pontifícia universidade católica de são paulo puc-sp...agradeço o apoio institucional da capes,...

152
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Luciene Pazinato da Silva A política de comunicação televisiva no Brasil e na Espanha Doutorado em Ciências Sociais São Paulo 2016

Upload: others

Post on 28-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Luciene Pazinato da Silva

A política de comunicação televisiva no Brasil e na Espanha

Doutorado em Ciências Sociais

São Paulo

2016

mcardozo
Typewritten Text
mcardozo
Typewritten Text

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Luciene Pazinato da Silva

A política de comunicação televisiva no Brasil e na Espanha

Doutorado em Ciências Sociais

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de DOUTORA em

Ciências Sociais, área de concentração Política, sob

orientação da profa. Dra. Vera Lúcia Michalany

Chaia.

São Paulo

2016

Banca Examinadora

Dedico este trabalho aos que lutam por justiça social.

Agradeço o apoio institucional da CAPES, pelo qual pude realizar meu doutorado-sanduíche

na Universidade de Valladolid, Espanha, no segundo semestre de 2014, processo no.

99999.006352/2014-6. Igualmente, o apoio institucional da FUNDASP, no período de 2013 a

2016.

AGRADECIMENTOS

Às minhas orientadoras, professoras doutoras Vera Lúcia Michalany Chaia, da PUC-SP, e

professora doutora Eva Maria Campos Domínguez, da Universidade de Valladolid, Espanha;

Às professoras e professores da Universidade de Valladolid;

às professoras e professores da UTFPR e da UFPR;

aos profissionais da RTVE, sede Madri, Espanha;

ao professor doutor Laurindo Leal Filho, da TV Brasil, São Paulo;

à jornalista Rita Freire, presidenta do Conselho Curador da EBC;

aos colegas da PUC-SP e Unibrasil;

aos colegas, funcionários e funcionárias da Residência Universitária de Postgrado Reyes

Católicos, Valladolid;

aos profissionais de revisão, tradução e edição dessa tese;

ao apoio carinhoso de Andréa Contin e Marise Manoel;

e, em especial, à minha família.

SILVA, Luciene Pazinato da. 2016. A política de comunicação televisiva no Brasil e na

Espanha. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo / Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

RESUMO

O objetivo desta tese é compreender o papel da televisão no contexto social e político na

Espanha e no Brasil, assim como o processo constitutivo da informação pública veiculada nos

canais públicos de televisão sobre os movimentos sociais, considerando o enquadramento

dado pelos telejornais quanto à visibilidade dos atores sociais e políticos nas manifestações.

Para isso, realizou-se uma análise comparativa da comunicação pública entre Espanha e

Brasil, tomando como objeto de pesquisa a cobertura jornalística realizada pelos noticiários

do telejornal Telediario 2, do Canal La 1, da Televisão Pública Espanhola – RTVE, sobre o

Movimento 15-M, os “Indignados”, ocorrido nas principais praças das capitais das

Comunidades Autônomas da Espanha, nos meses de maio e junho de 2011, e a cobertura do

telejornal Repórter Brasil, da televisão pública brasileira TV Brasil, durante as manifestações

de junho de 2013, no Brasil, que ocorreram nas principais ruas, avenidas e praças das capitais

do país, durante as quatro semanas daquele mês. Considerou-se a contribuição dos teóricos

contemporâneos da comunicação política, dos movimentos sociais, das discussões sobre

televisões públicas. Foi utilizada a metodologia de enquadramento da mídia para o estudo

empírico, resultando, nas análises das matérias veiculadas, a predominância da limitada

visibilidade dada aos movimentos sociais.

Palavras-chave: comunicação pública televisiva, movimentos sociais, visibilidade.

SILVA, Luciene Pazinato da. 2016. The politics of television communication in Brazil and in

Spain. Thesis (Doctorate in Social Sciences). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo / Post Graduation Program in Social Sciences.

ABSTRACT

The aim of the current thesis is to understand the role of the television into the social and

political context in Brazil and in Spain, as well as the constitutive process of public

information broadcasted on the public TV channels about the social movements, considering

the framing (or background) given by the news channels in relation to the visibility of the

social actors, and of the politicians during the manifestations. In order to do so, a comparative

analysis of the public communication between Spain and Brazil was conducted, and the

research aim was on the press coverage performed by the following TV news programs:

Telediario 2, Canal La 1, Spanish Public TV – RTVE, about 15-M Movement, “Indignados”

(“The Outraged”), which took place at the main squares of the Capitals of the Autonomous

Communities of Spain, in the months of May and June of 2011, and the news broadcast of

Repórter Brasil, of the Brazilian public TV, TV Brasil, during the manifestations that took

place on the main streets, avenues and squares of the capitals in Brazil during the four weeks

of June 2013. We considered the contribution given by the contemporaneous theoreticians of

the political communication, as well as the social movements themselves, and the discussions

about public TV. The methodology of media framing was used for the empirical study, and it

resulted in the analyses of the matters broadcasted, and in the predominance of the limited

visibility given to the social movements.

Key words: public TV communication, social movements, visibility.

SILVA, Luciene Pazinato da. 2016. A política de comunicação televisiva no Brasil e na

Espanha. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo / Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

RESUMEN

El objetivo de esta investigación es comprender el papel de la televisión en el contexto social

y político de España y de Brasil, así como también el proceso constitutivo de la información

veiculada en los canales públicos de televisión sobre los movimientos sociales, considerando

el abordaje de los telediarios en cuanto a la visibilidad de los actores sociales y políticos en las

manifestaciones. Para ello, se ha realizado un análisis comparativo de la comunicación

pública entre España y Brasil, tomando como objeto de estudio: la cobertura periodística

realizada por los noticieros del Telediario 2, Canal La 1, de la Televisión Pública Española

RTVE, sobre el Movimiento 15-M, los Indignados, ocurrido en las principales plazas de las

capitales de las Comunidades Autónomas de España, en los meses de mayo y junio del año

2011; y la cobertura del telediario Repórter Brasil, de la televisión pública brasileña TV

Brasil, durante las manifestaciones de junio del 2013, en Brasil, que tuvieron lugar en las

principales calles, avenidas y plazas de las capitales del país, durante las cuatro semanas de

aquel mes. Se ha considerado la contribución de los teóricos contemporáneos de la

comunicación política, de los movimientos sociales y de las discusiones sobre televisiones

públicas. Fue utilizada la metodología del marco mediático para el estudio empírico, que ha

demostrado, en los análisis de los artículos veiculados, el predominio de la limitada

visibilidad de los movimientos sociales.

Palabras clave: Comunicación pública televisiva. Movimientos sociales. Visibilidad.

LISTA DE SIGLAS

15-M Movimiento 15 de Mayo

ANCOP Coordenação Nacional do Comitê Popular da Copa

BACEN Banco Central

CEIM Confederación Empresarial Independiente de Madrid de la Pequeña, Mediana y

Gran Empresa

CEOE Confederación Española de Organizações Empresariais

COCEM Confederación de Comércio de Madrid

CTB Código Brasileiro de Telecomunicações

CUT Central Única dos Trabalhadores

DRY! Democracia Real Ya!

EBC Empresa Brasil de Comunicação

ERE Expediente de Regulación de Empleo

FGV Fundação Getúlio Vargas

FPE Fundo de participação dos Estados

G-8 Grupo dos 08 países mais ricos e influentes do mundo

GAECO Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBOPE Instituto Brasileiro de Pesquisa

IEA-USP Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo

IU Partido Izquierda Unida

LGBT Movimento Lésbicas Gays, Bissexuais e Transexuais

MPL Movimento Passe Livre

MST Movimento dos Sem Terra

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

PDT Partido Democrático Trabalhista

PEC Proposta de Emenda à Constituição

PMDB Partido do Mobilização Democrático Brasileiro

PP Partido Popular

PSOE Partido Socialista Obrero de España

PT Partido dos Trabalhadores

RTVE RadioTelevisión Española

SPTRans São Paulo Transporte S.A.

STF Supremo Tribunal Federal

UNE União Nacional dos Estudantes

USP Universidade de São Paulo

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Democracia real Ya! ................................................................................. 110

Figura 02 – 15-M na Praça Catalunha, Barcelona ....................................................... 113

Figura 03 - Assembleia dos acampados em Madri ...................................................... 116

Figura 04 - Puerta del So, durante o dia de 03 de junho de 2011, Madri .................... 116

Figura 05 - Puerta del Sol, durante a noite de 03 de junho de 2011, Madri ................ 117

Figura 06 - Reunião dos porta-vozes de todos os acampados do 15-M da Espanha ... 118

Figura 07 - Passeata organizada pelos “Indignados” ................................................... 121

Figura 08 - Primeira imagem do telejornal das manifestações de transporte coletivo 127

Figura 09 - Primeira imagem das manifestações em São Paulo ................................. 127

Figura 10 - Presidenta Dilma Rousseff falando sobre as manifestações em Marco

Regulatório da Mineração em Brasília ..........................................................................

134

Figura 11 - Rampa do Congresso Nacional, em Brasília, durante a Marcha do

Vinagre ..........................................................................................................................

134

Figura 12 - Comemoração na Av. Paulista da revogação da passagem de ônibus....... 135

Figura 13 - Imagem de fundo do telejornal Repórter Brasil sobre as manifestações... 135

Figura 14 - Imagem de fundo do telejornal Repórter Brasil sobre as manifestações... 136

Figura 15 - Quadro Pauta das ruas, do telejornal ......................................................... 141

Figura 16 - Reunião da presidenta com líderes do MPL ............................................. 141

Figura 17 - Presidenta Dilma em reunião com governadores e prefeitos .................... 142

Figura 18 - Presidenta em reunião com representantes de movimentos sociais .......... 142

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Share das cadenas de televión 1999-2015................................................ 57

Gráfico 02 - Produção de conteúdos da EBC para a TV Brasil – 2015 ....................... 73

Gráfico 03 - Tempo do 15-M no telejornal La 1 em 04 semanas ................................ 107

Gráfico 04 - Tempo das manifestações de junho de 2013 no telejornal Repórter

Brasil em 04 semanas ....................................................................................................

125

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 01 – Orçamento anual EBC – 2015 ............................................................ 71

Ilustração 02 - Convocatória do DRY! nas redes sociais ............................................ 111

Ilustração 03 - Cálculo da passagem de ônibus em São Paulo..................................... 129

LISTA DE QUADROS

Quadro 01- Financiación de los medios publico en Europa ........................................ 54

Quadro 02 – Share das cadenas de televión 1999-2015 - en porcentajens .................. 57

Quadro 03 - Canal La 1, telejornal Telediario 2 – Inserções do Movimento 15-M, os

“Indignados”, Espanha – maio/ junho de 2011 .............................................................

98

Quadro 04 - Canal TV Brasil, telejornal Reporte Brasil – Manifestações junho de

2013 no Brasil. ..............................................................................................................

99

Quadro 05 - Enquadramento do/a apresentador/ra no telejornal LA 1, RTVE ........... 106

Quadro 06 - Enquadramento da matéria no telejornal LA 1, RTVE ........................... 106

Quadro 07 - Enquadramento do/a apresentador/ra no telejornal Repórter Brasil, TV

Brasil .............................................................................................................................

125

Quadro 08 - Enquadramento da matéria no telejornal Repórter Brasil, TV Brasil ..... 125

SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................... 17

Capítulo 1- Produção da imagem pública ................................................................. 23

1.1. A comunicação e a visibilidade pública ............................................................ 23

1.2. A política midiática contemporânea .................................................................. 28

Capítulo 2- A televisão e a política de comunicação pública na Espanha ............. 39

2.1. Estrutura do sistema de televisão pública da Espanha - a RTVE ...................... 39

2.1.1. A Radiotelevisión española – RTVE ......................................................... 39

2.1.2. Sobre a estrutura da rádio e televisão da Corporação RTVE .................... 40

2.1.3. História política, social e econômica da RTVE ......................................... 41

Capítulo 3- A televisão e a política de comunicação pública no Brasil .................. 59

3.1. Estrutura do sistema de televisão pública no Brasil .......................................... 59

3.1.1. História da televisão pública brasileira ...................................................... 60

3.1.2. A demanda crescente por TV pública ........................................................ 64

3.1.3. A televisão no âmbito da Empresa Brasil de Comunicação ...................... 66

Capítulo 4- Comunicação pública no Brasil e na Espanha ..................................... 81

4.1. Contexto dos movimentos sociais contemporâneos .......................................... 84

4.2. Metodologia da cobertura dos noticiários sobre as manifestações .................... 93

4.2.1. Análise da pesquisa empírica .................................................................... 96

4.3. O Movimento 15-M- Os “indignados” da Espanha .......................................... 99

4.3.1. Análise dos noticiários do 15-M no Telediario 2- TVE ............................ 105

4.3.1.1. Primeira semana: explicações sobre o 15-M ..................................... 107

4.3.1.2. Segunda semana: retirar o 15-M de la Puerta del Sol ....................... 111

4.3.1.3. Terceira semana: tentativa de retirar o Movimento 15-M das praças 113

4.3.1.4. Quarta semana: 15-M seguem pelas ruas, deixam as praças ............. 117

4.4. As manifestações de junho de 2013 no Brasil ................................................... 121

4.4.1. Análise dos noticiários das Manifestações de junho de 2013 no

telejornal Repórter Brasil – TV Brasil .................................................................

123

4.4.1.1. Primeira fase: início de junho, pouca visibilidade ............................. 126

4.4.1.2. Segunda fase: reação das autoridades em São Paulo ......................... 127

4.4.1.3. Terceira fase: expansão das manifestações pelo país ........................ 129

4.4.1.4. Quarta fase: visibilidade dos poderes públicos .................................. 136

Considerações finais .................................................................................................... 143

Referências bibliográficas e digitais .......................................................................... 148

17

Introdução

A partir do final do século XX, a institucionalização de canais de televisão pelo Estado

recoloca a questão sobre o papel da televisão pública na sociedade contemporânea e sobre o

modo pelo qual, nela, as informações que envolvem demandas da população ganham

centralidade. Para compreender esse cenário, são necessárias pesquisas aprofundadas para o

detalhamento do modo como se dá o debate político sobre a esfera pública, mediado pela

televisão.

Esta pesquisa busca realizar uma análise comparativa dos processos políticos e da

comunicação pública na Espanha e no Brasil, tomando como objeto de pesquisa a cobertura

jornalística realizada pelos noticiários do telejornal Telediario 2, do Canal La 1, da Televisão

Pública Espanhola – RTVE, sobre o Movimento 15-M, os “Indignados”, ocorrido nas

principais praças das capitais das Comunidades Autônomas da Espanha, nos meses de maio e

junho de 2011, e a cobertura do telejornal edição da noite do Repórter Brasil, da televisão

pública brasileira TV Brasil, durante as manifestações de junho de 2013, no Brasil, que

ocorreram nas principais ruas, avenidas e praças das capitais do país, durante as quatro

semanas daquele mês.

Com os resultados desta investigação, busca-se compreender não só o papel da

televisão no contexto social e político, presente nessas democracias, como também o processo

constitutivo da informação pública veiculada nos canais públicos de televisão sobre esses

movimentos sociais. Dessa forma, serão aprofundadas as pesquisas comparativas sobre o

modelo de funcionamento da mídia televisiva pública, especificamente com relação aos

processos políticos envolvidos naqueles episódios de 2011 na Espanha e de 2013 no Brasil.

Visando contribuir para os estudos da comunicação política, esta tese propõe analisar

comparativamente as informações de caráter político, social, cultural e econômico veiculadas

pela televisão pública espanhola e pela televisão pública brasileira quanto à visibilidade dos

atores sociais e políticos nos contextos atuais.

Nesta investigação, parte-se da hipótese de que as mudanças políticas e sociais

ocorridas na Espanha e no Brasil, nas últimas décadas do século XX, alteraram,

significativamente, o modelo de televisão pública que os países vinham produzindo até aquele

momento, o que demandou um novo modelo de veiculação de informação e conteúdo

condizente com a realidade histórica e política em processo.

18

O período de transição política da Espanha, de 1975 a 1982, da ditadura para a

democracia, significou uma ruptura do modelo de televisão pública – que terá um papel

importante em favor da transição democrática – naquele país. No Brasil, nos anos de 1980,

período que se inicia o processo de redemocratização, a retomada do tema sobre a

comunicação pública televisiva é pauta da agenda de profissionais da área, cuja ideia é o

debate da informação pública.

Porém, neste início do século XXI, um novo fenômeno social será observado, tanto na

Espanha quanto no Brasil, contribuindo para uma nova ruptura política: as manifestações de

rua. Esses movimentos sociais buscam questionar e legitimar não só um debate mais

participativo e efetivo da população sobre as formas de democracia representativa presentes

nesses países, como também a maneira pela qual os respectivos governos têm realizado suas

agendas públicas.

Assim, propõe-se refletir, a partir da pesquisa, de que forma os noticiários dos

telejornais dos canais públicos de televisão La 1, na Espanha, e TV Brasil, no Brasil,

abordaram as lutas desses movimentos sociais. Qual a visibilidade dada no enquadramento da

mídia televisiva sobre os movimentos nos telejornais? Nesse aspecto, é importante

compreender a forma de organização e estruturação do conteúdo mediático, veiculado nesses

canais públicos de televisão. Para desenvolver tais discussões, no âmbito da comunicação

política, estruturou-se a tese da seguinte forma:

O capítulo 1 – “Produção da imagem pública” – aprofunda as análises sobre a

investigação na comunicação política, discorrendo sobre visibilidade, mídia e política, os

meios de comunicação de massa, a autocomunicação de massa e a prática política, esfera

pública, cujas referências são os estudos de Thompson (1998), Castells (1999), Rubim (2000),

Miguel (2002) e Gomes (2004). Esses autores discutem a visibilidade dada aos atores

políticos como um imperativo das comunicações, considerando o campo político

profundamente modificado pela presença da mídia nas democracias contemporâneas. É nesse

momento que se assiste a uma crise de legitimação midiática e crise do poder político, de

acordo com Ramonet (2013).

Nas democracias contemporâneas, a visibilidade política na mídia televisiva tem sido

transformada pela presença da Internet e tem ocasionado uma ruptura no modelo de

comunicação de massa, a que Castells (2009 e 2009b) chama de autocomunicação,

ressignificando a esfera pública e, consequentemente, a produção da visibilidade – paradigma

propiciado pela cultura da convergência, com as transformações midiáticas advindas das

mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais, de acordo com Jenkins (2009).

19

O capítulo 2 – “A televisão e a política de comunicação pública na Espanha” – e o

Capítulo 3 – “A televisão e a política de comunicação no Brasil” – terão enfoque

comparativo, apresentando semelhanças e diferenças, no que diz respeito ao funcionamento

de cada um desses canais, com o objetivo de debater os processos midiáticos televisivos de

ambos os países e o papel desses processos na esfera pública. Consideram-se, para esta

análise, o histórico dos canais e os processos sociais, econômicos e políticos decorrentes de

cada país. Enfoca-se, também, a própria transformação da televisão diante do contexto atual.

Para essa análise, os autores de referência que abordam a RTVE são: Giordano &

Zeller (1999), Valente (2009), Bustamante (2006 e 2012), Martín Jimenez (2013), Gutiérrez

(2013), Fernandez (2016). No Brasil, são eles: Jambeiro (2008), Valente (2009), Bucci (2015)

e Cruvinel (2016). Além desta bibliografia, foram realizadas entrevistas com professores e

especialistas da área, que serviram para ampliar o debate sobre o papel das televisões públicas

de acordo com cada país. Também foram usadas informações da página da internet dos canais

de televisão.

O capítulo 4 – “Comunicação pública no Brasil e na Espanha” – foi assim estruturado:

inicia-se com os estudos dos sistemas midiáticos de Hallin & Mancini (2008) que apresentam,

comparativamente, os diferentes modelos de desenvolvimento dos meios de comunicação e

dos sistemas políticos de determinadas regiões da Europa e América do Norte. Dentre esses

modelos, destacamos o Pluralista Polarizado ou Mediterrâneo, no qual está inserida a

Espanha, que aponta para o paralelismo político entre os meios de comunicação e os partidos

políticos e o grau e a natureza da intervenção estatal no sistema de meios de comunicação. As

descrições abordadas pelos autores contribuíram para o perfil de desenvolvimento da

comunicação na Espanha.

O modelo Pluralista Polarizado ou Mediterrâneo é também um modelo possível de ser

aplicável à América Latina, em função tanto dos padrões de difusão cultural quanto do

desenvolvimento histórico dos meios de comunicação e dos sistemas políticos (HALLIN &

MANCINI, 2008). É essa aplicabilidade, inclusive, que permite justificar a importância de se

aproximarem realidades tão distintas e necessárias para o estudo da comunicação política

entre Espanha e Brasil. Destacou-se, por isso, a forma de representação política entre os dois

países.

A Espanha é uma democracia parlamentarista, garantida desde a Constituição de 1978.

Em 2011, quando iniciaram as manifestações do 15-M, o país estava em pleno período pré-

eleitoral, em campanha para as eleições municipais das 17 comunidades autônomas. Um dos

objetivos do 15-M, como será mostrado, era levar à população uma reflexão do que seria de

20

fato uma democracia representativa. O Brasil, por sua vez, é uma democracia representativa

presidencialista, garantida pela Constituição de 1988. Em 2013, na época das manifestações

de junho, o país não estava em período eleitoral, mas havia discussões dos manifestantes

sobre o direito do transporte público urbano, como importante debate à agenda política.

Uma vez descrita a representação política dos dois países e considerando o modelo

Pluralista polarizado ou Mediterrâneo, buscaram-se aproximações para a análise que

apontassem semelhanças e diferenças entre esses dois países. Assim, no item 4.1 – “Contexto

dos movimentos sociais contemporâneos”–, foram explicadas as manifestações que passaram

a ocupar o cenário mundial a partir do início do século XXI, ao trazerem uma nova forma de

organização em suas contestações, sob o ponto de vista dos estudos de Sampedro (2004),

Alves (2012), Maricato (2013), Castells (2013 e 2015), Lima (2013), Gohn e Bringuel (2014),

Falero (2014), Pinto (2014) e das obras Occupy (2012) e Cidades Rebeldes (2013) –

incluindo-se também informações da página oficial dos movimentos sociais analisados.

No item 4.2 – “Metodologia da cobertura dos noticiários sobre as manifestações”–, é

mostrada a estrutura da pesquisa das fontes. Na pesquisa empírica do 15-M, os “Indignados”,

foram analisadas as edições na íntegra do telejornal Telediario 2, Canal La 1, TVE, da página

da internet da Rádio e Televisión Espanhola - RTVE1, durante as quatro semanas, de 15 de

maio a 12 de junho de 2011, período dos acampamentos do 15-M nas principais praças

públicas das cidades da Espanha. A cobertura telejornalística da RTVE durou 29 dias, com

aproximadamente sessenta e cinco minutos cada edição da noite do telejornal, variando o

tempo das inserções de 17 segundos a 13 minutos sobre o movimento. Foram acompanhadas

um total de 1 hora, 49 minutos e 08 segundos de noticiários nas edições transmitidas de

domingo a domingo. Na pesquisa empírica das Manifestações de junho de 2013, ocorridas no

Brasil, foram analisadas as edições na íntegra do telejornal Repórter Brasil, da página da

internet da TV Brasil2, durante as quatro semanas do mês de junho de 2013, num total de 24

dias. As notícias do telejornal Repórter Brasil da noite estão divididas e organizadas de forma

aleatória e fragmentada. Foram assistidas a um total de 119 inserções de notícias sobre as

manifestações, cujo tempo de cada inserção variava entre 19 segundos a 43 minutos. Foram

acompanhados um total de 4 horas, 03 minutos e 28 segundos de noticiários nas edições

transmitidas de segunda a sábado3.

1 Disponível em http://www.rtve.es/alacarta/videos/telediario/telediario-21-horas-15-05-11 2 Disponível em http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/videos?data=20130601&edicao=noite 3 O leitor poderá acessar as gravações dos noticiários analisados dos telejornais nos DVDs que acompanham esta

tese. São três DVDs: dois com acesso aos noticiários do telejornal Repórter Brasil, da TV Brasil, e um com

acesso aos noticiários do telejornal do Canal La 1, da RTVE.

21

Para o levantamento da cobertura dos noticiários dos telejornais dos canais de

televisão pública sobre os movimentos sociais 15-M, os “Indignados” e as Manifestações de

junho de 2013, no Brasil, foi utilizada a metodologia de enquadramento – entendidos como

recursos que organizam o discurso através de práticas específicas (seleção, ênfase, exclusão) e

que acabam por construir uma determinada interpretação dos fatos –, desenvolvida e

recuperada por Porto (2004)4 – que demonstra a importância dos estudos desenvolvidos sobre

os enquadramentos da mídia no sentido de aprimoramento do conceito e sua aplicação em

estudos empíricos.

Dessa forma, foi utilizada como referência as informações contidas na planilha do

Projeto Temático “Mídia, campanha e comportamento político em São Paulo 2000”, (Anexo

2, Relatório PUC-SP, 2004), que foram adaptadas para a planilha de análise das notícias do

telejornal do Canal La 1, da Espanha intitulada: “Mídia e aparição de Zapatero no Canal TVE

– Telediario 21h Planilha 2011”, e uma segunda planilha para a análise das notícias do

telejornal do canal do Brasil intitulada: “Mídia e aparição de Dilma Rousseff do canal TV

Brasil – Repórter Brasil 21h Planilha 2013”.

Nos itens 4.3 –“O Movimento 15-M – os “Indignados” da Espanha”– e 4.4 – “As

Manifestações de junho de 2013”, foram investigadas as coberturas das televisões públicas da

Espanha e do Brasil com relação aos enquadramentos dos noticiários dos telejornais

“Telediario 2”, Canal La 1, da televisão espanhola TVE, e Repórter Brasil, edição da noite, da

TV Brasil. Depois de serem contextualizados os movimentos sociais ocorridos na Espanha e

no Brasil e descrito o processo de formação e desenvolvimento em que ocorreram tais

fenômenos sociais e vendo as respectivas televisões públicas como meio de visibilidade das

manifestações, foi discutida como essas mídias fizeram a cobertura dos eventos, tendo como

referência as planilhas, observando-se a frequência dos campos “Enquadramento da matéria”,

“Enquadramento do Presidente/a” e “Declarações” no conteúdo das matérias com relação ao

enquadramento dado pelos noticiários dos telejornais. Além disso, foram transcritos, na

análise dos telejornais, trechos dos diferentes depoimentos dos atores sociais trazidos nos

noticiários, bem como imagens coletadas dos telejornais consideradas relevantes.

Após esse levantamento, as análises dos enquadramentos foram agrupadas por

semana, totalizando quatro semanas em cada telejornal. Dessa forma, foi possível verificar

4 Esta metodologia foi também desenvolvida no Projeto de Pesquisa Temático “Mídia, Campanha Eleitoral e

Comportamento Político em São Paulo/Relatório do Subprojeto da PUC-SP Telejornalismo e Radiojornalismo

nas Eleições de 2000 e 2002”, pesquisa coordenada pela profa. Dra. Vera Michalany Chaia, com financiamento

da FAPESP e publicado em 2004. Disponível em:

http://www.pucsp.br/neamp/downloads/relatorio_final_midia_campanha_eleitoral_comportamento_politico_SA

O_PAULO.pdf.

22

que o número de inserções nos telejornais sobre os movimentos mudava a cada semana, o que

permitiu comparar a relação do número de inserções por edição nos noticiários dos telejornais

com a demanda dos movimentos.

Quando os movimentos sociais iniciaram suas manifestações, deixaram, de modo

geral, a mídia televisiva estagnada diante da apropriação dos manifestantes em tão pouco

tempo, seja pelas ruas ou praças. Estudiosos, pensadores e comentaristas da grande mídia, em

geral, não conseguiam traduzir esse novo cenário de mobilização política. Porém, ao observar

com mais criticidade, essas manifestações, com a tomada de consciência dos integrantes do

Movimento 15-M e Manifestações de junho de 2013, já vinham ocorrendo em determinados

momentos, como no caso das mobilizações da Plataforma Democracia Real ya! – DRY e das

mobilizações do Movimento Passe Livre –MPL. Dentro da perspectiva metodológica do

enquadramento dado pelos noticiários dos telejornais, entretanto, foi possível compreender

como se viabilizou e se concretizou a comunicação pública televisiva na Espanha e no Brasil,

no contexto de um novo período de mudanças históricas e sociais entre comunicação pública

e movimentos sociais e a visibilidade desses movimentos da esfera pública na mídia

televisiva.

23

Capítulo 1

Produção da imagem pública

Toda política es mediática.

Manuel Castells (2009b)

A presença da televisão, no âmbito da política contemporânea, principalmente a partir

da segunda metade do século XX, alterou, de modo significativo, a relação do poder político

com a esfera civil, trazendo importantes mudanças na esfera pública. Dentre as

transformações decorrentes desse processo, potencializou-se a visibilidade pública dos atores

políticos na democracia de massa. Porém, se a televisão, como importante meio de

comunicação de massa, fez surgir intensa produção no campo de estudos entre comunicação e

política, já no início do século XXI, como os demais meios de massa tradicionais, ela será

ressignificada pela presença e uso da rede Internet. Isso ocasionará um importante debate

entre manutenção e ruptura das relações de poder nas democracias atuais. Dessa forma,

ressignificará a própria televisão na esfera política.

1.1 A comunicação e a visibilidade pública

Na concepção de Thompson (1998), o exercício do poder político, na atualidade, é

submetido a um novo tipo de arena global mediada. Uma nova relação entre publicidade e

visibilidade mediada surge com a televisão, devido à sua riqueza visual e simbólica. Essa

visibilidade, a partir da segunda metade do século XX, obrigou políticos de sociedades libero-

democratas a se submeterem, por sua vez, à lei da visibilidade compulsória, numa relação

administrada entre governo e mídia.

A visibilidade mediada, porém, trouxe um novo tipo de fragilidade da esfera política:

gafes, escândalos, vazamentos e outras fontes de problema, difíceis de controlar, vão

enfraquecendo governos e atividades políticas, comprometendo negativamente o sentimento

dos cidadãos com relação a políticos e instituições políticas estabelecidas. (THOMPSON,

1998).

24

A esse novo tipo de arena global mediada, Thompson (1998, p.131-3) chama de

“escrutínio global”, termo para “se referir ao regime de visibilidade criado por um crescente

sistema de comunicação globalizado no qual a televisão desempenha um papel central”.

Trata-se de um sistema estruturado pelas organizações da mídia, com significativo

desenvolvimento histórico, tanto para os líderes políticos que atuam numa determinada arena,

como para os receptores que veem e experimentam ações e eventos como nunca foi possível

antes.

Nessa linha de preocupações, é possível refletir sobre uma sociedade estruturada e

ambientada pela comunicação num momento a que Rubim (2000) chama de “Idade Mídia”. A

relação entre política e comunicação na contemporaneidade, na análise de Rubim (idem),

apresenta-se potencializada na mediação de novas circunstâncias sociais, como a “revolução”

das comunicações, com a convergência entre comunicação, telecomunicações e informática.

O autor antevê o século XXI como um tempo de profundas transformações nas comunicações

e na sociabilidade. No interior dessa relação, a chamada “crise” da política está

conformada hoje no desinvestimento pessoal e social na atuação coletiva como

alicerce das decisões públicas, na indiferença, na fragilidade aparentemente inerente

à representatividade, no esgotamento das energias utópicas, na emergência de novas

modalidades e atores políticos, ainda não plenamente conformados (RUBIM, 2000,

p. 08).

Na modernidade, afirma Rubim (idem), a conformação de uma esfera política (Max

Weber), ou de um campo político (Pierre Bourdieu), com as devidas instituições, legitimou a

democracia de massas. Esse alargamento, que potencializou o caráter público da política e viu

acrescida sua dimensão publicizada, criou, simultaneamente, um fosso entre política

institucionalizada e participação política mais ampliada. São dimensões contemporâneas que

requerem um novo funcionamento da política.

Há, portanto, um lugar destacado da comunicação, na versão midiática, a Idade Mídia,

conforme Rubim (2000). Assim, a mídia em rede constrói uma outra e nova dimensão

constitutiva da sociabilidade contemporânea, a telerrealidade, (MUNIZ SODRÉ apud

RUBIM, 2002, p. 40-46). Trata-se de uma nova formatação da realidade, integrada em rede

eletrônica, que se transforma em dimensão pública e privada (tele)vivida planetariamente,

publicamente compartilhada, e se constitui no verdadeiro campo de luta de poder,

redimensionando e ressignificando a política.

Um aspecto retomado por Rubim (2000) é o conceito de “Videopolítica” de Giovanni

Sartori (1989 apud RUBIM, 2000, p. 52-53) que, através do poder da imagem, provoca

25

radical transformação do “ser político” e do “gerir a política”. Para Rubim, esse termo deve

ser tomado como expressão do videopoder, emergência associada ao surgimento da televisão

e à primazia da imagem no mundo atual. A videopolítica, para Oscar Landi (1992, apud

RUBIM, 2000, p. 54), é um fenômeno aberto, pouco compreendido e importa não só que o

audiovisual tenha se tornado a “língua franca” da contemporaneidade, mas que a televisão, e

por extensão a mídia, possa ser considerada um cenário privilegiado da videopolítica, e

retenha uma outra face, essencial, de ator político na atualidade.

Em suma, Rubim (2000, p. 56-59) enfatiza que a telepolítica faz emergir um conjunto

de novos ingredientes que se agregam e passam a compor o campo político atual e que devem

ser compreendidos sob o impacto desse ambiente de comunicação: a Idade Mídia, ocupando,

assim, a telerrealidade. Trata-se de uma adequação na qual o poder de governar necessita de

visibilidade pública. O campo da comunicação, com seus inúmeros mecanismos, por interferir

no dia a dia, portanto, garantirá a governabilidade.

Um aspecto imprescindível para a democracia contemporânea é a representação – na

Idade Mídia aparece reivindicada pela mídia –, numa transição de “representação virtual” para

uma situação de representação política, cujo conceito de “cenário de representação política”

(CR-P)”, explicitado por Venício Lima (1994 apud RUBIN, 2000, p. 77-79), sublinha a

comunicação midiatizada, em especial a televisão, que emerge como a fonte principal de

representação social da política.

Nessas novas circunstâncias sociais e históricas de comunicação midiatizada, finaliza

Rubim (2000, p. 79-90), a representação da política apresenta-se como núcleo de poder,

possibilitando a gravitação do campo da comunicação. Em outras palavras, o campo da

política busca manipular e controlar a publicização e, para isso, aciona os mais diversos

dispositivos ao seu alcance. Essas circunstâncias, no contexto da globalização, passam a ser

estruturadas como acesso e presença cotidiana de fluxos e estoques culturais. Nesse sentido, é

importante que governos acompanhem antigos e novos direitos e neles intervenham, em nível

universal, numa cidadania planetária. Essas práticas, porém, concernem às políticas

contemporâneas e às mutações entre política e comunicação.

Miguel (2002) reforça a importância da televisão como meio de comunicação de

massa dominante no século XX. Na atividade política, aprofundou as transformações no

discurso político com apelo imagético. Trata-se, portanto, de um progresso para a democracia

contemporânea, em que o desafio é alcançar uma representação mais equânime dos diferentes

interesses sociais nas esferas de decisão. Para entender a relação entre mídia e política,

utilizou-se o conceito de “campo político” de Pierre Bourdieu (apud MIGUEL, 2000, p. 166):

26

[Campo político é] o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que

nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises,

comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns,

reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher.

Todo campo define-se, nesse ponto de vista, pela imposição de critérios próprios com

autonomia. Na visão de Miguel (2002, p. 166-168), isso impõe limites, o que torna difícil

entender a complexidade das relações entre mídia e política, pois, sendo dois campos

diferentes, guardam autonomia, e a influência de um sobre o outro não é absoluta nem livre de

resistências.

Outro aspecto refere-se ao fato de o campo da mídia ser tensionado por sua inserção

no campo econômico, levando-se em conta que a influência dos meios de comunicação e a

visibilidade na mídia sobre o campo político está na formação do capital político (MIGUEL,

2002, p. 168-170). Para o autor, a mídia não possui o monopólio ou distribuição desse capital,

pois o campo político a limita pela desvalorização simbólica associada aos meios de

comunicação.

Da mesma forma, a definição da agenda pela mídia é a base da centralidade dos meios

de comunicação no processo político contemporâneo. Assim, os agentes situados na periferia,

em determinados momentos, rompem a indiferença, incluindo um novo item na agenda

pública. Os agentes de maior capital político orientam a agenda pública. A influência dos

meios de comunicação de massa sobre a produção do capital político e sobre a definição de

agenda, entretanto, não deve obscurecer a força das instituições políticas estabelecidas.

MIGUEL (2002, p. 170-174).

Se a luta política é uma luta de “classificações” de “visão e divisão”, do mundo social,

como diz Bourdieu (apud MIGUEL, 2002, p. 174), os meios de comunicação tendem a uma

adaptação imediata à política, pois a tarefa de definir o campo político pertence a seus

próprios agentes. A mídia se submete, portanto, às definições do campo político. Essa relação

se altera quando se trata do discurso político, ao qual os meios eletrônicos impuseram

transformações com o predomínio da televisão. Não é uma imposição técnica da televisão,

enfatiza Miguel (idem), mas fruto dos usos que se fizeram dela.

A compreensão da relação entre o campo da mídia e o campo político, portanto, é

fundamental para a política contemporânea. Há uma tensão de embate entre lógicas do campo

mediático e do campo político, necessária de ser observada em detalhe e dentro de sua

complexidade. Essa relação torna-se mais complexa na medida em que o campo da mídia não

27

é autônomo, pois incorpora objetivos derivados do campo econômico. Desvendar o jogo

político, então, passa pela inter-relação entre esses três campos. Miguel (2002, p. 181)

Nessa linha de análise, em que a atividade política na democracia foi redimensionada

em função da comunicação e da cultura de massa, Gomes (2004) alerta que, com os novos

fenômenos, subestima-se o que dura na sociedade democrática e que certos aspectos novos

são apenas uma versão de uma dimensão permanente da política. A política transforma-se e se

proclama a nova política midiática, ou espetacular.

Nos debates da teoria política, há autores que defendem a ideia de que os modelos de

representação política estão apoiados nos partidos, sem discutir a prática política, e de que a

política se manteve idêntica ao que sempre foi. Isso, para Gomes (2004, p. 418-419), seria

uma teoria política incapaz de se beneficiar do esforço interdisciplinar de comunicação

política.

A alteração num dos sistemas da política reflete-se sobre a totalidade do campo

político e da atividade política que esse comporta. Portanto, a nova política – ou política

midiática – é um dos sistemas de práticas, de habilitações, de atores e de representações pelos

quais se realiza a atividade política contemporânea, em relação estreita com a comunicação

social – particularmente, a televisão, que assume um lugar central no qual se constrói um

conjunto de valores, decisivos para o ingresso na circulação da representação política, para se

chegar e continuar no poder (GOMES, 2004, p. 421-423).

Dessa forma, toda atividade política funciona com, pelo menos, dois conjuntos de

programas de ação, de sistemas de práticas, explica Gomes (2004, p. 425-426): um, cumpre as

funções internas na esfera política – ad intra, relativas à produção da decisão política; outro, a

interação entre o interior e o exterior da esfera política – ad extra do campo político, relativo à

sua visibilidade e legitimidade – a administração dos fluxos de comunicação política da esfera

pública para a sociedade e o controle da opinião pública e da imagem. São sistemas que

convivem em níveis variados de interfaces e não podem ser dispensados, mas trabalham

complementarmente.

A política ad extra, porém, tem sido redimensionada, “hipertrofiada”, uma vez que a

sociedade foi se tornando centrada na comunicação de massa menos dependente dos sistemas

voltados para o funcionamento interno do jogo político. No sistema da arena comunicacional

da política, como chama Gomes (2004, p. 428-429), há que se lidar com outros sujeitos

sociais que lutam para se impor. A massa tem à sua disposição informação produzida pela

indústria da comunicação, devido à demanda de consumo de informação, por causa do tempo

28

livre, da educação formal e da “alfabetização televisual” além da relação com a esfera civil,

meios industriais de comunicação independentes dos partidos.

A política midiática ou da comunicação é a nova habilidade da política ad extra –

nova, pois já houve outros modelos até chegarmos às formas típicas das democracias de

massa da segunda metade do século XX. O jogo político, praticado no interior da esfera

política, sofre hoje grande influência de fatores associados à cena política midiática. Há,

portanto, formas da prática política relacionadas ao que está fora da esfera política,

principalmente da esfera civil. A onipresença da cultura e comunicação de massa interfere em

praticamente todos os sistemas de prática política, mas o centro é ocupado pela política ad

extra, reforça Gomes (idem, p. 431-432), que tem basicamente dois papéis: reagir à esfera

civil, produzindo uma configuração da política; e agir sobre a esfera civil, dirigindo e

controlando a opinião pública. Ambas as operações correm juntas, e isso constitui a política

midiática contemporânea, que passa a realizar funções socialmente indispensáveis. Nesse

sentido, a política mudou muito e muito pouco.

