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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI
O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de
medida socioeducativa de internação
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
MURILO CARVALHO PEREIRA GUAZZELLI
O voto como instrumento da ressocialização no cumprimento de
medida socioeducativa de internação
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à banca
examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção de título de MESTRE em Direito das
Relações Sociais, área de
concentração em Direito Penal, sob a orientação do Professor
Doutor Antonio Carlos da Ponte.
SÃO PAULO
2011
Banca Examinadora
________________________________
________________________________
________________________________
Aos meus pais, José Marcos e
Jussara, e à minha irmã, Renata, pelos ensinamentos e
oportunidades ofertados nesta
árdua vida, bem como pelo paradigma de ser humano no
convívio familiar.
Aos mais novos da família,
Marcelo, Isabela e, agora,
Gabriela, pela alegria que trouxeram.
Aos meus queridos avós, Nelson, exemplo de cidadão e Braulina,
sempre professora, que nos
deixaram, mas que sabemos estão lá, no outro plano, a orar
por todos nós.
Meus agradecimentos,
ESPECIAIS, a Luis Carlos
Gonçalves Filho, pela amizade, inspiração e exemplo de
profissionalismo, ofertados antes
mesmo da minha vida acadêmica e de estágio sob sua supervisão.
Agradeço, também de forma ESPECIAL, a Antonio Carlos da
Ponte, por, primeiramente,
confiar e aceitar o compromisso de orientar, e, principalmente,
pelos ensinamentos ofertados,
que, com certeza, mostraram o que é ser, verdadeiramente,
MESTRE.
Aos companheiros José Cândido
Cardoso, Jurema de Carvalho
Pereira e Paulo Henrique Pereira Cardoso, pela paciência, carinho
e acolhimento.
Aos colegas, Defensores
Públicos e Servidores, da
Defensoria Pública do Estado do Maranhão, por oportunizarem,
além da amizade, uma experiência de vida que jamais
esquecerei.
RESUMO
O objetivo do presente trabalho, sem afastar-se da necessidade de uma
restrição da liberdade, é apresentar um instrumento capaz de, concretamente,
atender ao princípio constitucional do sistema de proteção integral, quando do
cumprimento da medida socioeducativa de internação.
Para tanto, valendo-se da noção de cidadão, insculpida pelo Social
Estado Democrático de Direito, busca-se fixar o voto como tal mecanismo,
permitindo, desta feita, a preservação de um direito fundamental, qual seja o
direito de votar, e da dignidade da pessoa humana.
Demonstrar-se-á, ao final, que apenas será possível a esperada
ressocialização dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
de internação, quando estes forem vistos como sujeitos de direitos. E mais,
sujeitos capazes de influenciarem no resultado do sufrágio, o que, por certo,
despertará interesse do poder público.
Do contrário, não passará a internação de mera sanção penal
provocadora de isolamento social e mantenedora de não-cidadãos; mas nunca
uma sanção capaz de gerar políticas públicas que, concretamente, promovam
a ressocialização do adolescente em conflito com a lei.
Palavras-chave: proteção integral – medida socioeducativa de internação ––
voto - cidadão –– dignidade humana – ressocialização -
Social Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT
Without distancing itself from a restriction of freedom, this work aims
to present an instrument able to, on a concrete way, attend the constitutional
principle of the system of integral protection by the moment of the social
educative measurement of internment.
Therefore, through the notion of citizen determined by the Social
Democratic Law State, there is an attempt to settle the vote as such
mechanism, making possible, as a result, the preservation of a fundamental
right, as it is the right to vote, in addition to the dignity of the human being.
It will be demonstrated by the end that the awaited resocialization of
the teenagers doing time related to the social educative measurement of
internment will only be possible by the time such teenagers are seen as people
subject to rights. And also seen as citizens able to influence the result of the
voting, which will certainly call the attention of the public authorities.
Otherwise, the internment will be no more than a mere criminal
sanction that will result in the social isolation and in the maintenance of non-
citizens; but never on a sanction able to generate public politics which will
concretely promote the resocialization of the teenager confronting the law.
Key words: integral protection – social educative measurement of internment
–– vote - citizen –– human dignity – resocialization - Social
Democratic Law State.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................. 11
1. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E O SOCIAL ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...................................................... 15
1.1 Noção de Estado........................................................................ 16
1.2 Formas de Estado ..................................................................... 18
1.3 Formas de Governo .................................................................. 19
1.4 Sistema de Governo .................................................................. 20
1.5 Regimes Políticos ...................................................................... 21
1.6 Evolução: do Estado de Direito ao Social Estado Democrático de
Direito ..................................................................................... 23
2. O INTERNADO COMO SUJEITO DE DIREITOS E A EFICÁCIA
PRINCIPIOLÓGICA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ..................... 30
2.1 A Proteção Integral .................................................................. 30
2.2 Eficácia Principiológica da Proteção Integral ......................... 42
2.2.1 Princípios da Interpretação Constitucional: Normas,
Princípios e Regras ..................................................... 43
2.2.2 O Papel dos Princípios na Interpretação da Constituição 55
2.2.3 Princípios em Espécie ...................................................... 57
2.2.4 Métodos de Interpretação ............................................... 62
2.2.4.1 Noções Gerais ....................................................... 62
2.2.4.2 Métodos em Espécie ............................................. 68
2.2.4.3 A escolha de “UM” Método ................................. 71
2.3 Humanização da Medida Socioeducativa e a Dignidade Humana 72
2.3.1 Direito Penal Juvenil: medida socioeducativa como sanção
penal e não como pena; garantias penais ao adolescente
submetido à medida socioeducativa ............................. 73
2.3.2 Princípio da Humanização ou da Humanidade da Sanção 83
2.3.3 Dignidade da Pessoa Humana .......................................... 90
3. DIREITOS POLÍTICOS E O INTERNADO ............................... 94
3.1 Direito Político Positivo: direito de sufrágio ........................... 94
3.1.1 Capacidade Eleitoral Ativa ............................................. 99
3.1.2 Capacidade Eleitoral Passiva ................................................ 100
3.1.2.1 Condições de Elegibilidade ........................................ 101
3.2 Direitos Políticos Negativos ............................................................ 101
3.2.1 Inelegibilidades Absolutas ..................................................... 103
3.2.2 Inelegibilidades Relativas ...................................................... 104
3.3 Privação dos Direitos Políticos ....................................................... 105
3.3.1 Perda....................................................................................... 109
3.3.2 Suspensão ............................................................................... 110
3.3.3 Reaquisição dos Direitos Políticos ......................................... 113
3.4 A Cidadania como Direito Fundamental e os Direitos Políticos
Fundamentais: participar do governo, votar e ser votado ......... 113
3.5 A Resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral................ 124
3.6 Corrupção eleitoral e a Medida Socioeducativa de Internação ... 130
CONCLUSÕES ........................................................................................ 138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 141
INTRODUÇÃO
Milhares de indivíduos cumprem, há tempos, medidas socioeducativas
de internação de forma subumana, em Entidades superlotadas. O sistema
criado para os adolescentes em conflito com a Lei se propõe a recuperá-los e
reeducá-los, preparar seu retorno à sociedade como seres produtivos. Fazer
com que não reincidam em práticas infracionais.
O sistema de proteção às crianças e aos adolescentes evoluiu,
chegando-se ao atual Sistema da Proteção Integral.
Entretanto, não obstante se tenha atingido legalmente este
reconhecimento de sujeito em desenvolvimento e inserido o objetivo final de
recuperação do adolescente para a sociedade, em outras palavras a tão
sonhada ressocialização do adolescente em conflito com a lei e a sua
reinserção no todo social, tal fim ainda está longe de se ver concretizado.
Falar-se em ressocialização do sujeito em conflito com a lei, ante as
péssimas condições das entidades de internação de um modo geral e o descaso
absoluto das autoridades governamentais, seria cômico, se não fosse trágico.
Se não bastasse a precariedade física destas entidades, o fato é que estes
sujeitos internados não geram para os governantes qualquer retorno, ou seja,
não lhe geram votos diretamente, até pelo fato de ser este (voto) facultativo
para as pessoas com idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, o que faz
com que o descaso quanto à viabilização do exercício deste direito seja
praticamente absoluto.
Ademais, é menos complexo, embora falacioso, justificar medidas
atinentes à segurança pública que planejar e executar políticas públicas que,
de fato, propiciem uma reinserção social destes cidadãos.
Nestas circunstâncias, passa ser corriqueira e aparentemente normal,
apesar de não existir em nossa Carta Magna de 1988, ou em qualquer outro
12
diploma legal, dispositivo determinando ou autorizando qualquer restrição
dos direitos políticos a esta parcela de indivíduos1.
Ocorre, no entanto, que a sanção penal não pode excluir o indivíduo da
sociedade, sob pena de restabelecermos sanções desumanas. Não significa,
por óbvio, que não seja cabível a medida socioeducativa de internação nos
casos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, a
segregação temporária do cidadão da sociedade.
O que não se admite é justamente uma sanção que retire do indivíduo
esta qualidade de cidadão, o que se dá quando do não exercício dos direitos
políticos ativos do internado, mais precisamente na não efetividade da
capacidade eleitoral ativa, pelo simples fato de estar ergastulado.
Aliás, este descaso decorrente da situação de conflito com a lei e a
perda desta qualidade fundamental de cidadão ficaram, para nós2, nítidos em
decorrência da atuação funcional desenvolvida no Núcleo de Proteção da
Criança e do Adolescente, da Defensoria Pública do Estado do Maranhão,
enquanto ocupante do cargo de Defensor Público titularizado para exercício
das atividades na assistência jurídica aos adolescentes em conflito com a lei
Em face da moralidade e da incompatibilidade de dedicação ao cargo,
além da existência de norma constitucional genérica de exigência de idade
mínima para a ocupação de cargos políticos, eventual restrição aos direitos
políticos passivos do adolescente internado, isto é, da sua capacidade eleitoral
passiva, do seu direito de ser votado e, se eventualmente eleito, de ocupar um
cargo público, a nosso ver pode até justificar, após uma interpretação
1 O artigo 15, inciso III, da CF/88 apenas autoriza a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação
criminal. E mais, que esta condenação tenha transitado em julgado.
2 E cremos seja o mesmo sentimento daqueles que estão envolvidos com qualquer tipo de atuação
diretamente ligada aos adolescentes em conflito com a lei e em cumprimento de medida socioeducativa de
internação.
13
sistemática do ordenamento jurídico pátrio3, a edição de legislação neste
sentido.
Inadmissível, porém, referida exclusão do adolescente internado da
sociedade, ou seja, tornar o indivíduo um não cidadão, violando, inclusive, a
própria ressocialização do submetido à medida socioeducativa, mormente
quando tal fato se dá sem previsão legal e por omissão dos entes públicos.
Impedir o exercício dos direitos políticos ativos do internado, isto é,
impossibilitar que o mesmo exerça seu direito de voto é sem dúvida, em face
do Princípio da Dignidade Humana e do atual Social Estado Democrático de
Direito, tornar uma pessoa um não cidadão e, por conseguinte, impedir sua
ressocialização.
E mais, é justamente com a concretude da capacidade eleitoral ativa do
internado que ele será visto como sujeito de direitos (e não mero portador de
obrigações), como alguém que desperta interesse no poder público, vez que
poderá, mesmo internado, ser decisivo no resultado do sufrágio.
Portanto, não será mais tratado como mero infrator, mas sim como
cidadão, quer pelo exercício de um direito fundamental, quer pelo fato de sua
decisão (qual seja o voto) poder influenciar na escolha dos representantes
políticos (sejam do Poder Executivo ou do Poder Legislativo).
Assim, passarão a ter tratamento digno e serão alvos de políticas
públicas que, de fato, promovam sua ressocialização.
Destes pressupostos então alinhados, é que se embasa nosso estudo a
respeito do voto como instrumento da ressocialização do indivíduo em
cumprimento de medida socioeducativa de internação.
3 Não podemos esquecer que é comum a ocorrência de indivíduos com mais de 18 (dezoito) anos de idade e
que se encontram internados cumprindo medida socioeducativa de internação pelas práticas de atos
infracionais cometidos antes de completarem esta idade. Assim, plenamente possível a existência de internos
com idade mínima exigida para ser vereador, qual seja 18 (dezoito) anos de idade (art. 14, § 3º, inciso VI,
alínea “d”, da CF/88).
14
Analisar-se-ão, neste estudo, os direitos políticos e sua qualidade de
direito fundamental, o Estado Democrático de Direito e o Princípio da
Dignidade Humana, para, por conseguinte, demonstrar que o voto é
instrumento para efetiva ressocialização do indivíduo internado em
decorrência de sentença impositiva de medida socioeducativa, preservando-
se, por certo, a condição de dignidade da pessoa humana, bem como os
princípios da Proteção Integral e do reconhecimento de Sujeito em
Desenvolvimento.
15
1. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E O SOCIAL ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Inicialmente, trataremos daquilo que será o ponto de partida de todo
nosso desenvolvimento, ou seja, fixaremos o sentido, o significado, do que
venha a ser o Social Estado Democrático de Direito.
Isto, pelo fato de que a participação popular é elemento essencial para a
caracterização de referido Estado, ou seja, de seu próprio regime político.
Estado este, como se verá no item referente à evolução, que não mais se
contenta em ser apenas um Estado Liberal, sendo exigida a atuação positiva
deste Estado, isto é, um Estado Social. Sem se esquecer, por certo, que a
qualidade de ser “Social” não lhe retirou a de ser um Estado “de Direito” e
nem mesmo de continuar a ser “Liberal”.
Assim, mostraremos a evolução de um Estado Liberal para um Estado
Social, apresentando, por necessário, a própria noção de Estado e seus
elementos, as Formas de Estado, as Formas de Governo, os Sistemas de
Governo e, ainda, os Regimes Políticos.
Ademais, é justamente pela necessária participação do cidadão neste
“atuar” estatal que se pode fixar o sentido de cidadão (e, por conseguinte, de
cidadania4), cuja não efetivação dos direitos políticos ativos retoma a figura
de um não cidadão, violando, pois, a Dignidade Humana e o próprio Social
Estado Democrático de Direito.
Entretanto, por não ser objetivo deste trabalho o desenvolvimento
detalhado acerca da organização e da estruturação do Estado (o que por certo
geraria um estudo isolado acerca de Teoria Geral do Estado), faremos apenas
considerações básicas, porém a nosso ver necessárias, quanto a este tema
4 A Cidadania e a Dignidade Humana, conforme artigo 1º, da Constituição Federal de 1988, são, dentre
outros, fundamentos da República Federativa do Brasil. República esta constituída em Estado Democrático
de Direito, em que todo o poder emana do povo.
16
(noção de Estado e seus elementos, as formas de Estado, formas de governo,
sistemas de governo e regimes políticos).
1.1 Noção de Estado
Estado, segundo Silva5, é “uma ordenação que tem por fim específico e
essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de
uma dada população sobre um determinado território, na qual a palavra
ordenação expressa a idéia de poder soberano, institucionalizado. O Estado,
como se nota, constitui-se de quatro elementos essenciais: um poder soberano
de um povo situado num território com certas finalidades”.
Temer6, por sua vez, afirma que o Estado “consiste na incidência de
determinada ordenação jurídica, ou seja, de determinado conjunto de
preceitos sobre determinadas pessoas que estão em certo território”.
E continua o mesmo autor apresentando o conceito fornecido por José
Carlos Ataliba Nogueira7: “Estado é a sociedade soberana, surgida com a
ordenação jurídica, cuja finalidade é regular globalmente as relações sociais
de determinado povo fixo em dado território sob um poder”.
Precisas, ainda, as lições de Dallari8 ao definir Estado como “a ordem
jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em
determinado território”. E segue: “Nesse conceito se acham presentes todos os
elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder
está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica
5 Reproduzindo definição de Giorgio Balladore Pallieri, in SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 97 e 98.
6 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 17.
7 Idem, p. 18.
8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
119.
17
da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência
expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e,
finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado,
está presente na menção a determinado território”.
Desta feita, a partir do próprio conceito se extrai quais são os elementos
constitutivos (integrantes, componentes) do Estado. São eles: o povo; o
território; a soberania e; a finalidade9.
O elemento povo é o elemento humano, o conjunto de pessoas que
mantêm um vínculo jurídico-político com o Estado, tornando-se parte
integrante deste. Daí a diferenciação no tocante à população (um conceito
apenas numérico para identificar as pessoas que se encontram no território) e
e à nação (uma realidade sociológica identificadora das pessoas unidas por
laços históricos e culturais, isto é, das pessoas formadoras de uma
comunidade).
Território, por sua vez, é o elemento material do Estado, ou seja, o
espaço onde o Estado exerce sua supremacia, o espaço de validade de sua
ordem jurídica. Aliás, conceito este jurídico (e não apenas geográfico), sendo
certo que abrange, além do espaço delimitado entre as fronteiras do Estado, o
mar territorial, a plataforma continental, o espaço aéreo, o subsolo
correspondente ao território a ao mar territorial, bem como as embarcações e
aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro
onde quer que se encontrem, e as embarcações brasileiras mercantes ou de
propriedade privada e as aeronaves que se achem, respectivamente, em alto
mar ou no espaço aéreo correspondente.
9 A finalidade (realização do bem comum), entretanto, não é considerada para alguns como elemento do
Estado, sob o argumento de que o Estado não é um fim em si mesmo, mas um meio para a satisfação das
necessidades do povo organizado politicamente sobre determinado território. A propósito, Rebello Pinho,
Rodrigo César. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 02.
18
Já soberania, é o elemento formal do Estado e diz respeito ao poder que
o Estado exerce, ou seja, é o poder exercido sobre as pessoas que residem em
determinado território e a impossibilidade do poder político do Estado ser
restringido por qualquer outro. Como se vê, há um sentido político (poder de
querer coercitivamente e fixar competências) e um sentido jurídico (poder de
decidir em última instância), ou seja, supremacia na ordem interna e
independência na ordem externa. Todavia, este poder não é absoluto e
ilimitado, sendo certo que atualmente o Estado deve ser visto como um
sujeito de direito internacional, devendo, pois, obedecer a princípios gerais da
ordem jurídica internacional e à soberania dos outros Estados.
A finalidade, por derradeiro, expressa os objetivos do Estado, que é
justamente atingir o bem comum. Inexistindo a finalidade inexiste, também, a
própria ordenação. Não cremos ser acertada, pois, a concepção de que o
Estado é apenas um instrumento, mas sim de que é a própria finalidade.
1.2 Formas de Estado (modo pelo qual se estrutura – Simples ou
Unitário e Composto ou Complexo)
A maneira como o Estado se estrutura diz respeito ao seu modo de
exercício do poder político, isto é, “as formas de Estado são definidas a partir
do critério territorial, tomando como referência a existência e o conteúdo do
regime de descentralização político-administrativa de cada Estado, indicando,
por este modo, a existência de um Estado Unitário ou Federal”10
.
10 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 257.
19
Referem-se, pois, “à projeção do poder dentro da esfera territorial,
tomando como critério a existência, a intensidade e o conteúdo de
descentralização político-administrativa de cada um”11
.
Assim, neste aspecto podem os Estado serem classificados em Unitário
(ou simples) e Federal (ou composto).
Será considerado unitário, quando houver centralização política, um
único pólo constitucionalmente capacitado a, com autonomia, produzir
normas jurídicas. Eventual descentralização nunca será do tipo federativa mas
tão somente autárquica, gerando, no máximo, uma forma de autarquia
territorial e nunca uma autonomia político-constitucional12
.
Federal, por sua vez, será o Estado em que há uma descentralização de
autonomia político-constitucional, ou seja, há uma autonomia assegurada às
vontades parciais, uma união de coletividades públicas dotadas de autonomia
político-constitucional. Justamente desta união que surge um ente central,
corporificador da vontade central, e diversas entidades representativas das
vontades parcelares13
.
1.3 Formas de Governo (organização política – Monarquia ou
República)
A forma de governo diz respeito à maneira como se dá a instituição do
poder na sociedade e como se dá a relação entre governantes e governados;
quem deve exercer o poder e como exercê-lo, ou seja, “modulando sobretudo
11 Idem, p. 258.
12 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 99.
13 Entidades estas com autonomia e nunca com soberania. Do contrário, teríamos o chamado Estados
Confederados (união de entes soberanos).
20
o nível de intervenção da população no governo”14
. Diz respeito, como se
percebe, à estruturação do Estado, aos pressupostos sociológicos e políticos
que se voltam para a direção e condução do Estado.
As formas de governo, desta feita, são a República e a Monarquia15
.
A República caracteriza-se pela periodicidade e eletividade dos
governantes (periodicidade dos mandatos e escolha do governante), pela
responsabilidade dos governantes e, ainda, pelo conceito de coisa pública.
A Monarquia, por sua vez, caracteriza-se pela vitaliciedade e
hereditariedade na indicação dos governantes (mandatos até a morte e
sucessão automática do governante).
1.4 Sistemas de Governo (relacionamento entre os Poderes –
Presidencialismo e Parlamentarismo)16
O sistema de governo indica a forma e o conteúdo da divisão orgânica
do poder, isto é, ao modo como os poderes se relacionam; diz respeito ao
processo de gestão.
São sistemas de governo o Presidencialismo e o Parlamentarismo.
14 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 257.
15 Aristóteles, entretanto, apresentava três formas: a monarquia (governo de um só); a aristocracia (governo
de mais de um, porém de poucos) e; a república (governo do povo, no interesse do próprio povo). Podendo
estas três formas degenerar-se em: monarquia, em tirania; aristocracia, em oligarquia e; república, em
democracia (pois para Aristóteles a democracia era uma forma desviada de governo; hoje, contudo, a
democracia é considerada regime político). A propósito, veja SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 102 e 103.
16 Apesar de serem estes dois regimes os mais usuais, cumpre alertar para a existência, segundo José Afonso
da Silva, do regime de assembléia (ou comum), em que o Executivo não fica separado, ou seja, há o domínio
do sistema político pela Assembléia. Idem, ibidem. p. 505.
21
O Presidencialismo é marcado pelas seguintes características: a)
concentração da chefia de Estado e da chefia de Governo a uma mesma
pessoa, qual seja o Presidente da República; b) Ministério formado livremente
pelo Presidente da República; o Presidente da República, comumente, não
responde perante o Poder legislativo, sendo certo que é eleito para mandato
certo; c) o Parlamento não pode ser dissolvido por eleições convocadas pelo
Poder Executivo; d) viável apenas em uma República, sendo incompatível em
uma Monarquia.
O Parlamentarismo, por sua vez, possui as seguintes características: a)
repartição da chefia de Estado e da chefia de Governo17
; b)interdependência
entre o Executivo e o Legislativo, sendo o chefe de Governo escolhido pelo
chefe de Estado; c) queda, por moção de desconfiança do Parlamento, do
chefe de Governo; d) dissolução do Parlamento e convocação de eleições
gerais, por injunção do chefe de Estado.
1.5 Regimes Políticos (respeito à vontade do povo nas decisões
estatais – Regimes Democráticos e Não Democráticos)
Em relação aos regimes políticos, o que se verifica “(...) é um complexo
estrutural de princípios e forças políticas que configuram determinada
concepção do Estado e da sociedade, e que inspiram seu ordenamento
jurídico. (...) configura a estrutura global da realidade política com todo o seu
complexo institucional e ideológico”18
.
17 Chefia de Estado representa o País junto à comunidade internacional e, internamente, a unidade do Estado.
A chefia de Governo é responsável pela própria Administração Pública, isto é, comando e fixação de metas e
princípios políticos da máquina estatal.
18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 124. Aliás, na mesma oportunidade o autor colaciona definições de outros autores.
22
O regime será não-democrático, isto é, autocrático, quando organizado
mediante a soberania do governante.
De outra feita, quando organizado por intermédio da soberania do povo
será ele (o regime) democrático.
Pelo fato de ser a democracia o elo entre a participação popular e a
dignidade humana, por ser ela, mais precisamente, a caracterizadora da
fundamentalidade dos direitos políticos, ou seja, do fato de que a cidadania
deve ser ativa (até mesmo pelo fato de ser o povo o titular do poder), alguns
apontamentos, desde já, devem ser efetuados sobre a democracia.
A democracia é um processo de afirmação do povo e de garantia dos
direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história e não
um simples conceito político abstrato e estático, como bem alerta José Afonso
da Silva.19
Aliás, é justamente a soberania popular (o povo é a única fonte do
poder) e esta participação do povo no poder20
que dão a noção do que deva ser
entendido como democracia.
A partir destas concepções afirma Silva, ainda, que o conceito de
democracia atribuído a Lincoln, de que é o “governo do povo, pelo povo e
para o povo”, retrata o real sentido desta forma de regime.21
Diante da titularidade do poder pelo povo, o seu exercício faz surgir os
tipos de democracia, quais sejam: a) a direta; b) a indireta ou representativa e;
c) a semidireta.
Na direta, o povo, por si, exerce todo o poder, fazendo leis,
administrando e julgando.
Na indireta, o povo elege representantes periodicamente, justamente
pela dificuldade de agregação para o exercício deste poder.
19 Idem, p. 126.
20 Lembre-se que a participação pode ser direta ou por meio de representantes.
21 Idem, p. 134 e 135.
23
Por fim, na semidireta o exercício é participativo, isto é, na verdade
existe uma democracia representativa, mas com alguns institutos de
participação direta do povo nas funções de governo.
É justamente nesta última forma de democracia (aliás expressamente
contida no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal) que se
fortalecem a própria cidadania e a representatividade. Participação popular
expressada pelo efetivo exercício dos direitos políticos e caracterizada como
instrumento “pelo qual o povo adere a uma política governamental e confere
seu consentimento, e, por conseqüência, legitimidade, às autoridades
governamentais”22
.
Portanto, a participação popular se dá de forma indireta (aliás, a mais
comum e verificada no sufrágio) e, também, indireta (como, por exemplo, na
iniciativa popular23
).
1.6 Evolução: do Estado de Direito ao Social Estado Democrático
de Direito
A evolução de um Estado Liberal até um Social Estado Democrático de
Direito, mostra, ainda mais, o quão importante é a democracia, a participação
popular, enquanto titular do poder, na condução do Estado, surgindo, daí, a
cidadania, o direito a ter direitos, ou seja, uma concepção vinculada à própria
dignidade da pessoa humana.
Conforme será reforçado adiante, é imprescindível a efetiva
participação do indivíduo, isto é, a democracia é caracterizada justamente pela
cidadania, isto é, pelo efetivo gozo dos direitos políticos.
22 Idem, p. 138.
23 Conforme artigos 14, inciso III, e 61, §2º, ambos da Constituição da República de 1988.
24
Além desta exigida participação popular, originária dos direitos
políticos como um direito fundamental, o Estado não se contenta com a
simples não intervenção, exigindo-se, por fim, um atuar próprio para
atendimento social, ou seja, a construção de um estado do bem-estar social.
