de efervescência onde as relações raciais

foram, e ainda o são hoje, bastante discutidas, principalmente em organizações da

sociedade civil.

A discriminação na sala de aula se manifestava, sobretudo, através do uso

constante de apelidos que faziam referência à cor da pele, ao cabelo, ao formato do

nariz, desvelando um processo sui generis de não aceitação de si mesmo e de

desvalorização da cultura negra.

Nesse cenário, participamos de um processo de formação continuada

promovida pela Rede Municipal de Ensino na qual se enfatizava a relevância da

inserção de temáticas como história da África e dos Afro-Brasileiros, o 1º Curso de

História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, promovendo a equidade racial na

educação/2005, organizado pelo PCRI (Programa de Combate ao Racismo

Institucional) e Secretaria de Educação. De fato, a razão para isso estava associada

com a instituição da lei 10.639/03, que prevê o ensino de História da África e dos

afrodescendentes no Brasil como obrigatórios nas escolas públicas e privadas da

Educação Básica. Essa nova demanda legal fez com que a Prefeitura do Recife

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buscasse materializar ações concretas na promoção da igualdade racial, como

adesão ao Programa de Combate ao Racismo Institucional, a criação do GTERÊ

(Grupo de trabalho das relações étnico-raciais), a promoção de cursos, seminários,

passeata dos estudantes no Dia da Consciência Negra, entre outras ações.

Estas iniciativas fizeram com que nosso interesse se dirigisse para o processo

de formulação e implantação de políticas de promoção da igualdade racial. Partimos

então do pressuposto de que as políticas surgem a partir de questões socialmente

problematizadas (AZEVEDO, 1997) e que o racismo se apresenta enquanto

fenômeno histórico-social presente nas práticas sociais e no universo cultural

brasileiro.

Problematizar as relações raciais é um processo ousado e necessário, que

tem como pano de fundo a relação dos movimentos sociais com o Estado na busca

por políticas públicas que viabilizem o usufruto de direitos sociais, políticos, civis e

culturais (JACCOUD; BEGHIN, 2002). Nesse sentido, este projeto de pesquisa

objetivou investigar as iniciativas que têm adotado a questão racial enquanto eixo

articulador de políticas educacionais. A idéia inicial foi mapear o desenho

institucional construído para a implementação das políticas de igualdade racial, no

município do Recife, analisando as representações construídas sobre algumas

categorias, ao mesmo tempo em que buscava desvelar as lutas e tensões no

processo de materialização destas políticas.

Integrando as atividades do Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas em

Educação (NEPPE) do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFPE), a

pesquisa tem como preocupação mais ampla o debate a respeito dos vínculos entre

a democratização das instituições públicas e os problemas relativos à exclusão

social. A fundamentação teórica está ancorada na questão da identidade étnico-

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racial enquanto uma questão central para a reflexão sobre os dilemas da cidadania

democrática na contemporaneidade. Assim, a pesquisa tomou como ponto de

partida o quadro emergente de ações federais e municipais a partir da segunda

metade da década de 90. A partir desse período, as políticas de promoção da

igualdade racial passaram a compor uma agenda pública que passou a considerar

as questões relativas à identidade racial um objeto específico de intervenção do

Estado, deixando entrever o caráter normativo dessas intervenções.

A busca de uma compreensão em torno dos processos de construção da

identidade étnico-racial, como categoria-objeto de intervenção do poder público,

inscreve a pesquisa diretamente no campo das políticas públicas, pois a pretensão

consistiu em investigar, mais especificamente, as ações empreendidas pelo governo

local, sob a ótica de seu possível impacto na constituição de políticas de promoção

da igualdade racial.

Como marcos mobilizadores das recentes intervenções do Estado,

ressaltamos alguns acontecimentos de repercussão nacional tais como: a Marcha

Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida em 1995; a criação,

por decreto presidencial, do Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da

População Negra neste mesmo ano; a participação do Brasil na III Conferência

Mundial contra o racismo, a discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata,

em Durban, na África do Sul (2001).

Mais recentemente, no primeiro Governo Lula, destacamos a criação da

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em março de

2003. A aprovação da lei 10.639/03, em janeiro de 2003. A realização da I

Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial em 2005. Assim, é possível

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perceber que o tema da identidade étnico-racial gradativamente passou o ocupar a

agenda política brasileira.

Vale ressaltar que parte dessa visibilidade decorre da expressiva ação dos

movimentos negros que, a partir de 1990, vem intensificando as lutas em torno das

políticas de ações afirmativas (CUNHA, 2003). Apesar das divergências, em torno

das melhores formas de combate ao racismo institucional, caracterizado como a

incapacidade do Estado em prover serviços básicos como educação, saúde,

garantia de emprego e renda a determinadas parcelas da população por causa da

sua cor, cultura, religião e origem racial ou étnica, esses movimentos têm contribuído

sistematicamente para a formação de uma consciência negra orientada pela luta

pelo fim do racismo.

Em uma escala de investigação mais restrita, focalizamos nossa atenção na

face local dessas ações. Mais especificamente, realizamos um estudo sobre as

políticas de promoção da igualdade racial implantadas na cidade do Recife no

âmbito da Secretaria de Educação, buscando compreender as representações dos

formuladores e implementadores sobre identidade étnico-racial, igualdade racial e

política pública.

A escolha desse lócus deve-se ao fato da Secretaria Municipal de Educação

desencadear uma série de ações, sobretudo a partir de 2003, ano em que é

sancionada a lei 10.639/03, como a criação de um grupo de trabalho, o GTERÊ, com

o objetivo de planejar e executar ações, como cursos de formação continuada,

seminários, oficinas específicas. Essas ações nos levaram a delimitar o estudo no

processo de constituição da agenda pública local, em torno da identidade racial,

focalizando, sobretudo, as razões que levaram os gestores governamentais a

privilegiarem os elementos de interface com o setor educacional. Desse modo,

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acreditamos que o estudo pode contribuir para a compreensão de como as políticas

públicas de promoção da igualdade racial tem interferido no cotidiano escolar.

A dissertação está dividida em quatro capítulos, no primeiro realizamos

algumas considerações iniciais sobre o campo e sobre o objeto de pesquisa para em

seguida discorrermos sobre as opções metodológicas adotadas para dar conta dos

objetivos propostos. No segundo capítulo, tomamos como ponto de partida o

paradigma do reconhecimento para tratarmos das questões relacionadas à

identidade étnico-racial e das políticas identitárias levadas adiante pelo Estado

Brasileiro. No terceiro capítulo tratamos das políticas públicas enquanto

materialização de um certo tipo de Estado, neste caso marcado pelas

transformações advindas pelo esfacelamento dos Estados nacionais e pela

globalização. Em seguida nos debruçamos sobre o cenário nacional

contextualizando a formação da agenda federal e local das políticas de promoção da

igualdade racial, para em seguida analisar alguns documentos como leis, portarias,

relatórios, planos e diretrizes que orientam e mostram os resultados destas ações.

No quarto capítulo nos voltamos para a administração municipal no âmbito da

Secretaria de Educação e da Diretoria de Igualdade Racial na tentativa de

compreender a dinâmica de planejamento e realização das políticas de promoção da

igualdade racial. Por fim, mergulhamos no universo dos fazedores destas políticas

através do desvelamento e análise de suas representações acerca de categorias

temas que fazem parte do campo semântico das políticas afirmativas. Finalmente,

concluímos o trabalho através de algumas considerações construídas ao longo do

processo de coleta e análise dos dados.

Desse modo, esperamos com este trabalho convidar os leitores a voltarem

seus olhos para a trajetória de formulação e implementação de políticas públicas

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voltadas para o reconhecimento de negros e negras dentro do setor educacional,

processo marcado por algumas conquistas, mas sempre acompanhadas por lutas,

descontinuidades e contradições que revelam os desafios postos na luta pelo

reconhecimento da população negra dentro de um Estado regido pela lógica do

racismo institucional.

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CAPÍTULO 1

Minha pesquisa faz parte da minha vida, e minha vida faz parte da minha pesquisa.

(Glória Ladson-Billings)

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Neste capítulo trataremos primeiramente sobre a questão das identidades e

sobre a forma como esta se relaciona com as políticas públicas, em seguida

tentaremos elucidar algumas escolhas realizadas no momento da pesquisa como

forma de situar o leitor para, em seguida, adentrarmos no percurso metodológico

seguido/construído para dá conta de nosso objetivo de pesquisa.

O presente trabalho se inscreve num momento onde é crescente o debate

nacional a cerca das políticas identitárias, especificamente aquelas voltadas para a

população negra. Contraditoriamente o lócus de produção deste saber acadêmico, a

Universidade, também é marcado pelo racismo institucional, pois é notória a não

abertura para mudanças de postura e discussão sobre ações afirmativas nesse

espaço. Ao mesmo tempo não percebemos um esforço coletivo para introdução da

proposta para uma educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história

e cultura africana e afro-brasileira nos cursos de licenciatura. Vislumbramos a

possibilidade de mudança desta realidade com o ingresso de diversos estudantes

negros e negras nos programas de pós-graduação1, apesar dos desafios inerentes à

discussão das relações étnico-raciais num país onde o mito da democracia racial

ainda parece falar mais alto.

1 Aqui nos referimos especificamente ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, que

nós últimos dez anos apresentou dez pesquisas a nível de mestrado sobre a educação de negros e negras. Tendo mais cinco pesquisas em andamento, três no doutorado e duas no mestrado.

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Inicialmente falaremos a respeito da escolha da categoria identidade para

desenvolver uma pesquisa dentro da arena das políticas públicas. A relação entre

política e identidade se insere no campo de estudo sobre as políticas identitárias. De

acordo com Sales Júnior (2007),

As políticas de identidade e as políticas multiculturalistas são, pois, políticas de inclusão social, buscando corrigir as conseqüências da exclusão social que atinge grupos discriminados...O objetivo de estabelecer democracias multiculturais passou a fazer parte de uma tendência atual de políticas de desenvolvimento [em nível global]. (SALES JÚNIOR, 2007, p.136).

Desta feita as políticas identitárias são políticas voltadas para identidades

oprimidas, postas a margem, objetivam, portanto, a reversão das desigualdades e a

introdução nos espaços de poder de grupos étnicos ou não historicamente

discriminados.

Neste sentido, se faz necessário elucidar o conceito de identidade.

Começamos por afirmar que escrever sobre o tema das identidades não é tarefa

fácil, mesmo que a título de revisão bibliográfica. A dificuldade maior não reside

apenas na complexidade do tema, mas ao fato de que quando adentramos neste

assunto temos nossas certezas colocadas à prova a todo instante abrindo-se diante

de nós um mar de incertezas.

Ao ler autores como Bauman (2005) e Hall (2006), este trabalho se torna

ainda mais angustiante e por vezes doloroso. Receio desagradar aqui parcela

significativa do Movimento Negro ao trilhar o caminho da não aceitação de

estereótipos e de modelos preconcebidos, inclusive a respeito do que é ser negro.

Uma construção contextual e marcada pelas trincheiras da luta dos movimentos

sociais negros.

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A relação entre a identidade - especificamente a identidade étnico-racial - e

as políticas públicas voltas para a promoção da igualdade racial é um tema bastante

complexo. A própria noção de identidade vem sendo questionada em função das

críticas endereçadas ao chamado “sujeito do Iluminismo”. Como assinala HALL

(2006, p. 10), a concepção de subjetividade, construída pelo imaginário social das

luzes, forjou um entendimento da pessoa humana como um indivíduo dotado das

capacidades de razão, consciência e ação, “cujo centro consistia em um núcleo

interior”. Esse núcleo essencial do sujeito configura-se como a identidade de uma

pessoa.

Na contemporaneidade não apenas a defesa de uma identidade unificada

entrou em crise, mas admite-se que o próprio processo de subjetivação, através do

qual “nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório,

variável e problemático” (HALL, 2006, p. 12). Em outros termos, compreende-se que

o sujeito assume identidades diferentes, ao longo de suas experiências de vida, e

que essas identidades não são unificadas em torno de um “eu”.

O interesse pela questão da identidade está relacionado, por um lado, às

mudanças decorrentes do processo de globalização e, por outro, às demandas por

reconhecimento de grupos sub-representados 2. Dessa ótica, a discussão sobre a

identidade remete a um problema recorrente nas sociedades modernas: a questão

do estatuto do sujeito. Na modernidade, o sujeito foi re- significado no âmbito

epistemológico.

Vale lembrar que, nesse contexto, não são apenas os problemas sociais que

mudam, mas a maneira de colocá-los que sofrem uma alteração radical. A própria

noção de sujeito enquanto caminho para compreender/delimitar a questão da

2 Fenômenos esses, por sua vez, indissociáveis do “revival do nacionalismo particularista e do

absolutismo étnico e religioso” (HALL, 2006).

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identidade, por exemplo, tornou-se um problema. Na contemporaneidade a idéia de

uma identidade a priori é questionada por pensadores como Nietzsche, Freud e

Marx que concebem a identidade constituindo-se a partir das relações sociais e

históricas, o que tem implicações tanto na paisagem política das sociedades

modernas, quanto nas formas de problematização pedagógica.

Assiste-se a um processo crescente de politização das identidades, tendo em

vista que “a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou

representado” (HALL, 2006, p. 13). Ao tomar como objeto específico de estudo a

questão da identidade étnico-racial é preciso, portanto, ter em mente as implicações

desse processo para a constituição de políticas públicas ancoradas na defesa da

diferença das identidades (raciais, de gênero, da juventude, etc.), pois a identidade

deixa de ser tomada como algo fixo e passa a ser problematizada como um

processo de Identificação em constante deslocamento. Seriamos habitados por um

fluxo contínuo de “identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de

tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL,

2006, p. 13). Assim, cada pessoa possuiria múltiplas identidades como, por

exemplo, uma identidade profissional, sexual, de gênero, etc.

Nessa perspectiva, a questão da identidade apresenta uma dinâmica

inesgotável no tempo e no espaço, uma vez que ela é “formada e transformada

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou

interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2006), ou seja, a

construção da identidade é um processo relacional e situado. Como assinala

Castells (1999):

A construção de identidades vale-se da matéria prima produzida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e

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revelação de cunho religioso. Porém todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço (p. 23).

Com esse entendimento é possível delimitar as relações de poder que

envolvem a construção da identidade, situando a identidade afrodescendente no

contesto das identidades de resistência, de acordo com tipologia elaborada por

Castells (1999). Isso significa que esta se constrói e reconstrói nas trincheiras da

luta posta pelos movimentos sociais.

Exposta a nossa compreensão da identidade se faz necessário explicar a

escolha do local e dos sujeitos da pesquisa. O nosso trabalho está voltado para a

realidade da rede municipal de ensino da cidade do Recife, onde desde 2003

trabalhamos como professora das séries iniciais. Sabemos que uma política pública

pode ser analisada na perspectiva dos documentos, dos elaboradores da política e

dos destinatários. Neste sentido, adotamos a perspectiva documental e dos

elaboradores das políticas. Inicialmente tínhamos pensado em realizar a pesquisa

no âmbito dos estudantes procurando apreender o processo de construção e

ressignificação das suas identidades a partir das políticas implementadas e de suas

redes sociais. Esta idéia inicial foi abandonada principalmente pela adequação

temporal, pois na nossa compreensão uma pesquisa que adote a perspectiva das

redes sociais precisaria de um tempo superior aos dois anos destinados ao

mestrado.

Ao longo do texto a nossa referência na maioria das vezes será as “políticas

de promoção da igualdade racial”, expressão utilizada nos documentos oficiais e

para nomear diretorias como a DIR (Diretoria de Igualdade Racial) planos como a

PNPPIR (Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial) e conferências como

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a CONAPIR (Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial). Tal

expressão encerra vários dilemas como será melhor explicitado mais adiante. O que

por hora nos chama a atenção é o fato do Estado aparentemente sair de uma

postura de espectador e de pseudo neutralidade para uma postura de promotor da

igualdade racial, através da elaboração e implementação de políticas voltadas para

a população negra.

As pesquisas sobre as políticas de promoção da igualdade racial são recentes

na medida em que muito tardiamente o Estado vem incorporando em sua agenda

ações efetivas de reversão das desigualdades raciais. A maioria dos trabalhos

publicados3 até o momento pesquisam especificamente as ações afirmativas e

dentro delas as cotas para ingresso no ensino superior. Contudo, sabemos que um

fenômeno multifacetado como o racismo necessita de medidas diversificadas,

transversais e descentralizadas, de modo a valorizar a população negra vítima

secular de toda sorte de depreciação e posta a margem pelo processo de

modernização racista. Assim, muitas das categorias que fazem parte do campo

semântico destas políticas estão sendo construídas e reelaboradas na medida em

que as políticas estão sendo gestadas e implementadas, isto significa que isto se faz

num processo cheio de contradições e embates dentre eles o fato destas políticas

serem desenvolvidas numa estrutura marcada pelo racismo institucional4. As

páginas seguintes refletem o resultado da tentativa de historiar esse processo e de

compreender a maneira como isto vem se dando no âmbito local dentro do setor

educacional.

3 Ver os trabalhos: Sistema Universal e Sistema de Cotas para Negros na Universidade de Brasília:

um estudo de desempenho, (Dissertação de Mestrado/UNB), Eglaísa Micheline Pontes Cunha e Nos Alicerces do Mundo: o dilema e a dialética na afirmação da identidade negra, (Dissertação de Mestrado/UFPE), Rebeca Oliveira Duarte.

4 O racismo institucional é tido como o fracasso coletivo de uma organização ou instituição em prover um serviço profissional adequado às pessoas por causa da sua cor, cultura ou origem étnica.

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1.1 O Caminho Trilhado: Metodologia e Reflexões

“Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando,

refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar”

Paulo Freire

Ao rememorar o caminho percorrido para o trabalho que aqui se apresenta,

há que se considerarem alguns aspectos que julgamos ser fundamentais. O primeiro

deles diz respeito à natureza do problema investigado. Ao nos debruçarmos sobre

as políticas públicas temos que ter em mente que estas políticas são elaboradas e

implantadas por um Estado que possui identidade própria, uma lógica própria de

ação. Essa identidade se inscreve a partir das mudanças societais derivadas das

lutas entre os diversos atores coletivos. Nesse contexto, o Estado busca materializar

ações reguladoras através da práxis de seu corpo técnico, mediante políticas

específicas ancoradas em representações tanto sobre a natureza dos problemas

quanto sobre as soluções a serem implantadas.

O segundo aspecto refere-se à relação que se estabelece entre o

pesquisador e aquilo que se pretende pesquisar. No debate que opõe análises

quantitativas e qualitativas, disputa-se o estatuto da atividade cientifica. Enquanto

para alguns a ciência é marcada pela objetividade e neutralidade obtidas, entre

outras coisas, através do distanciamento entre o pesquisador, a realidade e os

sujeitos a serem pesquisados. Para os defensores de uma abordagem qualitativa,

conforme Martins (2004), não é possível dissociar a atividade científica de uma

preocupação ética e de um compromisso do pesquisador com a busca de respostas

às questões sociais que circunscrevem todo e qualquer problema de pesquisa.

Assim, para o pesquisador qualitativo, a objetividade “provém de critérios que serão

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definidos pelo pesquisador em relação aos problemas que ele está investigando”

(MARTINS, 2004, p. 292).

Isto nos coloca mais uma vez diante da importância do papel do pesquisador

e de seu comprometimento. No caso específico da pesquisa que aqui se apresenta,

a nossa posição enquanto professora negra de uma escola pública municipal, onde

a discriminação racial e o preconceito permeavam o cotidiano escolar, e ao mesmo

tempo, destinatária das políticas de combate ao racismo institucional implementadas

pela PCR (Prefeitura da cidade do Recife) é algo extremamente importante afetando

desde a escolha do objeto, até a nossa inserção na estrutura administrativa para

abordar tal questão.

No seu texto Discursos racionalizados e epistemologias étnicas, Glória

Ladson-Billings (2006) chama atenção para formas distintas de conhecer, baseadas

em visões de mundo também distintas. A autora parte da diferenciação entre a

epistemologia euro-americana, que se baseia no discurso da racionalidade do

indivíduo inaugurado por Descartes e aquilo que chama de epistemologias étnicas

desenvolvida por indivíduos que de alguma forma foram subjugados, investigando

noções como “dupla consciência”, “consciência mestiça” e “grupo limiar”5. Ela afirma

que,

O modo como o indivíduo observa o mundo é influenciado pelo conhecimento que possui, e o conhecimento que esse indivíduo é capaz de possuir é profundamente influenciado por sua visão de mundo (LADSON-BILLINGS, 2006, p. 260).

5 Para saber mais consultar, Du Bois, W E. B. The souls of Black folk. New York: Fawcett: 1953.

(dupla consciência), Anzaldúa, G. Borderlands/la frontera: the new mestza, San Francisco: Aunt Lute, 1987. (consciência mestiça) e Legesse. A. Three approaches to the study of an African society. New York: Free Press: 1973. (grupo limiar).

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Em síntese, a autora afirma que o lugar de onde se produz conhecimento e a

quem se quer atingir, são questões fundamentais capazes de determinar escolhas

de temáticas e de metodologias.

Por essa razão, para apreender o movimento de formação da agenda das

políticas de promoção da igualdade racial no âmbito educacional da cidade do

Recife, realizamos uma investigação do processo de implantação destas políticas no

período entre 2005 e 2008, a partir de análise de documentos oficiais e entrevistas.

Neste processo foi necessária a tomada de decisão sobre alguns aspectos

que possibilitassem a resposta ao problema de pesquisa e atendesse ao tempo

máximo estabelecido para a realização da mesma. Um primeiro momento foi o de

escolha dos colaboradores e documentos. Partimos da idéia de que uma política

pública pode ser analisada a partir de três enfoques: o documental, o dos fazedores

da política e o dos destinatários da política. Estes três enfoques são em igual

medida importantes e complementares, contudo a fim de cumprir os prazos e

objetivos decidimos trabalhar apenas com os enfoques dados pelos documentos

oficiais e o dos fazedores das políticas. A partir de então coube a decisão sobre

quem seriam os colaboradores e quais os documentos a serem utilizados para

análise. Para isto foram estabelecidos alguns critérios a partir de pesquisas

preliminares e de consultas a materiais teóricos.

Com o mapeamento das linhas de ação onde a política de promoção da

igualdade racial levada adiante pela secretaria de educação se fazia presente,

percebemos que esta política desenhava-se a partir da divulgação da lei 10.639/03 e

do incentivo ao trabalho dentro de sua perspectiva, da formação continuada dos

profissionais da educação, da distribuição de materiais didáticos que subsidiassem a

prática dos educadores/as (livros, textos, cd´s, etc.) e do acesso e vivência de

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atividades culturais de valorização da cultura e arte africana e Afro-Brasileira pelos

educadores/as e estudantes.

O primeiro critério estabelecido foi o do tempo. Assim, decidimos entrevistar

técnicos que lidaram diretamente com a elaboração e implementação destas ações

no período compreendido para a pesquisa (2005-2008), e, da mesma forma, os

relatórios de ações implantadas deveriam ser da mesma época. O segundo critério

foi o de que os colaboradores deveriam trabalhar em instâncias de planejamento e

execução de ações nas linhas de ações acima elencadas.

Além destas pessoas, consideramos importante a realização de entrevistas

junto aos coordenadores e ex-coordenadores da Diretoria de Políticas de Promoção

da Igualdade Racial e do GTERÊ, instâncias criadas no ano de 2005 e 2006,

respectivamente. Desta maneira, como diz Azevedo (1994, p. 12), o que foi

“privilegiado aqui é, sobretudo, o próprio espaço governamental em que a política

educacional se constrói, articulada aos processos mais amplos expressos no projeto

de sociedade em construção”.

1.1.1 O processo de construção e aplicação dos instrumentos

Com o objetivo de estabelecer um contato inicial com os colaboradores,

decidimos dividir a coleta de informações em dois momentos. Inicialmente

entregamos uma ficha aos colaboradores (ver anexo 1) que continha questões sobre

alguns dados de identificação e sobre a sua práxis enquanto técnicos educacionais

com o trabalho sobre a educação das relações étnico-raciais.

No segundo momento, foi realizada uma entrevista semi-estruturada (ver

anexo 2) sobre algumas categorias/temas que consideramos relevantes a partir da

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bibliografia adotada e da análise preliminar de alguns documentos. Aproveitamos

este momento para aprofundarmos e esclarecermos algumas questões da ficha

respondida inicialmente.

Duas preocupações nortearam a elaboração dos instrumentos de pesquisa.

A primeira diz respeito ao levantamento de dados que permitissem compreender e

historiar o processo de implantação das políticas. A segunda refere-se à

identificação das principais concepções que orientaram as ações governamentais,

mapeando o conjunto de representações que estão ancorando as práticas

desencadeadas.

Para análise deste material, de acordo com Bardin (1994), um dos usos que

se tornou bastante freqüente da análise de conteúdos foi o da análise dos símbolos

da política (Political Symbol Analysis) em estudos desenvolvidos por H. D. Lasswel.

Neste caso, a palavra symbol tem o sentido de palavra-chave. Um símbolo é,

portanto um termo básico da mitologia política. Nessa perspectiva, o trabalho inicial

realizado durante a elaboração dos instrumentos foi o levantamento das palavras-

chave da política de promoção da igualdade racial, para tentar perceber através das

entrevistas de que forma os elaboradores destas políticas no município têm se

apropriado destas palavras-chave, denominadas na nossa pesquisa de categorias

temáticas. Assim, a partir da leitura de alguns documentos, foi possível levantar as

seguintes categorias: igualdade racial, identidade étnico-racial e sua relação com as

políticas identitárias, o papel do Estado, o papel da escola, Estado X sociedade civil

e a natureza das ações: política de Estado X política de governo.

1.1.2 Os colaboradores da pesquisa

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A ficha foi respondida por quatorze (14) pessoas (ver Quadro 1). No final, elas

assinalaram se gostariam ou não de continuarem participando da pesquisa. Duas

(02) pessoas não continuaram no processo. Isto fez com que o número de

entrevistas semi-estruturadas caísse para doze (12). Após a transcrição, as

entrevistas foram remetidas para os entrevistados.

Quadro 1 - Colaboradores

Instância administrativa: N. de participantes na primeira parte

N. de participantes na segunda parte

DIRE 01 01 Gerência de 1º e 2º ciclos 01 01 Gerência de 3º e 4º ciclos 02 02 Gerência de Ed. De Jovens e Adultos

01 0

GEI 01 01

GBLF 01 01 GTÊRE 03 03 GAC 02 01 Coordenadoria de políticas de promoção da igualdade racial

02 02

Total: 14 12

1.1.3 Análise de documentos

Apesar do foco de interesse da pesquisa ser a face local das políticas de

promoção da igualdade racial no âmbito educacional, compreendemos que estas

estão diretamente relacionadas com os fatos ocorridos em nível nacional. Nesse

sentido, a análise dos documentos contemplou alguns documentos da SEPPIR

(Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), do Conselho

Nacional de Educação e da SECAD (Secretaria de Educação Continuada

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Alfabetização e diversidade). No âmbito local, analisamos as leis que objetivam

regulamentar o funcionamento de órgãos municipais responsáveis pela elaboração,

acompanhamento e avaliação de políticas afirmativas, conforme mostra o quadro 2.

Quadro 2 - Documentos Analisados

DOCUMENTO ANO INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA

DESCRIÇÃO

Lei 10.678 de 23 de maio de 2003

2003 Governo Federal Cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, estabelecendo suas competências, sua estrutura básica, que é composta pelo Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial o CNPPIR.

Resolução n. 1 de 17 de junho de 2004/CNE

2004 Governo Federal/CNE Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

2005 Governo Federal, MEC/SECAD

O documento objetiva informar alguns conceitos importantes e apresentar os marcos legais para o trabalho na perspectiva da Educação das Relações Étnico-Raciais.

Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial

2003 Governo Federal/SEPPIR

Apresenta os princípios e diretrizes básicos para a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial a serem implementadas pelos diversos Ministérios e Secretarias.

Portaria de nº 489 de 21 de maio de 2006

2006 Prefeitura da Cidade do Recife

O documento cria o Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Raciais, definindo suas atribuições e sua composição.

Lei 17.108/2005, art. 41 e 42

2005 Prefeitura da Cidade do Recife

O documento objetiva dispor sobre a adequação da estrutura da Administração Direta e Indireta do Município do Recife às novas diretrizes administrativas, consolidando atribuições. Neste sentido cria a Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã, que possui em sua estrutura organizacional a DIR e o CMPPIR.

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Lei 17.311/07 2007 Prefeitura da Cidade do Recife

Cria o Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, estabelecendo suas atribuições e regulamentando seu funcionamento e sua composição.

Há pelo menos dois tipos de abordagem quando se trata da análise de

documentos. Uma é denominada abordagem orientada para a fonte e a outra,

abordagem orientada para o problema. Na primeira, as fontes direcionam e geram

questões para a pesquisa, ou seja, não dirigimos perguntas predeterminadas às

fontes, mas somos conduzidos pelo material que elas contêm. Enquanto a segunda

é orientada para o problema, por meio de uso de vários métodos de pesquisa. Bell

(2008, p. 108) afirma “este método investiga o que já foi descoberto sobre o tema,

antes estabelecendo o foco do estudo, e depois pesquisando as fontes primárias

importantes”. No caso da nossa pesquisa, utilizamos as duas abordagens, na

medida em que, ao realizarmos a leitura exploratória de alguns documentos oficiais,

posteriormente elegidos como documentos importantes para a pesquisa, nos

deixamos conduzir pelas informações que deles emergiam, formulando a partir daí

novas questões a serem confirmadas, o que configura a abordagem orientada para

a fonte. Num segundo momento, utilizamos uma abordagem “orientada para o

problema”, realizando a releitura dos documentos e indo para outras fontes com

questões mais específicas e focadas no nosso objeto.

1.1.4 Análise dos dados

Após a coleta e tratamento das informações, utilizamos a análise de conteúdo

para fazer falar os documentos e entrevistas aos quais lançamos mão. Esta

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abordagem pareceu-nos mais adequada na medida em que se torna possível dar

um tratamento quantificável, com a contagem e verificação da freqüência de

unidades menores do texto, e qualitativo, quando é possível, partindo do que foi

categorizado e quantificado, realizar inferências e interpretações. Neste momento,

“[é importante ressaltar que] a preocupação básica do cientista social é a estreita

aproximação dos dados, de fazê-lo falar da forma mais complexa possível, abrindo-

se à realidade social para melhor apreendê-la e compreendê-la” (MARTINS, 2004, p.

292). Tomamos como base o texto de Bardin (1994, p. 37), que assim define esse

tipo de análise:

Um conjunto de técnicas de análise de comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

A AC (Análise de Conteúdo) está ligada a um esforço de interpretação, que

“oscila entre dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade”.

(Id., p. 07). É esta característica que mais nos atrai na AC. No que se refere aos

métodos e as técnicas específicas de tratamento dos dados, há uma infinidade de

procedimentos que podem ser escolhidos de modo a atender aos objetivos do

estudo proposto.

Não existe o pronto a vestir em análise de conteúdo, mas somente algumas regras de base, por vezes dificilmente transponíveis. A técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo pretendidos tem que ser reinventada a cada momento... (BARDIN, 1994, p. 26).

O caminho básico seguiu a partir de uma pré-análise, em que realizamos uma

leitura flutuante, seguida da exploração do material e, por fim, o tratamento dos

resultados com a inferência e a interpretação. No nosso caso, lidamos com

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mensagens de três tipos. Primeiramente, com mensagens contidas em documentos

oficiais. Estes documentos foram produzidos em um contexto específico. Em

segundo lugar, trabalhamos com mensagens resultantes de uma ficha respondida

individualmente e dentro do tempo e local escolhidos pelo colaborador. Em terceiro

lugar, trabalhamos com mensagens advindas de uma entrevista semi-estruturada,

que foi gravada e realizada na maioria dos casos no ambiente de trabalho. A estas

duas últimas situações podemos nos referir como situações em que há certo

controle de nossa parte, na medida em que elaboramos as questões a partir de

categorias/temas previamente definidos.

Esta diversidade de materiais coletados possibilitou o enriquecimento do

trabalho, porém nos colocou diante de um desafio maior, tanto no que se refere ao

volume de material a ser analisado como na complexidade dos mesmos Martins

(2004, p. 292). No seu conjunto, os procedimentos metodológicos objetivaram

historiar o processo de implantação das políticas de promoção da igualdade racial

no âmbito educacional e revelar as concepções que ancoram as práticas dos

fazedores da política, explicitando os conflitos e as tensões ao se tentar elaborar

políticas de combate ao racismo institucional, dentro de uma estrutura

marcadamente racista. Desse modo, esperou-se apreender a potencialidade dessas

iniciativas na proposição de novas representações sobre a questão racial,

contribuindo para a discussão e elaboração de novos desenhos institucionais de

ação pública focados na promoção da igualdade racial.

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CAPÍTULO 2

...Então eu, não sou eu sozinha,

eu não tenho uma identidade negra, a minha identidade negra foi tecida na figura

e no exemplo do meu bisavô, da minha mãe e do meu irmão.

E eu acredito que ainda está sendo construída... (Joana/Colaboradora)

2 IDENTIDADE NEGRA: LUTA POR RECONHECIMENTO E AS POLÍTICAS

IDENTITÁRIAS

A questão das identidades nos parece algo atraente e ao mesmo tempo

desafiador. Atraente por tratar de problemas fundamentais da sociedade

contemporânea e desafiador pela própria natureza de suas proposições, complexas

e em constante mutação.

Apesar da aparente novidade, no entanto, a problemática da identidade negra

é um tema que ao longo dos anos vem sendo profundamente pensado, sentido,

debatido. Alguns autores (HALL, 2006; CASTELLS, 1999; WALLON, 1986) têm se

detido em refletir e escrever sobre a questão das identidades, através dos

movimentos sociais como é o caso do Movimento Social Negro.

No entanto o nosso olhar está voltado para a mudança de postura do Estado

Brasileiro, que parte da posição de omissão criminosa e de implementador de

políticas de fomento ao racismo, no pós-abolição, para uma postura de

implementador do que hoje chamamos de “Políticas de Promoção da Igualdade

Racial”. Isto não tem acontecido, evidentemente, sem a intervenção da sociedade

civil, mas compreender os condicionantes históricos que acarretaram na mudança

de postura do Estado brasileiro se faz importante se quisermos ter uma visão mais

ampla deste fenômeno.

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Nossa primeira tarefa foi tentar compreender a questão das identidades

enquanto mobilizadora de políticas públicas. Para isso, partimos do paradigma do

reconhecimento na ótica de dois de seus maiores divulgadores: Axel Honneth (2000)

e Nancy Fraser (2001), que trazem à tona o debate a respeito da

complementaridade entre políticas culturais e políticas redistributivas.

Contextualizando o debate para a realidade brasileira, apresentamos as

proposições e releituras de Jessé Souza e João Feres. O primeiro parte do

questionamento da naturalização das desigualdades como resultado da

interiorização de um habitus específico. Já o segundo acredita que a não integração

do negro na sociedade brasileira deve-se, entre outras coisas, a conteúdos

semânticos que são atualizados e reelaborados dentro de noções cristalizadas de

um “Eu” e de um “outro”.

Posteriormente, abordamos a questão da identidade étnico-racial a partir da

elucidação de alguns conceitos como raça, etnia, afrodescendência e africanidades.

Por fim, concluímos com as reflexões a respeito das políticas identitárias, abordando

a questão do congelamento das identidades com as proposições apresentadas por

Neves (2005), Bauman (2005) e Hall (2006).

2.1 Reconhecimento ou redistribuição: contextualizando o debate

As diversas lutas travadas pelos mais diferentes movimentos sociais nas

últimas décadas têm colocado no centro do debate várias questões anteriormente

impensadas. Direitos culturais, multiculturalismo, políticas afirmativas, direitos

sexuais, múltiplas identidades são termos hoje utilizados largamente para definir

antigas questões, mas que nunca haviam sido problematizadas pela sociedade de

forma tão intensa.

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Estas questões trazem como pano de fundo o reconhecimento. Nos últimos

anos, o reconhecimento vem sendo debatido por filósofos, sociólogos e cientistas

políticos para apreender o sentido das lutas travadas no seio da sociedade. Isso não

significa que haja um consenso a respeito do seu sentido e da sua utilização (PAUL

RICOEUR, 2004 apud NEVES, 2005) constata a ambigüidade e a falta de unidade

no uso do termo e as controvérsias envolvidas sobre a sua importância como teoria

explicativa.

Contudo, há de se concordar que o reconhecimento é uma categoria central

para o debate a respeito das identidades, por carregar uma perspectiva dialógica do

processo de construção das identidades individuais ou coletivas. Um dos principais

filósofos do reconhecimento, Charles Taylor, dá ao conceito o status de necessidade

vital dos seres humanos na busca da auto-realização:

[...] nossa identidade é particularmente formada pelo reconhecimento ou por sua ausência, ou ainda pela má impressão que os outros têm de nós: uma pessoa ou um grupo de pessoas pode sofrer um prejuízo ou uma deformação real se as pessoas ou a sociedade que o englobam remetem-lhe uma imagem limitada, aviltante ou desprezível dele mesmo. O não-reconhecimento ou o reconhecimento inadequado podem causar danos ou constituir uma forma de opressão, que a alguns torna prisioneiros de uma maneira de ser falsa, deformada e reduzida (TAYLOR, 1992 apud NEVES, 2005, p. 83).

A emergência do conceito de reconhecimento aponta para o enfraquecimento

da teoria marxista e do regime político dela derivado (NEVES, 2005). No marxismo,

eixo teórico ao redor do qual se organizaram historicamente as perspectivas críticas

de emancipação social, as questões culturais foram quase sempre deixadas em

segundo plano ou foram explicadas a partir da luta de classes, posição que, na

segunda metade do século XX, passou a ser amplamente questionada por diversos

pensadores. A dinâmica das lutas e os próprios fatos históricos se encarregaram de

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mostrar que existem outras dimensões que precisavam ser mais bem

problematizadas.

2.1.1 Axel Honneth e a gramática moral dos conflitos sociais

Axel Honneth, considerado um dos principais teóricos da chamada “terceira

geração” da Escola de Frankfurt, tem destacado em seus trabalhos a importância

das relações de reconhecimento e da luta por reconhecimento para a compreensão

da dinâmica das relações e conflitos sociais. Honneth vai buscar as bases de sua

teoria nos escritos do jovem Hegel, recuperando seus principais argumentos e

desenvolvendo o que ele chama de “insights inovadores”. Para ele, os fundamentos

da teoria do reconhecimento contidos nas obras de Hegel não foram devidamente

desenvolvidos pelo fato de suas reflexões estarem presas aos pressupostos da

razão idealista.

Hegel questiona a perspectiva atomística, na qual a sociedade é formada por

indivíduos isolados, tomando de empréstimo a idéia aristotélica de que o povo é

anterior ao indivíduo e destacando, assim, a importância dos vínculos sociais.

Honneth, reinterpretando as análises hegelianas, recorre por sua vez aos escritos de

Fichte (MATTOS, 2006), que parte do pressuposto de que o reconhecimento

existente dentro das formas comunicativas de vida é gerado através de um

permanente processo de conflito.

Dessa ótica, a nossa identidade seria formada a partir do reconhecimento

intersubjetivo que se dá no processo de socialização. Esta socialização existe em

um universo composto por valores, vínculos e obrigações intersubjetivas. Só

podemos ter uma relação positiva com nós mesmos se formos reconhecidos pelos

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nossos parceiros de interação. Quando isto não se dá de forma bem sucedida,

desdobra-se uma luta na qual procuramos restabelecer ou criar novas condições de

reconhecimento. Mattos (2006, p. 21), explica:

A idéia básica é a seguinte: na medida em que sou reconhecido por um outro sujeito em minhas capacidades e propriedades, se, por um lado, eu me reconcilio com o outro sujeito, por outro, eu aumento a minha percepção sobre minhas particularidades e descubro novas especificidades, novas fontes de minha identidade que necessitam novamente ser reconhecidas. Minha identidade ganha uma nova dimensão alçando uma nova etapa de eticidade, que precisa ser confirmada.

A luta permanente por reconhecimento de identidades individuais e coletivas

estaria no cerne de todo processo de mudança social. Nos termos de Honneth, a

gramática moral do conflito é a luta por reconhecimento6. Ainda com base em Hegel,

Honneth sistematiza três dimensões distintas, mas interligadas de reconhecimento.

A primeira dimensão é a esfera afetiva, onde as relações amorosas e de amizade

baseadas no reconhecimento recíproco é capaz de gerar a autoconfiança

necessária para a realização plena. A segunda dimensão é a esfera dos direitos e

consiste nas relações jurídicas que se estabelecem com os pares, nas quais a

pessoa é reconhecida como autônoma e moralmente imputável, gerando o auto-

respeito. A terceira dimensão é a esfera da solidariedade social. Nos seus primeiros

textos, Honneth a definia como aprovação coletiva de estilos de vida particulares,

alcançada por meio da solidariedade social.

Nos seus trabalhos mais recentes, Honneth redefine esta forma de

reconhecimento como sendo a estima social pela contribuição de cada um na forma

de trabalho. Nesta dimensão valores solidários são compartilhados gerando a auto-

estima. Mattos (2006, p. 93) esclarece que

6 Neste caso, a sociedade civil não é pensada como sendo criada a partir de um contrato social entre

indivíduos isolados, mas, sim, através da transformação das relações de reconhecimento.

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O conceito de solidariedade social desenvolvido por Honneth, a partir da terceira etapa do reconhecimento, tem como base a idéia de que os pilares da sociedade moderna são as relações simétricas existentes entre os membros da sociedade. Por relações simétricas deve-se entender, segundo Honneth, a possibilidade de qualquer sujeito ter chances de ter suas qualidades e especificidades reconhecidas como necessárias e valiosas para a reprodução da sociedade.

A evolução social ocorre na medida em que o conflito gera a luta e, através

dela, galgamos formas mais refinadas de reconhecimento. Neste sentido, Honneth

toma como sua empresa a tarefa de estudar as formas de desrespeito, pois este é

tido como o motor das lutas que geram a evolução social. Como vimos, para cada

forma de reconhecimento existe um tipo de auto-relação prática positiva consigo

mesmo. Na esfera afetiva, a autoconfiança; na esfera dos direitos, o auto-respeito e;

na esfera da solidariedade social, a auto-estima. Para Honneth, a violação de cada

forma de reconhecimento gera um tipo de desrespeito. Maus tratos, agressões

físicas, exclusão, privação de direitos, degradação, ofensas à dignidade, são

sentimentos capazes de gerar luta por reconhecimento.

Os sentimentos de desrespeito passam a ser a motivação psicológica moral

de uma mobilização política, se forem capazes de expressar um ponto de vista

generalizável, dentro do horizonte normativo de um grupo ou comunidade. A

seqüência formada pelo desrespeito, pela luta por reconhecimento e pela mudança

social, constitui o desenvolvimento dos movimentos coletivos. A idéia básica é a de

que sentimentos morais, quando articulados numa linguagem comum, podem

motivar as lutas sociais.

É preciso, no entanto, que estes sentimentos sejam experienciados por uma

coletividade, que a partir da vivência das várias formas de desrespeito são capazes

de se unirem para lutar por reconhecimento. Esta seria a gênese dos movimentos

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sociais. Com isso, Honneth desenvolve uma teoria de caráter explicativo e crítico da

sociedade, apreendendo, em um mesmo movimento analítico, a “gramática dos

conflitos sociais” e a “lógica das mudanças”. A dimensão crítica consiste exatamente

em fornecer um padrão para identificar deformações sociais e avaliar a função dos

movimentos sociais.

Honneth ressalta que a função dos movimentos sociais é contribuir através da

luta por reconhecimento com o progresso moral da sociedade como um todo.

Através da distinção do que ele chama de vida boa, ou eticidade, é possível verificar

o quanto estamos distantes ou próximos de alcançarmos a auto-realização. Vida

boa, para Honneth, é o conjunto de práticas, vínculos e instituições que formam a

estrutura intersubjetiva de reconhecimento recíproco, que permite a autonomia e

auto-realização dos sujeitos, permitindo a conciliação entre liberdade pessoal e

valores comunitários.

O conceito de vida boa abriga, portanto, os requisitos necessários para a

realização através do reconhecimento. Isto significa que para alcançar esta

realização é necessário encontrar o reconhecimento como indivíduo autônomo, livre

e como membro de uma comunidade cultural específica. Este é um princípio

contraditório, mas complementar, ou seja, preciso ser reconhecido em minha

individualidade, mas isto não significa a negação do meu pertencimento a uma

comunidade.

O debate em torno do reconhecimento social tem impactado nas lutas do

Movimento Negro. Como assinala Duarte (2006), uma preocupação desse

Movimento é justamente não reduzir o combate à discriminação racial ao acesso aos

direitos econômicos e sociais, que é uma dimensão importante, mas que por si só

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não é suficiente para eliminar o racismo ou mesmo diluir os estereótipos associados

à população negra.

Contudo, esta não é uma posição hegemônica. Uma das críticas apontadas

na teoria do reconhecimento de Honneth decorre, segundo os críticos, do fato de

que “a contribuição de Honneth sobre o reconhecimento parece atingir o ponto da

opressão por estigmas e pressupostos; mas o faz numa concepção que parte do

indivíduo para as relações sociais” (p. 60). Em outras palavras, o autor põe a tônica

nas subjetividades, aparentando colocar, em segundo plano, aspectos importantes,

como as lutas coletivas, ou fazendo derivar essas linearmente das relações

intersubjetivas imediatas.

Ao mesmo tempo, suas análises indicam uma minimização do papel das

políticas redistributivas nas lutas travadas pelo Movimento Negro. É o que

buscaremos problematizar, a seguir, na perspectiva desenvolvida por Fraser.

2.1.2 A perspectiva dualista de Nancy Fraser

Nancy Fraser é uma das pensadoras contemporâneas que tem se debruçado

sobre a discussão a respeito do reconhecimento. Sua obra se desenvolve no sentido

de apontar possíveis caminhos para a articulação entre as demandas de

reconhecimento e de redistribuição, sem que uma se sobreponha a outra. Fraser

descreve a sociedade atual como uma era pós-socialista. Um momento marcado por

uma revolução silenciosa na qual se verifica uma ênfase decrescente na busca de

valores materiais em favor de valores pós-materiais.

Neste contexto, as lutas por redistribuição são substituídas pelas lutas por

reconhecimento. Este é o ponto crucial que merece a crítica da autora quando

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afirma que o problema é justamente a desconexão entre a dimensão cultural e a

dimensão econômica. Fraser coloca duas perguntas que são cruciais para o debate:

de que maneira as desvantagens econômicas e o desrespeito cultural estão

entrelaçados? E como é possível relacionar as duas dimensões sem uma demanda

minimizar a outra?