1.2 A política midiática contemporânea

A esfera política contemporânea tem vivenciado ampla reconfiguração, com a

transformação da visibilidade política, decorrente do uso dos meios de comunicação de

massa. Na relação entre política e comunicação, enfatiza-se o papel da televisão, a partir da

segunda metade do século XX, que alargou esse enlace. Ao ampliar o debate sobre política e

comunicação, na perspectiva da relação entre esfera civil e as formas de participação política

contemporânea, com as profundas transformações nas interações dos sujeitos políticos e os

meios de comunicação, configura-se um novo modo a que Castells (1999, p. 497) denomina

de “sociedade em rede”: “redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades. A

difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos

processos produtivos e de experiência, poder e cultura”.

O autor já debatia o tema do uso intensivo e extensivo da rede mundial de

comunicação, a Internet, ao final do século XX, uma vez que os meios de comunicação,

impulsionados por esse novo processo comunicativo ressignificaram os diversos campos das

atividades humanas. Um aspecto importante, conforme os autores apresentados anteriormente,

é o fluxo midiático de comunicação, ou seja, a produção, circulação e apropriação da

informação transformando a esfera da visibilidade política.

29

Com a Internet, então, foi exposta uma nova forma de visibilidade política que

transcende o controle do debate político mediático dos meios de comunicação tradicionais,

aqui entendida como a televisão. Porém, a nova visibilidade, a partir da sociedade em rede,

expõe não só a imagem, a visibilidade pública de atores políticos, mas múltiplos e

desconhecidos atores. Esses atores são cidadãos, organizações e coletivos até então à margem

da participação política formal, mas que passaram a estar presentes na interação do espaço em

rede.

Para uma maior aproximação sobre esse tema, convém apresentar uma análise de

como as interações, a partir da comunicação em rede, a Internet, vêm modificando o modo de

vida das sociedades contemporâneas.

A produção, circulação e apropriação da informação neste início do século XXI tem

sido denominada, na concepção de Jenkins (2009) como “cultura da convergência”,

considerado um novo paradigma vivenciado hoje a partir das transformações midiáticas

decorrentes das mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais, resultado da indústria

do entretenimento:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes

midiáticos, a cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento

migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte

em busca das experiências de entretenimento que desejam (JENKINS, 2009, p. 29).

Ao tratar da relação dos conceitos convergência midiática, cultura participativa e

inteligência coletiva, Jenkins (2009, p. 30-33) expõe que o processo de circulação de

conteúdos mediáticos depende fortemente da participação ativa dos consumidores no novo

sistema de mídia. Na cultura participativa, produtores e consumidores interagem de acordo

com um novo conjunto de regras ainda incompleto. Essa convergência ocorre no cérebro de

consumidores individuais e suas interações sociais extraídas do fluxo midiático, e,

transformada em recursos, conferem sentido à vida cotidiana.

O consumo converteu-se em um processo coletivo, no sentido da “inteligência

coletiva” (Pierre Lévy), uma fonte alternativa de poder midiático, vivenciado nas interações

diárias da cultura da convergência. Essa produção coletiva de significados, na cultura popular,

está começando a mudar o funcionamento das instituições sociais. Na visão de Jenkins

(idem), os celulares tornaram-se fundamentais no processo de convergências das mídias, e a

convergência torna-se uma referência para a indústria do entretenimento, um ponto

30

importante de interação, e não de substituição, entre as velhas e as novas empresas, cada vez

mais complexas.

Apesar de Jenkins (2009, p. 38-40) abordar a convergência na cultura popular norte-

americana, seu objetivo é esclarecer como a convergência está provocando impactos no

consumo diário, ou na produção industrial das mídias. Dessa forma, o autor, mais do que

criticar as mídias, descreve um universo de diferentes públicos que se apropriam dessas

mídias emergentes e documenta as perspectivas enfrentadas sobre a mudança midiática.

A convergência, entretanto, está em processo, pois mudanças culturais, batalhas legais

e fusões empresariais alimentam a convergência midiática e precedem mudanças na

infraestrutura tecnológica. Esses processos determinam o equilíbrio de poder na era

subsequente dos meios de comunicação. Outro aspecto é o barateamento de produção e

distribuição dos canais, ampliando aos consumidores a possibilidade de colocar em circulação

os conteúdos midiáticos. Esse ambiente mais livre de ideias e conteúdos, em que “os

consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura”, torna-

os migratórios, leais às redes e aos meios de comunicação (JENKINS, 2009, p. 45-46).

Ao abordar a ideia de convergência numa perspectiva da campanha presidencial nos

EUA em 2004, o autor passa da discussão de cultura popular para a cultura pública; explora o

que talvez seja necessário para tornar a democracia mais participativa, em que cidadãos foram

melhor servidos pela cultura popular do que pelo noticiário ou pelo discurso político.

(JENKINS, 2009, p. 51-53). Dessa forma, a obra de Jenkins (idem) discute a educação para a

reforma midiática e para a cidadania democrática. A cultura da convergência representa uma

primeira mudança nas relações com a cultura popular, habilidades que têm implicações em

nossa maneira de aprender, trabalhar, participar do processo político e no modo de conectar-se

com outras pessoas do mundo.

Outro debate importante com relação à influência da interatividade da rede Internet é

trazido por Ramonet (2013), a respeito da crise da informação veiculada hoje nos meios de

comunicação de massa tradicionais que tem possibilitado a criação de novas formas de acesso

e produção de conteúdos significativos na rede. A crise de credibilidade da informação que

não atende de maneira satisfatória aos cidadãos, devido aos interesses dos grupos midiáticos,

“e de outro as transformações estruturais do jornalismo, entre eles a Internet, fazem com que

os meios sejam menos fiáveis e menos úteis à cidadania” (RAMONET, 2013, p. 53).

Esse processo vem ocorrendo nos últimos dez ou quinze anos, devido à perda de

credibilidade da imprensa, afirma Ramonet (2013, p. 53-56), para quem houve um

rompimento com o processo de identificação política dispensada pelos meios de comunicação

31

de massa – na lógica de seduzir o conjunto dos cidadãos, desvirtuando sua linha editorial,

tornando as características dos produtos idênticas. Os meios de comunicação, portanto, vivem

essa crise, desprendendo-se de sua identidade.

Com a aceleração da informação atingindo um limite intransponível, o jornalismo foi

afetado com velocidade dominante, do imediatismo, sem que o jornalista pudesse ter tido

tempo de análise suficiente. O papel do correspondente se manteve, porque fez com que o

cidadão comum acreditasse que “eles [soubessem] porque [estavam] lá”. Aceleração e

translação causaram uma multiplicação de erros, criando uma “insegurança informativa”, pois

o excesso informativo produziu pouca confiabilidade. Para a maioria das pessoas, uma

informação é verdadeira quando todos os meios afirmam que é.

Ainda de acordo com Ramonet (2013, p. 59-63), os meios de comunicação são cada

vez menos independentes do poder político, e sobretudo, do poder econômico. Com as

megacorporações transnacionais da comunicação, não há grande variedade de informações.

Os cidadãos têm uma oferta muito limitada. Estando nas “mãos de indivíduos que poderíamos

chamar de oligarquia”, surgem para ganhar influência, ter um projeto ideológico, político

dominante –muitos jornais, bem como a maioria dos meios de comunicação, pertencem a

grupos que têm atividade econômica relevante.

Esses conglomerados midiáticos, na visão de Ramonet (idem), são grandes atores do

mercado e difundem “ideologias” que promovem uma visão de mundo, uma maquete do

mundo, um mundo ideal – é o que os meios de comunicação fazem. Hoje a imprensa e os

meios de comunicação têm a missão de ser a ferramenta ideológica da globalização. Não há,

portanto, um único poder, continua o autor. Ele não é apenas financeiro, mas sim econômico-

financeiro e midiático. Na vitória neoliberal, é preciso convencer o vencido a participar da

vitória. A missão dos meios de comunicação é domesticar as sociedades, mas os cidadãos

estão percebendo que as benesses do poder midiático não passam de dissimulação e, assim,

aceitam-nas cada vez menos.

Uma democracia não pode funcionar sem os meios de comunicação, sem a opinião

pública, um agente indispensável. Por isso, o chamado quarto poder é uma espécie de

contrapoder, um contrapeso aos poderes legítimos na democracia, enfatiza Ramonet (2013, p.

65-68). Os meios midiáticos, entretanto, foram confiscados pelo poder econômico e

financeiro, e o quarto poder não está cumprindo sua missão de contrapoder. Além de ser o

único na democracia que não admite crítica, é o único sem um contrapoder; portanto, não é

democrático.

32

Muitos cidadãos estão percebendo que o funcionamento dos meios de comunicação

não é bem o que eles gostariam, e a Internet teve uma grande influência para essa percepção.

O ecossistema midiático, que hoje está explodindo, permite a volta do sonho da

democratização da informação, da informatização democratizada. Essa é a grande crise

midiática atual, o surgimento de um personagem novo que entra em concorrência com os

meios de comunicação: o cidadão.

Trata-se de um “cidadão informante”, sendo um amador, a Internet permite o auge da

massificação de um novo tipo de amador especialista – e os especialistas têm estado na

primeira linha desde o aparecimento da chamada blogosfera. Há, portanto, uma concorrência

entre os especialistas e os jornais profissionais.

Com a dinâmica da cultura da convergência apontada por Jenkins (2008) e a análise de

Ramonet (2013) sobre a interação do cidadão na interação com o fluxo de informação

possibilitada hoje pela Internet, discutir-se-ão os processos da comunicação em rede no

âmbito da arena política contemporânea.

Visando a essa interpretação, Castells (2009), em sua obra Comunicación y poder,

trata da estrutura social que caracteriza a sociedade do início do século XXI, construída, mas

não determinada, pelas redes digitais de comunicação global. Na sociedade em rede, como o

autor a denomina, as relações de poder transformam-se radicalmente e se fundam no sistema

de processamento de símbolos fundamentais de nossa época. Esse ambiente é constituído dos

meios de comunicação multimodais, como as redes de horizontais interativas criadas em torno

da Internet e a comunicação móvel, a que Castells denomina “autocomunicação de massas”,

que incrementa, de forma decisiva, a autonomia dos sujeitos, na medida em que os usuários se

convertem em emissores e receptores de mensagens.

Portanto, Castells (2009, p. 33-36) inicia sua obra discorrendo sobre o fato de o poder

ser o processo fundamental da sociedade, pois permite a um ator social influir, de forma

assimétrica, nas decisões de outros atores sociais. Assim, onde há poder, há contrapoder;

quando há resistência, as relações de poder transformam-se.

Nesse sentido, há um processo de mudança institucional ou estrutural, dependendo da

amplitude e transformação das relações de poder. Se essa dominação ocorre pela legitimação,

no sentido weberiano, processo-chave para estabilizar o exercício da dominação, a

legitimação depende da construção de significados compartilhados. A legitimação pode

ocorrer por distintos procedimentos, entre os quais a democracia constitucional (Habermas),

sendo um a mais.

33

Mas, continua Castells (idem), se o estado intervém na esfera pública em nome de

interesses concretos, induz-se uma crise de legitimação. A legitimação depende, em grande

medida, do consentimento obtido mediante a construção de significados compartilhados –

significado que se constrói na sociedade por meio do processo da ação comunicativa.

Se a estabilidade institucional se baseia na capacidade para articular diferentes

interesses e valores, o exercício democrático do poder depende da capacidade para

transformar o significado gerado pela ação comunicativa nos princípios do consenso

constitucional, conforme afirma Castells (2009, p. 36):

Así pues, la capacidad de la sociedad civil para proporcionar contenido a la acción

estatal a través de la esfera publica – “una red para comunicar información y puntos

de vista” - es lo que garantiza la democracia y, en última instancia, crea las

condiciones para el ejercicio legítimo del poder: el poder como representación de los

valores e intereses de los ciudadanos expresados mediante su debate en la esfera

pública. Así pues, la estabilidad institucional se basa en la capacidad para articular

diferentes intereses y valores en el proceso democrático mediante redes de

comunicación.

Na contemporaneidade, o estado segue sendo o elemento estratégico para o exercício

do poder por diferentes meios. Nesse aspecto, Castells (2009, p. 40-4) enfatiza o atual

contexto histórico, no qual a sociedade em rede está formada por configurações concretas de

redes globais, nacionais e locais, em um espaço multidimensional de interação social, que

apresenta um novo tipo especial de estrutura social com distintas relações de poder e

contrapoder.

O que caracteriza as sociedades do século XXI é “la proliferación de aparatos

portátiles que proporcionan una capacidade informática y de comunicación ubicada sin

cables” – tecnologias pelas quais a sociedade pode transcender os limites históricos,

territoriais e institucionais das redes, como forma de organização e interação social, mediante

uma comunicação significativa codificada por uma rede global, por uma cultura global. Essa

sociedade funciona de maneira a incluir e excluir os atores sociais, pois são programadas e

reprogramadas constantemente pelos poderes existentes, pelas instituições dominantes.

Conforme Castells (p. 50-5), a influência mais importante no mundo de hoje é a

transformação da mentalidade das pessoas, organizada a partir de mensagens e imagens que

chegam por oligopólios globais.

Portanto, as relações de poder na sociedade em rede estão imbricadas na construção

social do espaço e do tempo em que se redefinem, instalando uma transitoriedade estrutural.

A própria cultura, múltipla em históricos e contextos, torna-se uma cultura global, uma

34

cultura da comunicação para a comunicação, uma rede aberta de significados culturais que

podem interagir e se modificar mutuamente sobre a base desse intercâmbio (CASTELLS,

2009, p. 67-8).

A relação de decisões políticas opera em rede de interações entre diversas instituições

locais e globais que alcança as organizações da sociedade civil. É uma nova forma de estado a

que Castells (idem, p. 70-5) chama “o estado rede”. A relação entre governos e cidadãos,

dessa forma, é alterada e passa a enfrentar um problema ideológico: coordenar uma política

comum, com idioma comum e um conjunto de valores.

Portanto, projetos e interesses serão definidos por determinados atores, em ação

conjunta, que transcendem as alianças até se converterem em uma nova forma de sujeito. As

organizações e redes que se encarregam desse processo, portanto, são os âmbitos decisivos em

que se criam os projetos de programação e se formam os apoios desses projetos – que, graças

à sua posição na estrutura social da rede, exercem o poder para criar redes, explica Castells

(idem).

Mas há também processos de resistência ao poder. Existe uma relação simbiótica,

característica tanto das dinâmicas de dominação como de resistência. Nesse ambiente, o poder

se redefine, dominação e resistência à dominação mudam de caráter, segundo a estrutura

social específica em que se originam e que se modificam com sua ação. O poder governa, o

contrapoder combate. (CASTELLS, 2009, p. 77-9).

Entender as relações de poder na sociedade em rede global é entender as duas formas

principais de mudanças: a primeira é constituída ao redor da articulação entre o global e o

local e está organizada, principalmente, em redes, não em unidades individuais. A estrutura

espacial de nossa sociedade é uma grande fonte de estruturação das relações de poder.

Castells (idem, 81-5). O poder dentro das redes e pelas redes é exercido pela capacidade de

conectar diferentes redes, processo fundamental para reproduzir a dominação

institucionalizada do estado. A dominação estável requer uma negociação complexa que

contribua para melhorar os objetivos assinados em cada rede por seus respectivos programas.

Os discursos de poder proporcionam os objetivos substantivos para os programas das redes a

partir de uma cultura global, que somem as identidades culturais específicas em lugar de

substituí-las. Para que haja globalização, a rede tem que afirmar um discurso disciplinar capaz

de marcar as culturas específicas. Os meios concretos de conexão e programação determinam,

em grande medida, as formas de poder e contrapoder na sociedade em rede, de acordo com

Castells (idem). Esse processo requer uma interface cultural e organizativa, um idioma

comum, um meio comum, o apoio de um valor universalmente aceito: o valor de troca.

35

A segunda forma, para entender as relações de poder na sociedade em rede em geral, é

a capacidade de programação das redes – capacidade de gerar, difundir e pôr em prática os

discursos que marcam a ação humana. Os discursos, em nossa sociedade, moldam a mente,

influem no comportamento individual e coletivo. A programação das redes de comunicação é

a fonte decisiva dos materiais culturais que alimentam os objetivos programados de qualquer

outra rede. Por conectarem o local e o global, os códigos que se difundem nessas redes têm

um alcance global.

En la sociedad red, los discursos se generan, difunden, debaten, internalizán y

finalmente incorporan en la acción humana, en el âmbito de la comunicación

socializada construido en torno a las redes locales-globales de la comunicación

digital multimodal, incluyendo los medios de comunicación en Internet. El poder en

la sociedad red es el poder de la comunicación (CASTELLS, 2009, p. 85).

Estabelecidos os determinantes estruturais da relação entre poder e comunicação na

sociedade em rede, Castells (2009) analisa como o poder funciona atuando sobre a mente por

meio das mensagens, de que forma a mente processa essas mensagens e a maneira pela qual

se traduz esse processo no âmbito político. Para o autor, a convergência mais importante se

produz dentro do cérebro dos consumidores individuais, através de sua interação social,

conforme a ideia anteriormente apresentada por Jenkins (2009).

Com a difusão da Internet, uma nova forma de comunicação interativa surge – a

autocomunicação de massas –, capaz de produzir, em único meio, a convergência de recursos

de comunicação e, fundamentalmente, possibilitar interação com os conteúdos das

mensagens. Para se chegar a essa convergência, houve uma série de transformações da

comunicação, e das relações de poder, nas mudanças para a comunicação multimodal e

multidimensional global.

Esse é um elemento fundamental da atual transformação, afirma Castells (2009, p.

144-5), pois suas consequências reais, no campo da comunicação, dependem das decisões

políticas – resultantes dos debates e conflitos propiciados pelas empresas e grupos de

interesses sociais e políticos que pretendem estabelecer o regime regulador em que atuam

empresas e pessoas.

A evolução das políticas reguladoras é resultado de estratégias de construção de poder

por meio da articulação de interesses empresariais e políticos. Esse processo levou à difusão

global de novas formas de comunicação, incluída a autocomunicação de massas. Além disso,

alterou a audiência dos meios de comunicação, que se transformaram em um sujeito

comunicador com maior capacidade para redefinir os processos com os quais a comunicação

36

social marca a cultura da sociedade. Paradoxalmente, o estado cedeu aos interesses do capital

e levou “al nacimiento de una nueva forma de comunicación que puede aumentar el poder de

la ciudadanía sobre el capital y el estado” (CASTELLS, 2009, p.164-5).

Para que haja comunicação, emissores e receptores têm que ter códigos em comum,

uma indústria cultural global. Para Castells (idem, p. 167), a cultura global existe em três

níveis: uma reduzida e influente minoria de gente; outra, multicultural híbrida e misturada de

cultura; e, por último, a camada da globalização cultural, ou seja, a cultura do consumismo.

Para que se globalize o capitalismo, a cultura da mercantilização deve estar presente por todas

as partes.

As raízes culturais da Internet estão na cultura da liberdade e na cultura dos hackers,

enfatiza Castells, (2009, p. 176). Trata-se de uma ressonância cultural entre a cultura dos

idealizadores da Internet, sua prática como rede autônoma de comunicação e o nascimento de

uma cultura de experimentação que abriu caminho para a mente de milhões de pessoas, a

partir de um sistema multidirecional construído por esses milhões de emissores/receptores de

mensagens. Dessa forma, tem-se a capacidade interativa do sistema de autocomunicação de

massas, numa autonomia sem precedentes para os sujeitos comunicadores em sentido amplo.

Esse potencial para a autonomia está moldado, controlado e cerceado por uma crescente

concentração e inter-relação das corporações de meios e operadores de redes do mundo todo.

O que Castells (2009b) traz como grande avanço no entendimento da rede são as

formas distintas do uso da rede, em específico para fins políticos, a partir de como os usuários

irão encontrar uma forma de existência na interação multimodal.

No obstante, y precisamente porque el proceso es tan diverso y porque las

tecnologías de comunicación son tan versátiles, el nuevo sistema de comunicación

digital global se vuelve más inclusivo y comprehensivo de todas las formas y

contenidos de la comunicación social. Todos y todas encuentran una forma de

existencia en este texto de comunicación interactiva multimodal e interrelacionada,

de forma que cualquier mensaje ajeno a él sigue siendo una experiencia individual

sin muchas opciones de ser comunicada socialmente (CASTELLS, 2009, p. 189).

Castells (2009b) faz, ainda, uma análise das relações específicas entre emoção,

cognição e política, relacionando os resultados com o que se sabe sobre o condicionamento da

comunicação política por parte dos atores sociais e políticos. Sabe-se que essas relações

intervêm deliberadamente nos meios e outras redes de comunicação para promover seus

interesses, através de mecanismos, como o estabelecimento da agenda, o enquadramento e

preparação de notícias e outras mensagens, a exemplo da análise empírica do processo de

37

desinformação do público, como no caso do público norte-americano no governo Bush, com

relação à guerra do Iraque, em 2004.

Para se compreender a construção das relações de poder por meio da comunicação na

sociedade em rede, é necessário integrar os três componentes-chave dos processos estudados

separadamente: os determinantes estruturais do poder social e político na sociedade em rede

global; os determinantes estruturais do processo de comunicação de massa nas condições

organizativas, culturais e tecnológicas de nossa época; e o processamento cognitivo dos sinais

que apresenta o sistema de comunicação na mente humana em relação com as práticas sociais

politicamente relevantes.

Na sociedade em rede, a política é fundamentalmente uma política mediática, com

especial atenção à política de escândalo, característica da época atual. Esse resultado tem dois

efeitos: destrói os candidatos e tem correlação com o ceticismo dos cidadãos, que não

acreditam na representação política. Seus governantes não os representam – resultado da

política de escândalo midiático e da crise da comunicação massiva de nossos tempos. Isso está

relacionado, por sua vez, com os resultados da análise da crise mundial de legitimidade

política, que questiona o significado da democracia em muitos lugares do mundo.

Um enfoque importantíssimo na análise de Castells (2009b) refere-se à atuação

política dos atores sociais que atuam na sociedade, mediante a reprogramação das redes de

comunicação, porque podem transmitir mensagens que apresentam novos valores às mentes e

inspiram esperanças de mudança política. A essa participação dos atores, Castells (2009, p.

394) nomeia movimentos sociais e políticas insurgentes:

A los actores sociales que aspiran al cambio cultural (cambio de valores) los

conceptualizo como movimientos sociales, y a los procesos que aspiran al cambio

político (cambio institucional) en discontinuidad con la lógica incorporada en las

instituciones políticas los defino como políticas insurgentes. [grifo do autor].

Quando o sistema midiático se abre, transforma, como chama Castells (2009b), a

panóplia, e permite intervenções politicamente em dois níveis: nos movimentos sociais, pois

muda valores sobre nossas mentes; e no uso da rede Internet, para receber e enviar

informações. Esses movimentos constroem-se entre o local e o global.

As políticas insurgentes, afirma Castells (2009, 394), provocam a transição entre a

mudança cultural e a mudança política, mediante a incorporação de sujeitos mobilizados pela

transformação cultural ou política em um sistema político a que não pertencia anteriormente.

Originam-se tanto na reafirmação de um projeto cultural ou político como em um ato de

38

resistência contra as instituições políticas. Isso pode, ou não, dar lugar aos projetos que são

adotados pelos movimentos sociais ou pelas políticas insurgentes. Quando surgem tais

projetos, pode se dar uma transformação estrutural.

As políticas insurgentes nascem à margem do sistema e conduzem um movimento de

transformação política. Embora esses atores não estivessem participando politicamente no

coração do sistema político, eles programaram e reprogramaram a rede. Como novo espaço de

poder, em que a esfera pública se reconstitui fora das instituições, reconstitui-se em um

mundo da comunicação, em todas as suas versões – a autocomunicação. (CASTELLS,

2009b).

O espaço de interação dos movimentos sociais e políticos, insurgentes ou não, floresce

e vive no espaço público, como afirma Castells (2009, p. 395):

En otras palabras, los movimientos sociales y políticos, insurgentes o no, florecen y

viven en el espacio público. El espacio público es el espacio de la interacción social

y significativa donde las ideas y los valores se forman, se transmiten, se respaldan y

combaten; espacio que en última instancia se convierte en el campo de

entrenamiento para la acción y la reacción. [grifos do autor]

As redes de comunicação multimodal constituem, em conjunto, o espaço público na

sociedade em rede, de tal maneira que as diferentes formas de controle e manipulação das

mensagens e da comunicação no espaço público estão no centro da construção do poder. Em

um mundo marcado pelo crescimento da autocomunicação de massas, complementa Castells

(2009, p. 396-7), há muitas oportunidades para que os movimentos sociais e as políticas

insurgentes entrem no espaço público: utilizam a rede de comunicação, promovem a mudança

política e cultural – ainda que comecem em uma posição subordinada dentro do poder

institucional. A liberdade e, em última instância, a mudança social entrelaçam-se com o

funcionamento institucional e organizativo das redes de comunicação. A política de

comunicação torna-se dependente da política da comunicação.

Para Castells (2009b), esse é o mundo de poder e mudança. Apesar de ser possível

debater as instituições tradicionais, deve-se estar atento para aquelas que programam as redes

de comunicação, aquelas que reprogramam mentes pelas redes de autocomunicação. Nesse

novo ambiente de autocomunicação de massa, a televisão segue tendo grande importância nos

novos contextos políticos e comunicacionais. A seguir, será mostrado como se caracteriza a

televisão pública espanhola, TVE e televisão pública brasileira, TV Brasil nesse cenário,

abordando essas televisões em suas trajetórias histórica e política.

39

Capítulo 2

A televisão e a política de comunicação pública na Espanha

2.1. Estrutura do sistema de televisão pública da Espanha – a RTVE

2.1.1. A radiotelevisión española – RTVE

A televisão pública espanhola, TVE, faz parte da Corporación Radiotelevisión

Española, RTVE, e integra o serviço de titularidade estatal de rádio e televisão em todo o

território espanhol na Península, Ilhas Baleares e Ilhas Canárias. Compõe também a rede de

rádio e televisão dos centros territoriais autônomos presentes nas comunidades e demais

delegações de todo mundo. Soma-se ao sistema público de meios de comunicação o acesso à

rede web RTVE.es, o Instituto RTVE e a Orquestra de Coro. Ao final do ano de 2014, a

RTVE empregava 6.302 funcionários – informações disponíveis em http://www.rtve.es, que,

a partir deste ponto, será denominado “página da RTVE”.

A Corporação foi criada com a promulgação da lei pública de radiodifusão da Espanha

– La Ley de La Radio y La Televisión Estatal, Lei 17/2006. Desde então, o gerenciamento é

feito pelo Conselho de Administração, composto por nove membros eleitos, dos quais cinco

pelo Congresso dos Deputados e quatro pelo Senado. Esse Conselho exerce o papel de direção

executiva por meio de seu presidente, eleito pelo Congresso com maioria de dois terços; caso

não haja consenso, a segunda votação é feita por maioria absoluta, decisão ocorrida a partir do

Real Decreto-Ley 15/2012 (VALENTE, 2006; página da RTVE). A corporação é, por lei,

independente de qualquer governo, partido ou empresa. A prestação de contas é feita

diretamente pelo presidente da corporação ao Parlamento.

O Conselho de Informativos, instância relacionada aos noticiários, Lei 17/2006,

conforme o artigo 24, é designado como órgão interno de participação dos profissionais da

informação, para velar a independência, objetividade e veracidade dos conteúdos informativos

difundidos pelas sociedades prestadoras do serviço público. Dentre as funções, estão:

informar a linha editorial e a programação informativa, participar da elaboração dos manuais

de redação e informar, com caráter não vinculante às propostas, a nomeação dos diretores dos

serviços informativos.

Sobre o canal de comunicação com a sociedade civil, a Corporação possui um órgão

40

chamado Defensor do Espectador, cujas atividades se concretizam no canal La 2, TVE, com o

programa do Defensor, que atende aos espectadores da televisão, usuários do rádio e da

Internet. É um espaço mensal para dar resposta às dúvidas da audiência. O programa ocorre

no último sábado de cada mês, quando são apresentadas as queixas, sugestões e reclamações.

A cada programa, os responsáveis, gestores e profissionais da RTVE recebem as opiniões dos

cidadãos e as relacionam com as queixas estabelecidas (página da RTVE).

O programa também mostra como é a RTVE por dentro, como funcionam, o arquivo

histórico da TVE e da Rádio Nacional Espanhola - RNE, o Instituto e os profissionais, além

das filmagens das séries, preparação dos programas mais populares e homenagem aos

programas pioneiros e programas de maior audiência. O programa quer se converter em um

ponto de encontro entre os gestores e profissionais da RTVE e seu público. Nasce com o

objetivo de escutar os cidadãos, como indica o Estatuto da RTVE, e garantir seus direitos a

uma radio e televisão pública de qualidade (página da RTVE).

2.1.2. Sobre a estrutura da rádio e televisão da Corporação RTVE

A estrutura de rádio e televisão do sistema da RTVE possui seis estações de rádio,

conforme a análise de Valente (2009, p. 120-1): 1) generalista - RNE; 2) especializada em

jornalismo - Rádio 5, Todo Notícias; 3) música erudita - Rádio Clássica; 4) estilos de

vanguarda - Rádio 3; 5) generalista voltada à Catalunha - Rádio 4; e, 6) transmissão para

território estrangeiro - Rádio Exterior de Espanha.

Com relação à televisão, de acordo com Valente (idem, p. 121), a TVE é composta por

dois canais generalistas abertos de televisão – La Primera e La 2; seis canais temáticos –

Notícias 24h, Teledeporte, Clássico, Clan (infantil), Parlamento e DocuTV; e dois

internacionais com foco nos continentes do planeta: TVE Europa/Ásia/África e TVE

América. Os canais temáticos e os internacionais estão distribuídos em plataforma digital.

Foram incluídos, recentemente, a lista dos canais internacionais, o canal de alta definição Star

TVE, dirigido ao público americano, com programas de entretenimento e séries nacionais e

internacionais (página da RTVE).

No ordenamento jurídico-político, a Espanha é formada por 17 comunidades

autônomas, das quais doze compõem o ente de radiodifusão, a Federación Nacional de

Organismos de Radio y Televisión Autonômicos – FORTA. Criado em 1989 como associação

civil sem fins lucrativos, estimula a cooperação entre os canais de comunidades autônomas e

41

ajuda no cumprimento de seus objetivos, subsidiando as atividades das emissoras e as

representando nos debates nacionais acerca da radiodifusão pública. (VALENTE, 2009, p.

119).

Fazem parte da Forta as emissoras: Canal Sur (Andalucía), TPA (Principado de

Astúrias), TVPC (Ilhas Canárias), TVCM (Castilla-La Mancha), TVAM (Madri), Aragon TV

(Aragon), TVC (Cataluña), TVV (Valência), TVM (Múrcia), TVG (Galícia), ETB (País

Basco), IB3 (Ilhas Baleares). Cada canal tem programação generalista e marcada por

conteúdos regionais, em línguas próprias das comunidades (como catalão) ou em castelhano

(VALENTE, 2009, p. 121-2).

2.1.3. História política, social e econômica da RTVE

Bustamante (2006) analisa os 50 anos de RTVE e as mudanças que perpassam a

radiodifusão da Espanha, ressaltando os contextos histórico, político e econômico de cada

época, dividindo-os nos períodos dos presidentes de governos.

Durante a ditadura franquista (1939-1975), a rádio passou a ser de domínio do Estado.

A televisão pública espanhola, a TVE, criada em 1956, até 1975, com a morte do ditador,

impôs-se como instrumento propagandístico e de poder. Para o autor, a “RTVE nunca formó

parte de la ‘esfera pública’ ni se empleó en consolidar una ‘cultura nacional’ al alcance de

toda la nación, sino que se organizó durante cuatro décadas como una rama del aparato del

Estado [...], como su brazo propagandístico fundamental” (BUSTAMANTE, 2006, p. 52-3).

Nesse período, o autor retoma o que já havia discutido ao final dos anos 1980,

assinalando que, longe do modelo europeu de uma televisão como serviço público, agora

controlada pelos governos da ditadura como nenhum outro país europeu o conseguira, carente

de toda legitimidade, a TVE criou um tipo de relação com o público e, evidentemente, com a

política que seguiu pesando duramente sobre a sociedade espanhola.

Na visão de Dominguez Jimenéz (2014), depois da fundação da TVE, em 1956, em

plena ditadura franquista, houve expansão de profissionais e recursos:

[…] viene un período de crecimiento, momentos de expansión, un momento que ya

te he dicho que tiene un nacimiento “sui generis”, muy especial respecto al resto de

las televisiones europeas porque nace en el franquismo y nace con una financiación

que de cierta manera la va a hacer depender, a la televisión española, del gobierno

porque aunque televisión española conforme va creciendo y es la única y no hay

42

competencia y no hay problemas. Hay dinero, hay publicidad y va creciendo sin

problemas en tamaño, en número de trabajadores […].

Com a transição espanhola (1975-1982), conforme Bustamante (2006, p. 88), em sua

primeira etapa, liderada pela UCD, União e Centro Democrático, e por Adolfo Suárez,

manteve-se intacta uma radiodifusão autoritária, máquina de discurso publicitário e de

comunicação política vertical. Suárez, presidente de governo, com uma carreira política na

RTVE, conhecia bem a transcendência desse aparato para a democracia do país. Todo seu

esforço de consenso com a oposição nos grandes temas de Estado ficou parado quando se

tratou de democratizar a radiodifusão ou de emprestar-lhe um modelo financeiro estável e

predominantemente público. Nessas condições, com a aprovação e prática tardia do Estatuto

da Rádio e Televisão (Lei 41/1980 de 10 de janeiro), em que pese o amplo consenso de seu

nascimento, não resolveu seus problemas, mantendo a televisão, especialmente como aparato

de propaganda fortemente hierarquizado e centralizado nos primeiros mandatos da transição.

Nessa fase, comparada aos outros países do Mediterrâneo, a rádio e televisão não

passaram a formar parte da “esfera pública”, característica da Europa ocidental, com

equilíbrio entre representação política e sociedade civil. Na análise de Bustamante (2006, p.

90-1), essa situação chocava-se com um país que acabava de sair de quase 40 anos de ditadura

e que mostrava, em sua estrutura regional, claras tendências centrífugas.

Sobre esse período da Transição Espanhola, Martín Jiménez (2013) mostra que lugar

ocupou a televisão pública na estratégia de redemocratização do governo de Adolfo Suárez do

ponto de vista da comunicação política para promover a mudança política na Espanha. Nos

anos 1976 a 1979, a autora observa que a televisão pública espanhola - TVE se prestou aos

interesses da classe política, na realização da reforma política, a “política de consenso”, que

começou com a morte do ditador Francisco Franco, em 1975, ano em que foi empossado

como chefe de Estado o rei Juan Carlos I e designado como primeiro-ministro Adolfo Suárez,

na metade de 1976.

Assim, era necessário o apoio da população, diante das decisões dos dirigentes da

Transição. Em 1977, o acesso da população à televisão chegava a 93%, entre os quias 90%

afirmavam que assistiam à televisão todos os dias ou quase todos os dias – uma mudança na

dieta mediática dos cidadãos, como afirma a autora. Com um plano de televisão media-event,

o novo quadro político do Estado espanhol passou a produzir uma socialização com política

democrática, com o auxílio de uma agenda de informações, cujo meio era a televisão.

43

Com uma agenda informativa televisiva e governamental, o objetivo era formar e

unificar a opinião pública em torno da crença da redemocratização do país, convocando a

população a participar e votar nas seguintes datas: o referendum, em 15 de dezembro de 1976;

as primeiras eleições gerais, em 15 junho de 1977; a criação da Operation Center, com a

fundação do partido UCD, e os Pactos de Moncloa, em 1977, culminando com o Referendum

Constitucional de 06 de dezembro de 1978.

Sobre o histórico dos informativos da TVE nos anos de Transição Democrática, e

sobre o principal veículo de informação, a teledemocracia, explica Berrocal Gonzalo (2014):

[…] después de esas tres elecciones les preguntan a los españoles cómo ha ido,

cómo ha seguido la campaña electoral y hay una sorpresa importante y es encontrar

que sólo el 4% ha acudido a mítines frente a un porcentaje cercano al 70 % que

realmente ha seguido la campaña a través del televisor. […]

Assim, conforme Martín Jiménez (2013), a TVE é a plataforma de comunicação

política que irá apresentar diariamente todas as discussões, votações e resultados do processo

de transição política, tendo fundamental importância o papel desempenhado pelo primeiro-

ministro, Adolfo Suárez, como chefe da mídia estatal, sabendo “vender a democracia”. Essa

“visibilidade política” transformou a política nacional quanto à formação e à conformação da

opinião pública no triângulo clássico – sociedade, políticos e meios de comunicação.

Nos anos de 1975-1982, com Adolfo Suárez e o partido UCD, a TVE teve importante

papel para a compreensão do novo mapa político do país, juntamente com as televisões locais,

conforme Dominguez Jiménez (2014):

[…] Muchas cosas se dieron a conocer a los ciudadanos del sistema político, pero

evidentemente los medios de comunicación tuvieron un papel relevante, prensa,

radio y televisión y la televisión un papel fundamental porque en la televisión la

gente ve a esa nueva casta política, a esos nuevos conceptos democráticos.

No período de transição política da Espanha, houve uma estreita ligação entre os

políticos e os jornalistas que queriam a transformação, a democracia. A TVE foi, então, o

veículo de fonte de informação. Para Redondo García (2014),

en la época de la transición hay un enorme interés por la política, la política es un

elemento central para los ciudadanos y lo sienten así, de una gran efervescencia, un

gran interés público por la política más que con la consolidación de la democracia

[…] existe una relación muy estrecha entre políticos y periodistas y todos se ven

como imbuidos en un espíritu común, comparten la necesidad de afianzar la

democracia en la ciudadanía y los medios de comunicación es una herramienta

44

fundamental para ellos.

O cidadão estava aprendendo a se mover em comunicação política. Agora na TVE, e,

na democracia, os representantes políticos foram confrontados com novas práticas mediáticas,

adotando traços do american style. Em clima de consenso, deu-se o equilíbrio de forças e

permissividade do poder dos governantes para o estabelecimento de uma democracia. A

sociedade civil e profissionais da mídia entenderam que a TVE teve de trabalhar para uma

mudança de regime, mesmo com limites para a informação e opinião. Com uma representação

simbólica e a conformação da opinião pública, o público assimilou as mensagens mediáticas

favoráveis ao projeto democrático (MARTÍN JIMÉNEZ, 2013). A autora conclui que havia

muitos agentes que ajudaram na mudança democrática e, desde meados de 1976, a política e a

televisão estiveram tão entrelaçadas que não se podia compreender a evolução da transição

democrática e seu resultado final, sem considerar a imagem dessa realidade da mudança

democrática que receberam os telespectadores-cidadãos a partir da televisão espanhola.

Como a TVE serviu de pilar às questões de debates políticos, cresceu sua importância

como veículo de informação, sua estrutura, e se deu a sua institucionalização, conforme

Dominguez Jiménez (2014):

En este momento se crean leyes y organizaciones jurídicas, el Estatuto de RTVE,

que nace en 1981. Este estatuto organizaba la radiodifusión en España y de hecho es

el germen también a partir de donde nacen las televisiones autonómicas, regulan

cómo nos vamos a relacionar televisiones autonómicas y televisiones privadas

No período socialista 1982-1996, chamado pelos historiadores de “consolidación de la

democracia”, a rádio e televisão, conforme Bustamante (2006, p. 235-7), ficaram ancoradas

nos espaços autoritários do passado, herdados dos governos de UCD, praticamente sem

mudanças. Nos governos de Felipe González, não encontram meios de aplicar plenamente o

Estatuto de 1980, e se consolidou um modelo de financiamento totalmente comercializado,

insólito no panorama europeu, ao amparo do monopólio de RTVE, impedindo a construção de

uma consciência social da significação do serviço público.

Com a vitória do Partido Socialista Operário Espanhol, PSOE, à presidencia, em 1982,

muito do que havia sido proposto no Estatuto tornou-se letra morta, como afirma Dominguez

Jiménez (2014):

45

[…] el gobierno lo tiene muy claro y pone el primer director de RTVE, que es José

María Calviño, que hace que muchos aspectos de este estatuto se queden “en papel

mojado”, no respeta, por ej. consejos de representativos, que tenía que haber

consejos parlamentarios de control de la televisión pública, […] Pero ahora aquí, en

plena democracia, se pierde esa oportunidad de haber creado una televisión, no en

ese mismo momento a lo largo del tiempo en la década de los 80.