É sobre este aspecto, qual seja do que atualmente se dá o nome de
Social Estado Democrático de Direito24
, que faremos alguns apontamentos,
pois, como já se tem desenvolvido, é nesta forma de Estado25
que a não
concretização do direito de votar viola a cidadania e a dignidade humana,
retomando a figura do não cidadão26
.
A expressão Estado “de Direito” retrata o Estado “Liberal”, surgido
como evolução da natureza governativa da antiguidade (passando por óbvio
pela idade média).
Na antiguidade o Estado era a Cidade, uma condensação de poderes,
com, de um lado, a força bruta das tiranias e, do outro, a onipotência
consuetudinária do Direito ao fazer suprema a vontade do corpo social,
cifrado na ética teológica ou no zelo da coisa pública.27
Na Idade Média, diante da ruína do Império Romano, a figura do
Estado, enquanto instituição materialmente concentradora de coerção, apta a
estampar a unidade de um sistema de plenitude normativa e eficácia absoluta,
adormece, surgindo uma organização feudal, com o poder dos papas como
soberanos de seu território e com aura divina.28
24 Conhecido como “Estado Moderno”, como evolução do Estado da antiguidade e do da Idade Média, mas
com aumento de conteúdo (evolução do Estado Moderno enquanto Liberal para o Estado Moderno enquanto
constitucional).
25 Aqui a expressão está sendo utilizada genericamente e não no sentido de demonstrar a maneira como o
Estado se estrutura, isto é, não para demonstra as formas de exercício do poder político, da descentralização
político-administrativa.
26 Quanto ao surgimento do “não cidadão” será visto especificamente adiante.
27 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 32.
28 Idem, p. 32 e 33.
25
O Estado Moderno, por sua vez, aparece ao fim da Idade Média, fruto
das revoluções iluministas (primeiro a Renascença e depois a da razão)
trazendo consigo a noção de soberania, de um poder inabalável e
inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de autoridade
central, unitária, monopolizadora de coerção, exteriorizada pela figura do
príncipe como o próprio Estado.29
“Aliás, a expressão „Estado‟ foi, segundo versão mais aceita, criada por
Maquiavel, que introduziu nas primeiras linhas de sua célere obra intitulada O
Príncipe. Mas seu uso só ficou consagrado muito tempo depois, porquanto
faltava o dado estabilizador e legitimante do conceito que unicamente a face
jurídica lhe havia de ministrar para associá-lo, em definitivo, à instituição
nascente, ou seja, o Estado, definido já em seus elementos constitutivos e
positivado num sistema de organização permanente e duradoura”30
.
Finda esta primeira fase do Estado Moderno, qual seja de um Estado
Absolutista31
, marcada pelas idéias contratualistas de Hobbes32
e pela tomada
do poder pela burguesia (e perda por parte da Nobreza e do Clero), surge a
fase do Estado Moderno enquanto constitucional, isto é, instauram-se as
primeiras liberdades do Estado constitucional por meio das revoluções33
,
calcadas agora em uma base institucional e não mais apenas de idéias.
29 Idem. p. 34.
30 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 34 e 35.
31 Com fundamento divino, em um primeiro momento, e com o poder fundamentado no homem e na sua
razão prática, em um segundo.
32 Conhecido como o teorista do medo, o contratualista do Absolutismo, o pensador das nascentes do
Positivismo e da segurança jurídica, para quem um estado de liberdade extrema era um estado de guerra com
a necessidade de um estado de sociedade, um estado, na verdade, contratualista, cujas liberdades seriam
transferidas ao próprio Estado, ou seja, o homem perderia a liberdade, mas, em troca, ganharia a conservação.
33 “A queda da Bastilha simbolizava, por conseguinte, o fim imediato de uma era, o colapso da velha ordem
moral e social erguida sobre a injustiça, a desigualdade e o privilégio, debaixo da égide do Absolutismo;
simbolizava também o começo da redenção das classes sociais em termos de emancipação política e civil,
bem como o momento em que a Burguesia, sentindo-se oprimida, desfaz os laços de submissão passiva ao
monarca absoluto e se inclina ao elemento popular numa aliança selada com armas e o pensamento da
26
Portanto, Estado Moderno constitucional pressupõe a passagem do
poder das pessoas para as leis; estas (as leis e não as personalidades) é que
governam o ordenamento social e político.
Aparece, daí, a legalidade, como a máxima de valor supremo, traduzida
na positivação, isto é, nos Códigos e Constituições. Surge, dessarte, o Estado
de Direito!
Assim, fixada a origem do Estado de Direito, mister chegarmos ao
Social Estado Democrático de Direito, o que se dará por intermédio das
modalidades dos Estados de Direito (dos Estados Modernos
Constitucionais)34
.
A primeira modalidade de Estado constitucional é a do Estado
constitucional da separação de Poderes (Estado Liberal); a segunda é a do
Estado constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social); a terceira,
por fim, é a do Estado constitucional da Democracia participativa (Estado
Democrático-Participativo).
Vejamos, pois, esta evolução:
a) Quanto ao Estado Liberal, é ele a própria origem do Estado de
Direito, ou seja, é o resultado imediato do fim do Absolutismo.
Entretanto, uma característica marcante desta modalidade foi a fixação
da idéia de separação de Poderes, fruto da filosofia de Montesquieu, em sua
obra denominada “Espírito das Leis”.
revolução; simboliza, por derradeira, a ocasião única em que nasce o poder do povo e da Nação em sua
legitimidade incontrastável.” Conforme Paulo Bonavides in BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed.
rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 40.
34 Por oportuno, devemos deixar consignado que tais modalidades não são decorrentes de ruptura uma da
outra, isto é, não há “gerações” de modalidades, mas sim “evolução”de modalidades; uma modalidade é, na
verdade, uma maior dimensão em relação à anterior. O que se verifica, pois, é um aperfeiçoamento,
enriquecimento e acréscimo, uma agregação de direitos, decorrentes de uma expansão de direitos já
existentes ou da criação de novos direitos.
27
É que reproduzindo este pensamento filosófico foi editado a Declaração
dos Direitos do Homem, documento que previa a limitação ao poder do
governante evitando, pois, concentração de poder em apenas uma autoridade.
Em seguida, surge a previsão em sede constitucional, no sentido de que
só há Constituição quando assegurados a garantia dos direitos e a separação
dos poderes.
Estava concretizado, pois, um Estado garantidor da liberdade e
limitador de poderes, com a conseqüente separação de Poderes.
b) Posteriormente, após a fixação da liberdade em termos
constitucionais, surge a necessidade de atendimento à justiça; atendimento
dos anseios e valores sociais.
Assim, por intermédio da liberdade e justiça (de forma conjunta)
aparece o chamado Estado constitucional dos direitos fundamentais.
Não bastava mais aquela liberdade individual, sendo exigido um teor
social das instituições. Necessário, assim, um atendimento da vontade social.
Surge, como conseqüência, um Estado Social, em que a legitimidade é
o fundamento e não mais a simples legalidade (que passa agora ser
secundária).
“A legitimidade é o direito fundamental, o direito fundamental é o
princípio, e o princípio é a Constituição na essência; é sobretudo sua
normatividade. Ou, colocado em outros termos: a legalidade é a observância
das leis e das regras: a legitimidade, a observância dos valores e dos
princípios. Ambas se integram na juridicidade e eficácia do sistema, fazendo-
o normativo; sendo, tocante a essa normatividade, os princípios o gênero, e as
leis e regras a espécie. A regra define o comportamento, a conduta, a
competência. O princípio define a justiça, a legitimidade, a
constitucionalidade”35
.
35 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 48 e 49.
28
Desta feita, passam os direitos fundamentais não mais tinham eficácia
em função das leis, mas a lei, sim, é que tinha eficácia em função dos direitos
fundamentais.
Faltava, agora, dar concretude a esta base principiológica, o que veio a
acontecer com o Estado Democrático-Participativo, justamente pelo fato de
ser insuficiente a simples positivação dos direitos fundamentais na ordem
constitucional, isto é, não bastava a mera legitimação do Constitucionalismo
pela tão só obediência aos direitos fundamentais.
Necessário, pois, um Estado concreto, no sentido de real efetivação
destes direitos fundamentais sociais, o que aparece na última modalidade,
qual seja no Estado Democrático-Participativo.
c) O Estado constitucional da democracia participativa é, desta feita, a
próxima evolução que se tem do Estado constitucional.
Não devemos esquecer, por certo, que as características das
modalidades anteriores permanecem, existindo, como já alertamos, apenas um
acréscimo, um avanço.
E como aumento, utiliza-se da soberania da Constituição, que, sendo
fruto do povo e nele se concretizando, desde então já era o instrumento que
compreendia e fazia eficazes todas as incidências possíveis de ordenação da
sociedade, sem romper ou desrespeitar a noção de sistema e legitimidade.
Portanto, uma soberania constitucional correspondente a uma soberania
popular e nacional.
“Com a Democracia participativa a soberania passa do Estado para a
constituição, porque a Constituição é o poder vivo do povo, o poder que ele
não alienou em nenhuma assembléia ou órgão de representação, o poder que
faz as leis, toma as decisões fundamentais e exercita uma vontade que é a sua,
e não de outrem, porque vontade soberana não se delega senão na forma
decadente da intermediação representativa dos corpos que legislam, segundo
29
ponderava Rousseau, com absoluta carência de legitimidade em presença do
vulto e significado e importância da matéria sujeita.”36
Por isso dizer de uma “santíssima trindade política do poder”37
quando
da reunião do Povo, da Constituição e da Soberania; poder este que traz a
inviolabilidade, a magnitude ética, a fundamentalidade da Democracia
participativa.
Portanto, é o Social Estado Democrático de Direito o Estado
constitucional moderno; o Estado da concretude do bem-estar social.
Estado este, aliás, expressamente adotado em nosso ordenamento
jurídico pátrio quando da promulgação da Constituição Federal de 1988.38
36
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 56.
37 Idem, p. 56.
38 “PREÂMBULO - Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. TÍTULO I Dos Princípios
Fundamentais. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I
- a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
30
2. O INTERNADO COMO SUJEITO DE DIREITOS E A EFICÁCIA
PRINCIPIOLÓGICA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A necessidade de abordar a tão falada Doutrina da Proteção Integral e
sua Eficácia Principiológica não se deve apenas ao fato de ser o Princípio
Constitucional adotado na tutela atinente à infância e juventude, mas também
por ter sido ela quem fixou a concepção de que o adolescente (e a criança
também, mas não é este o objetivo do presente trabalho) deve ser considerado
um sujeito de direitos e não só cumpridor de obrigações, ainda que internado.
Ademais, por ser princípio constitucional, merece uma análise
diferenciada, como abaixo será mais bem analisado, em face da sua relevância
e carga normativa no ordenamento jurídico, ou seja, o desrespeito a um
princípio, a sua não observância, não efetivação, é de tamanha magnitude que
enseja uma violação ao próprio ordenamento.
E mais, sendo o internado sujeito de direitos não pode ser tolhido,
apenas por estar com sua liberdade restringida (já que cumprindo medida
socioeducativa de internação), um de seus direitos fundamentais, qual seja o
voto, que além de ser o identificador do cidadão será quem viabilizará sua
própria ressocialização.
Desta feita, deixa de ser simples menor infrator e passa assumir a
condição de adolescente em conflito com a lei, situação que enfatiza a
necessidade de preservação da dignidade humana, mesmo durante a execução
de uma sanção penal.
Assim, efetivar seu direito de votar é manter sua qualidade de cidadão;
e esta (cidadania), por conseguinte, preservadora da dignidade humana e
instrumento da ressocialização.
2.1 A Proteção Integral
31
O que faremos neste tópico é, na verdade, uma demonstração da
evolução legislativa, sem, contudo, ficarmos atrelados a uma análise
histórica39
.
Entretanto, mister este trato em apartado para ficar evidente que o
adolescente internado em face de medida socioeducativa não perde a condição
de sujeito de direitos, isto é, o adolescente assume uma condição de indivíduo
em conflito com a lei (deixando de ser mero infrator), mas preservando sua
condição de sujeito em desenvolvimento.
Basicamente, existem duas Doutrinas acerca da proteção “menorista”.
A primeira, conhecida como Doutrina da Situação Irregular; a segunda,
Doutrina da Proteção Integral.
Entretanto, costuma-se afirmar que a proteção especial teve uma fase
prévia de indiferença, em que o tratamento era praticamente o mesmo dado
aos adultos, inclusive no tocante ao descaso quanto à adequação dos
estabelecimentos prisionais.
Nesta fase, era praticamente o juiz quem fazia a análise quanto à
imputabilidade, vez que se exigia a verificação do discernimento por parte
daquele que cometesse o ato infracional e não fosse considerado totalmente
inimputável40
.
Ocorre que um tratamento não específico ao comportamento destas
pessoas apenas aumentou a quantidade de gente com a liberdade segregada,
39 Acerca do surgimento da Doutrina da Proteção Integral, interessante a obra de João Batista Costa Saraiva,
hoje Juiz de Direito no Rio Grande do Sul, conforme se verifica in SARAIVA, João Batista Costa.
Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral – Uma abordagem sobre a
responsabilidade penal juvenil. 3 ed. rev. e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
40 A título de exemplo, o Código Penal de 1830 previa a inimputabilidade para os menores de sete anos,
enquanto o Código Penal de 1890 o fazia para os menores de nove anos, conforme, respectivamente, artigos
10 e 27.
32
sem, contudo, ajudar para a mudança de comportamento. Aumentaram as
internações, mas em nada se alterou na reeducação.
Aparece, enfim, um diploma legal com uma preocupação em cuidar
destes menores delinqüentes de forma diferente dos adultos, tanto nas sanções
quanto aos locais de internação.
Começa, então, a fase da Doutrina da Situação Irregular, tendo como
marco o famoso Código de 1927, também conhecido como o Código Mello
Matos.
Passa o adolescente a ser alvo de proteção quando constatada sua
situação de abandono e a conseqüente delinqüência, ou seja, o envio destes
jovens às instituições, sob a desculpa de uma proteção, foi praticamente
relacionada à carência material e com um fim simplesmente educativo.
Apesar desta “evolução”, vez que, ao menos em relação às medidas
impostas e aos locais de segregação, houve um tratamento diferenciado entre
os menores delinqüentes e os adultos, o menor infrator não passava de objeto
de uma proteção decorrente de irregularidades41
.
No ano de 1979, a Doutrina da Situação Irregular é definitivamente
fixada legalmente com a promulgação do Código de Menores (Lei 6.697, de
10 de outubro de 1979), fruto basicamente de movimentos do cenário
internacional, especialmente a Declaração dos Direitos da Criança, da
Assembléia das Nações Unidas (1959), e da Declaração do Ano Internacional
da Criança, por parte da Organização das Nações Unidas (1979).
Entretanto, a situação irregular continuava a ser ampla42
, sendo os
adolescentes, sejam abandonados ou infratores, encaminhados aos mesmos
41 Por isso fixada a noção de uma doutrina da “situação irregular”.
42 Encontrava-se em situação irregular o menor de dezoito anos privado de condições essenciais à sua
subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente; vítima de maus tratos ou castigos
imoderados impostos pelos pais ou responsável; em perigo moral; privado de representação ou assistência
legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação
familiar ou comunitária e; autor de infração penal (artigo 2º, do Código de Menores).
33
locais de internação, mantendo-se a concepção de que crianças e adolescentes
apenas eram objetos de direitos e não sujeitos destes.
Reforçou-se, neste período, a idéia de que a delinqüência era fruto da
pobreza, sendo corriqueira, por parte de juízes, a responsabilização das
famílias e as destituições do então chamado pátrio poder (atualmente poder
familiar).
Mais uma vez oriunda de movimentos internacionais, a legislação
“menorista” é revista, chegando-se, finalmente, à Doutrina da Proteção
Integral.
O primeiro marco a fixar as ideologias garantistas foi, em 1979, a
aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,
que consagrou a Doutrina da Proteção Integral.
Em seguida, no ano de 1985, surgem as Regras de Beijing, isto é, as
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração dos Direitos dos
Menores.
É de suma importância mencionar que a Constituição da República de
1988, quando de sua promulgação, reservou, no Título atinente à Ordem
Social (Título VIII), um capítulo próprio destinado à criança e ao adolescente
(capítulo VII), já assumindo expressamente a condição de sujeitos
merecedores de prioridade absoluta e titulares de direitos, isto é, de uma
proteção integral.
Após as regras de Beijing, o ano de 1990 ganha destaque com o
surgimento de outros dois importantes documentos internacionais, quais
sejam as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de
Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da
Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad).
Em termos de legislação infraconstitucional, o Brasil ganha destaque na
adoção da Doutrina da Proteção Integral, promulgando o Estatuto da Criança
e do Adolescente já em 1990 (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990),
34
regulamentando a previsão constitucional (de 1988) e aderindo praticamente
todos os preceitos garantistas previstos pelas Nações Unidas.
Assim, a legislação menorista passa ser impeditiva de violações aos
direitos das crianças e dos adolescentes, que eram praticadas sob o
fundamento de que serviam para a própria proteção dos mesmos, ganhando,
agora, a qualidade de garantista.
Começam a tomar corpo, então, as características identificadoras da
atual Doutrina da Proteção Integral43
, não se confundindo mais as situações
dos adolescentes em situação de riscos com aqueles praticantes de ato
infracional. Os primeiros, assim como as crianças, se submetem às medidas
protetivas; já em caso de cometimento de ato infracional, o adolescente se
submete à aplicação de medidas socioeducativas.
Entretanto, não são apenas as espécies diferenciadas de medidas
aplicadas em caso de prática de ato infracional (medidas protetivas e/ou
socieducativas) que marcam a passagem da situação irregular para a proteção
integral.
Assim, o que notadamente caracteriza a Proteção Integral em casos de
cometimento de atos infracionais é a maneira como se dá a apuração e a
eventual aplicação de sanção, o que, por óbvio, está atrelado à própria figura
do adolescente, ou seja, à nova natureza que passa a ter o adolescente.
Na concepção da Situação Irregular, o adolescente, como já alertado
alhures, era apenas considerado um menor infrator, isto é, um menor em
situação de risco, sem qualquer tipo de capacidade e objeto de uma proteção
para seu próprio bem. Sequer se falava em defesa técnica, ampla defesa etc,
muito embora sua ausência de capacidade para determinações de atos não o
eximisse de sofrer as sanções impostas.
43 Desde já, podemos apontar como exemplo o fato de que as crianças e os adolescentes tiveram um
tratamento diferenciado quando do cometimento de ato infracional. As primeiras, apenas se sujeitam às
medidas protetivas; já os segundos, são submetidos às medidas socieducativas.
35
Não passava o adolescente, como se vê, de um merecedor de necessária
medida combatente da sua situação de risco, irregular, enfim, da sua própria
periculosidade, que quase sempre era vinculada à pobreza.
Para a Proteção Integral, todavia, o adolescente não é simples infrator,
mas um sujeito em conflito com a lei, algo que, além de permitir a fixação de
um prazo determinado (vez que impossível o adolescente estar em conflito
eterno com a lei), possibilita, quando do cumprimento da medida
socioeducativa, à atribuição desta situação (no nosso caso internado) de forma
objetiva, isto é, algo momentâneo, temporal, e não subjetiva, ou seja, algo
inerente ao período e não ao indivíduo.
Parece mera terminologia, mas não é. Dizer que o adolescente está em
cumprimento de medida socioeducativa é algo distinto do que se atribuir ao
adolescente a qualidade de infrator. A internação é momentânea, acaba e, por
certo, fica para trás; mas considerar alguém infrator, isto é, rotular o sujeito,
sempre o acompanhará.
Outra evolução é a consideração do adolescente como sujeito de
direitos, inclusive em situação especial de desenvolvimento e merecedor de
um tratamento especial. Passa a ser relevante, ainda, sua capacidade, ou seja,
o adolescente é encarado como sujeito de responsabilidade, possuindo, como
conseqüência, certa carga de independência, de autonomia.
Corolário deste “evoluir” é também a responsabilização do adolescente
não mais como mera proteção, mas, agora, para fins de sua ressocialização ou
socioeducação, o que se dá por intermédio de imposição das medidas
socioeducativas.
Aliás, por ser a medida socioeducativa a ele imposta (não é mais mera
tutela), tal imposição não mais se afasta do devido processo legal, sendo
inerente ao procedimento a própria vontade do adolescente, ou seja, além de
ser relevante a oitiva do adolescente, em nada interfere sua condição
36
financeira44
. Há uma obrigatoriedade de observância à igualdade material,
seja quando da apuração do ato, seja quando do cumprimento da medida,
oportunizando a todos uma “individualização da medida” socioeducativa45
.
Sintetizando o até agora mencionado, apontaremos as características
identificadoras das duas doutrinas, o que faremos com base em estudo de
Beloff46
, professora de Direito Penal Juvenil da Faculdade de Direito da
Universidade de Buenos Aires, em parte reproduzido por Saraiva47
. São elas:
Doutrina da Proteção irregular:
a) as crianças e os jovens aparecem como objetos de proteção, não são
reconhecidos como sujeitos de direitos, e sim como incapazes. Por isso as leis
não são para toda a infância e adolescência, mas sim para os “menores”;
b) utilizam-se categorias vagas e ambíguas, figuras jurídicas de “tipo
aberto”, de difícil apreensão desde a perspectiva do direito, tais como
“menores em situação de risco ou perigo moral e material”, ou “em situação
de risco”, ou “em circunstâncias especialmente difíceis”, enfim estabelece-se
o paradigma da ambigüidade;
c) neste sistema, é o menor que está em situação irregular; são suas
condições pessoais, familiares e sociais que o convertem em um “menor em
44 O que infelizmente, na prática, ainda faz diferença, sim, diante da falta de uma defesa técnica qualificada
em favor do adolescente em conflito com a lei, sendo certo que a contratação de um defensor com
conhecimentos específicos da legislação especial menorista gera, como conseqüência, um abrandamento
(para não se dizer adequada) quando da fixação de eventual medida socioeducativa a ser cumprida.
45 Não mais se responsabiliza a família, mas se reconhece que sua fragilidade contribui para o
comportamento desregrado do adolescente; há um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.
46 BELOFF, Mary. Modelo de la Proteción Integral de los derechos Del niño y de la situación irregular: um
modelo para armar y outro para desarmar. In Justicia e Derecho Del Niño. Santiago de Chile: UNICEF,
1999. p. 9-21.
47 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral –
uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.
52-54 e 61-64.
37
situação irregular” e por isso objeto de uma intervenção estatal coercitiva,
tanto ele como sua família;
d) estabelece-se uma distinção entre as crianças bem nascidas e aquelas
em “situação irregular”, entre crianças e menor, de sorte que as eventuais
questões relativas àquelas serão objetos do Direito de Família e destes dos
Juizados de Menores;
e) surge a idéia de que a proteção da lei visa aos menores, consagrando
o conceito de que estes são “objeto de proteção” da norma;
f) esta “proteção” freqüentemente viola ou restringe direitos, porque
não é concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais;
g) aparece a idéia de incapacidade do menor;
h) decorrente deste conceito de incapacidade, a opinião da criança faz-
se irrelevante;
i) nesta mesma lógica se afeta a função jurisdicional, já que o Juiz de
Menores deve ocupar-se não somente de questões tipicamente judiciais, mas
também de suprir as deficiências de falta de políticas públicas adequadas. Por
isso se espera que o Juiz atue como um “bom pai de família” em sua missão
de encarregado do “patronato” do Estado sobre estes “menores em situação de
risco ou perigo moral ou material”. Disso resulta que o Juiz de Menores não
está limitado pela lei e tenha faculdades ilimitadas e onipotentes de disposição
e intervenção sobre família e criança, com amplo poder discricionário;
j) há uma centralização de atendimento;
k) estabelece-se uma indistinção entre crianças e adolescentes que
cometem delito com questões relacionadas com as políticas sociais e de
assistência, conhecido como “seqüestro e judicialização dos problemas
sociais”;
l) deste modo, instala-se uma nova categoria, de “menor
abandonado/delinqüente” e se “inventa” a delinqüência juvenil;
38
m) como conseqüência deste conjunto, desconhecem-se todas as
garantias reconhecidas pelos diferentes sistemas jurídicos no Estado de
Direito, garantias estas que não são somente para pessoas adultas;
n) principalmente, a medida por excelência que é adotada pelos
Juizados de Menores, tanto para os infratores da lei penal quanto para as
“vítimas” ou “protegidos”, será a privação da liberdade. Todas estas medidas
impostas por tempo indeterminado;
o) consideram-se as crianças e os adolescentes como inimputáveis
penalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ação “protetiva”
resulta que não lhes será assegurado um processo como todas as garantias que
têm os adultos, e que a decisão de privá-los de liberdade ou de aplicação de
qualquer outra medida, não dependerá necessariamente do fato cometido, mas
sim, precisamente, da circunstância de a criança ou o adolescente encontra-se
em “situação de risco”.
Doutrina da Proteção Integral:
a) definem-se os direitos das crianças, estabelecendo-se que, no caso de
algum destes direitos vir a serem ameaçado ou violado, é dever da família, da
sociedade, de sua comunidade e do Estado restabelecer o exercício do direito
atingido, através de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes , tanto
administrativos quanto judiciais, se for o caso;
b) desaparecem as ambigüidades, as vagas e imprecisas categorias de
“risco”, “perigo moral ou material”, “circunstâncias especialmente difíceis”,
“situação irregular” etc;
c) estabelece-se que, quem se encontra em “situação irregular”, quando
o direito da criança se encontra ameaçado ou violado, é alguém ou alguma
instituição do mundo adulto (família, sociedade, Estado);
d) estabelece-se a distinção entre as competências pelas políticas sociais
e competências pelas questões relativas à infração à lei penal. Neste caso,
39
estabelecem-se princípios fundamentais como ampla defesa, reconhecendo
que os direitos das crianças e dos adolescentes dependem de um adequado
desenvolvimento das políticas sociais;
e) a política pública de atendimento deve ser concebida e implementada
pela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralização e focalizada nos
municípios.
f) é abandonado o conceito de menores como sujeitos definidos de
maneira negativa, pelo que não têm, não sabem ou não são capazes, e passam
a ser definidos de maneira positiva, como sujeitos plenos de direito;
g) são desjudicializados os conflitos relativos à falta ou carência de
recursos materiais, substituindo o anterior sistema que centrava a ação do
Estado pela intervenção judicial nestes casos;
h) a idéia de Proteção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes:
Não se trata, como modelo anterior, de proteger a pessoa da criança ou do
adolescente, do “menor”, mas sim de garantir os direitos de todas as crianças
e adolescentes;
i) este conceito de proteção resulta no reconhecimento e promoção de
direitos, sem violá-los nem restringi-los;
j) também por este motivo a proteção não pode significar intervenção
estatal coercitiva;
k) da idéia de universalidade de direitos, depreende-se que estas leis,
derivadas da nova ordem, são para toda a infância e adolescência, não para
uma parte. Por isso se diz que com estas leis se recupera a universalidade da
categoria infância, perdida com as primeiras leis para “menores”;
l) já não se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas,
mas sim pessoas completas, cuja particularidade é que estão em
desenvolvimento. Por isso se reconhecem todos os direitos que têm todas as
pessoas, mais um plus de direitos epecíficos precisamente por reconhecer-se
que são pessoas em peculiar condição de desenvolvimento;
40
m) decorre disso, por um imperativo lógico, o direito de a criança ser
ouvida e sua palavra e opinião devidamente consideradas;
n) recoloca-se o Juiz na sua função jurisdicional, devendo a Justiça de
Infância e Juventude ocupar-se de questões jurisdicionais, seja na órbita
infracional (penal), seja na órbita civil (família);
o) o Juiz da infância, como qualquer Juiz no exercício de sua jurisdição,
está limitado em sua intervenção pelo sistema de garantias;
p) na questão do adolescente em conflito com a lei, enquanto autor de
conduta tipificada como crime ou contravenção, reconhecem-se todas as
garantias que correspondem aos adultos nos juízos criminais, segundo as
constituições e os instrumentos internacionais pertinentes, mais garantias
específicas. Destas, a principal é de que os adolescentes devem ser julgados
por tribunais específicos, com procedimentos próprios, e que a
responsabilidade do adolescente pelo ato cometido resulte na aplicação de
sanções distintas daquelas do sistema de adultos, estabelecendo, deste ponto
de vista, uma responsabilidade penal juvenil, distinta daquela do adulto;
q) resulta disso o estabelecimento de um rol de medidas aplicáveis ao
adolescente em conflito com a lei, onde o alternativo, excepcional, última
solução e pro breve tempo será a privação de liberdade. Estas medidas se
estendem desde a advertência e admoestação até os regimes de semiliberdade
e/ou privação de liberdade em instituição especializada, distinta daquela de
adultos e por tempo determinado;
r) a privação de liberdade será sempre o último recurso, presidida por
princípios como brevidade e excepcionalidade, com período determinado de
duração e somente aplicável em caso de um delito grave.
