pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo murilo ... carvalho... · murilo carvalho pereira...

153
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida socioeducativa de internação MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2011

Upload: others

Post on 23-Sep-2019

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI

O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de

medida socioeducativa de internação

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2011

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI

O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de

medida socioeducativa de internação

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca

examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial

para obtenção de título de MESTRE em Direito das

Relações Sociais, área de

concentração em Direito Penal, sob a orientação do Professor

Doutor Antonio Carlos da Ponte.

SÃO PAULO

2011

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

Banca Examinadora

________________________________

________________________________

________________________________

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

Aos meus pais, José Marcos e

Jussara, e à minha irmã, Renata, pelos ensinamentos e

oportunidades ofertados nesta

árdua vida, bem como pelo paradigma de ser humano no

convívio familiar.

Aos mais novos da família,

Marcelo, Isabela e, agora,

Gabriela, pela alegria que trouxeram.

Aos meus queridos avós, Nelson, exemplo de cidadão e Braulina,

sempre professora, que nos

deixaram, mas que sabemos estão lá, no outro plano, a orar

por todos nós.

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

Meus agradecimentos,

ESPECIAIS, a Luis Carlos

Gonçalves Filho, pela amizade, inspiração e exemplo de

profissionalismo, ofertados antes

mesmo da minha vida acadêmica e de estágio sob sua supervisão.

Agradeço, também de forma ESPECIAL, a Antonio Carlos da

Ponte, por, primeiramente,

confiar e aceitar o compromisso de orientar, e, principalmente,

pelos ensinamentos ofertados,

que, com certeza, mostraram o que é ser, verdadeiramente,

MESTRE.

Aos companheiros José Cândido

Cardoso, Jurema de Carvalho

Pereira e Paulo Henrique Pereira Cardoso, pela paciência, carinho

e acolhimento.

Aos colegas, Defensores

Públicos e Servidores, da

Defensoria Pública do Estado do Maranhão, por oportunizarem,

além da amizade, uma experiência de vida que jamais

esquecerei.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

RESUMO

O objetivo do presente trabalho, sem afastar-se da necessidade de uma

restrição da liberdade, é apresentar um instrumento capaz de, concretamente,

atender ao princípio constitucional do sistema de proteção integral, quando do

cumprimento da medida socioeducativa de internação.

Para tanto, valendo-se da noção de cidadão, insculpida pelo Social

Estado Democrático de Direito, busca-se fixar o voto como tal mecanismo,

permitindo, desta feita, a preservação de um direito fundamental, qual seja o

direito de votar, e da dignidade da pessoa humana.

Demonstrar-se-á, ao final, que apenas será possível a esperada

ressocialização dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa

de internação, quando estes forem vistos como sujeitos de direitos. E mais,

sujeitos capazes de influenciarem no resultado do sufrágio, o que, por certo,

despertará interesse do poder público.

Do contrário, não passará a internação de mera sanção penal

provocadora de isolamento social e mantenedora de não-cidadãos; mas nunca

uma sanção capaz de gerar políticas públicas que, concretamente, promovam

a ressocialização do adolescente em conflito com a lei.

Palavras-chave: proteção integral – medida socioeducativa de internação ––

voto - cidadão –– dignidade humana – ressocialização -

Social Estado Democrático de Direito.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

ABSTRACT

Without distancing itself from a restriction of freedom, this work aims

to present an instrument able to, on a concrete way, attend the constitutional

principle of the system of integral protection by the moment of the social

educative measurement of internment.

Therefore, through the notion of citizen determined by the Social

Democratic Law State, there is an attempt to settle the vote as such

mechanism, making possible, as a result, the preservation of a fundamental

right, as it is the right to vote, in addition to the dignity of the human being.

It will be demonstrated by the end that the awaited resocialization of

the teenagers doing time related to the social educative measurement of

internment will only be possible by the time such teenagers are seen as people

subject to rights. And also seen as citizens able to influence the result of the

voting, which will certainly call the attention of the public authorities.

Otherwise, the internment will be no more than a mere criminal

sanction that will result in the social isolation and in the maintenance of non-

citizens; but never on a sanction able to generate public politics which will

concretely promote the resocialization of the teenager confronting the law.

Key words: integral protection – social educative measurement of internment

–– vote - citizen –– human dignity – resocialization - Social

Democratic Law State.

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................. 11

1. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E O SOCIAL ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...................................................... 15

1.1 Noção de Estado........................................................................ 16

1.2 Formas de Estado ..................................................................... 18

1.3 Formas de Governo .................................................................. 19

1.4 Sistema de Governo .................................................................. 20

1.5 Regimes Políticos ...................................................................... 21

1.6 Evolução: do Estado de Direito ao Social Estado Democrático de

Direito ..................................................................................... 23

2. O INTERNADO COMO SUJEITO DE DIREITOS E A EFICÁCIA

PRINCIPIOLÓGICA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ..................... 30

2.1 A Proteção Integral .................................................................. 30

2.2 Eficácia Principiológica da Proteção Integral ......................... 42

2.2.1 Princípios da Interpretação Constitucional: Normas,

Princípios e Regras ..................................................... 43

2.2.2 O Papel dos Princípios na Interpretação da Constituição 55

2.2.3 Princípios em Espécie ...................................................... 57

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

2.2.4 Métodos de Interpretação ............................................... 62

2.2.4.1 Noções Gerais ....................................................... 62

2.2.4.2 Métodos em Espécie ............................................. 68

2.2.4.3 A escolha de “UM” Método ................................. 71

2.3 Humanização da Medida Socioeducativa e a Dignidade Humana 72

2.3.1 Direito Penal Juvenil: medida socioeducativa como sanção

penal e não como pena; garantias penais ao adolescente

submetido à medida socioeducativa ............................. 73

2.3.2 Princípio da Humanização ou da Humanidade da Sanção 83

2.3.3 Dignidade da Pessoa Humana .......................................... 90

3. DIREITOS POLÍTICOS E O INTERNADO ............................... 94

3.1 Direito Político Positivo: direito de sufrágio ........................... 94

3.1.1 Capacidade Eleitoral Ativa ............................................. 99

3.1.2 Capacidade Eleitoral Passiva ................................................ 100

3.1.2.1 Condições de Elegibilidade ........................................ 101

3.2 Direitos Políticos Negativos ............................................................ 101

3.2.1 Inelegibilidades Absolutas ..................................................... 103

3.2.2 Inelegibilidades Relativas ...................................................... 104

3.3 Privação dos Direitos Políticos ....................................................... 105

3.3.1 Perda....................................................................................... 109

3.3.2 Suspensão ............................................................................... 110

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

3.3.3 Reaquisição dos Direitos Políticos ......................................... 113

3.4 A Cidadania como Direito Fundamental e os Direitos Políticos

Fundamentais: participar do governo, votar e ser votado ......... 113

3.5 A Resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral................ 124

3.6 Corrupção eleitoral e a Medida Socioeducativa de Internação ... 130

CONCLUSÕES ........................................................................................ 138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 141

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

INTRODUÇÃO

Milhares de indivíduos cumprem, há tempos, medidas socioeducativas

de internação de forma subumana, em Entidades superlotadas. O sistema

criado para os adolescentes em conflito com a Lei se propõe a recuperá-los e

reeducá-los, preparar seu retorno à sociedade como seres produtivos. Fazer

com que não reincidam em práticas infracionais.

O sistema de proteção às crianças e aos adolescentes evoluiu,

chegando-se ao atual Sistema da Proteção Integral.

Entretanto, não obstante se tenha atingido legalmente este

reconhecimento de sujeito em desenvolvimento e inserido o objetivo final de

recuperação do adolescente para a sociedade, em outras palavras a tão

sonhada ressocialização do adolescente em conflito com a lei e a sua

reinserção no todo social, tal fim ainda está longe de se ver concretizado.

Falar-se em ressocialização do sujeito em conflito com a lei, ante as

péssimas condições das entidades de internação de um modo geral e o descaso

absoluto das autoridades governamentais, seria cômico, se não fosse trágico.

Se não bastasse a precariedade física destas entidades, o fato é que estes

sujeitos internados não geram para os governantes qualquer retorno, ou seja,

não lhe geram votos diretamente, até pelo fato de ser este (voto) facultativo

para as pessoas com idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, o que faz

com que o descaso quanto à viabilização do exercício deste direito seja

praticamente absoluto.

Ademais, é menos complexo, embora falacioso, justificar medidas

atinentes à segurança pública que planejar e executar políticas públicas que,

de fato, propiciem uma reinserção social destes cidadãos.

Nestas circunstâncias, passa ser corriqueira e aparentemente normal,

apesar de não existir em nossa Carta Magna de 1988, ou em qualquer outro

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

12

diploma legal, dispositivo determinando ou autorizando qualquer restrição

dos direitos políticos a esta parcela de indivíduos1.

Ocorre, no entanto, que a sanção penal não pode excluir o indivíduo da

sociedade, sob pena de restabelecermos sanções desumanas. Não significa,

por óbvio, que não seja cabível a medida socioeducativa de internação nos

casos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, a

segregação temporária do cidadão da sociedade.

O que não se admite é justamente uma sanção que retire do indivíduo

esta qualidade de cidadão, o que se dá quando do não exercício dos direitos

políticos ativos do internado, mais precisamente na não efetividade da

capacidade eleitoral ativa, pelo simples fato de estar ergastulado.

Aliás, este descaso decorrente da situação de conflito com a lei e a

perda desta qualidade fundamental de cidadão ficaram, para nós2, nítidos em

decorrência da atuação funcional desenvolvida no Núcleo de Proteção da

Criança e do Adolescente, da Defensoria Pública do Estado do Maranhão,

enquanto ocupante do cargo de Defensor Público titularizado para exercício

das atividades na assistência jurídica aos adolescentes em conflito com a lei

Em face da moralidade e da incompatibilidade de dedicação ao cargo,

além da existência de norma constitucional genérica de exigência de idade

mínima para a ocupação de cargos políticos, eventual restrição aos direitos

políticos passivos do adolescente internado, isto é, da sua capacidade eleitoral

passiva, do seu direito de ser votado e, se eventualmente eleito, de ocupar um

cargo público, a nosso ver pode até justificar, após uma interpretação

1 O artigo 15, inciso III, da CF/88 apenas autoriza a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação

criminal. E mais, que esta condenação tenha transitado em julgado.

2 E cremos seja o mesmo sentimento daqueles que estão envolvidos com qualquer tipo de atuação

diretamente ligada aos adolescentes em conflito com a lei e em cumprimento de medida socioeducativa de

internação.

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

13

sistemática do ordenamento jurídico pátrio3, a edição de legislação neste

sentido.

Inadmissível, porém, referida exclusão do adolescente internado da

sociedade, ou seja, tornar o indivíduo um não cidadão, violando, inclusive, a

própria ressocialização do submetido à medida socioeducativa, mormente

quando tal fato se dá sem previsão legal e por omissão dos entes públicos.

Impedir o exercício dos direitos políticos ativos do internado, isto é,

impossibilitar que o mesmo exerça seu direito de voto é sem dúvida, em face

do Princípio da Dignidade Humana e do atual Social Estado Democrático de

Direito, tornar uma pessoa um não cidadão e, por conseguinte, impedir sua

ressocialização.

E mais, é justamente com a concretude da capacidade eleitoral ativa do

internado que ele será visto como sujeito de direitos (e não mero portador de

obrigações), como alguém que desperta interesse no poder público, vez que

poderá, mesmo internado, ser decisivo no resultado do sufrágio.

Portanto, não será mais tratado como mero infrator, mas sim como

cidadão, quer pelo exercício de um direito fundamental, quer pelo fato de sua

decisão (qual seja o voto) poder influenciar na escolha dos representantes

políticos (sejam do Poder Executivo ou do Poder Legislativo).

Assim, passarão a ter tratamento digno e serão alvos de políticas

públicas que, de fato, promovam sua ressocialização.

Destes pressupostos então alinhados, é que se embasa nosso estudo a

respeito do voto como instrumento da ressocialização do indivíduo em

cumprimento de medida socioeducativa de internação.

3 Não podemos esquecer que é comum a ocorrência de indivíduos com mais de 18 (dezoito) anos de idade e

que se encontram internados cumprindo medida socioeducativa de internação pelas práticas de atos

infracionais cometidos antes de completarem esta idade. Assim, plenamente possível a existência de internos

com idade mínima exigida para ser vereador, qual seja 18 (dezoito) anos de idade (art. 14, § 3º, inciso VI,

alínea “d”, da CF/88).

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

14

Analisar-se-ão, neste estudo, os direitos políticos e sua qualidade de

direito fundamental, o Estado Democrático de Direito e o Princípio da

Dignidade Humana, para, por conseguinte, demonstrar que o voto é

instrumento para efetiva ressocialização do indivíduo internado em

decorrência de sentença impositiva de medida socioeducativa, preservando-

se, por certo, a condição de dignidade da pessoa humana, bem como os

princípios da Proteção Integral e do reconhecimento de Sujeito em

Desenvolvimento.

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

15

1. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E O SOCIAL ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Inicialmente, trataremos daquilo que será o ponto de partida de todo

nosso desenvolvimento, ou seja, fixaremos o sentido, o significado, do que

venha a ser o Social Estado Democrático de Direito.

Isto, pelo fato de que a participação popular é elemento essencial para a

caracterização de referido Estado, ou seja, de seu próprio regime político.

Estado este, como se verá no item referente à evolução, que não mais se

contenta em ser apenas um Estado Liberal, sendo exigida a atuação positiva

deste Estado, isto é, um Estado Social. Sem se esquecer, por certo, que a

qualidade de ser “Social” não lhe retirou a de ser um Estado “de Direito” e

nem mesmo de continuar a ser “Liberal”.

Assim, mostraremos a evolução de um Estado Liberal para um Estado

Social, apresentando, por necessário, a própria noção de Estado e seus

elementos, as Formas de Estado, as Formas de Governo, os Sistemas de

Governo e, ainda, os Regimes Políticos.

Ademais, é justamente pela necessária participação do cidadão neste

“atuar” estatal que se pode fixar o sentido de cidadão (e, por conseguinte, de

cidadania4), cuja não efetivação dos direitos políticos ativos retoma a figura

de um não cidadão, violando, pois, a Dignidade Humana e o próprio Social

Estado Democrático de Direito.

Entretanto, por não ser objetivo deste trabalho o desenvolvimento

detalhado acerca da organização e da estruturação do Estado (o que por certo

geraria um estudo isolado acerca de Teoria Geral do Estado), faremos apenas

considerações básicas, porém a nosso ver necessárias, quanto a este tema

4 A Cidadania e a Dignidade Humana, conforme artigo 1º, da Constituição Federal de 1988, são, dentre

outros, fundamentos da República Federativa do Brasil. República esta constituída em Estado Democrático

de Direito, em que todo o poder emana do povo.

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

16

(noção de Estado e seus elementos, as formas de Estado, formas de governo,

sistemas de governo e regimes políticos).

1.1 Noção de Estado

Estado, segundo Silva5, é “uma ordenação que tem por fim específico e

essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de

uma dada população sobre um determinado território, na qual a palavra

ordenação expressa a idéia de poder soberano, institucionalizado. O Estado,

como se nota, constitui-se de quatro elementos essenciais: um poder soberano

de um povo situado num território com certas finalidades”.

Temer6, por sua vez, afirma que o Estado “consiste na incidência de

determinada ordenação jurídica, ou seja, de determinado conjunto de

preceitos sobre determinadas pessoas que estão em certo território”.

E continua o mesmo autor apresentando o conceito fornecido por José

Carlos Ataliba Nogueira7: “Estado é a sociedade soberana, surgida com a

ordenação jurídica, cuja finalidade é regular globalmente as relações sociais

de determinado povo fixo em dado território sob um poder”.

Precisas, ainda, as lições de Dallari8 ao definir Estado como “a ordem

jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em

determinado território”. E segue: “Nesse conceito se acham presentes todos os

elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder

está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica

5 Reproduzindo definição de Giorgio Balladore Pallieri, in SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 97 e 98.

6 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 17.

7 Idem, p. 18.

8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

119.

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

17

da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência

expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e,

finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado,

está presente na menção a determinado território”.

Desta feita, a partir do próprio conceito se extrai quais são os elementos

constitutivos (integrantes, componentes) do Estado. São eles: o povo; o

território; a soberania e; a finalidade9.

O elemento povo é o elemento humano, o conjunto de pessoas que

mantêm um vínculo jurídico-político com o Estado, tornando-se parte

integrante deste. Daí a diferenciação no tocante à população (um conceito

apenas numérico para identificar as pessoas que se encontram no território) e

e à nação (uma realidade sociológica identificadora das pessoas unidas por

laços históricos e culturais, isto é, das pessoas formadoras de uma

comunidade).

Território, por sua vez, é o elemento material do Estado, ou seja, o

espaço onde o Estado exerce sua supremacia, o espaço de validade de sua

ordem jurídica. Aliás, conceito este jurídico (e não apenas geográfico), sendo

certo que abrange, além do espaço delimitado entre as fronteiras do Estado, o

mar territorial, a plataforma continental, o espaço aéreo, o subsolo

correspondente ao território a ao mar territorial, bem como as embarcações e

aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro

onde quer que se encontrem, e as embarcações brasileiras mercantes ou de

propriedade privada e as aeronaves que se achem, respectivamente, em alto

mar ou no espaço aéreo correspondente.

9 A finalidade (realização do bem comum), entretanto, não é considerada para alguns como elemento do

Estado, sob o argumento de que o Estado não é um fim em si mesmo, mas um meio para a satisfação das

necessidades do povo organizado politicamente sobre determinado território. A propósito, Rebello Pinho,

Rodrigo César. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 02.

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

18

Já soberania, é o elemento formal do Estado e diz respeito ao poder que

o Estado exerce, ou seja, é o poder exercido sobre as pessoas que residem em

determinado território e a impossibilidade do poder político do Estado ser

restringido por qualquer outro. Como se vê, há um sentido político (poder de

querer coercitivamente e fixar competências) e um sentido jurídico (poder de

decidir em última instância), ou seja, supremacia na ordem interna e

independência na ordem externa. Todavia, este poder não é absoluto e

ilimitado, sendo certo que atualmente o Estado deve ser visto como um

sujeito de direito internacional, devendo, pois, obedecer a princípios gerais da

ordem jurídica internacional e à soberania dos outros Estados.

A finalidade, por derradeiro, expressa os objetivos do Estado, que é

justamente atingir o bem comum. Inexistindo a finalidade inexiste, também, a

própria ordenação. Não cremos ser acertada, pois, a concepção de que o

Estado é apenas um instrumento, mas sim de que é a própria finalidade.

1.2 Formas de Estado (modo pelo qual se estrutura – Simples ou

Unitário e Composto ou Complexo)

A maneira como o Estado se estrutura diz respeito ao seu modo de

exercício do poder político, isto é, “as formas de Estado são definidas a partir

do critério territorial, tomando como referência a existência e o conteúdo do

regime de descentralização político-administrativa de cada Estado, indicando,

por este modo, a existência de um Estado Unitário ou Federal”10

.

10 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 257.

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

19

Referem-se, pois, “à projeção do poder dentro da esfera territorial,

tomando como critério a existência, a intensidade e o conteúdo de

descentralização político-administrativa de cada um”11

.

Assim, neste aspecto podem os Estado serem classificados em Unitário

(ou simples) e Federal (ou composto).

Será considerado unitário, quando houver centralização política, um

único pólo constitucionalmente capacitado a, com autonomia, produzir

normas jurídicas. Eventual descentralização nunca será do tipo federativa mas

tão somente autárquica, gerando, no máximo, uma forma de autarquia

territorial e nunca uma autonomia político-constitucional12

.

Federal, por sua vez, será o Estado em que há uma descentralização de

autonomia político-constitucional, ou seja, há uma autonomia assegurada às

vontades parciais, uma união de coletividades públicas dotadas de autonomia

político-constitucional. Justamente desta união que surge um ente central,

corporificador da vontade central, e diversas entidades representativas das

vontades parcelares13

.

1.3 Formas de Governo (organização política – Monarquia ou

República)

A forma de governo diz respeito à maneira como se dá a instituição do

poder na sociedade e como se dá a relação entre governantes e governados;

quem deve exercer o poder e como exercê-lo, ou seja, “modulando sobretudo

11 Idem, p. 258.

12 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 99.

13 Entidades estas com autonomia e nunca com soberania. Do contrário, teríamos o chamado Estados

Confederados (união de entes soberanos).

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

20

o nível de intervenção da população no governo”14

. Diz respeito, como se

percebe, à estruturação do Estado, aos pressupostos sociológicos e políticos

que se voltam para a direção e condução do Estado.

As formas de governo, desta feita, são a República e a Monarquia15

.

A República caracteriza-se pela periodicidade e eletividade dos

governantes (periodicidade dos mandatos e escolha do governante), pela

responsabilidade dos governantes e, ainda, pelo conceito de coisa pública.

A Monarquia, por sua vez, caracteriza-se pela vitaliciedade e

hereditariedade na indicação dos governantes (mandatos até a morte e

sucessão automática do governante).

1.4 Sistemas de Governo (relacionamento entre os Poderes –

Presidencialismo e Parlamentarismo)16

O sistema de governo indica a forma e o conteúdo da divisão orgânica

do poder, isto é, ao modo como os poderes se relacionam; diz respeito ao

processo de gestão.

São sistemas de governo o Presidencialismo e o Parlamentarismo.

14 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 257.

15 Aristóteles, entretanto, apresentava três formas: a monarquia (governo de um só); a aristocracia (governo

de mais de um, porém de poucos) e; a república (governo do povo, no interesse do próprio povo). Podendo

estas três formas degenerar-se em: monarquia, em tirania; aristocracia, em oligarquia e; república, em

democracia (pois para Aristóteles a democracia era uma forma desviada de governo; hoje, contudo, a

democracia é considerada regime político). A propósito, veja SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 102 e 103.

16 Apesar de serem estes dois regimes os mais usuais, cumpre alertar para a existência, segundo José Afonso

da Silva, do regime de assembléia (ou comum), em que o Executivo não fica separado, ou seja, há o domínio

do sistema político pela Assembléia. Idem, ibidem. p. 505.

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

21

O Presidencialismo é marcado pelas seguintes características: a)

concentração da chefia de Estado e da chefia de Governo a uma mesma

pessoa, qual seja o Presidente da República; b) Ministério formado livremente

pelo Presidente da República; o Presidente da República, comumente, não

responde perante o Poder legislativo, sendo certo que é eleito para mandato

certo; c) o Parlamento não pode ser dissolvido por eleições convocadas pelo

Poder Executivo; d) viável apenas em uma República, sendo incompatível em

uma Monarquia.

O Parlamentarismo, por sua vez, possui as seguintes características: a)

repartição da chefia de Estado e da chefia de Governo17

; b)interdependência

entre o Executivo e o Legislativo, sendo o chefe de Governo escolhido pelo

chefe de Estado; c) queda, por moção de desconfiança do Parlamento, do

chefe de Governo; d) dissolução do Parlamento e convocação de eleições

gerais, por injunção do chefe de Estado.

1.5 Regimes Políticos (respeito à vontade do povo nas decisões

estatais – Regimes Democráticos e Não Democráticos)

Em relação aos regimes políticos, o que se verifica “(...) é um complexo

estrutural de princípios e forças políticas que configuram determinada

concepção do Estado e da sociedade, e que inspiram seu ordenamento

jurídico. (...) configura a estrutura global da realidade política com todo o seu

complexo institucional e ideológico”18

.

17 Chefia de Estado representa o País junto à comunidade internacional e, internamente, a unidade do Estado.

A chefia de Governo é responsável pela própria Administração Pública, isto é, comando e fixação de metas e

princípios políticos da máquina estatal.

18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 124. Aliás, na mesma oportunidade o autor colaciona definições de outros autores.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

22

O regime será não-democrático, isto é, autocrático, quando organizado

mediante a soberania do governante.

De outra feita, quando organizado por intermédio da soberania do povo

será ele (o regime) democrático.

Pelo fato de ser a democracia o elo entre a participação popular e a

dignidade humana, por ser ela, mais precisamente, a caracterizadora da

fundamentalidade dos direitos políticos, ou seja, do fato de que a cidadania

deve ser ativa (até mesmo pelo fato de ser o povo o titular do poder), alguns

apontamentos, desde já, devem ser efetuados sobre a democracia.

A democracia é um processo de afirmação do povo e de garantia dos

direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história e não

um simples conceito político abstrato e estático, como bem alerta José Afonso

da Silva.19

Aliás, é justamente a soberania popular (o povo é a única fonte do

poder) e esta participação do povo no poder20

que dão a noção do que deva ser

entendido como democracia.

A partir destas concepções afirma Silva, ainda, que o conceito de

democracia atribuído a Lincoln, de que é o “governo do povo, pelo povo e

para o povo”, retrata o real sentido desta forma de regime.21

Diante da titularidade do poder pelo povo, o seu exercício faz surgir os

tipos de democracia, quais sejam: a) a direta; b) a indireta ou representativa e;

c) a semidireta.

Na direta, o povo, por si, exerce todo o poder, fazendo leis,

administrando e julgando.

Na indireta, o povo elege representantes periodicamente, justamente

pela dificuldade de agregação para o exercício deste poder.

19 Idem, p. 126.

20 Lembre-se que a participação pode ser direta ou por meio de representantes.

21 Idem, p. 134 e 135.

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

23

Por fim, na semidireta o exercício é participativo, isto é, na verdade

existe uma democracia representativa, mas com alguns institutos de

participação direta do povo nas funções de governo.

É justamente nesta última forma de democracia (aliás expressamente

contida no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal) que se

fortalecem a própria cidadania e a representatividade. Participação popular

expressada pelo efetivo exercício dos direitos políticos e caracterizada como

instrumento “pelo qual o povo adere a uma política governamental e confere

seu consentimento, e, por conseqüência, legitimidade, às autoridades

governamentais”22

.

Portanto, a participação popular se dá de forma indireta (aliás, a mais

comum e verificada no sufrágio) e, também, indireta (como, por exemplo, na

iniciativa popular23

).

1.6 Evolução: do Estado de Direito ao Social Estado Democrático

de Direito

A evolução de um Estado Liberal até um Social Estado Democrático de

Direito, mostra, ainda mais, o quão importante é a democracia, a participação

popular, enquanto titular do poder, na condução do Estado, surgindo, daí, a

cidadania, o direito a ter direitos, ou seja, uma concepção vinculada à própria

dignidade da pessoa humana.

Conforme será reforçado adiante, é imprescindível a efetiva

participação do indivíduo, isto é, a democracia é caracterizada justamente pela

cidadania, isto é, pelo efetivo gozo dos direitos políticos.

22 Idem, p. 138.

23 Conforme artigos 14, inciso III, e 61, §2º, ambos da Constituição da República de 1988.

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

24

Além desta exigida participação popular, originária dos direitos

políticos como um direito fundamental, o Estado não se contenta com a

simples não intervenção, exigindo-se, por fim, um atuar próprio para

atendimento social, ou seja, a construção de um estado do bem-estar social.

É sobre este aspecto, qual seja do que atualmente se dá o nome de

Social Estado Democrático de Direito24

, que faremos alguns apontamentos,

pois, como já se tem desenvolvido, é nesta forma de Estado25

que a não

concretização do direito de votar viola a cidadania e a dignidade humana,

retomando a figura do não cidadão26

.

A expressão Estado “de Direito” retrata o Estado “Liberal”, surgido

como evolução da natureza governativa da antiguidade (passando por óbvio

pela idade média).

Na antiguidade o Estado era a Cidade, uma condensação de poderes,

com, de um lado, a força bruta das tiranias e, do outro, a onipotência

consuetudinária do Direito ao fazer suprema a vontade do corpo social,

cifrado na ética teológica ou no zelo da coisa pública.27

Na Idade Média, diante da ruína do Império Romano, a figura do

Estado, enquanto instituição materialmente concentradora de coerção, apta a

estampar a unidade de um sistema de plenitude normativa e eficácia absoluta,

adormece, surgindo uma organização feudal, com o poder dos papas como

soberanos de seu território e com aura divina.28

24 Conhecido como “Estado Moderno”, como evolução do Estado da antiguidade e do da Idade Média, mas

com aumento de conteúdo (evolução do Estado Moderno enquanto Liberal para o Estado Moderno enquanto

constitucional).

25 Aqui a expressão está sendo utilizada genericamente e não no sentido de demonstrar a maneira como o

Estado se estrutura, isto é, não para demonstra as formas de exercício do poder político, da descentralização

político-administrativa.