Nos anos de 1990, com a implementação do sistema de audiovisual competitivo

europeu, houve endividamento do Estado, que debilitou ainda mais o serviço público

confinado a um novo cenário de competência. Em suma, enfatiza Bustamante (2006, p. 235-

7), a etapa do governo socialista mostra que nunca fora capaz de pensar o serviço público em

termos de cidadania, e o atraso da regulamentação em relação outros países ocidentais não

permitiu que a Espanha aprendesse com a experiência alheia. A introdução tardia da

competência privada não foi acompanhada de uma prévia, ou simultânea, adequação dos

serviços públicos ao novo entorno competitivo.

A TVE já não era mais a única televisão. A entrada da TV privada, a divisão da receita

publicitária e do patrimônio da TVE, foi considerada por Dominguez Jiménez (2014):

Ya el en el 90 […] de pronto deciden algunos de los directores generales de la

televisión española renunciar por ej. a la ayuda del estado que vivíamos muy bien,

[…] poco después resulta que nos encontramos con la aparición de las privadas con

un reparto de la tarta publicitaria, con una fisión de las instalaciones, emisores,

repetidores, que tiene televisión española que es su patrimonio y que el gobierno

decide que ese patrimonio vaya también a manos de las televisiones privadas […].

Na visão de Berroal Gonzalo (2014), o que ocorreu, a partir da televisão privada, ao

mesmo tempo que se emitiu normativa que proibia a publicidade eleitoral, foi o surgimento de

um novo período para a TVE:

A partir de 1989 en que empieza la televisión privada […] Curioso también es que

antes de que empiecen a funcionar las televisiones privadas en el año 89 pues

realmente se crea una normativa que prohíba que esas televisiones privadas, futuras

que aún no habían nacido porque la ley desde 1988 no puedan emitir publicidad

electoral y que de nuevo de recoja que solamente la televisión pública podrá emitir

esos espacios de propaganda.

Conforme Giordano & Zeller (1999), as mudanças, no setor audiovisual espanhol, são

decorrentes das políticas que, em matéria de televisão, estão no âmbito das decisões

supranacionais da União Europeia, por meio das quais se inicia a reestruturação do setor com

parâmetros empresariais e competitivos. Esse processo foi resultado da pressão negociada

entre atores políticos e econômicos para expandi-la a novos emissores. A inércia e leis

46

reguladoras do setor audiovisual primaram pela “política de mantener um pólo emisor

altamente concentrado en la esfera pública” (idem, 1999, p. 193), tendência que ocorreu com

a televisão privada na concentração de emissoras.

Com a criação da Lei de Televisão Privada (Lei 10/1988, de 3 de maio), os grupos de

comunicação e o capital financeiro passaram a ser dependentes das diretrizes da União

Europeia. Dentre as políticas, em linhas gerais, conforme Giordano & Zeller (1999), estão:

redução da ruptura do monopólio estatal de televisão que prioriza as afinidades políticas

acima das considerações sociais, desde o PSOE até o Partido Popular - PP; ausência de um

marco jurídico unificador das diversas modalidades de televisão; inibição legislativa para

reformular, integrando as políticas de televisão em uma macropolítica audiovisual com uma

indústria cinematográfica em permanente crise.

Assim, as televisões privadas e públicas apresentaram as seguintes tendências,

segundo os autores (idem, 1999, p. 195-196):

Televisão privada: marco televisivo aprovado como projeto de política industrial,

reservado ao mercado um “mínimo comum denominador” de atores empresariais,

reagrupados em torno de três canais privados, acumulando canais e privilégios a cada nova

legislação; as decisões políticas adotadas, a partir de 1996 [partido do PP], para o setor

privado, confirmam as linhas gerais da política audiovisual dos 15 anos anteriores; e os novos

mercados outorgaram a si mesmos um papel central nas campanhas de telecomunicações, bem

como o alto grau de concentração da economia através da fusão de entidades financeiras.

Televisão pública estatal: utilização da televisão pública como televisão oficial, com

controle político de sua linha informativa. Não existe um estatuto de democratização da

televisão pública, com a garantia aos periodistas de independência do poder político, nem

aprofundamento do modelo comercial na televisão pública estatal. A política do PSOE foi

fundamental para o amadurecimento e desenvolvimento da crise econômica e da legitimidade

que afeta a RTVE. Quando o PP chegou ao poder, a crise da RTVE requereu uma intervenção

pública de curto prazo – fato que serviu para redefinir o serviço público, avançar e constituir

um serviço público autêntico. Para os autores, com a atual realidade “dan mucho peso a la

opción privatizadora y la liquidación de la actual televisión estatal”.

Nos mandatos “populares” do Partido Popular (1996-2004), como afirma Bustamante

(2006, p. 190-1), culminaram as etapas precedentes em muitos capítulos da comunicação

social espanhola, com rejeição a toda reforma, a toda autonomia possível da RTVE.

Verificou-se uma congruência entre sistema político e sistema mediático, com o

endividamento, em que pese a contradição crescente com o expediente da comissão Europeia

47

em curso “desde la transición, los gobiernos han utilizado politicamente al máximo a RTVE

mientras agudizaban simultáneamente su bancarrota” (idem, 2006).

Nesse período, a comunicação espanhola esteve marcada por uma lógica de poder

político levada às últimas consequências na influência sobre os meios privados e na

conformação mesma de sua estrutura de propriedade e regulação – em outras palavras, um

intervencionismo que rompeu abertamente com as regras básicas do jogo democrático. O

papel governamental como “gran arquiteto” teve outras consequências, como a retirada de

regulação anticoncentração junto a práticas de concessões clientelistas, impotência dos

governos para o controle das regulações europeias e espanholas; e as cadeias privadas que

praticavam uma violação sistemática das regras do jogo (BUSTAMENTE, 2006, p. 192-3).

A respeito do processo de reforma na TVE, para Almuiña Fernandez (2014), há um

desmantelamento mesmo com o Partido Socialista:

¿qué ha ocurrido en TVE desde tiempo inmemorial? Que llega Felipe González, se

encuentra con la televisión funcionando en su plenitud y a los técnicos no los va a

cambiar, […]. No los echan a la calle, ¿qué es lo que hacen? Lo que en España se

llama “hacer pasillos” te pago, pero tú aquí no tienes ningún cometido […] contratan

a periodista afines a su ideología y eso lo ha hecho Felipe González, lo ha hecho

Aznar, después Zapatero y […] el número de personas ha ido creciendo, creciendo

en la TV hasta llegar a cerca de 12 mil entre técnicos, periodistas y todos en general.

¿Qué tuvieron qué hacer?, lo que se llama un ERE (Expediente de Regulación de

Empleo) […]

Mesmo com o declive, a televisão mantém influência como meio de informação da

população, porém com uma dívida imensa.

[…] Televisión española ya no es la única, pero realmente hasta mucho tiempo

después, al final de los 90 y casi en el 2000, sigue siendo la televisión más

influyente en España y los políticos lo saben y los gobiernos de turno lo utilizan,

pero ahora poco a poco ya entramos en un declive total,[…] porque llega un

momento en que televisión española recorta personal, tiene que echarlos porque

como tiene una deuda tremenda y aunque el gobierno siga ayudando no es dinero

suficiente. (DOMINGUEZ JIMÉNEZ, 2014).

Durante as eleições gerais de março de 2004, as pesquisas apontavam a expectativa de

votos a favor do PSOE. Uma situação, porém, agravou ainda mais o final do governo do PP,

de Aznar: os atentados ocorridos numa das principais estações de metrô de Madri, Atocha, em

11 de março daquele ano. Foram 192 mortes e mais de 1.500 feridos, muitos deles graves.

Esse fato contribuiu para o descrédito do governo diante do silêncio e da manipulação do

48

governo em relação às informações dos culpados pelos atentados (BUSTAMANTE, 2006, p.

201).

Com a vitória do PSOE, naquele ano, Bustamante (2006, p.246-9), em suas análises,

apresenta os dois primeiros anos do mandato do presidente de governo Zapatero (2004-2006).

Desde a transição democrática, nenhum governo havia gerado tantas expectativas quanto à

reconstrução do serviço público e à ordenação racional do conjunto do setor audiovisual, a

favor do interesse geral, mas também de um mercado sustentável e harmônico. As esperanças,

afirma o autor, em uma política cultural e em um Estado-providência modernizado, adaptado

à Era Digital, capaz de situar a cultura no centro estratégico de um modelo de

desenvolvimento, que mudaria as exigências econômicas da economia de mercado com a

redistribuição social, não ocorreram.

A política governamental adotada se devia, em parte, ao partido no poder, mas

revelava uma complexa situação das forças políticas e sociais. No conflito de interesses

políticos e econômicos nesse período, o autor explica a duplicidade ideológica permanente,

uma “double alma” governamental em instabilidade, a respeito do serviço público. A

primeira, vinda do próprio Executivo, encaminhou ao Parlamento leis de reforma do

audiovisiual; a segunda, de setores econômicos do governo e de alguns grupos privados,

tentava reduzir a rádio e televisão pública à sua mínima expressão. Somado a isso, têm-se as

inoperantes radiotelevisões autônomas, como serviço público e a ampliação de canais

privados que preferiram a continuação da discrição dos governos na concessão de licenças e

na regulação com total liberdade frente à regulação europeia e espanhola.

A combinação dessas atitudes no governo e no setor audiovisual privado se mostra

perigosa para a transição digital, não só porque um serviço público debilitado e dotado de

escassos programas novos não poderá atuar como carro-chefe da transformação digital, como

também porque as concessões privadas digitais repartidas por pactos políticos são

dificilmente controláveis em seus compromissos. Essa será uma incógnita que pesará sobre os

planos da Sociedade da Informação.

Na conclusão de Bustamante (2006, p. 259), com relação à RTVE, desde sua criação

até o primeiro mandato do PP, em 2006, o autor reafirma os elementos que se tornaram

recorrentes em todos os governos, como as promessas eleitorais que foram se acomodando no

exercício do poder, os Conselhos militantes de maioria governamental, as Comissões

parlamentares infrutíferas no confronto entre governo e oposição, escândalos econômicos ou

independência dos profissionais.

49

Entretanto, para o autor, seria um erro contemplar essa história, principalmente na

democracia, como uma repetição cíclica de constantes invariáveis:

Por encima de tales factores, o a través de su propia evolución, se produce una

conciencia ciudadana en ascenso sobre la necesidad y utilidad del servicio público e

sus trazos irrenunciables, sin la cual los partidos políticos mayoritarios nunca

hubieran mantenido en sus programas e sus agendas, con tal intensidad y

permanencia, la promesa de una regeneración de la radiotelevisión pública y, por

extensión, del conyunto del audiovisual (BUSTAMANTE, 2006, p. 260).

Um primeiro problema não é somente a rádio e televisão pública, mas a rádio e a

televisão privada. Em ambos os subsistemas, o Estado – os governos - atua como “engenheiro

supremo” que desenha o grande jogo político e econômico do audiovisual, à margem do

interesse da cidadania. Como afirma Bustamante (2006), o caso espanhol não é um exemplo

extremo de uma situação nos países mediterrâneos, mas desafios postos à União Europeia,

cujos estudos detectam uma profunda debilidade dos entes públicos de rádio e televisão, por

detrás da economia de mercado, com serviços públicos subfinanciados ou em quebra,

regulações instáveis e autoridades frágeis.

Existe um conflito entre concepções diversas sobre o papel e a força do serviço

público no futuro da União Europeia, que põe em questão o modelo social europeu e a

coerência entre Estado de Bem-Estar e serviço público, entre audiovisual harmônico e

salvaguarda de interesse comum. O principal problema para os próximos anos é certamente o

financiamento, uma vontade financeira dos estados que respalde coerentemente sua vontade

política (LANGE, 2005 apud BUSTAMANTE, 2006, p. 260).

No segundo nível de problema, posto em 2001 pela Comissão Europeia, diz respeito a

uma doutrina de serviço público, cuja vigilância comunitária vem se esquecendo de

acompanhar os países que não cumprem os padrões elementares de independência, presença e

financiamento do serviço público. Também não tem reagido contra os países que não

percebem ou deturpam suas múltiplas recomendações sobre as autoridades independentes do

audiovisual, da radiodifusão privada e comercial. A harmonização estabelece-se sob normas

mínimas e desequilibradas que atuam sob um denominador comum (BUSTAMANTE, 2006,

p.261-2).

Algumas investigações anglo-saxônicas (COLLINS 1994, apud BUSTAMANTE,

2006, p. 262-263) apontavam que a Comunidade havia sido incapaz de desenvolver um marco

que unisse e harmonizasse as necessidades culturais, políticas e econômicas europeias. Não há

correlato nem na regulação e vigilância da concentração dos grupos privados, nem no controle

50

de seu cumprimento, o que resulta em difícil preservação de um serviço público redefinido na

ausência de um sistema harmônico integral.

Esse impasse produzido na União Europeia, diagnosticado com o um “déficit de

comunicación”, não foi objeto de maior atenção e de encargos e apoios específicos para

desempenhar um papel que nenhum outro agente poderia cumprir – não a serviço da

fabricação por decreto da identidade europeia, mas pela construção paulatina de uma

cidadania europeia que se apoia juntamente em sua diversidade.

A questão alcançou toda sua transcendência no contexto de transição para a Era

Digital, da sociedade da informação ou do conhecimento, importância esta reiterada pelos

organismos da UE. Num consenso social, essa transcendência revelou que a informação e a

cultura não afetaram somente o pluralismo democrático, como todo desenvolvimento

econômico e social dos indivíduos e dos povos. O debate sobre a regulação da comunicação

se converteu em “fundamental para todo el desarrollo de una sociedad posindustrial (o

sociedad de la información) como tal” (BURGELMANN, 1999, p. 129, apud

BUSTAMENTA, 2006, p. 263-4).

A UE, com a retórica “Sociedad de la Información para todos” tem respondido, de

forma incipiente e incompleta, esquecendo-se do papel de serviço público nesse processo –

apesar de ela recordar que as radiotelevisões públicas podiam ser um elemento-chave nesse

propósito –, além da arriscada leitura da “neutralidade tecnológica”, a forma como as

operadoras privadas questionam as modalidades, o financiamento e até a autonomia dos

estados-membros na hora de traduzir as missões de serviço púbico nas novas redes

(BUSTAMANTE, 2006 p. 264-5).

São disparidades nos indicadores na UE, explica Bustamante (2012, p. 265-267), ao

acesso e à distribuição dos novos serviços em empresa, educação e nos lares, uma vez que são

explícitas as desigualdades reveladoras no plano internacional e em cada sociedade nacional,

com realidades distintas. Há um alto custo do modelo digital para o usuário, acompanhado de

um salto qualitativo na comercialização da cultura, da concentração monopólica das

plataformas, da transnacionalização crescente dos capitais e finalmente, da homogeneização

dos conteúdos.

Fica a terceira via assinalada anteriormente, do acesso coletivo e individual através das

redes mais universais. No caso da Espanha, parece notória a incapacidade de muitos governos

das mais diversas ideologias para imaginar um cenário alternativo, em cujo acesso tenha um

papel relevante o serviço público, não só na oferta audiovisual como também nos novos

serviços e na Internet.

51

Na batalha dos meios públicos e na regulação do audiovisual camuflam-se formas

distintas de entender a sociedade e a democracia, como âmbitos que não podem estar

totalmente limitados ao mercado e às suas lógicas. Também ensejam concepções diversas do

mercado e de sua vinculação com um Estado que é necessário repensar em muitos de seus

componentes clássicos. Nesse contexto, se o conceito de serviço público, na informação e na

comunicação, não tivesse existido historicamente, haveria que inventá-lo. “Pueste que existe y

perdura, aun con todas sus dificuldades, la tarea es más fácil: solo hay que reafirmarlo,

repensarlo y echarlo a andar.” (BUSTAMANTE, 2006, p. 267).

Em discussão sobre a segunda legislatura do presidente de governo José Luis

Rodríguez Zapatero (2008-2011), Bustamante (2012, p. 312), a respeito do setor audiovisual,

assinala que não é tanto a crise econômica a que lidera, mas explica a crise de valores

socialdemocratas, acentuada provavelmente pelo afã de mantê-la em favor dos meios

privados, que favorece as políticas audiovisuais dos governos socialistas e seu apego às

pressões e interesses dos lobbies audiovisuais privados.

A técnica legislativa audiovisual do governo, decretadas as leis por via de urgência,

revela-se tão nefasta para o debate público sobre o sistema audiovisual como a exercida pelos

governos de Aznar [PP], centrada na “lei escova” dos pressupostos gerais do Estado.

Sucessivas mudanças legislativas de destaque vão se sedimentando, sem que a cidadania

perceba o alcance dessas transformações até que apareça, finalmente, como a constituição de

um novo sistema audiovisual. A transição digital TDT - TV Digital Terrestre - aparece mais

como o álibi dessas mudanças e sua permanente justificação de urgência do que como o

motor real das mudanças, de natureza claramente política.

Para Bustamante (2012, p. 312-3), o resultado final é uma profunda debilidade do polo

público televisivo, matizado, no caso da RTVE, se se considerar como ponto de partida a

catastrófica situação de 2004, mas amplamente ressaltada em relação à consolidação que se

havia conseguido em 2005-2006. Crise institucional e financeira dão-se as mãos em 2011 na

RTVE, como clara resultante das sucessivas mudanças legislativas de 2009-2010 (Lei 8/2009,

de Financiamento da Corporação RTVE), em um contexto em que o principal partido da

oposição ostenta, surpreendentemente, sua sistemática falta de respeito a um elemento

essencial da constituição e à construção europeia. À crise de audiências e financeira unem-se,

na maioria dos terceiros canais, o imobilismo e a falta de reformas democráticas, o prestígio

pela manipulação conjunta com a pressão permanente do lobby privado e dos políticos e

economistas neoliberais.

52

Uma decisão desse período, no governo de Zapatero, que afetou a RTVE e sua relação

com o mercado audiovisual foi a proibição da publicidade comercial na TVE. Segundo

Almuiña Fernandez (2014), foi ocorrendo, simultaneamente, crise financeira, crise de

credibilidade, crise de audiência:

[…] los socialistas con Zapatero […] Suprimieron por presión de las televisiones

privadas que en TVE no se emite publicidad. […] Claro las televisiones privadas no

quieren que la televisión pública emita publicidad porque así a ellas les toca más.

[…] Cuando TVE tenía publicidad vivía de esa publicidad, pero como las otras

televisiones debido a la crisis económica se lo han prohibido.

No polo privado, é claramente negativo o pluralismo, a diversidade da oferta

comunicativa e cultural e inclusive da produção independente. O fracasso do governo de

ampliar os espectros ideológicos das cadeias televisivas resulta na volta a um duopólio

acrescentado pela possessão de amplos pacotes de canais generalistas e temáticos nas mãos da

Tele5 e Antena 3, que acrescentam seu domínio de mercado publicitário e sua integração

vertical com a produção de programas (BUSTAMANTE, 2012, p. 313).

Este é um momento forte do canal privado Tele5, de Berluscone, no qual a TVE tenta

competir com as demais tvs. Para Dominguez Jimenez (2014), essa competição foi um

equívoco, uma vez que provocou o declínio da produção dos noticiários e a perda da

audiência:

[…] Nosotros [TVE] debíamos haber mantenido una imagen más seria, de más

calidad, […] podríamos ofrecer educación, cultura, cien mil cosas que se les ocurra a

cualquiera y que debe ser el rincón que se debe guardar para la televisión pública

[…] Ahora mismo, por ej. sus audiencias. Los informativos en televisión española

siempre han sido una referencia. […]. Ha perdido audiencia, lo han hecho

desaparecer de la parrilla de los horarios y nada, ha desaparecido de la TV española.

Na visão de Redondo García (2014), a televisão tem um papel muito distinto daquele

período da transição, hoje uma mercantilização da informação,

[…] que tenemos ahora pues son de reality show, programas del corazón,

información de los famosos, mucho magazín en el que se mezcla la actualidad

política económica, tratada de una forma más liviana, […] programas de fácil

perfección que no obliguen a pensar mucho, que tengan caras famosas y agradables

y que de alguna forma sean bien recibidos por la audiencia, es un modelo

completamente diferente, un modelo muy distinto.

Sobre o que vive hoje a TVE, deve-se fazer um retrocesso histórico.

53

Pues aquí el problema al que nos enfrentamos es al posible desmantelamiento de la

televisión pública […], la televisión nació para esa utilización de carácter partidista

que luego continuó con la utilización, el franquismo, la UCD, […] luego

posteriormente con el Partido Socialista Obrero Español que también la utiliza en su

beneficio […] Hasta ahora los partidos políticos que han gobernado han sido los que

han utilizado, se han servido de la televisión pública en su beneficio. […].

(GARCÍA MATILLA, 2014).

Com relação às televisões autônomas, a frustração da arquitetura privada e em cadeia

para televisão regional e local deixa esse mercado praticamente fora do sistema, mas acaba

também com a televisão de proximidade, tanto municipal de serviço público como associativa

e não lucrativa. Centenas de frequências digitais ficam congeladas, mas sem devolução formal

ao Estado, na maior parte dos casos, sem reação alguma oficial ante o não cumprimento

generalizado dos concursos e das licenças firmadas com os governos autônomos. O que

constituiu certo modelo, ainda que minoritário, da televisão local e próxima, se confirma

agora como um dos sistemas televisivos mais descentralizados da Europa.

Enfim, em termos de pluralismo ideológico e de diversidade cultural, os grandes lemas

da chegada de José Luis Rodríguez Zapatero ao governo em 2004, para o sistema televisivo

espanhol, evidenciam retrocessos importantes e carências clamorosas ao concluir sua segunda

legislatura, conclui Bustamante (2012).

Com relação ao primeiro mandato do governo do Partido Popular – PP, Mariano Rajoy

(2011-215), uma medida mudou a escolha do diretor presidente e os conselhos da Corporação

RTVE: a aprovação do Real Decreto-Ley 15/2012.

Gutiérrez (2013), ao discutir a situação da televisão e rádio públicas na Espanha,

afirma que tem sofrido, nos últimos tempos, numerosas mudanças quanto à direção,

organização, regulação e financiamento. Com relação à direção da RTVE, a chegada do

governo do Partido Popular implicou a emissão de um Real Decreto para destravar a eleição

do presidente da RTVE e seu conselheiros. No Real Decreto de 2006, durante o governo de

Zapatero, a eleição era por uma maioria de dois terços do Congresso para ser aprovada. Se

houvesse impasse, passados dois meses, haveria uma segunda eleição com maioria absoluta

(mais da metade do Congresso).

No novo Real Decreto, a mudança reside na segunda eleição. Na primeira metade,

mantém-se a necessidade do consenso de dois terços do congresso e, na segunda, a maioria

absoluta –o tempo de espera para que surja esse consenso, porém, desaparece. Já não há

tempo de espera de dois meses, enfatiza Gutiérrez (2013); se, numa primeira votação, não se

54

chega a um acordo, na segunda, seguirá o debate em 48 horas, valendo uma maioria absoluta

para que a eleição siga adiante.

Levando em conta que o governo de Zapatero não possuía esta maioria absoluta em

2006, o governo de Rajoy a tem agora. A diferença é fundamental. A primeira votação é mero

trâmite, posto que 48 horas depois, será o governo do PP, com maioria absoluta no

Congresso, quem elegerá a seu critério o presidente e seus conselheiros para RTVE. E isto foi

o que ocorreu, e deste Real Decreto surgiram todas as mudanças no modelo que tem havido

no ente público. Com Mariano Rajoy (2011-2015), do PP, sobre a nomeação do presidente da

corporação, aponta Almuiña Fernandez (2014),

[…] ¿Qué ha ocurrido? Pues que han nombrado a un abogado del estado el señor

González-Echenique y el jefe informativo, Julio Somoano, […]Han tenido que echar

al director general y al director de Informativos y ahora han puesto al frente de TVE

un tal Sánchez, que estuvo en la época de Aznar y como jefe de Informativos el vice

director de la Razón que está más a la derecha que de otra parte […].

Outro aspecto, apontado por Gutierrez (2013), sobre o financiamento da RTVE, é que

o Real Decreto não modificou o já disposto pelo Conselho de Ministros no ano de 2010. A

diferença da Espanha, explica o autor, em relação aos países europeus, está no financiamento

das cadeias públicas na Europa que se divide entre as que se baseiam quase todas em uma

taxa paga pelos cidadãos, os que usam a taxa e outra medida e os que não usam taxa, no qual

se encontra a Espanha, conforme pode observar no Quadro 01, a seguir:

Quadro 01– Financiación de los medios publico en Europa

Fonte: GUTIÉRREZ, 2013.

55

Abordando diretamente a terceira categoria, no caso da Espanha, não se cobra taxa

alguma, sendo a RTVE, uma sociedade mercantil pertencente ao Estado que organiza a gestão

indireta do serviço público de Rádio e Televisão. Assim, explica Gutiérrez (2013), o recurso

com que conta para a gestão da sociedade provém de três fontes: 50% do Estado, provenientes

do orçamento geral do Estado – quer dizer, de um financiamento direto estatal. Para os outros

50%, recorre-se também à obrigação de pagamento de taxas, de 0,9% das taxas das

companhias telefônicas, de 3% das taxas de televisão privadas abertas e de 1,5% das taxas de

televisões pagas. Destaca o desaparecimento da publicidade comercial da cadeia pública

promovida, em 2010, pelo governo Zapatero.

Nos países europeus, como Reino Unido, Alemanha, Itália e França, a noção de

público está arraigada na sociedade desde praticamente um século. Na Espanha, o lastro do

franquismo e a arremetida neoliberal posterior têm conseguido que o público e o estatal nunca

tenham tido a mesma força e o mesmo respaldo que nos ditos países europeus, e o meio de

comunicação que se supõe que deveria ser de todos não o é, uma vez que nada fomenta um

apoio. (GUTIERREZ, 2013). Na análise do autor, os meios de comunicação públicos são de

todos, dos cidadãos e por eles e para eles, e, por isso, deveriam deixar de ser manipulados

pelo governo e passar a ser uma parte ativa da crítica e do questionamento ao poder

estabelecido.

Sobre o papel da TVE com os informativos e o declínio de recursos, publicidade,

credibilidade, expõe García Matilla (2014):

Además la televisión pública tradicionalmente estaba encargada de dar la

información que generalmente no dan las cadenas privadas y con calidad […]Por

una parte se criticaba la información porque era partidista, pero por otra parte los

ciudadanos siempre que tenían un asunto de importancia consultaban la televisión

pública y en ese sentido se ha perdido credibilidad, se han perdido recursos y en

estos momentos hay una gran crítica a la fiabilidad de la información televisiva

porque por otra parte la mayor audiencia de los informativos siempre se mantenía en

la televisión pública.

A projeção da própria imagem do presidente Mariano Rajoy é um fator que alterou a

forma de se fazer jornalismo na própria TVE.

[…] hay una organización general en España es la FAPE - Federación de

Asociaciones de la Prensa en España, y todas las asociaciones de la prensa están

luchando, revindicando el papel de los periodistas. El lema de la FAPE es: “sin

periodistas no hay democracia”. […] Aquí es una reivindicación porque Mariano

Rajoy y su gobierno empezó a convocar ruedas de prensa, pero sin preguntas. […]

ninguna, que no sea la que el propio gobierno, la que su propio partido quiere con lo

56

cual verás cada dos por tres en los informativos con todos los temas de corrupción

sale del parlamento. (DOMINGUEZ JIMÉNEZ, 2014).

Como descreve Berrocal Gonzalo (2014), atualmente, quanto à projeção do presidente

Mariano Raroy:

Bueno nosotros ahora tenemos un presidente pues muy peculiar, es alguien que

mantiene una muy mala relación con los medios de comunicación desde hace

muchísimo tiempo, que no concede apenas entrevistas, solamente a una periodista

que es de Antena 3, una determinada cadena y que lo hace una vez al año para hacer

un balance de cuál ha sido su gestión política, que concede ruedas de prensa, que no

se pueden llamar así porque son conferencias donde los periodistas están en una sala

y se les pone un vídeo con el presidente hablando como si eso fuera una rueda de

prensa, que es lo que se conoce como la televisión o la comunicación en plasma del

gobierno […]

Somada a essas questões, a situação da RTVE, na atualidade, traz novas reflexões

sobre seu papel como ente de comunicação pública. Dois aspectos devem ser considerados

nesse processo, como resultado das decisões políticas nesse último período: a questão

financeira e o índice share da TVE, diante do quadro social de televisões na sociedade

espanhola.

Com relação à situação financeira da RTVE, Fernández (2016) aponta que, em 2015,

houve uma perda de 33,56 milhões de euros, uma cifra menor que a prevista, mas foram mais

suportáveis que as dos exercícios anteriores. Em 2012, o déficit foi de 112 milhões de euros,

em 2013, manteve-se em vermelho e, em 2014, alcançou a cifra de 134 milhões. Segundo o

Conselho de administração da RTVE, o déficit estrutural que pesa sobre a rede pública prefere

falar em equilíbrio das contas, com o salva-vidas da dedução do IVA, autorizado pelo

ministro da Fazenda – de novo o déficit haveria disparado os 100 milhões.

Outro aspecto no debate sobre a TVE é a representação na participação da audiência, o

índice share nas televisões de canal aberto e pagas existentes na Espanha. No intervalo dos

últimos dezessete anos, conforme Quadro 02, mostrado a seguir, a televisão vive a gradativa

queda do índice share.

57

Quadro 02 – Share das cadenas de televión 1999-2015 - en porcentajens

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

TVE 35,3 34,2 35 34,8 30,3 27,7 24,2 21,9

Privadas* 45,1 43 43,5 44,2 48,5 49,8 50,8 52,8

Autonômicas** 17 16,8 17,4 17 16,6 16,9 18,6 15,9

Temáticas***

Demais**** 2,5 3,2 4,1 4 4,5 5,7 6,4 9,2

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 1015

TVE 21,8 21,2 21,6 23,1 22 19,4 15,4 15,7 14,7

Privadas* 53,8 52,3 50,5 44,8 42,7 41,6 46,2 49 24,6

Autonômicas** 15,9 16,6 16,6 14,8 12,7 12,7 10,8 10,4 10,5

Temáticas*** 7,6 10,1 14,4 19,6 25 26,6 23,9 22,8

Demais**** 9 2,2 1,2 2,9 3,1 1 1 1 27,4

* Privadas – Antena 3; Tele 5; Canal Plus; Cuatro; La Sexta

** Autonômicas – Públicas; Privadas; Internacionais

*** Temáticas – Pagas e demais

**** Demais – TVs Locais e demais

Fonte: Da autora. Marco General de los médios en España, 2016.

O gráfico 01, a seguir, ilustra essa mudança, em declive mais acentuado no índice

share da TVE e as demais cadeias televisivas, principalmente nos anos de 2013, 2014 e 2015.

Gráfico 01 - Share das cadenas de televión (1999-2015) - en porcentajens

Fonte: Da autora. Marco General de los médios en España, 2016.

58

Algumas questões podem ser apontadas para essa queda, a partir das reformas no

segundo mandato de José Luis Rodríguez Zapatero (2002-2011), como a transição digital, a

TDT, permitindo múltiplos acessos às plataformas nos programas e canais temáticos

específicos, o que transformou hábitos da população no acesso à informação ao universo mais

amplo de canais de televisão.

Junto à mudança estrutural e institucional da RTVE, ao longo dos períodos históricos

apresentados, a TVE tem vivenciado, como os demais meios de comunicação tradicionais, o

enfrentamento da crise institucional quanto aos recursos financeiros, crise de credibilidade da

informação, da segmentação de audiência e almeja maior interesse do poder público ante a

comunicação pública televisiva.

59

Capítulo 3

A televisão e a política de comunicação pública no Brasil

3.1. Estrutura do sistema de televisão pública no Brasil

A direção da comunicação pública brasileira, no âmbito do governo federal, está a

cargo da Empresa Brasil de Comunicação S/A – EBC. Conforme a página da internet, a

Empresa foi criada a partir da Lei nº 11.652, de 07 de abril de 2008, e é gestora das televisões

TV Brasil, TV Brasil Internacional, e da Web Portal EBC, Agência Brasil e da Radioagência

Nacional de conteúdos radiofônicos produzidos pelas emissoras de rádio e pela Diretoria de

Jornalismo da EBC.

A EBC gerencia mais oito emissoras de rádios, administrando parte da história da

radiodifusão no Brasil. São as rádios: 1) Nacional AM do Rio de Janeiro, de 1936, com

programação plural; 2) Nacional FM Brasília, de 1976, com noticiários e cultura; 3) Nacional

AM Brasília, de 1958, de utilidade pública; 4) Nacional da Amazônia, de 1977, que integra a

região com o país; 5) Nacional do Alto Solimões, de 2006, na região da Tríplice Fronteira –

Brasil, Colômbia e Peru; 6) MEC FM Rio de Janeiro, de 1953, com música clássica e

vanguarda; 7) MEC AM Rio de Janeiro, de 1923, educação e cultura brasileiras; e 8) MEC

AM Brasília que retransmite a programação da Rádio MEC FM do Rio de Janeiro (página da

EBC).

A EBC Serviços é a área de prestação de serviços para os canais: TV NBR, canal de

televisão da agenda do Poder Executivo; os programas de rádio a Voz do Brasil, informativo

com mais de 70 anos de existência; Bom Dia Ministro, de entrevistas com ministros de

Estado; Brasil em Pauta, para o cidadão; e Serviço de Rádio, com acesso ao material de áudio

relativo ao Poder Executivo (página da EBC).

A Empresa conta também com um Centro de Pesquisa Aplicada em Comunicação

Pública, em cooperação com a UNESCO. Conforme informação na página da EBC, o balanço

patrimonial da Empresa, em 2015, foi de R$732,18.

A criação da EBC é resultado do processo de debates sobre a comunicação pública no

país, promovidos durante o I Fórum Nacional de TVs Públicas, em Brasília, em 2007, com a

participação de representantes de diferentes setores da sociedade civil, conforme explicitado

adiante (página da EBC).

60

Na esfera governamental, de acordo com a página na internet, a Secretaria de

Comunicação Social da Presidência da República – SECOM propôs a criação de uma nova

empresa pública federal, a EBC S/A, cuja missão é de implantar e gerir os serviços de

radiodifusão pública federais, com base jurídica no artigo 223 da Constituição Federal

Brasileira, de 19885, Capítulo V, Da comunicação Social, que contempla o princípio de

complementaridade:

Art. 223- Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e

autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o

princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

Antes, porém, de abordarmos esse aspecto da história da criação de um sistema

exclusivamente federal, analisaremos a trajetória nacional de comunicação no país, referente à

radiodifusão, no que diz respeito ao serviço de rádio e televisão pública.

3.1.1 História da televisão pública brasileira

De acordo com Jambeiro (2008, p. 85-8), a TV surgiu mesmo em 1920 e seguiu os

regulamentos nacionais e internacionais criados para o telégrafo, o telefone e o rádio, cujo

funcionamento passou a depender de condicionantes políticos e econômicos, quaisquer que

fossem as concepções ideológicas dominantes.

O início de sua consolidação, como veículo de massa, deu-se em 1945, após a II

Guerra Mundial, quando rapidamente se desenvolveu e se expandiu. Cada região do mundo

adotou um modelo regulatório, com três modelos existentes: estatal, comercial e public

service, que se expandiram conforme o regime político e econômico de cada país. O Brasil

adotou o modelo estatal, com a variante cultural-educativo, cujo suporte econômico é dado

pelo Estado.

Jambeiro (2008, p. 89-91) destaca cinco aspectos históricos da regularização da

televisão no Brasil, que já estava prevista na legislação emitida pelo Governo Provisório da

Revolução de 1930, no regulamento das telecomunicações – apesar de a televisão ter sido

implantada somente em 1950:

5 Seção II, Título VIII- Da ordem social, Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto, Capítulo V,

Da Comunicação Social, Artigo 223.

61

1. A participação de estrangeiros em sua exploração tem sido restringida. A partir de

2003, foi permitida a participação de investidores estrangeiros na TV aberta, em até 30% do

capital.

2. A Revolução de 1930 estabeleceu também o caráter da radiodifusão como de

interesse público, e, portanto, sujeitou tanto o rádio quanto a televisão a serem serviços de

telecomunicações protegidos e regulados pelo Estado.

3. Também presente nas raízes históricas da regulamentação da TV no Brasil está a

centralização, no poder Executivo, das competências de concessão e controle da radiodifusão,

conforme decretos nº 20.047/1931 e nº 21.111/1932. Semelhante ideia se refletirá na

elaboração do Código Nacional de Telecomunicações de 1962.

4. Embora considerando a radiodifusão como um serviço público, de interesse

nacional, e com propósitos educacionais, os decretos anteriores abriram a possibilidade de tal

serviço ser concedido a empresas privadas, formadas por brasileiros “decentes”, conforme se

lê nos decretos supracitados. Essa abertura estabeleceu um dos mais importantes fundamentos

da indústria da TV no Brasil, segundo o autor, ainda hoje em vigor: o Estado como poder

concedente e o interesse privado como o executor e beneficiário da atividade. Tal fundamento

tem sido a base legal para que os canais de TV, considerados bens públicos, de interesse

nacional, e com propósitos educacionais, sejam cedidos a empresas privadas, para obterem

lucros com sua exploração comercial. A partir da aprovação do Código Nacional de

Telecomunicações, em 1962, a supremacia do modelo comercial tendeu sempre se cristalizar

(JAMBEIRO, 2008, p. 91-2).

5. E, por último, o controle político dos serviços de TV que é possível por meio da

própria estrutura do poder Executivo. O Presidente da República pode exercer esse controle

de duas maneiras principais: decide sobre o uso das contas publicitárias controladas pelo

governo e continua sendo sua prerrogativa, por meio do Ministério das Comunicações,

escolher quem recebe a concessão de serviços de radiodifusão.

Jambeiro (2008, p. 96-7) afirma que, em 1936, com a criação da rádio Roquette Pinto,

deu-se o início da radiodifusão de cunho educativo. A partir dos anos 1940, passou a ter

grande audiência, inclusive na América Latina toda, quando, em pleno Estado Novo, Getúlio

Vargas investiu recursos consideráveis. Em 1950, com a televisão e nos anos 1960, com o

regime militar, o governo passou a operar emissoras televisivas, quando criou a Empresa

Brasileira de Radiodifusão – Radiobrás e o Sistema Brasileiro de TV Educativa.

A Radiobrás teve como missão inicial a centralização das emissoras de rádio e TV que

pertencessem ao governo federal. Subordinada ao Ministério das Comunicações, foi criada

62

pela Lei nº 6301, de 15.12.1975. Ficaram, então, sob sua direção, as seguintes emissoras:

Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Rádio Mauá, Rádio Nacional de Brasília, TV Nacional de

Brasília. Seus principais objetivos eram estabelecer e operar emissoras de rádio e TV;

transmitir os programas educacionais feitos pelo Ministério da Educação; e, produzir e

transmitir seus próprios programas de entretenimento e notícias. No início dos anos 1980,

recebeu a concessão de sete outras emissoras de TV e 29, de rádio (JAMBEIRO, 2008, p. 97).

Sem investimento financeiro, profissional e de infraestrutura, as concessões da

Radiobrás foram repassadas para outros concessionários, restando-lhe apenas a TV Nacional

de Brasília e o equipamento de rádio para emissão internacional. O tema sobre o sistema

público de comunicação voltou ao debate em 2007, quando o governo decidiu criar a chamada

TV Brasil, que foi objeto de uma Medida Provisória, em apreciação no Congresso Nacional,

mas já em execução, com base na estrutura da antiga TVE, sediada no Rio de Janeiro (idem,

p. 98).

Na análise de Valente (2009, p. 25-6), sobre sistemas públicos de comunicação, há

uma diversidade de definições, caracterizações e abordagens para o segmento. Na literatura

sobre o tema, os conceitos tomam como objeto tanto o serviço quanto o sistema. Para

estabelecer um quadro amplo, o autor enfatiza, para efeito prático, a acepção sintetizadora das

diversas expressões, usando o termo “mídia pública”.

O Brasil teve como marco do nascimento, continua Valente (2009, p. 42), de sua

radiodifusão a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, de 1936, de inspiração elitista, de conteúdo

mais cultural que comercial. O governo de Getúlio Vargas (1930-1945) deu prioridade aos

operadores privados, mas com uns parênteses particulares com a estatização da Rádio

Nacional, porém sem as preocupações com a diversidade brasileira e a independência de

governos de plantão.

Para o autor, a retomada da experiência de mídia pública no país se deu na década de

1960, quando “começa a formação do complexo quadro legal e conceitual dessa modalidade

em nosso país” (Valente, 2009, p. 43). Com a necessidade de constituir um sistema de

educação de massa pela televisão, preocupação dos militares, o Decreto-lei nº 236, de 1967,

institui a figura da televisão educativa, com programas educacionais, proibindo a publicidade

ou patrocínio.

Esse é o período da criação da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, com o

nascimento posterior da Televisão Educativa – TVE, pelos governos estaduais e universidades

federais. Quase todos os estados criaram sua emissora, que passou a combinar conteúdos

educativos, cultural e jornalismo – este último subordinado ao gabinete de governadores. A

63

TV Cultura de São Paulo era mantida pela Fundação Padre Anchieta e controlada por um

conselho nos moldes europeus.

