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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP TIAGO MOREIRA GOMES ORALIDADE NA LITERATURA: TURNOS CONVERSACIONAIS EM DIÁLOGOS LITERÁRIOS CONSTRUÍDOS POR RUBEM FONSECA Mestrado em Língua Portuguesa São Paulo - 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

TIAGO MOREIRA GOMES

ORALIDADE NA LITERATURA: TURNOS CONVERSACIONAIS

EM DIÁLOGOS LITERÁRIOS CONSTRUÍDOS POR RUBEM FONSECA

Mestrado em Língua Portuguesa

São Paulo - 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

TIAGO MOREIRA GOMES

ORALIDADE NA LITERATURA: TURNOS CONVERSACIONAIS

EM DIÁLOGOS LITERÁRIOS CONSTRUÍDOS POR RUBEM FONSECA

Dissertação de mestrado apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial

para a obtenção de título de MESTRE em

Língua Portuguesa sob orientação do Prof. Dr.

João Hilton Sayeg de Siqueira.

São Paulo - 2017

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Banca Examinadora

________________________________________

________________________________________

________________________________________

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Sistema para Geração Automática de Ficha Catalográfica para Teses e Dissertações com dados fornecidos pelo autor

Gomes, Tiago Moreira

Oralidade na literatura: turnos conversacionais

em diálogos literários construídos por Rubem Fonseca

/ TiagoMoreira Gomes. -- São Paulo: [s.n.], 2017.

87p ; cm.

Orientador: João Hilton Sayeg de Siqueira.

Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) --

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua

Portuguesa, 2017.

1. Análise da conversação. 2. Turnos

conversacionais. 3. Conto contemporâneo. 4. Rubem

Fonseca. I. de Siqueira, João Hilton Sayeg. II.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua

Portuguesa. III. Título.

CDD

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Dedico a Licionina e Regina (in memoriam),

Miguel, Teresa, Sofia, Clarissa e Isabela.

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AGRADECIMENTOS

À minha família por todo o apoio durante a realização do curso de Mestrado.

Aos meus pais que sempre incentivaram à descoberta.

À professora Ana Rosa Ferreira Dias, pelas substanciais colaborações e pelo apoio.

Ao professor João Hilton Sayeg de Siqueira pela lucidez e pela objetividade com que

orientou a realização da presente pesquisa.

Ao professor Luiz Antônio Ferreira por todo o conhecimento compartilhado.

À coordenação do curso de Mestrado da PUC, em especial, a Maria de Lourdes S. de

Brito.

A todos os estimados professores do Mestrado da PUC.

À CAPES que tornou possível o presente estudo.

Ao Rubem Fonseca, pela influência literária despertada no início da vida acadêmica.

E, agradeço, em especial, a todos os companheiros Carlão, Elizete, Márcia, Priscila,

Andréia e Anderson, com os quais compartilhei anos especiais de minha vida.

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A literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem.

Louis de Bonald

A tarefa da literatura é ajudar o homem a compreender-se a ele mesmo.

Máximo Gorki

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RESUMO

Os estudos acadêmicos sobre a manifestação da língua falada na escrita e na

literatura têm originado artigos, dissertações e teses e, na maioria das vezes, têm sido

estudadas crônicas e peças teatrais. O gênero textual do conto tem sido pouco estudado à luz

das teorias que visam a analisar a língua falada.

O objetivo deste trabalho é analisar a manifestação da língua falada nos diálogos

literários, especialmente no gênero conto por meio das teorias de Análise da Conversação.

Neste estudo, verifica-se como se realizam as organizações da microanálise e da

macroanálise em diálogos e de que forma ocorre a interação dos interactantes nesses

diálogos, especificamente as trocas de turnos entre personagens de textos ficcionais.

O corpus desta dissertação é constituído por um conto contemporâneo, O gravador,

de Rubem Fonseca. Deu-se preferência a um conto do século XX por sua

contemporaneidade e por apresentar um exemplo mais próximo da realidade atual.

Para alcançar os objetivos, apoiamo-nos em teóricos como Kerbrat-Orecchioni

(2006), Marcuschi (1986), Preti (2001, 2004, 2005 e 2011), entre outros.

As análises permitiram comprovar que o conto é um exemplo de gênero textual

híbrido, uma vez que apresenta características próprias da modalidade falada, aliada à

modalidade escrita da língua, e que pode ser utilizado como ponto de partida para o estudo

de ambas as modalidades.

Além disso, os diálogos nesse gênero apresentam aspectos que podem ser indicativos

de uma competência comunicativa próxima de um diálogo natural.

Espera-se, com os resultados aqui apontados, contribuir para os estudos que tratam

das modalidades falada e escrita da língua.

Palavras-chave: análise da conversação, turnos conversacionais, conto contemporâneo.

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ABSTRACT

Academic studies about spoken language expression on the written and in Literature

have lead articles, papers and thesis, whose objetcs of study have been, in the most time,

chronic and theater plays. The short story has been few studied by the theories that intend to

analize the spoken language.

The objetive of this work is to analysis the spoken languagem expression, in literary

dialogues, specially the short-story, based on Conversation Analysis.

At this study, we checked how happen the micro and macro organizations of the

dialogues analysis and how the interactional process happen among the speakers, specificly,

the turns change among fictional texts caracters.

The Corpus is constituted for a contemporary short story, O gravador, by Rubem

Fonseca. We may give preference to a short story of Century XX because of its

contemporarity and because it shows examples closer of our presente-day reality.

To reach our objectives, we lean on theorics like Kerbrat-Orecchioni (2006),

Marcuschi (1986), Preti (2001, 2004, 2005 e 2011), among others.

Our analyses let us to prove that the short-atory is an example of hybrid genre, since

it shows its own caracteristics of spoken, allied to the written language, and it may be

example of the communications competence modals close of a natural dialogue.

We hope, with the results presented here, help to the studies about Spoken and

Written Language.

Keywords: Conversation Analysis, conversational turns, contemporary short-story.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 – RUBEM FONSECA E SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA

1.1. Contextualização do corpus .................................................................................... 13

1.2. Contexto histórico ................................................................................................... 15

1.2.1. Gênero textual ...................................................................................................... 21

1.2.2. O conto ................................................................................................................ 23

1.3. Características do conto .......................................................................................... 25

CAPÍTULO 2 – ORALIDADE EM DIÁLOGOS

2.1. Língua falada e língua escrita ................................................................................. 28

2.2. A análise da conversação ........................................................................................ 33

2.2.1. Breve histórico ..................................................................................................... 33

2.2.2. Os conceitos da Análise de Conversação ............................................................ 36

2.3. A conversação literária ........................................................................................... 39

2.3.1. Os diálogos assimétricos ..................................................................................... 40 2.3.2. Os diálogos simétricos ......................................................................................... 40 2.3.3. Os diálogos construídos ....................................................................................... 41

2.4. O turno conversacional ........................................................................................... 43 2.4.1. Marcadores conversacionais ................................................................................ 47

CAPÍTULO 3 – CONTO O GRAVADOR EM ANÁLISE

3.1. Categorias de análise ............................................................................................. 50

3.2. Análise do conto O gravador ................................................................................ 52

3.2.1. O conto – macroanálise ...................................................................................... 52

3.2.2. Organização do diálogo – microanálise ............................................................. 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 70

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 71

ANEXOS ...................................................................................................................... 75

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, dentre os diversos estudos desenvolvidos sobre a linguagem,

pode-se considerar que há uma preocupação sistemática com as especificidades da

linguagem oral e da linguagem verbal escrita. Tal interesse em estudar este tema é

justificado, pois a linguagem verbal pode ser considerada a mais elaborada forma de

mediação entre o homem e o real1.

Na literatura estilisticamente culta foram constatados nos últimos anos usos

linguísticos que antes eram inadmissíveis, pois houve uma aceitação em relação a tais

formas de comunicação, em considerável mudança nos costumes sociais. Por isso, pode-se

considerar que o uso de marcas da oralidade nos diálogos escritos e também de variantes

orais e populares visam a criar uma atmosfera verossimilhante nas obras que as empregam a

fim de reproduzir uma caracterização das personagens e de seus papéis sociais.

É necessário, ao estudar a linguagem verbal oral e escrita, observar que o uso da

linguagem depende de uma intenção de comunicação, por isso é importante considerar que

não se produz um texto ou um diálogo pensando-se apenas na gramática da língua formal

padrão ou na morfologia a ser utilizada. A intenção comunicativa é, portanto, determinante

para que o discurso seja significativo e adequado às práticas e às situações sociais.

Por outro lado, é ainda importante observar que o uso de variantes da oralidade não

denota desprestígio linguístico ou socioeconômico, outrossim, propaga as vozes de falantes

de diversas posições sociais quando estas são empregadas, possibilitando assim o

enriquecimento linguístico do texto construído.

A escrita literária moderna emprega estratégias conversacionais, na produção

ficcional, e para isto faz uso de elementos relacionados a um contexto histórico-cultural, ou

seja, trata-se de um uso de linguagem que se apresenta de acordo com a época retratada e os

costumes, de modo a se observar variantes da oralidade incluídas em tal produção. Exemplo

disto é o diálogo construído e as estratégias conversacionais que se revelam em uso na

produção de Rubem Fonseca, autor contemporâneo que, de modo paradigmático, empregou

a linguagem oral em sua produção literária.

Com isso, o presente trabalho examina o uso da oralidade na elaboração dos diálogos

entre personagens literários. De forma mais precisa, busca-se definir, a partir de

1 Entende-se por “real” a interação face a face.

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pressupostos teóricos da Análise da Conversação, os recursos discursivos e interativos

usados pelo escritor Rubem Fonseca na montagem do diálogo literário. Como corpus, foi

selecionado um conto de Fonseca em que há marcas, nos diálogos produzidos, de certa

ilusão de oralidade escrita.

Segue-se, na análise aqui realizada, a perspectiva metodológica definida por Dino

Preti (2001, 2004, 2005 e 2011), que estabelece passos para uma análise científica do

fenômeno da oralidade no texto verbal escrito literário. Busca-se, assim, responder aos

seguintes questionamentos: quais recursos da oralidade foram empregados em diálogos

construídos por meios de turnos conversacionais no conto “O gravador”, de Rubem

Fonseca? De que modo o texto literário faz uso de elementos próprios da conversação real

para criar um efeito de realidade no texto ficcional?

A Análise da Conversação é a base teórica desta pesquisa na busca de descrever o

comportamento verbal dos interlocutores durante a interação, visando a compreender como

se processa a organização do ato conversacional, em diálogos literários, ou seja, diálogos

construídos. Para tal fim, serão empregados pensamentos de autores cujas obras se voltaram

para o desenvolvimento de ampla literatura sobre o tema, como Kerbrat-Orecchioni (2006),

Marcuschi (1986), Preti (2001, 2004, 2005 e 2011).

Especificamente, objetiva-se neste trabalho analisar as marcas orais usadas na

construção de diálogo literário no conto selecionado. Os diálogos de ficção ou diálogos

construídos não são claramente reais, entretanto, os esquemas de conhecimento orais do

autor e leitor tornam possível que o texto seja elaborado a partir de certas estratégias

conversacionais, comuns na conversação face a face. A construção dos sentidos do texto

literário, nesses casos, utiliza-se de efeitos conversacionais, por meio do uso de estratégias

discursivas empregadas no diálogo.

Para sua realização, o presente estudo foi dividido em três partes. No primeiro

capítulo, apresenta-se uma breve biografia do autor, além de buscar a compreensão de

elementos históricos, em especial os eventos que marcaram a história política do país no

período em que o conto foi produzido com a finalidade de situar o autor e a obra no seu

tempo, além de identificar os aspectos relevantes do gênero conto contemporâneo que

possibilitem uma melhor análise do aspecto de oralidade no contexto literário atual.

No segundo capítulo, aborda-se a concepção de língua falada e língua escrita que

sustenta a análise proposta, bem como as teorias que se propõem a realizar a análise da

conversação de cuja metodologia faremos uso no capítulo seguinte. Apresentamos, nesta

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segunda parte, a metodologia de análise denominada por Preti (2004) de macro e

microanálise do diálogo literário, bem como dos conceitos formulados por Kerbrat-

Orecchioni (2006) e Marcuschi (1986).

Em seguida, no terceiro capítulo, investiga-se as marcas orais presentes no diálogo

construído no conto selecionado como corpus. Assim sendo, busca-se atingir os objetivos

citados, seleciona-se, no texto em estudo, diálogos que possam comprovar a proposta de

análise sob a ótica da Análise da Conversação.

Nas considerações finais, verifica-se se os objetivos propostos foram ou não

atingidos, bem como as contribuições desta pesquisa e sua possível aplicação em estudos

futuros.

As referências bibliográficas e os anexos encerram esta dissertação.

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CAPÍTULO 1 – RUBEM FONSECA E SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA

1.1. Contextualização do corpus

José Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, em 11 de maio de 1925. Sua família,

porém, mudou-se para o Rio de Janeiro quando ele ainda era criança. Formou- -se na

Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, em 1948. Iniciou carreira na polícia, como

comissário, no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão, Rio de Janeiro, em 1952. Entre

setembro de 1953 e março de 1954, fez curso de aperfeiçoamento policial nos Estados

Unidos, período em que também estudou Administração de Empresas na New York

University. Ao regressar ao Brasil, recebeu licença para estudar e lecionar na Fundação

Getúlio Vargas. Foi exonerado da polícia em 1958. Fonseca, por um período, lecionou e

trabalhou como relações públicas da empresa Light antes de dedicar-se apenas à carreira de

escritor. O autor escreve contos, romances, novelas e roteiros para cinema, mantém-se na

ativa. Seu livro mais recente é a coletânea de contos Histórias Curtas, de 2015.

Em 1963, estreou na carreira literária com o livro de contos Os Prisioneiros. Dois

anos depois, lançou A Coleira do Cão. Durante as décadas de 1960 e 1970, dedicou-se quase

exclusivamente ao gênero conto, mais especificamente o conto policial, tendo publicado

apenas um romance em 1973, intitulado O Caso Morel. É na década de 1980 que o escritor

lança obras no gênero romance policial, recebendo o Prêmio Jabuti logo na primeira

publicação, em 1983, de A Grande Arte. Como roteirista, é premiado pelos longas Relatório

de um Homem Casado, adaptado do conto Relatório de Carlos e dirigido por Flávio

Tambellini, e A Grande Arte, filme dirigido por Walter Salles. Em 1991, recebe o Kikito de

Ouro no 18º Festival de Gramado, pelo roteiro de Stelinha, dirigido por Miguel Faria Jr. É

avesso a entrevistas e a qualquer divulgação de sua imagem.

Quando surgiu na literatura brasileira, em 1963, com a publicação da coletânea de

contos Os Prisioneiros, Rubem Fonseca foi saudado como uma voz que marcava uma

novidade na produção nacional. Seus contos, segundo Boris Schnaiderman, causaram

impacto ao retratar a brutalidade do submundo que expressavam, por isso, Alfredo Bosi

(2006, p. 436.) saudou-o empregando o termo “brutalismo” para se referir ao estilo e à

temática violenta empregada pelo autor; enquanto outros autores observaram a inversão de

valores sociais ao expor no texto literário uma realidade marcada por ações violentas e por

uma linguagem em que predominava o tom coloquial.

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Não havia nas narrativas do autor um olhar “de fora para dentro”, mas uma

brutalidade cotidiana e corrente, revelada pela linguagem que a construía. Esta definição

encontra semelhança à análise de Benjamin Abdala, citada por Jaime Ginzburg (2012, p.

452-453): “as personagens do autor são condicionadas pela violência, em um ambiente em

que não há espaço para o humanismo”. Considera Ginzburg que os primeiros textos de

Fonseca foram escritos à luz do autoritarismo militar que empregava sistematicamente a

violência como instrumento de controle social, por isso a realidade social violenta e

autodestrutiva gerou, na literatura de autores como Fonseca e Dalton Trevisan, uma

violência maior do que o próprio sistema.

Por vez, as personagens fonsequianas são frutos de um mundo fragmentado e gerador

de tal realidade social e linguística. Maria Luiza Abaurre (2010), por sua vez, considera que

a fragmentação do mundo contemporâneo atingiu o indivíduo retratado na obra do autor,

que se percebe isolado, sem vínculos duradouros e que por isso busca o prazer pessoal a

qualquer preço. Nesse contexto, Fonseca é um dos escritores que abordam os efeitos

violentos dessa desagregação na sociedade. Afirma a escritora,

A redefinição de fronteiras geopolíticas, os inacreditáveis avanços científicos, as

crises econômicas, a crescente violência urbana, o acesso imediato à informação

são algumas características da vida no fim do século XX e início do XXI. A arte

reflete esse quadro e multiplica tendências. (ABAURRE, 2010, p. 691)

Fonseca emprega em seus contos elementos em que há o predomínio das imagens

violentas e em que se revela a crise dos valores pós-modernos. Seus textos são assim

retratadores de uma face da atualidade que, surgida no Brasil que emergiu no período de

ditadura militar, busca revelar uma realidade que se pretendia mascarada. Tal revelação faz

não apenas quanto à temática, mas principalmente no uso de uma construção linguística

marcada pela inovação. Hudinilson Urbano (2000) observa haver em Fonseca uma relação

entre o discurso literário e a linguagem oral, até então, pouco usual em nossa literatura.

Contudo, Elizabeth Brait (2001, p. 248) afirma que a linguagem do autor é “uma

espécie de poética de marginalidade”, pois seria possível surpreender a maneira de falar, ao

mesmo tempo múltipla e reveladora de determinadas classes não-privilegiadas de

traficantes, de bandidos, de prostitutas como se pode pensar em outros grupos que, pela

linguagem, revelam sua marginalidade ou suas particularidades independentemente do poder

econômico. A habilidade do autor permite que recupere níveis distintos de expressão não

apenas para cada uma das personagens, mas, muitas vezes, mesclados na mesma frase e

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fazendo o próprio narrador participar de registros que se afastam da norma culta. Os níveis

linguístico e social se entrelaçam, tramados no trânsito que se estabelece entre a linguagem

culta e coloquial, inúmeros registros, gírias e jargões.