Na tentativa de encontrar possíveis respostas, Fraser analisa as formas de

lutas dos movimentos identitários que abordam questões de raça, de gênero, de

classe e o que chamou de sexualidade desprezada (homossexualidade), apontando

que na dimensão econômica as relações são marcadas pela exploração no trabalho,

marginalização econômica e privação. No que se refere à dimensão cultural ocorre

o:

não reconhecimento de práticas representacionais, comunicativas e interpretativas de uma cultura, o desrespeito através de estereotipação de representações públicas nas práticas cotidianas, a criação de mitos de igualdade, de participação e expressão, entre outros (MATTOS, 2004, p. 146).

Nas demandas raciais e de gênero, há ainda que se considerar a

contraditória, mas necessária, relação entre o princípio da diferença e o princípio da

igualdade. Bauman (2005, p. 48) coloca essa mesma questão nos seguintes termos:

“Como alcançar a unidade, apesar da diferença, e como preservar a diferença na

unidade. Vale destacar que tanto Fraser como Honneth concordam que é necessário

haver um entrelaçamento entre a dimensão redistributiva e a dimensão do

reconhecimento e que a discussão sobre tal entrelaçamento necessita avançar em

muitos aspectos.

O ponto de discordância entre os dois reside no fato de Honneth conceber o

reconhecimento como fundamental e a redistribuição como sendo derivada deste.

Fraser aponta para uma perspectiva dualista, em que “as duas categorias são co-

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fundamentais e ambas são dimensões irredutíveis da justiça” (DUARTE, 2006, p.

61). Seguindo esta lógica, Fraser assinala que existem injustiças de dois tipos: as

injustiças socioeconômicas e as injustiças culturais e simbólicas.

Para cada uma destas injustiças existem soluções diferentes. A primeira

requer o que a autora chama de “remédios transformativos”. Já a segunda requer os

denominados “remédios afirmativos”. Os remédios transformativos objetivam corrigir

os resultados indesejados pela reestruturação das estruturas que geram as

injustiças econômicas e sociais. Os remédios afirmativos, por sua vez, objetivam a

correção de resultados sem alterar a estrutura que se encontra na base de sua

formação.

Transpondo esse debate para o nosso foco de interesse, reconhecemos que

a política voltada para a educação das relações étnico-raciais implementada pela

PCR se enquadra na perspectiva do reconhecimento, a partir do momento em que

aborda a desconstrução de preconceitos e estereótipos historicamente construídos e

que atribuem à população negra uma imagem aviltante e deformada de si. Ações

como promover debates, seminários, valorização e visibilidade da cultura afro-

brasileira se inscrevem no campo das políticas culturais que têm como pano de

fundo o reconhecimento.

Por outro lado, existem demandas que ultrapassam o âmbito

educacional/cultural e que dizem respeito à geração de emprego, melhoria das

condições de vida das populações afro-descendentes que reclamam ações na

esfera político-econômica. É interessante perceber, através da materialização dos

dados, a disparidade existente no que se refere à situação sócio-econômica entre

negros e brancos, e o quanto esta disparidade é maior ainda quando agregamos o

fator gênero.

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Segundo o Diagnostico da Desigualdade Racial da cidade do Recife, lançado

em 2008, 54% da população recifense é composta por negros e negras. Ao

associarmos pobreza e raça/cor, percebe-se que em ordem decrescente os

domicílios chefiados por mulheres negras são mais pobres do que os que são

chefiados por homens negros, que por sua vez são mais pobres do que os chefiados

por mulheres brancas e por homens brancos.

No escopo deste trabalho, nos debruçamos apenas sobre as ações

empreendidas no âmbito educacional e, portanto, subjacentes às lutas por

reconhecimento. No entanto, acreditamos que através do estudo deste aspecto é

possível chegar a encaminhamentos capazes de elucidar possibilidades de

articulação entre as duas dimensões7. Para nos ajudar a pensar sobre estas

questões, utilizamos os escritos de Feres Júnior (2002 e 2006) e Jessé Souza (2003

e 2005), dois autores que se apropriam da categoria reconhecimento e fazem uma

releitura desta aplicando ao caso do racismo no Brasil.

2.2 O reconhecimento e o caso da população negra brasileira: as alternativas

teóricas de Jessé Souza e João Feres Júnior.

Nesta seção, apresento a perspectiva de dois autores que, a partir da releitura

do reconhecimento, analisam a questão das desigualdades entre negros e brancos

na sociedade brasileira. São eles Jessé Souza e João Feres Júnior.

7 Para esclarecer esta posição, percebemos que as demandas por reconhecimento na segunda

esfera, a dos direitos, e terceira esfera, a da solidariedade social, estão intimamente relacionadas à redistribuição. A população negra não é reconhecida por seus pares sociais e isto ocasiona a negação de acesso aos direitos sociais, assim como não é reconhecida no mundo do trabalho, o que ocasiona a constante associação e execução de trabalhos pouco valorizados socialmente. A questão é de que maneira políticas de reconhecimento podem interferir nos resultados finais: acesso a direitos sociais, boas ocupações e bons rendimentos.

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Os dois autores vêm contribuindo para o aprofundamento do debate nacional

acerca das desigualdades para além de suas causas econômicas. Ou seja, levando

em consideração aspectos intersubjetivos que circulam na sociedade.

Souza parte do pressuposto da redefinição do conteúdo do preconceito e da

discriminação com o advento da modernidade, seu objetivo é compreender a

perpetuação e a naturalização das desigualdades entre brancos e negros, para isto

articula a noção de habitus, como é apresentada por Bourdieu, com as reflexões de

Charles Taylor sobre as singularidades das questões culturais, morais e simbólicas

na modernidade.

Feres Júnior tem como ponto de partida a análise de conteúdos semânticos

correntes na sociedade brasileira e, segundo ele, pouco valorizados no debate

acadêmico sobre o tema. Para ele, estes significados, que perpassam as relações

sociais e se materializam em atitudes de discriminação racial, são uma das causas

do não-reconhecimento da população negra. Ele utiliza os escritos de Koselleck

(1985) para construir o que ele chama de oposições semânticas assimétricas.

Vejamos os termos deste debate.

2.2.1 Construção de um tipo humano ideal e subcidadania perspectivas de

reconhecimento em Jessé Souza

Jessé Souza tem como objetivo último a construção de uma teoria social

crítica da modernidade periférica. Em seu texto (Não) Reconhecimento e

subcidadania, ou o que é “ser gente”? (2003), Souza se baseia no conceito de

reconhecimento para pensar a desigualdade brasileira. Suas principais fontes

teóricas são: Charles Taylor e Pierre Bourdieu.

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Seu ponto de partida para a análise da sociedade brasileira é o processo de

modernização. No Brasil, este processo, diferentemente de outros países, deu-se

com a importação de instituições basilares da modernidade: o mercado e o Estado,

fenômeno que o autor denomina de “modernidade estrangeira”. Souza critica o

pensamento social brasileiro, que, segundo ele, é fortemente influenciado pelo

personalismo e culturalismo8, afirmando que a maioria das análises “[parte] de uma

perspectiva culturalista sem adequada vinculação com a eficácia de instituições

fundamentais, em que a “cultura” é percebida como uma entidade homogênea,

totalizante e auto-referida” (SOUZA, 2003, p. 52).

Souza pretende elaborar uma concepção teórica alternativa, que pense o

problema da naturalização das desigualdades e a subcidadania de forma diferente

do que vem sendo elaborado pelas abordagens personalistas e patrimonialistas. Sua

alternativa teórica não nega o dinamismo e a complexidade de uma sociedade

periférica como a nossa. Ele diz que

[...] é precisamente o dinamismo de instituições impessoais que reproduzem uma hierarquia implícita do valor diferencial dos seres humanos, que permite compreender a naturalização secular de uma desigualdade abissal como a brasileira (SOUZA, J., 2005, p. 07).

Souza, assim como Florestan Fernandes9 é adepto da teoria da redefinição

moderna do conteúdo da discriminação racial e do preconceito no Brasil. Para ele,

na sociedade escravocrata, a cor era um dado fundamental para a conservação da

estrutura de classes. Com a modernidade, o elemento cor foi sendo paulatinamente

8Para saber mais sobre a opinião do autor sobre este ponto de partida, consultar: SOUZA, Jessé. A

Modernização Seletiva: Uma Reinterpretação do Dilema Brasileiro.Brasília: Ed. UnB, 2000. 9 Florestan Fernandes é um dos principais representantes da escola paulista de sociologia. Em seu

livro “A integração do Negro na Sociedade Paulista” (1965), ele justifica o preconceito racial a partir de dois argumentos: 1. O racismo é um resíduo da sociedade escravocrata que com a modernização está fadado a desaparecer. 2. A não adaptabilidade do negro brasileiro à sociedade moderna capitalista por causa da reprodução de um ethos específico.

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substituído pelo mérito. Na sociedade moderna, bem mais que a cor da pele, o que

está em jogo é a adaptabilidade do indivíduo aos imperativos do tipo humano

burguês.

Neste caso, quem não estiver amoldado a este tipo humano é excluído

independentemente da cor da pele. É neste período que, pela primeira vez na

sociedade brasileira, mérito e esforço pessoal são condições possíveis de conduzir a

ascensão, em detrimento da variável origem social e laços de parentesco. Seguindo

esta linha de raciocínio, Souza afirma que é a concepção de ser humano e a

economia emocional peculiar à cultura européia que irão se transformar na

concepção dominante do valor diferencial entre os seres humanos e grupos sociais

inteiros, sendo capazes de separar e unir por vínculos de solidariedade e

preconceito pessoas e grupos sociais em inferiores e superiores. Em outros termos,

para Souza é a reprodução de um “habitus precário” a causa da marginalização dos

afrodescendentes:

[...] não é “meramente a cor da pele”, como certas tendências empiricistas acerca da desigualdade brasileira tendem, hoje, a interpretar. Se há preconceito neste terreno, e certamente há, agindo de forma intransparente e virulenta, não é antes de tudo um preconceito de cor, mas sim um preconceito que se refere a certo tipo de “personalidade”, ou seja, de um habitus específico, julgado como improdutivo e disruptivo para a sociedade como um todo (SOUZA, J., 2005, p. 08 - 09).

A cor da pele age como uma ferida adicional à auto-estima do sujeito em

questão. Mas o cerne da questão é a combinação entre abandono por parte do

Estado brasileiro e a inadaptação do negro aos novos imperativos da sociedade

moderna. Para ele, este tipo de problema atingiria os diferentes grupos

independentemente da cor. Para chegar a este tipo de conclusão, Souza utiliza os

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depoimentos colimados por Florestan Fernandes no seu estudo sobre o negro na

sociedade brasileira.

Em um dos trechos do seu texto Raça ou classe? Sobre a desigualdade

brasileira (2005), Souza parece se contradizer ao falar que existe uma associação

inconsciente e pré-reflexiva que faz com que as pessoas associem raça branca à

europeidade e raça negra como sendo o oposto da europeidade:

Do mesmo modo, a “raça branca” é associada à europeidade e sua herança cultural de controle dos instintos e necessidades corporais em favor do autocontrole e disciplina. A “raça negra” é considerada inferior pela associação ao “primitivismo” africano, que é percebido como repositário de valores ambíguos como força muscular e sensualidade (SOUZA, J., 2005, p. 09).

A partir da leitura deste trecho, parece que, mesmo sem admitir

explicitamente, o autor está falando do preconceito racial, pois, nesse caso, o

fenótipo, enquanto informação facilmente identificável, é capaz de ativar esta

associação inconsciente e pré-reflexiva, fazendo com que o ser negro se

sobreponha a quaisquer outras características identitárias de forma negativa e

estigmatizadora. O fato de você ser negro é suficiente para, de antemão, lhe

desqualificar diante dos padrões impostos.

Logo, não é casual vermos na sociedade brasileira os lugares previamente

definidos de negros e de brancos. Uma vez que se ousa ultrapassar os limites

impostos pela discriminação, passa-se a ser observado pelos seus próprios pares

com estranheza. Um exemplo típico é o de uma pessoa ficar completamente

admirada ao abrir a porta de um consultório e se deparar com um médico negro e

esta mesma pessoa ao sair na rua ficar profundamente comovida ao ver uma

criança branca, tão bonitinha e de olhos azuis pedindo esmolas. Por essa razão,

esta noção de redefinição moderna do preconceito e da discriminação racial é

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duramente criticada por autores como Feres Júnior (2006), que acredita que a cor da

pele também é um fator fundamental na caracterização do racismo sui generis da

sociedade brasileira.

Mesmo não concordando com Souza no que diz respeito a sua teoria da

redefinição moderna do conteúdo da discriminação, o que mais chama atenção no

seu pensamento é a forma como ele trata a questão da desigualdade tomando como

base a formação de “habitus específicos”, que são hierarquizados dentro da

sociedade competitiva. Isso é tratado no seu texto (Não) Reconhecimento e

subcidadania, ou o que é ser gente? (2003). Como mencionado, Souza advoga a

redefinição do conteúdo da discriminação e do preconceito no âmbito da

modernidade.

Sendo assim, a análise que ele faz destes fenômenos tenta explicá-los a

partir do complexo processo de modernização e do que ele chama de

“homogeneização de um tipo humano” próprio da burguesia. Neste sentido, é

importante analisar as transformações simbólicas e representacionais ocorridas no

processo de modernização, focalizando as relações entre o Estado e o mercado

com os indivíduos não enquanto unidades isoladas, mas em suas

interdependências. Para Souza, a principal causa das desigualdades e de sua

naturalização encontra-se nesse processo.

Ele pretende oferecer, com esse modelo de análise, uma alternativa teórica

que fuja do “essencialismo culturalista”, mas “sem abrir mão de uma perspectiva que

contemple o acesso a realidades culturais e simbólicas” (SOUZA, 2003, p. 53). A

saída para esse dilema passa pela incorporação das contribuições de Charles

Taylor, que se debruça sobre as singularidades das questões culturais, morais e

simbólicas na modernidade e critica o “naturalismo” que perpassa tanto o meio

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acadêmico como o cotidiano. Ao unir essas duas perspectivas, Souza (2003, p. 53)

admite

encontrar, nesses dois autores, uma complementaridade fundamental, de modo a unir a percepção de configurações valorativas implícitas e intransparentes à consciência cotidiana e ancoradas de modo opaco e inarticulado à eficácia de algumas instituições do mundo moderno, como mercado e Estado, com a percepção de signos sociais visíveis que permitam mostrar o íntimo vínculo entre uma hierarquia valorativa, que se traveste de universal e neutra, com a produção de uma desigualdade social que tende a se naturalizar tanto no centro quanto na periferia do sistema.

Ele analisa a obra de Fernandes, A integração do negro na sociedade de

classes, e concorda com o autor quando diz que um dado essencial para analisar o

processo de integração é considerar que os libertos foram entregues à própria sorte.

Sem nenhum apoio ou política especifica do Estado brasileiro, os libertos tiveram

que sozinhos tentar se adaptar a uma nova realidade. Fazendo a análise da

condição psicossocial dos libertos, destaca que os libertos “não apresentavam os

pressupostos sociais e psicossociais que são os motivos últimos do sucesso no

meio ambiente concorrencial” (SOUZA, J., 2005, p. 54).

Fernandes chama a atenção para o fato dos libertos não possuírem uma

organização psicossocial própria ao mundo capitalista por não terem uma pré-

socialização que o preparasse para isto. É a partir desta constatação que Souza irá

construir seu argumento, em que a questão central é a inadaptabilidade do negro ao

sistema capitalista.

Contudo, há de se reconhecer que nos faltam dados sobre o período

escravagista que realmente se debruce sobre o africano no Brasil e seus

descendentes aqui nascidos. Quem eram estas pessoas? Que ocupações tinham?

Qual a bagagem cultural trazida de seus lugares de origem? E como isto se

ressignificou no Brasil? Qual o papel destes no meio urbano? Pois a imagem que

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temos é aquela dos grandes latifúndios, onde uma enorme massa de negros

realizava serviços braçais e no fim do dia cantavam e dançavam ao se recolherem

para as senzalas. Esta é uma imagem muito reducionista e que revela um aspecto

da realidade logo generalizado e tomado como verdade. O que estamos querendo

dizer é que os atuais estudos historiográficos10 sobre o negro no Brasil colonial (e

não sobre a escravidão ou sobre os escravos) têm muito a nos revelar e nos

desafiam a desconstruir imagens cristalizadas.

Souza se apropria dos argumentos defendidos por Fernandes, quais sejam:

desagregação familiar e conseqüente inadaptabilidade ao mundo concorrencial do

capitalismo, para falar de um habitus específico, nos termos de Bourdieu, ou seja,

como

a apropriação de esquemas cognitivos e avaliativos, transmitidos e incorporados de modo pré-reflexivo e automático no ambiente familiar, desde a mais tenra idade, permitindo a constituição de redes sociais, também pré-reflexivas e automáticas, que cimentam solidariedade e identificação, por um lado, e antipatia e preconceito, por outro – o lugar fundamental na explicação da marginalidade do negro (SOUZA, J., 2005, p. 56).

Para Souza, a “marginalização permanente de grupos sociais inteiros tem a

ver com a disseminação efetiva de concepções morais e políticas que passam a

funcionar como idéias-força nessas sociedades” (Idem, p. 58). Souza subdivide a

noção geral de habitus em três tipos coexistentes na nossa sociedade, podendo

assim, falar em uma pluralidade de habitus. Habitus secundário é uma fonte de

reconhecimento e respeito social que pressupõe a generalização do habitus primário

para amplas camadas da população de uma dada sociedade.

10 Ver o livro Na Senzala uma flor, esperanças e recordações na formação da família escrava

de Robert Slenes, 1999, Editora Nova Fronteira.

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Nesse sentido, o habitus secundário parte da homogeneização dos princípios

operantes do habitus primário e institui, por sua, vez, critérios classificatórios de

distinção social a partir do que Bourdieu chama de “gosto”. Ao nos referirmos ao

habitus secundário, temos que pensar no usufruto permanente de bens culturais e

modos de vida considerados de alto padrão e de pouca acessibilidade.

Habitus primário: são esquemas avaliativos e disposições de comportamento

internalizados e “incorporados”, que permitem o compartilhamento de uma noção de

“dignidade” efetivamente compartilhada. É essa “dignidade”, efetivamente

compartilhada por classes, capaz de homogeneizar a economia emocional de todos

os seus membros numa medida significativa. Em seus termos, esse “parece ser o

fundamento profundo do reconhecimento social infra e ultra-jurídico, o qual, por sua

vez, permite a eficácia social da regra jurídica da igualdade, e, portanto, da noção

moderna de cidadania” (SOUZA, 2003, p. 63).

O “habitus precário” seria o limite do “habitus primário”. Seriam as disposições

de comportamento que não atendem às demandas objetivas para que possa ser

considerado produtivo e útil em uma sociedade de tipo moderna e competitiva,

podendo gozar de um profundo reconhecimento social.

Estes diferentes habitus não são meras teorizações, mas funcionam como

acordos tácitos e irrefletidos que orientam nossa forma de pensar e agir no mundo,

fazendo com que as subgentes possuidoras do habitus precário estejam abaixo da

lei, o que explicaria, por exemplo, a impunidade de um número significativo de

criminosos das classes mais altas e a total aplicabilidade da lei para a ralé.

[...]na dimensão infra e intra-jurídica do respeito social objetivo compartilhado socialmente, o valor do brasileiro pobre não-europeizado – ou seja, que não compartilha da economia emocional do self pontual, que é criação cultural contingente da Europa e América do Norte – é comparável ao que se confere a um animal

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doméstico, o que caracteriza objetivamente seu status subhumano (SOUZA, 2003, p. 70)

A partir do exposto, podemos afirmar que estudar Souza é refletir sobre os

processos e mecanismos simbólicos de naturalização e aprofundamento da

desigualdade que assola a sociedade brasileira. Ele chama a atenção para o

fenômeno do não-reconhecimento a partir da constatação da existência de

subcidadanias destinadas a subgentes dentro de uma sociedade que se torna cada

vez mais desumana, atribuindo isto à homogeneização de um tipo humano ideal

imposto pela burguesia, tipo humano este não incorporado pela população negra,

ancorando nesse processo a profunda e contínua desigualdade entre brancos e

negros.

Apesar de concordar com a lógica de raciocínio de Souza, acreditamos que o

limite do argumento consiste exatamente em não incorporar às suas discussões o

fator racial, que consideramos fundamental para entender esta abissal e permanente

desigualdade entre brancos e negros. Pois será que a população negra nunca se

adaptaria ou incorporaria a economia emocional do tipo burguês? O que dirá dos

que, mesmo incorporando, aceitando e reproduzindo o habitus primário, conseguem

atingir altos patamares econômicos, mas mesmo assim não gozam de prestígio

social?

É a partir desse tipo de problematização que Feres acrescenta ao debate o

que ele chama de oposições semânticas assimétricas para explicar a permanente

desigualdade e não reconhecimento da população negra.

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2.2.2 Oposições semânticas assimétricas e formas de negação do

reconhecimento: a contribuição de Feres Júnior

Feres Júnior tem se debruçado em seus estudos sobre a história dos

conceitos, teoria política e mais recentemente sobre políticas afirmativas. Seu ponto

de partida a análise de conteúdos semânticos correntes na sociedade brasileira,

segundo ele pouco valorizados no debate acadêmico. Para este autor, estes

significados que perpassam as relações sociais e se materializam em atitudes de

discriminação racial, constituem uma das causas do não-reconhecimento da

população negra. Ele questiona a tese de que o preconceito racial no Brasil foi

redefinido após a abolição da escravatura com o advento da modernidade. Para isso

examina os escritos de Florestan Fernandes, Carlos Hasenbalg e Jessé Souza.

Como vimos para estes autores, com o advento da modernidade, o negro passou a

ser associado à não-modernidade. Isto significa que não é uma pessoa dotada dos

pressupostos necessários para ser reconhecido como um bom cidadão, ao mesmo

tempo em que não dispõe de habilidades e competências específicas para a

inserção nas relações de mercado (racionalidade, disciplina, controle das paixões,

capacidade de planejamento).

Para Feres Júnior (2006), este argumento é parcialmente correto, mas

acredita que existem aspectos semânticos cruciais que não são devidamente

valorizados.

Como visto anteriormente, os argumentos de Florestan Fernandes,

amplamente utilizados por Souza, se baseiam nas teses de que o racismo e o

preconceito no Brasil são resíduos da época escravagista fadados a desaparecer

com o desenvolvimento da modernidade e que a discriminação ocorreria devido à

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inadaptação do negro à sociedade competitiva e à reprodução de ethos anômico por

parte da família negra. Feres Júnior (2006, p. 3) refuta essa idéia da discriminação

como resíduo histórico afirmando que

para sobreviver, uma determinada relação deve funcionar na estrutura social do presente, ou seja, o racismo e a discriminação devem ser relacionados aos ganhos materiais e simbólicos do grupo superior, os brancos.

Ainda segundo Feres Júnior, ancorado nos estudos de Hasenbalg, durante a

escravidão, o rebaixamento do negro tinha como objetivo a manutenção do regime

político-legal vigente e tinha como objetivo alijar os negros da competição por

oportunidades de ascensão social. Para ele, o argumento de Souza contribui, na

verdade, para culpabilizar os negros pela não adaptação à sociedade capitalista,

tornando-os vetores do seu próprio desrespeito.

Feres Júnior extrai as bases da teoria das oposições assimétricas de Reinhart

Koselleck, na obra A semântica histórico-política dos contraconceitos assimétricos,

fonte de sua construção teórica. Os pares conceituais assimétricos são compostos

por um conceito positivo e outro negativo, sendo este definido em pura oposição ao

positivo. Estes pares conceituais foram utilizados por grupos como forma de

exclusão do outro.

O adjetivo assimétrico provém do fato de a relação de definição não ser mútua: enquanto o Eu define o Outro como pura negação de sua auto-imagem, o Outro não se reconhece naquela definição. Aí reside um problema capital de reconhecimento, pois o outro toma a definição que lhe é impingida como ofensa, insulto e/ou privação (FERES JÚNIOR, 2002, p. 05).

Os pares conceituais têm o caráter duplo de particularidade histórica e

estrutura modelar. Cada par é produto de um contexto histórico específico, no

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entanto suas estruturas semânticas são transmitidas e assimiladas pelos pares que

o sucederam. Assim, é possível transmitir as gerações futuras através da linguagem.

De cada par de contraconceitos, estudados por Kosellecke, Feres Júnior deduz um

tipo básico de oposição assimétrica, que corresponde a sua característica modelar

mais original para ele,

Oposição assimétrica nada mais é do que uma das formas semânticas que o desrespeito pode assumir quando articulado através da linguagem. Portanto, nossa tipologia das formas de desrespeito será também uma tipologia de formas de oposição assimétrica (FERES JÚNIOR, 2002, p. 07).

Na oposição assimétrica cultural, o outro é definido pela falta ou negação dos

hábitos, dos costumes e das instituições do eu coletivo. “Em sua forma pura, a

oposição assimétrica cultural demarca uma diferença radical e inamovível entre o

Outro e o Eu”. Na Oposição assimétrica temporal, o outro é definido pela falta de

sincronia com o presente histórico do eu coletivo. Essa seria uma “forma de

desrespeito das mais sérias, pois transforma o Outro (o atrasado) em objeto da ação

do Eu (desenvolvido)” (Idem, p. 08).

Esta base de pensamento serve para justificar as ações imperialistas de

muitos países, criando uma escala valorativa em que usos e costumes são

classificados e hierarquizados em moderno, atrasado, contemporâneo e primitivo.

Na oposição assimétrica racial, o outro é definido pela falta ou má formação de

atributos físicos e psicológicos próprios do eu coletivo.

Em sua performance, ou seja, como prática social, o discurso racial sempre produz verdades que se apresentam aquém, ou além, da cultura e do tempo. Isso altera drasticamente o horizonte de expectativas projetado sobre o Outro. Sua inferioridade torna-se um problema do qual ele não pode se livrar. A redenção temporal não opera aqui. Portanto, esse tipo de oposição assimétrica aponta para

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soluções como o controle do corpo do Outro, inclusive suas atividades reprodutivas, sua segregação, eugenia e até extermínio (FERES JÚNIOR, 2002, p. 09).

Souza trabalha na perspectiva da oposição assimétrica cultural, mas parece

não ter capturado o forte componente da assimetria racial. A grande diferença entre

a perspectiva cultural e a racial é que na perspectiva racial as marcas de

inferioridade são inscritas no corpo da pessoa, e, portanto, não podem ser

eliminadas por suas ações e escolhas. Feres Júnior apreende, com pertinência, que

o conteúdo semântico do preconceito racial no Brasil vai, portanto, além da definição

de um tipo humano ideal baseado na economia emocional do capitalismo, não

discordando de Souza, quando este fala do significado desta economia emocional

como um indicador que permite justificar e naturalizar as desigualdades, contudo

aponta que junto com o ideário moderno do século XIX, desembarcaram no Brasil as

teorias racistas vindas da Europa:

O que vem da Europa não são só os valores do reconhecimento do mérito e da igualdade legal, mas também esquemas de valores que atestam, com a força de verdade científica, a inferioridade dos negros e dos mestiços. Frenologia, poligenia, eugenia, darwinismo social, catolicismo evolucionista, todas essas teorias foram recebidas nesse período por intelectuais, políticos e “fazedores” de políticas públicas (Idem, p. 10).

Havia, então, uma base conceitual política e ideológica que orientava a práxis

do Estado brasileiro na formulação, implementação e defesa de políticas racistas

que contribuíram para o agravamento e perpetuação da desigualdade entre brancos

e negros. Outro argumento que Feres Júnior utiliza para reforçar o significado do

preconceito racial na promoção da desigualdade é o de que este tipo de construção

teórica é anterior ao processo de modernização e com o desenvolvimento científico

e a criação das instituições modernas no século XIX elas foram reforçadas e

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atualizadas no contexto europeu, pois “o que chega ao Brasil não é só uma estrutura

normativa da modernidade, mas um complexo de ideologias, instituições e teorias

científicas, muitas delas contraditórias, que vieram a se somar às já existentes no

Brasil” (FERES JÚNIOR, 2002, p. 10).

Fazendo um paralelo entre a tipologia tripartite do reconhecimento de

Honneth com as oposições semânticas assimétricas, Feres Júnior tenta mostrar

através da análise de conteúdos semânticos correntes na sociedade brasileira as

diversas formas de negação do reconhecimento. Na primeira esfera do

reconhecimento, a das relações amorosas e de amizade, ele ressalta a suposta

fealdade atribuída aos negros, o uso de expressões pejorativas que fazem

referência à cor da pele, ao cabelo, etc. como práticas sociais que resultam na

suposta inadequação dos negros para tornarem-se parceiros de relações recíprocas

de amor e afeto.

Esse estado de coisas leva a pessoa a se tornar insegura em relação a seu próprio corpo e à maneira como ele aparece, ou se aparece, para os outros em sociedade, inclusive para aqueles que lhes são próximos. Ou seja, essas práticas sociais produzem uma deficiência de amor próprio, de autoconfiança. Ademais, essa condição leva à limitação da capacidade de se estabelecer relacionamentos afetivos, de se construir outros significantes (FERES JÚNIOR, 2006, p. 12).

Na esfera dos direitos, Feres Júnior concorda com Souza quando este diz que

“existem práticas sociais não-reflexivas (habitus) por meio das quais a igualdade

formal legal é, na prática, negada àqueles portadores de estigmas, o que ele

denomina de habitus precário” (FERES JÚNIOR, 2006, p. 12). Porém, ele

acrescenta a essa atribuição de habitus precário aos negros, causas raciais. Neste

sentido, o preconceito e a discriminação racial no mundo do trabalho agiriam através

do impedimento, antes mesmo que se conheça a pessoa, de sua alocação em

funções consideradas dignas ou mesmo de sua contratação, com base na imagem

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formada a respeito da suas incapacidades. Por essa razão, o autor chama a atenção

para o fato de que o “problema do preconceito racial, como notamos na análise do

horizonte de expectativas da oposição assimétrica racial, não é somente o de

produzir subcidadania, mas sim o de produzir subhumanidades” (Id, p.13).

Como conseqüência do não reconhecimento nas duas esferas anteriores,

temos na terceira esfera, a da solidariedade social, a incapacidade de se obter

recompensa material satisfatória pelo trabalho social desempenhado. Ele conclui

reafirmando o seu posicionamento ao dizer que não se pode reduzir a negação de

qualquer uma das formas de reconhecimento operadas pelo racismo à

desestruturação da família negra, ou a formação de um habitus secundário com

capacidade de autoperpetuação.

Mais importante é identificar as variáveis sociais exógenas que interferem no

reconhecimento pleno do não branco no presente. Sendo o reconhecimento uma

relação dialógica e recíproca, o não reconhecimento, portanto, precisa ser entendido

a partir das variáveis de ambos os lados da relação. Assim, culpabilizar os negros

pela sua inadaptabilidade e pela sua capacidade de perpetuação de um habitus

precário, é no mínimo um argumento reducionista. Em seu texto Contribuição a uma

tipologia das formas de desrespeito: para além do modelo hegeliano-republicano,

Feres Júnior (2002) afirma que as formas de desrespeito baseadas nas oposições

assimétricas não são incompatíveis com a tipologia negativa de Honneth, mas a

supera na medida em que pode ser utilizada individualmente ou em conjunto para

justificar todas as três formas identificadas por Honneth. Ao mesmo tempo,

possibilita a identificação e rejeição do desrespeito sem que para isso seja

necessária a afirmação de uma identidade autêntica. Por fim, evita o pressuposto de

que o reconhecimento depende da formação de uma autoconsciência saudável,

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fazendo com que haja uma exclusão das pessoas que de alguma maneira falharam

na formação “correta” de sua autoconsciência.

Feres Júnior (2002, p. 11) finaliza afirmando que “o reconhecimento, como

forma positiva, deve ser um produto do engajamento concreto das pessoas na

política e não um valor a ser fixado através de especulação teórica”. Logo, pensar as

relações raciais no Brasil a partir do reconhecimento é pensar num processo de luta

contínuo, onde identidades individuais e coletivas se inscrevem.

A cada nova conquista de direitos, surgem novas demandas e mais

necessidade de reconhecimento em outras esferas. Neste processo as demandas

redistributivas e culturais se interpenetram, pois além de emprego, educação, saúde,

segurança, etc. a população negra deseja ser reconhecida num status diferenciado

ao que normalmente é associada. Desejam ser vistos como gente com todas as

propriedades e capacidades inerentes ao ser humano, mas querem também ter o

direito de vivenciar seus fazeres culturais específicos com dignidade e respeito.

2.3 Identidade étnico-racial: o negro na sociedade brasileira, a idéia de raça e o

Estado Brasileiro

Ao falar em identidade étnico-racial, mais especificamente identidade negra, é

preciso estar atento ao processo de construção desta identidade no contexto da

sociedade brasileira. Esta construção não se dá de forma isolada e é caracterizada

por um processo de luta e resistência de uma população que viu a sua maneira de

ser e estar no mundo ser profundamente desrespeitada, o que gerou e gera

condições para o aglutinamento e luta por reconhecimento.

Silva (1999, p. 105), se referindo à afrodescendência assinala que “temos que

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reconstruir uma descendência que nos foi negada historicamente. Há muito de

nossa ancestralidade a ser apropriada por nós mesmos e pela sociedade”. Ao

adentrarmos neste debate, faz-se necessário realizar algumas distinções e

elucidações que possibilitem uma melhor compreensão de termos que são utilizados

nos dias atuais muitas vezes de forma irrefletida. Em primeiro lugar, ao falarmos de

identidade negra não nos referimos apenas ao fenótipo, mas, no contexto da

sociedade brasileira, é fundamental reconhecer que, devido à teoria do

branqueamento, o corpo negro sempre foi objeto de depreciação.

Conforme Munanga (2003), a cor da pele negra foi objeto de representações

negativas ao longo da história brasileira. Essa identidade negativa foi inicialmente

atribuída, mas com o passar do tempo foi introjetada e naturalizada pelos

afrodescendentes originando um sentimento que podemos chamar de rejeição de si

mesmo, caracterizado nos estudantes da Rede Municipal do Recife pela

autodepreciação, negação dos traços culturais e físicos da ancestralidade africana e

baixa auto-estima, gerando pouco interesse pela escola e pelo estudo.

Neste sentido, concordamos que a distinção biológica de raças humanas

superiores e inferiores, forjada no século XIX, é um argumento incorreto e

incoerente. A noção de raça amplamente utilizada pelo Movimento Negro tem na

verdade uma conotação política, que inclui aspectos culturais e de resistência da

população descendente de africanos escravizados que vivem hoje no Brasil. Isto

significa dizer que a forma de lidar com o corpo, as maneiras de estar com o outro,

as formas de luta e resistência, se inscrevem de maneira específica dentro do modo

de vida dos afrodescendentes. Falando sobre isto Duarte diz que,

Isso faz pensar a categoria raça como conceito, portanto, que não significa a variação fenotípica em si; desestabilizada sua noção

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biologizante, raça é um conceito que se faz sobre as construções sociais acerca do que é pensado como variação fenotípica que diferencia os grupos racialmente identificados no processo histórico brasileiro. Portanto, em relação à raça negra, essas construções carregam necessariamente a identificação dessa variação que diz respeito à origem africana, imagem, representações sobre o corpo negro, histórias, tradições, símbolos e significados, relações entre grupos, estereótipos e também os estigmas, preconceitos e discriminações (DUARTE, 2006, p. 89- 90).

Outro conceito recorrente e por vezes utilizado como equivalente à raça é o

conceito de etnia. Duarte (2006, p. 88), citando Barth, afirma que etnia é a

“concepção dos grupos étnicos como categorias de atribuição e identificação

realizadas pelos próprios atores”.

Isto significa que grupos étnicos são formas de organização social em que a

auto-atribuição é fundamental, pois é a partir dela que o próprio grupo passa a

existir. Acrescenta ainda ao termo etnia um sentido político para além de formas

culturais fixas e isoladas, pondo em evidencia o caráter dinâmico e interativo do

conceito de etnia. Desta forma, o termo etnia passa a ser utilizado largamente nos

meios acadêmicos. Contudo, o termo raça – e sua ressignificação – continua sendo

utilizado pelo Movimento Negro devido ao fato do termo etnia não ter a mesma

ressonância nem significado no imaginário popular.

A utilização dos dois termos ou de um em detrimento do outro acontece de

acordo com a finalidade da comunicação e do contexto da mesma. O termo raça, em

seu sentido político, não biologizado, parece ser mais adequado no contexto das

lutas e bandeiras históricas levantadas pelos Movimentos Negros, por comunicar de

forma mais direta uma idéia, ou ainda por levar a questão ao debate. Um exemplo

interessante disso é percebermos que, ao iniciarmos uma fala para qualquer público

sobre a situação da população negra no Brasil, somos logo interpelados e

surpreendidos por discursos calorosos de que não existem raças diferenciadas; o

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que existe, na verdade, é a raça humana. A partir desta constatação, que me parece

ter sido interiorizada no imaginário brasileiro, é possível travar uma discussão sobre

a dimensão sociológica e política do conceito de raça utilizado atualmente pelos

Movimentos Negros.

Ao falar sobre identidade no decorrer da pesquisa optamos pela utilização do

termo identidade étnico-racial, por compreender que o mesmo não exclui nenhuma

das dimensões abrangidas pelo conceito político de raça e etnia, sendo, pois, um

termo conciliatório entre os dois posicionamentos. Somando-se a isto, consideramos

o termo mais adequado para o público-alvo das entrevistas, os gestores e técnicos

da Secretaria de Educação e da Diretoria da Igualdade Racial.

A identidade negra sempre foi colocada como um obstáculo para a afirmação

da existência de um “povo brasileiro”, formado a partir da miscigenação racial,

interpretada como prova de que, no Brasil, não existe problemas no que se refere às

relações raciais. Por essa razão, para dar voz aos reclames do movimento negro, foi

criado e desenvolvido o conceito de afrodescendência.

Um pesquisador que tem se debruçado sobre a temática da identidade étnico-

racial brasileira é Henrique Cunha Júnior, que juntamente com outros

pesquisadores, desde 1990, vem desenvolvendo pesquisas e fundamentando os

conceitos de Africanidades Brasileiras e Afrodescendência, hoje largamente

utilizados. Para tanto, tem se baseado em escritos de Muniz Sodré, Marco Aurélio

Luz e Clóvis Moura, pesquisadores brasileiros. No cenário internacional utiliza

autores como Cheike Anta Diop, René Depestre, Edouard Glisant, entre outros.

O conceito de afrodescendência é criado a partir do reconhecimento das

especificidades da negritude brasileira, sem excluir o aspecto da luta, uma vez que

“as estruturas do poder, de domínio do certo e do errado, ficam abaladas com o

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reconhecimento profundo das africanidades e afrodescendência brasileiras”

(CUNHA, 1996, p. 13). Longe de possuir um caráter homogeneizador, o conceito de

afrodescendência reconhece a existência de uma identidade negra consciente de

que esta não é única e não possui uma coesão monolítica. Não se baseando em

fenótipos, ou em conceitos biológicos, Cunha nos diz que:

Afrodescendência é o reconhecimento da existência de uma etnia de descendência africana. Esta etnia tem como base comum dos membros do grupo as diversas etnias e nações de origens africanas e desenvolvimento histórico destas nos limites condicionantes dos sistemas predominantes de escravismo criminoso e capitalismo racista. Esta etnia não é única, é diversa, e não se preocupa com o grau de mesclas interétnicas no Brasil, mas sim com a história (CUNHA, 2001, p.11).

Ao falar em etnia, o autor toma como base os escritos de Anselle e Mbokolo

(1985), em que a “fronteira da etnia é fluente, temporal” e localizada histórica e

geograficamente. Dessa forma, a identidade étnico-racial, mas não só esta, faz parte

de um contexto e este é marcado pela luta. Pois uma identidade só passa a ser

discutida e problematizada no limite da sua negação ou reconhecimento.

O outro conceito trazido por Cunha é o de Africanidades Brasileiras. Ao

desembarcarem no Brasil, através do tráfico criminoso, os africanos escravizados

trouxeram consigo uma imensa bagagem cultural que abrangia todas as áreas do

saber científico, mas que não se limitava a este, pois também desembarcaram os

ritos, rituais e os elementos simbólicos que constitui a cosmovisão africana. Em

terras brasileiras, os elementos africanos são introduzidos na economia, política e

cultura colonial e mais tarde insere-se no capitalismo racista. Desta forma, dá-se o

processo de reelaboração da cultura de origem, originando uma outra cultura a que

o autor chama de Africanidades.

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As Africanidades Brasileiras são, portanto, “reprocessamentos pensados,

produzidos no coletivo e nas individualidades, que deram novo teor à cultura de

origem” (CUNHA, 2001, p. 12). Através da re-elaboração, é possível compreender a

existência nas Africanidades Brasileiras de elementos inexistentes na cultura de

origem.

Pensar a identidade étnico-racial a partir dos conceitos de afrodescendência e

africanidades, desenvolvidos por Cunha, possibilita enxergar uma infinidade de

questões no âmbito da cultura herdadas dos povos africanos que aqui

desembarcaram e que nunca chegaram ao nosso conhecimento e que, acima de

tudo, não são estáticas, pois estão em um permanente processo de reelaboração e

recriação que desafia a todo instante a tentativa de essencializar um modo de ser,

de está e de se sentir, como sendo o correto, como sendo o verdadeiro. Este

processo de reelaboração dá-se através da interação com os outros elementos que

constituem a cultura brasileira, não sendo desprezados os aspectos políticos e

econômicos nos quais a população afrodescendente está inserida.

Neste contexto, o reconhecimento ou o não reconhecimento também se

constitui como elemento fundamental, pois, de acordo com Taylor, como citado

anteriormente, o não-reconhecimento ou o reconhecimento inadequado podem

causar danos ou constituir uma forma de opressão, que a alguns torna prisioneiros

de uma maneira de ser falsa, deformada e reduzida (TAYLOR, 1992 apud NEVES,

2005, p. 83).

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2.3.1 Políticas Identitárias: o caso da população negra no Brasil

A temática da identidade étnico-racial não é algo transparente e unívoco,

sendo necessário analisar o contexto em que as demandas desta ordem são

produzidas para compreender sua origem e dinâmica. Em países, como o Brasil, as

demandas relativas à identidade surgem a partir das reivindicações de grupos

socialmente oprimidos que sistematicamente vêm sendo impedidos de usufruir de

bens coletivos e de gozar os direitos de cidadania. Em nosso país, as demandas

identitárias estão fortemente relacionadas as lutas pela ampliação dos direitos civis,

políticos, socioeconômicos, direito a diversidade cultural e direitos ecológicos e ao

patrimônio natural e histórico, segundo levantamento feito por Scherer-warren

(2006).

Estas lutas estão inscritas no campo da conquista da cidadania plena e tem

os movimentos sociais como principal empreendedor da articulação entre Estado e

Sociedade Civil. Assim, a luta de negros e negras por melhorias de condições de

vida, pelo fim da discriminação racial e por reconhecimento está inserida no contexto

das lutas dos movimentos sociais pela ampliação dos direitos de cidadania dentro de

um Estado verdadeiramente democrático.

Trata-se de um processo relacionado ao desenvolvimento de uma identidade

positiva capaz de se afirmar e de gerar mobilização em torno de objetivos comuns.

Para compreendermos a identidade negra, no Brasil, temos que levar em conta,

portanto, o processo histórico de construção dessa identidade que foi calcado num

contexto de exclusões que até hoje deixa suas marcas. Historicamente constata-se

a negação dessa identidade, o que provoca um estranhamento de si para si nos

indivíduos afrodescendentes.

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Essa situação tem um rebatimento direto na formulação de políticas públicas

ligadas às dimensões identitárias, uma vez que ao partir de uma definição do que

significa ser negro, essas políticas podem contribuir exatamente para congelar as

identidades dos sujeitos destinatários, enquadrando-os em uma determinada

categoria pré-estabelecida como condição de acesso ao usufruto de direitos.

Sobre esta questão Neves (2005, p. 87) diz que as identidades não são

“opções voluntárias; ao contrário dependem das relações de poder na sociedade, as

quais estabelecem as diferenças e os limites das identidades”. Ser afrodescendente

é uma construção social que influencia a maneira como nos vemos e somos vistos

pelos outros. O que significa dizer que as políticas de identidade:

São também formas de re-significação das mesmas, pois reivindicam de forma positiva identidades socialmente degradadas. Em um processo dinâmico, essas políticas, por sua vez, terão efeito sobre o processo de construção das identidades, que retroagirão sobre as próprias políticas de identidade (NEVES, 2005, p. 87).

O chamado “congelamento das identidades” obedece à lógica do grupo

dominante, ou seja, “a definição do que é ‘ser negro’, mesmo articulada por

militantes negros anti-racistas, obedece a lógica da sociedade que valoriza o que é

‘ser branco’” (Idem, p. 87). A questão que se coloca, portanto é a de como conciliar

reconhecimento e redistribuição através de políticas públicas sem que haja o

processo (des)educativo de “congelamento das identidades”.

Bauman (2005) e Hall (2003) ratificam esta proposição. O primeiro afirma que

as políticas identitárias são tentativas de “solidificação do que se tornou fluído”,

enquanto que o segundo fala que vivemos um “momento essencializante”. Para Hall,

quando o significante “negro” é retirado do seu encaixe histórico e político

transformando-se em noções cristalizadas e estáticas acaba sendo alojado em uma

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categoria racial biologicamente construída, assim acabamos fundamentando e

reconstruindo o racismo contra o qual lutamos. Parece que Hall chama a atenção

aqui para uma característica muito marcante dos movimentos negros brasileiros,

para elucidar melhor o nosso posicionamento utilizaremos as palavras do próprio

autor:

[Uma vez que o significante “negro” é fixado] somos tentado a usá-lo como algo suficiente em si mesmo, para garantir o caráter progressista da política pela qual lutamos sob essa bandeira – como se não tivéssemos nenhuma outra política a discutir, exceto a de que algo é negro ou não é. Somos tentados, ainda, a exibir esse significante como um dispositivo que pode purificar o impuro e enquadrar irmão e irmãs desgarrados, que estão desviando-se do que deveriam está fazendo e policiar as fronteiras – que, claro, são fronteiras, políticas, simbólicas e posicionais - como se elas fossem genéticas. É como se pudéssemos traduzir a natureza em política, usando uma categoria racial para sancionar as políticas de um texto cultural e como medida do desvio (HALL, 2003, p. 327).

Trazendo esta questão para o contexto do que hoje chamamos de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial, cabe um alerta para o caráter destas políticas,

seus objetivos e as representações que estão por trás delas. O que implica, por

parte dos Movimentos Negros, uma postura crítica e vigilante, analisando as

políticas implementadas não por elas mesmas, mas analisando-as em seu contexto

mais amplo.