O segundo grande marco, acentua Valente (2009, p. 43-4), foi a aprovação da

Constituição Federal de 1988, artigo 223, ao estabelecer que, para se conceder outorgas, deve-

se observar a complementaridade dos sistemas públicos, estatal e privado – ou seja, seria um

sistema público diferenciado tanto do privado quanto do estatal. Dessa forma, o modelo

institucional das comunicações brasileiras passou a ter “duas camadas”, afirma o autor, de

regulação: a que estrutura o modelo em sistemas; e da regulamentação dos serviços de

radiodifusão, nas outorgas comercial, educativa e comunitária.

O terceiro grande marco deu-se com a criação da EBC, para operar uma “efetiva mídia

pública”. Criada pela Lei nº 11.652/20086, faz menção ao artigo 223 da Constituição Federal

de 1988, no início da Lei da EBC: “institui os princípios e objetivos dos serviços de

radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua

administração direta e autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de

Comunicação – EBC” (BRASIL, 2008 apud VALENTE, 2009, p. 44).

Dessa forma, passa a existir a figura do serviço público de radiodifusão pública pelo

Poder Executivo no âmbito federal com princípios previstos na Constituição quanto à

programação, autonomia e à “participação da sociedade civil [...] respeitando-se a pluralidade

da sociedade brasileira” (VALENTE, 2009, p. 45). Diferencia-se, portanto, das emissoras

educativas, as quais seriam estatais (com exceção da TV Cultura). Assim, o modelo da EBC

aproxima-se da mídia pública como um espaço democrático entre o mercado e o Estado.

Como na afirmação de Valente (2009, p. 269), o sistema público de comunicação

brasileiro existe apenas como figura legal prevista na Constituição. A mídia pública, por sua

vez, é operada fora do conceito de sistema por um complexo quadro de agentes diferenciados.

Na radiodifusão, os serviços da União são explorados pela EBC; nos meios estaduais e

municipais, são operadas pelos executivos das respectivas esferas da Federação.

A respeito da criação da EBC, o autor (idem, p. 269) afirma que “a criação da EBC e

de seu serviço televisivo, a TV Brasil, significou uma tentativa de superação do passado de

atrelamento dos canais públicos aos governos e autoridades para apontar na direção da

construção de iniciativas efetivamente públicas”.

6 Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11652.htm.

64

3.1.2 A demanda crescente por TV pública

Na década de 1960, o debate sobre a necessidade da radiodifusão pública seria

retomado. Mas, ressalta Valente (2009, p. 270), diferente de outros países,

a criação desses veículos não ocorreu motivada pela demanda de transmissão de

informação, cultura e entretenimento, uma vez que as TVs comerciais, em fase de

consolidação nesse período, obtinham legitimidade no atendimento desse tipo de

conteúdos.

O conjunto de televisões públicas encampou a demanda por educação, num país com

industrialização acelerada, com mão-de-obra qualificada, o que levou o governo militar a

promover a criação das TVs educativas, com a regulamentação dessa modalidade de

radiodifusão pelo Decreto-Lei nº 236, de 1967, e a criação do órgão de fomento, a Fundação

Centro Brasileiro de TV Educativa – FCBTVE (VALENTE, 2009, p. 271).

Houve a implementação de emissoras educativas por parte dos governos estaduais, e o

governo federal atuava como centro de produção de programas educativos, instituindo, por

isso, em 1972, o programa Nacional de Teleducação – Prontel. Em 1975, esse programa

passou a atuar como operador direto de emissoras, ano que entrou em funcionamento a TVE

do Rio de Janeiro, como janela de veiculação do FCBTVE, Lei nº 6.301, que criou a Empresa

Brasileira de Radiodifusão – Radiobrás, responsável pela exploração dos serviços de rádio e

TV do governo federal.

Na década de 1980, a tentativa de integração, com a criação do Sistema Nacional de

Radiodifusão Educativa – Sinred, pela FCBTVE, orientava o intercâmbio entre as emissoras,

algo não praticado pelas redes comerciais, que eram cabeças de rede do Rio de Janeiro e São

Paulo (FRADKIN, 2003 apud VALENTE, 2009, p. 271).

Com a dificuldade de interiorização da rede, o Ministério das Comunicações permitiu

às retransmissoras de TV (RTVs) veicular 15% de programação local, o chamado de

retransmissora mista. Os políticos passaram a veicular conteúdos ligados aos seus interesses,

tanto que, em 1998, o governo reformulou o regulamento das RTVs proibindo a inserção dos

15%, mas reconhecendo a grande quantidade de retransmissoras mistas como geradoras.

(VALENTE, 2009, p. 271).

Inicia-se, então, o período do deslocamento dessas TVs exploradas pelos Executivos

estaduais em direção ao mercado. Em 1986, foi promulgada a Lei Sarney, que permitiu às

65

educativas a captação de recursos, flexibilizando o Decreto-Lei nº 236, de 1967, a esse tipo de

repasse de verbas.

Dessa forma, ressalta Valente (2009, p. 272-3), nos anos de 1990, a rede pública, junto

a outros órgãos ou empresas públicas, foi alvo da ideologia e das políticas neoliberais. Isso

levou ao sucateamento de algumas TVs e à busca de integração de verbas publicitárias, a

exemplo da TV Cultura de São Paulo. A TV do Rio de Janeiro, mantida pela Fundação

Roquette-Pinto (extinta FCBTVE), foi transformada em organização social, Associação de

Comunicação Educativa Roquette-Pinto - Acerp, durante a gestão do presidente Fernando

Henrique Cardoso (1995-2002).

Em 1995, outro fator que contribuiu para a estruturação do sistema público de

comunicação no país, foi a Lei nº 8.977, da televisão por cabo, que instituiu a figura dos

“canais básicos de utilização gratuita”, obrigando as operadoras dessa tecnologia a reservar

espaço para canais legislativos, universitários, comunitários, educativo-culturais. As TVs

educativas, continua Valente (2009), ensaiaram a formação da Rede Pública de TV – RPTV,

em 1999, sobretudo, por produções da TV Cultura e da TVE do Rio de janeiro. Durou dois

anos e continuou depois na forma de retransmissão voluntária de programa das TVs citadas e

outras geradoras estaduais, sem a arquitetura de rede comentada.

Na primeira gestão do governo Lula (2003-2006), houve tímida discussão conforme

Valente (2009, p. 273-4), sobre os propósitos dos veículos públicos das estruturas do governo

federal. Iniciativas, como em 2003, com o Seminário da Acerp “O futuro da TV pública”,

refletiram a preocupação de publicização da TVE do Rio de Janeiro. Na Radiobrás, o foco era

a Agência Brasil, com perspectiva de mudanças para a rádio e TV Nacional de Brasília.

Entre 2006 e 2008, por iniciativa do Ministério da Cultura e da Radiobrás, houve

diversos Fóruns. O I Fórum de TVs Públicas, em 2007, reuniu o chamado “campo público de

televisão” para discutir o setor, cujo resultado foi um diagnóstico e um programa de mudanças

“para criação de um efetivo sistema público de comunicação com foco na televisão, no país”.

Também houve fóruns envolvendo as estações radiofônicas.

Desse I Fórum realizado em de maio de 2007, foi redigida a Carta de Brasília,

“Manifesto pela TV Pública independente e democrática”, com representantes das emissoras

públicas, educativas, culturais, universitárias, legislativas e comunitárias, ativistas da

sociedade civil e militantes do movimento social, profissionais da cultura, cineastas,

produtores independentes, comunicadores, acadêmicos e telespectadores, em cujos termos

declarou: “afirmamos, em uníssono, que o Brasil precisa, no seu trilhar em busca da

66

democracia com igualdade e justiça social, de TVs Públicas independentes, democráticas e

apartidárias” (BRASIL, 2007).

As entidades afirmaram, nesse documento, a partir do debate em torno do Campo

Público de Televisão que, dentre as recomendações, estavam:

A nova rede pública organizada pelo Governo Federal deve ampliar e fortalecer, de

maneira horizontal, as redes já existentes; e O processo em curso deve ser entendido

como parte da construção de um sistema público de comunicação, como prevê a

Constituição Federal de 1988. (Idem)

As atenções do governo federal, afirma Valente (2009, p. 274-5), estavam

concentradas na criação de uma nova empresa pública de comunicação, explorada pelo

Executivo federal, com perfil efetivamente público. Em 2008, foi aprovada e transformada na

Lei nº 11.652 a Medida Provisória que institui a Empresa Brasil de Comunicação, a EBC.

3.1.3 A televisão no âmbito da Empresa Brasil de Comunicação

Com base nos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados

pelo Poder Executivo, a Empresa Brasil de Comunicação – EBC é instituída com a missão de

implantar e gerir os serviços de comunicação pública federal de rádio e televisão. Como

citado no início deste capítulo, a EBC S/A é responsável pelos dois canais de televisão: a TV

Brasil e a TV Brasil Internacional e veículos de rádio portais Web. A TV Brasil Internacional

é o canal da TV pública brasileira para o exterior, com compromisso de divulgar a realidade

econômica, política, social e cultural do Brasil, e está presente em 66 países..

A seguir, tratar-se-á da TV Brasil nacional, criada em dezembro de 2007, como

resultado dos debates ocorridos naquele ano sobre a instituição de uma televisão pública,

encaminhado pela Secom, no âmbito do governo federal. Na visão de Miola (2016), a

condução do processo de criação da EBC foi trazida pela sociedade civil organizada com

resultados limitados pelo poder púbico:

[...] Minha crítica a respeito da criação da EBC é principalmente porque as

definições, as decisões foram tomadas sob como é que a Empresa EBC, elas não

foram de fato compartilhadas, discutidas com aqueles que sempre vinham

demandando essas políticas. [...] No Fórum Nacional de TVs Públicas ali participou

muita gente de várias instituições, deram muitas sugestões de como deveria ser uma

TV pública.[...]

Então as motivações que parecem ter ficado por traz da criação da EBC pelo menos

no início, na sua gênese, foi uma tentativa de contestar a cobertura negativa que a

67

mídia podia fazer, fazia do governo federal. Não uma percepção que a gente precisa

atender interesse público, as demandas históricas destas pessoas que vem

trabalhando para isso acontecer. Eles ignoram completamente toda a equipe que

vinha trabalhando na TVE Brasil do RJ. [...]

Algumas decisões que foram tomadas parecem assim que o governo federal naquele

momento usou todo o acúmulo de conhecimento e debate que existia para na

verdade legitimar de um jeito bem artificial um projeto que poderia ser mais um

projeto de poder, um projeto que não poderia ser tão diferente do que aquilo que as

TVs estaduais controladas pelos governos estaduais. [...]

Você pensa o que deu origem a EBC talvez não tenha sido de fato as demandas

desses grupos, o entendimento de que era preciso uma TV.[...]

Com base no princípio de complementaridade previsto no art. 223 da Constituição

Federal, Faxina (2016) analisa a forma de criação de uma televisão pública como um processo

necessário à comunicação do país:

O artigo 223 é um avanço no campo da comunicação do rádio e da televisão no

Brasil. Deve obedecer uma concessão complementar entre público, privado e o

estatal. Nessa hora que você estabelece a democracia. A TV e o rádio, sejam

concessões do Estado, não podem estar só na mão do Estado, nem da iniciativa

privada, nem só da pública, da sociedade civil organizada. Isso nunca conseguiu ser

regulamentado no Brasil. Letra morta na constituição brasileira.

[...] A sociedade deve buscar o equilíbrio na hegemonia entre o privado, o mercado,

todo o corpo do Estado, mas também na sociedade civil original. Uma sociedade que

não tem equilíbrio entre estas três forças não é democrática.

Um aspecto ressaltado por Faxina (idem) é o desequilíbrio de estrutura de

comunicação no sistema televisivo no Brasil e a necessidade do contraponto das televisões

comercial, estatal e pública, no qual defende um espectro democrático de comunicação, uma

estrutura que tenha espaço para representar essas três forças de disputa de hegemonia na

sociedade:

O estatal tem como compromisso ser público – um consenso nacional. [...] Você tem

uma TV que é público-estatal – é estatal, portanto, com vergonha de ser do Estado.

O governo não foi eleito democrático? Qual o problema ter uma TV que expresse o

pensamento do grupo que chegou ao poder? É mais antidemocrático, cujo dono

nunca é eleito.

A TV de Estado, TV de governo de turno, do Estado de turno, eleito vai dar certo

caráter porque é o Estado, é uma construção permanente a vitalidade da democracia,

sofrer variantes. Se você não tem um Estado democrático que expresse esse Estado

organizado, que não expresse o governo eleito democraticamente, você está

deixando só o que a iniciativa privada midiática de conteúdo chegue à sociedade

democrática.

[...] A iniciativa privada, a TV mostrando o lado do mercado que vai salvar a

humanidade. Um outro olhar válido, não concordo com esse olhar mas tem direito

de ser expresso. Mas tem que ter o contraponto. Que o Estado é provedor, qual o

problema? É outra concepção. [...] Mas tem um terceiro olhar fundamental da

sociedade civil organizada.

68

Com relação a políticas públicas de comunicação pública, perspectiva defendida por

Miola (2016), a TV pública tem a ver com uma TV que possui espaço para a participação

pública, não apenas como sujeito ou objeto que é tratado na TV, mas na participação das suas

definições de políticas:

[...] até os anos 2000 uma questão muito importante era distinguir TV pública e TV

Estatal[...] minha perspectiva é de que a gente tem que ter participação nas diversas

instâncias de programação, seja produzindo, seja sendo objeto de comunicação,

participação no financiamento que é a participação pública de uma forma mais

evidente [...]

Nesse aspecto, a possibilidade de acesso ao próprio canal da TV Brasil seria uma das

formas de iniciar o processo de aproximação a essa discussão da estrutura da comunicação

pública no país. Porém, quando a TV Brasil foi criada a partir da fusão entre TV Nacional de

Brasília e as TVEs do Rio de Janeiro e do Maranhão, com transmissão para esses Estados e

mais São Paulo, seja analógica ou digital, a perspectiva era a extensão do acesso para as 24

unidades da Federação. Na lei de criação da EBC, as operadoras de televisão por assinatura

deveriam veicular, obrigatoriamente, o canal em todos os pacotes e planos. Na parabólica,

porém, é ofertada gratuitamente pela Banda C, conforme Valente (2009, p. 275).

Esse é outro equívoco do governo, o acesso, afirma Faxina (2016), que permite que

chegue a TV a cabo, mas não chegue a TV do governo. Nos planos de assinatura, o chamado

Plano Básico não dá acesso à TV Brasil. Como afirma Leal Filho (2015), isso não ocorreu por

conta da dificuldade de sintonia no Brasil.

O acesso é muito difícil, o sinal. [...]. Pois você acaba falando praticamente para

parcela reduzida da população e poder aquisitivo mais alto, porque pode pagar TV a

cabo. [...] A TV pública tem que ser acessível a todos os cidadãos. [...] então você

não atende esse princípio básico. A EBC não atende que é a universalidade

geográfica. Você ter o melhor conteúdo do mundo, mas as pessoas não veem.

Um dos requisitos, durante a criação da EBC, no acesso à programação da TV Brasil,

foi o processo de encaminhamento das parcerias com os Estados, refletindo uma lógica

estritamente da televisão vertical, da grade de programação, um tradicionalismo, conforme o

argumento de Miola (2016):

Um exemplo desse tradicionalismo seja exatamente um acordo firmado com as

parceiras quando a EBC foi criada. Ela abriu o capital para quem quisesse fazer

parte da estrutura dela. As TVs principalmente nos Estados em que os governos

eram aliados, os políticos do PT, passaram a fazer parte dessa grande estrutura,

fornecendo conteúdo e também recebendo conteúdo. [...] Nem todas as negociações

foram simples. Uma das coisas que eu sei que foi ponto de tensão, foi a grade de

69

horário nobre [...] e nesse acordo, que a EBC colocava, ela ficava com o horário

nobre.

[...] então a disputa que teve naquele momento sobre o controle do horário nobre é

uma lógica estritamente da televisão, vertical, da grade de programação, da estrutura

em rede, das afiliadas, que uma passa o conteúdo da outra. [...] a gente tem ainda

essa concepção, que programação televisiva seja construído em cima disso. [...]

Nesse aspecto, Freire (2016) comenta sobre o acesso da TV Brasil em canal aberto, de

governos locais, mas, ao mesmo tempo, a possibilidade de veiculação de produção

independente:

É duplo problema aliás, se não acontecer o sinal da EBC e da TV Brasil onde

deveria chegar e se acontecer é preciso vigiar para que ele não seja contaminado

pela relação com as TVs e as mídias governamentais. [...] todos poderiam vigiar

para não incorporar coisa do governo. [...] Outra coisa ao acesso, a possibilidade de

participação direta de quem produz, conteúdo independente na TV Brasil [...] a

comunicação compartilhada.

Leal Filho (2015) reforça essa necessidade do acesso, independente do governo:

Então só para resumir, o sistema de rede que foi montado, ele não contribui para

uma identidade nacional e que permita que toda a programação seja vista, e mais do

que isto, ela fica na dependência dos governos de Estados. [...] a TV Brasil não

poderia viver na dependência dos humores dos governos que controlam as emissoras

locais. E ela não tem nenhuma notoriedade.

Quanto à estrutura da EBC, é formada por Assembleia Geral; Órgãos da

Administração – Conselho de Administração e Diretoria Executiva – e Órgãos de Fiscalização

– Conselho Curador, Conselho Fiscal e Auditoria Interna (página da EBC).

Conforme Valente (2009, p. 277-8), o Conselho de Administração integra cinco

membros indicados pela Secom, EBC, Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão,

Ministério das Comunicações e o último pelos sócios minoritários da empresa. O Conselho

Fiscal é composto por três membros indicados pela Presidência da República e um do

Tesouro Nacional. A Diretoria Executiva é constituída pelo diretor-presidente, titulares de

cinco diretorias – Jornalismo, Programação e Conteúdos, Jurídica, Administrativo-financeira

e de Serviços – e duas superintendências: de Rádio, que administra as estações; e outra da

Relação Contratual, com outras emissoras.

Com relação ao Conselho Curador, de acordo com Valente (2009), dos vinte e dois

membros, dezenove são indicados pela Presidência da República, dentre os quais quatro

representantes de ministérios do governo federal e quinze pessoas da sociedade civil. Os três

restantes, dois indicados pelo Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal) e um pelos

70

trabalhadores da EBC. Dentre as principais atribuições, estão: deliberar sobre as diretrizes

sócio-culturais-educativas de comunicação, cumprir os princípios e objetivos previstos em lei,

e emitir parecer sobre a linha editorial de produção e programação proposta pela Diretoria

Executiva da EBC.

O papel do Conselho Curador é a ênfase na comunicação pública de caráter mais

efetivo junto à sociedade civil. Do ponto de vista da implementação de um sistema público de

comunicação de âmbito federal, torna mais participativa a tomada de decisões junto às

diversas demandas dos cidadãos, conforme argumenta Freire (2016), presidenta do Conselho

Curador da EBC:

Quando eu e a conselheira Rosane Maria Bertotti assumimos o Conselho Curador

pela sociedade civil, nós fomos indicadas por organismos. Depois o conselho fez

uma lista, fomos indicadas por outros nomes, e foi enviado para a presidência da

República. E nós duas fomos designadas para integrar o conselho na representação

da sociedade civil; entramos em abril de 2013 e tivemos os protestos de junho logo

depois.

Uma primeira providência que o Conselho tomou a partir de nossa entrada foi conta

nossa. Venho do jornalismo compartilhado e dos movimentos sociais do universo do

Fórum Social Mundial. Pedimos que a empresa apresentasse a cobertura que ela

vinha fazendo naquele momento, entrei logo na Câmara do jornalismo do Conselho.

A cobertura de manifestações de rua, a voz da sociedade civil tem sido uma tônica

da preocupação do Conselho em relação à TV Brasil.

Na análise de Miola (2016), a existência do Conselho Curador promoveu um novo

momento da comunicação pública, um debate no âmbito da sociedade civil:

Na criação da Empresa EBC, acho que algumas coisas foram feitas de um jeito meio

criticável, mas resultaram em aspectos relevantes que vinham sendo demandados, p.

ex. a criação do Conselho, que fosse mais ou menos independente. A gente ainda

tem problemas na identificação dos membros deste Conselho, mas os Conselhos que

existiam até a EBC ser criada eles também eram muito problemáticos. [...]

O Conselho da EBC contribuiu para que a gente entendesse de fato que as empresas

de radiodifusão têm que ter Conselho. [...] Antes da EBC se a gente pensasse nos

conselhos de fato eles [...] não estavam sincronizados com a demanda. [...] A criação

da EBC nascendo com um Conselho previsto, e tem outros conselhos [...], o

deliberativo conseguiu ter uma vida própria, tem reuniões, audiências públicas,

discussão de conteúdos.

Sobre o papel do Conselho Curador quanto ao tipo de produção de conteúdos

realizados pela TV Brasil, Freire (2016) ressalta o papel da EBC na comunicação pública:

O esforço que a EBC faz para trazer as diversas vozes. E no jornalismo ela está

sendo bastante pressionada pelo Conselho Curador para fazer o debate da

comunicação. Você tem na TV Brasil programas de debates, e o Conselho pede

mais, que a EBC discuta o lugar da comunicação na sociedade, isso é uma questão

não atendida, faz, mas não de uma forma que nós achamos que deve acontecer. A

71

EBC tem a responsabilidade de articulação da rede nacional com a pública. Precisa

fazer esse debate interno e externo da sociedade.

Ainda dentro da estrutura da empresa, segundo Valente (2009, p. 281), foi instituída a

ouvidoria, a partir da lei que criou a EBC, e é composta por um ouvidor-geral e três ouvidores

adjuntos, respectivamente, para a Agência Brasil, a TV Brasil e para as emissoras de rádio.

Quanto ao financiamento, com relação à EBC, de acordo com Valente (2009, 281-2),

as fontes de receitas são as dotações orçamentárias, serviços, doações, publicidade do poder

Executivo e institucional, apoios culturais e receitas de incentivo à cultura audiovisual. A

norma proíbe a veiculação de anúncios publicitários, e limita este conteúdo a, no máximo,

15% do tempo transmitido. A norma criou também a “contribuição para o fomento a

radiodifusão pública”, em que, pelo menos 75% devem ser destinados ao custeio da EBC. Os

recursos provêm de taxas das telecomunicações, cobradas anualmente de prestadoras desses

serviços.

O orçamento da EBC, em 2015, foi de R$732,18 com percentagem importante

provinda dos recursos do Tesouro Nacional, R$575,45 milhões; e, aproximadamente, ¼ de

recursos próprios, R$156,73 milhões. Com relação aos montantes consignados pela Lei

Orçamentária Anual - LOA, R$283,6 milhões foram destinados para despesas com Pessoal;

R$224,9 milhões, para Custeio; e R$26 milhões para Investimento, conforme Ilustração 01, a

seguir:

Ilustração 01 – Orçamento anual EBC - 2015

Fonte: Página da EBC.

Sobre o modelo de financiamento na televisão pública, Freire (2016) aborda as

experiências do passado entre boas práticas e práticas que não devem ser repetidas:

72

A TV Brasil acaba de nascer em termos de história de comunicação, sem um modelo

para seguir, o modelo da TV Cultura foi muito interessante [...] a TV Brasil precisa

tomar muito cuidado com a forma de financiamento para que não se torne refém de

um segmento também de mercado ou de negócios ou qualquer outro que venha a se

sentir, mesmo que não formalmente, ao entrar de mais na cultura da EBC pode se

sentir em condições de interferir, de dar rumo.

Valente (2009, p. 287-9) aponta algumas questões sobre os meios de comunicação

públicos. Com relação à TV Brasil, para o autor, a questão emergencial é a transição. A

herança da programação da TVE Brasil e da TV Nacional, aos poucos revela a direção da

emissora, como jornalismo, reportagens, debates e entrevistas, além de programas culturais e

projetos de documentários e filmes de ficção independentes.

Outro desafio é a distribuição. A princípio, o alcance do sinal está limitado a três

Estados – Rio de Janeiro, Maranhão e São Paulo (Valente, 2009), mas, atualmente, outros

locais no território nacional incluem Cabo Frio, Campos dos Goytacazes e Macaé no Rio de

Janeiro, Belo Horizonte e Juiz de Fora, Minas Gerais e Tabatinga, no Amazonas (página da

TV Brasil).

Na produção da grade de programação, após sua elaboração, virá a difícil tarefa – se se

levar em conta a história da mídia pública brasileira –, de implementação do arranjo

institucional que impulsione ganho de qualidade com as emissoras educativas estatais na

concorrência, da transição digital de infraestrutura compartilhada para a multiprogramação

entre os canais dos demais poderes, recursos destinados pelo Estado, tendo a EBC papel de

comando da rede nacional e de apoio as emissoras estaduais.

Com relação aos conteúdos, até o final de 2015, a TV Brasil veiculou 1.907h 23min de

conteúdos produzidos pela própria EBC, o que representa 32,8% da grade de programação.

Do total de conteúdos que foram ao ar, 13,8% são produções independentes (803h41min.) e

23,1% são conteúdos regionais (1.345h 29min.). Foram dedicadas ao gênero jornalístico

1.498h24min da programação, o que representou 25% da grade. A TV Brasil transmitiu

1.889h de programação infantil, que representa 32% da grade de programação, conforme o

Gráfico 02 (página da EBC).

73

Gráfico 02 – Produção de conteúdos da EBC para a TV Brasil - 2015

Fonte: da autora a partir da página da EBC.

Uma visão sobre o que tem sido a produção na grade de programação da TV Brasil, de

acordo com Freire, presidenta do Conselho Curador (2016):

[O] esforço que a EBC faz para trazer as diversas vozes. E no jornalismo ela está

sendo bastante pressionada pelo conselho curador: uma para fazer o debate da

comunicação. Você tem na TV Brasil o Ver TV, Dinez com o Observatório da

Imprensa, e o Conselho pede mais, que a EBC discuta o lugar da comunicação na

sociedade, isso é uma questão não atendida, faz, mas não de uma forma que nós

achamos que deve acontecer. A EBC tem a responsabilidade de articulação da rede

nacional de comunicação pública. Precisa fazer esse debate interno e externo da

sociedade.

Sobre o jornalismo e o papel do Conselho Curador, Freire (2006) assinala que

do jornalismo, cobrança de discutir comunicação, trazer novas vozes para o debate.

Também a cobrança de pessoas que são referencias de pensamento crítico, da

academia, cultural, político que não estejam envolvidos na disputa neste momento,

isso deu uma cobrança da reunião nesse sentido. Aumentar o jornalismo, incluir

entrevistas, dar voz para a sociedade, um compromisso [...].

Na visão de Faxina (2016), o perfil do jornalismo na TV Brasil caracteriza-se pela

defesa do mercado:

O jornalismo eu falo, não a TV. Ele é muito mais pró-mercado que pró-Estado, não

tem claro o que é governo, o que é Estado. São coisas diferentes. É um jornalismo

para se legitimar junto com a mídia privada. Tenta ser contra o governo, como as

demais mídias são. [...] Então para que serve essa TV? [...] uma TV que

esclarecesse, não que busque a verdade. [...] Quando dão espaços para o Estado

fazer vem coisa legal. Tem reportagem boa, mas não é a tônica. Quando feita pela

cabeça de rede, feita pela TV Brasil é boa. Mas a maioria é cópia pela rede privada.

[...] É outro olhar, não é tomar partido do governo, não. Tomar partido do Estado

74

sim, não do governo de turno. [...] A questão é a defesa do Estado. Sendo sincero

grande parte das matérias acaba defendendo o governo para defender o Estado. [...]

Existe uma dificuldade do cidadão em buscar uma televisão pública. Mas, é uma

diferença que ele próprio percebe ao percorrer os canais de TV, comenta Leal Filho (2015):

Apesar de toda essa dificuldade, as pessoas percebem que tem uma coisa diferente.

No caso do Ver TV, eu tenho essa experiência, pessoas que estão zapeando e de

repente veem uma coisa que não veem discutir a publicidade. Qual TV comercial

que vai discutir publicidade se ela vive da publicidade? São coisas que chamam a

atenção. Isso eu nunca vi na televisão. Discutir a concessão, eles jamais discutem, e

nós discutimos. Na própria grade de TV, só o ver TV, eles estão tentando fazer um

jornalismo, o Repórter Brasil, Caminhos da Reportagem sobre regulamentação, esta

difícil de sair.

Sobre a produção da programação, dois aspectos relevantes postos por Leal Filho

(2015) são a carência de profissionais e o modelo de conteúdos produzidos:

[...] Não tem formação de quadros profissionais para as TVs públicas, nem nas

universidades, nem nas próprias emissoras, que sempre foram muito restritas.

Quando se montou a EBC aqui em São Paulo, grande parte dos quadros foram

buscados na TV pública, porque aqueles que vêm da TV comercial, eles veem com

todos os vícios da TV Comercial [...]

Uma das maiores críticas que a TV Brasil sempre sofreu foi essa: para que fazer uma

TV pública se ela vai fazer a mesma coisa que as TVs comerciais. Pior, porque ela

tem menos recursos, tem mais limitações etc. Essa é uma discussão-chave: qual o

perfil de conteúdo que deve ter uma TV pública para ser uma diferenciação da

outra?

Sobre o papel do Conselho Curador e dos movimentos sociais no telejornalismo da

TV Brasil, comenta Freire (2016):

Na época [junho de 2013], nós pedimos então, algo que talvez não tenha sido feito

no Conselho que foi o levantamento de registros de áudio e vídeo e texto de toda a

cobertura que vinha sendo feita pela TV Brasil, pelas rádios. Radioagência, pela

Agência Brasil dos protestos no Brasil. Esse conteúdo foi encaminhado pelos

Conselheiros, então todo mundo teve lição de casa, de avaliar de como estava sendo

essa cobertura, depois retomar para um debate sobre o jornalismo.

[...] Então, passamos a fazer muito debate sobre jornalismo chamando alguns

coletivos que estavam envolvidos nessas coberturas de internet, que os repórteres

estavam dentro dos acontecimentos naquele momento estava surgindo com muita

força o trabalho da Mídia Ninja a gente trouxe para discutir também.

Quanto ao papel da mídia pública sendo construído pelo Conselho Curador e à

perspectiva de novos atores políticos, continua Freire (2016):

[...] há muitas pessoas no país que podem estar refletindo o país do ponto de vista da

população e não só uma elite mais aceita em termos de mercado. [...] Então a mídia

75

pública tem que ter essa outra preocupação. Começa aí um diferencial, questão é que

ele não está sendo seguido não, pela mídia pública. É um diferencial que está sendo

construído pela mídia pública. E esse é um papel do Conselho Curador. Ele tem feito

esses debates e tem orientado muito nesse sentido de trazer para a televisão uma

reflexão a partir da população.[...] Tem muita gente fazendo cobertura. [...], Mas

quando ele é coberto, ele é muito, as pessoas que são parte dos protestos elas são

muito decorativas nas matérias. [...] Você não vai buscar nesse universo pessoas

capazes de trazer problemática analisar e refletir. E isso nós temos na sociedade, na

população. E é preciso fazer um exercício de valorizar esse pensamento. De quem,

além de se preocupar com o assunto, se mobiliza para que aquele assunto seja

enfrentado politicamente, ou enfrentado socialmente, culturalmente. [...]

A respeito do desafio do telejornalismo durante as manifestações de junho de 2013, na

perspectiva da TV Brasil, Freire comenta (2016):

É difícil se deparar com um movimento que você não compreendeu bem, que não

tem lideranças, que ninguém fala pelo movimento e você consegue localizar o

pensamento crítico que mobiliza essas pessoas. Isso é jornalismo e dá trabalho, tem

que ter sensibilidade até encontrar essa reflexão acontecendo. A TV Brasil teve esse

esforço na época. [...] o Conselho da EBC, a TV Brasil fez uma bela cobertura dos

protestos, com muita discussão interna. [...] tem várias barreiras que a TV Brasil

teve que superar para poder fazer as coberturas que você viu. A orientação dela para

uma pluralidade de vozes torna ainda mais difícil a missão dela, o trabalho dela, não

era fácil. [...] isso que nós precisamos, comunicação para a sociedade entender.

Um terceiro desafio, na concepção de Valente (2009), ainda durante o primeiro ano de

gestão da EBC, foi a publicização de seus mecanismos de gestão em que pese o papel do

Conselho Curador escolhido para assumir a mediação entre a atividade da empresa e os

interesses da sociedade, com maior transparência e ampliação da coleta de opiniões dos

cidadãos. Na análise sobre os mecanismos do Conselho Curador, Leal Filho (2015) sublinha:

[...] O ideal nas empresas públicas de comunicação é que existam conselhos que

façam essa mediação entre o público e a empresa. [...] no caso da EBC ela recebe

recursos praticamente totais do Estado. Embora ela tenha mecanismos de controles

públicos, que considero bastante razoáveis. Como é o caso do Conselho Curador, é

um conselho amplo tem 20 poucos membros. Ele é amplo, tem participação ampla

da sociedade. Hoje ele quem dá a característica de empresa pública para a EBC,

embora ela seja financiada quase que totalmente pelos recursos do Estado. O que é

uma ameaça permanente, porque se você ver um governo que não se interessa, que

não quer, ele acaba. Pode ser a melhor TV pública do mundo.

Na análise de Bucci, o advento da EBC impulsionou e qualificou o debate sobre a

cultura de comunicação pública não governamental. Uma leitura positiva, mas apesar de

poder ser considerada mais pública do que as suas antecessoras, a Empresa está no jugo do

Planalto. Por justificativa personalista ou idealista, as prerrogativas poderão ser acionadas, o

que afeta o esforço de criar e manter a independência editorial, afirma Bucci (2015, p. 114).

76

Para o autor (idem, p. 144-5), o maior problema está na estrutura organizacional da

EBC, em que o poder, de fato, reside no Conselho de Administração, que elege – e destitui, se

assim o decidir – os seis diretores da empresa. O diretor-presidente e o diretor-geral, por sua

vez, são escolhidos diretamente pelo presidente da República. Como os cinco membros do

Conselho de Administração são indicados pelo Poder Executivo (ministérios ou pelo próprio

presidente da República), praxe em todas as empresas estatais federais, não há possibilidade

de decisões que contrariem as diretrizes expressas dos ministros e do presidente da

República7.

Na visão de Leal Filho (2015), sobre o vínculo institucional da televisão pública:

A TV pública por seu lado é às vezes criticada por deixar de ser tão pública e se

aproximar do Estatal, vínculo com o Estado. O problema que ela não pode se deixar

conduzir pelos governos daquele momento. Os governos mudam ao longo do tempo.

Ela tem que se permanecer como empresa pública. O que costumo dizer é o

seguinte. Em última análise toda empresa pública de comunicação ela é Estatal

porque a titularidade tem um responsável. Ela não é uma empresa que paira no ar.

Em última análise o responsável é o Estado através dos governos.

O Conselho Curador é diferente, enfatiza Bucci (2015), não existindo na velha

Radiobrás. Isso representou um avanço de grande envergadura. Embora designado pelo

presidente da República, as funções do Conselho são mais consultivas, o que traz um

arejamento. Tem poder para, por deliberação da maioria absoluta de seus membros, emitir

voto de desconfiança à diretoria ou a um de seus diretores, o que é, na visão do autor, um

alento. A segunda advertência resultará, necessariamente, em afastamento do diretor e toda a

diretoria. Na pluralidade de vozes que formam o Conselho Curador, existe preocupação em se

fazer representar pela pluralidade da sociedade civil, comenta Freire (2016):

Tem uma representação da sociedade civil neste momento teremos a renovação de

05 cadeiras, e já está decidido que 04 serão ocupadas pelas mulheres, 03 por

representantes da população afro-brasileira ou indígena. [...] Queremos que as

mulheres sejam empoeiradas, a população, a sua diversidade; para que isso aconteça

foi criado um comitê de gênero e raça e também no Conselho Curador, que trazem a

agenda das mulheres, dos negros, indígenas e dos portadores de deficiência. Há todo

um esforço para que a comunicação pública da EBC seja construída. De que essa

7 No dia 12 de maio de 2016, a presidenta da República Dilma Rousseff foi afastada do cargo por 180 dias.

Enquanto aguarda o julgamento do processo de impeachment, o presidente interino Michel Temer exonerou o

diretor-presidente da EBC, Ricardo Melo, no dia 17 de maio. A lei de criação da EBC 11.652/2008 assegura o

mandato de quatro anos ao diretor-presidente, buscando preservar a independência dos canais públicos em

relação as mudanças do poder político, afirma Cruvinel (2016). No Decreto 6.689/2007, dos estatutos da

empresa, o parágrafo segundo do inciso II, diz: "É de três anos o prazo de gestão da Diretoria Executiva, exceto

o Diretor-Presidente, que terá mandato de quatro anos, permitida a recondução". Cruvinel, que foi a primeira

presidente da EBC, repudia a decisão de Michel Temer, pois a lei busca garantir ao sistema brasileiro de

comunicação pública, o principal gestor de pressões políticas que desvirtuariam sua finalidade.

77

comunicação também represente a sociedade na sua diversidade, gênero. Não tem

fórmula, quem vai contribuir o que é público é o público.

Na visão de Bucci (2015, p. 115-6), um erro foi manter a EBC com vínculo funcional

da estatal com a Secom, que tem status de ministério. A disposição do governo era construir

um grupo de emissoras verdadeiramente públicas e não mais um aparato de propaganda

oficial; a EBC deveria estar vinculada ao Ministério da Cultura – MinC, lógica natural em

vários países, devido à afinidade com o escopo de atividades culturais.

Outra crítica de Bucci (2016, p. 116-7) é que a Secom tem a prerrogativa de indicar o

presidente do Conselho de Administração da EBC, autoridade que zela pela boa imagem do

presidente da República, o que, na visão do autor, contamina as relações com a EBC. A

Secom também contrata e supervisiona a veiculação da publicidade oficial do governo, sendo

um ente anunciante e também responsável por centralizar as atividades da EBC; a Secom é

anunciante e radiodifusora, o que pode acarretar conflitos de interesses. Assim, o autor

questiona, sendo a Secom assessora da presidência da República, como irá atuar na

centralização de um complexo de emissoras que se pretende público (não estatal).

O desempenho da EBC, seja como S/A ou Serviços, em relação à produção de

conteúdos – a primeira diretamente ligada a interesses de debate público, e a segunda a

conteúdos relacionados à Presidência da República –, coloca a EBC num mesmo processo de

desafio de gerenciamento. Um embaraço entre o que é público e o que é estatal, na concepção

de Leal Filho (2015):

[...] A TV Brasil é pública, a NBR é uma TV estatal e dá voz aos atos

governamentais, a agenda do Executivo. [...] a confusão que acontece a posteriori é

o fato de ele ser operada pela EBC. Isso é um problema. Na verdade, os conteúdos

são públicos, um é público o outro é estatal, mas a produção é toda feita pela

emissora pública. Isso foi um erro brutal. A NBR e a própria Radiobrás, essa é a

minha opinião, não precisava ter sido dissolvida, ela deveria continuar como agência

de radiodifusão do governo do Brasil. Teria a NBR, uma agência de notícias, uma

emissora de rádio. E deixaria as emissoras públicas, as TVs, as rádios, não sei,

serem públicas. [...] A EBC é uma S/A, ela presta serviços para o governo federal

para operar a NBR. Como opera serviços para outros ministérios também. Para fazer

vídeo, programas. Então é isso.

Freire (2016) aponta um fato a ser discutido, qual seja a ligação da EBC com a Secom:

A comunicação pública que tem a sociedade civil fiscalizando, deveria fazer isso. A

grande parte do tempo do Conselho é voltada a discutir que a TV Brasil não pode ser

chapa branca, por. e, não pode ficar se posicionado colada com o governo.

Chegamos ao 2o. problema da EBC, ela tem um modelo de com que a vincula, muito

intimamente com a Secom, [...] é a ponte entre a Presidência e a EBC, nomeia o

presidente, o diretor geral e também a que faz os repasses de recursos. Essa

78

vinculação com a Secom acaba se tornando problemática, porque a EBC também é

uma empresa que cuida da comunicação pública, mas também vende um serviço que

é a comunicação do governo, ela usa a mesma infraestrutura, usa os mesmos

profissionais.

Miola (2016) comenta que o que dá legitimidade na formulação de uma televisão

pública, foi a descentralização das sedes da EBC:

Eu acho que eu não consigo explicar o que é uma televisão, acho que consigo

explicar mais sobre um processo político que permeia diferentes instâncias. [...]

Então assim mais ou menos sobre o processo de construção dessa empresa e sobre a

legitimidade que o debate poderia ter dado a essa Empresa se ele tivesse sido de fato

amplo.