Por fim, necessários alguns apontamentos, ainda atinentes às duas
Doutrinas, acerca da própria sanção, ou seja, sua imposição e modo de
cumprimento, justamente pelo fato de que tais imposição e execução
41
espelham o tratamento dado ao indivíduo nestas duas concepções (de objeto,
para a situação irregular; e de sujeito de direitos, para a proteção integral).
Como se viu, para a “situação irregular” havia apenas a categoria
“menores”, o que por óbvio originou uma sanção também única, isto é, uma
sanção sem distinção entre crianças e adolescentes, uma sanção “protetiva dos
menores”.
E, ainda, pela não atuação apenas jurisdicional do juiz, referida sanção
era imposta sem procedimento especifico, sem prévia cominação processual
garantista, até mesmo pelo fato deste juiz, sempre sob o fundamento
protecionista, não cometer violações aos direitos destes menores, ou seja, o
ato infracional era combatido apenas de forma social por ser puro reflexo da
pobreza.
As execuções destas medidas, como conseqüência, visavam única e
exclusivamente à ocupação laboral do adolescente, sem uma preocupação em
relação ao seu desenvolvimento e lazer, isto é, a execução das medidas tinha
um único fim, qual seja o combate ao ócio.
Já para a Doutrina da Proteção Integral, por sua vez, não mais se
confundiam as medidas referentes às crianças daquelas atinentes aos
adolescentes. Para as primeiras, criaram-se as medidas protetivas, sendo
reservadas as medidas socioeducativas tão somente aos adolescentes.
Não cabe mais ao juiz atuar como “protetor”, devendo, sim, exercer
função estritamente jurisdicional e, por conseguinte, observar os
procedimentos e as garantias processuais. A apuração do cometimento de ato
infracional ganha procedimento e rito específicos, com preservação do
contraditório e da ampla defesa (não mais se tem “proteção” como resposta à
pobreza e ao abandono).
O ato infracional passa ser merecedor de uma sanção penal (mas não
pena), não mais por ser reflexo de pobreza (seja ela material ou espiritual, isto
é, falta de condições financeiras ou abandono familiar), mas sim pelo fato de
42
ser o adolescente um sujeito de direitos e obrigações, sendo a ressocialização
do adolescente em conflito com a lei o fim almejado pelas medidas
socieducativas.
A execução destas medidas, por conseguinte, não visa apenas o
combate ao ócio. Esta (execução de internação), agora, se dá observando a
situação de sujeito em desenvolvimento que possui o adolescente48
, tendo
como fim, também, um caráter pedagógico.
Portanto, inadmissível, como se viu, deixar de lado esta nova
concepção que ganha o adolescente em conflito com a lei, agora enquanto
sujeito de direitos, e não promover sua ressocialização, não observar um
princípio constitucional expressamente inserido no ordenamento jurídico
pátrio.
Por isso que, a seguir, ainda que breve49
, faremos apontamentos acerca
da carga valorativa e da eficácia principiológica da Proteção Integral.
2.2 Eficácia Principiológica da Proteção Integral
Uma vez assente o que se deve entender por Doutrina da Proteção
Integral, inclusive com o reconhecimento da figura do adolescente (e da
criança também) como sujeito de direito e alvo de uma prioridade absoluta,
necessária a abordagem acerca da correta interpretação do ordenamento
48 Na prática, entretanto, a execução das medidas socioeducativas em quase nada evoluíram, sendo o
adolescente, ainda, visto como mero infrator. E é por isso que consideramos o voto, o exercício da
capacidade eleitoral ativa, como um instrumento da ressocialização, como algo que, despertando os olhares
das autoridades públicas, além de resgatar a qualidade de cidadão, gerará interesse nesta parcela de sujeitos
que se virão obrigados a oportunizarem um cumprimento de medida socioeducativa compatível com a
dignidade da pessoa humana.
49 Mas com conteúdo técnico-científico.
43
constitucional, vez que é clarividente a natureza principiológica destas
previsões.
Assim, antes de abordarmos a humanização da medida socioeducativa,
apontaremos alguns aspectos atinentes à interpretação constitucional, vez que
a violação de um princípio, como a seguir será descrito, é uma violação ao
próprio ordenamento.
Ademais, quando da execução da medida socioeducativa de internação,
não há como justificar a omissão das autoridades públicas em não garantir um
direito fundamental (no caso o voto), direito este, aliás, cuja limitação sequer
está autorizada.
Assim, inevitável abordar o tema atinente à interpretação constitucional
para, por conseguinte, ficar evidente que a efetivação do direito político
fundamental do adolescente internado é mandamento constitucional de cunho
pragmático, sendo imperiosa a observância da proteção integral e da
dignidade humana, da condição de cidadão do internado.
2.2.1 Princípios da Interpretação Constitucional50
: Normas,
Princípios e Regras
Antes de tratarmos de cada Princípio de Interpretação Constitucional,
necessária a fixação de alguns conceitos que faremos uso, lembrando que não
é o objetivo deste trabalho um estudo pormenorizado sobre Princípios, o que
por si só seria alvo de dissertação autônoma.
50 Celso Bastos prefere utilizar a expressão “postulados hermenêuticos constitucionais”, vez que, segundo
ele, a terminologia “postulado” indica comando, ordem, sendo, por isso, mais adequada; os postulados
precedem a própria interpretação e a própria Constituição, sendo pressupostos de uma válida interpretação,
não podendo o intérprete escolher um ou outro. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação
Constitucional. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 165-169.
44
No entanto, não podemos deixar de aceitar a força normativa dos
Princípios, ou seja, não pode mais um princípio ser tratado como mero valor
político, até mesmo pela inserção dos mesmos no texto constitucional.
E mais! Esta constitucionalização passa a ser um instrumento jurídico
de existência e operabilidade dos princípios51
. Existencial, vez que a
constitucionalização dos princípios tem a capacidade de impedir a restrição ou
a supressão dos mesmos (as cláusulas pétreas). De operabilidade, pois dará
aos princípios eficácia jurídica.
Não se deve, contudo, confundir os princípios com as regras52
.
Vejamos alguns pensamentos doutrinários acerca do tema:
Ensina Azevedo que existe entre um princípio jurídico, que é uma idéia
ordenadora, e as regras jurídicas, em que ele se reflete, certa distância na
ordem de abstração intelectual; é uma distância semelhante a que vai, por sua
vez, da regra jurídica ao caso concreto. Do caso à regra e da regra ao
princípio, sobe-se à mente em duas etapas (e três patamares); se ganha em
descortínio o que se perde em concretude. Inversamente, uma vez adquirido o
princípio, desce o aplicador do direito, do princípio à regra e da regra ao
caso53
.
Os princípios são normas de grande relevância para o ordenamento
jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a
interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou
indiretamente, normas de comportamento.
51 BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 27-28.
52 Etimologicamente, princípio (do latim principii ou principium) significa idéia, começo, origem, início,
base ou, ainda, ponto de partida.
53 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos, in Revista da Faculdade de
Direito da USP, São Paulo: Revista da Faculdade de Direito da USP, 1992, v. 87, p. 89.
45
Merecem destaque, a nosso ver, as concepções de Aarnio54
, apontadas
por Engelmann55
, quando destaca que o “primeiro aspecto peculiar a ser
examinado refere que as regras e os princípios formam uma escala, que o
autor divide em quatro partes: existem regras (R) características, como, por
exemplo, a proibição de furto, contida no art. 155, do Código Penal
Brasileiro; há princípios que são regras (PR), como, por exemplo, aquele
trazido por Dworkin de que ninguém pode beneficiar-se de seu próprio delito,
ou o princípio da igualdade, que impede a instituição da escravidão no Brasil.
Estes princípios pertencem à categoria das regras e, assim, se seguem ou não
se seguem; por outro lado, encontramos regras que são como princípios (RP),
como, por exemplo, o artigo 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro; e, finalmente, encontramos os princípios (P) propriamente ditos,
como, por exemplo, o princípio da liberdade”.
Para Dworkin56
, a diferença entre regras e princípios se dá quanto à
obrigação que oferecem, isto é, a diferença é de natureza lógica. A partir do
caso em análise a regra é válida, e portanto aceita, ou não é válida, e daí em
nada serve para a tomada de decisão. Já os princípios não possuem uma
conseqüência automática, é dizer, a aplicabilidade do princípio fica
condicionada a outra decisão.
Continua o autor afirmando que há, ainda, uma diferença referente à
existência, entre os princípios, de uma dimensão valorativa de importância (o
que não se verifica nas regras). Existe uma relatividade entre os princípios;
não se despreza nenhum dos princípios na solução do caso (verifica-se qual o
54 Sem embargos de inúmeras outras concepções apresentadas, como por exemplo, por Josef Esser, Martinez
Munhoz, Díez-Picazo, Dworkin, Alexy, Canotilho e Humberto Ávila, sendo certo que estes últimos
receberão apontamentos peculiares.
55 ENGELMANN, Wilson. Crítica ao positivismo jurídico – princípios, regras e o conceito de direito. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001. p. 113/114.
56 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 35-50.
46
mais adequado naquele momento, mas nunca se exclui um princípio). Já as
regras, por sua vez, são úteis ou não, são funcionalmente importantes ou não,
isto é, havendo conflito entre regras uma delas deve ser considerada inválida.
Alexy57
, por sua vez, afirma que apesar de ambos serem normas58
, a
diferença reside quanto à generalidade. A generalidade dos princípios é alta,
ao passo que das regras é baixa. E mais, que existe entre regras e princípios
uma diferença de qualidade (não só de grau).
Para o autor, o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios
é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
amplitude possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Os
princípios seriam proibições e/ou permissões de otimização que podem ser
cumpridos em diferentes graus, na medida das possibilidades jurídicas. As
regras, contudo, só podem ser cumpridas ou não, isto é, se é válida deve ser
cumprida com exatidão (as regras possuem limitações extensiva – nem mais e
nem menos - no âmbito do fático e do juridicamente possível.
Tais concepções de Alexy se mostram ainda mais importantes e
evidentes quando dos conflitos entre regras ou colisões entre princípios. O
conflito entre regras é solucionado por intermédio da inclusão, numa das
regras, de uma cláusula de exceção ou declarando a regra inválida, com a sua
inevitável exclusão do ordenamento jurídico. A colisão entre princípios,
contudo, é solucionado mediante a cedência de um deles, o que não significa
declarar inválido um dos princípios ou introduzir uma cláusula de exceção,
mas tão somente que, por vezes, um princípio terá preferência frente ao outro.
Interessante a colocação feita pelo próprio Alexy, no tocante à possível
objeção quanto à aplicabilidade do “teorema da colisão” em face da existência
57 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 85-179.
58 Ambos afirmam o que deve ser e podem ser formulados com expressões deônticas básicas do mandato,
quais sejam a proibição e a permissão; princípios e regras são juízos concretos de dever ser.
47
de princípios absolutos, que não poderiam ser colocados em uma relação de
preferência com outros princípios. Entretanto, não existe nenhum princípio
absoluto, nem mesmo o Princípio da Dignidade Humana; a dignidade humana
é, em parte, princípio e, em parte, regra; absoluta é a regra da dignidade
humana, ao passo que o princípio da dignidade humana pode ser concretizado
em vários graus.
Quanto à inexistência de conflito entre os princípios, precisas as
palavras de Ponte ao afirmar: “Não há conflito entre princípios, tendo em
vista que estes se harmonizam e admitem a ponderação, conferindo peso a
cada um deles. As regras, por conterem fixações normativas definitivas,
excluem-se quando contraditórias, prevalecendo uma em detrimento da outra,
uma vez que discutem, na essência, uma questão de validade”59
Canotilho60
também apresenta distinção entre regras e princípios,
apontando, para tanto, alguns critérios para a identificação de cada uma das
espécies de normas. Então vejamos:
a) grau de abstração: os princípios possuem um alto grau de abstração;
as regras possuem um reduzido grau de abstração;
b) grau de determinabilidade: os princípios não possuem medições
concretizadoras, justamente por serem vagos e indeterminados, na aplicação
do caso concreto; as regras, por sua vez, possuem aplicabilidade imediata;
c) caráter de fundamentabilidade do sistema das fontes do Direito: o
papel dos princípios no ordenamento jurídico é fundamental, quer pela
posição hierárquica no sistema das fontes ou pela sua importância estruturante
dentro do sistema jurídico;
d) “proximidade” da idéia de direito: os princípios são standars
juridicamente vinculantes, em face da idéia de justiça ou de direito; já regras
são normas vinculativas de conteúdo meramente funcional;
59 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 65.
60 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 172-176.
48
e) natureza normogenética: os princípios são fundamentos das regras,
constituem a ratio das regras jurídicas.
Desta feita, fica claro que as diferenças qualitativas entre princípios e
regras são: os princípios são normas jurídicas impositivas de otimização e
compatíveis com vários graus de concretização; as regras são normas
prescritivas de exigência imperativa. A convivência dos princípios é apenas
conflitual; as regras possuem convivência antinômica. Os princípios permitem
valoração de conteúdo; as regras não permitem valoração de interesses, vez
que se a regra é válida dever ser cumprida. O conflito entre princípios se
resolve por ponderação, compatibilização; a contradição entre as regras exige
a eliminação de uma delas. Por fim, os princípios suscitam problemas de
validade e peso; as regras apenas suscitam problemas de validade.
Apesar da riqueza de conteúdo dos magistérios anteriores, merecem
também menção os estudos feitos por Ávila61
, que apresenta os critérios de
identificação de princípios e regras e, ainda, uma nova forma de distinção
entre ambos.
Um primeiro critério apresentado é o do “caráter hipotético-
condicional”. Os princípios apenas indicam o fundamento, sendo certo que
compete ao aplicador encontrar a regra aplicável ao caso; as regras, contudo,
valem-se de uma hipótese e de uma conseqüência predeterminada da decisão
(se... então...). Ávila afirma ser impreciso este critério: primeiro, pelo fato de
que o último passo para a descoberta do conteúdo da norma deriva da decisão
interpretativa e não pelo dispositivo ou pelo significado preliminar da norma.
Segundo, em face de que não se pode considerar uma formulação lingüística
(a existência de uma hipótese de incidência é para o autor uma questão de
formulação lingüística) um critério distintivo de espécie normativa. Terceiro,
pela inexistência de óbice algum em o intérprete considerar como princípio
61 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à Aplicabilidade dos Princípios Jurídicos. 4 ed.
rev. 2 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31-75.
49
uma norma, tão somente pelo fato de ter sido formulada de modo hipotético.
Por fim, afirma que os princípios possuem sim hipótese de incidência e
conseqüências jurídicas, vez que prescrevem um fim a ser atingido (razão) e
um comportamento a ser adotado.
O segundo critério apresentado é o do “modo final de aplicação”. Os
princípios são aplicados de forma gradual (mais ou menos) e as regra de
forma absoluta (tudo ou nada). Este critério é criticado: pois após a
consideração das circunstâncias do caso o caráter absoluto da regra é
completamente modificado; e também pela existência de regras que possuem
expressões com âmbito de aplicação não delimitado totalmente (cabe ao
intérprete decidir pela incidência ou não da regra).
Um terceiro critério é o do “conflito normativo”. Havendo conflito
entre princípios, atribui-se peso maior a um deles; já em caso de conflito entre
regras, uma delas tem sua invalidade declarada. A crítica aqui é no fato de que
não são os princípios que, na verdade, possuem uma dimensão de peso, mas
às razões e aos fins que fazem referências os princípios é que deve ser
atribuída uma dimensão de importância.
Algo de relevo nos estudos de Ávila é o fato de ele admitir a
coexistência de espécies normativas num mesmo dispositivo e o fato de
propor um modelo tríplice de dissociação, qual seja o da existência de
princípios, regras e postulados (estes últimos seriam categorias que impõem
condições a serem observadas na aplicação dos princípios e regras).
A dissociação entre princípios e regras, para Ávila, deve obedecer aos
seguintes critérios: critério da natureza do comportamento prescritivo; critério
da natureza da justificação exigida e; critério da medida da contribuição para
a decisão.
Pelo primeiro critério (natureza do comportamento prescritivo), a
distinção entre princípios e regras se dá pelo modo como prescrevem
comportamentos. Princípios são normas imediatamente finalísticas que
50
estabelecem uma situação ideal, devendo o aplicador realizar um
comportamento para manter esta situação. As regras, por sua vez, são normas
imediatamente descritivas que estabelecem de imediato a conduta a ser
adotada. Justamente por estabelecerem fins os princípios são chamados de
normas do que se deve ser (ought to be norms) e o seu conteúdo diz respeito a
um estado ideal de coisas (state of affairs); já as normas, por estabelecerem
condutas, são chamadas de normas do que se deve fazer (ought to do norms) e
o seu conteúdo diz respeito às ações (action)62
.
Já o segundo critério (natureza da justificação exigida) considera a
justificação necessária à aplicação da norma. Em se tratando de princípios
deve o aplicador fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da
conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido. No
tocante as regras, o aplicador deve fundamentar uma avaliação de
correspondência da construção factual à descrição normativa e à finalidade
que lhe dá suporte.
Finalmente pelo terceiro critério (medida da contribuição para a
decisão) é levada em consideração a pretensão da norma na tomada da
decisão de aplicação. Os princípios são normas primariamente
complementares e preliminarmente parciais, isto é, não tem a pretensão de
gerar uma solução específica, mas tão somente de contribuir para a tomada da
decisão. As regras, contudo, possuem pretensão terminativa, isto é, pretendem
gerar uma solução específica para a questão posta, sendo, pois, apenas
preliminarmente decisivas e abarcantes, vez que podem ter suas condições de
aplicabilidade preenchida e não ser aplicáveis, em face de razões excepcionais
que superem a própria razão que sustenta a aplicação da normal da regra.
Vê-se, dessarte, a relevância dos ensinamentos de Ávila, não apenas por
permitir uma distinção verdadeira entre regras e princípios, mas também por
62 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 4 ed. 2
tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 64.
51
disponibilizar, ao aplicador do Direito, meios de efetivar a aplicação dos
princípios e superar o modelo do “tudo ou nada” de aplicação de regras.
Assim, merece transcrição o conceito de princípios e regras apresentado
por Ávila:
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação exige a avaliação de correspondência, sempre centrada na finalidade
que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente
sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a
construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, cuja
aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado ideais de
coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como
necessária à sua promoção”63
.
Verifica-se, então, que o sistema jurídico (positivado), ganha expressão
única por meio das normas e que estas, por sua vez, ganham expressão pelas
regras ou pelos princípios, conforme a situação, isto é, é clarividente a
distinção entre princípios e regras (espécies do gênero norma).
Uma definição clássica do que se deve entender por princípios é a
apontada por Reale: “toda forma de conhecimento filosófico ou científico
implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos
admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que
compõem dado campo do saber”64
.
Interessante, ainda, a concepção atribuída por Bandeira de Melo, ao
afirmar que princípio jurídico é “mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
63 Idem, p. 70.
64 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 18 ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 299.
52
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico”65
.
São “princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas
diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão
sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que
concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do
ordenamento jurídico”66
.
Após traçada a distinção entre regras e princípios e termos apontados
vários conceitos doutrinários67
, vejamos as características dos princípios e sua
eficácia jurídica.
Lembre-se, como acima mencionado, que a Doutrina da Proteção
Integral é princípio expresso no texto constitucional68
e, como tal, merecedor
de tratamento diferenciado em relação às demais normas em face da
magnitude de sua eficácia.
Segundo Lima69
, os princípios têm natureza de inicialidade, de
primordialidade e preferencialidade; são fontes criadoras e justificadoras da
ciência jurídica. Aponta as seguintes características dos princípios:
a) normatividade: os princípios são normas, ainda que mais abertas e
mais genéricas;
65 BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 5 ed. São Paulo: Malheiros,
1994. p. 450.
66 Walter Rothenburg apontando a definição adotada pela Corte Constitucional Italiana de 1956, in
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2 tiragem. Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris Editor, 2003. p. 15.
67 E até mesmo jurisprudencial, segundo a visão da Corte Constitucional Italiana, conforme nota 15, supra.
68 A propósito, veja-se o artigo 227, da Constituição da República de 1988.
69 LIMA, Francisco M. M.. O Resgate dos Valores na Interpretação Constitucional: por uma hermenêutica
reabilitadora do homem como <<ser-moralmente-melhor>>. Fortaleza: ABC, 2001. p. 118-119.
53
b) força positivante: os princípios não são meramente teóricos, mas têm
pretensão vinculante;
c) historicidade: é o modo pelo que os princípios extraem de si mesmos
suas potencialidades, regenerando-se permanentemente e adquirindo força na
sua própria vocação historicamente criada;
d) expressão de valores: os princípios agregam valores, ainda que
metafóricos em cada época e lugar;
e) produtividade potencial: porque dos princípios emergem numerosas
conseqüências normativas;
f) irreversibilidade: nada existe antes dos princípios e quando começam
a atuar, revelam conseqüências, submetendo-se a transformações de índole
diversa;
g) vectividade: os princípios são vetoriais no sentido de que procedem
de algo e direcionam-se a algo;
h) superioridade hierárquica: violar um princípio é mais grave que
violar um dispositivo de lei, porque se está repudiando o próprio ordenamento
jurídico70
;
i) alto grau de abstratividade: isto porque representam a condensação de
um vasto sistema;
j) alto grau de generalidade: em virtude da sua estrutura deontológica-
valorativa;
k)fecundidade: os princípios são a alma e o fundamento de outras
normas, fecundando-as por meio da intepretação e integração.
Para Tavares71
os princípios possuem as seguintes características:
70 Por isso, mais uma vez, deixamos consignado a importância deste tópico para todo o trabalho, em especial
pela necessidade de se efetivar os mandamentos constitucionais pragmáticos.
71 TAVARES, André Ramos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos
princípios. In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: consideração em torno
das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.
54
a) abstratividade, abertura ou inexaurabilidade: os princípios têm
capacidade de alcançar grande e infinito número de situações concretas, nelas
incidindo seu comando normativo mínimo;
b) sistematicidade, interdependência ou mútua influência: os princípios
são imbricados entre si e a correta dimensão de um deles só será obtida a
partir de uma interpretação sistemática;
c) limitabilidade ou relatividade: não existe um princípio absoluto, que
afaste todos os demais em toda e qualquer hipótese;
d) aplicabilidade imediata e pragmaticidade: as normas programáticas
possuem elementos característicos de princípios gerais.
Fechando estas considerações gerais, vejamos a eficácia jurídica dos
princípios72
.
Afirma Barcellos73
que os princípios possuem as seguintes modalidades
de eficácia jurídica: interpretativa; negativa e; vedativa de retrocesso.
A eficácia interpretativa é garantida sempre que as normas forem
interpretadas de modo a realizar o mais amplamente possível o princípio que
rege a matéria discutida.
A eficácia negativa, por sua vez, funciona como uma barreira de
contenção, impedindo que sejam praticados atos ou editadas normas que se
oponham aos propósitos dos princípios.
A eficácia vedativa de retrocesso, por fim, diz respeito especialmente
aos princípios constitucionais, mais precisamente os de direitos fundamentais,
impedindo o legislador infraconstitucional de revogar normas que,
regulamentando o princípio, concedem ou ampliam direitos fundamentais,
72 Eficácia, aliás, que deve ser reconhecida à Proteção Integral.
73 BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 80.
55
sem que a revogação seja acompanhada de uma política substitutiva ou
equivalente.
Portanto, é clarividente que, apesar do alto grau de abstração dos
princípios, a eficácia normativa assegura aos mesmos uma concretização
imediata diante do caso concreto. A vagueza (e também a generalidade)
apenas faz surgir nos princípios a plasticidade, que é justamente o que permite
aos mesmos amoldarem-se às diferentes situações e, por conseguinte,
acompanharem a evolução social74
.
2.2.2 O Papel dos Princípios na Interpretação da Constituição
Continuando com a fixação de alguns pontos importantes antes da
abordagem dos métodos interpretativos em espécie, cabe a apresentação de
uma das funções dos princípios, qual seja a função orientadora do trabalho
interpretativo7576
.
A relevância dos princípios neste contexto se dá pelo fato de que nem
sempre a norma constitucional traz a solução formatada para a decisão no
caso concreto.
74 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2 tiragem. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 2003. p. 17/49.
75 Para Paulo Bonavides os princípios possuem três funções: a função de ser “fundamento da ordem jurídica”;
a função de “fonte em caso de insuficiência da lei e do costume” e; a função “orientadora do trabalho
interpretativo”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 283.
76 Luis Roberto Barroso, por seu turno, afirma que aos princípios competem duas ações. Uma ação imediata,
verificada quando aplicáveis diretamente a determinada relação jurídica; e uma ação mediata, que é
justamente funcionar como critério de interpretação do texto constitucional. BARROSO, Luis Roberto.
Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.
São Paulo: Saraiva, 1996. p.142.
56
Os princípios passam a ter, diante de sua força irradiante, o papel de,
mediante esta orientação especial, conferir unidade ao texto constitucional,
bem como dar vida e estruturar o mesmo.
É por intermédio dos princípios que se identifica (e cada vez mais se
fortalece) a ideologia da Constituição, seus postulados fundamentais e seus
fins.