Brait, ao analisar as temáticas fonsequianas, considera:

O que se constata na escritura de Rubem Fonseca é a presença de questões urbanas

contemporâneas, filtradas e expostas pelas pesquisas de diferentes níveis sociais,

diferentes registros, diferentes profissões e especialidades pelas leituras da tradição

literária e científica, pelas referências textuais explícitas e implícitas, pelas

relações estabelecidas entre literatura e pintura, literatura e música literatura e

cinema. (BRAIT, 2001, p. 251)

Na composição narrativa de Fonseca, são empregados elementos que identificam e

constroem a diegese por meio de recursos formais. Entre os recursos mais empregados pelo

autor, está o discurso direto. Como consequência, há o uso de uma série de elementos

relacionados a esta modalidade discursiva como uma forte carga de elementos da oralidade,

gírias e localismo, por exemplo; a identificação das personagens por meio de uma seleção

vocabular que permite, ao leitor, identificar elementos de sua origem social, a proximidade

entre a linguagem narrativa e a linguagem cinematográfica, o foco narrativo que

constantemente se desloca para a voz da personagem, o diálogo como elementos estruturado

etc. (MARETTI, 1986, p. 26).

Deonísio da Silva, quanto à linguagem de Fonseca, observou que o corte literário que

se faz de modo inesperado na narrativa, sugere algo incomum ao literário.

O corte parece ser usado para ironizar a linguagem acadêmica, formal – e ajudar a

instaurar a linguagem popular, informa. (...) com efeito, servindo-se da linguagem

popular (e até mesmo do palavrão), apropria imaginariamente a realidade que quer

investigar. (...) E ocorre, então a exaltação da linguagem popular como

instrumento de tratamento do real. (SILVA, 1978, p. 33)

1.2. Contexto histórico

Em 1963, o Brasil vivia uma agitação pré-golpe militar. Os anos anteriores foram

bastante agitados: o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, o turbulento governo de Café Filho

em rumores de um suposto golpe, tramado pelo substituto do presidente afastado por

problemas de saúde, Carlos Luz, por políticos e militares pertencentes a UDN (União

Democrática Nacional) contra a posse de Juscelino Kubitschek fizeram com que o ministro

da guerra, general Henrique Teixeira Lott, mobilizasse tropas militares que ocuparam

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importantes prédios públicos, estações de rádio e jornais. O presidente Carlos Luz foi

deposto. Foi empossado provisoriamente no governo o presidente do Senado, Nereu Ramos,

que se encarregou de transmitir os cargos a Juscelino Kubitschek e João Goulart, a 31 de

janeiro de 1956. A intervenção militar assegurou, portanto, as condições para posse dos

eleitos. Júlio José Chiavenato (2014, p. 64) considera que “depois da conspiração, o golpe

militar aconteceu quase naturalmente, apoiado pela igreja e festejado pela classe média,

temerosa de perder seus ‘privilégios’”.

O governo de Juscelino Kubitschek entrou para história do país como a gestão

presidencial na qual se registrou o mais expressivo crescimento da economia brasileira. Na

área econômica, o lema do governo foi “Cinquenta anos de progresso em cinco anos de

governo”. Para cumprir com esse objetivo, o governo federal elaborou o Plano de Metas que

previa um acelerado crescimento econômico a partir da expansão do setor industrial, com

investimentos na produção de aço, alumínio, metais não-ferrosos, cimento, álcalis, papel e

celulose, borracha, construção naval, maquinaria pesada e equipamento elétrico.

O governo realizava investimentos no setor industrial a partir da emissão monetária e

da abertura da economia ao capital estrangeiro. Segundo Mary del Priore e Renato Venâncio

(2010, p. 268), a curto prazo o modelo industrial de Juscelino foi um sucesso, pois houve

crescimento significativo na economia nacional, como se pode ver na construção de

rodovias e hidrelétricas. A emissão monetária (ou emissão de papel moeda) ocasionou um

agravamento do processo inflacionário, enquanto que a abertura da economia ao capital

estrangeiro gerou uma progressiva desnacionalização econômica, porque as empresas

estrangeiras (as chamadas multinacionais) passaram a controlar setores industriais

estratégicos da economia nacional. Conforme Priore e Venâncio (2010, p. 268), a política

ambiciosa do governo Kubitschek foi “coroada com a transferência da capital para o cerrado

do Brasil Central, surge Brasília”.

Segundo Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling (2015, p. 418), a fórmula

do reformismo desenvolvimentista, a noção-chave do subdesenvolvimento e a compreensão

de que o povo brasileiro era o agente da transformação de sua própria história

amadureceram entre os tecnocratas do governo e os intelectuais da academia; também

viveram uma floração e uma maturação particulares de produção artística. Por isso, pode-se

compreender como resultantes do estado de euforia da época de Juscelino, o surgimento de

diversos elementos culturais: grupos de teatro como o Teatro Arena, o Teatro Oficina e o

Teatro Opinião.

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Além disso, as autoras citam ainda o surgimento da Companhia Cinematográfica

Vera Cruz e a produtora Atlântida. E, principalmente, o Cinema Novo de Glauber Rocha,

Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra. Há de se ressaltar ainda o surgimento da Bossa

Nova, cujos precursores foram Dick Farney, Lúcio Alves e Johnny Alf, porém, segundo

Shwarcz e Starling (2015, p. 421) figuraram entre seus principais autores Tom Jobim, João

Gilberto, Vinícius de Moraes, entre outros.

Na sucessão presidencial de 1960, o quadro eleitoral apresentou a seguinte

configuração: a UDN lançou Jânio Quadros como candidato; o PTB com o apoio do PSB

apresentou como candidato o marechal Henrique Teixeira Lott; e o PSP concorreu com

Adhemar de Barros. Jânio Quadros venceu por ser muito populista que prometia “varrer a

corrupção”, utilizando como símbolo de limpeza uma vassoura. Naquela época, as eleições

para presidente e vice-presidente ocorriam separadamente, ou seja, as candidaturas eram

independentes. Assim, o candidato da UDN a vice-presidente era Milton Campos, mas quem

venceu foi o candidato do PTB, João Goulart. Desse modo, João Goulart iniciou seu

segundo mandato como vice-presidente.

Jânio que foi eleito com 48% dos votos, tomou posse em janeiro de 1961. Seu breve

governo foi caracterizado por um programa anti-inflacionário, que previa a reforma do

sistema cambial, com a desvalorização do cruzeiro em 100% e a redução dos subsídios às

importações de produtos como o trigo e gasolina. Buscava-se incentivar as exportações do

país, equilibrando a balança de pagamentos. Internamente, essa política teve um custo

elevado para a população, pois implicou, por exemplo, na elevação dos preços do pão e dos

transportes. Quadros renunciou sete meses depois, em 25 de agosto de 1961, alegando sofrer

pressão de “forças terríveis”.

Após a renúncia, quem assumiria o cargo presidencial seria o vice-presidente João

Goulart, mas como ele estava em viagem à China, abriu-se uma grave crise política, posto

que a posse de Goulart fora vetada por três ministros militares. O presidente da Câmara dos

Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu a presidência da República em 25 de agosto de 1961,

em virtude da ausência do vice-presidente. Os ministros militares do governo Jânio, porém,

formaram uma junta militar que tentou impedir, sem sucesso, a posse de Goulart, abrindo-se

uma grave crise político-militar no país. Segundo Del Priore e Venâncio (2010, p. 271), o

vice-presidente recebeu forte rejeição dos ministros militares por ser identificado como

pertencente ao movimento sindicalista cujas propostas de reformas de base contrariavam

interesses empresariais e militares. Criou-se assim um impasse quanto à sua posse.

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A solução para o impasse foi a aprovação pelo Congresso, em 2 de setembro, de uma

emenda à Carta de 1946, instaurando o regime parlamentarista de governo. João Goulart

assumiu, então, a presidência em 7 de setembro de 1961. Na presidência, manteve uma

política externa independente perante a polarização mundial: em 23 de novembro de

1961 reatou relações diplomáticas com a URSS, rompidas no governo Dutra; manifestou-se

contrário às sanções impostas ao governo cubano e recusou-se a apoiar a invasão a Cuba,

proposta pelo presidente Kennedy. Ao mesmo tempo, tornou explícita sua crítica ao regime

político cubano e atuou, a pedido dos Estados Unidos, como mediador junto a Havana,

externando a preocupação brasileira com a instalação de mísseis soviéticos na ilha.

Quando o golpe militar de 1964 foi desfechado para evitar a ameaça “comunista”, e

em vista da democracia e da liberdade, iniciavam-se os vinte e um anos do chamado “regime

militar”, período marcado pelas restrições aos direitos e garantias individuais, pela extinção

dos antigos partidos políticos e pela violência, típica dos regimes ditatoriais. Para

descaracterizar-se como um Estado de Exceção, a nova ordem, dita revolucionária, manteve

algumas instituições democráticas: o Congresso Nacional, tolhido em suas prerrogativas

tornar-se-ia um dócil homologador das decisões dos governos militares, e as eleições, em

todos os níveis se processariam dentro das variadas regras e restrições, que se estabeleciam a

partir de 1964. Chiavenato (2000, p. 66) considera que “a classe média sonhou com a

convivência entre democracia e autoritarismo, mascarada sob a aparência de legalidade

constitucional”. O autor afirma que os preconceitos da classe média emergiram como

“opinião pública”, o que teria tornado o regime militar possível.

De outro lado, o regime autoritário buscou sua legitimação através de uma

legislação, ou seja, de uma legislação de exceção, formulada através dos atos institucionais

(que estão acima da carta Magna) e da Constituição de 1967, mais tarde modificada pela

Emenda Constitucional de 1969. O novo regime tinha um dos seus mais importantes

fundamentos na Doutrina de Segurança Nacional, fortemente influenciada pela conjuntura

da Guerra Fria e pela crise do populismo.

Segundo essa doutrina, que substituía o conceito de “defesa nacional”, era preciso

combater os comunistas e outras forças “subversivas” que se infiltravam em todos os setores

da comunidade brasileira, visando desestabilizar o governo, as autoridades e as instituições

nacionais. Para isso, deu-se início à planificação global no País, cujo objetivo era a

superação dos problemas de natureza social, política e econômica, instrumentalizados pelas

forças do comunismo. Foram criadas novas políticas, que abrangeriam todas as atividades

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nacionais, destacando-se, entre elas, a política econômica, cujo objetivo maior era o

desenvolvimento econômico e a integração nacional centralizada, associadas ao capital

estrangeiro.

Com o golpe militar, Marechal Castelo Branco assumiu o governo do Brasil em abril

de 1964 e ficou no governo até 1967. Após o período inicial de expurgos e cassações, o

Governo Castelo Branco deu início a um amplo programa de estabilização econômica e

combate inflacionário. Seu mandato, que terminaria em janeiro de 1966, foi prorrogado, em

julho de 1964, até março de 1967. Uma ala radical do governo – a chamada “linha dura” –

reagiu e, em consequência, o presidente promulgou o Ato Institucional Número 2 (em 27 de

outubro de 1965), que extinguia os partidos políticos. Deu-se então a respectiva

recomposição, constituindo-se dois partidos: Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o

Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo o primeiro governista e o segundo da

oposição.

Em 5 de fevereiro de 1966, baixou o Ato Constitucional Número 3, que regulou as

eleições indiretas, a cargo das Assembleias Legislativas, para o governo de onze Estados

brasileiros. Chiavenato (2000, p. 114-115) considera que o AI-3 ampliou o controle político

do governo, pois restringiu ainda mais o direito ao voto popular, ao impor eleições indiretas

para governador. No final de 1966, o governo encaminhou ao Congresso o projeto de autoria

do ministro da Justiça, para a nova Constituição, este projeto foi conhecido como AI-4.

A nova Constituição, promulgada em janeiro de 1967, mantinha o federalismo e o

presidencialismo reforçado, com eleições indiretas para presidente e vice-presidente. Por

outro lado, a Constituição permitia ao presidente: decretar estado de sítio sem consultar o

Congresso durante 180 dias; decidir pela intervenção federal dos Estados para evitar

perturbações internas ou para garantir o respeito às leis; decretar o recesso do Congresso;

legislar por decretos; demitir funcionários civis ou militares; cassar mandato e suspender por

10 anos os direitos políticos.

No dia 15 de março de 1967, Arthur Costa e Silva assumiu o poder. Os primeiros anos

do governo foram de intensa atividade política, pois crescia o movimento de oposição ao

regime militar. Políticos de diferentes tendências formaram a Frente Ampla, sob a liderança

de Carlos Lacerda e com o apoio de Juscelino Kubitschek e João Goulart. De caráter

oposicionista, a Frente Ampla propunha a luta pela redemocratização, anistia, eleições

diretas para presidente e uma nova constituinte.

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O ano de 1968 foi marcado pela intensificação dos protestos e a imediata reação do

governo. As manifestações estudantis, que denunciavam a falta de verbas para educação e se

opunham ao projeto de privatização do ensino público, ganharam nova dimensão com a

morte do estudante secundarista Edson Luís, em conflito com a polícia militar no Rio de

Janeiro. Em resposta, houve uma greve estudantil nacional, comícios e manifestações

urbanas com a participação de amplos setores da sociedade, cujo ponto alto foi a Passeata

dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro. O ambiente político tornou--se ainda mais tenso, e

em abril o governo proibiu a Frente Ampla, tornando ilegal suas reuniões, manifestações e

publicações.

Em 13 de dezembro, o Ato Institucional n° 5 (AI-5) ampliou os poderes

presidenciais, possibilitando: o fechamento do Legislativo pelo presidente da República, a

suspensão dos direitos políticos e garantias constitucionais, a intervenção federal em estados

e municípios, a demissão e aposentadoria de funcionários públicos, entre outras medidas. O

fechamento do Congresso foi acompanhado pela cassação de diversos parlamentares.

Segundo Chiavenato (2010, p. 115), o AI-5 pretendia conter as greves trabalhistas que

surgiram em diversas cidades e as manifestações estudantis, bem como anular o crescimento

da militância dos trabalhadores.

Lei de Segurança Nacional, em vigor a partir de 29 de setembro de 1969,

transformava todo cidadão em responsável pela segurança do País. A referida Lei previa a

prisão de grevistas; apreensão de edições internas de jornais e revistas; a censura plena; a

punição para quem desrespeitasse as autoridades do governo ou distribuísse propaganda

“subversiva, e muitas outras medidas de caráter repressivo”.

Schwarcz e Starling (2015, p. 460) consideram que, a partir de 1969, houve uma

ampliação da máquina repressiva do governo, após a criação da Operação Bandeirante

(OBAN), “um organismo misto formado por oficiais de três Forças e por policiais civis e

militares, programado para combinar coleta de informações, interrogatório e operações de

combate”. Tal sistema serviu de modelo para o surgimento de dois outros órgãos que

estiveram a serviço da repressão: os Centros de Operação e Defesa Interna (CODI) e os

Destacamentos de Operação Interna (DOI). Juntos o DOI-CODI conduziam a maior parte

das ações de repressão que levaram ao surgimento da tortura, no início do governo Castello

Branco.

Em meio às agitações que precederam e que sucederam as ações militares e

repressivas de 1964, Rubem Fonseca lança suas primeiras obras: a coletânea de contos Os

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Prisioneiros, lançado em 1963, e A coleira do cão, publicado em 1965, já causaram em sua

época de lançamento, certo estranhamento na crítica literária, observam-se desde os dois

primeiros livros os temas que tornariam o autor reconhecido: a violência, a brutalidade da

vida urbana e, principalmente, o uso de uma linguagem inovadora. Porém, apenas com o

lançamento de A coleira do cão, em 1965, e Lúcia McCartney, em 1967, Fonseca atinge o

reconhecimento no universo literário. O reconhecimento da crítica dá-se, de modo mais

significativo, pela composição e pelo domínio das narrativas curtas, em especial, do gênero

conto que será analisado a seguir.

1.2.1. Gênero textual

Etimologicamente, a palavra gênero é empregada para designar família, raça ou um

grupo de seres dotados de aspectos comuns. As primeiras noções de gênero textual foram

desenvolvidas por Mikhail Bakhtin (2000, p. 279), ao afirmar que todas as esferas da

atividade humana que estão relacionadas com a utilização da língua e se dá em forma de

enunciado (oral e escrito) que “reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma

dessas esferas”, tanto pelo seu conteúdo (temático) como pelo estilo verbal (seleção operada

nos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua) e por sua construção

composicional. Assim, Bakhtin define os gêneros como “tipos relativamente estáveis de

enunciados”, elaborados em cada esfera de utilização da língua.

O autor observa que os gêneros transmutam e abarcam tudo o que é utilizado para a

comunicação, por isto é complexo estabelecer-lhes uma categorização; o importante é levar

em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário e o

gênero de discurso secundário. São considerados simples os primários que se constituem em

circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea, por isso, estão ligados a situações

privadas de uso da linguagem e à ideologia do cotidiano, são utilizados em situações de

comunicação discursiva imediata; os secundários, como o romance, o teatro, o discurso

científico, etc., são vinculados às situações de comunicação cultural mais complexas,

relativamente mais desenvolvidas e organizadas, principalmente a escrita.

