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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP David Budeus Franco Formação Cultural: arte e cultura convertidas em instrumentos da preparação para o trabalho Mestrado Educação: História, Política, Sociedade SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

David Budeus Franco

Formação Cultural: arte e cultura convertidas em instrumentos da

preparação para o trabalho

Mestrado – Educação: História, Política, Sociedade

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

David Budeus Franco

Formação Cultural: arte e cultura convertidas em instrumentos da

preparação para o trabalho

Mestrado – Educação: História, Política, Sociedade

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-

SP), como requisito parcial para a obtenção do título

de Mestre em Educação: História, Política, Sociedade,

sob orientação do Prof. Dr. Carlos Antônio

Giovinazzo Jr.

SÃO PAULO

2014

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Banca Examinadora:

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

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Agradecimentos

Certamente, uma infinidade de pessoas e situações é corresponsável pela

realização deste trabalho. Como já dizia João Cabral de Mello Neto “Um galo sozinho

não tece uma manhã:/ Ele sempre precisará de outros galos./ De um que apanhe esse

grito que ele/ e o lance a outro; de um outro galo”. Assim também foi a composição

desta pesquisa, feita por meio de vários “galos” que a tornaram possível.

Provavelmente, no entanto, poderei cometer injustiças, na medida em que à memória

me escapem pessoas. Portanto, desde já peço desculpas aos que aqui não estiverem

presentes. Sendo assim, agradeço:

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),

pela concessão de bolsa de estudos, sem a qual, dificilmente, seria possível a realização

deste projeto.

Às Professoras Drª Maria Cecília Sanches e Drª Helenice Ciampi que,

gentilmente, aceitaram o convite para a banca de qualificação desta dissertação,

contribuindo sobremaneira com sugestões para o desenvolvimento do presente trabalho.

Ao meu orientador, Dr. Carlos Antonio Giovinazzo Jr., pelas sugestões,

conversas, confiança e acurada avaliação de todas as fases deste trabalho, desde o

projeto inicial.

A todos os demais professores do Programa de Estudos Pós-graduados em

Educação: História, Política e Sociedade, pelas contribuições e debates realizados no

decorrer do período de realização deste trabalho.

Às escolas, especialmente aos membros da direção, que me receberam em suas

dependências, permitiram minhas visitas e cederam a documentação necessária para a

composição do presente estudo.

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Aos amigos e companheiros de jornada, desde o início, Cilene, Karen, Janaína,

Jussara e Neusely, com quem dividi angústias, descobertas e alegrias e que, certamente,

enriqueceram o trajeto. Além destes, também: Júlia, Raquel, Sandra e Silvia, por no

final do ciclo, compartilharem experiências e desafios naturais do processo de

desenvolvimento das atividades afeitas à pós-graduação.

À Betinha, pelo trabalho e atenção, já que em todas as ocasiões se mostrou

disponível para ajudar no que fosse necessário.

Aos meus queridos pais, Francisco e Erika, que com sua generosidade peculiar

souberam em todos os momentos, compreender e incentivar novos passos rumo à

conclusão de mais esta etapa.

Aos meus irmãos, Larissa e Lucas, por terem torcido em meu favor e destinado a

mim palavras de estímulo e confiança.

A todos os demais mestres, amigos e companheiros de todos os lugares em que

passei, pelos exemplos, conversas, alegrias, enfim, experiências que, em grande medida,

compõem o que sou.

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Eles tem códigos e decretos.

Eles tem prisões e fortalezas.

(sem contar seus reformatórios!)

Eles tem carcereiros e juízes

que fazem o que mandam por trinta dinheiros.

Sim, e para que?

Será que eles pensam que nós, como eles,

seremos destruídos?

Seu fim será breve e eles hão de notar

que nada poderá ajudá-los.

Eles têm jornais e impressoras

para nos combater e amordaçar.

(sem contar seus estadistas!)

Eles tem professores e sacerdotes

que fazem o que mandam por trinta dinheiros.

Sim, e para que?

Será que precisam a verdade temer?

Seu fim será breve e eles hão de notar

que nada poderá ajudá-los.

Eles tem tanques e canhões,

granadas e metralhadoras

(sem contar seus cassetetes!)

Eles tem policia e soldados,

que por pouco dinheiro estão prontos a tudo.

Sim, e para que?

Terão inimigos tão fortes?

Eles pensam que podem parar,

a sua queda, na queda, impedir.

Um dia, e será para breve

verão que nada poderá ajudá-los.

E de novo bem alto gritarão: Parem!

Pois nem dinheiro nem canhões

poderão mais salvá-los.

(Bertolt Brecht)

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS viii

RESUMO ix

ABSTRACT x

INTRODUÇÃO 12

Os Caminhos da Pesquisa 12

Capítulo 1 – Do ensino secundário à educação artística: esquadrinhando as

recomendações para a formação cultural no contexto do capitalismo tardio.

16

1.1 O Ensino Médio ante as reformas dos anos 1990 16

1.2 As predicações sobre a educação artística e o ensino de artes 21

Capítulo 2 – Modernidade, Escola e Formação Cultural. 33

2.1 A Escola e a Modernidade 34

2.2 A formação cultural (bildung) 40

2.3 Cultura, Formação e Indivíduo 46

2.4 Pseudoformação: a conversão da formação cultural em formação

técnica.

48

Capítulo 3 – Documentos, ações e expectativas das escolas diante dos

desafios surgidos na contemporaneidade.

55

3.1 Problema de Pesquisa 55

3.2 O método 56

3.3 As Escolas 58

3.4 Os Resultados Encontrados 60

3.4.1 Os documentos da Escola Estadual (Escola E) 61

3.4.2 Os documentos da Escola Privada (Escola P) 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87

ANEXOS 90

ANEXO 1: Matriz Curricular para o Ensino Médio 2012 Escola E 91

ANEXO 2: Matriz Curricular para o Ensino Médio 2012 Escola P 93

ANEXO 3: Portaria da SEE/MG que confere à Escola P a possibilidade de

ministrar cursos técnicos de canto e instrumental.

94

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ix

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Articulação entre pergunta, objetivo e hipótese ------------------------------- 55

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x

FRANCO, David Budeus. 2014. Formação Cultural: arte e cultura convertidas em

instrumentos da preparação para o trabalho. Dissertação de Mestrado. Programa de

Estudos Pós-graduados em Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

RESUMO

Este trabalho trata da formação cultural oferecida por duas escolas, uma da rede

estadual de educação de Minas Gerais e outra da rede privada. O objetivo essencial da

pesquisa foi o de identificar e analisar como são definidas as tarefas e funções da escola

tendo como referência a valorização das atividades culturais e artísticas, além de,

identificar e analisar o modo como são produzidos diagnósticos, definidos objetivos

educacionais e propostas de ações para o equacionamento dos problemas enfrentados

pela escola referentes à formação cultural. As hipóteses da pesquisa são expressas nos

seguintes termos: a) há, nos documentos analisados, a crescente tendência de destacar a

necessidade de a escola incorporar conteúdos relacionados às atividades culturais como

forma de adequar a escola ao contexto em que está situada; e b) ainda que as mudanças

sejam evidentes e que as atividades culturais nas escolas tenham um sério propósito,

predomina a formação voltada para o trabalho. A fim de verificar as hipóteses, este

trabalho lançou mão de análises de diversos documentos produzidos em diferentes

esferas, desde a internacional, passando pela nacional e estadual, até atingir a local, isto

é, os documentos produzidos pelas próprias escolas. Os resultados da pesquisa foram

produzidos no cotejamento das informações extraídas dos diversos documentos

analisados. Os dados, em grande medida, confirmaram as hipóteses iniciais deste

trabalho. Amparada na Teoria Crítica da Sociedade, principalmente em Herbert

Marcuse, Max Horkheimer e Theodor Adorno, este estudo evidencia a proximidade

entre o mundo do trabalho e as recentes tentativas de incrementar atividades culturais e

artísticas nas escolas, isso como expressão da transformação de tais atividades em

fatores fundamentais para a melhoria da qualidade da educação na contemporaneidade.

Palavras-chave: Formação Cultural (bildung), Teoria Crítica da Sociedade, Educação

Artística, Trabalho, Juventude.

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xi

FRANCO, David Budeus. 2014. Formation: art and culture converted on tools of

preparation to work. Thesis on Master degree. Programa de Estudos Pós-graduados em

Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo.

ABSTRACT

This study treats about formation offered by two schools, one from public system of

Minas Gerais’s State and one from private system. The central objective from this

research was to identify and to analyze how are defined tasks and the functions of

school, based on appreciation on cultural and artistic activities, beyond this, to identify

and to analyze how are produced diagnosis, defined educational objectives and actions

to equalize the educational daily troubles regarding on formation. The hypotheses of

this research are uttered by: a) on analyzed documents there are an increasing tendency

on school sphere to incorporate subjects related to cultural activities like a way to adapt

school to historical context; and b) even if the changes are visible and cultural activities

in schools has a serious propositions, predominates the formation directed to work. In

order to verify these hypotheses, this work made an analysis on several documents

made in a very different scope; first of all documents made on international scope, after

others made on national scope, after what was time of state sphere, and, finally, on local

sphere, wherein the documents was produced by schools. The results from this work

were constructed by comparison through information extracted from analysis on distinct

documents. The results obtained, largely, confirmed the initial hypotheses from this

research. Based on Critical Theory, especially on Herbert Marcuse, on Theodor Adorno

and on Max Horkheimer, this study shows the relationship among work’s world and the

fresh attempts to step up artistic and cultural activities at schools, these like an

expression of transformation of the same activities in support to improve quality of

contemporary education.

Keywords: Formation (bildung), Critical Theory, Artistic Education, Work, Youth.

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INTRODUÇÃO

Os Caminhos da Pesquisa

Esta pesquisa surgiu da necessidade pessoal de tentar encontrar respostas a

questões que me perseguiram, e ainda perseguem, desde a graduação. Foi quando, pela

primeira vez, propus buscar a expressão da cultura dentro da escola, ocasião em que

dividi angústias, encantos, satisfações e ainda mais questionamentos com uma querida

amiga (Karina Padial Garcia), com quem desenvolvi o Trabalho de Conclusão de Curso

intitulado A Escol(h)a do Hip Hop.

Nesse trabalho pude acompanhar, em quatro escolas (uma da periferia da Zona

Leste de São Paulo, uma de Diadema, uma de Lagoinha e outra de Barueri), as

atividades realizadas por arte-educadores ligados ao movimento Hip-Hop. Nem todas as

instituições eram escolas formais, como a Casa do Hip Hop de Diadema, que se

configurava mais como um lugar de apoio à educação; todavia, à época todas elas

estavam incluídas num projeto da Secretaria da Juventude, vinculada ao governo do

estado de São Paulo. Infelizmente, o projeto de Hip-Hop nas escolas paulistas foi

extinto, razão pela qual não pude dar continuidade a este estudo.

Os meninos e meninas assistidos por esse projeto sempre aguardavam

ansiosamente pelo momento em que poderiam ter contato com o Hip-Hop, considerado

pelos professores, diretores e arte-educadores um meio para levar cultura à juventude

pobre de regiões marginalizadas do estado de São Paulo.

O trabalho desenvolvido, cujo projeto previa abordar dez casos, visitou seis e

apenas quatro foram incluídos no projeto final; possibilitou uma série de experiências e

questões, parte das quais engendraram a ideia central desta dissertação. No entanto,

outros elementos fizeram parte do delineamento do tema, como os primeiros contatos,

também na graduação, com as propostas de interpretação da sociedade que faz a teoria

crítica. Isto é, depois do trabalho de conclusão de curso realizado na graduação,

somaram-se as primeiras noções de conceitos da teoria crítica e a imensa necessidade de

compreender melhor de que forma, efetivamente, a cultura contribui para a formação

dos jovens.

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Assim, a juventude é o propósito desta pesquisa, todavia não mais aquela que

está inserida no movimento urbano, cuja referência em grande medida é o Hip-Hop.

Partiu-se para outro tipo de situação: saindo do eixo São Paulo e Rio de Janeiro, todo o

restante do país, especialmente as cidades do interior, carecem enormemente do que

comumente se entende por cultura (teatros, musicais, shows, espetáculos circenses,

cinemas, principalmente os não hollywoodianos, saraus, literatura, entre outros).

Mesmo ante essa realidade, quando se fala em juventude, especialmente sobre a

sua formação, apresenta-se, frequentemente, a qualidade da educação brasileira como

entrave. Vale dizer que a juventude também está presente em grande número no interior

do país – e não só nos grandes centros urbanos. Como nos jovens, muitas vezes, é

depositada grande expectativa de realização no futuro, como seria possível superar o

obstáculo que representa a ausência de qualidade no Ensino Médio, já que este é

destinado aos jovens?

A cisão existente entre individuo e sociedade, portanto entre sujeito e objeto,

também se faz presente na vida escolar e nos momentos de aprendizagem dos jovens,

ainda que ignorem esse fato. Sendo a escola uma das expressões da realidade social e,

também, das relações entre os inúmeros grupos que compõem a sociedade, a análise de

seu cotidiano revela também as contradições presentes na própria organização social.

Tendo isso em mente, observou-se a quantidade de manifestações – de pessoas e de

grupos organizados – em torno da melhoria da qualidade na educação básica,

especialmente no Brasil. São notórios os discursos que depositam na educação amplas

responsabilidades, principalmente, no que se refere a resolução dos problemas gerados

pela desigualdade social. Seria, portanto, tarefa da educação tornar a sociedade mais

equânime no que diz respeito à distribuição de renda. Para além disso, todavia, também

parece ser consenso público que a educação carece de qualidade.

Embora não haja um entendimento comum quanto ao que, de fato, quer dizer

qualidade na educação, parece ser maior esse consenso quando se considera que a atual

organização da educação é ineficaz para a formação de mão de obra. Em outras

palavras, o sistema educacional brasileiro, na atualidade, não consegue formar

profissionais, pelo menos em número suficiente, que possam ocupar cargos exigidos

pelo mercado de trabalho.

Ante a essa situação, diversos segmentos da sociedade, por diferentes razões,

pressionam os agentes competentes em benefício de uma melhor qualidade na educação.

A resposta que tem sido dada, amiúde, é que apoiada numa educação que promova o

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contato com a Educação Artística e o com o ensino de Artes, a melhoria da qualidade na

formação de jovens tem maiores condições de se sustentar.

A partir disso, baseando-se nos conceitos frankfurtianos, especialmente o de

formação cultural (bildung), questões foram levantadas e deram origem a esta

investigação. Diante de todas essas questões, a cidade natal do autor deste trabalho

tornou-se abrigo para a pesquisa. A cidade de Uberaba, interior de Minas Gerais, serviu

de referência para compreender melhor de que forma as recomendações educacionais,

apresentadas em documentos produzidos em âmbito internacional, nacional, estadual e

local, convergem. Essa tarefa foi possível graças análise de vasta documentação,

inclusive produzida no âmbito de duas escolas (uma pública e outra privada), o que

permitiu desvelar como é definido o seu papel na atual configuração da sociedade,

especialmente no que se refere ao Ensino Médio.

Assim, definiu-se como campo empírico uma escola privada e outra da rede

estadual de Minas Gerais, localizadas no mesmo bairro e distantes entre si cerca de 1,2

Km, de modo que se pudesse fazer os devidos cotejamentos entre as duas realidades

escolares distintas. A fonte principal de informações são documentos de ambas as

escolas e aqueles produzidos em âmbito internacional, nacional e estadual. No que se

referem aos documentos produzidos pelas escolas, foi possível o acesso às matrizes

curriculares, aos regimentos escolares e aos projetos políticos pedagógicos que, se não

orientaram as práticas escolares, pelo menos é uma confissão de intenções que cada

escola apresenta.

Além desses, analisou-se o Roteiro para a Educação Artística (da UNESCO) e o

documento Educação Artística e Cultural nas Escolas da Europa, da Agência de

Execução relativa à Educação, ao Audiovisual e à Cultura (EACEA P9 Eurydice)1. Mais

ainda, foram também objetos de análise: os PCNEM (Parâmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio), os PCNEM+ (Parâmetros Curriculares Nacionais

Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares

Nacionais/Linguagens, códigos e suas tecnologias), ambos assinados pelo MEC

(Ministério da Educação) e, por fim, o Reinventado o Ensino Médio, da Secretaria de

Estado de Educação de Minas Gerais.

1 Eurydice é um organismo ligado à “EU Education, Audiovisual and Culture Executive Agency” –

sediado em Bruxelas – responsável por fornecer informações e análises sobre os sistemas e as políticas

educacionais dos países membros da União Europeia, além de, Macedônia, Islândia, Montenegro, Sérvia,

Turquia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.

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Na sequência, é possível observar a maneira por meio da qual se organizaram os

capítulos deste trabalho.

No primeiro capítulo, trata-se, de saída, da contextualização da história recente

da educação brasileira, levando em conta o que se entende por Ensino Médio e seu

papel na formação do jovem brasileiro da contemporaneidade. Em seguida, empreende-

se uma análise acerca das predicações presentes nos documentos produzidos nas esferas

internacional, nacional e estadual.

No segundo capítulo, é realizada uma reflexão em torno da problemática do

indivíduo e de sua formação no âmbito escolar na contemporaneidade. Mais do que

isso, também figura neste momento do texto a análise da modernidade e das

consequências do capitalismo tardio na formação cultural do indivíduo, considerando

também o embate entre este e a sociedade.

No terceiro capítulo, apresenta-se o problema de pesquisa, hipóteses e objetivos,

além do método; abordam-se, também, os desdobramentos locais, isto é, nas duas

escolas estudadas, das “receitas” oferecidas pelos documentos analisados no primeiro

capítulo. Mais ainda, baseando-se nos documentos produzidos pelas escolas e nas

visitas feitas durante a pesquisa, busca-se analisar de que forma ocorrem aproximações

e distanciamentos em relação às predicações ofertadas nos documentos produzidos nas

outras distintas esferas.

Finalmente, têm-se as Considerações Finais, cujo propósito se assenta na

tentativa de fazer uma análise geral do trabalho realizado, apontando para interpretações

possíveis, além dos seus próprios limites, além das possibilidades de pesquisa que este

trabalho engendra.

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Capítulo 1 – Do ensino secundário à educação artística: esquadrinhando as

recomendações para a formação cultural no contexto do capitalismo tardio

1.1 O Ensino Médio ante as reformas dos anos 1990

O Ensino Médio, dentro do sistema educacional brasileiro, corresponde à etapa

final de escolarização básica e, por isso mesmo, é a porta de saída de jovens que, a partir

da conclusão desta fase, tem como possibilidade dar continuidade aos estudos ou entrar

para o mercado de trabalho. Todavia, as indefinições sobre suas finalidades ou acerca

do que deveria realizar são uma constante na história da educação brasileira. As próprias

mudanças na nomenclatura desse nível de ensino demonstram as incertezas que desde

há muito acompanham o que hoje se conhece por Ensino Médio. Vale lembrar que este

já foi liceu, depois, colegial, clássico ou científico e, por último, escola de 2º grau.

As alterações, no entanto, não se restringem nas várias nomenclaturas, isso

porque o Brasil dos anos 1940 e 1950, cuja maioria da população era rural,

transformou-se enormemente. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) de 2011, a população urbana, que na década de 1940 era de

cerca de 30%, em 2010 já correspondia a, aproximadamente, 84%. Assim, é bom dizer

que, além de outras providências, o meio urbano teve, no período suprarreferido, de

adequar sua infraestrutura para receber um público cada vez maior. É claro que a

pressão exercida nas cidades, por uma população cada vez mais urbana, refletiu-se

também no oferecimento de acesso à educação.

São comuns as interpretações de que a educação do passado contava com maior

qualidade, o que provavelmente deve ter sua cota de verdade. Contudo, deve-se dizer

também que a própria superseleção de que eram alvo os alunos, apenas permitia a uma

classe privilegiada frequentar a escola, especialmente do ponto de vista econômico.

Equivale dizer que, os colegiais dos anos 1960, por exemplo, eram frequentados apenas

pelos os filhos de famílias abastadas que, não raras vezes, se dirigiam à universidade.

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Se nos reportarmos aos anos 50, 60 e começo dos 70 [do século XX],

a função central das escolas públicas de ensino médio regular, não-

profissionalizante, era principalmente a de preparar, para as

universidades, jovens de uma elite cultural, originários da elite

econômica e de classes médias em ascensão. Eram escolas altamente

seletivas, com exigentes exames de ingresso, que filtravam uma "nata

da nata", uma vez que mesmo para o acesso ao antigo ginásio, que

hoje corresponderia à passagem para a quinta série do ensino

fundamental, havia exame de admissão. Durante um bom tempo, em

São Paulo e em outros estados brasileiros, para poder chegar ao

ginásio, os jovens candidatos se preparavam durante um ano num

"curso de admissão", um quinto ano extra oferecido na mesma escola

e, quatro anos depois, precisavam vencer a barreira de acesso para o

colegial, clássico ou científico, dependendo do tipo de escola superior

almejada. Para o pelotão da frente dessa corrida de obstáculos iniciada

no ensino fundamental, o vestibular da universidade pública era mais

uma etapa natural. Não há hoje escolas semelhantes às escolas

públicas daquela época, nem mesmo as poucas escolas privadas que

continuam selecionando alunos de alto desempenho. (MENEZES,

2001, p.201-02)

A discussão sobre para que serve o Ensino Médio, ou qual é a sua função social,

é tão antiga quanto à própria existência deste como parte integrante do que se chama

hoje educação básica. Fazendo um parêntesis histórico, quando a burguesia ainda estava

em ascensão, Fernandez Enguita (1989) assinala quais eram algumas das posições desta

burguesia em relação ao oferecimento de educação para o que viria a ser a classe

trabalhadora. Alguns temiam a perda de controle, uma vez que o excesso à ilustração

poderia causar a não acomodação daqueles que ocupariam as mais baixas posições na

hierarquia social. De outro lado, havia aqueles que percebiam na educação (oferecidas

com sérias restrições de acesso ao conhecimento) uma grande possibilidade de

treinamento para o trabalho. Todavia, na visão de muitos pensadores da época, como

Locke, a educação deveria oferecer aos membros da classe trabalhadora apenas o

conhecimento de suas funções, sem alimentar ambições indesejáveis. E foi a opção de

instruir, entretanto não demasiadamente, que fora adotada para a educação que deveria

ser dada às crianças do povo. Com as primeiras experiências nessa direção, os

industriais começaram a perceber que os funcionários originários da escola eram mais

disciplinados e obedientes e, muitas vezes, mais eficientes que aqueles que não haviam

frequentado a instituição.

O acento deslocou-se então da educação religiosa e, em geral, do

doutrinamento ideológico, para a disciplina material, para a

organização da experiência escolar de forma que gerasse nos jovens os

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hábitos, as formas de comportamento, as disposições e os traços de

caráter mais adequados para a indústria. (FERNANDEZ ENGUITA,

1989, p. 114)

Portanto, o que era uma possibilidade, algo desejável, passou a ser reivindicação

por parte dos empresários. Ainda de acordo com Fernandez Enguita (1989), eram

evidentes as ações dos industriais em mostrar uma imagem de eficiência, de modo que,

também as escolas, passam a ser operadas como se fossem e desejassem a mesma

eficiência das empresas. Com algumas citações de referências do pensamento presente

no campo educacional estadunidense do início do século XX, o autor demonstra a

“invasão” da lógica taylorista, amplamente empregada nas indústrias, no ambiente

escolar.

O deslocamento das demandas da sociedade para as exigências da

indústria em termos de mão de obra não era acidental, nem devido

simplesmente à maior facilidade de buscar exemplos na indústria, em

comparação com a família, ou a maior facilidade de medir a

capacidade de somar que a estatura moral. (FERNANDEZ

ENGUITA, 1989, p. 126)

Fechando este parêntesis, é necessário apontar que as discussões introduzidas

acima não parecem fazer parte de um passado longínquo como se possa supor. Embora

as anotações de Fernandez Enguita se refiram, em grande medida, ao período em que a

burguesia se afirmou como classe dominante, as discussões hodiernas continuam

prestando contas com as mesmas determinações. Quer dizer, em que medida a educação

e, mais especificamente o Ensino Médio, deve se prestar ao papel de preparação para o

trabalho?