A política identitária que não queremos é uma política que visa integrar o

“Outro” lhe outorgando uma cidadania concedida e autorizada pelo “Eu” que trata de

decidir até onde pode ir esta cidadania e quais os requisitos necessários para dela

participar. Esta política pode assumir um caráter ambíguo, onde ao mesmo tempo

poder incluir elementos que expressam os anseios por reconhecimento do “Outro”

excluído como também do “Eu” que procura enquadrar e limitar.

Neste sentido reafirmamos nosso posicionamento ao compreender que nas

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políticas de promoção da igualdade racial, para além das políticas redistributivas,

exige-se que se leve em consideração a inter-relação existente entre os aspectos

simbólicos e os fatores econômicos na luta pela conquista de direitos e

reconhecimento de negros e negras. Uma tentativa de diálogo neste sentido foi

apresentada através da perspectiva dualista de Fraser, onde as demandas de ordem

cultural e econômica são apresentadas como co-fundamentais.

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CAPITULO 3

...A política pública precisa dar conta do desejo, das necessidades das pessoas,

do jeito como elas são, com a história delas, pra qualificar a vida. Então se é qualificar a vida das pessoas,

ajudar a fortalecer a sua identidade isso é uma coisa muito importante...

Quando a gente discute a questão da identidade negra tem uma corrente que não agüenta essa discussão

da identidade racial, identidade negra ou reconhecimento de povo dentro de uma nação

ou dentro de um país isso é uma esquizofrenia no Brasil...

(Francisco/Colaborador)

3 AS POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, AS POLÍTICAS

EDUCACIONAIS E A REFORMA DO ESTADO

Neste capítulo partimos da noção de Estado e de política pública,

particularizando para a questão da política pública educacional e suas formas de

configuração com a Reforma do Estado desencadeada a partir dos anos 90.

Para nós este caminho se faz necessário visto que a Reforma do Estado

viabilizou a Reforma Educacional, e estas hoje, materializam certo tipo de educação.

As políticas identitárias apesar de terem suas características próprias surgem em

meio a este processo, a ele se conformando ou a ele indo de encontro, portanto,

acreditamos que não podem ser analisadas descoladas deste contexto.

A pesquisa sobre políticas públicas é um campo de atuação onde é preciso

ter clareza sobre alguns aspectos relevantes que não podem ser ignorados.

Conforme Reis (2003) é preciso ressaltar que as pesquisas em políticas públicas

interpelam situações concretas e emitem, quer seja esta ou não a intenção do

pesquisador, juízos de valores que podem orientar as ações.

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Neste sentido, é preciso atentar para a interligação dos aspectos teóricos,

técnicos e morais presentes na relação com qualquer objeto de pesquisa e,

sobretudo nos trabalhos que tratam de políticas públicas. A educação tem sido alvo

de diversas políticas que trazem como objetivo a valorização dos afrodescendentes

e a reversão da discriminação racial. Isto ocorre por que a educação é tida como um

dos meios pelo qual obteremos a superação das desigualdades entre brancos e

negros. Isto fica evidente nos documentos oficiais como As Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Africana e Afro-Brasileira, documento que será analisado no próximo

capítulo.

Este trabalho leva em consideração esta compreensão, de maneira que

objetiva investigar iniciativas que têm adotado a questão racial como um eixo

articulador de políticas públicas educacionais na cidade do Recife. Sendo assim, a

definição das políticas públicas é uma categoria fundamental. Para tanto,

iniciaremos abordando as características das políticas públicas para em seguida

situarmos as políticas no contexto da reforma do Estado, logo após trataremos

especificamente dos aspectos e peculiaridades das políticas de promoção da

igualdade racial e do papel da educação diante destas políticas. Seguiremos

refletindo sobre as políticas através do histórico do processo de formulação da

agenda, através da análise do marco legal e de dados estatísticos sobre a

população negra em nível nacional e local.

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3.1 Políticas Públicas, aspectos e peculiaridades

As políticas públicas são colocadas por Souza, C. (2005), como campo do

conhecimento que coloca o governo em ação analisando esta ação e ao fazê-lo

pode propor mudanças no rumo destas, em última instância as políticas públicas

objetivam gerar mudanças em uma dada realidade.

Comumente, nos estudos dos processos de formulação das políticas

públicas, reconhecem-se algumas etapas: o reconhecimento dos problemas que

merecem a ação pública; a formulação; a implementação; a análise e a avaliação.

Como ponto de partida é importante salientar que como diz Azevedo “uma política

pública para um setor, constitui-se a partir de uma questão que se torna socialmente

problematizada” (AZEVEDO, 1997, p. 61).

As relações raciais brasileiras é uma questão que a longos anos vem sendo

problematizada. Como assinala Batista Neto (2006), a discussão em torno da

diversidade e sua interface com a Educação remonta aos anos 70, mas as questões

suscitadas pela população afrodescendente remontam a Oliveira Viana e Nina

Rodrigues, seguidos por Gilberto Freire, Florestan Fernandes, entre outros.

Reiteramos as palavras do autor mais ainda acrescentamos que a preocupação com

a educação da população negra, para além dos muros da academia é uma questão

socialmente problematizada desde o século XVII, com a existência de diversas

irmandades que dentre outras coisas tratavam também da educação11.

Souza, C. (2005) chama a atenção para o caráter holístico das políticas

públicas. Isto significa em primeiro lugar que a, apesar de ser uma subárea da

ciência política, a “área torna-se território de várias outras disciplinas”. Ao se

11 Para maiores informações sobre o tema consultar Cunha (2003) e Luz (2008).

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debruçar sobre as políticas afirmativas, por exemplo, é possível dialogar com vários

campos,dentre eles a sociologia, a antropologia e a psicologia.

Outro aspecto significativo a considerar, diz respeito ao fato das políticas

públicas materializarem um determinado tipo de Estado. Dessa ótica, as políticas

públicas fornecem visibilidade e materialidade ao Estado, são elas, portanto, o

Estado em ação (AZEVEDO, 1997, p. 60). Assim qual a lógica de ação que está

presente nas políticas públicas de promoção da igualdade racial empreendidas nos

últimos anos? Visto que esta questão já ha muito vem sendo problematizada mas só

muito recentemente vem ocupando a agenda das políticas estatais.

Souza, C. (2005) baseia-se nos estudos de Lowi (1964-1972), para

apresentar quatro formatos de política pública: O primeiro é o das políticas

distributivas que visam o favorecimento de certos grupos e parcelas da sociedade. O

segundo é o das políticas regulatórias que envolve “burocracias, políticos e grupos

de interesse”. O terceiro são as políticas redistributivas, que visa a socialização

igualitária das riquezas através de políticas sociais, por exemplo. O quarto é o das

políticas constitutivas, que lidam com os procedimentos. As políticas de promoção

da igualdade racial destinadas a população negra, são políticas afirmativas de

caráter redistributivo e valorativo voltadas para uma parcela da população que não

se pode chamar de minoria. Isto significa que promover políticas específicas

voltadas para o atendimento da população negra seja na área da educação, da

saúde, emprego e terras, por exemplo, é proporcionar mudança de vida e ampliação

da democracia e cidadania para um amplo contingente da população.

Uma das etapas no processo de formulação das políticas públicas é a sua

implementação, campo no qual este trabalho se insere. A implementação “se refere

a como a política pública está sendo posta em prática” (SOUZA, C., 2005, p. 19).

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Este é um campo que não tem recebido a devida atenção, a maior parte dos estudos

se insere nas fases de formulação e avaliação das políticas.

No tocante a implementação, Souza chama atenção para uma série de

fatores que podem interferir, afirmando que “existe uma miríade de variáveis que

também impactam a política pública e somente estudos de caso específicos podem

identificá-las” (SOUZA, C., 2005, p. 19). Assim, a autora nos diz que para estudos

que focam a questão da implementação das políticas públicas é preciso atentar para

alguns aspectos que aqui serão reproduzidos na íntegra;

a) o grau de conhecimento e capacidade das organizações e dos implementadores sobre a política que está sendo implementada; b) os diversos processos que compõem a implementação, inclusive seus pontos de conflito; c) o papel dos atores e dos agentes na implementação; e d) o grau de discricionariedade da burocracia quando implementa a política pública (Idem, p. 21).

Consideramos que todos estes aspectos são relevantes, sendo variáveis que

podem ser tratadas isoladamente mas que no seu conjunto são capazes de revelar

com maior precisão a totalidade do processo de implementação. Chamamos

atenção para o fato destes aspectos se interpenetrarem compondo uma realidade

dinâmica e complexa. Pois, muitas vezes no momento da implementação é que seus

agentes tomam conhecimento das linhas gerais da política, acontecendo na verdade

um processo complexo onde simultaneamente há a formulação, apreensão e

implementação das políticas.

Como o nosso trabalho lida diretamente com os “fazedores das políticas”

(AZEVEDO, 1994). É importante considerar que estas pessoas são os responsáveis

por dar concretude às políticas que por sua vez são orientadas por objetivos,

princípios e diretrizes, isto não ocorre sem um processo de intermediação entre

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aquilo que se propõe e o que de fato é apreendido pelos “fazedores de política” a

partir da sua representação sobre seu campo de atuação.

Em seu estudo sobre as políticas públicas educacionais Azevedo (1994)

utiliza os escritos de Jobert (1988 - 1989) e Muller (1985) para afirmar que as

representações sociais informam as ações dos fazedores e dos que executam as

políticas. Neste caso, faz-se necessário apreender as representações que permeiam

o cotidiano de quem faz a política educacional do município com o recorte da

educação das relações étnico-raciais. Mas o que é representação? Baseando-se em

Jodelet (1989), Abric (1989) e Moscovici (1989), Azevedo segue dizendo que “[

representação é uma] forma de saber prático que permite ao homem a apreensão, a

apropriação e a atribuição de significados a objetos do real”.

É a fala destes fazedores de política, juntamente com o que fala alguns

documentos oficias que podem nos revelar as representações dominantes sobre a

questão racial no Brasil e sobre que tipo de política está sendo materializada, e se

esta política está em consonância com o que vem sendo debatido academicamente

sobre o assunto e mais do que isso, pode nos revelar se estas políticas de fato

atendem aos interesses da população afrodescendente.

Por fim, gostaria de chamar atenção para a tendência apontada por Souza, C.

(2005), de vários países em desenvolvimento implementar políticas públicas de

caráter participativo. Esta tendência, segundo a autora, é impulsionada pelos

organismos multilaterais e pela atuação de alguns partidos como o PT. Acrescento

ainda o relevante papel da sociedade civil, destacando que demandas por maior

participação e controle das políticas públicas é algo que está na pauta dos

movimentos sociais há muito tempo e que hoje vemos se concretizar parcialmente.

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Fato que tem gerado novas possibilidades e problemáticas, detectadas por este

estudo, apesar de não ser foco de nossa investigação.

Ao analisarmos as políticas públicas percebemos que estas objetivam, em

última instância, o bem da coletividade, mas que não o fazem de forma isolada pois

carregam em si as marcas de um Estado que é histórico e temporal possuindo uma

identidade que revela as suas orientações e sua maneira de lidar com as demandas

oriundas da sociedade civil, todas estas questões estão situadas num contexto

histórico-social mais amplo que, reflete a lógica subjacente a atuação do Estado.

Como o Estado inclui elementos que também são comuns à noção de

sociedade civil12 ao analisarmos suas políticas vê-se o reflexo das tensões e dos

conflitos existentes nesta sociedade. Assim, as políticas de promoção da igualdade

racial não poderiam deixar de expressar os conflitos que o tema evoca na sociedade

como um todo. Isto fica bastante evidente quando a discussão chega as políticas

afirmativas para ingresso no ensino superior, as cotas. Tema amplamente difundido

que chega a mídia, nem sempre preocupada em esclarecer e informar os diversos

pontos de vista.

Desta feita, as políticas públicas ao nascerem de questões problematizadas

no seio da sociedade expressam no momento de sua concretização os conflitos e as

representações que circunscreve o seu campo materializando assim, um

determinado tipo de Estado, pois são o Estado em ação. Apesar disso, abrigam em

si o novo e a ressignificação do que está posto por serem planejadas e executadas

por e para pessoas que como sabemos possuem a marca da indeterminação, do

inconformismo e do mutável.

12 Uma das concepções que podem ser observadas é a desenvolvida por Gramsci, na qual coloca o

Estado como a junção da sociedade política com a sociedade civil, conforme é possível perceber em MARTINS, Carnoy. Estado e teoria política. Campinas: Papirus, 1986.

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3.2 A Reforma do Estado e a Reforma Educacional, ressignificando as políticas

públicas

Entendemos que o Estado não é uma instituição homogênea, possui vários

modelos que se apresentam através de identidades, que se transformam de acordo

com crises cíclicas.

Sobre este processo Batista Neto (2006), chama atenção para a difusão de

discursos contrários a atuação do Estado de Bem-Estar Social que formulados

desde os anos 70 difundiam a idéia de que o Estado não poderia mais arcar com o

elevado custo da educação, saúde, funcionalismo público, etc. Segundo este autor:

As acusações de gigantismo do aparato estatal passaram a pesar sobre o tamanho assumido pelo sistema de assistência social, no que resultava, segundo os críticos, uma burocracia pesada e inoperante, responsável por gastos demasiados com a área social e grande desperdício de recursos públicos (BATISTA NETO, 2006, p. 55).

Para oferecer alternativas a mais uma crise cíclica do capitalismo é

desmontada a idéia do Estado Provedor, onde a intervenção do Estado deveria se

retrair em várias áreas, deixando a cargo da iniciativa privada assumir o seu lugar

com o substantivo crescimento do setor de serviços

Assim, a crise do capital – crise de acumulação –trouxe um novo regime de

acumulação, o flexível; mas, também, promoveu a reestruturação do Estado. Esta

instituição foi reconstituída sob hegemonia do discurso neoliberal, ressignificando as

suas relações com a sociedade. E esta relação consolidou-se alicerçada no

imaginário de supremacia do mercado, neste sentido Moraes (2002, p. 16) afirma

ser

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O mercado a matriz da riqueza, da eficiência e da justiça. A intervenção da autoridade pública sobre as iniciativas privadas é vista, primordialmente, como intrusão indevida, no máximo tolerada. Dela só podem resultar distorções naqueles três eixos mencionados (riqueza, eficiência, justiça).

Para esse autor, os defensores do neoliberalismo constituíram vários

instrumentos de ação política, um deles, o discurso bem articulado por meio da

difusão de idéias, imagens e valores tornando necessariamente um mal a

intervenção do Estado sob o regime de políticas públicas. Harvey (1992, p. 117)

também assinala as mudanças provocadas pelo capitalismo nas demandas ao

Estado bem como sua própria reformulação, mudando sua atuação, enfatizando:

Se houve alguma transformação na economia política do capitalismo no final do século XX, cabe-nos estabelecer quão profunda e fundamental pode ter sido a mudança. São abundantes os sinais e marcas de modificações radicais em processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do Estado etc.

Podemos perceber o grande alcance das reformas empreendidas pelo Estado

em seu processo de atuação na sociedade. Este deixa suas características do Bem-

estar Social – regulamentação, rigidez, negociação coletiva e centralização – para

adotar um novo paradigma caracterizado pela desregulamentação, flexibilidade,

privatização, divisão/individualização das negociações e descentralização.

No setor educacional muitos são os impactos dessa nova lógica de atuação

do Estado. O primeiro deles diz respeito a própria compreensão do que é educação,

que de bem público passou a ser entendida como mais um setor do mercado,

obedecendo a mesma lógica e configuração deste. Isto implica em redução de

custos e investimentos públicos. Batista Neto (2006, p. 57), comentando sobre o que

diz Saviani (1997), afirma que a educação e consequentemente a política

educacional, “de uma questão política da democracia (garantia do acesso a um

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direito social básico), a educação escolar transfere-se para o espaço da economia e

das finanças”.

Neste sentido, a pergunta foco do nosso interesse de estudo é como as

políticas identitárias no âmbito da educação se inserem neste processo. No nosso

caso específico ao estudarmos sobre as políticas afirmativas voltadas para a

população negra reconhecemos, como já afirmamos anteriormente, que no tocante a

educação as demandas são históricas e seguem uma lógica de ampliação da

democracia e eliminação das desigualdades que vai de encontro a lógica imposta

pelo modelo neoliberal. Contudo, percebemos que no momento de dá materialidade

a estas demandas através de políticas públicas ocorre uma ressignificação e

adaptação destas “idéias originais” ao que está posto pelos pressupostos

neoliberais. Um exemplo disto é a centralização na figura do professor, através do

discurso da valorização profissional via formação continuada, um dos carros chefe

da política educacional nos últimos anos.

A centralidade de interesses na formação de professores nos discursos e

estudos acadêmicos remonta a década de 80, no contexto em que alguns países

capitalistas centrais passaram a se preocupar com os resultados obtidos por

estudantes de suas redes de ensino em avaliações internacionais. Alguns estudos

desenvolvidos no período apontavam para a má qualidade da formação dos

professores como uma das prováveis causas do déficit educacional.

De acordo com Batista Neto (2006), se por um lado, esta conclusão chamou a

atenção para o professor, evidenciando sua importância e mostrando a urgência de

políticas públicas voltadas para este profissional, por outro lado aumentou

excessivamente a sobrecarga em seus ombros na medida em que este passou a se

culpado pelo fracasso da educação. Desde então a figura do professor e sua

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formação passou a ocupar todos os fóruns e debates sobre os rumos da educação

através de conferências e acordos assinados em nível mundial. Acordos e planos

estes, que se diga de passagem estão em consonância com as Reformas

Educacionais oriundas da Reforma do Estado.

Em grande medida as políticas destinadas ao setor educacional tem sido

políticas de formação. Ao falar de formação de professores sabemos que esta pode

se dá em dois níveis: a formação inicial e a formação continuada. Não é nossa

intenção esgotar o debate a este respeito, tarefa que fugiria completamente ao

escopo deste trabalho. O que pretendemos aqui é situar a formação continuada

dentro do conjunto das políticas públicas educacionais, e situar dentro desta a

questão da formação para a diversidade. Portanto, o que nos interessa é, ao se falar

em formação continuada quais os discursos em voga e quais são os portadores de

tais discursos e quais as intenções de se propagar determinados discursos, em que

medida os discursos estão articulados com a práxis do Estado.

Silva (2007) nos apresenta de forma interessante dois modelos de formação

de professores que podem ser identificados e que coexistem atualmente. O primeiro

diz respeito ao modelo emancipador e o segundo diz respeito ao modelo

instrumentalista.

O modelo emancipador é fruto das discussões e construções do movimento

dos profissionais da educação que tem como seu porta voz a ANFOPE (Associação

Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação). Neste modelo a formação

docente está comprometida com a emancipação humana e com a construção e

solidificação da democracia. Baseia-se numa educação que não se permite

sucumbir à lógica do mercado, pressuposto neoliberal. O modelo emancipador

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dialoga, portanto, com a perspectiva crítica de educação13, pautada numa

compreensão da prática docente enquanto ação reflexiva e transformadora.

O modelo instrumentalista, por sua vez tem como formulador os organismos

mundiais de fomento que se impõe a despeito das construções tecidas

democraticamente pelos movimentos docentes. Ao contrário do modelo

emancipador, busca se alinhar aos interesses do mercado. Segundo Silva (2007, p.

16), “[este modelo tem] como base epistemológica a racionalidade cognitivo-

instrumental14. Essa racionalidade coloca o conhecimento técnico-pragmático como

indispensável e central para qualquer ação humana mais elaborada, recusa, assim,

a discussão deste conhecimento por crivos éticos, pois intenciona naturalizar a

técnica nas relações sociais em função da produtividade e da eficiência”.

Assim, o professor é formado para resolver os problemas imediatos da sala

de aula, sem uma perspectiva crítica que busque associar as questões pedagógicas

ao contexto social mais amplo.

A questão da diversidade na educação, portanto, pode seguir numa

perspectiva crítica contextualizada com o que ocorre no mundo e inconformada com

as tentativas de padronização que paradoxalmente coexiste com o discurso da

diversidade ou pode trilhar no caminho instrumental preocupada sim com a questão

da diversidade mas de forma imediatista sem compromisso com a reflexão crítica e

com a transformação social.

Desse modo, a pedagogia crítica que deve originar uma formação de

professores comprometida,

atua para a reinvenção de nós mesmos a partir de reinvenções de nossas identidades culturais e de nossas práticas sociais. Ela

13 Para saber mais sobre a perspectiva crítica da educação consultar (Giroux,1997), Freire (2000,

1992) e Santos (1996). 14 Grifo do autor.

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possibilita aos sujeitos, portanto, a compreensão do Outro e de sua condição, contribuindo com a construção do diálogo e da cooperação solidária entre os sujeitos (BATISTA NETO, 2006, p. 49).

O autor finaliza o seu texto dizendo que é este tipo de pedagogia que a

formação de professores está a precisar. Como a formação continuada tem sido o

eixo das políticas educacionais voltadas para a promoção da igualdade racial na

cidade do Recife. Prosseguimos indagando sobre qual o tipo de pedagogia tem

orientado esta prática e por que a centralidade nos processos formativos,que apesar

de importantes, não caminham sem as condições materiais necessárias para que o

professor execute seu trabalho. Parafraseando o que diz as Diretrizes reitero

afirmando que educar para relações étnico-raciais positivas e pautadas no

reconhecimento é oferecer para todos brancos, negros, indígenas e qualquer outra

etnia uma educação de qualidade que possibilite ao estudante se inserir no mundo

de forma crítica e com qualidade de vida. Isto significa que enquanto os sistemas de

ensino defenderem uma educação para diversidade, mas mantiverem seus

professores/as e estudantes, que se diga de passagem, nas redes públicas são em

sua maioria negros e negras, em péssimas condições de ensino e aprendizagem

estarão se contradizendo e seguindo o curso de uma educação instrumental e

regida pela lógica do mercado.

3.3 Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Ao falarmos sobre as políticas de promoção da igualdade racial elaboradas e

implementadas nos últimos anos nos referimos a um enorme número de iniciativas

as mais variadas, dentre as quais se destaca as políticas de ação afirmativa. Assim,

o nosso argumento seguirá primeiramente pela problematização em torno da

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formulação da agenda, debatendo especialmente sobre a emergência da sociedade

civil enquanto propulsora das mudanças sociais. Em seguida explicitaremos os

vários tipos de políticas que podem ser adotadas atentando para as especificidades

de tais políticas focalizando a atenção sobre as ações afirmativas. Por fim,

discutiremos o papel da educação e a sua relação com tais políticas.

3.3.1 A constituição da agenda das políticas de promoção da igualdade racial

Uma das primeiras questões que nos fazemos é, a partir de quando e por que

a questão racial passou a ocupar a agenda das políticas públicas. Como já dissemos

anteriormente uma política nasce de uma questão socialmente problematizada

(AZEVEDO, 1997) e a questão racial no Brasil há muito já vinha sendo

problematizada pelos movimentos negros. Contudo, ao longo dos anos no pós

abolição vimos apenas algumas iniciativas esporádicas e isoladas, só nos últimos

anos especificamente a partir de 1995 com a implantação do GTI População Negra,

é que a questão racial passou a ocupar efetivamente o cenário das políticas

públicas. Sobre esta questão, Souza, C. (2005, p. 8) afirma que a formulação da

agenda pode se dá por três motivos: o primeiro é por causa do problema em si, “isto

é os problemas entram na agenda quando assumimos que devemos fazer algo

sobre eles”. O segundo é a política em si mesma com a construção de uma

consciência coletiva sobre a importância de um dado problema. O terceiro motivo diz

respeito aos agentes sociais que podem ser políticos, partidos, grupos de pressão,

acadêmicos, mídia, entre outros.

No caso específico da problemática racial, Silvério (2002) aponta motivos que

corresponde aos enumerados por Souza, C. (2005), para ele os fatos que serviram

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para dá maior destaque as desigualdades raciais foram o aumento da divulgação de

pesquisas empíricas, a pressão do movimento negro através da participação em

planos e conselhos municipais e estaduais, e o reconhecimento oficial da existência

do racismo e da discriminação no dia 20 de novembro de 1995. A este quadro

acrescento ainda as transformações na configuração dos movimentos sociais, que

com a globalização ultrapassa as fronteiras nacionais reconhecendo a existência de

problemas comuns buscando soluções coletivas a nível mundial. É o caso da

participação brasileira em diversos encontros e conferencias com a assinatura de

diversos acordos e planos de ação.

Harvey (1992) e Moraes (2002) sinalizam as mudanças no mundo da

produção, o crescimento da tecnologia e a globalização e estas têm influenciado

decisivamente na organização da sociedade política e da sociedade civil,

contribuindo para a reformulação da atuação do Estado sob forma de política

pública, uma vez que esta se apóia na realidade e representações que seus atores

produzem.

A lógica atual de ação do Estado nos leva a refletir sobre a formulação de

suas políticas públicas, esta originada na arena da esfera pública composta pela

sociedade civil, econômica, política e jurídica. Destacamos, neste processo, a

sociedade civil, uma vez que essa faz a política da vida, identificando valores e

identidades. Por isso, a própria sociedade, nessa esfera, sofreu um processo de

ressignificação.

Neste sentido, Cohen (2003, p. 420) analisando a sociedade civil no contexto

do Estado “soberano” nos traz a seguinte reflexão:

O motivo dessa mudança de foco é óbvio: a percepção de que os processos de globalização tendem a solapar a capacidade dos Estados para o exercício das funções cruciais de controle e

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regulação da economia e da sociedade. Os Estados Nacionais parecem estar mais se amoldando aos imperativos da economia e do mercado do que modelando.

Para este autor, o conceito de sociedade civil globalizou-se, ampliou-se,

banalizou-se, uma vez que os problemas mundiais põem em cheque o controle dos

Estados Nacionais, colocando em dúvida a soberania popular, já que as ações deste

Estado contextualizadas dentro do território nacional e as questões postas, estão

além do nacional. Esse fenômeno está intimamente ligado à dissolução do vínculo

entre a soberania territorial e o político-jurídico, substituindo o conceito de governo

pelo de governança. Cohen (2003, p. 421) a luz de (CUTLER, 2001; JAYASURIYA,

2001, p. 445; HAUTLER E PORTER, 1999) nos esclarece:

[...] o vínculo entre a soberania territorial e a político-jurídica dissolveu-se, e a própria soberania desagregou-se, fragmentou-se e tornou-se complexa. Por outro lado, as estruturas detentoras do poder efetivo impõem decisões, criam leis capazes de produzir efeito real, estipulam regras e são imbuídas de um ethos Gerencial; não se podem dizer internamente democráticas, transparentes ou responsabilizáveis. [...] Nessas circunstâncias, não é de admirar que os teóricos da democracia depositem mais uma vez suas esperanças na sociedade civil para gerar a ordem mundial emergente. [...] Argumentam que a sociedade civil mundial avança onde os Estados não mais progridem, isto é, no suprimento de novas bases de identidade, solidariedade, coordenação, regulação e controle.

O autor coloca a idéia de uma sociedade civil mundial, de escala global, onde

os movimentos sociais são globais com temáticas globais, que poderia compensar o

déficit democrático da nova ordem mundial, ocupando o lugar do Estado através das

Organizações Não Governamentais, constrangendo as instituições e promovendo a

inovação e a inclusão. Assim sendo, a sociedade civil redefine seu papel em relação

à democracia. Martins (2003), por sua vez, traz a idéia de uma sociedade civil não

como um terceiro setor, mas uma esfera diferenciada da economia e do Estado. A

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sociedade civil vai se moldar com princípios que fogem as regras do Estado e a

lógica do Mercado – elementos intricados na vida cotidiana, como os novos arranjos

de redes, familiares, de solidariedade, vizinhança, amizade, etc.

Cohen (2003) focaliza a sociedade civil na contribuição de uma teoria

democrática. Enquanto Martins (2003), para uma lógica paradoxal – a da dádiva.

Pensamentos próximos que respondem as demandas desse estudo. Uma vez que,

emergem as influências da sociedade civil e política para as políticas públicas, o

Estado de bem-estar social, a cidadania e a educação.

Nesta perspectiva, os movimentos sociais não podem abrir mão de dialogar

com a sociedade, pois esta é seu combustível para formar tensões geradoras de

demandas ao Estado; todavia, não poderá também, deixar de dialogar com o Estado

no sentido de promover oferta a essas demandas sem se deixar cooptar pelas

benesses do sistema. Compreendemos que a sociedade civil está intimamente

relacionada com a regulação e com a democratização da sociedade. Deste modo, a

sociedade civil ora é vista como o reino da contestação social; ora como o espaço

por excelência da democratização da sociedade, a esfera pública.

Na nossa compreensão, a sociedade civil não se confunde com fóruns,

conselhos especializados, pois estes fazem parte da sociedade política. Neste

embate, há uma tentativa do Estado absorver a sociedade civil, isso acontece

segundo Santos (2003) através do autoritarismo regulador, democracia vigiada,

neocorporativismo e fascismo benévolo, pois as relações entre a sociedade civil com

a sociedade política são munidas de complexidade, já que esta precisa impor limite

à última.

Esta posição adotada por Santos (2003) difere daquela defendida por Cohen

(2003, p. 430) na qual a ação do Estado – entendida como ação da sociedade

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política – não fragiliza a sociedade civil, assinalando que “é uma questão complexa

determinar quais regras, benefícios e proteções fornecidos pelo Estado fortalecem

ou debilitam a sociedade civil e a democracia.”

Silva Jr e Sguissardi (2005, p. 8, 16) distinguem que no atual estágio da

globalização, o Estado retrai seus gastos e ação quanto às políticas sociais e

aumenta a sua participação na regulação do mercado e da sociedade – Estado

Avaliador –, percebe-se como um primeiro impacto a força do terceiro setor naquilo

que se configurou para alguns autores denominar políticas públicas de oferta,

vejamos:

Com isso, fragilizou-se o capital nacional, destacadamente a indústria; desenhou-se a sociedade civil, instituindo-se as ONGs como interlocutoras preferenciais do governo, transferindo-se os deveres do Estado e os direitos sociais subjetivos do cidadão para a sociedade civil, porém sob o controle centralizado do Poder do Estado. Produzindo-se, assim, um novo paradigma de políticas públicas: o das políticas públicas de oferta, a serem executadas na sociedade civil, em geral pelas ONGs.

Ainda coloca:

As políticas públicas passam, no Brasil e no exterior, por um processo de mercantilização ancorado na privatização/mercantilização do espaço público e sob o impacto de teorias gerenciais próprias das empresas capitalistas imersas na suposta autonomia ou real heteronomia do mercado...

As políticas de promoção da igualdade racial em sua essência vão de

encontro a esta lógica, pois evidenciam que só através da ação do Estado é que é

possível reverter a situação das desigualdades. O Estado é responsabilizado pelo

estado atual das relações étnico-raciais, pois no passado foi este que implementou

políticas racistas, portanto é dele a responsabilidade de modificar o quadro atual. A

sociedade civil neste sentido, é chamada para sugerir políticas, monitorar a sua

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implementação e avaliá-las com o seu acumulo de discussões a respeito das

temáticas, não substituindo o papel do Estado, nem sendo cooptada pelas suas

benesses.

Na prática, contudo, nos deparamos com uma cultura política e administrativa

que trava este processo. Problema que não afeta apenas as políticas de promoção

da igualdade racial. Um deles é o atrelamento da formulação e implementação das

políticas a determinados partidos ou governos, fazendo com que o que foi

conquistado através da luta seja creditado a estes criando um elo negativo de troca

de favores, o que inclui a não denúncia de irregularidades. Este tipo de prática é

ampliada como aponta Souza, C. (2005) com o desenvolvimento de políticas

públicas de caráter participativo impulsionadas pelas propostas dos organismos

multilaterais e de partidos políticos como o PT.

Outro problema desta vez apontado por Paiva e Oliveira (1998, p. 20-21) é a

prática da nomeação para ocupação de cargos com maior poder de decisão “esta

prática afeta o ethos do funcionalismo, na medida em que desvincula o topo da

burocracia de sua base e estimula práticas de lealdade pessoal antes que funcional”.

Acrescenta ainda que este tipo de prática que ele chama de clientelista e

corporativista enfraquece tanto a sociedade como o Estado considerando que,

A sociedade civil é prejudicada porque os policy-makers não precisam responder aos grupos que ostensivamente os apóiam, uma vez que ocupam posição de poder em função da posição que lhe foi dada e não como representantes da sociedade (PAIVA; OLIVEIRA, 1998, p. 21).

Elisa Reis (1988), partindo da relação existente entre política e administração,

afirma que é possível identificar dois perfis que estão inseridos no universo da

administração pública no processo de elaboração de políticas, são eles o político e o

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burocrata. O burocrata é movido unicamente pelo interesse de executar bem a sua

tarefa. Ele assume para si com verdadeiro ardor as tarefas atribuídas agindo de

modo racional e burocrático, independentemente do público a quem as atividades

são dirigidas. Em contraposição o político é aquele que assume e defende

interesses de maneira calorosa e apaixonante, sendo responsável pelas inovações e

pela liderança de muitos processos. Os dois papéis coexistem e são responsáveis

cada um ao seu modo pela materialização das políticas públicas.

Apesar do realce das diferenças entre os dois tipos com a intenção demarcar

suas especificidades, apenas no plano teórico, Reis chama a atenção para uma

possível flexibilidade na representação dos dois papéis ao afirmar que

[tanto] políticos como burocratas são ativos na condução das políticas públicas, mas aportando recursos diferentes: a contribuição dos políticos seria expressão predominante de interesses e, nesse sentido, preferências e valores seriam seu principal elemento. Por vez, a participação burocrática na elaboração de políticas seria fundada no conhecimento especializado, suprindo com fatos as postulações interessadas dos políticos (REIS, 1988, p. 4).

Seguindo o seu argumento a autora aponta a partir do estudo realizado por

Aberbach (1981), que fez uma análise comparativa entre políticos e burocratas em

alguns países, que existem ainda mais dois perfis que apontam uma confluência

entre políticos e burocratas. O terceiro perfil fundamenta sua ação no jogo de

interesses, os políticos pleiteiam interesses mais difusos enquanto que o burocrata é

movido por interesses mais específicos. O quarto grupo abriga uma tendência

híbrida com o inter-relacionamento de aspectos burocráticos e políticos.

É dentro deste quadro que chamamos atenção para a importância do

Movimento social Negro que sendo um movimento complexo e multifacetado

necessita de estudo específico que vá além das abordagens comumente adotadas

para os demais movimentos sociais (CUNHA, 2003, p. 13). Este movimento se fez

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presente de forma ativa e propositiva nos fatos desencadeados a partir da segunda

metade da década de noventa, momento em que “setores do Movimento Negro

defendem uma ação mais incisiva do governo federal no estabelecimento de

políticas públicas e sem a marca culturalista que muitas vezes prevalece no âmbito

do Estado quando se pensa no segmento negro” (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 19).

Em um livro organizado por Jaccoud e Beghin, o Ipea faz um mapeamento da

ação governamental empreendida no período de 1995 a 2001. Destaca a

importância do Movimento Negro, quando na década de 70 denuncia o mito da

democracia racial. Passa-se então um período cujo objetivo maior é convencer o

Estado e a sociedade brasileira que o racismo existe, ou seja, não se trata de um

fenômeno que acontece apenas na África do Sul e na América do Norte, revelando

que o racismo à brasileira difere em suas formas de manifestação, mas produz

resultados tão nefastos quanto os racismos prevalecentes naquelas regiões. Assim,

a questão racial passa a ocupar as agendas governamentais, não sem conflitos

como veremos mais a diante. Contudo, a questão que se que se coloca agora é

sobre quais são as maneiras mais viáveis para enfrentar a problemática do racismo.

As políticas de promoção da igualdade racial faz parte do que conhecemos

como políticas identitárias, que são políticas voltadas para identidades coletivas que

durante o processo de modernização capitalista foram postas a margem, não se

restringem, portanto, a identidade negra. No caso da sociedade brasileira as

demandas identitárias estão relacionadas a luta das mulheres pela igualdade de

direitos e pelo fim da violência; a luta em defesa da livre orientação sexual; a luta da

juventude por políticas específicas, entre outras segundo levantamento realizado por

Scherer-warren (2006), neste sentido podemos afirmar que

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As políticas de identidade e as políticas multiculturalistas são, pois, políticas de inclusão social, buscando corrigir as conseqüências da exclusão social que atinge grupos discriminados...O objetivo de estabelecer democracias multiculturais passou a fazer parte de uma tendência atual de políticas de desenvolvimento [a nível global] (SALES JÚNIOR, 2008, p. 136).

Assim, as políticas de identidade têm a sua importância na medida em que

revertem a lógica de opressão que subjuga estes grupos. Ela tem o poder de

ressignificar as identidades demandantes na medida em que também é

ressignificada por estas identidades. Contudo é preciso atentar que dentro da ótica

do Estado capitalista os problemas sociais e econômicos suscitados por estas

identidades geram demandas sob a forma de políticas públicas e estas são

utilizadas para regular a sociedade emergindo não apenas para garantir direitos,

mas também para desativar conflitos.

Neste contexto, as pressões da sociedade nacional e internacional vem

fazendo com que o Estado inclua na sua agenda políticas identitárias específicas

para a população negra. Silvério (2002), citando Hasenbalg (1992) diz que é

possível intervir de três maneiras na correção de distorções decorrentes do racismo:

a primeira diz respeito ao caminho jurídico com medidas punitivas para o crime de

racismo. A segunda é através das políticas de ações afirmativas, que consistiria no

tratamento preferencial com vistas a corrigir desigualdades. E a terceira são as

políticas não especificas racialmente que possui caráter redistributivo com

programas de “combate a pobreza nas suas raízes”. Isto por que, como afirmam

Jaccoud e Beghin (2002, p. 40),

As diferentes faces que assume a discriminação racial no Brasil, assim como os diferentes fenômenos aí envolvidos, têm indicado a necessidade de mobilizar não apenas um, mas sim um conjunto de instrumentos com vistas a promover o combate a discriminação e a integração do negro na sociedade brasileira.

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Já Munanga (1996) aponta que as lutas contra o racismo passam pela forma

de ação discursiva e prática. A primeira ocorre através do discurso produzido por

intelectuais que vem dedicando parte de suas vidas ao estudo da questão racial em

suas diversas formas de manifestação. A segunda se dá através da ação dos

militantes junto à esfera pública e entidades da sociedade civil, que se traduzem

através de programas, leis e ações educativas as mais diversas. Ele considera que

este esquema não é de fácil aplicabilidade devido à própria natureza do problema, o

racismo, um fenômeno complexo e de variabilidade no tempo e no espaço.

Acrescenta ainda que para combater o racismo antinegro no mundo atual é preciso

desconstruir a idéia de que este é um resíduo do passado escravista fadado a

desaparecer com a modernização. Pois, o que se observa é sua atualização,

assumindo novas configurações de acordo com os contextos. Desvendar estes

mecanismos e propor medidas eficazes para sua correção consiste no desafio para

cientistas preocupados com a erradicação das desigualdades.

O Ipea (2002), por sua vez, em uma publicação que objetivou mapear as

políticas voltadas para a população negra no período de 1995 a 2002, catalogou tais

políticas classificado-as de acordo com a sua finalidade, como: ações afirmativas,

políticas repressivas ou políticas valorizativas. As ações afirmativas visam combater

a discriminação indireta que se manifesta através de formas veladas que tem como

resultado a exclusão com conotação racial. As políticas repressivas utilizam o

aparato legal para reprimir a discriminação direta, visando punir o ato discriminatório.

Por fim, as ações valorizativas têm como finalidade a desconstrução de estereótipos

negativos historicamente construídos e consolidados no imaginário das pessoas.

São estes estereótipos e imagens depreciativas que alimentam os preconceitos e

racismos culminado em discriminação direta e indireta. Tais políticas têm como

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“objetivo afirmar o princípio da igualdade e da cidadania, reconhecer e valorizar a

pluralidade étnica que marca a sociedade brasileira e valorizar a comunidade afro-

brasileira” (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 43). Neste sentido as autoras apresentam

um quadro intitulado “os distintos fenômenos da desigualdade racial e as políticas

para enfrentá-los” que vale a pena reproduzir:

Quadro 3 – Fenômenos a serem enfrentados e políticas adequadas

Fenômeno a ser enfrentado

Descrição do fenômeno Tipo de política a ser

implementada

Descrição da Política

Racismo Conjunto de idéias e valores. Trata-se de uma ideologia que preconiza a hierarquização dos grupos humanos com base na etnicidade.

Preconceito Racial

Modos de ver certas pessoas ou grupos raciais. Predisposição negativa em face de um indivíduo, grupo ou instituição assentada em generalizações estigmatizadas sobre a raça a que é identificado.

Persuasiva ou Valorizativa

As políticas valorizativas ou persuasivas têm como objetivo reconhecer e valorizar a pluralidade étnica que marca a sociedade brasileira e valorizar a comunidade afro-brasileira,destacando tanto seu papel histórico como a sua contribuição contemporânea à construção nacional. Seu propósito é atingir não somente a população racialmente discriminada contribuindo para que ela possa reconhecer-se na história e na nação,mas toda a população, permitindo-lhe identificar-se em sua diversidade étnica e cultural.

Discriminação racial direta

Um comportamento, uma ação que prejudica explicitamente certa pessoa ou grupo de pessoas em decorrência de sua raça/cor.

Repressiva As políticas repressivas são baseadas na legislação criminal existente.

Discriminação racial indireta

Um comportamento, uma ação que prejudica de forma dissimulada certa pessoa ou grupo de pessoas em decorrência de sua raça ou cor. Discriminação não manifesta, oculta, oriunda de práticas sociais administrativas, empresariais ou de políticas públicas. Trata-se da forma mais perversa de discriminação, pois advém de mecanismos societais ocultos pela maioria.

Afirmativa As políticas afirmativas têm por objetivo garantir a oportunidade de acesso dos grupos discriminados, ampliando sua participação em diferentes setores da vida econômica, política, institucional, cultural e social. Elas se caracterizam por serem temporárias e por serem focalizadas no grupo discriminado; ou seja por dispensarem, num

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determinado prazo, um tratamento diferenciado e favorável com vistas a reverter um quadro histórico de discriminação e exclusão.

Fonte: Desigualdades Raciais no Brasil, um balanço da ação governamental, Ipea, 2002.

O quadro mostra um conjunto de ações destinadas a fenômenos distintos que

coexistem nas relações sociais brasileiras. No conjunto observado ressaltamos a

definição de discriminação racial indireta por conter elementos que pertencem ao

conceito de racismo institucional. Silvério (2002), citando Guimarães (1999), afirma

que é por volta da década de 60 que as análises das desigualdades raciais

começam a tirar o foco do racismo enquanto discriminação e preconceito individuais

para ater-se ao “esquema interpretativo” que ficou conhecido como racismo

institucional, onde “há mecanismos de discriminação inscritos na operação do

sistema social e que funcionam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos”

(GUIMARÃES, 1999 apud SILVÉRIO, 2002, p. 156). O racismo institucional passa

então a ganhar centralidade no debate sobre a discriminação racial ensejando a

criação do Programa de Combate ao Racismo Institucional/PCRI, pelo PNUD

desenvolvido em Recife e em Salvador. O programa adotou o conceito de racismo

institucional de acordo com (SALES JÚNIOR, 2007)

Como o fracasso coletivo de uma organização ou instituição em prover um serviço profissional adequado às pessoas por causa da sua cor, cultura ou origem étnica, podendo ser detectado em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente, ignorância, falta de atenção ou de estereótipos racistas que coloquem minorias étnicas em desvantagens (p. 140).

Neste sentido as ações de combate ao racismo institucional incluem tanto

políticas de ações afirmativas, voltadas diretamente para o grupo étnico

discriminado, como também ações universalistas de melhorias dos serviços públicos

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de atendimento a saúde, educação, previdência social e emprego atingindo o

conjunto da sociedade e consequentemente a população negra.

No que se refere às ações afirmativas o exemplo mais emblemático é o caso

das cotas para estudantes negros e indígenas nas universidades públicas. Debate

polêmico que se expandiu na sociedade devido à cobertura dada pelos meios de

comunicação. No que se refere às políticas repressivas foram criados com o apoio

do governo serviços como o SOS racismo, delegacias específicas, além do próprio

código penal, através da lei n. 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que põe o racismo

como crime e não mais como contravenção. No que se refere às políticas

valorizativas podemos citar como exemplo a lei 10.639/03, o incentivo a produção de

filmes e documentários que retratam a cultura dos afro-brasileiros e os trabalhos de

valorização e reconstituição histórica dos terreiros de candomblé e de todo acervo

cultural do povo negro.

Para compreendermos melhor as políticas voltadas para o combate a

discriminação racial é preciso incorporarmos também as contribuições do documento

Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, instituído pelo decreto 4.886, de

20 de novembro de 2003, que será objeto de uma análise mais detalhada no

capítulo seguinte. Neste documento a política voltada para a população negra deve

ser embasada nos princípios da transversalidade, da descentralização e da

democracia. A transversalidade implica que para tratar de um fenômeno

multifacetado como o racismo é preciso desenvolver políticas em todos os setores. A

descentralização implica que todos os entes federativos devem se unir num esforço

conjunto para desenvolver estas políticas. A democratização implica na ampliação

dos mecanismos de participação da sociedade que é vista como imprescindível. O

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documento também coloca a importância destas políticas estarem sendo avaliadas e

acompanhadas permanentemente.

A tipologia das políticas voltadas para a população negra apontada por

Hasenbalg (1992), de acordo com Silvério (2002) não inclui as políticas valorizativas

e coloca ao lado das políticas repressivas e de ações afirmativas as políticas

redistributivas que geram impactos e melhoria de vida para toda a população.

Apesar da ausência de vontade política, e do tempo ser mais longo, no caso das

correções das desigualdades via políticas universalistas é fundamental e importante

que na luta em prol de políticas específicas não se perca o horizonte das lutas em

prol de melhorias universais, senão caímos na armadilha das políticas afirmativas

servirem unicamente para desativar conflitos não resultando em transformações de

fato, nem na reversão da exclusão social que atinge a todos. Sabemos que as

políticas universalistas não são suficientes para resolver a discriminação e o

racismo, estes necessitam sim, de políticas específicas, contudo se faz necessário

articular as lutas. Sobre a importância das políticas afirmativas conjugada com

outras políticas de desenvolvimento Zoninstein e Feres Júnior (2006, p. 21),

afirmam:

A qualidade das instituições de governança e, particularmente a habilidade maior de indivíduos e grupos sociais e étnicos distintos de participar publicamente do processo democrático de definição de prioridades políticas, econômicas e culturais podem constituir um feedback de sustentação de políticas necessárias ao crescimento econômico com redistribuição.