Segundo Bakhtin (2000, p. 263), não se deve minimizar a heterogeneidade dos

gêneros discursivos e a dificuldade existente em definir a natureza geral do enunciado. Para

o autor, os gêneros primários estão relacionados à realidade concreta, tais como a réplica de

um diálogo cotidiano ou uma carta. A diferença entre os gêneros primário e secundário é

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grande, e para se realizar um estudo de tal diferença é necessário desvendar a natureza do

enunciado a ser descoberto e definido

A partir de tal noção de gênero desenvolvida por Bakhtin, pode-se considerar que o

conto pertence ao gênero secundário literário. Conforme afirma o autor:

Em sua grande maioria, os gêneros literários são gêneros secundários, complexos,

que são compostos de diversos gêneros primários transformados (réplicas de

diálogo, narrativa de costumes, cartas, diários íntimos, documentos etc). Esses

gêneros secundários, que pertencem à comunicação cultural complexa, simulam,

em princípio, as várias formas da comunicação verbal primária. É precisamente

isso que gera todas essas personagens literárias convencionais de autores, de

narradores, de locutores e de destinatários. (BAKHTIN, 2000, p. 325)

Os gêneros são considerados a partir de características comuns que dizem respeito à

estrutura, ao estilo, à função e ao contexto de circulação desses textos. A identificação de

elementos comuns a diferentes textos permite que se afirme estar diante de um gênero

discursivo particular. Segundo Abaurre (2015, p. 54), “os gêneros correspondem a certos

padrões de composição de texto determinados pelo contexto em que são produzidos, pelo

público a que eles se destinam, por sua finalidade, por seu contexto de circulação”.

Deve-se, portanto, para identificar um gênero discurso observar que ele está

relacionado ao uso que as pessoas fazem da linguagem em diferentes situações, por isso,

conforme Abaurre (2015, p. 55), os gêneros não são estáticos, pois surgem e se modificam

em função de necessidades específicas. Pode-se observar, assim, que estão envolvidos, além

da estrutura, do estilo, da função e do contexto, a situação comunicativa, ou seja, o contexto

de produção, o público a que o texto se destina, a finalidade para a qual foi escrito.

1.2.2. O conto

Um dos gêneros literários mais atuais e também um dos mais antigos é o conto.

Primeiro, porque contar os fatos é próprio da natureza humana, ou seja, o homem conserva

desde tempos imemoriais a capacidade de elaborar narrativas e relatos sobre sua vivência e

sobre suas experiências. Porém, em um sentido mais moderno, a elaboração de narrativas

curtas escritas ganha impulso pela existência de registros literários rápidos e sintéticos. É

necessário, entretanto, buscar alguma definição para que a partir da teoria de gênero,

elaborada por Bakhtin, se possa analisar o conto.

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Na busca de criar uma definição para o gênero conto, Massaud Moisés (1979, p. 16)

afirma que é “vedado pensar o momento em que surgiu, pois teríamos de remontar a uma era

da Historia ensombrada pelo denso mistério e incerteza de contornos”. Daí a dificuldade de

indicar com exatidão a origem do conto.

Pode-se observar, porém, que a origem do conto pode ser associada à linguagem oral

que precede a escrita, pois antes do registro das primeiras narrativas, já havia contos que os

mais antigos transmitiam aos mais novos. Assim o conto foi, em sua forma original, uma

narrativa oral, conforme considera Nádia Batella Gotlib (2003):

A história do conto, nas suas linhas mais gerais, pode se esboçar a partir deste

critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e sua

transmissão oral. Depois, seu registro escrito. E posteriormente, a criação por

escrito de contos, quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-

escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário. (GOTLIB, 2003, p. 13)

Moisés (1995, p. 98-99) considera que não é possível precisar a gênese do conto de

forma definitiva, porém, tal origem remonta aos primórdios da própria arte literária. Para o

crítico, há estudos que consideram que o conto surgiu alguns milhares de anos antes do

nascimento de Cristo, haja vista a existência de contos egípcios, Os contos mágicos, datados

de 4000 a.C. são exemplos de contos que vieram do Oriente, da Arábia e da Pérsia, as

histórias de Mil e uma noites, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, entre outros. Na

Antiguidade Clássica, pode-se citar O naufrágio de Simônides, de Fedro, A Madona de

Éfeso, de Petrônio, A Casa Mal-assombrada, de Plínio.

No século XIV, conforme considera Moisés (1979, p. 17), observa-se uma série de

escritos que tematizam as histórias cavalheirescas, cujos autores significativos são

Boccaccio – Decameron (1350) – e Chaucer – Canterbury Tales (1386). Posteriormente,

entre os séculos XVI e XVII, o conto passa a gozar de certo prestígio por ser cultivado em

diferentes lugares da Europa. Na Espanha, são publicadas as Novelas exemplares, de

Cervantes; na França, Margarida de Navarra publica Heptâmeron (1558); e no fim do século

XVII, Charles Perrault surge com os Contos de mãe ganso.

Ainda segundo Moisés (1995, p. 100), no século XIX, o gênero conhece “uma época

de esplendor”. Por tornar-se uma categoria literária, por apresentar estrutura diferenciada,

passa a ser cultivado, surgem, em toda a parte, escritores que se tornam conhecidos pela

narrativa breve e concisa: Maupassant, na França, Edgar Allan Poe, nos Estados Unidos,

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Anton Tcheckov, na Rússia, Hoffmann, na Alemanha. No Brasil e em Portugal, Eça de

Queiroz, Machado de Assis, Coelho Neto, Afonso Arinos e outros.

No século XX, o conto desenvolve sutilezas que, acentuando-lhe a fisionomia

estética, o aproximam de uma cena do cotidiano poeticamente surpreendida. Vários mestres

na matéria surgem nas primeiras décadas deste século: Katherine Mansfield, Virginia Woolf,

James Joyce, Kafka, Górki e outros.

No Brasil, observa-se uma produção de contos que remete ao século XIX, e ao início

do século XX. Machado de Assis foi um exímio cultuador do gênero, apesar de seus

romances o terem tornado conhecido, há diversos contos do autor que figuram entre os

melhores do gênero, como Cantiga de Esponsais, Noites de Almirante e Missa do Galo.

Além de Machado, no século XIX, pode-se observar a publicação de uma série de contos

intitulada Noite da Taverna, de Álvares de Azevedo.

O século XX, no Brasil, representa, sem dúvida, o período de maior disseminação do

gênero, haja vista que, ao longo de todo o século, diversos autores propagaram as narrativas

curtas: Monteiro Lobato, Antônio de Alcântara Machado, Guimarães Rosa, Osman Lins,

Clarice Lispector, Luiz Vilela, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan são alguns dos autores que

desenvolveram obras significativas.

Abaurre (2015, p. 130) considera que, por se tratar de uma narrativa curta, o conto

não admite muitas complicações em relação ao desenvolvimento do enredo, bem como não

é possível trabalhar com um grande número de personagens. A autora afirma:

O conto é uma narrativa curta que apresenta os mesmos elementos do romance:

narrador, enredo, espaço e tempo. Difere-se do romance pela sua concisão,

linearidade e unidade: o conto deve construir uma história focada em um conflito

básico e apresentar o desenvolvimento e a resolução desse conflito. (ABAURRE,

2015, p. 130)

Portanto, o conto pode ser considerado um gênero narrativo que se destaca pela

objetividade, observa também em sua estrutura mais simples, bem como pode-se considerar

como traço principal a concisão (há poucos elementos estruturais) e a unidade a existência

de uma única questão central).

1.3. Características do conto

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O conto pode ser considerado um gênero de difícil definição, haja vista as múltiplas

possibilidades para a sua realização como texto. Alguns autores se propuseram a buscar

aspectos definidores para o gênero. Gilda Neves da Silva Bittencourt observa que:

Geralmente para estabelecer um conceito de conto, o analista toma por base uma

de suas espécies, usando-a como modelo de gênero. Como as formas do conto são

diversificadas e heterogêneas, no tempo, no espaço e na sua própria configuração

interna, as definições do gênero tendem a também multiplicar- -se em tantas

quantas forem essas formas. Com isso, se estabelece uma verdadeira “babel”

conceitual na qual se incluem os mais díspares ângulos de visão.

(BITTENCOURT, 1999, p. 13)

A difícil conceituação do gênero é compartilhada por Gotlib (2003, p. 83) que afirma

haver uma busca de característica básica para a construção do conto: a economia de meios

narrativos, ou seja, o uso mínimo de meios e o máximo de feitos. Além disso, a autora

observa que há modos particulares de uma época da história, de um autor e de uma fase ou

face da produção do contista, em um determinado tempo e lugar.

Para Abaurre (2015, p. 131), o conto deve apresentar uma determinada ordem, criada

pelos elementos da narrativa, que será desequilibrada pelo surgimento de um conflito. Para a

autora, a resolução desse conflito promoverá a restauração da ordem. Assim, considera que

o objetivo do contista é apresentar ao leitor uma situação ficcional em que a estabilidade é

desestruturada por um conflito cujo desenvolvimento e solução serão foco principal da

história contada.

Apesar de ser um elemento determinante, a extensão não pode ser a única definidora

do conto, porém Moisés (1995, p. 100) considera que “do prisma dramático, o conto é

univalente: contém um só drama, um só conflito, uma só unidade dramática, uma só história,

uma só ação, enfim, uma única célula dramática”. Segundo o autor, todas as outras

características são decorrentes dessa unidade originária: o conto flui para um único objetivo,

um único efeito. Por isso, não importa mencionar os acontecimentos precedentes, o contista

busca a síntese em escassas linhas. De tal modo que “tudo sucede como se, na existência das

personagens, apenas aquele incidente é que alcançasse densidade para fugir do anonimato”.

Assim, o espaço da ação é limitado, por isso a unidade de ação gera a unidade de

lugar, por isso os espaços são limitados. Bem como se pode considerar que o tempo é

também restrito para que aumente a carga dramática, para a manutenção do núcleo do conto.

O plano deve, apesar de admitir divagações, ser organizado por meio de uma clara unidade

temporal. Das unidades de tempo e espaço, resulta uma outra unidade: as personagens que

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povoam o conto. Moisés (1995, p. 101) considera que, de modo geral, apenas duas ou três

personagens participam diretamente do conflito. Por isso, muitas vezes, para a busca da

concisão, os conflitos são apresentados na fala das pessoas, nas palavras proferidas (ou

mesmo pensadas) e não no resto. Assim ganha importância o diálogo construído, pois a base

expressiva do conto é apresentada pela voz proferida pelas personagens.

Siqueira (2006, p. 47) cita a existência de quatro tipos de diálogos no conto atual:

“diálogo direto (ou discurso direto), o diálogo indireto (ou discurso indireto), o diálogo

indireto livre (ou discurso indireto livre) e o diálogo interior (ou monólogo)”.

No discurso direto, as personagens falam diretamente, as falas são apresentadas por

aspas ou travessões, há, porém, no conto moderno, autores que dispensam os sinais gráficos

para a indicação dos diálogos diretos. Uma segunda categoria é o discurso indireto,

denomina-se assim por apresentar a interferência do narrador como intermediador entre o

que diz a personagem e o que lê o leitor, ou seja, a personagem não apresenta voz direta.

O discurso indireto livre consiste, segundo Siqueira (2006), na fusão entre a terceira

e a primeira pessoa narrativa, entre autor e personagem, de modo que a fala de determinada

personagem é inserida discretamente no discurso indireto através do qual o autor relata os

fatos. No monólogo, por sua vez, o diálogo acontece no mundo psíquico da personagem, ou

seja, esta fala consigo mesma antes de se dirigir a outrem.

Em suma, há uma diversidade de possibilidades de construção de diálogos em textos

narrativos curtos, por meio do qual se pode apresentar a voz das personagens de modo mais

ou menos direto ao leitor, de acordo com o interesse do autor/narrador na narrativa.

Em Rubem Fonseca, podemos observar que a construção dos diálogos e dos

discursos diretos funciona como eficiente mecanismo linguístico de representação do

universo social ao qual pertencem as personagens. Logo, pode-se afirmar que a construção

do discurso direto é instrumento de representação, em Fonseca, do espaço social no qual as

personagens estão inseridas, bem como de suas características enquanto indivíduos. Assim,

é relevante o estudo dos mecanismos de construção, na literatura do autor, da linguagem

falada. Ou seja, de que modo o autor faz uso de elementos próprios da oralidade para a

composição de seus textos o que pretendemos observar nos capítulos seguintes.

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CAPÍTULO 2 – ORALIDADE EM DIÁLOGOS

2.1. Língua falada e língua escrita

Instrumento básico para a interação social, a língua não é homogênea, ou seja, as

pessoas não usam a língua da mesma maneira. Os diferentes usos da língua podem ser

facilmente detectados em função das situações de comunicação em que os falantes agem

sobre os seus semelhantes ou com eles interagem.

O uso da língua, portanto, é diverso e deve corresponder às diversas intenções do

falante, pode-se, porém, considerar que o uso da língua verbal oral é a forma natural e mais

antiga de comunicação do homem, por isso, considera-se que o homem é um ser falante.

Apesar disto, não se pode considerar que a fala é superior à escrita, bem como a escrita

também não pode ser considerada superior à fala. A fala e a escrita, como práticas sociais,

apresentam características próprias que pertencem a um mesmo sistema linguístico.

A linguagem verbal pode ser definida, segundo Urbano (2011, p. 15) como uma

atividade criada pelo homem, uma utilização da faculdade de exprimir, por palavras, estados

mentais, de se comunicar com outros indivíduos, ou seja, pode ser considerada uma “fala

original”, como instrumento original e natural de comunicação entre indivíduos que envolve

tanto aspecto sonoro da emissão vocal e da sua associação em elementos simbólicos e

significativos que acontecem pelo que se chama de competência linguística do falante, mas

também o aspecto de produção textual, isto é, a textualização que se realiza graça a sua

competência textual.

De outro modo, conforme aponta Koch (2000, p. 62-64), a fala peculiariza-se pelas

seguintes características: é localmente planejada; no texto falado, planejamento e

verbalização se dão concomitantemente; o fluxo discursivo mostra descontinuidades

frequentes, definidas por um conjunto de fatores de ordem cognitivo-interacional (portanto,

as descontinuidades têm justificativas pragmáticas de grande relevância); embora sirva-se da

sintaxe geral da língua, o texto falado apresenta uma sintaxe singular (há falsos começos,

truncamentos, correções, hesitações, além de inserções, repetições e paráfrases; tudo isso

ocorre porque as normas da sintaxe submetem-se, amiúde, a pressões de ordem pragmática,

uma vez que é a interação – imediata – o que importa); a fala é processo, por conseguinte,

dinâmica, enquanto a escrita é o resultado de um processo, logo, estática.

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No texto literário, a fala é um importante caracterizador da personagem e do seu

corpo social, por isso pode ser considerada um construtor dos traços de identidade das

personagens. Portanto, no emprego do contexto literário, a fala é empregada para indicar o

falar típico de um determinado grupo social. Preti (2004, p. 117) considera que, na produção

do texto literário, encontramos autores que se deixaram influenciar pela oralidade, levando

para a escrita variantes que deveriam ter sido comuns em seu tempo.

Alguns autores preocuparam-se em registrar a variação social ou psicológica de suas

personagens (ou narradores) por meio da linguagem. Preti afirma também que a Análise da

Conversação e a Sociolinguística Interacional dedicam-se a desenvolver estudos sobre a

importância do ato conversacional e da ação de fatores internos e externos que o

influenciam, bem como a contribuição da língua oral para caracterizar, ou dar um tom mais

realista às vozes das personagens e do narrador em primeira pessoa.

A linguagem popular, o vocabulário gírio e o estilo comum da mídia romperam as

expectativas do leitor e se instalaram também na ficção literária, com artifícios de

linguagem que lembram a interação espontânea oral face a face, com sua variação

de restritos, com a mudança abrupta dos tópicos e subtópicos da conversão, com

recursos novos para descrever o hábil jogo de preservação das faces do

interlocutor. (PRETI, 2004, p. 120)

Pode-se compreender, porém, que por ser um texto de manifestação escrita, o texto

literário é fruto de um processo complexo de elaboração, fruto de reflexão, planejamento

que o diferenciaria do texto oral espontâneo que, de modo geral, se constrói de forma

imprevista, pois é fruto de uma situação de interação. Além disso, é importante observar que

o escritor faz uso de elementos de natureza estética para a qual não há limites na escolha das

variantes linguísticas para atingi-los. Por isso, o emprego de recursos da oralidade pode ser

uma estratégia intencional do escritor para dar a seu diálogo de ficção uma proximidade

maior com a realidade. Dificilmente se poderia aceitar a ideia de uma “língua literária”, no

sentido de uma “língua exemplar”, isto é, um modelo padrão de língua culta. Porém, é

comum a autores de estilos literários diversificados que se apropriem e empreguem em suas

composições características da linguagem culta ou também da espontaneidade da fala do dia

a dia, para melhor atingir seus objetivos.

Assim, fala e escrita são realizações de um mesmo sistema, tendo características

acentuadas próprias, que podem contagiar a outra modalidade, formando posições

intermediárias, que nada mais são do que outras formas de produzir os sentidos do mundo,

mais distantes ou próximas da fala ou da escrita (BARROS, 2000, p. 58). As diferenças

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entre língua falada e língua escrita são analisadas, no paradigma sociointeracionista, sob o

ponto de vista dos usos e não do sistema. A diferenciação não se torna dicotômica, mas

escalar e gradual: o que se verifica, na verdade, é que existem textos escritos que se situam,

no contínuo, mais próximos ao polo da fala conversacional (bilhetes, cartas familiares,

textos de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados que mais se aproximam

do polo da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos

administrativos e outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros

intermediários (KOCH, 2006, p. 44).

Urbano (2000) também aborda o assunto afirmando que, entre a modalidade culta e a

popular, podem-se admitir gradações, como um vocabulário mais elaborado ou um

vocabulário mais vulgar. Além disto, o autor também relaciona o vocabulário coloquial à

fala, enquanto que um vocabulário mais culto estaria ligado ao texto escrito. O dialeto culto

se ajustaria normalmente à língua escrita com preocupação literária. Ao contrário, o dialeto

popular está muito próximo da língua oral do povo.