No caso brasileiro, ao analisar as reformas propostas para o Ensino Médio nos

anos 1990, é possível observar uma grande polarização e brusca separação no que se

refere à divisão entre ensino propedêutico e profissionalizante ou técnico. Vale dizer

que, entre os objetivos da política governamental em ambas “modalidades” de

educação, o que parece prevalecer é a manutenção do modelo econômico-social.

Não se trata de negar a importância do domínio do conhecimento

técnico e tecnológico ou de suas bases científicas ou de criticar a

criação de facilidade de acesso da população a tais conhecimentos,

mas, sim, de criticar a valorização desse domínio a partir de um olhar

que nos parece restritivo, por três razões: a) pela ênfase da formação

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no domínio da técnica e a tecnologia, em detrimento de outras esferas;

b) pela pouca ênfase conferida ao exame dos contextos políticos,

econômicos, sociais e culturais na produção do conhecimento

científico e tecnológico; c) por tomar como referência o mercado e a

visão economicista de mundo. Tal visão transparece em expressões e

termos tais como formação por competência, empreendedorismo,

autogestão, abundantemente empregados nos discursos reformistas do

governo FHC e retomados de forma amenizada no governo Lula.

(FERRETTI, 2011, p. 791)

Portanto, o que é tarefa inarredável do Ensino Médio é avaliar a necessidade de

nova organização de sua estrutura, sem, no entanto, deixar de observar as funções

sociais desta fase de escolarização. Ou seja, a situação não é tão simples como tornar a

escola o berçário de mão de obra e, assim, transformar toda a educação em simples

repositório de trabalhadores, ao sabor do mercado. A discussão, sem dúvida, passa pela

questão do trabalho, mas não pode se deter nela.

A última fase da escolarização básica agora atinge um grupo de pessoas muito

maior do que no passado. E não é só isso, com a ampliação do acesso a esse nível de

estudos, veio também toda a diversidade que é própria da sociedade em geral.

Pressionada pela nova configuração econômica e social, a escola

abriu-se para um público crescente e novo, mas ainda não encontrou

sua nova efetiva natureza. Em outras palavras, a demografia escolar

tem refletido mudanças sociais e econômicas, e o ensino médio

especialmente tem vivido essas alterações de forma exponencial, ao

receber um público novo e crescente, para o qual a escola precisa se

adequar em escala e qualidade. [...] Para a escola assumir sua

dimensão humanista mais ampla, não aceitando um triste papel de

depósito de mão de obra ociosa, ela precisa garantir, para todos os

alunos e com especial atenção à maioria que chega a uma escola não

frequentada por seus pais, condições para que desenvolvam confiança

e autoestima, valores humanos, interesses culturais, autonomia

econômica e consciência social. Se isso já parece tarefa difícil, é

preciso acrescentar que o novo desafio se sobrepõe ao antigo, pois a

escola, ao aceitar essa nova dimensão de seu trabalho, em princípio

não deveria desguarnecer todas as funções que exercia, algumas das

quais precisa manter e aperfeiçoar. Não basta concordar com esses

objetivos, é preciso identificar os pontos de partida para se construir

essa nova escola, assim como é preciso conhecer melhor os obstáculos

que dificultam sua implementação, para determinar as formas de

contorná-los ou os meios para superá-los. (MENEZES, 2001, p. 203-

04)

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Sendo assim, vale frisar que a sociedade do capitalismo tardio parece carecer

“apenas” de mão de obra qualificada, de modo que os novos trabalhadores formados

pela escola devem ser os novos “dentes” da engrenagem econômica, bastando substituir

os braços que ocupam determinado posto. A questão, porém, é que, ainda que falte

muito a ser conquistado para a superação, se é que isso é possível, houve avanços no

que se refere à função da escola e do Ensino Médio. Até as reformas dos anos 1990, o

objetivo da escola era também oferecer condições para que o egresso pudesse se colocar

no mercado de trabalho, porém também o era a formação humanística e a possibilidade

de oferecer o convício social. Tudo isso foi reduzido a uma formação economicista, ou

seja, a educação é concebida como mero elemento de sustentação do modo de produção.

As reformas foram necessárias porque o próprio capitalismo sofreu

transformações, o ensino propedêutico já não mais é suficiente para as demandas de

especialização profissional que o atual estágio de desenvolvimento econômico-social

exige. A necessidade de formação rápida e minimamente especializada impôs alterações

nas relações que existiam entre ensino médio regular e ensino técnico. Sobre isso, temos

que:

No bojo das reformas educacionais dos anos de 1990, aquela que

visou o ensino médio e técnico ganhou relevância especial. O enfoque

privilegiado adveio de diversos fatores, entre os quais destacamos a

preocupação de agências internacionais com um nível de ensino

considerado estratégico para o tipo de desenvolvimento econômico e

social previsto para os países periféricos. De fato, desde o final da

década de 1980, estudos do Banco Mundial vinham focalizando nosso

ensino médio e técnico, divulgando dados detalhados quanto à

valorizada relação “custo/benefício” referente aos investimentos na

área, bem como severas críticas à estrutura e funcionamento daqueles

cursos, com sugestões bastante específicas no tocante ao

redirecionamento dos gastos públicos. (ZIBAS & FERRETTI, 2005,

p. 182)

A separação entre ensino médio e ensino técnico, a modularização, a

obrigatoriedade dos alunos, na modalidade concomitante, de

frequentarem dois cursos simultaneamente, a diminuição da duração

dos cursos técnicos, obrigando a restrição dos conteúdos tratados nos

AET [antigos cursos técnicos], ou sua compactação, aliados à precária

escolarização da população atendida constituíram-se, em seu conjunto,

em forte limitação ao desenvolvimento de cursos de qualidade.

(FERRETTI, 2011, p. 795)

Nesse amplo contexto, todavia, ainda surgem, frequentemente, as questões que

se referem à qualidade do ensino, ou seja, com a universalização do ensino médio e com

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as reformas que advieram, os problemas de qualidade dos cursos se apresentam e

também as propostas de como superá-los. A crise de qualidade do ensino no Brasil

parece não ser um problema apenas do país, senão também uma preocupação de

organismos internacionais ligados à educação, muitos dos quais apostam na educação

artística ou no ensino das artes como única maneira capaz de conferir maior qualidade

em todas as estâncias da educação básica, inclusive no ensino médio.

1.2 As predicações sobre a educação artística e o ensino de artes

A educação em âmbito mundial parece padecer de um mal comum, a

necessidade de ampliar a qualidade de seus cursos, principalmente aqueles que

conduzem os alunos ao mercado de trabalho ou à continuidade de estudos. Pelo menos,

essa é uma questão que aparece recorrentemente nos mais diversos debates espalhados

pelo mundo. Assim, trata-se neste tópico de observar algumas considerações acerca da

educação artística e do ensino médio em alguns documentos, são eles: Roteiro para a

Educação Artística (UNESCO, 2006), Educação artística e cultural nas escolas da

Europa (Agência de Execução relativa à Educação, ao Audiovisual e à Cultura –

EACEA P9 Eurydice, 2009), Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio:

Linguagens, códigos e suas tecnologias (MEC, 2000), Parâmetros Curriculares

Nacionais Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros

Curriculares Nacionais/Linguagens, códigos e suas tecnologias (MEC, 2002) e

Reinventando o Ensino Médio (SEE/MG, 2013).

O documento assinado pela UNESCO (2006), apresentado sob a forma de

roteiro, afirma que a educação artística é uma saída para a melhoria da qualidade da

educação em geral, tenda a criatividade e a consciência cultural papéis preponderantes

na construção de um novo modelo da relação ensino-aprendizagem.

Baseado nos debates realizados no decurso e após a Conferência

Mundial sobre Educação Artística, que se realizou de 6 a 9 de Março

em Lisboa, Portugal, o presente “Roteiro para a Educação Artística”

propõe-se explorar o papel da Educação Artística na satisfação da

necessidade de criatividade e de consciência cultural no século XXI,

incidindo especialmente sobre as estratégias necessárias à introdução

ou promoção da Educação Artística no contexto de aprendizagem.

Este documento foi concebido de forma a promover um entendimento

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comum entre todas as partes interessadas sobre a importância da

Educação Artística e o seu papel essencial na melhoria da qualidade

da educação. (UNSECO, 2006, p. 4)

Vale também salientar que o documento apresenta a educação artística como um

fator capaz de ocupar as lacunas existentes na educação, todavia não discute o porquê

desses vazios; ao contrário, induz à instrumentalização da educação, na medida em que

assevera ser a educação artística aquela capaz de promover a manutenção do modo de

produção capitalista no século XXI. Além disso, embora reconheça diferenças entre os

países, não manifesta, o próprio documento que predica a capacidade crítica, nenhum

exame mais aprofundado no que se refere às condições histórico-sociais que

conduziram a educação ao patamar atual.

Todos os seres humanos têm potencial criativo. A arte proporciona

uma envolvente e uma prática incomparáveis, em que o educando

participa ativamente em experiências, processos e desenvolvimentos

criativos. Estudos mostram que a iniciação dos educandos nos

processos artísticos, desde que se incorporem na educação elementos

da sua própria cultura, permite cultivar em cada indivíduo o sentido de

criatividade e iniciativa, uma imaginação fértil, inteligência emocional

e uma “bússola” moral, capacidade de reflexão crítica, sentido de

autonomia e liberdade de pensamento e ação. Além disso, a educação

na arte e pela arte estimula o desenvolvimento cognitivo e pode tornar

aquilo que os educandos aprendem e a forma como aprendem, mais

relevante face às necessidades das sociedades modernas em que

vivem. [...] A Educação Artística contribui para uma educação que

integra as faculdades físicas, intelectuais e criativas e possibilita

relações mais dinâmicas e frutíferas entre educação, cultura e arte. (...)

A Educação Artística é também um meio à disposição das nações para

a preparação dos recursos humanos necessários ao aproveitamento do

seu valioso capital cultural. É essencial tirar o melhor partido desses

recursos e desse capital se os países quiserem desenvolver indústrias e

empresas culturais (criativas) fortes e sustentáveis. Tais indústrias têm

potencial suficiente para desempenhar um papel fundamental na

promoção do desenvolvimento socioeconômico de muitos países

menos desenvolvidos. (UNESCO, 2006, p. 6-7)

Quer dizer, a formação cultural que pode provir do contato com as artes,

potencialmente oferecida aos alunos, tem um único objetivo, a manutenção do

desenvolvimento econômico do capitalismo tardio. Sobre a tão perseguida qualidade,

diz a organização:

De acordo com o Quadro de Ação de Dacar, são exigidos muitos

fatores como pré-requisitos de uma educação de qualidade. A

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aprendizagem na arte e pela arte (Educação Artística e Arte na

Educação) pode reforçar pelo menos quatro destes fatores:

aprendizagem ativa; um currículo localmente relevante que suscita o

interesse e o entusiasmo dos educandos; respeito pelas e participação

nas comunidades e culturas locais; e professores preparados e

motivados. (UNESCO, 2006, p. 8)

Mais ainda, segundo o documento, elementos e aspectos da cultura, em muitos

países, são perdidos pela não valorização destes em meios escolares, contudo, não

propõe reflexões em torno da padronização, cada vez mais imposta pelo sistema

econômico vigente. Desse modo, o roteiro também serve para a propagação ideológica

do sistema capitalista, contando meias verdades e, portanto, tratando de falsear a

realidade.

Nesta configuração, entende-se que além de ter de ser necessariamente útil,

pedagogicamente a educação artística conta com três dimensões, a saber:

[...] (1) o estudante adquire conhecimentos interagindo com o objeto

ou a representação de arte, com o artista e com o seu (a sua)

professor(a); (2) o estudante adquire conhecimentos através da sua

própria prática artística; (3) o estudante adquire conhecimentos pela

investigação e pelo estudo (de uma forma de arte e da relação entre

arte e história). (UNESCO, 2006, p. 11)

O desenvolvimento das capacidades criativas e da consciência cultural

para o século XXI através da Educação Artística requer tomadas de

decisão informadas. Para que os decisores aceitem e aprovem a

passagem à prática da Educação Artística e da Arte na Educação, é

necessário demonstrar a sua utilidade. (UNESCO, 2006, p. 16)

Em suma, depreende-se que a escola e educação ideais aos parâmetros

apresentados pela entidade multilateral são aquelas que se coloquem à serviço da

produção de mercadorias e, em última análise, que ofertem trabalhadores criativos e

adaptáveis ao mercado de trabalho.

Continuando a análise, passa-se ao documento Educação Artística e Cultural

nas Escolas da Europa, da Agência de Execução relativa à Educação, ao Audiovisual e

à Cultura (EACEA P9 Eurydice). Eurydice é a unidade portuguesa do organismo ligado

à EU Education, Audiovisual and Culture Executive Agency – sediado em Bruxelas –

responsável por fornecer informações e análises sobre os sistemas e as políticas

educacionais dos países membros da União Europeia, além de, Macedônia, Islândia,

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Montenegro, Sérvia, Turquia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Entre outros objetivos, o

documento supracitado tem por objetivo divulgar práticas de países integrantes do

grupo e compará-las. É bom dizer que em toda sua extensão não há sequer uma

referência ao modo de produção capitalista, o que aparece por meio de códigos

eufemísticos como competição e economia do conhecimento. Diante disso, o

documento justifica a necessidade da educação baseada no contato com a arte e a

cultura, pelo fato de que as crianças deverão ter um futuro bastante incerto.

A educação nos países europeus é objeto de várias exigências

contraditórias que influenciam a organização e o conteúdo da

educação artística. A globalização crescente trouxe consigo benefícios

e desafios, nomeadamente os decorrentes do aumento da concorrência

internacional, da migração e do multiculturalismo, dos avanços na

tecnologia e do desenvolvimento da economia do conhecimento. O

sistema educativo pode ser encarado como um meio para preparar as

crianças para o seu lugar num mundo cada vez mais incerto. As

escolas têm um papel a desempenhar, ajudando os jovens a

desenvolver um sentimento de autoconfiança, tanto como indivíduos

como enquanto membros de vários grupos na sociedade. Existe

também uma reconhecida necessidade de incentivar os jovens a

desenvolverem um amplo conjunto de competências e interesses, de

modo a identificar e promover o seu potencial e a encorajar a

criatividade. Esta evolução coloca uma série de desafios à educação

artística, como evidenciam os debates em curso no âmbito das

políticas e da investigação. (EACEA P9 EURYDICE, 2009, p.7)

É claro, que a realidade europeia e, do grupo que compõe esse projeto, é bastante

particular, por isso é bom que se diga que não se está tentando neste trabalho comparar

as realidades brasileira e europeia, senão a tentativa de perceber traços das políticas

educacionais que são convergentes. Embora se reconheça os limites da educação

artística, o documento frisa a importância dessa “modalidade” de ensino na formação

cultural dos alunos, ainda que com vistas à alimentar o sistema capitalista, por meio da

criatividade e inovação.

Existem pressões crescentes sobre a educação artística para que

cumpra vários objetivos, para além de ensinar as matérias relativas às

artes. Os sistemas educativos reconhecem cada vez mais a importância

de desenvolver a criatividade das crianças e de contribuir para a sua

educação cultural, mas a forma como se espera que as artes

contribuam, através de disciplinas individuais ou trabalhando com

outras áreas curriculares não é, necessariamente, evidente. Taggart et

al. (2004) concluíram que quase todos os 21 países/Estados do seu

estudo internacional tinham objetivos semelhantes para o currículo

artístico, nomeadamente: desenvolver competências artísticas,

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conhecimento e compreensão, participando numa série de formas

artísticas; aumentar a compreensão cultural; partilhar experiências

artísticas; e permitir aos alunos tornarem-se consumidores de arte e

intervenientes informados nesse domínio. Contudo, além destes

resultados artísticos, esperavam-se resultados pessoais e

sociais/culturais (como confiança e autoestima, expressão individual,

trabalho de equipa, compreensão intercultural e participação cultural)

da educação artística na maioria dos países. Em particular, é evidente

um novo enfoque na criatividade (muitas vezes no que respeita à sua

importância na inovação) e na educação cultural (no que respeita à

identidade individual e à promoção da compreensão intercultural) nos

objetivos da educação artística. Neste contexto, surgem dúvidas

quanto à capacidade de o currículo artístico poder cumprir objetivos

tão diversos e abrangentes. (EACEA P9 EURYDICE, 2009, p.9)

Embora não esteja claramente assinalado, o documento apresenta o

entendimento que a educação artística é fundamental para o século XXI na medida em

que a comissão europeia identifica nesta a capacidade de ofertar diversas possibilidades

de formação não presentes numa educação que prescinda da educação artística. Há,

além da defesa da educação artística nas escolas, sugestões de como organizar o

currículo das artes, recomendações de práticas educacionais e para a formação de

professores. A questão do trabalho aqui aparece menos claramente do que no

documento proposto pela UNESCO (2006), todavia este último tem grande influência

na construção do documento europeu, conforme pode ser visto nos excertos a seguir:

O papel da educação artística na formação de competências dos jovens

para o século XXI tem sido amplamente reconhecido a nível europeu.

A Comissão Europeia propôs uma Agenda Europeia para a Cultura,

que foi subscrita pelo Conselho da União Europeia em 2007. Esta

agenda reconhece o valor da educação artística no desenvolvimento da

criatividade. Além disso, o quadro estratégico da UE para a

cooperação europeia no domínio da educação e da formação ao longo

da próxima década realça claramente a importância de competências

essenciais, transversais, incluindo a sensibilidade cultural e a

criatividade. (EACEA P9 EURYDICE, 2009, p.5)

As organizações internacionais demonstraram, nos últimos anos, um

crescente interesse na educação artística, o que resultou numa

evolução política decisiva que constitui o pano de fundo deste estudo.

A UNESCO tem sido um motor do desenvolvimento de iniciativas

políticas na educação e na cultura ao longo da última década. Em

1999, o Diretor-Geral da UNESCO apelou a todas as partes

interessadas no domínio da educação artística e cultural para que

envidassem todos os esforços necessários para atribuir ao ensino das

artes um lugar especial na educação de todas as crianças, desde o

ensino pré-escolar até ao último ano do ensino secundário (UNESCO

1999). Este apelo foi seguido de uma conferência mundial em Lisboa

que assinalou o culminar de uma colaboração internacional de cinco

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anos, entre a UNESCO e os seus parceiros, no domínio da educação

artística. A conferência afirmou a necessidade de cimentar a

importância da educação artística em todas as sociedades, e deu o

impulso que permitiu a elaboração da obra The wow factor: global

research compendium on the impact of the arts in education (Bamford

2006) e do Roteiro para a educação artística (UNESCO 2006). O

roteiro visava proporcionar argumentos e orientação para reforçar a

educação artística. O documento defende que a educação artística

ajuda a: salvaguardar o direito humano à educação e à participação

cultural; desenvolver capacidades individuais; melhorar a qualidade

da educação; e promover a expressão da diversidade cultural.

(EACEA P9 EURYDICE, 2009, p.7)

Ainda que tergiversando, o documento em questão anuncia a manutenção do

sistema capitalista, por meio da educação artística, cujo fim é o trabalho, além de uma

formação individual ampla, todavia com olhos voltados à inovação e a criatividade

competitiva no trabalho. Desse modo, a formação criativa e inovadora para as

exigências do século XXI reduzir-se-ia à forma capitalista de produção, inclusive a

formação de subjetividades. Diante desse fato, é possível vislumbrar que a escola ideal

para o documento europeu, também é aquela que garante a manutenção do status quo.

Dando prosseguimento às apreciações, apresentam-se os Parâmetros

Curriculares Nacionais Ensino Médio (PCNEM), cujo objetivo é trazer as mesmas

discussões acima realizadas para o âmbito nacional, observando de que modo as

questões relativas à educação artística, nomeada pelo documento do Ministério da

Educação como Arte, aparecem no caso brasileiro. A busca pela qualidade dos cursos

do ensino médio aparece no PCNEM como algo a ser conquistado, a preocupação é

aparente. Sobre esta fase da educação básica, diz o documento:

As propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-

aprendizagem no nível médio indicam a sistematização de um

conjunto de disposições e atitudes com o pesquisar, selecionar

informações, analisar, sintetizar, argumentar, negociar significados,

cooperar, de forma que o aluno possa participar do mundo social,

incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos.

(MEC, 2000, p.5)

Depois de fazer uma definição bastante ampla do nível médio, ao tratar a arte, no

âmbito da área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, o documento destaca a

importância da arte na formação do indivíduo. Quer dizer, na parte destinada à arte,

busca-se estabelecer que a linguagem artística é capaz de oferecer leituras diferenciadas

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de determinado período histórico, observando a estética, o conteúdo e a forma por meio

das quais se apresentam as obras artísticas. Dessa forma, parece ser objetivo do

documento reiterar a importância da arte na formação cultural do estudante, dando a ela

peso e importância semelhantes à Língua Portuguesa, por exemplo. Todavia, o trabalho

aparece como, mais uma vez, o fim de toda a proposta pedagógica que inclui o ensino

de arte no ensino médio.

Conhecer arte no Ensino Médio significa os alunos apropriarem-se de

saberes culturais e estéticos inseridos nas práticas de produção e

apreciação artísticas, fundamentais para a formação e o desempenho

social do cidadão. Na escola de Ensino Médio, continuar a promover o

desenvolvimento cultural e estético dos alunos com qualidade, no

âmbito da Educação Básica, pode favorecer-lhes o interesse por novas

possibilidades de aprendizado, de ações, de trabalho com a arte ao

longo da vida. (MEC, 2000, p. 46)

Também se faz presente no conteúdo argumentativo dessa proposta o resgate

histórico do que foi o ensino de arte em décadas anteriores, no sistema educacional

brasileiro. Junto a isso busca detalhar a luta pela incorporação da arte pela Lei de

Diretrizes e Bases de 1996 como disciplina a ser ministrada no nível médio de ensino.

Em grupo, lutou-se para que a Arte se tornasse presente nos currículos

das escolas de Educação Básica no Brasil e fizesse parte da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, Lei nº 9.3 94

(Art.26, Parágrafo 2). E continuou-se estudando e atuando para que a

arte se tornasse um conhecimento cada vez mais fortalecido na

educação, com qualidade e no mesmo patamar de igualdade com os

demais conhecimentos humanos presentes na escola básica.