26 Quanto ao surgimento do “não cidadão” será visto especificamente adiante.

27 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 32.

28 Idem, p. 32 e 33.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

25

O Estado Moderno, por sua vez, aparece ao fim da Idade Média, fruto

das revoluções iluministas (primeiro a Renascença e depois a da razão)

trazendo consigo a noção de soberania, de um poder inabalável e

inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de autoridade

central, unitária, monopolizadora de coerção, exteriorizada pela figura do

príncipe como o próprio Estado.29

“Aliás, a expressão „Estado‟ foi, segundo versão mais aceita, criada por

Maquiavel, que introduziu nas primeiras linhas de sua célere obra intitulada O

Príncipe. Mas seu uso só ficou consagrado muito tempo depois, porquanto

faltava o dado estabilizador e legitimante do conceito que unicamente a face

jurídica lhe havia de ministrar para associá-lo, em definitivo, à instituição

nascente, ou seja, o Estado, definido já em seus elementos constitutivos e

positivado num sistema de organização permanente e duradoura”30

.

Finda esta primeira fase do Estado Moderno, qual seja de um Estado

Absolutista31

, marcada pelas idéias contratualistas de Hobbes32

e pela tomada

do poder pela burguesia (e perda por parte da Nobreza e do Clero), surge a

fase do Estado Moderno enquanto constitucional, isto é, instauram-se as

primeiras liberdades do Estado constitucional por meio das revoluções33

,

calcadas agora em uma base institucional e não mais apenas de idéias.

29 Idem. p. 34.

30 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 34 e 35.

31 Com fundamento divino, em um primeiro momento, e com o poder fundamentado no homem e na sua

razão prática, em um segundo.

32 Conhecido como o teorista do medo, o contratualista do Absolutismo, o pensador das nascentes do

Positivismo e da segurança jurídica, para quem um estado de liberdade extrema era um estado de guerra com

a necessidade de um estado de sociedade, um estado, na verdade, contratualista, cujas liberdades seriam

transferidas ao próprio Estado, ou seja, o homem perderia a liberdade, mas, em troca, ganharia a conservação.

33 “A queda da Bastilha simbolizava, por conseguinte, o fim imediato de uma era, o colapso da velha ordem

moral e social erguida sobre a injustiça, a desigualdade e o privilégio, debaixo da égide do Absolutismo;

simbolizava também o começo da redenção das classes sociais em termos de emancipação política e civil,

bem como o momento em que a Burguesia, sentindo-se oprimida, desfaz os laços de submissão passiva ao

monarca absoluto e se inclina ao elemento popular numa aliança selada com armas e o pensamento da

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

26

Portanto, Estado Moderno constitucional pressupõe a passagem do

poder das pessoas para as leis; estas (as leis e não as personalidades) é que

governam o ordenamento social e político.

Aparece, daí, a legalidade, como a máxima de valor supremo, traduzida

na positivação, isto é, nos Códigos e Constituições. Surge, dessarte, o Estado

de Direito!

Assim, fixada a origem do Estado de Direito, mister chegarmos ao

Social Estado Democrático de Direito, o que se dará por intermédio das

modalidades dos Estados de Direito (dos Estados Modernos

Constitucionais)34

.

A primeira modalidade de Estado constitucional é a do Estado

constitucional da separação de Poderes (Estado Liberal); a segunda é a do

Estado constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social); a terceira,

por fim, é a do Estado constitucional da Democracia participativa (Estado

Democrático-Participativo).

Vejamos, pois, esta evolução:

a) Quanto ao Estado Liberal, é ele a própria origem do Estado de

Direito, ou seja, é o resultado imediato do fim do Absolutismo.

Entretanto, uma característica marcante desta modalidade foi a fixação

da idéia de separação de Poderes, fruto da filosofia de Montesquieu, em sua

obra denominada “Espírito das Leis”.

revolução; simboliza, por derradeira, a ocasião única em que nasce o poder do povo e da Nação em sua

legitimidade incontrastável.” Conforme Paulo Bonavides in BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed.

rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 40.

34 Por oportuno, devemos deixar consignado que tais modalidades não são decorrentes de ruptura uma da

outra, isto é, não há “gerações” de modalidades, mas sim “evolução”de modalidades; uma modalidade é, na

verdade, uma maior dimensão em relação à anterior. O que se verifica, pois, é um aperfeiçoamento,

enriquecimento e acréscimo, uma agregação de direitos, decorrentes de uma expansão de direitos já

existentes ou da criação de novos direitos.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

27

É que reproduzindo este pensamento filosófico foi editado a Declaração

dos Direitos do Homem, documento que previa a limitação ao poder do

governante evitando, pois, concentração de poder em apenas uma autoridade.

Em seguida, surge a previsão em sede constitucional, no sentido de que

só há Constituição quando assegurados a garantia dos direitos e a separação

dos poderes.

Estava concretizado, pois, um Estado garantidor da liberdade e

limitador de poderes, com a conseqüente separação de Poderes.

b) Posteriormente, após a fixação da liberdade em termos

constitucionais, surge a necessidade de atendimento à justiça; atendimento

dos anseios e valores sociais.

Assim, por intermédio da liberdade e justiça (de forma conjunta)

aparece o chamado Estado constitucional dos direitos fundamentais.

Não bastava mais aquela liberdade individual, sendo exigido um teor

social das instituições. Necessário, assim, um atendimento da vontade social.

Surge, como conseqüência, um Estado Social, em que a legitimidade é

o fundamento e não mais a simples legalidade (que passa agora ser

secundária).

“A legitimidade é o direito fundamental, o direito fundamental é o

princípio, e o princípio é a Constituição na essência; é sobretudo sua

normatividade. Ou, colocado em outros termos: a legalidade é a observância

das leis e das regras: a legitimidade, a observância dos valores e dos

princípios. Ambas se integram na juridicidade e eficácia do sistema, fazendo-

o normativo; sendo, tocante a essa normatividade, os princípios o gênero, e as

leis e regras a espécie. A regra define o comportamento, a conduta, a

competência. O princípio define a justiça, a legitimidade, a

constitucionalidade”35

.

35 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 48 e 49.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

28

Desta feita, passam os direitos fundamentais não mais tinham eficácia

em função das leis, mas a lei, sim, é que tinha eficácia em função dos direitos

fundamentais.

Faltava, agora, dar concretude a esta base principiológica, o que veio a

acontecer com o Estado Democrático-Participativo, justamente pelo fato de

ser insuficiente a simples positivação dos direitos fundamentais na ordem

constitucional, isto é, não bastava a mera legitimação do Constitucionalismo

pela tão só obediência aos direitos fundamentais.

Necessário, pois, um Estado concreto, no sentido de real efetivação

destes direitos fundamentais sociais, o que aparece na última modalidade,

qual seja no Estado Democrático-Participativo.

c) O Estado constitucional da democracia participativa é, desta feita, a

próxima evolução que se tem do Estado constitucional.

Não devemos esquecer, por certo, que as características das

modalidades anteriores permanecem, existindo, como já alertamos, apenas um

acréscimo, um avanço.

E como aumento, utiliza-se da soberania da Constituição, que, sendo

fruto do povo e nele se concretizando, desde então já era o instrumento que

compreendia e fazia eficazes todas as incidências possíveis de ordenação da

sociedade, sem romper ou desrespeitar a noção de sistema e legitimidade.

Portanto, uma soberania constitucional correspondente a uma soberania

popular e nacional.

“Com a Democracia participativa a soberania passa do Estado para a

constituição, porque a Constituição é o poder vivo do povo, o poder que ele

não alienou em nenhuma assembléia ou órgão de representação, o poder que

faz as leis, toma as decisões fundamentais e exercita uma vontade que é a sua,

e não de outrem, porque vontade soberana não se delega senão na forma

decadente da intermediação representativa dos corpos que legislam, segundo

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

29

ponderava Rousseau, com absoluta carência de legitimidade em presença do

vulto e significado e importância da matéria sujeita.”36

Por isso dizer de uma “santíssima trindade política do poder”37

quando

da reunião do Povo, da Constituição e da Soberania; poder este que traz a

inviolabilidade, a magnitude ética, a fundamentalidade da Democracia

participativa.

Portanto, é o Social Estado Democrático de Direito o Estado

constitucional moderno; o Estado da concretude do bem-estar social.

Estado este, aliás, expressamente adotado em nosso ordenamento

jurídico pátrio quando da promulgação da Constituição Federal de 1988.38

36

BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 56.

37 Idem, p. 56.

38 “PREÂMBULO - Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte

para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem

interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a

seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. TÍTULO I Dos Princípios

Fundamentais. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I

- a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por

meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

30

2. O INTERNADO COMO SUJEITO DE DIREITOS E A EFICÁCIA

PRINCIPIOLÓGICA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

A necessidade de abordar a tão falada Doutrina da Proteção Integral e

sua Eficácia Principiológica não se deve apenas ao fato de ser o Princípio

Constitucional adotado na tutela atinente à infância e juventude, mas também

por ter sido ela quem fixou a concepção de que o adolescente (e a criança

também, mas não é este o objetivo do presente trabalho) deve ser considerado

um sujeito de direitos e não só cumpridor de obrigações, ainda que internado.

Ademais, por ser princípio constitucional, merece uma análise

diferenciada, como abaixo será mais bem analisado, em face da sua relevância

e carga normativa no ordenamento jurídico, ou seja, o desrespeito a um

princípio, a sua não observância, não efetivação, é de tamanha magnitude que

enseja uma violação ao próprio ordenamento.

E mais, sendo o internado sujeito de direitos não pode ser tolhido,

apenas por estar com sua liberdade restringida (já que cumprindo medida

socioeducativa de internação), um de seus direitos fundamentais, qual seja o

voto, que além de ser o identificador do cidadão será quem viabilizará sua

própria ressocialização.

Desta feita, deixa de ser simples menor infrator e passa assumir a

condição de adolescente em conflito com a lei, situação que enfatiza a

necessidade de preservação da dignidade humana, mesmo durante a execução

de uma sanção penal.

Assim, efetivar seu direito de votar é manter sua qualidade de cidadão;

e esta (cidadania), por conseguinte, preservadora da dignidade humana e

instrumento da ressocialização.

2.1 A Proteção Integral

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

31

O que faremos neste tópico é, na verdade, uma demonstração da

evolução legislativa, sem, contudo, ficarmos atrelados a uma análise

histórica39

.

Entretanto, mister este trato em apartado para ficar evidente que o

adolescente internado em face de medida socioeducativa não perde a condição

de sujeito de direitos, isto é, o adolescente assume uma condição de indivíduo

em conflito com a lei (deixando de ser mero infrator), mas preservando sua

condição de sujeito em desenvolvimento.

Basicamente, existem duas Doutrinas acerca da proteção “menorista”.

A primeira, conhecida como Doutrina da Situação Irregular; a segunda,

Doutrina da Proteção Integral.

Entretanto, costuma-se afirmar que a proteção especial teve uma fase

prévia de indiferença, em que o tratamento era praticamente o mesmo dado

aos adultos, inclusive no tocante ao descaso quanto à adequação dos

estabelecimentos prisionais.

Nesta fase, era praticamente o juiz quem fazia a análise quanto à

imputabilidade, vez que se exigia a verificação do discernimento por parte

daquele que cometesse o ato infracional e não fosse considerado totalmente

inimputável40

.

Ocorre que um tratamento não específico ao comportamento destas

pessoas apenas aumentou a quantidade de gente com a liberdade segregada,

39 Acerca do surgimento da Doutrina da Proteção Integral, interessante a obra de João Batista Costa Saraiva,

hoje Juiz de Direito no Rio Grande do Sul, conforme se verifica in SARAIVA, João Batista Costa.

Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral – Uma abordagem sobre a

responsabilidade penal juvenil. 3 ed. rev. e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

40 A título de exemplo, o Código Penal de 1830 previa a inimputabilidade para os menores de sete anos,

enquanto o Código Penal de 1890 o fazia para os menores de nove anos, conforme, respectivamente, artigos

10 e 27.

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

32

sem, contudo, ajudar para a mudança de comportamento. Aumentaram as

internações, mas em nada se alterou na reeducação.

Aparece, enfim, um diploma legal com uma preocupação em cuidar

destes menores delinqüentes de forma diferente dos adultos, tanto nas sanções

quanto aos locais de internação.

Começa, então, a fase da Doutrina da Situação Irregular, tendo como

marco o famoso Código de 1927, também conhecido como o Código Mello

Matos.

Passa o adolescente a ser alvo de proteção quando constatada sua

situação de abandono e a conseqüente delinqüência, ou seja, o envio destes

jovens às instituições, sob a desculpa de uma proteção, foi praticamente

relacionada à carência material e com um fim simplesmente educativo.

Apesar desta “evolução”, vez que, ao menos em relação às medidas

impostas e aos locais de segregação, houve um tratamento diferenciado entre

os menores delinqüentes e os adultos, o menor infrator não passava de objeto

de uma proteção decorrente de irregularidades41

.

No ano de 1979, a Doutrina da Situação Irregular é definitivamente

fixada legalmente com a promulgação do Código de Menores (Lei 6.697, de

10 de outubro de 1979), fruto basicamente de movimentos do cenário

internacional, especialmente a Declaração dos Direitos da Criança, da

Assembléia das Nações Unidas (1959), e da Declaração do Ano Internacional

da Criança, por parte da Organização das Nações Unidas (1979).

Entretanto, a situação irregular continuava a ser ampla42

, sendo os

adolescentes, sejam abandonados ou infratores, encaminhados aos mesmos

41 Por isso fixada a noção de uma doutrina da “situação irregular”.

42 Encontrava-se em situação irregular o menor de dezoito anos privado de condições essenciais à sua

subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente; vítima de maus tratos ou castigos

imoderados impostos pelos pais ou responsável; em perigo moral; privado de representação ou assistência

legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação

familiar ou comunitária e; autor de infração penal (artigo 2º, do Código de Menores).

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

33

locais de internação, mantendo-se a concepção de que crianças e adolescentes

apenas eram objetos de direitos e não sujeitos destes.

Reforçou-se, neste período, a idéia de que a delinqüência era fruto da

pobreza, sendo corriqueira, por parte de juízes, a responsabilização das

famílias e as destituições do então chamado pátrio poder (atualmente poder

familiar).

Mais uma vez oriunda de movimentos internacionais, a legislação

“menorista” é revista, chegando-se, finalmente, à Doutrina da Proteção

Integral.

O primeiro marco a fixar as ideologias garantistas foi, em 1979, a

aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,

que consagrou a Doutrina da Proteção Integral.

Em seguida, no ano de 1985, surgem as Regras de Beijing, isto é, as

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração dos Direitos dos

Menores.

É de suma importância mencionar que a Constituição da República de

1988, quando de sua promulgação, reservou, no Título atinente à Ordem

Social (Título VIII), um capítulo próprio destinado à criança e ao adolescente

(capítulo VII), já assumindo expressamente a condição de sujeitos

merecedores de prioridade absoluta e titulares de direitos, isto é, de uma

proteção integral.

Após as regras de Beijing, o ano de 1990 ganha destaque com o

surgimento de outros dois importantes documentos internacionais, quais

sejam as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de

Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da

Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad).

Em termos de legislação infraconstitucional, o Brasil ganha destaque na

adoção da Doutrina da Proteção Integral, promulgando o Estatuto da Criança

e do Adolescente já em 1990 (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990),

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

34

regulamentando a previsão constitucional (de 1988) e aderindo praticamente

todos os preceitos garantistas previstos pelas Nações Unidas.

Assim, a legislação menorista passa ser impeditiva de violações aos

direitos das crianças e dos adolescentes, que eram praticadas sob o

fundamento de que serviam para a própria proteção dos mesmos, ganhando,

agora, a qualidade de garantista.

Começam a tomar corpo, então, as características identificadoras da

atual Doutrina da Proteção Integral43

, não se confundindo mais as situações

dos adolescentes em situação de riscos com aqueles praticantes de ato

infracional. Os primeiros, assim como as crianças, se submetem às medidas

protetivas; já em caso de cometimento de ato infracional, o adolescente se

submete à aplicação de medidas socioeducativas.

Entretanto, não são apenas as espécies diferenciadas de medidas

aplicadas em caso de prática de ato infracional (medidas protetivas e/ou

socieducativas) que marcam a passagem da situação irregular para a proteção

integral.

Assim, o que notadamente caracteriza a Proteção Integral em casos de

cometimento de atos infracionais é a maneira como se dá a apuração e a

eventual aplicação de sanção, o que, por óbvio, está atrelado à própria figura

do adolescente, ou seja, à nova natureza que passa a ter o adolescente.

Na concepção da Situação Irregular, o adolescente, como já alertado

alhures, era apenas considerado um menor infrator, isto é, um menor em

situação de risco, sem qualquer tipo de capacidade e objeto de uma proteção

para seu próprio bem. Sequer se falava em defesa técnica, ampla defesa etc,

muito embora sua ausência de capacidade para determinações de atos não o

eximisse de sofrer as sanções impostas.

43 Desde já, podemos apontar como exemplo o fato de que as crianças e os adolescentes tiveram um

tratamento diferenciado quando do cometimento de ato infracional. As primeiras, apenas se sujeitam às

medidas protetivas; já os segundos, são submetidos às medidas socieducativas.

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

35

Não passava o adolescente, como se vê, de um merecedor de necessária

medida combatente da sua situação de risco, irregular, enfim, da sua própria

periculosidade, que quase sempre era vinculada à pobreza.

Para a Proteção Integral, todavia, o adolescente não é simples infrator,

mas um sujeito em conflito com a lei, algo que, além de permitir a fixação de

um prazo determinado (vez que impossível o adolescente estar em conflito

eterno com a lei), possibilita, quando do cumprimento da medida

socioeducativa, à atribuição desta situação (no nosso caso internado) de forma

objetiva, isto é, algo momentâneo, temporal, e não subjetiva, ou seja, algo

inerente ao período e não ao indivíduo.

Parece mera terminologia, mas não é. Dizer que o adolescente está em

cumprimento de medida socioeducativa é algo distinto do que se atribuir ao

adolescente a qualidade de infrator. A internação é momentânea, acaba e, por

certo, fica para trás; mas considerar alguém infrator, isto é, rotular o sujeito,

sempre o acompanhará.

Outra evolução é a consideração do adolescente como sujeito de

direitos, inclusive em situação especial de desenvolvimento e merecedor de

um tratamento especial. Passa a ser relevante, ainda, sua capacidade, ou seja,

o adolescente é encarado como sujeito de responsabilidade, possuindo, como

conseqüência, certa carga de independência, de autonomia.

Corolário deste “evoluir” é também a responsabilização do adolescente

não mais como mera proteção, mas, agora, para fins de sua ressocialização ou

socioeducação, o que se dá por intermédio de imposição das medidas

socioeducativas.

Aliás, por ser a medida socioeducativa a ele imposta (não é mais mera

tutela), tal imposição não mais se afasta do devido processo legal, sendo

inerente ao procedimento a própria vontade do adolescente, ou seja, além de

ser relevante a oitiva do adolescente, em nada interfere sua condição

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

36

financeira44

. Há uma obrigatoriedade de observância à igualdade material,

seja quando da apuração do ato, seja quando do cumprimento da medida,

oportunizando a todos uma “individualização da medida” socioeducativa45

.

Sintetizando o até agora mencionado, apontaremos as características

identificadoras das duas doutrinas, o que faremos com base em estudo de

Beloff46

, professora de Direito Penal Juvenil da Faculdade de Direito da

Universidade de Buenos Aires, em parte reproduzido por Saraiva47

. São elas:

Doutrina da Proteção irregular:

a) as crianças e os jovens aparecem como objetos de proteção, não são

reconhecidos como sujeitos de direitos, e sim como incapazes. Por isso as leis

não são para toda a infância e adolescência, mas sim para os “menores”;

b) utilizam-se categorias vagas e ambíguas, figuras jurídicas de “tipo

aberto”, de difícil apreensão desde a perspectiva do direito, tais como

“menores em situação de risco ou perigo moral e material”, ou “em situação

de risco”, ou “em circunstâncias especialmente difíceis”, enfim estabelece-se

o paradigma da ambigüidade;

c) neste sistema, é o menor que está em situação irregular; são suas

condições pessoais, familiares e sociais que o convertem em um “menor em

44 O que infelizmente, na prática, ainda faz diferença, sim, diante da falta de uma defesa técnica qualificada

em favor do adolescente em conflito com a lei, sendo certo que a contratação de um defensor com

conhecimentos específicos da legislação especial menorista gera, como conseqüência, um abrandamento

(para não se dizer adequada) quando da fixação de eventual medida socioeducativa a ser cumprida.

45 Não mais se responsabiliza a família, mas se reconhece que sua fragilidade contribui para o

comportamento desregrado do adolescente; há um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.

46 BELOFF, Mary. Modelo de la Proteción Integral de los derechos Del niño y de la situación irregular: um

modelo para armar y outro para desarmar. In Justicia e Derecho Del Niño. Santiago de Chile: UNICEF,

1999. p. 9-21.

47 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral –

uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.

52-54 e 61-64.

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

37

situação irregular” e por isso objeto de uma intervenção estatal coercitiva,

tanto ele como sua família;

d) estabelece-se uma distinção entre as crianças bem nascidas e aquelas

em “situação irregular”, entre crianças e menor, de sorte que as eventuais

questões relativas àquelas serão objetos do Direito de Família e destes dos

Juizados de Menores;

e) surge a idéia de que a proteção da lei visa aos menores, consagrando

o conceito de que estes são “objeto de proteção” da norma;

f) esta “proteção” freqüentemente viola ou restringe direitos, porque

não é concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais;

g) aparece a idéia de incapacidade do menor;

h) decorrente deste conceito de incapacidade, a opinião da criança faz-

se irrelevante;

i) nesta mesma lógica se afeta a função jurisdicional, já que o Juiz de

Menores deve ocupar-se não somente de questões tipicamente judiciais, mas

também de suprir as deficiências de falta de políticas públicas adequadas. Por

isso se espera que o Juiz atue como um “bom pai de família” em sua missão

de encarregado do “patronato” do Estado sobre estes “menores em situação de

risco ou perigo moral ou material”. Disso resulta que o Juiz de Menores não

está limitado pela lei e tenha faculdades ilimitadas e onipotentes de disposição

e intervenção sobre família e criança, com amplo poder discricionário;

j) há uma centralização de atendimento;

k) estabelece-se uma indistinção entre crianças e adolescentes que

cometem delito com questões relacionadas com as políticas sociais e de

assistência, conhecido como “seqüestro e judicialização dos problemas

sociais”;

l) deste modo, instala-se uma nova categoria, de “menor

abandonado/delinqüente” e se “inventa” a delinqüência juvenil;

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

38

m) como conseqüência deste conjunto, desconhecem-se todas as

garantias reconhecidas pelos diferentes sistemas jurídicos no Estado de

Direito, garantias estas que não são somente para pessoas adultas;

n) principalmente, a medida por excelência que é adotada pelos

Juizados de Menores, tanto para os infratores da lei penal quanto para as

“vítimas” ou “protegidos”, será a privação da liberdade. Todas estas medidas

impostas por tempo indeterminado;

o) consideram-se as crianças e os adolescentes como inimputáveis

penalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ação “protetiva”

resulta que não lhes será assegurado um processo como todas as garantias que

têm os adultos, e que a decisão de privá-los de liberdade ou de aplicação de

qualquer outra medida, não dependerá necessariamente do fato cometido, mas

sim, precisamente, da circunstância de a criança ou o adolescente encontra-se

em “situação de risco”.

Doutrina da Proteção Integral:

a) definem-se os direitos das crianças, estabelecendo-se que, no caso de

algum destes direitos vir a serem ameaçado ou violado, é dever da família, da

sociedade, de sua comunidade e do Estado restabelecer o exercício do direito

atingido, através de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes , tanto

administrativos quanto judiciais, se for o caso;

b) desaparecem as ambigüidades, as vagas e imprecisas categorias de

“risco”, “perigo moral ou material”, “circunstâncias especialmente difíceis”,

“situação irregular” etc;

c) estabelece-se que, quem se encontra em “situação irregular”, quando

o direito da criança se encontra ameaçado ou violado, é alguém ou alguma

instituição do mundo adulto (família, sociedade, Estado);

d) estabelece-se a distinção entre as competências pelas políticas sociais

e competências pelas questões relativas à infração à lei penal. Neste caso,

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

39

estabelecem-se princípios fundamentais como ampla defesa, reconhecendo

que os direitos das crianças e dos adolescentes dependem de um adequado

desenvolvimento das políticas sociais;

e) a política pública de atendimento deve ser concebida e implementada

pela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralização e focalizada nos

municípios.

f) é abandonado o conceito de menores como sujeitos definidos de

maneira negativa, pelo que não têm, não sabem ou não são capazes, e passam

a ser definidos de maneira positiva, como sujeitos plenos de direito;

g) são desjudicializados os conflitos relativos à falta ou carência de

recursos materiais, substituindo o anterior sistema que centrava a ação do

Estado pela intervenção judicial nestes casos;

h) a idéia de Proteção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes:

Não se trata, como modelo anterior, de proteger a pessoa da criança ou do

adolescente, do “menor”, mas sim de garantir os direitos de todas as crianças

e adolescentes;

i) este conceito de proteção resulta no reconhecimento e promoção de

direitos, sem violá-los nem restringi-los;

j) também por este motivo a proteção não pode significar intervenção

estatal coercitiva;

k) da idéia de universalidade de direitos, depreende-se que estas leis,

derivadas da nova ordem, são para toda a infância e adolescência, não para

uma parte. Por isso se diz que com estas leis se recupera a universalidade da

categoria infância, perdida com as primeiras leis para “menores”;

l) já não se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas,

mas sim pessoas completas, cuja particularidade é que estão em

desenvolvimento. Por isso se reconhecem todos os direitos que têm todas as

pessoas, mais um plus de direitos epecíficos precisamente por reconhecer-se

que são pessoas em peculiar condição de desenvolvimento;

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

40

m) decorre disso, por um imperativo lógico, o direito de a criança ser

ouvida e sua palavra e opinião devidamente consideradas;

n) recoloca-se o Juiz na sua função jurisdicional, devendo a Justiça de

Infância e Juventude ocupar-se de questões jurisdicionais, seja na órbita

infracional (penal), seja na órbita civil (família);

o) o Juiz da infância, como qualquer Juiz no exercício de sua jurisdição,

está limitado em sua intervenção pelo sistema de garantias;

p) na questão do adolescente em conflito com a lei, enquanto autor de

conduta tipificada como crime ou contravenção, reconhecem-se todas as

garantias que correspondem aos adultos nos juízos criminais, segundo as

constituições e os instrumentos internacionais pertinentes, mais garantias

específicas. Destas, a principal é de que os adolescentes devem ser julgados

por tribunais específicos, com procedimentos próprios, e que a

responsabilidade do adolescente pelo ato cometido resulte na aplicação de

sanções distintas daquelas do sistema de adultos, estabelecendo, deste ponto

de vista, uma responsabilidade penal juvenil, distinta daquela do adulto;

q) resulta disso o estabelecimento de um rol de medidas aplicáveis ao

adolescente em conflito com a lei, onde o alternativo, excepcional, última

solução e pro breve tempo será a privação de liberdade. Estas medidas se

estendem desde a advertência e admoestação até os regimes de semiliberdade

e/ou privação de liberdade em instituição especializada, distinta daquela de

adultos e por tempo determinado;

r) a privação de liberdade será sempre o último recurso, presidida por

princípios como brevidade e excepcionalidade, com período determinado de

duração e somente aplicável em caso de um delito grave.

Por fim, necessários alguns apontamentos, ainda atinentes às duas

Doutrinas, acerca da própria sanção, ou seja, sua imposição e modo de

cumprimento, justamente pelo fato de que tais imposição e execução

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

41

espelham o tratamento dado ao indivíduo nestas duas concepções (de objeto,

para a situação irregular; e de sujeito de direitos, para a proteção integral).

Como se viu, para a “situação irregular” havia apenas a categoria

“menores”, o que por óbvio originou uma sanção também única, isto é, uma

sanção sem distinção entre crianças e adolescentes, uma sanção “protetiva dos

menores”.

E, ainda, pela não atuação apenas jurisdicional do juiz, referida sanção

era imposta sem procedimento especifico, sem prévia cominação processual

garantista, até mesmo pelo fato deste juiz, sempre sob o fundamento

protecionista, não cometer violações aos direitos destes menores, ou seja, o

ato infracional era combatido apenas de forma social por ser puro reflexo da

pobreza.