[...] não digo que todo processo possa ser desqualificado. Existem coisas que foram

negociadas, fruto do debate público, p. ex. o fato de a empresa não ter sede exclusiva

no RJ, exclusiva em Brasília. Isso foi o que aconteceu, uma disputa muito grande

dos parlamentares, principalmente [...] de que a TV fosse em Brasília. Ou que ela

fosse descentralizada porque o entendimento de que, inclusive eles falam muito isso,

Brasília é a capital dos brasileiros. Não tem porque a estrutura da televisão continuar

no RJ. [...] A demanda era que a TV não virasse, mas uma TV do RJ que ela de fato

fosse uma TV do Brasil. Então uma das coisas que eu acho que foi influenciada por

esse debate foi o dispositivo de que a TV ia ter praça de produção descentralizada.

Isso não aconteceu na prática. Não é todo mundo que produz conteúdo, mas eles

ainda produzem.

Na análise de Bucci (2015), a TV Brasil ainda não realizou o sonho de muitos de seus

integrantes e formuladores, pois ainda não se desvencilhou dos tentáculos e das teias da

estratégia de propaganda do governo. Dessa forma, o autor não se mostra otimista com

relação ao futuro das muitas emissoras públicas ou estatais brasileiras. Termina afirmando que

“para ter um bom sistema público de radiodifusão, o Brasil precisa de um novo marco

regulatório e de uma disposição interna em suas maiores emissoras, que apontem claramente

o caminho da independência como um valor inegociável.” (Idem, p. 117).

Sobre o papel da comunicação pública, Freire (2016) afirma a necessidade de maior

ampliação do debate, da participação, como parte do desafio de diferentes segmentos da

sociedade brasileira:

O grande desafio da comunicação pública no Brasil, em geral, é o desafio da

participação social. Você tem várias emissoras, até da EBC, através da TV Brasil ela

tem uma incumbência de ser articuladora da rede.[...], mas que possa dialogar entre

si, um modelo de jornalismo público no Brasil, com suas características regionais,

culturais, que vai dar isso é a participação, [...] foi criado na empresa um comitê de

gênero e raça e também no Conselho Curador, que trazem a agenda das mulheres,

dos negros, indígenas e dos portadores de deficiência. Há todo um esforço para a

comunicação pública da EBC seja construído. De quem essa comunicação também

represente a sociedade na sua diversidade, gênero, não tem fórmula, quem vai

contribuir o que é público é o público.

79

Sobre o papel da televisão na sociedade, Leal Filho (2015) chama a atenção para o

papel específico da televisão pública:

Toda televisão ela educa, seja para o bem ou para mal. Molda comportamentos,

influências, linguagem, vestuário, gírias [...] O papel da TV pública é maior do que

isso, é educar no sentido mais amplo da palavra. Educar para a cidadania,

participação política. Por que ela pode fazer isso? Porque não tem compromisso com

o mercado. Esta dá uma peculiaridade em relação as outras, porque ela não esta

condicionada por amarras nem políticas e comerciais. Pode ser uma, um conceito

que nunca pode perder de vista é que ela é prestadora de serviço público. [...] um

serviço de informação e de entretenimento é um serviço pago pelo cidadão para

receber um serviço. Tem que ser um serviço de qualidade, que eduque a partir do

debate, do diálogo, a partir da pluralidade de visões. Educa para quê? Para melhorar,

qualificar a participação do cidadão na vida social, para que se mova melhor na

sociedade.

No que se refere ao acesso e ao conhecimento da TV Brasil pela população brasileira,

conforme mostra o trabalho “Pesquisa Brasileira de Mídia (2015)”, feito pela Secom, este

canal é conhecido por 31% dos brasileiros – o maior nível de conhecimento é registrado no

Pará (46%) e o menor, em Sergipe (12%). Quando segmentado, o conhecimento do canal

público pelo perfil sociodemográfico dos entrevistados, percebe-se que o comportamento é:

quanto maior a renda familiar e a escolaridade, maior é o conhecimento sobre os canais

(Secom, 2015, p. 131).

Na pesquisa realizada pelo IBGE/PNAD (2015), sobre o acesso a televisão, aponta-se

que, em 2013, o país tinha 65,1 milhões de domicílios particulares permanentes, dos quais,

63,3 milhões (97,2%) possuíam televisão. A televisão por assinatura estava presente em

29,5% (18,7 milhões) dos domicílios com televisão, enquanto 70,5% (44,6 milhões) não

dispunham desse serviço.

O sinal digital de televisão aberta estava presente em 31,2% (19,7 milhões) dos

domicílios, frente a 64,1% (40,5 milhões) sem essa cobertura. A recepção do sinal de

televisão realizada por meio de antena parabólica representava 38,4% (24,3 milhões) dos

casos, contra 61,1% (38,6 milhões) daqueles sem esse dispositivo.

Na área urbana, encontravam-se as maiores proporções de acesso a recepção de sinal

digital de televisão aberta (34,6%) e de televisão por assinatura (33,2%), contudo, a área rural

registrava maior percentual de domicílios com recepção de sinal de televisão por antena

parabólica (78,3%), frente a 32,2% na área urbana.

A seguir, apresenta-se o Gráfico 01, a partir dos dados expostos:

80

Fonte: IBGE, Diretoria de pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios, 2013.

81

Capítulo 4

Comunicação pública no Brasil e na Espanha

Para a análise comparativa da comunicação televisiva sobre os movimentos sociais na

Espanha e no Brasil, tomamos a obra de Hallin & Mancini (2008) sobre sistemas midiáticos

comparados. Os autores estabelecem, comparativamente, a proximidade entre os sistemas

políticos e comunicativos, cuja explicação histórica é um contínuo dificilmente analisável

separadamente, apesar de serem esses sistemas produto de uma estrutura social determinada.

Nessa perspectiva, há três dimensões-chave na comunicação social contemporânea: as

políticas no desenvolvimento da comunicação, a prática comunicativa em si mesma e a

função social percebida da comunicação.

Para comparar diferentes países e investigar as tendências dominantes dos modelos

comunicativos das democracias capitalistas desenvolvidas da Europa ocidental e da América

do Norte, os autores propuseram quatro dimensões de análise: 1) o desenvolvimento da

imprensa de grande tirada; 2) o paralelismo político entre os meios de comunicação e os

partidos políticos; 3) o desenvolvimento profissional dos jornalistas; e, 4) o grau e a natureza

da intervenção estatal no sistema de meios de comunicação.

Ao estabelecer a comparação, considerando essas dimensões, os autores apresentaram

três tipos de modelos de sistemas de meios de comunicação: o modelo Liberal, que prevalece

na Grã-Bretanha, Irlanda e América do Norte, de relativo domínio dos mecanismos de

mercado e dos meios de comunicação comerciais; o modelo Democrático Corporativo,

predominante no norte da Europa continental, de coexistência histórica dos modelos de

comunicação comerciais com os meios dependentes de grupos sociais e políticos, e um papel

estatal legalmente limitado, mas relativamente ativo; e o modelo Pluralista Polarizado, que

prevalece nos países mediterrâneos do sul da Europa, com a integração dos meios de

comunicação na política de partidos, de desenvolvimento histórico fraco dos meios de

comunicação comerciais e um importante papel do Estado. (HALLIN & MANCINI, 2008, p.

10-1).

O enfoque dado nesta tese, e neste capítulo, especificamente, será no modelo que os

autores apontam para a Espanha e que encontra similaridades nos países latino-americanos – o

modelo Pluralista Polarizado ou Mediterrâneo. Hallin & Mancini (2008, p 83-4) discorreram

sobre as semelhanças históricas, políticas e sociais da Grécia, Portugal e Espanha como

82

últimos regimes autoritários da Europa ocidental a iniciarem, com êxito, sua transição até a

democracia liberal, e a alcançarem a democracia na metade da década de 1970 –

diferentemente, portanto, da França, Europa ocidental e América do Norte, onde as

instituições liberais, incluindo o industrialismo capitalista e a democracia política, se

desenvolveram mais tarde. O ancien régime, a aristocracia rural, o Estado absolutista e a

Igreja Católica, ou ortodoxa, estavam mais arraigadas nessa região, e o liberalismo triunfou

depois de um prolongado conflito político que, em muitos casos, continuou século XXI

adentro. Um legado importante dessa história é o fato de que o espectro político se manteve

mais amplo, e as diferenças políticas resultaram mais marcadas no sul do que ao norte da

Europa e América o Norte. Essa circunstância é denominada pelos estudiosos das ciências

políticas de pluralismo polarizado.

Essa tardia e disputada transição para a democracia na região mediterrânea da Europa

ocidental, continuam os autores, produziu um aparato de relações bem-determinadas entre os

meios de comunicação e o mundo político. Os meios de comunicação de massa estavam

intimamente implicados nos conflitos políticos que caracterizavam a história dessa região, e

os consideravam um meio de expressão ideológica e de mobilização política. Ao mesmo

tempo, o desenvolvimento dos mercados dos meios de comunicação privados era

relativamente fraco – isso significava que os meios de comunicação tinham que depender do

Estado, dos partidos políticos, da Igreja, ou de ricos patrocinadores particulares, e que se

reprimia a profissionalização e o desenvolvimento dos meios de comunicação como

instituições autônomas (HALLIN & MANCINI, 2008).

No que se refere ao sistema Pluralista Polarizado do sul da Europa, Hallin & Mancini

(2008, p. 127-9) apontam algumas reflexões e análises, como a larga e conflitiva transição ao

capitalismo e o fato de a democracia burguesa ter produzido um sistema de meios de

comunicação estritamente vinculado ao mundo da política. Uma vez consolidada a

democracia, os meios de comunicação serviam para representar a ampla estratégia de forças

políticas que competiam para exercer sua influência. As tiradas de imprensa eram

relativamente curtas, e os meios de comunicação eletrônicos ocupavam uma posição central

correspondente. A radiodifusão tendia a ser partidária, o profissionalismo jornalístico estava

menos desenvolvido que os demais sistemas, e as lealdades suplantavam um compromisso

com as instituições e normas profissionais comuns – era relativamente constante a

instrumentalização dos meios de comunicação por parte do Estado, os partidos ou os

proprietários particulares com vínculos políticos. O Estado desempenhava um papel

intervencionista, e o clientelismo e a polarização política foram corrompidos com o regulador.

83

Ao relatarem que os meios de comunicação se desviaram em muitos aspectos da

norma liberal predominante de profissionalismo neutro e de um papel “vigilante”, Hallin &

Mancini (2008) relacionaram algumas semelhanças e diferenças em suas funções

democráticas que poderiam ser relevantes para um juízo. Esses países, nos últimos anos do

século XX, saíram de circunstâncias políticas e econômicas muito difíceis, para não só

consolidar sistemas políticos democráticos e como também reduzir, de forma espetacular, a

distância econômica que os separava do resto da Europa ocidental.

Alguns aspectos dos seus sistemas de meios de comunicação, porém, eram

problemáticos. Um deles refere-se ao número reduzido de leitores de jornal impresso e o

desequilíbrio entre os gêneros desses leitores; outro, uma cultura autoritária remanescente que

se refletia em um acesso restrito à informação pública e às pressões oficiais contra o

jornalismo crítico; e, por último, uma tendência à instrumentalização dos meios de

comunicação, por parte tanto das elites políticas quanto dos proprietários comerciais – que

muitas vezes eram as mesmas pessoas. Alguns elementos parecem mais positivos, como o

pluralismo dos meios de comunicação, com ampla gama de pontos de vista. Mas a questão é

como medir esse pluralismo e comparar.

Havia outros elementos mais difíceis de julgar, como a cobertura política que tinha se

intensificado – vista por Hallin & Mancini (2008, p. 131) como saudável alternativa à

despolitização comercial que estava avançando em outros sistemas de meios de comunicação

– a mudança, como uma manifestação da hegemonia das elites partidárias sobre os meios de

comunicação. Na Espanha e em Portugal, os partidos não tinham a penetração entre o público

geral que havia ou há particularmente na Itália. Porém, os partidos desempenharam um papel

social de grande importância, já que dirigiram, em grande medida, a transição para a

democracia.

Não deve surpreender, portanto, que os partidos exerçam uma influência considerável

sobre os meios de comunicação, menos ainda que os meios decomponham uma ênfase

importante em suas atividades. A relação dos meios de comunicação com os partidos tem seus

aspectos tanto fortes como fracos – o que contribuiu para desenvolver um sistema pluralista

de meios de comunicação que cobre com seriedade os assuntos políticos, Mas, paralelamente,

eles têm contribuído para a elite do jornalismo, uma desigualdade entre os leitores, uma

tendência a colaborar com o poder político e uma tendência a se concentrar de forma

demasiadamente exclusiva na atividade das elites dos partidos.

Dada a estreita relação que existe entre os meios de comunicação e as instituições

políticas, em especial as elites dos partidos políticos, os autores indagam se o sistema de

84

modelo Pluralista Polarizado significa que a esfera pública é menos aberta. Pouco se

investiga, afirmam, mas a informação que existe faz pensar que a resposta é “não”, que não há

nenhuma tendência geral nos sistemas de modelo Pluralista Polarizado que vá nessa direção.

Os autores citam os movimentos sociais, como grupos externos ao sistema político, que

tratam de introduzir alguma questão na agenda política e, portanto, a maneira de informar

sobre esses movimentos constitui uma prova de atuação democrática de um sistema de meios

de comunicação.

Os autores argumentam a importância de uma investigação comparativa ampla dos

meios de comunicação para demonstrar uma pauta de diferenças em seu papel político

demasiado complexas, como falar simplesmente dos meios de comunicação mediterrâneos

“atrasados”.

Ao descrever o sistema Pluralista Polarizado, no qual está inserida a análise dos

sistemas políticos e comunicativos, avança-se nesta investigação, trazendo as discussões para

o contexto brasileiro. Os autores apontam na introdução da sua obra a tendência de sistema na

América Latina, e, consequentemente, no Brasil. Essa é uma perspectiva de análise

comparativa que possibilita ampliar e aprofundar os contextos históricos e sociais para poder

entender os contextos midiáticos da Espanha e do Brasil.

4.1. Contexto dos movimentos sociais contemporâneos

Quando o livro Occupy (2012) trouxe as eclosões dos movimentos sociais ocorridos

em 2011 no norte da África, Oriente Médio, Europa, EUA e América Latina, apresentou

consequências como a implosão da crise social, econômica e, fundamentalmente, a crise

financeira mundial de 2008. Dessa forma, o livro discutiu, na visão de diferentes autores, a

busca pelo debate desse fenômeno social das manifestações.

Um aspecto importante nesta análise, porém, logo na apresentação da obra, é que o

autor (CARNEIRO, 2012, p. 08) apontava uma importante semelhança de ação nesses

movimentos, essencial para o debate dessas reivindicações massivas:

[...] Em todos os países houve uma mesma forma de ação: ocupações de praças, uso

de redes de comunicação alternativas e articulações políticas que recusavam o

espaço institucional tradicional. [...] Os movimentos se manifestavam em rebeliões

praticamente espontâneas contra as estruturas partidárias e sindicais vigentes, mas

sem forjar ainda uma nova articulação orgânica e representativa dos anseios de

transformação e ruptura.

85

Com a discussão sobre as especificidades de cada país e região, as manifestações

trouxeram seu caráter de revolução democrática, crise nacional, greve geral, movimentos que

se estenderam de forma epidêmica, algo de dionisíaco, uma onda de catarse coletiva, como

sugere Carneiro (2012). Muitos analistas buscaram a compreensão desse novo momento da

política global com a voz das ruas questionando a política e o capitalismo financeiro com

críticas e esperança.

Enfatizando cada movimento ocorrido, a obra aponta suas novas dinâmicas, desde o

otimismo poético – pela falta de definições estratégicas – até a própria produção da crise

global e as questões, como “destruição criadora”, proletariado precarizado, democracia real,

desigualdade social, da riqueza e do poder. Além disso, questiona as próprias estruturas

institucionais, como sindicatos e partidos e, na essência, o próprio sistema capitalista gerador

de antigas e novas exclusões.

Alves (2012, p. 32-5) enumera seis características desses novos movimentos sociais:

complexa diversidade social; recusa de táticas violentas e ilegais, evitando-se a

criminalização; utilização de redes sociais para intervenção e mobilização; inovação e

criatividade política de contestação social; capacidade de comunicação e visibilidade das

misérias da ordem burguesa; e reivindicação de democratização radical contra a farsa

democrática dos países capitalistas centrais.

Apesar de a autora frisar as diferenças políticas existentes entre as sociedades sob o

Estado de direito democrático, diferente da política dos países no mundo árabe, os novos

movimentos sociais são vistos como reverberações radicais do capitalismo financeiro,

atrelado à crise social do desemprego e laboral, com a corrosão do Estado social, culminando

com a crise da política dos partidos liberais ou socialistas. Daí surgem interrogações sobre

como os movimentos podem elaborar políticas efetivas para pautar governos e trazer

perspectivas, tendo em vista a nova fase do capitalismo (ALVES, 2012).

A obra Cidades Rebeldes (2013) aborda os fatos que levaram milhares de pessoas a

participarem das manifestações de junho de 2013, no Brasil. O debate é a luta em torno do

direito à cidade e das contradições existentes no espaço urbano – transporte público e a tarifa

zero, os afetados pelos megaeventos Copa das Confederações e Copa do Mundo, violência

policial contra os manifestantes, crise de representação de partidos, sindicatos e organizações

de massa tradicionais e a crise do mercado, como já visto nas manifestações de 2011.

Lima (2013), nessa obra, chama a atenção para o debate com relação à democracia e

às formas de expressão pública, quando analisa a maneira pela qual os grandes meios de

86

comunicação, denominados por ele de “velha mídia” – jornais, revistas, rádio e televisão –,

têm, nos últimos anos, investido na desqualificação dos partidos políticos e da política. Para

esse autor (idem, p. 89-90), as novas tecnologias de informação e comunicação constituem os

dispositivos tecnológicos pelos quais as manifestações se articulam. Mas, lembra o autor, a

centralidade da velha mídia é tamanha que nada ocorre sem seu envolvimento direto e/ou

indireto, e, por isso, questiona o papel dela nas manifestações de junho de 2013, no Brasil.

Os participantes das manifestações, na maioria jovens e convocados pelas redes

sociais, independente da velha mídia, “ainda dependem dela para alcançar visibilidade

pública, isto é, para serem incluídos no espaço formador da opinião pública” (LIMA, 2013, p.

90), principalmente a televisão, que detém o monopólio de “tornar as coisas públicas”, dar

visibilidade e “realimentar” a própria continuidade do processo (aspas do autor). Na análise

do autor, as redes sociais “não garantem a inclusão dos jovens – nem de vários outros

segmentos da população brasileira – no debate público cujo monopólio é exercido pela velha

mídia” (idem).

Desde que a televisão se tornou “mídia de massa” hegemônica, a cultura política tem

sido a de desqualificar a política e seus atores, fator que não se pode ignorar – independente

das razões de insatisfação generalizada de uma parcela significativa da população brasileira –,

nem tampouco ignorar os riscos para o regime democrático diante deste cenário da cultura

política que prevalece.

Ao comentar a questão da credibilidade da democracia, Lima (2013, p. 91-2) cita o

trabalho de Maria do Carmo Campello de Souza, dos anos de 1980, em que se discutem as

crises econômicas, apontadas como de menor peso do que o system blame (“culpar o

sistema”) – contribuição essa da velha mídia como um dos obstáculos à consolidação

democrática. Dessa forma, Lima propõe observar como tem sido, então, o comportamento da

velha mídia na cobertura das manifestações que, no primeiro momento, foi de condenação e

repressão e, ao se alastrar, a velha mídia alterou sua avaliação com cobertura em tempo real,

em tentativas de cooptação, com bandeiras alheias à motivação original dos manifestantes.

Identificando a questão da tarifa do ônibus, disfarçando o seu papel histórico de bloqueadora

do acesso público às vozes, também identificou a oportunidade de “desconstruir” as inegáveis

conquistas sociais dos últimos anos.

Ao retomar a discussão sobre a crise da representação política, afirma o autor, como

sinal de esgotamento de instituições tradicionais das democracias representativa, a velha

mídia não poderia mais ser considerada o “quarto poder”, imparcial e independente. No

modelo clássico oitocentista (LIMA, 2013, p. 92), o déficit de representação política em nosso

87

parlamento, a ausência de vozes, no debate público, e a corrupção da opinião pública, com as

práticas dos oligopólios da velha mídia, ajudaram a compreender a explosão das ruas. A velha

mídia não ofereceu espaço para o debate de questões de interesse público, salvo exceções,

nem ouvidorias para a diversidade de opiniões que não encontrava canais de expressão

pública, nem como se fazer representar, no debate público, um formador da opinião pública.

Ao dissimular suas reais intenções, a velha mídia não só fez parte como de fato agravou a

crise de representação política.

O autor propôs, então, que as manifestações deviam “ser vistas por aqueles em posição

de poder como oportunidade de avançar, de reconsiderar prioridades e políticas públicas e

participativas e democráticas” (LIMA, 2013, p. 94), e que a velha mídia refletisse sobre o tipo

de cobertura política que vinha sendo oferecida ao país. Não sendo um tema fácil, deve

considerar os limites de cobertura e os riscos de ruptura do próprio sistema democrático que

isso implica. Assim uma reforma política deve incluir a regulação das comunicações como

garantia de condições para a formação de uma opinião pública capaz de agregar mais vozes ao

debate público democraticamente representado.

Castells (2013, p. 11-2) dedica-se aos movimentos ocorridos na Islândia, no mundo

árabe, Europa e EUA, que protestavam contra ditaduras, crises econômicas, políticos

corruptos e mentirosos, uma mídia suspeita – “a confiança desvaneceu-se” e, sem ela, nada

funciona, afirma o autor. Ao iniciar nas redes sociais – espaço de autonomia –, formaram

redes a despeito de suas opiniões, pessoas ou filiações organizacionais. Quando se uniram,

superaram o medo, a intimidação ou desestímulo e a própria violência institucionalmente

aplicada. Do ciberespaço, passaram a ocupar o espaço público, numa manifestação de

autoconsciência, característica dos movimentos sociais.

Ao investigar sobre os movimentos sociais na sociedade em rede, característicos de

nosso mundo, o autor sugere algumas hipóteses baseadas na observação, sobre a natureza e as

perspectivas dos movimentos sociais em rede, com a esperança de identificar os novos rumos

da mudança social, e as implicações práticas dessas hipóteses. Inicia, então, discutindo a

teoria do poder apresentada em sua obra Communicacion Power, cuja premissa são as

relações de poder, embutidas nas instituições, particularmente no Estado : onde há poder, há o

contrapoder, desafiado por atores sociais, reivindicando a representação de seus próprios

valores e interesses. “A verdadeira configuração do Estado e de outras instituições que

regulam a vida das pessoas depende dessa constante interação entre poder e contrapoder”

(CASTELLS, 2013, p. 14). Esse debate está apresentado no Capítulo 1 desta tese.

88

Para o autor (idem, p. 15-8), não basta a coerção, pois o fundamental no poder é a

batalha pela construção de significado na mente das pessoas, compartilhar significado. Na era

digital, a característica comum é a criação, formatada e difundida nas redes de comunicação

multimídia, que afeta as normas de construção de significado e, portanto, a produção de

relações de poder – é a autocomunicação de massa, dando autonomia ao ator social, seja ele

individual ou coletivo, em relação às instituições da sociedade que, segundo Castells (idem),

ameaça os governos.

Ao influenciar a mente humana, as redes de comunicação – que se conectam formando

redes ad hoc de projetos específicos, cujo interesse comum é definir regras e normas da

sociedade mediante um sistema político com interesses e valores – são fontes decisivas de

construção de poder. A reprodução das relações de poder em cada rede depende das funções

de coordenação e regulação do Estado, como demonstrou o colapso dos mercados financeiros

de 2008, quando governos foram chamados a efetuar o resgate no mundo todo.

Como o Estado constitui a rede-padrão para o funcionamento adequado de todas as

outras redes de poder, o contrapoder é a tentativa de alterar as relações de poder, rompendo e

alterando as redes de resistência e mudança social. Os autores da mudança social exercem

influência decisiva na construção do poder. O cidadão da era da informação é capaz de

inventar novos programas e elaborar projetos, compartilhando sua experiência; subverter a

prática da comunicação; lutar contra os poderes constituídos, identificando as redes que os

constituem, afirma Castells (2013).

Os movimentos sociais exercem o contrapoder, construindo um processo de

comunicação autônoma nas redes internet e plataformas sem fio, o que propicia deliberar e

coordenar ações de forma ampla. Nessa luta, os movimentos sociais precisam construir um

espaço público institucional, para a deliberação, ocupado pelos interesses das elites

dominantes e suas redes. Os movimentos sociais precisam abrir um novo espaço público

visível nos lugares da vida social. Por isso, ocupam o espaço urbano e os prédios simbólicos,

que têm desempenhado mudança social, por três motivos (CASTELLS, 2013, p. 18-20):

a) criam uma comunidade que se baseia na proximidade, para superar o medo, pois

terão de confrontar a violência – local que define “dentro e fora” e desafia as normas

burocráticas sobre o uso do espaço;

b) os espaços ocupados não carecem de significado; são carregados do poder

simbólico, do poder de Estado. O controle do espaço simboliza o controle da vida das

pessoas;

89

c) os movimentos sociais criam um espaço de deliberação que se torna um espaço

político, um espaço híbrido: o ciberespaço com o espaço urbano.

Ao constituírem esse novo espaço público, entre o digital e urbano, de comunicação

autônoma, e permitir que o movimento se forme e se relacione com a sociedade em geral,

para além do controle dos que detém o poder, Castells (20013, p. 20-1) indaga de onde vem

os movimentos sociais. As raízes estão na injustiça, em causas estruturais e motivos

individuais. Os movimentos sociais são a fonte da mudança social, cujas práticas reais são

desenvolvidas por indivíduos, em seus corpos e em suas mentes. Mas, ainda, há outra questão:

a de saber por que e como centenas de pessoas decidem fazer o que foram aconselhadas a não

fazer, pois seriam punidas.

A motivação de cada indivíduo, a maneira pela qual se constitui uma rede, levando à

ação coletiva, a diversidade de interesses diante de um conjunto de objetivos comuns, o modo

de como se relacionam com a sociedade em geral e com outros indivíduos, o funcionamento

de grande número de casos ampliando as redes formadas, são questões apontadas por Castells

(2013, p. 21-4), pois, no plano individual, os movimentos sociais são emocionais. A

insurgência não começa com um programa ou estratégia política – embora possa vir depois,

quando surge a liderança, com agendas políticas. O “big-bang” começa quando a emoção se

transforma em ação, passando pelo medo, entusiasmo, ansiedade, raiva, que aumenta com a

percepção de uma ação injusta.

Formar um movimento social requer, sob a forma de indignação, conectar-se a outros

indivíduos, compartilhando sentimentos criados no processo de comunicação. Num segundo

momento, propagar eventos e emoções a eles associadas. A comunicação é um mecanismo do

qual os movimentos sempre dependeram, mas, atualmente, as redes digitais são os veículos

mais rápidos, autônomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda a história. E

quanto mais interativa e autoconfigurável for a comunicação, menos hierárquica será a

organização e mais participativo o movimento.

Assim, ressaltando as implicações práticas propostas inicialmente por Castells (2013,

p. 24-5), o autor afirma que os movimentos sociais em rede da era digital representam uma

nova espécie em seu gênero, tornem-se matérias-primas para a experimentação ideológica ou

a instrumentação política, ao definir objetivos e representações que pouco têm a ver com sua

realidade. Compreender os movimentos sociais relaciona-se à avaliação do verdadeiro

impacto da ação conjunta dessas redes de indivíduos sobre as instituições da sociedade e

sobre si mesmos; exige um conjunto de dados e instrumentos analíticos, já que as

características das instituições e das redes de dominação devem ser confrontadas com as

90

características das redes de mudança social. Para que as redes de contrapoder prevaleçam

sobre as redes de poder, é necessário reprogramar a organização política, a economia, a

cultura ou o que pretendam mudar, introduzindo outras instruções. Esses são impasses e

desafios que os novos movimentos sociais impõem aos cientistas sociais, ativistas e

pensadores interessados em debater a própria dinâmica desses movimentos.

Gohn e Bringel (2014, p. 08-12) descrevem o cenário do mundo globalizado no final

do XX como a rearticulação das formas de dominação no campo econômico, político e social.

Essa globalização assimétrica, afirmam os autores, reestruturou as formas de organização e de

protestos das ações coletivas e dos movimentos sociais por meio do aparecimento de ativismo

internacional e transnacional e multiescalar; da renovação dos atores sociais que

compartilharam e deram sentidos diferentes à mobilização; do “paradoxo democrático” de que

o ideal democrático é cada vez mais geral; das mudanças no cenário internacional e regional;

e, das críticas ao eurocentrismo e ao “ocidentalismo”.

Na pluralidade do debate sobre os movimentos sociais, os autores enfatizam dois

aspectos: eles continuam sendo atores centrais dos processos e dinâmicas de protestos e lutas

por mudança e justiça social no mundo contemporâneo; e são feitas articulações de “novas

práticas” no interior de movimentos, com novas temáticas e formas de organização e

comunicação.

De acordo com Falero (2014), há novas perspectivas que possibilitam promover a

geração de estudos dos movimentos sociais na construção de conhecimento mais comparativo

de realidades, mais transversal, mais provocador de criatividade. Há um conjunto de aberturas

teórico-metodológicas que não são únicas, afirma o autor, e por isso, propõe-se discutir cinco

vetores de aproximação, para compreensão desses fenômenos mais atuais.

O primeiro vetor é a heterogeneidade de manifestações populares, herança dos anos da

década de 1970, quando surge a ideia de desenvolvimento desigual – o que deve ser

investigado são as relações visíveis e invisíveis. Há, portanto, uma riqueza da diversidade de

lutas na América Latina que promovem leituras transversais e comparativas:

Que é visualizar a tensa construção de uma cidadania ampliada frente a projetos

sociopolíticos que a ela se opõem, de lutas para generalizar a consciência do direito

a ter direitos e de práticas sociais que levem a abertura de aspirações de uma

sociedade mais igualitária e participativa. E que tornem possível uma comunicação

entre as diferentes lutas, numa perspectiva global postulada por Hardt e Negri (2002;

2004). Uma noção que permite a reconexão de lutas dispersas é a de lutas sociais

(FALERO, 2014, p. 41).

O segundo vetor é o campo de observação a partir do recorte da realidade que se

91

realiza e a importância da mediação e as conexões conceptuais. Nesse cenário, os fatos

assumem significação, concretude e socialização com novas formas de subjetividade coletiva.

Este campo, nos estudos transversais e comparativos, complexifica o desafio, pois atualiza o

problema das aberturas e o exame dos processos microssociais nas “margens”, abrindo a

formulação de novos conceitos e novas perguntas rumo a novas pesquisas (FALERO, 2014, p.

42-4).

O terceiro vetor diz respeito à conexão entre movimentos sociais e território. Importa

ver como o espaço está envolvido na própria produção das ações. Bringel (2006; 2011 apud

FALERO, 2014, p. 45) propõe três dimensões: a estrutura geográfica de um movimento social

e suas implicações para a mobilização/desmobilização; as redes e a construção social das

escalas de intervenção política e a relação entre lugar e identidade. Deve-se, então,

compreender que os movimentos sociais se dão em contextos geográficos particulares e, por

isso, afetam a prática coletiva situada. Outro elemento é “autonomismo”, utilizado por Negri

(1992 apud FALERO, 2014), provindo da contribuição de Marx, que recoloca a subjetividade

social, bem como a compreensão de território, pois o processo produtivo mercantiliza todas as

atividades sociais.

Um quarto vetor é a historicidade e potencialidade de um movimento, em que os

fenômenos são pensados de forma estática, de estruturas dadas. Falero (2014, p. 46-9) propõe

pensar um processo em construção e aberto – corroborando as ideias de Giddens (1995 apud

FALERO, 2014) e Bourdieu (2007 apud FALERO, 2014) – no qual as “estruturas” não são

externas ao sujeito, e pensar como os próprios sujeitos são construtores ou reprodutores de

estruturas sociais que devem ser levados em conta na análise de sujeitos sociais.

E o quinto e último vetor, conceitos e linguagem, a exemplo do termo sociedade civil,

que o autor enfatiza ter um uso desmesurado, mobilizando distintos agentes sociais que a

constroem com diversos significados, por vezes contrapostos.

Para analisar os movimentos sociais, Falero (idem) usa os conceitos de sociedade civil

de Gramsci (1995 apud FALERO, 2014) – âmbito de constituição de sujeitos sociais,

expressão de um projeto estratégico, como apropriação subjetiva e real de elementos de

transformação social – e de campo de Bourdieu (2003 apud FALERO, 2014), cuja relação

com a subjetividade coletiva constrói o habitus que supõe princípios de valor e de juízo

definidos nas regras próprias do campo.

Com relação à problemática da linguagem, Falero (2014, p. 50-1) exemplifica noções

de “sociedade civil global” ou “sociedade civil regional” como formas de cooperação entre

agentes de diferentes Estados-nação. Como discutido anteriormente, também a emergência de

92

redes múltiplas, de distintas características que emergem, congelam-se, dissolvem-se ou se

recriam. Portanto, enfatiza o autor (idem), é necessário “encontrar na linguagem uma

terminologia que tenha impacto sobre a teoria de modo a eliminar vazios conceituais e

permitir dar conta de um conjunto de práticas transacionais muito diversas”.

Para os estudos transversais e comparativos, deve-se estabelecer os efeitos dos

movimentos – geralmente as análises são centradas nos aspectos mensuráveis e é ignorada a

produção de novos códigos culturais e a atividade submergida de redes sociais. Assim, as

mediações como uma rede de agentes em jogo devem ser consideradas. As transformações

precisam ser vistas a partir da própria experiência dos participantes e, depois, daquelas que

operam como modificadores da subjetividade coletiva na sociedade. A América Latina

oferece numerosos casos de movimentos e redes de organizações sociais que permitem

amarrar práticas coletivas e mudanças políticas e transformações simbólicas.

Analisando-se mais de perto as práticas políticas e ampliando a discussão, Pinto (2014,

p. 129) compara a história dos movimentos sociais em 2011 e enfatiza “que estamos frente a

um fenômeno com qualidades diferenciadas quando se examinam as manifestações da

Primavera Árabe, dos Indignados na Espanha e dos Estudantes no Chile”. Ao analisar

comparativamente esses dois últimos países, parte da hipótese de que está à frente de uma

nova forma de fazer política. Levantam-se, então, a partir dessa hipótese, cinco novidades que

a autora acredita caracterizar esses movimentos, a começar pela radicalização da democracia

que aparece nas manifestações e que tomou lugar das utopias de tipo socialista, como uma

forte crítica a uma democracia que não se realiza devido a uma elite política concentrar poder

político e econômico (PINTO, 2014, p. 135-9).

A segunda novidade é a internet e o celular, não apenas para comunicação imediata,

mas como forma de organização, em dois vetores diferentes, chamado horizontal tornando o

movimento aberto e acessível, e verticalmente na organização de redes, que seriam a terceira

novidade. Na quarta, são os movimentos liderados por jovens, que há muito estavam

afastados da política.

A quinta novidade é a relação dos movimentos com os espaços públicos, que se

tornam esferas públicas, de formação de opinião, pois “se apropriam da geografia das cidades,

transformando praças e calçadas em lugares de discussão e de construção de discursos e do

próprio movimento” (PINTO, 2014, p. 139). Isso possibilita grande visibilidade dos

movimentos nas ruas e nas praças, com capacidade agregadora de diferentes segmentos e um

alastramento da própria luta; formas de como estão tomando a rua parece apontar para uma

novidade na forma de se fazer política.

93

4.2. Metodologia da cobertura dos noticiários sobre as manifestações

Considerando a necessidade de estudos comparativos no âmbito da comunicação

política, de acordo com Hallin & Mancini (2010), e ampliando os debates entre os sistemas

dos meios de comunicação e os sistemas políticos na Espanha e no Brasil, esta pesquisa

analisa a cobertura jornalística dos telejornais da televisão pública espanhola e brasileira sobre

as manifestações do movimento 15-M, na Espanha, e as Manifestações de junho de 2013, no

Brasil.

Na pesquisa empírica do 15-M, os “Indignados”, foram analisadas as edições na

íntegra do telejornal Telediario 2, Canal La 1, TVE, das páginas da internet da Rádio e

Televisión Espanhola - RTVE8, durante as quatro semanas, de 15 de maio a 12 de junho de

2011, período dos acampamentos do 15-M nas principais praças públicas das cidades da

Espanha. A cobertura jornalística analisada da RTVE foi de 29 dias, com a duração de,

aproximadamente, sessenta e cinco minutos cada edição da noite do telejornal, variando o

tempo das inserções de 17 segundos a 13 minutos sobre o movimento. Foram acompanhados

os noticiários nas edições transmitidas de domingo a domingo, perfazendo um total de 1 hora

49 minutos e 08 segundos.

Na pesquisa empírica das Manifestações de junho de 2013, ocorridas no Brasil, foram

analisadas as edições na íntegra do telejornal Repórter Brasil 9, durante as quatro semanas do

mês de junho de 2013, num total de 24 dias.

As notícias do telejornal Repórter Brasil da noite, estão divididas e organizadas de

forma aleatória e fragmentada. Assistiu-se a um total de 119 inserções de notícias sobre as

manifestações, cujo tempo de cada inserção variava entre 19 segundos a 43 minutos.

Acompanhamos um total de 4 horas 03 minutos e 28 segundos de noticiários nas edições

transmitidas de segunda a sábado.

Para o levantamento da cobertura dos noticiários dos telejornais dos canais de

televisão pública sobre os movimentos sociais citados, foi utilizada a metodologia de

enquadramento desenvolvida e recuperada por Mauro Porto (2004).

Porto (2004) demonstra a importância dos estudos desenvolvidos sobre os

enquadramentos da mídia no sentido de aprimoramento do conceito e sua aplicação em

8 Disponível em http://www.rtve.es/alacarta/videos/telediario/telediario-21-horas-15-05-11 9 Página oficial da TV Brasil: http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/videos?data=20130601&edicao=noite

94

estudos empíricos. Para o autor, partindo dos estudos de como os enquadramentos dão forma

à realidade que é apresentada pelos noticiários, novos estudos buscaram destacar esse

processo no qual os enquadramentos determinam a produção de notícia. Gitlin (1980 apud

PORTO, 2004, p. 80) conceituou o enquadramento para investigar a relação entre

movimentos sociais e os meios de comunicação, apresentando a primeira definição mais clara

e sistemática:

Os enquadramentos da mídia [...] organizam o mundo tanto para os

jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau

importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramentos da

mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de

seleção, ênfase exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos

organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira" (GITLIN,

1980, apud PORTO, 2004, p. 7. Itálico no original, tradução do autor).

Nessa definição, os enquadramentos são entendidos como recursos que organizam o

discurso através de práticas específicas (seleção, ênfase, exclusão) que acabam por construir

uma determinada interpretação dos fatos. A definição de Gitlin (idem) serviu de base para o

desenvolvimento de pesquisas sobre os enquadramentos da mídia (PORTO, 2004, p.80).

Para ampliar a definição de enquadramento, Porto (2004, p. 82), ao fazer a primeira

revisão sistemática dos estudos sobre os enquadramentos da mídia, cita Entman (1994) que

apresenta uma definição resumida dos principais aspectos e de suas aplicações na análise de

conceitos da mídia:

O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar

significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los

mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma

definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação

moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito"

(ENTMAN, 1994, p. 294 apud PORTO, 2004, p. 82. Itálicos no original,

tradução do autor).

Nos estudos da relação entre mídia e política e entre mídia e movimentos sociais no

Brasil, os trabalhos acadêmicos têm encontrado, no conceito de enquadramento, um

instrumento importante para análise. A cobertura dos movimentos sociais e os telejornais

apresentam diferenças no enfoque adotado por cada emissora, ressaltando elementos de

violência, perigo, conflito, com “enquadramento dramático”, em contraposição a outros

enquadramentos, como o “enquadramento moral” e “enquadramento oficialista”. O conceito

de enquadramento tem sido utilizado para desenvolver estudos comparativos entre o

95

jornalismo praticado no Brasil e em outros países, principalmente entre o Brasil e os EUA

(PORTO, 2004, p.87-8).

Utilizar-se-á, nesta investigação, portanto, essa metodologia da pesquisa empírica

relacionada ao telejornalismo para a catalogação do enquadramento das matérias dos

telejornais sobre o Movimento 15-M, os “Indignados” e as Manifestações de junho de 2013

no Brasil. Foi utilizada, como referência, a planilha do Projeto Temático “Mídia, campanha e

comportamento político em São Paulo 2000” (Anexo 2, Relatório PUC-SP, 2004), com as

seguintes descrições, de acordo com o próprio Relatório (2004, p.17-8): Enquadramento da

Matéria, subdividido em: a) Apresentador; b) Matéria e c) Imagem/Recurso.