Preti faz a mesma menção ao fato, ao ligar, teoricamente, a modalidade culta (e nesse

sentido, também o vocabulário culto) ao texto escrito, literário, ao passo que uma

modalidade (e um vocabulário) mais coloquial estaria em consonância com a modalidade

oral:

Em geral, pode-se dizer que o dialeto social culto, em razão das características

apontadas, se prende mais às regras da gramática tradicionalmente considerada,

normativa, veiculada pela escola, aos exemplos da linguagem escrita, literária,

muito mais conservadora, ao passo que o dialeto social popular é mais aberto às

transformações da linguagem oral do povo. (URBANO, 2000, p. 35)

Contudo, diante das muitas mudanças histórico-culturais sofridas pelos falantes e,

também, diante das mudanças nas expectativas linguísticas desses usuários, pode haver uma

mudança nos contextos de uso de certos vocábulos, o que dá ao léxico uma dinâmica

própria, sensível à mudança.

A análise da distinção entre língua falada e literatura, porém, deve passar pela

distinção entre língua falada e língua escrita. Segundo Preti (2004, p. 125), os estudos de

Análise da Conversação têm procurado demonstrar que “não se pode estabelecer uma

dicotomia rígida entre fala e escrita”, embora se possa estabelecer um elenco de distinções.

Por isso, muitos autores consideram que a língua falada não é “desorganizada” como se

costumava afirmar e tem uma gramática própria que os falantes aprendem no uso diário e

cujas categorias de análise diferem da gramática da língua escrita.

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Dessarte, na organização textual e na interacional da fala, encontramos marcadores

conversacionais, repetições e paráfrases, parentéticas, sobreposições, anacolutos, hesitações,

correções, frequência de construções impessoais de fundo atenuador etc. Há, na construção

sintática, uma predominância de períodos curtos, justaposição frases incompletas, baixa

ocorrência de subordinação, anacolutos etc. Na construção vocabular, pode-se notar o uso de

vocabulário gírio, vocábulos obscenos e injuriosos, como elementos constantes da

linguagem afetiva do falante.

A escrita, por sua vez, apresenta caráter de prestígio e por ser vista como um bem

cultural desejado atribui-se socialmente um valor de superioridade à escrita. É necessário

ressaltar que a distinção entre a língua falada e a língua escrita pressupõe estabelecer

diferenças entre a situação de comunicação entre falante/ouvinte de um lado e escritor/leitor

de outro, como a presença/ausência dos recursos da produção linguística face a face para

demonstrar que a escrita não pode ser, em momento algum, a representação absoluta e fiel

da fala (PRETI, 2004, p. 126).

É ilusório o diálogo com o leitor, por conseguinte, por meio de um texto literário, por

haver apenas a pressuposição de que um leitor esteja recebendo as palavras do autor com a

intenção que este lhes atribui, dentro das pressupostas expectativas desse mesmo leitor, pois

ninguém escreve para passar a ideia de que se trata de uma fala transcrita. Apesar de ser

possível, fazer chegar ao leitor a ilusão de uma realidade oral, por meio de um hábil

processo de elaboração. Assim, “o escritor emprega, na escrita, “marcas de oralidade”, que

permitem ao leitor reconhecer no texto uma realidade linguística que se habituou a ouvir ou

que pelo menos, já ouviu alguma vez e que incorporou a seus “esquemas de conhecimento”

(TANNEN e WALLAT, 1993), “frutos de sua experiência como falante”.

Agostinho Dias Carneiro (2001, p. 11) sintetizou dez aspectos que possibilitam

diferenciar a língua escrita e a língua falada. O primeiro seria a estruturação sintática menos

precisa da língua falada, pois, na língua escrita, a ligação entre as frases é realizada de forma

bem mais variada que na língua falada, na qual predominam conectores do tipo “e, mas,

então, aí” etc. tornando-a bem menos explícita. Outro aspecto seria, na língua escrita,

enquanto predomina a estrutura “sujeito e predicado”, na língua falada é comum encontrar-

se a estruturação topicalizada, como “Os livros, eu deixei na mesa”.

Na língua falada, a construção de voz passiva é bastante rara, enquanto na língua

escrita sua utilização garante a não-atribuição da ação a um agente; tendo o contexto como

referente, a língua falada deixa de incluir os elementos do referente em casos de sua fácil

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indicação. A língua falada apresenta um refinamento progressivo de expressões imprecisas,

enquanto a língua escrita é realizada por meio de retomadas, de sequenciações de

reafirmações ou extensões que a estruturam de modo a estabelecer entre seus elementos uma

ligação mais lógica.

A fala apresenta grande quantidade de vocábulos de conteúdo geral, enquanto na

escrita predominam – também em relação com o tipo de texto – vocábulos de conteúdo

específico. Na primeira, há grande número de repetições de mesma estrutura, enquanto a

segunda evita essas repetições com uma variedade razoável de processos: pronominalização,

elipse, substituição por sinônimos ou quase-sinônimos, abreviação, etc. Ao escrever, há uma

preparação prévia que a torna menos espontânea que o falar bem mais organizado e preciso.

A escrita não supõe um interlocutor presente, o que exige do enunciador maior cuidado em

sua realização.

Segundo Fávero, Andrade & Aquino (2002, p. 74), o estabelecimento das relações

entre fala e escrita é necessário considerar as condições de produção. Tais condições

“possibilitam a efetivação de um evento comunicativo e são distintas em cada modalidade”

como demonstra o quadro a seguir:

Fala Escrita

Interação face a face Interação à distância (espaço-temporal)

Planejamento simultâneo ou quase simultâneo à

produção

Planejamento anterior à produção

Criação coletiva: administrada passo a passo Criação individual

Impossibilidade de apagamento Possibilidade de revisão

Sem condições de consulta a outros textos Consulta livre

A reformulação pode ser promovida tanto pelo falante

como pelo interlocutor

A reformulação é promovida apenas pelo escritor

Acesso imediato às reações do interlocutor Sem possibilidade de acesso imediato

O falante pode processar o texto, redirecionando-o a

partir das reações do interlocutor

O escritor pode processar o texto a partir das

possíveis reações do leitor

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O texto mostra todo o seu processo de criação O texto tende a esconder o seu processo de criação,

mostrando apenas o resultado.

Tabela 1: PENEDO, 2013 p. 28.

Em suma, são aspectos relevantes da modalidade falada da língua: a interação face a

face, o planejamento que se efetiva no momento em que a fala é produzida, além da sua

natureza coletiva, pois a fala acontece no contato entre diferentes falantes. Assim, não é

possível seu apagamento, apesar da reformulação se dar no momento da produção, visto que

o acesso do interlocutor às suas reações é instantâneo.

Por sua vez, a modalidade escrita da língua apresenta como principais aspectos o fato

de ser, normalmente, uma produção individual, que possibilita a consulta de outras

produções anteriores, por isso sua reformulação é limitada ao autor. A produção da

modalidade escrita deve ser previamente planejada, em relação ao momento de contato do

leitor com a língua e o texto produzido, por isso a interação não se dá face a face, mas à

distância espaço-temporal, ou seja, o acesso ao texto não é imediato.

Por fim, deve-se observar que o texto escrito não apresenta ao leitor do texto final

como se deu o processo de criação. De modo geral, tem-se apenas contato com o resultado

produzido pelo autor, mas se desconhece como se deu o processo de produção do texto.

2.2. A análise da conversação

2.2.1. Breve histórico

A análise da conversação tornou-se uma área de estudo da linguagem a partir da

década de 1960, a partir do desenvolvimento da Etnometodologia e da Antropologia

Cognitiva. A etnometodologia, inaugurada na obra Studies in Tehnomethodology, publicada

na década de 1960 por Harold Garfinkel, contesta os então tradicionais métodos utilizados

pela sociologia para investigar a organização da sociedade e provoca a mudança de “um

paradigma normativo para um paradigma interpretativo” (COULON, 1995, p. 10). Pode-se

considerar que uma das principais contribuições da etnometodologia é valer-se do olhar dos

participantes para entender o que estão fazendo. Coulon (1995) observa que, depois de

algum tempo,

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A etnometodologia começa a cindir-se em dois grupos: o dos analistas da

conversação que tentam descobrir em nossas conversas as reconstruções

contextuais que permitem lhes dar um sentido e dar-lhes continuidade e o dos

sociólogos para os quais as fronteiras reconhecidas de sua disciplina se acham

circunscritas aos objetos mais tradicionais que a sociologia estuda, como a

educação, a justiça, as organizações, as administrações, a ciência. (COULON,

1995, p. 26)

Os primeiros estudos da Análise Etnometodológica da Conversação foram realizados

por H. Sachs, E. E. Schegloff e G. Jefferson (1974), com a publicação do artigo A simpliest

systematics for the organization of turn-taking for conversation. Entretanto, deve-se

observar que o interesse desses estudiosos era, inicialmente, sociológico e não linguístico,

haja vista estarem preocupados com o estudo da estrutura da conversação em termos de

atividades sociais dos interlocutores.

Garfinkel (1967), ao buscar explicar o conceito relacionado a etnometodologia,

afirma:

Os estudos que seguem propõem-se abordar as atividades práticas, as

circunstâncias práticas e o raciocínio sociológico prático como temas de estudo

empírico, concedendo às atividades mais comuns da vida cotidiana a mesma

atenção habitualmente concedida aos acontecimentos extraordinários. Esses

estudos procuram tratar desses acontecimentos e atividades enquanto fenômenos

em si mesmos. (GARFINKEL, 1967, p. 01)

O sociólogo Harvey Sacks pode ser considerado o primeiro a vislumbrar todas as

possibilidades analíticas a partir da investigação da conversa. Seus estudos iniciais

observavam trechos de gravações de pessoas que ligavam para um centro de apoio a suicidas

em potencial. Ao lado de Garfinkel, Sacks descreve os métodos que as pessoas comuns

utilizam para realizar ações no mundo através da fala-em-interação. Porém, a morte

prematura de Sacks, em 1975, interrompeu seus estudos, porém suas aulas foram

transformadas em uma obra chamada Lectures in conversation (1976), organizada por Gail

Jefferson e com texto introdutório de Emanuel Schegloff. A publicação deste livro pode ser

considerada como fundadora dos pilares da abordagem analítica conhecida como Análise da

Conversação.

Até meados dos anos 70, a Análise da Conversação preocupava-se, principalmente,

com a descrição da estrutura da conversação e seus mecanismos organizadores. Propunha-se

a analisar os aspectos da ação e interação social examinados e descritos em termos de

organização estrutural convencionalizada ou institucionalizada. Hoje preocupa-se com a

especificação dos conhecimentos linguísticos, paralinguísticos e socioculturais que devem

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ser partilhados para que a interação seja bem-sucedida. Tal análise ultrapassa a análise de

estruturas e atinge os processos cooperativos presentes na atividade conversacional.

No Brasil, os estudos pioneiros sobre a Análise da Conversação foram realizados por

Marcuschi, cujo livro Análise da Conversação foi publicado em 1986, e que apresenta os

principais fundamentos desta disciplina. Os analistas da conversação, ao buscar o enfoque

etnometodológico, visam a examinar as relações que se estabelecem na conversação, por via

do discurso, explicando-as quadro mais amplo das ações e interações sociais ou das práticas

sociais (LEITE et al, 2010, p. 50).

Leite (2010, p. 51) situa a Análise da Conversação em dois momentos: no primeiro,

década de 1970, havia uma preocupação com os estudos dos turnos, os princípios que

regulamentam a tomada e a assunção, a cessão ou a perda da palavra em um diálogo bem

como a dimensão dos turnos e o exame das falas simultâneas ou da sobreposição de vozes

no diálogo. Em um segundo momento, segundo a autora, houve um maior interesse pelos

procedimentos linguísticos como: as diversas funções dos procedimentos linguísticos na

interação, tais como a repetição, a correção a paráfrase e outros recursos de formulação e

reformulação, as formas de interrupção ou de implicitação, como o anacoluto ou a elipse.

No Brasil, a Análise da Conversação tem três marcos fundamentais, segundo Leite el

al. (2010):

Em 1982, o grupo de trabalho “Os papos do Projeto NURC: para uma análise não

furada”, no XXV Seminário do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São

Paulo; em 1984, reunião do Projeto Nurc, na Unicamp, em Luiz Antônio

Marcuschi noticiou sobre o Projeto do Alemão Atual, em que se estabeleceu a

metodologia de transcrição do corpus de língua falada já constituído pelo Projeto

de Estudo da Norma Urbana Culta da Cidade de São Paulo (Projeto Nurc); em

1985, a criação do Grupo de Trabalho da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-

Graduação em Pesquisa em Letras e Linguística) Linguística do Texto e Análise

da Conversação. EM 1986, a publicação de Análise da Conversação, de Luiz

Antônio Marcuschi, livro fundamentado em alguns trabalhos (...) de cunho

etnometodológico. (LEITE et al, 2010, p. 53)

Dino Preti, em 1989, criou na USP, uma disciplina de graduação cujo tema era

“sociolinguística e língua falada”. Esse fato, segundo Leite (2010, p. 54), é relevante, pois o

estudo da língua falada por meio da Análise da Conversação, passou, desde então, a ser tema

constante em sala de aula em todo o Brasil. É preciso ainda citar o Projeto NURC, segundo

Leite, a partir de 1984-85, passou a empregar os pressupostos teóricos da Análise da

conversação de base etnometodológica para suas pesquisas. Além disso, o grupo

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NURC/Brasil, ramifica-se em diversos estados como Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do

Sul.

Outro estudioso do tema foi o professor Ataliba T. de Castilho, cujo Projeto de

Gramática do Português Falado, desenvolve, a partir de 1998, grupos de estudos que

produziram importante material teórico sobre a Análise da Conversação (AC). Um terceiro

grupo de pesquisadores é formado em Recife, no Núcleo de Estudos Linguísticos da Fala e

Escrita (NELFE), que desenvolve pesquisas que empregam a AC entre outras teorias,

fundado em 1991, sob a coordenação de Luiz Antônio Marcuschi.

Atualmente, diversos pesquisadores desenvolvem em diferentes universidades

brasileiras pesquisas orientadas pelos pressupostos da Análise da Conversação, a partir da

análise desenvolvida sob orientação dos professores Preti e Marcuschi, bem como sob os

pressupostos teóricos por eles desenvolvidos e propostos por Kerbrat-Orecchioni, a partir da

publicação de Análise de Conversação – princípios e métodos, cuja primeira edição data de

1996. Tais pressupostos serão empregados para a análise de um conto contemporâneo

produzido por Rubem Fonseca.

2.2.2. Os conceitos da Análise de Conversação

Para se realizar uma “análise da conversação”, faz-se necessário antes buscar definir

o conceito de conversação. Etimologicamente, Silva define conversação como:

Um substantivo ligado ao verbo conversar, que procede do latim conversare,

encontrar-se habitualmente num mesmo local. Esse termo é composto de con

(junto) e versare (dar voltas). Remete-nos, pois à ideia de conviver com outras

pessoas. A palavra conversação deriva do latim conversatio, onis, que significa

convivência, ação de viver junto. A conversação é, pois, uma atividade em que

duas ou mais pessoas interagem por meio da linguagem verbal e/ou não verbal.

(SILVA, 2005, p. 32)

A Análise da Conversação, segundo Marcuschi (2003, p. 07), “é uma tentativa de

responder questões do tipo: como é que as pessoas se entendem ao conversar? Como sabem

que estão se entendendo? Como sabem que estão agindo coordenada e cooperativamente?

Como usam seus conhecimentos linguísticos e outros para criar condições adequadas à

compreensão mútua? Como criam, desenvolvem e resolvem conflitos interacionais?”. O

autor considera ainda que a conversação é “a primeira das formas de linguagem a que

estamos expostos e, provavelmente, a única da qual nunca abdicamos pela vida afora”.

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Segundo Marcuschi, a conversação é centrada na participação de dois ou mais

interlocutores que se alternam de forma constante, discorrendo sobre temas próprios do

cotidiano. Considera ainda que a conversação é mais do que um simples fenômeno do uso

da linguagem em que ativa o código, é o “exercício prático das potencialidades cognitivas

do ser humano em suas relações interpessoais”.

A conversação é um gênero típico da língua falada, por se tratar de uma forma

espontânea e livre na vida cotidiana, em geral, que se realiza face a face entre interlocutores

que se comunicam, em alternância, sobre determinado assunto em uma situação social e em

um tempo específico. Objeto de diversas pesquisas científicas, a conversação pode ser

concebida de várias maneiras. Em sentido amplo, pode ser vista como interação oral,

observada de acordo com o nível de formalidade, considerada como não planejada ou, em

contextos formais, como debates, entrevistas e reuniões de trabalho, pode ser planejada

previamente.

Ao desenvolver a busca de identificação do conceito de conversação, Marcuschi

afirma:

Nesta exposição, entender-se-á como conversação uma interação centrada, da qual

participam pelo menos dois interlocutores que se revezam, tomando cada que pelo

menos uma vez a palavra, dando-se o evento comunicativo em uma identidade

temporal e num determinado “quando social” (W. Labov/D Fanshel, 1977: 26).

Como uma conversação várias pessoas agem (ao mesmo tempo ou

sequencialmente), trata-se também de uma sequência de ações inter-relacionais

que, de algum modo, devem formar um todo coerente para que sejam

compreensíveis. (MARCUSCHI, 1988, p. 319-320).

Pode-se considerar que o termo conversação designa um tipo de interação social,

seja o ato conversacional natural e espontâneo, em que não se observa controle sobre a

distribuição dos turnos; seja a conversação institucional, no qual ocorre o uso de

determinado tipo de linguagem formal. “É importante, porém, observar que a conversação

não é um tipo de texto, mas uma constelação de fenômenos tipificáveis relativamente

diferenciados quanto às formas de realização e contextos sociais” (Marcuschi, 1988, p. 322).