As execuções destas medidas, como conseqüência, visavam única e

exclusivamente à ocupação laboral do adolescente, sem uma preocupação em

relação ao seu desenvolvimento e lazer, isto é, a execução das medidas tinha

um único fim, qual seja o combate ao ócio.

Já para a Doutrina da Proteção Integral, por sua vez, não mais se

confundiam as medidas referentes às crianças daquelas atinentes aos

adolescentes. Para as primeiras, criaram-se as medidas protetivas, sendo

reservadas as medidas socioeducativas tão somente aos adolescentes.

Não cabe mais ao juiz atuar como “protetor”, devendo, sim, exercer

função estritamente jurisdicional e, por conseguinte, observar os

procedimentos e as garantias processuais. A apuração do cometimento de ato

infracional ganha procedimento e rito específicos, com preservação do

contraditório e da ampla defesa (não mais se tem “proteção” como resposta à

pobreza e ao abandono).

O ato infracional passa ser merecedor de uma sanção penal (mas não

pena), não mais por ser reflexo de pobreza (seja ela material ou espiritual, isto

é, falta de condições financeiras ou abandono familiar), mas sim pelo fato de

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

42

ser o adolescente um sujeito de direitos e obrigações, sendo a ressocialização

do adolescente em conflito com a lei o fim almejado pelas medidas

socieducativas.

A execução destas medidas, por conseguinte, não visa apenas o

combate ao ócio. Esta (execução de internação), agora, se dá observando a

situação de sujeito em desenvolvimento que possui o adolescente48

, tendo

como fim, também, um caráter pedagógico.

Portanto, inadmissível, como se viu, deixar de lado esta nova

concepção que ganha o adolescente em conflito com a lei, agora enquanto

sujeito de direitos, e não promover sua ressocialização, não observar um

princípio constitucional expressamente inserido no ordenamento jurídico

pátrio.

Por isso que, a seguir, ainda que breve49

, faremos apontamentos acerca

da carga valorativa e da eficácia principiológica da Proteção Integral.

2.2 Eficácia Principiológica da Proteção Integral

Uma vez assente o que se deve entender por Doutrina da Proteção

Integral, inclusive com o reconhecimento da figura do adolescente (e da

criança também) como sujeito de direito e alvo de uma prioridade absoluta,

necessária a abordagem acerca da correta interpretação do ordenamento

48 Na prática, entretanto, a execução das medidas socioeducativas em quase nada evoluíram, sendo o

adolescente, ainda, visto como mero infrator. E é por isso que consideramos o voto, o exercício da

capacidade eleitoral ativa, como um instrumento da ressocialização, como algo que, despertando os olhares

das autoridades públicas, além de resgatar a qualidade de cidadão, gerará interesse nesta parcela de sujeitos

que se virão obrigados a oportunizarem um cumprimento de medida socioeducativa compatível com a

dignidade da pessoa humana.

49 Mas com conteúdo técnico-científico.

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

43

constitucional, vez que é clarividente a natureza principiológica destas

previsões.

Assim, antes de abordarmos a humanização da medida socioeducativa,

apontaremos alguns aspectos atinentes à interpretação constitucional, vez que

a violação de um princípio, como a seguir será descrito, é uma violação ao

próprio ordenamento.

Ademais, quando da execução da medida socioeducativa de internação,

não há como justificar a omissão das autoridades públicas em não garantir um

direito fundamental (no caso o voto), direito este, aliás, cuja limitação sequer

está autorizada.

Assim, inevitável abordar o tema atinente à interpretação constitucional

para, por conseguinte, ficar evidente que a efetivação do direito político

fundamental do adolescente internado é mandamento constitucional de cunho

pragmático, sendo imperiosa a observância da proteção integral e da

dignidade humana, da condição de cidadão do internado.

2.2.1 Princípios da Interpretação Constitucional50

: Normas,

Princípios e Regras

Antes de tratarmos de cada Princípio de Interpretação Constitucional,

necessária a fixação de alguns conceitos que faremos uso, lembrando que não

é o objetivo deste trabalho um estudo pormenorizado sobre Princípios, o que

por si só seria alvo de dissertação autônoma.

50 Celso Bastos prefere utilizar a expressão “postulados hermenêuticos constitucionais”, vez que, segundo

ele, a terminologia “postulado” indica comando, ordem, sendo, por isso, mais adequada; os postulados

precedem a própria interpretação e a própria Constituição, sendo pressupostos de uma válida interpretação,

não podendo o intérprete escolher um ou outro. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação

Constitucional. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 165-169.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

44

No entanto, não podemos deixar de aceitar a força normativa dos

Princípios, ou seja, não pode mais um princípio ser tratado como mero valor

político, até mesmo pela inserção dos mesmos no texto constitucional.

E mais! Esta constitucionalização passa a ser um instrumento jurídico

de existência e operabilidade dos princípios51

. Existencial, vez que a

constitucionalização dos princípios tem a capacidade de impedir a restrição ou

a supressão dos mesmos (as cláusulas pétreas). De operabilidade, pois dará

aos princípios eficácia jurídica.

Não se deve, contudo, confundir os princípios com as regras52

.

Vejamos alguns pensamentos doutrinários acerca do tema:

Ensina Azevedo que existe entre um princípio jurídico, que é uma idéia

ordenadora, e as regras jurídicas, em que ele se reflete, certa distância na

ordem de abstração intelectual; é uma distância semelhante a que vai, por sua

vez, da regra jurídica ao caso concreto. Do caso à regra e da regra ao

princípio, sobe-se à mente em duas etapas (e três patamares); se ganha em

descortínio o que se perde em concretude. Inversamente, uma vez adquirido o

princípio, desce o aplicador do direito, do princípio à regra e da regra ao

caso53

.

Os princípios são normas de grande relevância para o ordenamento

jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a

interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou

indiretamente, normas de comportamento.

51 BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 27-28.

52 Etimologicamente, princípio (do latim principii ou principium) significa idéia, começo, origem, início,

base ou, ainda, ponto de partida.

53 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos, in Revista da Faculdade de

Direito da USP, São Paulo: Revista da Faculdade de Direito da USP, 1992, v. 87, p. 89.

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

45

Merecem destaque, a nosso ver, as concepções de Aarnio54

, apontadas

por Engelmann55

, quando destaca que o “primeiro aspecto peculiar a ser

examinado refere que as regras e os princípios formam uma escala, que o

autor divide em quatro partes: existem regras (R) características, como, por

exemplo, a proibição de furto, contida no art. 155, do Código Penal

Brasileiro; há princípios que são regras (PR), como, por exemplo, aquele

trazido por Dworkin de que ninguém pode beneficiar-se de seu próprio delito,

ou o princípio da igualdade, que impede a instituição da escravidão no Brasil.

Estes princípios pertencem à categoria das regras e, assim, se seguem ou não

se seguem; por outro lado, encontramos regras que são como princípios (RP),

como, por exemplo, o artigo 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil

Brasileiro; e, finalmente, encontramos os princípios (P) propriamente ditos,

como, por exemplo, o princípio da liberdade”.

Para Dworkin56

, a diferença entre regras e princípios se dá quanto à

obrigação que oferecem, isto é, a diferença é de natureza lógica. A partir do

caso em análise a regra é válida, e portanto aceita, ou não é válida, e daí em

nada serve para a tomada de decisão. Já os princípios não possuem uma

conseqüência automática, é dizer, a aplicabilidade do princípio fica

condicionada a outra decisão.

Continua o autor afirmando que há, ainda, uma diferença referente à

existência, entre os princípios, de uma dimensão valorativa de importância (o

que não se verifica nas regras). Existe uma relatividade entre os princípios;

não se despreza nenhum dos princípios na solução do caso (verifica-se qual o

54 Sem embargos de inúmeras outras concepções apresentadas, como por exemplo, por Josef Esser, Martinez

Munhoz, Díez-Picazo, Dworkin, Alexy, Canotilho e Humberto Ávila, sendo certo que estes últimos

receberão apontamentos peculiares.

55 ENGELMANN, Wilson. Crítica ao positivismo jurídico – princípios, regras e o conceito de direito. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001. p. 113/114.

56 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. p. 35-50.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

46

mais adequado naquele momento, mas nunca se exclui um princípio). Já as

regras, por sua vez, são úteis ou não, são funcionalmente importantes ou não,

isto é, havendo conflito entre regras uma delas deve ser considerada inválida.

Alexy57

, por sua vez, afirma que apesar de ambos serem normas58

, a

diferença reside quanto à generalidade. A generalidade dos princípios é alta,

ao passo que das regras é baixa. E mais, que existe entre regras e princípios

uma diferença de qualidade (não só de grau).

Para o autor, o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios

é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior

amplitude possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Os

princípios seriam proibições e/ou permissões de otimização que podem ser

cumpridos em diferentes graus, na medida das possibilidades jurídicas. As

regras, contudo, só podem ser cumpridas ou não, isto é, se é válida deve ser

cumprida com exatidão (as regras possuem limitações extensiva – nem mais e

nem menos - no âmbito do fático e do juridicamente possível.

Tais concepções de Alexy se mostram ainda mais importantes e

evidentes quando dos conflitos entre regras ou colisões entre princípios. O

conflito entre regras é solucionado por intermédio da inclusão, numa das

regras, de uma cláusula de exceção ou declarando a regra inválida, com a sua

inevitável exclusão do ordenamento jurídico. A colisão entre princípios,

contudo, é solucionado mediante a cedência de um deles, o que não significa

declarar inválido um dos princípios ou introduzir uma cláusula de exceção,

mas tão somente que, por vezes, um princípio terá preferência frente ao outro.

Interessante a colocação feita pelo próprio Alexy, no tocante à possível

objeção quanto à aplicabilidade do “teorema da colisão” em face da existência

57 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2008. p. 85-179.

58 Ambos afirmam o que deve ser e podem ser formulados com expressões deônticas básicas do mandato,

quais sejam a proibição e a permissão; princípios e regras são juízos concretos de dever ser.

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

47

de princípios absolutos, que não poderiam ser colocados em uma relação de

preferência com outros princípios. Entretanto, não existe nenhum princípio

absoluto, nem mesmo o Princípio da Dignidade Humana; a dignidade humana

é, em parte, princípio e, em parte, regra; absoluta é a regra da dignidade

humana, ao passo que o princípio da dignidade humana pode ser concretizado

em vários graus.

Quanto à inexistência de conflito entre os princípios, precisas as

palavras de Ponte ao afirmar: “Não há conflito entre princípios, tendo em

vista que estes se harmonizam e admitem a ponderação, conferindo peso a

cada um deles. As regras, por conterem fixações normativas definitivas,

excluem-se quando contraditórias, prevalecendo uma em detrimento da outra,

uma vez que discutem, na essência, uma questão de validade”59

Canotilho60

também apresenta distinção entre regras e princípios,

apontando, para tanto, alguns critérios para a identificação de cada uma das

espécies de normas. Então vejamos:

a) grau de abstração: os princípios possuem um alto grau de abstração;

as regras possuem um reduzido grau de abstração;

b) grau de determinabilidade: os princípios não possuem medições

concretizadoras, justamente por serem vagos e indeterminados, na aplicação

do caso concreto; as regras, por sua vez, possuem aplicabilidade imediata;

c) caráter de fundamentabilidade do sistema das fontes do Direito: o

papel dos princípios no ordenamento jurídico é fundamental, quer pela

posição hierárquica no sistema das fontes ou pela sua importância estruturante

dentro do sistema jurídico;

d) “proximidade” da idéia de direito: os princípios são standars

juridicamente vinculantes, em face da idéia de justiça ou de direito; já regras

são normas vinculativas de conteúdo meramente funcional;

59 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 65.

60 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 172-176.

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

48

e) natureza normogenética: os princípios são fundamentos das regras,

constituem a ratio das regras jurídicas.

Desta feita, fica claro que as diferenças qualitativas entre princípios e

regras são: os princípios são normas jurídicas impositivas de otimização e

compatíveis com vários graus de concretização; as regras são normas

prescritivas de exigência imperativa. A convivência dos princípios é apenas

conflitual; as regras possuem convivência antinômica. Os princípios permitem

valoração de conteúdo; as regras não permitem valoração de interesses, vez

que se a regra é válida dever ser cumprida. O conflito entre princípios se

resolve por ponderação, compatibilização; a contradição entre as regras exige

a eliminação de uma delas. Por fim, os princípios suscitam problemas de

validade e peso; as regras apenas suscitam problemas de validade.

Apesar da riqueza de conteúdo dos magistérios anteriores, merecem

também menção os estudos feitos por Ávila61

, que apresenta os critérios de

identificação de princípios e regras e, ainda, uma nova forma de distinção

entre ambos.

Um primeiro critério apresentado é o do “caráter hipotético-

condicional”. Os princípios apenas indicam o fundamento, sendo certo que

compete ao aplicador encontrar a regra aplicável ao caso; as regras, contudo,

valem-se de uma hipótese e de uma conseqüência predeterminada da decisão

(se... então...). Ávila afirma ser impreciso este critério: primeiro, pelo fato de

que o último passo para a descoberta do conteúdo da norma deriva da decisão

interpretativa e não pelo dispositivo ou pelo significado preliminar da norma.

Segundo, em face de que não se pode considerar uma formulação lingüística

(a existência de uma hipótese de incidência é para o autor uma questão de

formulação lingüística) um critério distintivo de espécie normativa. Terceiro,

pela inexistência de óbice algum em o intérprete considerar como princípio

61 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à Aplicabilidade dos Princípios Jurídicos. 4 ed.

rev. 2 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31-75.

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

49

uma norma, tão somente pelo fato de ter sido formulada de modo hipotético.

Por fim, afirma que os princípios possuem sim hipótese de incidência e

conseqüências jurídicas, vez que prescrevem um fim a ser atingido (razão) e

um comportamento a ser adotado.

O segundo critério apresentado é o do “modo final de aplicação”. Os

princípios são aplicados de forma gradual (mais ou menos) e as regra de

forma absoluta (tudo ou nada). Este critério é criticado: pois após a

consideração das circunstâncias do caso o caráter absoluto da regra é

completamente modificado; e também pela existência de regras que possuem

expressões com âmbito de aplicação não delimitado totalmente (cabe ao

intérprete decidir pela incidência ou não da regra).

Um terceiro critério é o do “conflito normativo”. Havendo conflito

entre princípios, atribui-se peso maior a um deles; já em caso de conflito entre

regras, uma delas tem sua invalidade declarada. A crítica aqui é no fato de que

não são os princípios que, na verdade, possuem uma dimensão de peso, mas

às razões e aos fins que fazem referências os princípios é que deve ser

atribuída uma dimensão de importância.

Algo de relevo nos estudos de Ávila é o fato de ele admitir a

coexistência de espécies normativas num mesmo dispositivo e o fato de

propor um modelo tríplice de dissociação, qual seja o da existência de

princípios, regras e postulados (estes últimos seriam categorias que impõem

condições a serem observadas na aplicação dos princípios e regras).

A dissociação entre princípios e regras, para Ávila, deve obedecer aos

seguintes critérios: critério da natureza do comportamento prescritivo; critério

da natureza da justificação exigida e; critério da medida da contribuição para

a decisão.

Pelo primeiro critério (natureza do comportamento prescritivo), a

distinção entre princípios e regras se dá pelo modo como prescrevem

comportamentos. Princípios são normas imediatamente finalísticas que

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

50

estabelecem uma situação ideal, devendo o aplicador realizar um

comportamento para manter esta situação. As regras, por sua vez, são normas

imediatamente descritivas que estabelecem de imediato a conduta a ser

adotada. Justamente por estabelecerem fins os princípios são chamados de

normas do que se deve ser (ought to be norms) e o seu conteúdo diz respeito a

um estado ideal de coisas (state of affairs); já as normas, por estabelecerem

condutas, são chamadas de normas do que se deve fazer (ought to do norms) e

o seu conteúdo diz respeito às ações (action)62

.

Já o segundo critério (natureza da justificação exigida) considera a

justificação necessária à aplicação da norma. Em se tratando de princípios

deve o aplicador fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da

conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido. No

tocante as regras, o aplicador deve fundamentar uma avaliação de

correspondência da construção factual à descrição normativa e à finalidade

que lhe dá suporte.

Finalmente pelo terceiro critério (medida da contribuição para a

decisão) é levada em consideração a pretensão da norma na tomada da

decisão de aplicação. Os princípios são normas primariamente

complementares e preliminarmente parciais, isto é, não tem a pretensão de

gerar uma solução específica, mas tão somente de contribuir para a tomada da

decisão. As regras, contudo, possuem pretensão terminativa, isto é, pretendem

gerar uma solução específica para a questão posta, sendo, pois, apenas

preliminarmente decisivas e abarcantes, vez que podem ter suas condições de

aplicabilidade preenchida e não ser aplicáveis, em face de razões excepcionais

que superem a própria razão que sustenta a aplicação da normal da regra.

Vê-se, dessarte, a relevância dos ensinamentos de Ávila, não apenas por

permitir uma distinção verdadeira entre regras e princípios, mas também por

62 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 4 ed. 2

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 64.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

51

disponibilizar, ao aplicador do Direito, meios de efetivar a aplicação dos

princípios e superar o modelo do “tudo ou nada” de aplicação de regras.

Assim, merece transcrição o conceito de princípios e regras apresentado

por Ávila:

“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente

retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja

aplicação exige a avaliação de correspondência, sempre centrada na finalidade

que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente

sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a

construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente

prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, cuja

aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado ideais de

coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como

necessária à sua promoção”63

.

Verifica-se, então, que o sistema jurídico (positivado), ganha expressão

única por meio das normas e que estas, por sua vez, ganham expressão pelas

regras ou pelos princípios, conforme a situação, isto é, é clarividente a

distinção entre princípios e regras (espécies do gênero norma).

Uma definição clássica do que se deve entender por princípios é a

apontada por Reale: “toda forma de conhecimento filosófico ou científico

implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos

admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que

compõem dado campo do saber”64

.

Interessante, ainda, a concepção atribuída por Bandeira de Melo, ao

afirmar que princípio jurídico é “mandamento nuclear de um sistema,

verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

63 Idem, p. 70.

64 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 18 ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 299.

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

52

diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua

exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá

sentido harmônico”65

.

São “princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas

diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão

sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que

concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do

ordenamento jurídico”66

.

Após traçada a distinção entre regras e princípios e termos apontados

vários conceitos doutrinários67

, vejamos as características dos princípios e sua

eficácia jurídica.

Lembre-se, como acima mencionado, que a Doutrina da Proteção

Integral é princípio expresso no texto constitucional68

e, como tal, merecedor

de tratamento diferenciado em relação às demais normas em face da

magnitude de sua eficácia.

Segundo Lima69

, os princípios têm natureza de inicialidade, de

primordialidade e preferencialidade; são fontes criadoras e justificadoras da

ciência jurídica. Aponta as seguintes características dos princípios:

a) normatividade: os princípios são normas, ainda que mais abertas e

mais genéricas;

65 BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 5 ed. São Paulo: Malheiros,

1994. p. 450.

66 Walter Rothenburg apontando a definição adotada pela Corte Constitucional Italiana de 1956, in

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2 tiragem. Porto Alegre, Sergio Antonio

Fabris Editor, 2003. p. 15.

67 E até mesmo jurisprudencial, segundo a visão da Corte Constitucional Italiana, conforme nota 15, supra.

68 A propósito, veja-se o artigo 227, da Constituição da República de 1988.

69 LIMA, Francisco M. M.. O Resgate dos Valores na Interpretação Constitucional: por uma hermenêutica

reabilitadora do homem como <<ser-moralmente-melhor>>. Fortaleza: ABC, 2001. p. 118-119.

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

53

b) força positivante: os princípios não são meramente teóricos, mas têm

pretensão vinculante;

c) historicidade: é o modo pelo que os princípios extraem de si mesmos

suas potencialidades, regenerando-se permanentemente e adquirindo força na

sua própria vocação historicamente criada;

d) expressão de valores: os princípios agregam valores, ainda que

metafóricos em cada época e lugar;

e) produtividade potencial: porque dos princípios emergem numerosas

conseqüências normativas;

f) irreversibilidade: nada existe antes dos princípios e quando começam

a atuar, revelam conseqüências, submetendo-se a transformações de índole

diversa;

g) vectividade: os princípios são vetoriais no sentido de que procedem

de algo e direcionam-se a algo;

h) superioridade hierárquica: violar um princípio é mais grave que

violar um dispositivo de lei, porque se está repudiando o próprio ordenamento

jurídico70

;

i) alto grau de abstratividade: isto porque representam a condensação de

um vasto sistema;

j) alto grau de generalidade: em virtude da sua estrutura deontológica-

valorativa;

k)fecundidade: os princípios são a alma e o fundamento de outras

normas, fecundando-as por meio da intepretação e integração.

Para Tavares71

os princípios possuem as seguintes características:

70 Por isso, mais uma vez, deixamos consignado a importância deste tópico para todo o trabalho, em especial

pela necessidade de se efetivar os mandamentos constitucionais pragmáticos.

71 TAVARES, André Ramos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos

princípios. In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: consideração em torno

das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

54

a) abstratividade, abertura ou inexaurabilidade: os princípios têm

capacidade de alcançar grande e infinito número de situações concretas, nelas

incidindo seu comando normativo mínimo;

b) sistematicidade, interdependência ou mútua influência: os princípios

são imbricados entre si e a correta dimensão de um deles só será obtida a

partir de uma interpretação sistemática;

c) limitabilidade ou relatividade: não existe um princípio absoluto, que

afaste todos os demais em toda e qualquer hipótese;

d) aplicabilidade imediata e pragmaticidade: as normas programáticas

possuem elementos característicos de princípios gerais.

Fechando estas considerações gerais, vejamos a eficácia jurídica dos

princípios72

.

Afirma Barcellos73

que os princípios possuem as seguintes modalidades

de eficácia jurídica: interpretativa; negativa e; vedativa de retrocesso.

A eficácia interpretativa é garantida sempre que as normas forem

interpretadas de modo a realizar o mais amplamente possível o princípio que

rege a matéria discutida.

A eficácia negativa, por sua vez, funciona como uma barreira de

contenção, impedindo que sejam praticados atos ou editadas normas que se

oponham aos propósitos dos princípios.

A eficácia vedativa de retrocesso, por fim, diz respeito especialmente

aos princípios constitucionais, mais precisamente os de direitos fundamentais,

impedindo o legislador infraconstitucional de revogar normas que,

regulamentando o princípio, concedem ou ampliam direitos fundamentais,

72 Eficácia, aliás, que deve ser reconhecida à Proteção Integral.

73 BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 80.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

55

sem que a revogação seja acompanhada de uma política substitutiva ou

equivalente.

Portanto, é clarividente que, apesar do alto grau de abstração dos

princípios, a eficácia normativa assegura aos mesmos uma concretização

imediata diante do caso concreto. A vagueza (e também a generalidade)

apenas faz surgir nos princípios a plasticidade, que é justamente o que permite

aos mesmos amoldarem-se às diferentes situações e, por conseguinte,

acompanharem a evolução social74

.

2.2.2 O Papel dos Princípios na Interpretação da Constituição

Continuando com a fixação de alguns pontos importantes antes da

abordagem dos métodos interpretativos em espécie, cabe a apresentação de

uma das funções dos princípios, qual seja a função orientadora do trabalho

interpretativo7576

.

A relevância dos princípios neste contexto se dá pelo fato de que nem

sempre a norma constitucional traz a solução formatada para a decisão no

caso concreto.

74 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2 tiragem. Porto Alegre: Sérgio Antonio

Fabris, 2003. p. 17/49.

75 Para Paulo Bonavides os princípios possuem três funções: a função de ser “fundamento da ordem jurídica”;

a função de “fonte em caso de insuficiência da lei e do costume” e; a função “orientadora do trabalho

interpretativo”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo: Malheiros,

2002. p. 283.

76 Luis Roberto Barroso, por seu turno, afirma que aos princípios competem duas ações. Uma ação imediata,

verificada quando aplicáveis diretamente a determinada relação jurídica; e uma ação mediata, que é

justamente funcionar como critério de interpretação do texto constitucional. BARROSO, Luis Roberto.

Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.

São Paulo: Saraiva, 1996. p.142.

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

56

Os princípios passam a ter, diante de sua força irradiante, o papel de,

mediante esta orientação especial, conferir unidade ao texto constitucional,

bem como dar vida e estruturar o mesmo.

É por intermédio dos princípios que se identifica (e cada vez mais se

fortalece) a ideologia da Constituição, seus postulados fundamentais e seus

fins.

Toda interpretação deve, assim, partir dos princípios77

. “A

generalidade, abstração e capacidade de expansão dos princípios permite ao

intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio

sistema a solução mais justa, superadora do summum jus, summa juria. Mas

são estes mesmos princípios que funcionam como limites interpretativos

máximos, neutralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais

e das conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do aplicador da

norma e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento”78

.

“Dessa forma, os princípios se apresentam como uma „idéia jurídica

geral‟ ou uma „idéia diretiva‟, que serve de base e direção para sua

concretização futura, atuando como um verdadeiro fio condutor. No entanto,

este processo não se dá em um só sentido, mas sim em sentido duplo, de tal

sorte que o princípio se esclarece através de suas concretizações e estas

ganham significado quando aglutinadas a ele em verdadeira atividade de

„esclarecimento recíproco‟”79

.

77 Nesse sentido, confira: PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os Princípios

Fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. 3. ed. renovada e ampl. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 139-144 e 160. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a

Interpretação-Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 200-204

78 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática

Constitucional Transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 150.

79 LEITE, George Salomão; LEITE, Glauco Salomão. A Abertura da Constituição em Face dos Princípios.

In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: consideração em torno das normas

principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 140.

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

57

Portanto, é por intermédio desta força orientadora dos princípios que os

trabalhos interpretativos da Constituição devem ser realizados, para que,

tendo como ponto inicial os princípios, se consiga um resultado sistêmico e a

conseqüente evolução da Carta Magna, acompanhando sempre a evolução

social.

2.2.3 Princípios em Espécie

Neste tópico, uma análise separada dos Princípios Constitucionais

atinentes à interpretação constitucional.

a) Princípio da Unidade da Constituição

Por este princípio a interpretação da Constituição deve ocorrer de tal

forma a evitar contradição entre suas próprias normas, é dizer, o intérprete

deve considerar a Carta Política como um todo.

É justamente em virtude do princípio da unidade que eventual

contradição entre as normas constitucionais é apenas aparente, sendo certo

que todas vigem completamente. O que difere é qual delas será aplicada nas

diversas situações.

O princípio da unidade é, em última análise, uma especificação da

interpretação sistemática80

.

É pela unidade, ainda, que se pode afirmar que em casos de aparentes

conflitos a técnica da ponderação deve ser aplicada, ou seja, deve haver uma

ponderação de interesses em conflito (e não de princípios).

Portanto, como “ponto de orientação”, “guia de discussão” e “factor

hermenêutico de decisão”, o princípio da unidade obriga o intérprete a

80 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 182.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

58

considerar a constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços

de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar81

b) Princípio do Efeito Integrador82

Referido princípio está intimamente ligado à idéia de unidade da

Constituição.

Segundo o princípio do efeito integrador, deve prevalecer a

interpretação que promova ou mantenha a unidade política.

“Como tópico argumentativo, o princípio do efeito integrador não

assenta numa concepção integracionista de Estado e da sociedade (conducente

a reducionismos, autoritarismo e transpersonalismos políticos), antes arranca

da conflitualidade constitucionalmente racionalizada para conduzir a soluções

pluralisticamente integradoras”83

c) Princípio da Máxima Efetividade84

Visa este princípio firmar a idéia de que a norma constitucional deve ter

a mais ampla efetividade social.

Em caso de dúvida, a interpretação que reconheça maior eficácia aos

direitos fundamentais deve prevalecer.

Não existe, pois, qualquer tipo de norma constitucional sem efeito

jurídico.

d) Princípio da Justeza ou da Conformidade Funcional85

81 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 232.

82 Também chamado de Eficácia Integradora.

83 Idem, p. 233.

84 Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva.

85 Chamado também de Princípio da Correção Funcional.

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

59

Referido princípio tem em vista impedir a alteração de repartição de

funções constitucionalmente estabelecidas.