No item “Apresentador”, foram analisadas as notícias a partir dos seguintes critérios:

(a) informativa: quando o locutor relata um fato/tema/evento/ação ou apenas o introduz; (b)

interpretativa: quando o locutor apresenta uma interpretação do fato/tema/evento/ação e; (c)

interpretativa indireta: quando o locutor relata a posição ou fala de outra pessoa que interpreta

o fato/tema/evento/ação; (d) avaliativa: quando existe uma intencionalidade na fala do

apresentador.

Na análise do Enquadramento da Matéria, também foi considerada sua construção, a

partir dos seguintes critérios: (a) restrita, quando apenas uma interpretação do

fato/evento/ação ou tema é apresentada; (b) plural fechada, quando mais de uma interpretação

do fato/evento/ação ou tema é apresentada e organizada em uma hierarquia, de maneira que

uma das interpretações é preferida sobre as demais e apresentada como superior ou mais

correta; (c) plural aberta, quando mais de uma interpretação do fato/evento/ação ou tema é

apresentada e tratada de forma mais indeterminada, de maneira que nenhuma interpretação é

apresentada como superior ou mais correta; (d) episódica, quando nenhuma interpretação é

apresentada na notícia, que se limita a relatar algum fato/evento/ação ou tema; (e) avaliativa,

quando emite um juízo de valor.

Quanto ao enquadramento de Imagem/Recurso, essa categoria também foi construída

para melhor avaliar a apresentação das notícias, sendo divididas em: (a) só apresentador,

quando só a imagem do apresentador aparece; (b) imagens de apoio, quando são utilizadas

imagens externas, ou de uma entrevista em estúdio, por exemplo; (c) gráficos e diagramas,

utilizados como ilustração de uma reportagem noticiosa; (d) ilustração e animação.

As informações contidas na planilha “Mídia, campanha e comportamento político em

São Paulo 2000” (Anexo 2, Relatório PUC-SP, 2004) foram adaptadas para a planilha de

análise das notícias do telejornal do Canal La 1, da Espanha intitulada: “Mídia e aparição de

Zapatero no Canal TVE – Telediario 21h Planilha 2011”, e uma segunda planilha para a

96

análise das notícias do telejornal do canal do Brasil intitulada: “Mídia e aparição de Dilma

Rousseff do canal TV Brasil – Repórter Brasil 21h, Planilha 2013”. As adaptações dessas

duas novas planilhas deram-se nos campos relacionados à descrição física da matéria do

telejornal, manutenção dos devidos campos e incluíram-se os campos que consideram a

aparição ou não do/da presidente.

Com relação ao item “Enquadramento da matéria”, também foram mantidos os

devidos campos e incluídos campos com os nomes dos repórteres que apresentaram a edição

do telejornal da noite, Telediario 2, da Espanha, e dos repórteres da edição da noite do

Repórter Brasil, da TV Brasil.

Excluiu-se o Enquadramento do Candidato, da planilha anexo 2 (Relatório PUC-SP,

2004) e incluiu-se “Enquadramento do Presidente Zapatero”, no caso da Espanha e,

“Enquadramento da presidenta Dilma Rousseff”, no caso da planilha do Brasil, com os

campos em: a) imagem do candidato sem fala; b) imagem com fala; c) cidade que se encontra;

d) tema.

Ao final das planilhas, foi incluído o campo “Declarações”, no qual são registrados

depoimentos de políticos, participantes dos movimentos, transeuntes, professores

universitários, populares, observadores e entrevistados que tiveram algum espaço de projeção

nos noticiários dos telejornais, abordando o tema 15-M, Espanha, e Manifestações junho de

2013, Brasil.

4.2.1. Análise da pesquisa empírica

Na análise da cobertura televisiva, serão contextualizados os movimentos sociais

ocorridos na Espanha e no Brasil, apresentando-se o processo de formação e desenvolvimento

em que ocorreram tais fenômenos sociais. Dessa forma, serão discutidos os contextos

históricos, sociais e políticos da Espanha e do Movimento 15-M, os “Indignados”, bem como

do Brasil e as Manifestações de junho de 2013.

Considerando-se a televisão como meio de visibilidade das manifestações, será

analisada não só como essa mídia fez a cobertura dos eventos, tendo como referência as

planilhas, como também o conteúdo das matérias com relação ao enquadramento dado pelos

noticiários dos telejornais, considerando-se a frequência dos campos sobre “Enquadramento

da matéria”, “Enquadramento do Presidente/a” e “Declarações”. Foram transcritos, na análise

97

dos telejornais, trechos dos diferentes depoimentos dos atores sociais trazidos nos noticiários,

bem como imagens coletadas dos telejornais consideradas relevantes.

Após esse levantamento, as análises dos enquadramentos foram realizadas por semana,

totalizando quatro semanas em cada telejornal e divididas de acordo com a semana (1ª, 2ª, 3ª e

4ª). Dessa forma, foi possível verificar que o número de inserções nos telejornais sobre os

movimentos mudava a cada semana, o que permitiu comparar a relação do número de

inserções por edição nos noticiários dos telejornais com a demanda dos movimentos,

conforme Quadro 03 – Canal La 1, telejornal Telediario 2 – Inserções do Movimento 15-M,

os “Indignados”, Espanha – maio/ junho de 2011 e Quadro 04 – Canal TV Brasil, telejornal

Reporte Brasil – Manifestações junho de 2013 no Brasil, a seguir:

98

QUADRO 03 - Canal La 1, telejornal Telediario 2 – Inserções do Movimento 15-M, os “Indignados”, Espanha –

maio/ junho de 2011.

1a. semana: de 15 a 21 de maio

(domingo a sábado)

Dia Tempo de cobertura

15/05 27” de reportagem

16/05 2’30” de reportagem

17/05 17” na chamada

3’14” de reportagem

18/05 38” na chamada

5’30” de reportagem

19/05 Notícia fragmentada 03 inserções total de 12’50”

20/05 Notícia fragmentada 02 inserções

Total 13’

21/05 Notícia fragmentada

Total 12’

Tempo total na semana 46’52”

2a. semana: de 22 a 28 de maio 22/05 Notícia fragmentada 02 inserções

23”

2’20”

23/05 Inserção de 2’40”

24/05 Inserção de 29”

25/05 Inserção de 40”

26/05 Não há notícia do movimento

27/05 Inserção de 8’

28/05 Inserção de 2’20”

Tempo total na semana 16’50”

3a. semana: de 29 de maio a 04 de junho

29/05 Inserção de 5’

30/05 Inserção de 3’

31/05 Inserção de 7”

01/06 4’ 30”

02/06 2’30”

03/06 2’

04/06 1’

Tempo total na semana 35’48”

4a. semana: de 05 a 11 de junho 05/06 30”

06/06 3’

07/06 1’

08/06 2’10”

09/06 5’

10/06 2’30”

11/06 3’

12/06 5’

Tempo total na semana 23’46”

Tempo total das 04 semanas 1hr 49’08”

Fonte: A política de comunicação televisiva no Brasil e na Espanha. Estudos para tese, 2015.

99

Quadro 04 - Canal TV Brasil, telejornal Reporte Brasil – Manifestações junho de 2013 no Brasil.

1a. semana: de 03 a 08

(segunda a sábado)

Dia Tempo de cobertura

03/06 Não há notícia do movimento

04/06 Não há notícia do movimento

05/06 Não há notícia do movimento

06/06 01 inserção; 50”

07/06 01 inserção: Total de 2’21”

08/06 Não há notícia do movimento

Tempo total na semana 3’11”

2a. semana: de 10 a 15 de junho 10/06 01 inserção: Total de 19”

11/06 Notícia fragmentada 04 inserções: total de 7’35”

12/06 Notícia fragmentada 04 inserções: total de 8’12”

13/06 Notícia fragmentada 04 inserções: total de 6’ 56”

14/06 Notícia fragmentada 04 inserções: total de 8’ 23”

15/06 Notícia fragmentada 02 inserções: total de 4’30”

Tempo total na semana 35’53”

3a. semana: de 17 a 22 de junho 17/06 Notícia fragmentada 06 inserções: total de 6’56”

18/06 Notícia fragmentada 12 inserções: total de 25’50”

19/06 Notícia fragmentada 12 inserções: total de 21’57”

20/06 Notícia fragmentada 12 inserções: total de 43’10”

21/06 Notícia fragmentada 10 inserções: total de 25’17”

22/06 Notícia fragmentada 04 inserções: total de 2’42”

Tempo total na semana 2hr 15’52”

4a. semana: de 24 a 29 de junho 24/06 Notícia fragmentada 12 inserções: total de 23’43”

25/06 Notícia fragmentada 07 inserções: total de 15’02”

26/06 Notícia fragmentada 05 inserções: total de 12’28”

27/06 Notícia fragmentada 07 inserções: total de 12’13”

28/06 Notícia fragmentada 03 inserções: total de 5’36”

29/06 Não há notícia do movimento

Tempo total na semana 1hr 08’32”

Tempo total das 04 semanas 4hs 03’28”

Fonte: A política de comunicação televisiva no Brasil e na Espanha. Estudos para tese, 2015.

4.3. O movimento 15-M – os “indignados” da Espanha

As manifestações da Espanha, que ficaram conhecidas como Movimento 15-M, ou

“Indignados”, iniciou-se com uma convocação feita por meio das redes sociais Plataforma

!Democracia real ya!, no domingo 15 de maio de 2011. Naquele dia, foram realizadas

passeatas pelas ruas de Madri e, ao final, manifestantes reuniram-se e decidiram acampar no

importante centro histórico e comercial da cidade: Puerta del Sol.

A partir daquela data e local, foram somando-se diversos acampamentos em várias

cidades de toda a Espanha. A ocupação de Puerta del Sol passou a ser o centro de referência

dos acampados no país. Era período de campanha eleitoral municipal nas Comunidades

Autonômicas, cuja votação ocorreria no dia 22 de maio, domingo, momento em que os

acampamentos já estavam há uma semana nas praças das cidades.

Porém, antes de centrarmos a atenção no 15-M, é essencial trazer, neste debate do

100

contexto de mobilizações da Espanha, o fenômeno político similar ocorrido em 13 de maio de

2004, decorrente do atentado à estação de metrô Atocha, em Madri, que levou à derrota, nas

eleições do partido do presidente de governo daquele período, José Maria Aznar, do PP

devido à notícia falaciosa sobre os suspeitos no atentado.

Conforme Sampedro (2004), a mobilização de 13 de março de 2004, na Espanha,

superou em número de cidadãos participantes, em potência e desobediência civil. A multidão

“on-line” utilizou-se de aparelhos de telefone celular e computadores conectados à internet

para chamar a protestar na frente da sede do Partido Popular de Madri, por causa das

informações infundadas do Ministro do Interior do governo de José Maria Aznar sobre o

atentado no dia 11 de maio na estação de metrô Atocha, em Madri.

O atentado que matou 200 pessoas, o maior registrado no país, foi de autoria do grupo

radical islâmico Al-Qaeda. Porém, o governo Aznar acusava o grupo ETA pelo atentado, com

informações e notícias nos veículos de comunicação do governo, como afirma Sampedro

(2004, p. 14), consequência de um controle férreo do governo sobre a agenda dos meios e a

oposição política e social. O Executivo confiou que, com um pouco de habilidade, poderia

manter essa versão até as eleições. A oposição, continua o autor, colaborou por prudência e

não questionou essa estratégia para evitar a marginalização.

Na explicação de Castells (2015, p. 405-7), no dia 12 de março, houve uma efusão

popular, maciça e emocional, contra o terrorismo em que 11 milhões de pessoas marcharam

nas ruas das cidades espanholas. A polícia estava agindo rapidamente e reunindo dados que

descreditavam na hipótese de ser o ETA responsável pelo atentado. À medida que essa

informação começou a vazar para alguns meios de comunicação, muitos manifestantes

exigiam saber a verdade. Ainda assim, o governo manteve a estratégia de desinformação.

Com o envio de mensagens SMS e correio eletrônico, iniciaram-se os protestos em frente a

sede do PP em Madri para saber a verdade dos fatos. Diversas manifestações espontâneas

começaram a ocorrer, pressionando o governo, que acabou cedendo, ao anunciar, na noite do

dia 13 de março, a identificação de provas que confirmavam o ataque dos militantes

islâmicos.

El 13-M y la madrugada del día 14 constituyeron una jornada de auténtica

deliberación colectiva, de denuncia de la mentira, de vigilia laica y demostración de

soberanía popular; al margen de las empresas de comunicación y de las estructuras

partidarias. Reconocer la legitimidad de esa desobediencia implica asumir la

incapacidad de quienes han hecho de la política y el periodismo una profesión,

patrimonial izándola con avales académicos o cuotas de mercado, y que, sin

embargo, no supieron explicarnos quien había atentado contra nosotros y cómo

debiéramos interpretar tanta tragedia con un mínimo de sensatez. (SAMPEDRO,

2004, p. 17).

101

Este contexto foi precursor, em larga escala, da prática de mobilização na Espanha,

que já se fomentava a indignação de boa parte da sociedade. A trajetória de poder de

comunicação constituída, já havia alguns anos estava na perspectiva dos cidadãos aguardando

o momento para vir à tona na Espanha com a mobilização de 15 de maio de 2011, conhecida

como Movimento 15-M.

O Movimento 15-M tem sua origem a partir da mobilização organizada pela

Plataforma Democracia Real Ya! – DRY, que nasceu, conforme Castells (2013, p. 90-2), a

partir de um grupo no Facebook intitulado “Plataforma de Coordenação de Grupos Pró-

Mobilização Cidadã”, em defesa da liberdade na internet, pois o governo, com a Lei Sinde,

havia imposto controle à rede. Participantes de vários grupos ligados a questões sociais,

políticas e econômicas faziam parte, devido às consequências da eurocrise, desde 2008.

A Plataforma evoluiu do Facebook para !Democracia Real Ya!, com base

descentralizada de núcleos anônimos em diferentes cidades. Centenas de pessoas foram se

juntando ao grupo e denunciavam a falta de democracia representativa na Espanha, e ausência

de representatividade dos interesses dos cidadãos, pois os principais partidos estavam a

serviço dos banqueiros, conforme a página da Plataforma:

Nosotros los desempleados, los mal remunerados, los subcontratados, los precarios,

los jóvenes… queremos un cambio y un futuro digno. Estamos hartos de reformas

antisociales, de que nos dejen en el paro, de que los bancos que han provocado la

crisis nos suban las hipotecas o se queden con nuestras viviendas, de que nos

impongan leyes que limitan nuestra libertad en beneficio de los poderosos.

Acusamos a los poderes políticos y económicos de nuestra precaria situación y

exigimos un cambio de rumbo.

Mediante esta plataforma, queremos ayudar a coordinar acciones globales y

comunes entre todas aquellas asociaciones, grupos y movimientos ciudadanos que, a

través de distintas vías, están intentando contribuir a que la actual situación cambie.

(DEMOCRACIA REAL YA, 2015).

Com influência das revoluções árabes, do início de 2011, a Plataforma !DRY!

conclamou ação nas ruas com o slogan “Democracia real Ya! Ocupe as ruas! Não somos

mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros!”, juntamente com a publicação, citada

anteriormente, do manifesto com as insatisfações com relação às medidas econômicas e

políticas dos dirigentes, sem apoio político de qualquer instituição. Uma vez que houve ampla

divulgação na internet, dezenas de pessoas manifestaram-se em Madri, Barcelona, Valência e

cinquenta outras cidades, conforme Castells (2013).

Decidiram, então, passar a noite debatendo o significado de “democracia real”, e na

sequência, ali ficar até que chegassem a um consenso sobre esse significado. Essa foi a

decisão dos manifestantes da Puerta del Sol, Madri e, na noite seguinte, continua Castells

102

(2013), foi a vez de Barcelona, Praça Catalunya. Esses foram os dois lugares ocupados para

debater temas que não haviam sido discutidos nas campanhas dos candidatos às eleições

municipais. Assim, foram comparecendo centenas de pessoas, chegando com sacos de dormir

para passar a noite no espaço ocupado, nascendo então as acampadas (acampamentos).

Essa mobilização do Democracia real Ya! deu início a uma longa trajetória do

Movimento 15-M, os “Indignados” da Espanha, que foi se formando espontaneamente, sendo

instalada infraestrutura para acomodar a todos. No local, foram somando debates com

decisões em assembleias e comissões – mais de cem cidades espanholas seguiram o exemplo

e, posteriormente, oitocentas cidades do mundo.

As tentativas dos despejos foram fracassadas tanto com a ajuda de pessoas que

socorreram e quanto com a proximidade do momento eleitoral – nenhum partido, devido ao

“momento de reflexão”, queria se envolver em operações policiais, apesar da proibição do

Tribunal Eleitoral, cuja lei espanhola não permitia agrupamentos antes das eleições. O

movimento foi ganhando vida própria e passou a ser conhecido como 15-M. Depois foi

rotulado pela mídia como “Indignados”, possivelmente inspirado no panfleto Indignes-vous!,

publicado pelo filósofo francês Stéphane Hessel.

Na análise de Castells (2013, p. 95), os manifestantes, a princípio, eram estudantes

universitários e diplomados desempregados na faixa de 25-30 anos de idade. Juntaram-se

depois pessoas de todas as classes sociais e idades, incluindo idosos devido à deterioração na

qualidade de vida. Houve imenso apoio da opinião pública, com ¾ da população espanhola

declarando-se favoráveis a suas críticas e declarações.

Um ponto importante que Castells (idem) aponta é que a origem do movimento e sua

espinha dorsal durante os protestos devem ser procuradas nos espaços livres da internet. Na

análise de Javier Toret (apud CASTELLS, 2013, p. 98), um dos criadores do DRY, o desafio

foi superar o bloqueio da mídia, com a capacidade de autocomunicação de massa. A mídia

convencional ignorou ou bloqueou a proposta apresentada – o que mostra, segundo Toret

(idem), um tipo de movimento pós-mídia, “porque há uma reapropriação tecnopolítica de

ferramentas, tecnologia e veículos de participação hoje existentes”. O compartilhamento “on-

line” viral aberto possibilitou a participação de qualquer pessoa. Um movimento sem líderes

não atrai a mídia, ela não relata o que está ocorrendo, mas quando as praças da Espanha

lotaram, não tiveram escolha e amplificavam para o bem ou para o mal.

O movimento 15-M posicionou-se contra intermediários, uma mudança de paradigma

na relação entre cidadão, governos, sindicatos, órgão da mídia, em que pessoas se uniram

tornando mais poderosas que qualquer outro órgão da mídia. A exemplo do dia 27 de maio,

103

quando a praça Catalunya, em Barcelona, foi atacada, todos tornaram-se repórteres; com

tuítes foi possível captar coisas, “fossem em casa ou na rua via celulares, e ser capaz de se

movimentar pela cidade, assim vieram nos ajudar”. (JAVIER TORET apud CASTELLS,

2013, p. 99).

De acordo com Castells (2013), nunca houve uma organização formal conhecida como

“o movimento, os Indignados”; houve muitas demandas contra banqueiros e especuladores,

contra pessoas arcarem as consequências de uma crise financeira pela qual não foram

responsáveis. Um sentimento de injustiça agitava a população em geral e veio a ser expresso

pelo movimento.

O autor explica alguns antecedentes do movimento em abril de 2013. Houve o protesto

“Jovens sem Futuro”, com base na internet que defendia o direito à educação, saúde e

moradia. Houve protesto também contra a crise de moradias. Muitos do movimento 15-M

estiveram envolvidos na campanha “V de vivenda”, protestos contra a execução de hipotecas

e despejos de famílias. Castells (2013, p. 102-6) observou que o movimento foi

essencialmente político, pela transformação de uma pseudodemocracia numa democracia

autêntica. Os “políticos viviam num mundo a parte, fechado, privilegiado, indiferentes as

necessidades das pessoas, manipulando as eleições e a lei eleitoral para perpetuar seu poder

como classe política”. O slogan mais popular foi o: “Eles não nos representam”.

Dessa forma, o movimento era indiferente à participação eleitoral; queriam uma

reforma no sistema. Buscaram, então, experimentar diferentes modelos de democracia

representativa, começando com a democracia deliberativa pela internet, mas sabiam que havia

uma longa marcha desde a negação do sistema até a reconstrução das instituições que

expressariam a vontade do povo pelo nível de consciência e deliberação participativa. Por ser

um movimento de múltiplos e ricos discursos, havia um ecossistema de linguagem de novas

subjetividades, com uma série de termos conotando formas de pensamento, o que expressa a

ascensão de uma nova cultura econômica e política – uma cultura econômica alternativa, que

enfatiza o valor de uso da vida sobre o valor comercial.

Essas práticas, desde o início do movimento, não teriam líderes local ou nacional, e

cada um representaria a si mesmo – esse fato levou a mídia à loucura. A nova subjetividade

apareceu na rede e tornou-se o sujeito. Gerou desconfiança a qualquer liderança política

organizada. A reivindicação de legitimidade na construção de uma nova forma de política só

podia ter credibilidade se posta em prática na atividade cotidiana do movimento.

Esse princípio, complementa Castells (2013, p. 107-9), seria dar todo poder na tomada

de decisão que implicasse a totalidade do coletivo na assembleia geral. A participação variava

104

de acordo com o tamanho do acampamento, como Madri e Barcelona, que variava de 2 mil a

3 mil pessoas. As decisões tinham poder simbólico, cada um era livre. Essas decisões eram

por consenso, com argumentos e contra-argumentos, com linguagem manual adaptada. Havia

moderadores que revezavam o papel e evitavam tentativa contra ideólogos e pretensos líderes.

As múltiplas comissões aplicariam as orientações gerais provindas da assembleia e eram

autônomas e deliberavam sobre diferentes propostas para chegar a um acordo. Algumas

organizavam ações com objetivos práticos, como impedir que pessoas fossem despejadas.

O problema mais importante que o movimento enfrentou para continuar com a

ocupação do espaço público foi que somente os ativistas, em tempo integral poderiam

realmente participar das assembleias. Depois de seis ou oito semanas, a maioria das

assembleias decidia levantar acampamento e dar sequência de outra forma, pois se tornavam

alvo fácil para a política. Em algumas cidades, o movimento decidiu descentralizar ações no

âmbito da vizinhança de interesse dos moradores, com deliberação e com os princípios

organizativos fundamentais.

Numa visão ampla, o movimento começou vocalizando sua indignação em

manifestações de rua; na sequência, ocupou espaço público, enfrentou a arrogância do poder

que reagiu com desdém e operações policiais. Como havia desconfiança ao sistema político, o

movimento não deu conselho sobre o que fazer nas eleições. Para o movimento, “estava claro

que sua principal ação era elevar o nível de consciência de seus participantes e da população

como um todo”. (CASTELLS, 2013, p. 110).

Na ação não institucional do movimento de desobediência civil, era preciso ter

coragem de enfrentar as possíveis consequências do confronto: a possiblidade de violência,

pois, ao ocupar o espaço público, os manifestantes expuseram-se à repressão policial. A não

violência, enfatiza Castells (idem), era essencial para o movimento, porque era amplificada

pela mídia, mesmo quando não provocada pelos manifestantes. Era a nova cultura da paz que

o movimento desejava propagar. A violência, porém, contradizia a própria essência que

constituía o tema do movimento; portanto, os Indignados eram um movimento pacífico.

Para o autor, se se quisesse identificar um objetivo unificador do movimento, ele seria

a transformação do processo político democrático. Um dos temas mais populares foi a

reforma eleitoral, debatido nas assembleias e comissões:

105

a noção era de que, sem instituições políticas verdadeiramente democráticas,

nenhuma política ou decisão progressista que se adotasse seria implementada, já que

os políticos não teriam responsabilidade perante os cidadãos e continuariam

servindo aos poderes constituídos. (CASTELLS, 2013, p. 112-3).

Castells (idem) finaliza, afirmando que era um movimento político, mas político

apartidário, ideológica e politicamente plural. Se o movimento era político, sua intenção era

não funcionar por meio do sistema político, pois, para a maioria dos participantes do

movimento, as regras institucionais de representação haviam sido manipuladas. E os partidos

políticos não sabiam como lidar com o movimento.

4.3.1 Análise dos noticiários do 15-M no Telediario 2 – TVE

Para a pesquisa empírica, foi selecionado o canal La 1 ou “La Primera”, conforme

explicação sobre a RTVE, Capítulo 2 desta tese, em que é explanado também as

transformações da Corporação, ao longo das décadas desde sua criação em 1956.

Na produção de notícias do canal La 1, os telejornais são transmitidos de segunda a

domingo em distintos horários ao longo do dia, “Telediario matinal” as 6h30; “Telediario 1”

às 15 horas; “Telediario 2”, às 21 horas e “Telediario fin de semana”.

Para a pesquisa, foi selecionado o telejornal “Telediario 2”, veiculado as 21h, cujas

notícias foram extraídas da página da RTVE, conforme exposto no item 4.2 Metodologia da

cobertura dos noticiários sobre as manifestações, desta tese. Na análise das reportagens nos

noticiários do telejornal, Telediario 2 na TVE La 1, foram divididas da seguinte forma: 1ª

semana – dias 15 a 21 de maio; 2ª semana – dias 22 a 28 de maio; 3ª semana – dias 29 de

maio a 04 de junho; e 4ª semana – dias 05 a 12 de junho. Consideram-se as semanas de

domingo a sábado, pois o movimento teve início no domingo e, somente na 4ª semana, foi

considerado de domingo a domingo, devido à saída do acampamento do principal centro

histórico e comercial de Puerta del Sol, em Madri.

Assistiu-se às edições na íntegra do telejornal – e foram analisadas durante quatro

semanas, maio e junho – que noticiavam o “Movimento 15-M Indignados”, totalizando vinte

e nove dias consecutivos de manifestações – tempo de permanência dos acampados no

principal local de referência do movimento, na Praça Puerte del Sol, em Madri. Portanto,

foram catalogados os telejornais que veicularam informação sobre o 15-M: 17 em maio e 12

em junho. A partir dessa pesquisa qualitativa, foram descritas as edições em que o telejornal

106

noticiou as informações referentes a mobilização do movimento “Indignados”.

O tempo de duração da edição de cada telejornal da noite é de uma hora, e, aos

sábados, é de 30 minutos. Após o preenchimento das planilhas referentes às matérias dos

telejornais, foram transcritas as informações e analisados os enquadramentos dados ao

Movimento 15-M, pelo apresentado/apresentadora, como mostra o Quadro 05, e o

enquadramento sobre a matéria, conforme o Quadro 06, a seguir, que serão analisados e

interpretados na sequência.

Quadro 05– Enquadramento do/a apresentador/ra no telejornal LA 1, RTVE

1a. semana 2

a. semana 3

a. semana 4

a. semana

Interpretativa 2 2 0 3

Interpretativa indireta 3 0 2 2

Avaliativa 1 3 0 0

Informativa 2 1 5 3

Fonte: da autora.

Quadro 06– Enquadramento da matéria no telejornal LA 1, RTVE

1a. semana 2

a. semana 3

a. semana 4

a. semana

Restrita 1 1 2 0

Plural Fechada 2 3 4 8

Plural Aberta 4 1 2 0

Episódica 0 1 0 0

Avaliativa 1 0 0 0

Fonte: da autora.

A seguir, apresenta-se o tempo de aparição dos noticiários sobre o Movimento 15-M

em cada semana da pesquisa realizada. O tempo total do período analisado foi de 1h48m e

08s, sendo assim divido entre as quatro semanas, conforme o Gráfico 03, a seguir:

107

Gráfico 03 - Tempo do 15-M no telejornal La 1 em 04 semanas

Fonte: Elaborado pela autora a partir do Telejornal 2 La 1, RTVE (2011).

4.3.1.1 Primeira semana: explicações sobre o 15-M

Nessa primeira semana, o tempo de reportagem sobre o 15-M oscilou em reportagens,

entre 17 segundos a 11 minutos, aproximadamente – período em que o telejornal projetou o

maior tempo de matérias sobre o 15-M, com 38% do tempo das 04 semanas, conforme

mostrado no Gráfico 03.

Na primeira semana, prevaleceu o enquadramento da apresentadora/apresentador com

três interpretativas indiretas, seguido de duas interpretativas e duas informativas e uma

avaliativa. As interpretativas – quando apresenta uma interpretação do tema e relata um tema

– e informativa – quando o locutor relata a posição ou fala de outra pessoa que interpreta o

tema – resultam quase a totalidade das matérias do telejornal. A postura da/do

apresentadora/apresentador, portanto, era expor o que estava acorrendo nas ruas e cidades de

toda a Espanha, incluindo os acampamentos, com informações da própria página do DRY! e

seus representantes. Houve também inserção das falas de especialistas, transeuntes e

autoridades:

[La 1]: Esto manifiesta se definen como “los desempleados, los mal remunerados,

los contratados, los precario, los jóvenes”, son toda esa gente pero no son nadie en

concreto cualquier un podría se reunir a ellos y como dicen y protestar todos contra

los políticos e poderes económicos (TVE, 2011).

Luis [representante DRY]: No hay que compartir con ningún partido concreto, la

compartida que nos une es una oposición al bipartidismo.

108

Jaime Pastor [Sociólogo]: El gran desafío es que este movimiento pase de protesta

simbólica expresiva, q se dio ayer, arrancar medidas concretas a esto recuersu que

necesita alianzas.

[transeúntes] […] están cortando todo los derechos […] los recortes q hay [...]

nuestro mal esta en nuestra indignación (TVE, 2011).

Uma das matérias, porém, chegou a receber mais de um enquadramento, no caso da

avaliativa. A matéria foi a tentativa de desalojar os manifestantes da Puerta del Sol; a

proibição da Junta Electoral não permitia qualquer tipo de concentração devido à lei da

“Jornada de Reflexión”, momento em que as autoridades se pronunciam:

La 1 [Puerta del Sol]: Las protestas son por la situación política e social. La Junta

no obliga a desalojar los acampados. […] Granada e Sevilla la junta han prohibido

las manifestaciones, pero no ocurre en otras ciudades como Barcelona e Valencia.

[…]Hoy los convocantes dicen que tienen todos los derechos do mundo de convocar

asamblea, […] que se ampara a lo artículo 21 de la Constitución Española e que van

siguiendo haciendo. […]

La 1 [Barcelona]: La previsiva de la Junta se conece mañana. Ahora no para de

llegar gente a la Plaza Cataluña. Estudiantes e ciudadanos anounymos, miembros de

asociaciones ciudadanas. En este momento una cacerolada, también promotores del

movimiento.

Esperanza Aguirre [Presidenta de la Comunidad de Madrid]: Qué hay una intento de

manipulación de partidos de izquierda, sin ninguna duda […] y por otra parte hay un

gente que tiene un descontento muí intendible con la situación de España y tiene la

sensación que los políticos non se los resolvemos …

Carme Chacón [Ministra de Defensa]: Creo que lo primer que hacer es escuchar.

Escuchar para comprender, para entenderles. Yo estoy escuchando se que dicen que

piden son locuras. No estoy de acuerdo se que hay cosas que piden que nos son

razonables y posibles (TVE, 2011).

Em complemento aos noticiários, o enquadramento da matéria, nessa primeira semana,

prevaleceu no telejornal: foram quatro classificadas como plural aberta, duas, plural fechada,

uma restrita e uma avaliativa. A restrita e a avaliativa foram do início da semana, explicando

o movimento e a “Jornada de Reflexión”, durante a qual as autoridades se pronunciam, como

mostrado anteriormente.

A plural aberta – na qual mais de uma interpretação é apresentada de forma

indeterminada –, e mesmo com a plural fechada, em que o tema é organizado de forma

hierárquica, mostrou maior tempo de reportagens para diversos líderes políticos, incluindo a

fala do Presidente do governo da Espanha e especialistas:

109

José Luis Rodriguez Zapatero [Presidente de gobierno da Espanha]: Es una protesta

pacífica. Pacífica. Merecen nuestro respecto. Y quiero que ese país, como sabemos

bien e saben muí bien los compañeros mas veteranos todas las mejoras hace falta y

todo apoyo que hace falta en los jóvenes, especialmente el empleo, si consiguen

trabajando y votando.

Mariano Raroy [presidente del PP e candidato a Presidente de gobierno] en

democracia, se los gobiernos que no están a la altura, se les quita, […].

Esperanza Aguirra [Presidenta Comunidad de Madrid] […]A mi me indigna cuando

algunos medios están comparando este fenómeno con lo sucedido en norte de

África. […].

José María Barreda [Presidente Castilla La Mancha]: Creo que esto obliga a todos

los partidos políticos hacer una reflexión para veer o que hemos hecho mal […].

Jordi Hereu [Alcalde de Barcelona]: yo creo que la indignación tiene base. […] Pero

espero que se utilice e se exprese a través de la participación democrática que es un

derecho, pero a costado muitísimo a otras generaciones conquistarlos.

Cayo Lara [Coordinador General de IU]: La democracia no solo se defiende en las

instituciones. Defenderla cada día mas también en la calle. […] (TVE, 2011).

Houve também inserções de especialista, no telejornal:

Ismael Peña [professor de Ciencia Politica de la Universidat Oberta de la Cataluña]:

este movimiento tendrá un texte de aceptación domingo. Y se es bueno continuara

hasta mayo del año que viene.

Antonio Lopez [catedrático de trabajo social en UNED]: lo q no esta seguro e que se

va mantener […] es un mal estar no es solo español […] pq no se penalizan

instituciones y colectivos

Francisco Llera [politólogo]: ya no se puede desalojar porque nadie quiere pagar ese

coste.

Jaime Pastor [Politólogo de la UNED]: mucha gente preguntaba: ¿porque aquí, no

pasaba nada? estamos viendo que muchos jóvenes tiene como referente lo que esta

pasando en Grecia, en Francia, Portugal, Islandia (TVE, 2011).

La 1: [Puerta del Sol] marcaran para mañana [12 de mayo] una concentración en

plena Jornada de Reflexión a las ocho de la tarde. No se hablan de partidos políticos

pero sin de política. […]Y la 12:05 han convocado un grito mudo, una voz para

convocar una democracia mas participativa (TVE, 2011).

Inclui-se, nesse enquadramento das matérias plural aberta, conteúdo referentes aos

acampamentos, como Barcelona, mas com a proposta de resistir pacificamente mediante um

despejo da polícia, devido a “Jornada de Reflexión”:

La 1 [Barcelona,, Plaza de Cataluña]: Muchas personas e dispuesto a pasar la noche

[…]. y a partir de las 12 resistir pacíficamente en caso de desalojo. Pues se han

criado una comisión jurídica integrada de abogados anónimos que descontentos

con la resolución de la Junta Electoral están aquí para dar asesoramiento (TVE,

2011).

110

Sobre a Jornada de Reflexión falaram políticos e autoridades, incluindo o presidente

da Espanha, pela segunda vez nessa mesma semana:

Alfredo Pérez Rubalcaba: [Ministro do Interior] Intento las leyes e de forma muy

proporcional. Esto es muí importante, porque la policía no crea problemas, resuelve

problemas. Y resolver un problema hay que se cree mas, mas eso no vamos hacer.

José Luis Rodríguez Zapatero: El Ministro de Exterior e el gobierno actuara bien, de

manera inteligente. Tribunal estudia contra la prohibición. Eso que queríamos q

garantirse todos los derechos puesto que se respecte que es una Jornada de

Reflexión.

Dolores de Cospedal [Secretaria general del PP]: que se garantía la Jornada de

Reflexión y que los ciudadanos no se visen invadidos con ningún tipo de mensaje

(TVE, 2011).

La 1 [Puerta del Sol, Madri]: tranquilidad, debates y ambiente festivos,

son reuniones ciudadanas una asamblea general para discutir el futuro de la

acampada. Con varias asambleas por Madrid deciden seguir adelante […] (TVE,

2011).

Nessa primeira semana, com relação à imagem/recurso, as imagens de apoio estiveram

presentes em todos os noticiários, bem como ilustração/animação e gráficos e diagramas. As

imagens mostravam as manifestações nas ruas, Figura 01 e a Ilustração 02, sobre as chamadas

do DRY!.

Figura 01 – Democracia real Ya!

Fonte: TVE (2011).

111

Ilustração 02 – Convocatória do DRY! nas redes sociais.

Fonte: TVE (2011).

4.3.1.2 Segunda semana: retirar o 15-M de la Puerta del Sol

Nessa semana, o tempo de reportagem sobre o 15-M oscilou entre 23 segundos a 7

minutos, aproximadamente. Percebem-se mudanças no enquadramento dos/as

apresentadores/as nos noticiários sobre o 15-M, com três avaliativas, duas interpretativas e

uma informativa.

É a semana em que o telejornal se dedica aos resultados das eleições das comunidades

autônomas do país. Mesmo tendo como enfoque as eleições, o próprio telejornal lançou a

pergunta sobre os acampamentos nas praças do país: “?Hasta cuándo el 15-M fica en la Puerta

de Sol?” Num enquadramento informativo, com reportagem do 15-M, o telejornal noticiou as

assembleias coletivas na Puerta del Sol e na Plaza Cataluña, em Barcelona:

La 1: Sem saber o que fazer se o 15-M se pronuncia sobre os resultados eleitorais

ou repete o grito mudo, e a preocupação de como portar-se diante da violência da

policia, conforme noticiário:

La 1[Puerta del Sol]: [sobre o resultado das eleições] Con diferencia, pues es un

movimiento apartidista una responsabilidad que debe afrontar los partidos políticos.

[sobre a ação da polícia em desalojar os acampados] En un manual de cinco puntos

dicen que lo mas importante es mantener la calma e tener mensaje en teléfonos

móvil para una rápida difusión de esta actuación policial […].

Depoimentos dos manifestantes: Aquí no se habla de policita se hable de problema

de las personas. Es un Movimiento pacifico entonces nuestra respuestas son

pacificas

112

Na sequência da semana, houve três enquadramentos avaliativos – quando existe uma

intencionalidade na fala –, seguidos de duas interpretativas – quando apresenta uma

interpretação do fato –, sobre a retirada do 15-M, principalmente em Madri, Puerta del Sol,

com a pressão da Confederação do Comércio – Cocem.

Durante a análise dessa segunda semana, entretanto, observou-se que o telejornal

reduziu o tempo de noticiários sobre o 15-M, o menor tempo das 04 semanas analisadas,

incluindo um dia da semana sem qualquer menção ao movimento na Espanha, porém com

reportagem avaliativa sobre os “Indignados” na Grécia. Nesse período, houve uma fala do

presidente da Espanha, na rádio RTVE, explicando a derrota do partido dele PSOE, nas

eleições municipais autônomas.

O enquadramento avaliativo voltou a se repetir, incluindo um tempo maior de

reportagem – cerca de 8 minutos – quando iniciou-se uma ação violenta da polícia na Plaza

Cataluña, Barcelona, para retirar os acampados, com o argumento de que era necessário

limpar a praça por questões de saúde e evitar conflitos com a possível vitória da final da Taça

Champions [no dia 28, sábado], conforme pronunciamento das autoridades:

Artur Mas [Presidente de la Generalitat, Barcelona]: Cuando las cosas se van

degradando cuestión de higiene de seguridad. Llega un momento q hay q hacer

alguna cosa. Cuando se actua la policia hay un punto de equilibrio q hay q equilibrar

bien no.

Fillip Pugi [Consejero del Interior, Barcelona]: la acción ha sido mas que correcta,

también debe ser objeto de una revisión critica (TVE, 2011).

Nesse período, os enquadramentos da/do apresentadora/apresentador oscilaram entre

interpretativa e avaliativa, quando os acampados de Porta del Sol, Madri se solidarizam com

os acampados de Barcelona, e demais acampamentos de outras cidades. Em Madri, as falas se

dividiram entre as autoridades locais e integrantes do 15-M, sobre a permanência em Puerta

del Sol:

Ignacio Lario [Presidente Comercial de Madri]: A unas perdidas inasumivles. Esta

situación no se puede asumir mucho más. Es que nos llevan a ruina.

Participante do M15: Sanidad ha venido aquí en acampamiento e ha comprobado

cual son las condiciones e nos la aprobado.

Francisco Granados [Consejero de Interior de la Comunidad de Madri]:

Consideramos exigir que el Ministerio del Interior desalojen la Puerta del Sol.

Rubalcaba [Ministro do Interior]: Pues voy analizar con la policía y tomemos una

decisión (TVE, 2011).

Quanto ao enquadramento da matéria, prevaleceram três plural fechada, uma plural

113

aberta, considerando que, na maioria das inserções, o telejornal reportava a decisão do 15-M

sobre a saída ou não dos acampamentos: “La 1 [Puerta del Sol]: Están cansados después de

dos semanas de acampadas. En Puerta de Sol en animo siegue arriba. Mañana deciden se van

o se quedan”.

A episódica reportou-se à notícia durante as exigências dos comerciantes da Puerta del

Sol, como mostrado anteriormente, bem como a restrita, em função da ação da polícia na

Plaza Cataluña, em Barcelona, como já comentada.

