pontifÍcia universidade catÓlica do paranÁ mestrado

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO INTERINSTITUCIONAL PUCPR/UNIOESTE FABIANA IRALA DE MEDEIROS RESPONSABILIDADE CIVIL NA MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA COM FINS TERAPÊUTICOS CURITIBA 2011

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO INTERINSTITUCIONAL PUCPR/UNIOESTE

FABIANA IRALA DE MEDEIROS

RESPONSABILIDADE CIVIL NA MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMA NA

COM FINS TERAPÊUTICOS

CURITIBA 2011

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

FABIANA IRALA DE MEDEIROS

RESPONSABILIDADE CIVIL NA MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMA NA

COM FINS TERAPÊUTICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Mestrado Interinstitucional PUC/UNIOESTE, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Direito Econômico e Socioambiental. Orientadora: Prof. Dra. Jussara Maria Leal de Meirelles.

CURITIBA

2011

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

Medeiros, Fabiana Irala de M488r 2011

Responsabilidade civil na manipulação genética humana com fins terapêuticos / Fabiana Irala de Medeiros ; orientadora, Jussara Maria Leal de Meirelles. – 2011.

97f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2011

Bibliografia: 111-115

1. Responsabilidade civil (Direito). 2. Genética humana. 3. Manipulação (Tratamento). 4. Terapia Gênica. I. Meirelles, Jussara. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná Programa Pós-Graduação em Direito. III. Título.

Doris 4. ed. – 342.151

Biblioteca Central

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FABIANA IRALA DE MEDEIROS

RESPONSABILIDADE CIVIL NA MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMA NA COM FINS

TERAPÊUTICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Mestrado Interinstitucional PUCPR/UNIOESTE, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Dra. Jussara Maria Leal de Meirelles

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_______________________________________________ Prof. Dr. Emerson Gabardo

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_______________________________________________ Prof. Dr. Eroulths Cortiano Junior Universidade Federal do Paraná

Curitiba, 21 de junho de 2011.

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AGRADECIMENTOS

Uma das lições mais preciosas que recebi de minha mãe foi: “sempre é

necessário apresentar três coisas na vida: perdão, humildade e gratidão”. Eis aqui o

momento para externar esta lição.

Inicialmente, a Deus, por seu imenso amor. Toda honra e glória ao Deus

do Impossível.

À minha querida mãe Norma Beatriz Irala. Por seu amor, quando mais dele

precisei, por sua força e orações, quando fraca me sentia e por seu perdão, quando

menos merecia. Sem você, nada disto seria possível.

À minha querida irmã Larissa Irala, por sua compreensão e palavras de

amor e incentivo.

À minha querida abuelita Aurora Esther, tias Nancy, Carolina e Christina.

Família, amo vocês!

Aos meus queridos amigos: Ariane Zempulski, Gabriela e Manuela

Carbunck, Aline Furlan e seu Hallan Souza - meus amigos, nunca poderei dizer o quão

meu coração se alegra com a presença de vocês na minha vida! Muito obrigada por

todo apoio e paciência!

Às amigas Eva Curelo e Verônica, por suas palavras de incentivo e

amizade.

Ao professor Dr. Emerson Gabardo, cujas preciosas críticas contribuíram

de maneira decisiva para o amadurecimento deste trabalho. Muito obrigada por toda

atenção e ajuda!

À minha orientadora, professora Dra. Jussara Maria Leal de Meirelles, pela

orientação no desenvolvimento deste trabalho.

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“Mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças e subirão com

asas como águias; correrão e não se cansarão; caminharão e não se fatigarão.”