Sua aplicação está intimamente ligada à relação existente entre o

intérprete máximo da Constituição e o legislador, vez que este não pode ter

reduzida sua liberdade conformadora, pelo primeiro.86

Não se pode, portanto, chegar a um resultado que subverta ou perturbe

o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, sendo

considerado hoje mais um princípio autônomo de competência do que um

princípio de interpretação constitucional87

.

e) Princípio da Concordância Prática ou Harmonização

Quase que uma conseqüência da unidade da Constituição, este princípio

assegura o valor de todos os bens jurídicos, de modo a não ser sacrificado

nenhum deles em relação ao(s) outro(s). É óbvio que, por vezes, será

necessário afastar a incidência de um deles, o que não significa dizer que está

autorizada a supressão completa (sacrifício total).

A idéia de inexistência de hierarquia entre princípios é a base do

fundamento da concordância ou harmonização.

f) Princípio da Força Normativa

Este princípio está diretamente ligado ao Princípio da Máxima

Efetividade.

O intérprete deve conferir às normas constitucionais a máxima

efetividade.

“Conseqüentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas

que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais,

86 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.

p. 49-50.

87 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 234.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

60

possibilitam a <<actualização>> normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua

eficácia e permanência”88

g) Princípio da Interpretação Conforme a Constituição

Conforme visto anteriormente, a Constituição é o fundamento de toda e

qualquer norma. Assim, a compatibilização das normas com o ordenamento

jurídico sempre deve estar vinculada à Carta Magna.

O princípio da interpretação conforme é, desta feita, um corolário

inevitável.

Pelo princípio da interpretação conforme se estabelece que em sendo

possível mais de uma interpretação à norma, deve ser aplicada aquela que

mais se aproxime ao texto constitucional.

Decorrem destas premissas algumas características:

a) prevalência da Constituição: prevalece a interpretação não contrária à

Constituição;

b) conservação de normas: podendo o intérprete aplicar a norma em

conformidade com a Constituição deve assim proceder para evitar a não

continuidade da norma;

c) exclusão da interpretação contra legem: a interpretação não pode,

simplesmente para compatibilizar a norma à Constituição, contrariar o texto

literal e/ou o sentido da norma;

d) espaço de interpretação: só se admite a interpretação conforme a

Constituição caso haja um espaço de decisão, sendo certo que é dever do

intérprete utilizar a decisão que esteja em conformidade com ela.

e) rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais: verificando o

intérprete que o resultado alcançado é contrário à Constituição deve declarar a

norma inconstitucional e;

88 Idem, p. 235.

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

61

f) o intérprete não pode atuar como legislador positivo: não pode o

intérprete fazer surgir nova regra, sob o pretexto de estar promovendo uma

interpretação conforme, se não for esta a vontade do legislador.

h) Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade

Este princípio traz em si a noção de bom senso, de equilíbrio.

Segundo as lições de Coelho89

“... o princípio da proporcionalidade ou

da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza

axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso,

prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e

valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito

constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral de direito, serve de regra de

interpretação para todo o ordenamento jurídico”.

O princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) está intimamente

ligado às questões atinentes à colisão de valores constitucionais. Serve ele de

critério solucionador de conflito, vez que identifica, no caso concreto, qual

deve ser a norma prevalente na tomada da decisão pelo intérprete.

No uso da razoabilidade ou proporcionalidade, porém, não pode o

intérprete simplesmente valer do subjetivismo para escolher qual a norma

mais adequada (razoável ou proporcional).

Mister a observância de alguns elementos:

a) necessidade (também chamada de exigibilidade): medidas que

possam restringir direitos só se legitimam se forem indispensáveis para o caso

concreto e desde que não possam ser substituídas por outra menos gravosa;

b) adequação (denominada ainda de pertinência ou idoneidade): o meio

escolhido deve atingir o objetivo almejado e;

89 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

109.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

62

c) proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e

adequada (itens a + b, supra), o ato praticado, em termos de realização do fim

buscado, deve superar as eventuais restrições ao demais valores

constitucionais, isto é, necessário que ocorra uma máxima efetividade e uma

mínima restrição.

2.2.4 Métodos de interpretação

2.2.4.1 Noções Gerais

Antes de adentrarmos nos métodos específicos de interpretação

constitucional, mister alguns apontamentos acerca da própria interpretação.

Ao tratarmos de interpretação, em especial da interpretação

constitucional, não podemos deixar de ter em mente o fato de que existe um

sistema constitucional90

e, mais, que este sistema representa a vontade do

povo, vez que é na própria Constituição que está, além do fundamento de

validade das demais normas, expressado aquilo que o povo, como poder

constituinte, quer para si.

A interpretação ganha relevância, assim, vez que aproxima a

Constituição normativa (formal) da Constituição real (substancial), ou seja,

pela interpretação se evidencia a real vontade social outrora posta em texto

normativo.

Não se deve esquecer que é justamente esta interpretação que permite,

diante do caráter aberto da Constituição – calcada em Princípios, uma

90 Sistema este que, segundo Paulo Bonavides, leva a idéia de unidade, totalidade e complexidade.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 99

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

63

evolução de valores, em conformidade com a realidade sócio política91

,

atribuindo dinamismo à Constituição.

Aliás, toda norma deve ser interpretada, inclusive as consideradas de

fácil compreensão (ou claras, não obscuras), vez que é justamente a

interpretação quem garante esta qualidade às normas.

Não se deve confundir, assim, a dificuldade da interpretação com a

própria interpretação. Ora, para que o intérprete possa afirmar que a norma é

clara terá que, inevitavelmente, ter recorrido a uma tarefa interpretativa.

A compreensão do texto, desta feita, pode, em face da interpretação, ser

mais ou menos fácil, sendo certo que a leitura desatenta de uma lei (sem

interpretação), ainda que clara, pode, por vezes, levar a um entendimento

imediato afastado do valor profundo que a mesma pode ter.

Outra distinção pouco observada, mas que merece menção, justamente

por terem objetos diversos, é a no tocante ao sentido de hermenêutica e de

interpretação.

Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.92

É a ciência

que estuda e desenvolve a atividade prática, que é a interpretação. É a

hermenêutica, pois, a responsável pelo fornecimento de regras e subsídios a

serem utilizados na atividade interpretativa.

A interpretação, por sua vez, é justamente a aplicação, na prática, dos

princípios da hermenêutica, isto é, a determinação do sentido e do alcance da

norma.

Fazendo distinção entre ambas (hermenêutica e interpretação) afirma

Barroso que a “hermenêutica jurídica é o domínio teórico, especulativo, cujo

objeto é a formulação, o estudo e sistematização dos princípios e regras de

91 DANTAS, Davi Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo: teoria e casos práticos. São

Paulo: Madras, 2005, p. 185.

92 BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. ampl. São Paulo: Celso Bastos,

2002. p. 28-36.

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

64

interpretação do direito. A interpretação é a atividade prática de revelar o

conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-

la incidir em caso concreto”93

.

Portanto, para concretizar o direito, isto é, fixar a norma, é

imprescindível a interpretação. A interpretação jurídica é, assim, “uma

atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em

normas”94

.

Feita estas considerações, mas antes de falar especificamente dos

métodos, é salutar que apontemos algumas características dos movimentos

que surgiram ao longo do tempo e que tiveram como fundamento a

compreensão da interpretação, movimentos estes que foram chamados de

Escolas de Interpretação ou Escolas Hermenêuticas.

Destacaram, nesse sentido, as Escolas da Exegese, Histórica, da Livre

Pesquisa ou Investigação Científica e a do Livre Direito.

Para a Escola da Exegese, o Direito se revela no texto das leis escritas,

podendo prever e prover tudo, ficando a interpretação limitada à pesquisa da

vontade do legislador e sua intenção95

. Praticamente um método “sintático-

semântico”96

, que pressupõe a univocidade semântica dos termos e

expressões, cultuando o texto normativo como expressão precisa da vontade

93 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. P. 97.

94 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação-Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 81.

95 PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os Princípios Fundamentais: elementos

para uma hermenêutica constitucional renovada. 3 ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

p. 21-23.

96 NEVES, Marcelo. Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito. in GRAU, Eros Roberto;

GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo

Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 357-358.

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

65

do legislador, sendo certo que ao intérprete caberia apenas descobrir o único

sentido juridicamente possível da linguagem97

.

A escola Histórica, fundada por Savigny98

, vê o Direito como produto

da história, não podendo as leis ter a pretensão de perdurar infinitamente,

devendo, isto sim, ser interpretadas para acompanhar a evolução da sociedade

que desejava regular. Apesar de não admitir interpretações criadoras e sim da

vontade do legislador (aproximando-se, por isso, da Escola da Exegese), não

admitia “que as leis e os fenômeno jurídico, de modo geral, sejam vistos

isolados do contexto histórico-cultural em que são gerados”99

. É com

Savigny, também, que surgem as técnicas clássicas de interpretação, isto é, a

mens legis, ou seja, interpretar é mostrar aquilo que a lei diz (técnicas de

interpretação gramatical, lógica ou teleológica, sistemática e a histórica), que

posteriormente por ele mesmo foi reformulada para fixar o conceito de que

interpretar é compreender o pensamento manifesto no texto da lei, ou seja, a

mens legislatoris.

Em seguida, surge a Escola da Livre Pesquisa ou Investigação

Científica100

. “A livre investigação científica apresenta-se como um processo

integrativo do Direito, elaborado por dois importantes componentes: o dado e

o construído. O dado consiste naqueles elementos não criados pelo legislador,

mas elaborados pelo fluxo da existência humana como resultantes da natureza

97 Em face da impossibilidade do texto normativo prever todas as situações da vida a Escola da Exegese

tornou se incompatível com a realidade, perdendo forças.

98 O que teria ocorrido, por iniciativa de Friedrich Carl Von Savigny, em meados do século XIX, na

Alemanha, em repúdio ao legalismo da Escola da Exegese. PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da

Constituição e os Princípios Fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. 3

ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 24-25.

99 GOMES, Sérgio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado Democrático de Direito. Rio de

Janeiro: Forense, 2001. p. 36.

100 Surgida na França e tendo Fraçois Geny como seu principal teórico, reconheceu a insuficiência das leis

escritas para a solução dos problemas jurídicos, vez que o tempo havia mostrado que inúmeras situações não

previstas pelo legislador surgiam e precisavam de respostas. Idem, p. 36.

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

66

e da experiência social: eles se impõem ao intérprete e também ao legislador.

O construído humano é arcabouço de normas que o jurista constrói a partir do

dado. É o produto da vontade humana. Destarte, o dado e o construído são os

dois componentes da norma jurídica”101

.

Surge, finalmente, a Escola do Livre Direito102

, segundo a qual a lei não

é a única fonte do direito positivo e nem a mais importante, acentuando que as

normas jurídicas que brotam nos grupos sociais devem ser reconhecidas pelo

Estado. O Direito livre, porém, deve refletir o sentimento da sociedade, é

dizer, a justiça fica, neste caso, vinculada ao apego na norma legislativa. A lei

pode ser afastada tão somente quando não oferecer uma solução ausente de

dúvidas ou se a solução apontada pela lei ao fato não corresponder às que

seriam traçadas pelo Poder Estatal quando do fato. Em casos complexos ou

sem padrões quantitativos determinados, o Livre Direito recorre-se à

discricionariedade do intérprete (no caso o aplicador do Direito).

Diante destas concepções é evidente que a interpretação não pode ficar

apenas atrelada ao texto normativo, devendo ser considerada a realidade

factual do momento. Não significa, no entanto, que a interpretação pode

desconsiderar o texto normativo. É justamente o texto normativo o limite da

variação de interpretações, que deverão, inevitavelmente, estar em

conformidade com os princípios do ordenamento jurídico. É dizer: o texto

normativo teria uma função negativa – limitadora; e uma função positiva –

possibilidade de novas interpretações.

Por derradeiro, alguns apontamentos acerca dos métodos clássicos de

interpretação, que são, na verdade, “elementos”, vez que devem ser utilizados

101 PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os Princípios Fundamentais: elementos

para uma hermenêutica constitucional renovada. 3 ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

p. 29.

102 Alemanha, por Herman Kantorowicz, na obra A Luta pela Ciência do Direito, sob o pseudônimo de

Gnaeus Flavius, tendo como principal fim a justiça. SICHES, Luís Recanséns. Nueva Filosofia de la

Interpretacíon del Derecho. 2 ed. México: Porrúa, 1973. p. 52-57.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

67

em conjunto, isto é, não se utiliza um “ou” outro no momento da

interpretação, mas sim todos.

Tais métodos são: gramatical ou literal; sistemático; histórico e;

teleológico.

Como bem observa Strek e reforçando a idéia de unidade103

, toda

interpretação será sempre gramatical (parte sempre de um texto), sistemática

(impossível o texto não se relacionar com o todo, isto é, o texto não representa

a si mesmo) e teleológica (inviável não se conceber a vontade da lei).

O elemento literal ou gramatical leva em consideração o próprio texto,

o conteúdo semântico das palavras, isto é, o sentido do vocábulo. Não

significa, por certo, que a interpretação deva ocorrer em cada palavra de

forma isolada; o vocábulo deve ser interpretado de forma conexa,

racionalmente com as demais palavras próximas a ele. Não se pode esquecer,

também, o efeito temporal neste elemento, vez que a palavras ganham

significações diferentes em cada época.

No tocante à interpretação constitucional uma ressalva deve ser feita,

qual seja a de ser empregado aos vocábulos o sentido comum (e não jurídico),

vez que a Constituição é emanada do povo e a ele se destina. Por óbvio,

situações ocorrerão em que será inevitável o uso do sentido técnico; o que se

quer é evitar o uso de expressões técnicas demais.

O elemento sistemático, por sua vez, representa a unidade do próprio

Direito; é o elemento de interpretação que se atrela à idéia de sistema, de um

todo harmônico. “Destaca-se aqui a perspectiva sistêmica do ordenamento

jurídico, bem como a sua unidade, procurando assim atingir uma visão global

e estrutural da lei”104

.

103 STREK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2 ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2002. p. 248-249.

104 BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. ampl. São Paulo: Celso Bastos,

2002. p. 61.

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

68

O elemento histórico, apesar de críticas quanto à impossibilidade de se

ter o real conhecimento da vontade do legislador, diante da diversidade de

votantes na elaboração das leis, é de suma importância. É justamente da

análise do momento da elaboração da norma que se extrai o sentido de sua

edição, da sua necessidade para aquele momento.

Por fim, o elemento teleológico busca identificar a finalidade da norma,

ou seja, qual o motivo de sua criação, quais valores e/ou bens jurídicos que o

ordenamento queria atingir com a edição da mesma; qual o espírito da norma.

Passemos, então, ao estudo dos métodos específicos de interpretação da

constituição, vez que “A interpretação constitucional não despreza a

interpretação jurídica de um modo geral, mas apresenta uma série de

particularidades, que justificam seu tratamento diferenciado, num estudo de

certa forma autônomo dos demais métodos interpretativos presentes no

sistema jurídico”105

.

2.2.4.2 Métodos em Espécie

a) Método Jurídico ou Hermenêutico Clássico

Tal método parte da concepção de que a Constituição é uma lei. Assim,

a interpretação da Constituição não tem diferença com a interpretação das

demais leis, devendo, pois, ser utilizados os mesmos métodos tradicionais.

b) Método Tópico Problemático

Referido método considera a Constituição um sistema aberto de

princípios e, a partir de um problema concreto, aproveitando os mesmos para

solucionar os problemas concretizados.

105 Idem, p. 105-106.

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

69

Canotilho106

critica este método, aduzindo que ele pode levar a um

reducionismo, vez que a interpretação deve partir da norma para o problema e

não deste para aquela; a interpretação é uma atividade normativamente

vinculada.

c) Método Hermenêutico Concretizador

Este método é praticamente o inverso do método tópico problemático,

vez que primeiramente se compreende a norma para, em seguida, aplicá-la ao

caso concreto.

No entanto, referida compreensão exige uma pré-compreensão da

norma pelo intérprete que, todavia, permanece atrelado ao caso concreto.

Bonavides critica este método afirmando que nele “A interpretação se

revela, debaixo de semelhantes condições, um meio fácil de tornar a

Constituição maleável e prover racionalmente, por via técnica, sem

compromissos inibitórios de limitação jurídica rígida, os fins do Estado em

toda a requerida e almejada amplitude”107

.

Muito embora a norma exerça uma primazia sobre o problema

concreto, este método pode levar à uma interpretação incorreta, vez que o fato

de se partir das pré-compreensões do intérprete pode ocasionar uma distorção

da realidade, bem como do próprio sentido da norma.

d) Método Científico Espiritual

A interpretação, por este método, deve ocorrer a partir da realidade

social, levando em consideração os valores subjacentes ao texto

constitucional. A interpretação da Constituição sob a influência da realidade

social, não pode, todavia, gerar valores em contradição com os valores

constitucionais expressos.

106 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p 220.

107 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. ver. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 481.

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

70

É este recurso à ordem de valores que obriga uma “captação espiritual”

do conteúdo axiológico último da ordem constitucional108

.

e) Método Normativo Estruturante

Parte da premissa de que texto da norma não se confunde com a norma,

isto é, não há identidade entre norma jurídica e texto normativo, levando a

uma desconexão entre realidade e norma a aplicar. Existe um foco na relação

“norma-realidade”109

.

O intérprete passa a ser um concretizador, ou seja, não basta a norma

jurídica e sua aplicação (norma decisão). Deve haver alteração no mundo da

vida, uma construção de significado no caso concreto110

.

Este método, além de não fundir texto e norma jurídica e de valorizar a

função do intérprete, ainda leva em consideração, no momento da aplicação

do Direito, os elementos da realidade.

“Não resta dúvida de que interpretar a Constituição normativa é muito

mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo atualizá-la”111

f) Método da Comparação Constitucional

Para este método, a interpretação deve obedecer a uma comparação nos

diversos campos constitucionais, ou seja, a “comparação” passaria a ser o

quinto método clássico de interpretação112

.

108 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 221.

109 DANTAS, Davi Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo: teoria e casos práticos. São

Paulo: Madras, 2005. p. 259-260.

110 Idem. p. 264-267.

111 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 483.

112 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

91-93.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

71

2.2.4.3 A Escolha de “UM” Método

Cremos não ser possível a escolha de “UM” método exclusivo de

interpretação. Todavia, isso não impede o apontamento de um método

preferencial, que para nós é o Normativo Estruturante.

O dinamismo e a mutabilidade constitucionais, além da falta de uma

regra objetiva de utilização de um ou de outro método, inviabilizam a seleção

de um método único.

A interpretação deverá, na verdade, estar atrelada aos Princípios

Constitucionais.

O uso destes métodos servirão de justificativas a legitimar resultados

que o intérprete se predeterminou a alcançar, ou seja, após o resultado é que

se escolhe o método que melhor indique o resultado previamente alcançado.

Como bem observa Grau, “...a insubsistência dos métodos de

interpretação decorre da inexistência de uma meta-regra ordenadora da

aplicação, em cada caso de cada um deles”113

.

Vê se, desta feita, que a interpretação é a adaptação dos textos

normativos à realidade e seus conflitos; não apenas dedução do Direito, que é,

sem dúvida, instrumento de mudança social.

Não há mais como se afastar, assim, a eficácia principiológica da

Doutrina da Proteção Integral, sendo certo que qualquer interpretação acerca

dos direitos das crianças e dos adolescentes, inclusive no que diz respeito ao

cumprimento de medidas socioeducativas (ainda que de internação), deve

ocorrer em conformidade com a Constituição Federal.

E ainda, referida “proteção integral” ganha eficácia de norma

constitucional de cunho pragmático, devendo, sempre, ser buscada sua

113 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação-Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 104-105.

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

72

concretização. Há uma necessidade permanente de se ter aplicado no campo

concreto aquilo idealizado no campo teórico.

Ressocializar o internado passa ser mais que simples fundamento da

sanção a ele imposta, passa a ser princípio incorporado da Proteção Integral,

no reconhecimento de que o adolescente é, além de pessoa em

desenvolvimento, titular de direitos.

A não efetivação dos direitos políticos do indivíduo internado em

decorrência de medida socioeducativa, pois, viola o próprio ordenamento

jurídico.

Portanto, apenas com o efetivo exercício do voto é que os internados

restabelecerão suas qualidades de cidadãos e, por certo, despertarão o

interesse do Poder Público, que será obrigado a reconhecer a importância

desta parcela da sociedade, preservando a dignidade dos mesmos, ainda que

com suas liberdades segregadas, e promovendo de fato, não só por ser seu

dever (dever Estatal), a ressocialização destes internados, vez que passarão ser

decisivos no sufrágio.

2.3 Humanização da Medida Socioeducativa e a Dignidade

Humana

Uma vez assente o que se deve entender por “Doutrina da Proteção

Integral” e a sua magnitude enquanto Princípio Constitucional, fato que exige

uma leitura diferenciada acerca dos direitos e garantias dos adolescentes

internados em decorrência de imposição de medida socioeducativa, passemos,

agora, a verificar que a medida socioeducativa, apenas por ser sanção penal,

não pode suprimir qualquer direito fundamental.

Se não bastasse, é imperioso, também, que sejam garantidos direitos de

ordem processual e preservada a dignidade humana e a condição de cidadão

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

73

do indivíduo, mesmo durante a execução da medida socioeducativa e quando

esta se dê em regime fechado, ou seja, mesmo durante a internação.

2.3.1 Direito Penal Juvenil: medida socioeducativa como sanção

penal e não como pena; garantias penais ao adolescente submetido à

medida socioeducativa

A questão que se traz neste tópico é o elo entre a dignidade humana e

os direitos políticos do internado. Isso pela obrigatoriedade de serem

observadas as garantias penais quando da aplicação e execução da medida

socioeducativa, justamente por sua natureza jurídica.

A medida socioeducativa tem natureza jurídica de sanção penal (e não

simples medida protetiva; algo, aliás, corolário da Proteção Integral), sendo

imperiosa a aplicação dos institutos penais atinentes às garantias individuais

daquele submetido ao devido processo legal para apuração do cometimento de

ato infracional.

Não há mais como negar que as medidas socioeducativas possuem

natureza jurídica de sanção penal, embora não sejam, como também não é a

medida de segurança, pena.

A origem da expressão “pena”, como observado por Estefam114

, deriva

do latim poena e indica castigo ou suplício.

Afirma Nucci115

, por sua vez, que o termo tem origem no grego (poine)

e significa vingança, ódio. Continua o autor, citando Messuti116

, que a

114 ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 290.

115 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 3 ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009. p. 57.

116 MESSUTI, Ana. El tiempo como pena. Buenos Aires: Campomanes, 2001.

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

74

expressão significa “a retribuição destinada a compensar um crime, a

expiação de sangue”.

Apesar dos autores, por vezes, inserirem no conceito de pena suas

finalidades e/ou seus fundamentos, surgindo inúmeras definições, o fato é que

se pode conceituar a pena como: a sanção, consistente na privação de

determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de fato

definido como crime.

Portanto, a pena nada mais é que, juntamente com a medida de

segurança, uma espécie de sanção penal. É, pois, uma resposta a um

comportamento contrário a uma norma de conduta.

Enquanto a pena é a sanção imposta ao imputável, a medida de

segurança é imposta ao inimputável (salvo se decorrente da idade, caso em

que incidirão as medidas socioeducativas) ou ao semi-imputável.

Portanto, a medida socioeducativa é, de fato, uma sanção penal, mas

não é pena.

Quando se reconhece a necessidade de aplicação de uma sanção ao

adolescente que praticou ato infracional, esta não se dá por intermédio de

sentença penal condenatória, mas sim por meio de sentença impositiva de

medida socioeducativa.

Não há aplicação de pena ao adolescente, mas sim de medida

socioeducativa.

Ato infracional, aliás, não é crime. É conduta descrita como crime ou

contravenção (artigo 103, ECA).

Ora, se não é crime, também não pode haver imposição de pena. Como

de fato não há!

Não se pode, também, justamente em face da retirada da liberdade do

indivíduo decorrente de uma conduta por ele praticada, dizer que não possui

natureza penal.

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

75

Toda privação da liberdade, ainda que extremamente terapêutica, tem,

para quem a sofre, um conteúdo penoso, pouco importando o nome que se dá,

mas sim o efeito produzido.

É por isso que está assente a concepção do Direito Penal Juvenil, um

Direito Penal específico para o adolescente, justamente pelo fato deste receber

uma sanção penal (entretanto diversa da pena ou da medida de segurança).

A terminologia (Direito “Penal” Juvenil) apenas de forma aparente

parece estar em descompasso com o que se pretende, qual seja separar o

conceito de pena/medida de segurança do conceito de medida socioeducativa,

vez que na terminologia geral (Direito Penal) está inserida a aplicação da

medida de segurança (que como sabido também não é pena, mas sim sanção

penal).

Um Direito Penal Juvenil, a propósito, que não mais se afasta do

garantismo, isto é, a Doutrina da Proteção Integral está em harmonia com a

idéia do garantismo penal e do direito penal constitucional.

“A Doutrina da Proteção Integral incorpora à questão do adolescente

em conflito com a lei a proposta de Ferraioli, definida por Bobbio como um

sistema de garantismo, com a construção das colunas mestras do Estado de

direitos, que tem por fundamento e fim a tutela das liberdades do indivíduo (e

portanto das crianças e dos adolescentes enquanto sujeitos de direito) frente às

variadas formas de exercício arbitrário de poder, particularmente odioso no

direito penal”117

.

Assim, muito embora sua especificidade quanto ao sujeito passivo e a

sanção imposta, o Direito Penal Juvenil se vale do Direito Penal, vez que

devem ser asseguradas ao adolescente, enquanto sujeito passivo de um devido

processo legal instaurado para apuração de prática de ato infracional (e sua

117 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral –

Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2009. p. 67.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

76

conseqüente imposição e cumprimento de medida socioeducativa), todas as

normas referentes às garantias de ordem processuais e materiais que são

asseguradas aos adultos.

Por isso, podem ser apontados como fundamentos e fins da medida

socioeducativa os mesmos que os da pena.

Assim, falaremos dos fundamentos e dos fins da pena em face da

balizada doutrina118

pátria acerca do tema, sem prejuízo algum em considerá-

los (fundamentos e fins), também, como os mesmos da medida socioeducativa

(pois como evidenciado linhas atrás, esta é, sim, sanção penal e não mais

simples medida protetiva).

Neste aspecto, do ponto de vista prático, em nada se difere o

cerceamento da liberdade oriundo de sentença penal condenatória (pena

privativa de liberdade) daquele decorrente de aplicação de medida

socioeducativa (medida de internação).

Quanto aos fundamentos o tema não possui tratamento uniforme na

doutrina.

Segundo Barros119

, o fundamento da pena deve ser analisado sob três

aspectos, a saber: a) do fundamento legal; b) do fundamento judicial e; c) da

fundamentação administrativa.

O fundamento legal da pena, concretizado pelo legislador quando da

cominação abstrata da pena mediante a edição de normas penais

incriminadoras, é a proteção dos bens jurídicos de maior valor.

O fundamento judicial, por sua vez, operado pelo juiz mediante a

aplicação concreta da pena na sentença, é a prática de uma conduta típica,

antijurídica e culpável.

118 A propósito, sobre os fundamentos da pena, primorosa a obra de Oswaldo Henrique Duek Marques in

DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique. Fundamentos da Pena. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

119 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral. v. 1, 3 ed., rev. atual. e ampl., São

Paulo: Saraiva, 2003. p. 434-435.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

77

Por fim, a fundamentação administrativa ou executória, efetivada na

fase de execução penal quando da perda ou diminuição de certos bens

jurídicos do condenado, é a sentença condenatória, vez que apenas a partir

dela é que a execução da pena pode ter início.

Para Nucci120

, entretanto, os fundamentos estariam ligados à existência

da mesma e seriam: a) denúncia; b) dissuasão; c) incapacitação; d)

reabilitação; e) reparação e; f) retribuição.

A denúncia é fazer com que a sociedade desaprove a prática do crime.

A dissuasão é desaconselhar as pessoas de um modo geral e,

particularmente, o próprio criminoso à prática delitiva.

A incapacitação é proteger a sociedade do criminoso, retirando-o de

circulação.

A reabilitação é reeducar o ofensor da lei penal.

A reparação é trazer alguma recompensa à vítima.

E retribuição, por fim, é aplicar ao condenado uma pena proporcional

ao delito cometido.

Lembra Nucci, ainda, que a reparação visa restabelecer o equilíbrio no

plano individual, ao passo que a retribuição visa restabelecer o equilíbrio no

plano social. E finaliza afirmando que “a pena, em primeira análise, tem por

fundamento e finalidade reafirmar os valores impostos pelas normas vigentes,

aquietando o espírito da vítima, para não se voltar contra o delinqüente, bem

como voltando os olhos à justa punição, que, como já exposto, retribui,

previne e busca a ressocialização”121

.