Neste debate as ações afirmativas ganham centralidade, por propor uma

lógica capaz de reverter as desigualdades dando preferência uma parcela da

população que sempre foi subtraída da partilha dos bens sociais, sendo reduzida

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inclusive a categoria de não humanos. Desse modo se faz necessário desvelar

alguns termos que estão por trás de tal conceito.

A noção de ação afirmativa põe em xeque a definição de igualdade jurídico-

formal cunhada pelo ideário liberal. Neste plano a igualdade perante a lei significa

que a lei genérica e abstrata deve ser igual para todos “sem qualquer distinção ou

privilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir de forma neutra sobre as instituições

jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais” (GOMES, 2003, p. 18) O

princípio da igualdade perante a lei juntamente com a noção de neutralidade do

Estado fazem parte do ideário liberal e funcionam como garantia da realização da

liberdade. Contudo, tais princípios começaram a ser questionados chegando-se a

conclusão de que consistem em uma ficção, pois no contexto da modernidade

republicana, assentada nas noções de um Estado homogêneo, calcando-se

portanto, a partir da negação da diversidade o que se busca, na verdade, é uma

igualdade de condições considerando que na estrutura social vigente parte-se de

posições diferenciadas. Assim, Gomes (2003, p. 19), assinala que,

Em lugar da concepção “estática” da igualdade extraída das revoluções francesa e americana, cuida-se nos dias atuais de se consolidar a noção de igualdade material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e a abstração da concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda, inversamente, uma noção “dinâmica”, “militante” de desigualdade, na qual, necessariamente,são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas na própria sociedade (grifos do autor).

Dentro desta perspectiva, ainda de acordo com Gomes (2003), o indivíduo

concreto será alvo de políticas sociais que objetivam materializar o princípio da

igualdade substancial. Neste sentido, o Estado abandona sua posição de

“neutralidade”, de “espectador” e passa a atuar positivamente na elaboração e

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implementação de políticas voltadas para corrigir as distorções decorrentes do

racismo antinegro.

Assim, as ações afirmativas se figuram como um conjunto de políticas

públicas ou privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário que objetivam

combater a discriminação racial, assim como combater os efeitos da discriminação

praticada no passado. Deste modo possui o triplo objetivo de coibir a discriminação

no presente, combater seus efeitos persistentes e implantar a diversidade incluindo

nos espaços de prestigio social e de poder grupos étnicos que sistematicamente

vem sendo impedidos de alçar tais posições.

3.4 As políticas de promoção da igualdade racial e a educação

Nos últimos anos o setor educacional tem sido alvo de diversas políticas que

trazem a questão racial como eixo. Isto se deve por causa de duas compreensões: a

primeira delas é a de que a educação tem um papel preponderante na reversão do

racismo e na desconstrução de estereótipos e preconceitos. É fato aceito entre

todos que o racismo não tem o seu nascedouro na escola, mas esta tem sido

utilizada para legitimar concepções e ideologias, dentre elas o racismo. Assim, a

educação que durante muito tempo serviu como veículo de propagação do racismo,

hoje é convidada a combatê-lo.

A segunda compreensão é a de que a escola é o mecanismo de mobilidade

social capaz de incluir os que foram postos as margens, pelo processo de

modernização e capitalismo fundamentado no racismo.

As políticas de promoção da igualdade racial no setor educacional ocorrem

dentro da perspectiva das políticas de ações afirmativas e das políticas valorizativas.

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No primeiro caso a proposta mais conhecida é a de reserva de vagas para

estudantes negros no ensino superior, as cotas. No segundo caso é ressaltada a

centralidade da esfera educativa, uma vez que a lei 10.639/03 instituiu como

obrigatórios o Ensino de História e Cultura Negra nos estabelecimentos de ensino da

Educação Básica. A educação assume, nesse contexto, uma importância

estratégica. A educação formal e não formal tem sido consideradas o lócus

privilegiado da ação tanto de continuidade do racismo como da reversão deste.

Uma das funções da educação é transmissão da cultura. Em sociedades como a nossa, a educação é um instrumento ideológico do racismo. A compreensão e constatação ampla desse significado, pelos movimentos negros, a partir da década de 70, levou à elaboração de diversas estratégias, a diversos níveis da cadeia educacional, abrangendo a educação formal e não formal (CUNHA, 1996, p. 150).

A continuidade ocorre através da omissão, dos materiais didáticos, da

ausência de uma proposta pedagógica comprometida com a questão racial e do

despreparo dos profissionais da educação. A ação transformadora, por sua vez, se

concretiza através de uma educação de qualidade que valoriza a identidade

afrodescendente, combate o racismo e contribui para a desconstrução dos

estereótipos negativizados da África e da população negra.

As políticas no setor educacional dentro da perspectiva valorizativa se

caracterizam como políticas de formação inicial e continuada de professore/as; de

reestruturação curricular com a inserção de conteúdos que ficam estabelecidos com

a lei 10.639/03; análise e produção de material pedagógico como livros didáticos,

paradidáticos, jogos, mapas, CD´s, DVD´s, etc.; de valorização dos profissionais da

educação, que em muitas realidades possuem um alto percentual de pessoas

negras; de melhoria da qualidade do ensino ofertado para todos, com reestruturação

do parque escolar, aquisição de materiais e mobília adequadas. O estudante, o

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educador e educadora negros e negras devem ver sua história valorizada e

respeitada tanto no passado através da sua ancestralidade que revela a cultura, a

luta, a ciência e a resistência, quanto no presente com uma vida digna desfrutando

de uma educação de qualidade.

3.5 Políticas de promoção da igualdade racial no âmbito educacional:

historiando o processo de formulação da agenda pública

Inicialmente percebemos que a política local era fortemente influenciada pelo

desenho institucional que ora se desenhava no âmbito do governo federal, sendo

necessário compreender a nossa história a luz dos fatos desencadeados a partir

desta esfera. Para tanto, optamos por realizar análise de documentos de nível

federal e municipal com o objetivo de historiar o processo e compreender as

categorias temas elegidas. Em seguida nos debruçamos sobre a realidade local a

partir do mapeamento das instâncias administrativas no âmbito da Secretaria

Municipal de Educação e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança

Cidadã responsáveis por elaborar e implementar políticas de promoção da igualdade

racial através da Diretoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Utilizamos diversas fontes, instrumentos e métodos que nos permitiu coletar

uma série de informações que agora serão apresentadas. No primeiro e no segundo

tópico nos utilizamos de depoimentos de alguns colaboradores e da consulta a

textos e relatórios oficiais públicos e de circulação interna para compor o que

denominamos de contextualização nacional e municipal da construção da agenda

das políticas de promoção da igualdade racial. No terceiro tópico, nos voltamos para

os dados estatísticos que revelam o quanto ainda precisa ser feito no que se refere a

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promoção dos direitos da população negra. No quarto tópico realizamos a análise do

marco legal a partir do qual foram criadas algumas instituições tanto na esfera

federal como municipal. A criação dessas instituições foi o que permitiu a articulação

com os demais setores, a formulação, implementação e acompanhamento de

políticas voltadas para a população negra.

3.5.1 Construindo uma Proposta Para as Políticas de Promoção da Igualdade

Racial, os antecedentes na esfera federal

Durante anos assistimos a omissão do Estado frente as demandas históricas

da população negra. De outra parte também vemos o seu empenho em levar adiante

políticas racistas que colocam em desvantagens a população afrodescendente que

ao longo dos séculos vem sendo escamoteada do acesso aos bens sociais, sendo

vítima da discriminação e do racismo institucional.

Contudo, na última década assistimos a uma mudança de postura do Estado

que reconhece a existência do racismo, a partir desse reconhecimento desencadeia-

se uma série de ações que aos poucos vai esboçando aquilo que chamamos de

“políticas de promoção da igualdade racial”.

No bojo das lutas, resistências e conquistas e frustrações que população

negra vem vivenciando, destaca-se, como já mencionamos, a importância e o papel

do Movimento Social Negro. O mais antigo movimento social do país datando-se a

sua atuação desde a época da escravatura no século XVI. Não podemos esquecer

também dentro da esfera acadêmica as contribuições a partir da segunda metade do

século XX dos trabalhos de Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Florestan Fernandes,

Lélia Gonzalez, Otávio Ianni, Roger Bastide entre outros pesquisadores que

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contribuíram para o redimensionamento da questão racial no Brasil. Segundo

levantamento realizado por Jaccoud e Beghin (2002, p. 19) a partir dos anos 90

setores do Movimento Negro reivindicam uma ações mais concretas do governo

federal no estabelecimento de políticas públicas “sem a marca culturalista que

muitas vezes prevalece no âmbito do Estado quando se pensa no segmento negro”.

Um momento marcante desta história foi a “Marcha Zumbi dos Palmares,

contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida”, realizada em 20 de novembro de 1995.

Os organizadores do evento entregam ao Presidente da República um documento

relatando a situação do negro e apresentando um plano de ação de combate ao

racismo. Na mesma data é criado o Grupo de Trabalho Interministerial de

Valorização da População Negra, GTI População Negra, ligado ao Ministério da

Justiça. Em 1996, é lançado pelo Ministério da Justiça o I Programa Nacional dos

Direitos Humanos (I PNDH) que contém um tópico especifico para a população

negra. O GTI População Negra é composto por representantes da sociedade civil e

por representantes do governo, organizando-se em torno de dezesseis áreas que

tratam desde a questão quesito cor, passando por questões estratégicas como

emprego, educação e terra (remanescentes de quilombos) e mais esporte, cultura,

relações internacionais, comunicação, mulher negra, racismo e violência, saúde,

religião, ações afirmativas, legislação, estudos e pesquisas e assuntos estratégicos.

A composição do GT (Grupo de Trabalho) subdividido em áreas que contemplam

uma diversidade de questões afirma o princípio da transversalidade destas políticas

mantido até hoje.

Ganha destaque também outras ações realizadas a partir da segunda metade

dos anos 90, como a parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT)

através de programa para a implementação da Convenção 111 datada de 1958, que

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tem como objetivo a execução de políticas de combate ao racismo e a discriminação

no trabalho e emprego e o lançamento do programa Brasil Gênero e Raça em 1997.

Também foi na década de 90 que Zumbi dos Palmares foi reconhecido como Herói

Nacional, tendo seu nome escrito no Pantheon dos Heróis Nacionais.15

A partir de 2000, houve uma grande mobilização nacional em torno dos

preparativos para a participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o

Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, promovida pela

ONU e realizada em Durban, na África do Sul. Neste sentido, são realizadas em

todo país pré-conferências promovidas tanto pela Fundação Cultural Palmares16

como pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Em julho de 2001, no Rio de

Janeiro é realizada a Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância com a

participação de 1.700 representantes dos Estados e Municípios e em agosto deste

mesmo ano acontece a Conferência de Durban, que contou com uma delegação

brasileira de cerca de 600 participantes que levou para a Conferencia um documento

contendo vinte e três propostas destinadas a promoção dos direitos da população

negra nos campos da educação, trabalho, titulação das terras e o estabelecimento

de uma política agrícola e de desenvolvimento de comunidades quilombolas.

O Brasil retorna de Durban como signatário da Declaração e do Plano de

Ação resultantes desta conferência. Neste período é criado através de decreto

presidencial o Conselho Nacional de Combate a Discriminação (CNCD), ligado a

Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. O conselho tem

como atribuição o incentivo a elaboração de políticas afirmativas de promoção da

15 Monumento em Brasília que contava apenas com o nome de Tiradentes. 16 A Fundação Cultural Palmares foi criada em 1988, como fruto dos processos de discussão sobre o

racismo no Brasil por ocasião da constituinte. Sua criação trouxe significativo avanço e contribuição para a discussão da problemática racial, contudo expressa a ótica culturalista que permeia o imaginário brasileiro ao se tratar da questão racial.

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igualdade e de proteção dos direitos de indivíduos ou grupos étnicos historicamente

discriminados.

Além dessas ações várias discussões passaram a fazer parte da pauta

parlamentar e dos movimentos sociais como o PL nº 3.198 de 2000 de autoria do

então deputado Paulo Paim, que institui o Estatuto da Igualdade Racial o que gerou

a instalação de uma Comissão Especial para a análise do projeto e a realização de

várias audiências públicas.

O Estatuto tem como objetivo fixado em seu 1º artigo “combater a

discriminação racial e as desigualdades raciais que atingem os afro-brasileiros,

incluindo a dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado17”.

Segundo Sales Júnior (2007), o documento se constitui como um esforço de

superação das dificuldades no que se refere a elaboração de leis anti-racistas, além

disso, apresenta a vantagem de integrar num único documento tanto políticas de

promoção da igualdade racial como propostas de sansão legal à discriminação.

Em 2002, é lançado o II PNHD que amplia as metas fixadas no plano anterior

no que se refere à valorização da população negra e consagra o uso do termo

“afrodescendência”. As ações propostas dizem respeito à educação, cultura, justiça

e trabalho. A partir do reconhecimento dos males causados pela escravidão,

considerada crime contra humanidade, o documento propõe a adoção de medidas

compensatórias para combater seus efeitos visíveis até hoje. Neste sentido, nas

comemorações do aniversário da Abolição no ano de 2002, é criado através de

decreto presidencial o Programa Nacional de Ações Afirmativas, sob a coordenação

da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. O programa

contempla não somente os afrodescendentes, mas também as mulheres e os

17 Como assinala Sales (2007), apesar de intitular-se como “Estatuto da Igualdade Racial”, o

documento contempla apenas questões relativas a população negra.

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portadores de necessidades especiais. Apesar de seu amplo potencial, o programa

não chegou a ser concretizado, pois foi anunciado no final do governo não tendo

verba para ser levado adiante.

Através da Medida Provisória n. 63 de 26.08.2002 é criado o Programa

Diversidade na Universidade que tem a finalidade de programar e avaliar estratégias

para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos

socialmente desfavorecidos, especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas

brasileiros. As primeiras universidades a implantar o sistema de cotas foram a

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro – PUC, e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade

Federal da Bahia, Universidade Federal de Alagoas e Universidade de Brasília.

A partir desse momento a questão das cotas raciais para ingresso nas

universidades passa a tomar a atenção dos veículos de comunicação de grande

circulação nacional, nem sempre preocupados em informar e apresentar diferentes

pontos de vista, tendo claramente uma postura tendenciosa, mostrando o quanto

este setor encontra-se sob a hegemonia de uma elite racista e pouco preocupada

com a questão da desigualdade racial.

No cenário das transformações sociais a que assistimos com a globalização é

cada vez maior o processo de mundialização dos direitos e das lutas para a garantia

destes. É reconhecido o papel dos organismos internacionais, das conferências e

acordos nos quais o Brasil se coloca como signatário, desde a Declaração Universal

dos Direitos Humanos a uma série de outros acordos internacionais que são

reconhecidos: como a Convenção 111 da Organização Internacional do

Trabalho/1958; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/1966; o Pacto

Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais/1966; a Convenção

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Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial/1968

e mais recentemente, a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação

Racial, a Xenofobia e as Formas Correlatas de Intolerância que se realizou Durban,

África do Sul/2001. Neste sentido, Cohen (2003) aponta que o conceito de

sociedade civil globalizou-se, ampliou-se, banalizou-se, uma vez que os problemas

mundiais põem em cheque o controle dos Estados Nacionais, colocando em dúvida

a soberania popular, já que as ações deste Estado contextualizadas dentro do

território nacional e as questões postas estão além do nacional. O autor coloca a

idéia de uma sociedade civil mundial, de escala global, onde os movimentos sociais

são globais com temáticas globais, que poderia compensar o déficit democrático da

nova ordem mundial.

As mudanças continuam acontecendo no cenário local no que se refere ao

esboço de uma política voltada para a população negra, vemos aos poucos a

materialização de algumas propostas, o período que se segue é bastante revelador

neste sentido.

A partir do primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

em 2003, o país assiste a consolidação de uma série de reivindicações que se

constituíam bandeiras históricas do Movimento Negro, e não apenas deste, mas de

vários outros movimentos que historicamente vem lutando contra as desigualdades

e pela justiça social hasteado a bandeira da “esquerda”.

Isto mostra o intercâmbio do Partido dos Trabalhadores com os diversos

movimentos sociais, fato considerado positivo por parte de alguns e preocupante por

parte de outros. Logo no primeiro mês do governo petista é aprovada a lei

10.639/03, que institui como obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e

Afro-Brasileira em escolas públicas e privadas da Educação Básica.

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A aprovação da referida lei desencadeou uma série de ações nos sistemas de

ensino dos diversos Estados e Municípios da Federação. Esta sem dúvida é uma

das razões e motivação de uma série de estudos como este. Ainda no primeiro

semestre deste mesmo ano é criada no dia 21 de março a Secretaria Especial de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial juntamente com Conselho Nacional de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial através da medida provisória n.111. Esta

data foi escolhida por ter sido instituída pela ONU como Dia Internacional de

Combate a Discriminação Racial, mais tarde a MP111, transformou-se na lei 10.678,

de 23 de maio de 2003.

No dia 20 de novembro de 2003, é instituída através do decreto n. 4.886 a

Política Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR) que sob a

coordenação e monitoramento da SEPPIR busca inserir ações concretas de

combate ao racismo em todas as políticas públicas.

No setor saúde, foram definidas prioridades no que se refere à saúde da

população negra, passou-se a observar a inclusão do quesito cor, como forma de

mapear a quantificar as incidências de determinadas doenças na população negra.

Foi realizado o I Seminário Nacional de Saúde da População Negra, em agosto de

2004, sendo criado neste mesmo período o Comitê Técnico de Saúde da População

Negra no Ministério da Saúde.

No setor educação, algumas ações começam a serem realizadas com a

aprovação da lei 10.639/03, que institui como obrigatório o ensino de história e

cultura africana e afro-brasileira nas escolas de Educação Básica públicas e

privadas. Em 2004, o Conselho Nacional de Educação lança a Resolução n. 1 de 17

de junho que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das

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Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-

Brasileira.

Mais recentemente foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial através

de portaria conjunta do MEC/MJ/Seppir n. 605 de 20 de maio de 2008. Tal grupo

teve como objetivo desenvolver uma proposta para um plano nacional para a

implementação efetiva da lei 10.639/03, em todo território nacional. A dinâmica

dotada foi a realização de uma série de encontros regionais finalizando com um

encontro nacional que ocorreu em Brasília no mês de julho de 2008, resultando no

documento “Contribuições para a implementação da Lei 10.639/03” UNESCO

(2008), este documento sofreu alterações no âmbito da Secad/Mec e foi lançada a

proposta final no dia 13 de Maio de 2009.

Com o objetivo de discutir e traçar uma política articulada de promoção da

igualdade racial foi realizado a I Conferência de Promoção da Igualdade Racial (1ª

CONAPIR) que além do segmento negro reuni representantes de diversos grupos

historicamente discriminados como judeus, ciganos, palestinos e indígenas vindos

de todos os Estados da Federação, a sociedade civil é convocada para discutir e

formular políticas juntamente com o Estado. A CONAPIR é realizada em 2005, ano

instituído como “Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial”.

Para que se chegasse a Conferência nacional, foram realizadas conferências

municipais, estaduais e regionais com a elaboração de propostas e escolha de

representantes para participar da I CONAPIR. Como eixo articulador das discussões

foram elencados os seguintes temas: a) trabalho e desenvolvimento econômico da

população negra; b) educação; c) saúde; d) diversidade cultural; e) direitos humanos

e segurança pública; f) comunidades remanescentes de quilombo; g) população

indígena; h) juventude negra; i) mulher negra; j) religiões de matriz africana e

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comunidades de terreiro; l) fortalecimento das organizações anti-racismo; m) política

internacional.

Nota-se que os temas da 1ª CONAPIR, são praticamente os mesmos que

faziam parte das discussões do GTI População Negra criado no governo de

Fernando Henrique Cardoso, exclui-se os temas estudos e pesquisas e assuntos

estratégicos, quesito cor, esportes, ações afirmativas e acrescenta-se a questão da

população indígena, da juventude negra, dos direitos humanos e da segurança

pública. A permanência, a exclusão e o acréscimo de determinadas temáticas nas

discussões ao longo dos anos se devem a mudanças no contexto social e na forma

de compreender e de correlacionar tais questões. Contudo, a permanência de

temáticas como trabalho, economia, educação também sinaliza a não resolução dos

dilemas e problemas a elas relacionados.

Os acontecimentos retratados de maneira breve, sobretudo com a criação da

SEPPIR e com a instituição da PNPIR, revelam o processo em curso de

institucionalização no âmbito da administração pública das demandas da população

negra. Isto não significa que tais ações tenham impactos imediatos nas condições

de vida desta população. Trabalhar numa estrutura profundamente racista para

reverter à lógica do racismo institucional é grande desafio que está posto. A luz do

que vem acontecendo na esfera federal foram realizadas diversas ações em nível

local, foco do nosso interesse que passamos a retratar nas páginas que se seguem.

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3.5.2 Construindo uma Proposta Para a Educação das Relações Étnico-Raciais

na Cidade do Recife

No que se refere à realidade local realizamos o mapeamento das ações

empreendidas apenas no âmbito educacional. Neste sentido, consideramos

importante refazer o percurso histórico da introdução da temática das relações

étnico-raciais no discurso do executivo municipal, para tanto, analisamos o período

delimitado para a pesquisa que compreende o período de 2005 a 2008. Isto não

significa que não havia ações nem debate, ainda que bastante insipientes nos anos

anteriores.

Inicialmente é importante destacar que na década de 80, indo além do

período delimitado para a pesquisa, ocorreu a primeira caminhada na cidade de

Recife com estudantes de escolas públicas de alguns municípios do estado.

Segundo nos relata um dos colaboradores no ano de 1988, houve uma grande

mobilização devido as comemorações do centenário da abolição da escravatura.

Indo de encontro a institucionalização do 13 de maio, a caminhada “Escolas de

Pernambuco descobrindo-se negras” ocorreu no dia 20 de novembro e foi precedida

de um seminário para a discussão da temática realizado em 1987. A caminhada foi

retomada a partir do ano de 2006, desta vez apenas com escolas do Sistema

Municipal de Educação da cidade do Recife.

Além disso, é importante lembrar que a lei orgânica do município,18

promulgada em 1990, pontua a intenção de introduzir na agenda das políticas

públicas municipais o recorte étnico-racial como é possível verificar:

18 Lei promulgada em 04 de abril de 1990.

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Art. 138: o Município promoverá a pesquisa, a difusão e o ensino de disciplinas relativas à cultura afro-brasileira, indígena e outras vertentes, nas escolas públicas municipais.

O interessante é que este artigo integra o capítulo XVIII da lei, intitulado “Da

Política da Cultura”, o qual faz parte do Título V que trata do Desenvolvimento

Urbano e das Políticas Públicas Municipais. Parece-nos que o referido artigo está

localizado erroneamente, pois trata de questões relativas à educação, mas se

encontra no capítulo da cultura. Esta lógica parece acompanhar o que acontece

nacionalmente já que no ano anterior foi criada a Fundação Cultural Palmares que

como já mencionamos, apesar de sua importância, expressa uma lógica culturalista

ao tratar da questão racial.

Estes fatos ocorridos na esfera municipal são influenciados pelo que acontece

no âmbito federal, tendência que se repete ao longo dos anos como será apontado

posteriormente. O intervalo de tempo transcorrido entre 1995 a 2003, não significa

um período infértil nas ações e discussões a respeito das desigualdades raciais,

contudo percebe-se que foi um período predominantemente marcado pelo estudo,

pelo planejamento de ações e pela rearticulação do Movimento Negro local, que

teve um novo impulso com a eleição para o executivo municipal de um candidato

oriundo dos meios populares.

Neste período e até os dias atuais destacamos a importância das pesquisas

acadêmicas sobre a temática (SILVA, 2000; OLIVEIRA, 2006; SILVA, 2006, SILVA,

2005). Isto mostra a gradual inserção da temática no meio acadêmico e o fato desta

ser realizada na maioria dos casos por pesquisadores e pesquisadoras negras. Esta

tendência continua a crescer com a existência de um grande número de trabalhos

de conclusão de curso sobre a temática e com o ingresso de um número cada vez

maior de mestrandos e doutorandos que se debruçam sobre a questão.

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Há também que considerar as ações realizadas por instituições da sociedade

civil como as diversas mobilizações do MNU (Movimento Negro Unificado) no centro

e na periferia, as ações realizadas pela Djumbay19, entre outras instituições que

tematizam a questão racial.

Com a eleição para o executivo do município de um prefeito de um partido de

base popular, o prefeito petista João Paulo, que iniciou seu primeiro mandato em

2001, sendo atualmente o terceiro mandato do partido a frente do município, as

mobilizações populares e as reivindicações dos movimentos sociais existentes na

cidade ganharam novo fôlego.

Este período é fortemente marcado pelo intenso debate destes movimentos

com a Prefeitura que convoca as organizações ligadas à discussão de gênero,

juventude, cultura, negros e negras, diversidade sexual, movimentos em defesa da

criança e do adolescente, entre outras, para juntos elaborar algumas ações. Ou seja,

é cada vez maior a interação entre a sociedade civil e o governo municipal, através

da criação de mecanismos de participação popular como os fóruns temáticos e o

orçamento participativo. Neste período são criados diversos GT´s, fóruns

permanentes e conselhos, como por exemplo, o Conselho Municipal de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial criado em 2007, através da lei nº 17.311 (anexo 3).

A ausência de documentos municipais que tratem da educação das relações

étnico-raciais já é percebida há algum tempo. Em seu trabalho A questão étnico-

racial na sala de aula: a percepção das professoras negras, Claudilene Silva (2006),

analisa uma publicação da SEEL composta por uma coletânea de textos de autores

distintos, a publicação Ciclos de Aprendizagem – Olhares sobre as práticas nas

escolas municipais – Leituras Complementares (2004). 19 Organização não governamental que existe a mais de 20 anos realizando ações, tanto na capital

como no interior em áreas como a valorização da cultura afro-brasileira, o apoio a comunidades remanescentes de quilombos e a produção de conhecimento.

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Através de um de seus artigos intitulado A (in) visibilidade da violência

simbólica na estrutura escolar seriada como uma das possíveis explicações causais

da violência contemporânea e da exclusão social20, Segundo Silva no artigo citado,

A leitura da desigualdade racial aparece relacionada apenas à disparidade do acesso ao ensino superior entre negros e brancos. Segundo a autora, de acordo com dados do Censo de 2000 divulgados pelo MEC, existe uma diferença de 160% entre os dois grupos. A dimensão étnico-racial não aparece, por exemplo, nas reflexões sobre a defasagem idade-série e sobre a repetência de crianças e adolescentes (SILVA, 2006, p. 01).

Outra iniciativa interessante foi a escolha de Dona Santa21 como

homenageada do ano letivo de 2004. Apesar desta merecida homenagem a

temática não foi tratada em sala de aula, não havendo subsídios por parte da SEEL

(Secretaria de Educação Esporte e Lazer) para que tal acontecesse, haja vista que

nos documentos publicados durante o ano não se fazia nenhuma referência a

homenageada. Este fato entre outras coisas leva Silva (2006) a afirmar que,

Tais fatos se tornam relevantes para a afirmação de que existe uma resistência ou uma dificuldade oficial em tornar essa preocupação debate permanente no espaço escolar. Embora encontremos indícios de uma predisposição a responder a demanda de valorização da dimensão étnico-racial na sala de aula, também encontramos vestígios da superficialidade e precariedade com que a questão vem sendo tratada historicamente (SILVA, 2006, p. 03).

Ainda em 2004, o contexto da administração municipal começa a se

modificar no que se refere à discussão sobre a questão racial. Destacamos como

fato marcante a adesão da Prefeitura do Recife ao Programa de Combate ao

Racismo Institucional.

20 De autoria de Nadja Veloso Sampaio Barbosa. 21 Yalorixá já falecida que foi rainha do Maracatu mais antigo do Estado, o maracatu Elefante fundado

a mais de cem anos.

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120

A partir da constatação da profunda desigualdade baseada em raça e etnia

existente no Brasil, e em especial na região Nordeste, as cidades de Recife e

Salvador são escolhidas para participar do programa por apresentarem um grande

índice de desigualdade racial.

O Programa tem como principal objetivo desenvolver na administração

pública a capacidade de identificação e realização de ações de prevenção do

racismo institucional, estimulando a participação das organizações da sociedade civil

no debate sobre políticas públicas racialmente eqüitativas.

A definição do que vem a ser racismo institucional e as ações empreendidas

pelo programa no Recife constituem-se fundamentais para o aprofundamento das

discussões e para a constituição de uma agenda municipal de políticas intersetoriais

voltadas para o enfrentamento do racismo.

De acordo com depoimentos coletados durante a pesquisa, para implantação

do PCRI havia uma equipe formada por representantes de todas as secretarias e

cada secretaria tinha sua própria equipe. Assim a construção das propostas de

intervenção deu-se em momentos onde o conjunto das secretarias planejava

coletivamente e em momentos onde cada secretaria discutia e elaborava um plano

de ação setorial.

Neste sentido, houve diversas reuniões e seminários ao longo do ano de

2004, onde além dos representantes das secretarias participavam representantes

dos movimentos sociais e o Ministério Público de Pernambuco que formou o GT

Racismo.

Porém, as primeiras ações estendidas ao grande público só começaram a

acontecer no ano de 2005. Assim, a partir do aporte e das discussões realizadas

pelo PCRI as secretarias elaboraram planos de ação e começou-se a desenhar no

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âmbito municipal, ainda que de forma muito insipiente a agenda de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial.

No setorial educação foi constatado que havia um desconhecimento por parte

dos educadores/as a respeito da lei 10.639/03 e como conseqüência a sua

efetivação se dava de forma pontual, não havendo um levantamento das

experiências educativas que abordavam a questão das relações étnico-raciais.

Como resposta a esta constatação as ações planejadas inicialmente giravam

em torno da divulgação da lei 10.639/03. Isto se deu através de seminários, de um

quiosque com material de divulgação na formação continuada coletiva de fevereiro

de 2005, com a oferta de oficinas no horário intermediário da formação continuada

do mês de julho deste mesmo ano. Ou seja, as oficinas foram ministradas no

intervalo entre os turnos da manhã e da tarde aproximadamente às 13h com uma

hora de duração.

O PCRI ficou como parceiro de um evento organizado pela secretaria eu acho que foi a formação dos professores em fevereiro, foi aquele grande cenário que é a formação da rede aquela formação bem ampla que todos os professores participam inicialmente no ano letivo e a gente teve um quiosque que a gente divulgou o material em 2005, foi em fevereiro de 2005 formação continuada aquele grande encontro, mas aí foi uma coisa assim e a gente fez, assim foi uma coisa bem simplesinha ... No segundo semestre a gente fez outra ação que também foi a título assim de coisa bem pequena, na formação continuada, que foi várias oficinas assim tipo intermediárias, horário intermediário ... então foram assim onde aconteceu ações diversas a gente conseguiu pontuar nesse horário intermediário (Bernadete, grifos nosso).

Foram nestes momentos que muitos educadores/as tomaram conhecimento

sobre a lei 10.639/03, e alguns tiveram seu primeiro contato com a temática da

educação das relações étnico-raciais.

Todos os nomes dos colaboradores são fictícios.

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122

Como foi detectado que os educadores/as além de desconhecerem a lei

10.639/03, não possuíam saberes necessários para a sua programação, foi

realizado o Curso de História e Cultura Afro-Brasileira: Promovendo a Equidade

Racial na Educação. O curso teve duração de 45 horas sendo ministrado em cinco

módulos. As ementas e a metodologia do curso foram construídas pela equipe base

do PCRI e com a consultoria do CEAFRO (Profissionalização e Educação para a

Igualdade Racial e de Gênero).

Segundo o Relatório de Ações Desenvolvidas pela Secretaria de Educação,

Esporte e Lazer, o curso foi considerado oportuno e proveitoso pelos seus

participantes e formadores, sendo necessário abrir uma nova turma no ano seguinte,

assim em suas duas versões o curso contou com 250 educadores/as participantes.

Contudo, alguns entraves são apontados. O primeiro deles diz respeito ao não

envolvimento da Gerência de formação continuada, instância administrativa

responsável por organizar e dá apoio logístico às formações continuadas

promovidas pela RME, como conseqüência disto a divulgação do curso não atingiu o

esperado e não houve o apoio comumente ofertado em outras formações como vale

transporte, alimentação e brinquedoteca para as mães que necessitavam levar seus

filhos, estas questões são consideradas fundamentais já que o curso foi ofertado aos

sábados nos turnos da manhã e da tarde.

O fato já sinalizado do curso ocorrer aos sábados é o segundo entrave

apontado, pois sendo assim, o curso se torna uma proposta a ser realizada em

função da adesão dos/as educadores/as, mesmo havendo uma lei federal que

aponte para a responsabilidade das secretarias de educação em proporcionar a

formação necessária para a sua implementação.

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123

Apesar do intenso envolvimento de algumas pessoas ligadas a SEEL, o curso

foi em grande medida custeado por verbas do PCRI, alocadas junto ao Governo

Britânico entre outras instituições, depois destes cursos realizados em 2005 e 2006

não houve nenhuma mobilização da Prefeitura para a realização de outros do

mesmo porte ou com carga horária superior, mesmo sendo apontado pelos

participantes e equipe de formadores a necessidade de aprofundamento dos

saberes ali construídos.

Ainda em 2005, a partir da reforma administrativa realizada pela PCR, lei

17.108/2005 (anexo 4), ocorre à criação da Secretaria de Direitos Humanos e

Segurança Cidadã. Consideramos a criação da secretaria uma ação importante para

articulação e lutas pela garantia da cidadania, isto não significa dizer que não haja

entraves nem dificuldades, como veremos mais adiante. Dentro da Estrutura da

Secretaria recém criada se localiza a Diretoria de Igualdade Racial/DIR, que tem

como atribuição promover ações que contribuam para a equidade entre brancos e

negros, articulando os diversos setores da administração municipal para a

elaboração de uma política intersetorial de combate ao racismo, também tem como

tarefa acompanhar as ações em andamento e propiciar uma maior participação da

sociedade civil.

O ano de 2006 foi marcado pela criação do Grupo de Trabalho da Educação

das Relações Étnico-Raciais/GTERÊ. Instância criada no âmbito da SEEL, através

da portaria nº 489 do dia 21 de maio de 2006 (anexo 5). O grupo tem como principal

tarefa favorecer a inserção da educação das relações étnico-raciais na formação

continuada da rede, contribuir e participar das ações desenvolvidas pela DIR,

planejar e avaliar a formação continuada dos professores/as da RME (Rede

Municipal de Ensino).

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124

Assim, o GTERÊ vem promovendo seminários que ocorrem anualmente

desde o ano de sua fundação, vêm subsidiando as Gerências para trabalhar a

educação das relações étnico-raciais na formação continuada para professores/as

de todos os níveis têm organizado a caminhada “as escolas do Recife descobrindo-

se negras”, no dia 20 de novembro, organizou um concurso de projetos didáticos

sobre a temática com a publicação de um livro, tem contribuído com pareceres sobre

materiais didáticos e realizado atuação diretamente nas escolas com palestras e

oficinas.

Apesar de o GTERÊ ter sido instituído por portaria emitida pela Secretaria de

Educação contando com a participação de alguns membros que possui

conhecimento técnico para tratar da Educação das Relações Étnico-Raciais,

instituída pela resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação, percebe-se que

ainda é preciso lutar e resistir contra o racismo institucional que mesmo numa

estrutura dita democrática coexiste com práticas autoritárias que não contribuem

para a melhoria da educação. Pois as ações realizadas devem ser propagandeadas

ao máximo, e o que não é realizado deve ser omitido ou dito de forma bastante

atenuada, exigência não verbalizada da política de indicação nem sempre

incompatível com o atual processo “democrático”.

Um exemplo disto é o fato do GTERÊ, apesar de existir legalmente, passar

mais de um ano sem contar com uma estrutura mínima para seu funcionamento,

sendo necessário solicitar via ofício (anexo 6) equipamentos básicos para continuar

trabalhando, como computador, linha telefônica e sala. Outro exemplo foi à

continuidade da distribuição da versão em quadrinhos do livro Casa Grande e

Senzala para estudantes da Rede Municipal. O livro nesta versão além de divulgar

idéias que contribuem para a perpetuação do mito da democracia racial veicula

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imagens hipersensualizadas de índias e negras, reduzindo estas mulheres à função

de reprodutoras. Mesmo depois de terem sido feitas denuncias e abertos processos

contra a prefeitura por permitir que tal material fosse distribuído, o contrato foi

renovado com a Fundação Gilberto Freire (anexo 14). Assim, é possível perceber a

resistência e a contradição nas ações praticadas pelas pessoas que ocupam os

cargos de maior poder de decisão na Secretaria de Educação. Desta forma, muito

mais que enumerar uma série de ações que estão sendo realizadas é preciso está

atento ao movimento de formação da agenda municipal sobre a Educação das

Relações étnico-Raciais, tentando perceber o que esta por traz das ações, as

concepções e motivações que ancoram as práticas no sentido de contribuir para que

haja um reconhecimento pleno e construtivo da população negra da nossa cidade.

Em 2007, foi feita uma solicitação pelo GTERÊ (anexo 7) para que o ano de

2008 tivesse como homenageado o poeta negro recifense Solano Trindade, visto ser

este o ano de seu centenário, contudo mesmo com a aprovação de muitas pessoas

quando a proposta foi lançada publicamente no seminário promovido pelo GTERÊ, a

solicitação não foi aceita, tendo o ano de 2008 como homenageados os “Poetas do

Recife”. Mesmo assim muitas pessoas trabalharam a poesia e a vida de Solano

Trindade, mas muitas outras deixaram de conhecer o poeta negro e sua poesia, não

contribuindo assim para a valorização da cultura afro-brasileira e afirmação da

identidade do povo negro.

Em meio a algumas ações realizadas permeadas por contradições e

descontinuidades as discussões em torno da questão racial começam a ser

instituídas em vários setores. Setores estes que de alguma forma, já vinham

discutindo a dimensão racial muitas vezes através da constituição de grupos de

estudo ou de ações esporádicas que não contavam com o suporte efetivo do

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Estado, mas que também não eram de todo rejeitadas. Isto significa que a

institucionalização de secretarias, fóruns, Gt´s a que se assiste a partir deste período

é fruto de organização e articulação pré-existentes a iniciativa do Estado de

institucionalizar e torná-las integrantes de uma política e engrenagem estatal.

Antes da institucionalização, os movimentos sociais negros já anteviam e

sistematizavam ações e estudos nos vários setores como saúde, educação, cultura,

etc. Isto nos permite dizer que estas criações que parecem ser iniciativas do Estado

são na verdade propriedades dos movimentos sociais negros, sendo assim, estes

são responsáveis por não deixá-las morrer.

Percebemos que nos processos de institucionalização estatal que faz nascer

determinadas organizações que se originam no seio dos movimentos sociais há

contraditoriamente um processo de morte destas mesmas organizações. Morte por

terem que se adequar a uma formatação definida e a uma estrutura gerencial e

governamental capaz de suplantar atitudes originais e criativas que brotam dos

movimentos. De certa forma estas organizações já nasce com uma semente de

morte por terem que se adequar a um desenho institucional que não respeita nem

incorpora sua dinâmica.

3.5.3 A inclusão da população negra, o que dizem as estatísticas

Em meio à crescente discussão a respeito da questão racial, sobretudo a

partir da segunda metade dos anos 90, é significativo o papel dos dados estatísticos,

produzidos por instituições como o IPEA, o IBGE, entre outras. Durante muitos anos,

sob a égide do mito da democracia racial, a realidade sobre a população negra foi

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mascarada fazendo crê que as relações sociais brasileiras não tinha como traço

marcante a diferenciação dos indivíduos a partir do componente racial.

Segundo o Diagnóstico da Desigualdade Racial na Cidade do Recife22,

realizado em 2008 pelo PNUD – (Programa das Nações Unidas Para o

Desenvolvimento), até os anos 1980 eram quase que inexistentes indicadores

sociais que revelassem a desigualdade racial da população, neste mesmo

documento, a questão da informação social é posta como um dever do Estado, e um

direito da população. Os indicadores sociais servem para diagnosticar problemas e

fornecer informações de modo a subsidiar a elaboração e implantação de políticas

públicas, sendo assim um importante instrumento da luta pela democratização e

ampliação da cidadania.

Na terceira edição dos Retratos da Desigualdade de Gênero e Raça23,

lançado em 2008, pelo IPEA existe uma série de informações que revelam através

de números os impactos das transformações culturais e econômicas ocorridas nos

últimos anos. Transformações estas que têm tocado diretamente o cotidiano de

homens negros e brancos e de mulheres negras e brancas, revelando a

permanência e o aprofundamento das desigualdades. Assim, partiremos de dados

referentes ao contexto nacional, para em seguida apresentar informações

específicas da cidade de Recife utilizando os dois documentos supracitados.

O documento revela que no período entre 1993 a 2007 houve um aumento da

expectativa de vida para todos os grupos pesquisados. Contudo, este aumento se

dá de forma desigual sendo maior a expectativa de vida das mulheres em relação

22 Este importante trabalho foi lançado em novembro de 2008, durante as comemorações alusivas ao

mês da consciência negra, contudo, até o presente não foi editada uma tiragem suficiente para distribuição nem foi disponibilizado eletronicamente no site da PCR, por exemplo.

23 A terceira edição do Retrato das Desigualdades é fruto da parceria entre o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), constituí-se num importante documento de pesquisa, seus dados abrange o período de 1993 a 2007.

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aos homens e da população branca em relação à população negra. O grupo de

homens brancos com 60 anos ou mais de idade passou de 8,2% para 11,1%

enquanto o de negros nesta mesma faixa etária aumentou de 6,5% para 8,0%.

Para as mulheres observa-se uma tendência similar, pois em 1993, as

mulheres brancas com mais de 60 anos de idade representava 9,4% e as mulheres

negras, 7,3%, no ano de 2007, 13,2% e 9,5%, respectivamente. Entre as causas da

desigualdade pode-se identificar o aumento da violência urbana e o acesso

diferenciado ao serviço público de saúde para os homens e a maior vitimização das

mulheres negras por causa do sexismo e machismo, ocasionando o acesso

precarizado aos serviços de saúde, habitação, emprego, etc.

Há também um significativo aumento da população negra. Entre 1993 e 2007,

a proporção de negros aumentou de 45,1% para 49,8%. Comparativamente há uma

proporção maior de homens negros, 51,1%, contra 48,1%, de homens brancos.

Entre as mulheres, percebe-se a mesma tendência, mas as negras ainda não

representam a maioria entre a população feminina correspondendo a 48,5%, contra

50,6% para a população branca. De acordo com o documento pode-se explicar este

fenômeno não por questões geracionais ou de aumento de natalidade, pois a

“população brasileira vem demonstrando mudanças na sua forma de auto-

declaração de pertencimento a um grupo de cor/raça, o que sinaliza que os padrões

culturais populacionais vêm se alterando nos últimos anos” (PINHEIRO, 2008, p.

15).

A desigualdade racial coexiste em diversos campos da vida social,

certamente com a educação não deixaria de ser diferente, pois “as práticas

educativas que se pretendem iguais para todos acabam sendo as mais

discriminatórias” (GOMES, 2000 apud CAVALLEIRO, 2006, p. 13). Sendo assim, a

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escola acaba por reproduzir o racismo agregando a estes novos símbolos e

significados.

O racismo institucional no campo educacional pode ser percebido através de

diversos indicadores como a quantidade de anos de estudo entre brancos e negros

de acordo com a faixa etária, a taxa de analfabetismo e a distorção idade-série. De

acordo com a pesquisa, percebe-se que as mulheres se encontram em vantagem

em termos educacionais em todos os segmentos analisados da mesma forma em

que a população negra encontra-se em desvantagem em relação à população

branca. Entre as mulheres de 15 anos ou mais a taxa de analfabetismo para as

brancas era de 10,8%, em 1993, enquanto para as negras era de 24,9%. Em 2007,

estes percentuais caíram respectivamente, para 6,3% e 13,7%.

Em 2007, homens apresentavam uma média de 7,1 anos de estudo, contra

7,4 anos para as mulheres. Entre os brancos, esse valor era de 8,1 e entre os

negros era de apenas 6,3 anos de estudo.

No que se refere ao trabalho e emprego o documento coloca a questão como

fundamental para a “autonomia dos indivíduos, para a construção de identidade,

para o reconhecimento social, para o acesso a bens de consumo, entre outras

dimensões tanto materiais quanto simbólicas” (PINHEIRO, 2008, p. 25). Neste

campo o crescimento dos últimos anos atinge de forma diferenciado a população de

acordo com raça e gênero, pois as mulheres e os negros apresentam os maiores

níveis de desemprego, sendo as mulheres negras as que se encontram em situação

mais precarizada, apresentando uma taxa de desemprego de 12,4% em 2007,

comparada a 9,4% para as mulheres brancas, no caso masculino, 6,7% para os

homens negros e 5,5% para os homens brancos. No que se refere ao trabalho

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infantil, os mais vitimados são os meninos negros nordestinos: 14% desse grupo,

com idade entre 5 e 15 anos, trabalhava em 2007.

Por fim, ao tratar de pobreza, distribuição e desigualdade de renda, os dados

divulgados revelam a dupla discriminação sofrida pelas mulheres negras. Em 2007,

enquanto as mulheres brancas ganhavam, em média, 62,3% do que ganhavam

homens brancos, as mulheres negras ganhavam 67% do que recebiam os homens

do mesmo grupo racial e apenas 34% do rendimento médio de homens brancos.

Para 2007, no que se refere a pobreza, temos que 20% da população branca

situavam-se abaixo da linha de pobreza, enquanto mais do dobro, ou 41,7%, da

população negra encontrava-se na mesma situação. No caso de indigência,

enquanto 6,6% dos brancos recebem menos de ¼ de salário mínimo per capita por

mês, esse percentual salta para 16,9% entre a população negra, quase três vezes

mais. Isso significa 20 milhões a mais de negros pobres do que brancos e 9,5

milhões de indigentes negros a mais do que brancos.

Os dados estatísticos e as pesquisas acadêmicas indicam o quão longe

estamos de equalizar a questão da desigualdade entre brancos e negros no Brasil. É

por isso que neste cenário onde uma série de ações estão sendo desencadeadas e

amplamente propagandeadas pelos governos, sobretudo em setores estratégicos

como os movimentos sociais, se fazem necessário o acompanhamento de sua real

efetivação e impactos.