Isaías 40:31

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RESUMO A biotecnologia, ramo da ciência que lida com a vida, permitiu ao ser humano o conhecimento de sua estrutura celular e comportamento dos genes na difusão dos dados hereditários. A partir da década de oitenta iniciou-se o projeto Genoma Humano, que desvendou o DNA e catalogou cerca de três mil genes responsáveis pela transmissão de doenças e síndromes que acometem a humanidade. Através das tecnologias de manipulação genética percebeu-se que há a possibilidade de tratá-las através de técnicas que atingirão, de fato, sua origem. Assim, a terapia gênica nas células germinais humanas e nas células somáticas. No entanto, há de se ponderar sobre a possibilidade da ocorrência de danos provenientes de tais terapias. Classifica-se como dano gênico a lesão causada ao gene como unidade isolada; como dano genético a lesão nas células germinativas e por dano poligênico a lesão ocasionada à constituição genética total do indivíduo. O direito civil elenca como requisitos para a configuração do dano que este seja certo e atual, no entanto, em razão da fragilidade e singularidade do bem tratado, entende-se que a mera probabilidade do dano já é suficiente para permitir a responsabilidade civil. Baseado em disposições da Lei 11.105/2005, da Lei 8.078/90 – Código do consumidor, da Lei 10.406/2002- Código civil brasileiro e da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, determinou-se que em qualquer situação de terapia gênica será adotada a teoria objetiva da responsabilidade civil, o que significa dizer que ocorrendo danos, haverá para o causador o dever de indenizar independentemente da análise de sua culpa. Palavras-chave: manipulação; terapia gênica; responsabilidade civil; impactos econômicos e sociais.

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ABSTRACT Biotechnology, a branch of science that deals with life, enabled the human beings the knowledge of their cellular structure and the behavior of genes in the hereditary transmission of data. From the eighties, it began the Human Genome Project, which revealed the DNA and cataloged about three thousand genes responsible for transmission of diseases and syndromes that afflict the humanity. Through the technologies of genetic manipulation it was perceived that there is the possibility of treating them through techniques that will reach, in fact, its origin. Thus, gene therapy in human germ cells and in somatic cells. However, it has to be pondered the possibility of occurrence of damage from such therapies. It is classified as damage, the genetic injury caused to the gene as a single unit; as genetic damage the germ cell injury and by polygenic damage, the one caused to an individual's overall genetic makeup. The civil law lists as requirements for configuring the damage that this has to be true and current, however, because of the fragility and uniqueness of the well treated, it is understood that the mere probability of harm is enough to permit liability. Based on provisions of the Law 11.105/2005, of the Law 8.078/90 - Consumer Code, of the Law 10.406/2002- Brazilian Civil Code and Resolution 196/96 of the National Health Council, it was determined that in any gene therapy situation it is assumed the objective theory of liability, which means that in occurrence of damage, there will be duty for the one who causes it to compensate, independently of the analysis of guilt. Key-words: manipulation, gene therapy, liability, economic and social impacts.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 8

2 MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA PARA FINS TERAPÊUTICO S ................. 13

2.1 MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA: DELIMITAÇÃO....................................... 20

2.2 MANIPULAÇÃO GENÉTICA PARA FINS DE REPRODUÇÃO HUMANA

ASSISTIDA E MANIPULAÇÃO GENÉTICA PARA FINS TERAPÊUTICOS:

DIFERENÇAS SUBSTANCIAIS.................................................................................. 23

2.3 RISCOS POTENCIAIS E LIMITES JURÍDICOS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA

PARA FINS TERAPÊUTICOS .................................................................................... 33

3 DANOS DERIVADOS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA TE RAPÊUTICA44

3.1 CARACTERIZAÇÃO E REQUISITOS DO DANO PERANTE A DOUTRINA

CIVILISTA................................................................................................................... 45

3.2 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DANO GENÉTICO, DANO GÊNICO E DANO

POLIGÊNICO ............................................................................................................. 54

3.3 DANOS OCORRIDOS NAS CÉLULAS GERMINAIS E NAS CÉLULAS

SOMÁTICAS .............................................................................................................. 57

3.4 ASPECTOS PARA A PREVENÇÃO DO DANO.................................................... 61

4 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DA T ERAPIA

GÊNICA...................................................................................................................... 64

4.1 MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE CIVIL: ASPECTOS SOBRE AS

TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA...................... 69

4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUAS HIPÓTESES NA

MANIPULAÇÃO GENÉTICA TERAPÊUTICA: RESPONSABILIDADE CIVIL DA

PESSOA FÍSICA E DA PESSOA JURÍDICA .............................................................. 75

4.3 ANÁLISE DA APLICABILIDADE DA LEI 8.078/90 (CÓDIGO DO CONSUMIDOR)

NOS DANOS PROVENIENTES DA TERAPIA GÊNICA ............................................. 85

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................. ........................................................ 90

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 93

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho refere-se ao tema responsabilidade civil na

manipulação genética humana para fins terapêuticos, merecedor de atenção e estudo

frente à utilização das tecnologias descobertas ao longo do século XIX e XX

relacionadas ao tema em comento.