Quanto à finalidade, no decorrer da história, várias foram as teorias que

surgiram a respeito da finalidade da pena e do direito de punir.

120 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 3 ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009. p. 58.

121 Ibidem.

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

78

Para as teorias chamadas absolutas o fim da pena era a retribuição, o

castigo, a expiação, ou seja, o pagamento pelo mal praticado. Baseiam-se no

lema “punitur quia peccatum est”, isto é, pune-se o agente simplesmente

porque ele cometeu o crime. O crime, para Escola Clássica, era infração a

preceitos divinos e o homem detentor do livre arbítrio para fazer o bem ou o

mal. Retribuía-se o mal com o mal para possibilitar a purificação do pecador.

A sanção, desta monta, nada mais era do que a conseqüência do delito e tinha

por finalidade o restabelecimento da ordem pública alterada, sem existir a

preocupação, em nenhum momento, com a pessoa do condenado. Entre os

adeptos desta teoria, destacam-se Erico Pessina, Joseph de Maistre, Hegel e

Binding.

As teorias relativas, ou de prevenção ou utilitaristas ou finalistas, por

sua vez, davam à pena um fim exclusivamente prático e útil e, em especial, o

de prevenção. Regem-se pelo lema “punitur ut ne peccetur”, ou seja, pune-se

o agente para que ele não volte a delinqüir. Estas teorias relativas dividem-se

em dois grupos, quais sejam o das teorias preventivas e o das reparadoras. Foi

destas teorias relativas que a pena começou a ser vista como uma

oportunidade de ressocialização e não mais como um castigo.

Beccaria122

foi o precursor desta teoria, possuindo uma concepção

utilitarista da pena. Perfilhavam deste entendimento, ainda, Jeremias

Bentham, Anselm von Feuerbach e Gian Domenico Romagnosi.

Foi justamente Beccaria quem deu um impulso para a implantação e

solidificação da pena privativa de liberdade, uma vez que se mostrava

radicalmente contra a pena de morte, plenamente utilizada em sua época.

Em sua obra “Dos Delitos e Das Penas” espalhou suas idéias

preventivas, que foram quase que totalmente implantadas pelo primeiro

Código Penal da França. Para ele o objetivo preventivo geral seria alcançado

122 Cesare Bonesanna, o Marquês de Beccaria.

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

79

com a eficácia e a certeza de punição. Afirmava que quanto mais rápida fosse

a aplicação da pena e mais de perto acompanhado o crime, mais justa e útil

seria.

Beccaria, contudo, não renunciava ao caráter punitivo da privação de

liberdade, pois para ele a pena possuía uma ameaça que se dá em duas ordens:

a) cominação, isto é, a previsão abstrata da pena; b) execução, ou seja, a

imposição concreta da pena a certo delinqüente. Colocando em sua obra a

finalidade reformadora da pena, contribuiu, decisivamente, para a

humanização das sanções criminais.

Reafirmando este caráter de retribuição, geral e especial, que possui a

pena, escreveu o filósofo inglês Jeremias Bentham, no ano de 1818, a

extraordinária obra “Teoria das penas e das recompensas”.

Já as teorias mistas, lideradas por Pellegrino Rossi, em sua obra “Traité

de droit penal”, de 1828, conciliavam o caráter retributivo com o caráter

utilitário da pena. Acrescenta-se um fim político: a necessidade de garantir o

bem da sociedade. Esta teoria considerava a pena em sua natureza não apenas

como retributiva (mal pelo mal), mas também como meio de intimidação e

reeducação do criminoso. A pena seria, assim, um misto de educação e

correção.

Mais recentemente, a Escola da Nova Defesa Social trouxe à tona a

idéia de que a sociedade apenas é defendida à medida que se promova a

ressocialização do condenado. Institui-se, daí, um movimento de política

criminal humanista.

A tendência moderna é a de que a execução da pena deve humanizar,

reeducar, ressocializar o condenado e não apenas punir.

Exemplo de tal assertiva é a própria Lei de Execução Penal, Lei nº

7.210/1984, que em seu artigo 1º dispõe, in verbis, que: “A execução penal

tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

80

proporcionar condições para a harmônica integração social do

condenado e do internado” (grifamos).

Não é diferente o contido no Estatuto da Criança e do Adolescente123

quando afirma em seu artigo 3º, ad littera, que “A criança e o adolescente

gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem

prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por

lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes

facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em

condições de liberdade e de dignidade”. (grifos nossos)

E continua o mesmo diploma legal, litteratim: “Art. 18. É dever de

todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de

qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou

constrangedor”.

E ainda: “Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade,

entre outros, os seguintes: (...) V - ser tratado com respeito e dignidade; X -

habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;”. (sem

grifos no original)

O direito de votar, assim, é expressão do espírito ressocializador

buscado na execução da medida socioeducativa, que só se corporifica com a

perspectiva de benefício e a esperança de melhora de situação do internado.

Ora, negada a participação social, desaparece a motivação necessária

para que o internado, por exemplo, desempenhe boa conduta dentro da

unidade e que se abstenha de fugir, isto é, que de fato se sinta um cidadão (e

não um ser esquecido no interior da unidade de internação, como se vê

comumente).

123 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1.990.

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

81

Conseqüentemente, não há como concebermos, mediante uma

exclusão, a possibilidade de reeducação ou ressocialização, que é o fim maior

buscado pela sanção penal.

Não se pode deixar de questionar, entretanto, a instituição da

internação, na medida em que se atribui à sanção penal uma dúplice função:

ressocializadora e retributiva. Como é possível e viável castigar e ao mesmo

tempo reeducar ou ressocializar no ambiente da internação?

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como as

unidades de internações. Os centros de execuções de medidas

socioeducativas, as unidades de internação, tendem a converter-se num

microcosmo em que se reproduz e se agrava as contradições existentes no

sistema social exterior. A simples privação da liberdade não ressocializa; ao

contrário, estigmatiza o internado, impedindo sua plena reincorporação ao

meio social.

A internação não cumpre uma função ressocializadora. Serve como

instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.

Ora, o simples meio em que se encontra o adolescente já é suficiente

para gerar um isolamento social (não apenas diante do afastamento físico

propriamente dito, mas também pela segregação das demais formas

participativas, como, por exemplo, o não exercício de atividade laborativa

(apesar de serem estas obrigatórias)124

.

A não concretização do direito de votar, como se percebe, e nem

precisamos adentrar na questão da compatibilidade com a dignidade humana e

com a democracia, potencializa a não ressocialização.

Nesse ponto, como se vê, em nada se diferem a medida socioeducativa

de internação e a pena privativa de liberdade.

124 Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...)XI - receber

escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer.

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

82

A Criminologia Crítica tem contestado veementemente a concepção

reintegradora e ressocializadora da pena privativa de liberdade (o que também

pode ser utilizado para a internação do adolescente).

Aponta Mirabete125

que a criminalidade é um fenômeno social

“normal” de toda a estrutura social, até útil ao desenvolvimento sociocultural,

e não um estado patológico social ou individual. Esta teoria nega a

culpabilidade e a responsabilidade ética e considera a execução penal uma

atividade criadora de etiquetas, julgadoras de personalidades e definidora de

comportamentos. Vislumbra-se que a ideologia da criminologia crítica, como

a do abolicionismo penal, está longe de ser alcançada entre nós, diante da

estrutura penal vigente na atualidade.

Pensamos que se pode curar ou reeducar não obstante a sanção penal,

mas jamais se poderá dizer que a internação, per si, sirva ou possa servir para

reeducar o internado, principalmente na realidade brasileira.

Por mais otimista ou conceitual (aqui se referindo aos fins da sanção

penal) que possamos ser, a verdade é que internação alguma consegue

promover ganho, isto é, não existe isolamento que gere benefício algum.

E mais, a sanção penal constitui uma reação da sociedade às suas

profundas e inconscientes necessidades emocionais. É que diante de um ato

infracional, surge na sociedade um profundo sentimento de represália,

voltando-se toda ela contra o infrator. Deseja-se uma punição e castigo para

satisfazer, assim, este eventual sentimento comum de justiça. Em outras

palavras, a sanção penal reforça no cidadão uma atitude durável de fidelidade

à lei, apesar de não ser este o “fim oficial” da medida socioeducativa.

Talvez por esse motivo é que exista indiferença no sistema punitivo

brasileiro e insista-se em não se defrontar com os problemas latentes. E por

certo, é pelo mesmo motivo que não vislumbramos reação da sociedade ou

125

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentário à lei nº 7210/84. São Paulo: Atlas, 1997

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

83

qualquer perspectiva de mudança diante do quadro crítico que há tempos se

instalou.

Mister, com efeito, pensar e repensar o sistema punitivo para que

realmente corresponda ao que está preceituado em lei, vindo a medida

socioeducativa (especialmente a internação) conseguir cumprir sua finalidade.

Por isso já afirmamos no início deste trabalho que é mais fácil falar em

segurança pública a que promover políticas públicas. Políticas públicas, aliás,

que diretamente interferirão na segurança.

É falacioso o discurso político de enrijecimento da atuação policial, do

aumento da força etc, pois, como sabido, são apenas medidas paliativas e

emergenciais.

Enquanto não houver interesse político em proporcionar a participação

do adolescente em conflito com a lei na condução política do Estado, ou seja,

enquanto não houver o cumprimento dos fundamentos e objetivos da

República Federativa do Brasil, não será possível a existência de um sistema

punitivo condizente com a ressocialização.

2.3.2 Princípio da Humanização ou da Humanidade da Sanção

Conforme diversas passagens neste trabalho, a questão referente ao não

cidadão está ligada, também, à noção de dignidade da pessoa humana.

Não há, pois, como deixar de tratarmos do princípio da humanidade (ou

humanização) da sanção, vez que é ele o elo de ligação entre a participação do

indivíduo na condução política do Estado e a privação da liberdade decorrente

de aplicação de medida socioeducativa de internação.

Ora, além de não ser compatível com o conceito de democracia (com o

próprio sentido de Social Estado Democrático de Direito), a não

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

84

concretização da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado é um

efeito que desrespeita a dignidade da pessoa humana.

Necessário, contudo, um apontamento quanto ao próprio surgimento da

sanção, para, só então, termos patente a violação ao supramencionado

princípio, isto é, com a evolução da sanção penal fica clarividente a não

aceitação de uma violação à dignidade da pessoa humana.

A evolução histórica é, assim, fundamental para a fixação de qualquer

conceito e, por óbvio, para a compreensão do seu sentido. Daí não

abordarmos diretamente o que venha ser dignidade humana, isto é, o que se

deve entender por dignidade da pessoa humana, seu conceito e significado.

É verdade que parece invertido o desenvolvimento do trabalho, pois

seria mais lógico iniciar o tema atinente à sanção justamente de seu

surgimento.

No entanto, preferimos colocar o surgimento ao final deste capítulo

pelo simples fato de que, primeiro, não haverá prejuízo na compreensão e,

segundo, pelo fato de que as sanções nem sempre observaram a dignidade

humana.

Assim, iniciando a questão do princípio da humanização da sanção com

o próprio surgimento desta, cremos que o leitor terá facilitada, ao final, a

tarefa de entender o motivo pelo qual a não concretização da capacidade

eleitoral ativa (do direito de votar) viola, também, este princípio, vez que,

como dissemos anteriormente, a dignidade é um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil.

Para tanto, pelos motivos apresentados quando dos fins e dos

fundamentos da medida socioeducativa de internação, faremos a abordagem

deste princípio a partir dos estudos atinente à pena.

Após esta breve explicação, continuemos com o desenvolvimento do

trabalho.

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

85

A pena é tão antiga quanto a humanidade. Historicamente, cada povo

dedicou-se à sua aplicação de acordo com sua cultura.

É bem verdade que atualmente se consolidou a idéia de que a pena

também deve observar a dignidade humana.

Mas nem sempre foi assim!

A execução da pena, até o fim do século XVIII, início do século XIX,

constituía-se num espetáculo de horror em que o condenado era submetido a

sofrimentos corporais, com requintes de crueldade, aos olhos de toda a

comunidade, assumindo um caráter eminentemente retributivo.

A privação de liberdade constitui a mais significativa das penas. A

partir do momento em que se retirou do ordenamento jurídico brasileiro a

pena de morte126

e a pena corporal, passou ela incidir em um dos bens

jurídicos mais importantes do homem, qual seja a liberdade.

Nos dizeres de Pimentel127

, “A origem da pena, buscada nos grupos

humanos primitivos, é indubitavelmente de caráter sacral. O homem, nas

primeiras eras, não se regia pelo princípio da razão, mas se impulsionava por

reações ditadas por sentimentos. Sua visão cósmica era distorcida, pois, para

ele, o que parecia, era. Os estudos a respeito dos símbolos e dos mitos provam

essa assertiva. Não compreendendo a verdadeira natureza dos fenômenos que

o cercavam, ligava os efeitos manifestados a causas misteriosas,

sobrenaturais, que, no entanto, poderiam ser controladas mediante a prática de

rituais ou oferecimento de dádivas e sacrifícios”

Assim, para os povos primitivos, o mal poderia ser conjurado com ritos

e sacrifícios adequados.

As sociedades primitivas no Brasil também se formaram por princípios

semelhantes. Entre os selvagens brasileiros, conforme assevera Gonzaga, in

126 Ressalvada a previsão constitucional da pena de morte, em caso de guerra declarada nos termos do artigo

84, inciso XIX, da CF, conforme se verifica no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, da Magna Carta.

127 PIMENTEL, Manoel Pedro. Ensaio sobre a pena: 1ª parte. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1996

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

86

“O direito penal indígena à época do descobrimento do Brasil”,128

foi

conhecida a forma talional, limitada à reação do ofendido através da vingança

do sangue; também a composição, primeiramente sob a forma de acordo entre

famílias e mais tarde com o caráter indenizatório, foi aplicada no Direito

Penal indígena.

Explicitando sobre estas penas corporais, é categórico quanto a

utilização das mesmas. Afirma Gonzaga que “As penas corporais foram

comumente empregadas, embora não se tenha notícia de métodos torturantes.

A pena de morte era executada através do uso do tacape, recorrendo-se

também a venenos, sepultamento de pessoas vivas, especialmente crianças, e

enforcamento.” Menciona ainda como forma de execução capital o

afogamento. A pena de açoites é também referida, mas a privação da

liberdade existia como forma de prisão semelhante à atual “prisão

processual”, destinando-se à detenção de inimigos, em seguida à captura, ou

como recolhimento que antecipava a execução da morte.

Na antiguidade desconheceu-se totalmente a privação de liberdade.

Embora seja inegável que o encarceramento de delinqüentes existiu desde

tempos imemoráveis, não tinha caráter de pena e repousava em outras razões.

Até os fins do século XVIII a prisão serviu somente ao escopo de

contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de

serem julgados ou executados. Recorria-se durante esse longo período

histórico, fundamentalmente à pena de morte, às penas corporais (a exemplos

das mutilações e açoites) e às infamantes.

Quanto à utilização de prisão apenas como retribuição, Bitencourt129

ressalta que os “vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais

128 GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena à época do descobrimento do Brasil. São Paulo:

Max Limonad, 1981.

129 Bitencourt, Cesar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revistas dos

Tribunais , 1993.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

87

antigas (China, Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia, etc.) coincidem com a

finalidade que atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura”.

Apenas elucidando o que até agora explicitamos, vejamos o que se dava

em algumas civilizações:

Na China, há cerca de dois mil anos atrás, era autorizado o dono da

casa a matar o ladrão que nela adentrasse.

A legislação egípcia, que se conhece em decorrência da intervenção dos

escritores gregos e romanos e de repetições feitas nas glosas medievais,

tornou-se mais acessível após a decifração dos hieroglifos. Soube-se que a

pena teve, desde tempos remotos, caráter público e a sua imposição era feita

pelos sacerdotes quando não pelo faraó. A pena de morte era muito difundida,

demonstrando que nenhuma preocupação havia no sentido de recuperar o

infrator.

Entre os fenícios, foi permanente o objetivo de castigar os crimes

relacionados com a atividade comercial, por eles intensamente exercida.

Comum era a pena de morte, emprestando-se-lhe um certo sentido de

prevenção geral, como, aliás, acontecia também entre os egípcios.

Assíria, Caldéia e Babilônia, conforme documentado, de modo

particular, no Código de Hamurabi, datado de aproximadamente de 2.250

anos a.C., adotaram a pena de prisão por dívidas, com redução à condição de

escravo do devedor insolvente. As penas eram sempre impostas pelos Estados

e comum era a de morte, por imersão e asfixia na água. Aplicavam-se também

castigos, mutilações, espancamentos e multas.

“O povo hebreu, cuja história foi melhor relatada, aplicou com

prodigalidade a pena de morte especialmente para punir os crimes de

idolatria, sendo que a composição e a multa eram reservadas aos crimes

contra o patrimônio, enquanto os crimes de lesões corporais eram sancionados

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

88

com a vingança do sangue, nos primeiros tempos e, depois, com a

composição talional de caráter público.” 130

A Grécia, por sua vez, desconheceu a privação de liberdade como pena.

Contudo, em alguns casos, a pena de prisão foi imposta em Atenas como

castigo especial. Platão, de outra monta, já apontava duas idéias históricas da

privação de liberdade: a prisão como pena e a prisão como custódia. Esta

última, a única forma empregada na Antiguidade, na realidade foi pouco

utilizada, a não ser como meio de impedir a fuga dos acusados ou para forçar

certos devedores a pagar suas dívidas (os juízes determinavam uma multa e

tinham o direito de acrescentar uma prisão de cinco dias, com entrave nos pés,

nas prisões públicas).

O direito germânico também não conheceu a prisão com o caráter de

pena. Nele predominavam a pena capital e as corporais.

Vê-se, assim, que por toda a idade antiga o aprisionamento restringia-se

à custódia dos réus até a execução de suas condenações, existindo, de outra

monta, a prisão por dívida, que tinha a finalidade de garantir o cumprimento

das obrigações por parte dos devedores.

Durante a Idade Média também não aparece a idéia de pena privativa

de liberdade. As sanções criminais estavam submetidas ao arbítrio dos

governantes, que as impunham de acordo com o status social do réu, sendo

que poderiam ser substituídas por prestações em metal ou espécie. A pena de

reclusão restava, excepcionalmente, para aqueles casos em que os crimes não

tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à morte ou mutilação.

Surgem, nesta época, a prisão de Estado e a prisão Eclesiástica.

A primeira, destinada aos inimigos do poder real ou senhorial que

tivessem cometido delito de traição ou aos adversários políticos dos mesmos.

Exemplos desta espécie de prisão são as Torre de Londres, as Bastilhas de

130 BITENCOURT, Cesar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revistas dos

Tribunais, 1993.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

89

Paris e o Palácio Ducal em Veneza, que ficou conhecido como “a ponte dos

suspiros”.

A Eclesiástica, por sua vez, era destinada a clérigos rebeldes, dando-se

ao internamento um sentido de penitência e meditação, a fim de que se

arrependessem do mal causado e obtivessem correção. O pensamento cristão

influenciou e deu bom funcionamento à pena privativa de liberdade, pois a

prisão eclesiástica ou canônica, uma das poucas exceções às prisões custódias,

visava o arrependimento e a correção do delinqüente, a fim de propiciar sua

reabilitação.

Desde a segunda metade do século XVI, portanto, iniciou-se um

desenvolvimento da pena privativa de liberdade e construção de prisões para a

correção dos apenados, a fim de fazer frente ao fenômeno sócio-criminal que

preocupava as pequenas minorias das cidades. Tal instituição tinha por

finalidade a reforma dos delinqüentes pelo trabalho e pela disciplina, além da

prevenção da criminalidade.

Posteriormente, criou-se, em Amsterdã, a casa de correção para tratar

de pequenas delinqüências, já assinalando o surgimento da pena privativa de

liberdade moderna.

Foi justamente na Revolução Francesa que este movimento de idéias

atingiu seu apogeu, influenciando consideravelmente uma série de pessoas

com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo.

Desta feita, com o advento do estado moderno, a pena privativa de

liberdade institucionaliza-se como manifestação de um suposto humanismo

iluminista e de uma reação penal com um fim retributivo e preventivo.

A liberdade e a igualdade jurídica e política fazem com que se substitua

o poder sobre os corpos pelo poder sobre a alma do condenado. Ainda assim,

não há uma supressão completa das ações sobre o corpo do apenado; um

castigo como a prisão não pode funcionar a margem do sofrimento corporal.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

90

Não se pode negar, todavia, que este sofrimento deixou de ser o objeto

principal da pena.

Como se vê, a dignidade da pessoa humana passa a integrar a pena,

sendo inaceitável qualquer tipo de pena que viole referido princípio

fundamental.

Torna necessária, por conseguinte, uma abordagem do que venha a ser

a Dignidade da Pessoa Humana, até mesmo pelo fato de que é ela (juntamente

com a noção de democracia) quem exige que se garanta o direito de votar do

internado.

A não concretização da capacidade eleitoral ativa do internado, como

sempre defendido por nós, é um descumprimento praticamente automático

quando da execução da medida socioeducativa que desrespeita a dignidade da

pessoa humana e a participação popular do indivíduo na condução política do

Estado; faz surgir um não cidadão, uma figura totalmente contrária ao Social

Estado Democrático de Direito.

2.3.3 Dignidade da Pessoa Humana

Como bem assinalado por Ponte131

, a dignidade da pessoa humana

possui duas faces: “a primeira, representada pela dignidade básica ou radical,

que é refratária a qualquer forma de discriminação e refere-se a todo ser

humano; a segunda, a dignidade ontológica, que diz respeito àqueles que são

dotados de inteligência e liberdade”.

131 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 65-68.

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

91

Relembra também Sarlet132

, por sua vez, que a dignidade da pessoa

humana possui dois sentidos diversos, quer se trate de um pensamento

filosófico e político, quer se trate de um pensamento estóico.

Para o pensamento filosófico e político a dignidade (dignitas) da pessoa

humana, de regra, referia-se a posição social ocupada pelo indivíduo na

comunidade e ao seu grau de reconhecimento pelos demais membros. A

dignidade, assim, podia ser quantificada e modulada, admitindo-se pessoas

mais dignas e menos dignas que outras.

No pensamento estóico, por sua vez, a dignidade era tida como a

qualidade inerente do ser humano que o distinguia das demais criaturas, sendo

certo que todos os seres humanos possuem a mesma dignidade. Desta feita,

todos os seres humanos são iguais no que diz respeito às suas dignidades.

Entretanto, foi no pensamento de Tomás de Aquino, continua o ilustre

autor133

, retomando em parte o pensamento de Anicio Manlio Severino

Boécio, que a dignidade passou a ser compreendida como a capacidade de

autodeterminação (inerente à natureza humana), de sorte que, justamente por

força desta dignidade, o ser humano existe em função da sua própria vontade,

corolário da racionalidade e da liberdade do ser humano. Ao homem teria sido

outorgada uma natureza indefinida, como assevera Giovanni Pico della

Mirandola134

, para que fosse seu próprio árbitro, soberano e artífice, dotado da

capacidade de ser e obter aquilo que ele próprio quer e deseja, decorrência da

superioridade do homem em relação aos demais seres vivos, justamente por

ser uma criatura de Deus.

132 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 7 ed. rev. e atual.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 32.

133 Idem, p. 33-34.

134 MIRANDOLA, Giovanni Pico della. Discurso Sobre a Dignidade do Homem. Lisboa: Edições 70, 1986.

p. 52-53. apud Idem, ibidem.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

92

Assim, não seria apenas a visão eclesiástica, de que o homem foi feito à

imagem e semelhança de Deus, o fundamento da dignidade da pessoa

humana, mas também a racionalidade, qualidade peculiar inerente ao ser

humano que lhe possibilita construir de forma livre e independente sua

própria existência e seu próprio destino.

Mas foi nos pensamentos de Kant135

que a noção de dignidade da

pessoa humana, como adotada atualmente pela maioria dos autores, passou a

ter seu fundamento na própria autonomia da vontade (entendida como a

faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a

representação de certas leis), atributo encontrado apenas nos seres racionais,

constituindo-se, por conseguinte, no fundamento da dignidade da própria

natureza humana.

“O homem, e, duma maneira em geral, todo o ser racional, existe como

um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta

ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto as que se

dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele

tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o

valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre

condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa

vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um

valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres

vivos racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já

como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado

como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o

arbítrio (e é um objeto de respeito)”136

.

135 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in: Os Pensadores – Kant (II). Trad.

Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 103-162.

136 Idem, p. 134-135

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

93

A pessoa humana, justamente por ser um fim em si e não um meio,

teria uma condição peculiar e insubstituível. A dignidade ultrapassaria, pois,

qualquer preço; seria uma disposição de espírito.

Arremata o filósofo alemão afirmando que “no reino dos fins tudo tem

ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se

em dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima

de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade...

Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal

disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca

ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse

um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade”137

.

137 Idem, p. 140.

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

94

3. DIREITOS POLÍTICOS E O INTERNADO

Finalizando nosso desenvolvimento, apontaremos o instrumento

segundo o qual, para nós, se atinge a tão esperada ressocialização quando da

execução da medida socioeducativa de internação, qual seja o voto.

Instrumento este, aliás, pouco valorizado e colocado em segundo plano,

talvez em face da pouca educação da população, talvez propositadamente,

para facilitar o manejo daqueles que vêem nas eleições um momento propício

de barganha junto aos candidatos.

Entretanto, uma coisa é certa: até hoje, mais de uma década após a

promulgação da Constituição denominada de “Constituição Cidadã” e do

Estatuto da Criança e do Adolescente, não há interesse algum por parte dos

representantes do povo em se efetivar referido direito àqueles com a liberdade

restringida em decorrência de cumprimento de sanção penal138

.

E este desinteresse é que faz com que a internação não atinja o fim

almejado e determinado pela Doutrina da Proteção Integral, inclusive

mandamento constitucional.

Por isso vemos no voto, enquanto restabelecedor da cidadania, o

instrumento hábil a promover a despertar o interesse político daqueles

encarregados em salvaguardar a dignidade dos internados e, por conseguinte,

promover suas ressocializações.

3.1 Direito Político Positivo (direito de sufrágio)

138 Entretanto, devemos mencionar a existência da Resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral, de 02

de março de 2010, que “Dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e

em unidades de internação de adolescentes e dá outras providências”.

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

95

Antes mesmo de fixar a concepção de que a cidadania é um direito

político fundamental, se faz necessário apresentar, de forma individualizada, a

maneira com que o indivíduo exerce (ou não) seu direito de cidadão, isto é,

como ele participa (ou não) da condução política do Estado.

Tal direito se exterioriza por intermédio do sufrágio139

.

Devemos deixar consignado, desde já, que referido direito de sufrágio,

não pode ser confundido com o conceito de voto e nem com o conceito de

escrutínio.

Sufrágio, expressa o próprio direito; o voto, por usa vez, indica a

exteriorização do direito, isto é, o seu exercício e; por fim, o escrutínio aponta

a forma de exercício, ou seja, seu modo.

O sufrágio, corolário do Estado Democrático de Direito e da própria

soberania popular, é aptidão que o cidadão tem de eleger, de ser eleito e de

participar da política do Estado; é, pois, uma função de instrumentação do

povo, sendo, desta feita, um direito e um dever140

.

Característica marcante do Estado Democrático, em que se exige a

participação popular na condução do Estado, é justamente o fato do sufrágio

ser universal. A simples existência de sufrágio universal, porém, não é

suficiente para caracterizar um regime democrático, vez que este não se

compõe apenas de formalidades eleitorais.

Não se sustenta mais, diante deste regime político, a noção de sufrágio

restrito, em que apenas um grupo de pessoas previamente determinadas, em

face de características peculiares, é que tinham direito de sufrágio.

Em um regime democrático, em que a participação de todos é o próprio

fundamento do regime, não se torna compatível outro tipo de sufrágio senão o

universal, em que se outorga o direito de votar a todos os nacionais de um

139 A expressão “sufrágio” é derivada do latim sufragium e significa aprovação, apoio.

140 A própria Constituição Federal deixa patente este dever, ao afirmar em seu artigo 14, § 1º, inciso I, que o

voto (exercício do sufrágio) é obrigatório para os maiores de 18 (dezoito) anos.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

96

país, sem restrições derivadas de condições de nascimento, patrimonial ou de

outra capacidade especial.

O sufrágio universal, como se denota, reforça, ainda mais, a tese de que

a não concretização da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado

viola o próprio Estado Democrático, atentando contra a dignidade humana ao

tornar o indivíduo um não cidadão.