Toda interpretação deve, assim, partir dos princípios77
. “A
generalidade, abstração e capacidade de expansão dos princípios permite ao
intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio
sistema a solução mais justa, superadora do summum jus, summa juria. Mas
são estes mesmos princípios que funcionam como limites interpretativos
máximos, neutralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais
e das conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do aplicador da
norma e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento”78
.
“Dessa forma, os princípios se apresentam como uma „idéia jurídica
geral‟ ou uma „idéia diretiva‟, que serve de base e direção para sua
concretização futura, atuando como um verdadeiro fio condutor. No entanto,
este processo não se dá em um só sentido, mas sim em sentido duplo, de tal
sorte que o princípio se esclarece através de suas concretizações e estas
ganham significado quando aglutinadas a ele em verdadeira atividade de
„esclarecimento recíproco‟”79
.
77 Nesse sentido, confira: PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os Princípios
Fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. 3. ed. renovada e ampl. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 139-144 e 160. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a
Interpretação-Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 200-204
78 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática
Constitucional Transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 150.
79 LEITE, George Salomão; LEITE, Glauco Salomão. A Abertura da Constituição em Face dos Princípios.
In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: consideração em torno das normas
principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 140.
57
Portanto, é por intermédio desta força orientadora dos princípios que os
trabalhos interpretativos da Constituição devem ser realizados, para que,
tendo como ponto inicial os princípios, se consiga um resultado sistêmico e a
conseqüente evolução da Carta Magna, acompanhando sempre a evolução
social.
2.2.3 Princípios em Espécie
Neste tópico, uma análise separada dos Princípios Constitucionais
atinentes à interpretação constitucional.
a) Princípio da Unidade da Constituição
Por este princípio a interpretação da Constituição deve ocorrer de tal
forma a evitar contradição entre suas próprias normas, é dizer, o intérprete
deve considerar a Carta Política como um todo.
É justamente em virtude do princípio da unidade que eventual
contradição entre as normas constitucionais é apenas aparente, sendo certo
que todas vigem completamente. O que difere é qual delas será aplicada nas
diversas situações.
O princípio da unidade é, em última análise, uma especificação da
interpretação sistemática80
.
É pela unidade, ainda, que se pode afirmar que em casos de aparentes
conflitos a técnica da ponderação deve ser aplicada, ou seja, deve haver uma
ponderação de interesses em conflito (e não de princípios).
Portanto, como “ponto de orientação”, “guia de discussão” e “factor
hermenêutico de decisão”, o princípio da unidade obriga o intérprete a
80 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 182.
58
considerar a constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços
de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar81
b) Princípio do Efeito Integrador82
Referido princípio está intimamente ligado à idéia de unidade da
Constituição.
Segundo o princípio do efeito integrador, deve prevalecer a
interpretação que promova ou mantenha a unidade política.
“Como tópico argumentativo, o princípio do efeito integrador não
assenta numa concepção integracionista de Estado e da sociedade (conducente
a reducionismos, autoritarismo e transpersonalismos políticos), antes arranca
da conflitualidade constitucionalmente racionalizada para conduzir a soluções
pluralisticamente integradoras”83
c) Princípio da Máxima Efetividade84
Visa este princípio firmar a idéia de que a norma constitucional deve ter
a mais ampla efetividade social.
Em caso de dúvida, a interpretação que reconheça maior eficácia aos
direitos fundamentais deve prevalecer.
Não existe, pois, qualquer tipo de norma constitucional sem efeito
jurídico.
d) Princípio da Justeza ou da Conformidade Funcional85
81 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 232.
82 Também chamado de Eficácia Integradora.
83 Idem, p. 233.
84 Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva.
85 Chamado também de Princípio da Correção Funcional.
59
Referido princípio tem em vista impedir a alteração de repartição de
funções constitucionalmente estabelecidas.
Sua aplicação está intimamente ligada à relação existente entre o
intérprete máximo da Constituição e o legislador, vez que este não pode ter
reduzida sua liberdade conformadora, pelo primeiro.86
Não se pode, portanto, chegar a um resultado que subverta ou perturbe
o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, sendo
considerado hoje mais um princípio autônomo de competência do que um
princípio de interpretação constitucional87
.
e) Princípio da Concordância Prática ou Harmonização
Quase que uma conseqüência da unidade da Constituição, este princípio
assegura o valor de todos os bens jurídicos, de modo a não ser sacrificado
nenhum deles em relação ao(s) outro(s). É óbvio que, por vezes, será
necessário afastar a incidência de um deles, o que não significa dizer que está
autorizada a supressão completa (sacrifício total).
A idéia de inexistência de hierarquia entre princípios é a base do
fundamento da concordância ou harmonização.
f) Princípio da Força Normativa
Este princípio está diretamente ligado ao Princípio da Máxima
Efetividade.
O intérprete deve conferir às normas constitucionais a máxima
efetividade.
“Conseqüentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas
que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais,
86 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.
p. 49-50.
87 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 234.
60
possibilitam a <<actualização>> normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua
eficácia e permanência”88
g) Princípio da Interpretação Conforme a Constituição
Conforme visto anteriormente, a Constituição é o fundamento de toda e
qualquer norma. Assim, a compatibilização das normas com o ordenamento
jurídico sempre deve estar vinculada à Carta Magna.
O princípio da interpretação conforme é, desta feita, um corolário
inevitável.
Pelo princípio da interpretação conforme se estabelece que em sendo
possível mais de uma interpretação à norma, deve ser aplicada aquela que
mais se aproxime ao texto constitucional.
Decorrem destas premissas algumas características:
a) prevalência da Constituição: prevalece a interpretação não contrária à
Constituição;
b) conservação de normas: podendo o intérprete aplicar a norma em
conformidade com a Constituição deve assim proceder para evitar a não
continuidade da norma;
c) exclusão da interpretação contra legem: a interpretação não pode,
simplesmente para compatibilizar a norma à Constituição, contrariar o texto
literal e/ou o sentido da norma;
d) espaço de interpretação: só se admite a interpretação conforme a
Constituição caso haja um espaço de decisão, sendo certo que é dever do
intérprete utilizar a decisão que esteja em conformidade com ela.
e) rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais: verificando o
intérprete que o resultado alcançado é contrário à Constituição deve declarar a
norma inconstitucional e;
88 Idem, p. 235.
61
f) o intérprete não pode atuar como legislador positivo: não pode o
intérprete fazer surgir nova regra, sob o pretexto de estar promovendo uma
interpretação conforme, se não for esta a vontade do legislador.
h) Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade
Este princípio traz em si a noção de bom senso, de equilíbrio.
Segundo as lições de Coelho89
“... o princípio da proporcionalidade ou
da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza
axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso,
prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e
valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito
constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral de direito, serve de regra de
interpretação para todo o ordenamento jurídico”.
O princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) está intimamente
ligado às questões atinentes à colisão de valores constitucionais. Serve ele de
critério solucionador de conflito, vez que identifica, no caso concreto, qual
deve ser a norma prevalente na tomada da decisão pelo intérprete.
No uso da razoabilidade ou proporcionalidade, porém, não pode o
intérprete simplesmente valer do subjetivismo para escolher qual a norma
mais adequada (razoável ou proporcional).
Mister a observância de alguns elementos:
a) necessidade (também chamada de exigibilidade): medidas que
possam restringir direitos só se legitimam se forem indispensáveis para o caso
concreto e desde que não possam ser substituídas por outra menos gravosa;
b) adequação (denominada ainda de pertinência ou idoneidade): o meio
escolhido deve atingir o objetivo almejado e;
89 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
109.
62
c) proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e
adequada (itens a + b, supra), o ato praticado, em termos de realização do fim
buscado, deve superar as eventuais restrições ao demais valores
constitucionais, isto é, necessário que ocorra uma máxima efetividade e uma
mínima restrição.
2.2.4 Métodos de interpretação
2.2.4.1 Noções Gerais
Antes de adentrarmos nos métodos específicos de interpretação
constitucional, mister alguns apontamentos acerca da própria interpretação.
Ao tratarmos de interpretação, em especial da interpretação
constitucional, não podemos deixar de ter em mente o fato de que existe um
sistema constitucional90
e, mais, que este sistema representa a vontade do
povo, vez que é na própria Constituição que está, além do fundamento de
validade das demais normas, expressado aquilo que o povo, como poder
constituinte, quer para si.
A interpretação ganha relevância, assim, vez que aproxima a
Constituição normativa (formal) da Constituição real (substancial), ou seja,
pela interpretação se evidencia a real vontade social outrora posta em texto
normativo.
Não se deve esquecer que é justamente esta interpretação que permite,
diante do caráter aberto da Constituição – calcada em Princípios, uma
90 Sistema este que, segundo Paulo Bonavides, leva a idéia de unidade, totalidade e complexidade.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 99
63
evolução de valores, em conformidade com a realidade sócio política91
,
atribuindo dinamismo à Constituição.
Aliás, toda norma deve ser interpretada, inclusive as consideradas de
fácil compreensão (ou claras, não obscuras), vez que é justamente a
interpretação quem garante esta qualidade às normas.
Não se deve confundir, assim, a dificuldade da interpretação com a
própria interpretação. Ora, para que o intérprete possa afirmar que a norma é
clara terá que, inevitavelmente, ter recorrido a uma tarefa interpretativa.
A compreensão do texto, desta feita, pode, em face da interpretação, ser
mais ou menos fácil, sendo certo que a leitura desatenta de uma lei (sem
interpretação), ainda que clara, pode, por vezes, levar a um entendimento
imediato afastado do valor profundo que a mesma pode ter.
Outra distinção pouco observada, mas que merece menção, justamente
por terem objetos diversos, é a no tocante ao sentido de hermenêutica e de
interpretação.
Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.92
É a ciência
que estuda e desenvolve a atividade prática, que é a interpretação. É a
hermenêutica, pois, a responsável pelo fornecimento de regras e subsídios a
serem utilizados na atividade interpretativa.
A interpretação, por sua vez, é justamente a aplicação, na prática, dos
princípios da hermenêutica, isto é, a determinação do sentido e do alcance da
norma.
Fazendo distinção entre ambas (hermenêutica e interpretação) afirma
Barroso que a “hermenêutica jurídica é o domínio teórico, especulativo, cujo
objeto é a formulação, o estudo e sistematização dos princípios e regras de
91 DANTAS, Davi Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo: teoria e casos práticos. São
Paulo: Madras, 2005, p. 185.
92 BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. ampl. São Paulo: Celso Bastos,
2002. p. 28-36.
64
interpretação do direito. A interpretação é a atividade prática de revelar o
conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-
la incidir em caso concreto”93
.
Portanto, para concretizar o direito, isto é, fixar a norma, é
imprescindível a interpretação. A interpretação jurídica é, assim, “uma
atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em
normas”94
.
Feita estas considerações, mas antes de falar especificamente dos
métodos, é salutar que apontemos algumas características dos movimentos
que surgiram ao longo do tempo e que tiveram como fundamento a
compreensão da interpretação, movimentos estes que foram chamados de
Escolas de Interpretação ou Escolas Hermenêuticas.
Destacaram, nesse sentido, as Escolas da Exegese, Histórica, da Livre
Pesquisa ou Investigação Científica e a do Livre Direito.
Para a Escola da Exegese, o Direito se revela no texto das leis escritas,
podendo prever e prover tudo, ficando a interpretação limitada à pesquisa da
vontade do legislador e sua intenção95
. Praticamente um método “sintático-
semântico”96
, que pressupõe a univocidade semântica dos termos e
expressões, cultuando o texto normativo como expressão precisa da vontade
93 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. P. 97.
94 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação-Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 81.
95 PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os Princípios Fundamentais: elementos
para uma hermenêutica constitucional renovada. 3 ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
p. 21-23.
96 NEVES, Marcelo. Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito. in GRAU, Eros Roberto;
GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo
Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 357-358.
65
do legislador, sendo certo que ao intérprete caberia apenas descobrir o único
sentido juridicamente possível da linguagem97
.
A escola Histórica, fundada por Savigny98
, vê o Direito como produto
da história, não podendo as leis ter a pretensão de perdurar infinitamente,
devendo, isto sim, ser interpretadas para acompanhar a evolução da sociedade
que desejava regular. Apesar de não admitir interpretações criadoras e sim da
vontade do legislador (aproximando-se, por isso, da Escola da Exegese), não
admitia “que as leis e os fenômeno jurídico, de modo geral, sejam vistos
isolados do contexto histórico-cultural em que são gerados”99
. É com
Savigny, também, que surgem as técnicas clássicas de interpretação, isto é, a
mens legis, ou seja, interpretar é mostrar aquilo que a lei diz (técnicas de
interpretação gramatical, lógica ou teleológica, sistemática e a histórica), que
posteriormente por ele mesmo foi reformulada para fixar o conceito de que
interpretar é compreender o pensamento manifesto no texto da lei, ou seja, a
mens legislatoris.
Em seguida, surge a Escola da Livre Pesquisa ou Investigação
Científica100
. “A livre investigação científica apresenta-se como um processo
integrativo do Direito, elaborado por dois importantes componentes: o dado e
o construído. O dado consiste naqueles elementos não criados pelo legislador,
mas elaborados pelo fluxo da existência humana como resultantes da natureza
97 Em face da impossibilidade do texto normativo prever todas as situações da vida a Escola da Exegese
tornou se incompatível com a realidade, perdendo forças.
98 O que teria ocorrido, por iniciativa de Friedrich Carl Von Savigny, em meados do século XIX, na
Alemanha, em repúdio ao legalismo da Escola da Exegese. PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da
Constituição e os Princípios Fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. 3
ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 24-25.
99 GOMES, Sérgio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado Democrático de Direito. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. p. 36.
100 Surgida na França e tendo Fraçois Geny como seu principal teórico, reconheceu a insuficiência das leis
escritas para a solução dos problemas jurídicos, vez que o tempo havia mostrado que inúmeras situações não
previstas pelo legislador surgiam e precisavam de respostas. Idem, p. 36.
66
e da experiência social: eles se impõem ao intérprete e também ao legislador.
O construído humano é arcabouço de normas que o jurista constrói a partir do
dado. É o produto da vontade humana. Destarte, o dado e o construído são os
dois componentes da norma jurídica”101
.
Surge, finalmente, a Escola do Livre Direito102
, segundo a qual a lei não
é a única fonte do direito positivo e nem a mais importante, acentuando que as
normas jurídicas que brotam nos grupos sociais devem ser reconhecidas pelo
Estado. O Direito livre, porém, deve refletir o sentimento da sociedade, é
dizer, a justiça fica, neste caso, vinculada ao apego na norma legislativa. A lei
pode ser afastada tão somente quando não oferecer uma solução ausente de
dúvidas ou se a solução apontada pela lei ao fato não corresponder às que
seriam traçadas pelo Poder Estatal quando do fato. Em casos complexos ou
sem padrões quantitativos determinados, o Livre Direito recorre-se à
discricionariedade do intérprete (no caso o aplicador do Direito).
Diante destas concepções é evidente que a interpretação não pode ficar
apenas atrelada ao texto normativo, devendo ser considerada a realidade
factual do momento. Não significa, no entanto, que a interpretação pode
desconsiderar o texto normativo. É justamente o texto normativo o limite da
variação de interpretações, que deverão, inevitavelmente, estar em
conformidade com os princípios do ordenamento jurídico. É dizer: o texto
normativo teria uma função negativa – limitadora; e uma função positiva –
possibilidade de novas interpretações.
Por derradeiro, alguns apontamentos acerca dos métodos clássicos de
interpretação, que são, na verdade, “elementos”, vez que devem ser utilizados
101 PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os Princípios Fundamentais: elementos
para uma hermenêutica constitucional renovada. 3 ed. renovada e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
p. 29.
102 Alemanha, por Herman Kantorowicz, na obra A Luta pela Ciência do Direito, sob o pseudônimo de
Gnaeus Flavius, tendo como principal fim a justiça. SICHES, Luís Recanséns. Nueva Filosofia de la
Interpretacíon del Derecho. 2 ed. México: Porrúa, 1973. p. 52-57.
67
em conjunto, isto é, não se utiliza um “ou” outro no momento da
interpretação, mas sim todos.
Tais métodos são: gramatical ou literal; sistemático; histórico e;
teleológico.
Como bem observa Strek e reforçando a idéia de unidade103
, toda
interpretação será sempre gramatical (parte sempre de um texto), sistemática
(impossível o texto não se relacionar com o todo, isto é, o texto não representa
a si mesmo) e teleológica (inviável não se conceber a vontade da lei).
O elemento literal ou gramatical leva em consideração o próprio texto,
o conteúdo semântico das palavras, isto é, o sentido do vocábulo. Não
significa, por certo, que a interpretação deva ocorrer em cada palavra de
forma isolada; o vocábulo deve ser interpretado de forma conexa,
racionalmente com as demais palavras próximas a ele. Não se pode esquecer,
também, o efeito temporal neste elemento, vez que a palavras ganham
significações diferentes em cada época.
No tocante à interpretação constitucional uma ressalva deve ser feita,
qual seja a de ser empregado aos vocábulos o sentido comum (e não jurídico),
vez que a Constituição é emanada do povo e a ele se destina. Por óbvio,
situações ocorrerão em que será inevitável o uso do sentido técnico; o que se
quer é evitar o uso de expressões técnicas demais.
O elemento sistemático, por sua vez, representa a unidade do próprio
Direito; é o elemento de interpretação que se atrela à idéia de sistema, de um
todo harmônico. “Destaca-se aqui a perspectiva sistêmica do ordenamento
jurídico, bem como a sua unidade, procurando assim atingir uma visão global
e estrutural da lei”104
.
103 STREK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2 ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2002. p. 248-249.
104 BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. ampl. São Paulo: Celso Bastos,
2002. p. 61.
68
O elemento histórico, apesar de críticas quanto à impossibilidade de se
ter o real conhecimento da vontade do legislador, diante da diversidade de
votantes na elaboração das leis, é de suma importância. É justamente da
análise do momento da elaboração da norma que se extrai o sentido de sua
edição, da sua necessidade para aquele momento.
Por fim, o elemento teleológico busca identificar a finalidade da norma,
ou seja, qual o motivo de sua criação, quais valores e/ou bens jurídicos que o
ordenamento queria atingir com a edição da mesma; qual o espírito da norma.
Passemos, então, ao estudo dos métodos específicos de interpretação da
constituição, vez que “A interpretação constitucional não despreza a
interpretação jurídica de um modo geral, mas apresenta uma série de
particularidades, que justificam seu tratamento diferenciado, num estudo de
certa forma autônomo dos demais métodos interpretativos presentes no
sistema jurídico”105
.
2.2.4.2 Métodos em Espécie
a) Método Jurídico ou Hermenêutico Clássico
Tal método parte da concepção de que a Constituição é uma lei. Assim,
a interpretação da Constituição não tem diferença com a interpretação das
demais leis, devendo, pois, ser utilizados os mesmos métodos tradicionais.
b) Método Tópico Problemático
Referido método considera a Constituição um sistema aberto de
princípios e, a partir de um problema concreto, aproveitando os mesmos para
solucionar os problemas concretizados.
105 Idem, p. 105-106.
69
Canotilho106
critica este método, aduzindo que ele pode levar a um
reducionismo, vez que a interpretação deve partir da norma para o problema e
não deste para aquela; a interpretação é uma atividade normativamente
vinculada.
c) Método Hermenêutico Concretizador
Este método é praticamente o inverso do método tópico problemático,
vez que primeiramente se compreende a norma para, em seguida, aplicá-la ao
caso concreto.
No entanto, referida compreensão exige uma pré-compreensão da
norma pelo intérprete que, todavia, permanece atrelado ao caso concreto.
Bonavides critica este método afirmando que nele “A interpretação se
revela, debaixo de semelhantes condições, um meio fácil de tornar a
Constituição maleável e prover racionalmente, por via técnica, sem
compromissos inibitórios de limitação jurídica rígida, os fins do Estado em
toda a requerida e almejada amplitude”107
.
Muito embora a norma exerça uma primazia sobre o problema
concreto, este método pode levar à uma interpretação incorreta, vez que o fato
de se partir das pré-compreensões do intérprete pode ocasionar uma distorção
da realidade, bem como do próprio sentido da norma.
d) Método Científico Espiritual
A interpretação, por este método, deve ocorrer a partir da realidade
social, levando em consideração os valores subjacentes ao texto
constitucional. A interpretação da Constituição sob a influência da realidade
social, não pode, todavia, gerar valores em contradição com os valores
constitucionais expressos.
106 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p 220.
107 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. ver. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 481.
70
É este recurso à ordem de valores que obriga uma “captação espiritual”
do conteúdo axiológico último da ordem constitucional108
.
e) Método Normativo Estruturante
Parte da premissa de que texto da norma não se confunde com a norma,
isto é, não há identidade entre norma jurídica e texto normativo, levando a
uma desconexão entre realidade e norma a aplicar. Existe um foco na relação
“norma-realidade”109
.
O intérprete passa a ser um concretizador, ou seja, não basta a norma
jurídica e sua aplicação (norma decisão). Deve haver alteração no mundo da
vida, uma construção de significado no caso concreto110
.
Este método, além de não fundir texto e norma jurídica e de valorizar a
função do intérprete, ainda leva em consideração, no momento da aplicação
do Direito, os elementos da realidade.
“Não resta dúvida de que interpretar a Constituição normativa é muito
mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo atualizá-la”111
f) Método da Comparação Constitucional
Para este método, a interpretação deve obedecer a uma comparação nos
diversos campos constitucionais, ou seja, a “comparação” passaria a ser o
quinto método clássico de interpretação112
.
108 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 221.
109 DANTAS, Davi Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo: teoria e casos práticos. São
Paulo: Madras, 2005. p. 259-260.
110 Idem. p. 264-267.
111 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 483.
112 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 3 ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
91-93.
71
2.2.4.3 A Escolha de “UM” Método
Cremos não ser possível a escolha de “UM” método exclusivo de
interpretação. Todavia, isso não impede o apontamento de um método
preferencial, que para nós é o Normativo Estruturante.
O dinamismo e a mutabilidade constitucionais, além da falta de uma
regra objetiva de utilização de um ou de outro método, inviabilizam a seleção
de um método único.
A interpretação deverá, na verdade, estar atrelada aos Princípios
Constitucionais.
O uso destes métodos servirão de justificativas a legitimar resultados
que o intérprete se predeterminou a alcançar, ou seja, após o resultado é que
se escolhe o método que melhor indique o resultado previamente alcançado.
Como bem observa Grau, “...a insubsistência dos métodos de
interpretação decorre da inexistência de uma meta-regra ordenadora da
aplicação, em cada caso de cada um deles”113
.
Vê se, desta feita, que a interpretação é a adaptação dos textos
normativos à realidade e seus conflitos; não apenas dedução do Direito, que é,
sem dúvida, instrumento de mudança social.
Não há mais como se afastar, assim, a eficácia principiológica da
Doutrina da Proteção Integral, sendo certo que qualquer interpretação acerca
dos direitos das crianças e dos adolescentes, inclusive no que diz respeito ao
cumprimento de medidas socioeducativas (ainda que de internação), deve
ocorrer em conformidade com a Constituição Federal.
E ainda, referida “proteção integral” ganha eficácia de norma
constitucional de cunho pragmático, devendo, sempre, ser buscada sua
113 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação-Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 104-105.
72
concretização. Há uma necessidade permanente de se ter aplicado no campo
concreto aquilo idealizado no campo teórico.
Ressocializar o internado passa ser mais que simples fundamento da
sanção a ele imposta, passa a ser princípio incorporado da Proteção Integral,
no reconhecimento de que o adolescente é, além de pessoa em
desenvolvimento, titular de direitos.
A não efetivação dos direitos políticos do indivíduo internado em
decorrência de medida socioeducativa, pois, viola o próprio ordenamento
jurídico.
Portanto, apenas com o efetivo exercício do voto é que os internados
restabelecerão suas qualidades de cidadãos e, por certo, despertarão o
interesse do Poder Público, que será obrigado a reconhecer a importância
desta parcela da sociedade, preservando a dignidade dos mesmos, ainda que
com suas liberdades segregadas, e promovendo de fato, não só por ser seu
dever (dever Estatal), a ressocialização destes internados, vez que passarão ser
decisivos no sufrágio.
2.3 Humanização da Medida Socioeducativa e a Dignidade
Humana
Uma vez assente o que se deve entender por “Doutrina da Proteção
Integral” e a sua magnitude enquanto Princípio Constitucional, fato que exige
uma leitura diferenciada acerca dos direitos e garantias dos adolescentes
internados em decorrência de imposição de medida socioeducativa, passemos,
agora, a verificar que a medida socioeducativa, apenas por ser sanção penal,
não pode suprimir qualquer direito fundamental.
Se não bastasse, é imperioso, também, que sejam garantidos direitos de
ordem processual e preservada a dignidade humana e a condição de cidadão
73
do indivíduo, mesmo durante a execução da medida socioeducativa e quando
esta se dê em regime fechado, ou seja, mesmo durante a internação.
2.3.1 Direito Penal Juvenil: medida socioeducativa como sanção
penal e não como pena; garantias penais ao adolescente submetido à
medida socioeducativa
A questão que se traz neste tópico é o elo entre a dignidade humana e
os direitos políticos do internado. Isso pela obrigatoriedade de serem
observadas as garantias penais quando da aplicação e execução da medida
socioeducativa, justamente por sua natureza jurídica.
A medida socioeducativa tem natureza jurídica de sanção penal (e não
simples medida protetiva; algo, aliás, corolário da Proteção Integral), sendo
imperiosa a aplicação dos institutos penais atinentes às garantias individuais
daquele submetido ao devido processo legal para apuração do cometimento de
ato infracional.
Não há mais como negar que as medidas socioeducativas possuem
natureza jurídica de sanção penal, embora não sejam, como também não é a
medida de segurança, pena.
A origem da expressão “pena”, como observado por Estefam114
, deriva
do latim poena e indica castigo ou suplício.
Afirma Nucci115
, por sua vez, que o termo tem origem no grego (poine)
e significa vingança, ódio. Continua o autor, citando Messuti116
, que a
114 ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 290.
115 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 3 ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 57.
116 MESSUTI, Ana. El tiempo como pena. Buenos Aires: Campomanes, 2001.
74
expressão significa “a retribuição destinada a compensar um crime, a
expiação de sangue”.
Apesar dos autores, por vezes, inserirem no conceito de pena suas
finalidades e/ou seus fundamentos, surgindo inúmeras definições, o fato é que
se pode conceituar a pena como: a sanção, consistente na privação de
determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de fato
definido como crime.
Portanto, a pena nada mais é que, juntamente com a medida de
segurança, uma espécie de sanção penal. É, pois, uma resposta a um
comportamento contrário a uma norma de conduta.
Enquanto a pena é a sanção imposta ao imputável, a medida de
segurança é imposta ao inimputável (salvo se decorrente da idade, caso em
que incidirão as medidas socioeducativas) ou ao semi-imputável.