Mobilizados pela necessidade de construção coletiva de uma história

contemporânea de aprendizagem de diversas linguagens artísticas,

desenvolvidas na disciplina Arte de nossas escolas de Educação

Básica, dentre elas a de Ensino Médio, são urgentes, então, muitos

estudos, pesquisas, discussões, mudanças profundas nos valores,

conceitos e práticas que sustentem a presença da Arte, de suas

linguagens, de seus modos de conhecer contemporâneos em nossas

escolas. (MEC, 2000, p. 47-48)

A finalidade do estudo de arte está bem caracterizada no texto: ele estaria

voltado para a formação do indivíduo como ser crítico, capaz de fazer arte e

compreendê-la. Além disso, há a necessidade de justificar o estudo da arte e, por isso

mesmo, instrumentalizá-lo e torná-lo utilitário. Em outras palavras, o estudo de arte no

ensino médio deverá dotar o aluno de, para usar os termos presentes no texto,

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“competências” para que ele faça cotejamentos com a sua realidade e produza a partir

daí, o que pode ser visto nos excertos:

O intuito do processo de ensino e aprendizagem de Arte é, assim, o de

capacitar os estudantes a humanizarem-se melhor como cidadãos

inteligentes, sensíveis, estéticos, reflexivos, criativos e responsáveis,

no coletivo, por melhores qualidades culturais na vida dos grupos e

das cidades, com ética e respeito pela diversidade. Neste âmbito,

dentre as competências gerais em Arte no Ensino Médio propomos

que os alunos aprendam, de modo sensível-cognitivo e

predominantemente, as competências arroladas neste texto: realizar

produções artísticas e compreendê-las; apreciar produtos de arte e

compreendê-los; analisar manifestações artísticas, conhecendo-as e

compreendendo-as em sua diversidade histórico-cultural. (...) Nas

aulas de Arte, os alunos do Ensino Médio, ao darem continuidade ao

seu aprendizado de fazer produtos em linguagens artísticas, podem

aperfeiçoar seus modos de elaborar ideias e emoções, de maneira

sensível, imaginativa, estética tornando-as presentes em seus trabalhos

de música, artes visuais, dança, teatro, artes audiovisuais. A partir das

culturas vividas com essas linguagens no seu meio sociocultural e

integrando outros estudos, pesquisas, confrontando opiniões,

refletindo sobre seus trabalhos artísticos, os alunos vão adquirindo

competências que se estendem para outras produções ao longo de sua

vida com a arte. (MEC, 2000, p. 50-51)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Orientações Educacionais

Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais/Linguagens, códigos e suas

tecnologias, também conhecidos como PCNEM+, reafirmam e, muitas vezes, tornam

mais claras as declarações feitas no PCNEM. A começar pela questão de ser ou não o

ensino médio um repositório de mão de obra no mercado de trabalho, passando pela

própria necessidade de se dar conta de aspectos que prestam contas às questões relativas

ao acesso e à qualidade, conforme pode ser observado:

A reformulação do ensino médio no Brasil, estabelecida pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, regulamentada em

1998 pelas Diretrizes do Conselho Nacional de Educação e pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais, procurou atender a uma

reconhecida necessidade de atualização da educação brasileira.

Atualização necessária tanto para impulsionar uma democratização

social e cultural mais efetiva, pela ampliação da parcela da juventude

que completa a educação básica, como para responder a desafios

impostos por processos globais, que têm excluído da vida econômica

os trabalhadores não qualificados, por conta da formação exigida de

todos os partícipes do sistema de produção e de serviços. A expansão

exponencial do ensino médio brasileiro é outra razão pela qual esse

nível de escolarização demanda transformações de qualidade, para

adequar-se à promoção humana de seu público atual, diferente daquele

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de há trinta anos, quando suas antigas diretrizes foram elaboradas.

(MEC, 2002, p. 7-8)

No texto do PCNEM+ aparecem mais claramente as justificativas de porque o

ensino médio teve de ser reformulado, fazendo isso por meio de comparações entre o

que era o antigo ensino médio e o que propõe o novo. Segundo o documento, no modelo

que foi substituído havia uma divisão clara entre o que nomeou ensino médio pré-

universitário, aquele que por meio de disciplinas compartimentadas pretendia oferecer

ao estudante uma formação suficiente para que este pudesse dar continuidade aos

estudos, e o que se destinava, exclusivamente, à formação para a atividade produtiva.

Na linha argumentativa do documento, o novo ensino médio, pós-reforma, tem como

princípio formar o cidadão para a vida, de modo que o sujeito possa se colocar na

sociedade moderna; para isso, contempla a formação integral e mais abrangente do

indivíduo. Mais ainda, o documento reconhece que as mudanças se fizeram necessárias

por pressões econômicas, embora não as critique.

O novo ensino médio, nos termos da lei, de sua regulamentação e

encaminhamento, deixa, portanto, de ser apenas preparatório para o

ensino superior ou estritamente profissionalizante, para assumir a

responsabilidade de completar a educação básica. Em qualquer de

suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a

cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, seja no eventual

prosseguimento dos estudos, seja no mundo do trabalho. As

transformações de caráter econômico, social ou cultural que levaram à

modificação dessa escola, no Brasil e no mundo, não tornaram o

conhecimento humano menos disciplinar em qualquer das três áreas

em que o novo ensino médio foi organizado. (MEC, 2002, p. 8)

Sobre as disciplinas curriculares, há a tentativa de organizar três áreas de

conhecimento que devem se articular, buscando com isso conferir mais sentido para o

conhecimento escolar. São elas: linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da

natureza, matemática e suas tecnologias; e ciências humanas e suas tecnologias.

Especificamente sobre arte, o documento apresenta as mesmas vinculações que os

anteriores já analisados, na medida em que associa o contato com expressões artísticas

com posterior aplicação prática:

Trata-se aqui de integrar à arte o uso das novas tecnologias da

comunicação e de informação (NTCI), analisando as possibilidades de

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criação, apreciação e documentação que os novos meios oferecem.

Para isso, cabe estimular o aluno a refletir sobre a produção de

poéticas que se valem de meios como rádio, vídeo, gravador,

instrumentos acústicos, eletrônicos, filmadoras, telas informáticas,

assim como outras tecnologias integrantes das artes visuais,

audiovisuais, música, dança e teatro. (MEC, 2002, p. 187)

É bom dizer que todo o conteúdo construído para orientar as práticas pedagógicas

parece ter sido fortemente influenciado pelo que defende a UNESCO, haja vista a

referência clara à entidade no texto que contém as propostas, conforme o seguinte

excerto:

São quatro os saberes propostos pela UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que funcionam

como pilares da educação nas sociedades contemporâneas: aprender a

conhecer; aprender a fazer; aprender a viver com os outros; aprender a

ser. São saberes cuja conquista ultrapassa a mera aquisição de

informação, uma vez que abarcam a formação humana e social do

indivíduo. Objetivos tão amplos certamente não serão atingidos com

um ensino conteudista e fragmentado. Por isso, o conhecimento que se

quer proporcionar ou construir deve ser reflexivo e crítico nas três

áreas propostas pelos PCNEM e no estrato que as transcende: a

cultura, termo aqui empregado em sentido amplo. Esse conhecimento

deve ser encarado não só como produto da ação humana mas também

como instrumento de análise, transformação e criação de uma

realidade concreta. (MEC, 2002, p. 23)

O Estado de Minas Gerais publicou, recentemente, um documento intitulado

Reinventando o Ensino Médio. O próprio título é algo revelador, já que, a partir dele,

presume-se que alterações são propostas para o nível médio da educação básica.

Publicado em 2013, a proposta já conta com um projeto piloto, experiência que

antecede a universalização do projeto no estado em 2014. Abertamente, o documento

propõe a reformulação do ensino médio para que atenda as necessidades, inclusive

econômicas e de mão de obra, da sociedade coeva, colocando, definitivamente, esta

etapa da educação básica a serviço do mercado. Sobre isso, assevera:

As mudanças de grande amplitude que caracterizam a sociedade

contemporânea vêm causando um impacto de proporções inéditas no

campo educacional. O aumento crescente da demanda por mais

escolaridade, a busca urgente por novas formações, a necessidade de

estruturas e percursos curriculares dotados de flexibilidade, os novos

papéis exigidos do professor, a chegada de mercado e recursos

pedagógicos tecnologicamente avançados, a evidente limitação das

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metodologias mais ortodoxas, somados a tantos outros fatores,

constituem um desafio para quaisquer sociedades, particularmente

para as instituições que nelas estão mais estritamente associadas à

educação. (...) Embora o projeto iluminista clássico do acesso

generalizado à educação permaneça inteiramente procedente, a

questão do conhecimento ganha, nos nossos dias, importância e

gravidade suplementares, uma vez que assistimos a uma aproximação

crescente entre mundo do trabalho e mundo do conhecimento.

Profissões, mesmo antigas, quando não deixam de existir, são

agudamente transformadas pelo quantum de conhecimento mais

formal que exigem. Tudo isto confere ao conhecimento um lugar

inédito, bem como traz para os que são, de algum modo, responsáveis

pela gestão da educação, responsabilidades adicionais. (...) A

adequada aproximação entre educação, empregabilidade e cidadania é

uma exigência a ser cumprida por quaisquer políticas educacionais

compatíveis com a contemporaneidade. Reformas educacionais, não

importa o seu escopo ou amplitude, devem levar em conta cada um

destes fatores e, sobretudo, a articulação entre eles. Em vista desse

cenário, cuja complexidade não é possível exagerar, a Secretaria de

Estado de Educação entendeu como urgente um exame mais alentado

do sistema educacional sob sua responsabilidade, particularmente o

Ensino Médio, nas três séries que o integram. (SEE/MG, 2013, p. 5-6)

O Reinventando o Ensino Médio não apresenta nenhuma descrição mais

detalhada de qual seria o papel da arte na formação dos jovens frequentadores do ensino

médio. Contudo reitera diversas vezes o papel de promover a colocação no mercado de

trabalho que deve ter essa etapa da educação básica. Mais do que isso, afirma que a

função deste projeto é apenas promover o ingresso dos jovens no mundo do trabalho, de

modo que se insiram em suas comunidades, conforme pode ser observado:

Assim, podemos dizer que o Reinventando o Ensino Médio resulta de

múltiplos fatores e permite ampliar um repertório de informações e

desenvolvimento de habilidades compostas por uma pluralidade de

conhecimentos teórico-práticos, capazes de consolidar a formação de

jovens, ressignificando-lhes a aprendizagem, preparando-os para o

mundo do trabalho, pautando-se para tal em princípios de

interdisciplinaridade, contextualização, transdisciplinaridade,

democratização, privilegiando a pertinência e a relevância social,

ética, estética tornando esse jovem partícipe de sua história, capaz de

alterar e intervir positivamente na sociedade e, principalmente, na

comunidade em que estiver inserido. (SEE/MG, 2013, p.22)

Para dar conta da empregabilidade a que se refere o documento, o governo do

estado tratou de desenvolver “áreas de empregabilidade”, divididas em: recreação

cultural; produção cultural; reciclagem; turismo; comunicação aplicada, meio ambiente

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e recursos naturais; tecnologia da informação; gestão pública; estudos avançados:

linguagens; estudos avançados: ciências; estudos avançados: humanidades e artes; lazer,

empreendedorismo e gestão; desenvolvimento de habilidades cognitivas; vida e bem

estar; webdesign; desenvolvimento agrícola e sustentabilidade; e saúde – familiar e

coletiva. A partir delas, cada escola de ensino médio do sistema estadual deverá

escolher, dessa divisão, duas ou três áreas, então, receberá a estrutura curricular

correspondente.

Guardadas as devidas proporções e diferenças, todos os documentos citados

neste capítulo apresentam formulações que indicam o fato da educação estar subsumida

aos interesses relacionados ao desenvolvimento e manutenção do sistema capitalista ou

à ampliação do mercado de trabalho. Dessa perspectiva, as escolas não passam de

verdadeiras reservas de mão de obra para a engrenagem do sistema produtivo, ainda que

seja considerada importante a formação cultural do estudante.

Diante do exposto, caminha-se, na sequência, para a análise teórica, à luz dos

conceitos cunhados pelos autores da Escola de Frankfurt, para melhor delinear as

circunstâncias que engendram a tendência de submissão da educação à lógica do

trabalho e, portanto, do capital.

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Capítulo 2 – Modernidade, Escola e Formação Cultural

Ao realizar o levantamento bibliográfico para esta pesquisa observou-se que

outros pesquisadores haviam caminhado na tentativa de melhor compreender sob que

circunstâncias ocorre a formação cultural. Todavia, a grande maioria dos trabalhos

aponta para outras direções que não são tratadas nesta pesquisa. Para concretizar o

trabalho de levantamento bibliográfico, priorizou-se a busca no banco de teses da

CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), da PUC-SP

(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), da FEUSP (Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo), além do sistema Scielo de buscas de artigos publicados nos

mais diversos periódicos. Nesses ambientes virtuais utilizou-se os descritores: projeto

político pedagógico (PPP); formação cultural (bildung); arte e educação; educação e

trabalho; ensino médio; e educação artística. Posteriormente, a seleção dos trabalhos

aconteceu, especificamente, pela leitura dos resumos de cada trabalho e pela

identificação da base teórica utilizada pelos autores. Isto porque bildung, conceito

central dessa investigação, atende diferentes perspectivas, entre as quais a de Antoine

Berman, a de Friedrich Nietzsche, além daquela proposta pela Escola de Frankfurt.

Assim, o descritor Projeto Político Pedagógico (PPP) indicou muitos trabalhos

que, em sua maioria, analisam o quadro geral de produção dos PPP, levando em conta

as condições de sua produção, ou seja, se foram construídos coletivamente ou impostos

pela direção. Quer dizer, as tensões oriundas da construção destes aparecem nas

pesquisas. Outros trabalhos, entre teses, dissertações e artigos, tratavam de políticas

para a educação e da formação da subjetividade do indivíduo que passa pela escola. É

claro que esta proposta tem como finalidade também contribuir para a melhor

compreensão de como a subjetividade do indivíduo é construída, contudo não se trata

do objeto aqui estudado e, portanto, não é analisada detidamente.

De todos os trabalhos a que se teve acesso, observou-se que, no que se refere à

formação cultural do indivíduo jovem que frequenta o ensino médio, a produção da

PUC-SP é a mais significativa, isso em termos quantitativos, sem, no entanto, desprezar

os aspectos da qualidade que também estão presentes. Razão pela qual, tornaram-se

referência na composição desta pesquisa. Vale lembrar que esta pesquisa contou com o

levantamento de dados por meio de documentos produzidos em distintos âmbitos; tanto

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em esfera internacional, bem como nos domínios nacional, estadual e local. Além disso,

a visita a campo aconteceu, no sentido de observar as instalações físicas de cada uma

das escolas analisadas.

2.1 A Escola e a Modernidade

A modernidade gerou pressões de todas as ordens a partir da disputa que se

impôs entre sociedade e indivíduo. Pessoas de todas as origens são rotuladas e avaliadas

por meio de indicadores que funcionam como uma espécie de termômetro capaz de

inferir possibilidades no futuro que se avizinha. A manutenção do funcionamento da

sociedade depende, fundamentalmente, de que as futuras gerações estejam

absolutamente adaptadas para serem “dentes” da engrenagem macroeconômica. O preço

dessa integração parece cobrar caro do indivíduo que, nessas circunstâncias, tem o

desenvolvimento de seu eu e de sua subjetividade prejudicado em prol da sustentação

do modelo de sociedade vigente.

(...) penso que atualmente a sociedade premia em geral uma não-

individuação; uma atitude colaboracionista. Paralelamente a isso

acontece aquele enfraquecimento da formação do eu, que de há muito

é conhecida da psicologia como “fraqueza do eu”. Por fim, é preciso

lembrar também que o próprio indivíduo, e, portanto, a pessoa

individualizada que insiste estritamente no interesse próprio, e que,

num certo sentido considera a si mesma como fim último, também é

bastante problemática. Se hoje o indivíduo desaparece – não tem jeito,

sou um velho hegeliano –, então também é verdade que o indivíduo

colhe o que ele mesmo semeou. (ADORNO, 2011, p. 153)

De outra parte, é possível verificar considerações acerca da situação e do

desempenho da educação em todos os níveis, sobretudo a da educação básica. Nos

últimos anos, especialmente no Brasil, a educação tem ganhado, cada vez mais, espaço

nas discussões, visto que ela está supostamente imersa num processo acentuado de

crise. De fato, é a qualidade da educação que se faz presente nos discursos das

autoridades, todavia o termo “qualidade” parece não ser suficiente para melhor

descrever, ou especificar, o que realmente se busca com as análises feitas sobre as

funções efetivas da educação. Frequentemente pesquisas apontam a educação básica

como elemento que não tem se mostrado capaz de formar novos quadros, pelo menos

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em número suficiente, para ocupar os postos de trabalho disponibilizados pelo mercado.

Como pode ser visto no excerto a seguir:

Por sua vez, na chamada era da sociedade da informação e do

conhecimento, pergunta-se sobre o futuro da escola de nível médio

diante das novas formas de provisão e modalidades de aprendizagem.

A difusão da informação é tão rápida e disponível para a maioria da

população que talvez não existam nem instituições nem profissionais

capazes de desempenhar mais eficazmente essa tarefa do que as novas

tecnologias da informação e comunicação. [...] a ampliação das

modalidades de informação e comunicação está fragilizando o papel

da escola e o caráter formativo da profissão docente e que a escola já

não responde sequer à formação requerida pelo mercado de trabalho.

O jovem está acuado pela incerteza do mundo do trabalho, o que o

leva a uma atitude imediatista em suas expectativas em relação à

escola. (KRAWCZYK, 2011, p. 690-91)

Isto é, a referida “qualidade” é, na verdade, a manifestação da preocupação com

a manutenção do sistema econômico vigente. Quer isso dizer: a crise no campo

educacional ocorreria exatamente porque não está formando quadros capazes de ocupar

os cargos que as modernas relações de trabalho impõem como condição para o

progresso material da sociedade contemporânea. Assim, pergunta-se: que tipo de

indivíduo é necessário para a manutenção e reprodução do sistema econômico no

momento atual? Para Pineau (2008), a escola e a modernidade compõem uma relação

mutualística, quer dizer, ambos são interdependentes entre si. A discussão ganha corpo

quando o autor assinala que a instituição escolar, de certo modo, perdeu vigor, uma vez

que tem enfrentado fortes crises. Embora isso pareça corresponder à atualidade, por

outra via, a escola se apresenta como se nunca estivesse sido tão necessária ou, pelo

menos, jamais tenha recebido tanta responsabilidade no que se refere às garantias de um

futuro melhor para as próximas gerações. A questão que se impõe é: a escola é capaz de,

efetivamente, garantir o futuro de alguém? Parece que não, todavia sem ela as incertezas

são maiores. O que fazer? Abolir a escola? Transformá-la?

Pineau (2008) ainda faz menção ao sujeito cartesiano e a formação de suas

certezas por meio das disciplinas escolares; a maior diferença, talvez, entre esse sujeito

e aqueles que são formados na contemporaneidade reside justamente na capacidade de

elaborar certezas. A sociedade hodierna ganhou contornos que jamais foram

experimentados em qualquer outro momento da história humana. Nela as

transformações ocorrem muito rapidamente e junto com as mudanças se vão também as

certezas, que dão lugar a “idade das angústias”, conforme Marcuse (2010).

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Com o declínio da consciência, com o controle da informação, com a

absorção do indivíduo na comunicação em massa, o conhecimento é

administrado e condicionado. O indivíduo não sabe realmente o que se

passa; a máquina esmagadora de educação e entretenimento une-o a

todos os outros indivíduos, num estado de anestesia do qual todas as

ideias nocivas tendem a ser excluídas. E como o conhecimento da

verdade completa dificilmente conduz à felicidade, essa anestesia

geral torna os indivíduos felizes. Se a ansiedade é mais do que um

mal-estar geral, se é uma condição, um estado existencial, então esta

chamada “idade de angústia” distingue-se pelo grau em que a

ansiedade desapareceu de qualquer forma de expressão. (MARCUSE,

2010, p. 102)

A instituição escolar, enquanto organização, não consegue acompanhar, e nem

tem incentivos para fazê-lo, os rápidos e irrefreáveis rearranjos provocados pelas

constantes mudanças nas relações sociais e nas formas de sociabilidade (cabe perguntar

se realmente isso é algo com o que os educadores deveriam se preocupar). Uma das

frases símbolo da Modernidade parece cada vez mais distante – “Penso, logo existo”,

cunhada por René Descartes – e cada dia ter menos sentido na sociedade atual, pois

quanto menos capacitado para pensar, mais apto à adaptação o indivíduo se encontra.

Diante de questões como essa, acirram-se os conflitos entre sociedade e indivíduo. A

instrução que forneceria ao homem os elementos essenciais para fazer parte da

sociedade permanece presente na escola, sem, contudo, parecer gozar da mesma

eficiência de outrora.

A cisão entre indivíduo e sociedade permeia a história humana desde há muito,

todavia ganhou grande projeção e atenção de diversos estudiosos a partir das

considerações de Freud, especialmente em O Mal-estar na civilização. O pai da

psicanálise descreve a relação que o indivíduo estabelece com a civilização, assinalando

que a repressão dos instintos humanos, condição fundamental para a civilização, se faz

pela compensação, mecanismo presente na economia psíquica, ofertada pela própria

sociedade, que é a segurança. Quer dizer, na condição de indivíduo subjugado às

circunstâncias da natureza, o homem não gozaria da mesma segurança de que dispõe

quando se organiza em grupo; por esta razão se dá a repressão dos instintos humanos.

Ainda assim, Freud afirma ser esta uma situação irreconciliável, como se pode ver no

excerto a seguir:

Assim também as duas premências, a que se volta para a felicidade

pessoal e a que se dirige para a união com os outros seres humanos,

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devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois

processos de desenvolvimento, o individual e o cultural, têm de

colocar-se numa oposição hostil um para com o outro e disputar-se

mutuamente a posse do terreno. Contudo, essa luta entre o indivíduo e

a sociedade não constitui um derivado da contradição –

provavelmente irreconciliável – entre os instintos primevos de Eros e

da morte. (FREUD, 2002, p. 106)

A lógica ambivalente da constituição do sujeito moderno, representada pela luta

entre indivíduo e sociedade, talvez tenha conduzido o homem, parcialmente, da sua

animalidade para a “desejável” civilização, para a racionalidade moderna. Contudo,

fundamental é perguntar pela educação e pelas formas a partir das quais lida com as

incertezas geradas pelo sistema capitalista contemporâneo. A era da angústia produzida

pela impotência diante dos poderes que os indivíduos não têm nenhuma influência

substituiu, definitivamente, a das certezas. Mais do que isso, os esforços da

“civilização” para exercer domínio e incutir no indivíduo as regras sociais, para que ele

mesmo possa sentir-se parte do corpo social, já não são mais suficientes para surtir os

efeitos esperados; ou seja, o modelo sob o qual se erigiu a escola não tem oferecido os

“produtos” necessários à adequada manutenção da sociedade permeada pelas incertezas

(Freitas, 2009).

Sobre a função da escola diante das relações sociais e de toda a sociedade

moderna, Adorno (2011) assevera que o desejável seria que também a escola, como a

família, realizasse esforços no sentido de fortalecer o ego do indivíduo, ao que se soma

o incentivo à resistência. Além disso, o ideal seria que ações desse tipo estivessem

voltadas para todos os níveis de educação, inclusive a educação infantil. Isso porque,

ainda segundo Adorno (2011), a sociedade moderna impõe a adaptação forçada, já que

uma série abundante de práticas, senão todas, convergem para que a adaptação ocorra.

Por essa razão, também, o autor indica a necessidade de educação política, no sentido de

que as ações e as relações de força e poder, aparentemente corriqueiras e normais, sejam

postas à prova.

Afinada com essa interpretação – de que a escola se encontra em descompasso

com a realidade social mais ampla –, Luiz Carlos de Freitas (2009) discorre sobre esse

momento de insegurança pelo qual passa a sociedade e, por consequência, a escola:

Com a flexibilização da produção e da força de trabalho (que, no dizer

de Bauman, não gera exército de reserva apenas, mas de fato uma

população redundante que está sendo encarcerada como infratora da

ordem, sem possibilidade de trabalho), com a financeirização do

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capital e a virtualização do fluxo de capital em redes flexíveis de

agregação de valor (que precarizam o trabalho humano), a

característica de nosso tempo passa a ser a insegurança, a ausência de

previsibilidade do futuro – que algumas teses pós-modernas captam e

louvam ingenuamente como “incerteza”, retirando do debate a própria

discussão sobre as novas formas de produção da vida material. Neste

processo, somos jogados em correntes de competição, obrigados a

“lançar os dados todos os dias” e seguir o resultado do dia na

expectativa do dia seguinte. Eventuais valores favoráveis obtidos no

jogo do dia devem ser vistos com cuidado, pois no dia seguinte podem

acontecer resultados desfavoráveis e os valores desfavoráveis de um

dia não devem ser vistos como definitivos, pois podem ser favoráveis

no dia seguinte (Bauman, 2001). Como afirma Peters, por precaução,

esteja preparado para o pior. A tônica passa a ser a insegurança, que

acirra a competição (colocando as pessoas de forma fragmentada e

isolada no espaço, ainda que conectadas por nós (“rizomáticos”),

acelera todos os tempos até a instantaneidade da extraterritorialização

do celular, vulnerabiliza resistências, externaliza custos e maximiza

lucros. Nesse clima, não há futuro, há o agora. (FREITAS, 2009,

p.140-41)

Ou seja, a escola está inserida numa realidade absolutamente caracterizada pelo

imediatismo, difundida pelas próprias práticas sociais e, também, pela chamada

indústria cultural. No arranjo social em que se encontra a sociedade contemporânea é

fundamental compreender de que forma determinadas ações operam e, principalmente,

quais impactos engendram na conformação das consciências. Assim, parece ser

imprescindível melhor salientar as relações estreitas entre indústria cultural e a escola na

era da insegurança.