Diagnósticos das Desigualdades Raciais na cidade do Recife

A cidade de Recife é uma das capitais com maior concentração de renda,

podendo ser considerada um exemplo da desigualdade abissal entre ricos e pobres

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de nosso país. Em nossa cidade, convivemos com situações de pobreza extrema

somada ao aumento da criminalidade e do tráfico de entorpecentes. Por outro lado,

constata-se uma grande concentração de riquezas nas mãos de poucos

privilegiados. Ao cruzar o dado da pobreza com outros indicadores percebemos que

a miséria tem cor, tem idade, tem sexo e lugar bem definido24.

Recentemente foi realizada uma pesquisa que mostra a realidade da cidade

do Recife no que se refere aos indicadores sociais. A pesquisa “Diagnóstico das

Desigualdades Raciais na Cidade do Recife” foi uma iniciativa do PCRI que tem

como parceiro o PNUD e teve como base o Censo de 2000. Em novembro de 2008,

mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra, foi lançado o livro com o

resultado da pesquisa, porém foi impresso uma pequena quantidade de exemplares,

o que dificulta o acesso a maioria da população e dos pesquisadores aos dados

apresentados.

No Diagnóstico analisam-se as dimensões associadas à população e

composição racial, analisando a distribuição espacial, por gênero, faixa etária e por

religião; a composição racial da Pobreza e da desigualdade de renda; Educação;

Trabalho e rendimento e Condições Habitacionais. Reconhecem-se os entraves

recorrentes do sistema classificatório utilizado pelo IBGE , neste sentido considera-

se a existência de uma população negra formada pelo conjunto dos que se

autodeclaram pretos e pardos.

Os dados revelam que a cidade do Recife possui como maioria de seus

habitantes a população negra. As mulheres negras correspondem a 27,7%, os

homens negros a 25,52%, as mulheres brancas a 25,24% e os homens brancos a

20,53% da população recifense. Isto significa dizer que levando em consideração a 24 Nos últimos anos o papel das estatísticas tem sido relevante por revelar e denunciar a situação de

pobreza e a desigualdade a que são submetidas parcelas significativas da nossa sociedade. Tamanha desigualdade na maioria das vezes é associada à condição racial e étnica da população.

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cor/raça e o gênero da população, as mulheres negras são maioria. Como a

população negra é a maioria (54%). Enquanto os homens brancos representam 44%

e os homens negros 55% do total de homens, as mulheres brancas são 47% e as

mulheres negras, 52% do total das mulheres.

Tabela 4 - 1. População da Cidade de Recife por Sexo e Cor/Raça

Tabela 4 - 2. População da Cidade do Recife por Sexo e Cor/raça

Fonte: Censo IBGE, 2000

Cor ou Raça Sexo Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorado

Total

292070 37850 825 325303 2338 3303 661689

Masculino 20,53% 2,66% 0,06% 22,86% 0,16% 0,23% 46,50%

359090 38372 1211 355761 2757 4023 761214

Feminino 25,24% 2,70% 0,09% 25,00% 0,19% 0,28% 53,50%

651160 76222 2036 681064 5095 7326 1422903

Total 45,76% 5,36% 0,14% 47,86% 0,36% 0,51% 100,00%

Cor ou Raça Sexo

Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorado

Total

292070 37850 825 325303 2338 3303 661689 Masculino

44,1% 5,7% ,1% 49,2% ,4% ,5% 100,0%

359090 38372 1211 355761 2757 4023 761214 Feminino

47,2% 5,0% ,2% 46,7% ,4% ,5% 100,0%

651160 76222 2036 681064 5095 7326 1422903 Total

45,8% 5,4% ,1% 47,9% , 4% , 5% 100,0%

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Branca

-40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40

Até 1/4 SM per capita

De 1/4 a 1/2 SM per capita

De 1/2 a 1 SM per capita

De 1 a 2 SM per capita

De 2 a 5 SM per capita

De 5 a 10 SM per capita

Acima de 10 SM per capita

Masculino Feminino

Negra

-40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40

Até 1/4 SM per capita

De 1/4 a 1/2 SM per capita

De 1/2 a 1 SM per capita

De 1 a 2 SM per capita

De 2 a 5 SM per capita

De 5 a 10 SM per capita

Acima de 10 SM per capita

Masculino Feminino

No que se refere à pobreza o documento chama a atenção para o fato desta

não dizer respeito apenas a destituição material, mas também as marcas da

segregação, pois além de fome a pobreza também é humilhação e injustiça. A

destituição material é a face visível da pobreza e o aspecto mais ressaltado pela

mídia, mas, além disso, é possível perceber a dimensão política desta com a sub-

representação das populações atingidas nas esferas de poder, por exemplo. Dessa

forma, as políticas para o enfrentamento da pobreza da população negra devem ser

políticas não só de redistribuição de renda, mas também políticas afirmativas que

visem valorizar e incluir esta população nos espaços de poder.

Levando-se em conta a pobreza o documento apresenta vários indicadores

como à diferença de renda entre famílias chefiadas por mulheres negras, mulheres

brancas, homens negros e homens brancos. A extensão da pobreza e da indigência

por cor e raça e a intensidade da pobreza por cor e raça. Em todas as amostras é

visível a desigualdade entre brancos e negros, para exemplificar mostraremos

apenas os dados que revelam a renda per capta dos responsáveis pelo domicílio

levando em consideração o sexo e a cor.

Gráfico 0.1 Renda per capita por sexo e raça do responsável pelo domicílio

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Logo a primeira vista o que chama a atenção é que o topo da pirâmide é

bastante estreito, significando que uma proporção muito pequena das pessoas

negras responsáveis por domicílio recebe acima de 10 salários mínimos, proporção

bem menor quando comparada à pirâmide das pessoas brancas. Ao contrário, esta

pirâmide é mais larga nas duas faixas inferiores, ou seja, abaixo de ½ salário

mínimo. No que se refere a desigualdade entre homens e mulheres fica evidente

que a maior parte das mulheres responsáveis por domicílio tem uma renda per capta

menor que os homens.

A disparidade educacional entre brancos e negros também é outro dado

importante apresentado no documento. Apresentamos a tabela 4 -3 onde é visível a

diferença de anos de estudo entre brancos e negros.

Tabela 4 - 3. Anos de estudo por sexo e cor/raça (Pessoas com 10 ou mais anos de idade)

Cor/Raça

Sexo Anos de Estudo Branca Preta Parda Total Sem instrução ou menos de 1 ano de estudo 4,22 11,43 7,43 6,26

De 1 a 4 anos de estudo 21,27 36,86 33,38 28,24

De 5 a 8 anos de estudo 24,86 30,21 31,71 28,59

De 9 a 11 anos de estudo 27,79 18,28 21,12 23,89

12 anos ou mais 21,85 3,22 6,37 13,01

Masculino Total 100,00 100,00 100,00 100,00

Sem instrução ou menos de 1 ano de estudo 5,68 14,52 9,20 7,80

De 1 a 4 anos de estudo 20,18 34,47 30,69 25,86

De 5 a 8 anos de estudo 23,69 27,73 30,05 26,88

De 9 a 11 anos de estudo 29,20 18,59 23,29 25,86

12 anos ou mais 21,25 4,70 6,77 13,59

Feminino Total 100,00 100,00 100,00 100, 00

Fonte Censo do IBGE 2000

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Os dados apresentados no Diagnóstico das Desigualdades Raciais na Cidade

do Recife revelam que é urgente a adoção de medidas que cause impacto e

revertam o quadro de desigualdade, humilhação e pobreza extrema a que a

população negra vem sendo submetida. Isto implica reconhecer que as ações que

vem sendo realizadas nos últimos anos são insuficientes, ainda há muito que se

conquistar, sendo necessária a realização de políticas intersetoriais num esforço

conjunto para realmente mudar a realidade local.

Os dados estatísticos servem para voltarmos nossos olhos para os fatos,

estes revelam o quanto ainda estamos longe de vermos concretizada a equidade e o

pleno reconhecimento de todos os seguimentos da nossa sociedade. Mostra ainda

que há uma distância considerável entre o que é posto no papel através das leis e o

que de fato é efetivado, isto será ainda mais evidenciado ao analisarmos os marcos

legais das ações empreendidas.

3.6 Marco Legal da Educação das Relações Étnico – Raciais

A análise de documentos que aqui se apresenta teve dois objetivos.

Primeiramente compreender os marcos legais que fundamentam a Educação das

Relações Étnico-Raciais, como integrante de um conjunto de ações afirmativas

implementadas pelo governo local e federal. Em segundo lugar, objetivou verificar se

tais documentos apresentam alguma definição das categorias-temas elencadas na

pesquisa, quais sejam: promoção da igualdade racial, identidade étnico-racial, a

relação entre identidade étnico-racial e políticas identitárias, o papel do Estado, a

sua interface com a sociedade civil, o papel da escola e a natureza das ações

empreendidas: política de Estado X política de governo. Tais categorias foram

privilegiadas, no universo de tantas outras, por abordarem questões que

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consideramos fundamentais, na composição das representações dos fazedores de

política dentro de seu campo de atuação25.

Iniciaremos pelos documentos federais. O primeiro é a lei 10.678 de 23 de

maio de 2003, que cria a SEPPIR. O segundo documento é a Política Nacional de

Promoção da Igualdade Racial, a PNPIR, que apresenta princípios e diretrizes

gerais de tais políticas. O terceiro é a lei 10.639/03, que institui como obrigatório o

Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, seguida da Resolução n. 1 de

17 junho de 2004 do CNE (Conselho Nacional de Educação), que institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira.

Em seguida, trabalharemos os documentos locais. A lei 7.108 de 27 de julho

de 2005 em seus artigos 41 e 42 que cria a Secretaria de Direitos Humanos e

Segurança Cidadã; a portaria 489 de 21 de maio de 2006, que cria o GTERÊ

estabelecendo as suas atribuições e composição; e a lei 17.311 de 28 de março de

2007 que cria o CMPPIR (Conselho Municipal de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial). Este é o panorama jurídico além da constituição federal, que nos

permite compreender e situar a construção de uma agenda governamental de

políticas de promoção da igualdade racial.

3.6.1 A constituição da agenda no âmbito federal a partir de alguns

documentos

25 Para tanto, trabalhamos com documentos primários (leis, portarias, relatórios) locais e nacionais,

coletados em bancos de dados de sites oficiais da Prefeitura do Recife, da SEPPIR e do MEC. É importante destacar que no caso dos documentos locais foi mais difícil localizá-los, por não estarem relacionados em seções temáticas, por exemplo, sendo necessário saber se antemão o número da lei ou outra informação para acessá-lo num banco de dados geral, também não são disponibilizados no site da PCR os relatórios das ações implementadas. Já nos sites do Governo Federal as leis, decretos e medidas provisórias estão relacionados em seções temáticas e é possível ter acesso a relatórios e outras publicações.

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A constituição da agenda das políticas de promoção da igualdade racial passa

pela criação de instâncias administrativas, uma delas é a SEPPIR, Secretaria

Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criada através da medida

provisória n. 111 de 21 de março de 2003, que mais adiante se converteu na lei n.

10.678 de 23 de maio do mesmo ano (anexo 8).

No 2º artigo da referida lei ficam estabelecidas as atribuições da recém criada

Secretaria, o que vale a pena reproduzir na íntegra:

Art. 2o À Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial compete assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e avaliação das políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância, na articulação, promoção e acompanhamento da execução dos programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação da promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e acompanhamento das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial, no planejamento, coordenação da execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas e na promoção do acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem o cumprimento dos acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à promoção da igualdade e de combate à discriminação racial ou étnica, tendo como estrutura básica o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR, o Gabinete e até três Subsecretarias (Lei 10.678/03, grifos nosso).

A criação da SEPPIR foi saudada com entusiasmo pelo Movimento Social

Negro que viu nesta a possibilidade de materialização de reivindicações históricas.

As suas atribuições justificam tal entusiasmo, pois a ela compete formular,

coordenar, articular políticas e diretrizes, além de formular, coordenar e avaliar

políticas afirmativas, como destacado no texto. Tais políticas são transversais, ou

seja, abrange os diversos setores de atuação do governo.

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Dentre as suas atribuições também fica estabelecido à criação de

mecanismos para efetivação dos acordos e convenções do qual o Brasil é

signatário. A legislação também prevê o estabelecimento do CNPIR (conselho

Nacional de Políticas de Igualdade Racial), que será presidido pelo titular da

secretaria.

Sales Júnior (2007) chama atenção para o fato de a SEPPIR ter surgido a

partir da demanda dos movimentos sociais negros pela criação de um ministério que

tratasse da questão do racismo e dos seus efeitos nefastos sobre a população

negra, porém como resultado do processo de negociação é criada uma “secretaria

especial com status de ministério” que tem o papel de articuladora, promotora e

avaliadora das políticas implementadas pelos diversos Ministérios. Além disso, a

secretaria também é responsável por articular as demandas de outros grupos

historicamente discriminados como os indígenas, ciganos, judeus, etc.

Em meio aos arranjos políticos uma questão apontada pelo autor como

merecedora de destaque, são “as disputas político-partidárias pela distribuição dos

órgãos na composição do governo”. Ele ainda aponta que “grande parte da questão

gira em torno do tamanho do orçamento e do poder de decisão dos órgãos criados”.

Consideramos esta temática um dos pontos críticos que precisa ser debatido

e acompanhado de perto, pois a todo o momento as lideranças escolhidas para

assumirem cargos de confiança são defrontadas com o dilema da fidelidade

partidária ou a militância em defesa dos interesses do grupo ao qual representa.

Assim, a criação da SEPPIR constitui um marco regulatório importante,

apesar de expressar parcialmente as demandas da população negra que colocava a

necessidade de criação de um órgão mais fortalecido politicamente.

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Juntamente com a criação da Secretaria em 2003 foi lançada a Política

Nacional de Promoção da Igualdade Racial, instituída através do Decreto 4.886 do

dia 20 de novembro de 2003. Este decreto estabelece que a SEPPIR seja o órgão

responsável pela implementação da PNPIR (anexo 9) através da ação dos

ministérios que para isso utilizarão as verbas dispostas na dotação orçamentária. Na

PNPIR a Secretaria é colocada como “a primeira resposta efetiva oferecida por um

governo a uma antiga formulação do Movimento Negro, no sentido da

implementação de uma política de promoção da igualdade racial” (PNPIR, 2003, p.

02).

O documento expõe os objetivos, as diretrizes e os princípios que devem

nortear tais políticas, além de refletir sobre o papel do Estado diante das

desigualdades raciais e apresentar indicativo de programas, ações, monitoramento e

avaliação.

A PNPIR tem como objetivo o fortalecimento de direitos assegurados pela

Constituição Federal, tais como a afirmação do caráter pluriétnico da sociedade

brasileira; a apropriação de terras para os quilombolas e a criminalização do

racismo; a implementação de um programa de ações afirmativas e articulação

temática entre gênero e raça.

As políticas de promoção da igualdade racial têm a especificidade de

abranger todos os setores de atuação do governo, isto já vem sendo posto

historicamente desde a constituição do GTI População Negra em 1995, que possuía

16 áreas temáticas. Assim, esta política é regida pelo princípio da transversalidade,

pois de acordo com o documento: “inexiste, a princípio, uma área restrita de atuação

da União na qual seriam desenvolvidas todas as ações de promoção da igualdade

racial”.

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O segundo princípio é a descentralização, já instituída na CF (Constituição

Federal), onde todos os entes federativos devem desenvolver ações de combate ao

racismo. Nesse aspecto a SEPPIR tem um papel importante enquanto articuladora,

como ressalta o documento:

Seguindo assim o princípio de descentralização, caberá à SEPPIR disponibilizar apoio político, técnico e logístico visando planejamento, execução e avaliação para que experiências de promoção da igualdade racial, empreendidas por municípios, Estados ou organizações da sociedade civil, possam obter resultados exitosos, capacitando-se agentes em nível estadual ou municipal para gerir as políticas, comprometendo a sociedade civil no esforço de implementação da política (PNPIR, 2003, p. 09).

O terceiro princípio é o da gestão democrática, onde a tônica recai na

importância da participação da sociedade civil, tendência seguida em todos os

documentos e planos de ação tanto a nível federal quanto local, como veremos mais

adiante. No documento é colocado que quanto maior for a participação da sociedade

civil mais exitosa será a política, colocando ainda que,

Pretende-se que as instituições da sociedade civil sejam mais do que simples interlocutores de demandas sociais, espera-se que assumam um papel ativo, de protagonista na formulação, implementação e monitoramento da política (PNPIR, 2003, p. 09, grifo nosso)

As diretrizes da política nos permitem antevê quais são as suas linhas de

ações no sentido de possibilitar a concretização dos seus objetivos, são elas 1.

Fortalecimento institucional; 2. Incorporação da questão racial no âmbito da ação

governamental, isto significa, “inserção da perspectiva da promoção da igualdade

racial em todas as políticas governamentais”; 3. Consolidação de formas

democráticas de gestão das políticas de promoção da igualdade racial; 4. Melhoria

da qualidade de vida da população negra e 5. Inserção da questão racial na agenda

internacional do governo brasileiro.

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Para levar a diante um plano de ação baseada em tais diretrizes e princípios é

preciso que o Estado tome uma posição ativa, impondo a si “a responsabilidade de

fazer com que todos os agentes sociais significativos incorporem a perspectiva da

igualdade racial” (PNPIR, 2003, p. 05).

No documento a política de promoção da igualdade racial, para além de uma

política de governo é posta como uma política de Estado. Este status é garantido de

acordo com o documento pela criação da SEPPIR e pela institucionalização da

PNPIR.

Diferentemente das experiências registradas anteriormente, localizadas, dispersas e provisórias, institui-se agora, para além de uma política de governo, uma política de Estado, ou seja, uma política perene que inscreve a promoção da igualdade racial como uma das prioridades da agenda política do Estado brasileiro (PNPIR, 2003, p. 04).

No documento ainda é colocado que uma política de governo é efêmera e

fugaz, ao contrário disso, uma política de Estado é perene, sustentável e

disciplinada por lei. “O Governo Federal teve a preocupação de instituir não apenas

uma política de governo efêmera, fugaz, mas uma política de Estado, perene e

sustentável, disciplinada por lei” (PNPIR, 2003, p. 04).

Ou seja, os dispositivos legais são vistos como uma forma de garantir a

consolidação das políticas. Isto vai de encontro à tradição política brasileira,

marcada por rupturas, descontinuidades e engavetamento das leis, isto é percebido

durante as entrevistas realizadas através da percepção de certo temor e

insegurança por partes dos técnicos.

No que se refere à Educação, além da lei 10.639/03 (anexo 10), marco inicial

de uma série de ações, existem mais dois documentos muito importantes, a

resolução n. 1 de 17 de junho de 2004/CNE (anexo 11) e as Diretrizes Curriculares

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Nacionais da Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana.

A lei 10.639/03, fruto de reivindicações históricas do movimento negro, foi

uma das primeiras ações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela foi sancionada

no dia 09 de janeiro de 2003, alterando a lei 9.394/96, que estabelece as “Leis de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. No seu artigo 26 A fica determinado que

“Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-

se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. O parágrafo primeiro

explica que isto “incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos

negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e

políticas pertinentes à História do Brasil”.

A lei determina que tais conteúdos sejam ministrados em todo currículo

escolar, mas em especial em artes, literatura e história. No artigo 79 B, ficou

determinado que o calendário escolar observasse o dia 20 de novembro, como o dia

da Consciência Negra.

Assim, alterando as Diretrizes e Bases da Educação, a lei 10.639/03, ganha

eco especialmente entre os que já estudavam a questão racial na escola e nos

movimentos sociais, não sendo incorporada na agenda das pesquisas educacionais

e dos demais setores acadêmicos.

Contudo, a partir dos desdobramentos que a lei pode conduzir, através dos

documentos posteriores a ela, percebemos que a mesma toca em temas

fundamentais da política educacional, pois interfere na formação inicial e continuada

de educadores/as, alterando o currículo dos cursos de licenciatura; na produção e

avaliação de material didático, colocando a necessidade de reformulação e inclusão

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das temáticas a que se refere; Interfere ainda na forma de ver o estudante, sua

identidade, auto-estima e a relação disto com a aprendizagem, resultando em última

instância na compreensão que educar para igualdade étnico-racial é oferecer uma

educação de qualidade para todos os seguimentos. Fato que devido ao racismo

institucional não vem acontecendo, pois não é a toa que a maioria das crianças,

jovens e adultos que freqüentam as escolas públicas são negros e que esta

educação ainda está muito longe de ser considerada de qualidade.

A resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, documento do Conselho Nacional

de Educação, tem sua importância na medida em que determina a inclusão dos

conteúdos relativos à educação das relações étnico-raciais e história e cultura Afro-

Brasileira e Africana nas instituições de ensino superior logo em seu primeiro artigo,

parágrafo primeiro.

§ 1º As instituições de ensino superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004 (Resolução n. 1, CNE/CP, 2004).

A resolução no segundo artigo, primeiro parágrafo, distingue os objetivos da

educação das relações étnico-raciais como sendo de “divulgação e produção de

conhecimento, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos

quanto à diversidade étnico-racial...” (Resolução n. 1, CNE/CP, 2004). Já o ensino

de História e cultura Africana e Afro-Brasileira é tratado no segundo parágrafo e “tem

por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos

afro-brasileiros...” (Resolução n. 1, CNE/CP, 2004).

Consideramos importante esta distinção e ressaltamos que educar relações

étnico-raciais para além de compartilhar e construir conhecimentos envolve a

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desconstrução de estereótipos e a construção de posturas e valores positivos que

possibilitem relações saudáveis.

A resolução ainda no segundo artigo, terceiro parágrafo determina a

responsabilidade aos conselhos municipais, estaduais e do distrito Federal de

desenvolver as Diretrizes de que trata.

§ 3º Caberá aos Conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios desenvolver as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas.

Destacamos como importante o quarto artigo que coloca a determinação dos

sistemas de ensino estabelecer canais de comunicação com o Movimento Negro,

núcleos de pesquisa e instituições formadoras para troca de informações e

experiências.

Aos sistemas de ensino também é determinada a tarefa de elaborarem e

distribuírem materiais relativos a esta temática,

Art. 7º Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão a elaboração e edição de livros e outros materiais didáticos, em atendimento ao disposto no parecer CNE/CP 3/2004 (Resolução n. 1, CNE/CP, 2004).

Desse modo, a Resolução além de instituir as Diretrizes determina os

responsáveis por efetivá-las e estabelece a inclusão de tais temáticas nos dois

níveis de formação: a inicial e a continuada.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana foram

instituídas através da Resolução n. 1, de 17 de Junho de 2004 do Conselho

Nacional de Educação. O documento apresenta diversos conceitos importantes,

mostra o marco legal em que está inserido e que o precede, estabelecendo

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princípios e ações a serem desenvolvidas pelos sistemas de ensino, pelos

conselhos de educação, pelas escolas e pelos educadores/as.

Inicialmente é importante destacar a dimensão da luta que o documento

evidencia ao explicitar que as discussões em curso e a própria existência da lei

10.639/03, são frutos das reivindicações do Movimento Social Negro. Este é

colocado como produtor e divulgador de conhecimentos sobre a temática da

Educação das Relações Étnico-Raciais, sendo incentivada a sua colaboração com

escolas e sistemas de ensino para concretizar a matéria da qual trata o documento.

As Diretrizes buscam cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos

seus Art. 5, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1°do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como o

que trata os artigos 26, 26 A e 79B da Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Anteriormente a ela destaca-se a existência de constituições

estaduais, leis orgânicas, leis ordinárias e leis municipais de diversos estados e

municípios brasileiros que tratam da mesma temática. Além do que dispõe o Eca lei

8.096, de 13 de junho de 1990 e o Plano Nacional de Educação lei 10.172, de 9 de

janeiro de 2001.

As Diretrizes destinam-se aos administradores dos sistemas de ensino, aos

estabelecimentos de ensino, aos educadores/as e aos que elaboram, executam, e

avaliam programas educacionais, planos institucionais, pedagógicos e de ensino. É

de interesse também das famílias dos estudantes, deles próprios e a todos os

cidadãos comprometidos com a educação.

As Diretrizes têm como objetivos oferecer uma resposta, na área da

educação, à demanda da população negra, no sentido de políticas de ações

afirmativas; combater ao racismo e a discriminações que atingem os negros e

contribuir para a divulgação e produção de conhecimentos capazes de formar

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“atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu

pertencimento étnico-racial” (SECAD, 2006, p. 10).

Isto será feito através de políticas públicas educacionais, notadamente,

políticas curriculares, que abrangem a formação inicial e continuada do/as

educadores/as, elaboração e distribuição de materiais sobre a temática e adequação

e estruturação das unidades educacionais para o atendimento educacional a todas

as crianças e jovens de forma qualitativa.

As Diretrizes colocam como indispensáveis às condições materiais das

escolas e a formação de professores, sendo assim um documento que defende uma

educação de qualidade para todos.

É necessário sublinhar que tais políticas têm como meta o direito dos negros, assim como de todos cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos; com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos indígenas (SECAD, 2006, p. 10-11).

As Diretrizes colocam a Educação das Relações Étnico-Raciais no bojo das

políticas de reparação e de ações afirmativas. Tais políticas devem oferecer

garantias de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar; valorização do

patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro e aquisição das competências e dos

conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, para atuar

como cidadãos responsáveis e desempenharem uma profissão com qualificação.

Nas Diretrizes a intervenção do Estado é tida como fundamental, já que este

mesmo Estado foi o implementador de políticas racistas no pós-abolição. Neste

sentido, há o chamamento para que políticas sejam criadas e efetivadas nos

sistemas de ensino e estabelecimentos educacionais de diferentes níveis e

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modalidades, estas políticas devem está coerentes com um projeto de escola, de

educação e de formação de cidadãos. Isto significa que,

Sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem deixar dúvidas, romperão o sistema meritocrático que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados (SECAD, 2006, p. 11).

As Diretrizes trazem a tona à questão do reconhecimento, nela o

“reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e

econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros

dos outros grupos que compõem a população brasileira” (Idem, p. 11).

O documento trata do reconhecimento em todas as suas dimensões: esfera

amorosa, esfera social e esfera do reconhecimento pelo trabalho. E ainda amplia

chamando atenção para formas de desrespeito corrente da sociedade brasileira,

destinada especificamente à população negra, como:

Preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual (SECAD, 2006, p. 12).

Isto é exemplificado através dos “apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas

de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura

de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana” (SECAD, 2006, p.

12).

Nas Diretrizes reconhecimento implica mudança, e mudança é: criar

condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude da cor da

sua pele, menosprezados em virtude de antepassados seus terem sido explorados

como escravos, não sejam desencorajados de prosseguir estudos, de estudar

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questões que dizem respeito à comunidade negra, adoção de políticas educacionais

e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a

desigualdade étnico-racial presente na educação escolar brasileira. Nos diferentes

níveis de ensino, valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência

negra desencadeada pelos africanos escravizados no Brasil e por seus

descendentes na contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas.

Ao tratar do papel da escola as Diretrizes deixam claro que o racismo e a

discriminação não nascem na escola, mas perpassam o seu cotidiano.

Acrescentamos ainda que na escola o racismo apresenta características próprias

que traz como conseqüência o fracasso escolar dos estudantes negros.

Neste sentido as escolas devem constituir-se espaços “democrático de

produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade

justa” (SECAD, 2006, p. 14,15). Isto significa que

A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários (SECAD, 2006, p. 15).

Por fim, o documento salienta o seu papel de apontar caminhos, caminhos

estes que não são únicos, estando aberto a novas possibilidades e iniciativas. Fica

determinado, assim como na resolução nº 1 de 17 de junho de 2004, que cabe aos

conselhos de educação a tarefa de instituir tais Diretrizes adequando o proposto à

realidade de cada sistema de ensino, ficando a cargo dos órgãos executores, ou

seja, secretarias de educação, criar estratégias para efetivação das Diretrizes.

Estes cinco documentos, a lei de criação da SEPPIR e a PNPIR, abrangendo

diversos setores e a lei 10.639/03, a Resolução n. 1 de 17 de junho de 2004,

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juntamente com as Diretrizes, que abrange especificamente o setor educacional, são

a base legal sobre a qual se desenvolverá toda a política de promoção da igualdade

racial nos anos seguintes. Logicamente que um número cada vez mais crescente de

leis, portarias e decretos vem sendo editados tanto a nível federal quanto nos

demais entes federativos, mas estes se constituem como base. A partir deles,

podemos falar da existência de arcabouço jurídico que dá sustentação às políticas

de promoção da igualdade racial.

3.6.2 A constituição da agenda municipal a partir dos documentos oficiais

A Secretaria de Educação da cidade do Recife tem a prática de publicar

documentos com o objetivo de informar sobre os mais diversos temas, dentre eles

sobre os princípios e diretrizes que regem a educação municipal, sobre o sistema de

ciclos e avaliação dentro deste sistema, sobre experiências pedagógicas exitosas e

socialização de projetos realizados em todos os níveis e modalidades de ensino e

ainda coletânea de poemas e contos produzidos ora por estudantes, ora por

educadores/as.

No que se refere à Educação das Relações Étnico-Raciais no ano de 2007,

foi realizado um concurso de artigos sobre projetos que desenvolviam a temática

nas escolas da rede, resultando na coletânea “As Escolas do Recife Descobrindo-se

Negras”, publicada em 2008. Esta publicação consta no plano de ação do GTERÊ e

tem como principal objetivo realizar o mapeamento das ações pedagógicas

desenvolvidas e divulgar entre os/as educadores/as, contudo, este importante

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documento não chegou aos educadores/as e escolas, pois foi impressa uma

pequena quantidade não existindo ainda uma política de distribuição.

Além deste livro os outros documentos lançados em 2008 (Cadernos da

Educação Municipal volumes 2 e 3) mencionam a questão da educação das

relações étnico-raciais, mas não tratam dela especificamente, não havendo também

alteração na proposta curricular, que está em versão preliminar desde 2002, para

inclusão de conteúdos referentes ao que dispõe as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana.

Devido à limitação de materiais publicados, a análise de documentos locais se

resume a duas leis e uma das portarias que regulamentam a criação de órgãos

responsáveis pela implementação de políticas afirmativas. São eles a lei 7.108 de 27

de julho de 2005 em seus artigos 41 e 42 que cria a Secretaria de Direitos Humanos

e Segurança Cidadã, que abriga a DIR e o CMPPIR; a portaria de número 489 de 21

de maio de 2006, que cria o GTERÊ estabelecendo as suas atribuições e

composição; a lei 17.311 de 28 de março de 2007 que cria o CMPPIR,

estabelecendo seus objetivos e composição.

Os três documentos supracitados têm como objetivos instituir instâncias

administrativas responsáveis pela execução de políticas afirmativas no município,

portanto, são bastante sucintos e procuram deixar transparente as atribuições de

cada uma delas, a composição e os subsídios para o seu funcionamento.

A primeira instância administrativa criada para este fim foi a Secretaria de

Direitos Humanos e Segurança Cidadã, criada no bojo da reforma administrativa

através da lei 17.108 de 27 de julho de 2005 (anexo 4) em seus artigos 41 e 42. O

artigo 41 traz o seguinte texto:

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Fica criada a Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã como órgão superior, subordinado diretamente ao Prefeito, constituindo o núcleo central do sistema de coordenação e implantação de políticas afirmativas de direitos e garantias constitucionais (Lei 17.108/2005).

Como a nova secretaria é colocada como “núcleo central” todas as demais

instâncias criadas posteriormente ficam subordinadas a sua estrutura, como é o

caso da DIR e do CMPPIR. O artigo 42 enumera as atribuições da nova secretaria

listando dezessete itens, dentre eles destacamos os que consideramos tocar

diretamente na questão das políticas afirmativas:

I - promover a cidadania, apoiando o exercício de direitos individuais e coletivos; II - promover Direitos Humanos a partir de políticas públicas afirmativas desenvolvidas de forma integrada e articuladas com os diferentes setores da administração municipal; III - promover os Direitos Humanos através do atendimento e encaminhamento de denúncias de violações de direitos, em articulação com a Secretaria de Assuntos Jurídicos; X - desenvolver ações afirmativas, com base na prática de programas concretos, voltados aos grupos desfavorecidos por sua condição de classe, sexo, raça, etnia, origem, com oportunidades concretas que garantam seus direitos; XI - desenvolver atividades voltadas ao resgate de identidade, dando visibilidade à religiosidade, cultura, memória e cidadania das diversas etnias;

Não pretendemos aqui realizar a análise de cada uma destas atribuições,

contudo percebe-se a tônica dada à promoção dos Direitos Humanos e da cidadania

da população negra através de “ações concretas” capazes de modificar a situação

de exclusão vivenciadas por estas pessoas, através de “políticas afirmativas e

integradas com diferentes setores”, através do encaminhamento de denúncias e do

apoio jurídico as vítimas de racismo e através do “resgate da identidade dando

visibilidade à religiosidade, cultura, memória e cidadania das diversas etnias”. Este

corpo de ações devem ser realizadas através da Diretoria de Políticas de Promoção

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da Igualdade Racial, instância administrativa criada para dá conta da questão étnico-

racial.

Com a criação da secretaria deram-se a organização de outras duas

instâncias a ela vinculada, a já citada Diretoria de Igualdade Racial e o Conselho

Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A primeira tem a função

primordialmente de articulação entre os setores e execução de políticas. Já o

Conselho acumula não só a função de planejar ações, mas também de acompanhar,

avaliar e inclusive de analisar a proposta orçamentária do município, sugerindo

alocação de recursos a serem destinados para tais políticas.

Estas duas instâncias estão fortemente relacionadas e atualmente até final de

2008, mesma pessoa acumula os cargos de diretoria da DIR e de presidente do

CMPPIR. A DIR tem como tarefa planejar e organizar ações de combater ao racismo

e a discriminação, colaborando e dando subsídios a todos os setores da

administração municipal para a implementação de políticas afirmativas. A sua função

como articuladora a nível municipal, estadual e federal é muito forte, trabalhando

também na captação de recursos e parcerias para realização de projetos na cidade.

Em seu trabalho sobre as políticas de ações afirmativas em Pernambuco e

Bahia, Sales Júnior (2007) faz uma análise comparativa entre Recife e Salvador,

destacando que na cidade de Salvador foi criada uma secretaria de governo, a

Secretaria Municipal de Reparação/SEMUR e que esta organizou a Primeira

Conferencia de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, enquanto que ao

contrário no Recife a Primeira Conferencia foi que resultou na criação de uma

Diretoria, que está atrelada a Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.

A estrutura adotada em Recife pode trazer alguns entraves de acordo com a

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experiência de seus gestores como veremos mais adiante. Segundo Sales Júnior

(2007, p. 149),

Talvez esta diferença deva-se ao fato da SEPPIR ter sido criada apenas um mês antes, não influenciando a formulação da SEMUR, ao contrário do que aconteceria com a Diretoria de Promoção da Igualdade Racial de Recife, visivelmente influenciada pela denominação da SEPPIR.

O Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi

criado posteriormente através da lei 17.311 de 28 de março de 2007 (anexo 3). Em

seu primeiro artigo a legislação estabelece que,

Art. 1º Fica criado o Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Recife-CMPPIR/Recife, órgão colegiado, de controle social e caráter deliberativo da política municipal de Promoção da Igualdade Racial, tendo por finalidade fortalecer a luta contra o racismo e o preconceito baseado em raça ou etnia, através do monitoramento, acompanhamento e fiscalização, bem como propor políticas afirmativas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra recifense, com vistas à ampliação da participação popular e do controle social.

O CMPPIR tem importância fundamental na elaboração, acompanhamento e

avaliação de políticas afirmativas, bem como na articulação da sociedade civil com o

governo, pois a sua composição é bipartite com representantes do governo, da

sociedade civil, do movimento negro e de “minorias étnicas” existentes na cidade. O

texto legal em seu parágrafo único ainda traz a seguinte definição para políticas

afirmativas:

Entende-se por políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, para efeitos desta lei, o conjunto de políticas públicas e privadas, de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, que tem por objetivo combater o racismo, o preconceito e a discriminação racial e reduzir as desigualdades raciais, inclusive no aspecto econômico, financeiro, social, político, educacional e cultural. Trata-se de políticas e de mecanismos de universalização de direitos dirigidos a grupos historicamente discriminados por sua origem, raça ou etnia.

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Estas são as instâncias criadas a partir da Secretaria de Direitos Humanos e

Segurança Cidadã. É evidente que a criação da secretaria é sinal de um significativo

avanço. Contudo, isto não implica dizer que não haja problemas dentro da sua

estrutura. Mesmo sem ser meu objetivo compreender a dinâmica de atuação e o

cotidiano da secretaria, fica evidente através da fala de um dos colaboradores a

existência de algumas questões que pode travar o processo uma delas é a

insuficiência de verbas. A outra é a dificuldade de um único órgão lidar com

demandas distintas e históricas que nos últimos anos trazem como seus porta vozes

diferentes movimentos sociais que tem sua história e forma de luta, a saber, o

movimento de mulheres, o movimento de juventude, o movimento em defesa de

crianças e adolescentes em situação de risco, o movimento pela diversidade sexual,

o movimento negro, entre outros.

A questão que se coloca é como articular as lutas e como atender a

demandas tão distintas e ao mesmo tempo urgentes. Estes dilemas de alguma

forma são captados na conversa com os colaboradores, momento em que é

questionado qual é o “status político” necessário para a atuação mais eficaz da DIR.

Um dado que nos chama a atenção é a importância dada nos dois

documentos à participação da sociedade civil. Na lei que institui o conselho isto fica

evidente na sua própria composição e na lei que cria a Secretaria de Direitos

Humanos e Segurança Cidadã isto fica evidente através das seguintes atribuições:

VIII - promover a participação ativa da população nos espaços de controle social, a fim de informar e comprometer as pessoas na garantia de direitos;

IX - manter relação com a sociedade civil estabelecendo parcerias, redes de ajuda, canais de participação e controle social nas políticas de promoção dos direitos humanos.

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A partir do exposto percebemos a importância da sociedade civil nos dias de

hoje para a consolidação dos espaços democráticos, depois de muitas lutas. Isto

não quer dizer que tudo está resolvido, pois há uma luta para manter-se com

autonomia nestes espaços. Muitas vezes a atuação da sociedade civil na esfera

governamental, conquistada através de luta, pode se tornar o início da sua morte ou

perda de autonomia.

Martins (2003) traz a idéia de uma sociedade civil não como um terceiro setor,

mas uma esfera diferenciada da economia e do Estado. A sociedade civil vai se

moldar com princípios que fogem as regras do Estado e a lógica do Mercado –

elementos intricados na vida cotidiana, como os novos arranjos de redes, familiares,

de solidariedade, vizinhança, amizade, etc.

O último documento analisado foi à portaria 489 de 21 de maio de 2006,

(anexo 5) que cria o Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Raciais,

que tem como atribuição apresentar subsídios para a implementação da Educação

das Relações Étnico-Raciais, contribuir com as atividades da DIR, participar do

processo de construção, acompanhamento e avaliação da formação continuada.

O grupo é formado por representantes de todas as Gerências e diretorias que

compõe a SEEL, além de um representante da sociedade civil e um representante

do Movimento Negro. A forma de composição do grupo e o fato de seus membros

acumularem inúmeras tarefas nas suas Gerências de origem têm gerado alguns

entraves como veremos mais adiante. Toda infra-estrutura necessária para os

trabalhos do grupo, de acordo com a portaria fica a cargo da Secretaria de

Educação, mesmo assim nos primeiros meses de existência o grupo não possuía

uma estrutura mínima de funcionamento, as reuniões eram realizadas nos espaços

concedidos e por vezes negados, não havia linha telefônica, nem computador.

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Depois de alguns ofícios encaminhados a DIRE, solicitando que se cumprisse o que

havia na portaria: “Art. 6º. A infra-estrutura e o apoio administrativo para o

funcionamento do GTERÊ ficarão a cargo da Secretaria de Educação, esporte e

lazer” (portaria n. 489 de 21 de maio de 2006). O Grupo hoje dispõe de um

computador, uma estagiária para atendimento dos educadores/as e divide o espaço

e a linha telefônica com a Gerência de Educação Especial.

A partir da busca e análise de alguns documentos de nível municipal,

consideramos insuficientes os materiais que tratam da questão da Educação das

Relações Étnico-Raciais distribuído entre os/as educadores/as. Estes materiais

resumem-se as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-

Raciais, ao livro A África Está em nós, distribuído para as bibliotecas e apenas para

os/as estudantes e educadores/as do EJA e ao que se chamou de “Indicações sobre

Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira”, material que está anexado a Diário de Classe desde 2007 (Anexo 12).

No que se refere as “Indicações sobre Educação das Relações Étnico-Raciais

e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira”, podemos dizer que tal documento

apresenta uma versão resumida das Diretrizes, que aparece como “indicação”.

Mesmo reconhecendo o esforço dos membros do GTERÊ em elaborar o documento

e conseguir que ele fosse impresso como anexo nos diários de classe, o que o

coloca mais perto dos educadores/as, consideramos necessário trabalhar para a

publicação de um material específico sobre a Educação das Relações Étnico-

Raciais que reapresente as Diretrizes, ampliando-a e adequando-a ao contexto

local, 26 fazendo-se cumprir o que está disposto na resolução n. 1 de 17 de junho de

26 Neste sentido, ainda é urgente uma ampla distribuição de livros e materiais afins para subsidiar o

trabalho dos/as educadoras/as e também Literatura Infantil, CD´S, DVD’S, mapas e outros materiais para serem utilizados pelos estudantes e educadores/as.

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2004/CNE, no seu 7º artigo que estabelece que fica a cargo dos sistemas de ensino

supervisionar, elaborar e distribuir materiais sobre a temática.

Neste sentido percebemos que apesar do reconhecimento conquistado ainda

se faz necessário ampliar e aprofundar no sentido de garantir uma relação mais

equânime. Mattos (2006, p. 21) afirma que da perspectiva do reconhecimento

apresentada por Honneth, a partir do reconhecimento alcançado “as identidades

individuais ou coletivas ganham uma nova dimensão alçando uma nova etapa de

eticidade que precisa ser confirmada”. É essa permanente luta por reconhecimento

que garante a mudança social.

Podemos afirmar que a criação destas três instâncias: Secretaria de Direitos

Humanos e Segurança Cidadã, Diretoria de Igualdade Racial e Grupo de Trabalho

da Educação das Relações Étnico-Raciais, é o que permite materializar ações de

combate ao racismo, mesmo que estas ações ainda sejam insuficientes. Ou seja,

era preciso que a administração municipal criasse novas instâncias para tratar da

questão. Contudo o funcionamento de tais instâncias, sobretudo a DIRE e o GTERÊ

ocorre de forma dependente e subordinada a outras instâncias administrativas que

possuem maior autonomia. No caso do GTERÊ, a maioria das ações tem que

passar pelo crivo da Diretoria de Ensino e do/a Secretário/a de Educação. Já a DIR,

está subordinada a Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.

A partir da análise dos documentos federais e locais foi possível compreender

as categorias temáticas elencadas no início da pesquisa, mesmo que estas não

apareçam no seu conjunto em todos os documentos e mesmo que a sua definição

não seja posta de forma direta. É possível acompanhar esta questão com o quadro

abaixo:

Quadro 4 – Categorias temáticas nos documentos analisados

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Categoria/tema: Como é apresentada: Documento em que aparece: O papel do Estado Nas Diretrizes a intervenção do

Estado é tida como fundamental, já que este foi o implementador de políticas racistas no pós-abolição. Na PNPIR o Estado precisa intervir no sentido tornar as oportunidades iguais com base nos princípios da transversalidade, da participação e da descentralização.

Diretrizes, p. 11

PNPIR, p. 5

O Papel da Escola A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados.

Diretrizes, p. 15.

Relação entre Estado e Sociedade Civil

A sociedade civil é chamada à participação para sugerir, implementar e acompanhar políticas.

Lei 17.108 de 27 de julho de 2005, artigo 42 Incisos VIII e IX.

Natureza das ações: Política de Estado X Política de Governo

Institui-se agora, para além de uma política de governo, uma política de Estado, ou seja, uma política perene que inscreve a promoção da igualdade racial como uma das prioridades da agenda política do Estado brasileiro.

PNPIR, p. 4.

Igualdade Racial A igualdade racial aparece ao longo de todo o documento como igualdade de direitos.

PNPIR

Identidade Étnico-Racial Na lei municipal que cria a Secretaria de Direitos Humanos é necessário desenvolver atividades voltadas ao resgate de identidade, dando visibilidade à religiosidade, cultura, memória e cidadania das diversas etnias.

Lei 17.108 de 27 de julho de 2005, artigo 42., Inciso XI

Para além do aporte legal é no chão das instituições governamentais,

composta por sujeitos, que tais políticas serão ou não, levadas em consideração,

com um maior ou menor grau de reconhecimento. É neste chão que a marca da

cultura, das representações e das lutas dos movimentos sociais irão compor tal

política, como tentaremos mostrar nas próximas páginas.

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CAPÍTULO 4

...Vejo o combate ao racismo como importante prática a ser desenvolvida por escolas e

educadores que desejem abordar as questões étnico-raciais em seu fazer pedagógico, aliada à desmistificação da África como reduto de não

humanos, incapazes e miseráveis, trazer à visibilidade feitos históricos, heróicos de negros e negras em toda diáspora, tratar dos

direitos humanos, construir uma cultura de paz e de respeito às diferenças que vão para além da cor da pele.

(Júlia/Colaboradora)

4 POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO

EDUCACIONAL: O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DA AGENDA PÚBLICA NA

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DA CIDADE DO RECIFE

Adotamos como foco de investigação as concepções dos atores que dentro

do período delimitado para a pesquisa (2005-2008) atuaram no quadro

administrativo da PCR dentro da DIR e da SEEL e que têm como tarefa planejar e

implementar políticas para implementação da lei 10.639/03. Assim, neste último

capítulo analisamos o material resultante do contato com os colaboradores.

Inicialmente desenhamos o perfil destes e buscamos compreender a forma como as

políticas foram sendo planejadas e implementadas dentro da estrutura administrativa

da Secretaria de Educação e da Diretoria de Igualdade Racial ligada a Secretaria de

Direitos Humanos e Segurança Cidadã. Por fim, através da resposta da entrevista

semi-estruturada foi possível perceber as representações dos colaboradores sobre

as políticas de promoção da igualdade racial, sobre a questão da identidade étnico-

racial, as políticas implementadas, sobre o Estado e a sua relação com a Sociedade

Civil.

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Os dados apresentados a seguir foram coletados a partir de uma ficha

entregue a técnicos de diferentes Gerências e diretorias que lidam em seu cotidiano

com o planejamento e execução de políticas em três instâncias administrativas27.