De acordo esta observação, torna-se possível assim considerar que a conversação é vista a

partir do estabelecimento de relação interacionais, ou seja, entre interactantes.

De modo geral, pode-se considerar que o termo conversação designa um tipo

particular de interação social, em que se empregam elementos verbais e não verbais. Embora

alguns teóricos considerem que o termo deva ser empregado apenas para indicar aquelas que

se realizam de forma espontânea, isto é, as chamadas conversações naturais; pode-se

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observar que há outros tipos diferentes de conversação, como conversação natural e

conversação institucional. Segundo o autor:

Por fim, um aspecto relevante quando se usa o termo conversação é que não se

trata apenas de interação espontânea no dia a dia, mas também de todas as formas

de interação: entre médicos-paciente, no tribunal, em sessões de terapia na escola,

nos aconselhamentos, nas entrevistas, na interação intercultural, interétnica etc.

(MARCUSCHI, 1988, P. 322).

De outra forma, Hilgert (apud MUSSALIN, 2004, p. 70), apresenta três níveis de

estrutura conversacional:

a) Macronível: estuda as fases conversacionais, que são abertura, fechamento e

parte central e o tema central e subtemas da conversação; b) Nível médio:

investiga o turno conversacional, a tomada de turnos, a sequência conversacional,

os atos de fala e os marcadores conversacionais; c) Micronível: analisa os

elementos internos do ato de fala, que constituem sua estrutura sintática, lexical,

fonológica e prosódica. (MUSSALIN, 2004, p. 70).

No entanto, Oliveira (2011, p. 83-84), ao analisar a conversação, considera que a

macroanálise engloba o contexto histórico em que o texto se realiza e os fatores

extralinguísticos como as caraterísticas socioculturais do autor (grau de escolaridade,

profissão, status, etc.) ou psicobiológicos (faixa etária, gênero, tipo psicológico etc.). Por sua

vez, os aspectos relacionados à microanálise da conversação seriam as informações trazidas

pela situação de comunicação, ou seja, os elementos pragmáticos do texto, além dos traços

de interatividade, como os tratamentos gramaticais, expressões formulaicas, repetições,

marcadores conversacionais, e ainda, as estratégias conversacionais empregadas pelo

escritor, visando certos fins.

Realiza-se, portanto, no presente trabalho, uma análise do nível médio, segundo

critérios observados por Hilgert, pois observamos no texto de Fonseca os aspectos

relacionados aos turnos e sua tomada, bem como a sequência conversacional e seus

marcadores. Acredita-se que os demais aspectos poderiam ser explorados em trabalhos

futuros, embora não sejam tema da presente análise.

2.3. A conversação literária

A conversação natural, enquanto prática social, pode ser considerada a oralidade

quando se manifesta plenamente. Os estudos sobre a conversação preocupam-se com

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aspectos envolvidos nas atividades conversacionais, pois a especificação dos conhecimentos

linguísticos, paralinguísticos e socioculturais, que são fatores de produção textual devem ser

partilhados durante a interação.

Além dos elementos linguísticos, podemos recorrer a uma estância pragmática,

revelada pelo narrador ou pelos próprios interlocutores, para verificar o esforço em efetivar

a interação e os propósitos da conversação. Nessa situação, muitas vezes, verificamos uma

articulação de estados psicológicos a estratégias conversacionais adequadas aos objetivos

comunicacionais das personagens, para direcionar seu comportamento linguístico.

Preti (2004) assim define as “estratégias conversacionais”:

São formas que os falantes planejam no início ou durante o andamento do diálogo

para expressar ou não o que realmente pensam; para se fazerem compreender de

uma maneira que lhes interessa; para ocultarem intenções não explícitas em seus

atos; para revelarem sua aproximação ou afastamento do interlocutor; para

buscarem compreensão ou entendimento; etc. (PRETI, 2004, p. 151).

Nesse sentido, para corresponder à realidade linguística, é possível encontrar na

literatura personagens que iniciam o ato conversacional em uma dada direção, com

propósitos previamente definidos, fazendo uso de certas estratégias discursivas para se

expressar, tal como na fala. No entanto, essas estratégias podem ser reformuladas, à medida

que a conversação se desenvolve, em função da intervenção de um dos interlocutores ou da

inserção de outros tópicos, alterando o percurso comunicativo ou desviando totalmente os

interlocutores do propósito inicial da conversação.

Segundo Preti (2004), o texto conversacional manifesta fenômenos ao menos de dois

níveis a serem considerados em relação ao texto escrito, em geral:

Fenômenos que podem ser classificados tipicamente do texto conversacional muito

difíceis de serem registrados em textos escritos, como: hesitações, pausas

gaguejamentos, alongamentos, cortes de palavras silabação, sobreposições de

vozes, falsos começos truncamentos frásicos e fragmentação. Alguns estão

relacionados diretamente à própria natureza do veículo sonoro da fala e da

materialidade da cadeia falada. Outros estão relacionados à condição de produção

específica do texto falado da falta de planejamento prévio, da copresença dos

interlocutores, do referente situacional comum; outros fenômenos muito comuns

da fala, porém não exclusivos dela pode ocorrer e textos escritos, em geral, mas

com bem menor frequência: repetições de palavras gramaticais principalmente do

pronome “eu”, paráfrase, correções e incorreções gramaticais e lexicais, perguntas,

vocativos, exclamações, vocábulos, expressões, torneios frásicos, frases feitas,

metáforas, ditados, construções populares, marcadores conversacionais, retomadas

e recorrências semânticas e instabilidade tópica. (PRETI, 2004, p. 153).

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Marcuschi (1986, p. 15), por sua vez, indica cinco características constitutivas da

conversação: a necessidade de interação entre pelo menos dois falantes; a ocorrência de pelo

menos uma troca de turno; a presença de uma sequência de ações ordenadas; a execução

numa identidade temporal; o envolvimento em uma interação centrada.

2.3.1. Os diálogos assimétricos

Os diálogos podem ocorrer de forma assimétrica, quando um dos participantes tem o

direito de iniciar, orientar, dirigir e concluir a interação, exercendo pressão sobre o outro

participante, como ocorre nas entrevistas nos inquéritos e nas interações de sala de aula. Na

conversação assimétrica, os turnos podem corresponder tanto a falas de valor referencial em

que se desenvolve o tópico ou o assunto do diálogo, como aos sinais que indicam que o

interlocutor está acompanhando as palavras de seu interlocutor.

2.3.2. Os diálogos simétricos

Outra forma de ocorrência dos diálogos é a simétrica, em que os vários participantes

têm, supostamente, o direito à autoescolha da palavra, do tema e do seu tempo. Tome-se

como exemplo as conversas diárias e naturais. Em situação de simetria, pode-se afirmar que

as falas dos interlocutores buscam expandir o tópico, por isso considera-se que estejam

engajadas na consecução do objetivo comum.

Os diálogos simétricos ou assimétricos, entretanto, apresentam como característica

essencial para sua realização a regra básica, cultural e universal de que um dos participantes

do diálogo fala em sua vez. Pode-se considerar, portanto, que o diálogo é alternância de

falas produzidas pelos interactantes.

2.3.3. Os diálogos construídos

Ao se analisarem os diálogos construídos, ou seja, os diálogos presentes na produção

de textos literários, é importante que se tenha em mente que não se tratam de diálogos

naturais, isto é, são textos que, por serem criados no campo ficcional, apresentam objetivos

estéticos que buscam recriar a realidade oral. É importante observar que a obra literária

apresenta, na sua produção, uma intenção artística e estética, haja vista ser a obra de ficção

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uma transposição da realidade, por poder recriar no texto literário qualquer espécie ou

modalidade linguística, conforme considera Urbano (2000, p. 129).

Carmo (2013, p. 42), por sua vez, considera que os autores do texto ficcional

utilizam as estratégias conversacionais que tornam as conversas das personagens mais

naturais e as aproxima, ao máximo, da realidade, por isso, nos diálogos construídos, em que,

mesmo sabendo que se trata de diálogos de ficção, os textos trazem marcas de oralidade que

são autênticos nas representações das falas, além de nos transmitir com clareza o estado

emocional das personagens.

Ao abordar o caráter estético presente no texto literário, Preti (2004) salienta que há

um processo de planejamento que poderia fazer com que o texto se tornasse distante das

características de um texto oral. Entretanto, o autor afirma que os objetivos do escritor são

estéticos e isso faz com que não haja limites para a elaboração textual, muito embora a

artificialidade estética da língua literária não impeça que o autor faça uso, na elaboração

artística, de uma naturalidade que possa ser marca da língua falada. Segundo o autor:

Os diálogos construídos na ficção podem operar, às vezes, por padrões ideais,

revelando-nos de forma mais precisa as ligações entre estados interiores das

personagens e sua expressão verbal pois informações contextuais do narrador

esclarecem-nos, quem sabe com mais precisão, os reais estados psicológicos das

personagens ao articularem certas estratégias na conversação. Não se trata,

evidentemente, de vermos em tais textos formas mais “corretas” de falar na

linguagem natural, mas, sim, de encontrarmos modelos mais eficientes de

comunicação em busca de certos fins. (PRETI, 2004, p. 153)

Assim, apesar de serem concebidos de modo diferente, pode-se considerar que há

uma aproximação entre o diálogo literário, por se encontrar no campo da criação estética, e o

diálogo oral, encontrado no campo da língua em uso.

São muitas as marcas presentes no diálogo oral que podem ser encontradas em

diálogos construídos: no nível do léxico, o uso de vocabulário popular ou gírio, muito

comum na oralidade; no nível da sintaxe, os diálogos podem ser marcados por repetições,

paráfrases, cortes, anacolutos e correções; no nível textual, há a construção de diálogos que

refletem, até certo ponto, a dinâmica e a organização dos turnos; no campo discursivo-

interativo, é possível encontrar marcas de negociação entre os falantes, construção de focos

comuns, marcas de atenção e de demonstração de interesse dos parceiros, expectativas,

conhecimentos partilhados, estratégias conversacionais que podem denunciar, por exemplo,

poder, agressão, humor, carinho, ironia, malícia.

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Tais traços atribuem ao texto o efeito de sentido pretendido a partir de certa ilusão do

oral e são muito comuns em textos de autores contemporâneos, como Rubem Fonseca, Luiz

Fernando Veríssimo, Dalton Trevisan e Luiz Vilela.

Preti (2005) considera relevante que, ao analisar um diálogo de ficção, deve-se

observar os seguintes aspectos:

O contexto histórico em que o diálogo é realizado, para podermos compreender

melhor os problemas linguísticos ligados, por exemplo, aos papéis sociais,

representados pelas personagens do texto; o contexto geográfico responsável pelas

variações regionais; as caraterísticas socioculturais (grau de escolaridade,

profissão, status, etc.) ou psico-biológicas (faixa etária gênero, tipo psicológico

etc.) das personagens, que podem também ser reveladas nas variações de

linguagem. É o que constitui a macroanálise da “conversação literária”. (PRETI,

2005, p. 258)

Ao propor uma metodologia de análise para o diálogo construído em produções

literárias, Preti postula que uma investigação desse tipo de texto deve apresentar dois focos.

No primeiro deles, intitulado pelo autor de macroanálise da conversação literária, o

pesquisador deverá perceber, no diálogo construído, características que possam denunciar o

contexto histórico e geográfico, além de especificidades socioculturais dos falantes

personagens.

O segundo aspecto a ser investigado relaciona-se a fatores ligados ao ato de fala em

si, representado na situação específica produzida no texto literário. Por exemplo, torna-se

viável o exame de marcas linguísticas produtoras de efeitos de sentido como atitudes de

poder, de submissão, de afastamento ou de aproximação. Além disso, os implícitos e as reais

intenções dos falantes podem ser fatores que interessam ao pesquisador.

São os elementos pragmáticos que precedem e acompanham as falas, mas também

os traços de interatividade, durante o diálogo, como tratamento gramatical,

fórmulas de cortesia expressões formulaicas, repetições, sequencias, interrupções

sintáticas, disfluências, hesitações, sucessão de turnos, marcadores

conversacionais, silêncios, metamensagens etc. utilizados pelos falantes” e que

podem indicar proximidade/afastamento, clareza/ocultação/dissimulação, poder,

conhecimentos partilhados etc. (PRETI, 2004, p. 169).

Tendo isto em vista é possível afirmar, portanto, que um corpus literário pode ser

estudado de dois modos distintos: no plano estético, ao se analisarem as relações das

personagens, tempo, espaço, narrador, período literário e por meio de uma análise linguística

em que se verificam quais recursos foram utilizados pelo escritor na construção dos

diálogos.

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Mesmo sendo um diálogo construído, ou para usar um termo proposto por Preti

(2004, p. 166), uma conversação literária, podemos verificar um modelo de um

esquema conversacional natural, já internalizado por seu autor. Deste modo,

podemos encontrar exemplos significativos de estratégias conversacionais, sendo

que há por parte do autor, um planejamento prévio para aproximar o texto escrito

de um diálogo natural. (MARINHO, 2006, p. 58)

Pode, assim, o texto literário substituir como corpus as gravações feitas de interações

face a face para uma análise linguística.

Com o objetivo de analisar as estratégias de construção do turno conversacional

empregado por Rubem Fonseca, é importante apresentar um breve levantamento acerca de

alguns elementos a serem empregados no terceiro capítulo.

2.4. O turno conversacional

Sabe-se que o texto conversacional é marcado, principalmente, pela alternância de

papéis e como os interlocutores atuam em conjunto para construir o diálogo. Há, para isto,

um revezamento entre os falantes e os ouvintes, ou seja, há uma troca constante de papéis

entre os falantes e o ouvinte, assim, a conversação poder ser caracterizada por ser uma série

de turnos. A noção de turno pertence ao senso comum, segundo Fávero (2010), e está ligada

às situações em que os participantes de um evento se sucedem ou se alternam na realização

de um objetivo comum. Conforme Fávero,

A conversação pode ser caracterizada como uma sequência de turnos, assim

entendidas as intervenções dos interlocutores, de qualquer extensão, como ou sem

conteúdo informacional. Com efeito, os interlocutores engajam-se na consecução

do objetivo comum, pois nela ambos alternam-se nos papéis de falante e ouvinte.

(Fávero et al, 2010, p. 107)

Segundo Urbano (2011, p. 62), a vez de falar é entendida como turno de fala ou turno

conversacional, ou seja, uma produção de um falante enquanto este estiver com a palavra.

“O turno é, portanto, uma unidade estrutural básica de conversação, mas a unidade mínima

conversacional é na realidade um par conversacional”.

Ao analisar os turnos conversacionais, Kerbrat-Orecchioni (2006), relaciona-os ao

fluxo de veículos de uma cidade, elaborando a seguinte analogia:

Existe, por vezes, um “distribuidor oficial de turnos” (semáfora ou agente de

trânsito; animador ou “moderador, nos debates ou colóquios); na ausência desse

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distribuidor, a alternância dos turnos deve ser autogerida, com base num certo

número de regras interiorizadas pelos participantes, como a preferência à direita,

ou , nas conversações, as regras de alternância dos turnos da fala; nos dois casos, o

sistema concede um lugar importantes às “negociações interacionais”, que podem

se desenrolar de uma maneira pacífica ou conflituosa, cortês ou agressiva.

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 11)

É importante observar que o turno é marcado pelo falante por meio de sinais

conversacionais que indicam o término de sua fala. Somente por meio destes indicativos é

que o interlocutor pode compreender que pode dar início a seu turno e assume o papel de

falante. Há, assim, uma constante alternância entre o papel de falante e ouvinte, para que

falem ao mesmo tempo e para que possam ser melhor compreendidos.

Sacks et al (1974), ao analisar a conversação, e ao afirmar que o turno é sua unidade

básica criaram um modelo em que enumeram alguns outros pontos que se espera encontrar

no sistema básico de operação da conversação:

a. a troca de falantes deve ocorrer, pelo menos, uma vez;

b. em qualquer turno fala um de cada vez;

c. ocorrências com mais de um falante por vez são comuns, mas breve;

d. transições de um turno a outro sem intervalo e sem sobreposição são comuns;

as longas pausas e sobreposições extensas são minoria;

e. a ordem dos turnos não é fixa, mas variável;

f. o tamanho do turno não é fixo, mas variável;

g. a extensão da conversação não é fixa, nem previamente especificada;

h. a distribuição dos turnos não é fixa;

i. o que cada falante dirá não é fixo nem previamente especificado;

j. o número de participantes é variável;

k. a fala pode ser contínua ou descontínua;

l. são usadas técnicas de atribuição de turnos;

m. são empregadas diversas unidades construidoras de turnos: lexema, sintagma,

sentença etc;

n. certos mecanismos de reparação resolvem falhas e violações nas tomadas.

Conforme Marcuschi (1986), as técnicas e as regras referentes ao turno apontam que

é um fator de orientação para uma análise empírica da conversação. O autor afirma que “o

turno pode ser tido como aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a palavra, incluindo

aí a possibilidade do silêncio”.

Galembeck (2003) considera que:

A ideia de turno, de acordo com o senso comum, está ligada a várias situações em

que os membros de um grupo se alternam ou se sucedem na consecução de um

objetivo comum ou uma disputa: jogo de xadrez, corrida de revezamento, mesa-

redonda. (GALEMBECK, 2003, p. 70)

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O autor classifica o turno em:

Nuclear: o que possui valor referencial nítido. Nele o falante desenvolve o tópico

em andamento; inserido: não tem caráter referencial. Sua função é de indicar que

os interlocutores estão monitorando as palavras do seu parceiro conversacional e

que estão participando do desenvolvimento do ato conversacional.

(GALEMBECK, 2003, p. 71-72)

O autor afirma que há casos em que o turno inserido está ligado marginalmente ao

assunto conversacional. Logo, há turnos inseridos de função predominantemente

interacional que são os que indicam reforço, concordância ou entendimento, ao mostrar que

o interlocutor aceita ser ouvinte e deseja permanecer como tal e os que indicam aviso de que

o interlocutor deseja tomar o turno transformando-se em tentativas frustradas de tomada de

turno.