A indústria cultural extrai da chamada alta cultura e também da cultura popular

elementos e os introduz em outro âmbito, cujo único objetivo é a venda no mercado.

Aquilo que é repetidamente apresentado como novo, sem realmente o ser, tem a função

de garantir lucro, ou seja, deve ser comercializável. Nesse sentido, a indústria cultural

opera de forma a transformar a arte e a cultura em mercadorias e a padronizar gostos,

hábitos e disposições. Esses produtos são apresentados como novidades, todavia estão

permeados daquilo que já foi testado. Assim, são reproduzidas as chamadas fórmulas de

sucesso. Sobre isso, escreveu Adorno:

O que na indústria cultural se apresenta como um progresso, o

insistentemente novo que ela oferece, permanece, em todos os seus

ramos, a mudança de indumentária de um sempre semelhante; em toda

parte a mudança encobre um esqueleto no qual houve tão poucas

mudanças como na própria motivação do lucro desde que ela ganhou

ascendência sobre a cultura. (ADORNO, 1978, p. 289)

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É neste cenário que a UNESCO, em 2006, realizou em Lisboa – Portugal a “I

Conferência Mundial de Educação Artística”, a partir da qual publica, no mesmo ano, o

“Roteiro para a Educação Artística”; documento que elege tal prática como fundamental

para a “melhoria da qualidade da educação”, o que aparece justificado nos seguintes

termos:

Estudos mostraram que a iniciação dos educandos nos processos

artísticos, desde que se incorporem na educação elementos da sua

própria cultura, permite cultivar em cada indivíduo o sentido de

criatividade e iniciativa, uma imaginação fértil, inteligência emocional

e uma “bússola” moral, capacidade de reflexão crítica, sentido de

autonomia e liberdade de pensamento e ação. Além disso, a educação

na arte e pela arte estimula o desenvolvimento cognitivo e pode tornar

aquilo que os educandos e a forma como aprendem, mais relevante

face às necessidades das sociedades modernas em que vivem.

(UNESCO, 2006, p. 6)

Vale lembrar que a ação educativa é o reflexo da tradição, ou seja, as práticas

escolares são, por excelência, o resultado de acúmulo progressivo de tradições; “(...) la

tradición es contenido y método de la educacion” (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p.

91). Todavia, não se trata de adotar uma postura conservadora, e sim reconhecer que

não há educação sem observação da tradição; não é possível caminhar adiante sem antes

olhar para o passado e para a herança cultural de que a sociedade dispõe. A educação é,

portanto, a mediadora de toda a cultura. Diante disso, é possível perceber inúmeros

esforços na direção de repensar a prática, isto é, o modo de fazer e de apresentar a

herança cultural aos alunos. Em outras palavras, a educação, especialmente a escolar,

guarda em si mesma duas potencialidades antagônicas e complementares. Há uma que

tende à conservação do status quo, portanto à reprodução das desigualdades; e há outra

que tende à negação ou à tentativa de promover questionamentos em relação à realidade

vivida. Tudo isso permite assinalar que é exatamente essa a razão pela qual uma mesma

preocupação, a educação, pode despertar visões e procedimentos tão antagônicos. Sobre

as que figuram no trecho citado – do documento assinado pela UNESCO (2006) –, a

primeira propõe que a educação seja, efetivamente, libertadora, no sentido de promover

o esclarecimento; enquanto a segunda proposta postula ser a educação apenas um

instrumento, um meio, para o trabalho.

De forma geral, o documento proposto pela UNESCO é a materialização de um

ideal de formação do indivíduo que substituiu outros anteriores. Da Antiguidade grega à

Idade Média, o ideal de formação do indivíduo deveria prestar contas com a ética. A

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partir do período Moderno, especialmente no Século das Luzes, a formação política

torna-se o ideal, na medida em que ofereceria ao indivíduo as melhores condições de

inserção na sociedade. No entanto, esses modelos parecem superados, uma vez que o

que prevalece na contemporaneidade é o ideal de formação cultural (Severino, 2006),

muito embora esta não se realize, predominando o que Adorno (1966) denomina de

pseudocultura, conceito explorado mais adiante.

Na atualidade, a educação, nos discursos das mais variadas origens, é tida como

aquela capaz de oferecer um salvo-conduto para o futuro, seja ele de qual ordem for,

apesar de que não seja raro ouvir pronunciamentos e considerações acerca da crise pela

qual passa a educação em qualquer âmbito considerado, porém, em especial, a educação

básica. No Brasil, por exemplo, discussões tentam estabelecer diretrizes com vistas a

melhorar a qualidade da educação no país, e como justificativa sempre se apresenta a

ausência de mão de obra qualificada para o trabalho, discussão presente também no

excerto:

A educação, como processo pedagógico sistematizado de intervenção

na dinâmica da vida social, é considerada hoje objeto priorizado de

estudos científicos com vistas à definição de políticas estratégicas para

o desenvolvimento integral das sociedades. Ela é entendida como

mediação básica da vida social de todas as comunidades humanas.

Esta reavaliação, que levou à sua revalorização, não pode, no entanto,

fundar-se apenas na sua operacionalidade para a eficácia funcional do

sistema socioeconômico, como muitas vezes tendem a vê-la as

organizações oficiais, grandes economistas e outros especialistas que

focam a questão sob a perspectiva da teoria do capital humano.

(SEVERINO, 2000, p.65)

A formação cultural tornou-se um discurso performativo e ressonante nos fóruns

de discussão que pretendem propor soluções para melhorar a qualidade da educação.

Por essa razão, parece ser necessário melhor analisar o conceito de formação cultural.

Para tanto, a Escola de Frankfurt se apresenta como um aporte teórico necessário.

2.2 A formação cultural (bildung)

Para discutir as questões acerca da formação cultural são importantes as

contribuições da Escola de Frankfurt. Ao falar em formação cultural (bildung), Adorno

se refere à formação da personalidade integral do indivíduo e, mais do que isso, a

formação é a expressão subjetiva da cultura. A formação cultural a qual Adorno (1966)

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se refere em Teoria da La Seudocultura acontece na tensão entre a subjetivação da

cultura, por meio da educação (que não se limita a esfera formal), e a própria realidade

objetiva em que o sujeito está inserido. Portanto, a formação cultural é fruto da ação

subjetiva na objetividade, que é formada e transformada por tal ação. Para Adorno

(1966), o conceito de formação tem sua origem junto ao surgimento e desenvolvimento

da noção burguesa de igualdade, justiça e liberdade, promessas estas, vale lembrar, que

não se cumpriram sob o capitalismo, especialmente na atualidade. A formação, por

conseguinte, traz consigo a inarredável presença da liberdade, sob a qual a

espontaneidade é permitida e absolutamente desejável. Sem essa noção, junto com a de

criatividade, a formação não pode acontecer; no entanto, não é possível se manifestar

completamente sem a sombra da coerção, algo indesejado, porém indissociável, do

modo de produção capitalista. De outra parte, o conceito de ideologia é fundamental

para compreender melhor como poderia acontecer a formação cultural. Temos que:

Quanto mais os bens culturais assim elaborados forem

proporcionalmente ajustados aos homens, tanto mais estes se

convencem de ter encontrado neles o mundo que lhes é próprio. (...)

Para resumir numa só frase a tendência inata da ideologia da cultura

de massa, seria necessário representá-la numa paródia da frase:

“Converte-te naquilo que és”, como duplicação e super-ratificação da

situação já existente, o que destruiria toda perspectiva de

transcendência e de crítica. (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p.

202)

No tocante à formação, Marcuse (1982), em A Ideologia da Sociedade

Industrial, faz reflexões acerca da necessidade da experiência como condição formativa

para o sujeito, ao mesmo tempo em que esclarece que a formação não deve ser

considerada na sua dimensão unicamente psicológica e sim como fruto das relações

objetivas. Ou seja, não é possível pensar em formação sem levar em conta as relações

sociais de dominação sob as quais a sociedade contemporânea se erigiu.

Em vista dessas características, a consciência poderá ser chamada

disposição, propensão ou faculdade. Não é, contudo, a disposição ou

faculdade de um indivíduo entre outros, mas, em sentido estrito, uma

disposição geral que é comum, em diversos graus, aos membros

individuais de um grupo, classe, sociedade. Nessas bases, a distinção

entre consciência verdadeira e falsa se torna significativa. Aquela

sintetizaria os dados da experiência em conceitos que refletem a

sociedade em questão nos fatos em questão tão plena e

adequadamente quanto possível. Essa definição "sociológica" não é

sugerida em razão de qualquer preconceito a favor da Sociologia, mas

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por causa da invasão da sociedade nos dados da experiência.

Consequentemente, a repressão da sociedade na formação de

conceitos é equivalente a um confinamento acadêmico da experiência,

uma restrição do significado. (Marcuse, 1982, p. 195)

A formação cultural, portanto, é fruto da relação com a realidade objetiva. No

entanto, se esta é permeada pela ideologia, é claro que fica comprometida, uma vez que

a ideologia se caracteriza pela falsa consciência acerca da realidade objetiva. Por isso

mesmo, Adorno (1966) apresenta o conceito de pseudoformação, a correspondência

direta com a “pseudorrealidade”, que, logo, engendra a “pseudo-individuação”. Esse

autor assevera que uma falsa apreensão da realidade ou da cultura, portanto, a

pseudoformação, é muito mais danosa para o indivíduo do que a ausência dela, já que

promove uma falsa sensação de conhecimento, o que incapacita o indivíduo para a

experiência cultural. Para exemplificar isso, o autor destaca uma pesquisa que fora

realizada entre um grupo ouvintes de rádio e um grupo que presenciava execuções

musicais. Verificou-se que havia uma enorme diferença no que diz respeito à

compreensão da obra e à experiência relatada. Quer dizer, aqueles que tiveram o rádio

como mediador do fenômeno cultural não percebiam na música nada de excepcional,

enquanto que os outros (aqueles que presenciaram a execução) tinham conceitos

bastante melhor formulados.

Cuando el campo de fuerzas que llamamos formación se congela en

categorias fijadas, ya sean las de espíritu o de naturaleza, las de

soberania o de acomodación, cada una de ellas, aislada, se pone en

contradicción con lo que ella misma mienta, se presta a una ideología

y fomenta una formación regresiva o involución. (ADORNO, 1966,

p.237)

Portanto, a pseudoformação coloca o indivíduo, ainda mais, nos enclaves

definidos pela ideologia da sociedade do capitalismo tardio, de modo que este torna-se

mais uma parte da engrenagem econômica e do aparato que reproduz a manutenção das

desigualdades. Assim, temos que:

Quanto mais o todo é despojado de seus elementos espontâneos e

socialmente mediado e filtrado, quanto mais ele é “consciência”, tanto

mais se torna “cultura”. O processo material de produção se manifesta

finalmente como aquilo que era em sua origem, ao lado dos meios de

manutenção da vida, na relação de troca: como uma falsa consciência

das partes contratantes uma a respeito da outra, como ideologia.

Inversamente, contudo, a consciência torna-se cada vez mais um mero

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momento de transição na montagem do todo. Hoje “ideologia”

significa sociedade enquanto aparência. (ADORNO, 2011, p. 95)

É a essa formação cultural que o documento da UNESCO faz referência, já que

ela seria capaz de solucionar os problemas de qualidade de educação que se apresentam

na contemporaneidade. Todavia, de saída, o documento sugere a sujeição da cultura à

ordem existente, à medida que propõe a educação voltada para a formação cultural

como um instrumento a serviço de tornar mais aptos e criativos os futuros

trabalhadores. Quer dizer, estabelece como parâmetro a submissão da cultura ao regime

do capital. Isso parece ser a subversão completa da noção de formação cultural do

indivíduo cuja essência é formar, por meio de experiências estéticas, o sujeito detentor

de uma personalidade desenvolvida. De acordo com o “Roteiro para a Educação

Artística”, ao contrário, a criatividade, a flexibilidade e a capacidade de adaptação às

mudanças geradas pela lógica do trabalho são as finalidades da educação assentada na

formação cultural, portanto, trata-se de uma formação voltada ao trabalho. O que pode

ser constatado no seguinte trecho:

As sociedades do século XXI necessitam de um cada vez maior

número de trabalhadores criativos, flexíveis, adaptáveis e inovadores,

e os sistemas educativos têm de evoluir de acordo com as novas

necessidades. A Educação Artística permite dotar os educandos destas

capacidades, habilitando-os a exprimir-se, avaliar criticamente o

mundo que os rodeia e participar ativamente nos vários aspectos da

existência humana. (UNESCO, 2006, p. 7)

Dessa forma, a ligação direta entre educação e trabalho se configura e se

estabelece claramente como objetivo central da proposta da instituição vinculada à

ONU (Organização das Nações Unidas). Na sociedade totalitária (assim definida pelos

autores frankfurtianos), em que tudo está vinculado à lógica da sujeição do trabalho ao

capital e, assim, todos os elementos da sociedade, inclusive o homem, tornam-se

ferramentas de expansão do aparato econômico, a reificação do indivíduo é quase

completa e progressiva. Parece não haver nenhuma classe social que escape a essa

lógica, tanto que Adorno (1966) assinala que a subjetividade dos indivíduos já não

apresenta grandes distinções entre si, independentemente da origem social,

principalmente, se se comparar as diferenças entre burguesia e proletariado no início do

desenvolvimento do modo de produção capitalista, quando a subjetividade da burguesia

era bastante mais desenvolvida, caso fosse comparada com a do proletariado, que era

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excluído de toda a possibilidade de formação nos termos ensejados pela própria cultura

burguesa.

A cultura materialisticamente transparente não se tornou

materialisticamente mais honesta, apenas mais vulgar. Com a perda de

sua própria particularidade, perdeu também o sal da verdade, que

antigamente consistia em sua oposição a outras particularidades.

Colocá-la diante da responsabilidade que recusa é apenas afirmar a

sua pretensão de relevância cultural. Neutralizada e pré-fabricada, a

totalidade da cultura tradicional acaba sendo hoje aniquilada: através

de um processo inexorável, a sua herança, reclamada pelos russos com

ar virtuoso, tornou-se dispensável e supérflua em larga escala, um

refugo para o qual os mercadores da cultura de massas podem, então,

novamente, apontar com um sorriso irônico, já que eles a tratam

exatamente dessa forma. Quanto mais totalitária for a sociedade, tanto

mais reificado será também o espírito, e tanto mais paradoxal será o

seu intento de escapar por si mesmo da reificação. (ADORNO, 2011,

p. 101-02)

Mesmo assim, as atividades culturais voltadas à bildung parecem conter em si

mesmas a capacidade de oferecer algo mais, no que se refere à resistência e a

humanização do indivíduo. Como é destacado nos dois enxertos a seguir:

A Teoria Crítica trouxe inúmeras contribuições à análise das relações

entre poder e cultura na sociedade capitalista, ressaltando, de um lado,

sua função legitimadora, dominadora, mas do outro, acenando com a

possibilidade de reconstrução da noção de cultura enquanto força

política poderosa contra o processo de dominação. A aspiração ao

resgate da formação cultural fornece um grande potencial para o

pensamento educacional contemporâneo, entendendo a formação

enquanto apropriação subjetiva da cultura através do pensamento

crítico. (BANDEIRA, 2008, p.12)

Se a civilização fragmenta o indivíduo, a imaginação reivindica o

indivíduo total, se a realidade caracteriza-se pela não liberdade, a

fantasia nega a não liberdade. A fantasia ou imaginação encontra uma

expressão no sonho, mas concretiza-se na arte, na literatura e nos

mitos, que constituem meios pelos quais a linguagem do sonho ganha

uma dimensão ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. Neles vêm à tona

tudo aquilo que o princípio de realidade reprimiu. (SILVA, 2005,

p.35)

Todavia, é necessário considerar as pressões exercidas pela racionalidade

tecnológica, pela sociedade que transforma o tempo livre em tempo administrado, pelos

processos sociais que levam à alienação e à reificação, em suma, pela sociedade

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capitalista que integra a cultura à lógica da economia política e, por isso mesmo, está

corporificada no indivíduo.

Na sociedade do capitalismo tardio, que sempre aspirou representar o

apogeu do esclarecimento, os impulsos encontram-se longe da

satisfação de suas necessidades que são cotidianamente subordinadas

aos anseios do consumo. Se os homens no capitalismo podem igualar-

se entre si, pois as relações de mercado na maioria das vezes

dispensam saber suas origens sociais, e se esse fato possui uma

dimensão positiva se comparado com as rígidas estruturas sociais

feudais, por outro lado, são como consumidores que os indivíduos se

afastam do controle de suas potencialidades, já que são subsumidas ao

fetiche de objetos produzidos pelos próprios homens. (ZUIN, 1998,

p.57)

Mais ainda, Marcuse (1982) apresenta o que, de acordo com suas proposições, é

uma contradição insolúvel, um paradoxo, que se manifesta por meio de duas tendências

irreconciliáveis.

Essa situação ambígua envolve outra ambiguidade ainda mais

fundamental. A “Sociedade Unidimensional” oscila, do princípio ao

fim, entre duas hipóteses contraditórias: 1) a de que a sociedade

industrial desenvolvida seja capaz de sustar a transformação

qualitativa durante o futuro previsível; e 2) a de que existem forças e

tendências que podem romper essa contenção e fazer explodir a

sociedade. Não creio que possa ser dada uma resposta clara. Ambas as

tendências existem lado a lado – e até mesmo uma dentro da outra. A

primeira tendência é dominante, e quaisquer condições prévias para a

reversão, possivelmente existentes, estão sendo usadas para preveni-

la. Talvez um acidente possa alterar a situação, mas, a não ser que o

reconhecimento do que está sendo feito e do que está sendo impedido

subverta a consciência e o comportamento do homem, nem mesmo

uma catástrofe ocasionará uma transformação. (MARCUSE, 1982, p.

18)

É nessa sociedade chamada unidimensional que a cultura está submetida à lógica

do capital. O autor considera que na época atual a cultura está ligada a um efeito

harmonizador totalitário, em que o pluralismo não representa conflitos, apenas

indiferença. Marcuse (1982) ainda apresenta grande preocupação com o

empobrecimento da experiência. Isto é, se há declínio no que se refere às

experimentações, também haverá na formação cultural do indivíduo, portanto, menor

condição de se posicionar contrário às questões que dizem respeito à manutenção da

sociedade contemporânea do capitalismo tardio.

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2.3 Cultura, Formação e Indivíduo

Cultura, formação e indivíduo são elementos indissociáveis para esta análise, ou

seja, a inter-relação estabelecida entre eles é de fundamental importância para melhor

explicitar as questões que se delineiam a partir do que se pretende compreender, a

formação cultural do indivíduo na sociedade do capitalismo tardio. Assim, o

entendimento dessas relações apresenta-se no “entrelaçamento do espírito com o

processo histórico da sociedade” (MARCUSE, 1997, p. 97).

Contudo, há diversificados conceitos que abarcam o termo cultura. Talvez, o

mais difundido seja aquele que deliberadamente aparta o mundo espiritual do processo

histórico-social em que a sociedade está inserida. Marcuse nomeia esse processo como

cultura afirmativa, pelo qual entende:

Cultura afirmativa é aquela cultura pertencente à época burguesa que

no curso de seu próprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar

o mundo espiritual anímico, nos termos de uma esfera de valores

autônoma, em relação à civilização. Seu traço decisivo é a afirmação

de um mundo mais valioso, universalmente obrigatório,

incondicionalmente confirmado, eternamente melhor, que é

essencialmente diferente do mundo de fato da luta diária pela

existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si “a partir

do interior”, sem transformar aquela realidade de fato. Somente nessa

cultura as atividades e os objetos culturais adquirem sua solenidade

elevada tanto acima do cotidiano: sua recepção se converte em ato de

celebração e exaltação. (MARCUSE, 1997, p. 95-96)

Diante disso, a cultura, portanto, comporta-se como algo que paira sobre a

sociedade, e a responsabilidade de alcançar a esfera cultural passa a ser do indivíduo,

convertendo a cultura e a arte à inocuidade. Em outros termos, a realidade material

tende a não permitir as mesmas conquistas alcançadas por meio da cultura afirmativa,

todavia esta possibilita ao indivíduo a oportunidade de manter contato com, ainda que

virtualmente, com uma realidade “superior”. Dessa forma, de nada serve a arte e a

cultura para a contestação da ordem estabelecida, negando ao indivíduo, de certa forma,

a possibilidade de por meio das manifestações culturais, apropriar-se de elementos que

o levem à reflexão. A supressão da contradição manifesta na objetividade é exatamente

a proposta da cultura afirmativa, já que ela pretende reafirmar os valores correntes da

sociedade de base industrial.

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Para Marcuse (2007), a arte não se apresenta necessariamente mais

bela do que a realidade, ao contrário, muitas vezes opõe-se à beleza,

evidenciando a frieza e crueldade da vida diária. [...] o potencial

transformador da arte reside justamente no seu distanciamento frente a

uma realidade opressora. Pois são as qualidades inerentes à arte: a

transcendência e o distanciamento, que estabelecem a ordem estética e

a manifestação do belo criando uma nova realidade, que mesmo

fictícia aponta as contradições entre o possível e o existente.

(AMARAL, 2012, p. 34-35)

Entende-se, portanto, que a cultura e a arte detêm, ainda que isso seja negado

sistematicamente, um conteúdo político; sendo assim, ocupam, no emaranhado de

relações econômico-político-sociais, um lugar de destaque e de peso nas determinações

da realidade objetiva.

A história da crítica cultural hegemônica no século XX foi a da

negação sistemática das ligações formativas entre a produção artística

e a realidade socio-histórica. É certo que esse século conheceu,

também por conta da expansão inédita dos meios de comunicação e de

reprodução e da própria pesquisa universitária, uma enorme variedade

de métodos e modas teóricas. Muitas delas até concordariam que o

social funciona como pano de fundo, mas a grande maioria rejeita a

ligação estruturante entre cultura e sociedade. Esse tipo de rejeição

tem um duplo efeito. Por uma via, funciona como uma forma de

elevar a esfera da cultura, colocando a produção de significados e

valores acima dos conflitos e interesses que regem a vida concreta.

Nesse processo de abstração, tudo se passa como se fosse possível

criticar a sociedade sem se imiscuir nela. Esse apartamento é

fundamental para que essa prática se equilibre em uma postura a um

só tempo crítica e conivente: considera a sociedade real do ponto de

vista de uma certa noção da ideologia vigente, o humanismo liberal.

Na maior parte das vezes faz um juízo dito estético das obras, seja

para elevá-las, seja para lamentar a esculhambação da sociedade da

cultura de massas. A alta cultura é vista em contraste com o mundo,

como uma realização do espírito ou como um repositório de valores

elevados. Uma vez que se propõe sempre neutra e apolítica, afinal seu

campo de ação é o das finalidades sem fins, essa crítica acaba

afirmando o modo de vida que pretende julgar. Tal procedimento

neutraliza o enorme potencial cognitivo da análise da cultura que é

consequência de sua capacidade única de ser uma materialização dos

significados e valores de um determinado momento da história social.

Essa materialização possibilita que estes sejam reconhecidos,

interpretados e efetivamente criticados. (CEVASCO, 2011)

O autor aponta exatamente para a condição política da alta cultura e da

importância que a estância cultural tem, principalmente, quando se leva em conta a

capacidade de representação dos significados sociais e objetivos de um dado momento

histórico.

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A formação é indissociável da cultura exatamente porque ocorre nela. Quer

dizer, considerando que a individuação é a própria subjetivação da realidade objetiva,

por conseguinte, é no caldo das experiências vividas nos ambientes sociais realizados

pela sociedade contemporânea, que, efetivamente, o indivíduo vive a formação.