O cotidiano vivenciado pelos técnicos é marcado por tensões, dilemas e

tomadas de decisões que interferem diretamente no cotidiano escolar. Estas

questões nem sempre são publicizadas, a nossa intenção é revelar este cotidiano e

refletir sobre a forma como vem se dando a construção destas políticas no sentido

de contribuir para o seu aprimoramento e de compreender a sua lógica e as

representações subjacentes.

4.1 Os colaboradores da pesquisa: fazedores de políticas de promoção da

igualdade racial

Os colaboradores possuem idade entre 30 (trinta) e 50 (cinqüenta) anos,

todos eles assumem cargos técnico-administrativos, ora como gerentes ou como

diretores que trabalham junto aos gerentes ou ainda como coordenadores. A maioria

assumiu a função em 2005, com exceção de 04 (quatro) pessoas que assumiram

em anos posteriores. No grupo existem 02 (duas) pessoas que no momento da

pesquisa não estavam em nenhum cargo de diretoria ou coordenação, mas que

assumiram no período delimitado para a pesquisa importantes funções diretamente

ligadas à implementação de políticas de promoção da igualdade racial. 27 A primeira é a Diretoria de Ensino e Formação Continuada, através das gerências de Educação

Infantil, de primeiro e segundo ciclos, de terceiro e quarto ciclos, da Gerência de Biblioteca e Formação de Leitores, esta última não está subordinada a DIRE, mas trabalha em parceria com ela. O técnico contatado da Gerência de Educação de Jovens e Adultos desistiu da sua participação na metade do processo não sendo computados aqui os dados coletados referente a esta Gerência. A segunda instância é o GTERÊ, que possui representação de todas as Gerências e procura trabalhar em parceria com elas. A terceira instância encontra-se fora da estrutura da Secretaria de Educação, é a DIR, que dentre as suas atribuições deve colaborar para a construção de uma política intersetorial de ações afirmativas. Também participaram da coleta de dados os ex-coordenadores destas duas instâncias por terem participado de forma ativa em sua implantação.

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No que se refere ao pertencimento étnico-racial, 06 (seis) pessoas se

autodeclaram negras, 02 (duas) brancas, 03 (três) pardas e 01 (um) se auto-declara

como morena/mestiça. Quanto à formação, dos 12 (doze) entrevistados, 06 (seis)

cursaram o ensino médio em instituições públicas, 04 (quatro) em instituições

privadas e 02 (dois), não informou. Observa-se uma tendência da maioria continuar

no ensino público. Apenas uma pessoa não concluiu o ensino superior e uma outra

não possui formação inicial ligada à educação. Os demais possuem ensino superior

concluído. Destes, 06 (seis) cursaram em instituições públicas, 04 (quatro) em

privadas e 02 (dois) não informaram. No que se refere à Pós-graduação, todos

cursaram em instituições públicas, 03 (três) pessoas possuem especialização, 02

(dois) mestrado, 01 (um) com mestrado em andamento, 01 (um) com doutorado, 02

(dois) com doutorado em andamento, 01 (um) não informou e apenas 02 (dois) não

possui pós-graduação.

Quadro 5 - Dados de identificação dos colaboradores

Código de identificação

Instância Administrativa

Idade Como se auto-declara

Formação Atuação em movimentos sociais

A1 Gerência 3º e 4º ciclos

52 Branco Mestrado Nunca atuou.

A2 Gerência 3º e 4º ciclos

46 Pardo Especialização Atuação pontual.

A3 Gerência 1º e 2º ciclos

46 Branco Mestrado Nunca atuou.

A4 GAC 36 Preto/negro Ensino Superior incompleto

Atuação efetiva atualmente.

A5 GEI 54 Pardo Especialização Atuação pontual. A6 GBLF 56 Moreno/mesti

ço Mestrado Teve uma atuação

efetiva, porém não atua mais.

A7 DIRE 46 Pardo Doutorado Atuação pontual. A8 GTERÊ 49 Preto/negro Mestrado Teve uma atuação

efetiva, porém não atua mais.

A9 GTERÊ 48 Preto/negro Especialização Atuação pontual A10 GTERÊ 42 Preto/negro Especialização Atuação efetiva

atualmente. A11 DIR 41 Preto/negro Ensino

superior Atuação efetiva atualmente.

A12 DIR 57 Preto/negro Especialização Atuação efetiva atualmente.

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Estas informações revelam que o grupo é composto por pessoas com um

bom nível de conhecimento técnico e teórico sobre a educação e sobre os

processos sociais e que continuam no processo de aperfeiçoamento seja fazendo

especialização, mestrado ou doutorado.

O fato de a maioria ter estudado todo tempo ou em algum momento em

instituições públicas coloca o grupo numa condição diferenciada de quem conhece a

educação pública não só como gestor, mas também como usuário.

Todos possuem grandes responsabilidades por atuarem na elaboração e

implementação de políticas públicas. A relevância e responsabilidade de suas

funções são reconhecidas quando questionados sobre “que importância atribuem a

sua função”. Neste bloco de respostas apareceram palavras como articular, propor,

encaminhar, elaborar, implementar e acompanhar, de modo que é possível

considerar este grupo como um grupo seleto de “fazedores de política” (AZEVEDO,

1994), isto se torna evidente na fala de um dos entrevistados:

É uma função de responsabilidade por estar propondo e implementando políticas, estabelecendo prioridades e desta forma interfere na organização escolar (Ana)

Outro aspecto relevante é a participação dos colaboradores nos movimentos

sociais. Apenas 02 (duas) pessoas não participaram de nenhum movimento social,

os demais participaram ou participam de alguma maneira. Destes 04 (quatro)

pessoas participaram e participam atualmente de maneira pontual, 02 (duas)

pessoas tiveram uma participação efetiva no passado, mas atualmente parecem não

ter a mesma inserção e 04 (quatro) pessoas participam efetivamente até os dias de

hoje.

Há que se considerar que a forma de atuação destas pessoas que ainda

militam dentro dos movimentos sociais vem se modificando ao longo do tempo e um

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dos marcos desta mudança é o ingresso na administração pública este aspecto é

apontado por um dos participantes quando diz que, com a

Experiência de participação no governo do município a relação mudou, mas não deixei de ter uma atuação comprometida com a luta contra o racismo dentro da gestão (Margarida).

Este aspecto é importante, pois durante a conversa com alguns

colaboradores ficou evidente nas suas falas que para atuar dentro da administração

pública com a temática das relações étnico-raciais é preciso ter mais que

conhecimentos técnicos. É preciso ter uma postura militante, o que nem sempre é

condizente com as exigências não verbalizadas de se assumir um cargo de

confiança dentro da administração pública.

Inicialmente o grupo começou a funcionar com a portaria dentro de uma pasta, era a portaria, a pasta e eu (risos) por que foi assim foi assinada a institucionalização do grupo mas as questões estruturais não foram efetivadas então nós não tínhamos um local de funcionamento, não tínhamos um computador, não tínhamos nada efetivamente, então nós passamos a fazer reuniões quinzenais numa sala do quarto andar da prefeitura onde fica a secretaria de educação, aí muitas vezes chegávamos lá mesmo tendo agendando com antecedência, mas muitas vezes nós chegávamos lá e ficávamos pelo corredor por que a secretária precisava da sala, o conselho municipal precisava da sala... (Joana)

Com isto não estamos desvalorizando a reconhecida importância da formação

técnica, mas é evidente que em muitos momentos de tomada de decisão o que é

levado em consideração não são os critérios técnicos, mas políticos. Por essa razão,

em muitos momentos determinados cargos e funções não são assumidos por

pessoas que possuem a formação técnica necessária. Da mesma maneira, algumas

pessoas que possuem capacidade técnica são desligadas de seus cargos ou

funções por não concordarem politicamente com seus superiores.

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Elisa Reis (1988), partindo da relação existente entre política e administração,

afirma que é possível identificar quatro perfis que estão inseridos no universo da

administração pública no processo de elaboração de políticas, são eles o político e o

burocrata. O burocrata é movido unicamente pelo interesse de executar bem a sua

tarefa. Ele assume para si com verdadeiro ardor as tarefas atribuídas agindo de

modo racional e burocrático, independentemente do público a quem as atividades

são dirigidas. Em contraposição o político é aquele que assume e defende

interesses de maneira calorosa e apaixonante, sendo responsável pelas inovações e

pela liderança de muitos processos. O terceiro perfil fundamenta sua ação no jogo

de interesses, os políticos pleiteiam interesses mais difusos enquanto que o

burocrata é movido por interesses mais específicos. O quarto grupo abriga uma

tendência hibrida com o inter-relacionamento de aspectos burocráticos e políticos.

Dessa forma, foi possível identificar que entre os técnicos ligados a PCR,

existem pessoas com o perfil do tipo burocrata e do tipo político, bem como do tipo

hibrido. Com um maior destaque para o tipo hibrido, onde é possível ser político em

alguns momentos, quando é possível assim o ser, e ser burocrata, executando bem

as tarefas para manterem-se nos postos concedidos. É evidente que um estudo

aprofundado sobre estes tipos seria necessário para perceber, suas nuances.

O grupo de colaboradores foi subdividido em três instâncias administrativas

que juntas elaboram e implementam na RME (Rede Municipal de Ensino) uma

proposta de educação das relações étnico-raciais. A primeira instância é a DIRE

(Diretoria Geral de Ensino e Formação Docente) que tem a responsabilidade de

juntamente com as Gerências a ela subordinadas implementar a proposta

pedagógica da rede municipal. A segunda instância é o GTERÊ (Grupo de Trabalho

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165

da Educação das Relações Étnico-Raciais) que possui representação de várias

gerências, inclusive de todas as Gerências subordinadas a DIRE.

O GT é o responsável por introduzir a temática das relações étnico-raciais nas

propostas das gerências. A terceira instância é a Diretoria de Igualdade Racial, que

faz parte da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã, tendo como tarefa

trabalhar o tema das relações étnicos raciais no conjunto das secretarias da

administração municipal, o GTERÊ tem como uma de suas funções definidas em

portaria o trabalho em parceria com a DIR.

Cada uma destas instâncias possui uma lógica de trabalho própria e enfrenta

diferentes problemas para levar a diante seus objetivos. Trazem como marca comum

a tomada de decisão colegiada onde as prioridades são estabelecidas de acordo

com as metas gerais e com o que dispõe na peça orçamentária. Vejamos como

funciona cada uma delas, o que tem sido realizado no que se refere à educação das

relações étnico-raciais e quais os desafios.

4.2 O fazer política pública dentro da estrutura organizacional da Secretaria de

Educação do Recife

A elaboração e implementação da proposta pedagógica da SEEL transita por

dois espaços, a secretaria de educação que ocupa algumas salas do prédio central

da PCR e o Centro Administrativo Pedagógico/CAP, que funciona em um outro

prédio.

Na nossa pesquisa nos debruçaremos sobre parte da estrutura organizacional

do CAP (Centro Administrativo Pedagógico), já que neste prédio funcionam todas as

diretorias e gerências que lidam diretamente com os educadores/educadoras e

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estudantes. O CAP é formado por oito diretorias que juntas trabalham para que a

rede municipal de ensino funcione. Existem setores que lidam com a merenda

escolar, as tecnologias da educação, a vida funcional do professorado, etc.

Cada diretoria possui várias Gerências a ela subordinadas e elas mesmas

estão subordinadas a secretária de educação como mostra o organograma a seguir:

Organograma da Secretaria de Educação, Fonte: DIRE.

O nosso interesse de pesquisa esteve voltado para a DIRE e algumas das

Gerências a ela vinculadas, quais sejam, a gerência de Educação Infantil/GEI, a

gerência de 1º e 2º ciclos, a Gerência de Animação Cultural/GAC e a gerência de

Educação de Jovens e adultos que optou em participar apenas da primeira fase da

pesquisa. Outra gerência que também foi ouvida, mas que não está formalmente

vinculada a DIRE, foi a Gerência de Biblioteca e Formação de Leitores/GBFL.

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Organograma da Diretoria de Ensino e Formação Continuada, Fonte: DIRE.

Este interesse se deve ao fato destas Gerências serem as responsáveis pela

tomada de decisão – em sintonia com a proposta pedagógica da SEEL - a respeito

de diversos encaminhamentos como: as temáticas de formação continuada dos/as

educadores/as, a maneira como esta ocorrerá e a escolha dos palestrantes.

Referenda a realização ou não de projetos complementares nas escolas por

diversas instituições que colaboram com a SEEL ou que vendem seus serviços.

Possibilita aos educadores/as e estudantes o acesso e vivencias de bens culturais,

no caso da GAC. Todas têm um papel fundamental na seleção e sugestão de

materiais didáticos e para didáticos a serem adquiridos e/ou enviados para as

bibliotecas das escolas ou distribuídos para estudantes e educadores/as. Este é o

espaço de fluxo onde a temática da educação das relações étnico-raciais aparece

inserida com suas diversas concepções, propostas e ações que são executadas por

diversos técnicos e profissionais que materializam o que chamamos de política de

promoção da igualdade racial no âmbito educacional.

Consideramos que estas concepções, propostas e ações de nível local

seguem uma lógica que nasce com o desenvolvimento das discussões em nível

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nacional e internacional a respeito das desigualdades raciais. Contudo, obedecem a

uma lógica própria, assentada nos mecanismos de poder local e fortemente

influenciada pelas representações e concepções que circulam nas diversas formas

de interação existentes.

Começaremos por explicar a maneira como as decisões são tomadas na

DIRE a partir das falas dos próprios decisores, explicitando o que vem sendo

realizado pelas diversas Gerências, quais são as fontes de recursos e quais são os

desafios no trabalho com a educação das relações étnico-raciais.

O plano de ação de cada gerência é definido pela equipe interna a partir da

reunião colegiada entre a DIRE e as demais Gerências a ela vinculada, a DIRE, por

suas vez, juntamente com as demais diretorias se reúne com a secretária de

educação e sua equipe para discutir o plano setorial que foi traçado no inicio da

gestão e que é revisado anualmente. Nesse sentido, podemos nos perguntar se as

vozes dos educadores/as e estudantes se fazem presente no momento de

elaboração da proposta pedagógica.

Uma característica apontada por um dos colaboradores é o caráter consultivo

presente no fazer política:

Uma marca desta gestão é o fato da diretoria trabalhar de forma consultiva junto aos professores através de instrumentos de consulta sobre, por exemplo, os ciclos, o diário de classe, formação continuada. As ações são elaboradas a partir destas consultas em sintonia com o planejamento estratégico e diretrizes da gestão. (Ana)

Porém, as decisões da COMUDE (Conferencia Municipal de Educação), que

agrega o segmento dos pais, estudantes, professores, funcionários e comunidade

em nenhum momento foram citadas como integrante do processo de planejamento e

decisão a respeito dos rumos da educação municipal, deste modo é possível

questionar a incorporação do que é decidido na conferência ao plano estratégico

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setorial. Uma das marcas das gestões municipais que têm a sua frente partidos

populares, como a da Cidade do Recife, é a criação de diversos mecanismos de

escuta dos atores sociais que circulam na cidade. Neste sentido, vários setores que

normalmente não são levados em consideração no momento da elaboração das

políticas são convidados a participar dos rumos da educação municipal, isso fica

bastante explícito com a análise de documentos realizada anteriormente.

Nesse contexto, são realizadas conferências sobre as mais diversas

temáticas, fóruns de discussão, debates, etc. Nas escolas houve uma tentativa de

democratização com a criação dos conselhos escolares e com as eleições diretas

para dirigentes. As decisões foram tomadas nas instâncias administrativas através

de reuniões colegiadas.

Contudo, percebe-se que estes mecanismos geram uma aparente

democracia, pois é dado poder de decisão dentro de limites, sejam eles

orçamentários ou não, previamente definidos, ou seja, é montada toda uma estrutura

democrática, os cidadãos são convocados a exercer seus direitos e deveres de

cidadania através da participação, são criados fóruns, conferências e conselhos,

mas estes parecem ser muito mais arranjos institucionais, pois a liberdade é limitada

e por vezes até cerceada. Durante entrevista um dos colaboradores relata que foi

transferido do setor onde trabalhava, que inclusive permitia o acesso e intervenção

com um maior número de pessoas, após reunião convocada pelo Conselho

Municipal de Educação onde foram expostas as ações realizadas pelo GTERÊ e as

dificuldades encontradas para a implementação da lei 10.639/03.

Voltando os nossos olhos para o que vem sendo realizado podemos dizer que

as principais ações executadas pelo conjunto das Gerências que participaram da

pesquisa se resumem em ações de: 1. Formação continuada de educadores/as,

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coordenadores/as, estagiários regentes, auxiliares de desenvolvimento infantil,

estagiários do PAC (Programa de Animação cultural); 2. Acompanhamento da

execução dos diversos projetos nas escolas com a visita de técnicos das gerências;

3. Acesso aos bens culturais, artísticos e de lazer, tanto no fazer quanto no apreciar

com atividades desenvolvidas em várias linguagens como: dança, teatro, artes

plásticas, capoeira, canto coral, banda marcial e percussão; 4. A criação de

dispositivos que garantam a organização em ciclos: coordenador, biblioteca, o

projeto MAIS (Movimento de Aprendizagem Interativa), professora alfabetizadora,

educação integral, quatro paradas anuais para planejamento; 5. Programa de

formação de leitores com a estruturação de bibliotecas, criação da função de

professor de biblioteca, distribuição de materiais e publicação de livros.

Cabe aqui a pergunta que expressa o foco do nosso estudo: De que forma o

tema da educação das relações étnico-raciais está inserido no trabalho das

Gerências e quais as ações empreendidas a respeito desta temática?

Como foi dito anteriormente em cada uma das gerências existe um

representante e um suplente que participa do GTERÊ, local onde estratégias de

trabalho sobre a temática são discutidas. O resultado deste diálogo é expresso

através das ações, da maneira como são realizadas e em que medida atingem o

público alvo: educadores/as e estudantes. Vejamos como os gestores falam sobre

isto através do quadro 6:

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Quadro 6 – Principais ações das gerências para implementação da lei 10.639/03

Instância administrativa

Ações empreendidas para implementação da lei 10.639/03

Gerência de 1º e 2º ciclos

- orientações no diário de classe; -Incentivo à realização de projetos; -formação continuada em história; -formação continuada de coordenadores do jornal escolar; -formação continuada dos coordenadores pedagógicos.

Gerência de 3º e 4º ciclos

-Orientações no diário de classe; -Inserção do tema na formação desde 2005; -Convênio com o Centro de Educação Popular Maria da Conceição28; -Discussão com os estagiários do alfaletramento; -Mobilização das escolas para participarem da caminhada do 20 de novembro; -Indicação do GTERÊ nas escolas para discussão sobre a temática.

Gerência de Educação Infantil

-Orientações no diário de classe; -Formação Continuada.

Gerência de Animação Cultural

-Formação dos Animadores culturais; -Participação no GTERÊ, -Realização de mostras, intercâmbios, seminários etc.

Gerência de biblioteca e formação de leitores

- Levantamento e aquisição de livros sobre a temática; -Formações de mediadores e professor de biblioteca; -Participação com o GTERÊ na publicação de um livro com artigos das professoras sobre o tema.

Diretoria de Ensino

Orientações no diário de classe; -Formação continuada com conteúdos permanentes; -Fomentação de concursos; -atuação dos grupos de animação cultural; -Visibilidade das ações dos professores com o lançamento de livros; -Assessorias do GTERÊ; -Projeto Cantando Histórias.

Como mostra o quadro, as ações realizadas se dão essencialmente na esfera

da divulgação da lei 10.639/03, incentivo à realização de projetos sobre o tema,

formação continuada, orientação aos educadores/as e estagiários/as e vivência de

práticas culturais afro-brasileiras.

A maioria das ações é direcionada aos educadores/as, o que prova o

reconhecimento que circula, sobretudo a partir da década de 80, de que este é o

grande propulsor de mudanças e de inovações na prática pedagógica com vistas a

tratar sobre várias temáticas, inclusive, sobre as relações étnico-raciais. Neste

sentido, duas perguntas devem ser feitas: o que significa trabalhar na perspectiva da 28 Centro de Educação Popular Maria da Conceição e uma organização não governamental com sede

nem Casa Amarela que a mais de 20 anos desenvolve trabalhos educativos voltados para a divulgação e valorização da cultura afro brasileira. Na rede municipal de ensino desenvolve junto as escolas de 3º e 4º ciclos o Projeto Cantando Histórias.

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Educação das Relações Étnico-raciais? E quais os subsídios propiciados aos

educadores/ as para levar a diante tal tarefa?29

No que se refere aos desafios às respostas dos colaboradores apresentam

quatro tendências. Uma delas indica (03 depoimentos) que o desafio é a

universalização da formação continuada de modo a atingir a maior parte dos

educadores/as da rede municipal. A lógica é de que atingindo todos os/as

educadores/as alcançará todos os estudantes. Outra aponta que o desafio (01

depoimento) é criar novas estratégias como, por exemplo, grupo de estudo, jornal,

etc. Outra tendência (03 depoimentos) indica que o desafio é provocar mudança nas

mentalidades e nas posturas. Por fim, um dos colaboradores afirma que o desafio é

enquadrar a temática no campo das urgências.

De acordo com os dados fornecidos pela Gerência de Registros de Dados

Funcionais no município existem 4.831 educadores/as em atividade, o alcance da

formação continuada sobre o tema é de um percentual muito pequeno. Um exemplo

foi o curso “História e Cultura Afro-Brasileira: Promovendo a Equidade Racial na

Educação” que nas suas duas turmas em 2005 e em 2006, conseguiu atingir apenas

250 educadores/as. Isto revela que ainda há muito que avançar para atingir a todos.

Porém, mais importante que isto é nos perguntarmos por que não existem

iniciativas de formação continuada sobre o tema que atinja a todos. Vejamos o que

diz um dos colaboradores ao falar dos desafios:

O desafio é encontrarmos estratégias seja pelo caminho da formação para todos, seja outros meios mais sistemáticos de trabalharmos na perspectiva qualitativa, isto é, provocadora de mudanças de postura a partir de uma ação (Rosa).

29 Como assinalado em momento anterior, as Diretrizes colocam que educar para a construção de

relações raciais saudáveis, antes de tudo, é oferecer uma educação de qualidade, com equipamentos adequados, professores qualificados, bem remunerados. Isto significa respeito e reconhecimento ao alunado em sua maioria negro.

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É importante ressaltar que a formação continuada da rede municipal é em

serviço, ou seja, os/as educadores/as estudam dentro da sua carga horária as

diversas temáticas escolhidas pela equipe técnica de acordo com a proposta

pedagógica da rede.

Contudo, a formação continuada a respeito da educação das relações étnico-

raciais vem se inserindo muito timidamente no calendário oficial de formação

continuada. As atividades formativas direcionadas aos professores limitam o número

de participantes, normalmente nos ofícios de convocação apenas uma vaga é

disponibilizada por escola, na prática quem acaba indo é o/a coordenador/a já que

este/a não possui uma turma, sendo assim mais fácil a sua liberação (anexo 13).

Ao falar das tensões enfrentadas no dia a dia de quem faz a política

educacional do município os depoimentos conduzem a caminhos diferentes: alguns

depoimentos apontam para ser algo comum haver tensões, pois “na execução de

qualquer ação há uma ansiedade natural para que tudo que foi planejado seja

realizado da melhor forma” (Rosa).

Outros apontam como maior tensão os tramites burocráticos:

“A ação de montar e revitalizar bibliotecas nas escolas tem sido a mais difícil” (Josefa) e “Organização da relação dos formadores, escolha das temáticas para formação” (Ricardo).

O momento de decidir as prioridades também é apontado como um momento

tenso:

O momento da organização do plano de ação, quando são discutidas e selecionadas as prioridades considerando as temáticas a serem desenvolvidas na formação do professor e no atendimento as necessidades das Unidades Educacionais (Flávia).

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Há quem considere como momento de tensão o lidar com a comunidade

escolar, o público alvo das ações: “para chegar à comunidade escolar é preciso

fazer várias mediações. Na arena da política há sempre conflitos. Há sempre uma

tentativa de convencimento” (Ana). E por fim, há quem considere o lidar com os

temas emergentes uma grande tensão inerente à própria função da educação: “não

é fácil promover a aprendizagem dos conteúdos clássicos e tratar dos temas

emergentes da cultura contemporânea, como gênero, etnia, orientação sexual,

geração, juventude...” (Margarida). Neste sentido, podemos afirmar que o cotidiano

dos fazedores de política é marcado por tensões de diferentes naturezas, cabendo a

estes buscar estratégias para sanar ou atenuar seus efeitos.

No que se refere às fontes de recursos para a execução das ações

planejadas a maioria dos colaboradores responderam que os recursos são

provenientes da SEEL, como mostra a seguinte fala: “Os recursos utilizados até o

momento são próprios da secretaria de educação” (Josefa). Mas não souberam

explicar de maneira mais clara como estes recursos são repassados. Apenas um

colaborador foi mais elucidativo a este respeito ao informar que a peça orçamentária

é flexível, pois existe um montante para cada linha de ação escolhida como

prioridade, por exemplo, a formação continuada. Para esta linha de ação os gestores

são que decidem o que fazer com o montante destinado:

A dotação orçamentária é feita a partir destas linhas de ação e para cada uma delas há uma rubrica que não é discriminada detalhadamente. A peça orçamentária é flexível (Ana).

Existem formas de captação de recursos realizada através de convênios com

o MEC e através de parcerias com entidades da sociedade civil:

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É feita a Captação de recursos com o MEC através da participação em projetos federais como o Brasil Alfabetizado, o Projovem, etc. Em algumas parcerias com as diversas entidades são compartilhados os custos da ação (Ana).

E existe o repasse financeiro para a escola:

Há também o repasse de recursos financeiros para a escola, além do PDDE, por exemplo, o projeto de estruturação das bibliotecas (Ana).

No momento da resposta sobre a questão de financiamento apenas uma

pessoa falou com clareza sobre o tema, os demais expuseram respostas genéricas

como: “Os recursos utilizados até o momento são próprios da secretaria de

educação” (Josefa). Respostas desta natureza pode nos conduzir a duas hipóteses:

a do pouco domínio a respeito dos processos financeiros ou a do silenciamento

sobre o assunto, característica cultural brasileira incorporada à gestão.

Parece que saber sobre as finanças da educação do município e mais ainda

dizer a outrem que sabe, é um comprometimento público com o acompanhamento e

fiscalização de como tem sido gasto esse dinheiro. E essa “certamente” não é

função de diretores e técnicos educacionais. Dizer que não sabe ou simplesmente

emitir respostas genéricas como a citada a cima é uma forma de não se

comprometer, sem dizer que este assunto não é de minha competência.

A intenção inicialmente de perguntar sobre financiamento foi de chegar a um

comparativo de quanto se gasta com formação continuada sobre diversos assuntos,

com o que se gasta com a formação continuada específica sobre a temática da

educação das relações étnico – raciais. Não foi possível chegar a estes dados, por

falta de informações detalhadas. Para fazer este tipo de análise foi preciso utilizar

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outros indicadores como qualidade, alcance, quantidade de carga horária

disponibilizada e o processo de realização dos eventos de formação sobre o tema30.

Assim, a partir do que os colaboradores responderam através da ficha é

possível perceber que o cotidiano destes é marcado por uma forma de gerir pautada

no princípio da tomada de decisão colegiada e na atribuição de responsabilidades

para atingir determinadas metas. Percebe-se ainda que este cotidiano é marcado

por momentos de tensão ao lidar com a comunidade escolar, com as tomadas de

decisão e com a burocracia administrativa. O racismo institucional permeia a

estrutura organizacional ainda que não seja percebido nem denunciado por todos.

Uma das evidencias é o próprio fracasso em oferecer uma educação de qualidade

para todos os estudantes, em sua maioria negros. Outra evidencia está no fato de

apesar do ordenamento legal com a lei 10.639/03, ainda não atingir a todos com

uma formação continuada de qualidade sobre a temática.

Sabemos que a centralidade do discurso na defesa da formação continuada

põe o foco no professor colocando este como responsável pelo sucesso e insucesso

da educação Batista Neto (2006), mesmo que o êxito não dependa exclusivamente

deste. Contudo a formação continuada que queremos é capaz de fazer com que o

educador desenvolva uma perspectiva crítica e reflexiva sobre a sociedade,

implicando em transformação desta.

Isto evidencia o modelo de formação docente emancipador, Silva (2007),

comprometido com a emancipação humana e com a construção e solidificação da

democracia. Baseia-se numa educação que não se permite sucumbir à lógica do

mercado, pressuposto neoliberal. O modelo emancipador dialoga, portanto, com a

30 É importante explicitar que o único curso de maior carga horária oferecido a quem quisesse dele

participar ocorreu aos sábados e foi financiado em grande parte por verbas do PCRI/DFID.

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perspectiva crítica de educação, pautada numa compreensão da prática docente

enquanto ação reflexiva e transformadora.

4.3 O fazer política pública de promoção da igualdade racial através do GTERÊ

dentro da estrutura organizacional da Secretaria de Educação do Recife

O GTERÊ, Grupo de Trabalho da Educação das Relações Étnico-Raciais, foi

criado em 2006. Sua existência é fruto da histórica reivindicação do movimento

negro e mais recentemente dentro da temática Negros e Negras do OP e da I

Conferência Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

O grupo tem como objetivo, promover a institucionalização da educação das

relações étnico-raciais favorecendo a formação continuada dos docentes, ampliando

a temática no currículo escolar, contribuindo assim, para a solidificação de uma

política pública no município.

O GT inicialmente foi composto por 13 representantes de algumas Gerências,

que tinham a liberdade de escolher entre seus membros o representante titular e o

suplente. A coordenação contava com 03 três membros da equipe base do PCRI

vinculados a SEEL. Hoje o GTERÊ conta com um número maior de participantes por

terem sido incluídas outras gerências. As reuniões acontecem quinzenalmente, e

pode acontecer extraordinariamente se for necessário, nestes momentos são

discutidas estratégias de intervenção e de inserção da temática nos trabalhos das

gerências.

As temáticas que vem sendo priorizadas nos trabalhos desenvolvidos pelo

grupo são: a divulgação das leis 10.639/03 e 11.645/0831, e o incentivo para que

31 A lei 11.645/08 institui como obrigatório nos estabelecimentos de ensino públicos e privados de

Educação Básica o ensino de história e cultura dos povos indígenas.

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os/as educadores/as desenvolvam trabalhos nesta perspectiva; a formação

continuada sobre História e cultura africana, afro-brasileira e indígena;

esclarecimentos sobre o racismo institucional e suas formas de manifestação; a

desmistificação de conceitos como racismo, preconceito e discriminação a partir de

situações do cotidiano das unidades educacionais; o combate a intolerância religiosa

através do debate e da divulgação da religiosidade e cultura afro-brasileira; a

divulgação de contos de origem africana e indígena e as influências destas culturas

na constituição do povo brasileiro.

As decisões e encaminhamento são tomados coletivamente, a participação de

todos os representantes das Gerências é fundamental, pois é através deles que é

realizada a articulação e o encaminhamento de ações nas suas respectivas

gerências.

O grupo tem um caráter propositivo, não podendo tomar decisões nem

encaminhar ações sem que as propostas passem pelos gerentes, diretores e

diretoria de ensino. Falar das ações empreendidas pelo GTERÊ de certa forma é

falar do que vem sendo realizado por todas as gerências, pois há uma inter-relação

muito grande, haja vista, como enfatizado anteriormente, seus membros fazerem

parte das gerências. Neste sentido, é possível identificar dois tipos de ações: as

empreendidas pelas Gerências com a colaboração do GTERÊ e as empreendidas

pelo GTERÊ em colaboração com as Gerências. É sobre o segundo tipo de ações

que iremos nos deter a partir deste momento, com o quadro a seguir:

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Quadro 7 - Principais ações desenvolvidas pelo GTERÊ:

Ações: Ano de Realização

I Seminário da Educação das Relações Étnico-Raciais 2006 II Caminhada das Escolas Municipais Descobrindo-se Negras 2006 I Concurso de Projetos tematizando a educação das relações étnico-raciais

2006

II Seminário da Educação das Relações Étnico-Raciais 2007 III Caminhada das Escolas Municipais Descobrindo-se Negras 2007 III Seminário da Educação das Relações Étnico-Raciais 2008 IV Caminhada das Escolas Municipais Descobrindo-se Negras 2008 Aquisição de livros didáticos, paradidáticos e técnicos que abordam a temática negra, através de doações.

2006

Produção de material de divulgação: cartazes, folders, banners sobre as ações da SEEL/GTERÊ.

2006/2007

Elaboração, realização, acompanhamento de excursões pedagógicas às comunidades de terreiros e ao Recife Africano com a Secretaria de Turismo e GAC.

2006/2007

Realização de um Curso de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica, dirigido para professores (as) da rede municipal do Recife, pertencentes ao GOM-Grupo Operacional do Magistério, junto ao PCRI.

2006

Produção, em parceria com todas as gerências, do item 22 que, no Diário de Classe orienta os educadores com diretrizes e princípios de uma Educação Anti-racista.

2007

Sistematização de Experiências de Abordagens Pedagógicas da Questão Racial em sala de aula, coletadas através de um concurso, para posterior publicação.

2007

Estas são algumas ações desenvolvidas pelo GTERÊ ao longo de seus dois

anos e meio de existência. As demais ações que não foram inseridas no quadro

consistem em visitas do GT nas escolas para tratar da temática e outras ações de

formação continuada como a promoção de seminários, oficinas e palestras. O que

mostra mais uma vez a tônica central voltada para a formação continuada. Contudo,

não foram identificadas ações de universalização dessa formação e nem de subsídio

ao trabalho dos educadores/as com a distribuição de material didático de boa

qualidade, por exemplo.

Apesar do enfoque na formação continuada esta ainda é apontada como

desafio, tanto no nível inicial como continuado. É identificada a falta de

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conhecimento sobre a questão racial devido à ausência do debate na formação

inicial e a negação do racismo, ou seja, a crença ainda corrente no mito da

democracia racial. Para sanar tal problema, segundo os colaboradores é urgente a

universalização da formação continuada incluído não só educadores/as, mas todos

os profissionais da educação.

O segundo aspecto no que se refere aos desafios diz respeito aos limites

encontrados no que se refere às tarefas do grupo, são eles: a falta de acúmulo

teórico dos seus membros, o que dificulta a atuação e intervenção nas escolas. O

fato dos integrantes do grupo não disporem de uma carga horária específica para a

atuação no GT, fazendo com que as atividades se acumulem sobre poucos. A falta

de estrutura adequada para instalação e funcionamento do GT. Outro desafio

consiste no fato da formação sobre o tema não se dá de forma contínua, mas em

eventos esporádicos que ocorrem ao longo do ano, com destaque para os eventos

do mês de novembro, mês da consciência negra.

O terceiro aspecto apontado como desafio diz respeito à inserção de pessoas

do Movimento Negro na esfera governamental, prejudicando em grande medida a

função de controle social que este movimento deveria ter sobre as políticas públicas,

Paiva e Oliveira (1998). É fato comum ver pessoas do Movimento Social Negro

atuarem de forma acrítica, propagandeando o que foi conquistado através da luta

como se fosse uma benesse deste ou daquele governo, deste ou daquele partido.

Estes fatos têm prejudicado o avanço da luta fazendo com que as conquistas

realizadas se estagnem e se acomodem a uma rotina institucional que acaba se

conformando com o que já foi feito, não incorporando novas reivindicações, não

avançando assim, no aprofundamento das questões.

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As tensões enfrentadas no cotidiano dos fazedores da política estão

relacionadas aos desafios apontados. O primeiro momento de tensão ocorre na

reunião e distribuição de tarefas entre os membros do GT. Como eles têm várias

atividades acumuladas em suas gerências de origem a responsabilidade maior

acaba ficando para os poucos que se disponibilizam. O segundo momento de tensão

diz respeito ao lidar com os profissionais da educação que apresentam muita

resistência e falta de preparo para lidar com as questões raciais principalmente no

que se refere à religiosidade. O terceiro momento de tensão apontado está

relacionado à cobrança por parte dos superiores de uma fidelidade partidária ou de

uma fidelidade com a gestão, fazendo com que alguns membros defendam

interesses eleitorais e punindo aqueles que não concordam com está postura e

decidem dizer a verdade independentemente de partidos ou gestão.

Esta questão está intimamente relacionada com a percepção da necessidade

de haver uma “postura militante” por parte de quem lida com a questão racial dentro

da estrutura organizacional da PCR. Esta postura militante vai além de interesses

partidários ou de gestão, e está relacionada sim com a defesa dos interesses da

população negra.

Apesar de toda luta em prol da democratização e da existência de

mecanismos “aparentemente democráticos” ainda persiste dentro da estrutura

administrativa práticas mandonistas e antidemocráticas. Que revelam jogos de

interesse e abuso de poder, principalmente se o poder outorgado ao outro é

ameaçado de alguma forma.

No que se refere aos recursos disponíveis para a realização das ações

propostas pelo grupo, foi nos informado que este está vinculado ao que dispõe a

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DIRE, visto que o grupo não possui verba própria e não tem autonomia para

encaminhar as propostas sem que estas passem por esta diretoria.

4.4 O fazer política pública através da DIR dentro da estrutura organizacional

da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

A Diretoria de Igualdade Racial foi criada em 2005, ano em que se deu uma

ampla reforma administrativa no governo municipal. A DIR nasceu como parte da

estrutura da também recém criada Secretaria de Direitos Humanos e Segurança

Cidadã. A missão da diretoria é transversalizar a discussão sobre igualdade racial e

dá suporte as várias secretarias para a elaboração de políticas de combate ao

racismo institucional. A DIR possui uma pequena estrutura de funcionamento no

prédio central da PCR, estando subordinada a Secretaria de Direitos Humanos e

Segurança Cidadã tem suas ações atreladas a esta secretaria.

Os temas priorizados no desenvolvimento de atividades foram: visibilidade da

cultura afro brasileira; a inserção do quesito raça\cor em saúde, educação, Religiões

de Matriz Africana, desenvolvimento econômico e gênero. No que se refere as ações

para a implementação da lei 10.639/03, foram apontadas: a formação continuada

com seminários e cursos para educadores/as e gestores, a criação do GTERÊ e o

controle e levantamento de material didático que contemple a história e cultura das

populações historicamente discriminadas.

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Quadro 8 – Principais ações da DIR

Ações: Ano de Realização Participação no Programa de Combate ao Racismo Institucional 2005 a 2008 Realização das Conferências Municipais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

2005 e 2007

Criação do Conselho Municipal de políticas de Promoção da Igualdade Racial

2007

Consolidação de espaços de controle social como o Fórum Temático de Negros e Negras do Orçamento Participativo criado em 2002

Desde 2005

Consolidação de organismos nas Secretarias que tratam das políticas em suas áreas para população negra. Como GTERÊ, o Núcleo de Cultura Afro e a Gerência Operacional de Saúde da População Negra.

Desde 2005

Consolidação da política afirmativa para a população historicamente discriminada do Recife

Desde 2005 a 2008

No que se refere aos desafios reproduzo aqui a fala de um dos colaboradores

quando afirma que “O principal desafio sempre foi colocar o tema da questão racial

na pauta política prioritária do governo e com isso envolver o conjunto das

secretarias no desenvolvimento das políticas” (Francisco).

Os momentos de maior tensão apontados pelos colaboradores são o

processo de debate sobre a questão racial no Plano Plurianual nas diversas

secretarias, o processo de organização da I Conferência de Políticas de Igualdade

Racial e o momento de apresentar projetos para angariar fundos.

No processo de defesa do projeto com os organismos financiadores, quando precisamos apresentar /justificar os dados do racismo no Brasil explicando o porquê da ação para as especificas populações (Janaína).

As verbas para a realização destas ações são provenientes da própria PCR e

das parcerias com a SEPPIR, com o PNUD e o DFID. É importante ressaltar que

apesar das ações realizadas o diálogo dentro da estrutura administrativa da PCR é

apontado como sendo bastante complicado por faltar a DIR o “status político” para

fazer as articulações necessárias com as demais secretarias, pois

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Há uma hierarquia nessa relação, não dá para um diretor de uma secretaria “X” negociar a transversalidade da sua ação com um diretor, que possui outro status político... Isso é uma relação pra se dar de secretário para outro secretário (Francisco).

Neste sentido, apesar do aparente avanço ao se criar no município uma

Diretoria de Igualdade Racial, na prática esta diretoria que possui a complexa tarefa

de tranversalizar a questão racial na cultura, saneamento básico, saúde, educação,

planejamento urbano, etc. Tem o seu trabalho bastante limitado pela questão

hierárquica que junto com ela traz a questão da não existência de uma verba

específica, da não disponibilização de pessoal em número suficiente para trabalhar,

e da ausência de todo um apoio logístico necessário e fundamental para a

realização das atividades.

Apesar das dificuldades apontadas, desde sua criação a DIR tem possibilitado

a inserção da temática em vários âmbitos da gestão municipal. Trabalhado em

parceria com algumas secretarias no desenvolvimento de atividades de

sensibilização e formação de funcionários públicos e da população em geral sobre o

racismo institucional. Um exemplo disto é a contribuição da DIR no processo de

constituição do GTERÊ e em algumas atividades por ele realizada, no processo de

constituição do GT que trabalha a questão racial na saúde e da visibilidade e

valorização dada à cultura de matriz africana com o apoio às atividades do Núcleo

de Cultura Afro na Secretaria de Cultura.

É importante ressaltarmos que mesmo antes da institucionalização dos GT´s

e Núcleo a cima mencionados já existia nestas secretarias grupos de pessoas

ligadas aos Movimentos Negros que discutiam a questão racial e levavam

demandas específicas da população negra para os seus superiores, ou seja, a

constituição dos GT´s e do Núcleo de Cultura Afro na PCR não nasce de uma

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imposição, mas de um movimento voluntário e de militância que já se dava às

margens da administração, pois não era descartado, mas também não era assumido

enquanto instância administrativa.

Estes fatos nos abrem a possibilidade de afirmar que as políticas de

promoção da igualdade racial na PCR são feitas essencialmente por negros e

negras para o conjunto da população negra, pois nas instâncias em que não há

inserção de pessoas dos Movimentos Negro os avanços foram tímidos ou

simplesmente não existiram.

Aqui se repete o problema apontado anteriormente que é o da acomodação

que parece caminhar junto com o processo de institucionalização das demandas

nascidas no seio dos Movimentos Sociais. Pois ao que parece depois da abertura de

alguns caminhos e da concretização de algumas bandeiras históricas, há um

engessamento das lutas e uma acomodação ao espaço que foi conquistado.

Por exemplo, ao se constatar que a DIR não possui o “status político”

necessário para levar adiante o seu trabalho, o que tem sido feito para a obtenção

deste status? Este é um problema importante de ser analisado apesar de fugir ao

escopo deste trabalho, pois diz respeito à dinâmica dos movimentos sociais e sua

inserção na administração pública.

As ações analisadas até o momento fazem parte do que chamamos de

Educação das Relações Étnico-Raciais, de acordo com as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de história

e Cultura Afro-Brasileira e Africana o reconhecimento e valorização da identidade e

da cultura de negros e negras passa por melhorias nas condições físicas, materiais,

intelectuais e afetivas na escola. Ou seja, todos os alunos negros e não negros bem

como professores, professoras e profissionais do ensino como um todo precisam

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sentir-se valorizados e reconhecidos em suas especificidades. Para que a Educação

das Relações Étnico-Raciais de fato venha a acontecer é preciso “fazer emergir as

dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem

o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros” (MEC, 2005, p. 14).

Isto requer a disponibilidade para o aprendizado entre negros e brancos, na

busca da superação das desigualdades e construção de uma sociedade mais justa.

No livro Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais,

elaborado pelo MEC (2006), é possível encontrar orientações, que longe de ser

receitas, expressam princípios e pontos chaves para trabalhar a temática nos

diversos níveis e modalidades de ensino, tais como inserir a questão racial como

conteúdo multidisciplinar durante o ano letivo, reconhecer e valorizar as

contribuições do povo negro, abordar as situações de diversidade étnico racial e a

vida cotidiana nas salas de aula, combater as posturas etnocêntricas para a

desconstrução de estereótipos e preconceitos atribuídos ao grupo negro, incorporar

como conteúdo do currículo escolar história e cultura do povo negro, recusar o uso

de material pedagógico contendo imagens estereotipadas do negro, como postura

pedagógica voltada a desconstrução de atitudes preconceituosas e discriminatórias.

Para que seja possível o trabalho com estes princípios é evidente que é

necessário haver formação continuada de boa qualidade e com carga horária

suficiente para todos os educadores, mas, além disso, se faz necessário a ampla

distribuição de materiais para as escolas, pois todas as escolas da rede municipal de

ensino carecem de materiais propícios para trabalhar a questão desde os mais

simples, como o mapa do continente africano, como também vídeos, músicas, livros

de literatura infantil e literatura de apoio ao professor. Uma outra dimensão que

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também não pode ser deixada de lado diz respeito às condições de vida dos/as

educadores/as da rede municipal de ensino.

Sabemos que em sua maioria o professorado é composto por mulheres e

dentro deste universo existe um grande número de mulheres negras32, que

enfrentam a tripla jornada e que não são reconhecidas profissionalmente em termos

de salários dignos para que possam gozar plenamente de seus direitos de

cidadania.

Outra dimensão constatada por um dos colaboradores diz respeito à

qualidade da educação ofertada pela Rede Municipal de Ensino. É sabido que a

educação municipal vem acumulando índices negativos no que diz respeito à

qualidade do ensino e os saberes efetivamente construído pelas crianças.

Ora se a maioria da nossa população é composta por negros em situação de

pobreza e se as escolas públicas são freqüentadas pelas crianças e jovens pobres,

podemos nos perguntar que tipo de educação está sendo ofertada para esta

população. A fala de um dos colaboradores demonstra esta preocupação:

...os negros e negras ficaram alijados de uma educação de qualidade e ainda estão, considerando que todas as provas do SAEPE que o é sistema de avaliação do ensino de Pernambuco, todas as provinhas Brasil que são aplicadas na rede municipal de ensino demonstram um fracasso gritante e desconcertante do ensino que esta cidade está ofertando pra esta população, população conhecidamente de maioria negra algo em torno de 65%, então são questões que a gente como educador, como cidadão, como pai, como mãe, tio, como primo, como vizinho de comunidade deve está atento e trabalhando pra que sejam o mais rapidamente resolvidas né, por que não estamos lutando pra combater o racismo? E ofertar educação de má qualidade é ser racista por que a maioria dos negros que está lá recebendo esta má educação... (Joana)

32 Não existe um estudo detalhado por parte da SEEL que objetive revelar as condições de vida, a

etnia e o gênero dos/as educadores/as. A realização deste levantamento é proposto pelo GTERÊ, mas até o momento não foi levado a diante pela Secretaria de Educação.