Portanto, a medida socioeducativa é, de fato, uma sanção penal, mas
não é pena.
Quando se reconhece a necessidade de aplicação de uma sanção ao
adolescente que praticou ato infracional, esta não se dá por intermédio de
sentença penal condenatória, mas sim por meio de sentença impositiva de
medida socioeducativa.
Não há aplicação de pena ao adolescente, mas sim de medida
socioeducativa.
Ato infracional, aliás, não é crime. É conduta descrita como crime ou
contravenção (artigo 103, ECA).
Ora, se não é crime, também não pode haver imposição de pena. Como
de fato não há!
Não se pode, também, justamente em face da retirada da liberdade do
indivíduo decorrente de uma conduta por ele praticada, dizer que não possui
natureza penal.
75
Toda privação da liberdade, ainda que extremamente terapêutica, tem,
para quem a sofre, um conteúdo penoso, pouco importando o nome que se dá,
mas sim o efeito produzido.
É por isso que está assente a concepção do Direito Penal Juvenil, um
Direito Penal específico para o adolescente, justamente pelo fato deste receber
uma sanção penal (entretanto diversa da pena ou da medida de segurança).
A terminologia (Direito “Penal” Juvenil) apenas de forma aparente
parece estar em descompasso com o que se pretende, qual seja separar o
conceito de pena/medida de segurança do conceito de medida socioeducativa,
vez que na terminologia geral (Direito Penal) está inserida a aplicação da
medida de segurança (que como sabido também não é pena, mas sim sanção
penal).
Um Direito Penal Juvenil, a propósito, que não mais se afasta do
garantismo, isto é, a Doutrina da Proteção Integral está em harmonia com a
idéia do garantismo penal e do direito penal constitucional.
“A Doutrina da Proteção Integral incorpora à questão do adolescente
em conflito com a lei a proposta de Ferraioli, definida por Bobbio como um
sistema de garantismo, com a construção das colunas mestras do Estado de
direitos, que tem por fundamento e fim a tutela das liberdades do indivíduo (e
portanto das crianças e dos adolescentes enquanto sujeitos de direito) frente às
variadas formas de exercício arbitrário de poder, particularmente odioso no
direito penal”117
.
Assim, muito embora sua especificidade quanto ao sujeito passivo e a
sanção imposta, o Direito Penal Juvenil se vale do Direito Penal, vez que
devem ser asseguradas ao adolescente, enquanto sujeito passivo de um devido
processo legal instaurado para apuração de prática de ato infracional (e sua
117 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral –
Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009. p. 67.
76
conseqüente imposição e cumprimento de medida socioeducativa), todas as
normas referentes às garantias de ordem processuais e materiais que são
asseguradas aos adultos.
Por isso, podem ser apontados como fundamentos e fins da medida
socioeducativa os mesmos que os da pena.
Assim, falaremos dos fundamentos e dos fins da pena em face da
balizada doutrina118
pátria acerca do tema, sem prejuízo algum em considerá-
los (fundamentos e fins), também, como os mesmos da medida socioeducativa
(pois como evidenciado linhas atrás, esta é, sim, sanção penal e não mais
simples medida protetiva).
Neste aspecto, do ponto de vista prático, em nada se difere o
cerceamento da liberdade oriundo de sentença penal condenatória (pena
privativa de liberdade) daquele decorrente de aplicação de medida
socioeducativa (medida de internação).
Quanto aos fundamentos o tema não possui tratamento uniforme na
doutrina.
Segundo Barros119
, o fundamento da pena deve ser analisado sob três
aspectos, a saber: a) do fundamento legal; b) do fundamento judicial e; c) da
fundamentação administrativa.
O fundamento legal da pena, concretizado pelo legislador quando da
cominação abstrata da pena mediante a edição de normas penais
incriminadoras, é a proteção dos bens jurídicos de maior valor.
O fundamento judicial, por sua vez, operado pelo juiz mediante a
aplicação concreta da pena na sentença, é a prática de uma conduta típica,
antijurídica e culpável.
118 A propósito, sobre os fundamentos da pena, primorosa a obra de Oswaldo Henrique Duek Marques in
DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique. Fundamentos da Pena. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.
119 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral. v. 1, 3 ed., rev. atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 434-435.
77
Por fim, a fundamentação administrativa ou executória, efetivada na
fase de execução penal quando da perda ou diminuição de certos bens
jurídicos do condenado, é a sentença condenatória, vez que apenas a partir
dela é que a execução da pena pode ter início.
Para Nucci120
, entretanto, os fundamentos estariam ligados à existência
da mesma e seriam: a) denúncia; b) dissuasão; c) incapacitação; d)
reabilitação; e) reparação e; f) retribuição.
A denúncia é fazer com que a sociedade desaprove a prática do crime.
A dissuasão é desaconselhar as pessoas de um modo geral e,
particularmente, o próprio criminoso à prática delitiva.
A incapacitação é proteger a sociedade do criminoso, retirando-o de
circulação.
A reabilitação é reeducar o ofensor da lei penal.
A reparação é trazer alguma recompensa à vítima.
E retribuição, por fim, é aplicar ao condenado uma pena proporcional
ao delito cometido.
Lembra Nucci, ainda, que a reparação visa restabelecer o equilíbrio no
plano individual, ao passo que a retribuição visa restabelecer o equilíbrio no
plano social. E finaliza afirmando que “a pena, em primeira análise, tem por
fundamento e finalidade reafirmar os valores impostos pelas normas vigentes,
aquietando o espírito da vítima, para não se voltar contra o delinqüente, bem
como voltando os olhos à justa punição, que, como já exposto, retribui,
previne e busca a ressocialização”121
.
Quanto à finalidade, no decorrer da história, várias foram as teorias que
surgiram a respeito da finalidade da pena e do direito de punir.
120 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 3 ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 58.
121 Ibidem.
78
Para as teorias chamadas absolutas o fim da pena era a retribuição, o
castigo, a expiação, ou seja, o pagamento pelo mal praticado. Baseiam-se no
lema “punitur quia peccatum est”, isto é, pune-se o agente simplesmente
porque ele cometeu o crime. O crime, para Escola Clássica, era infração a
preceitos divinos e o homem detentor do livre arbítrio para fazer o bem ou o
mal. Retribuía-se o mal com o mal para possibilitar a purificação do pecador.
A sanção, desta monta, nada mais era do que a conseqüência do delito e tinha
por finalidade o restabelecimento da ordem pública alterada, sem existir a
preocupação, em nenhum momento, com a pessoa do condenado. Entre os
adeptos desta teoria, destacam-se Erico Pessina, Joseph de Maistre, Hegel e
Binding.
As teorias relativas, ou de prevenção ou utilitaristas ou finalistas, por
sua vez, davam à pena um fim exclusivamente prático e útil e, em especial, o
de prevenção. Regem-se pelo lema “punitur ut ne peccetur”, ou seja, pune-se
o agente para que ele não volte a delinqüir. Estas teorias relativas dividem-se
em dois grupos, quais sejam o das teorias preventivas e o das reparadoras. Foi
destas teorias relativas que a pena começou a ser vista como uma
oportunidade de ressocialização e não mais como um castigo.
Beccaria122
foi o precursor desta teoria, possuindo uma concepção
utilitarista da pena. Perfilhavam deste entendimento, ainda, Jeremias
Bentham, Anselm von Feuerbach e Gian Domenico Romagnosi.
Foi justamente Beccaria quem deu um impulso para a implantação e
solidificação da pena privativa de liberdade, uma vez que se mostrava
radicalmente contra a pena de morte, plenamente utilizada em sua época.
Em sua obra “Dos Delitos e Das Penas” espalhou suas idéias
preventivas, que foram quase que totalmente implantadas pelo primeiro
Código Penal da França. Para ele o objetivo preventivo geral seria alcançado
122 Cesare Bonesanna, o Marquês de Beccaria.
79
com a eficácia e a certeza de punição. Afirmava que quanto mais rápida fosse
a aplicação da pena e mais de perto acompanhado o crime, mais justa e útil
seria.
Beccaria, contudo, não renunciava ao caráter punitivo da privação de
liberdade, pois para ele a pena possuía uma ameaça que se dá em duas ordens:
a) cominação, isto é, a previsão abstrata da pena; b) execução, ou seja, a
imposição concreta da pena a certo delinqüente. Colocando em sua obra a
finalidade reformadora da pena, contribuiu, decisivamente, para a
humanização das sanções criminais.
Reafirmando este caráter de retribuição, geral e especial, que possui a
pena, escreveu o filósofo inglês Jeremias Bentham, no ano de 1818, a
extraordinária obra “Teoria das penas e das recompensas”.
Já as teorias mistas, lideradas por Pellegrino Rossi, em sua obra “Traité
de droit penal”, de 1828, conciliavam o caráter retributivo com o caráter
utilitário da pena. Acrescenta-se um fim político: a necessidade de garantir o
bem da sociedade. Esta teoria considerava a pena em sua natureza não apenas
como retributiva (mal pelo mal), mas também como meio de intimidação e
reeducação do criminoso. A pena seria, assim, um misto de educação e
correção.
Mais recentemente, a Escola da Nova Defesa Social trouxe à tona a
idéia de que a sociedade apenas é defendida à medida que se promova a
ressocialização do condenado. Institui-se, daí, um movimento de política
criminal humanista.
A tendência moderna é a de que a execução da pena deve humanizar,
reeducar, ressocializar o condenado e não apenas punir.
Exemplo de tal assertiva é a própria Lei de Execução Penal, Lei nº
7.210/1984, que em seu artigo 1º dispõe, in verbis, que: “A execução penal
tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
80
proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado” (grifamos).
Não é diferente o contido no Estatuto da Criança e do Adolescente123
quando afirma em seu artigo 3º, ad littera, que “A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade”. (grifos nossos)
E continua o mesmo diploma legal, litteratim: “Art. 18. É dever de
todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor”.
E ainda: “Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade,
entre outros, os seguintes: (...) V - ser tratado com respeito e dignidade; X -
habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;”. (sem
grifos no original)
O direito de votar, assim, é expressão do espírito ressocializador
buscado na execução da medida socioeducativa, que só se corporifica com a
perspectiva de benefício e a esperança de melhora de situação do internado.
Ora, negada a participação social, desaparece a motivação necessária
para que o internado, por exemplo, desempenhe boa conduta dentro da
unidade e que se abstenha de fugir, isto é, que de fato se sinta um cidadão (e
não um ser esquecido no interior da unidade de internação, como se vê
comumente).
123 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1.990.
81
Conseqüentemente, não há como concebermos, mediante uma
exclusão, a possibilidade de reeducação ou ressocialização, que é o fim maior
buscado pela sanção penal.
Não se pode deixar de questionar, entretanto, a instituição da
internação, na medida em que se atribui à sanção penal uma dúplice função:
ressocializadora e retributiva. Como é possível e viável castigar e ao mesmo
tempo reeducar ou ressocializar no ambiente da internação?
A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como as
unidades de internações. Os centros de execuções de medidas
socioeducativas, as unidades de internação, tendem a converter-se num
microcosmo em que se reproduz e se agrava as contradições existentes no
sistema social exterior. A simples privação da liberdade não ressocializa; ao
contrário, estigmatiza o internado, impedindo sua plena reincorporação ao
meio social.
A internação não cumpre uma função ressocializadora. Serve como
instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.
Ora, o simples meio em que se encontra o adolescente já é suficiente
para gerar um isolamento social (não apenas diante do afastamento físico
propriamente dito, mas também pela segregação das demais formas
participativas, como, por exemplo, o não exercício de atividade laborativa
(apesar de serem estas obrigatórias)124
.
A não concretização do direito de votar, como se percebe, e nem
precisamos adentrar na questão da compatibilidade com a dignidade humana e
com a democracia, potencializa a não ressocialização.
Nesse ponto, como se vê, em nada se diferem a medida socioeducativa
de internação e a pena privativa de liberdade.
124 Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...)XI - receber
escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer.
82
A Criminologia Crítica tem contestado veementemente a concepção
reintegradora e ressocializadora da pena privativa de liberdade (o que também
pode ser utilizado para a internação do adolescente).
Aponta Mirabete125
que a criminalidade é um fenômeno social
“normal” de toda a estrutura social, até útil ao desenvolvimento sociocultural,
e não um estado patológico social ou individual. Esta teoria nega a
culpabilidade e a responsabilidade ética e considera a execução penal uma
atividade criadora de etiquetas, julgadoras de personalidades e definidora de
comportamentos. Vislumbra-se que a ideologia da criminologia crítica, como
a do abolicionismo penal, está longe de ser alcançada entre nós, diante da
estrutura penal vigente na atualidade.
Pensamos que se pode curar ou reeducar não obstante a sanção penal,
mas jamais se poderá dizer que a internação, per si, sirva ou possa servir para
reeducar o internado, principalmente na realidade brasileira.
Por mais otimista ou conceitual (aqui se referindo aos fins da sanção
penal) que possamos ser, a verdade é que internação alguma consegue
promover ganho, isto é, não existe isolamento que gere benefício algum.
E mais, a sanção penal constitui uma reação da sociedade às suas
profundas e inconscientes necessidades emocionais. É que diante de um ato
infracional, surge na sociedade um profundo sentimento de represália,
voltando-se toda ela contra o infrator. Deseja-se uma punição e castigo para
satisfazer, assim, este eventual sentimento comum de justiça. Em outras
palavras, a sanção penal reforça no cidadão uma atitude durável de fidelidade
à lei, apesar de não ser este o “fim oficial” da medida socioeducativa.
Talvez por esse motivo é que exista indiferença no sistema punitivo
brasileiro e insista-se em não se defrontar com os problemas latentes. E por
certo, é pelo mesmo motivo que não vislumbramos reação da sociedade ou
125
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentário à lei nº 7210/84. São Paulo: Atlas, 1997
83
qualquer perspectiva de mudança diante do quadro crítico que há tempos se
instalou.
Mister, com efeito, pensar e repensar o sistema punitivo para que
realmente corresponda ao que está preceituado em lei, vindo a medida
socioeducativa (especialmente a internação) conseguir cumprir sua finalidade.
Por isso já afirmamos no início deste trabalho que é mais fácil falar em
segurança pública a que promover políticas públicas. Políticas públicas, aliás,
que diretamente interferirão na segurança.
É falacioso o discurso político de enrijecimento da atuação policial, do
aumento da força etc, pois, como sabido, são apenas medidas paliativas e
emergenciais.
Enquanto não houver interesse político em proporcionar a participação
do adolescente em conflito com a lei na condução política do Estado, ou seja,
enquanto não houver o cumprimento dos fundamentos e objetivos da
República Federativa do Brasil, não será possível a existência de um sistema
punitivo condizente com a ressocialização.
2.3.2 Princípio da Humanização ou da Humanidade da Sanção
Conforme diversas passagens neste trabalho, a questão referente ao não
cidadão está ligada, também, à noção de dignidade da pessoa humana.
Não há, pois, como deixar de tratarmos do princípio da humanidade (ou
humanização) da sanção, vez que é ele o elo de ligação entre a participação do
indivíduo na condução política do Estado e a privação da liberdade decorrente
de aplicação de medida socioeducativa de internação.
Ora, além de não ser compatível com o conceito de democracia (com o
próprio sentido de Social Estado Democrático de Direito), a não
84
concretização da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado é um
efeito que desrespeita a dignidade da pessoa humana.
Necessário, contudo, um apontamento quanto ao próprio surgimento da
sanção, para, só então, termos patente a violação ao supramencionado
princípio, isto é, com a evolução da sanção penal fica clarividente a não
aceitação de uma violação à dignidade da pessoa humana.
A evolução histórica é, assim, fundamental para a fixação de qualquer
conceito e, por óbvio, para a compreensão do seu sentido. Daí não
abordarmos diretamente o que venha ser dignidade humana, isto é, o que se
deve entender por dignidade da pessoa humana, seu conceito e significado.
É verdade que parece invertido o desenvolvimento do trabalho, pois
seria mais lógico iniciar o tema atinente à sanção justamente de seu
surgimento.
No entanto, preferimos colocar o surgimento ao final deste capítulo
pelo simples fato de que, primeiro, não haverá prejuízo na compreensão e,
segundo, pelo fato de que as sanções nem sempre observaram a dignidade
humana.
Assim, iniciando a questão do princípio da humanização da sanção com
o próprio surgimento desta, cremos que o leitor terá facilitada, ao final, a
tarefa de entender o motivo pelo qual a não concretização da capacidade
eleitoral ativa (do direito de votar) viola, também, este princípio, vez que,
como dissemos anteriormente, a dignidade é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil.
Para tanto, pelos motivos apresentados quando dos fins e dos
fundamentos da medida socioeducativa de internação, faremos a abordagem
deste princípio a partir dos estudos atinente à pena.
Após esta breve explicação, continuemos com o desenvolvimento do
trabalho.
85
A pena é tão antiga quanto a humanidade. Historicamente, cada povo
dedicou-se à sua aplicação de acordo com sua cultura.
É bem verdade que atualmente se consolidou a idéia de que a pena
também deve observar a dignidade humana.
Mas nem sempre foi assim!
A execução da pena, até o fim do século XVIII, início do século XIX,
constituía-se num espetáculo de horror em que o condenado era submetido a
sofrimentos corporais, com requintes de crueldade, aos olhos de toda a
comunidade, assumindo um caráter eminentemente retributivo.
A privação de liberdade constitui a mais significativa das penas. A
partir do momento em que se retirou do ordenamento jurídico brasileiro a
pena de morte126
e a pena corporal, passou ela incidir em um dos bens
jurídicos mais importantes do homem, qual seja a liberdade.
Nos dizeres de Pimentel127
, “A origem da pena, buscada nos grupos
humanos primitivos, é indubitavelmente de caráter sacral. O homem, nas
primeiras eras, não se regia pelo princípio da razão, mas se impulsionava por
reações ditadas por sentimentos. Sua visão cósmica era distorcida, pois, para
ele, o que parecia, era. Os estudos a respeito dos símbolos e dos mitos provam
essa assertiva. Não compreendendo a verdadeira natureza dos fenômenos que
o cercavam, ligava os efeitos manifestados a causas misteriosas,
sobrenaturais, que, no entanto, poderiam ser controladas mediante a prática de
rituais ou oferecimento de dádivas e sacrifícios”
Assim, para os povos primitivos, o mal poderia ser conjurado com ritos
e sacrifícios adequados.
As sociedades primitivas no Brasil também se formaram por princípios
semelhantes. Entre os selvagens brasileiros, conforme assevera Gonzaga, in
126 Ressalvada a previsão constitucional da pena de morte, em caso de guerra declarada nos termos do artigo
84, inciso XIX, da CF, conforme se verifica no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, da Magna Carta.
127 PIMENTEL, Manoel Pedro. Ensaio sobre a pena: 1ª parte. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1996
86
“O direito penal indígena à época do descobrimento do Brasil”,128
foi
conhecida a forma talional, limitada à reação do ofendido através da vingança
do sangue; também a composição, primeiramente sob a forma de acordo entre
famílias e mais tarde com o caráter indenizatório, foi aplicada no Direito
Penal indígena.
Explicitando sobre estas penas corporais, é categórico quanto a
utilização das mesmas. Afirma Gonzaga que “As penas corporais foram
comumente empregadas, embora não se tenha notícia de métodos torturantes.
A pena de morte era executada através do uso do tacape, recorrendo-se
também a venenos, sepultamento de pessoas vivas, especialmente crianças, e
enforcamento.” Menciona ainda como forma de execução capital o
afogamento. A pena de açoites é também referida, mas a privação da
liberdade existia como forma de prisão semelhante à atual “prisão
processual”, destinando-se à detenção de inimigos, em seguida à captura, ou
como recolhimento que antecipava a execução da morte.
Na antiguidade desconheceu-se totalmente a privação de liberdade.
Embora seja inegável que o encarceramento de delinqüentes existiu desde
tempos imemoráveis, não tinha caráter de pena e repousava em outras razões.
Até os fins do século XVIII a prisão serviu somente ao escopo de
contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de
serem julgados ou executados. Recorria-se durante esse longo período
histórico, fundamentalmente à pena de morte, às penas corporais (a exemplos
das mutilações e açoites) e às infamantes.
Quanto à utilização de prisão apenas como retribuição, Bitencourt129
ressalta que os “vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais
128 GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena à época do descobrimento do Brasil. São Paulo:
Max Limonad, 1981.
129 Bitencourt, Cesar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revistas dos
Tribunais , 1993.
87
antigas (China, Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia, etc.) coincidem com a
finalidade que atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura”.
Apenas elucidando o que até agora explicitamos, vejamos o que se dava
em algumas civilizações:
Na China, há cerca de dois mil anos atrás, era autorizado o dono da
casa a matar o ladrão que nela adentrasse.
A legislação egípcia, que se conhece em decorrência da intervenção dos
escritores gregos e romanos e de repetições feitas nas glosas medievais,
tornou-se mais acessível após a decifração dos hieroglifos. Soube-se que a
pena teve, desde tempos remotos, caráter público e a sua imposição era feita
pelos sacerdotes quando não pelo faraó. A pena de morte era muito difundida,
demonstrando que nenhuma preocupação havia no sentido de recuperar o
infrator.
Entre os fenícios, foi permanente o objetivo de castigar os crimes
relacionados com a atividade comercial, por eles intensamente exercida.
Comum era a pena de morte, emprestando-se-lhe um certo sentido de
prevenção geral, como, aliás, acontecia também entre os egípcios.
Assíria, Caldéia e Babilônia, conforme documentado, de modo
particular, no Código de Hamurabi, datado de aproximadamente de 2.250
anos a.C., adotaram a pena de prisão por dívidas, com redução à condição de
escravo do devedor insolvente. As penas eram sempre impostas pelos Estados
e comum era a de morte, por imersão e asfixia na água. Aplicavam-se também
castigos, mutilações, espancamentos e multas.
“O povo hebreu, cuja história foi melhor relatada, aplicou com
prodigalidade a pena de morte especialmente para punir os crimes de
idolatria, sendo que a composição e a multa eram reservadas aos crimes
contra o patrimônio, enquanto os crimes de lesões corporais eram sancionados
88
com a vingança do sangue, nos primeiros tempos e, depois, com a
composição talional de caráter público.” 130
A Grécia, por sua vez, desconheceu a privação de liberdade como pena.
Contudo, em alguns casos, a pena de prisão foi imposta em Atenas como
castigo especial. Platão, de outra monta, já apontava duas idéias históricas da
privação de liberdade: a prisão como pena e a prisão como custódia. Esta
última, a única forma empregada na Antiguidade, na realidade foi pouco
utilizada, a não ser como meio de impedir a fuga dos acusados ou para forçar
certos devedores a pagar suas dívidas (os juízes determinavam uma multa e
tinham o direito de acrescentar uma prisão de cinco dias, com entrave nos pés,
nas prisões públicas).
O direito germânico também não conheceu a prisão com o caráter de
pena. Nele predominavam a pena capital e as corporais.
Vê-se, assim, que por toda a idade antiga o aprisionamento restringia-se
à custódia dos réus até a execução de suas condenações, existindo, de outra
monta, a prisão por dívida, que tinha a finalidade de garantir o cumprimento
das obrigações por parte dos devedores.
Durante a Idade Média também não aparece a idéia de pena privativa
de liberdade. As sanções criminais estavam submetidas ao arbítrio dos
governantes, que as impunham de acordo com o status social do réu, sendo
que poderiam ser substituídas por prestações em metal ou espécie. A pena de
reclusão restava, excepcionalmente, para aqueles casos em que os crimes não
tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à morte ou mutilação.
Surgem, nesta época, a prisão de Estado e a prisão Eclesiástica.
A primeira, destinada aos inimigos do poder real ou senhorial que
tivessem cometido delito de traição ou aos adversários políticos dos mesmos.
Exemplos desta espécie de prisão são as Torre de Londres, as Bastilhas de
130 BITENCOURT, Cesar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 1993.
89
Paris e o Palácio Ducal em Veneza, que ficou conhecido como “a ponte dos
suspiros”.
A Eclesiástica, por sua vez, era destinada a clérigos rebeldes, dando-se
ao internamento um sentido de penitência e meditação, a fim de que se
arrependessem do mal causado e obtivessem correção. O pensamento cristão
influenciou e deu bom funcionamento à pena privativa de liberdade, pois a
prisão eclesiástica ou canônica, uma das poucas exceções às prisões custódias,
visava o arrependimento e a correção do delinqüente, a fim de propiciar sua
reabilitação.
Desde a segunda metade do século XVI, portanto, iniciou-se um
desenvolvimento da pena privativa de liberdade e construção de prisões para a
correção dos apenados, a fim de fazer frente ao fenômeno sócio-criminal que
preocupava as pequenas minorias das cidades. Tal instituição tinha por
finalidade a reforma dos delinqüentes pelo trabalho e pela disciplina, além da
prevenção da criminalidade.
Posteriormente, criou-se, em Amsterdã, a casa de correção para tratar
de pequenas delinqüências, já assinalando o surgimento da pena privativa de
liberdade moderna.
Foi justamente na Revolução Francesa que este movimento de idéias
atingiu seu apogeu, influenciando consideravelmente uma série de pessoas
com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo.
Desta feita, com o advento do estado moderno, a pena privativa de
liberdade institucionaliza-se como manifestação de um suposto humanismo
iluminista e de uma reação penal com um fim retributivo e preventivo.
A liberdade e a igualdade jurídica e política fazem com que se substitua
o poder sobre os corpos pelo poder sobre a alma do condenado. Ainda assim,
não há uma supressão completa das ações sobre o corpo do apenado; um
castigo como a prisão não pode funcionar a margem do sofrimento corporal.
90
Não se pode negar, todavia, que este sofrimento deixou de ser o objeto
principal da pena.
Como se vê, a dignidade da pessoa humana passa a integrar a pena,
sendo inaceitável qualquer tipo de pena que viole referido princípio
fundamental.
Torna necessária, por conseguinte, uma abordagem do que venha a ser
a Dignidade da Pessoa Humana, até mesmo pelo fato de que é ela (juntamente
com a noção de democracia) quem exige que se garanta o direito de votar do
internado.
A não concretização da capacidade eleitoral ativa do internado, como
sempre defendido por nós, é um descumprimento praticamente automático
quando da execução da medida socioeducativa que desrespeita a dignidade da
pessoa humana e a participação popular do indivíduo na condução política do
Estado; faz surgir um não cidadão, uma figura totalmente contrária ao Social
Estado Democrático de Direito.
2.3.3 Dignidade da Pessoa Humana
Como bem assinalado por Ponte131
, a dignidade da pessoa humana
possui duas faces: “a primeira, representada pela dignidade básica ou radical,
que é refratária a qualquer forma de discriminação e refere-se a todo ser
humano; a segunda, a dignidade ontológica, que diz respeito àqueles que são
dotados de inteligência e liberdade”.
131 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 65-68.