Em outros termos, a consciência é determinada pelo ser social que, por sua vez,

é determinado pelas condições objetivas que estruturam a sociedade. Então, a formação

do indivíduo é, mais uma vez, a apreensão subjetiva da materialidade a qual está

submetido. A partir disso, é imperativo pensar quem é esse indivíduo, ou seja, qual é,

para usar os termos de Horkheimer e Adorno, a unidade fundamental, no que se refere à

formação.

A vida humana é, essencialmente e não por mera casualidade,

convivência. Com esta afirmação, põe-se em dúvida o conceito do

indivíduo como unidade social fundamental. Se o homem, na própria

base de sua existência, é para os outros, que são os seus semelhantes, e

se unicamente por eles o é, então a sua definição última não é a de

uma indivisibilidade e unicidade primárias, mas, outrossim, a de uma

participação e comunicação necessárias com os outros. Mesmo antes

de ser indivíduo o homem é um dos semelhantes, relaciona-se com os

outros antes de se referir explicitamente ao eu; é um momento das

relações em que vive, antes de poder chegar, finalmente, à

autodeterminação. (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p.47)

Com estas considerações parece ser possível visualizar a formação cultural do

indivíduo. Os autores destacam que o indivíduo só o é frente ao outro, portanto, em

relação a um outro elemento fora dele mesmo. E como a base da vida humana é a

convivência, a formação cultural do indivíduo somente tem sentido se se consentir que a

formação é, ao mesmo tempo, individual e social.

Assim, a formação cultural não é um valor em si, e sim um valor relacional, quer

dizer, realiza-se na medida em que se concretiza a relação entre o individual e a

totalidade.

2.4 Pseudoformação: a conversão da formação cultural em formação técnica

Para se entender a formação enquanto possibilidade e fenômeno de uma

determinada sociedade e momento histórico, parece ser indispensável a compreensão do

seu “par”, a pseudoformação. Como destacado no tópico anterior, a formação somente é

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considerada, de acordo com os autores da Teoria Crítica da Sociedade, quando atinge a

sociedade em geral e não somente determinados grupos ou classes sociais. Deve-se

levar em conta que por formação cultural entende-se: formação técnica, intelectual,

moral, política, da personalidade, em suma, da pessoa em sua totalidade.

À formação cultural (Bildung) precisa corresponder a urbanidade, e o

lugar geométrico da mesma é a linguagem. Ninguém pode ser

recriminado por ser do campo, mas ninguém deveria também

transformar este fato em um mérito, insistindo em permanecer assim.

Quem não conseguiu emancipar-se da província, posiciona-se de um

modo extraterritorial em relação à formação cultural. A obrigação de

se desprovincianizar, em vez de imitar ingenuamente o que é

considerado culto, deveria constituir uma meta importante para a

consciência daqueles que pretendem ensinar alguém. A divergência

persistente entre a cidade e o campo, a não-formação cultural do

agrário, cujas tradições são declinantes e irrecuperáveis, é uma das

figuras em que a barbárie se perpetua. Não se trata de requintes da

elegância do espírito e da linguagem. O indivíduo só se emancipa

quando se liberta do imediatismo de relações que de maneira alguma

são naturais, mas constituem meramente resíduos de um

desenvolvimento histórico já superado, de um morto que nem ao

menos sabe de si mesmo que está morto. (ADORNO, 2011a, p. 67/68)

Embora seja imprescindível à formação cultural o mergulho em aspectos mais

profundos, sobretudo presentes no próprio indivíduo, a formação implica subjetivação

de experiências. No entanto, se estas não acontecem, então, a própria formação fica

comprometida.

A subjetivação não se desenvolve mais a partir da cultura como

outrora, porque a experiência, no limite, foi suprimida. (...) a história

individual é substituída pela mudança contínua do indivíduo que deve

se adaptar a cada nova situação, abandonando o que sabia

anteriormente. É mais adaptável o que não tem princípios e

convicções, o que percebe as regras existentes em cada situação e as

utiliza a seu favor para atingir os seus objetivos, nem sempre

racionais. (CROCHÍK, 2011, p. 18)

Então, a vida sob o capitalismo tardio é condição impeditiva para que a

subjetivação de experiências aconteça plenamente, uma vez que a velocidade das

transformações impõe essa situação:

A vida na sociedade de base tecnológica passou a ser um constante

“rito de iniciação” porque, a todo instante, os indivíduos são

chamados a ingressar em um mundo que se apresenta como novo.

Parece não haver um momento em que a integração é concluída, pois,

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ela precisa ser realizada o tempo todo, ou seja, os indivíduos estão

sempre ocupados com a ratificação da ordem estabelecida; isso

garante sua perpetuação e confere aos membros da sociedade o direito

de pertencer a ela. (GIOVINAZZO-JÚNIOR, 2003, p.72)

Se a formação não é possível por conta das exigências econômicas do sistema

capitalista, é exatamente a pseudoformação que assume este lugar. Uma vez que, a

realidade econômica gera e é alimentada pela pseudoformação, conforme pode se

observado nos excertos a seguir:

A pseudoformação avança enquanto uma “espécie de espírito objetivo

negativo” (ADORNO, 1971, p. 234), conforme as forças produtivas

do capitalismo se desenvolvem, apresentando-se como o principal tipo

de formação possível na atualidade e segundo a qual tudo deve

conformar-se para não ser empecilho ao progresso. (BATISTA, 2008,

p. 32)

E também em:

A semiformação [pseudoformação] seria a forma social da

subjetividade determinada nos termos do capital. É meio para o

capital, e simultaneamente, como expressão de uma contradição,

sujeito gerador e transformador do capital. Adorno, ao contrário do

resignado pessimismo equivocadamente associado a sua obra,

apresenta uma alternativa prática real para a tendência à totalização

social dominante, ao revelar a construção objetiva da formação social

presente. (MAAR, 2003, p. 467)

Ao discorrer sobre formação e pseudoformação no tópico anterior, fez-se clara a

posição dos autores frankfurtianos sobre o que é formação cultural. Tendo isso em

consideração, vale dizer que na contemporaneidade, maciçamente entra-se em contato

com práticas educacionais, muitas vezes baseadas em formulações como a supracitada

da UNESCO. Assim, trata-se de uma maneira completamente diferente de conceber a

formação cultural daquela propugnada pela teoria crítica da sociedade. Embora, muitas

vezes, haja boa intenção em realizar propostas que tornem a cultura mais presente na

formação do indivíduo, parte do esforço se esvai quando a cultura se torna meio para

atingir a formação ensejada pelo mercado de trabalho, isto é, quando ações culturais são

empregadas de modo a tornar as pessoas ainda mais aptas e flexíveis às regras impostas

pela economia. É bom destacar que tornar a formação cultural um caminho para o

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trabalho é supervalorizar a formação técnica. Claro que esta integra a formação cultural,

no entanto, uma não pode ser reduzida a outra.

O mágico está para o cirurgião como o pintor está para o operador de

câmera. O pintor observa, no seu trabalho, uma distância natural para

aquilo que é dado, o operador de câmera, ao contrário, penetra

profundamente no tecido da realidade dada. As imagens que cada um

obtém diferenciam-se enormemente. A do pintor é total, a do operador

de câmera é multiplamente fragmentada, cujas partes se juntam

segundo uma nova lei. Dessa forma, a apresentação cinematográfica

da realidade possui um significado incomparavelmente maior para o

homem atual, pois fornece o aspecto livre de aparelho da realidade,

que ele tem o direito de exigir da obra de arte, baseada justamente na

penetração mais intensiva da realidade como o aparato. (BENJAMIN,

2012, p.89)

A metáfora presente no excerto acima é bastante significativa no que se refere à

capacidade que possui de projetar imagens exemplificadoras da formação técnica em

comparação à formação cultural. A primeira, representada na figura do operador de

câmera, faz referência ao homem contemporâneo, cuja fragmentação, se não o impede,

pelo menos dificulta a percepção do cenário em que está inserido e, por conseguinte,

também das relações que promovem esse simulacro. Já o pintor, que tem a capacidade

de ver globalmente, representa a segunda, a formação cultural, efetivamente.

Sob o capitalismo tardio, o que se apresenta é a abstração do processo objetivo,

o apagamento das relações de dominação no circuito da produção. Então, se a formação

está voltada à técnica é claro que bem de perto se tem o trabalho como objetivo a ser

alcançado subsequentemente. E o conceito de trabalho também deve ser observado de

uma perspectiva dialética. Por isso mesmo, nessa atividade também se observa a

contradição, inerente ao modo de produção capitalista. Ou seja, se o trabalho aliena o

homem, é por meio dele também que o homem pode expressar-se completamente,

enquanto sujeito. O que está expresso nos seguintes excertos:

O processo de alienação afeta a todas as camadas da sociedade,

deformando mesmo as funções “naturais” do homem. Os sentidos, as

fontes primárias de liberdade e de felicidade segundo Feuerbach, são

reduzidos a um “sentido de posse”. (MARCUSE, 2004, p. 241)

Longe de ser uma mera atividade econômica, o trabalho é a “atividade

existencial” do homem, sua “atividade livre, consciente” – não um

meio de conservação da sua vida, mas um meio de desenvolvimento

da sua “natureza universal”. (MARCUSE, 2004, p. 238)

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De acordo com a leitura que Marcuse (2004) faz da obra de Marx, para este

último o trabalho é sempre fator de alienação do sujeito, ao mesmo tempo em que

também constitui o homem. Em outros termos, o trabalho aumenta o fosso entre o

indivíduo e a sociedade, todavia sem o trabalho, compreendido aqui como

exteriorização, o indivíduo não se constitui completamente.

Marx chegava mesmo a descrever a autorrealização do homem em

termos de unidade entre o pensamento e o ser. Entretanto, o problema,

tomado na sua totalidade, não é mais um problema filosófico, porque

a autorrealização do homem requer agora a abolição do modo vigente

do trabalho, não podendo a filosofia produzir este resultado.

(MARCUSE, 2004, p. 239)

O que Marcuse (2004) destaca é que o trabalho alienado deve ser abolido para

que o homem tenha a chance de autorrealização, mas a realização permitida é fruto do

processo de divisão social do trabalho imposto pela organização capitalista.

É a chave de leitura colocada por Marx que é adotada pela própria UNESCO, ao

produzir o documento que sugere mudanças na educação, isto é, a percepção de que o

trabalho faz parte da realidade objetiva da vida social do homem. Reproduzindo a

ideologia burguesa, o órgão internacional justifica a eleição da Educação Artística como

fundamental para o século XXI baseado nos fenômenos objetivos que estão a serviço do

capital. Diante disso, é possível perceber que, efetivamente, não há qualquer

preocupação com a formação do indivíduo e sim com a manutenção do modo de

produção vigente. Por essa razão, além de reiterar a alienação, tanto na educação quanto

no trabalho, o documento proposto pela UNESCO, valida a pseudoformação como

elemento sem o qual a sociedade capitalista corre riscos de degradação. Ou o

documento produzido pela entidade internacional expressa ingenuidade ou reproduz

deliberadamente a ideologia burguesa. Pois não questiona a situação diagnosticada,

fazendo apenas constatações e propondo medidas compensatórias que seriam capazes de

promover a manutenção do status quo. Parece mais acertado observar a situação a partir

da proposta (presente na segunda parte do texto, intitulado “Desenvolver as capacidades

individuais”, assinado pela UNESCO), principalmente considerando o seguinte trecho

do Roteiro para a Educação Artística:

Estas capacidades são particularmente importantes para enfrentar os

desafios que se levantam à sociedade do século XXI. As

transformações sociais que afetam as estruturas familiares, por

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exemplo, fazem com que as crianças sejam frequentemente privadas

da atenção dos progenitores. Acresce que, devido à falta de

comunicação e de construção de relações na sua vida familiar, as

crianças passam amiudadas vezes por uma série de problemas

emocionais e sociais. Além disso, torna-se cada vez mais difícil a

transmissão de tradições culturais e práticas artísticas no ambiente

familiar, em especial nas áreas urbanas. (UNESCO, 2006, p. 7)

Embora não seja a única responsável pela formação cultural do indivíduo, parece

cada vez mais ser a educação formal condição sine qua non para a formação na

contemporaneidade. E por isso mesmo é importante observar a influência que o sistema

capitalista exerce na “fabricação” dos indivíduos.

Também na educação há novas e importantes possibilidades, já

indicadas pelo sucesso da Universidade Aberta. Poderia haver uma

nova gama de sistemas de aprendizado formal, que as pessoas

poderiam usar em seu próprio tempo e no seu próprio ritmo. Isso será

especialmente relevante em um período no qual haverá novas

necessidades para uma educação disponível permanentemente.

Contudo, o que está acontecendo agora, nas instituições existentes, é

uma pressão constante de uma economia capitalista tardia e seus

governos para reduzir a educação tanto em absoluto quanto em

diversidade, excluindo deliberadamente um ensino que ofereça mais

do que uma preparação para o trabalho e para uma vida civil pré-

regulada. (WILLIAMS, 2011, p. 155)

Vale dizer que a própria sociedade, em qualquer âmbito ou área considerada,

atravessa um período absolutamente caracterizado pelo tecnicismo, a partir do qual se

tenta justificar qualquer escolha, desconsiderando a orientação ideológica desta; ao

contrário, procura-se dizer que a ideologia nada tem a ver com a questão, que ela não

existe. O que, sem sombra de dúvida, representa um enorme equívoco. Ao descrever a

racionalidade tecnológica (ou o tecnicismo) Adorno também teve oportunidade de

elaborar questões acerca da coisificação por que passa a sociedade atual, mais

especificamente sobre o fetichismo da técnica, como segue no excerto:

Por outro lado, na relação atual com a técnica existe algo de

exagerado, irracional, patogênico. Isto se vincula ao “véu

tecnológico”. Os homens inclinam-se a considerar a técnica como algo

em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo

que ela é a extensão do braço dos homens. Os meios – e a técnica é

um conceito de meios dirigidos à autoconservação da espécie humana

– são fetichizados, porque os fins – uma vida humana digna –

encontram-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas.

(ADORNO, 2011. p.132)

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Isso também pode ser estendido, por exemplo, para os esforços da escolarização

em conferir formação técnica aos alunos. A valorização desta revela o controle que o

mundo administrado, para usar os termos de Adorno, exerce sobre o indivíduo, por

exemplo, no que se refere à heteronomia e à determinação dos desejos e necessidades

individuais. A própria técnica ensejada pela racionalidade tecnológica reafirma a

separação entre qualificação e desqualificação para o trabalho e, portanto, interfere

sobremaneira na educação. Apenas para ilustrar destaque-se a situação da própria

universidade – que leva adiante o trabalho da própria educação – e das Ciências que,

conforme descreve Boaventura de Souza Santos, foram submetidas aos interesses do

capital:

(...) a educação, que fora inicialmente transmissão da alta cultura,

formação do caráter, modo de aculturação e de socialização adequado

ao desempenho da direção da sociedade, passou a ser também

educação para o trabalho, ensino de conhecimentos utilitários, de

aptidões técnicas especializadas capazes de responder aos desafios do

desenvolvimento tecnológico no espaço da produção. Por seu lado, o

trabalho, que fora inicialmente desempenho de força física no

manuseio dos meios de produção, passou a ser também trabalho

intelectual, qualificado, produto de uma formação profissional mais ou

menos prolongada. A educação cindiu-se entre a cultura geral e a

formação profissional e o trabalho, entre o trabalho não qualificado e

o trabalho qualificado. (SANTOS, 2010, p.196)

A constituição histórica do vínculo entre educação e trabalho é desconsiderada e

em seu lugar surge a naturalização do social. A UNESCO, portanto reproduz a ideologia

vigente na sociedade: a própria formação cultural se converteu em instrumento do

capital, assim como o trabalho assalariado sempre o foi. Nessa sociedade, amplamente

marcada pelo autoritarismo, pela ausência de liberdade em todos os âmbitos não se pode

falar em criatividade de fato. As condições sociais, econômicas, políticas e culturais que

promovem a pseudoformação continuam as mesmas, logo os processos educacionais

estão marcados pela tendência de promoção da pseudocriatividade, o que está em

conexão com a manutenção da realidade objetiva do modo de produção capitalista em

estágio tardio.

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Capítulo 3 – Documentos, ações e expectativas das escolas diante dos desafios

surgidos na contemporaneidade

3.1 Problema de Pesquisa

Diante do exposto sobre formação cultural, sobre a importância conferida para a

educação artística nos diversos documentos tratados no primeiro capítulo desta pesquisa

e, principalmente, sobre ao que se refere o reconhecimento do caráter educacional das

práticas culturais, definiu-se nos seguintes termos a pergunta de pesquisa: qual

diagnóstico e quais objetivos educacionais, ações previstas e estratégias são definidos

no projeto educacional para o Ensino Médio de duas escolas (uma pública e outra

privada), considerando os documentos oficiais produzidos no âmbito da própria escola?

O objetivo é identificar e analisar como são definidas as tarefas e funções da

escola tendo como referência a valorização das atividades culturais e artísticas e o modo

como são realizados diagnósticos, definidos objetivos educacionais e propostas de ações

para equacionamento dos problemas educacionais referentes à formação cultural.

Já a hipótese pode ser expressa nos seguintes termos: o Ensino Médio é a porta

de saída da educação básica no sistema educacional adotado no Brasil. Nas últimas

décadas, diversas e cumulativas responsabilidades têm sido atribuídas à escola. Entre

elas, é notória a presença da expectativa de que, completada a educação básica, o

egresso seja capaz de escolher os caminhos que vai trilhar em seu futuro.

Frequentemente, é nesse momento que o indivíduo define a carreira profissional e, por

conseguinte, o seu destino social. Por conta da valorização das atividades de cunho

cultural, como conteúdos a serem tratados na educação formal, as hipóteses testadas

são:

1) Verifica-se, nos documentos analisados, a crescente tendência de destacar a

necessidade de a escola incorporar conteúdos relacionados às atividades culturais como

forma de adequar a escola ao contexto em que está situada;

2) Ainda que as mudanças sejam evidentes e que as atividades culturais nas escolas

tenham um sério propósito, predomina a formação voltada para o trabalho.

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3.2 O método

Neste item apresenta-se o método e os resultados da investigação, desde a

escolha das fontes de informação, passando pela seleção destas e, por fim, o instrumento

por meio do qual se realizou a coleta de dados. Vale ressaltar que este trabalho pretende

discutir as variações de concepção e de ações propostas, comparando, para isso,

documentos produzidos em diferentes âmbitos. Assim, segue abaixo um quadro

demonstrativo dos desdobramentos do problema de pesquisa:

Quadro 1 – Articulação entre pergunta, objetivo e hipótese Pergunta Objetivo Hipótese

Qual o diagnóstico e quais

objetivos educacionais, ações

previstas e estratégias são

definidos no projeto educacional

de duas escolas (uma pública e

outra privada), considerando os

documentos oficiais produzidos

no âmbito da própria escola?

Identificar e analisar como são

definidas as tarefas e funções da

escola tendo como referência a

valorização das atividades

culturais e artísticas.

Identificar e analisar o modo

como são realizados

diagnósticos, definidos objetivos

educacionais e propostas de

ações para equacionamento dos

problemas educacionais

referentes à formação cultural.

Verifica-se, nos documentos

analisados, a crescente tendência

de destacar a necessidade de a

escola incorporar conteúdos

relacionados às atividades

culturais como forma de adequar

a escola ao contexto em que está

situada;

Ainda que as mudanças sejam

evidentes e que as atividades

culturais nas escolas tenham um

sério propósito, predomina a

formação voltada para o

trabalho.

Ante os propósitos desta pesquisa definiu-se a investigação documental como a

mais adequada, isso porque a intenção é verificar como as escolas estudadas se

posicionam frente à realidade do mundo do capitalismo tardio e diante das vicissitudes

que dele emerge. Quer dizer, os documentos pareceram o material mais adequado para

capturar as intenções e estratégias de cada escola frente ao modelo de sociedade coevo.

Ainda que os documentos não retratem, fidedignamente, o que de fato ocorre no

cotidiano das práticas educativas de cada escola, eles são elementos bastante capazes de

oferecer a “leitura” que as instituições fazem de seu papel na formação cultural de seus

alunos.

Por isso, a primeira etapa foi visitar os espaços que se pretendia estudar e

conversar com os diretores ou responsáveis que pudessem autorizar a pesquisa e,

portanto, o acesso aos documentos. Para isso, em cada escola, foi apresentado,

detalhadamente, o projeto de pesquisa. Compartilhado isso, os diretores aceitaram

colaborar, embora no caso da escola pública tenha sido um pouco mais difícil.

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Nessa escola, os primeiros contatos foram com o vice-diretor, no cargo havia

cerca de três anos; só então, marcou-se encontro com a diretora, no cargo havia pouco

mais de um ano, que, titubeante, aceitou. Durante a conversa, que ocorreu a portas

fechadas, estavam presentes: a diretora, o vice-diretor, a secretária de ambos e o

pesquisador. O que ficou bastante claro, inclusive por meio de pedido expresso de todos

os membros presentes à reunião, é que a escola não deveria ser identificada em hipótese

alguma. Isso, durante a apresentação da pesquisa, já havia sido garantido, entretanto,

tive de asseverar veementemente que não haveria a menor possibilidade de o anonimato

da escola ser quebrado. Julga-se essa situação ser decorrência do medo de retaliações e

de avaliações feitas, reiteradamente, pela Secretaria de Educação do Estado de Minas

Gerais. Temiam que, por meio do resultado da pesquisa, qualquer que fosse, a escola

poderia sofrer mudanças de alguma natureza. Depois de me comprometer a não revelar

onde foram realizadas as buscas de informações, a direção permitiu o acesso à

documentação de que dispunham. Nesse encontro marcamos nova data, cerca de quinze

dias depois, para que pudesse voltar à cidade e à escola para pegar alguns documentos,

todavia, para a minha surpresa, as coisas foram ainda mais complicadas do que na

reunião. A desconfiança pairava nas salas, secretaria e biblioteca, onde estavam

acomodados os documentos. Além disso, os funcionários diziam não saber da existência

desse ou daquele documento ou não sabia onde e nem quem o havia guardado; isso

repetidas vezes em que estive lá.

O vice-diretor, quem parece ter apoiado a ideia de pesquisar a escola desde o

início, algumas vezes, quando suas atribuições lho permitiam, tentava ajudar, pedindo

aos funcionários mais velhos de casa do que ele, que achassem os documentos

solicitados; e assim, com a interferência dele, conseguiu-se alguns documentos

importantes.

Na escola privada, a grande dificuldade foi marcar entrevista com o diretor, na

qual pudesse expor a ele as intenções do projeto e pedir sua autorização. No cargo desde

1979, o diretor acumula diversas funções, além das que lhe cabem legalmente; ele é

bastante ocupado com os rumos pedagógicos que a escola assume. Embora haja

discussões com os coordenadores e estes com os seus colegas de área, o diretor está a

par de tudo o que acontece no que se refere à condução pedagógica da escola. Ao

encontrá-lo, expliquei do que se tratava a visita e o que pretendia a pesquisa; ele logo

autorizou o acesso aos documentos e permitiu, inclusive, que fosse dito o nome da

escola na pesquisa. Ao que respondi dizendo que uma das regras da pesquisa é que a

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escola não poderia ser identificada. Daí então, disse que falaria com os setores

responsáveis pelos documentos, determinando que o pesquisador poderia ter acesso a

eles; para isso pediu, cerca de uma semana. E assim se encerrou a primeira parte da

busca pelas informações.