Foram cinco inserções com imagens de apoio, tanto das imagens dos dois principais

acampamentos, Puerta del Sol e Barcelona, como mostra a Figura 02, a seguir, e demais

cidades, quanto imagens de protestos internacionais, que estavam ocorrendo na Síria, Egito,

Turquia e Yemen – momento também do encontro do G-8.

Figura 02 – 15-M na Praça Catalunha, Barcelona

Fonte: TVE (2011).

4.3.1.3 Terceira semana: tentativa de retirar o Movimento 15-M das praças

Nessa terceira semana, o tempo de reportagem sobre o 15-M é o segundo maior dentre

as 04 semanas, oscilando o tempo das notícias entre 7 segundos a 5 minutos. Novamente

mudou-se o enquadramento dado pelo apresentado. Foram cinco inserções informativas, na

qual o locutor relata um fato ou apenas o introduz, e duas interpretativas indiretas, quando o

locutor relata a posição ou fala de outra pessoa que interpreta o fato. Dessa forma, durante a

semana, começou alternando entre informativa e informativa direta, depois seguiu-se com

114

informativa e terminou com interpretativa direta e informativa.

Ainda sobre as decisões dos acampamentos, o enquadramento dado pelo apresentador

foi interpretativa indireta e plural aberta. Isso representa inserções do noticiário do início da

semana sobre os acampamentos de Movimento 15-M em decidir em assembleia três opções:

retirar-se, ficar mais uma semana ou criar um pequeno espaço permanente. O enquadramento

da matéria foi restrita e plural aberta.

Pablo [portavoz do 15-M]: Sieguen trabajando en los diferentes comisiones e se

llevara a las propuesta que tienen cada comisión e llevaremos a la asamblea sin

fecha que pasa en el acampamiento.

Demais manifestantes: Ocupar o espacio publico sólo o necesario.

No es un caos desorganizado, es un caos creativo que la fuerza de la transformación

social en un mundo que consideramos justo e posible (TVE, 2011).

No momento em que as inserções mostram também manifestações durante as posses

dos presidentes das comunidades autônomas do país, o enquadramento do apresentador foi

informativa.

O enquadramento do apresentador foi informativo e da matéria plural fechada quando

noticiou a ação violenta da polícia na tentativa da retirada do acampamento da Plaza Cataluña,

em Barcelona, em defesa da segurança da Taça Champion. Na fala do apresentador do

telejornal, relata que Artur Mas [Presidente de la Generalitat, Barcelona] indaga: até quando

permanecem acampados em espaços públicos? foi mostrada a pressão dos comerciantes da

Plaza del Sol para a saída dos acampados, que se reuniram com a Delegada del Gobierno e

solicitaram aos fiscais providencias quanto à questão de saúde pública.

Nesse mesmo enquadramento informativo do apresentador, foram relatados os debates

que ocorreram nos acampamentos, de como o Movimento 15-M buscou se organizar para o

futuro e canalizar objetivos claros. Repetiram os objetivos do Movimento 15-M e ações

convocadas pelas redes sociais pela plataforma Democracia real Ya! com acampamentos

espontâneos:

Ivan Martínoz [portavoz do movimiento 15-M]: Nos hemos organizados, nos hemos

expresados descontentos, estamos terminando de verbalizar nuestro descontento e

nuestra peticiones. E bueno este es espontaneo e aquí esta toda la sociedad (TVE,

2011).

Para o telejornal, a pergunta lançada é:

La 1: Hasta donde va el movimiento 15-M? Una democracia mas abierta,

transparente, participativo según el pleno debate . La necesidad da reforma da ley

115

electoral do controle dos cargos públicos.

Ivan Martínoz [portavoz do movimiento 15-M]: Ahora mismo no tenemos borrador

podemos sin comisión por comisión por ejemplo la comisión política que estamos

mas avanzada porque tenemos mas tiempo avanzando. Tiene una serie de puntos

determinados pero son los aspectros políticos […] (TVE, 2011).

Em Barcelona, sobre a objetividade do Movimento 15-M:

Um acampado: Yo no tengo nada claro que se convierta en un partido político

porque lógicamente soy de la opinión que las personas que estamos aquí nos hemos

reunidos voluntaria e espontáneamente en pos de a fabricar un mundo diferente y

todos creamos que otro mundo es posible (TVE, 2011).

Informativo também foi o enquadramento da matéria plural fechada quando houve a

inserção do presidente de governo, José Luis Rodríguez Zapatero, ao falar na Rádio Nacional

uma dupla mensagem ao 15-M”: “José Luis Zapatero: Cambio electoral tiene que hacer un

consenso e el económico no ha ayudado a fondo perdido”.

Interpretação indireta do apresentador e plural fechada sobre manifestações na Síria e

na Grécia e do escritor Jose Luis Sampedro (autor do prólogo do livro “Indignados”)10

fala “el

15-M has mostrado la inquietude”. A semana terminou com enquadramento informativo do

apresentador e plural fechada sobre reunião em Madri com representantes dos acampamentos

de toda Espanha:

La 1 [Puerta del Sol]: En Madrid se reunen los portavoces de las acampadas de más

de 30 ciudades de España y deciden acordar propuestas mañana – día 05, y sus

medidas. […] El 15-M continua se extendendiendo en barrios e municipios y suman

más de 80 reuniones solo en la Comunidad de Madrid (TVE, 2011).

Foram usadas sete imagens de apoio durante a semana, mostrando as manifestações

nas posses dos novos presidentes das comunidades autônomas e dos acampamentos, como as

imagens da Puerta del Sol, Madri, nas assembleias, imagens do acampamento durante o dia e

à noite, conforme Figuras 03 a 05.

10 Stephane Hessel, autor do livro “Indignados”, para saber mais Sampedro (2011).

116

Figura 03 - Assembleia dos acampados em Madri

Fonte: TVE (2011).

Figura 04 - Puerta del Sol, durante o dia de 03 de junho de 2011, Madri

Fonte: TVE (2011).

117

Figura 05 - Puerta del Sol, durante a noite de 03 de junho de 2011, Madri

Fonte: TVE (2011).

4.3.1.4. Quarta semana: 15-M seguem pelas ruas, deixam as praças

A quarta semana é a última semana dos acampados em Puerta del Sol, Madri, símbolo

de organização e resistência do Movimento Indignados. O tempo é de 30 segundos a 3

minutos, com terceiro maior tempo das 04 semanas.

Nesse período, os enquadramentos da apresentadora oscilaram entre informativo,

interpretativo e interpretativo indireto, como mostraremos a seguir. As inserções dos

noticiários estavam focadas tanto na saída, ou não, dos acampados e também nas respostas e

formas de tratamento da polícia durante alguns momentos, como o corrido na Praça Cataluña,

em Barcelona, devido à Taça Champion.

Tanto a decisão dos acampados em sair ou não quanto as respostas das autoridades

terão as matérias apresentadas no enquadramento plural fechada, ou seja, quando mais de uma

interpretação do fato é apresentada e organizada em uma hierarquia, como veremos a seguir.

A semana se iniciou com enquadramento da apresentadora do tipo informativo e

interpretativa, devido à intensidade dos noticiários dessa semana em mostrar as ações do 15-

M pelas ruas e a tomada de decisão dos acampados – se ficariam ou sairiam das praças. Em

Madri, reuniram-se os acampamentos de mais de 30 cidades da Espanha, como mostra uma

das imagens a seguir:

118

Figura 06 - Reunião dos porta-vozes de todos os acampados do 15-M da Espanha

Fonte: TVE (2011).

As notícias são sobre as cidades que decidiram ficar e sobre as que decidiram levantar

acampamento:

La 1: Algunos acampamentos de movimiento 15-M ya Empiezan a desmantelarse –

Pamplona, con la promesa de reuniones semanales Bilbao, deciden su marcha e

Sevilha continuán acampados.

La 1 [Puerta del Sol]: […] propuesta de levantar acampamiento el próximo domingo

[12 de junio], se propuse un calendario para reunirse. La acampada es un

instrumento de lo movimiento e no descartan volverlo en el futuro consideran que

este momento centrarse en otras acciones […] (TVE, 2011).

La 1: El Movimiento 15-M que cumple la cuarta semana, la iniciativa de levantar

acampamiento, la lluvia, con una asamblea , trabajando las comisiones, un

inventario de los acampamiento.

La 1 [Barcelona, Plaza Cataluña]: manteniendo las actividades durante el día. Un

grupo de gente no quiere dejar de acampar aquí, resiste a dejar el acampamento, hoy

a noche una asamblea, cuándo y como dejan o pernoctar, unidos (TVE, 2011).

São interpretativa indireta e interpretativa nas questões ligadas a protestos da ação da

polícia contra os manifestantes. Em Barcelona, o Conselheiro do Interior explica a ação da

polícia, quando houve 121 feridos [em 17 de maio em função da Taça Champion]:

La 1 [Barcelona]: El Consejero de Interior, en Parlamento catalán justifica la

actuación ha defendido de los agentes. La policía intento el diálogo mas no fue

posible. La oposición ha criticado la actuación de la policía (TVE, 2011).

É interpretativa novamente em relação ao Movimento 15-M, quando se trata da

manifestação em frente à sede das Cortes Valencianas contra a posse dos novos deputados da

Câmara, devido às pendências judiciais que eles possuíam. Os manifestantes tiveram

119

respostas agressivas por parte da polícia, por tentar romper o limite de segurança. Houve

confronto com diversas autoridades:

La 1 [Valência]: […] La delegación del gobierno acaba de emitir un comunicado

que en ningún momento se ha tratado de una carga policial y sin repelar una

agresión previa por parte de un grupo antisistemas que ha lanzado objetos

contundentes a la policía. Están llegando delante de la sede de la comisaría que

piden la libertad de los 05 detenidos.

Luis Felipe Martínes [Subdelegado del gobierno]: cuando las corte están reunidas

intentar manifestarse delante. Es un delito de código penal, intentar condicionar la

entrada de un diputado es un delito (TVE, 2011).

O momento da fala do presidente da Cocem, que noticia que os acampados de Madri

respondem em solidariedade aos companheiros de Valência, numa concentração pacífica até o

Congresso e que informa que tem uma perda de 30 milhões de euros com o acampamento na

Puerta del Sol:

Hilario Alfaro [Presidente de Cocem]: reclama al Ministro do Interior un informe

eses case 02 meses los daños por haber ejercido de forma anormal los deberes que

tenían que hacer cumplido (TVE, 2011).

Na sequência, intercala informativa e interpretativa indireta sobre protestos do 15-M

de Madri no Ministério do Trabalho e a Confederação Espanhola de Organizações

Empresariais – CEOE patronal, contra as negociações coletivas do trabalho e o corte dos

direitos dos trabalhadores.

O enquadramento do apresentador sobre as ações de violência em Valência, o Ministro

do Interior, Rubalcaba, defende a ação da polícia, afirmando que “prudencia es una norma

básica policial”. Violência também em Málaga, com a prisão de 05 manifestantes. Resposta

de Valência:

Ana Botella [Delegada del gobierno de la comunidad de Valencia]: La policía solo

se defendió, que resumen sus actitudes pacíficas, la policía rechazo las actitudes

antidemocráticas.

Paula Sanches de León [Portavoz del gobierno]: La oposición quier una explicación.

Prudencia es la actitud de la policía (TVE, 2011).

E a reação dos manifestantes 15-M quanto à ação policial:

La 1: Los manifestantes van denunciar la acción policial con los videos que ellos

mismos grabaran, presentando cada un una denuncia, según la abogada del 15-M

Adoración Guamán” (TVE, 2011).

120

O telejornal mostra episódios violentos da polícia para a retirada dos acampados e

também diversos detidos em manifestações diante das sedes das prefeituras, devido à posse

dos novos prefeitos e conselheiros das províncias em cidades como Burgos, Pamplona,

Mayorca, Sevilha. Houve enfrentamento dos manifestantes com a polícia em Salamanca. O

Movimento 15-M em Madri fez protestos nas ruas e a polícia agiu com violência.

Ao final dessa quarta semana, o enquadramento da apresentadora foi informativa, pois

a inserção no telejornal tratou dos preparativos da saída do Movimento “Indignados” da

Puerta del Sol, em Madri – local que se transformou no principal símbolo das manifestações

durante os 29 dias que permaneceram acampados e com repercussão internacional.

O apresentador, com explicação sobre o fim de uma fase do Movimento 15-M, que

manteve suas atividades em rede, deixa um ponto de informação:

La 1 [Puerta del Sol]: […]. La acampada con pocas horas de vida. Lo movimiento,

dicen los organizadores, seguirá tiendo aquí su epicentro porque dejaran aquí un

punto de información. Ahora están limpiando las fachadas, los quioscos, el material

p reciclar y los mas de 04 mil libros y hacer una biblioteca permanente. Hoy

termina una fase y por la noche una jornada de reflexión con un grito mudo (TVE,

2011).

Em outras cidades, como Sevilha, Valência, Valladolid e Sevilha, decidiram

permanecer acampados até o domingo, dia 19 de junho. Em Barcelona, decidiram manter o

acampamento, mas não dormir.

Na sequência, uma grande reportagem do 15-M e imagens, conforme Figura 7,

resumiu toda a trajetória do movimento que iniciou pedindo mudanças políticas com maior

participação social:

[la 1]: […]¡Democracia real Ya! Una plataforma que se definia como ciudadana y

apolítica, decena de miles de persona sallirán a las calles el día 15 de mayo

proveniente de distintos sectores de la población. Y Todos pedían lo mismo: una

democracia mas participativa. Y La defensa de los derechos de los trabajadores.

[…] Puerta del Sol, La acampada espontanea se convertió en organizada. Las

asambleas y siempre por unanimidad decidirán su reinvidicaciones como la reforma

de la ley electoral. O el control de la corrupción.

Acampada Sol conseguirán en poco tiempo ser un de los temas mas seguidos en

twitter . El 15-M e las acampadas cogerán fuerza en todo el país y fuera de España.

No se muvieran en la Jornada de Reflexión, cuando su concentración estáva

prohibida. tampoco después de las elecciones se empieza hablar de desalojo de Sol.

El ayuntamiento de Madrid y la comunidad perderán al gobierno que ordinara la

intervención policial porque dicián que no se davan las condiciones de salubridad y

los comerciantes del Sol reclamaran una indemnización por perdidas de 30 millones

de euros.

121

Arturo Fernandez [Presidente de CEIM]: Que tenemos ruinas en nuestros

estabelecimientos que estamos perdiendo imagen de Madrid.

[La 1]: Madrid se solidarizo con los acampados de Cataluña cuando los mozos de

esquadra intentarán desalojaren. Y ahora que decidieran terminar con las acampadas,

dicen que los objetivos de 15-M es centrarse en acciones concretas como las

concentraciones de estas semana frente al congreso o ayer frente la toma de los

ayuntamientos (TVE, 2011).

Figura 07 – Passeata organizada pelos “Indignados”

Fonte: TVE (2011).

4.4. As manifestações de junho de 2013, no Brasil

No Brasil, o fenômeno social de mobilização, ocorreu em 2013, de acordo com Gohn

(2014, p. 09-12), quando uma onda de manifestações ocupou as ruas, praças e avenidas do

país, em que cerca de dois milhões de pessoas, manifestaram-se para protestar na condição de

cidadão indignado contra tarifa de ônibus e a favor de uma melhor qualidade de vida urbana.

Gohn (2014) enfatiza o perfil dos manifestantes de junho no Brasil e destaca que, ao se

manifestar, os jovens formaram uma nova cultura sociopolítica, cuja característica seria uma

nova forma de movimento social composta por jovens, escolarizados, predominância de

camadas médias, conectadas por e em redes digitais, organizados horizontalmente, críticos

das formas tradicionais da política (IBOPE, 2013 apud GOHN, 2014).

Houve resultados: a sociedade não é amorfa e apática; as mobilizações tinham levado

a tentativas de mudança na agenda governamental, com resultados a médio prazo. O estopim

foi a luta de jovens por mobilidade urbana, conforme mostrado na grande mídia, quando

chama a atenção dos jovens brasileiros. Muitas pessoas que viram imagens de repressão

122

contra os manifestantes se identificaram. Segundo a autora,

quando o povo viu na TV e jornais jovens sendo espancados por lutarem por

bandeiras que eram também suas, a mobilidade urbana, ele saiu às ruas. Com isso

pode-se afirmar: boa parte da sociedade aderiu e entrou no movimento. O

crescimento das manifestações levou à ampliação das demandas com um foco

central: a má qualidade dos serviços público, especialmente: transportes, saúde,

educação e segurança pública (GOHN, 2014, p. 21).

Ao citar a conjuntura local e nacional, com relação aos escassos recursos destinados às

demandas sociais em oposição aos gastos para a realização de megaeventos no Brasil, como a

Copa das Confederações (junho de 2013) e a Copa do Mundo de Futebol (junho e julho de

2014), Gohn (2014) reafirma que não se pode descartar a influência do contexto internacional,

ao citar os movimentos nos EUA, Europa e Primavera Árabe. Assim, a autora toma como

referência, na narrativa dos acontecimentos, a cidade de São Paulo e outras localidades como

exemplos paralelos.

De fundamental importância para compreensão das manifestações de junho de 2013,

no Brasil, foi a mobilização organizada pelo Movimento Passe Livre – MPL, protagonista da

conjuntura nacional do tema mais amplo que é a mobilidade urbana no país, principal

reivindicação do MPL que provocou essa discussão ao organizar atos de protestos de ruas nas

principais cidades do país e que se expandiram para demais cidades.

Em texto produzido pelos próprios integrantes do MPL (MARICATO, 2013, p. 13-8),

eles explicaram que a grande bandeira era contra os sucessivos aumentos das passagens, numa

lógica da mercadoria: o transporte era ordenado de cima, excluindo a população da

experiência cotidiana da metrópole, limitando a mobilidade.

A história do movimento começou em 2003, em Salvador, em manifestações,

conhecidas como a “Revolta do Buzu”. Estudantes secundaristas pulavam muros das escolas

para bloquear ruas, organizando-se a partir de assembleias nos próprios bloqueios e,

aparelhados por grupos partidários, passaram a negociar com o poder público. Várias cidades

passaram a se organizar e participar da luta, quando ocorreu a “Revolta da Catraca”, em

Florianópolis, em 2004, forçando o poder público a revogar o aumento. Essas bases serviram

para a fundação do MPL, no ano seguinte. Dessas experiências, afirma Maricato (2013, p.

15),

surge então um movimento social de transporte autônomo, horizontal e apartidário,

cujos coletivos locais, federados, não se submetem a qualquer organização central.

Sua política é deliberada de baixo, por todos, em espaços que não possuem

dirigentes, nem respondem a qualquer instancia externa superior.

123

Assim, as mobilizações apontavam para o ponto nodal na estrutura social urbana: as

catracas do transporte eram uma barreira física que discriminava quem poderia circular pela

cidade, condenados à exclusão urbana. Somado ao projeto Tarifa Zero, da prefeitura de São

Paulo, nos anos 1990, trouxe ao MPL o transporte como direito, pois garantia o acesso aos

demais serviços públicos.

As jornadas de junho de 2013, argumenta Maricato (2013), rasgaram toda e qualquer

perspectiva técnica das tarifas e da gestão dos transportes que procurasse restringir seu

entendimento aos especialistas e sua “racionalidade”. Ao reverterem o aumento das passagens

momentaneamente – do controle político da gestão do transporte –, os gestores estatais e

privados ficaram assustados.

As mobilizações e lutas de transporte formaram um todo maior (MARICATO, 2013).

A organização descentralizada da luta era um anseio para uma outra organização do

transporte, da cidade e de toda a sociedade. Em São Paulo, a eclosão das manifestações

superou qualquer possibilidade de controle e transformou a cidade num caldeirão de

experiências sociais autônomas. A ação dos trabalhadores, o transporte, o cotidiano da cidade

e de sua própria vida não estavam distantes, mas eram uma construção diária nas atividades e

mobilizações, debates e discussão.

Com relação às características das manifestações de junho de 2013 no Brasil, a

ocupação, por tempo determinado, de ruas e praças públicas das cidades representou

simbolicamente, o local de tomada do espaço pela multidão indignada. No caso de São Paulo,

começou com a Avenida Paulista, seguiu até o Teatro Municipal, também o Largo da Batata

seguindo pela Brigadeiro Faria Lima; no Rio de Janeiro, a igreja da Candelária, na praça

Tiradentes, a ponte Rio-Niterói; em Brasília, a rampa do Congresso Nacional; Belo Horizonte

e Porto Alegre.

Assim, a análise do MPL foi fundamental para compreender as manifestações no

Brasil, em 2013. A seguir, serão mostradas as coberturas dos noticiários do telejornal

Repórter Brasil, da TV Brasil, analisando a pesquisa empírica realizada sobre os manifestos.

4.4.1 Análise dos noticiários das manifestações de junho de 2013 no telejornal Repórter

Brasil – TV Brasil

Para a pesquisa empírica foi selecionado o telejornal Repórter Brasil, da TV Brasil. O

telejornal existe desde de dezembro de 2007, quando foi implantada a TV Brasil, conforme

124

apresentado no Capítulo 3 desta tese.

Na produção de notícias do canal da TV Brasil, o telejornal Repórter Brasil é

transmitido de segunda a sábado em dois horários ao longo do dia, Repórter Brasil da tarde,

apresentado às 12h, com duração de 30 minutos, e o Repórter Brasil, edição da noite,

veiculado de segunda a sábado às 21h, com duração de 1 hora.

Para a pesquisa, foi selecionado o telejornal Repórter Brasil, edição da noite, cujas

notícias foram extraídas da página da TV Brasil, conforme exposto no item 4.1.1 Metodologia

da cobertura dos noticiários sobre as manifestações, desta tese. Foram investigadas as notícias

veiculadas no telejornal Repórter Brasil na edição da noite de segunda a sábado, veiculadas

nas quatro semanas de junho de 2013, divididas metodologicamente em: 1ª semana – dias 03

a 08; 2ª semana – dias 10 a 15; 3ª semana – dias 17 a 22; e 4ª semana – dias 24 a 29 de junho.

Assistiu-se a 119 inserções, cuja duração de cada uma variou entre 15 segundos a 10

minutos, dependendo do dia e da cobertura da notícia. Geralmente, as notícias de maior tempo

estavam relacionadas à explicação do preço das passagens e às entrevistas. Durante os dias

das semanas de junho, o telejornal Repórter Brasil noticiou diariamente notícias sobre as

manifestações – à exceção de sábado dia 01 de junho, em que não foram postados os vídeos

do telejornal na página da internet. No dia 08 havia notícias, porém, sem referência às

manifestações. No dia 15, sobre o confronto, e no sábado, dia 29, também não havia notícias

sobre as manifestações.

Para a catalogação da cobertura das manifestações, dada pelo telejornal da noite

Repórter Brasil, assistiu-se aos noticiários a partir da página da internet do canal da TV

Brasil. Os noticiários estão organizados por dia, mês e ano, podendo-se buscar a data e

horário do telejornal desejado. A hospedagem das notícias do dia está dividida e organizada

de forma aleatória e fragmentada.

Na análise e discussão das inserções, procurou-se agrupá-las num só texto, conforme

as quatro semanas de junho, catalogando as matérias do telejornal, analisando-se cada noite

correspondente às quatro semanas do mês de junho, e, em cada noite, o fluxo de todas as

matérias, quantas vezes aparecessem. Assim, as matérias podiamm variar de uma única

inserção a doze inserções na mesma noite, principalmente nos dias em que as manifestações

tiveram grande participação em milhares de cidades brasileiras simultaneamente, como será

apresentado.

Após o preenchimento das planilhas referentes às matérias dos telejornais, foram

transcritas as informações, e analisados os enquadramentos dados ao Movimento 15-M, pelo

apresentado/apresentadora, como mostra o Quadro 07, e o enquadramento sobre a matéria,

125

conforme o Quadro 08, abaixo, que serão analisados e interpretados na sequência.

Quadro 07 – Enquadramento do/a apresentador/ra no telejornal Repórter Brasil, TV Brasil

1a. semana 2

a. semana 3

a. semana 4

a. semana

Interpretativa 0 03 24 14

Interpretativa

Indireta

0 03 07 05

Avaliativa 2 01 05 0

Informativa 0 11 14 15

Fonte: da autora.

Quadro 08 – Enquadramento da matéria no telejornal Repórter Brasil, TV Brasil

1a. semana 2

a. semana 3

a. semana 4

a. semana

Restrita 0 01 06 05

Plural Fechada 1 10 37 17

Plural Aberta 1 03 06 09

Episódica 0 02 03 02

Avaliativa 1 0 01 0

Fonte: da autora.

A seguir, o tempo de aparição dos noticiários sobre as manifestações de junho de

2013, em cada semana da pesquisa realizada. O tempo foi de 4 horas, 03 minutos e 28

segundos, dividido entre as 04 semanas, conforme o Gráfico 04, a seguir:

Gráfico 04 – Tempo das manifestações de junho de 2013 no telejornal Repórter Brasil em 04 semanas

Fonte: Elaborado pela autora a partir do telejornal Repórter Brasil, TV Brasil (2013).

126

4.4.1.1 Primeira fase: início de junho, pouca visibilidade

Nessa primeira semana, foi o menor tempo de reportagem no telejornal sobre as

manifestações das 04 semanas analisadas, como se pôde observar no Gráfico 04.

Quanto ao enquadramento do apresentador, foi avaliativa, ou seja, quando existe uma

intencionalidade na fala do apresentador. Nesse período, as notícias são a convocação, reunião

e violência de enfretamento da polícia com relação aos manifestantes, ocorridos na cidade de

São Paulo, com os 1º e 2º atos das manifestações do MPL, conforme noticiário:

Repórter Brasil [1o. Ato de manifestação do MPL]: Os manifestantes se reuniram em

frente ao Teatro Municipal e se dirigiram para a Av. Paulista cujo percurso a PM

agiu com o uso de bombas de efeito moral.

Repórter Brasil [2o. Ato de manifestação do MPL]: [...] manifestantes convidavam a

população a ir para as ruas protestar contra o aumenta da tarifa. O grupo ocupou

parte de uma das principais avenidas da região a Av. Faria Lima. O transito parou.

Em seguida eles partiram para a Av. Rebouças [...]. A manifestação continuou na

Av. Paulista, que foi bloqueada. [...]Houve mais confronto. Três estações do metro

foram depredadas. [...]15 pessoas foram detidas. [...] (TV BRASIL, 2013).

Quanto ao enquadramento da matéria, nessa primeira semana, as notícias situaram-se

entre plural fechada – quando mais de uma interpretação do fato é apresentada e organizada

em hierarquia –, plural aberta – quando nenhuma interpretação é apresentada como superior –

e avaliativa, quando há uma intencionalidade do apresentador. Nesse período, as notícias do

telejornal oscilaram entre a organização das manifestações em pontos estratégicos da cidade e

a ação do uso de violência da polícia, em decorrência da paralisação do tráfego.

Somada ao enquadramento do apresentador/ra como avaliativa, as matérias tiveram

conotação crítica negativa com relação tanto às manifestações quanto à ação da polícia. O

telejornal trouxe a primeira imagem sobre manifestações da tarifa do transporte coletivo no

telejornal, conforme Figura 08, e na Avenida Paulista em São Paulo, conforme Figura 09:

127

Figura 08 – Primeira imagem do telejornal das manifestações de transporte coletivo

Fonte: TV Brasil (2013).

Figura 09 – Primeira imagem das manifestações em São Paulo

Fonte: TV Brasil (2013).

4.4.1.2 Segunda fase: reação das autoridades em São Paulo

Nesse período, cresceu, consideravelmente, o tempo de reportagem sobre as

manifestações, ficando as inserções entre 19 segundos a 08 minutos.

Na semana, prevaleceu o enquadramento informativo, com 11 inserções; a

interpretativa e a interpretativa indireta foram repetidas em 03 inserções e uma avaliativa. As

questões tratavam de informar: o que estava ocorrendo e qual o objetivo dessas

manifestações.

Quando a postura do apresentador é enquadramento interpretativo, mostra a ação dos

manifestantes que organizaram os 3o e o 4º atos de protesto do MPL, em São Paulo, cuja

128

matéria foi restrita. Também no Rio de Janeiro, o enquadramento do apresentador foi

interpretativo, matéria episódica; em Porto Alegre, a matéria foi restrita, como relata o

repórter:

Repórter Brasil: A avenida Paulista é palco de confrontos entre manifestantes e

policiais e o Repórter Brasil acompanhou ao vivo as informações.

Repórter Brasil: A manifestação no centro da cidade começou pacífica, mas

terminou com a pichação da fachada da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Repórter Brasil: [...] Porto Alegre o protesto termina em conflito apesar do reajuste

ter sido suspenso por liminar da Justiça.

Os enquadramentos informativos estão nas informações das manifestações em São

Paulo, Rio de Janeiro. Com relação às notícias sobre as demandas de outros movimentos, o

cálculo da tarifa de ônibus e as falas das primeiras autoridades, os enquadramentos das

matérias tiveram dez plural fechadas e três plural abertas, conforme seleção de algumas

notícias, como seguem:

Repórter Brasil: [...] Manifestações contra organização da Copa das Confederações,

em Brasília, em que o Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da

República Gilberto Carvalho esteve no local para conversar com os manifestantes e

recebê-los no Palácio do Planalto.

[...] Em São Paulo, com o MPL pedindo a redução da passagem de ônibus

confrontos com os policiais na Av. Paulista.

[...] Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que cobrou informações sobre os

confrontos entre policiais e manifestantes em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O governador e o prefeito de São Paulo estavam em viagem e responderam aos

protestos da seguinte forma:

Repórter Brasil: O governador, [...] disse que os atos de violência e vandalismo são

inaceitáveis e extrapolam o direito de expressão. O prefeito, diz que estendeu a mão

para o diálogo [...] mas os manifestantes fizeram questão de dizer que não iam

abdicar da violência [...]

Uma semana com alguns esclarecimentos do telejornal, o cálculo da passagem de

ônibus com base nos dados do IBGE, BACEN e SPTRans, nos últimos 19 anos:

[Repórter Brasil]: [...] No caso dos ônibus, em agosto de 1994 a passagem custava

R$ 0,50 e em junho de 2013, foi para R$ 3,20 um aumento no período de 540%.

Caso o reajuste fosse apenas pela inflação oficial o valor da passagem seria bem

menor que o atual, R$ 2,02 de acordo com os dados oficiais sobre a evolução das

tarifas em SP. [...]

129

O enquadramento avaliativo se deu quando se iniciaram os confrontos entre

manifestantes e a polícia em São Paulo e quando houve a prisão de jornalistas e mais de 60

manifestantes, conforme relata ao vivo o telejornal:

[Repórter Brasil]: [...] Rua da Consolação, teve inicio o primeiro confronto, a PM

recomendou que eles não chegassem a Av. Paulista, decidiram prosseguir [...]. O

Choque também atuou perto da Praça Roosevelt [...] Dali os manifestantes se

dispersaram. [...] A PM já não tinha mais foco. Bombas por todos os lados. Neste

momento manifestante estão chegando na Av. Paulista, que está interditada nos dois

sentidos [...] (TV BRASIL, 2013).

Foram usadas imagens de apoio em todas as inserções, tendo uma

ilustração/animação, no momento de explicar o preço das passagens, conforme citação

anterior. Veja na Ilustração 03 abaixo:

Ilustração 03 – Cálculo da passagem de ônibus em São Paulo

Fonte: Repórter Brasil, TV Brasil (2013).

4.4.1.3 Terceira fase: expansão das manifestações pelo país

É nessa fase que o telejornal apresentou o maior número de matérias sobre as

manifestações, fase de maior intensidade das manifestações de rua. O tempo de cobertura

representou 56% do tempo total de cobertura das 04 semanas, conforme foi mostrado no

Gráfico 04, anteriormente, com o tempo de reportagens entre 2 a 42 minutos. Nesse período,

as inserções do telejornal tiveram a inclusão de entrevistas com especialistas, reportagens

especiais, comentários e debates sobre questões, como violência e custo das passagens.

Evidenciou-se uma incidência elevada do enquadramento do apresentador

130

interpretativa e a informativa, com enquadramento da matéria predominantemente plural

fechada. Dessa forma, as matérias, no início da semana, estiveram relacionadas ao 5º, 6º e 7º

ato de protestos em São Paulo, e à forma de como foram conduzidas as ocupações nas ruas. O

telejornal projetou as falas de sujeitos envolvidos nesse processo: os representantes do MPL e

os representantes do poder público:

Repórter Brasil: [...] Este é o maior dos 5 atos organizados desde a semana passada

na capital paulista.

Repórter Brasil: [6o. ato em São Paulo, na Praça da Sé] A manifestação na maior

parte do tempo foi pacífica, ao final houve confronto. [...] 50 mil pessoas, foram

para a prefeitura e tentaram invadir o prédio, pedras e paus, bombas, vidros

quebrados, grupo pacífico fez cordão de isolamento e parte foi para Av. Paulistas

(TV BRASIL, 2013).

[Repórter Brasil]: [..] Os manifestantes rapidamente lotaram o Largo da Batata [...]

Não houve cenas de violência. Tudo isso foi possível hoje graças a um acordo uma

reunião pela manha entre a liderança do movimento e a Secretaria de Segurança

Pública de São Paulo.

Fernando Grella [Secretário de Segurança Pública de São Paulo]: Ela a PM] vai

estar a disposição como sempre esteve, para o ato nós acreditamos que o movimento

que o ato que vai ser pacífico [...].

Mayara Vivian [líder do MPL]: O que agente precisa é revogar o aumento. Nosso

objetivo é revogar o aumento (TV BRASIL, 2013).

A postura interpretativa indireta do apresentador teve baixa intensidade. Duas delas

também apresentam enquadramento da matéria plural fechada, quando o telejornal mostra a

Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, em cerimônia de Marco Regulatório da Mineração em

Brasília, num momento do seu discurso, reportando-se às manifestações. É o primeiro

pronunciamento da chefe do Executivo sobre o assunto. Outra inserção é a do ministro-chefe

da Secretaria-Geral da Presidência da República:

Presidenta Dilma Roussef: Essa mensagem direta das ruas é por mais cidadania, por

melhores escolas, por melhores hospitais, postos de saúde, por direito a participação.

[...] mostra a exigência de transporte público de qualidade e a preços justos, [...] pelo

direito de influir nas decisões de todos os governos no legislativo e do judiciário.

Gilberto Carvalho [Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da

República]: Nós, de um lado saudamos como absolutamente uma novidade

importante para o pais essa disposição de participação, ao mesmo tempo

evidentemente que nos preocupa termos os ouvidos abertos para esse grito que vem

das ruas e sabermos interpretar o que significa essas manifestações.

O enquadramento do apresentador interpretativa indireta, porém, com enquadramento

da matéria restrita ocorreram quando aconteceram os debates no telejornal sobre os protestos,

131

a exemplo do que diz o professor de história da USP, que define a organização das

manifestações e como a população reagiu à violência da polícia:

Prof. Alambert: [...] auto-organizada, caótica, fragmentadas, em rede, [...], contra

governos estaduais prometem e a vida social não encontra eco, [...]Clima de revolta

que levou as pessoas a tomarem esses atos. Quando SP, MG e RJ o governo pede

desculpa, uma falência do Estado com o povo (TV BRASIL, 2013).

Duas inserções de enquadramento do apresentador interpretativa e matéria plural

aberta, ocorreram na matéria sobre os manifestantes em Brasília, que ocuparam o gramado, e

na cobertura do Congresso Nacional, com o ato chamado de “Marcha do Vinagre”, para

criticar a atuação da polícia de São Paulo que reprimiu manifestantes, na semana anterior, e

noticiou que prenderia quem portasse garrafas de vinagre.

No mesmo enquadramento, interpretativa e plural aberta, quando outro entrevistado,

Fernando Batista, especialista em Desenvolvimento Internacional de Redes Sociais, falou da

forma de organização das manifestações, como se expandiram os protestos e a violência:

Fernando Batista: As manifestações é a própria rede social, mídia interativas (face,

twitter) rede todo mundo interagindo. [...] chamamentos, sem lideranças, várias

causas simultâneas, mundo do qual as pessoas estão conectadas, o político

institucional hoje vai ter que interagir cada vez mais, novos padrões emergente. [...]

As topologias da rede, redes mais distribuídas, interagem mais, padrões

cooperativos, grupos que se destacam da rede, surgem manifestações de violência

quando se desconectam do que ta acontecendo. [...] Chega aos adultos, a diferença é

como interpretam, os jovens mais criativos, tentar produzir os padrões da mídia, os

jovens tão fazendo coisas diferente (TV BRASIL, 2013).

A postura do apresentador foi informativa, com enquadramento da matéria episódica,

ao noticiar trechos da participação de integrantes do MPL no programa Roda Viva, que

explicaram as bandeiras dos protestos em São Paulo e as características políticas do

movimento:

Lucas Monteiro de Oliveira [integrante do MPL]: O movimento a curto prazo ele é

bem básico ele é a redução da passagem, revogação do aumento, [...] defende uma

pauta mais ampla, defende tarifa zero, uma vez que o transporte é essencial para

garantir outros direitos, essencial para circular pela cidade para as pessoas se

apropriarem da cidade. [...].

Nina Capello: Nosso movimento é apartidário mas não anti-partidário. [...] (TV

BRASIL, 2013).

Ainda sobre sobre o MPL, o enquadramento do apresentador interpretativa e matéria

plural fechada ocorreram quando representantes do movimento se reuniram com o governo do

Distrito Federal e as autoridades anunciaram que o aumento da passagem fora revogado pelo

132

prefeito e pelo governador de São Paulo, depois de seis manifestações. Ambos declararam que

a passagem de ônibus voltaria a custar R$ 3,00. Na decisão da revogação da passagem em São

Paulo, as falas de autoridades políticas de São Paulo e de uma das representantes do MPL:

Geraldo Alckmin [Governador de São Paulo]: [...] Vamos revogar o reajuste dado,

voltando a tarifa original de 3 reais. [...] Sacrifício grande, vamos ter que cortar

investimento para as empresas não tem como arcar com as diferenças. [...]

Fernando Haddad [Prefeito de São Paulo]: Como o governo do estado a tarifa de São

Paulo volta ao patamar de 3 reais, num gesto de aproximação, de abertura, do

entendimento do espírito democrático pacifico que continuaremos a fazer com

cidade com mais responsabilidade, tendo que explicar as conseqüências desse gesto

paro o futuro da nossa cidade.

Maira Vivian[representante do MPL]: Revogar na cidade mais importante do pais. A

cultura de mobilização não pode parar.

Apresentador interpretativa, plural fechada também em relação ao debate sobre as

manifestações no telejornal Repórter Brasil, são convidados dois jovens doutores, um deles

participante das manifestações, o historiador Yuri Franco e a doutora Maria Carlotto, que

explicam bem o MPL e dão a sua opinião sobre os protestos e os seus possíveis efeitos.

Yuri: O movimento mostra que transporte é o centro das questões da cidade,

discutem cidades como Rio de Janeiro e São Paulo na campanha para prefeito se

discutiu, o reflexo forma o que se exige mais participação da população.

Maria Carloto: [Ha] dois momentos, contra o aumento das passagens exigindo

direitos sociais, a grande mídia tentou reorientar os sentidos dos protestos, mas

houve mobilização massiva em torno da questão do transporte passagem, contra

aumento. [...]. Porque é preciso dizer que o movimento que foi a rua pela defesa da

redução das passagens é muito organizado MPL, existe em várias capitais do Brasil,

existe ha vários anos tem uma militância cotidiana, respaldado por partidos de

esquerda, por organização de esquerda, por centros acadêmicos de esquerda,

diretórios de estudantes [...] (TV BRASIL, 2013).

Novamente, o enquadramento do apresentador interpretativa, com enquadramento da

matéria plural fechada, no telejornal ao mostrar reportagem de debate da Universidade de São

Paulo – USP, em que reuniu pesquisadores, sociólogos e outros especialistas para buscarem

as respostas:

Janine Ribeiro (Filósofo): De tempos em tempo a política é um meio, não um fim.

Não ocorriam grandes manifestações desde do impeachment.

Cavenacci (Antropólogo): No crescimento desse movimento a violência pode

acabar com uma forma de sensibilidade das instituições brasileiras mas também da

forma da polícia de entender de dialogar com os jovens que tem vontade de mudar.

José Álvaro Moises (Cientista Político): Os partidos tem que se rever, renovar, uma

133

nova linguagem, não é apenas estar presente mas respostas efetivas as reivindicações

(TV BRASIL, 2013).

Na entrevista da coordenadora de direitos humanos da Anistia Internacional, Renata

Neder, o apresentador do telejornal mostrou postura avaliativa, tendo como enquadramento da

matéria plural fechada, quando a entrevistada frisou que a Anistia Internacional lançava guia

para a polícia brasileira lidar com protestos, devido ao seu despreparo:

Renata Neder: Não esta muito preparada para lidar nesta escala e como foi nas

últimas, a Anistia Internacional, com base da ONU, está traduzindo um guia de boas

práticas. Não é reprimir mas facilitar a manifestação e que aconteça com segurança,

para proteger as pessoas de atos de violência (TV BRASIL, 2013).