É clarividente, como se vê, a importância que possui o voto, como

viabilizador da participação no Estado, como instrumento garantidor da

cidadania, da noção de cidadão ativo, enfim do próprio Estado Democrático.

O sufrágio pode se apresentar, ainda, de forma igual ou desigual.

A forma de sufrágio igual é aquela em que a cada indivíduo é dado o

direito de um voto (one man, one vote), pois cada cidadão tem o mesmo peso

político e a mesma influência. A nenhum eleitor, portanto, pode ser dado mais

voto que a outro.

O sufrágio desigual, por sua vez, se caracteriza pelo fato de ser

atribuído a um eleitor o direito de votar mais de uma vez ou, então, de dispor

de mais de um voto para prover o mesmo cargo141

.

Quanto aos titulares do direito de sufrágio, por conseguinte, cumpre

mencionar que são os brasileiros com pelo menos dezesseis anos de idade e

estejam alistados na forma da lei142

.

Feito os apontamentos necessários acerca do direito de sufrágio,

passemos à análise de alguns pontos referentes ao exercício deste direito, isto

é, ao voto.

141 O sufrágio desigual se manifesta pelo voto múltiplo (mais de um voto em mais de uma circunscrição ou

distrito eleitoral), pelo voto plural (mais de um voto numa mesma circunscrição ou distrito) e pelo voto

familiar (o eleitor pai de família dispõe de votos em função do número de membros do núcleo familiar).

142 É a regra inserta no artigo 14, § 1º, da CF/88. Por óbvio, quando falamos em não concretização dos

direitos políticos do adolescente internado, é justamente daqueles que atendem os requisitos exigidos para

seu alistamento, isto é, daqueles que atendem a alistabilidade.

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

97

O voto143

, como dito alhures, no entanto, não tem o mesmo sentido que

sufrágio. Voto é o meio pelo qual se exerce o direito de sufrágio; instrumento

pelo qual se exprime a vontade de eleger algum candidato ou deliberar sobre

algo; é a manifestação do sufrágio no plano prático.

Ademais, cumpre ressaltar que a natureza jurídica do voto é justamente

de um direito. Aliás, direito público e subjetivo. Tem o indivíduo o direito de

emissão do ato, sob pena de transformarmos o direito de sufrágio em algo

meramente abstrato e sem sentido prático (lembre-se que é justamente o voto

que dá praticidade à aplicação ao direito de sufrágio).

Entretanto, não se pode negar que o voto é, ainda, tanto uma função

quanto um dever. É uma função social da soberania popular e um dever

político, vez que traduz o instrumento de atuação da soberania e, ainda, a

maneira com que o indivíduo irá representar seus pares, isto é, o voto é

indispensável para se chegar a quem será o representante do povo.

Tal exercício, por óbvio, se dá de forma livre, podendo o eleitor

escolher quem ele quiser. Esta liberdade não gera qualquer tipo de

incompatibilidade com a obrigatoriedade do voto, vez que a obrigatoriedade

apenas diz respeito à necessidade de comparecimento do eleitor e não quanto

à eventual necessidade de, efetivamente, votar144145

.

Podemos, também, apontar alguns caracteres do voto, garantidores dos

atributos (eficácia, sinceridade e autenticidade), expressados pela

personalidade do voto e pela liberdade de voto.

143 Voto, no latim, tem o significado de oferenda, promessa.

144 Tanto é verdade tal assertiva que existe o voto em branco e o voto nulo. Portanto, a obrigação é de

comparecimento; sendo livre a opção quanto à concretude do voto!

145 “A rigor, o chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu dever jurídico, sem

cumprir o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular,

que lhe incumbia naquele ato” (...) “Por isso é que também dissemos que, a rigor, o voto branco, o voto

vazio, ou o voto nulo não são votos, porque não têm eficácia política”. Conforme SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 358 e 359.

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

98

A personalidade significa que o eleitor deverá estar presente e votar ele

próprio, não se admitindo voto por correspondência e nem por procuração. A

personalidade garante os atributos da sinceridade e da autenticidade.

A liberdade, como dito linhas atrás, significa a faculdade do eleitor em

expressar seu voto como quiser. Ela garante, além da autenticidade, o atributo

da eficácia.

Por oportuno, podemos afirmar que o voto pode ser secreto ou público,

bem como direto ou indireto. Então vejamos.

O segredo146

do voto consiste no fato do mesmo não ser revelado, até

mesmo pelo autor. Aliás, no momento da votação o sigilo deve ser

preservado, sendo obrigação dos membros da mesa receptora não só oferecer

condições para que o eleitor tenha respeitado o seu direito subjetivo ao sigilo

da votação, mas também impedir que o próprio eleitor o descumpra147

.

Por sua vez, diz-se direto o voto quando os eleitores escolhem, por si,

sem intermediários, seus representantes; sendo indireto quando a escolha é

feita por delegados dos eleitores. Na verdade, a característica de “direto”

prende-se mais ao sufrágio (direito de escolha), isto é, as eleições é que

seriam diretas ou indiretas. Porém, estando o voto atrelado ao sufrágio, ou

seja, sendo ele o exercício do sufrágio, pode-se dizer que o voto é direto ou

indireto148

.

Por derradeiro, devemos deixar patente que é vedada a cassação dos

direitos políticos; previsão, inclusive de índole constitucional (art. 15, CF/88),

excepcionada, como se verá adiante, pelos casos de perda (restrição

146 O artigo 14, da Magna Carta, expressamente prevê que o voto deva ser secreto.

147 O segredo do voto é uma garantia constitucional de eleições livres e honestas, evitando a intimidação e o

suborno, suprimindo na raiz eventual corrupção eleitoral. Idem, ibidem, p. 360.

148 A Constituição Federal de 1988, também em seu artigo 14, é categórica em afirmar que o voto é direto,

ressalvada a hipótese de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, nos últimos dois

anos do mandato presidencial, caso em que o Congresso Nacional elegerá os representantes.

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

99

definitiva) ou suspensão (restrição temporária), situações em que a cidadania

não será exercitada.

3.1.1 Capacidade Eleitoral Ativa

A capacidade eleitoral ativa, conforme já ficou assente em linhas atrás,

é justamente o exercício do direito de sufrágio, ou seja, é o direito de votar.

É exatamente neste ponto que, diante de uma interpretação sistemática

dos dispositivos constitucionais e da noção de dignidade humana e Social

Estado Democrático de Direito, a situação dos internados merece uma atenção

especial, vez que se encontram esquecidos, abandonados, no interior das

unidades de internação.

Ora, a partir do momento que se retira este direito do indivíduo, se

retira do mesmo, também, o valor mais significativo da democracia, qual seja

a participação popular na condução política do Estado.

Por conseguinte, surge o não cidadão, figura incompatível com a

própria cidadania.

Inadmissível149

, pois, diante do ordenamento jurídico pátrio, aceitar esta

omissão existente no cumprimento da medida socioeducativa de internação

consistente na não efetivação da capacidade política ativa do adolescente

internado, mormente quando inexistente qualquer previsão legal (seja

constitucional ou infraconstitucional) que permita tal restrição política.

Considerar supramencionado desrespeito legítimo é desprezar a

dignidade humana e desconsiderar todos os fundamentos informadores do

atual Social Estado Democrático de Direito, inclusive com a aceitação de uma

149 Pela não mantença da democracia, enquanto não viabilizadora da participação popular na decisão política

do Estado.

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

100

sanção carente de ressocialização, isto é, uma sanção com fins diversos

àqueles decorrentes da sua própria evolução.

A efetivação do voto, entretanto, requer o atendimento a algumas

condições, que, se preenchidas, farão do indivíduo um cidadão ativo, isto é,

farão surgir o eleitor.

Assim, para se tornar um eleitor é necessário150

: a) alistamento eleitoral

(título de eleitor); b) nacionalidade brasileira; c) idade mínima de 16 anos e;

d) não ser conscrito151

durante o serviço militar obrigatório.

3.1.2 Capacidade Eleitoral Passiva

Enquanto a capacidade eleitoral ativa diz respeito ao direito de votar, a

capacidade eleitoral passiva está vinculada ao direito de ser votado.

A capacidade eleitoral passiva é a possibilidade de eleger-se. É a

permissibilidade de concorrer a um mandato eletivo, ou seja, é a qualidade

que o indivíduo adquire e que permite ao mesmo receber, validamente no

processo eleitoral, votos.

Referida capacidade, assim como a capacidade eleitoral ativa, depende

de requisitos. Tais requisitos, conforme se verá a seguir, são o preenchimento

das condições de elegibilidade e o não enquadramento nos impedimentos

(direitos políticos negativos)152

.

150 Artigo 14, da Constituição Federal de 1988.

151 Conscritos são os recrutados para o serviço militar obrigatório. Em caso de vínculo permanente com o

serviço militar perdem esta qualidade e passam a ser obrigados a se alistarem como eleitores.

152 Alocamos de forma separada tais condições (item 3.1.2.1) e impedimentos (item 3.2) apenas por questões

didáticas, vez que ambos dizem respeito à elegibilidade. Da mesma forma fizemos com os casos de privação

(perda e suspensão) dos direitos políticos (item 3.3).

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

101

3.1.2.1 Condições de Elegibilidade

Como vimos, elegibilidade é o direito de postular a designação pelos

eleitores a um mandato político. Assim, as condições de elegibilidade nada

mais são que requisitos gerais a serem preenchidos.

Enquanto a alistabilidade diz respeito à capacidade eleitoral ativa (ser

eleitor), a elegibilidade se coaduna com a capacidade eleitoral passiva (ser

eleito).

Tais requisitos estão contidos no artigo 14, parágrafo 3º, da Carta da

República, e são eles: a) nacionalidade brasileira153

; b) pleno exercício dos

direitos políticos; c) alistamento eleitoral154

; d) domicílio eleitoral na

circunscrição; e) filiação partidária e; f) idade mínima de acordo com o cargo

ao qual se candidata155

3.2 Direitos Políticos Negativos

Direitos políticos negativos são determinações que impedem a

participação do indivíduo no processo eleitoral e/ou nos órgãos

governamentais, ou seja, negam ao cidadão o direito de eleger ou de ser

eleito.

153 Para o cargo de Presidente e Vice-Presidente da República, aliás, só se admite a condição de brasileiro

nato.

154 Para se ter o “pleno exercício” dos direitos políticos é necessário o alistamento eleitoral, de sorte que este

requisito já consta no item anterior.

155 A idade mínima exigida é: 35 anos, para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 anos,

para Governador e Vice-Governador; 21 anos, para Deputado, Prefeito e Vice-Prefeito e juiz de paz e; 18

anos, para Vereador. Portanto, plenamente possível um adolescente internado preencher o requisito da idade

atinente à alistabilidade e, também, o requisito atinente à elegibilidade.

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

102

Restringem, como se percebe, tanto a capacidade eleitoral ativa (votar)

quanto à passiva (ser eleito).

Portanto, os direitos políticos negativos abrangem as inelegibilidades e

as privações dos direitos políticos.

É de suma importância mencionar, como assevera Silva156

, que a

interpretação quanto às regras de privação dos direitos políticos e/ou as

inelegibilidades deve ocorrer de forma restritiva.

É que segundo o autor, o “princípio que prevalece é o da plenitude do

gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado”157

, sendo estas

limitações exceção a referido princípio.

É clarividente, desta feita, o que já foi demonstrado quando da análise

do tema atinente à humanização da pena158

, que a não concretização da

capacidade eleitoral ativa (direito de votar) do adolescente internado não se

compatibiliza com o pleno gozo dos direitos políticos.

Omissão que se mostra extremamente ilegal diante da ausência de

qualquer preceito constitucional ou infraconstitucional autorizador de referido

efeito (não concretude do direito de votar) eventualmente oriundo da simples

sentença impositiva de medida socioeducativa159

.

Cumpre esclarecer, antes de tratarmos de cada limitação, quais sejam

inelegibilidades (absolutas e relativas) e privações, que aquelas

(inelegibilidades) não se confundem com inalistabilidade e nem com

incompatibilidade.

156 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 382.

157 Ibidem.

158 Forçoso, ainda, reconhecer a supremacia da dignidade humana em face de qualquer outro direito

fundamental.

159 Alertamos, mais uma vez, que sentença impositiva de medida socioeducativa não pode ser equiparada à

sentença penal condenatória.

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

103

Inelegibilidade, como visto, é impedimento à capacidade eleitoral

passiva (ser votado); inalistabilidade é impedimento à capacidade eleitoral

ativa (votar) e; incompatibilidade é impedimento ao exercício do mandato

depois de eleito.

Referidas inelegibilidades podem ser absolutas e relativas.

As absolutas são consideradas para qualquer cargo; são taxativamente

previstas na Constituição Federal e; dizem respeito a certas características das

pessoas (o inalistável e o analfabeto).

Já as relativas dizem respeito a apenas alguns mandatos, isto é, dizem

respeito a certos cargos em virtude de situação peculiar do cidadão, em

determinado pleito eleitoral160

.

Vejamos, pois, cada uma isoladamente.

3.2.1 Inelegibilidades Absolutas

Estas inelegibilidades estão previstas no artigo 14, parágrafo 4º, da

Constituição Federal e, como se viu, dizem respeito ao não exercício da

capacidade eleitoral passiva para qualquer cargo.

Elas se identificam com os inalistáveis e com os analfabetos.

Inalistáveis, como acima descrito, são os estrangeiros e os conscritos.

Os analfabetos, por sua vez, apesar de terem direito à alistabilidade

(votar), também não possuem capacidade eleitoral passiva, isto é, não podem

ser eleitos.

160 Registre que a própria Constituição Federal autorizou, desde que mediante lei complementar, a criação de

outros casos de inelegibilidade, conforme se verifica em seu artigo 14, § 9º. Este dispositivo, aliás, elenca os

objetos das inelegibilidades, quais sejam a proteção: da probidade administrativa; da moralidade para o

exercício de mandato e; da normalidade e legitimidade das eleições.

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

104

3.2.2 Inelegibilidades Relativas

As inelegibilidades relativas, por sua vez, estão previstas no artigo 14,

parágrafos 5º ao 8º, da Constituição Federal, e, como dito alhures, dizem

respeito ao não exercício da capacidade eleitoral passiva para determinado

cargo.

Estas inelegibilidades podem ser decorrentes: da função exercida; do

parentesco; da condição de militar do candidato e; de previsão em lei

complementar.

Passemos, então, a cada uma delas.

a) Em Razão da Função

As inelegibilidades por motivos funcionais dizem respeito ao exercício

de um terceiro mandato sucessivo e/ou à impossibilidade de se concorrer a

outros cargos.

A primeira limitação veda o exercício do terceiro mandato sucessivo

por parte dos Chefes do Executivo ou quem os houver sucedido ou substituído

no curso do mandato, ou seja, só pode haver uma reeleição para um único

período subseqüente.

Já a impossibilidade de se concorrer a outros cargos161

, também

atinente aos Chefes do Executivo, é no sentido de que a norma constitucional

exige a renúncia dos respectivos mandatos 06 (seis) meses antes do pleito.

b) Em Razão do Parentesco

Esta inelegibilidade, pertinente ao território da circunscrição do titular

do cargo, vincula-se aos Chefes do Executivo e/ou quem os tenha substituído.

161 A expressão “outros cargos” diz respeito a cargos diversos, distintos, diferentes, não englobando, dessarte,

a reeleição para o mesmo cargo.

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

105

São inelegíveis, pois, em razão do parentesco, o cônjuge e os parentes

consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção.

Tal regra é excepcionada em caso do parente já ser titular de mandato

eletivo e ser candidato à reeleição.

c) Dos Militares

Sendo o militar alistável (vínculo permanente com o serviço militar),

pode ser também elegível, desde que cumpra algumas obrigações.

Se contar menos de 10 (dez) anos de serviço, deverá afastar-se da

atividade.

Caso o tempo de serviço seja superior a 10 (dez) anos, será agregado

pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da

diplomação, para a inatividade.

d) Previstas em Lei Complementar

Por fim, existem as inelegibilidades relativas decorrentes de lei

complementar.

Por não ser nosso objetivo tratar neste trabalho, de forma minuciosa,

acerca das inelegibilidades, o que com certeza daria ensejo a uma obra

específica a respeito do tema, apenas alertamos ao leitor quanto a já existência

de legislação própria no ordenamento jurídico pátrio.

Tais previsões estão contidas na Lei Complementar nº 64, de 18 de

maio de 1990, que, de acordo com o art. 14, § 9º, da Constituição Federal,

estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras

providências.

3.3 Privação dos Direitos Políticos

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

106

A privação dos direitos políticos, conforme ficou assente linhas atrás,

compõe, em conjunto com as inelegibilidades, os Direitos Políticos

Negativos.

Como ressaltamos, apenas por questões didáticas é que se preferiu

tratar de cada um (inelegibilidades e privação dos direitos políticos)

isoladamente.

Ademais, é exatamente na não efetivação dos direitos políticos do

adolescente submetido à medida socioeducativa de internação, em especial a

não concretude de sua capacidade eleitoral ativa (do direito de votar), que se

verifica o impedimento à ressocialização, o descaso do Poder Público com

aquele cujo dever de Proteção Integral também lhe diz respeito.

É justamente este o objetivo de nosso trabalho: demonstrar que a

efetivação da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado em

decorrência de sanção oriunda da prática de ato infracional, não apenas se

compatibiliza com o pleno exercício dos direitos políticos dos indivíduos,

fruto da Democracia e da Soberania Popular, isto é, do próprio Social Estado

Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, mas também é o

instrumento gerador de interesse político e, por conseguinte, viabilizador da

ressocialização.

Por isso, em face desta violação, se propôs uma correta interpretação da

norma constitucional.

Interpretação que deve ser, quanto à limitação política do internado,

restritiva, vez que nenhum dispositivo constitucional autoriza uma limitação

dos direitos políticos diante de sentença impositiva de medida socioeducativa.

Dessarte, inadmissível um efeito (no caso o decorrente de imposição de

medida socioeducativa) que sequer possui previsão legal, mormente quando

se tem assente que a medida socioeducativa, embora sanção de natureza

penal, não é (e nem pode ser ) considerada pena (a exemplo do que também

ocorre com a medida de segurança).

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

107

Talvez, e aí necessária uma análise também acautelada acerca do tema,

admissível a suspensão da capacidade eleitoral passiva (ser votado, eleito)

para os indivíduos nesta situação, qual seja internado, pela possível

incompatibilidade material e, ainda, pela própria vinculação da

representatividade à sua legitimação162

.

É que a posição do indivíduo para o exercício da representatividade, ou

seja, a condição de ocupante de cargo público eletivo possui um nível de

atuação diretamente atrelado à legitimidade da representação, isto é, à própria

concepção de democracia.

Assim, talvez não haveria legitimidade, não apenas pela moralidade em

si, mas pela própria noção de soberania popular, o adolescente internado, isto

é, talvez não teria ele legitimidade para “falar em nome de todos”.

A diferença entre um, adolescente internado não poder votar, e outro,

adolescente internado não poder ser eleito, é tênue, mas existe.

Tal posição, repita-se, demandaria uma análise acautelada sobre o tema

e seria decorrente, neste momento, de uma mutação constitucional, vez que,

como sempre enfatizado, não há norma expressa para qualquer restrição a

direito político quando da imposição de medida socioeducativa.

Apesar de tudo o que já foi exposto (ser evidente a violação a direito

político fundamental), o fato é que parece correta e normal a não

concretização dos direitos políticos do adolescente internado por imposição

de medida socioeducativa de internação. Parece ser ainda comum tratar o

internado como mero infrator!

162 A propósito, veja-se a recente promulgação da chamada “Lei da Ficha Limpa”. Lei Complementar nº 135,

de 04 de junho de 2010, que altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de

acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e

determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade

administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

108

E mais... A Magna Carta é de 1988163

e até agora não se tem respeitado

este fundamental direito individual atinente aos direitos políticos.

Por isso necessária, sim, correta interpretação do texto constitucional,

sob pena de nunca haver a concretização do direito do adolescente internado

votar.

Do contrário, não seria necessário todo este trabalho expositivo para se

concluir que a regra constitucional atinente à Proteção Integral, de cunho

principiológico, deve ser sempre buscada e concretizada e que qualquer

omissão quanto à efetivação da capacidade eleitoral ativa do internado deve

ser afastada, merecendo, sempre, uma interpretação de forma restritiva

(apenas sentença penal condenatória transitada em julgado pode gerar

qualquer efeito limitador da suspensão dos direitos políticos).

Assim, diante do Social Estado Democrático de Direito e da Dignidade

da Pessoa Humana, é de extrema necessidade esta interpretação

constitucional, sob pena, inclusive, de surgimento e aplicação de norma

constitucional inconstitucional.

Vejamos, por conseguinte, os casos de perda e suspensão dos direitos

políticos, bem como sua reaquisição, lembrando que é impossível a cassação

dos direitos políticos164165

.

Ficará assente, dessarte, que é impossível qualquer limitação ao direito

de votar do adolescente internado; melhor dizendo, se verá que é justamente

com a efetivação do direito de votar que se restabelecerá a qualidade de

163 Com 22 (vinte e dois) anos em 2010!

164 Lembramos o leitor, mais uma vez, que apenas apontaremos as previsões legais sem, no entanto, muito

detalhar o tema, pois não é objetivo do presente trabalho a abordagem minuciosa numa visão eleitoral.

Todavia, se faz necessário o enfrentamento do tema pela conexão direta com o objetivo proposto, que, como

sempre enfatizado, é apontar o voto como instrumento da ressocialização do internado em face de medida

socioeducativa.

165 Quanto aos casos de suspensão e perda dos direitos políticos, bem como sua reaquisição, adotaremos a

posição apontada por SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual.

São Paulo: Malheiros, 2009. p. 382-388.

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

109

cidadão, preservando-se a dignidade humana e o próprio Estado Democrático,

e permitindo-se a ressocialização daquele indivíduo que teve sua liberdade

cerceada por ter praticado ato infracional.

3.3.1 Perda (art. 15, I e IV e 12, § 4º, II)

Os casos de perda dos direitos políticos são considerados limitações

definitivas, assim entendidas aquelas que não dependem de mero decurso de

prazo ou não possuem prevista a cessação166

, ou seja, a recuperação não se dá

de forma automática.

Desta feita, são casos de perda dos direitos políticos: a) o cancelamento

da naturalização por sentença transitada em julgado; b) a recusa de cumprir

obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do artigo 5º,

VIII, da CF e; c) perda da nacionalidade brasileira em virtude de aquisição de

outra.

O primeiro caso, cancelamento de naturalização, é decorrência lógica

da condição pessoal do indivíduo, que volta a ser estrangeiro. E como tal

(estrangeiro), não pode mais se alistar como eleitor e nem eleger-se, pois

perde a nacionalidade (arts. 14, § 2º e 14, § 3º, I, ambos da CF/88).

Já a segunda hipótese, escusa de consciência e não cumprimento de

prestação alternativa, a regra contida no artigo 15, inciso IV, da CF/88, deve

ser compatibilizada com o direito de recusa, previsto no artigo 5º, inciso VIII,

também da Magna Carta, ou seja, a perda do direito político só ocorre se,

valendo-se da escusa de consciência, o indivíduo se recusa, também, a

cumprir a obrigação alternativa prevista em lei. Pelo simples uso de um

166 Por isso incluímos como suspensão (e não perda) a hipótese de escusa de consciência, com a recusa de

cumprimento de prestação alternativa (art. 15, IV cc art. 5º, VIII, ambos da CF/88).

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

110

direito (escusa de consciência) não pode o cidadão ter seus direitos políticos

limitados167

.

Por fim, a terceira situação, perda da nacionalidade pela aquisição de

outra, apesar de não estar contida expressamente no artigo 15, da Carta

Política, decorre da conseqüência advinda de tal situação e do contido no

artigo 12, § 4º, do Diploma Constitucional. Assim como acontece no caso de

cancelamento de naturalização, o indivíduo passa a ser estrangeiro, perdendo,

como tal, a nacionalidade brasileira. Ora, sem a nacionalidade brasileira se

torna inalistável e sem o alistamento eleitoral se torna inelegível; perde-se,

pois, os direitos políticos antes existentes.

3.3.2 Suspensão (art. 15, II, III e V, CF; art. 12, § 1º, CF, cc Dec. nº

70.436/72 e Dec. 3.927/01 e; art. 55, II e § 1º, CF cc art. 1º, I, “b”, LC nº

64/90)

As suspensões dos direitos políticos, por sua vez, são consideradas

limitações temporárias, pois atreladas ao mero decurso de prazo, sendo sua

recuperação automática.

Os casos de suspensão são: a) incapacidade civil absoluta; b)

condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos168

;

c) improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º, CF/88; d)

exercício de direitos políticos por meio da cláusula de reciprocidade do artigo

167 É de bom alvitre mencionar que no tocante à prestação alternativa em caso de recusa de cumprimento do

serviço militar obrigatório, a Lei nº 8.239, de 04 de outubro de 1991, regulamentou a matéria.

168 A propósito, veja o que preceitua o verbete sumular nº 9, do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral: “A

suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o

cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”.

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

111

12, § 1º, da CF/88 e; e) incompatibilidade por quebra de decoro parlamentar,

com fulcro no artigo 55, inciso II e § 1º, da CF/88.

A incapacidade civil absoluta importará em suspensão dos direitos

políticos apenas em decorrência da decretação da interdição do incapaz, ou

seja, só haverá a suspensão dos direitos políticos existentes após ação judicial

que decrete a interdição do indivíduo.

Quanto à suspensão dos direitos políticos em face de condenação

criminal transitada em julgado, cumpre mencionar que a admitimos tão

somente no que diz respeito à capacidade eleitoral passiva, ou seja, deve a

sentença penal condenatória deixar evidente, até mesmo por ser efeito não

automático, que apenas parte dos direitos políticos são atingidos, quais sejam

os atinentes à capacidade de se tornar eleitor (e por conseguinte,

eventualmente ser eleito).

Não nos parece ser constitucional a limitação aplicada de forma

genérica, ou seja, não nos parece atender aos anseios constitucionais,

insculpidos na democracia e soberania popular, quando se decreta a suspensão

“dos direitos políticos” enquanto durarem os efeitos da sentença penal

condenatória. Cremos tratar de efeito atentatório à própria dignidade da

pessoa humana, fazendo surgir a figura de um não cidadão.

Entretanto, este posicionamento, até mesmo pela existência de norma

constitucional, ainda que genérica e limitadora de direito fundamental, merece

ainda uma análise mais detalhada, sendo certo que apenas recentemente se

conseguiu assegurar (e mesmo assim não de forma ampla) ao preso provisório

seu direito de voto. Quanto ao preso definitivo, pois, há ainda enorme

resistência169

.

169 Tal posicionamento, ainda tímido, merece um estudo mais acautelado. Entretanto, apenas deixamos

consignado que em decorrência de uma Mutação Constitucional talvez referido efeito da sentença penal

condenatória possa vir a ser desmembrado, isto é, talvez possa surtir efeito tão apenas em relação à

capacidade eleitoral passiva, permanecendo os direitos atinentes à capacidade eleitoral ativa intactos.

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

112

Por sua vez, no que diz respeito à suspensão decorrente de improbidade

administrativa, deve ficar evidente que referida sanção só poderá surgir

mediante decisão judicial. Incabível a suspensão dos direitos políticos por

meio de processo administrativo. Como bem relembra Silva170

, a improbidade

administrativa não é sinônimo de imoralidade administrativa, sendo certo que

nem toda imoralidade pode gerar a suspensão dos direitos políticos.

Em relação à suspensão dos direitos políticos em face do exercício de

direitos políticos decorrentes da cláusula de reciprocidade, cumpre apenas

mencionar que é corolário da compatibilidade entre os direitos políticos e à

noção de nacionalidade e soberania.

A matéria, aliás, está discriminada no artigo 12, do Decreto nº 70.436,

de 18 de abril de 1972, que regulamenta a aquisição pelos portugueses, no

Brasil, dos direitos e obrigações previstos no Estatuto da Igualdade e da

outras providências (“O gozo dos direito políticos no Brasil importará em

suspensão do exercício dos mesmos direitos em Portugal”) e, ainda, no artigo

17.3, do Decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001, que promulga o

Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do

Brasil e a República Portuguesa, celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de

2000 (“O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na

suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade”).