O início da segunda etapa ocorreu justamente quando retornei à cidade, na data

aprazada por ambas as escolas, para a busca pelos documentos. Os funcionários das

duas escolas pareciam desconfiados, contudo os da escola pública, efetivamente,

colaboraram na busca pelos documentos quando estávamos acompanhados do vice-

diretor; na escola privada os responsáveis pelos documentos advertiram sobre a

importância dos documentos e que se tratava de uma exceção permitir que alguém sair

com os documentos em mãos. É bom dizer que para reunir todos os documentos foram

necessárias algumas visitas, visto que alguém sempre não estava presente naquele dia

para o atendimento ou havia se esquecido de procurar um dos documentos listados, ou,

no caso da escola pública, não se fazia a menor ideia de onde poderia estar determinado

arquivo.

O terceiro passo correspondeu ao ajuste da pesquisa aos documentos a que se

teve acesso. Melhor dizendo, de início, além de analisar como as escolas entendem o

seu papel nessa sociedade, pretendia-se também verificar as mudanças desse

entendimento num período de vinte anos, entre 1992 e 2012. No entanto, por conta da

ausência de documentos que pudessem dar suporte à investigação, optou-se por realizar

apenas a primeira parte da intenção de pesquisa. Isso acertado, o passo seguinte foi

reunir os documentos produzidos nas escolas, portanto em âmbito local, aos produzidos

em esfera estadual, nacional e internacional, haja vista a necessidade de melhor

compreender as circunstâncias nas quais a educação contemporânea, o ensino médio e a

educação artística estão mergulhados. Depois do que passamos às análises documentais

propriamente ditas.

3.3 As Escolas

Para a realização desta pesquisa foi fundamental o acesso aos documentos de

duas escolas, ambas situadas na cidade de Uberaba-MG, no bairro Abadia, um dos mais

populosos do lugar. Distantes entre si poucas quadras, as escolas (uma da rede estadual

de ensino e outra privada), ao permitirem o acesso aos seus documentos, contribuíram

sobremaneira com o andamento da pesquisa e as análises realizadas. Sem dúvida, não

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obstante, são escolas bastante diferentes, no que se refere à infraestrutura e ao público

que atendem. Por isso, faz-se necessária uma melhor apresentação desses espaços.

A escola estadual (doravante denominada Escola E) que é objeto de estudo desta

pesquisa foi fundada em 1966 e atende a 1194 alunos, dos quais 759 estão matriculados

no Ensino Médio e 435 no Ensino Fundamental. Para atender aos alunos, a Escola E

conta com um professor de artes, 10 de Língua Portuguesa, quatro de Língua

Estrangeira, três de Educação Física, quatro de História, cinco de Geografia, um de

Filosofia, um de Sociologia, cinco de Biologia, três de Física, três de Química e seis de

Matemática, totalizando 46 professores. A Escola E está edificada num amplo terreno

que abriga cerca de 30 salas, entre salas administrativas, da diretoria e biblioteca, além

do refeitório e duas quadras poliesportivas.

A Escola E, em seu Regimento Escolar se apresenta por meio dos seguintes

termos:

A Escola E, oferece o Ensino Fundamental organizado em regime

anual para os quatro anos finais e Ensino Médio. Oferece ainda,

Projetos autorizados pela SEE, como Projeto de Tempo Integral,

Projeto de Aprofundamento e Formação Inicial para o Trabalho. A

demanda do Ensino Fundamental e Ensino Médio são compostos por

alunos residentes no bairro e de bairros vizinhos. (REGIMENTO

ESCOLAR DA ESCOLA E, 2012, p. 2)

A escola privada (doravante denominada Escola P), que também é objeto de

estudo desta pesquisa, foi fundada em 1954 e hoje é uma espécie de escola modelo do

sistema CNEC (Campanha Nacional das Escolas da Comunidade), composto de

aproximadamente 180 unidades espalhadas pelo Brasil. A Escola P atende desde a

educação infantil até o ensino médio e conta com, aproximadamente, 2500 alunos. Está

edificada em três blocos distintos: um reservado à educação infantil, às piscinas e à

gráfica da rede CNEC, outro destinado ao Ensino Fundamental e Médio (há cerca de

100 salas, incluindo as da administração, diretoria e de produção de material didático),

com uma quadra poliesportiva e um ginásio; e um terceiro, que abriga um teatro com

capacidade para, aproximadamente, 1500 expectadores. Todos os blocos estão

localizados proximamente, bastando atravessar a rua para acessar os distintos

ambientes. Ao definir-se em documento próprio, o Regimento Escolar, a Escola P se

apresenta como:

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A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC – ex-

Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, criada em 29 de julho

de 1943, em Recife-PE, reconhecida de Utilidade Pública pelo

Decreto nº 36.505, de 30 de novembro de 1954, com sede e foro na

cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba, e atuação em todo o

território nacional, é pessoa jurídica de direito privado, sem fins

lucrativos, constituída sob forma de associação civil (REGIMENTO

ESCOLAR DA ESCOLA P, 2011, p. 2).

A preocupação e a relação da escola P com a comunidade que atende estão

presentes desde o início. Vale lembrar que a CNEC tinha como forte propósito, à época,

se instalar em localidades em que não havia a presença do Estado, portanto, a proposta

era fundar escolas, especialmente, de ensino secundário. Na década de 1950, quando foi

fundada, e nos anos 1960 o bairro Abadia, onde funciona, era periférico. As pessoas se

referiam à instituição como a escola da Coréia, em referência à guerra da Coréia e à

violência presente nas cercanias da escola. Sobre a importância da comunidade na

construção da instituição temos que:

O Colégio foi criado inicialmente sob a denominação de Ginásio

Escola P, integrado na ex-Campanha Nacional de Educandários

Gratuitos. A data de sua fundação ocorreu em sessão solene, no salão

nobre da Associação Comercial e Industrial de Uberaba, no dia 11 de

junho de 1953, e sua aula inaugural foi ministrada no dia 16 de março

de 1954. O Ginásio funcionava somente no período noturno e ocupava

as instalações cedidas pelo governo do estado de Minas Gerais no

Grupo Escolar Brasil (...) Com esforço conjunto dos seus dirigentes e

professores, houve grande afluência de alunos para o Educandário que

se viu na contingência de ampliar suas instalações. Como as salas

cedidas, a título precário, tornaram-se insuficientes para o atendimento

de todos, pensou-se na construção da sede própria, o que foi feito com

a ajuda da comunidade, do Conselho Federal da CNEC e dos

Governos do Estado e do Município. Em 1963 suas instalações foram

transferidas para a sede própria (...) (REGIMENTO ESCOLAR

ESCOLA P, 2011, p. 1)

3.4 Os resultados encontrados

Em cada documento produzido pelas escolas, buscou-se averiguar o que cada

instituição entende no que diz respeito: a) ao objetivo a ser cumprido pela educação

oferecida; b) aos projetos e propostas de ações para a realização da tarefa de ensino-

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aprendizagem; c) aos objetivos da formação cultural e/ou artística; d) aos objetivos da

escola.

3.4.1 Os documentos da Escola Estadual (Escola E)

Antes de começar, propriamente, a apresentação e depois a discussão desses

documentos, é bom destacar que, com o objetivo de proteger a identidade da escola,

toda vez que o nome dela aparece nos documentos, nos trechos que foram trazidos para

este trabalho, a designação foi substituída por Escola E.

O Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola E, denominado de Plano de

Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI) parece ser o marco referencial, no

que diz respeito à documentação de que dispomos, para todos os outros documentos,

exceção feita ao Regimento Escolar. Isto é, o PDPI, cuja confecção data de 2004, foi

elaborado para nortear as práticas escolares por dez anos, entre 2005 e 2014, logo segue

em vigor. Assim, todos os demais documentos, de alguma forma, parecem estar

relacionados ou ter o PDPI como ponto de partida. Sobre este documento temos que:

Para tanto, partimos da concepção de que “O projeto político-

pedagógico da escola (PPP) – aqui denominado: Plano de

Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI) – pode ser

inicialmente entendido como um processo de mudança e de

antecipação do futuro, que estabelece princípios, diretrizes e propostas

de ação para melhor organizar, sistematizar e significar as atividades

desenvolvidas pela escola como um todo. Sua dimensão político-

pedagógica caracteriza uma construção ativa e participativa dos

diversos segmentos escolares – alunos e alunas, pais e mães,

professores e professoras, funcionários, direção e toda a comunidade

escolar. Ao desenvolvê-lo, as pessoas ressignificam as suas

experiências, refletem as suas práticas, resgatam, reafirmam e

atualizam os seus valores na troca com os valores de outras pessoas,

explicitam os seus sonhos e utopias, demonstram os seus saberes, dão

sentido aos seus projetos individuais e coletivos, reafirmam as suas

identidades, estabelecem novas relações de convivência e indicam um

horizonte de novos caminhos, possibilidades e propostas de ação.

Decidem o seu futuro. Este movimento visa à promoção da

transformação necessária e desejada pelo coletivo escolar e

comunitário. Nesse sentido, o projeto político-pedagógico é práxis, ou

seja, ação humana transformadora, resultado de um planejamento

dialógico, resistência e alternativa ao projeto de escola e de sociedade

burocrático, centralizado e descendente. Ele é movimento de ação-

reflexão-ação, que enfatiza o grau de influência que as decisões

tomadas na escola exercem nos demais níveis educacionais.” (Padilha,

2003). Dando continuidade às nossas reflexões, entendemos também,

que a Proposta Pedagógica da escola (PP) é a alma do PPP ou PDPI.

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Sendo assim, a Proposta Pedagógica (PP) deve estar nele incluída, já

que, de fato, é ela que operacionaliza os seus objetivos e as suas metas

e, mais propriamente, a ação didático-pedagógica da escola. (PDPI

ESCOLA E, 2004, p. 11-12)

Embora o documento enfatize o caráter coletivo no processo de sua construção,

traz uma citação significativa em suas linhas, atribuída à Padilha. Fato este que atesta a

contradição presente no próprio documento, haja vista que Paulo Roberto Padilha é

pesquisador e diretor pedagógico do Instituto Paulo Freire, localizado na cidade de São

Paulo; portanto, não é e nunca foi membro da Escola E. Ressaltado isso, o que parece

ter sido decisivo na construção desse documento e, por conseguinte de todos os outros

que dele derivam, é o fato de que a escola, possivelmente percebendo a quantidade de

desafios se avolumarem, realizou o que chamou de “Leitura da Realidade”. Esta

consistiu na observação detida de problemas e dificuldades da própria escola, com

especial atenção à percepção que a comunidade tinha a respeito dos obstáculos a

enfrentar. Sobre isso, diz o documento:

A leitura da realidade pode ser categorizada como um processo de

identificação ou de autorretrato da escola, ou de conhecimento da

realidade escolar, realizado com base na observação participante

(sócio-antropológica), no qual há uma interação constante entre

pesquisador e objeto pesquisado. Ela caracteriza-se por considerar

aspectos relacionados à dimensão cotidiana da escola – o seu universo

educativo e os seus indicadores de desempenho – e da comunidade

que faz parte de sua área de abrangência, enfatizando as suas

diferentes dimensões. Neste trabalho, privilegiou-se as seguintes

modalidades de leitura de realidade escolar:

- Leitura do Entorno da Escola através do que se convencionou

chamar “Festa da Escola Cidadã”;

- Leitura da Realidade através do Universo Escolar.

- Leitura da Realidade através dos Indicadores Escolares. (PDPI

ESCOLA E, 2004, p. 15)

O marco referencial, como é tratado pelo documento, construído a partir da

“leitura da realidade” conferiu à escola a possibilidade de reunir informações que teriam

ajudado a escola a se organizar, baseada nas aspirações e carências da comunidade que

atende. Todavia, o processo de como foi captado os dados não está descrito no

documento.

Ao optar por realizarmos a “Festa da Escola Cidadã”, enquanto

primeiro momento ou primeira estratégia de “Leitura da Realidade da

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Escola”, nos propusemos a levantar dados da realidade onde a escola

está inserida – do seu entorno – de uma forma mais coerente com a

nossa concepção de educação, para, a partir daí, iniciarmos, de certa

forma, a construção do Marco Referencial. Isto porque, ao

sistematizarmos as atividades da festa e ao orientarmos o nosso olhar

para as dimensões: ambiental, política, cultural, econômica, social e

organizacional do entorno da escola, estivemos dialogando com esta

realidade e tentando captar nela quais os valores dos sujeitos que ali

vivem e que participaram da festa/leitura do mundo, quais seus

compromissos, visão de mundo, seus sonhos e utopias. Desse modo, o

significado da festa entendida, a princípio, como um primeiro

caminho para a "leitura da realidade", aos poucos foi sendo

aperfeiçoado e organizado, servindo como matriz para a realização das

sínteses necessárias para que a escola construísse o seu Marco

Referencial. (PDPI ESCOLA E, 2004, p. 15-16)

Depois de realizadas as etapas para, efetivamente, ter condição de fazer a sua

“leitura da realidade”, culminando no marco referencial, o documento busca esclarecer

a importância deste como ponto de partida a partir do qual a escola poderia se organizar.

Para justificar todo o processo de busca por dados e a tentativa de resolver alguns de

seus problemas, o documento e, portanto, a escola, lança mão das observações da

UNESCO, conforme pode ser verificado:

Após a “Leitura da Realidade”, que se realizou em três momentos

distintos e complementares, quais sejam: - Leitura do Entorno da

Escola através da “Festa da Escola Cidadã”; - Leitura da Realidade

através do Universo Escolar; e - Leitura da Realidade através dos

Indicadores Escolares; em processo concomitante, o coletivo da escola

dedicou-se a revisão do Marco Referencial do seu Plano de

Desenvolvimento Pedagógico Institucional, uma vez, que já o tem

explicitado na sua filosofia de trabalho, ou seja, na proposta da

“escola do aprenda a ser”.[...] Desse modo, a partir das próprias

condições da escola e dos pressupostos acima enunciados, a Escola E

toma como referência para reflexão e revisão do seu Marco

Referencial os princípios e fundamentos da “escola do aprenda a

ser”, definida no início dos anos 1980 – baseados nas recomendações

do relatório de “Edgar Faure” para a UNESCO, em 1972, ao elaborar

um balanço crítico da educação naquele momento –, portanto, bem

antes dos atuais “pilares da educação para o Século XXI” serem

explicitados no relatório de “Jacques Delors” para a UNESCO em

1999, e que, ao longo desses 20 (vinte) anos vem orientando toda a

reflexão e prática da escola. Como o Marco Referencial representa o

alicerce e a base política e filosófica que dará sustentação ao Plano de

Desenvolvimento Pedagógico Institucional – PDPI – e a Proposta

Pedagógica da Escola – PP – sequer podemos pensar, na perspectiva

de uma escola que se propõe cidadã, em não realizá-lo

processualmente. (PDPI ESCOLA E, 2004, p. 39-40)

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Mais adiante, quando a escola estabelece os seus compromissos e, portanto,

também a sua função social frente à sociedade que integra, faz a defesa de que a escola

deve ser útil ao processo de desenvolvimento engendrado pelo capitalismo tardio,

conforme o excerto:

Tomando por referência, recente trabalho de pesquisa realizada por

César Benjamim, através da Fundação Carlos Chagas de Amparo à

Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ – publicado em 2002

sob o título: “O Brasil é um sonho” – [texto utilizado na construção do

Marco Referencial] e concordando com ele, os entrevistados durante a

construção deste Plano, apontam cinco compromissos com os quais o

Projeto Nacional deverá se comprometer. São eles:

1 – O compromisso com a soberania buscando conferir ao Brasil a

autonomia que nunca teve;

2 – O compromisso com a solidariedade valorizando mais as

pessoas do que as coisas; precisamos garantir para todos: moradia

digna, comida necessária, escola de boa qualidade, assistência à saúde

e direito à vida e ao trabalho;

3 – Compromisso com o desenvolvimento valorizando nossas

terras, recursos naturais, fábricas, cientistas, intelectuais e

trabalhadores para multiplicar nossas oportunidades. E colocando os

bancos para servir à nação;

4 – Compromisso com a vida em todas as suas formas

reinventando um novo tipo de desenvolvimento, que se preocupe,

antes de mais nada, com o ser humano e com a natureza, que é a fonte

da nossa vida;

5 – Compromisso com a verdadeira democracia procurando

desenvolver um novo sistema político, construído de baixo para cima,

baseado na participação de todos. Aprendendo a respeitar e conviver

com as diferenças, para ampliarmos nossa visão e horizontes. (PDPI

ESCOLA E, 2004, p. 42-43 – grifos meus)

Quer dizer, os compromissos que a escola define como seus são absolutamente

contraditórios, por exemplo, como é possível reinventar um novo tipo de

desenvolvimento colocando os bancos escolares para servir a nação? Além disso, a

questão da qualidade se apresenta, contudo, não está expresso o que é essa referida

qualidade. Embora não esteja declarado, a noção que se tem de como ofertar educação

está amplamente influenciada pela forma apresentada pelo MEC, além da UNESCO

conforme já apresentado, ou seja, habilidades, competências e interdisciplinaridade são

palavras recorrentes em todo o texto.

Já o documento intitulado Proposta Pedagógica (PP), traz, de saída, uma

referência a uma conhecida pedagoga da cidade, cujo nome é Maria de Lourdes Melo

Prais, mais conhecida por Dedê Prais. Ela foi a primeira diretora da escola, desde a sua

fundação em 1966 até 1989. Depois disso, tornou-se secretaria municipal de educação

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na gestão 1993-1996. Segundo consta, é em sua gestão que foram criadas as bases

pedagógicas em que a escola se sustenta até os dias atuais. Como uma espécie de

epígrafe, o documento apresenta, sem dizer de onde foi extraída, a seguinte mensagem

atribuída à pedagoga:

O que caracteriza a “Escola do Aprenda a Ser” é a formação do ser de

humanidade plena, ou seja, a preocupação com a oferta de condições

propícias para o desenvolvimento do aluno em todas as suas

dimensões. Assumindo-se como permanente aprendiz e autor de sua

própria construção, o aluno se desenvolve como ser de conhecimento

(leitor e intérprete arguto da realidade); como ser de competências

(autor e ator criativo de alternativas face às diferentes demandas de

transformações sociais); ser de convivência solidária (humanizador

das relações interpessoais, ambientais e culturais); enfim, ser de

humanidade plena (eticamente atuante na construção de uma

sociedade mais digna, justa, amorosa e feliz). (PP ESCOLA E, 2012,

p. 1)

Depois disso, o documento começa a explicar a necessidade de construção da

proposta pedagógica, como orientadora das práticas escolares e da redefinição de

propostas curriculares, de metodologias de trabalho, da relação professor-aluno, da

avaliação, da organização do espaço e tempo escolares, da gestão, enfim, tudo o que é a

realidade do dia-a-dia da escola deve, de acordo com a introdução do documento, estar

contido nele. Todavia, as explanações em torno do entendimento que tem da educação e

do papel da escola na sociedade moderna não ficam suficientemente claras. Trata-se

também da formação do indivíduo e do que nomeia saberes culturais, o que tampouco

esclarece. É o que pode ser observado no seguinte excerto:

Essa [a redefinição do currículo de acordo com as exigências dos

“novos tempos” e com as demandas socioculturais] foi uma razão

suficientemente forte para que a Escola E, ao pensar na reconstrução

de suas Propostas Curriculares estivesse, em última análise,

preocupada com a função social da escola, com a qualidade da

formação humana que é típica dessa instituição e com os mecanismos

pelos quais se estima que tal função se realize. Assim, ao entender por

educação, o processo global de formação humana, onde o sujeito é

considerado na sua totalidade, e não apenas na sua dimensão

cognitiva, o coletivo dessa escola entende, também, que a formação é

um processo que envolve muito mais do que apenas a dimensão

intelectual do indivíduo. Ela afeta a emoção, o espírito, o corpo, as

estruturas de raciocínio. Logo, ao construir suas Propostas

Curriculares, os seus profissionais não se limitaram ao levantamento

de uma lista de conteúdos explícitos a serem transmitidos, mas

passaram a enxergar a escola como espaço de cultura viva, o que

acabou por alargar a compreensão que tinham dos saberes escolares, a

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serem trabalhados. Nesta perspectiva, passaram a considerar os

saberes escolares como saberes culturais, englobando conceitos,

lógicas, habilidades, valores, crenças, sentimentos, atitudes, interesses,

condutas, símbolos, rituais. (PP ESCOLA E, 2012, p. 2-3 – grifos

meus)

Na sua Proposta Pedagógica a Escola E também não define muito nitidamente a

que o seu currículo se dedica, como no trecho a seguir:

Nesse sentido, os educadores da Escola E, ao elaborarem suas

propostas curriculares (Base Nacional Comum e Parte Diversificada)

para os níveis de ensino que oferece, tiveram o cuidado de buscar as

correlações entre os conteúdos das áreas de conhecimento e o universo

de valores, a identidade da escola e modos de vida dos alunos,

professores e dos demais participantes do ambiente escolar,

identificados pelas “leituras da realidade”. Com este procedimento

buscou-se articular conhecimentos e valores indispensáveis à vida

cidadã. Além disso, procurou-se identificar o que é fundamental para

aprender em cada conteúdo, e o que é mais importante aprender para

os alunos desta escola. A escola procurará, entretanto, enriquecer e

complementar a Base Nacional Comum, introduzindo projetos e

atividades do interesse de sua comunidade. (PP ESCOLA E, 2012, p.

4 – grifos meus)

É bom dizer que, não apenas nesse documento, mas de maneira geral, há uma

confusão bastante evidente do que se entende por arte, educação artística e práticas

culturais, e isso também é parte das discussões deste trabalho. Todavia, é evidente que a

arte é uma expressão da cultura e, portanto, ambos os termos não são sinônimos. A

indefinição de conceitos ou a falta de clareza acerca deles, engendram vários problemas,

inclusive no que se refere ao entendimento da função da educação artística no interior

da escola. Como pode ser visto em:

O ensino da música faz parte do ensino de arte, tanto no ensino

fundamental quanto no ensino médio, cabendo ao professor de arte,

incluir em seu planejamento, obrigatoriamente, o ensino da música ao

lado das outras manifestações culturais que devem ser trabalhadas,

conforme CBC. [Conteúdo Básico Comum] [...] O ensino da temática

história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino fundamental e

médio é regulamentado por lei e a inclusão da temática história e

cultura afro-brasileira e indígena será contemplada em todo o

currículo escolar, e em especial, nas áreas de educação artística e da

literatura e história brasileira. (PP ESCOLA E, 2012, p. 7 – grifos

meus)

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Na parte em que pretende discutir a Proposta Metodológica, a escola se

manifesta contrária ao que nomeia “alunos-esponja”, aqueles que apenas absorvem os

conteúdos dados pelos professores. Para isso, considera ser a interdisciplinaridade, os

eixos temáticos, a formação de habilidades e competências e as atividades significativas

(isto é, atividades que façam sentido e sejam pensadas a partir da realidade do aluno,

que pertençam de alguma forma ao cotidiano do aluno, em suma, que lhes sejam

familiares) o caminho para tornar o aluno participante, ativo na sua própria formação.

No entanto, não define de modo consistente como se articulariam essas propostas na

construção de um novo marco educacional.