O turno inserido que contribui, incidentalmente, para o desenvolvimento do assunto

está relacionado com o tema da conversação e ocorre através da antecipação ou síntese das

palavras que deveriam ser ditas pelo seu interlocutor para assinalar acompanhamento atento

da conversação. No entanto, mesmo que o turno inserido seja relacionado ao assunto tratado,

não exerce papel decisivo no desenvolvimento do tópico conversacional.

Desse modo, pode-se inferir que, nas conversações simétricas, os interlocutores

participam do evento com turnos nucleares, desenvolvendo o tópico em andamento e

acrescentando informações. Nas conversações assimétricas, por sua vez, apenas um dos

interlocutores faz intervenções de valor referencial e o outro limita-se a intervir com sinais

que indicam atenção, concordância, monitoramento etc.

Para a realização da conversação, os interlocutores envolvem-se em estratégias tais

como a sustentação do turno, assalto ao turno e a passagem de turno. Para sustentar o

turno, o interlocutor que está falando utiliza recursos para conservar seu turno até que a

elocução esteja completa. Essa sustentação se realiza pelos seguintes recursos (CASTILHO,

2003):

Pausas não muito longas, que podem ser preenchidas por meio de fáticos;

alongamento de vogais e de consoantes em artigos, conjunções e preposições,

substantivos, etc.; autocorreção: o locutor substitui o item lexical escolhido, ou

muda o rumo da conversa, temendo heterocorreção, que implicaria, possivelmente,

a perda do turno; repulsa à correção do outro: sobrevindo uma heterocorreção, o

locutor se faz de desentendido e não incorpora o que foi dito pelo seu parceiro;

incorporação da heterocorreção: para conjurar o risco, parafraseia-se a correção.

(CASTILHO, 2003, p. 37-38)

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No assalto ao turno, o ouvinte intervém sem que sua participação tenha sido

solicitada direta ou indiretamente. Portanto, o ouvinte viola a máxima “fala um de cada vez”

e invade o turno do interlocutor. Esse assalto pode ser:

com “deixa”: o ouvinte aproveita-se de uma hesitação, caracterizada pelas

seguintes ocorrências: pausas, alongamentos, repetições de palavras ou sílabas;

sem “deixa”: corresponde a uma entrada brusca e inesperada do assaltante no turno

do interlocutor. (CASTILHO, 2003, p. 39)

Segundo Marcuschi (1986, p. 18), a conclusão de um turno pode dar-se a qualquer

momento em que ocorra um lugar relevante para a transição. Desse modo, o turno pode ser

tido como aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a palavra, inclusive a possibilidade

de silêncio.

A tomada de turno é considerada como um mecanismo-chave, ou seja, colabora para

a organização estrutural da conversação. Marcuschi observa que é comum uma conversação

em que os interlocutores alternam-se em falante A e falante B. Assim temos como

possibilidade de realização de um diálogo formado por A – B – A – B. O falante A fala e

para. O falante B toma a palavra, fala e para. O falante A retoma a palavra, fala e para. O

falante B volta a falar e para. Essa regra não pode ser considerada constante, porque existem

outros momentos da conversação, como as pausas, as hesitações ou breves interrupções que

podem alterar tal sequência.

A interação que se dá por meio da conversação implica em uma interação real, face a

face ou não. Por isso, pode-se considerar que todo ato de fala se dá conforme um contexto

situacional, pois após o início da interação, os falantes passam a agir com atenção aos fatos

linguísticos verbalizados que se combinam com os sinais paralinguísticos: gestos,

movimentos corporais, olhares. Tais recursos possibilitam a manutenção e a sustentação da

conversação de modo que os falantes compartilhem conhecimentos comuns, aptidões

cognitivas, como também o domínio da língua (PENEDO, 2013, p. 38).

2.4.1. Marcadores conversacionais

Marcador conversacional é uma expressão que serve, segundo Penedo (2013, p. 52),

para nomear não os elementos verbais, mas também elementos prosódicos e não- -

linguísticos empregados em função interacional. São elementos típicos da fala, que não

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integram conteúdo cognitivo, mas exercem significação discursivo-interacional. (Dionísio,

2004, p. 88)

Em estudos sobre os marcadores, Urbano (2003) cita Said Ali, que, em 1930,

pioneiramente afirmou:

Se trata de palavras, expressões ou frases, típicas da língua falada, e em particular

da conversação espontânea; parecem, mas não são, descartáveis, discursivamente

falando; são alheias, talvez, à parte informativa; entretanto funcionam como

expressões das intenções conversacionais do falante; são determinadas pela

situação face a face dos interlocutores. (URBANO, p. 99)

Os marcadores do texto conversacional, de acordo com Urbano (2011, p. 60),

apresentam funções sintáticas e conversacionais: “elementos, formulaicos, típicos da fala

conversacional, de grande frequência, recorrência, convencionalidade, idiomaticidade e

significação discursivo-interacional”. São elementos linguísticos empregados para a

construção da coesão e da coerência em texto falado, particularmente, no uso conversacional

da linguagem. Por isso, funcionam como articuladores das unidades cognitivo-informativas

do texto, mas também dos seus interlocutores, pois revelam e marcam as condições de

produção do texto.

As classes dos marcadores podem ser subdivididas em três tipos: verbais, não-

verbais (ou paralinguísticos) e supra-segmentais (ou prosódicos). Todos funcionam como

elementos de ligação entre as partes ou unidades comunicativas e como orientadores dos

falantes entre si.

Os marcadores conversacionais verbais subdividem-se em quarto grupos, conforme

sintetiza Fávero (2005), ao sintetizar a sistematização propostas por Marcuschi:

Marcador simples: Ex. gora, então, aí, entende, claro, exatamente. São realizados

com uma só palavras. Pode ser interjeição, advérbio, verbo, adjetivos, conjunção,

pronome etc. Marcador composto: Ex. então daí, aí depois, quer dizer, sim mas,

bom mas aí, tudo bem mas, digamos assim. Apresenta tendência a cristalização e

caráter sintagmático. Marcador oracional: são aquelas pequenas orações que

aparecem em diferentes tempo e formas verbais (assertivo, indagativo,

exclamativo). Como exemplo, citamos: eu acho que, quer dizer, então eu acho,

não mais sabe, porque eu acho que. Marcador prosódico: são aqueles realizados

por meio de recursos prosódicos: a entonação, pausa, hesitação, o tom de voz etc.

(FÁVERO, 2005, p. 45)

Outros elementos que funcionam como marcadores conversacionais são de natureza

não-verbal. Essenciais à interação face a face, para a manutenção e a regulação do contato

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entre os falantes, ocorrem por meio de gesticulação, do riso, do olhar etc. São, portanto,

movimentos realizados pelos falantes no momento em que se dá a interação.

Os sinais verbais empregados para a sustentação da conversação podem ser divididos

em dois grupos: os sinais do falante e os sinais do ouvinte:

Sinais produzidos pelo falante que servem para sustentar o turno, preencher

pausas, dar tempo à organização do pensamento, monitorar o ouvinte, explicitar

intenções, nomear e referir ações, marcar comunicativamente unidades temáticas,

indicar o início e o final de uma asserção, dúvida ou indagação, avisar, antecipar

ou anunciar o que será dito, eliminar posições anteriores, corrigir-se, auto-

interpretar-se, reorganizar e reorientar o discurso etc; sinais produzidos pelo

ouvinte durante o turno do interlocutor e geralmente em sobreposição, que servem

para orientar o falante e monitorá- -lo quanto à recepção. Aos sinais de

concordância como ahã, sim, claro, o falante pode animar-se; aos sinais de

discordância como não, impossível, o falante pode reformular-se ou acrescentar

algo mais; sinais como diga, promovem uma exploração adicional do tópico, e

assim por diante. Marcam a posição pessoal do ouvinte localmente, encorajam,

desencorajam, solicitam esclarecimento e não têm apenas uma função fática ou

algo semelhante. (DIONÍSIO, 2004, p. 89).

Em suma, o emprego de marcadores conversacionais orienta a interação entre o

falante e o ouvinte, pois podem ser compreendidos a partir de suas formas, funções e

posições na conversação verbal. Tais elementos podem ser utilizados para a tomada de

turno, para introduzir uma opinião ou marcar um endosso, para marcar uma digressão, ou

ainda para a sustentação do turno.

Os marcadores conversacionais apresentam, muitas vezes, por serem típicos da fala,

recorrência, idiomaticidade e significação discursivo-interacional, mas não integram

propriamente o conteúdo cognitivo do texto, conforme considera Urbano (2003, p. 98).

Embora sejam elementos que ajudam a construir e a dar coesão e coerência ao texto falado,

funcionam não só como unidades cognitivo-informativas do texto, como também dos seus

interlocutores.

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CAPÍTULO 3 – CONTO O GRAVADOR EM ANÁLISE

3.1. Categorias de análise

A língua literária pode ser considerada uma variante da língua escrita, pois esta

sempre foi considerada uma forma mais adequada de linguagem, posto ser a modalidade e

que se evidencia maior obediência aos modelos prestigiados de uso, conforme observa

Siqueira (2006, p. 50).

Na literatura contemporânea, é comum se observar a incorporação, no texto literário,

de elementos próprios da fala. Para Urbano (2000, p. 129), a obra literária da ficção é uma

transposição da realidade, pois recria no texto literário todas as modalidades linguísticas, a

partir do aspecto abrangente da intenção artística e estética.

Para construir a ficção, vários artifícios que aproximam o texto da língua comum do

dia a dia podem ser utilizados. Seja em nível lexical, morfológico ou fonético- -

fonológico. Entre estes artifícios está a organização do discurso direto e do uso linguístico

empregado na literatura.

Enfim, a linguagem literária pode aproximar-se da língua falada, haja vista a

possibilidade de o escritor incorporar a oralidade em diálogos proferidos por suas

personagens.

Para análise do conto O gravador, foram empregados os pressupostos teóricos

apresentados no capítulo 2. Foi analisada a organização do discurso direto, bem como as

ocorrências de pares adjacentes, turnos e marcadores conversacionais. E, por fim, analisam-

se as estratégias discursivas utilizadas pelos interactantes dos diálogos.

Para a realização do presente estudo, observamos os conceitos de turno

conversacional propostos por Galembeck (2003):

A ideia de turno – de acordo com o senso comum – está ligada às várias situações

em que os membros de um grupo se alternam ou se sucedem na consecução de um

objetivo comum (...) os participantes do diálogo revezam- -se nos papeis de falante

e ouvinte. Nesse sentido, pode-se caracterizar a conversação como uma série de

turnos, entendendo-se por turno qualquer intervenção dos interlocutores

(participantes do diálogo), de qualquer extensão. (GALEMBECK, 2003, p. 70-71)

Pode-se, de acordo com o autor, observar uma proposta de classificação dos turnos

em nuclear ou inserido. No primeiro, o falante emprega valor referencial nítido, pois veicula

informação ao desenvolver o tópico em andamento. No segundo, não se observa o valor

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referencial, ou seja, o tópico da conversação não é desenvolvido, por isso considera-se que

este tipo de turno não tem por objetivo transmitir conteúdos informativos, mas a indicação

de que um dos interlocutores monitora, ou seja, acompanha as palavras do seu parceiro

conversacional. Além disso, os turnos nucleares podem ser justapostos, quando os falantes

alternam em contribuições referenciais, ou em andamento, quando um falante desenvolve o

tópico e outro apenas cria turnos inseridos para acompanhar o que é dito pelo interactantes.

A distribuição dos turnos, por sua vez, pode ser observada em simetria ou assimetria.

Em simetria, nota-se que os interlocutores participam do diálogo com turnos nucleares, nos

quais se desenvolve o tópico em andamento, em intervenções de caráter referencial.

Segundo Galembeck (2003, p. 75), “os turnos nucleares que figuram em um diálogo

simétrico formam uma sequência com outros turnos igualmente nucleares. Por causa disso,

são esses turnos designados por turnos nucleares”. Observa-se que a conversação pode ser

considerada simétrica quando não são marcantes ou relevantes as diferenças de poder ou

status entre os falantes.

Na situação de assimetria, um dos interlocutores produz intervenções de valor

referencial, enquanto o outro intervém com sinais indicativos de atenção ou concordância

em que se observa a inserção de expressões de caráter fático ou de reforço para a indicação

de concordância ou entendimento. Em uma conversação assimétrica, a distribuição dos

turnos nucleares entre os interlocutores não é equilibrada, de modo que um deles produz

mais turnos inseridos do que nucleares. A assimetria tende a acontecer em iterações em que

há uma desigualdade hierárquica.

Outro aspecto relevante para a análise dos diálogos construídos é a organização dos

pares dialógicos. Nestes pares, relaciona-se a gestão dos turnos e a passagem do turno de um

falante a outro. Podem ser utilizados pares como pergunta-resposta, cumprimento-

cumprimento, agradecimento-resposta.

Quanto à passagem de turno, deve-se observar a relação estabelecida por Sacks,

Schgeloff e Jefferson (1974), em que foi empregado o termo Lugar Relevante de Transição

(LRT): ponto do diálogo em que o ouvinte, intuitivamente, percebe que o tuno do falante

está se esgotando ou se esgotou, de modo a proceder à tomada de turno. Apesar de ser

intuitivo, há marcas linguísticas que podem ser empregados para sinalizar um LRT, como a

entonação ascendente de pergunta, o uso de determinados marcadores conversacionais, a

hesitação de variados tipos etc.

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A partir do estabelecimento do Lugar Relevante de Transição, a passagem de turno

pode ser requerida ou consentida e o assalto ao turno, quando realizado fora do LRT, ou por

percepção “inadequada” do LRT, pode se dar pelo uso de deixa ou sem o uso de deixa. Estes

aspectos serão relevantes para a análise do conto O gravador, de Rubem Fonseca, que se

realiza a seguir, pois no texto literário ocorre o uso de estratégias empregadas na construção

dos diálogos construídos que os aproximam das estratégias utilizadas na comunicação entre

interactantes na comunicação face a face. Analisamos a seguir, como se dá a construção

deste modelo em conto contemporâneo.

3.2. Análise do conto O gravador

Nesta análise, pretendemos verificar como o autor constrói o diálogo por meio do

uso dos turnos conversacionais no conto O gravador, de modo a aproximar o uso do diálogo

construído às estratégias conversacionais próprias da interação face a face.

3.2.1. O conto - macroanálise

Dino Preti (2004) observa que, ao se examinar os diálogos construídos, deve-se

atentar para os seguintes aspectos macroestruturais:

O contexto histórico em que se realiza o diálogo, elemento indispensável para uma

análise de textos distanciados no tempo, quando se torna mais difícil compreender

problemas linguísticos expressos nos diálogos, ligados, por exemplo, a papéis

sociais, formas de cortesia, expressões de tratamento e o contexto geográfico que

pode ser responsável pelas variações regionais da linguagem. Os fatores

extralinguísticos e sua possível ação sobre as personagens, considerando-se suas

características socioculturais (grau de escolaridade, profissão, status, etc.) ou

psico-biológicas (faixa etária, gênero, tipo psicológico etc.) que podem, também,

revelar variações da linguagem (PRETI, 2004, p. 169)

Preti emprega o termo macroanálise para se referir, portanto, ao contexto de

produção do texto literário. Observa-se que a associação entre o contexto de produção e,

possivelmente, o público a que o texto literário é destinado, encontra relação com a

definição de gênero produzida por Bakhtin, pois ambas levam em conta a época em que o

texto foi produzido e quem o receberá. Além disso, Preti observa como relevantes aspectos

que podem ser empregados para caracterizar os falantes que constroem os diálogos, posto

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que aspectos socioculturais ou psicobiológicos são, por ele, considerados importantes para

compreender o diálogo construído.

O conto O gravador foi lançado em 1965, na coletânea de contos intitulada A coleira

do cão. Vidal (2000), ao analisar a obra de Fonseca, considera que o livro estabelece uma

novidade na produção do autor mineiro, pois:

No primeiro e no segundo livro de Fonseca, os personagens estão condenados à

queda e à culpa, a arrastar um pedaço da corrente. É um universo marcado por uma

juventude desencantada, chocando-se constantemente com o prosaísmo do mundo:

os conflitos familiares, a figura inibidora do pai, o desconcerto da sociedade, um

sentimento insuportável de impotência, a recusa em romper os limites de proteção

do quarto, a presença desafiadora da mulher, o braço da violência. (VIDAL, 2000,

p. 61)

No contexto da produção literária do autor, portanto, pode-se considerar que as duas

obras iniciais (Os prisioneiros, coletânea de contos publicada em 1963, e A coleira do cão,

coletânea de contos lançada em 1965) guardam entre si semelhanças e diferenças. Entre as

semelhanças pode-se considerar que as personagens estão presentes em um ambiente urbano

que vive uma efervescência e uma agitação que prenunciam as mudanças sociais que

ocorreriam no Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro da primeira metade dos anos 1960.

Em trecho do conto “Madona”, presente em A coleira do cão, o narrador revela: “Havia uma

urgência no ar, uma ânsia, uma pressa que não se vê no cais ou na estação ferroviária”

(Fonseca, A coleira do cão, p. 135).

Em oposição, observa-se que a principal mudança ocorrida, entre as duas publicações

iniciais de Fonseca, está no fato de o corpo receber um tratamento privilegiado, pois há,

conforme Vidal (2000):

Uma visão marcadamente sensualista que contrasta com o tom reticente de antes:

agora corpo é o lugar onde vive a possibilidade de o homem se realizar; a

mediação entre o herói e a sociedade dar-se-á daqui para frente explicitamente

através do corpo. Na obra de Fonseca todas as relações sociais, como violência,

amor, prazer, traição, desespero, desilusão, injustiça, alienação, são sempre

relações corporais com o mundo. (VIDAL, 2000, p. 63)

Assim, deve-se observar que a segunda publicação de Fonseca inaugura, no contexto

de sua produção literária, uma novidade, haja vista o livro estar marcado por uma maior

aproximação com a realidade, entendida tanto como pela rede de temas sociais, quanto pela

encarnação desses mesmos temas pelo corpo. Se, no primeiro livro, o Eu era observado

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como prisioneiro, no segundo, o prisioneiro é o corpo. Vidal (2000) considera ainda que a

relação entre o corpo e a sociedade está problematizada ao longo dos oito contos do livro.