Por fim, quanto ao último caso de suspensão, o oriundo de perda de

mandato por quebra de decoro parlamentar, o artigo 1º, inciso I, alínea “b”, da

Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, com a redação determinada

pela Lei Complementar nº 81, de 13 de abril de 1994, expressamente fez

previsão a este efeito.

Entretanto, reconhecemos que referido pensamento se mostra ainda impactante e alvo de resistência por parte

da maioria da doutrina e jurisprudência pátria.

170 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 385-386.

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

113

3.3.3 Reaquisição dos Direitos Políticos Perdidos ou Suspensos

A reaquisição dos direitos políticos perdidos ou suspensos se dá

conforme o caso, ou seja, uma vez que não se admite a cassação dos direitos

políticos é plenamente possível o restabelecimento dos mesmos, isto é, sua

recuperação.

Assim, em se tratando de perda, a reaquisição ocorrerá mediante ação

rescisória que restabeleça a condição de nacional brasileiro ou mediante o

cumprimento da obrigação alternativa.

Por sua vez, em se tratando de suspensão, a reaquisição se dará tão logo

cessarem os motivos que as ensejaram (suspensão). Assim, transcorrido certo

lapso de tempo ou finda a causa geradora da suspensão, a reaquisição, pois,

será automática.

Portanto, como se vê, em nada interfere nos direitos políticos o fato do

indivíduo estar cumprindo medida socioeducativa (ainda que de internação).

3.4 A Cidadania como Direito Fundamental e os Direitos Políticos

Fundamentais (participar do governo, votar e ser votado)

Encerrada a abordagem referente à concepção de Estado e ficando

patente que não basta mais a não intervenção do mesmo na vida privada, ou

seja, a idéia do Estado Liberal, devendo este preocupar-se em concretizar os

anseios sociais, mister a fixação de como o povo participará, efetivamente,

das decisões políticas, isto é, a partir de quando o indivíduo passará a ser

cidadão.

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

114

Necessária uma abordagem nesse sentido, pelo fato de que a partir da

cidadania é que se terá, de fato, uma atuação positiva e, por conseguinte,

respeitada a dignidade humana daquele submetido à medida socioeducativa

de internação.

Se não bastasse, é justamente diante da fundamentabilidade deste

direito que decorre, ainda, a obrigação de se ter uma interpretação restritiva

do texto constitucional (em relação a qualquer limitação aos direitos políticos)

e de se efetivar o Princípio da Proteção Integral, isto é, utilizar o voto como

instrumento para promover a ressocialização do internado.

Insuficiente, assim, a antiga concepção de que o Estado apenas não

deve interferir na vida privada, tornando-se inevitável a atuação do Estado em

ações positivas e, principalmente, aceitando a participação popular.

E tal instrumento, como se verificará a seguir, é justamente assegurar a

capacidade eleitoral ativa. Assegurar que o povo tenha seu direito

fundamental preservado, qual seja a cidadania.

Somente com a liberdade política, com a participação dos cidadãos nas

decisões políticas, é que teremos a concretude do Social Estado Democrático

de Direito.

Isso, como dito alhures, é decorrência lógica da própria soberania

popular, do fato de que todo poder emana do povo. Fato este, aliás,

diferenciador da evolução do Estado de Direito para o Estado Democrático

(mas também de Direito).

Não se justifica, pois, até mesmo diante do Princípio da Igualdade,

excluir o internado desta participação, fazendo “surgir uma nova plebe”171

,

171 A expressão plebe, aqui, remete ao sentido que possuía dentre as várias classes sociais da antiga

civilização romana, distinta da concepção de povo romano, que eram os verdadeiros cidadãos. Portanto, o

termo “surgir”, na verdade, tem uma conotação de restabelecer, trazer de volta. Mais detalhadamente, veja:

FUSTEL DE COULANGES, Nuna Denis. A cidade antiga. Trad. Jean Melville. 1ª ed., São Paulo: Martin

Claret, 2005, p. 259-263.

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

115

uma gama de indivíduos vivendo à margem da sociedade, impedida da

participação nas decisões políticas.

A própria etimologia da palavra “cidadania” mostra este necessário

atuar, este comportamento positivo.

Cidadania é decorrente da expressão romana “civitas”, que significa

cidade, reunião de cidadãos.

Por sua vez, a expressão “polis”, para o grego, tinha o sentido de

cidade. E quem participava das atividades políticas chamava-se “polites”. Os

romanos, assim, traduziram para “cives”, que eram os cidadãos das “civitas”.

A “polis”, contudo, possuía a assembléia de cidadãos, isto é, a “polita”.

Daí a expressão “política” ser derivada do “politikós”, que significa

tudo aquilo que se refere à cidade e, por conseguinte, que é civil, público ou

social.

Não havia no grego um termo específico que correspondesse à

expressão cidadão. A noção de política, pois, está atrelada à noção de homem

que participa da “polis”, como acontecia com o cidadão romano exercente dos

direitos políticos.

Por isso o fato de que não se torna mais possível, pois, conceber o

homem cidadão (titular dos direitos da cidadania) desvinculado do homem

que pertence à “polis”, isto é, que pratica a política.

A participação do homem cidadão na política, assim, não pode ser

afastada da idéia de democracia, da vida coletiva com decisões em

comunidade.

Fica mais fácil, inclusive, identificar um elemento do próprio Estado,

qual seja o povo, que nada mais é do que o conjunto de cidadãos. Não se

esquecendo, por óbvio, que é justamente a integração do indivíduo ao Estado

que lhe confere a qualidade de cidadão.

Cidadania, como se vê, requer a participação plena na sociedade, quer

de forma direta ou por intermédio de representantes.

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

116

Tamanha a importância da cidadania para a noção de Estado, que a

própria Carta Política de 1988, em seu artigo 1º, inciso II, a colocou como um

dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Tal fato se mostra relevante, vez que os fundamentos da República

Federativa do Brasil não são simples princípios. Possuem uma carga de

essencialidade.

Ora, esta carga de fundamentalidade fica evidente com a própria

escolha do Poder Constituinte, que numa análise valorativa apontou

expressamente estes princípios, em face da importância, como dignos de um

tratamento diferenciado e especial.

Não se pode, assim, pensar em efetivação do princípio democrático sem

observância dos fundamentos republicanos, mormente a cidadania, diante de

sua instrumentalidade para se concretizar, também, a dignidade da pessoa

humana.

A cidadania, desta feita, apenas será efetiva quando garantida a

participação do indivíduo no poder, isto é, quando lhe for assegurada a

condição de cidadão.

Inconcebível, desta feita, até mesmo pela noção de Social Estado

Democrático de Direito, concretizar a Cidadania desatrelada da própria

Soberania.

Os direitos políticos, como se vê, ganham com a cidadania a natureza

de direito fundamental, justamente por ser o instrumento que garante o

exercício da soberania. São os direitos políticos o poder de intervenção dos

cidadãos ativos no governo de seu país, o jus civitatis, isto é, os direitos

cívicos que proporcionam a participação efetiva na condução do Estado.

Uma participação, aliás, plena, compatível com a noção do Social

Estado Democrático de Direito, sendo certo, pois, que a cidadania não só cria

o poder, mas ainda fixa seus limites.

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

117

Neste diapasão é que se pode afirmar que a cidadania está intimamente

ligada à noção de direito fundamental, trazendo em si não apenas os direitos

políticos, mas também os direitos civis e os sociais, justamente pela

necessidade de intervenção do Estado, mas permitindo a intervenção do

indivíduo.

Não se pode, daí, afastar a noção de cidadania da noção de um direito

político fundamental. É que a cidadania faz parte dos valores básicos da

própria sociedade, sem se esquecer de que a dignidade humana é o cerne do

próprio desenvolvimento dos direitos fundamentais172

.

Dessarte, a cidadania não só é direito político, como também é direito

fundamental.

Impedir o exercício da cidadania plena, não se efetivando a capacidade

eleitoral ativa do internado (isto é, o direito de votar), é afastar o indivíduo da

sociedade e torná-lo um não cidadão, de sorte que a dignidade humana é

desrespeitada, ao mesmo tempo em que se afronta o próprio Social Estado

Democrático de Direito.

Clarividente, pois, aliás como já alhures exposto, que manter a forma

de cumprimento da medida socioeducativa de internação como se o internado

fosse mero infrator viola o próprio fim de ressocialização que a sanção deve

ter.173

172 Por isso não se pode perder de vista que não assegurar os direitos políticos positivos do adolescente

internado, por força da dignidade humana, faz nascer uma violação à cidadania e, por conseguinte, diante do

atual Social Estado Democrático de Direito, um desrespeito ao próprio ordenamento. Aliás, efeito inexistente

na sentença impositiva de medida socioeducativa de internação, que apesar de aparentemente normal e lógico

da própria segregação quando da execução da internação, tamanho o descaso do Poder Público em preservar

um direito que não é alvo de qualquer restrição, que vem impossibilitando a ressocialização dos internados

(praticamente abandonados no interior das unidades de internação por todo o Brasil).

173 A não concretização da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado viola a ressocialização e a

dignidade humana; torna o indivíduo um não cidadão, violando, pois, a cidadania e; desta feita, viola o

próprio Social Estado Democrático de Direito.

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

118

Voltando ao tema da cidadania como direito político fundamental,

devemos deixar patente que a universalidade, aqui entendida como algo

inerente a todos indistintamente, é uma característica dos direitos

fundamentais.

E mais, não se justifica esta limitação sob o argumento de que esta

universalidade é restringida pelo princípio da igualdade, vez que a simples

condição de internado não pode ser fundamento idôneo da igualdade

substancial, a ponto de permitir tamanho tratamento diferenciado.

Especialmente quando esta diferenciação gera um desrespeito ao princípio da

dignidade humana e transforma o indivíduo em um não cidadão.

Ora, a igualdade material legitima sim diferenciações (tratamento

desigual daqueles em situação desigual), mas não autoriza limitações a ponto

de excluir o indivíduo da participação social, ou seja, a ponto de retirar do

mesmo a condição de cidadão, de permitir a violação da dignidade humana e

do próprio Social Estado Democrático de Direito.

Não se está, por óbvio, afirmando que apenas pelo fato de ser direito

fundamental não se pode restringir.

O que se quer deixar patente é que, justamente pelo fato de ser um

direito fundamental, deve eventual restrição não perder de vista outros

direitos também fundamentais.

Não encontra guarida, assim, qualquer restrição que viole a dignidade

humana, o que certamente se dá ao tornar o indivíduo um não cidadão, por

meio de seu abandono em unidades de internação, por meio da não efetivação

de sua capacidade eleitoral ativa, vez que o mesmo deixa de participar da

política do Estado (ainda mais pelo simples fato de ser internado).

O simples fato de existir norma na Magna Carta autorizando a

suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

119

em julgado, enquanto durarem seus efeitos174

, não pode servir como

fundamento idôneo a legitimar, também, a eventual restrição da capacidade

eleitoral ativa do internado.

Primeiro, pelo simples fato de que a medida socioeducativa, além de

não ser pena, é aplicada mediante sentença impositiva de medida

socioeducativa (e não por sentença penal condenatória).

Segundo, pois não se admite, em se tratando de hermenêutica

constitucional, uma simples interpretação literal do dispositivo em comento

(Art. 15, inciso III, CF/88), com uma conseqüente extensão do sentido da

norma, ou seja, quando diante de limitação a direito fundamental não se

admite uma interpretação extensiva. Mister que sejam observados princípios e

métodos de interpretação específicos175

.

Ademais, a restrição de qualquer direito fundamental apenas se justifica

diante da preservação de outro direito de igual monta.

É vedado, como se vê, promover restrições de direitos que

proporcionam aniquilação de um direito subjetivo individual (e é inegável que

a participação do indivíduo na política do Estado se encaixa perfeitamente na

noção de direito subjetivo individual).

Neste diapasão, fácil perceber que a internação não aniquila, por si só, o

direito político. Contudo, não assegurar o direito de votar (a não concretude

da capacidade eleitoral ativa) impede a participação do homem na sociedade,

isto é, lhe retira a condição de cidadão. Aniquila, pois, direito fundamental.

Importante, desde já, deixar consignado que no tocante à seara da

restrição de direitos fundamentais, se exige o conflito de normas

constitucionais, sendo certo que a máxima efetividade dos direitos

174 Art. 15, inciso III, Constituição Federal de 1988.

175 Por isso cuidamos da Hermenêutica Constitucional em um capítulo próprio. A propósito, ver Capítulo 2,

supra.

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

120

fundamentais é a regra a ser seguida, visando sempre a mínima restrição dos

mesmos e a compatibilidade com o(s) outro(s) direito(s) em voga.

Assim, quando se proíbe votar não se está observando a “mínima

restrição”. Ao contrário, está se criando uma desigualdade nas oportunidades!

A restrição ao direito de votar do internado não respeita a igualdade

material; e sim a desrespeita, na medida em que, perante a lei, a igualdade

substancial não está proporcionando participação política de todos os

indivíduos.

Ora, justamente esta segregação da liberdade é que deveria ser

fundamento para ações afirmativas, no sentido de reinserção do indivíduo na

condução política do Estado, na participação efetiva na sociedade, isto é, de

uma efetiva cidadania.

Não se admite, desta feita, restrições, como por exemplo a não

efetivação do direito de votar, que sejam desnecessárias, inaptas ou

excessivas, devendo, sempre, haver uma relação de conciliação diante de um

caso concreto.

Por óbvio que a omissão quanto à viabilização do direito de votar não

justifica uma situação concreta de conflito com outro princípio fundamental,

ou seja, é clarividente tratar-se de restrição excessiva, ainda que se queira

justificar com a moralidade ou com a própria segregação física a que está

submetido o internado.

É que a moralidade na condução política esta intimamente ligada ao

exercício da representatividade, ao exercente do cargo e não ao direito de

escolha (direito estritamente individual).

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

121

É verdade que se quem escolhe tem moral176

, tal fato reforça a

legitimidade da representação. Mas a moralidade, por si só, não pode gerar

uma segregação social, uma exclusão da participação política.

Assim, afirmar que a restrição da capacidade eleitoral ativa do

adolescente internado está justificada pela moralidade é autorizar restrição

excessiva, em especial pela ofensa a dignidade humana e ao Social Estado

Democrático de Direito, que exigem uma cidadania ativa. Isso, sem falar no

fato de inexistir norma autorizadora de referido efeito!!!

Por sua vez, quanto à natureza de direito político fundamental que

possui a cidadania, cabe registrar que tamanha é a importância do voto para a

concretização do Social Estado Democrático de Direito, que foi ele (voto)

elevado à categoria de cláusula pétrea177

.

Ora, se torna imprescindível uma liberdade política, distinta e mais

ampla que a mera liberdade civil. Necessário que haja uma fusão entre

liberdade autonomia (liberdade civil) e liberdade participação (direitos

políticos)178

. Ou seja, uma conciliação entre liberdade, participação e

isonomia.

Torna-se possível, por conseguinte, a identificação dos Direitos

Políticos Fundamentais, dentre os quais os direitos de participar do governo,

de votar e de ser votado, pois, como se viu, apenas mediante a participação

efetiva do indivíduo é que se tem proclamada a cidadania, isto é, uma

cidadania ativa.

Os direitos políticos, como se vê, são aqueles formados pelo conjunto

de preceitos constitucionais que proporcionam ao cidadão sua participação na

176 E este “ter moral” também é algo altamente abstrato, pois aquilo que é moral para um pode não o ser para

outro, de sorte que não se consegue afastar o subjetivismo e, por óbvio, fixar critérios tais que certifiquem,

sem sombra de dúvida, um comportamento como sendo moral (ou não).

177 Cláusulas pétreas são limitações materiais ao poder constituinte derivado reformador.

178 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 6 v. tomo IV. 7ª ed. Coimbra: Coimbra Editora,

2003. p. 92.

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

122

vida pública do Estado; conjunto de direitos que conformam a intervenção

popular no exercício da soberania.

A simples leitura da Constituição Federal de 1988 mostra a importância

e a natureza jurídica dos direitos políticos (direito fundamental), vez que o

Capítulo IV (Dos Direitos Políticos) está inserido no Título II, ou seja, no

Título reservado aos Direitos e Garantias Fundamentais.

Ao tratar dos direitos políticos, Silva179

faz uma divisão: para ele há

uma noção ampla e uma noção restrita.

Para a noção ampla, os direitos políticos são o conjunto de normas que

regulam a atuação da soberania popular, isto é, o direito democrático de

participação do povo no governo, por intermédio de seus representantes,

exigindo a formação de um conjunto de normas legais permanentes.

Já a noção restrita, traz o conceito de direitos políticos como a

disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular, que se dá

por meio do voto, vez que seu núcleo fundamental consubstancia-se no direito

eleitoral de votar e ser votado. Daí que os direitos políticos podem ser

exercidos nas modalidades ativa (capacidade eleitoral ou cidadania) e passiva;

a primeira, o direito de votar e, a segunda, o direito de ser votado.

Tal divisão se mostra, além de conceitual, prática, vez que para ser

cidadão passivo (ser votado) é necessário ser cidadão ativo (poder votar), mas

o simples fato de ser cidadão ativo não é suficiente para gerar a qualidade de

cidadão passivo.

Daí que o ilustre constitucionalista180

faz outra distinção, a saber: os

direitos políticos podem ser positivos ou negativos.

179 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 344-347.

180 Ibidem.

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

123

Os direitos políticos positivos são os referentes às normas que

asseguram a participação no processo político eleitoral, votando ou sendo

votado.

Os direitos políticos negativos, por sua vez, são as normas que

impedem esta atuação (votar e ser votado), tendo seu núcleo nas

inelegibilidades.

A cidadania, assim, ficaria também dividida e referindo-se à capacidade

eleitoral. A cidadania ativa é o direito de escolher; a cidadania passiva é o

poder de ser escolhido.

Não se deve confundir, contudo, Cidadania com Nacionalidade. Esta

última é mais ampla e pré-requisito da primeira, ou seja, só pode ser cidadão o

nacional (ressalvada a regra inserta no artigo 12, parágrafo 1º, da CF/88,

atinente aos portugueses residentes no Brasil e em caso de eventual

reciprocidade de tratamento).

Cidadania traz em si a noção de participação na vida do Estado, da

vontade popular na condução política, isto é, de exercício de direitos políticos.

Por isso “conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único

do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade

da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como

base e meta essencial do regime democrático”181

.

É bem verdade que atualmente os termos cidadania e nacionalidade

estão bem definidos, mas o certo é que, por vezes, ainda se faz menção ao

conceito de cidadão “ativo”182

, para identificar o cidadão que, de fato, está no

uso e gozo do seus direitos políticos, ou seja, os eleitores, vez que, por

181 Idem, p. 104-105.

182 Pimenta Bueno, de acordo com o art. 90 da Constituição do Império, falava em cidadão ativo para

diferenciar do cidadão, em geral, que, então, se confundia com o nacional (arts. 6º e 7º). Cidadão ativo era o

titular dos direitos políticos, que a referida Constituição também concebia em sentido estrito (art. 91).

Conforme SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 345.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

124

exemplo, os absolutamente incapazes, apesar de possuírem a nacionalidade,

não podem ter cidadania.

Portanto, cidadão é aquele exercente da própria cidadania ativa, ou seja,

aquele cidadão que participa do processo político do Estado por intermédio do

voto, após prévio alistamento eleitoral e atendimento de condições

objetivas183

.

Ora, é por isso que enquanto não assegurada a concretização do direito

de votar por parte daquele que esteja cumprindo medida socioeducativa de

internação não teremos respeitada sua qualidade de cidadão, não teremos

preservada sua condição de sujeito de direitos e, por certo, não propiciaremos

a eles a ressocialização a que têm direito. Nunca serão alvo de políticas

públicas enquanto não lhes for dada a oportunidade de influenciarem na

decisão do sufrágio eleitoral184

.

3.5. A resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral

A promulgação, pelo Tribunal Superior Eleitoral, da “Resolução nº

23.219/2010” vem de encontro ao que até agora defendemos, qual seja o fato

de que o voto, como direito fundamental que é, não pode ser suprimido diante

da imposição de medida socioeducativa de internação, sendo este, aliás, o

instrumento pelo qual se atingirá a ressocialização do internado, a medida que

será decisivo para o resultado do sufrágio.

183 Ressalte-se, por oportuno, que a condição de internado não pode ser suficiente para retirar do adolescente

a possibilidade de participação na vida política do Estado, ou seja, retirar do indivíduo a possibilidade de

votar. Do contrário, repita-se, estar-se-ia criando um não-cidadão, violando, por conseguinte, a dignidade

humana e o próprio Social Estado Democrático de Direito.

184 Oportunidade esta, repita-se, que nunca lhes foi retirada, sendo certo que apenas nunca houve

comprometimento estatal, interesse por parte da sociedade em se efetivar a Doutrina da Proteção Integral.

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

125

A segregação da liberdade, por si só, não é suficiente para restringir

significativo direito (voto) que, inclusive, é fundamento da Democracia,

enquanto identificador do cidadão.

E mais, “Resolução” que, na verdade, não seria necessária se houvesse

o comprometimento estatal em assegurar os preceitos constitucionais, isto é,

se os agentes públicos cumprissem os ditames do Social Estado Democrático

de Direito e os da Proteção Integral e viabilizassem o exercício de referido

direito.

Ocorre que o internado não é visto como sujeito de direitos, perdendo

sua qualidade de cidadão, de forma a receber tratamento como se fosse

simples objeto de sanção penal em decorrência da prática de ato infracional.

Como conseqüência, não há preocupação em promover o deslocamento

destes indivíduos até seções eleitorais próximas às unidades de internação;

pelo contrário, sempre há desculpas que o deslocamento coloca em risco a

segurança de toda a coletividade.

Entretanto, alguns apontamentos de cunho prático-teórico devem ser

abordados, especialmente o atinente à eficiência e legalidade da “Resolução”.

É que muito se discute acerca da forma com que a matéria foi tratada,

ou seja, se o ato (resolução) em si é apto a produzir os efeitos desejados ou se

não seria necessário a edição de Lei para fins de concretude dos direitos

políticos dos internados.

Somado a isso, não podemos esquecer que os Tribunais Eleitorais

(sejam os Regionais, quanto o Superior) praticamente legislam por intermédio

de Resoluções, o que por vezes extrapola a competência dos tribunais, muito

embora, por vezes, estas “resoluções” sejam de cunho meramente

administrativo.

Primeiramente, quanto a questão da legalidade da Resolução, ou seja,

quanto a forma de elaboração cremos que justamente pela necessidade de

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

126

concretude de direito fundamental, tal “resolução” é sim suficiente para

produzir efeitos.

Tal questionamento acerca da legalidade do ato produzido, a nosso ver,

é pelo fato do artigo 121, da Constituição Federal de 1988, exigir Lei

Complementar no que diz respeito à organização e competência dos tribunais,

dos juízes de direito e das juntas eleitorais.

Ocorre que o Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965),

em face do fenômeno da recepção constitucional, incorporou-se no

ordenamento jurídico pátrio com tal carga valorativa, qual seja a de Lei

Complementar.

Assim, cabe a análise de alguns dispositivos do Código Eleitoral para

deixar evidente que a Resolução nº 23.219/2010, que determinou a criação de

seções eleitorais especiais em unidades de internação de adolescentes185

com,

no mínimo, 20 eleitores aptos a votar186

, não extrapola a competência do

Tribunal Superior Eleitoral.

Primeiramente, o Código Eleitoral, em seu artigo 23, inciso IX, é

categórico em fixar como competência do Tribunal Superior Eleitoral a

expedição de “instruções que julgar convenientes à execução deste Código”.

185 “Art. 1 Os Juízes Eleitorais, sob a coordenação dos Tribunais Regionais Eleitorais, criarão seções

eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes, a fim de que os

presos provisórios e os adolescentes internados tenham assegurado o direito de voto, observadas as normas

eleitorais e as normas específicas constantes desta resolução.

Parágrafo único. Para efeito desta resolução, consideram-se:

(...)

II – adolescentes internados os menores de 21 e os maiores de 16 anos submetidos à medida socioeducativa

de internação ou à internação provisória;

(...)

IV – unidades de internação todas as unidades onde haja adolescentes internados.”

186 “Art. 12. As seções eleitorais serão instaladas nos estabelecimentos penais e nas unidades de internação

com, no mínimo, 20 eleitores aptos a votar.”

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

127

Ademais, a “seções eleitorais”, mera divisão das zonas eleitorais cujo

objetivo é a aproximação do eleitorado aos locais de votação, são criadas pelo

próprio juiz eleitoral (artigo 35, inciso X, do Código Eleitoral), que por óbvio

obedece critérios fixados pela legislação eleitoral.

Por sua vez, ao tratar dos lugares de votação, o Código Eleitoral, em

seu artigo 136, é categórico em afirmar que “deverão ser instaladas seções nas

vilas e povoados, assim como nos estabelecimentos de internação coletiva,

inclusive para cegos e nos leprosários onde haja, pelo menos, 50 (cinqüenta)

eleitores”

Aparentemente, com a simples leitura do dispositivo acima transcrito se

conclui que somente se instala seções eleitorais com no mínimo cinqüenta

eleitores.

Tal afirmativa, entretanto, se mostra equivocada!

É que o Código Eleitoral possui um capítulo específico acerca das

Seções Eleitorais (artigos 117 e 118) e é justamente nele que encontramos o

permissivo autorizador do ato emanado pelo Tribunal Superior Eleitoral, por

intermédio da “Resolução” ora em comento.

O artigo 117 determina que “as seções eleitorais, organizadas à medida

em que forem sendo deferidos os pedidos de inscrição, não terão mais de 400

(quatrocentos) eleitores nas capitais e de 300 (trezentos) nas demais

localidades, nem menos de 50 (cinqüenta) eleitores”. (grifamos)

E continua em seu parágrafo primeiro, apontando que “em casos

excepcionais, devidamente justificados, o Tribunal Regional poderá autorizar

que sejam ultrapassados os índices previstos neste artigo desde que essa

providência venha facilitar o exercício do voto, aproximando o eleitor do

local designado para a votação”. (sem grifos originais)

Assim, é fácil perceber que a regra pode ser flexibilizada, ou seja, este

número de eleitores não é algo inalterável.

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

128

Fácil, também, perceber que o fim das seções eleitorais, como já dito

alhures, é simplesmente aproximar os eleitores do seu local de votação, de

forma a facilitar tal ato (a votação).

Não iremos questionar se o termo “ultrapassados os índices” se aplica

tão somente aos números máximos (400 ou 300) ou se poderíamos utilizar a

expressão, ainda, para o limite mínimo (50), muito embora a discussão, a

nosso ver, não seria resolvida de forma tão simples como parece, até mesmo

pelo fato de que “ultrapassar” tem o sentido de transpor, passar além, o que é

plenamente possível quando diante de limites mínimos ou negativos!

É que a solução da dúvida encontra resposta no contido no parágrafo

segundo do próprio artigo 117.

Neste dispositivo há determinação no sentido de que “se em seção

destinada aos cegos, o número de eleitores não alcançar o mínimo exigido

êste se completará com outros, ainda que não sejam cegos”. (grifos nossos)

Como se vê, justamente por se tratar de regra de inclusão, quis o

legislador que a criação da seção seja mantida, mesmo com número inferior a

cinqüenta eleitores, devendo o número ser alcançado mediante preenchimento

com eleitores que não esteja na situação vulnerável.

Portanto, ao determinar, mediante “Resolução”, que juízes criem seções

eleitorais em unidades de internação, nada mais fez o Tribunal Superior

Eleitoral que concretizar a possibilidade de exercício de direito fundamental,

de forma a preservar a dignidade do cidadão internado.

Por outro lado, já no que diz respeito à suficiência da “Resolução”,

cremos que esta também atendeu ao fim pretendido.

Não há como negar, por certo, que a carga valorativa de uma

“resolução” é inferior à carga valorativa de uma lei.

Ora, as “resoluções” são atos administrativos normativos expedidos

para disciplinar matéria específica, com objetivo notadamente explicativo,

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

129

normalmente em complementação a um regulamento ou regimento. Todos

eles, todavia, gerados em conformidade com a lei.

Entretanto, o fato de ser ato ordinariamente disciplinador de matéria já

regulada em lei, não retira a obrigatoriedade do cumprimento da “resolução”,

pelo contrário, torna a lei ainda mais clara na medida em que a especifica, a

complementa e/ou a explica.

Ademais, não se pode exigir, apenas sob o fundamento de que

determinado comportamento passou a ser obrigatório pela simples existência

de lei, que haja elaboração de lei para fins de regulamentar todo e qualquer

tipo de comportamento humano. Seria dar início a uma “inflação legislativa”.