Ainda no sentido de resguardar a sua identidade com os princípios da

“Escola do Aprenda a Ser” enquanto definidores de uma forma de

convivência democrática e cidadã, os educadores da Escola E se

dispuseram a decidir, com autonomia, o como trabalhar a “formação

da humanidade plena” e o como articular o seu trabalho educativo ao

projeto de sociedade que desejam instituir, a partir das necessidades

detectadas pelas evidências levantadas através da “leitura da

realidade”. Neste sentido, os educadores da escola foram unânimes em

optar por trabalhar com seus alunos, sob a forma do diálogo e através

de eixos temáticos e/ou projetos em abordagens disciplinares e/ou

interdisciplinares contextualizadas, priorizando a “formação

totalizadora que incorpora atividades intelectuais, manuais,

corpóreas, lúdicas, sociais e afetivas no cotidiano pedagógico,

congregando o que, na vida, não se separa, formando pessoas

autônomas, autênticas, solidárias, democráticas, cidadãs.” [trecho

atribuído a Dedê Prais] (PP ESCOLA E, 2012, p. 8)

Quanto aos princípios que norteiam as atividades da escola, são eles:

- Educar para a formação da humanidade plena (em todas as

dimensões);

- Educar para a “cidadania ativa”;

- Educar para pensar globalmente;

-Educar para a identidade terrena como condição humana essencial;

- Educar para a consciência planetária. Compreender que somos

interdependentes. A Terra é uma só nação e nós, os terráqueos, os seus

cidadãos;

- Educar para a ética do gênero humano, não para a ética instrumental

e utilitária do mercado;

- Educar para a simplicidade e para a quietude. Nossa vidas precisam

ser guiadas por novos valores: solidariedade, não-consumismo, paz,

saber escutar, saber viver juntos, compartir, descobrir e fazer juntos;

- Educar para os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade,

da solidariedade e do respeito ao bem comum;

- Educar para os princípios políticos dos direitos e deveres da

cidadania, para o exercício da criticidade e do respeito à ordem

democrática;

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- Educar para os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e

da diversidade de manifestações artísticas e culturais;

- Educar para que exista sempre o compromisso de continuar

aprendendo. (PP ESCOLA E, 2012, p. 11/12 – grifos meus)

Avaliando esse documento isoladamente, certamente não seria possível capturar

algumas contradições presentes na escola E. Os grifos da citação acima indicam

algumas delas, principalmente, se compararmos a outros documentos. De que maneira

realmente estaria tratando o não consumismo, por exemplo, apregoado pela proposta?

Seria resistência ou resignação? Trata-se de promoção de alternativas históricas ou

consumismo ou de reafirmar a ética do individualismo (cada um deve fazer sua parte

isoladamente)?

Quando assinala a educação para a “humanidade plena”, negando textualmente a

educação instrumental e utilitarista para o mercado, o documento entra em conflito com

o que a escola chama de Projeto de Enriquecimento Curricular (PEC), conforme se

pretende mostrar a seguir. Este denomina os grupos formados para a execução dos

projetos de GDP (Grupo de Desenvolvimento Profissional). Além disso, justifica-se a

importância do PEC, nos seguintes termos:

Um novo olhar sob a formação dos jovens tem delineado alguns

princípios que nortearão o processo educativo no ensino médio.

Devemos considerar que a maioria desses jovens pertence à classe

trabalhadora, filhos de pais assalariados, cabendo, portanto, o desafio

de criar uma proposta de educação que desenvolva métodos de pensar

e de compreender as determinações da vida social e produtiva. E

ainda, como sujeito dessa realidade poder apropriar-se dela para

transformá-la. Além disso, a globalização e a internacionalização dos

mercados econômicos imprimem uma nova ordem que implica numa

reestruturação da organização da vida social, produtiva nos aspectos

que marcam a identidade do ser humano como sujeito da sociedade.

(PEC ESCOLA E, 2012, p. 1)

Ora, ambos os documentos, tanto a proposta pedagógica quanto o projeto de

enriquecimento curricular, datam de 2012; e há enormes divergências, senão as maiores

possíveis, entre eles. Isto porque, conforme trecho supracitado, o que parece estar

havendo é a reestruturação da própria educação para atender as mudanças no sistema

econômico. Em outras palavras, a adequação da escola para que os alunos, que são, em

sua maioria, da classe trabalhadora, sejam mais bem preparados para serem absorvidos

pelo mercado de trabalho.

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Embora a consciência crítica e questionadora tenha se apresentado seguidamente

nos documentos, quando o projeto de enriquecimento curricular ganha corpo, ela sequer

se apresenta solidamente, a não ser por meio de novas tentativas de se fazer crer que a

“criticidade”, efetivamente, faz parte do cotidiano. Em um dos projetos, apenas como

exemplo, intitulado “EnvolVerde: reflita essa ideia”, a água aparece como tema. Dentre

os aspectos selecionados para o projeto está a visita aos rios que abastecem a cidade, a

discussão dos usos da água na indústria, na agropecuária, na geração de energia elétrica,

na navegação, entre outros. O projeto é bastante interessante, na medida em que dispõe

de boas chances de ampliar os conhecimentos dos alunos em torno dos usos da água,

enquanto elemento fundamental para a manutenção da vida. Todavia, não há nenhuma

referência, em todo o projeto, de crítica, por exemplo, ao sistema capitalista, que, sem

dúvida, pressiona o uso da água em muitas situações. O texto do PEC traz as seguintes

considerações:

Reconhecendo a importância da água para a vida de todos os seres do

planeta, e a iminente diminuição da mesma a cada dia, devido a

problemas como: assoreamento dos rios, poluição, desperdício, foi

escolhido esse tema visando sensibilizar e conscientizar o aluno (este

um transmissor de conhecimentos para toda a comunidade), atentando

para o uso racional da água e da preservação do meio-ambiente, como

forma de garantir uma fonte futura. Saber sobre a necessidade de se

economizar água. (PEC ESCOLA E, 2012, p. 4)

Dando sequência à análise de documentos da Escola E, temos pela frente o

Regimento Escolar. Neste se expressam a preocupação em promover a democracia, a

liberdade e a integração com a comunidade, que devem participar de forma ativa no

processo educacional dos alunos. Mais ainda, a qualidade do ensino e a competência

dos professores, enaltecidas, aparecem de forma recorrente no documento. Isto aparece

como uma espécie de defesa prévia a qualquer crítica. Além disso, aprimorar, como o

documento se refere, a pessoa humana, desenvolvendo sua autonomia intelectual, o

pensamento crítico e a formação ética e ampliar as condições de inserção no mundo do

trabalho também se fazem presente no texto do documento. A expectativa demonstrada

é que esse conjunto de elementos deve proporcionar aos alunos convivência, em paz e

harmônica, com as “diferentes culturas”, valorizando a vida, a natureza, a saúde, a paz e

a dignidade humana, conforme pode ser visto nos seguintes trechos:

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Art. 1º - A Escola E, considerando os princípios e fins da Educação

Nacional/Estadual e a Política Educacional do Município, é

compromissada com: I – a democracia, a liberdade de expressão e a

interação entre elementos que a compõem; II – a integração

comunidade/escola, com a abertura à sua participação ativa no

processo educacional dos alunos; III – com a renovação contínua do

processo de busca do seu próprio aperfeiçoamento; IV – a realidade

sócio-econômica-política e cultural do aluno; V – a formação

continuada dos profissionais para a melhoria da qualidade do ensino

oferecido; VI – o dinamismo dos profissionais que são competentes e

comprometidos com a formação global do aluno. (...)

Art. 3º - O Ensino Médio é ministrado, tendo como finalidades: I –

consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino

Fundamental; II – garantir a compreensão dos fundamentos científicos

e tecnológicos dos processos produtivos por intermédio do ensino

contextualizado de cada área do conhecimento; III – aprimorar a

pessoa humana, desenvolvendo sua autonomia intelectual, seu

pensamento crítico e sua formação ética.

Art. 4º - As atividades planejadas devem oportunizar o

desenvolvimento, no aluno, de capacidades que o levem a ser sujeito

de sua própria formação e lhe possibilitem: I – apropriar-se de

conhecimentos, informações, conceitos científicos, tecnológicos para

construir o seu conhecimento; II – desenvolver seu espírito crítico e a

sua criatividade; III – trabalhar em equipe; IV – relacionar-se e

conviver harmonicamente com diferentes culturas; V – posicionar-se

eticamente perante as diversas situações com que se deparar; VI –

exercer liderança positiva e democrática; VII – optar sempre por

caminhos, soluções e alternativas que valorizem a vida, a natureza, a

saúde, a paz e a dignidade humana em todos os seus aspectos; VII –

ampliar suas condições de inserção no mundo do trabalho, como

empregado ou por conta própria. (RE ESCOLA E, 2012, p. 4-5)

No Regimento Escolar, a preocupação com a formação para o trabalho ganha

bastante força e é mais enfática de que em todos os outros documentos a que se teve

acesso. Em contrapartida, não há referência à arte ou educação artística como

mecanismo facilitador de aprendizagem para o trabalho. Apenas há um breve

comentário, quando o documento se dedica a descrever como se organiza o currículo do

Ensino Médio, como pode ser visto em:

Art. 69º - O currículo do Ensino Médio, etapa final de uma educação

de caráter geral, contempla conteúdos e estratégias de aprendizagem,

visando a capacitar o aluno para a vida em sociedade, a atividade

produtiva e experiências subjetivas.

Art. 70º - O currículo do Ensino Médio, desenvolvido nesta escola,

tem como fundamentos: I – as Diretrizes Curriculares Nacionais do

Ensino Médio, conjunto de definições doutrinárias sobre princípios,

fundamentos e procedimentos a serem observados na organização

pedagógica e curricular, tendo em vista o vínculo da educação com o

mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para

o exercício da cidadania e propiciando preparação básica para o

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trabalho; II – os Parâmetros Curriculares Nacionais que: a) servirão de

estímulo e apoio à reflexão sobre a prática do professor, o

planejamento de suas aulas e o desenvolvimento do currículo escolar;

b) buscam dar significado ao conhecimento escolar, mediante a

contextualização e evitar a compartimentalização, mediante a

interdisciplinaridade. III – conteúdos básicos comuns – CBC. (RE

ESCOLA E, 2012, p. 21)

Além disso, o documento traz a descrição da organização e funcionamento

administrativo da escola e das atribuições de cada membro da comunidade escolar, as

formas de ingresso, condições para a matrícula, como se dá o modo de avaliação e o

regime disciplinar que orienta a prática escolar.

Em outro documento, o Plano de Intervenção Pedagógica (PIP) – 2012, a escola

apresenta uma série de problemas a serem enfrentados, entre eles: o baixo índice de

rendimento escolar, a falta de interesse/envolvimento por parte dos alunos e de suas

famílias e o abandono escolar (alunos não frequentam a escola). Contudo, os resultados

que se deseja alcançar não estão muito claros. Diante desse cenário o documento

propõe: intensificar e tornar mais atraente o aprendizado; ativar projeto de leitura na

biblioteca e nas áreas verdes da escola; incentivar a comunicação de alunos com colegas

de outras escolas, por meio de cartas (para alunos do 9º ano do EF e para os da 3ª série

do EM); desenvolver projeto de interpretação cênica de obras literárias; criar olimpíadas

internas de Língua Portuguesa e Matemática e incentivar a participação nas olimpíadas

nacionais de Matemática e Língua Portuguesa; intensificar parceria com universidades

locais; instalar dinâmicas que permitam o oferecimento de aulas de reforço/monitoria

para as disciplinas em que se apresentem as maiores dificuldades; realizar,

bimestralmente, reuniões de pais e mestres, diretor escolar e pedagogos para a entrega

dos resultados bimestrais; discutir com os alunos os resultados e incentivá-los a superar

as dificuldades; realizar atendimento individualizado às famílias e promover a Escola de

Pais, através da qual se pretende oferecer encontros em que os pais aprendam a lidar

com os filhos adolescentes.

Além disso, a escola entende que precisa: ampliar relacionamento entre Escola e

Promotoria de Justiça; promover palestras; estabelecer um efetivo controle de

frequência diária por professores e vice-diretores; valorizar, por meio de pontos

bimestrais, a assiduidade dos alunos; criar a coordenação de área; reestruturar a

elaboração dos planos anuais e bimestrais, observando os PCNs (Parâmetros

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Curriculares Nacionais) e o CBC (Currículo Básico Comum); e realizar reuniões

periódicas para acompanhamento da aplicação do planejamento e troca de experiências.

O PIP, portanto, é um documento que busca elencar circunstâncias problemáticas que se

repetem na escola para tentar resolvê-los, ainda que não demonstre muita clareza no que

se refere aos resultados que determinadas ações deveriam ter.

3.4.2 Os documentos da Escola Privada (Escola P)

Assim como no caso anterior, designar-se-á por Escola P, sempre que nos

excertos trazidos de documentos constar o nome da escola privada. Em seu Regimento a

Escola P apresenta como fim a educação voltada para a liberdade, tolerância, pluralismo

de ideias e concepções pedagógicas, valorização do profissional da educação escolar,

garantia de qualidade, valorização da experiência extraescolar e a vinculação entre a

educação escolar, o trabalho e as práticas sociais, estão entre os princípios nos quais se

assentam as práticas educacionais, como pode ser visto no seguinte excerto:

Art. 1º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos

princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por

finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 2º - O ensino é ministrado com base nos seguintes princípios: I –

igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II –

liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de

concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à

tolerância; V – valorização do profissional da educação escolar; VI –

garantia de padrão de qualidade; VII – valorização da experiência

extraescolar; e VIII – vinculação entre educação escolar, o trabalho e

as práticas sociais. (RE ESCOLA P, 2011, p. 2)

Especificamente sobre o ensino médio, o documento assevera que essa etapa da

educação básica deve dar conta de: o aprimoramento do educando como pessoa

humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do

pensamento crítico; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para

continuar aprendendo, de modo a ser capaz de adaptar-se com flexibilidade às novas

condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores, conforme transcrito a seguir:

Art. 7º - O Ensino Médio, etapa final da educação básica com duração

mínima de 03 anos, tem como finalidades: I – a consolidação e o

aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino

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fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a

preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para

continuar aprendendo, de modo a ser capaz de adaptar-se com

flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento

posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana,

incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico; e IV – a compreensão dos

fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,

relacionando a teoria com a prática no ensino de cada disciplina. (RE

ESCOLA P, 2011, p. 3)

Sobre a proposta curricular, o documento apresenta como configura o seu

currículo, observando as exigências legais, entre as quais, aquelas listadas nos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN.

Art. 34º - A proposta curricular terá uma Base Nacional Comum,

obrigatória em âmbito nacional, e uma Parte Diversificada, que será

estabelecida pelo Colégio devendo ser atendidas as necessidades e

peculiaridades locais e as diferenças individuais do aluno. (...)

Art. 36º - O programa de cada conteúdo curricular são elaborados

pelos professores em parceria com a Supervisão Pedagógica,

Coordenadorias de Ensino e Disciplinas e deverão se adequar ao

objetivo proposto pelo Colégio e aos fins estabelecidos em Lei

(Parâmetros Curriculares Nacionais). (RE ESCOLA P, 2011, p. 8)

Além disso, o documento apresenta a descrição da organização e funcionamento

administrativo da escola e das atribuições de cada membro da comunidade escolar. O

documento também trata das formas de ingresso, das condições para a matrícula, de

como se dá o modo de avaliação e do regime disciplinar que orienta a prática escolar.

Mais ainda, aborda o oferecimento de monitoria para os alunos, cuja finalidade é

auxiliar nas atividades técnico-pedagógicas das disciplinas. Esse trabalho é

desenvolvido por pessoal contratado pela escola, auxiliando os alunos em suas

dificuldades nos diversos conteúdos. Quanto à infraestrutura, a biblioteca, a audioteca e

a videoteca têm como objetivo auxiliar no desenvolvimento do currículo, dos programas

específicos e das atividades escolares em geral, constituindo uma fonte de informação,

leitura e pesquisa para toda a comunidade da escola.

Em sua Proposta Pedagógica de 2000, a Escola P se apresenta primeiro por meio

de sua história, tentando estabelecer relações de sua prática pedagógica atual com o

acúmulo de experiências que teve desde sua fundação. Destacam-se ainda as razões

pelas quais surgiu: para atender, à época, as classes menos favorecidas e média,

incapazes de arcar com os altos custos da educação em colégios particulares. A Escola P

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teve como objetivo no início o curso secundário voltado para a colocação de seus

egressos na universidade.

É bom lembrar que Uberaba, na década de 1950 tornou-se um importante

referencial universitário para toda a região, já que abrigava diversos cursos e faculdades,

como: Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro, fundada em 1947; Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomás de Aquino (FISTA), fundada em 1948;

Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro (1951); Faculdade de Medicina do

Triângulo Mineiro (1954); Escola de Engenharia do Triângulo Mineiro (1956). Sobre

isso, temos que:

Segundo dados do IBGE, Uberaba tinha, em 1940, exatos 58.984

habitantes. Até 1950, a cidade ganhou outros 10.450 moradores e a

população chegou a 69.434 habitantes. Entre 1950 e 1960, com as

faculdades implantadas por Mário Palmério, já em funcionamento, o

índice de crescimento foi bem superior e Uberaba já contava com

87.581 moradores. (AIDAR, 2007)

Diante disso, a Escola P assevera:

Inevitavelmente, os pressupostos da prática pedagógica do Colégio

deitam raízes em sua história e convém explicitá-la. Nasceu o Colégio

em 1954, em Uberaba, como uma proposta de dar acesso à

universidade pública a camadas da comunidade que não dispunham de

meios para acessar o ensino superior em Uberaba e região, de vez que,

à época, como cidade e região universitárias só preenchiam os bancos

universitários os alunos oriundos dos grandes centros nos quais a

permissão de um ensino secundário particular qualificado viabilizava

o acesso à universidade ou, no caso isolado de um colégio particular

de Uberaba, de alto custo, no qual só ingressavam alunos que bem

podiam pagar e, em menor proporção do que aqueles oriundos de

outras cidades, também ingressavam na universidade, tornando difícil,

para não dizer impossível a continuidade do ensino superior de alunos

de camadas populares. Desse modo, o Colégio nasceu, ofertando curso

secundário noturno, com uma vocação inicial nítida para permitir que

alunos oriundos da classe média e de classes menos favorecidas, com

baixo custo, pudesse ingressar na universidade. (PP ESCOLA P, 2000,

p. 2)

Ainda que confessamente dirigida à formação para universidade, a Escola P em

sua Proposta Pedagógica de 2000 ratifica o seu plano de formação para além do

vestibular, indicando estar preocupada também com a formação, digamos integral, do

aluno egresso do ensino médio. Quer dizer, ao pronunciar que a universidade e o que ela

deseja receber em suas dependências norteiam a prática pedagógica da escola, também

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indica a incorporação de princípios que vão além da preparação para o Ensino Supeior,

embora, não se pode deixar de mencionar que o trabalho, de alguma forma, também é o

alvo dessa formação integral. Isso pode ser verificado no seguinte trecho:

Ao longo das décadas de 1960, 70, 80 e 90, o Colégio formou-se, na

comunidade uberabense, como um educandário que, de mãos dadas

com a universidade brasileira buscava a formação do perfil do aluno

que esta universidade definia e desejava. Esconder essa história e

deixar de levar em conta o quanto ela contribuiu para o delineamento

do perfil da instituição é escamotear a realidade e falseá-la com um

discurso burlesco. Assim, é fundamental apresentar o Colégio em duas

dimensões: como Casa de Instrução e como Casa de Educação. Essa

dicotomia pode, à primeira vista, assustar, quantos, incautos, tenham

uma visão redutora do Colégio como mero fabricante de cérebros para

os vestibulares ou para a universidade. (...) Como Casa de Instrução, a

Escola P não esconde sua vocação de instituição de ensino voltada

para a continuidade dos estudos no ensino superior. Para tanto, seu

desenho curricular atende aos anseios dos perfis que a universidade

brasileira quer e demanda, e diga-se, todas as universidades com os

variados perfis que elas solicitam. Nesse sentido, há um intenso

intercâmbio com as universidades brasileiras para o estudo do perfil

do jovem universitário que a universidade solicita e que ela deseja ver

ser entregue a ela pela escola de ensino médio. O desenho curricular,

por óbvio, não se ajusta aos anseios do portal de acesso da

universidade, o vestibular, mas está direcionado, no ensino médio,

para a consecução das habilidades que a universidade requer de seus

universitários. Há, pois, uma distinção entre o desenho curricular do

ensino médio que o Colégio define e vivencia com vistas a adequar o

perfil de seu aluno ao perfil demandado pela universidade e o perfil de

um desenho curricular voltado para vencer o obstáculo chamado

vestibular. São coisas diferentes, e, às vezes, antagônicas. (PP

ESCOLA P, 2000, p. 3-4)

Quando o documento se refere ao seu desenho curricular, a Escola P demonstra

que se trata de um processo de acumulação de experiências e, portanto, não bastaria,

para que de fato ocorresse algo de novo, incluir a proposta num plano de intenções.

Assim, reconhece as limitações, inclusive no que se refere à qualificação de

profissionais. Embora haja uma preocupação expressa no regimento escolar com a

colocação profissional, não se estabeleceu, neste documento, qualquer utilização das

artes com o propósito de ampliar as capacidades para o trabalho, ao contrário, aqui se

fala de ampliação das potencialidades do ser humano, como podemos ver nos

fragmentos:

A inserção das Artes Plásticas, da Educação Musical e do Teatro no

desenho curricular, conquanto se faça com timidez assumida, decorre

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da inexistência de uma prática anterior do Colégio na vivência desse

elemento curricular importante. Com efeito, as Artes, dentro do

desenho curricular, ofertando-se opcionalmente ao aluno, têm

dimensão de expressão artística no estrito senso que essa atividade

exige. O incremento de salas de aula para a iniciação musical, para as

artes plásticas e as ainda tímidas incursões no teatro, já impõem a

aquisição de equipamentos e instrumentos, cujo crescimento

dependerão de, num processo ampliação, o Colégio adquirir memória

do que faz e de como fazê-lo bem. Assim, as artes plásticas, a

iniciação musical e o teatro já se inscrevem no desenho curricular

desde as primeiras séries da educação infantil até as séries terminais

do ensino médio. Certo está o Colégio de que a sua timidez em

ampliar, no desenho curricular, a participação das artes tem muito

mais a ver com a escassez temporária de recursos humanos docentes

que trabalhem as artes como forma concreta da expressão da

sensibilidade do que com uma suposta recusa dessa participação por

parte do Colégio. O Colégio, por outro lado, definiu claros caminhos a

serem seguidos num futuro próximo e, nesses caminhos, a inserção

das artes no desenho curricular é pressuposto inarredável para a plena

expansão de todas as potencialidades do ser humano. (PP ESCOLA P,

2000, p. 9-10)

Na Proposta Pedagógica, inclui-se no desenho curricular a presença

cada vez mais contínua e integral do aluno nos dois turnos das

atividades letivas do Colégio, quer usando recursos da biblioteca, quer

os elementos de intercâmbio através de sistemas informatizados de

comunicação, quer em atividades de artes, educação musical, teatro,

escolinhas de esportes e, fato novo, na participação, em pequenos

grupos comandados por professores de tempo integral para isso

treinados ao longo de dois anos em Educação para a Paz e em

Educação em Valores Humanos, de modo a que o aluno tenha a

possibilidade de, em pequenos grupos orientados, encontrar apoio às

suas necessidades acadêmicas, existenciais e outras que forem

demandas pelo grupo. (PP ESCOLA P, 2000, p. 11)

Na Proposta Pedagógica, produzida em 2005, que vige na atualidade propõe-se a

ruptura com uma cultura de reprovação e com uma educação elitista; compromete-se

com a aprendizagem do aluno e com uma educação de qualidade para todos; o espaço

exíguo aparece como obstáculo a ser superado para proporcionar melhores condições às

atividades esportivas, dança, teatro, artes, entre outros. Além disso, temos: o trabalho

em equipe é também uma dificuldade evidenciada; a ampliação da relação direta entre

professor e aluno é vista como prioridade; além da questão de organização do tempo

escolar, há uma visível preocupação com a participação da comunidade como um todo,

principalmente dos pais, na educação dos alunos. Sobre a proposta pedagógica e sua

função, a escola faz entender que somente a renovação permanente das escolas, no que

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se refere à redefinição de missão, à busca de sua identidade e de seu verdadeiro papel na

sociedade, é capaz de “enfrentar” o mundo hodierno, conforme pode ser observado:

Passamos por um momento de profunda desestruturação de valores,

novos paradigmas, consumismo, desigualdades, injustiças etc. Os

interesses políticos, econômicos e tecnológicos prevalecem em

detrimento dos valores humanos e sociais. Há um excesso de

liberdades e informações sem limites. A crise econômica se sustenta

na violência, no preconceito e se reflete em famílias desestruturadas e

influenciadas por líderes e ídolos negativos. A globalização trouxe um

avanço tecnológico, a era da informatização. Mas esse

desenvolvimento sugere um aumento das desigualdades sociais,

oprimindo valores culturais de países em desenvolvimento, ou à

margem deste. A exclusão é muito grande. Os conflitos são muitos,

bem como as competições pela supremacia de determinados valores

culturais, religiosos, econômicos e sociais sobre outros. Nesse novo

mundo é necessária uma renovação permanente das escolas em termos

de redefinição de sua missão e busca de sua identidade e de seu

verdadeiro papel na sociedade. A nossa proposta pedagógica será uma

ação-reflexão-ação e nunca estará pronta e acabada. Ela será

constituída e vivenciada em todos os momentos e por todos os

envolvidos. (PP ESCOLA P, 2005, p. 3)

Ao propor como ação para si mesma: ampliar as situações de aprendizado do

aluno enquanto permanecer na escola; fazer a escola refletir sobre as condições

históricas, sociais, tecnológicas e culturais nas quais está inserida; tornar possíveis ao

egresso: dar continuidade aos estudos, a ascensão social por meio dos estudos, a

formação de valores, competências e habilidades que desenvolvam o aluno crítico,

agente transformador da sociedade, enfim, a escola evidencia a preocupação de

demarcar a que veio, ou seja, como é entendida a educação pela instituição, que se

define:

Como colégio cenecista, com uma proposta de educação comunitária,

a formação do cidadão que toma consciência dos problemas da

comunidade uberabense em que se localiza, ao mesmo tempo em que

aprende a ser parte da solução desses problemas é a destinação maior

do colégio. Assim, a inclusão social, as atividades extramuros tornam-

se fins de uma educação comunitária. Por outro lado, ofertando-se

como educação voltada para os anseios da comunidade o Colégio visa

à oferta de educação que permita ao seu egresso o acesso à

continuidade de educação em ensino superior em ambiente público,

uma vez que sua clientela é fundamentalmente constituída de alunos

que pretendem ascensão social através dos estudos. Por conta disso, a

educação de alunos que se destinam à universidade com uma

formação cívica que constitua em instrumento de mudança da

sociedade passa a ser a maior finalidade da educação na Escola P.