Neste contexto de análise, pode-se observar que, em O gravador, a narrativa é

composta por oito blocos nos quais são construídos diálogos, por meio do uso do discurso

direto. Realizou-se aqui a análise de seis dos oito blocos de diálogos. Entre um bloco e

outro, pode-se observar a voz narrativa, que apresenta o ponto de vista das duas personagens

protagonistas: Jorge Vale e Alda.

Segundo Vidal (2000, p. 65), o conto tematiza a duplicidade física, inserida

diretamente nas relações cotidianas. “Jorge, o personagem central, conhece Alda através de

contatos telefônicos: uma mulher casada com um homem coincidentemente chamado Jorge,

mas em tudo diferente daquela mentalidade com a qual Alda vem mantendo uma ligação à

distância”. Os planos narrativos, ou seja, o ponto de vista de cada uma das personagens,

cruzam-se do início ao fim, mas não se fundem em uma única voz, pois o plano do narrador

gravador, cuja linguagem é desarticulada e híbrida de ruídos, encontra oposição na voz de

Alda, fluentemente confessional.

A vida conjugal representada pela personagem feminina alimenta-se do ódio

resultante do matrimônio, pois o marido é visto como ser desprezível e o casamento como

um estorvo. Além disso, pode-se ainda considerar que o conto realiza uma análise da

condição feminina na década de 1960, a personagem encontra-se em uma situação infeliz,

por causa do matrimônio, porém ainda não se vê capaz de romper as barreiras socialmente

construídas, por isso permanece unida ao esposo que despreza. Se a personagem feminina

encontra uma oposição em seu parceiro, o masculino encontra em sua mãe a sua opositora: a

ela recorre no momento em que não se concretizam as pretensões do filho.

Conforme analisa Vidal:

Na verdade, todas as duplicações nascem de uma outra, decisiva no conto: a

duplicação do personagem Jorge em voz e corpo. A homonímia explica

obviamente a separação entre corpo e espírito, pois enquanto um seduz a mulher

pelas palavras, pelas qualidades que uma mulher deve buscar num homem:

bondade, compreensão, paciência, caráter, decência, o outro aparece sem voz, sem

intervenção direta, somente através das metáforas animalizantes. (VIDAL, 2000,

p. 66)

As relações duplas, observadas no conto, podem ainda ser notadas na relação entre o

protagonista e o gravador, ou seja, na relação entre o homem e a máquina, pois o gravador é

utilizado para registrar as remotas relações da personagem com o mundo exterior. Deve-se

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lembrar que o conto, lançado em 1965, parece indicar uma admiração pela máquina, posto

que ela é um elemento intermediador e revelador da construção das relações humanas, em

especial, das relações que o protagonista estabelece com outras personagens.

Parece haver material para futuras análises do conto quanto à relação homem e

máquina que não será aqui explorado. Como também parece revelar a relação do

protagonista com a sua cadeira de rodas. Há uma série de referências à cadeira de rodas não

explorada no presente estudo que pode ser estudada em novos trabalhos; entre elas pode-se

citar o uso de onomatopeias e a exploração de ruídos e sons produzidos pela cadeira de

rodas, a composição de uma canção a partir da sonoridade produzida por ela, entre outros.

Assim a narrativa parece explorar ricos recursos linguísticos e temáticos que parecem

inovadores para época em que foi lançada, recursos estes que podem ser tema de estudos

futuros.

Em suma, observa-se que o conto parece estabelecer alguns níveis de análise entre as

relações sociais: as personagens protagonistas podem ser consideradas excluídas

socialmente, ele, um cadeirante recluso que grava ligações telefônicas empregando

diferentes tipos de aparelhos gravadores; ela, uma dona de casa infeliz e amargurada que se

relaciona com um homem desconhecido através do aparelho telefônico. Ambos se

encontram por meio da tecnologia que os transforma em um casal sonhador, porém distante,

posto que o encontro físico, face-a-face, jamais se realiza.

Como elemento estruturador, no conto, das relações entre as personagens,

encontram-se os diálogos construídos. Realizam-se oito blocos que empregam o discurso

direto. Este discurso é indicado por meio do uso de aspas que indicam a mudança de falante.

Em comum a todos os blocos dialogais está a presença do protagonista que ora interage com

Alda, ora dialoga com sua mãe. Assim, pode-se observar que as relações entre as

personagens se dá unicamente por meio da construção de turnos conversacionais realizados

via aparelho telefônico.

3.2.2. Organização do diálogo - microanálise

A Análise da Conversação, a partir dos estudos iniciados nos anos 60/70,

inicialmente em uma análise etnometodológica, desenvolveu-se, nas últimas décadas, a

partir do estudo de diálogos gravados, conforme se observa o material produzido pelo

Projeto Nurc, desenvolvido pelos pesquisadores apoiados em teóricos como Marcuschi,

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Castilho, Urbano e Preti. Entretanto, nos últimos anos, ganhou espaço entre os estudos

acadêmicos os diálogos construídos ficcionalmente por autores como Luiz Vilela, Plínio

Marcos, João Antônio e Rubem Fonseca.

Ao analisar a construção dos diálogos em textos literários, Preti (2004) observa que:

As informações trazidas pela situação de comunicação são os elementos

pragmáticos que precedem e acompanham as falas, mas também os traços de

interatividade, durante o diálogo, como tratamentos gramaticais, expressões

formulaicas, repetições, sequências, interrupções sintáticas, sucessão dos turnos,

marcadores conversacionais, silêncios etc. utilizados pelos “falantes” e que podem

indicar proximidade/afastamento, clareza/ocultação/ dissimulação, poder

conhecimentos partilhados etc. (PRETI, 2004, p. 169)

A estas informações, o autor chamou de microanálise, porque preponderam os

elementos interacionais, que, muitas vezes, não dependem dos fatores extralinguísticos, ou

seja, o grau de escolaridade, o gênero, o status dos falantes nem sempre justificarão seu

comportamento no diálogo.

O enfoque puramente linguístico, proposto por Preti na microanálise, porém, gera o

seguinte problema para quem se propõe a analisar o diálogo de ficção: deixa-se de lado a

discussão sobre o valor literário dos textos (ou se eles representam uma aproximação maior

ou menor com a fala espontânea, fato creditado como uma qualidade do autor, em um outro

tipo de análise) e busca-se a escolha de um corpus que permita obter todas as informações

sobre a “conversação literária” que se realiza. Segundo Preti (2004), a escolha do corpus

deve ocorrer levando em conta o papel do pesquisador:

Como se o pesquisador fosse a audiência de um diálogo, no qual não toma parte,

mas cuja situação de comunicação conhece em todos os seus pormenores: onde e

quando se por que se realiza, quem são seus participantes, como interagem, como

completam as falas com gestos (movimentos do corpo, direção do olhar etc.),

alteração de ritmo de fala e altura de voz, para expressarem, por exemplo,

humilhação, poder, intimidade, crítica, rancor etc., além de refletirem as condições

socioculturais e psico-biológicas. Essas informações, exteriores ao diálogo

propriamente dito, devem-lhe ser trazidas pelos elementos pragmáticos do texto e

pelos traços da enunciação. (PRETI, 2004, p. 170)

Seguindo a observação de Preti, o pesquisador/leitor torna-se a audiência do diálogo,

do qual não toma parte, porém, por meio do texto literário, torna-se conhecedor de um

conjunto de informações que lhe permite compreender as relações estabelecidas entre os

interactantes no diálogo construído, como acontece em uma interação verbal não ficcional.

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Na interação verbal produzida ficcionalmente, alguns recursos são empregados para

que possa torna-se semelhante à conversação não ficcional, por exemplo, a presença de

pares adjacentes é comum, pois eles organizam localmente a conversação, ao controlar o

encadeamento de ações e por se constituírem como introdutor do tópico discurso, segundo

Fávero, Andrade e Aquino (2002, p. 50). São os pares adjacentes formadores do plano

organizacional do texto, pois contribuem e estabelecem a organização sequencial do texto.

Estes pares podem ser de vários tipos: pedido – recusa/aceitação, saudação/saudação,

pergunta/resposta. Para analisar a sequência pergunta-resposta, pode-se observar a seguinte

consideração de Silva:

É muito difícil imaginar uma conversação que não comece ou termine nem

contenha perguntas e respostas. Em nosso dia a dia, utilizamos, ainda que

inconscientemente, desse recurso conversacional inúmeras vezes. É tal a

importância desse par dialógico que, quando utilizado à exaustão, leva o locutor a

dizer (muitas vezes, com certo tom de aborrecimento) que está sendo alvo de

algum inquérito e, quando não utilizado, leva o locutor a dizer que seu interlocutor

não se interessa por ele ou pelo tópico desenvolvido. (SILVA, 2006, p. 261)

A abertura do conto se dá em uma sequência que emprega o par adjacente

pergunta/resposta. Observa-se ainda a inexistência de uma voz narrativa ou de uma

introdução em que se emprega elemento narrativo.

Diálogo 1

L1 “Eu trabalho com um Grundig, um National e um Webcor.”

L2 “Qual está com defeito?”

L1 “São todos estereofônicos. Mas algumas coisas eu gravo em monoaural.”

(Os telefonemas, por exemplo.)

L2 “Sim, mas qual está com defeito?”

L1 “O Webcor. Está com som de barril.”

L2 “Deve ser o microfone.”

L1 “Talvez.”

L2 “Ou então a cabeça do gravador.”

L1 “Talvez.”

L2 “O senhor traz o gravador e o microfone aqui que eu vou ver.”

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L1 “Não posso.” (Não posso, não posso.) “O senhor não pode mandar apanhar

aqui?”

Stop.

(Rodei pela casa em grande velocidade, sem bater num móvel sequer. Minha

agilidade é muito grande, Sempre desejei jogar basquete. Um dia vou à Associação para me

inscrever no time. Ajustei o gravador no mono.)

No início do conto, o protagonista está ouvindo gravações realizadas anteriormente

por ele, a compreensão é dificultada pela ausência da voz narrativa para introduzir a

narrativa. Entretanto, ao final do primeiro trecho dialogal, há um pequeno parágrafo

narrativo que pode ser observado entre parênteses e em itálico e que pode ser definido como

um fluxo da consciência construído pelo narrador, ou seja, trata-se de um fragmento

narrativo em que o pensamento da personagem protagonista é revelado tal qual ocorre pelo

narrador ao qual o leitor pode acessar. No fragmento 1, Jorge dialoga com um técnico em

gravadores (Grundig, National e Webcor são marcas de gravadores). Observa-se que L1 é o

protagonista, Jorge, e L2 é o funcionário/técnico em gravadores.

A interação é organizada, haja vista acontecer via aparelho telefônico, pois “fala um

de cada vez” de modo a assegurar os turnos de fala. Não há, portanto, sobreposição de

vozes. Quanto à simetria/assimetria, observa-se que os dois interactantes contribuem para o

desenvolvimento do tópico de modo a construir uma situação de simetria. Além disso, pode-

se considerar que os interactantes desenvolvem um turno nuclear, posto que há um valor

referencial nítido, pois ambos desenvolvem o tópico em andamento.

Há dois pares adjacentes formados por pergunta/resposta.

Par 1: L2 “Qual está com defeito?” / L1 “São todos estereofônicos. Mas algumas

coisas eu gravo em monoaural.”

Par 2: L2 “Sim, mas qual está com defeito?”/ L1 “O Webcor. Está com som de

barril.”

Segundo Fávero, Andrade e Aquino (2002), o par dialógico pergunta-resposta

constitui-se em um dos principais mecanismos responsáveis pela progressão do tópico

discursivo. Quanto à forma, as perguntas podem ser abertas ou fechadas. Quanto à

ação/função tópica, destacam-se pedidos de informação, esclarecimento e confirmação.

Além disso, as autores consideram relevantes as perguntas retóricas, especialmente no que

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tange tanto à organização didática do desenvolvimento tópica quanto à orientação e à

condução dos argumentos no texto.

Os pares indicam que ambos contribuem para o desenvolvimento do tópico

discursivo: o conserto dos aparelhos eletrônicos.

Por se ter como propósito realizar o estudo da construção da oralidade no discurso

literário e nos diálogos construídos, é preferível não realizar uma análise do foco narrativo

ou da voz narrativa empregada pelo autor. Observa-se que o elemento narratário pode ser

visto ao final do fragmento 1 identificado pelo itálico (marca do autor) e por estar entre

parênteses, embora não seja propriamente um trecho narrativo, o que se encontra entre os

parênteses funciona com uma conclusão do primeiro diálogo.

Diálogo 2

L1 “Boa tarde. Aqui é do Instituto Brasileiro de Opinião.”

L2 “O quê?”

L1 “A senhora quer fazer o favor de chamar a dona da casa?”

L2 “Eu sou a dona da casa.”

L1 “Aqui é do Instituto Brasileiro de Opinião Pública.”

L2 “Sim, senhor.”

L1 “Nós estamos fazendo uma pesquisa de opinião para saber o que pensa o povo

brasileiro da eutanásia.”

L2 “Eutanásia? O senhor se refere ao ato de matar uma pessoa para evitar que ela

sofra?”

L1 “Exatamente.”

L2 “Sou contra. O senhor pode colocar aí que sou contra. Veementemente contra.”

L1 “A senhora se incomoda de dar as razões?”

L2 “Não, absolutamente. Acho que o sofrimento deve ser aliviado por entorpecentes,

anestésicos, o que for necessário. A vida não deve ser abreviada por motivo algum. O senhor

não acha?”

L1 “Bem, quem está entrevistando a senhora sou eu.”

L2 “Sim, eu sei. Mas tenho a impressão de que todos pensam como eu. Não

pensam?”

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L1 “Bem, se a senhora quer dizer que em matéria de eutanásia é impossível dizer-se

alguma coisa original, concordo com a senhora. A maioria das pessoas alega que a qualquer

momento pode-se descobrir uma cura para o sofrimento.”

L2 “O câncer, por exemplo.”

L1 “Ou então que somente Deus pode tirar a vida dos outros.”

L2 “É isso mesmo.”

No segundo diálogo do conto, observa-se que o protagonista realiza ligações

aleatórias para pessoas desconhecidas fazendo-se passar por entrevistador de um instituto

fictício. No início do diálogo, há certo distanciamento entre os interactantes, predominam as

frases curtas e a inversão de papéis: ora o protagonista elabora perguntas, ora responde a

perguntas formuladas pela interactantes. Observa-se que L1 é o protagonista do conto, Jorge

Vale, enquanto L2 é Alda, a dona de casa, que recebe o telefone de Jorge.

Embora ocorra uma situação de simetria, ou seja, os interlocutores desenvolvem o

assunto tratado por meio de turnos nucleares, pode-se observar que há uma ocorrência de

assalto de turno. Quando L1 informa o assunto da conversa, é interrompido por L2 que

questiona sobre o conceito de eutanásia. Pode-se afirmar que a interrupção ou a quebra da

fala de L1, pode ser considerada assalto de turno.

A passagem de turno, segundo Galembeck (2003, p. 72), foi observada em duas

modalidades: requerida e consentida. A primeira pode ser identificada pelo uso direto de um

marcador que indique a confirmação do falante para que a passagem se realize. A outra

ocorre quando há uma entrega implícita de turno, ou seja, o ouvinte intervém e passa a deter

o turno sem ter sido solicitado, constitui-se a passagem consentida.

Há, no diálogo 2, o uso de pares adjacentes pergunta/resposta em que se pode

considerar a ocorrência de uma passagem requerida de turno, pois o tom de voz na

elaboração da frase interrogativa poderia ser considerado um indicativo de passagem de

turno. No texto escrito, percebe-se tal aspecto pelo uso do sinal de pontuação que nos

permite considerar o aspecto de uso da língua.

Diálogo 3

No terceiro diálogo do conto, observa-se que o protagonista conversa com sua mãe.

Nota-se o uso de frases curtas e objetivas, em especial, nas falas de Jorge. Tais frases podem

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ser consideradas como reveladoras da relação hierarquizada que ele estabelece com sua mãe,

posto ser por ela tratado de forma infantilizada.

L1 “Alô.”

L2 “Meu filho?”

L2 “O teu telefone vive ocupado. Com quem é que você conversa tanto?”

L1 “Com os meus amigos!”

L2 “Você não tem amigos.”

L1 “Ora, mamãe, a senhora é que não os conhece.”

L2 “Como, se você nunca sai de casa?”

L1 “Mas tenho e pronto.”

L2 “Mas você não sai de casa!”

L1 “Ora, mamãe...”

L2 “Está bem. Não precisa se zangar com sua mãe.”

L1 “Não estou zangado.”

L2 “Fico tão preocupada com você aí sozinho!”

L1 “Mas não precisa. Sei tomar conta de mim.”

L2 “Está bem. Logo mais vou aí botar você na cama.”

L1 “Não precisa. Já disse um milhão de vezes que não precisa.”

L2 “Vou aí pra te ver.”

L1 “Já disse um milhão de vezes que não precisa! Sei me deitar sozinho.”

L2 “Vou aí para ajudar. Para te ver.”

L1 “Sei me deitar sozinho.”

L2 “Meu filho... Oh! meu filho, você é tão teimoso!”

O diálogo entre mãe e filho é formado por vinte e uma trocas de turnos. Pode-se

observar a ocorrências de turnos inseridos, ou seja, turnos que apresentam função

predominantemente interacional a fim de indicar reforço, concordância ou entendimento,

como se pode observam em: “Ora, mãe...”, em que se evidencia a ausência de valor

referencial.