91
Relembra também Sarlet132
, por sua vez, que a dignidade da pessoa
humana possui dois sentidos diversos, quer se trate de um pensamento
filosófico e político, quer se trate de um pensamento estóico.
Para o pensamento filosófico e político a dignidade (dignitas) da pessoa
humana, de regra, referia-se a posição social ocupada pelo indivíduo na
comunidade e ao seu grau de reconhecimento pelos demais membros. A
dignidade, assim, podia ser quantificada e modulada, admitindo-se pessoas
mais dignas e menos dignas que outras.
No pensamento estóico, por sua vez, a dignidade era tida como a
qualidade inerente do ser humano que o distinguia das demais criaturas, sendo
certo que todos os seres humanos possuem a mesma dignidade. Desta feita,
todos os seres humanos são iguais no que diz respeito às suas dignidades.
Entretanto, foi no pensamento de Tomás de Aquino, continua o ilustre
autor133
, retomando em parte o pensamento de Anicio Manlio Severino
Boécio, que a dignidade passou a ser compreendida como a capacidade de
autodeterminação (inerente à natureza humana), de sorte que, justamente por
força desta dignidade, o ser humano existe em função da sua própria vontade,
corolário da racionalidade e da liberdade do ser humano. Ao homem teria sido
outorgada uma natureza indefinida, como assevera Giovanni Pico della
Mirandola134
, para que fosse seu próprio árbitro, soberano e artífice, dotado da
capacidade de ser e obter aquilo que ele próprio quer e deseja, decorrência da
superioridade do homem em relação aos demais seres vivos, justamente por
ser uma criatura de Deus.
132 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 7 ed. rev. e atual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 32.
133 Idem, p. 33-34.
134 MIRANDOLA, Giovanni Pico della. Discurso Sobre a Dignidade do Homem. Lisboa: Edições 70, 1986.
p. 52-53. apud Idem, ibidem.
92
Assim, não seria apenas a visão eclesiástica, de que o homem foi feito à
imagem e semelhança de Deus, o fundamento da dignidade da pessoa
humana, mas também a racionalidade, qualidade peculiar inerente ao ser
humano que lhe possibilita construir de forma livre e independente sua
própria existência e seu próprio destino.
Mas foi nos pensamentos de Kant135
que a noção de dignidade da
pessoa humana, como adotada atualmente pela maioria dos autores, passou a
ter seu fundamento na própria autonomia da vontade (entendida como a
faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a
representação de certas leis), atributo encontrado apenas nos seres racionais,
constituindo-se, por conseguinte, no fundamento da dignidade da própria
natureza humana.
“O homem, e, duma maneira em geral, todo o ser racional, existe como
um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta
ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto as que se
dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele
tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o
valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre
condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa
vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um
valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres
vivos racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já
como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado
como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o
arbítrio (e é um objeto de respeito)”136
.
135 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in: Os Pensadores – Kant (II). Trad.
Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 103-162.
136 Idem, p. 134-135
93
A pessoa humana, justamente por ser um fim em si e não um meio,
teria uma condição peculiar e insubstituível. A dignidade ultrapassaria, pois,
qualquer preço; seria uma disposição de espírito.
Arremata o filósofo alemão afirmando que “no reino dos fins tudo tem
ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se
em dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima
de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade...
Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal
disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca
ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse
um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade”137
.
137 Idem, p. 140.
94
3. DIREITOS POLÍTICOS E O INTERNADO
Finalizando nosso desenvolvimento, apontaremos o instrumento
segundo o qual, para nós, se atinge a tão esperada ressocialização quando da
execução da medida socioeducativa de internação, qual seja o voto.
Instrumento este, aliás, pouco valorizado e colocado em segundo plano,
talvez em face da pouca educação da população, talvez propositadamente,
para facilitar o manejo daqueles que vêem nas eleições um momento propício
de barganha junto aos candidatos.
Entretanto, uma coisa é certa: até hoje, mais de uma década após a
promulgação da Constituição denominada de “Constituição Cidadã” e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, não há interesse algum por parte dos
representantes do povo em se efetivar referido direito àqueles com a liberdade
restringida em decorrência de cumprimento de sanção penal138
.
E este desinteresse é que faz com que a internação não atinja o fim
almejado e determinado pela Doutrina da Proteção Integral, inclusive
mandamento constitucional.
Por isso vemos no voto, enquanto restabelecedor da cidadania, o
instrumento hábil a promover a despertar o interesse político daqueles
encarregados em salvaguardar a dignidade dos internados e, por conseguinte,
promover suas ressocializações.
3.1 Direito Político Positivo (direito de sufrágio)
138 Entretanto, devemos mencionar a existência da Resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral, de 02
de março de 2010, que “Dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e
em unidades de internação de adolescentes e dá outras providências”.
95
Antes mesmo de fixar a concepção de que a cidadania é um direito
político fundamental, se faz necessário apresentar, de forma individualizada, a
maneira com que o indivíduo exerce (ou não) seu direito de cidadão, isto é,
como ele participa (ou não) da condução política do Estado.
Tal direito se exterioriza por intermédio do sufrágio139
.
Devemos deixar consignado, desde já, que referido direito de sufrágio,
não pode ser confundido com o conceito de voto e nem com o conceito de
escrutínio.
Sufrágio, expressa o próprio direito; o voto, por usa vez, indica a
exteriorização do direito, isto é, o seu exercício e; por fim, o escrutínio aponta
a forma de exercício, ou seja, seu modo.
O sufrágio, corolário do Estado Democrático de Direito e da própria
soberania popular, é aptidão que o cidadão tem de eleger, de ser eleito e de
participar da política do Estado; é, pois, uma função de instrumentação do
povo, sendo, desta feita, um direito e um dever140
.
Característica marcante do Estado Democrático, em que se exige a
participação popular na condução do Estado, é justamente o fato do sufrágio
ser universal. A simples existência de sufrágio universal, porém, não é
suficiente para caracterizar um regime democrático, vez que este não se
compõe apenas de formalidades eleitorais.
Não se sustenta mais, diante deste regime político, a noção de sufrágio
restrito, em que apenas um grupo de pessoas previamente determinadas, em
face de características peculiares, é que tinham direito de sufrágio.
Em um regime democrático, em que a participação de todos é o próprio
fundamento do regime, não se torna compatível outro tipo de sufrágio senão o
universal, em que se outorga o direito de votar a todos os nacionais de um
139 A expressão “sufrágio” é derivada do latim sufragium e significa aprovação, apoio.
140 A própria Constituição Federal deixa patente este dever, ao afirmar em seu artigo 14, § 1º, inciso I, que o
voto (exercício do sufrágio) é obrigatório para os maiores de 18 (dezoito) anos.
96
país, sem restrições derivadas de condições de nascimento, patrimonial ou de
outra capacidade especial.
O sufrágio universal, como se denota, reforça, ainda mais, a tese de que
a não concretização da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado
viola o próprio Estado Democrático, atentando contra a dignidade humana ao
tornar o indivíduo um não cidadão.
É clarividente, como se vê, a importância que possui o voto, como
viabilizador da participação no Estado, como instrumento garantidor da
cidadania, da noção de cidadão ativo, enfim do próprio Estado Democrático.
O sufrágio pode se apresentar, ainda, de forma igual ou desigual.
A forma de sufrágio igual é aquela em que a cada indivíduo é dado o
direito de um voto (one man, one vote), pois cada cidadão tem o mesmo peso
político e a mesma influência. A nenhum eleitor, portanto, pode ser dado mais
voto que a outro.
O sufrágio desigual, por sua vez, se caracteriza pelo fato de ser
atribuído a um eleitor o direito de votar mais de uma vez ou, então, de dispor
de mais de um voto para prover o mesmo cargo141
.
Quanto aos titulares do direito de sufrágio, por conseguinte, cumpre
mencionar que são os brasileiros com pelo menos dezesseis anos de idade e
estejam alistados na forma da lei142
.
Feito os apontamentos necessários acerca do direito de sufrágio,
passemos à análise de alguns pontos referentes ao exercício deste direito, isto
é, ao voto.
141 O sufrágio desigual se manifesta pelo voto múltiplo (mais de um voto em mais de uma circunscrição ou
distrito eleitoral), pelo voto plural (mais de um voto numa mesma circunscrição ou distrito) e pelo voto
familiar (o eleitor pai de família dispõe de votos em função do número de membros do núcleo familiar).
142 É a regra inserta no artigo 14, § 1º, da CF/88. Por óbvio, quando falamos em não concretização dos
direitos políticos do adolescente internado, é justamente daqueles que atendem os requisitos exigidos para
seu alistamento, isto é, daqueles que atendem a alistabilidade.
97
O voto143
, como dito alhures, no entanto, não tem o mesmo sentido que
sufrágio. Voto é o meio pelo qual se exerce o direito de sufrágio; instrumento
pelo qual se exprime a vontade de eleger algum candidato ou deliberar sobre
algo; é a manifestação do sufrágio no plano prático.
Ademais, cumpre ressaltar que a natureza jurídica do voto é justamente
de um direito. Aliás, direito público e subjetivo. Tem o indivíduo o direito de
emissão do ato, sob pena de transformarmos o direito de sufrágio em algo
meramente abstrato e sem sentido prático (lembre-se que é justamente o voto
que dá praticidade à aplicação ao direito de sufrágio).
Entretanto, não se pode negar que o voto é, ainda, tanto uma função
quanto um dever. É uma função social da soberania popular e um dever
político, vez que traduz o instrumento de atuação da soberania e, ainda, a
maneira com que o indivíduo irá representar seus pares, isto é, o voto é
indispensável para se chegar a quem será o representante do povo.
Tal exercício, por óbvio, se dá de forma livre, podendo o eleitor
escolher quem ele quiser. Esta liberdade não gera qualquer tipo de
incompatibilidade com a obrigatoriedade do voto, vez que a obrigatoriedade
apenas diz respeito à necessidade de comparecimento do eleitor e não quanto
à eventual necessidade de, efetivamente, votar144145
.
Podemos, também, apontar alguns caracteres do voto, garantidores dos
atributos (eficácia, sinceridade e autenticidade), expressados pela
personalidade do voto e pela liberdade de voto.
143 Voto, no latim, tem o significado de oferenda, promessa.
144 Tanto é verdade tal assertiva que existe o voto em branco e o voto nulo. Portanto, a obrigação é de
comparecimento; sendo livre a opção quanto à concretude do voto!
145 “A rigor, o chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu dever jurídico, sem
cumprir o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular,
que lhe incumbia naquele ato” (...) “Por isso é que também dissemos que, a rigor, o voto branco, o voto
vazio, ou o voto nulo não são votos, porque não têm eficácia política”. Conforme SILVA, José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 358 e 359.
98
A personalidade significa que o eleitor deverá estar presente e votar ele
próprio, não se admitindo voto por correspondência e nem por procuração. A
personalidade garante os atributos da sinceridade e da autenticidade.
A liberdade, como dito linhas atrás, significa a faculdade do eleitor em
expressar seu voto como quiser. Ela garante, além da autenticidade, o atributo
da eficácia.
Por oportuno, podemos afirmar que o voto pode ser secreto ou público,
bem como direto ou indireto. Então vejamos.
O segredo146
do voto consiste no fato do mesmo não ser revelado, até
mesmo pelo autor. Aliás, no momento da votação o sigilo deve ser
preservado, sendo obrigação dos membros da mesa receptora não só oferecer
condições para que o eleitor tenha respeitado o seu direito subjetivo ao sigilo
da votação, mas também impedir que o próprio eleitor o descumpra147
.
Por sua vez, diz-se direto o voto quando os eleitores escolhem, por si,
sem intermediários, seus representantes; sendo indireto quando a escolha é
feita por delegados dos eleitores. Na verdade, a característica de “direto”
prende-se mais ao sufrágio (direito de escolha), isto é, as eleições é que
seriam diretas ou indiretas. Porém, estando o voto atrelado ao sufrágio, ou
seja, sendo ele o exercício do sufrágio, pode-se dizer que o voto é direto ou
indireto148
.
Por derradeiro, devemos deixar patente que é vedada a cassação dos
direitos políticos; previsão, inclusive de índole constitucional (art. 15, CF/88),
excepcionada, como se verá adiante, pelos casos de perda (restrição
146 O artigo 14, da Magna Carta, expressamente prevê que o voto deva ser secreto.
147 O segredo do voto é uma garantia constitucional de eleições livres e honestas, evitando a intimidação e o
suborno, suprimindo na raiz eventual corrupção eleitoral. Idem, ibidem, p. 360.
148 A Constituição Federal de 1988, também em seu artigo 14, é categórica em afirmar que o voto é direto,
ressalvada a hipótese de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, nos últimos dois
anos do mandato presidencial, caso em que o Congresso Nacional elegerá os representantes.
99
definitiva) ou suspensão (restrição temporária), situações em que a cidadania
não será exercitada.
3.1.1 Capacidade Eleitoral Ativa
A capacidade eleitoral ativa, conforme já ficou assente em linhas atrás,
é justamente o exercício do direito de sufrágio, ou seja, é o direito de votar.
É exatamente neste ponto que, diante de uma interpretação sistemática
dos dispositivos constitucionais e da noção de dignidade humana e Social
Estado Democrático de Direito, a situação dos internados merece uma atenção
especial, vez que se encontram esquecidos, abandonados, no interior das
unidades de internação.
Ora, a partir do momento que se retira este direito do indivíduo, se
retira do mesmo, também, o valor mais significativo da democracia, qual seja
a participação popular na condução política do Estado.
Por conseguinte, surge o não cidadão, figura incompatível com a
própria cidadania.
Inadmissível149
, pois, diante do ordenamento jurídico pátrio, aceitar esta
omissão existente no cumprimento da medida socioeducativa de internação
consistente na não efetivação da capacidade política ativa do adolescente
internado, mormente quando inexistente qualquer previsão legal (seja
constitucional ou infraconstitucional) que permita tal restrição política.
Considerar supramencionado desrespeito legítimo é desprezar a
dignidade humana e desconsiderar todos os fundamentos informadores do
atual Social Estado Democrático de Direito, inclusive com a aceitação de uma
149 Pela não mantença da democracia, enquanto não viabilizadora da participação popular na decisão política
do Estado.
100
sanção carente de ressocialização, isto é, uma sanção com fins diversos
àqueles decorrentes da sua própria evolução.
A efetivação do voto, entretanto, requer o atendimento a algumas
condições, que, se preenchidas, farão do indivíduo um cidadão ativo, isto é,
farão surgir o eleitor.
Assim, para se tornar um eleitor é necessário150
: a) alistamento eleitoral
(título de eleitor); b) nacionalidade brasileira; c) idade mínima de 16 anos e;
d) não ser conscrito151
durante o serviço militar obrigatório.
3.1.2 Capacidade Eleitoral Passiva
Enquanto a capacidade eleitoral ativa diz respeito ao direito de votar, a
capacidade eleitoral passiva está vinculada ao direito de ser votado.
A capacidade eleitoral passiva é a possibilidade de eleger-se. É a
permissibilidade de concorrer a um mandato eletivo, ou seja, é a qualidade
que o indivíduo adquire e que permite ao mesmo receber, validamente no
processo eleitoral, votos.
Referida capacidade, assim como a capacidade eleitoral ativa, depende
de requisitos. Tais requisitos, conforme se verá a seguir, são o preenchimento
das condições de elegibilidade e o não enquadramento nos impedimentos
(direitos políticos negativos)152
.
150 Artigo 14, da Constituição Federal de 1988.
151 Conscritos são os recrutados para o serviço militar obrigatório. Em caso de vínculo permanente com o
serviço militar perdem esta qualidade e passam a ser obrigados a se alistarem como eleitores.
152 Alocamos de forma separada tais condições (item 3.1.2.1) e impedimentos (item 3.2) apenas por questões
didáticas, vez que ambos dizem respeito à elegibilidade. Da mesma forma fizemos com os casos de privação
(perda e suspensão) dos direitos políticos (item 3.3).
101
3.1.2.1 Condições de Elegibilidade
Como vimos, elegibilidade é o direito de postular a designação pelos
eleitores a um mandato político. Assim, as condições de elegibilidade nada
mais são que requisitos gerais a serem preenchidos.
Enquanto a alistabilidade diz respeito à capacidade eleitoral ativa (ser
eleitor), a elegibilidade se coaduna com a capacidade eleitoral passiva (ser
eleito).
Tais requisitos estão contidos no artigo 14, parágrafo 3º, da Carta da
República, e são eles: a) nacionalidade brasileira153
; b) pleno exercício dos
direitos políticos; c) alistamento eleitoral154
; d) domicílio eleitoral na
circunscrição; e) filiação partidária e; f) idade mínima de acordo com o cargo
ao qual se candidata155
3.2 Direitos Políticos Negativos
Direitos políticos negativos são determinações que impedem a
participação do indivíduo no processo eleitoral e/ou nos órgãos
governamentais, ou seja, negam ao cidadão o direito de eleger ou de ser
eleito.
153 Para o cargo de Presidente e Vice-Presidente da República, aliás, só se admite a condição de brasileiro
nato.
154 Para se ter o “pleno exercício” dos direitos políticos é necessário o alistamento eleitoral, de sorte que este
requisito já consta no item anterior.
155 A idade mínima exigida é: 35 anos, para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 anos,
para Governador e Vice-Governador; 21 anos, para Deputado, Prefeito e Vice-Prefeito e juiz de paz e; 18
anos, para Vereador. Portanto, plenamente possível um adolescente internado preencher o requisito da idade
atinente à alistabilidade e, também, o requisito atinente à elegibilidade.
102
Restringem, como se percebe, tanto a capacidade eleitoral ativa (votar)
quanto à passiva (ser eleito).
Portanto, os direitos políticos negativos abrangem as inelegibilidades e
as privações dos direitos políticos.
É de suma importância mencionar, como assevera Silva156
, que a
interpretação quanto às regras de privação dos direitos políticos e/ou as
inelegibilidades deve ocorrer de forma restritiva.
É que segundo o autor, o “princípio que prevalece é o da plenitude do
gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado”157
, sendo estas
limitações exceção a referido princípio.
É clarividente, desta feita, o que já foi demonstrado quando da análise
do tema atinente à humanização da pena158
, que a não concretização da
capacidade eleitoral ativa (direito de votar) do adolescente internado não se
compatibiliza com o pleno gozo dos direitos políticos.
Omissão que se mostra extremamente ilegal diante da ausência de
qualquer preceito constitucional ou infraconstitucional autorizador de referido
efeito (não concretude do direito de votar) eventualmente oriundo da simples
sentença impositiva de medida socioeducativa159
.
Cumpre esclarecer, antes de tratarmos de cada limitação, quais sejam
inelegibilidades (absolutas e relativas) e privações, que aquelas
(inelegibilidades) não se confundem com inalistabilidade e nem com
incompatibilidade.
156 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 382.
157 Ibidem.
158 Forçoso, ainda, reconhecer a supremacia da dignidade humana em face de qualquer outro direito
fundamental.
159 Alertamos, mais uma vez, que sentença impositiva de medida socioeducativa não pode ser equiparada à
sentença penal condenatória.
103
Inelegibilidade, como visto, é impedimento à capacidade eleitoral
passiva (ser votado); inalistabilidade é impedimento à capacidade eleitoral
ativa (votar) e; incompatibilidade é impedimento ao exercício do mandato
depois de eleito.
Referidas inelegibilidades podem ser absolutas e relativas.
As absolutas são consideradas para qualquer cargo; são taxativamente
previstas na Constituição Federal e; dizem respeito a certas características das
pessoas (o inalistável e o analfabeto).
Já as relativas dizem respeito a apenas alguns mandatos, isto é, dizem
respeito a certos cargos em virtude de situação peculiar do cidadão, em
determinado pleito eleitoral160
.
Vejamos, pois, cada uma isoladamente.
3.2.1 Inelegibilidades Absolutas
Estas inelegibilidades estão previstas no artigo 14, parágrafo 4º, da
Constituição Federal e, como se viu, dizem respeito ao não exercício da
capacidade eleitoral passiva para qualquer cargo.
Elas se identificam com os inalistáveis e com os analfabetos.
Inalistáveis, como acima descrito, são os estrangeiros e os conscritos.
Os analfabetos, por sua vez, apesar de terem direito à alistabilidade
(votar), também não possuem capacidade eleitoral passiva, isto é, não podem
ser eleitos.
160 Registre que a própria Constituição Federal autorizou, desde que mediante lei complementar, a criação de
outros casos de inelegibilidade, conforme se verifica em seu artigo 14, § 9º. Este dispositivo, aliás, elenca os
objetos das inelegibilidades, quais sejam a proteção: da probidade administrativa; da moralidade para o
exercício de mandato e; da normalidade e legitimidade das eleições.
104
3.2.2 Inelegibilidades Relativas
As inelegibilidades relativas, por sua vez, estão previstas no artigo 14,
parágrafos 5º ao 8º, da Constituição Federal, e, como dito alhures, dizem
respeito ao não exercício da capacidade eleitoral passiva para determinado
cargo.
Estas inelegibilidades podem ser decorrentes: da função exercida; do
parentesco; da condição de militar do candidato e; de previsão em lei
complementar.
Passemos, então, a cada uma delas.
a) Em Razão da Função
As inelegibilidades por motivos funcionais dizem respeito ao exercício
de um terceiro mandato sucessivo e/ou à impossibilidade de se concorrer a
outros cargos.
A primeira limitação veda o exercício do terceiro mandato sucessivo
por parte dos Chefes do Executivo ou quem os houver sucedido ou substituído
no curso do mandato, ou seja, só pode haver uma reeleição para um único
período subseqüente.
Já a impossibilidade de se concorrer a outros cargos161
, também
atinente aos Chefes do Executivo, é no sentido de que a norma constitucional
exige a renúncia dos respectivos mandatos 06 (seis) meses antes do pleito.
b) Em Razão do Parentesco
Esta inelegibilidade, pertinente ao território da circunscrição do titular
do cargo, vincula-se aos Chefes do Executivo e/ou quem os tenha substituído.
161 A expressão “outros cargos” diz respeito a cargos diversos, distintos, diferentes, não englobando, dessarte,
a reeleição para o mesmo cargo.
105
São inelegíveis, pois, em razão do parentesco, o cônjuge e os parentes
consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção.
Tal regra é excepcionada em caso do parente já ser titular de mandato
eletivo e ser candidato à reeleição.
c) Dos Militares
Sendo o militar alistável (vínculo permanente com o serviço militar),
pode ser também elegível, desde que cumpra algumas obrigações.
Se contar menos de 10 (dez) anos de serviço, deverá afastar-se da
atividade.
Caso o tempo de serviço seja superior a 10 (dez) anos, será agregado
pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da
diplomação, para a inatividade.
d) Previstas em Lei Complementar
Por fim, existem as inelegibilidades relativas decorrentes de lei
complementar.
Por não ser nosso objetivo tratar neste trabalho, de forma minuciosa,
acerca das inelegibilidades, o que com certeza daria ensejo a uma obra
específica a respeito do tema, apenas alertamos ao leitor quanto a já existência
de legislação própria no ordenamento jurídico pátrio.
Tais previsões estão contidas na Lei Complementar nº 64, de 18 de
maio de 1990, que, de acordo com o art. 14, § 9º, da Constituição Federal,
estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras
providências.
3.3 Privação dos Direitos Políticos
106
A privação dos direitos políticos, conforme ficou assente linhas atrás,
compõe, em conjunto com as inelegibilidades, os Direitos Políticos
Negativos.
Como ressaltamos, apenas por questões didáticas é que se preferiu
tratar de cada um (inelegibilidades e privação dos direitos políticos)
isoladamente.
Ademais, é exatamente na não efetivação dos direitos políticos do
adolescente submetido à medida socioeducativa de internação, em especial a
não concretude de sua capacidade eleitoral ativa (do direito de votar), que se
verifica o impedimento à ressocialização, o descaso do Poder Público com
aquele cujo dever de Proteção Integral também lhe diz respeito.
É justamente este o objetivo de nosso trabalho: demonstrar que a
efetivação da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado em
decorrência de sanção oriunda da prática de ato infracional, não apenas se
compatibiliza com o pleno exercício dos direitos políticos dos indivíduos,
fruto da Democracia e da Soberania Popular, isto é, do próprio Social Estado
Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, mas também é o
instrumento gerador de interesse político e, por conseguinte, viabilizador da
ressocialização.
Por isso, em face desta violação, se propôs uma correta interpretação da
norma constitucional.
Interpretação que deve ser, quanto à limitação política do internado,
restritiva, vez que nenhum dispositivo constitucional autoriza uma limitação
dos direitos políticos diante de sentença impositiva de medida socioeducativa.
Dessarte, inadmissível um efeito (no caso o decorrente de imposição de
medida socioeducativa) que sequer possui previsão legal, mormente quando
se tem assente que a medida socioeducativa, embora sanção de natureza
penal, não é (e nem pode ser ) considerada pena (a exemplo do que também
ocorre com a medida de segurança).
107
Talvez, e aí necessária uma análise também acautelada acerca do tema,
admissível a suspensão da capacidade eleitoral passiva (ser votado, eleito)
para os indivíduos nesta situação, qual seja internado, pela possível
incompatibilidade material e, ainda, pela própria vinculação da
representatividade à sua legitimação162
.
É que a posição do indivíduo para o exercício da representatividade, ou
seja, a condição de ocupante de cargo público eletivo possui um nível de
atuação diretamente atrelado à legitimidade da representação, isto é, à própria
concepção de democracia.
Assim, talvez não haveria legitimidade, não apenas pela moralidade em
si, mas pela própria noção de soberania popular, o adolescente internado, isto
é, talvez não teria ele legitimidade para “falar em nome de todos”.
A diferença entre um, adolescente internado não poder votar, e outro,
adolescente internado não poder ser eleito, é tênue, mas existe.
Tal posição, repita-se, demandaria uma análise acautelada sobre o tema
e seria decorrente, neste momento, de uma mutação constitucional, vez que,
como sempre enfatizado, não há norma expressa para qualquer restrição a
direito político quando da imposição de medida socioeducativa.
Apesar de tudo o que já foi exposto (ser evidente a violação a direito
político fundamental), o fato é que parece correta e normal a não
concretização dos direitos políticos do adolescente internado por imposição
de medida socioeducativa de internação. Parece ser ainda comum tratar o
internado como mero infrator!
162 A propósito, veja-se a recente promulgação da chamada “Lei da Ficha Limpa”. Lei Complementar nº 135,
de 04 de junho de 2010, que altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de
acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e
determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade
administrativa e a moralidade no exercício do mandato.
108
E mais... A Magna Carta é de 1988163
e até agora não se tem respeitado
este fundamental direito individual atinente aos direitos políticos.
Por isso necessária, sim, correta interpretação do texto constitucional,
sob pena de nunca haver a concretização do direito do adolescente internado
votar.