Respeitando e acolhendo a educação como um processo em que o

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aluno aprende a aprender, aprenda a fazer com aquilo que aprendem,

aprenda a conviver com outros e aprenda o ser, o Colégio incluiu o

aprender a empreender e o aprender a mudar-se, através da

participação intra e extramuros das atividades do Colégio, que passa a

ser a maior destinação do Colégio. Abrir os muros do Colégio para a

participação da e na comunidade passa a ser ação imperativa do

Colégio. (PP ESCOLA P, 2005, p. 4 – grifos meus)

O trecho acima transcrito abriga e, de certa forma, traduz um conflito bastante

recorrente, pelo menos, em todos os textos analisados neste trabalho. Trata-se da

formação para o trabalho. Ainda que não diga abertamente, a ascensão social pretendida

pela comunidade que frequenta a escola nada mais é do que a conversão da formação

cultural em formação para o trabalho. O aprender a empreender parece ser o

desdobramento palpável das recomendações do MEC; ao mesmo tempo, há um esforço

por parte do documento em enaltecer e incentivar o contato da escola com a

comunidade, inclusive na solução dos problemas locais.

Entre objetivos de curto, médio e longo prazo, há os de: ampliar os recursos

instrucionais com vistas à sua informatização e virtualização, de modo a minimizar o

tempo “passivo” da relação entre professor e aluno; adequação do espaço físico para

expandir as atividades esportivas, dança, artes cênicas e no anfiteatro para apresentações

de pais, alunos, professores e ações com a comunidade; promover a Escola de Pais;

intensificar os projetos interdisciplinares e unificar ações pedagógicas; sensibilizar a

comunidade para o trabalho em equipe; ampliar o acompanhamento das atividades

extramuros; realizar atividades temáticas; ampliar o conforto dos alunos para que o

tempo integral que destinam estando na escola seja mais prazeroso; ampliar as relações

interpessoais de professores e funcionários para que aumentem as ações entre as

equipes. Quanto à organização do currículo a Escola P assevera:

No sentido mais amplo o Colégio realiza experiências para gerar

conhecimentos, e assim desenvolve projetos que atendem a temas

específicos, tais como: artes, educação física, ensino à distância, ações

cívicas de envolvimento com organizações comunitárias. O Colégio

tenta trabalhar mais com a cultura dos alunos, valorizando os seus

saberes, diversificando métodos de ensino, integrando o trabalho dos

professores através da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade.

(PP ESCOLA P, 2005, p. 8)

Mais uma vez, se faz presente a influência das prescrições na ONU, conforme

pode ser observado:

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O Colégio também considera que a educação se fundamenta em

quatro pilares básicos essenciais, de acordo com o relatório de Jaques

Delors para a UNESCO, são eles: aprender a conhecer; aprender a

fazer; aprender a conviver; aprender a ser; e inclui o aprender a

empreender e o aprender a mudar. (PP ESCOLA P, 2005, p. 9)

Como proposta para a execução de suas intenções o documento afirma que serão

adotadas a contextualização, a interdisciplinaridade e a transversalidade para que o

currículo se articule adequadamente, mediante os pressupostos definidos. No que diz

respeito, especificamente, à colocação das artes no currículo, o documento traz:

A educação física, a filosofia, a língua inglesa, a música, as artes

plásticas, a dança e as artes cênicas se constituirão como disciplinas

curriculares distintas a serem trabalhadas no ensino, desde a educação

infantil até o ensino fundamental e médio, permitindo aos alunos a

aproximação de competências e habilidades escalonadas em níveis

que se iniciam na educação infantil de 4 (quatro) anos de idade até o

ensino médio, permitindo o acesso, no caso da educação musical, ao

conhecimento e manipulação de todos os instrumentos que constituem

os naipes de uma formação para participação em atividades próprias

da música popular brasileira, da música folclórica e da música erudita,

assim também como nas artes plásticas, iniciando-se com o desenho, a

pintura, a escultura sem contudo, desprezar os princípios da

interdisciplinaridade e da contextualização diária, mas, garantindo-

lhes uma carga horária específica, segundo nossa grade curricular. (PP

ESCOLA P, 2005, p. 15)

Embora as propostas estejam bastante claras no documento, evidencia-se que se

assemelha mais a uma carta de intenções e que, provavelmente, haverá, ao final do

processo, diferenças entre esta e o que de fato aconteceu.

De qualquer modo, é espantosa a semelhança entre as medidas recomendadas e

propostas por cada escola. Mais uma vez, parece fundamental considerar a distinta

origem de cada uma delas. Mesmo assim, nas três variáveis estabelecidas para esta

pesquisa – funções atribuídas à escola e à educação artística/formação cultural,

diagnósticos e propostas formuladas e definição das finalidades da educação – a

similaridade das descrições é visível. Há dois elementos comuns a todos os documentos

apresentados: todos se referem às funções da educação e foram produzidos no mesmo

período histórico. Este, mais do que qualquer coisa, pode ser a melhor chave de

interpretação para tamanha proximidade.

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Vale acrescentar que, ainda que os documentos tratem sobre a organização do

espaço de educação de maneira bastante semelhante, no caso das escolas E e P, em

virtude das diferenças entre elas (de público e de infraestrutura física, por exemplo) as

práticas provavelmente também apresentam algumas diferenças, mesmo que conduzam

para a mesma finalidade.

Quanto às matrizes curriculares, isto é, o documento em que se prevê a

quantidade de horas-aula destinadas a cada área do conhecimento tratado no Ensino

Médio, realizou-se a análise do tempo destinado ao ensino de artes durante os três anos

do ciclo final da educação básica.

Na Escola E, em documento datado de 2012 (conforme pode ser visto no Anexo

1), é possível observar que cada ano do Ensino Médio tem 833,2 horas-aula, portanto,

ao final de três anos tem-se 2500 horas-aula. Dentre as quais, apenas 66,4 horas-aula,

durante a 1ª Série, são destinadas ao ensino de artes. Isso corresponde a 80 módulos-

aula, de 50 minutos cada, nos três anos.

Também em documento datado de 2012, a Escola P apresenta sua matriz

curricular da seguinte forma (conforme pode ser visto no Anexo 2): 3163,2 horas-aula

durante os três anos do Ensino Médio; 966,4 horas-aula nas duas primeiras séries e 1230

horas-aula na terceira série. Para o ensino de artes, que também só aparece previsto para

a 1ª série do ciclo final da educação básica, se destina apenas 33,2 horas-aula nos três

anos do ensino médio, logo 40 módulos-aula, cada um de 50 minutos.

Para escolas que apoiam boa parte de seus argumentos na aproximação de suas

práticas pedagógicas com o ensino de artes, as matrizes curriculares apresentam uma

tendência bastante diferente, uma vez que a quantidade de tempo destinada ao ensino

das artes é por demais reduzida. Todavia, em conversas com pessoas de ambas as

escolas, durante as visitas a campo, foi explicitado que esses documentos, as matrizes

curriculares, são uma exigência da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais,

por conseguinte, eles são elementos balizadores da prática nas escolas. Quer dizer, a

SEE/MG autoriza ou não o funcionamento de um ano letivo mediante a apresentação

das matrizes curriculares às diretorias de ensino regionais num prazo determinado;

depois disso, porém, as escolas podem fazer os ajustes que julgarem necessários, desde

que o mínimo a ser executado no ano letivo corresponda ao que está presente na matriz

curricular de cada ano. Isso parece corresponder à verdade, na medida em que a Escola

P, por exemplo, recebeu uma certificação da secretaria estadual de educação

reconhecendo a excelência dos cursos de canto e de instrumentos musicais, haja vista a

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autorização concedida à instituição de conferir aos alunos desses cursos a certificação

de técnico, conforme pode ser visto no Anexo 3.

O que as visitas às escolas revelaram é que, de fato, a abordagem quanto ao

ensino das artes, por vezes também chamada de Educação Artística, é bastante

diferente. Na escola E os recursos materiais são muito mais escassos do que na escola P,

razão, de saída, limitante no que se refere à possibilidade de aprendizagem, inclusive no

que se refere ao manuseio, por exemplo, de instrumentos musicais. Para a escola E, o

ensino de artes parece ser mais uma obrigação legal a cumprir, enquanto que na escola P

o ambiente, embora simples, está bastante melhor preparado para abrigar o ensino das

artes, seja por conta da melhor estrutura física, seja por conta de ter à disposição mais

recursos financeiros.

Certamente o espaço físico se configura, também, como vetor que possibilita ou

não determinadas práticas. No caso do ensino de artes essa assertiva parece se enquadrar

perfeitamente. A Escola P conta, desde a entrada, com um ambiente que desperta, no

mínimo, curiosidade. Cheio de mosaicos, afrescos, textos, poemas e cores, os alunos

experimentam no seu cotidiano elementos artísticos espalhados pelas dependências da

escola; sem contar com as intervenções de dança, teatro, leitura de poemas e

apresentações musicais que dominam o espaço, várias vezes durante o intervalo das

aulas.

Seja qual for o motivo que explique as diferenças, além do elemento financeiro,

a Escola E está edificada em um amplo espaço muito bem conservado, todavia, numa

estrutura bastante tradicional. Quer dizer, a não ser em momentos como, por exemplo,

os das feiras de ciências ou sessões de filmes, organizada pelos professores, os alunos

não têm oportunidade de lidar com outros elementos artísticos em seu dia a dia.

Assim, a Escola P demonstra maior empenho e condições de possibilitar aos

seus alunos amplo contato com as atividades artísticas. Principalmente quando destina à

comunidade da qual faz parte montagens de espetáculos que dificilmente seriam

sediados na cidade, como, por exemplo, os musicais: Cats, O Fantasma da Ópera e O

Rei Leão. Momento em que integra as atividades de música, canto, teatro e dança.

Ainda que o objetivo de formação cultural de ambas as escolas, ao final das

contas, sirvam a uma mesma estrutura econômica, é necessário dizer que as práticas são

bastante diferentes, sendo que a Escola P confere muito maior atenção às atividades

culturais do que a Escola E.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa buscou-se melhor compreender qual é a função social

autoatribuída por duas escolas, uma da rede estadual de educação de Minas Gerais e

outra da rede privada, a partir de documentos produzidos nas próprias escolas. Quer

dizer, como cada instituição considera ser ideal o processo de formação cultural de seus

alunos na sociedade do capitalismo tardio.

As análises tomaram emprestados os conceitos cunhados pela Escola de

Frankfurt, principalmente os de Adorno, Horkheimer e Marcuse, de modo que se

pudesse observar a realidade perseguida por este projeto através das lentes de

interpretação da Teoria Crítica da Sociedade.

Objetivando o melhor entendimento das condições em que foram elaborados

esses documentos, partiu-se para uma reflexão, cujo suporte foi dado pelo contexto

histórico em que os documentos foram produzidos. Assim, é bom dizer que a cultura, de

acordo com os frankfurtianos, na sociedade industrial avançada é, muitas vezes,

apresentada como o “cimento” capaz de realizar a reconciliação entre indivíduo e

sociedade, visto que na sociedade do capitalismo tardio se aprofundou a cisão entre os

elementos supracitados. Todavia, a conciliação parece ser improvável nesse contexto.

Por cultura, entende-se, com Marcuse (1998), como processo de humanização e

esforço individual, e principalmente coletivo, para desenvolver as faculdades e

capacidades humanas que permitiriam a diminuição (ou extinção) da agressividade, da

violência, da miséria. Claro que a cultura, justamente por não ser neutra, se não produz

as condições para a eliminação da injustiça e da dominação, faz exatamente o contrário,

ou seja, ela pode ser fator de distinção social a serviço da dominação.

É neste “pano de fundo” que pode ser examinada a dinâmica social da sociedade

moderna. Sendo as escolas frutos da organização desta sociedade, elas funcionam como

uma espécie de recorte, ainda que tenha um contingente limitado de pessoas, do

momento atual da composição social em que elas estão inseridas.

Isso estabelecido, elaborou-se a pergunta que norteou todas as ações da pesquisa,

que se traduziu nos seguintes termos: qual o diagnóstico e quais objetivos educacionais,

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ações previstas e estratégias são definidos no projeto educacional de duas escolas (uma

pública e outra privada), considerando os documentos oficiais produzidos no âmbito da

própria escola?

A partir do problema central, derivaram os objetivos e hipóteses. Os primeiros se

estruturaram nos seguintes termos: a) Identificar e analisar como são definidas as tarefas

e funções da escola tendo como referência a valorização das atividades culturais e

artísticas; e b) Identificar e analisar o modo como são realizados diagnósticos, definidos

objetivos educacionais e propostas de ações para equacionamento dos problemas

educacionais referentes à formação cultural.

No caso das hipóteses, temos: a) Verifica-se, nos documentos analisados, a

crescente tendência de destacar a necessidade de a escola incorporar conteúdos

relacionados às atividades culturais como forma de adequar a escola ao contexto em que

está situada; e b) Ainda que as mudanças sejam evidentes e que as atividades culturais

nas escolas tenham um sério propósito, predomina a formação voltada para o trabalho.

Durante o desenvolvimento deste projeto, antes de chegar à análise dos

documentos produzidos na esfera escolar, entendeu-se que seria necessária uma

avaliação, também via análise documental, dos domínios que circundam o ambiente

local, a fim de detectar tendências, convergências ou divergências. Além disso, fez-se

fundamental a contextualização das últimas reformas implantadas na educação básica

no Brasil, com especial atenção para o Ensino Médio, principal preocupação deste

trabalho.

Neste primeiro momento foi possível perceber que as reformas são decorrência

natural das exigências do modelo econômico vigente, isto é, na tentativa de preencher

novos postos de trabalho, surgidos da ultraespecialização engendrada pelo capitalismo

tardio, tentou-se, mais uma vez sem sucesso, estabelecer as “novas” funções do Ensino

Médio reformado. Entretanto, permanece a dicotomia entre ensino propedêutico e

técnico-profissionalizante.

As análises de documentos produzidos em diferentes instâncias, internacional,

nacional e estadual, confirmaram, em grande medida, a hipótese de que os dados

coletados tenderiam a expressar a prescrição de atividades culturais como forma de

solucionar o problema da qualidade da educação. Com exceção do documento assinado

pelo estado de Minas Gerais, Reinventando o Ensino Médio, que declaradamente

assevera ser o Ensino Médio o momento de profissionalização dos jovens, já que os

egressos desse ciclo devem estar preparados para o mercado de trabalho, todos os outros

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analisados tornam as atividades culturais em algo instrumental (meio para se alcançar

outra finalidade externa à lógica da própria arte), especialmente por meio da Educação

Artística ou ensino das Artes. Espera-se que, por meio do contato com as referidas

atividades culturais, o aluno torne-se mais apto às mudanças geradas pelas intempéries

do mercado de trabalho. Ou seja, a hipótese contida nesses documentos é a de que

promovendo ampla relação com as artes em geral os alunos tornar-se-ão mais flexíveis,

criativos e, portanto, adaptáveis, quase sem resistência, às mudanças periódicas do

capitalismo. Em outras palavras, os educadores devem estar atentos às necessidades

econômicas do sistema; não necessariamente, portanto, busca-se a melhor formação

cultural possível para os alunos que, por sua vez, não passam de apêndices do processo

produtivo que é orientado para o lucro.

Além disso, vale perguntar qual é a “cultura”, por meio do contato com as artes,

por exemplo, que se quer impingir nos alunos. É bom lembrar que não se está usando

como sinônimos a arte e cultura, no entanto, mas ainda assim, como a escola é uma

fotografia da realidade social, também as expressões artísticas o são da cultura.

Marcuse (1997) faz importantes reflexões sobre o caráter afirmativo ou negativo

da cultura. Quando se fala em atividades culturais, frequentemente, as pessoas

demonstram bastante respeito por elas: afinal, são atividades culturais e o que poderia

ser melhor do que isso? O respeito demasiado à cultura e a todas as suas expressões,

muitas vezes, conduzem-nos a uma espécie de percepção de algo como sagrado e

inquestionável. Como esses elementos da cultura, quase sempre, se travestem de valor

reivindicativo ou de reformista e, até mesmo, de revolucionário, questioná-los é um

verdadeiro sacrilégio.

No caso do caráter afirmativo da cultura, o que ocorre é o reforço dos valores

burgueses, enquanto que no caráter negativo da cultura, Marcuse afirma que este sim, é

aquele que propõe mudanças, uma vez que a própria negação da realidade objetiva

contém em si o potencial da transformação radical da experiência dos indivíduos com o

mundo social. Portanto, tomar as expressões da cultura, seja por meio da música, dança,

artes plásticas, teatro ou qualquer outra manifestação, como portadoras da possibilidade

de desvelamento da realidade é importante, no entanto, isso só terá algum efeito se a

própria cultura também for objeto de crítica.

Como a reconciliação, nessa sociedade, entre indivíduo e sociedade é impedida

de acontecer, acentua-se a cisão que caracteriza o espírito da sociedade contemporânea.

A fragmentação de que são vítimas os indivíduos traz consigo o que Adorno chamou

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pseudoformação. Ou seja, como a formação cultural é a expressão subjetiva da própria

civilização e esta se encontra sob o jugo do capitalismo tardio, cuja sustentação ocorre

na ideologia da sociedade industrial, é claro que o indivíduo reflete essa mesma

situação. Vale dizer que, diante da organização social e da divisão do trabalho vigentes,

a formação cultural nos termos empregados pela Escola de Frankfurt é inexequível.

Verificou-se, ainda, que os documentos das duas escolas estudadas e a que essa

pesquisa teve acesso convergem em muitos pontos. O entendimento de ambas as

instituições indicam que para o aluno do Ensino Médio é dada uma formação que visa a

preencher as vagas solicitadas pelo mercado de trabalho. Pouco importa se o ingresso no

universo do trabalho vai acontecer imediatamente após o final da educação básica,

como parece ser a preocupação da Escola E, ou se vai acontecer depois, após qualquer

curso técnico, tecnólogo ou de graduação, como parece ser a preocupação da Escola P.

O fato é que, nos dois casos, a formação para o trabalho está no horizonte.

Desse modo, a segunda hipótese se confirma, já que, ainda que se reconheça

esforços no sentido de proporcionar aos alunos o mais amplo contato com atividades

culturais e que as mudanças são evidentes, tudo isso de uma forma ou de outra tem

como objetivo central o trabalho. É claro, também, que, no que se refere à Educação

Artística ou ao ensino das Artes, a Escola P o faz com muito mais destreza e seriedade

do que a Escola E, até mesmo por contar com melhores instalações e mais recursos

humanos e financeiros. Guardada as devidas proporções e diferenças, poder-se-ia dizer

que, por exemplo, a Orquestra Filarmônica da Escola P é bastante bem equipada e

treinada, garantindo boas apresentações, equivalentes a muitas profissionais.

Embora haja, verdadeiramente, um firme propósito de apostar nas artes como

mais uma possibilidade de formação dos seus alunos, ao contrário da Escola E que

parece ter incluído em suas atividades aquela chamada educação artística por força da

obrigatoriedade legal, assim como a “alma” a que se refere Marcuse (1997), a Escola P

e seu honesto propósito de conferir mais qualidade e melhor formação para os seus

alunos parece sucumbir. Não por desinteresse ou falta de vontade, mas sim porque

ações isoladas no contexto geral da educação e da sociedade hodierna tendem ao

fracasso, já que dificilmente fora do sistema há possibilidades de inserção na vida

social.

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Mais ainda, a prescrição de ofertar maior contato dos alunos com as expressões

artísticas é bastante atual, conforme se pode constatar por meio das análises

documentais realizadas neste trabalho. Todavia, convém lembrar que como as

expressões da cultura são o microcosmo da própria cultura e esta, por sua vez, é

determinada pelas tendências sociais predominantes, isso equivale dizer que depositar

nas atividades culturais toda a responsabilidade de conferir qualidade à educação é uma

proposta bastante problemática. Adorno (2011) usa a experiência da educação alemã

para exemplificar o que ele chama falência da cultura, justificando que esse país foi o

lugar que experimentou as piores faces da barbárie que essa mesma cultura, tida na

contemporaneidade como o salvo-conduto para garantir melhor qualidade a educação,

produziu.

Feitas as análises, de fato, a formação cultural, de que tanto se fala na atualidade,

está, sem dúvida, submetida à lógica do capital e foi convertida em educação para o

trabalho. Ainda que haja contribuições dessas iniciativas no que tange à formação

cultural do indivíduo, sobretudo no que se refere ao posicionamento das escolas a esse

respeito, não se pretende esgotar as discussões sobre o tema. Em vez disso, essa

pesquisa serve como ponto de partida para outras discussões e diferentes estudos.

Apenas como sugestão, é possível, a partir das discussões aqui realizadas, perseguir o

entendimento de como as atividades culturais promovidas pelas escolas impactam o

indivíduo. Quer dizer, de que maneira, ainda que se saiba dos limites da formação

cultural nessa sociedade, o contato com as expressões artísticas e culturais ampliam a

experiência dos jovens do Ensino Médio.

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ANEXOS

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Anexo 1: Matriz Curricular para o Ensino Médio 2012 Escola E

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Anexo 2: Matriz Curricular para o Ensino Médio 2012 Escola P

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Anexo 3: Portaria da SEE/MG que confere à Escola P a possibilidade de ministrar

cursos técnicos de canto e instrumental

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO

SUBSECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

SUPERINTENDÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO E ATENDIMENTO EDUCACIONAL

Atos assinados por Vera Lúcia Gonçalves Vidigal Maciel

PORTARIA n.º 338/2013

Nos termos do artigo 1° da Resolução SEE n.º 170, de 29 de janeiro de 2002, do artigo 24

da Resolução CEE n.º 449, de 1º de agosto de 2002, e considerando o Parecer CEE n.º 110,

de 08 de março de 2013, ficam reconhecidos os cursos Técnico em Canto e Técnico em

Instrumento Musical, ministrados pelo Instituto Musical Cenecista Odette Carvalho de

Camargos, situado na R. Felipe dos Santos, 286, B. Abadia, em Uberaba, pelo prazo de 05

(cinco) anos.

SRE – Uberaba

Publicada 19/03/2013