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Promover a educação das relações étnico-raciais e combater o racismo

institucional, portanto passa pela melhoria de condições de vida e de trabalho de

educadores/as negros e negras que integram o quadro de profissionais do

magistério da SEEL e pela melhoria do ensino ofertado nas Unidades Educacionais

que atende em sua ampla maioria crianças negras.

4.5 As representações dos fazedores das políticas de promoção da igualdade

racial da Secretaria de Educação e da Diretoria de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial do Recife sobre o seu campo de atuação

Como já foi dito a coleta de dados junto aos colaboradores foi dividida em

dois momentos, no primeiro foi respondida uma ficha cujas analises foram realizadas

na sessão anterior. No segundo momento os colaboradores responderam a dez

questões abertas nas quais foram convidados a fazer um balanço das ações

realizadas no nível mais amplo e em suas instâncias administrativas e a falar sobre

as categorias temas33.

Nosso papel junto aos colaboradores para além de realizar uma sessão de

perguntas e respostas, foi de discutir sobre as categorias temas. Algumas questões

colocadas causaram surpresa, foi possível perceber que o momento de resposta

também foi um momento de reelaboração conceitual e de reflexão. Depois destes

momentos ainda mantivemos contato com todos os colaboradores enviando através

de e-mail a transcrição das entrevistas e solicitando o complemento de algumas

informações, parte destes retornou com as informações solicitadas e com algumas

observações. 33 As entrevistas em sua maioria foram realizadas no local de trabalho, como havia sido feito um

contato anterior os colaboradores já sabiam qual era o tema da entrevista, isto, sem dúvida, facilitou o andamento deste segundo momento que exigia maior calma e reflexão.

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Iniciaremos apresentando a avaliação das ações implementadas no período

de 2005 a 2008, na perspectiva dos colaboradores. Em seguida apresentaremos as

representações destes sobre as categorias temas que foram agrupadas em dois

blocos: o primeiro trata do dilema entre igualdade, equidade em meio à diversidade

e da questão da identidade étnico racial e sua relação com as políticas públicas. O

segundo bloco enfoca o papel da escola, do estado e sua relação com a sociedade

civil e a natureza das políticas implementadas.

4.5.1 Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Inicialmente perguntamos aos colaboradores se eles consideram que

estamos vivenciando uma nova fase no que se refere às questões étnico-raciais e

que fato eles apontariam como marco dessa nova fase. Todos eles respondem que

estamos vivenciando uma nova fase e sobre isso fizeram algumas considerações. A

primeira delas é que estamos vivenciando uma nova fase não só de discussão, mas

também de implementação de políticas públicas:

[...] Eu acho que a gente está vivenciando principalmente em termos de políticas públicas... Em nível municipal eu acho que a própria criação do grupo, que é um desdobramento do PCRI, eu acho que a partir daí eu acho que a gente já tem avançado pra implementação da própria lei... (Júlia).

Fica claro na percepção dos colaboradores que houve uma alteração na

forma de vê e tratar a questão racial na rede municipal. Esta alteração percebida

pelos colaboradores é condizente com o que se evidencia a partir da reconstituição

histórica da formulação da agenda. Apesar disso, reconhece-se que as mudanças

efetivadas ainda são muito insipientes para o tamanho do problema gerado com a

discriminação racial,

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Eu considero que nós estamos vivendo uma nova fase que é muito mais uma fase teórica, muito mais uma fase de análise de dados estatísticos que eu creio para uma posterior ação por que em termos de ação efetivamente em termos de números eu não vejo grandes mudanças acontecendo, os negros continuam com dificuldade de conseguir emprego e renda, os negros que já estão empregados mesmo com o curso superior, mesmo com as qualificações, mesmo exercendo a mesma função que o branco continua recebendo menos, sendo menos prestigiado... (Josefa).

Isto quer dizer que o debate nacional foi ampliado à cerca das desigualdades

raciais, algumas iniciativas em termos de políticas públicas estão em andamento,

mas ainda não é possível perceber mudanças efetivas. A população negra ainda

continua em desvantagem nos índices de pobreza, escolaridade, emprego e renda.

Ao perguntar sobre que fato marca esta fase aonde o debate vem se

intensificando metade dos colaboradores consideram que a aprovação da lei

10.639/03 foi determinante para se chegar ao patamar de discussão que temos hoje:

Veja, eu acho que um grande passo é a própria lei. Acho que a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais, é um passo muito importante, você passa a ter um documento que explicita claramente o que se propõe para o trabalho de Educação das Relações Étnico-Raciais, isso é duma dimensão enorme, eu não sei se quando a gente lê ou quando a gente fala isso à gente tem certeza do tamanho que tem a elaboração desses documentos... (Margarida).

Isto significa dizer que a lei 10.639/03, precedida das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História

e Cultura Africana e Afro-Brasileira se constitui como elementos de mudança no

cotidiano escolar, na medida em que no âmbito das políticas valorizativas buscam

desconstruir estereótipos a respeito do continente africano e dos afro-brasileiros,

colocando na ordem do dia o reconhecimento e a valorização de culturas e

identidades que normalmente são vistas de forma limitada.

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Outros colaboradores fizeram uma análise mais macro considerando como

fato marcante eventos como a reabertura política, a participação do Brasil na

Conferência de Durban, a inserção da temática na mídia e a criação da SEPPIR. Isto

talvez tenha haver com a inserção destes nos movimentos sociais, o que

normalmente altera a percepção dos fatos ampliando a visão da relação causa e

efeito.

Consideramos que a partir da redemocratização com os trabalhos para a

construção da carta magna de 1988, onde no art. 1º inciso XLII, o racismo é

colocado como crime inafiançável o movimento social negro atinge uma vitória, pelo

menos em termos formais, que dá seqüência a uma série de conquistas, dentre elas

a criação do GTI População Negra em 1995, a participação na Conferência de

Durban em 2001, a criação da SEPPIR e a aprovação da lei 10.639/03 em 2003.

Não há dúvidas que no âmbito educacional a lei 10.639/03, bandeira histórica do

movimento negro constitui um marco regulatório capaz de alterar a dinâmica das

redes públicas e privadas, gerando demandas tanto para a formação inicial como

para a continuada. Porém, a maneira como se dá o processo de implementação da

lei é capaz de nos revelar como este mecanismo está sendo apropriado dentro da

administração pública notadamente marcada pelo racismo institucional. Este é um

desafio que está posto e sabemos que a partir da superação dele é possível avançar

no sentido de ampliar as conquistas.

Outra questão posta foi se as políticas que estão sendo implementadas a

nível municipal, estadual e federal dão conta do objetivo da superação da

desigualdade racial. Esta pergunta a primeira vista pode parecer contraditória em

relação às análises tecidas há pouco. Evidentemente, todos os colaboradores

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disseram que não dá conta, mas o elemento novo que nos motivou a realizar tal

pergunta é a justificativa que é dada para este “não dá conta”.

Um primeiro dado evidenciado nas falas dos colaboradores é o de que em

termos de sensibilização tem se avançado, mas é preciso fazer com que as coisas

”saiam do papel”:

Agora eu acredito que algumas coisas, algumas políticas vem acontecendo, agora eu ainda acho que as coisas têm que ficar mais amarradinhas e mais visíveis, por que eu ainda acho que muita coisa está no papel, acho que ainda precisa melhorar, e muito... (Raquel) Certamente que não. (...) eu não sou legalista a ponto de achar que as leis é que fazem com que as mentalidades mudem, eu acho que elas são um componente assim como a educação é um componente das transformações sociais que são necessárias (...). (Ana)

Este descompasso entre o que é aprovado em termos de leis, propagado em

discursos e o que realmente se efetiva é algo recorrente no cenário político

brasileiro. É como se as mudanças em termos legais estivessem anos luz a distancia

do que se efetiva na realidade concreta. De fato, como bem foi mostrado na análise

do marco legal que fundamenta as políticas de promoção da igualdade racial vimos

que possuímos um aparato legal com leis, portarias e decretos que instituem

diretrizes curriculares, criam instâncias administrativas e instituem políticas que

geram algumas mobilizações, mas que ainda são de pequeno alcance.

Outra percepção interessante concernente à avaliação do que tem sido feito é

a constatação com as falas dos colaboradores de dois processos que se opõem e

que ao mesmo tempo se complementam: o primeiro é o permanente sentimento de

insatisfação que faz com que cada conquista abra um leque de possibilidades de

superação desta mesma conquista. O segundo diz respeito à incapacidade do

Estado em acompanhar estas demandas permanentes e em crescente grau de

complexificação. Vejamos as falas que apontam este caminho:

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Então eu acho que essa política ela não dá conta ainda e eu não sei se ela vai dar conta no total, porque eu acho que tem um elemento nas relações humanas que é importante pra gente compreender a dimensão histórica, que é a satisfação, então como nós somos seres profundamente insatisfeitos, tá dando demanda hoje amanhã não dá, então o que hoje pra mim, nesse momento histórico é suficiente talvez depois de cinco minutos não seja mais suficiente... (Janaína).

Este permanente processo de insatisfação que nos coloca como seres em

busca de superação denota o processo de luta por reconhecimento desvelado por

Honneth (2000). Na medida em que somos reconhecidos nos conciliamos com o

outro e ampliamos a nossa percepção de nós mesmos descobrindo novas

particularidades de nossa identidade que necessitam ser novamente reconhecidas,

sendo assim, nos termos de Honneth, a luta por reconhecimento é um processo

cíclico e contínuo.

Este processo ressalta a limitação da capacidade criativa do Estado de

produzir por conta própria soluções para as demandas provenientes da sociedade

civil:

O Estado está sempre muito a quem do que se pode fazer, eu acho que normalmente se luta muito pra se conseguir uma conquista ao nível de virar lei e depois uma luta muito grande pra fazer aquela lei sair do papel e começar a se realizar, sempre a gente tá correndo atrás, correndo atrás, sempre... (Josefa)

Este tipo de colocação ressalta ainda a incapacidade do Estado de absorver o

que é criado no âmbito da sociedade civil. Quando algo é projetado no âmbito da

sociedade leva anos para ser absorvido pelo Estado retornando em forma de

políticas públicas e no processo de discussões e embates muitas vezes o que

retorna é totalmente ou parcialmente transformado, dado que o processo de

institucionalização de uma demanda social não acontece sem perdas do caráter

criativo e inovador das soluções propostas pela sociedade. Isso fica evidente

quando Sales Júnior (2007) aponta que o movimento negro tinha como proposta a

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criação de um ministério que tratasse da questão racial no Brasil, contudo, depois de

vários embates o que se conseguiu foi à criação de uma “secretaria especial com

status de ministério”.

Em outro momento os colaboradores foram convidados a fazer um balanço de

suas atuações enquanto gestores responsáveis pela elaboração e implementação

de políticas de promoção da igualdade racial. Nesta questão é importante distinguir

as falas de acordo com as instâncias administrativas de sua proveniência, neste

sentido, primeiramente apresentaremos o balanço realizado pelos colaboradores

vinculados à secretaria de educação/GTERÊ, seguido pelos vinculados a DIR.

A pergunta realizada foi “Que balanço você faz do período em que esteve à

frente da gerência/GTERÊ no que se refere ao trabalho com a educação das

relações étnico-raciais”. Inicialmente é importante destacar que no momento de

realizar o balanço todos os colaboradores listaram de forma rápida as ações

desenvolvidas, contudo, poucas pessoas fizeram uma análise qualitativa da maneira

como se desenvolveram as atividades. Analises desta natureza podem ser inferidas

ao observarmos o conjunto das entrevistas, mas não no momento em que a

pergunta foi realizada diretamente.

Assim, a tônica maior foi dada às ações de formação continuada, neste

sentido, todos os colaboradores afirmaram que o tema da educação das relações

étnico-raciais passou a ser inserido nestas formações, contudo, poucos destacam as

dificuldades desta inserção:

[...] A gente institucionaliza o GTERÊ, consegue entrar na formação, é com dificuldade, mas a gente conseguiu ampliar daquela ação... De uma hora pra coisa bem maior... (Bernadete).

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Também foi enfatizada a pouca representatividade dos/as educadores/as

atingidos/as pela formação sobre a temática dentro do universo da rede municipal:

Há três anos, acredito que a GEI vem desenvolvendo esses cursos, atingiu gente diferente, tem os seminários, os vários momentos que hoje tem contribuído; então eu acho que foi um bom começo, mas também há outra questão que precisa ampliar mais (Flávia).

De fato, como exposto anteriormente as duas versões do curso com maior

carga horária realizado pelo PCRI, atingiu apenas 250 educadores e educadoras

num universo de quase 5.000. Neste sentido, cabe a pergunta: quais são estas

dificuldades encontradas no processo de realização das atividades formativas e qual

o motivo de não se atingir um número maior de educadores/as? A lei 10.639/03 é

um instrumento legal de nível federal, e por tanto não é uma escolha dos municípios

efetivá-la ou não. Nas palavras de um dos colaboradores isto parece está bem

incorporado:

[...] Eu acho que a implementação da lei 10.639 a existência da lei, ela é um marco regulatório, então ela de alguma forma gera uma demanda para os sistemas públicos, para a organização mesmo da rede privada no sentido de se organizar pra que essa temática ela não seja eventual, não seja de iniciativa de alguém que por alguma razão tem uma sensibilidade maior pra isso, mas que você entenda que é constitutivo do currículo, da escola, da discussão, do debate, que é alguma coisa que da mesma forma como eu devo trabalhar outros componentes curriculares, outras discussões dentro da escola, essa é uma discussão que a gente não pode se omitir e a existência da lei ela avança, eu acho que sim. (Ana)

Porém na prática da SEEL a questão ainda é tomada como algo que

depende da sensibilidade e interesse de cada um, pois os eventos não são

realizados para toda rede, mas para um número restrito daqueles que se dizem

interessados. Os seminários limitam a participação de um ou no máximo dois

professores/as de cada escola, ou ainda são direcionados apenas aos

coordenadores. Os dois cursos de grande porte que foram realizados em 2005 e

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2006 aconteceram nos sábados, o que restringe bastante a participação dos/as

educadores/as, em sua maioria mulheres que já possuem uma tripla jornada.

Outro aspecto que desvela esta dificuldade apontada, mas não especificada

pela maioria, é exposto por um dos colaboradores ao dizer que para a realização

dos eventos como o seminário do GTERÊ que acontece duas vezes ao longo do ano

não é disponibilizado transporte, remuneração, alimentação para os convidados

oriundos dos movimentos sociais que vêem contribuir com a discussão:

[...] Então pra implementar a lei 10.639/03 profissionais da rede e

profissionais militantes dos diversos setores tem todos que trabalhar de graça, enquanto serviço voluntário, mesmo tendo conhecimento científico, mesmo sendo reconhecidos a nível local, a nível nacional e a nível internacional como pesquisadores interessantes, pesquisadores de ponta, mas a rede não consegue ver esse valor, não consegue reconhecer efetivamente... O que não faz quando chama os professores mestres e doutores das universidades do Brasil... (Joana).

Tais informações são importantes por que são capazes de revelar a maneira

como a questão é vista e tratada, pois na perspectiva do reconhecimento não basta

enumerar as ações que estão sendo realizadas, é preciso atentar para a maneira

como se dá a execução de tais ações. Isto é muito importante para percebermos sua

aceitação e incorporação a dinâmica organizacional já existente. No caso da

formação para a Educação das Relações Étnico-Raciais nos parece que são tidas

como uma ação paralela, onde os que estão à frente não gozam da mesma

autonomia, prioridade e financiamento que os demais.

Ainda no que se refere ao balanço das atividades um aspecto positivo

ressaltado são as visitas às escolas realizadas por membros do GTERÊ. Estas

visitas acontecem através de agendamento que normalmente acontece com maior

intensidade em datas comemorativas, como o 20 de novembro, ou quando acontece

algum caso de discriminação direta na escola ou ainda quando os educadores/as

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decidem trabalhar a temática através de projetos pedagógicos: “O ponto positivo eu

acho que é ir também nos espaços, não depender só das formações continuadas,

mas ir também nos espaços, nas escolas, nas creches, tá trazendo a discussão lá,

no cotidiano mesmo...” (Júlia).

Em contrapartida, da mesma forma que isto é visto como ponto positivo em

outro momento é apontado o limite ao pleno atendimento dessa demanda pelo fato

do GTERÊ não dispor de pessoas em número suficiente para dá conta de tais

tarefas, pois os representantes do grupo em cada gerência dispõem apenas de oito

horas mensais, que geralmente são utilizadas nas reuniões quinzenais que

acontece. Isto mostra, mais uma vez, a não incorporação da Educação das

Relações Étnico-Raciais ao cotidiano da SEEL, a despeito dos determinantes legais.

É contraditório dizer que esta dimensão está inserida e não dispor de pessoas com

tempo suficiente para a ela se dedicar, ou ainda oferecer uma formação continuada

paralela à adotada oficialmente.

Para finalizar ressaltamos que tratar da Educação das Relações Étnico-

Raciais é reconhecer que se faz necessário oferecer educação de qualidade para

todos os estudantes, que são em sua maioria negros. As diretrizes nos dizem que

Políticas de reparações voltadas para a educação dos negros devem oferecer garantias, a essa população, de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão (Secad/MEC, 2006, p. 2).

Isto implica dizer, que se necessita de professores competentes e bem

remunerados com tempo pedagógico suficiente para dá conta das tarefas que

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ocorrem dentro e fora da sala de aula, além de espaço físico e equipamentos

adequados. Neste sentido, perguntamos se a Rede Municipal de Ensino da Cidade

do Recife e a educação brasileira como um todo atende a tais requisitos.

No que se refere ao balanço das atividades realizado pelos colaboradores

vinculados a DIR, reconhece-se à inserção de certa forma bem sucedida da

discussão em setores como cultura, saúde e educação. Contudo, destaca-se a

necessidade de inserir a temática em outros setores que são capazes de alterar a

vida da população negra de forma mais impactante como trabalho e renda.

[...] Então eu acho que a gente conseguiu fazer uma interlocução na saúde, uma interlocução na educação...Eu acho que uma coisa que a gente precisa tá entendendo agora, é que a gente precisa criar também uma política que possa fazer essa implementação ser mais eficiente, eficaz, mas eu acho que a tendência dessa consolidação é a gente ir agora tomando outros atores e outros espaços importantes que demandam a existência da população negra, como o espaço do trabalho, como o espaço da alimentação, que eu acho que esses espaços são onde a população negra tem um sentido de exclusão maior, bem maior. Não é só de educação, mas eu acho que é de alimentação porque essa nos ajuda a sobreviver... (Janaína)

A população negra da nossa cidade, assim como de muitas capitais

brasileiras ainda padece com a fome, com a falta de emprego. Estes são setores

que segundo a avaliação do colaborador precisam avançar. É neles onde se

encontra maior dificuldade. Possibilitar a população negra e pobre de um modo geral

o acesso a algo fundamental como o alimento é interferir no sentido de gerar

redistribuição de renda, deslocando assim, os espaços de poder que permanecem

nas mãos de poucos:

[...] Eu acho que a gente em relação a poder a gente ainda precisa avançar bastante, em espaço de poder, espaço de poder financeiro, da fala, da intervenção, um dos instrumentos que são profundamente importantes pra se desenvolver uma política, eu acho que nisso a gente precisa avançar muito... (Janaína).

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A política de promoção da igualdade racial, portanto, para além da

valorização, da desconstrução de estereótipos de uma identidade inferiorizada e não

reconhecida precisa incidir na qualidade de vida, no acesso aos bens materiais.

Uma dimensão não exclui a outra. Aqui se volta a um dos debates iniciais,

anunciado por Fraser (2001): Como desenvolver políticas redistributivas e de

reconhecimento sem que nenhuma das dimensões minimize a outra? Talvez um dos

caminhos é reconhecer a interdependência das duas dimensões.

Os colaboradores também reconhecem que houve avanços na construção do

diálogo com a sociedade civil, abrindo espaço para a consolidação da democracia:

“... A gente conseguiu no âmbito da participação de controle social fazer a discussão

na cidade inteira sobre a igualdade racial” (Francisco).

Neste sentido, destaca-se a importância dada à participação da sociedade

civil e do seu papel, que é ressignificado a partir da nova configuração advinda com

a globalização, pois as questões postas por identidades coletivas vão além das

fronteiras nacionais (COHEN, 2003). Seu papel também é elevado na medida em

que esta pode exercer o controle social das políticas públicas.

O balanço que se faz então das políticas de promoção da igualdade racial

implementadas até o momento na ótica dos colaboradores é de que os maiores

avanços se deram a nível legal e na ampliação do debate para a sociedade de um

modo geral. Contudo, ressalta-se que muito ainda falta ser feito para que

cheguemos à efetivação destas leis. As dificuldades são percebidas com maior

nitidez no chão da estrutura organizacional da PCR, quando o racismo institucional e

a disputa pelo poder impedem que a discussão racial adentre em outros setores

como trabalho e renda. Da mesma forma, na SEEL o racismo institucional é

percebido quando as ações de formação continuada voltadas para esta temática

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recebem um tratamento diferenciado, funcionando como uma estrutura paralela, ao

que comumente está posto, enquanto política de formação continuada.

4.5.2 Igualdade racial ou equidade: a questão da identidade étnico-racial e as

políticas implementadas

Neste bloco temático foram agrupadas três questões. A primeira delas é “O

que é promoção da igualdade Racial”. Inicialmente consideramos interessante a

compreensão de um dos colaboradores ao afirmar que igualdade é uma “marca”, um

“horizonte” que não podemos perder de vista, pois, concretamente ela é algo irreal.

Dentro desta perspectiva ao falar de igualdade racial, termo utilizado correntemente

nos documentos oficiais, todos os colaboradores frisaram que na verdade o que se

busca é a equidade, compreendida enquanto igualdade de direitos e de

oportunidades. No universo das respostas a expressão direitos iguais aparece cinco

(05) vezes, a palavra equidade três (03) vezes e oportunidades iguais duas (02)

vezes. O que mostra uma tendência entre os colaboradores a especificar a que tipo

de igualdade se refere: “Eu fico muito preocupado quando diz igualdade, por que a

igualdade padroniza, não tanto na igualdade de direitos, o direito é para todos...”

(Ricardo).

Nos documentos analisados a igualdade racial também aparece como

igualdade de direitos. Isto remete ao debate posto entre igualdade formal e

igualdade material. De acordo com Gomes (2003), a noção de igualdade abstrata

preconizada pelas revoluções francesas e americanas é deixada de lado voltando-se

à atenção para igualdade material ou substancial, onde se pesa as desigualdades

reais da sociedade, fazendo com que situações desiguais sejam tratadas de forma

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dissemelhante, é baseando-se nesse princípio que as ações afirmativas se

justificam.

A segunda questão posta foi “O que é identidade étnico-racial”. O primeiro

aspecto que consideramos interessante destacar é a compreensão de que a

identidade étnico-racial possui uma dimensão individual e coletiva e que estas

dimensões são interdependentes:

[...] Aí eu digo a identidade racial negra pra mim ela tá completamente associada, primeiro, ao aspecto do reconhecimento de si próprio e depois do reconhecimento da sua história como indivíduo numa sociedade... (Francisco).

Outro aspecto relevante é a percepção que a identidade negra não depende

exclusivamente de questões fenotípicas:

[...] É isso né, pra mim identidade étnico racial não tem haver

apenas com questões biológicas, acho que isso já está posto né, pra mim já está bastante claro, e nem com conceito de raça construído historicamente que pautava muito mais o biológico do que as questões sociais e culturais... (Júlia).

Contudo, no contexto da sociedade brasileira as marcas corporais do ser

negro são importantes no processo de afirmação da identidade negra pelo fato do

racismo no Brasil ter como característica a tentativa de anulação destas marcas:

[...] Então a questão da identidade negra começa por aí, mas passa ainda pela questão de entender as características de um indivíduo negro e ver como essa pessoa é, e não é simplesmente a questão do cabelo, mas é também o cabelo, porque entre a gente no Brasil é a característica e assumir, vivenciar o seu jeito de ser, o jeito do seu cabelo, ela define muita coisa na forma com que você se relaciona com as pessoas e como as pessoas se relacionam com você... (Francisco).

O processo de negação do corpo negro fica evidente com a ideologia do

branqueamento, quando se tinha a intenção de através da miscigenação limpar o

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sangue brasileiro34. Neste sentido identidade étnico racial de acordo com a

percepção dos colaboradores:

É você se identificar com a sua ancestralidade, então a sua

identidade enquanto história de vida, mas também você entender a identidade como alguma coisa que é uma relação... (Ana).

E ainda “... Seria você se perceber, se entender, se aceitar, se gostar como

pertencente àquele grupo...” (Margarida). Então ancestralidade, reconhecimento,

sentimento de pertença, auto-aceitação, socialização e cultura são alguns elementos

que juntos fazem parte da composição desta identidade.

Ainda sobre identidade étnico-racial, apenas um dos colaboradores não

respondeu a pergunta. Ao invés disso, contestou a utilização do termo étnico-racial,

argumentando que o termo raça é adequado ao se falar de animais, mas no caso

das pessoas “a base é o ser humano” (Rosa). Esta concepção não é estranha a um

grande número de brasileiros que sob o mito da democracia racial passaram a

defender em forma de discurso que “não existe raças diferentes, que o mais

importante é a raça humana”. Contudo, para além das questões biológicas o termo

raça foi ressignificado pelo movimento assumindo neste contexto uma conotação

sociológica, como ressalta Duarte (2006).

A última questão tratada foi “Qual a relação entre políticas de promoção da

igualdade racial e identidade étnico-racial”. Alguns colaboradores tiveram dificuldade

em compreender esta questão, sendo necessário explicá-la através de exemplos,

talvez por este motivo duas pessoas entraram em outras temáticas e não

responderam a pergunta de fato.

Cada uma das respostas aborda aspectos distintos e importantes sobre a

questão. Um destes aspectos é a percepção de que as políticas identitárias surgem 34 Para saber mais consultar MUNANGA (1999).

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a partir da luta, da mobilização e organização dos atores sociais e que tais políticas

surgem ancoradas em uma concepção de sujeito, de sociedade: “... Essas políticas

elas não surgem do nada, elas se originam da observação da realidade, da

concepção do sujeito/sociedade e o que elas carregam...” (Margarida). Em outras

palavras é a partir das representações sociais que tais políticas ganham forma

Azevedo (1997).

O racismo difuso nas relações sociais brasileiras tem como uma de suas

conseqüências a não representatividade do negro nos espaços públicos de poder.

Esta questão é identificada por um dos colaboradores quando este afirma que:

[...] Quem ta no poder, tá numa situação de privilégio, a urgência do outro tá bem distante, então eles estão na boa vontade, vamos dizer assim, de promover, mas de fato é um longo caminho pra fazer essa urgência ser necessária, ser mais rápida, então é um processo de luta... (Ricardo).

Outro aspecto interessante é a forma como as políticas identitárias ao

acontecerem geram a necessidade de criação de novas instâncias administrativas

que alteram a forma de organização da gestão, trazendo para dentro da “esfera

pública, institucional, governamental um debate que tava na sociedade” (Ana). Este

aspecto é enfatizado por outro colaborador quando afirma que

[...] Quando se tem uma diretoria de igualdade racial, uma secretaria de direitos humanos, pra mim tem alguma mudança em termos de políticas públicas que vai favorecer ou que vai estar puxando a sociedade para dar visibilidade a esses grupos, historicamente discriminados...(Júlia)

Respostas deste tipo põem em evidência as instâncias criadas a partir de

2003, como sendo capazes de alterar a realidade social, de fato percebemos

algumas mudanças, mas também percebemos que todas as instâncias criadas não

gozam de total autonomia e por ser o racismo um fenômeno que atinge a população

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negra em todas as esferas, seu combate exige um esforço conjunto de todos os

setores da administração pública, ratificando o princípio da transversalidade. É neste

diálogo e nesta interdependência que consiste o maior desafio, pois em muitos

setores a desigualdade racial ainda não foi incluída como fator importante a ser

combatido.

Outro aspecto interessante apontado é o fato de políticas identitárias e

identidade étnica serem processos que se retro alimentam:

A partir do momento que a política pública é implementada fortalece a identidade étnico racial, aí as pessoas se auto afirmam, aí as pessoas se identificam, as pessoas fazem justamente valer seus direitos, então, pra mim acho que os dois estão ligadinhos. (Raquel)

Ou seja, a política incide sobre a identidade que por sua vez, sendo

reconhecida, incide sobre a política. Este é um processo identificado por Neves

(2005), quando este afirma que as políticas identitárias “são também formas de re-

significação das mesmas, pois reivindicam de forma positiva identidades

socialmente degradadas” (NEVES, 2005, p. 87).

Um dos colaboradores aponta com pertinência para o fato da própria natureza

da identidade étnico-racial ser política:

Veja, a identidade quando você assume uma identidade, você a assume politicamente é uma assumir político, é um ser político que se reporta, que se renova, que se estabelece, que se reafirma... (Janaína).

Isto significa dizer que assumir esta identidade nos faz está de forma

diferente no mundo:

Quando a gente assume, quando a gente compreende o estar no mundo, o desenvolver no mundo com essa identidade, todas as outras coisas começam a fazer parte de, então é uma identidade política, não pode deixar de ser identidade política e isso recorre na

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política pública porque quando a política pública ela é implementada ela é implementada pra uma população... (Janaína)

Implementar políticas de promoção da igualdade racial para a população

negra no Brasil não significa necessariamente aplicar política para um “setor”.

Chamamos atenção aqui para o fato da população negra no Brasil corresponder a

mais da metade da população.

Tratar da questão da identidade negra ou de uma política que perpassa pela questão de identidade ela é especifica e ao mesmo tempo coletiva, dependendo desse povo e quando trata da questão do povo negro ela é mais coletiva ainda porque a população que ela vai atingir é mais da maioria, é quase a maioria, então ela deixa de ser uma política específica pra uma população restrita... (Janaína)

Neste sentido, reafirmamos a importância das políticas setoriais destacando

que seus efeitos serão ainda mais impactantes se conjugadas com políticas de

desenvolvimento como afirma Zoninsein e Feres Júnior (2006).

Por fim, cabe-nos refletir sobre o papel das políticas públicas, a que vêm

estas políticas, a quem se destinam. Para um dos colaboradores:

[...] A política pública precisa dar conta do desejo, das necessidades das pessoas e do jeito como elas são, com a história delas pra qualificar a vida delas, então se é qualificar a vida das pessoas, ajudar as pessoas fortalecerem a sua identidade isso é uma coisa muito importante... (Francisco)

Este depoimento fecha este subtópico retomando a importância da política

pública como elemento de mudança da realidade social. As demandas originadas a

partir de identidades coletivas como é o caso da população negra exigem do Estado

uma mudança de postura e impõem a este a formulação de políticas que visam à

igualdade de condições e não somente a igualdade de oportunidades e de direitos

formais como o que é preconizado no ideário liberal.

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4.5.3 Os limites e tensões na confluência dos papéis do Estado e da Sociedade

Civil

Neste bloco foram agrupadas quatro questões, a primeira delas é qual é o

papel do Estado no que se refere às políticas de promoção da igualdade racial. Uma

primeira noção destacada por apenas um dos colaboradores é a de que não existe

uma divisão estanque entre Estado e Sociedade Civil:

[...] Eu acho que não tem essa coisa que o estado tem um papel, o Estado é o grande planejador, o grande responsável, eu acho que o Estado é definido pela sociedade também... (Josefa).

Percebemos que ao falar do papel do Estado apenas uma pessoa aponta

esta interpenetração de papéis. No entanto, ao falar sobre o papel da sociedade civil

esta tendência é percebida com maior freqüência, 04 pessoas apontaram a

interpenetração entre os papéis desempenhados pela sociedade civil e pelo Estado.

Isto significa que hoje ao se falar em sociedade civil a compreensão que se tem é

que esta não consiste em um campo de forças em oposição ao Estado, cada vez

mais esta é percebida como fazendo parte deste, sendo chamada para planejar,

implementar e avaliar políticas públicas.

Outro aspecto percebido durante as entrevistas é que apesar dos

colaboradores trabalharem planejando e executando políticas dentro de uma

instituição do Estado eles parecem não se vêem como agentes deste, pois falam do

Estado como algo distante e independente das ações, vontades, representações e

desejos das pessoas.

No que se refere ao papel do Estado às repostas apontam para duas

perspectivas a primeira delas é a de que este é o responsável pela desigualdade

entre brancos e negros já que houve uma omissão no período pós-abolição e até

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mesmo a implementação de políticas racistas que aprofundaram e perpetuaram as

desigualdades. Neste sentido, o Estado hoje tem como tarefa corrigir as

desigualdades, reparando as populações da diáspora pelo dano causado,

É o momento de reparar, reparar através de políticas afirmativas então o papel do Estado seria o de superar, [implementando] políticas afirmativas de oportunidades para agente superar as desigualdades, por exemplo, as cotas das universidades... (Bernadete)

Esta compreensão foi objeto de discussão na Conferência de Durban,

momento onde vários países divergiam sobre a noção de ação afirmativa e sobre a

maneira como deve se dão estas medidas reparatórias. No entanto, conforme Sales

Júnior (2007), apesar das discórdias a delegação brasileira sai fortalecida da III

CMR, elaborando diversas propostas de ações afirmativas.

A segunda perspectiva enfoca o Estado como agente responsável por

desempenhar múltiplas tarefas: pensar mecanismos, fomentar a discussão, cumprir

os acordos, no sentido de implementar políticas públicas capazes de reverter o

quadro atual, para tanto, o Estado precisa ser sério, ético e responsável:... Políticas

públicas devem ser formuladas para a maioria da população e o governo deve ser

este formulador sério, ético, responsável... (Joana).

A segunda questão tratada foi “qual é o papel da escola no que se refere às

relações étnico-raciais”. Inicialmente é importante destacar que sendo a escola uma

instituição estatal, ela se configura como resposta a uma demanda social de

efetivação de direitos:

[...] Eu vejo a escola, pelo menos a escola pública como uma perna

do governo né, por que ela já é a concretização de uma resposta de um direito, então ela não pode sinalizar de forma diferente... (Rosa).

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Já que a escola é uma “perna do governo” a sua principal função é cumprir

com o seu papel de instituição educativa, ofertando uma educação de qualidade e

preocupada com o respeito à diversidade para todos os seus usuários, que em sua

maioria, pelo menos na rede municipal do Recife, é composta por estudantes

negros. “O papel da escola pra mim é receber os estudantes independente deles

serem negros, brancos, índios ou ciganos. Propiciar uma educação de igualdade e

de direito...” (Raquel).

E ainda:

Eu acho que a escola ela tinha que, como escola, no caso da escola pública né, ela tem que cumprir sua tarefa é cumprir a sua tarefa e pra mim a tarefa da escola não se limita à sala de aula, mas é também e, sobretudo, a sala de aula...Eu acho que a escola tem um papel fundamental, mas é preciso, ter outra lógica, primeiro eu acho que o salário do professor tem que mudar tem que melhorar tem que dar mais horário para o professor produzir porque se não produzir ele não dá uma boa aula, se não tem uma boa aula não tem uma boa relação... (Francisco).

Outra percepção é a de que a escola semelhantemente ao Estado tem sua

parcela de responsabilidade pela propagação do racismo e da discriminação no

espaço escolar, e, portanto, tem como função hoje, contribuir para a desconstrução

de estereótipos e preconceitos:

[...] A escola é referência e ela tem um papel pra desconstruir o que

ela mesma ajudou a construir porque se o Estado ele incorpora esse discurso, incorpora porque também a escola ajuda a incorporar, se a família tem um papel porque também a escola ajudou a reafirmar esse papel e aí eu acho que isso é que é o importante... (Janaína).

As considerações feitas pelos colaboradores são condizentes com o que é

apresentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações

Étnico-Raciais (2006), onde é reconhecido que o racismo não tem o seu nascedouro

na escola, mas que ela é responsável na medida que propaga e ressignifica o

racismo, portanto, nesta nova conjuntura é chamada a combatê-lo.

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Finalmente, um aspecto interessante que nos chamou atenção foi a

semelhança dos verbos utilizados para compor o papel da escola e do Estado, o que

reafirma a concepção da escola como extensão deste. Ao falar sobre o papel do

Estado apareceram verbos de ação como: pensar, criar, corrigir, fomentar, fazer,

efetivar, reparar, combater, prover. Da mesma forma que para indicar o papel da

escola foram utilizados os verbos: refletir, promover, implementar, combater, formar,

propiciar, promover, desconstruir. Isto coloca estas instituições na representação

dos colaboradores como responsáveis por agir no sentido de provocar mudança.

Mudança de valores, mudança de perspectiva, gerando o reconhecimento do

alunado negro.

A terceira questão foi “como se dá à relação entre Estado e sociedade Civil no

que se refere às questões étnico-raciais”. Há certo otimismo demonstrado pela

grande maioria dos colaboradores no que se refere à participação da sociedade civil,

mas, ao mesmo tempo há a preocupação que esta deixe de cumprir um dos seus

papéis que é o de “fiscalizar” as ações do Estado.

Este otimismo tem sua origem com a vitória do partido dos trabalhadores para

o executivo municipal em 2000, seguida da vitória do mesmo partido para a

presidência da república em 2002, visto que este tem investido numa forma mais

participativa de gestão (SOUZA, C., 2005). Isto fica explicito na fala de alguns

colaboradores e mesmo aqueles que não tocam no tema diretamente demonstram

acreditar na nova forma de gerir a cidade inaugurada com a ascensão do partido dos

trabalhadores:...Mas há hoje um governo diferente no Brasil, isso aí eu não tô

negando não, eu acho que a gente não pode desconsiderar não, é diferente

(Francisco)

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Este fato já tinha sido apontado por nós ao considerarmos que com a vitória

do partido dos trabalhadores os movimentos sociais ganham novo fôlego por

acreditar que esta força política representa a concretização de diversas bandeiras

históricas. Contraditoriamente, assistimos nos dias de hoje uma crescente

criminalização dos movimentos sociais, ao passo que muitas lideranças passaram a

assumir cargos de confiança no âmbito da administração pública.

De acordo com a fala dos colaboradores é possível extrair duas noções que

circulam entre eles. A primeira delas diz respeito à idéia de que hoje estamos

vivenciando dias melhores no que se refere à relação entre o Estado e a Sociedade

Civil, o que comprova isto, de acordo alguns colaboradores, é a criação de diversas

instâncias democráticas como conselhos, fóruns, conferências, orçamento

participativo, grupos de trabalho entre outros, que tem possibilitado a ampliação do

diálogo entre sociedade e Estado.

Acredito que mediante a participação da sociedade civil nas

conferências municipal, estadual e nacional as mesmas servem de palco para estabelecer o diálogo entre sociedade civil e estado no que se refere as relações étnicos raciais (Bernadete).

Neste mesmo sentido outro colaborador afirma que:

Eu acho que de alguma forma há um avanço né, nessa relação entre o Estado e a sociedade por conta do que se conseguiu muito com a criação dos conselhos com a realização das conferências (Francisco).

Contudo, apesar deste entusiasmo, como já foi dito anteriormente, há a

sinalização de que esta relação ainda precisa ser melhorada e de que a postura dos

movimentos sociais muitas vezes é de agradecimento e não de direito conquistado.

Eu acho que há uma relação muito legal nesse sentido, o que precisa, como eu disse antes, é que ela precisa ser qualificada, precisa que o movimento continue como movimento pra poder o governo avançar, em determinados momentos por causa do que o

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Brasil já viveu o movimento se sente agradecido para os governos e isso é um problema... (Francisco) (Grifo nosso)

Apenas um dos colaboradores expressa a compreensão de que a criação

destes mecanismos democráticos não é suficiente para dizer que de fato estamos

vivenciando uma democracia.

Esse governo pra mim é o governo das reuniões, das discussões, das conferencias, das plenárias, das palestras e etc. e etc., mas todas essas proposições dos movimentos sociais precisam de financiamento para estar acontecendo no orçamento participativo, por exemplo, apenas 8% do orçamento é efetivamente decidido naquela temática específica e com esse quantitativo de dinheiro se pode fazer muita pouca coisa... Acho que aqui ocorre muitos e muitos movimentos, mas em termos percentuais a quantidade de pessoas que nós temos, a quantidade de movimentos que nós temos não repercute na visibilidade e existência do nosso povo nos mecanismos de poder e de tomada de decisão oficiais...(Joana)

De acordo com Santos (2003), há a tentativa do Estado absorver a sociedade

civil através de mecanismos como democracia vigiada e neocorporativismo. Isto

acontecendo à sociedade com certeza perde forças e há um arrefecimento das

lutas.

[...] Agora vamos ver né, a gente tá numa outra configuração, tá num novo governo, mas tá lento...O movimento tá numa fase de querer participar das ações do governo e às vezes algumas participações são muito subservientes, então, isso é um problema, isso é um problema porque não ajuda o governo a avançar, entendeu, porque o governo vai, vai, vai, se o movimento não for mais ainda, o governo não vai, o governo fica ali... (Francisco).

Ainda com os depoimentos colimados junto aos colaboradores foi possível

perceber que na concepção destes a sociedade civil é muito importante no processo

de mobilização de lutas para conquistas de direitos e efetivação destes. Neste

sentido ela tem um duplo papel. O primeiro é o de cobrar ação do Estado e

monitorar o desenvolvimento destas ações, ou seja, fazer o controle social das

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políticas, este parece ser o principal papel se deixar de cumpri-lo a sociedade perde

força.

[...] a sociedade civil de fato muitas vezes deixa de cobrar em determinados momentos, então eu acho que o papel da sociedade é cobrar sim, é questionar sim, é propiciar...É fazer com que o governo de fato faça valer a ação da política pública pra poder a coisa não parar (Raquel).

Esta é a lógica seguida com a criação do Conselho Municipal de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial e do GTERÊ. Na legislação que regulamenta o

funcionamento destas instituições é dada relevância à participação da sociedade

civil como é possível verificar no nono inciso da lei 17.311/07, que cria o CMPPIR:

IX - manter relação com a sociedade civil estabelecendo parcerias, redes de ajuda, canais de participação e controle social nas políticas de promoção dos direitos humanos.

O segundo papel da sociedade civil apontado pelos colaboradores é o de

propor ações e de está junto com o governo para efetivá-las.

[...] eu acho que a sociedade civil e principalmente a organizada tem este papel de estar monitorando né, de vendo as ações e de estar propondo também né, não basta só exigir os direitos ou reclamar, ou lutar por, fazer os movimentos e tudo mais, mas também de propor ações né ... (grifo nosso) (Júlia).

E ainda,

[...] As demandas da sociedade civil elas precisam estar ao estágio onde o Estado a partir de então pode efetivá-las, mas ele não pode efetivar de uma maneira isolada ele tem que efetivar com a sociedade fazendo um controle e demandando novas ações pra que ele efetive porque aí a gente vai poder tá fazendo um Estado para as pessoas e com as pessoas, eu acho que esse é um papel importantíssimo (grifo nosso) (Janaína).

A participação da sociedade civil junto às esferas governamentais é fonte de

muitos dilemas. A pergunta é, de que maneira vem se dando esta participação, pois,

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há a constatação de que em alguns momentos integrantes dos movimentos sociais

são usados como cabos eleitorais.

Outra questão que não pode ser confundida é a participação enquanto

representante da sociedade civil nas esferas governamentais com a absorção de

lideranças dos movimentos sociais para assumir cargos comissionados dentro da

administração pública, o que gera um compromisso muitas vezes incompatíveis com

a militância política. Esta prática é apontada por Paiva e Oliveira (1998), como um

problema,pois para este autor ela cria um vínculo corporativista e inibe a prestação

de contas, portanto pode se tornar pior se a pessoa indicada possuir uma

representatividade dentro dos movimentos sociais e passar a agir de forma

corporativista. Esta parece ser a preocupação quando alguns colaboradores

apontam para o fato de que hoje há uma certa indefinição dos limites existentes

entre sociedade civil e Estado, o que pode ocasionar o desvirtuamento da função

primordial da sociedade civil, que na ótica dos próprios colaboradores é fiscalizar o

Estado:

O estado tem o seu papel de fazer valer a política pública e a sociedade civil de cobrar, em determinado momento os papéis se confundem, e muitas vezes nesta confusão de lados e de idéias, o que acontece é que... a sociedade civil de fato muitas vezes deixa de cobrar em determinados momentos (grifo nosso)... (Raquel)

Por fim, destacamos que os verbos utilizados no momento em que os

colaboradores definem o papel da sociedade civil são significativos na definição

deste papel, colocando a sociedade civil da mesma forma que o Estado e a escola

no campo da ação com a utilização de verbos como: fomentar, lutar, fazer valer,

cobrar, questionar, monitorar, dialogar, propor e fazer o controle.

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O debate continua com as respostas da ultima questão: “Você considera que

as políticas desenvolvidas até o momento no âmbito municipal, estadual e federal

podem ser consideradas políticas de Estado ou de governo? Por quê?”.

A opinião dos colaboradores se divide, dos 12 entrevistados, 6 (seis)

consideram que as políticas se caracterizam como de Estado, 03 (três) consideram

de governo e 03 (três) acreditam que as políticas estão se constituído enquanto

políticas de Estado.

Mais importante do que a classificação das políticas pelos colaboradores é a

justificativa destes, ou seja, o motivo de considerarem políticas de Estado, de

governo ou em constituição.

Há um grupo que considera tais políticas de Estado por causa da organização

e da pressão da sociedade civil exercida sobre o aparelho estatal:...Eu acho que

mesmo que a gente tivesse hoje um governo que quisesse recuar a própria

sociedade civil organizada não permitiria. (Margarida) e...Eu acho que ela própria

caminha pra ser uma política de estado, pela própria organização da sociedade que

é muito forte (Rosa).

Um dos colaboradores destacou que o fato de determinadas instâncias como

conselhos, GT´s, conferências, etc. terem sido criadas permite a institucionalização

destas políticas:

Pra mim são políticas de Estado na hora em que eu criei instâncias que não são só de uma gestão, a existência das conferências, a existência da coordenadoria, a existência do grupo de trabalho que pode até chegar um governo e desmanchar, mas eles já ganharam um nível de institucionalidade já tem uma capilaridade dentro da sociedade que é difícil tirar né, você pode até dá outro nome, dá outra marca (...).(Ana)

Outros afirmam ser política de Estado pelo fato de algumas iniciativas terem

sido tomadas desde governos anteriores:

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Todas essas políticas que o governo Lula hoje em dia tenta efetivar não foram propostas por ele, foram propostas por Fernando Henrique Cardoso e a gente não pode matar a história e os líderes dessa história...(Joana). ...É olha eu vejo enquanto política de Estado por que a movimentação que a gente conhece do movimento negro, que vem conseguindo mobilizar os parlamentares, anterior a lei 10.000... Desde o governo Fernando Henrique Cardoso...Amplia-se a discussão, e com Lula mais ainda coma criação da SEPPIR... (Bernadete).