Do contrário, não seria necessário todo este trabalho expositivo para se
concluir que a regra constitucional atinente à Proteção Integral, de cunho
principiológico, deve ser sempre buscada e concretizada e que qualquer
omissão quanto à efetivação da capacidade eleitoral ativa do internado deve
ser afastada, merecendo, sempre, uma interpretação de forma restritiva
(apenas sentença penal condenatória transitada em julgado pode gerar
qualquer efeito limitador da suspensão dos direitos políticos).
Assim, diante do Social Estado Democrático de Direito e da Dignidade
da Pessoa Humana, é de extrema necessidade esta interpretação
constitucional, sob pena, inclusive, de surgimento e aplicação de norma
constitucional inconstitucional.
Vejamos, por conseguinte, os casos de perda e suspensão dos direitos
políticos, bem como sua reaquisição, lembrando que é impossível a cassação
dos direitos políticos164165
.
Ficará assente, dessarte, que é impossível qualquer limitação ao direito
de votar do adolescente internado; melhor dizendo, se verá que é justamente
com a efetivação do direito de votar que se restabelecerá a qualidade de
163 Com 22 (vinte e dois) anos em 2010!
164 Lembramos o leitor, mais uma vez, que apenas apontaremos as previsões legais sem, no entanto, muito
detalhar o tema, pois não é objetivo do presente trabalho a abordagem minuciosa numa visão eleitoral.
Todavia, se faz necessário o enfrentamento do tema pela conexão direta com o objetivo proposto, que, como
sempre enfatizado, é apontar o voto como instrumento da ressocialização do internado em face de medida
socioeducativa.
165 Quanto aos casos de suspensão e perda dos direitos políticos, bem como sua reaquisição, adotaremos a
posição apontada por SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2009. p. 382-388.
109
cidadão, preservando-se a dignidade humana e o próprio Estado Democrático,
e permitindo-se a ressocialização daquele indivíduo que teve sua liberdade
cerceada por ter praticado ato infracional.
3.3.1 Perda (art. 15, I e IV e 12, § 4º, II)
Os casos de perda dos direitos políticos são considerados limitações
definitivas, assim entendidas aquelas que não dependem de mero decurso de
prazo ou não possuem prevista a cessação166
, ou seja, a recuperação não se dá
de forma automática.
Desta feita, são casos de perda dos direitos políticos: a) o cancelamento
da naturalização por sentença transitada em julgado; b) a recusa de cumprir
obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do artigo 5º,
VIII, da CF e; c) perda da nacionalidade brasileira em virtude de aquisição de
outra.
O primeiro caso, cancelamento de naturalização, é decorrência lógica
da condição pessoal do indivíduo, que volta a ser estrangeiro. E como tal
(estrangeiro), não pode mais se alistar como eleitor e nem eleger-se, pois
perde a nacionalidade (arts. 14, § 2º e 14, § 3º, I, ambos da CF/88).
Já a segunda hipótese, escusa de consciência e não cumprimento de
prestação alternativa, a regra contida no artigo 15, inciso IV, da CF/88, deve
ser compatibilizada com o direito de recusa, previsto no artigo 5º, inciso VIII,
também da Magna Carta, ou seja, a perda do direito político só ocorre se,
valendo-se da escusa de consciência, o indivíduo se recusa, também, a
cumprir a obrigação alternativa prevista em lei. Pelo simples uso de um
166 Por isso incluímos como suspensão (e não perda) a hipótese de escusa de consciência, com a recusa de
cumprimento de prestação alternativa (art. 15, IV cc art. 5º, VIII, ambos da CF/88).
110
direito (escusa de consciência) não pode o cidadão ter seus direitos políticos
limitados167
.
Por fim, a terceira situação, perda da nacionalidade pela aquisição de
outra, apesar de não estar contida expressamente no artigo 15, da Carta
Política, decorre da conseqüência advinda de tal situação e do contido no
artigo 12, § 4º, do Diploma Constitucional. Assim como acontece no caso de
cancelamento de naturalização, o indivíduo passa a ser estrangeiro, perdendo,
como tal, a nacionalidade brasileira. Ora, sem a nacionalidade brasileira se
torna inalistável e sem o alistamento eleitoral se torna inelegível; perde-se,
pois, os direitos políticos antes existentes.
3.3.2 Suspensão (art. 15, II, III e V, CF; art. 12, § 1º, CF, cc Dec. nº
70.436/72 e Dec. 3.927/01 e; art. 55, II e § 1º, CF cc art. 1º, I, “b”, LC nº
64/90)
As suspensões dos direitos políticos, por sua vez, são consideradas
limitações temporárias, pois atreladas ao mero decurso de prazo, sendo sua
recuperação automática.
Os casos de suspensão são: a) incapacidade civil absoluta; b)
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos168
;
c) improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º, CF/88; d)
exercício de direitos políticos por meio da cláusula de reciprocidade do artigo
167 É de bom alvitre mencionar que no tocante à prestação alternativa em caso de recusa de cumprimento do
serviço militar obrigatório, a Lei nº 8.239, de 04 de outubro de 1991, regulamentou a matéria.
168 A propósito, veja o que preceitua o verbete sumular nº 9, do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral: “A
suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o
cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”.
111
12, § 1º, da CF/88 e; e) incompatibilidade por quebra de decoro parlamentar,
com fulcro no artigo 55, inciso II e § 1º, da CF/88.
A incapacidade civil absoluta importará em suspensão dos direitos
políticos apenas em decorrência da decretação da interdição do incapaz, ou
seja, só haverá a suspensão dos direitos políticos existentes após ação judicial
que decrete a interdição do indivíduo.
Quanto à suspensão dos direitos políticos em face de condenação
criminal transitada em julgado, cumpre mencionar que a admitimos tão
somente no que diz respeito à capacidade eleitoral passiva, ou seja, deve a
sentença penal condenatória deixar evidente, até mesmo por ser efeito não
automático, que apenas parte dos direitos políticos são atingidos, quais sejam
os atinentes à capacidade de se tornar eleitor (e por conseguinte,
eventualmente ser eleito).
Não nos parece ser constitucional a limitação aplicada de forma
genérica, ou seja, não nos parece atender aos anseios constitucionais,
insculpidos na democracia e soberania popular, quando se decreta a suspensão
“dos direitos políticos” enquanto durarem os efeitos da sentença penal
condenatória. Cremos tratar de efeito atentatório à própria dignidade da
pessoa humana, fazendo surgir a figura de um não cidadão.
Entretanto, este posicionamento, até mesmo pela existência de norma
constitucional, ainda que genérica e limitadora de direito fundamental, merece
ainda uma análise mais detalhada, sendo certo que apenas recentemente se
conseguiu assegurar (e mesmo assim não de forma ampla) ao preso provisório
seu direito de voto. Quanto ao preso definitivo, pois, há ainda enorme
resistência169
.
169 Tal posicionamento, ainda tímido, merece um estudo mais acautelado. Entretanto, apenas deixamos
consignado que em decorrência de uma Mutação Constitucional talvez referido efeito da sentença penal
condenatória possa vir a ser desmembrado, isto é, talvez possa surtir efeito tão apenas em relação à
capacidade eleitoral passiva, permanecendo os direitos atinentes à capacidade eleitoral ativa intactos.
112
Por sua vez, no que diz respeito à suspensão decorrente de improbidade
administrativa, deve ficar evidente que referida sanção só poderá surgir
mediante decisão judicial. Incabível a suspensão dos direitos políticos por
meio de processo administrativo. Como bem relembra Silva170
, a improbidade
administrativa não é sinônimo de imoralidade administrativa, sendo certo que
nem toda imoralidade pode gerar a suspensão dos direitos políticos.
Em relação à suspensão dos direitos políticos em face do exercício de
direitos políticos decorrentes da cláusula de reciprocidade, cumpre apenas
mencionar que é corolário da compatibilidade entre os direitos políticos e à
noção de nacionalidade e soberania.
A matéria, aliás, está discriminada no artigo 12, do Decreto nº 70.436,
de 18 de abril de 1972, que regulamenta a aquisição pelos portugueses, no
Brasil, dos direitos e obrigações previstos no Estatuto da Igualdade e da
outras providências (“O gozo dos direito políticos no Brasil importará em
suspensão do exercício dos mesmos direitos em Portugal”) e, ainda, no artigo
17.3, do Decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001, que promulga o
Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do
Brasil e a República Portuguesa, celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de
2000 (“O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na
suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade”).
Por fim, quanto ao último caso de suspensão, o oriundo de perda de
mandato por quebra de decoro parlamentar, o artigo 1º, inciso I, alínea “b”, da
Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, com a redação determinada
pela Lei Complementar nº 81, de 13 de abril de 1994, expressamente fez
previsão a este efeito.
Entretanto, reconhecemos que referido pensamento se mostra ainda impactante e alvo de resistência por parte
da maioria da doutrina e jurisprudência pátria.
170 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 385-386.
113
3.3.3 Reaquisição dos Direitos Políticos Perdidos ou Suspensos
A reaquisição dos direitos políticos perdidos ou suspensos se dá
conforme o caso, ou seja, uma vez que não se admite a cassação dos direitos
políticos é plenamente possível o restabelecimento dos mesmos, isto é, sua
recuperação.
Assim, em se tratando de perda, a reaquisição ocorrerá mediante ação
rescisória que restabeleça a condição de nacional brasileiro ou mediante o
cumprimento da obrigação alternativa.
Por sua vez, em se tratando de suspensão, a reaquisição se dará tão logo
cessarem os motivos que as ensejaram (suspensão). Assim, transcorrido certo
lapso de tempo ou finda a causa geradora da suspensão, a reaquisição, pois,
será automática.
Portanto, como se vê, em nada interfere nos direitos políticos o fato do
indivíduo estar cumprindo medida socioeducativa (ainda que de internação).
3.4 A Cidadania como Direito Fundamental e os Direitos Políticos
Fundamentais (participar do governo, votar e ser votado)
Encerrada a abordagem referente à concepção de Estado e ficando
patente que não basta mais a não intervenção do mesmo na vida privada, ou
seja, a idéia do Estado Liberal, devendo este preocupar-se em concretizar os
anseios sociais, mister a fixação de como o povo participará, efetivamente,
das decisões políticas, isto é, a partir de quando o indivíduo passará a ser
cidadão.
114
Necessária uma abordagem nesse sentido, pelo fato de que a partir da
cidadania é que se terá, de fato, uma atuação positiva e, por conseguinte,
respeitada a dignidade humana daquele submetido à medida socioeducativa
de internação.
Se não bastasse, é justamente diante da fundamentabilidade deste
direito que decorre, ainda, a obrigação de se ter uma interpretação restritiva
do texto constitucional (em relação a qualquer limitação aos direitos políticos)
e de se efetivar o Princípio da Proteção Integral, isto é, utilizar o voto como
instrumento para promover a ressocialização do internado.
Insuficiente, assim, a antiga concepção de que o Estado apenas não
deve interferir na vida privada, tornando-se inevitável a atuação do Estado em
ações positivas e, principalmente, aceitando a participação popular.
E tal instrumento, como se verificará a seguir, é justamente assegurar a
capacidade eleitoral ativa. Assegurar que o povo tenha seu direito
fundamental preservado, qual seja a cidadania.
Somente com a liberdade política, com a participação dos cidadãos nas
decisões políticas, é que teremos a concretude do Social Estado Democrático
de Direito.
Isso, como dito alhures, é decorrência lógica da própria soberania
popular, do fato de que todo poder emana do povo. Fato este, aliás,
diferenciador da evolução do Estado de Direito para o Estado Democrático
(mas também de Direito).
Não se justifica, pois, até mesmo diante do Princípio da Igualdade,
excluir o internado desta participação, fazendo “surgir uma nova plebe”171
,
171 A expressão plebe, aqui, remete ao sentido que possuía dentre as várias classes sociais da antiga
civilização romana, distinta da concepção de povo romano, que eram os verdadeiros cidadãos. Portanto, o
termo “surgir”, na verdade, tem uma conotação de restabelecer, trazer de volta. Mais detalhadamente, veja:
FUSTEL DE COULANGES, Nuna Denis. A cidade antiga. Trad. Jean Melville. 1ª ed., São Paulo: Martin
Claret, 2005, p. 259-263.
115
uma gama de indivíduos vivendo à margem da sociedade, impedida da
participação nas decisões políticas.
A própria etimologia da palavra “cidadania” mostra este necessário
atuar, este comportamento positivo.
Cidadania é decorrente da expressão romana “civitas”, que significa
cidade, reunião de cidadãos.
Por sua vez, a expressão “polis”, para o grego, tinha o sentido de
cidade. E quem participava das atividades políticas chamava-se “polites”. Os
romanos, assim, traduziram para “cives”, que eram os cidadãos das “civitas”.
A “polis”, contudo, possuía a assembléia de cidadãos, isto é, a “polita”.
Daí a expressão “política” ser derivada do “politikós”, que significa
tudo aquilo que se refere à cidade e, por conseguinte, que é civil, público ou
social.
Não havia no grego um termo específico que correspondesse à
expressão cidadão. A noção de política, pois, está atrelada à noção de homem
que participa da “polis”, como acontecia com o cidadão romano exercente dos
direitos políticos.
Por isso o fato de que não se torna mais possível, pois, conceber o
homem cidadão (titular dos direitos da cidadania) desvinculado do homem
que pertence à “polis”, isto é, que pratica a política.
A participação do homem cidadão na política, assim, não pode ser
afastada da idéia de democracia, da vida coletiva com decisões em
comunidade.
Fica mais fácil, inclusive, identificar um elemento do próprio Estado,
qual seja o povo, que nada mais é do que o conjunto de cidadãos. Não se
esquecendo, por óbvio, que é justamente a integração do indivíduo ao Estado
que lhe confere a qualidade de cidadão.
Cidadania, como se vê, requer a participação plena na sociedade, quer
de forma direta ou por intermédio de representantes.
116
Tamanha a importância da cidadania para a noção de Estado, que a
própria Carta Política de 1988, em seu artigo 1º, inciso II, a colocou como um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Tal fato se mostra relevante, vez que os fundamentos da República
Federativa do Brasil não são simples princípios. Possuem uma carga de
essencialidade.
Ora, esta carga de fundamentalidade fica evidente com a própria
escolha do Poder Constituinte, que numa análise valorativa apontou
expressamente estes princípios, em face da importância, como dignos de um
tratamento diferenciado e especial.
Não se pode, assim, pensar em efetivação do princípio democrático sem
observância dos fundamentos republicanos, mormente a cidadania, diante de
sua instrumentalidade para se concretizar, também, a dignidade da pessoa
humana.
A cidadania, desta feita, apenas será efetiva quando garantida a
participação do indivíduo no poder, isto é, quando lhe for assegurada a
condição de cidadão.
Inconcebível, desta feita, até mesmo pela noção de Social Estado
Democrático de Direito, concretizar a Cidadania desatrelada da própria
Soberania.
Os direitos políticos, como se vê, ganham com a cidadania a natureza
de direito fundamental, justamente por ser o instrumento que garante o
exercício da soberania. São os direitos políticos o poder de intervenção dos
cidadãos ativos no governo de seu país, o jus civitatis, isto é, os direitos
cívicos que proporcionam a participação efetiva na condução do Estado.
Uma participação, aliás, plena, compatível com a noção do Social
Estado Democrático de Direito, sendo certo, pois, que a cidadania não só cria
o poder, mas ainda fixa seus limites.
117
Neste diapasão é que se pode afirmar que a cidadania está intimamente
ligada à noção de direito fundamental, trazendo em si não apenas os direitos
políticos, mas também os direitos civis e os sociais, justamente pela
necessidade de intervenção do Estado, mas permitindo a intervenção do
indivíduo.
Não se pode, daí, afastar a noção de cidadania da noção de um direito
político fundamental. É que a cidadania faz parte dos valores básicos da
própria sociedade, sem se esquecer de que a dignidade humana é o cerne do
próprio desenvolvimento dos direitos fundamentais172
.
Dessarte, a cidadania não só é direito político, como também é direito
fundamental.
Impedir o exercício da cidadania plena, não se efetivando a capacidade
eleitoral ativa do internado (isto é, o direito de votar), é afastar o indivíduo da
sociedade e torná-lo um não cidadão, de sorte que a dignidade humana é
desrespeitada, ao mesmo tempo em que se afronta o próprio Social Estado
Democrático de Direito.
Clarividente, pois, aliás como já alhures exposto, que manter a forma
de cumprimento da medida socioeducativa de internação como se o internado
fosse mero infrator viola o próprio fim de ressocialização que a sanção deve
ter.173
172 Por isso não se pode perder de vista que não assegurar os direitos políticos positivos do adolescente
internado, por força da dignidade humana, faz nascer uma violação à cidadania e, por conseguinte, diante do
atual Social Estado Democrático de Direito, um desrespeito ao próprio ordenamento. Aliás, efeito inexistente
na sentença impositiva de medida socioeducativa de internação, que apesar de aparentemente normal e lógico
da própria segregação quando da execução da internação, tamanho o descaso do Poder Público em preservar
um direito que não é alvo de qualquer restrição, que vem impossibilitando a ressocialização dos internados
(praticamente abandonados no interior das unidades de internação por todo o Brasil).
173 A não concretização da capacidade eleitoral ativa do adolescente internado viola a ressocialização e a
dignidade humana; torna o indivíduo um não cidadão, violando, pois, a cidadania e; desta feita, viola o
próprio Social Estado Democrático de Direito.
118
Voltando ao tema da cidadania como direito político fundamental,
devemos deixar patente que a universalidade, aqui entendida como algo
inerente a todos indistintamente, é uma característica dos direitos
fundamentais.
E mais, não se justifica esta limitação sob o argumento de que esta
universalidade é restringida pelo princípio da igualdade, vez que a simples
condição de internado não pode ser fundamento idôneo da igualdade
substancial, a ponto de permitir tamanho tratamento diferenciado.
Especialmente quando esta diferenciação gera um desrespeito ao princípio da
dignidade humana e transforma o indivíduo em um não cidadão.
Ora, a igualdade material legitima sim diferenciações (tratamento
desigual daqueles em situação desigual), mas não autoriza limitações a ponto
de excluir o indivíduo da participação social, ou seja, a ponto de retirar do
mesmo a condição de cidadão, de permitir a violação da dignidade humana e
do próprio Social Estado Democrático de Direito.
Não se está, por óbvio, afirmando que apenas pelo fato de ser direito
fundamental não se pode restringir.
O que se quer deixar patente é que, justamente pelo fato de ser um
direito fundamental, deve eventual restrição não perder de vista outros
direitos também fundamentais.
Não encontra guarida, assim, qualquer restrição que viole a dignidade
humana, o que certamente se dá ao tornar o indivíduo um não cidadão, por
meio de seu abandono em unidades de internação, por meio da não efetivação
de sua capacidade eleitoral ativa, vez que o mesmo deixa de participar da
política do Estado (ainda mais pelo simples fato de ser internado).
O simples fato de existir norma na Magna Carta autorizando a
suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada
119
em julgado, enquanto durarem seus efeitos174
, não pode servir como
fundamento idôneo a legitimar, também, a eventual restrição da capacidade
eleitoral ativa do internado.
Primeiro, pelo simples fato de que a medida socioeducativa, além de
não ser pena, é aplicada mediante sentença impositiva de medida
socioeducativa (e não por sentença penal condenatória).
Segundo, pois não se admite, em se tratando de hermenêutica
constitucional, uma simples interpretação literal do dispositivo em comento
(Art. 15, inciso III, CF/88), com uma conseqüente extensão do sentido da
norma, ou seja, quando diante de limitação a direito fundamental não se
admite uma interpretação extensiva. Mister que sejam observados princípios e
métodos de interpretação específicos175
.
Ademais, a restrição de qualquer direito fundamental apenas se justifica
diante da preservação de outro direito de igual monta.
É vedado, como se vê, promover restrições de direitos que
proporcionam aniquilação de um direito subjetivo individual (e é inegável que
a participação do indivíduo na política do Estado se encaixa perfeitamente na
noção de direito subjetivo individual).
Neste diapasão, fácil perceber que a internação não aniquila, por si só, o
direito político. Contudo, não assegurar o direito de votar (a não concretude
da capacidade eleitoral ativa) impede a participação do homem na sociedade,
isto é, lhe retira a condição de cidadão. Aniquila, pois, direito fundamental.
Importante, desde já, deixar consignado que no tocante à seara da
restrição de direitos fundamentais, se exige o conflito de normas
constitucionais, sendo certo que a máxima efetividade dos direitos
174 Art. 15, inciso III, Constituição Federal de 1988.
175 Por isso cuidamos da Hermenêutica Constitucional em um capítulo próprio. A propósito, ver Capítulo 2,
supra.
120
fundamentais é a regra a ser seguida, visando sempre a mínima restrição dos
mesmos e a compatibilidade com o(s) outro(s) direito(s) em voga.
Assim, quando se proíbe votar não se está observando a “mínima
restrição”. Ao contrário, está se criando uma desigualdade nas oportunidades!
A restrição ao direito de votar do internado não respeita a igualdade
material; e sim a desrespeita, na medida em que, perante a lei, a igualdade
substancial não está proporcionando participação política de todos os
indivíduos.
Ora, justamente esta segregação da liberdade é que deveria ser
fundamento para ações afirmativas, no sentido de reinserção do indivíduo na
condução política do Estado, na participação efetiva na sociedade, isto é, de
uma efetiva cidadania.
Não se admite, desta feita, restrições, como por exemplo a não
efetivação do direito de votar, que sejam desnecessárias, inaptas ou
excessivas, devendo, sempre, haver uma relação de conciliação diante de um
caso concreto.
Por óbvio que a omissão quanto à viabilização do direito de votar não
justifica uma situação concreta de conflito com outro princípio fundamental,
ou seja, é clarividente tratar-se de restrição excessiva, ainda que se queira
justificar com a moralidade ou com a própria segregação física a que está
submetido o internado.
É que a moralidade na condução política esta intimamente ligada ao
exercício da representatividade, ao exercente do cargo e não ao direito de
escolha (direito estritamente individual).
121
É verdade que se quem escolhe tem moral176
, tal fato reforça a
legitimidade da representação. Mas a moralidade, por si só, não pode gerar
uma segregação social, uma exclusão da participação política.
Assim, afirmar que a restrição da capacidade eleitoral ativa do
adolescente internado está justificada pela moralidade é autorizar restrição
excessiva, em especial pela ofensa a dignidade humana e ao Social Estado
Democrático de Direito, que exigem uma cidadania ativa. Isso, sem falar no
fato de inexistir norma autorizadora de referido efeito!!!
Por sua vez, quanto à natureza de direito político fundamental que
possui a cidadania, cabe registrar que tamanha é a importância do voto para a
concretização do Social Estado Democrático de Direito, que foi ele (voto)
elevado à categoria de cláusula pétrea177
.
Ora, se torna imprescindível uma liberdade política, distinta e mais
ampla que a mera liberdade civil. Necessário que haja uma fusão entre
liberdade autonomia (liberdade civil) e liberdade participação (direitos
políticos)178
. Ou seja, uma conciliação entre liberdade, participação e
isonomia.
Torna-se possível, por conseguinte, a identificação dos Direitos
Políticos Fundamentais, dentre os quais os direitos de participar do governo,
de votar e de ser votado, pois, como se viu, apenas mediante a participação
efetiva do indivíduo é que se tem proclamada a cidadania, isto é, uma
cidadania ativa.
Os direitos políticos, como se vê, são aqueles formados pelo conjunto
de preceitos constitucionais que proporcionam ao cidadão sua participação na
176 E este “ter moral” também é algo altamente abstrato, pois aquilo que é moral para um pode não o ser para
outro, de sorte que não se consegue afastar o subjetivismo e, por óbvio, fixar critérios tais que certifiquem,
sem sombra de dúvida, um comportamento como sendo moral (ou não).
177 Cláusulas pétreas são limitações materiais ao poder constituinte derivado reformador.
178 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 6 v. tomo IV. 7ª ed. Coimbra: Coimbra Editora,
2003. p. 92.
122
vida pública do Estado; conjunto de direitos que conformam a intervenção
popular no exercício da soberania.
A simples leitura da Constituição Federal de 1988 mostra a importância
e a natureza jurídica dos direitos políticos (direito fundamental), vez que o
Capítulo IV (Dos Direitos Políticos) está inserido no Título II, ou seja, no
Título reservado aos Direitos e Garantias Fundamentais.
Ao tratar dos direitos políticos, Silva179
faz uma divisão: para ele há
uma noção ampla e uma noção restrita.
Para a noção ampla, os direitos políticos são o conjunto de normas que
regulam a atuação da soberania popular, isto é, o direito democrático de
participação do povo no governo, por intermédio de seus representantes,
exigindo a formação de um conjunto de normas legais permanentes.
Já a noção restrita, traz o conceito de direitos políticos como a
disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular, que se dá
por meio do voto, vez que seu núcleo fundamental consubstancia-se no direito
eleitoral de votar e ser votado. Daí que os direitos políticos podem ser
exercidos nas modalidades ativa (capacidade eleitoral ou cidadania) e passiva;
a primeira, o direito de votar e, a segunda, o direito de ser votado.
Tal divisão se mostra, além de conceitual, prática, vez que para ser
cidadão passivo (ser votado) é necessário ser cidadão ativo (poder votar), mas
o simples fato de ser cidadão ativo não é suficiente para gerar a qualidade de
cidadão passivo.
Daí que o ilustre constitucionalista180
faz outra distinção, a saber: os
direitos políticos podem ser positivos ou negativos.
179 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 344-347.
180 Ibidem.
123
Os direitos políticos positivos são os referentes às normas que
asseguram a participação no processo político eleitoral, votando ou sendo
votado.
Os direitos políticos negativos, por sua vez, são as normas que
impedem esta atuação (votar e ser votado), tendo seu núcleo nas
inelegibilidades.
A cidadania, assim, ficaria também dividida e referindo-se à capacidade
eleitoral. A cidadania ativa é o direito de escolher; a cidadania passiva é o
poder de ser escolhido.
Não se deve confundir, contudo, Cidadania com Nacionalidade. Esta
última é mais ampla e pré-requisito da primeira, ou seja, só pode ser cidadão o
nacional (ressalvada a regra inserta no artigo 12, parágrafo 1º, da CF/88,
atinente aos portugueses residentes no Brasil e em caso de eventual
reciprocidade de tratamento).
Cidadania traz em si a noção de participação na vida do Estado, da
vontade popular na condução política, isto é, de exercício de direitos políticos.
Por isso “conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único
do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como
base e meta essencial do regime democrático”181
.
É bem verdade que atualmente os termos cidadania e nacionalidade
estão bem definidos, mas o certo é que, por vezes, ainda se faz menção ao
conceito de cidadão “ativo”182
, para identificar o cidadão que, de fato, está no
uso e gozo do seus direitos políticos, ou seja, os eleitores, vez que, por
181 Idem, p. 104-105.
182 Pimenta Bueno, de acordo com o art. 90 da Constituição do Império, falava em cidadão ativo para
diferenciar do cidadão, em geral, que, então, se confundia com o nacional (arts. 6º e 7º). Cidadão ativo era o
titular dos direitos políticos, que a referida Constituição também concebia em sentido estrito (art. 91).