Há ainda o emprego de turnos empregados com função assimétrica, posto que os

interlocutores não contribuem de modo semelhante para a evolução do ato conversacional,

conforme se observa nos turnos alternados destacados a seguir:

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Par 1: “Está bem. Logo mais vou aí botar você na cama.” / “Não precisa já disse um milhão

de vezes que não precisa.”

Par 2: “Vou aí pra te ver.” / “Já disse um milhão de vezes que não precisa! Sei me deitar

sozinho.”

Par 3: “Vou aí para ajudar. Para te ver.” / “Sei me deitar sozinho.”

Marcadores conversacionais são elementos linguísticos e não linguísticos que, na

interação face a face, são empregados para a construção da coesão e da coerência no texto

falado. Seu emprego é mais comum no início e o final de uma sequência discursiva.

No diálogo 3, o uso dos marcados “ora” e “oh!”, embora empregados com funções

distintas, revela o planejamento da fala, porém poderiam ser retirados nos períodos em que

foram postos, pois apresentam função apenas na organização da fala para a sua

continuidade.

A continuidade do tópico é quebrada ao longo do diálogo 3, pois predominam

elementos próprios da linguagem fática. Não se pode, por exemplo, identificar o tópico

discursivo. Os períodos são curtos e as respostas ríspidas: “Sim, mamãe”, “Com os meus

amigos!”, “Mas tenho e pronto.” Além disso, há repetições que evidenciam como se dá o

relacionamento entre o personagem protagonista e sua progenitora.

Diálogo 4

L1 “Alô?”

L2 “Alô?”

L1 “Nós não acabamos a nossa conversa de ontem.”

L2 “Ah, é o senhor?”

L2 “Como tem passado o senhor?”

L1 “Bem. E a senhora.”

L2 “Bem. Obrigada. O senhor sabe que eu não sei o seu nome?”

L1 “É Jorge. Jorge Vale. Eu lhe falei ontem, não falei?”

L1 “Quem não sabe o seu nome sou eu.”

L2 “Aa-alice. Alice.”

L1 “Pois é, Dona Alice, eu fiquei aguardando que a senhora me telefonasse, mas

depois me lembrei que eu não lhe havia dado o meu telefone.”

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L2 “É verdade.”

L2 “O que o senhor faz?”

L1 “Minha profissão?”

L2 “É.”

No diálogo 4, podem ser observados exemplos do par adjacente pergunta/resposta

que apresentam a distinção entre perguntas abertas e fechadas. Abertas são as que geram a

interpretação do ouvinte para informar sobre algo pedido. As fechadas são aquelas que

devem ser respondidas de modo objetivo por meio de advérbios de afirmação ou negação,

sim ou não.

No par: L1 “Minha profissão?”/L2 “É.”, o verbo “é” representa o advérbio

afirmativo “sim”, trata-se, portanto de uma pergunta fechada. Assim como, no par: L2 O

senhor sabe que eu não sei o seu nome?”/L1 “É Jorge.”, observa-se a elipse da resposta

afirmativa, por isso há também o uso de uma pergunta fechada.

Por outro lado, as perguntas abertas são feitas pela personagem feminina, porém as

respostas esperadas são apenas respostas formais: L2 “Ah, é o senhor?” L2 “Como tem

passado o senhor?”. As duas perguntas não podem ser respondidas de forma fechada, pois

lhes cabem respostas várias.

Os turnos, no fragmento 4, são assimétricos, pois observa-se que o L1 mantém o

turno por mais tempo. Vale lembrar que o L1 faz-se passar por um entrevistador de um

instituto que pretende realizar uma pesquisa de opinião. Assim sendo, cabe ao entrevistador

a elaboração de perguntas. Enquanto cabe a L2, além de responder às perguntas formuladas,

a decisão da manutenção ou dá troca do tópico discursivo.

Ao construir este diálogo ficcional, pode ser observado um recurso próprio da fala

real, ou seja, da fala produzida em situação de comunicação face a face. Quando L2 gagueja

ao responder qual seria seu nome, observa-se o uso da dissimulação, pois o leitor sabe se

tratar de um engodo, ou seja, de uma mentira. Assim, o uso de um recurso próprio da

comunicação oral foi empregado pelo autor no diálogo escrito.

Diálogo 5

No diálogo 5, ocorreu uma passagem de tempo. Há entre os interactantes uma

intimidade, posto estarem se comunicando por via telefônica há três meses. Ao longo do

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diálogo são revelados os anseios e os desejos de ambos: Alda declara sua infelicidade no

matrimônio e o sentimento platônico nutrido por Jorge Vale. Os turnos revelam certa

assimetria, posto Alda desenvolver mais os tópicos, enquanto observa-se a concisão de

Jorge.

L1 “Hoje está fazendo três meses que nos conhecemos.”

L2 “Hoje?”

L1 “Hoje, sim, dia 23. Os homens não guardam datas, mas as mulheres guardam.”

L2 “Eu tenho péssima memória.” (Minha memória está em fitas magnéticas de 1200

pés.)

L1 “Você está arrependido?”

L2 “Arrependido?”

L1 “De me ter conhecido?”

L2 “Não, claro que não.”

L1 “Nem eu. Nós ainda não nos vimos, mas eu conheço você como se você fosse,

fosse – meu irmão. Um irmão de quem eu gostasse muito.”

L2 “Você para mim é mais do que isso.”

L1 “Sou mesmo?”

L2 “Mais do que uma irmã.”

L1 “O que eu sou? Diz para mim.”

L2 “Eu não sei dizer. Só sei que eu penso em você o tempo todo.”

L1 “Eu também, eu também penso em você o tempo todo. Você também é mais do

que um irmão para mim.”

(Fita rodando, gravando nosso silêncio. Um longo momento.)

L1 “Eu estou muito feliz. Há anos que não me sinto tão feliz assim.”

L2 “Eu também, Alice.”

L1 “Meu nome não é Alice. É Alda. Há muito tempo que eu queria lhe dizer isso,

mas fiquei com vergonha de confessar que havia mentido. Mas agora não me incomodo. Eu

menti para você! Meu nome é Alda. Foi a única e a última mentira que eu disse pra você

Nunca mais mentirei, meu bem. Nunca mais, eu sei que nunca mais.

L2 “Não faz mal. Eu não pensava em você como Alice. Eu pensava em você como

alguém, uma mulher, cuja voz eu precisava ouvir diariamente para poder ter alguma alegria

na vida. Também menti: não sou de nenhum instituto de opinião.”

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L1 “Se você soubesse como é tudo para mim!”

L2 “Eu sei. Você também é tudo para mim.”

L1 “Você mudou a minha vida, Jorge. Eu era muito infeliz, sabe? Meu bem, essa foi

outra mentira que eu disse para você.”

L2 “Qual?”

L1 “Lembra o dia em que te disse que era muito feliz com o eu, com o meu – “

L2 “Lembro.” (Quantas vezes havia tocado aquela fita!)

L1 “Pois era mentira. Eu nunca fui feliz com ele. Nunca. E muito menos agora. Só

você me dá felicidade. E sua voz, as coisas que você me diz, a sua lembrança que levo para

a cama todas as noites e que me faz dormir um sono bom e tranquilo, só você, a quem eu

amo, viu?, só você me faz feliz!”

No diálogo 5, pode-se observar a constante troca de tópico, pois ele é redirecionado

constantemente. L1, ao elaborar perguntas, direciona a mudança de tópico: aborda o tempo

de amizade que têm, questiona se o interlocutor está arrependido por tê-la conhecido, depois

afirma estar feliz por ter conhecido L2, e por fim declara-se amorosamente.

Na conversação, estratégias são empregadas para o gerenciamento do turno, como a

sustentação, o assalto e a passagem de turno. Neste fragmento, não se observa, por exemplo,

o assalto ao turno, posto que o diálogo se realiza de modo que cada um fala por sua vez, de

modo sequencial e alternado. A sustentação do turno pode ser observada quando ocorre a

pausa longa entre uma fala de L1 e outra. Assim o turno é sustentado por meio do silêncio.

Pode-se ainda observar que, no conto, algumas passagens de turnos foram

assinaladas por perguntas diretas, ou seja, ocorre uma passagem requerida quando a troca de

turno entre os interlocutores foi feita por uma pergunta direta; há a presença de entoação

interrogativa que “constitui a marca mais nítida da solicitação explícita endereçada ao

ouvinte”, de acordo com Galembeck (2003, p. 72).

A troca dos falantes constitui um fato intrínseco à natureza da conversação

simétrica, na qual ambos os interlocutores desenvolvem o assunto tratado. Com

efeito, a situação de simetria é caracterizada por uma alternância contínua nas

posições de falante e ouvinte, pois ambos os interlocutores participam da

construção e desenvolvimento do tópico conversacional, por meio de turnos

nucleares. Desvia a isso e relevante verificar os processos de troca de falantes: a

passagem e o assunto. (GALEMBECK, 2003, p. 83)

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É importante salientar que, no conto O Gravador, os turnos são apresentados em oito

blocos facilmente identificados pela presença dos interlocutores Jorge e o técnico em

aparelhos eletrônicos, ou Jorge e a mãe, ou Jorge e Alda. Há trechos narrados, ora por Jorge,

ora por Alda, que se dá através de um recurso narrativo chamado fluxo da consciência, por

meio do qual se apresenta ao leitor o pensamento das personagens conforme este é

produzido, ou seja, de modo pouco organizado. Apesar disto, há, na narrativa, uma

proximidade com a atividade conversacional, posto que os diálogos são predominantes. Por

fim, cabe observar que, para fim de análise, foram omitidos os trechos narrativos, por se

considerar mais relevantes mostrar aqueles em que se desenvolve a conversação entre as

personagens.

Diálogo 6

No sexto diálogo analisado do conto, observa-se que há implícita a passagem do

tempo, os interlocutores tornaram-se íntimos, pois, no diálogo a seguir, retomam

informações anteriormente referidas, revela-se entre eles um nível maior de intimidade.

Também foram modificados os tratamentos empregados, tornam-se mais suaves e afetuosos,

pois indicam maior grau de aproximação, conforme se observa no uso de termos como “meu

bem” e “minha querida”.

L1 “Mas, meu bem, eu quero encontrar com você, tenho essa coisa para te dizer!”

L2 “Mas que coisa é essa tão importante que você não pode me dizer pelo telefone?

Você parece criança, fazendo mistério e vai ver é uma bobagem à-toa.”

L1 “Está certo, meu bem, esquece isso, eu não quero te irritar.”

L2 “Eu não estou irritado, minha querida, palavra de hora, não estou mesmo. Sei lá,

acho que saio tão pouco de casa que só em pensar nisso fico perturbado.”

L1 “Você quer então que eu vá aí?”

L2 “Não!”

L1 “Jorge!”

L2 “Me desculpa, meu bem, eu hoje não estou num bom dia.”

L1 “Eu sei, querido, eu sei, querido, mas não se reocupe com isso não, viu?, eu

entendo.”

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L2 “Quem tem razão é você, meu bem; nós temos que nos encontrar mesmo, mais

dia, menos dia. Olha! Você quer se encontrar, está bem, nós nos encontramos. Mas olha, eu

não sou nada do que você está pensando, nada.”

L1 “Eu sei, meu bem.”

L2 “Você não sabe nada.”

L1 “Está certo, não sei nada. Você realmente está com um gênio horrível hoje.”

L2 “Você sabia que eu, que eu...”

L1 “Sim, meu bem...”

L2 “Que eu...”

L1 “Alô, alô.”

L2 “Eu...”

L1 “Você está passando mal, meu bem? Aconteceu alguma coisa?”

No diálogo 6, observa-se os turnos inseridos de função predominantemente

interacional no emprego de termos que indicam reforço, como em: “Sim, meu bem...”. O

uso repetido do “Alô” cuja função é observar se o canal de comunicação está aberto e se o

falante pode elaborar sua fala, também pode ser classificado como turno inserido de função

predominantemente interacional. Segundo Galembeck (2003, p. 81), os turnos de valor

interacional representam um aviso de que um dos interlocutores tem a intenção de tomar a

palavra.

Observa-se no fragmento 6, uma constante troca de tópico. O uso do marcador “mas”

no início da primeira fala de L2, Jorge Vale, pode ser compreendido como uma busca de

quebra de continuidade do tópico iniciado por L1, Alda.

Pode-se considerar que o fragmento apresenta uma relação assimétrica, posto que

não há por parte de L2 a busca de continuidade do tópico. Percebe-se que L2 busca intervir

para realizar a mudança do tópico, porém, não é bem sucedido. As intervenções de L2 não

contribuem para o desenvolvimento do tópico, por isso o assunto é tratado em turnos

nucleares, em que a alternância se dá pelo assalto do turno como se observa em: L1 “Está

certo, meu bem, esquece isso, eu não quero te irrita”.

As intervenções de L2 (“que eu”, “eu”) têm por função principal a indicação de um

reforço, com elas o interlocutor indicar que exerce o papel de ouvinte e confirma participar

da conversa, porém não desenvolve o tópico discursivo. Embora parece continuar o tópico,

não há o acréscimo de informação, posto que L2 não responde de modo objetivo aos

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questionamentos de L1. Tais turnos são chamados inseridos que exercem uma função

predominantemente interacional. Os turnos inseridos de função interacional podem incluir a

indicação de reforço, de concordância ou de entendimento e aviso conforme Galembeck

(2003, p. 79).

No desfecho do conto, observa-se que as personagens, após aproximação construída

por meio de sucessivas ligações telefônicas, marcam um encontro em uma praça local. Alda

dirige-se ao local de encontro, maquiada: “Fiz uma pintura moderna no meu rosto, como

dessas mocinhas que encontro em Copacabana, quando vou fazer compras” (FONSECA,

1994, p. 115). Revelam-se as preocupações com a idade e com a imagem feminina: “Estou

nua idade em que não posso mais passar uma noite sem dormir, sem que isso apareça no

meu rosto. Não que eu seja velha, ainda não tenho quarenta anos” (ibidem).

Depois de duas horas de espera, “duas horas contadas no relógio”, Jorge não

apareceu. Enquanto buscava em toda a praça seu par romântico, tal qual uma adolescente

romântica, Alda pode observar uma babá com duas crianças e um paralítico numa cadeira de

rodas. Na praça vazia, a chuva aumentou de intensidade, estragou-lhe o penteado que tanto

custara a fazer, molhou o rosto e as roupas.

A frustração pelo encontro malogrado ainda encontra certa esperança de encontro

com seu par platônico, Alda ainda tenta ligar para Jorge repetidas vezes, mas o telefonema

não é atendido.

No último diálogo do conto, Jorge liga para sua mãe e pede que ela o ponha para

dormir.

Por meio da análise do corpus, pode-se verificar a construção de diálogos

construídos em conto contemporâneo em que o autor faz uso de estratégias próprias da

conversação face a face para a construção do texto ficcional. A estrutura narrativa em que

predominam as falas das personagens e em que os recursos narrativos e voz do narrador são

empregados com concisão indicam que a fala das personagens buscou uma aproximação

com os diálogos realizados na interação face a face.

A alternância e a organização dos turnos conversacionais podem ser observadas de

acordo com a teoria vigente. Observou-se no conto O Gravador, de Rubem Fonseca, a

presença de recursos próprios da oralidade empregados para a elaboração do texto literário:

os usos de pares adjacentes, a tomada e o assalto de turnos, a construção de diálogos

simétricos e assimétricos.

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Assim pode-se considerar que o texto literário é capaz de incorporar na sua

construção elementos próprios da comunicação espontânea que se dá no diálogo face a face,

embora seja um diálogo construído de modo ficcional. Pode-se considerar por fim, que,

conforme Fávero, Andrade e Aquino (2002, p. 74), a linguagem escrita pode ser reveladora

de um planejamento, posto que o escritor é capaz de reformulá-lo e adequá-lo de acordo

com suas intenções artísticas, porém Fonseca buscou empregar recursos próprios da

linguagem falada e da interação face a face para a construção do conto O gravador.

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Considerações finais

Na presente pesquisa, apresenta-se o estudo das modalidades de uso da língua: a

falada e a escrita. Observa-se como se dá a manifestação da língua falada em diálogos

literários, em especial no gênero conto contemporâneo à luz da Análise da Conversação. O

corpus foi constituído por um conto contemporâneo, O gravador, de Rubem Fonseca, em

que foram observados os diversos tipos de turnos conversacionais.

De acordo com os pressupostos teóricos, observa-se como se dão, no ato

conversacional, os diálogos construídos, ou seja, diálogos produzidos para fins literários

com a troca de turnos em que se evidencia o uso de elementos próprios da oralidade.

O diálogo construído por Fonseca, ora analisado, apresenta elementos de oralidade

que visam a diminuir a distância entre texto e leitor, ao criar uma verossimilhança entre a

realidade e a ficção quando apresenta personagens cuja fala é próxima à realidade linguística

contemporânea.

De acordo com a presente análise, tal como observado por Kerbrat-Orecchioni,

Marcuschi, Preti e Galembeck, a conversação pode ser observada a partir da relação entre

interlocutores organizada em torno da troca de turnos. Na literatura, Fonseca faz uso de

estruturas da conversação face a face para elaboração de diálogos construídos que os

aproximam da conversação real.

Deste modo, espera-se ter contribuído para os estudos de língua falada, bem como

despertar o interesse por novos estudos da Análise da Conversação, apesar de os resultados

aqui apontados serem apenas o início de um estudo sobre os diálogos construídos e das

estratégias empregadas no texto literário para a construção de tais diálogos. Observamos,

por fim que os estudos sobre os temas propostos não se esgotam aqui e poderão, com

certeza, ser ampliados em estudos futuros sobre a manifestação da oralidade na língua

escrita.

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ANEXOS

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