Assim, a constituição destas políticas enquanto políticas de Estado parecer

ter como indicativo a continuidade de tais medidas dentro de um tempo histórico e

independente de governos, a pressão exercida pelos movimentos sociais que

demandam tais políticas e a criação de mecanismos que passam a integrar a

engrenagem da administração pública ocasionando a institucionalização.

Dos três colaboradores que colocam as políticas como de governo um

relaciona ao tipo de gestão inaugurada pelo Partido dos Trabalhadores:

É política de governo, isso eu tenho certeza, se fosse outro governo que não seja esse que a gente tá aí, talvez a discussão não tivesse nem na rua, porque a gente tem um governo que é um governo popular, democrático né, se fosse outro governo a gente não conseguiria nem tá no campo ainda da discussão... (Ricardo).

Outro colaborador afirma ser de governo por que se fosse de Estado teria que

ter um outro modelo de Estado e o terceiro não justificou sua resposta.

O grupo que considera que as políticas implementadas estão se constituindo

enquanto política de Estado justifica isto de duas maneiras: uma pessoa acredita

que ainda é cedo para afirmá-las enquanto políticas de Estado por que a

administração brasileira ao longo da história é marcada pela descontinuidade:

[...] isso é um problema, por que às vezes quando se muda a

gestão, quando se muda governo algumas coisas não tem continuidade, na verdade deveriam ser políticas de estado, política

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que independente do governo que estivesse independente do partido que assumisse, que se desse continuidade... (Júlia).

As demais pessoas consideram que já existem elementos que podem

caracterizar estas políticas como de Estado, mas isto só não basta, pois o que vai

definir é a atuação da sociedade civil:

[...] Eu acho que ela tem elementos que podem dependendo daí da intervenção da sociedade se ela pode se manter enquanto política de Estado porque eu acho que aí quem vai dar o norte tem que ser a sociedade... (Janaína).

O que nos chamou a atenção neste debate foi à percepção de certo temor de

que com a troca de partidos haja perda do que já foi conquistado, denotando uma

certa desconfiança por parte dos colaboradores sobre a possibilidade de

perpetuação destas políticas, visto que a história brasileira é farta de exemplos de

descontinuidade.

Outra questão é o retorno do debate a cerca do papel da sociedade civil,

momento em que sua importância é reafirmada.

[...] a gente tá caminhando para que essas políticas se solidifiquem, agora é um passo para as políticas serem políticas de estado, entendeu, são passos que estão sendo dados. Quando têm as conferências são políticas públicas já de estado na verdade, mas quem governa naquele determinado momento ele pode negligenciar, entendeu, aí por isso que eu tava dizendo que a importância dos movimentos se constituírem sempre firmes, fortes, vigilantes porque o governo ele vai ter falha pessoal... (Francisco)

O conjunto das respostas dos colaboradores põe em evidencia, como dito

anteriormente, o papel da sociedade civil que aparece em vários momentos em seus

depoimentos, o que é ratificado pelos documentos que criam instâncias

administrativas, pela PNPIR e pelas Diretrizes. Neste contexto a sociedade civil

emerge enquanto ator político fundamental para nortear as políticas públicas e as

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lutas de identidades coletivas. No reconhecimento deste papel também é

reconhecido o risco de se perder em meio ao jogo do clientelismo, marca da cultura

política brasileira, Paiva e Oliveira (1998). Esta mesma duplicidade existe quando se

trata das políticas implementadas, alguns acreditam que através dos mecanismos

criados e da pressão da sociedade é possível afirmar que são políticas de Estado,

outros parecem desacreditar da continuidade de tais políticas devido à marca da

descontinuidade presente na política brasileira.

4.5.4 Representação dos fazedores de políticas, retomando algumas

concepções

Ao falar sobre o papel da escola e do Estado estes são vistos como peças

fundamentais no sentido de estarem elaborando e implementando políticas de

promoção da igualdade racial, isto por que são vistos como responsáveis pela

fomentação do racismo e das desigualdades dele decorrentes. Isto se explica pela

noção de “Estado Reparador”, segundo a qual

[objetiva-se] que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir, os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações (MEC, 2006, p. 11).

O Estado é responsabilizado pelas desigualdades raciais e pelo fato de ter se

omitido, assumindo uma suposta neutralidade diante dos “embates que se travam no

campo da convivência entre os homens” (GOMES, 2003, p. 21). Esta suposta

neutralidade foi desmascarada na medida em que se percebeu que o Estado era

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regido por uma lógica racista implementando políticas racistas e que demonstravam

sua preferência por um grupo humano que ideologicamente consubstanciava o ideal

de modernidade, de progresso, um grupo que possui os pressupostos emocionais

necessários ao desenvolvimento do capitalismo Souza, C. (2005). Este grupo esta

vinculado diretamente uma idéia de raça Feres Júnior (2002). Portanto o grupo que

detém a racionalidade, a ciência, o espírito inovador e capaz de se adaptar ao

capitalismo é o grupo ariano. O outro, que neste caso tomamos a população negra,

mas não somente esta, é detentor de tudo que se opõe a uma imagem idealizada do

Eu, é, portanto, o atrasado, irracional, emotivo Feres Júnior (2006).

Dentro da educação, na concepção dos decisores, a figura do/a professor/a

aparece como peça central do processo de mudança que pressupões a reeducação

das relações étnico-raciais. Este posicionamento está em consonância com as teses

defendidas por países centrais no inicio da década de 1980, de que a má qualidade

na formação de professores/as é a responsável pelo fracasso escolar Batista Neto,

(2006). Este tipo de pensamento desenvolvido e legitimado ao longo dos anos serve

como base para a centralização das ações no campo da formação continuada.

Percebemos a partir dos relatos dos próprios decisores, como mostrado nos quadros

de ações, que a maioria das atividades desenvolvidas pela SEEL no sentido de

implementação da Lei 10.639/03 centra-se na formação do/a professor/a, mas

mesmo assim esta tem se mostrado ineficiente.

Todo este debate tem como pano de fundo a questão da igualdade. Na ótica

dos colaboradores a igualdade tem que ser definida, ao se falar em igualdade,

portanto referem-se a igualdade de direitos não aquela noção abstrata de uma

igualdade que padroniza. Apreende-se também que direitos iguais significam direitos

efetivados, não apenas garantidos no plano jurídico-formal. Neste contexto, a

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identidade étnico-racial aparece como uma categoria política capaz de mobilizar as

lutas criando demandas que são respondidas em forma de políticas públicas, está

posta assim a relação entre as identidades e as políticas. O dilema posto é que

neste processo há uma essencialização desta identidade Hall (2006). As políticas

identitárias são tentativas de solidificação do que é liquido na perspectiva de

Bauman (2005). Pois as políticas são formatadas e dirigidas a uma categoria

específica de sujeitos que não fogem a regras e representações consolidadas em

meio a uma noção do que é ser negro, do que é ser afrodescendente.

As identidades ganham força a ponto de demandarem a ação do Estado, na

medida em que são assumidas e defendidas coletivamente. Assim, a partir da

defesa das identidades os movimentos sociais conseguem a mobilização da ação

estatal. A sociedade civil, através dos movimentos organizados passa a dialogar

com o Estado. Em governos de base popular esse diálogo é transportado para

dentro da gestão, através do discurso da participação e do controle social das

políticas públicas. Os colaboradores apreendem isso e reafirmam a importância da

sociedade civil para pressionar, fiscalizar, elaborar e implementar as políticas.

Contudo, também é apreendido os dilemas e os riscos dessa relação na medida que

em alguns momentos a sociedade assume uma postura de gratidão ao poder

público e com isso deixa de cobrar.

Este tipo de postura se torna preocupante na medida em que os decisores

percebem também que para que as políticas tenham continuidade e atinjam as

metas, que não são de curto prazo, é preciso serem políticas de Estado e não de

governo. As políticas de governo são marcadas pela descontinuidade e

fragmentação. Ao afirmarem que as políticas implementadas até o momento são

políticas de governo os decisores carregam em si o temor de que tudo o que foi

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construído com esforço se desfaça com a mudança de gestão. Por outro lado, os

que afirmam que as políticas implementadas até o momento são de Estado, assim o

fazem baseados na esperança de que estas políticas se consolidem a partir da luta

e da pressão da sociedade civil.

Assim, o balaço que fazem do que foi realizado até o momento apontam os

limites e as principais dificuldades encontradas mas o fazem de forma um tanto

quanto difusa, indireta, parece haver um temor de falar abertamente sobre os

fracassos e insucessos, é preciso ir montando um quebra-cabeça aproximando e

distanciando as falas do conjunto das entrevistas e comparando com a realidade.

Isto nos parece nos indicar que contraditoriamente, dentro de uma estrutura

democrática ainda persistem mecanismos autoritários que permitem a crítica, mas

não toda crítica, nem em todo lugar nem a todas as pessoas.

Como já foi dito as ações estão voltadas essencialmente para formação

continuada, sabemos dessa necessidade, mas acreditamos que o esforço da

formação trará de fato os efeitos pretendidos quando os educadores/as puderem

contar com materiais pedagógicos específicos sobre a temática em quantidade e

qualidade, contarem ainda com condições dignas de trabalho e com formação

continuada sobre relações étnico-raciais e história da África e dos Afro-Brasileiros

em serviço.

Sobre a necessidade de formação continuada, aqui cabe uma ressalva de

nossa parte. Uma das manifestações do racismo e da discriminação consiste no

menosprezo e rebaixamento da história e cultura dos grupos racizados. Neste

sentido, a contribuição científica, artística, religiosa do povo negro é sub-

representada no imaginário brasileiro ou em alguns campos do saber simplesmente

inexistem. Ainda contamos com o artifício ideológico que tratou de transformar em

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folclore e cultura popular obedecendo a uma hierarquização tudo o que foi produzido

e reelaborado pelo africano em solo brasileiro. Isto significa dizer que a nossa

escolarização excluiu ou sub-representou em seus programas, manuais, currículos e

propostas pedagógicas as contribuições do africano para o desenvolvimento do pais.

A geração de professores/as que hoje estão nas salas de aulas é fruto deste

processo e por isso o reproduzem. Neste contexto reconhecemos a urgente

necessidade de promover atividades de formação continuada que reverta esse

processo. Estas novas aprendizagens que se demanda para os/as educadores/as,

para além de um processo racional onde predomina a relação cérebro/realidade

requerem um processo cognitivo-emocional que envolve uma série de sentimentos e

que mobilizam uma série de linguagens na desconstrução de estereótipos e

ideologias e reconstrução de novos saberes, longe dos modismos e livres das

amarras essencializantes e essencializadoras das identidades negra (HALL, 2006).

Isto não significa, porém, que uma educação das relações étnico-raciais

requeira apenas ações no âmbito da formação continuada. A educação das relações

étnico-raciais exige uma mudança na lógica de atuação dos sistemas de ensino,

convidando-os a olhar para o alunado, oriundos das classes populares e em sua

maioria negros de uma forma diferente. Enxergando-os como sujeitos de direitos

iguais, não na perspectiva da igualdade formal forjada no ideário liberal mas dentro

da perspectiva da igualdade material que pressupõe igualdade de condições. Isto

significa que a educação das relações étnico-raciais como fica claro nas Diretrizes

(2006):

Reconhecer exige que os estabelecimentos de ensino, frequentados em sua maioria por população negra, contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e brancos, no sentido de que venham a relacionar-se com

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respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação (p. 12).

Neste sentido, a rede municipal se encontra muito aquém de tais

pressupostos, precisando rever suas ações e posicionamentos ao falar de respeito a

diversidade. Se submetermos a uma análise mais detalhada o processo de

elaboração e implementação das ações percebemos que elas se figuram como

atividades reducionistas por focarem prioritariamente uma dimensão (a formação

continuada) e limitadas por o fazerem de forma a não contemplar com qualidade o

conjunto dos educadores/as.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o levantamento bibliográfico a partir dos anos 90 setores do

Movimento Negro reivindicam ações mais concretas do governo federal no

estabelecimento de políticas públicas sem a marca culturalista que muitas vezes

prevalece no âmbito do Estado ao se tratar do segmento negro.

A criação do GTI População Negra (1995) e a participação na Conferência de

Durban (2001) foram fundamentais para ampliação do debate e para introdução na

agenda pública às políticas voltadas para a promoção da igualdade entre negros e

brancos. A partir de 2003, várias leis, decretos e portarias foram baixados com vistas

a criar um aparato jurídico que desse sustentação às políticas em fase de

elaboração. Neste contexto, é criada a SEPPIR e promulgada a lei 10.639/03,

instrumentos que permitem a realização de várias ações em rodos os setores da

administração pública e em especial na educação.

O balanço que se faz das políticas de promoção da igualdade racial

implementadas até o momento na ótica dos colaboradores é de que os maiores

avanços se deram a nível legal e na ampliação do debate para a sociedade de um

modo geral. Contudo, ressalta-se que muito ainda falta ser feito para que

cheguemos à efetivação destas leis. Os dados estatísticos servem para voltarmos

nossos olhos para a realidade que revela o quanto ainda estamos longe de vermos

concretizada a igualdade substancial e o pleno reconhecimento de todos os

seguimentos da nossa sociedade.

No âmbito local as atividades desenvolvidas centram-se na formação

continuada dos/as educadores/as, mesmo assim o número atingido é muito pequeno

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em relação ao universo da rede. As atividades são esporádicas e de participação

facultativa, algumas, inclusive as de maior carga horária, acontecendo aos sábados.

Observa-se uma tendência em introduzir nas atividades formativas pessoas das

área técnico-pedagógica das escolas como coordenadores/as e diretores/as, com o

argumento de não reduzir os dias letivos previstos no calendário com a retirada

dos/as educadores/as da sala de aula. Ações desse tipo vão de encontro ao que

postula a LDB 9394/06, quando diz que a formação é em serviço, também inverte as

funções ao deixar entrever que quem tem que garantir os 200 dias letivos é o

professor/a e não a rede de ensino, e ainda trata com pouca seriedade um

ordenamento jurídico como a lei 10.639/03. Isto revela que o racismo institucional se

faz presente de forma profunda e persistente, deixando claro que uma das principais

dificuldades para a implementação de políticas de promoção da igualdade racial é o

próprio racismo institucional presente em todas as esferas da administração pública.

As representações dos decisores a cerca das políticas implementadas e

sobre as categorias temáticas revelam a percepção dos limites do que foi realizado

até o momento para dá conta de um fenômeno multifacetado como o racismo.

Revela também a apreensão das contradições existentes no processo de

elaboração e implementação das políticas. Contradições estas que se mostram

através de um Estado que encontra dificuldade em dá continuidade às políticas e

onde em alguns setores ainda persiste a crença no mito da democracia racial. Esta

contradição também é revelada na medida em que se percebe a ampliação do papel

da sociedade civil e a sua introdução cada vez maior na esfera governamental.

Neste contexto a sociedade civil emerge enquanto ator político fundamental para

nortear as políticas públicas e as lutas de identidades coletivas. Esta mesma

sociedade ora se dá conta de seu papel de cobrar e fiscalizar as ações do Estado,

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ora contraditoriamente, abaixa a cabeça e sente-se agradecida pelo o que foi

conquistado através da luta.

Tanto a escola como o Estado são vistos como responsáveis pela

implementação de políticas que objetivem a valorização da população

afrodescendente e para a correção das distorções decorrentes do racismo. Neste

sentido, o Estado deve deixar de lado a sua habitual postura de “neutralidade” se

colocando enquanto agente na proposição de políticas que para além da igualdade

de oportunidades concretizem a igualdade de condições.

Isto nos coloca diante de um permanente processo de insatisfação nos

colocando como seres em busca de superação denotando o processo de luta por

reconhecimento desvelado por Honneth (2000). Este processo ressalta a limitação

da capacidade criativa do Estado de produzir por conta própria soluções para as

demandas provenientes da sociedade civil.

Por fim, afirmamos que a luta contra o racismo requer a disponibilidade para o

aprendizado entre negros e brancos, na busca da superação das desigualdades e

construção de uma sociedade mais justa. Desse modo, a política pública é retomada

como elemento de mudança da realidade social, pois, as demandas originadas a

partir de identidades coletivas como é o caso da população negra exigem do Estado

uma mudança de postura e impõem a este a formulação de políticas que visam à

igualdade de condições e não somente a igualdade de oportunidades e de direitos

formais como o que é preconizado no ideário liberal. Finalizo com um trecho de um

texto escrito por Stuart Hall:

Reconheço que os espaços “conquistados” para a diferença são poucos e dispersos, e cuidadosamente policiados e regulados. Acredito que sejam limitados. Sei que eles são absurdamente subfinanciados, que existe sempre um preço de cooptação a ser pago quando o lado cortante da diferença e da transgressão perde o fio da espetacularização. Eu sei que o que substitui a invisibilidade é uma

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espécie de visibilidade cuidadosamente regulada e segregada. Mas simplesmente menosprezá-la, chamando-a de “o mesmo” não adianta... (HALL, 2006, p. 32, grifos do autor)

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ANEXOS

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ANEXO 1 Roteiro de Entrevista (1ª parte)

Dados de identificação e história de vida:

1.Nome: 2.Idade: 3.Cor/raça: ( ) branco ( ) preto ( ) pardo ( ) amarelo ( )indígena

4.Formação: Ensino Médio: ( ) Escola Pública ( ) Escola privada Ensino superior: ( )Instituição pública ( )Instituição privada Curso:_________________________ Pós-graduação: ( ) Instituição pública ( ) Instituição privada ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Pós-doutorado 5.Contatos: Celular:_____________ Telefone fixo:____________ E-mail:_______________

Um pouco sobre a sua história de vida e a sua prática: 1.Você já participou ou participa de algum movimento social? Qual? 2.Fale um pouco sobre este movimento e sobre a sua ação dentro dele? 3.Que função você exerce no âmbito da secretaria de educação e quais as suas principais tarefas? 4.Desde quando você assumiu esta função? 05.Que importância você atribui a sua função? 06.Como está estruturada a sua gerência? 7.Como são definidas as metas, ações e investimentos? 08.Quais as principais ações desenvolvidas no momento? 09.Quais as fontes de recursos para a realização destas ações e como eles são repassados? 10.Qual é o momento de maior tensão no desenvolvimento das atividades? 11.Como o tema das relações étnico-raciais encontra-se inserido nas ações e projetos desenvolvidos por esta gerência? 12.Quais as ações desenvolvidas por esta gerência no sentido de garantir a implementação da lei 10.639/03? 13. Quais os desafios e os limites encontrados na gerência no que se refere ao trato das questões étnico-raciais? 14.Você se coloca a disposição para a continuação deste trabalho através da participação em uma entrevista?

( ) sim ( ) não

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ANEXO 2

Roteiro de Entrevista- 2ª parte Perguntas para os membros da coordenação do GTERÊ e da DPPIR : 01.Quando foi criado o GTERÊ e qual a trajetória percorrida para a sua fundação? 02. Quando foi criada a DPPIR e qual a trajetória percorrida para a sua fundação? Para todos os colaboradores: 01. Você considera que estamos vivenciando uma nova fase no que se refere ao trato das questões raciais? Por que? 02. Que acontecimento você pode apontar como marco para o debate nacional em torno das questões raciais nos últimos anos? Por que? 03.Para você o que é “promoção da igualdade racial”? Como fazer para atingi-la? 04.Em sua opinião qual é o papel do Estado frente às questões relativas a desigualdade racial? 05.Qual o papel da escola no que se refere as relações étnico-raciais? 06. Para você o que é identidade étnico-racial? 07.Você acredita que existe alguma relação entre identidade étnico-racial e políticas de promoção da igualdade racial ? Como você definiria esta relação? 08.Você considera que as ações desenvolvidas pelos governos no âmbito municipal, estadual e federal dão conta do objetivo da superação da desigualdade racial? Por que? 09.Pra você como se dá a relação entre Estado e Sociedade Civil no que se refere as relações étnicos raciais?

10. Você acha que as ações empreendidas no âmbito da Seppir e das secretarias e coordenações municipais se caracterizam como uma política de Estado ou como uma política de governo? Fale um pouco sobre isto.

11..Como você avalia os trabalhos desenvolvidos no período em que você está a frente desta gerência no que diz respeito a questão racial?

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ANEXO 3

LEI Nº 17.311/2007

Ementa: Cria o Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

O povo da Cidade do Recife, por seus representantes, decretou, e eu, em seu nome, sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica criado o Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Recife-CMPPIR/Recife, órgão colegiado, de controle social e caráter deliberativo da política municipal de Promoção da Igualdade Racial, tendo por finalidade fortalecer a luta contra o racismo e o preconceito baseado em raça ou etnia, através do monitoramento, acompanhamento e fiscalização, bem como propor políticas afirmativas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra recifense, com vistas a ampliação da participação popular e do controle social.

Parágrafo único. Entende-se por políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, para efeitos desta lei, o conjunto de políticas públicas e privadas, de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, que tem por objetivo combater o racismo, o preconceito e a discriminação racial e reduzir as desigualdades raciais, inclusive no aspecto econômico, financeiro, social, político, educacional e cultural. Trata-se de políticas e de mecanismos de universalização de direitos dirigidos a grupos historicamente discriminados por sua origem, raça ou etnia.

Art. 2º O Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial é vinculado à estrutura da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã do município do Recife, que deverá dotá-lo de recursos humanos, materiais e financeiros necessários a seu funcionamento.

Art. 3º Compete ao Conselho:

I - participar na elaboração de critérios e parâmetros para a formulação e implementação de metas e prioridades para assegurar as condições de igualdade à população negra e de outros segmentos étnicos da cidade do Recife.

II - propor estratégias de controle, avaliação e fiscalização, bem como a participação no processo deliberativo de diretrizes das políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, fomentando a inclusão da dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas em âmbito municipal;

III - avaliar anualmente a proposta orçamentária do município do recife e propor prioridades na alocação de recursos dos diversos órgãos municipais, podendo contar para a avaliação constante deste dispositivo o com a colaboração de outras entidades de participação e controle social.

IV - recomendar e realizar estudos, debates e pesquisas sobre a realidade da situação da população negra e de outros segmentos étnicos da população recifense, com vistas a contribuir na elaboração de propostas de políticas públicas afirmativas de Promoção da Igualdade Racial;

V organizar e realizar a cada dois anos a conferência municipal de promoção da igualdade racial.

VI acompanhar e fiscalizar a implantação e implementação das deliberações das conferências municipais de promoção da igualdade racial;

VII acompanhar a implementação da políticas de Combate ao Racismo Institucional e propor o desenvolvimento de programas e projetos de capacitação sobre as relações raciais no âmbito da administração pública;

VIII - articular-se com as entidades e organizações do movimento social negro e de outros segmentos étnicos da população recifense, conselhos estaduais e nacionais da comunidade negra, bem como de outros conselhos setoriais para ampliar a cooperação mútua e estabelecer estratégias comuns para o aprimoramento do controle social das políticas afirmativas de igualdade racial;

IX - propor, em cooperação com organismos governamentais e não-governamentais, nacionais e internacionais, a identificação de sistemas de indicadores, no sentido de estabelecer metas e procedimentos, com base nesses

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índices, para monitorar a aplicação das atividades relacionadas com a promoção da igualdade racial, no âmbito do município.

X - fiscalizar e acompanhar as políticas de promoção dos direitos culturais da população negra, especialmente pela preservação da memória e das tradições africanas e afro-brasileiras, bem como a diversidade cultural, constitutiva da formação histórica e social da cidade do Recife;

XI - propor e acompanhar medidas de defesa de direitos dos indivíduos e grupos étnicos raciais afetados por preconceito, discriminação racial, racismo e demais formas de intolerância;

XII - monitorar e propor avanços na legislação municipal relacionada que garantam políticas de promoção da igualdade racial;

XIII - constituir comissões temáticas permanentes e grupos de trabalho para avaliar, acompanhar e fiscalizar as políticas de promoção da igualdade racial;

XIV - prestar contas anualmente, das ações do conselho em assembléias próprias devidamente convocadas para este fim, publicando, relatório da prestação de contas, o qual deverá ser disponibilizado à sociedade;

XV - elaborar o regimento interno no prazo de noventa dias a partir da constituição do conselho e decidir sobre as alterações propostas por seus membros.

Art. 4º O Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial é um conselho bipartite com dois terços de representação da sociedade civil e um terço de representação do governo municipal, composto por 24 membros titulares e igual número de suplentes sendo 16 representantes da sociedade civil e 08 representantes do governo municipal.

§ 1º Da representação da sociedade, 2/3 (dois terços) representam os diversos segmentos da luta contra a discriminação racial devendo ser eleitos e eleitas na Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, distribuídos da seguinte maneira:

a) 08 representantes do movimento negro e/ou entidades comprometidas com a luta contra o racismo com no mínimo 24 meses de existência, comprovada em documento reconhecido em cartório eleitos na Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial.

b) 06 representantes das RPA´s eleitos em processo específico na Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial;

c) 02 representantes das minorias étnicas existentes no Recife (Índios, Judeus, Árabes, Palestinos e Ciganos) eleitos em processo específico na Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial;

§ 2º Oito representantes do Governo Municipal indicados pelo Prefeito.

§ 3° O mandato dos conselheiros/as representantes eleitos da sociedade civil é de 02 (dois) anos, permitida uma única recondução consecutiva.

§ 4º Conselho terá garantido na sua constituição um percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de mulheres negras, sendo da responsabilidade do governo a indicação de 1/3 e da sociedade Civil 2/3 no mínimo.

Art. 5º O membro do Conselho perderá o mandato, garantido o contraditório e a ampla defesa, nas seguintes hipóteses:

I - quando faltar, sem motivo justificado, a três reuniões consecutivas ou a cinco alternadas, no período de 01 (um) ano;

II - quando demonstrar conduta incompatível com os objetivos do Conselho.

Parágrafo Único. Os procedimentos para caracterização da perda do mandato serão especificados no Regimento Interno do Conselho.

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Art. 6º A atuação dos membros do Conselho não será remunerada, sendo consideradas relevantes ao Município do Recife e tendo prioridade sobre suas atividades no serviço público.

Art. 7º O CMPPIR tem a seguinte estrutura organizacional:

I - pleno

II- coordenação colegiada

III- comissões permanentes e temáticas

IV - secretaria executiva

Parágrafo Único. As normas de funcionamento do pleno, as atribuições da coordenação colegiada, das comissões permanentes e temáticas e da secretaria executiva serão definidas no regimento interno do conselho.

Art. 8º A instância de deliberação do conselho é o pleno, composto conforme preceitua o artigo 4º que se reunirá na forma do regimento interno.

Art. 9º A coordenação do Conselho será escolhida por eleição, dentre os membros do conselho, e será composta por 03 (três) coordenadores, sendo um representante do governo e dois da sociedade civil.

Art. 10 A secretaria executiva será exercida por um profissional com reconhecida atuação na área de combate ao racismo e da igualdade racial, indicado pela coordenação ouvido o pleno.

Art. 11 O Poder Executivo Municipal assegurará as condições de funcionamento do Conselho, garantindo dotação orçamentária, e proporcionará as garantias necessárias para o pleno exercício de suas funções e atividades.

Art. 12 O Conselho, para o desenvolvimento de suas atribuições poderá celebrar convênios com organismos nacionais e internacionais públicos e privados.

Art. 13 Para a constituição do Conselho o Poder Executivo Municipal, no prazo de

até 15 (quinze dias), contados a partir da vigência da presente Lei constituirá Grupo de Trabalho Paritário, formado por 06 (seis) membros, sendo 03 (três) representantes da sociedade escolhido no Seminário de Preparação do Conselho entre as pessoas que participaram da I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial e 03 (três) membros representantes do governo Municipal indicados pelo Prefeito da Cidade.

§ 1º O Grupo de Trabalho Paritário ficará encarregado de adotar providências necessárias à instalação e funcionamento do Primeiro Conselho, com mandato previsto até a posse dos novos Conselheiros eleitos na segunda Conferencia Municipal de Igualdade Racial.

§ 2º O Grupo de Trabalho convocará a sociedade civil para, em dia, hora e local designados, promoverem a eleição, em assembléia, dos membros que comporão a representação da sociedade civil no Conselho Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial até a realização da 2ª conferência de Municipal de Igualdade Racial, nos moldes determinados no Art. 4º.

§ 3º O Conselho deverá ser instalado dentro de um prazo de 30 (trinta) dias, contados da vigência desta Lei.

Art. 14 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Recife, 28 de março de 2007.

JOÃO PAULO LIMA E SILVA

Prefeito do Recife

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ANEXO 4

Fragmento da lei Nº 17.108/2005

EMENTA: Dispõe sobre a adequação da estrutura da Administração Direta e Indireta do Município do Recife às novas diretrizes administrativas e consolida atribuições.

Seção XVII

Da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

Art. 41. Fica criada a Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã como órgão superior, subordinado diretamente ao Prefeito, constituindo o núcleo central do sistema de coordenação e implantação de políticas afirmativas de direitos e garantias constitucionais.

Art. 42. São atribuições da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã:

I - promover a cidadania, apoiando o exercício de direitos individuais e coletivos;

II - promover Direitos Humanos a partir de políticas públicas afirmativas desenvolvidas de forma integrada e articuladas com os diferentes setores da administração municipal;

III - promover os Direitos Humanos através do atendimento e encaminhamento de denúncias de violações de direitos, em articulação com a Secretaria de Assuntos Jurídicos;

IV - fortalecer e articular a rede de proteção e atendimento da população, visando a defesa, promoção e garantia dos direitos;

V - promover a integração do município no pacto nacional de segurança cidadã;

VI - oferecer ações de garantia de direitos contra todo tipo de violência, possibilitando à sociedade em geral atuar em defesa e promoção dos direitos;

VII - promover os Direitos Humanos articulando ações de prevenção a violência juntamente com a Guarda Municipal;

VIII - promover a participação ativa da população nos espaços de controle social, a fim de informar e comprometer as pessoas na garantia de direitos;

IX - manter relação com a sociedade civil estabelecendo parcerias, redes de ajuda, canais de participação e controle social nas políticas de promoção dos direitos humanos;

X - desenvolver ações afirmativas, com base na prática de programas concretos, voltados aos grupos desfavorecidos por sua condição de classe, sexo, raça, etnia, origem, com oportunidades concretas que garantam seus direitos;

XI - desenvolver atividades voltadas ao resgate de identidade, dando visibilidade à religiosidade, cultura, memória e cidadania das diversas etnias;

XII - desenvolver interlocução com os diferentes setores da sociedade, com o objetivo de apoiar, promover, gerir, estimular e garantir as diferentes formas e meios dos direitos humanos às pessoas com necessidades especiais;

XIII - garantir direitos humanos visando garantir respeito a diversidade sexual;

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XIV - desenvolver ações que visem integrar os voluntários nos trabalhos de construção da cidadania;

XV - implementar e coordenar o Fórum Permanente de Promoção da Equidade, com a participação dos segmentos que vivenciam diferentes formas de discriminação, suas políticas e produções, visando formular política de equidade, de forma integrada, em nível municipal, estadual e federal fixando prioridades para execução das ações, captação e aplicação de recursos;

XVI - Captar recursos para projetos e programas específicos junto a órgãos, entidades e programas internacionais, federais e estaduais;

XVII - exercer outras atividades correlatas com suas atribuições.

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ANEXO 5

11/Mai/2006 :: Edição 51 :: Cadernos do Poder Executivo Secretaria de Educação, Esporte e Lazer Maria Luiza Aléssio Portaria PORTARIA Nº 489 DE 21 MAIO DE 2006. A Secretária de Educação do Recife, comprometida com a pauta de políticas afirmativas do governo municipal, no uso de suas atribuições e em conformidade com os princípios e diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE), Ministério de Educação (MEC), da Lei 10.639/03 e da Lei Orgânica do Município de Recife em seu artigo 138, resolve criar um Grupo de Trabalho que trata de Educação e Relações Étnico-Raciais (G.T.E.R.E), com as seguintes atribuições. Art 1º. - O G.T.E.R.E, tem como objetivo promover a institucionalização da Educação das Relações Étnico-raciais na perspectiva de favorecer a formação de profissionais da educação e ampliar os temas dos currículos escolares para diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira como política pública no município do Recife. Art 2º.- São atribuições do G.T.E.R.E: I- Contribuir para a implementação da Lei 10.639/03 no âmbito da educação pública municipal. II- Apresentar subsídios técnicos, políticos, administrativos e gerenciais voltados à Educação das Relações Étnico - Raciais e ao Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. III- Participar de iniciativas intersetoriais relacionados com a Educação das Relações Étnico-Raciais e ao Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, o combate ao Racismo Institucional e a Promoção da Eqüidade Racial. IV- Participar e contribuir ao acompanhamento da implantação no âmbito municipal do desenvolvimento das ações programáticas e políticas de Combate ao Racismo Institucional e da Promoção de Igualdade Racial emanadas pela Diretoria de Igualdade Racial/ Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife. V- Participar do processo de construção coletiva, acompanhamento e avaliação da Formação Continuada dos professores da Rede Municipal. Art.3º. O G.T.E.R.E será composto por 16 membros, sendo três (3) da coordenação do Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) em educação e doze (13) representando as gerências e Diretorias da Secretaria de Educação Esporte e Lazer do Recife abaixo relacionadas: Gerência de Educação Infantil: 01 representante Gerência de Educação Especial: 01 representante Gerência de I e II ciclos: 01 representante Gerência de III e IV ciclos: 01 representante Gerência de Jovens e Adultos: 01 representante Gerência de Animação Cultural: 01 representante

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Gerência de Educação Profissionalizante: 01 representante Gerência de Educação Complementar: 01 representante Gerência de Atendimento à comunidade: 01 representante Gerência de Formação Continuada: 01 representante Diretoria de Apoio Social à Educação: 01 representante Núcleo de Gestão: 01 representante Diretoria de Tecnologia em Educativa Parágrafo Único- A coordenação executiva do G.T.E.R.E será assumida por um representante da equipe base do PCRI do Setorial Educação. Art. 4º. - Caberá à coordenação executiva do G.T.E.R.E a elaboração de regulamento interno do G.T., especificando seu funcionamento, organização e forma de trabalho. Art. 5º.- Os membros do G.T.E.R.E. não receberão nenhuma gratificação por sua atuação no grupo, considerando trabalho de relevância pública. Art. 6º.- A infra-estrutura e apoio administrativo para o funcionamento do G.T.E.R.E. ficarão a cargo da Secretaria de Educação Esporte e Lazer do Recife. MARIA LUIZA MARTINS ALÉSSIO Secretária de Educação, esporte e Lazer Republicado por Incorreção

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ANEXO 6

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ANEXO 7

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ANEXO 8

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.678, DE 23 DE MAIO DE 2003.

Conversão da MPv nº 111, de 2003 Cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, e dá outras providências.

Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória nº 111, de 2003, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Eduardo Siqueira Campos, Segundo Vice-Presidente, no exercício da Presidência da Mesa do Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda constitucional nº 32, combinado com o art. 12 da Resolução nº 1, de 2002-CN, promulgo a seguinte Lei:

Art. 1o Fica criada, como órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Art. 2o À Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial compete assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e avaliação das políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância, na articulação, promoção e acompanhamento da execução dos programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação da promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e acompanhamento das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial, no planejamento, coordenação da execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas e na promoção do acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem o cumprimento dos acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à promoção da igualdade e de combate à discriminação racial ou étnica, tendo como estrutura básica o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR, o Gabinete e até três Subsecretarias.

Art. 3o O CNPIR será presidido pelo titular da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, e terá a sua composição, competências e funcionamento estabelecidos em ato do Poder Executivo, a ser editado até 31 de agosto de 2003.

Parágrafo único. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, constituirá, no prazo de noventa dias, contado da publicação desta Lei, grupo de trabalho integrado por representantes da Secretaria Especial e da sociedade civil, para elaborar proposta de regulamentação do CNPIR, a ser submetida ao Presidente da República.

Art. 4o Ficam criados, na Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, um cargo de natureza especial de Secretário Especial de

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Políticas de Promoção da Igualdade Racial e um cargo de Secretário-Adjunto, código DAS 101.6. Art. 4o Fica criado, na Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República um cargo de Secretário-Adjunto, código DAS 101.6. (Redação dada pela Medida Provisória nº 419, de 2008)

Art. 4º Fica criado, na Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, 1(um) cargo de Secretário-Adjunto, código DAS 101.6. (Redação dada pela Lei nº 11.693, de 2008)

Parágrafo único. O cargo de natureza especial referido no caput terá prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes ao de Ministro de Estado e a remuneração de R$ 8.280,00 (oito mil, duzentos e oitenta reais).(Revogado pela Medida Provisória nº 419, de 2008) (Revogado pela Lei nº 11.693, de 2008) Art. 4o-A. Fica transformado o cargo de Secretário Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no cargo de Ministro de Estado Chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. (Incluído pela Medida Provisória nº 419, de 2008)

Art. 4º-A. Fica transformado o cargo de Secretário Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no cargo de Ministro de Estado Chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. (Incluído pela Lei nº 11.693, de 2008)

Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Congresso Nacional, em 23 de maio de 2003; 182º da Independência e 115º da República.

Senador EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS

Segundo Vice-Presidente da Mesa do Congresso Nacional, no exercício da Presidência

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 26.5.2003

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ANEXO 9

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição e Considerando que o Estado deve redefinir o seu papel no que se refere à prestação dos serviços públicos, buscando traduzir a igualdade formal em igualdade de oportunidades e tratamento; Considerando que compete ao Estado a implantação de ações, norteadas pelos princípios da transversalidade, da participação e da descentralização, capazes de impulsionar de modo especial segmento que há cinco séculos trabalha para edificar o País, mas que continua sendo o alvo predileto de toda sorte de mazelas, discriminações, ofensas a direitos e violências, material e simbólica; Considerando que o Governo Federal tem o compromisso de romper com a fragmentação que marcou a ação estatal de promoção da igualdade racial, incentivando os diversos segmentos da sociedade e esferas de governo a buscar a eliminação das desigualdades raciais no Brasil; Considerando que o Governo Federal, ao instituir a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, definiu os elementos estruturais e de gestão necessários à constituição de núcleo formulador e coordenador de políticas públicas e articulador dos diversos atores sociais, públicos e privados, para a consecução dos objetivos de reduzir, até sua completa eliminação, as desigualdades econômico-raciais que permeiam a sociedade brasileira; Considerando que o Governo Federal pretende fornecer aos agentes sociais e instituições conhecimento necessário à mudança de mentalidade para eliminação do preconceito e da discriminação raciais para que seja incorporada a perspectiva da igualdade racial; Considerando-se que foi delegada à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial a responsabilidade de fortalecer o protagonismo social de segmentos específicos, garantindo o acesso da população negra e da sociedade em geral a informações e idéias que contribuam para alterar a mentalidade coletiva relativa ao padrão das relações raciais estabelecidas no Brasil e no mundo; Considerando os princípios contidos em diversos instrumentos, dentre os quais se destacam: - a Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação, que define a discriminação racial como "toda exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha como objetivo anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico e social"; - o documento Brasil sem Racismo, elaborado para o programa de governo indicando a implementação de políticas de promoção da igualdade racial nas áreas do trabalho, emprego e renda, cultura e comunicação, educação e saúde, terras de quilombos, mulheres negras, juventude, segurança e relações internacionais; - o Plano de Ação de Durban, produto da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, no qual governos e organizações da sociedade civil, de todas as partes do mundo, foram conclamados a elaborar medidas globais contra o racismo, a discriminação, a intolerância e a xenofobia; e Considerando, por derradeiro, que para se romper com os limites da retórica e das declarações solenes é necessária a implementação de ações afirmativas, de igualdade de oportunidades, traduzidas por medidas tangíveis, concretas e articuladas; DECRETA:

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Art. 1o Fica instituída a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR, contendo as propostas de ações governamentais para a promoção da igualdade racial, na forma do Anexo a este Decreto. Art. 2o A PNPIR tem como objetivo principal reduzir as desigualdades raciais no Brasil, com ênfase na população negra. Art. 3o A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial fica responsável pela coordenação das ações e a articulação institucional necessárias à implementação da PNPIR. Parágrafo único. Os órgãos da administração pública federal prestarão apoio à implementação da PNPIR. Art. 4o As despesas decorrentes da implementação da PNPIR correrão à conta de dotações orçamentárias dos respectivos órgãos participantes. Art. 5o Os procedimentos necessários para a execução do disposto no art. 1o deste Decreto serão normatizados pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 20 de novembro de 2003; 182o da Independência e 116o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA José Dirceu de Oliveira e Silva Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 21.11.2003

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ANEXO 10

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)"

"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 10.1.2003

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ANEXO 11

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

<!RESOLUÇÃO Nº 1, DE 17 DE JUNHO DE 2004

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O Presidente do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, publicada em 25 de novembro de 1995, e com fundamentação no Parecer CNE/CP 3/2004, de 10 de março de 2004, homologado pelo Ministro da Educação em 19 de maio de 2004, e que a este se integra, resolve: Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas Instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores. § 1° As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004. § 2° O cumprimento das referidas Diretrizes Curriculares, por parte das instituições de ensino, será considerado na avaliação das condições de funcionamento do estabelecimento. Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática. § 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira. § 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas. § 3º Caberá aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios desenvolver as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas. Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 3/2004. § 1° Os sistemas de ensino e as entidades mantenedoras incentivarão e criarão condições materiais e financeiras, assim como proverão as escolas, professores e alunos, de material bibliográfico e de outros materiais didáticos necessários para a educação tratada no “caput” deste artigo. § 2° As coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.

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§ 3° O ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, nos termos da Lei 10639/2003, refere-se, em especial, aos componentes curriculares de Educação Artística, Literatura e História do Brasil. § 4° Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira. Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de ensino. Art. 5º Os sistemas de ensino tomarão providências no sentido de garantir o direito de alunos afrodescendentes de freqüentarem estabelecimentos de ensino de qualidade, que contenham instalações e equipamentos sólidos e atualizados, em cursos ministrados por professores competentes no domínio de conteúdos de ensino e comprometidos com a educação de negros e não negros, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e discriminação. Art. 6° Os órgãos colegiados dos estabelecimentos de ensino, em suas finalidades, responsabilidades e tarefas, incluirão o previsto o exame e encaminhamento de solução para situações de discriminação, buscando-se criar situações educativas para o reconhecimento, valorização e respeito da diversidade. § Único: Os casos que caracterizem racismo serão tratados como crimes imprescritíveis e inafiançáveis, conforme prevê o Art. 5º, XLII da Constituição Federal de 1988. Art. 7º Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão a elaboração e edição de livros e outros materiais didáticos, em atendimento ao disposto no Parecer CNE/CP 3/2004. Art. 8º Os sistemas de ensino promoverão ampla divulgação do Parecer CNE/CP 3/2004 e dessa Resolução, em atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagens de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-Raciais. § 1° Os resultados obtidos com as atividades mencionadas no caput deste artigo serão comunicados de forma detalhada ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos respectivos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, que forem requeridas. Art. 9º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. ROBERTO CLÁUDIO FROTA BEZERRA

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ANEXO 12

22 - INDICAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA A Lei nº 10.639/03, de 09 de janeiro de 2003, alterou o Artigo 26 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial das redes de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira. Tem-se como princípio que a questão da diversidade cultural, no que se refere à educação para a igualdade racial pode ser repensada na perspectiva da promoção e valorização de todos os aspectos da cultura afro- .descendente local, de modo que os mesmos sejam amplamente divulgados como parte inerente à cultura nacional. Nesse sentido, inscrevem-se no Diário de Classe da Rede Municipal de Ensino do Recife orientações que tomaram como referência as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Brasília, 2005), bem como o curso "História e Cultura Afro-Brasileira: promovendo a eqüidade racial na educação" (Silva et aI., 2005). As proposições aqui expostas têm caráter provisório, na certeza de que os conteúdos serão reconstruídos e (re)significados pela comunidade escolar, no ensino e na aprendizagem, tendo em vista as práticas cotidianas que consideram os conhecimentos prévios socialmente elaborados. As ações educativas, nesse sentido, precisam orientar-se por princípios como “Consciência política e histórica da diversidade”, “Fortalecimento de identidades e de direitos” e “Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações” (Brasília, 2005), que contribuam para que a comunidade escolar possa:

Apropriar-se·de conceitos como: identidade, ancestralidade, raça, etnia, racismo, preconceito e discriminação;

Compreender a diversidade social da nação brasileira, considerando os diferentes grupos étnico-raciais que a compõem e que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas;

Desconstruir conceitos, idéias, comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, para romper com imagens cristalizadas pelos meios de comunicação, que expõem negros e povos indígenas em contextos de inferioridade;

Combater o racismo, a xenofobia e todas as formas de discriminação que se apresentem nas relações pessoais e institucionais;

Reconhecer as desigualdades nas relações de poder estabelecidas entre os grupos étnicos e as lutas contra a opressão, ressaltando a ocorrência de situações de preconceito nas relações sociais, na unidade de ensino e na comunidade, bem como instituir propostas para sua superação;

Identificar e criticar materiais veiculados pela mídia e/ou nas atividades sócio-culturais e desportivas contendo preconceitos étnico-raciais;

Conhecer a história afro-brasileira e africana, suas lutas e seus líderes para desenvolver atitudes de respeito e valorização, reconhecendo-a como elemento formador de nossa identidade histórico-cultural;

Compreender o processo de escravização colonial brasileiro no contexto social, econômico, político de cada período histórico;

Identificar as religiões de matriz africana como forma social negra de reconstrução do território africano no Brasil;

Identificar a existência de movimentos e grupos culturais negros na comunidade, buscando sua inserção em práticas escolares.

O trabalho com um viés na Educação Étnico-Racial deve mobilizar a comunidade escolar no sentido da aquisição dos conhecimentos necessários que possibilitem estimular o diálogo, a pesquisa, a elaboração e desenvolvimento de projetos, que qualifiquem a prática pedagógica nesta perspectiva. Para tanto, é imprescindível:

configurar-se como conteúdo das disciplinas de Arte, Literatura e História do Brasil, entre outras, tanto nos trabalhos em sala de aula como nos laboratórios de ciências e informática, na biblioteca, nas áreas livres das UE's e nos espaços extra-escolares;

incluir os movimentos sociais e os grupos de cultura negra como objeto de estudo nos projetos didáticos e também como parceiros nas ações desenvolvidas no cotidiano das UE's;

estimular o diálogo, promover debates, incentivar a pesquisa como procedimentos para a construção significativa do conhecimento sobre relações étnico-raciais;

adotar como estratégia metodológica inerente à prática pedagógica docente a promoção de mostras de cinema, teatro, música, dança, literatura, que instiguem a criação de grupos artístico-culturais nas UE's e na comunidade tendo como referência a valorização da Cultura Afro-Brasileira e Africana.

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ANEXO 14