Os primeiros feitos na seara da manipulação genética foram realizados no

século dezesseis por Ambroise Paré, que identificou em seus estudos que traços

hereditários eram transmitidos entre genitores e prole. Assim, permitiu-se a análise

dos caracteres responsáveis por tais traços entre as descendências1.

Posteriormente, Gregor Mendel, considerado “o pai da genética” observou

que a transmissibilidade das informações hereditárias são realizadas pelas células

sexuais. Em 1927 o pesquisador Robert Feulgen constata que o ácido

desoxirribonucléico (DNA) fica localizado nos cromossomos das células germinativas e

somáticas. Neste momento, constata-se então que este é o responsável de fato pela

comunicação dos dados hereditários2.

Com o decorrer das décadas outras descobertas foram realizadas,

culminando no domínio das tecnologias que possibilitam a identificação e a

manipulação do DNA humano.

Assim, na década de setenta os cientistas passaram a realizar

experiências combinando DNA humano com DNA de origem vegetal e animal3. Sobre

tais feitos surgiram as primeiras advertências4 quanto aos limites éticos e jurídicos

destas, principalmente no que tange as estas experiências ultrapassarem os limites

dos laboratórios e se disseminarem de forma indiscriminada na sociedade.

No entanto, tais descobertas iniciaram um novo rumo para as pesquisas

genéticas: a identificação dos genes responsáveis pela transmissão ou surgimento de

doenças e síndromes. Este feito representou uma significativa mudança no paradigma

médico, onde se passou a vislumbrar a possibilidade de realizar tratamentos médicos

preditivos, e não tão somente paliativos.

Todos estes avanços tecnológicos na seara da engenharia genética foram

de tão lume que criaram um novo ramo científico singular: a biotecnologia, que estuda

1 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 13. 2 Ibidem, p. 15. 3 Ibidem, p. 23. 4 Em 1975 foi realizada a Conferência de Asilomar, que buscava impor limites à estas experiências científicas de combinação de DNA que despontavam.

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com afinco o uso de conhecimentos sobre processos biológicos e propriedades dos

seres vivos.

Ademais, estes estudos tiveram seu ponto alto com o término do Projeto

Genoma no ano de 2000, consórcio internacional que contou com a participação de

mais de 50 países ao realizar o mapeamento e seqüenciamento do genoma humano5,

somando cerca de 03 (três) bilhões de pares de bases genéticas.

As conclusões deste Projeto permitiram o real conhecimento das

informações trazidas nos genes6 celulares humanos, possibilitando a identificação dos

responsáveis pelo aparecimento e/ou desenvolvimento de enfermidades.

Portanto, não somente significou um “divisor de águas” nas pesquisas

biotecnológicas como também permitiu o manejo das informações genéticas, seja nas

células germinais, seja nas células somáticas7.

No entanto, como outrora aduzido, a utilização de tais tecnologias

passaram a gerar não apenas expectativas positivas, mas também receio sobre a

segurança dos procedimentos.

Especificamente sobre a utilização destes conhecimentos na seara da

medicina surge a problemática a seguir analisada. Identificando-se os genes

responsáveis pelo surgimento e transmissão de determinadas doenças ou síndromes,

passa-se a falar em medicina preditiva, ou seja, aquela que busca atacar (e curar) a

doença em sua origem mais profunda: a genética.

A insegurança gerada pela “novidade” destes tratamentos gera embates

éticos, morais e jurídicos que poderiam, por si só, serem analisados em trabalhos

apartados. No entanto, neste trabalho propõe-se a análise de apenas uma vertente: a

jurídica.