Entretanto, apesar de teoricamente a necessidade de lei não ser exigida,

seja pelo fato de já haver norma constitucional ou pela existência de norma

infraconstitucional disciplinando a matéria, é fácil perceber que quando esta

existe (lei), de forma a regulamentar o exercício de direito assegurado por

outra espécie normativa, a concretude deste direito se dá de forma mais

efetiva.

Contudo, isso não significa dizer que a “resolução” não atingiu ao fim

pretendido; muito menos em afirmar que para o caso de efetivação do direito

de votar do adolescente internado seja necessária lei disciplinando a matéria.

Tal direito (votar), como sempre enfatizado, é direito fundamental com

previsão constitucional por meio de norma de eficácia plena e aplicabilidade

imediata, cujo conteúdo diz respeito à dignidade humana e fundamento

caracterizador do Social Estado Democrático de Direito.

Portanto, a “Resolução” nº 23.219/2010, emanada pelo Tribunal

Superior Eleitoral, não apenas foi expedida em conformidade com todo o

ordenamento jurídico pátrio, mas também gerou resultado prático significante,

qual seja obrigar o Poder Público a concretizar um direito de índole

constitucional que há tempos era deixado de lado.

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

130

Corrobora, neste diapasão, o que se tem demonstrado neste trabalho, ou

seja, o voto é o instrumento de ressocialização do adolescente internado, que

deve ser tratado como cidadão e ter mantida sua dignidade humana, que, aliás,

nunca havia perdido pelo fato de ser autor de ato infracional e de pessoa em

cumprimento de medidade socioeducativa.

3.6 Corrupção Eleitoral e a Medida Socioeducativa de Internação

A necessidade de um tratamento quanto à corrupção eleitoral, aqui

compreendida a expressão num sentido amplo, ou seja, abrangendo tanto o

crime de corrupção eleitoral, previsto no artigo 299, do Código Eleitoral187

,

quanto à captação irregular de sufrágio, infração administrativa prevista no

artigo 41-A, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, se dá em decorrência

da especial condição em que se encontra o eleitor, qual seja internado em

decorrência de medida socioeducativa.

Assim, se não bastasse a pouca educação destas pessoas, o que por si só

já os tornam sujeitos passivos com maior probabilidade de não suportarem os

“atrativos” oferecidos pelos candidatos, o fato é que se encontram segregadas,

potencializando a fragilidade de resistência e, talvez ainda, facilitando com

que a “informação” (no caso a má informação) se propague de maneira muito

mais rápida entre os eleitores, justamente por estarem confinados em um

mesmo espaço físico.

Portanto, compatibilizar o direito de informação188

, seja do candidato

quando da apresentação de suas propostas ou do próprio eleitor internado

187 Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.

188 Neste sentido, aliás, existe determinação expressa na Resolução nº 23.219/2010. “Art. 20. Competirá ao

Juiz Eleitoral definir com o diretor do estabelecimento ou da unidade de internação a forma de veiculação da

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

131

quando do conhecimento de quem são seus representantes, com a própria

garantia de um efetivo exercício de direito político fundamental, requer um

tratamento penal.

Tratamento penal, aliás, decorrente da própria determinação da

Constituição Federal neste sentido189

, justamente pela violação aos alicerces

do próprio Social Estado Democrático de Direito190

.

Óbvio, contudo, que a simples criação de tipos penais e/ou o mero

aumento das penas dos crimes eleitorais não são suficientes para combater a

corrupção eleitoral. Deve haver um tratamento sistematizado, em diversas

esferas de atuação, inclusive no próprio processo eleitoral, para que, de fato,

haja uma moralidade na atuação política.

No entanto, não se valer dos instrumentos já existentes para combater a

corrupção eleitoral e a captação de sufrágio apenas facilita a continuidade

destas práticas corruptivas.

Passemos, então, a uma breve análise destas duas situações.

No tocante ao crime de corrupção eleitoral, o legislador preferiu

abordar o assunto em legislação própria, destacada do Código Penal, motivo

pelo qual o crime está previsto no Código Eleitoral, com peculiaridades

próprias.

Primeiramente, optou o legislador em abordar as corrupções ativa e

passiva em um mesmo artigo, diferentemente do que ocorre no Código Penal,

em que estão tratadas isoladamente (artigos 317 e 333, do Código Penal).

propaganda eleitoral no rádio e na televisão e o respectivo acesso aos eleitores, atendendo as recomendações

do Juiz Corregedor, ou do Juiz responsável pela execução penal ou pela medida socioeducativa.”

189 Estas determinações são chamadas de “mandados de criminalização”, isto é, determinados bens jurídicos

devem ser protegidos pelo legislador ordinário, não tendo ele (legislador) a faculdade de legislar e sim a

obrigatoriedade.

190 Saliente-se, todavia, que o combate a corrupção eleitoral é um mandado de criminalização implícito. A

propósito, para uma análise acerca dos mandados de criminalização, veja-se: PONTE, Antonio Carlos da.

Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 151-166.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

132

Outra curiosidade é o preceito secundário previsto para o crime de

corrupção eleitoral, que apenas faz menção ao limite máximo da pena, sendo

omisso no que diz respeito à pena mínima191

.

É verdade que tal redação e técnica não se mostram as mais adequadas,

vez que poderia o legislador prever apenas a corrupção ativa, o que por si só

já inviabilizaria a corrupção passiva, e estabelecer o preceito secundário do

tipo penal com os patamares mínimo e máximo192

.

Entretanto, esta atecnia não impede o combate a tal prática criminosa.

Claro que seria melhor uma previsão de um preceito secundário isolado

para cada crime, inclusive ponderando-se a pena mínima de acordo com a

gravidade da infração e, ainda, fazendo-se previsões de causas de aumento de

pena ou qualificadoras, diante de circunstâncias fáticas que aumentassem o

risco de lesão ao bem jurídico tutelado193

.

Cremos, contudo, que, apesar de faltar uma sistematização da matéria

eleitoral atinente ao combate da corrupção eleitoral, valendo-se das normas

gerais do Código Penal194

é possível a fixação da pena, diante da

particularidade do crime ser cometido em estabelecimento de internação, de

modo a coibir a infração nestas circunstâncias.

191 “Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou

qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta

não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias multa.”

192 O fato de prever apenas o patamar máximo não significa que o crime não tenha uma pena mínima. O

artigo 284, do Código Eleitoral, contido no Capítulo I (Disposições Gerais), do Título IV (Disposições

Penais), é expresso em prever que “sempre que êste Código não indicar o grau mínimo, entende-se que será

ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão”.

193 Não podemos perder de vista que as objetividades jurídicas são a liberdade de voto e a lisura do processo

eleitoral.

194 Aliás, o artigo 287 do Código Eleitoral determina esta aplicação: “Aplicam-se aos fatos incriminados

nesta lei as regras gerais do Código Penal.”

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

133

Desta feita, valendo-se das circunstâncias judiciais contidas no artigo

59, do Código Penal, em especial a personalidade do agente e os motivos,

circunstâncias e conseqüências do crime, deve o magistrado aplicar a pena de

modo a combater supramencionada infração penal.

Assim, diante dos antecedentes psíquicos que levaram o agente à

prática da infração; da circunstância de ter sido cometido em unidade de

internação e valendo-se da vulnerabilidade do sujeito direto da ação e; as

conseqüências do crime, que praticamente devasta a sociedade e viola o

próprio Estado Democrático de Direito, deve o magistrado fixar a pena base

de maneira a se aproximar do patamar máximo fixado abstratamente no

preceito secundário do tipo.

Já no que diz respeito à captação de sufrágio, a matéria está

disciplinada no artigo 41-A, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997195

, e

que, sem dúvida, é um instrumento eficaz no combate à mercancia eleitoral.

Assim como no crime de corrupção eleitoral, o objeto jurídico tutelado

é justamente o exercício incondicional, livre, do direito de votar, sendo

suficiente para a caracterização da infração a prática de qualquer dos núcleos

contidos no dispositivo legal.

195

“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta

Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou

vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura

até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do

diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

(Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a

evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a

pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data

da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

134

Não se exige para a consumação da infração que haja, de fato, o

resultado pretendido, o que se vier a ocorrer será mero exaurimento da

mesma196

. Da mesma forma, não é necessária a participação direta do

candidato, sendo suficiente a participação de qualquer forma ou, então, seu

consentimento197

.

Para fins de apuração de referida infração, adota-se o procedimento

contido no artigo 22, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990198

,

que prevê regras específicas para tal fim199

, o que não se mostra mais

196 TSE, Resp nº 25.146, de 07.03.2006, rel. Min. Marco Aurélio.

197 TSE, Resp nº 21.264, de 02.09.2004, rel. Min. Carlos Velloso; Resp nº 21.792, de 15.09.2005, rel. Min.

Caputo Bastos e; Resp nº 19.566, de 06.06.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.

198 Afastou o legislador o procedimento contido no artigo 96, da própria lei nº 9.504/97.

199 “Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá

representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando

provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou

abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de

comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

I - o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial,

adotará as seguintes providências:

a) ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via

apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias,

ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível;

b) determinará que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e

do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente;

c) indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei

complementar;

II - no caso do Corregedor indeferir a reclamação ou representação, ou retardar-lhe a solução, poderá o

interessado renová-la perante o Tribunal, que resolverá dentro de 24 (vinte e quatro) horas;

III - o interessado, quando for atendido ou ocorrer demora, poderá levar o fato ao conhecimento do Tribunal

Superior Eleitoral, a fim de que sejam tomadas as providências necessárias;

IV - feita a notificação, a Secretaria do Tribunal juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao

representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou dar recibo;

V - findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em

uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis)

para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação;

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

135

adequado diante de princípios constitucionais penais, como o contraditório, da

ampla defesa e do devido processo legal. Nesse sentido, alerta Ponte

afirmando que “melhor seria a adoção do procedimento ditado pelo artigo 96

da Lei nº 9.504/97, mais célere e seguro”200

. (grifos nossos)

VI - nos 3 (três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio

ou a requerimento das partes;

VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas,

como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;

VIII - quando qualquer documento necessário à formação da prova se achar em poder de terceiro, inclusive

estabelecimento de crédito, oficial ou privado, o Corregedor poderá, ainda, no mesmo prazo, ordenar o

respectivo depósito ou requisitar cópias;

IX - se o terceiro, sem justa causa, não exibir o documento, ou não comparecer a juízo, o Juiz poderá expedir

contra ele mandado de prisão e instaurar processo s por crime de desobediência;

X - encerrado o prazo da dilação probatória, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar

alegações no prazo comum de 2 (dois) dias;

XI - terminado o prazo para alegações, os autos serão conclusos ao Corregedor, no dia imediato, para

apresentação de relatório conclusivo sobre o que houver sido apurado;

XII - o relatório do Corregedor, que será assentado em 3 (três) dias, e os autos da representação serão

encaminhados ao Tribunal competente, no dia imediato, com pedido de inclusão incontinenti do feito em

pauta, para julgamento na primeira sessão subseqüente;

XIII - no Tribunal, o Procurador-Geral ou Regional Eleitoral terá vista dos autos por 48 (quarenta e oito)

horas, para se pronunciar sobre as imputações e conclusões do Relatório;

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a

inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção

de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se

verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência

do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação,

determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar,

se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação

dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado

da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar

nº 135, de 2010)

Parágrafo único. O recurso contra a diplomação, interposto pelo representante, não impede a atuação do

Ministério Público no mesmo sentido”

200 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 134.

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

136

Interessante questão acerca da captação de sufrágio diz respeito ao caso

de o beneficiário da conduta não ser eleito. É que nestas situações poderá

subsistir a sanção de imposição de multa, ficando prejudicada tão somente a

cassação do registro ou da diplomação. De qualquer forma, o fato é que a

ação não perde seu objeto, mostrando, assim, a eficiência de referido

procedimento201

.

Outra curiosidade que demonstra a eficiência do contido no artigo 41-

A, da Lei nº 9.504/97 é o fato de a decisão impositiva das sanções previstas

neste dispositivo não necessitarem de trânsito em julgado para serem

concretizadas202

, dando mostra, mais uma vez, da importância do bem jurídico

tutelado.

Entretanto, devemos alertar que o procedimento para fins de combate à

captação de sufrágio não autoriza, apesar de previsto na Lei Complementar

64/90, a inelegibilidade quando da condenação, vez que a norma do artigo 41-

A não é fruto de Lei Complementar. Por conseguinte, a “regra constitucional

que garante ao cidadão não sofrer nenhuma conseqüência de ordem penal,

cuja imposição dependa de juízo definitivo de culpabilidade, não pode ser

aplicada, em toda sua extensão, em matéria eleitoral, uma vez que ficaria

totalmente comprometida a eficácia das decisões eleitorais, caso houvesse que

se aguardar o trânsito em julgado, levando-se em conta a limitação temporal

dos mandatos eletivos”203

.

Finalmente, devemos mencionar que existe, ainda, a possibilidade de

recurso visando à desconstituição da diplomação, com fulcro no artigo 262,

201 TRE/GO – Ac. nº 113.011, de 01.10.2001, rel. Juiz Sílvio Mesquita.

202 TSE – Ac. 21.248, de 03.06.2003 – rel. Min. Fernando Neves – DJ 08.08.2003, p. 155; TSE – Agravo

Regimental em Medida Cautelar nº 970, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27.04.01, p. 236 e; Ac. 19.528,

de 13.12.2001 – rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 26.04.2002, p. 184.

203 TSE – Ac. 25.215 – Lagoa D‟Anta/RN, de 04.08.2005 – rel. Min. Caputo Bastos – DJ. V. 1, 09.09.2005,

p. 171.

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

137

inciso V, do Código Eleitoral, e de ação de impugnação de mandato eletivo,

nos termos do artigo 3º, da Lei 64/90.

Portanto, apesar de necessária a reforma sistemática da legislação penal

eleitoral, há mecanismos que, de imediato, podem combater a corrupção

eleitoral, quer na forma de crime de corrupção eleitoral, quer na forma de

captação irregular de sufrágio.

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

138

CONCLUSÕES

1. O Social Estado Democrático de Direito possui o cidadão como

elemento caracterizador essencial deste modelo de Estado.

2. A noção de cidadão traz em si uma participação, ou seja, um cidadão

ativo.

3. A doutrina da proteção integral é princípio constitucional, devendo,

pois, ser interpretada de forma compatível com a alta carga valorativa que

possui.

4. O adolescente é sujeito de direitos, não podendo mais ser visto como

mero objeto de obrigações.

5. A condição de sujeito em desenvolvimento é direito fundamental do

adolescente (e também da criança).

6. O fato do adolescente estar em conflito com a lei não lhe retira a

condição de sujeito em desenvolvimento.

7. A medida socioeducativa de internação, respeitados os

posicionamentos em sentido contrário, possui natureza de sanção penal.

8. A dignidade humana deve sempre ser preservada, ainda que durante

o cumprimento de medida socioeducativa de internação.

9. A medida socioeducativa de internação, ainda que necessária para a

proteção social, não pode provocar um isolamento do adolescente, isto é, não

pode transformá-lo em um não-cidadão.

10. O desrespeito da proteção integral no decorrer da internação faz

surgir uma sanção desumana.

11. O voto é direito político fundamental.

12. O exercício do direito de votar é o elemento caracterizador do

cidadão.

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

139

13. A condição de cidadão ativo é o elemento que torna o indivíduo,

inclusive o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de

internação, determinante no resultado do sufrágio.

14. Durante a internação não há qualquer restrição aos direitos políticos

fundamentais, inclusive ao direito de votar.

15. A possibilidade de influenciar no resultado do sufrágio desperta o

interesse público a esta parcela de eleitores (internados em decorrência de

medida socioeducativa).

16. Em face do poder decisório no resultado do sufrágio, o internado

será visto como sujeito de direitos merecedor de políticas públicas

compatíveis com a sua condição de sujeito em desenvolvimento.

17. Políticas públicas específicas àqueles em cumprimento de medida

socioeducativa de internação permitem a ressocialização.

18. A internação faz surgir a condição de vulnerabilidade, ficando o

adolescente exposto à corrupção eleitoral.

19. Apesar da necessária reforma sistemática da legislação penal

eleitoral, o ordenamento jurídico possui meios para combater a corrupção

eleitoral.

20. A aplicação de pena, valendo-se das regras gerais contidas no

Código Penal, em casos de crime de corrupção eleitoral (artigo 299, do

Código Eleitoral) e a sanção administrativa de cassação de registro de

candidatura ou da diplomação, em casos de captação irregular de sufrágio

(artigo 41-A, da lei nº 9.504/97), são mecanismos idôneos para assegurar a

lisura do processo eleitoral e o resultado do pleito.

21. A resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral foi expedida

em conformidade com todo o ordenamento jurídico pátrio e, ainda, gerou

resultado prático significante, qual seja o de obrigar o Poder Público a

concretizar um direito de índole constitucional que há tempos era deixado de

lado.

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

140

22. Assegurar o direito de votar é medida exigida pelo Social Estado

Democrático de Direito, que preserva a condição de cidadão e mantém a

dignidade daqueles em cumprimento de medida socioeducativa de internação,

notoriamente reconhecidos como sujeitos em desenvolvimento e merecedores

de uma proteção integral.

23. O voto é, portanto, o instrumento da ressocialização no

cumprimento de medida socioeducativa de internação.

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da

Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. Trad. Fernando de Miranda. 3

ed., Coimbra: Arménio Amado, 1981.

ANDREUCCI, Ricardo Antunes, DOTTI, René Ariel, REALE JÚNIOR,

Miguel, e PITOMBO, Sérgio M. de Moraes. Penas e medidas de segurança

no novo Código. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987.

ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale: Parte Generale. Atual.

Luigi Conti. 14 ed., Milano: Giuffrè, 1997.

ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré de. As três escolas penais. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1977.

ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de

Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à Aplicação dos

Princípios Jurídicos. 4 ed. 2 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos, in

Revista da Faculdade de Direito da USP, São Paulo: Revista da Faculdade

de Direito da USP, 1992, v. 87

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

142

BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 5

ed. São Paulo: Malheiros, 1994

BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios

Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002

BARROS, Flávio Augusto M. de. Direito Penal: Parte Geral. v. 1, 3 ed., rev.

atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2003.

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:

fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo:

Saraiva, 1996.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 ed.

rev. e ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.

BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, I. G. Comentário à constituição do

Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo, 1989.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica do direito penal brasileiro. Rio de

Janeiro: Revan, 1990.

BATTAGLINI, Giulio. Direito penal – parte geral. Trad. Paulo José da Costa

Júnior e Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 1964.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1995.

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

143

BELING, Ernst von. La doctrina Del delito-tipo, Trad. Sebastian Soler.

Buenos Aires: Depalma, 1944.

BELOFF, Mary. Modelo de la Proteción Integral de los derechos Del niño y

de la situación irregular: um modelo para armar y outro para desarmar. In

Justicia e Derecho Del Niño. Santiago de Chile: UNICEF, 1999

BETTIOL, Giuseppe. Os princípios fundamentais do direito penal vigente.

Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídico-Econônimo-Sociais, n.

4, Instituição Toledo de Ensino, abr-jun. 1967.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Súmulas do STF comentadas. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2002.

BITENCOURT, Cesar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. v. 1,

6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

_________. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo:

Revistas dos Tribunais , 1993.

_________ O objetivo ressocializador na visão da criminologia crítica. São

Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998.

BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo:

Malheiros, 2008

__________ Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo:

Malheiros, 2002

BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. t. I e II. Rio de Janeiro:

Forense, 1978

_________. Das penas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

144

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 11 ed. rev. e atual., Bauru:

Edipro, 2005.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. rev.,

Coimbra: Livraria Almedina, 1991.

CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte geral. 6. ed. São Paulo: Edições

Paloma, 2000.

________. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v. 1, São Paulo: Saraiva,

2000.

CARNELUTTI, Francesco. El problema de la pena. Trad. Santiago Sentís

Melendo. Buenos Aires: Rodamillans, 1999.

CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito

penal na Constituição. 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. aum.

São Paulo: Saraiva, 2007

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 7 ed., São

Paulo: Saraiva, 2002.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27 ed.

São Paulo: Saraiva, 2007.

DANTAS, Davi Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo:

teoria e casos práticos. São Paulo: Madras, 2005.

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

145

DELMANTO, Celso. DELMANTO, Roberto & DELMANTO JÚNIOR,

Roberto. Código Penal comentado. 5 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol. 1 a 4. São Paulo: Saraiva,

1998.

DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique. Fundamentos da Pena. São Paulo:

WMF Martins Fontes, 2008

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad e notas de Nelson

Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ENGELMANN, Wilson. Crítica ao positivismo jurídico – princípios, regras

e o conceito de direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2010.

FACHIN, Zulmar (coordenador). Direitos Fundamentais e Cidadania. São

Paulo: Método, 2008.

FERNANDES, Antônio Scarance e MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. La

víctima em el proceso penal – su régimen legal em Argentina, Bolívia,

Brasil, Chile, Paraguay, Uruguay. Buenos Aires: Depalma, 1997.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição

brasileira de 1988. v. 1, 2. ed. atual. e reform., São Paulo: Saraiva, 1997.

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

146

FERRI, Enrico. Principii di diritto penale. Torino, 1926.

FEU ROSA, Antonio José Miguel. Execução Penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995.

FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação

jurisprudencial. 5 ed., São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1995.

FUSTEL DE COULANGES, Nuna Denis. A cidade antiga. Trad. Jean

Melville. 1ª ed., São Paulo: Martin Claret, 2005

GARCÍA ARÁN, Mercedes e MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal:

Parte General. 3 ed., Valencia: Tirant Lo Blanch, 1998.

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 5 ed., vol. I, t. I e 2. São

Paulo: Max Limonad, 1980.

GOMES, Sérgio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado

Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001

GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena à época do

descobrimento do Brasil. São Paulo: Max Limonad, 1981.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação-Aplicação do

Direito. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: Parte Geral. Rio de Janeiro:

Impetus, 2002.

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

147

HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madri: Centro de

Estudios Constitucionales, 1983

ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (organizadores). Justiça Adolescente e

Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD,

2006.

JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel

Cancio Meliá. Madrid: Civitas, 1999.

_________. Fundamentos do direito penal. Trad. André Luís Callegari. São

Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003.

JESUS. Damásio E. de. Direito Penal, v. 1, 21 ed. rev. e atual., São Paulo:

Saraiva, 1998.

_______. Código de Processo Penal anotado, 13 ed. rev. e atual., São Paulo:

Saraiva, 1996.

_______. Código Penal anotado, 9 ed. rev. e atual., São Paulo, Saraiva 1999.

JIMÉNEZ ASÚA, Luis. Princípios de derecho penal – La ley y el delito.

Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in: Os

Pensadores – Kant (II). Trad. Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural,

1980

KUEHNE, Maurício. Doutrina e prática da aplicação da pena. 2 ed.,

Curitiba: Juruá, 1998.

_________. Lei de Execução Penal Anotada. 4. ed. rev. e atual., Curitiba:

Juruá, 2004.

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

148

LEAL, J. J. Crimes Hediondos: aspectos político-jurídico da lei nº 8072/90.

São Paulo: Atlas, 1996

LEITE, George Salomão; LEITE, Glauco Salomão. A Abertura da

Constituição em Face dos Princípios. In: LEITE, George Salomão (Coord.).

Dos Princípios Constitucionais: consideração em torno das normas

principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003

LIMA, Francisco M. M.. O Resgate dos Valores na Interpretação

Constitucional: por uma hermenêutica reabilitadora do homem como

<<ser-moralmente-melhor>>. Fortaleza: ABC, 2001

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. rev. e aum. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

MARCÃO, R. F., Curso de execução penal. 2 ed., Saraiva, 2005.

MEHMERI, Adilson. Noções Básicas de Direito: Curso Completo. São

Paulo: Saraiva, 2000.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30 ed. atual. Por

Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel

Burle Filho, São Paulo: Malheiros, 2005.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed.

rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004.

MESSUTI, Ana. El tiempo como pena. Buenos Aires: Campomanes, 2001

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

149

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo:

Atlas, 2007.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 6 v. tomo IV. 7ª ed.

Coimbra: Coimbra Editora, 2003

MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coordenação).

Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin,

2008.

MIRANDOLA, Giovanni Pico della. Discurso Sobre a Dignidade do Homem.

Lisboa: Edições 70, 1986

MOREIRA, Eduardo Ribeiro; GONÇALVES JUNIOR, Jerson Carneiro;

BETTINI, Lucia Helena Polleti (Organizadores). Hermenêutica

Constitucional – Homenagem aos 22 anos do Grupo de Estudos Maria

Garcia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010.

NEVES, Marcelo. Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito.

in GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.).

Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São

Paulo: Malheiros, 2003

NUCCI, Guilherme de Souza. Execução penal: benefícios e somatória das

penas no contexto dos crimes hediondos e comuns. Boletim IBCCrim, ano

12, n. 139, junho de 2004.

_________. Individualização da pena. 3 ed. rev., atual. e ampliada. São

Paulo: Revistas dos Tribunais, 2009.

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

150

PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os

Princípios Fundamentais: elementos para uma hermenêutica

constitucional renovada. 3. ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2003

PIMENTEL, Manoel Pedro. A crise da administração da justiça criminal.

Justitia, n. 78, 1972.

_________. Ensaio sobre a pena: 1ª parte. São Paulo: Revistas dos Tribunais,

1996.

PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 5 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro:

Impetus, 2006.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 18 ed., São Paulo: Saraiva,

1991

REBELLO PINHO, Rodrigo César. Teoria Geral da Constituição e Direitos

Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2002

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2 tiragem.

Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

ROXIN, Claus. Teoria del tipo penal. Buenos Aires: Depalma, 1979.

_________. La imputación objetiva en el derecho penal. Trad. Manuel A.

Abanto Vasquez. Lima: Idemsa, 1997.

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

151

_________. Derecho Penal: Parte General (Fundamentos. La estructura de

la teoria del delito). Trad. Diego Manuel Luzón Pena, Miguel Díaz y

García Conlledo, Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1999.

SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso Completo de Direito Penal. 7.

ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

SANTOS, Paulo Fernando dos. Lei de Execução Penal: comentada e anotada

jurisprudencialmente. São Paulo: Universitária de Direito, 1999.

SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da

indiferença à proteção integral – Uma abordagem sobre a

responsabilidade penal juvenil. 3 ed. rev. e atualizada. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2009

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos

Fundamentais. 7 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2009

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodogia do trabalho científico. 20 ed. rev.

e ampl., São Paulo: Cortez, 1996.

SHINTATI, Tomaz M.. Curso de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1999.

SICHES, Luís Recanséns. Nueva Filosofia de la Interpretacíon del Derecho.

2 ed. México: Porrúa, 1973

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

152

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev.

e atual. São Paulo: Malheiros, 2009

SILVA FRANCO, Alberto. O regime progressivo em face das Leis 8.072/90

e 9.455/97. Boletim do IBCCrim, nº 58, edição especial de setembro de

1997, p. 2.

STREK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova

Crítica do Direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002

STREK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de (Organizadores).

Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2009.

TAVARES, André Ramos. A Nova Interpretação Constitucional:

ponderação, argumentação e papel dos princípios. In: LEITE, George

Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: consideração em torno

das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 22 ed. São Paulo:

Malheiros, 2007

TUBENCHLAK, James. Teoria do crime: o estudo do crime através de suas

divisões. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

VON LISTZ, Franz. Tratado de derecho penal. 18 ed., Trad. Luis Jimenez de

Asua, 4 ed., Madrid: Editorial Reus, 1999.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MURILO ... Carvalho... · MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de medida

153

WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal – Una introducción a la

doctrina de la acción finalista. Barcelona: Ariel, 1964.

WESSELS, Johannes. Direito Penal: Parte Geral – Aspectos Fundamentais.

Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Fabris, 1976.

ZAFFARONI, Eugênio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

ZAMPETTI, Luigi. Il finalismo nel diritto. Milano, 1969.

BOLETINS

IBCCrim, São Paulo, n° 160, março de 2006.

IBCCrim, São Paulo, n° 161, abril de 2006.

SITES INTERNET

http://www.dpe.ma.gov.br

http://www.direitocriminal.com.br

http://www.ibccrim.com.br

http://ilanud.org.br

http://www.mp.sp.gov.br

http://www.pge.sp.gov.br

http://www.pgr.mpf.gov.br

http://www.planalto.gov.br

http://renade.org.br

http://www.stf.jus.br

http://www.stj.jus.br

http://tj.sp.gov.br