Ainda com relação às entrevistas, o apresentador mostrou enquadramento avaliativo,

com matéria plural fechada, diante de outras declarações no telejornal, quando o líder do

Movimento dos Sem-terra – MST, João Pedro Stédile, falou uma única vez sobre a carta

enviada à presidente, e, na sequência, Lucas Monteiro, do MPL:

João Pedro Stédile: [...] decidimos elaborar uma carta coletiva para que o governo

chame os movimentos, que é uma parcela organizada da sociedade para sair da crise.

Não basta pronunciamento ou reunião com seus ministros.

Lucas Monteiro: [...] O movimento é organizado por cidade pois a política tarifária

é da prefeitura. [...]Abertura acontece porque as pessoas fizeram pressão na rua. O

movimento é de esquerda, as organizações ajudaram a gente, oportunismo é dizer

que não estavam na luta seria mentir, repudiamos a violência (TV BRASIL, 2013).

Retorna ao enquadramento do apresentador informativa, como matéria plural fechada,

na noite em que a presidenta Dilma Rousseff fez pronunciamento no qual são mostrados

trechos do discurso que enfoca “o direito dos manifestantes de questionar e criticar mas de

forma pacífica e ordeira”. Anuncia a “destinação de cem por cento dos recursos do petróleo

para a educação”, em que receberá “líderes das manifestações pacíficas, os representantes das

organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das

associações populares”. Isso, além da reforma política e, ao final, justifica os investimentos

públicos nas construções dos estádios de futebol para sediar a Copa do Mundo de futebol de

2014 no Brasil.

Informativa e plural fechada também na notícia em que o MPL anuncia a saída dos

protestos de rua, como relata um dos líderes do movimento:

134

Lucas Monteiro: [...] Não tem sentido continuar foram 7 manifestações em 14 dias,

não tem porque manifestações regulares. [...] as manifestações trouxeram a

discussão para a esfera política, vamos lutar por transporte de acesso a cidade.

[...]Muita gente participando. As pessoas tão começando a se politizar , que façam o

debate, entrar em contato com os temas (TV BRASIL, 2013).

Em menor proporção avaliativa no enquadramento do apresentador avaliativa, quando

a notícia reportou as ações e cenas de violência durante as manifestações, ou quando

pontualmente ocorria a entrevista de agente da Anistia Internacional, como fora mostrado

anteriormente. Na totalidade das matérias, foram usados recursos de imagens de apoio, e em

pouca proporção só o apresentador e ilustração/animação. A seguir, algumas imagens: Figura

10, Figura 11 e Figura 12:

Figura 10 – Presidenta Dilma Rousseff falando sobre as manifestações em Marco Regulatório da Mineração em

Brasília

Fonte: TV Brasil (2013).

Figura 11 – Rampa do Congresso Nacional, em Brasília, durante a Marcha do Vinagre

Fonte: TV Brasil (2013).

135

Figura 12 – Comemoração na Av. Paulista da revogação da passagem de ônibus.

Fonte: TV Brasil (2013).

Ainda sobre as imagens, o telejornal Repórter Brasil criou telas de fundo para as

matérias referentes às manifestações. Quando as notícias se reportavam sobre a violência que

ocorria durante as manifestações, a imagem retratada possuía uma característica, conforme

Figura 13 – diferente da imagem retratada no momento das entrevistas, debates e discussões

sobre as manifestações, bem como quando aconteceu a revogação do preço da passagem de

ônibus em São Paulo, Figura 14:

Figura 13 – Imagem de fundo do telejornal Repórter Brasil sobre as manifestações

Fonte: TV Brasil (2013).

136

Figura 14 – Imagem de fundo do telejornal Repórter Brasil sobre as manifestações

Fonte: TV Brasil (2013).

4.4.1.4 Quarta fase: visibilidade dos poderes públicos

Nessa quarta semana de análise dos noticiários do telejornal, os enquadramentos mais

utilizados pelos apresentadores foram o informativo e o interpretativo. Somados, são quase a

totalidade das inserções, sendo que a interpretativa indireta aparece junto com

enquadramentos anteriores, e não houve nenhuma avaliativa. Com relação ao tempo de

noticiários sobre as manifestações, essa última semana de análise é a segunda semana com

maior índice de notícias, ficando com o tempo de 28% do total das 04 semanas; o tempo de

reportagem ficou entre 5 a 23 minutos.

Em relação ao enquadramento da matéria, prevalece a plural fechada com maior

incidência, e em segundo a plural aberta, diminuindo a restrita e na sequência episódicas.

O enquadramento do apresentador do tipo informativo e interpretativo e o

enquadramento dado à matéria plural fechada e aberta estão relacionados com a agenda

política do poder Executivo federal, tendo a presidenta Dilma Roussef, em reuniões com

políticos para discutir a reforma política, líderes de outros poderes e representantes dos

movimentos sociais. Houve também enquadramento da matéria restrita, conforme mostrado

na sequência.

As notícias cujo enquadramento do apresentador é do tipo informativa, com

enquadramento da matéria plural fechada, estão relacionadas com as instituições de ensino,

137

movimentos sociais e agentes da polícia para discutir a violência. A OAB Nacional e o

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral lançaram projeto de iniciativa popular que

defendia a reforma do sistema eleitoral:

Fabio Bechara (Secretário-Executivo do Grupo de Atuação Especial de Combate ao

Crime Organizado-GAECO-SP): Cada situação deve ser olhada na sua peculiaridade

para evitar abusos, mas ao mesmo para que o Estado não esteja omisso.

Carolina de Mattos Ricardo (Coordenadora Instituto Sou da Paz): Que a policia

esteja preparada para assumir essa missão política que o governo trás de responder

com abertura as manifestações sociais.

Marcus Vinícius Furtado [Presidente Nacional da OAB]: Retirar qualquer incentivo

de doações indevidas a candidatos e empresas. Sem isso nunca iremos combater as

causas de corrupção no Brasil que começa com as corrupções eleitorais.

A matéria com enquadramento restrita, do tipo apresentado informativo, está

relacionada à reunião da presidenta Dilma Rousseff com representantes do MPL e prefeitos,

em que ambos cobraram propostas concretas para melhorar o transporte público, conforme

mostrado nas matérias:

Marcelo Hotinsky [integrante do MPL]: Eles não mostraram nenhuma pauta

concreta de fato para modificar a situação do transporte no pais [...].

Eduardo Paes [prefeito do Rio de Janeiro]: Necessidade de programas de incentivo

ao transporte coletivo, já que tem subsidio para o individual (TV BRASIL, 2013).

Com relação às lideranças políticas, o enquadramento do apresentador foi interpretativa

com enquadramento da matéria plural aberta, quanto ao plebiscito para a convocação da

Constituinte da reforma política, bem como à posição da OAB Nacional, conforme

transcrição do repórter do telejornal:

Repórter Brasil: Para a OAB Nacional o plebiscito é desnecessário a entidade afirma

que basta alterar a lei das eleições e a lei dos partidos por meio do projeto de

iniciativa popular de reforma política, ele acaba com o financiamento de campanha

por empresas e define regras para eleições limpas (TV BRASIL, 2013).

Sobre o debate da constituinte, proposta pela presidenta Dilma, o enquadramento do

apresentador interpretativa e enquadramento da matéria foi do tipo restrita, quando o cientista

político e comentarista do Repórter Brasil, Emir Sader, fala sobre essa proposta:

[...] O plebiscito da reforma política, tema que se arrasta desde 2010 com o Lula e

Dilma. [...] o PMDB foi duro não aceitou o financiamento público, agora nas ruas ha

um desgaste e as pessoas não acreditam nos partidos [...]. A idéia dela ser exclusiva

e de legitimidade popular vai chegar ao Congresso com força. [...]Tornar mais

138

significativa a representação parlamentar (TV BRASIL, 2013).

Na notícia da reação do poder Executivo federal em relação às manifestações na

reunião da presidenta Dilma, em que anuncia a criação de cinco pactos, o enquadramento do

apresentador seguiu o padrão informativo, enquanto a matéria foi restrita:

Repórter Brasil: A presidenta Dilma Rousseff anunciou hoje várias medidas áreas

sociais. O objetivo é atender ás reivindicações apresentadas durante as

manifestações que tomaram as ruas do país nas últimas semanas.

Presidenta Dilma Roussef: O primeiro pacto é pela responsabilidade fiscal, para

garantir a estabilidade da economia e o controle da inflação. O segundo pacto é em

torno da construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a

participação popular e amplie os horizontes da cidadania. [...] [Saúde] Quero propor

aos senhores e às senhoras acelerar os investimentos já contratados em hospitais,

Unidade de Pronto Atendimento – UPAs e unidades básicas de saúde. [...]

[Transporte público] o quarto pacto se propõe a dar um salto de qualidade no

transporte público nas grandes cidades disso decidi destinar mais 50 bilhões de reais

para novos investimentos em obras de mobilidade urbana. [Educação] o meu

governo tem lutado junto ao congresso nacional para que 100% do royalties do

petróleo e 50 % dos recursos do pré-sal a serem recebidos pelas prefeituras e

governos federais pelos municípios e a parte da União eu repito sejam investidos na

educação.

Já na questão sobre as reivindicações sociais demandadas nas manifestações entrarem

na pauta de votação na Câmara, a postura do apresentador é informativa; quanto ao

enquadramento da matéria, foi plural fechada, na fala de Emir Sader:

Sobre a reforma política, clichês “clamor das ruas” esta virando realidade.

Financiamento público de campanha. O Congresso ta dando prioridade para votação,

processo eleitoral. As decisões devem ocorrer um ano antes. Lobby sobre os temas

dar condição de igualdade dos recursos, uma representação política que a população

se reconheça. Rigorosidade na fundação de partidos (TV BRASIL, 2013).

Retomando a análise do formato de enquadramento que prevaleceu nos noticiários

dessa semana, novamente a postura do apresentador foi informativa plural, com

enquadramento da matéria aberta, com relação às novas reduções das passagens, em São

Paulo, anunciadas pelo governador, para melhorar a mobilidade urbana, com a redução de

passagens dos ônibus intermunicipais:

Geraldo Alckmin [Governador de São Paulo:] Temos defendido a reforma política já

ha bastante tempo. Algumas coisas poderiam fazer rapidamente, não precisa mudar a

constituição, só muda a lei” (TV BRASIL, 2013).

Mesma análise, informativa e plural aberta sobre a decisão de realizar um plebiscito e

139

não uma constituinte. O anúncio saiu depois de reuniões da presidenta Dilma Rousseff com

representantes dos poderes e que manifestam sua opinião:

Marcos Vinícios Furtado Coelho [Presidente da OAB]: [...] é urgente e mais rápido,

e mais efetivo fazer uma reforma política [via plebiscito] alterando a lei das eleições,

dos partidos políticos sem alterar a Constituição Federal.

Aloízio Mercadante [Ministro da Educação]: Será realizado um plebiscito. [...].

Joaquim Barbosa [Presidente do STF]:O modo de eleição do presidente não só do da

república, mas também deputados e senadores esta na Constituição. Qualquer

medida que venha alterar essa sistema de eleições exigirá mudança na Constituição

(TV BRASIL, 2013).

[Repórter Brasil]: [...] Com o plebiscito a população deve se manifestar com duas

questões: sistema eleitoral e o financiamento de campanha. O resultado pode servir

para nortear os parlamentares que depois do plebiscito devem elaborar uma nova

legislação eleitoral baseada na vontade da população. [...]

Eduardo Campos:[presidente do PB] nós todos os partidos políticos, precisamos

compreender a distancia que se estabeleceu entre a sociedade e sua representação.

Como se Governos e partidos fossem analógicos e a sociedade digital.

[Repórter Brasil]: Os partidos de oposição, em nota, criticaram a proposta do

governo, a reforma política é mais complexa por isso deve ser tratada em

referendum (TV BRASIL, 2013).

Quando aconteceu a reunião da presidenta Dilma com as Centrais sindicais pedindo

apoio à proposta de plebiscito, o enquadramento da matéria foi plural fechada, com o

apresentador interpretativa indireta, em que se manifestaram representantes da situação e

oposição:

Manoel Dias [Ministro do Trabalho]: A Presidenta com o apoio que eles

[presidentes das centrais] deram ao plebiscito pediu que cada uma das centrais

formulasse propostas, apresentasse soluções, a fim de que ela na elaboração do

projeto enviará sugestões ao Congresso.

Vagner Freitas [Presidente da CUT]. A voz roca que vem das ruas ta dizendo que a

população quer participar, pra isso tem que ter o plebiscito, tem que ter reforma

política. Nós nos colamos apoiando neste momento.

Deputado Paulo Pereira PDT-SP [Presidente da Força Sindical]: Nós vamos no dia

11 [de julho de 2013] com manifestação, greves, pra continuando a enfrentar essa

situação (TV BRASIL, 2013).

Cabe destacar sobre as demandas oriundas das manifestações, o enquadramento do

apresentador informativa com matéria plural fechada, quando o telejornal enfatizou votações

ocorridas em menos de 24 horas, na Câmara e no Senado, de projetos importantes depois do

“grito das ruas”, como afirma o apresentador:

140

Repórter Brasil: Senadores aprovaram o projeto que altera o código penal e torna a

corrupção crime hediondo. A Câmara dos deputados aprovou o projeto que reduz a

zero alíquotas sobre as receitas do transporte coletivo. Comissão de Constituição e

Justiça da Câmara vota fim da impunidade a partir do voto aberto para perda de

decoro parlamentar.

Repórter Brasil: A Câmara tirou da gaveta matérias que aguardavam para votação.

Caso dos royalties, o projeto aprovado de madrugada destina petróleo 75% para

educação 25% para saúde. Os deputados não seguiram a proposta do governo que

repassava 100% dos royalties para a educação. O texto deve ser analisado pelo

plenário do Senado.

Repórter Brasil: No Senado, foi aprovado o Fundo de Participação dos Estados,

também votado na Câmara, recursos IR e IPI, quando o governo fizer desoneração a

União terá que compensar os estados [...]

Dentre as matérias que trouxeram as agendas políticas e o debate nas instituições sobre

as exigências trazidas durante os protestos, há uma matéria restrita sobre o MPL, com

enquadramento do apresentador informativa:

Repórter Brasil: Movimento Passe Livre promove aula pública. O evento, ocorrido

em São Paulo, objetivava explicar a população a ideia da tarifa zero do transporte

público.

[...] Movimento recolhe assinaturas em frente a prefeitura de São Paulo. Integrantes

montaram um espaço e Lucio Gregori, idealizador do projeto Tarifa Zero, ex-

secretário dos transporte da gestão Luiza na prefeitura paulista de Erundina expôs,

estava entre os convidado.

Lucio Gregori [engenheiro]: A sociedade brasileira é rica o suficiente para fazer uma

política tributária de que os mais poderosos, mais ricos contribuem para que todos

andarem e terem uma cidades que muda inteiramente com a gratuidade do

transporte.

Os integrantes distribuíram cartilhas e fichas para coletar assinatura para que o

projeto seja votado na Câmara dos Vereadores (TV BRASIL, 2013).

Também o enquadramento dos apresentadores foi informativa e o enquadramento

matéria plural aberto, quando o telejornal trouxe o quadro “A Pauta das Ruas”, que tratava de

reportagens apresentando dados e análises de temas que foram pauta das manifestações,

como: Mobilidade Urbana, Saúde, Educação, Reforma Política e Segurança Pública.

Com relação às imagens, novamente todas as notícias trouxeram imagens de apoio,

inclusive as notícias do quadro intitulado “A Pauta das Ruas”, com temas abordados

provindos das manifestações. Nas reportagens, foram abordados investimentos que o Brasil

fez, a exposição de especialistas sobre o tema e o uso de recurso de ilustração/animação,

como a criação da tela de fundo mostrada na Figura 16:

141

Figura 15 - Quadro Pauta das ruas, do telejornal

Fonte: TV Brasil (2013).

Imagens da presidenta Dilma Rousseff, em Brasília, com representantes do MPL,

Figura 16, e em reunião com governadores e prefeitos, Figuras 17 e 18:

Figura 16 – Reunião da presidenta com líderes do MPL

Fonte: TV Brasil (2013).

142

Figura 17 – Presidenta Dilma em reunião com governadores e prefeitos

Fonte: TV Brasil (2013).

Figura 18 – Presidenta e reunião com representantes de movimentos sociais

Fonte: TV Brasil (2013).

143

Considerações finais

A televisão como importante meio de comunicação de massa, a partir da segunda

metade do século XX, alterou a relação do poder político na esfera civil. Ao ampliar a

visibilidade da política e de seus atores, trouxe, para a arena pública, a centralidade midiática

como fonte principal de representação social da política.

Entretanto, a comunicação na sociedade em rede a partir da Internet, ao final do século

XX e início do XXI, tem representado uma ruptura na visibilidade política e intensificado o

debate político atual. A autocomunicação de massa – processo que incrementa, de forma

decisiva, a autonomia dos sujeitos, transformando-os em sujeitos comunicadores – aumenta o

poder da cidadania sobre o Estado. Essa dinâmica tem possibilitado maior engajamento dos

movimentos sociais e das políticas insurgentes. Fluxos midiáticos de comunicação entram no

debate da esfera pública e promovem mudança política e cultural, alterando as relações do

poder instituído, rompendo com a indiferença da agenda política.

Nesse contexto da sociedade em rede, a televisão mantém seu papel de comunicação

de massa. Como apresentadas nos capítulos 2 e 3, as televisões públicas, RTVE espanhola e

TV Brasil, ainda que possuam processos históricos muito distintos, trazem aspectos

importantes para serem tratados – a exemplo do período político da Transição Espanhola

(1975-1982) durante o qual a TVE foi o principal veículo de informação na conformação da

opinião pública na questão da democracia no país, ainda que com forte aparato hierárquico e

centralizador, como de fato se configura o meio televisivo público.

A TVE foi o único canal de televisão presente na Espanha dos anos de 1950 a 1990. A

partir da década de 1990, porém, passou a enfrentar as contradições do sistema audiovisual,

com as decisões supranacionais da União Europeia, de padrões empresariais e competitivos,

além das crises financeiras e das mudanças legislativas da radiotelevisão espanhola, na esteira

das mudanças econômicas mundiais.

Nesse mesmo período, o Brasil vivenciava a recente redemocratização com a

promulgação da nova Constituição Federal de 1988. O artigo 223 da Carta Magna estabeleceu

o princípio de complementaridade de radiodifusão dos sistemas privado, público e estatal no

país. A TV Brasil, gerenciada pela Empresa EBC, foi criada em 2007, com apoio legal e fruto

dos debates da sociedade civil e de representantes do setor de comunicação do país, que

demandavam um canal de televisão efetivamente público.

Porém, a EBC, juntamente com seus veículos de comunicação, tem vivenciado, desde

144

maio de 2016, quando houve o afastamento da presidenta da república Dilma Rousseff, um

processo de desmonte iniciado pela exoneração do diretor-presidente da Empresa, Ricardo

Melo, pelo então presidente interino Michel Temer. Na sequência, em junho, o diretor-

presidente foi reconduzido pelo Supremo Tribunal Federal, por força da liminar, garantindo a

continuidade de sua gestão até o devido julgamento pela Corte Suprema.

Esse período tem reunido, em eventos sobre a comunicação pública, comunicadores

do Brasil e do exterior, alertando sobre as atuais decisões do governo interino em excluir dos

canais de comunicação público qualquer debate político divergente do atual governo. Inclui-

se nos desmontes da EBC, de decisão do presidente da república interino, a suspenção de

contratos com profissionais da empresa, além dos contratos com blogs e sites alternativos e a

extinção de programas de debates. Esse desmonte tem resultado nos drásticos cortes na grade

de programação da TV Brasil, comprometendo a qualidade do trabalho de serviço público.

O Conselho Curador da EBC que, na estrutura organizacional, tem caráter

representativo plural da sociedade civil, tem deliberado confiança efetiva à permanência de

seu diretor-presidente. Ainda em junho, em audiência pública, na comissão de Cultura, de

Legislação Participativa e de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, debateram,

baseados no art. 19 da Lei 11.652/2008, que criou a EBC, a garantia do diretor-presidente da

empresa, fixado em quatro anos, para que não coincidisse com os mandatos de presidentes da

República, a fim de assegurar a independência dos canais públicos.

Com relação à análise comparativa da cobertura dos noticiários dos telejornais sobre o

Movimento 15-M, os “ Indignados”, veiculados pelo Canal La 1, da RTVE e as

Manifestações de junho de 2013 pela TV Brasil, cabe ressaltar alguns aspectos, a seguir.

O Movimento 15-M significou uma ampla mobilização em todo o país de contestação

da forma como a democracia representativa tem sido conduzida pelos representantes políticos

espanhóis. Em termos políticos, o país vive, desde 1982, o final da Transição Espanhola e a

alternância do poder entre os maiores partidos PSOE e PP – bipartidarismo batizado de

PPSOE.

Conforme apresentado, quando a Plataforma Democracia Real Ya! publicou, nas

mídias sociais, um manifesto explicando a insatisfação de parte da sociedade com relação às

medidas econômicas e políticas dos dirigentes, muitos jovens se sentiram identificados com

aquele manifesto. Sem o apoio de qualquer instituição, mas com ampla divulgação na

internet, grupos diversos se manifestaram em mais de 50 cidades da Espanha, no dia 15 de

maio. Em Madri, ao final dos protestos pelas ruas, decidiram se reunir na Puerta del Sol, o

marco zero da cidade, símbolo importante de espaço público e passar a noite debatendo o

145

significado real da democracia até que chegassem a um consenso. Espontaneamente, foram

chegando mais e mais pessoas interessadas nos debates, decidindo permanecer acampados na

praça. Foi o início das acampadas. Na sequência, foi a vez de Barcelona, na Praça Catalunha,

e, sucessivamente, pelo país todo.

Com relação ao enquadramento da mídia televisiva dado à cobertura do 15-M no

telejornal Telediario 2, canal La 1 da RTVE, o maior número de inserções sobre o movimento

ocorreu na primeira semana de acampamentos nas praças das cidades espanholas. Em 38% de

noticiários, do tempo total pesquisado nas 4 semanas, as notícias buscavam apresentar o

motivo pelo qual estava ocorrendo aqueles acampamentos e explicar por que permaneciam

nas praças históricas das cidades, conforme mostrado. O enquadramento do apresentador foi

interpretativo indireta, quando o locutor relata a posição ou fala de outra pessoa que interpreta

o tema, seguida da interpretativa, quando o locutor apresenta uma interpretação do tema; e,

informativa, quando o locutor relata um fato ou apenas o introduz. Com relação ao

enquadramento da matéria, foi predominante plural aberta – quando mais de uma

interpretação do tema é apresentada e tratada de forma indeterminada, de maneira que

nenhuma interpretação é apresentada como superior ou correta.

Na terceira semana, ainda com relação ao tempo dado ao 15-M no telejornal, foi 29%

de noticiários do tempo total das 04 semanas. Esse foi o segundo maior tempo de cobertura

sobre o 15-M, quando as notícias indagavam até quando os acampamentos iriam permanecer.

O enquadramento do apresentado com maior incidência foi a informativa e o enquadramento

da matéria somente plural fechada – quando mais de uma interpretação do tema é apresentada

e organizada em uma hierarquia.

Com relação às Manifestações de junho de 2013, no Brasil, é de fundamental

importância para compreender a mobilização organizada pelo Movimento Passe Livre – MPL,

em São Paulo. Foram eles os protagonistas do tema do aumento da passagem do transporte

coletivo. Como principal reivindicação do MPL em organização e luta desde 2003 nos estados

brasileiros, o movimento organizou atos de protestos de ruas nas principais cidades do Brasil

a partir do chamamento pelas mídias sociais.

Ao sensibilizarem a população, com a discussão sobre o aumento abusivo da tarifa do

transporte público, as manifestações atingiram o auge no dia 20 de junho, em mais de cem

cidades do Brasil, com mais de 1 milhão de pessoas na rua. O MPL provocou a discussão de

qualquer perspectiva técnica no preço das tarifas e da gestão dos transportes, além de

questionar a restrição do acesso ao direito de circular pela cidade. Sempre organizando as

concentrações em principais avenidas e praças das grandes cidades, o MPL convocou a

146

população em geral à desobediência civil.

Com relação ao enquadramento da mídia televisiva dado à cobertura do telejornal

Repórter Brasil, da TV Brasil, foi inversa a do telejornal espanhol que abordou o tema 15-M

logo na primeira semana. No caso do Brasil, foi a terceira com o maior número de inserções –

período da intensidade dos movimentos em número de pessoas e cidades – nos noticiários

sobre as manifestações, com 56% do tempo total das 4 semanas analisadas. Quanto ao

enquadramento do apresentador, foi predominante a interpretativa e o predomínio do

enquadramento da matéria foi de plural fechada. Esse período foi caracterizado pela inserção

de debates no telejornal com especialistas e representantes políticos e com pouca visibilidade

para o MPL, mesmo tendo um dos integrantes entrevistado no telejornal. A quarta semana

teve 28% do total do tempo analisado. São notícias envolvendo reuniões da presidenta Dilma

Rousseff com políticos dos Estados e representantes dos movimentos sociais. O

enquadramento do apresentador ficou quase a totalidade dividida entre interpretativa e

informativa. Quanto ao enquadramento da matéria, o predomínio foi a plural fechada.

Com essas reivindicações nas praças e ruas da Espanha e do Brasil, tendo a cobertura

nos noticiários dos telejornais dos canais públicos de televisão, foi possível perceber a

existência das políticas insurgentes, nas quais diversos atores sociais que lutam por questões

sociais e políticas desvelaram-se sujeitos políticos envolvidos nesses movimentos sociais com

propostas políticas concretas.

Em ambos os noticiários veiculados, Telediario 2 e Repórter Brasil, os representantes

dos poderes públicos instituídos foram os que tiveram maior visibilidade para se

pronunciarem diante da mídia televisiva, conforme mostrado, ao responderem sobre esses

novos fenômenos sociais.

Nos noticiários da Espanha, porém, não houve visibilidade para quaisquer novas

lideranças políticas que não fossem os políticos instituídos, conforme mostrado. Nos

noticiários do telejornal Repórter Brasil, ao dar, inicialmente, visibilidade limitada às

manifestações, aos poucos e de forma espontânea, a população foi participado dos atos, sendo

mostrada no telejornal. A polícia no Brasil, ao agir de forma ostensiva contra os

manifestantes, resultou na ampliação exponencial da participação da população e também de

grupos táticos, como os Black Blocs, que se solidarizaram com os manifestantes, mas que não

tiveram visibilidade.

Para concluir este trabalho, realizado em Curitiba, julho de 2016, os movimentos

sociais continuam tendo pouca visibilidade nos meios de comunicação de massa – nesse caso,

a televisão. Foi a autocomunicação de massa, apropriada pelos manifestantes que os fez se

147

indignarem, se organizarem e reunir uma multidão em torno de seus temas de luta política e

social. Ao comparar as ações dessas manifestações, compreendemos, tanto na Europa como

na América Latina, o desejo por demandas não só para uma real democracia, como também

para uma cidadania mais plena.

148

Referências bibliográficas e digitais

ALVES, Giovanni. Ocupar Wall Street... e depois? In: HARVEY, David et al. Occupy. São

Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012. p. 31-38.

BRASIL. Carta de Brasília. Brasília, 11 de maio de 2007. Disponível em:

<http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Leia-na-integra-a-Carta-de-

Brasilia/5/13076>. Acesso em: abr. 2016.

_______________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: abr

2016.

________________. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela

população brasileira. Brasília: Secom – Secretaria de Comunicação Social da Presidência da

República – SECOM, 2014. Disponível em:<http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-

de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-

pbm-2015.pdf> Acesso em: abr. 2016.

BUCCI, Eugênio. O Estado de Narciso: a comunicação pública a serviço da vaidade

particular. SP: Companhia das Letras, 2015.

BUSTAMANTE, Enrique. Radio y televisión en España: historia de una asignatura

pendiente de la democracia. Barcelona: España, Gedisa, 2006.

_____________________ e CORREDOR, Patrícia. La segunda legislatura (2006-2011):

balance audiovisual del gobierno de Rodrigues Zapatero. Âmbitos, n. 21-A, 2012, pp. 297-

314. Disponível em:

http://centro.us.es/grehcco/ambitos21definitivo/ambitos21_bustamante.pdf. Acesso em: Mar.

2016.

CASTELLS, Manuel. Comunicación y poder. Madrid: Alianza Editorial, 2009.

_________________. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da

internet. RJ: Zahar, 2013.

_________________. Disponível em:

https://holismoplanetario.files.wordpress.com/2012/09/comunicacic3b3n_y_poder_de_manue

l_castells.pdf. Acesso em: nov. 2015.

_________________. O poder da comunicação. São Paulo; Rio de Janeiro: Paz e Terra,

2015.

_________________. Presentación del libro `Comunicación y poder´ a cargo de Manuel

Castells. Universidad Complutense de Madrid. Em 17 de nov. 2009. Enviado em 8 de nov.

de 2010. Autor: Departamento de Estudios e Imagen Corporativa. Área de Audiovisuales.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z2PmCEPE5iI. Acesso em: Nov. 2015.

CRUVINEL, Tereza. Carta aberta ao presidente interino, Michel Temer. Disponível

149

em:<http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2016/05/carta-aberta-ao-

presidente-interino-michel-temer-6239.html>. Acesso em: 17 mai. 2016.

DEMOCRACIA REAL YA. Plataforma! Democracia real Ya! Quiénes somos. 2015.

Disponível em: <http://www.democraciarealya.es>. Acesso em: ago 2015.

EMPRESA Brasil de Comunicação – EBC para a sociedade: balanço 2015. Disponível

em:<http://www.ebc.com.br/institucional/governanca-corporativa/balanco-social>. Acesso em

mai. 2016.

EMPRESA Brasil de Comunicação – EBC. Disponível em: <http://www.ebc.com.br>.

Acesso em abr. 2016.

ESPANHA. Marco General de Los Médios en Espanha. Asociación para la Investigación

de Médios de comunicación – AIMC. Madrid, ES, 2016, p. 41. Disponível em:

<http://www.aimc.es/-Descarga-Marco-General-Asociados-.html>. Acesso em: mar 2016.

FALERO, Alfredo. Entre rigor teórico-metodológico e a criatividade: algumas chaves

cognitivas para a pesquisa dos movimentos sociais na America Latina. In: GOHN, M. G.;

BRINGUEL, B. Movimentos sociais na era global. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 37-

56.

FERNANDEZ, Eduardo. RTVE: Cierra 2015 con unas pedidas de 33,56 milliones de euros.

El mundo, 08 fev. 2016. Madrid, ES. Disponível em:<

http://www.elmundo.es/television/2016/02/08/56b8a3bb46163fcb598b459b.html>. Acesso

em: mar 2016.

GARCÍA, Marta Redondo. Televisão pública espanhola. Universidade de Valladolid,

Espanha. Entrevista com a professora de graduação em jornalismo. 20 out. 2014.

GIORDANO, Eduardo & ZELLER, Carlos. Políticas de televisión: la configuración del

mercado audiovisual. Barcelona, ES: Editora ¿?? 1999. Cap. III - Políticas audiovisuales en la

unión europea; Cap. XII – Valorización de las políticas de televisión.

GOHN, Maria da Glória. Manifestações de junho de 2013 no Brasil e praças dos

indignados no mundo. Petrópolis: RJ: Vozes, 2014.

––––––––––––––––––––––; BRINGUEL, Breno. Apresentação: A discussão contemporânea

sobre os movimentos sociais. In: ______. Movimentos sociais na era global. 2. ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 7-16.

GOMES, Wilson. A transformação da política. In: A transformação da política na era da

comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. P. 416-432.

GUTIÉRREZ, Álvaro. RTVE: ¿Cómo se organiza y se financia? Tribuna interpretativa. 06

no. 2013. Disponível em: <http://tribunainterpretativa.com/rtve-como-organiza-financia/>

Acesso em: mar 2016.

HALLIN, Daniel C. & MANCINI, Paolo. Sistemas mediáticos comparados: tres modelos

de relación entre los medios de comunicación y la política. Hacer editorial, Barcelona, 2008.

150

JAMBEIRO, Othon. A regulação da TV no Brasil: 75 anos depois, o que temos? Estudos de

Sociologia, Araraquara, v.13, n.24, p.85-104, 2008. Disponível em:

<http://seer.fclar.unesp.br/estudos/article/viewFile/867/723>. Acesso em: jan. 2014.

JENKINS, Henry. “Venere no altar da convergência”: um novo paradigma para entender a

transformação midiática. In: Cultura da convergencia: a colisão entre os velhos e novos

meios de comunicação. 2. ed. – São Paulo: Aleph, 2009. p. 25-51. Disponível em:

<http://www.editoraaleph.com.br/site/media/catalog/product/f/i/file_1.pdf>. Acesso em: dez

2015.

LEAL FILHO, Laurindo. A televisão pública brasileira. São Paulo, SP. Professor de

Comunicação na USP e apresentador do Programa VER TV da TV Brasil. 18 mar. 2015

LIMA, Venício A. Mídia, rebeldia urbana e crise de representação. In: MARICATO, Ermínia

et al. Cidades Rebeldes: passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. SP:

Boitempo: Carta Maio, 2013. p. 89-94.

MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: passe Livre e as manifestações que tomaram

as ruas do Brasil. SP: Boitempo: Carta Maio, 2013. p. 13-19.

MARTÍN JIMÉNEZ, Virgínia. Televisión española y la transición democrática: la

comunicación política del Cambio (1976-1979). Valladolid: Ediciones Universidad de

Valladolid, 2013.

MIGUEL, Luiz Felipe. Os meios de comunicação e a prática política. In: Lua Nova n. 55-56,

2002. p.155-184. Disponível em: <http://www.mpecia.com.br/multimidia/artigos/137-luis-

felipe-miguel-unb-os-meios-de-comunicacao-e-a-pratica-politica>. Acesso em: 23 jul. 2011.

MOVIMENTO PASSE LIVRE – SÃO PAULO. Não começou em Salvador, não vai terminar

em São Paulo. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: passe Livre e as

manifestações que tomaram as ruas do Brasil. SP: Boitempo: Carta Maio, 2013. p. 13-18.

MOYSES, D., VALENTE, J., SILVA, S. P. Sistemas públicos de comunicação: panorama

analítico das experiências em doze países e os desafios para o caso brasileiro. In: _____. SP:

Paulus, Intervozes, 2009. (Coleção comunicação). p. 291-319.

PINTO, Celi Regina Jardim. Movimentos sociais 2011: estamos frente a uma nova forma de

fazer política? In: GOHN, Maria da Glória; BRINGUEL, Breno. Movimentos sociais na era

global. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 129-146.

PORTO, Mauro P. Enquadramentos da mídia e política. In: RUBIM, Antônio Albino (Org.).

Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Udufba, 2004.

RAMONET, Ignacio. Meios de comunicação: um poder a serviço de interesses privados? In:

MORAES, Dênis, RAMONET, Ignacio, PASCUAL, Serrano. Mídia, poder e contrapoder:

da concentração monopolítica à democratização da informação. SP: Boitempo; RJ: FAPERJ,

2013. p. 53-70.

RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicação e política. SP: Hackers Editores, 2000.

151

SAMPEDRO, Victor. Multitudes on-line. Disponível em:<

http://www.ciberdemocracia.net/victorsampedro/wp-

content/uploads/2013/02/multitudesonline.pdf. Acesso em: jun 2016.

SANTOS, Fabiano. Escolhas institucionais e transição por transação: sistemas Políticos

de Brasil e Espanha em Perspectiva Comparada. Disponível em:

>http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582000000400002>.

Acesso em: jun. 2016.

THOMPSON, John B. A transformação da visibilidade. In: A mídia e a modernidade: uma

teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p. 109-133.

TV BRASIL. Análise das manifestações de junho de 2013 no Brasil. Telejornal Repórter

Brasil, São Paulo: TV BRASIL. 2013. Disponível em:

<http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/videos?data=20141103&edicao=noite>. Acesso em:

10 jun. 2015.

TVE. Análise do Movimento 15-M em maio de junho de 2011 na Espanha. Telediario, La 2,

Madri. RTVE, maio/junho de 2011. Disponível em:

<http://www.rtve.es/alacarta/videos/telediario/telediario-21-horas-15-05-11>. Acesso em: 15

jun. 2015.

VALENTE, Jonas. Sistema Público de Comunicação do Brasil. In: Sistemas públicos de

comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. SP: Paulus,

Intervozez, 2009. (Coleção comunicação). p. 269-289.

VALENTE, Jonas. Sistema público de comunicação na Espanha. In: Sistemas públicos de

comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. SP: Paulus,

Intervozes, 2009. (Coleção comunicação). p. 117-136.

Páginas da Internet visitadas:

Rádio e Televisão Espanhola – RTVE. Disponível em: <http://www.rtve.es>. Acesso em mar.

2016.

TV BRASIL. Disponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/>. Acesso em: 10 maio 2015.

Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal: 2013.

IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.

Entrevistas

ALMUIÑA FERNÁNDEZ, Celso. A televisão pública espanhola, RTVE: entrevista.

Universidade de Valladolid, Espanha. Entrevista com professor Catedrático do Depto. de

152

História Moderna, Contemporânea e da América, Jornalismo e Comunicação Audiovisual e

Publicidade da Universidade de Valladolid. 04 nov. 2014. Entrevista concedida a Luciene

Pazinato da Silva. Degravação por María Teresita Campos Avella.

BERROCAL, Salomé. A televisão pública espanhola, RTVE: entrevista. Universidade de

Valladolid, Espanha. Entrevista com a Coordenadora de Graduação em Jornalismo da

Universidade de Valladolid. 10 dez. 2014. Entrevista concedida a Luciene Pazinato da Silva.

Degravação por María Teresita Campos Avella.

CAMPOS AVELLA, María Teresita. Tradução técnica específica nas entrevistas concedidas

no capítulo 2 pelos dos profissionais e estudiosos espanhóis. Curriculum Lates. Disponível

em:<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4137117T1. Traduzido em:

fev/mar, 2016.

DOMINGUEZ JÍMENEZ, Carmen. Televisão pública espanhola. Associação de imprensa,

vice-presidenta de Valladolid, Espanha, 24 out. 2014. Entrevista concedida a Luciene

Pazinato da Silva. Degravação por María Teresita Campos Avella.

FAXINA, Edson. A televisão pública brasileira, entrevista. Universidade Federal do Paraná –

UFPR, Curitiba, Paraná. Entrevista 10 de marco de 2016 concedida a Luciene Pazinato da

Silva. Professor do Departamento de Comunicação –DECOM/UFPR. Degravação pela autora.

FREIRE, Rita. A televisão pública brasileira, entrevista. Curitiba, PR. Entrevista dia 29 de

março de 2016 concedida a Luciene Pazinato da Silva, via skype. Presidenta do Conselho

Curador da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, São Paulo, SP. Degravação pela autora.

GARCÍA MATILLA, Agustín. Televisão pública espanhola. Universidade de Valladolid,

Espanha, 06 nov. 2014. Entrevista com professor Decano da Faculdade de Ciências Sociais,

Jurídicas e da Comunicação, Campus Segovia, Universidade de Valladolid. Entrevista

concedida a Luciene Pazinato da Silva. Degravação por María Teresita Campos Avella.

GARCÍA REDONDO, Marta. A televisão pública espanhola, RTVE: entrevista. [20 de

outubro de 2014]. Valladolid: Facultad de Filosofía y Letras de Valladolid, Universidade de

Valladolid, Espanha. Entrevista concedida a Luciene Pazinato da Silva. Degravação por

María Teresita Campos Avella.

JÍMENEZ, Carmen Dominguez. Televisão pública espanhola. Associação de imprensa, vice-

presidenta de Valladolid, Espanha. Entrevista. 24 out. 2014.

JÍMENEZ, Virgínia Martín. Televisão pública espanhola. Universidade de Valladolid,

Espanha. Entrevista com a professora de graduação em jornalismo. 22 out. 2014.

LEAL FILHO, Laurindo. A televisão pública brasileira. EBC/São Paulo, SP. Entrevista dia 18

de março de 2015 concedida a Luciene Pazinato da Silva. Professor de Comunicação da USP

e apresentador do Programa Ver TV da TV Brasil. Degravação pela autora.

MATILLA, Agustín García. Televisão pública espanhola. Universidade de Valladolid,

Espanha. Entrevista com professor Decano da Faculdade de Ciências Sociais, Jurídicas e da

Comunicação, Campus Segovia, Universidade de Valladolid. 06 nov. 2014

MIOLA, Edna. A televisão pública brasileira, entrevista. Universidade Tecnológica Federal

do Paraná/UTFPR, Curitiba, Paraná. Entrevista dia 10 de março de 2016 concedida a Luciene

153

Pazinato da Silva. Professora do Departamento Acadêmico de Linguagens e Comunicação –

DELIC/UTFPR. Degravação pela autora.