Conforme SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 345.
124
exemplo, os absolutamente incapazes, apesar de possuírem a nacionalidade,
não podem ter cidadania.
Portanto, cidadão é aquele exercente da própria cidadania ativa, ou seja,
aquele cidadão que participa do processo político do Estado por intermédio do
voto, após prévio alistamento eleitoral e atendimento de condições
objetivas183
.
Ora, é por isso que enquanto não assegurada a concretização do direito
de votar por parte daquele que esteja cumprindo medida socioeducativa de
internação não teremos respeitada sua qualidade de cidadão, não teremos
preservada sua condição de sujeito de direitos e, por certo, não propiciaremos
a eles a ressocialização a que têm direito. Nunca serão alvo de políticas
públicas enquanto não lhes for dada a oportunidade de influenciarem na
decisão do sufrágio eleitoral184
.
3.5. A resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral
A promulgação, pelo Tribunal Superior Eleitoral, da “Resolução nº
23.219/2010” vem de encontro ao que até agora defendemos, qual seja o fato
de que o voto, como direito fundamental que é, não pode ser suprimido diante
da imposição de medida socioeducativa de internação, sendo este, aliás, o
instrumento pelo qual se atingirá a ressocialização do internado, a medida que
será decisivo para o resultado do sufrágio.
183 Ressalte-se, por oportuno, que a condição de internado não pode ser suficiente para retirar do adolescente
a possibilidade de participação na vida política do Estado, ou seja, retirar do indivíduo a possibilidade de
votar. Do contrário, repita-se, estar-se-ia criando um não-cidadão, violando, por conseguinte, a dignidade
humana e o próprio Social Estado Democrático de Direito.
184 Oportunidade esta, repita-se, que nunca lhes foi retirada, sendo certo que apenas nunca houve
comprometimento estatal, interesse por parte da sociedade em se efetivar a Doutrina da Proteção Integral.
125
A segregação da liberdade, por si só, não é suficiente para restringir
significativo direito (voto) que, inclusive, é fundamento da Democracia,
enquanto identificador do cidadão.
E mais, “Resolução” que, na verdade, não seria necessária se houvesse
o comprometimento estatal em assegurar os preceitos constitucionais, isto é,
se os agentes públicos cumprissem os ditames do Social Estado Democrático
de Direito e os da Proteção Integral e viabilizassem o exercício de referido
direito.
Ocorre que o internado não é visto como sujeito de direitos, perdendo
sua qualidade de cidadão, de forma a receber tratamento como se fosse
simples objeto de sanção penal em decorrência da prática de ato infracional.
Como conseqüência, não há preocupação em promover o deslocamento
destes indivíduos até seções eleitorais próximas às unidades de internação;
pelo contrário, sempre há desculpas que o deslocamento coloca em risco a
segurança de toda a coletividade.
Entretanto, alguns apontamentos de cunho prático-teórico devem ser
abordados, especialmente o atinente à eficiência e legalidade da “Resolução”.
É que muito se discute acerca da forma com que a matéria foi tratada,
ou seja, se o ato (resolução) em si é apto a produzir os efeitos desejados ou se
não seria necessário a edição de Lei para fins de concretude dos direitos
políticos dos internados.
Somado a isso, não podemos esquecer que os Tribunais Eleitorais
(sejam os Regionais, quanto o Superior) praticamente legislam por intermédio
de Resoluções, o que por vezes extrapola a competência dos tribunais, muito
embora, por vezes, estas “resoluções” sejam de cunho meramente
administrativo.
Primeiramente, quanto a questão da legalidade da Resolução, ou seja,
quanto a forma de elaboração cremos que justamente pela necessidade de
126
concretude de direito fundamental, tal “resolução” é sim suficiente para
produzir efeitos.
Tal questionamento acerca da legalidade do ato produzido, a nosso ver,
é pelo fato do artigo 121, da Constituição Federal de 1988, exigir Lei
Complementar no que diz respeito à organização e competência dos tribunais,
dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
Ocorre que o Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965),
em face do fenômeno da recepção constitucional, incorporou-se no
ordenamento jurídico pátrio com tal carga valorativa, qual seja a de Lei
Complementar.
Assim, cabe a análise de alguns dispositivos do Código Eleitoral para
deixar evidente que a Resolução nº 23.219/2010, que determinou a criação de
seções eleitorais especiais em unidades de internação de adolescentes185
com,
no mínimo, 20 eleitores aptos a votar186
, não extrapola a competência do
Tribunal Superior Eleitoral.
Primeiramente, o Código Eleitoral, em seu artigo 23, inciso IX, é
categórico em fixar como competência do Tribunal Superior Eleitoral a
expedição de “instruções que julgar convenientes à execução deste Código”.
185 “Art. 1 Os Juízes Eleitorais, sob a coordenação dos Tribunais Regionais Eleitorais, criarão seções
eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes, a fim de que os
presos provisórios e os adolescentes internados tenham assegurado o direito de voto, observadas as normas
eleitorais e as normas específicas constantes desta resolução.
Parágrafo único. Para efeito desta resolução, consideram-se:
(...)
II – adolescentes internados os menores de 21 e os maiores de 16 anos submetidos à medida socioeducativa
de internação ou à internação provisória;
(...)
IV – unidades de internação todas as unidades onde haja adolescentes internados.”
186 “Art. 12. As seções eleitorais serão instaladas nos estabelecimentos penais e nas unidades de internação
com, no mínimo, 20 eleitores aptos a votar.”
127
Ademais, a “seções eleitorais”, mera divisão das zonas eleitorais cujo
objetivo é a aproximação do eleitorado aos locais de votação, são criadas pelo
próprio juiz eleitoral (artigo 35, inciso X, do Código Eleitoral), que por óbvio
obedece critérios fixados pela legislação eleitoral.
Por sua vez, ao tratar dos lugares de votação, o Código Eleitoral, em
seu artigo 136, é categórico em afirmar que “deverão ser instaladas seções nas
vilas e povoados, assim como nos estabelecimentos de internação coletiva,
inclusive para cegos e nos leprosários onde haja, pelo menos, 50 (cinqüenta)
eleitores”
Aparentemente, com a simples leitura do dispositivo acima transcrito se
conclui que somente se instala seções eleitorais com no mínimo cinqüenta
eleitores.
Tal afirmativa, entretanto, se mostra equivocada!
É que o Código Eleitoral possui um capítulo específico acerca das
Seções Eleitorais (artigos 117 e 118) e é justamente nele que encontramos o
permissivo autorizador do ato emanado pelo Tribunal Superior Eleitoral, por
intermédio da “Resolução” ora em comento.
O artigo 117 determina que “as seções eleitorais, organizadas à medida
em que forem sendo deferidos os pedidos de inscrição, não terão mais de 400
(quatrocentos) eleitores nas capitais e de 300 (trezentos) nas demais
localidades, nem menos de 50 (cinqüenta) eleitores”. (grifamos)
E continua em seu parágrafo primeiro, apontando que “em casos
excepcionais, devidamente justificados, o Tribunal Regional poderá autorizar
que sejam ultrapassados os índices previstos neste artigo desde que essa
providência venha facilitar o exercício do voto, aproximando o eleitor do
local designado para a votação”. (sem grifos originais)
Assim, é fácil perceber que a regra pode ser flexibilizada, ou seja, este
número de eleitores não é algo inalterável.
128
Fácil, também, perceber que o fim das seções eleitorais, como já dito
alhures, é simplesmente aproximar os eleitores do seu local de votação, de
forma a facilitar tal ato (a votação).
Não iremos questionar se o termo “ultrapassados os índices” se aplica
tão somente aos números máximos (400 ou 300) ou se poderíamos utilizar a
expressão, ainda, para o limite mínimo (50), muito embora a discussão, a
nosso ver, não seria resolvida de forma tão simples como parece, até mesmo
pelo fato de que “ultrapassar” tem o sentido de transpor, passar além, o que é
plenamente possível quando diante de limites mínimos ou negativos!
É que a solução da dúvida encontra resposta no contido no parágrafo
segundo do próprio artigo 117.
Neste dispositivo há determinação no sentido de que “se em seção
destinada aos cegos, o número de eleitores não alcançar o mínimo exigido
êste se completará com outros, ainda que não sejam cegos”. (grifos nossos)
Como se vê, justamente por se tratar de regra de inclusão, quis o
legislador que a criação da seção seja mantida, mesmo com número inferior a
cinqüenta eleitores, devendo o número ser alcançado mediante preenchimento
com eleitores que não esteja na situação vulnerável.
Portanto, ao determinar, mediante “Resolução”, que juízes criem seções
eleitorais em unidades de internação, nada mais fez o Tribunal Superior
Eleitoral que concretizar a possibilidade de exercício de direito fundamental,
de forma a preservar a dignidade do cidadão internado.
Por outro lado, já no que diz respeito à suficiência da “Resolução”,
cremos que esta também atendeu ao fim pretendido.
Não há como negar, por certo, que a carga valorativa de uma
“resolução” é inferior à carga valorativa de uma lei.
Ora, as “resoluções” são atos administrativos normativos expedidos
para disciplinar matéria específica, com objetivo notadamente explicativo,
129
normalmente em complementação a um regulamento ou regimento. Todos
eles, todavia, gerados em conformidade com a lei.
Entretanto, o fato de ser ato ordinariamente disciplinador de matéria já
regulada em lei, não retira a obrigatoriedade do cumprimento da “resolução”,
pelo contrário, torna a lei ainda mais clara na medida em que a especifica, a
complementa e/ou a explica.
Ademais, não se pode exigir, apenas sob o fundamento de que
determinado comportamento passou a ser obrigatório pela simples existência
de lei, que haja elaboração de lei para fins de regulamentar todo e qualquer
tipo de comportamento humano. Seria dar início a uma “inflação legislativa”.
Entretanto, apesar de teoricamente a necessidade de lei não ser exigida,
seja pelo fato de já haver norma constitucional ou pela existência de norma
infraconstitucional disciplinando a matéria, é fácil perceber que quando esta
existe (lei), de forma a regulamentar o exercício de direito assegurado por
outra espécie normativa, a concretude deste direito se dá de forma mais
efetiva.
Contudo, isso não significa dizer que a “resolução” não atingiu ao fim
pretendido; muito menos em afirmar que para o caso de efetivação do direito
de votar do adolescente internado seja necessária lei disciplinando a matéria.
Tal direito (votar), como sempre enfatizado, é direito fundamental com
previsão constitucional por meio de norma de eficácia plena e aplicabilidade
imediata, cujo conteúdo diz respeito à dignidade humana e fundamento
caracterizador do Social Estado Democrático de Direito.
Portanto, a “Resolução” nº 23.219/2010, emanada pelo Tribunal
Superior Eleitoral, não apenas foi expedida em conformidade com todo o
ordenamento jurídico pátrio, mas também gerou resultado prático significante,
qual seja obrigar o Poder Público a concretizar um direito de índole
constitucional que há tempos era deixado de lado.
130
Corrobora, neste diapasão, o que se tem demonstrado neste trabalho, ou
seja, o voto é o instrumento de ressocialização do adolescente internado, que
deve ser tratado como cidadão e ter mantida sua dignidade humana, que, aliás,
nunca havia perdido pelo fato de ser autor de ato infracional e de pessoa em
cumprimento de medidade socioeducativa.
3.6 Corrupção Eleitoral e a Medida Socioeducativa de Internação
A necessidade de um tratamento quanto à corrupção eleitoral, aqui
compreendida a expressão num sentido amplo, ou seja, abrangendo tanto o
crime de corrupção eleitoral, previsto no artigo 299, do Código Eleitoral187
,
quanto à captação irregular de sufrágio, infração administrativa prevista no
artigo 41-A, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, se dá em decorrência
da especial condição em que se encontra o eleitor, qual seja internado em
decorrência de medida socioeducativa.
Assim, se não bastasse a pouca educação destas pessoas, o que por si só
já os tornam sujeitos passivos com maior probabilidade de não suportarem os
“atrativos” oferecidos pelos candidatos, o fato é que se encontram segregadas,
potencializando a fragilidade de resistência e, talvez ainda, facilitando com
que a “informação” (no caso a má informação) se propague de maneira muito
mais rápida entre os eleitores, justamente por estarem confinados em um
mesmo espaço físico.
Portanto, compatibilizar o direito de informação188
, seja do candidato
quando da apresentação de suas propostas ou do próprio eleitor internado
187 Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.
188 Neste sentido, aliás, existe determinação expressa na Resolução nº 23.219/2010. “Art. 20. Competirá ao
Juiz Eleitoral definir com o diretor do estabelecimento ou da unidade de internação a forma de veiculação da
131
quando do conhecimento de quem são seus representantes, com a própria
garantia de um efetivo exercício de direito político fundamental, requer um
tratamento penal.
Tratamento penal, aliás, decorrente da própria determinação da
Constituição Federal neste sentido189
, justamente pela violação aos alicerces
do próprio Social Estado Democrático de Direito190
.
Óbvio, contudo, que a simples criação de tipos penais e/ou o mero
aumento das penas dos crimes eleitorais não são suficientes para combater a
corrupção eleitoral. Deve haver um tratamento sistematizado, em diversas
esferas de atuação, inclusive no próprio processo eleitoral, para que, de fato,
haja uma moralidade na atuação política.
No entanto, não se valer dos instrumentos já existentes para combater a
corrupção eleitoral e a captação de sufrágio apenas facilita a continuidade
destas práticas corruptivas.
Passemos, então, a uma breve análise destas duas situações.
No tocante ao crime de corrupção eleitoral, o legislador preferiu
abordar o assunto em legislação própria, destacada do Código Penal, motivo
pelo qual o crime está previsto no Código Eleitoral, com peculiaridades
próprias.
Primeiramente, optou o legislador em abordar as corrupções ativa e
passiva em um mesmo artigo, diferentemente do que ocorre no Código Penal,
em que estão tratadas isoladamente (artigos 317 e 333, do Código Penal).
propaganda eleitoral no rádio e na televisão e o respectivo acesso aos eleitores, atendendo as recomendações
do Juiz Corregedor, ou do Juiz responsável pela execução penal ou pela medida socioeducativa.”
189 Estas determinações são chamadas de “mandados de criminalização”, isto é, determinados bens jurídicos
devem ser protegidos pelo legislador ordinário, não tendo ele (legislador) a faculdade de legislar e sim a
obrigatoriedade.
190 Saliente-se, todavia, que o combate a corrupção eleitoral é um mandado de criminalização implícito. A
propósito, para uma análise acerca dos mandados de criminalização, veja-se: PONTE, Antonio Carlos da.
Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 151-166.
132
Outra curiosidade é o preceito secundário previsto para o crime de
corrupção eleitoral, que apenas faz menção ao limite máximo da pena, sendo
omisso no que diz respeito à pena mínima191
.
É verdade que tal redação e técnica não se mostram as mais adequadas,
vez que poderia o legislador prever apenas a corrupção ativa, o que por si só
já inviabilizaria a corrupção passiva, e estabelecer o preceito secundário do
tipo penal com os patamares mínimo e máximo192
.
Entretanto, esta atecnia não impede o combate a tal prática criminosa.
Claro que seria melhor uma previsão de um preceito secundário isolado
para cada crime, inclusive ponderando-se a pena mínima de acordo com a
gravidade da infração e, ainda, fazendo-se previsões de causas de aumento de
pena ou qualificadoras, diante de circunstâncias fáticas que aumentassem o
risco de lesão ao bem jurídico tutelado193
.
Cremos, contudo, que, apesar de faltar uma sistematização da matéria
eleitoral atinente ao combate da corrupção eleitoral, valendo-se das normas
gerais do Código Penal194
é possível a fixação da pena, diante da
particularidade do crime ser cometido em estabelecimento de internação, de
modo a coibir a infração nestas circunstâncias.
191 “Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou
qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta
não seja aceita:
Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias multa.”
192 O fato de prever apenas o patamar máximo não significa que o crime não tenha uma pena mínima. O
artigo 284, do Código Eleitoral, contido no Capítulo I (Disposições Gerais), do Título IV (Disposições
Penais), é expresso em prever que “sempre que êste Código não indicar o grau mínimo, entende-se que será
ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão”.
193 Não podemos perder de vista que as objetividades jurídicas são a liberdade de voto e a lisura do processo
eleitoral.
194 Aliás, o artigo 287 do Código Eleitoral determina esta aplicação: “Aplicam-se aos fatos incriminados
nesta lei as regras gerais do Código Penal.”
133
Desta feita, valendo-se das circunstâncias judiciais contidas no artigo
59, do Código Penal, em especial a personalidade do agente e os motivos,
circunstâncias e conseqüências do crime, deve o magistrado aplicar a pena de
modo a combater supramencionada infração penal.
Assim, diante dos antecedentes psíquicos que levaram o agente à
prática da infração; da circunstância de ter sido cometido em unidade de
internação e valendo-se da vulnerabilidade do sujeito direto da ação e; as
conseqüências do crime, que praticamente devasta a sociedade e viola o
próprio Estado Democrático de Direito, deve o magistrado fixar a pena base
de maneira a se aproximar do patamar máximo fixado abstratamente no
preceito secundário do tipo.
Já no que diz respeito à captação de sufrágio, a matéria está
disciplinada no artigo 41-A, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997195
, e
que, sem dúvida, é um instrumento eficaz no combate à mercancia eleitoral.
Assim como no crime de corrupção eleitoral, o objeto jurídico tutelado
é justamente o exercício incondicional, livre, do direito de votar, sendo
suficiente para a caracterização da infração a prática de qualquer dos núcleos
contidos no dispositivo legal.
195
“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta
Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou
vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura
até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do
diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
(Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)
§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a
evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a
pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.
(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data
da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”
134
Não se exige para a consumação da infração que haja, de fato, o
resultado pretendido, o que se vier a ocorrer será mero exaurimento da
mesma196
. Da mesma forma, não é necessária a participação direta do
candidato, sendo suficiente a participação de qualquer forma ou, então, seu
consentimento197
.
Para fins de apuração de referida infração, adota-se o procedimento
contido no artigo 22, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990198
,
que prevê regras específicas para tal fim199
, o que não se mostra mais
196 TSE, Resp nº 25.146, de 07.03.2006, rel. Min. Marco Aurélio.
197 TSE, Resp nº 21.264, de 02.09.2004, rel. Min. Carlos Velloso; Resp nº 21.792, de 15.09.2005, rel. Min.
Caputo Bastos e; Resp nº 19.566, de 06.06.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.
198 Afastou o legislador o procedimento contido no artigo 96, da própria lei nº 9.504/97.
199 “Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá
representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando
provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou
abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de
comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
I - o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial,
adotará as seguintes providências:
a) ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via
apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias,
ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível;
b) determinará que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e
do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente;
c) indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei
complementar;
II - no caso do Corregedor indeferir a reclamação ou representação, ou retardar-lhe a solução, poderá o
interessado renová-la perante o Tribunal, que resolverá dentro de 24 (vinte e quatro) horas;
III - o interessado, quando for atendido ou ocorrer demora, poderá levar o fato ao conhecimento do Tribunal
Superior Eleitoral, a fim de que sejam tomadas as providências necessárias;
IV - feita a notificação, a Secretaria do Tribunal juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao
representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou dar recibo;
V - findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em
uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis)
para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação;
135
adequado diante de princípios constitucionais penais, como o contraditório, da
ampla defesa e do devido processo legal. Nesse sentido, alerta Ponte
afirmando que “melhor seria a adoção do procedimento ditado pelo artigo 96
da Lei nº 9.504/97, mais célere e seguro”200
. (grifos nossos)
VI - nos 3 (três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio
ou a requerimento das partes;
VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas,
como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;
VIII - quando qualquer documento necessário à formação da prova se achar em poder de terceiro, inclusive
estabelecimento de crédito, oficial ou privado, o Corregedor poderá, ainda, no mesmo prazo, ordenar o
respectivo depósito ou requisitar cópias;
IX - se o terceiro, sem justa causa, não exibir o documento, ou não comparecer a juízo, o Juiz poderá expedir
contra ele mandado de prisão e instaurar processo s por crime de desobediência;
X - encerrado o prazo da dilação probatória, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar
alegações no prazo comum de 2 (dois) dias;
XI - terminado o prazo para alegações, os autos serão conclusos ao Corregedor, no dia imediato, para
apresentação de relatório conclusivo sobre o que houver sido apurado;
XII - o relatório do Corregedor, que será assentado em 3 (três) dias, e os autos da representação serão
encaminhados ao Tribunal competente, no dia imediato, com pedido de inclusão incontinenti do feito em
pauta, para julgamento na primeira sessão subseqüente;
XIII - no Tribunal, o Procurador-Geral ou Regional Eleitoral terá vista dos autos por 48 (quarenta e oito)
horas, para se pronunciar sobre as imputações e conclusões do Relatório;
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a
inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção
de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se
verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência
do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação,
determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar,
se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação
dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(...)
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado
da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar
nº 135, de 2010)
Parágrafo único. O recurso contra a diplomação, interposto pelo representante, não impede a atuação do
Ministério Público no mesmo sentido”
200 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 134.
136
Interessante questão acerca da captação de sufrágio diz respeito ao caso
de o beneficiário da conduta não ser eleito. É que nestas situações poderá
subsistir a sanção de imposição de multa, ficando prejudicada tão somente a
cassação do registro ou da diplomação. De qualquer forma, o fato é que a
ação não perde seu objeto, mostrando, assim, a eficiência de referido
procedimento201
.
Outra curiosidade que demonstra a eficiência do contido no artigo 41-
A, da Lei nº 9.504/97 é o fato de a decisão impositiva das sanções previstas
neste dispositivo não necessitarem de trânsito em julgado para serem
concretizadas202
, dando mostra, mais uma vez, da importância do bem jurídico
tutelado.
Entretanto, devemos alertar que o procedimento para fins de combate à
captação de sufrágio não autoriza, apesar de previsto na Lei Complementar
64/90, a inelegibilidade quando da condenação, vez que a norma do artigo 41-
A não é fruto de Lei Complementar. Por conseguinte, a “regra constitucional
que garante ao cidadão não sofrer nenhuma conseqüência de ordem penal,
cuja imposição dependa de juízo definitivo de culpabilidade, não pode ser
aplicada, em toda sua extensão, em matéria eleitoral, uma vez que ficaria
totalmente comprometida a eficácia das decisões eleitorais, caso houvesse que
se aguardar o trânsito em julgado, levando-se em conta a limitação temporal
dos mandatos eletivos”203
.
Finalmente, devemos mencionar que existe, ainda, a possibilidade de
recurso visando à desconstituição da diplomação, com fulcro no artigo 262,
201 TRE/GO – Ac. nº 113.011, de 01.10.2001, rel. Juiz Sílvio Mesquita.
202 TSE – Ac. 21.248, de 03.06.2003 – rel. Min. Fernando Neves – DJ 08.08.2003, p. 155; TSE – Agravo
Regimental em Medida Cautelar nº 970, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27.04.01, p. 236 e; Ac. 19.528,
de 13.12.2001 – rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 26.04.2002, p. 184.
203 TSE – Ac. 25.215 – Lagoa D‟Anta/RN, de 04.08.2005 – rel. Min. Caputo Bastos – DJ. V. 1, 09.09.2005,
p. 171.
137
inciso V, do Código Eleitoral, e de ação de impugnação de mandato eletivo,
nos termos do artigo 3º, da Lei 64/90.
Portanto, apesar de necessária a reforma sistemática da legislação penal
eleitoral, há mecanismos que, de imediato, podem combater a corrupção
eleitoral, quer na forma de crime de corrupção eleitoral, quer na forma de
captação irregular de sufrágio.
138
CONCLUSÕES
1. O Social Estado Democrático de Direito possui o cidadão como
elemento caracterizador essencial deste modelo de Estado.
2. A noção de cidadão traz em si uma participação, ou seja, um cidadão
ativo.
3. A doutrina da proteção integral é princípio constitucional, devendo,
pois, ser interpretada de forma compatível com a alta carga valorativa que
possui.
4. O adolescente é sujeito de direitos, não podendo mais ser visto como
mero objeto de obrigações.
5. A condição de sujeito em desenvolvimento é direito fundamental do
adolescente (e também da criança).
6. O fato do adolescente estar em conflito com a lei não lhe retira a
condição de sujeito em desenvolvimento.
7. A medida socioeducativa de internação, respeitados os
posicionamentos em sentido contrário, possui natureza de sanção penal.
8. A dignidade humana deve sempre ser preservada, ainda que durante
o cumprimento de medida socioeducativa de internação.
9. A medida socioeducativa de internação, ainda que necessária para a
proteção social, não pode provocar um isolamento do adolescente, isto é, não
pode transformá-lo em um não-cidadão.
10. O desrespeito da proteção integral no decorrer da internação faz
surgir uma sanção desumana.
11. O voto é direito político fundamental.
12. O exercício do direito de votar é o elemento caracterizador do
cidadão.
139
13. A condição de cidadão ativo é o elemento que torna o indivíduo,
inclusive o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de
internação, determinante no resultado do sufrágio.
14. Durante a internação não há qualquer restrição aos direitos políticos
fundamentais, inclusive ao direito de votar.
15. A possibilidade de influenciar no resultado do sufrágio desperta o
interesse público a esta parcela de eleitores (internados em decorrência de
medida socioeducativa).
16. Em face do poder decisório no resultado do sufrágio, o internado
será visto como sujeito de direitos merecedor de políticas públicas
compatíveis com a sua condição de sujeito em desenvolvimento.
17. Políticas públicas específicas àqueles em cumprimento de medida
socioeducativa de internação permitem a ressocialização.
18. A internação faz surgir a condição de vulnerabilidade, ficando o
adolescente exposto à corrupção eleitoral.
19. Apesar da necessária reforma sistemática da legislação penal
eleitoral, o ordenamento jurídico possui meios para combater a corrupção
eleitoral.
20. A aplicação de pena, valendo-se das regras gerais contidas no
Código Penal, em casos de crime de corrupção eleitoral (artigo 299, do
Código Eleitoral) e a sanção administrativa de cassação de registro de
candidatura ou da diplomação, em casos de captação irregular de sufrágio
(artigo 41-A, da lei nº 9.504/97), são mecanismos idôneos para assegurar a
lisura do processo eleitoral e o resultado do pleito.
21. A resolução nº 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral foi expedida
em conformidade com todo o ordenamento jurídico pátrio e, ainda, gerou
resultado prático significante, qual seja o de obrigar o Poder Público a
concretizar um direito de índole constitucional que há tempos era deixado de
lado.
140
22. Assegurar o direito de votar é medida exigida pelo Social Estado
Democrático de Direito, que preserva a condição de cidadão e mantém a
dignidade daqueles em cumprimento de medida socioeducativa de internação,
notoriamente reconhecidos como sujeitos em desenvolvimento e merecedores
de uma proteção integral.
23. O voto é, portanto, o instrumento da ressocialização no
cumprimento de medida socioeducativa de internação.
141
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