A problemática ética da manipulação genética com fins terapêuticos

passou a ser seriamente e pontualmente discutida em 1995, quando um Colóquio

intitulado Ética e Genética ocorreu na Alemanha. O tema foi abordado sob vários

5 A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos da UNESCO afirma que “genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana, assim como, do reconhecimento de sua inerente dignidade e diversidade. Em sentido simbólico, é o legado da humanidade.” 6 Genes são sequências de ácido desoxirribonucléico (DNA) que contém as informações para codificar proteínas, sendo, portanto, os responsáveis pela transmissão hereditária entre gerações. ALBANO, Lilian Maria José. Biodireito. Os avanços da genética e seus efeitos é tico-jurídicos . São Paulo: Atheneu, 2004, p. 03. – Em palavras mais simples, os genes são os responsáveis por guardar e manifestar oportunamente as informações do ser humano, transmitindo-as hereditariamente. 7 Células germinais são células ligadas diretamente ao processo de reprodução humana, ou seja, são os gametas e zigotos. Por célula somática adota-se o critério da exclusão, isto é, toda célula não ligada ao processo de reprodução é somática.- DIAS, Rodrigo Bernardes. Privacidade Genética . São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 100.

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pontos de vista, como da biologia, da filosofia, da medicina, da psicologia, da

sociologia e da teologia. Dentre os convidados destaca-se a presença do professor

Doutor Ulrich Beck, da Universidade de Munique, Jörg Schmidtke, geneticista da

Faculdade de Medicina de Hannover e os especialistas brasileiros Professores

Doutores Joaquim Clotet, da PUCRS, Oswaldo Frota-Pessoa, da USP e Francisco

Mauro Salzano, da UFRGS8.

O professor Dr. Joaquim Clotet, ao abrir os trabalhos, ponderou que ética é

o estudo sobre o que é bom ou correto, e mau ou incorreto, sendo que a análise desta

em situações específicas relevantes para a pessoa e a humanidade passa a ser

considerada ética aplicada9.

Neste diapasão insere-se a Bioética- ética aplicada no estudo de questões

sobre a vida, dentre as quais o tema ora analisado se insere – manipulação genética

humana para fins terapêuticos.

Tratando então sobre as problemáticas entre Bioética e Genética, o

professor Clotet enumerou os principais pontos que repercutem e geram embates

neste âmbito. Destacam-se os principais:

• Como avaliar os resultados da experimentação genética, sabendo que alguns dos seus efeitos só serão manifestados nas gerações futuras?

• Quais os critérios na hora de fixar os riscos e benefícios de uma experimentação genética?

• É justo incentivar, através do SUS, as terapias gênicas de grande custo em fetos ou recém-nascidos com doenças de alto risco, quando grande parte da população não tem garantidas as suas necessidades de saúde mais elementares?

• Quais os limites da pesquisa e/ou aplicação de alterações genômicas de células germinativas?

• Quais os princípios que deveriam nortear a alteração do genoma de um ser ainda não nascido?

• Quais as fronteiras da eugenia?10

Como se depreende, algumas destas questões éticas acabam muitas

vezes se confundindo com questões puramente jurídicas. Esta confusão é justificada

tendo em vista que apesar dos estudos e discussões promovidas11, ainda não há um

8 DE BONI, L.A, JACOB, G. e SALZANO, F. Ética e Genética . Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 8. 9 CLOTET, Joaquim. Bioética como ética aplicada e genética. In: Ética e Genética . Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 18. 10 Ibidem, p. 23. 11 Destaca-se o Relatório Splicing Life da President’s Comission on Ethical Problems in Medicine and Biomedical Research, em 1982; as recomendações Gene Therapy in Man: Recommendations of European Medical Research Councils, em 1988; as declarações Valencia Declaration on the Human Genome Project I e II, em 1988 e 1990; as orientações Avis sur La Thérapie Génique do Comitê Consultivo Nacional da Ética da França, em 1991; o relatório Terapia Genica do Comitê Nacional de

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11

consenso científico que responda àquelas e outras pontuações éticas.

No entanto, o fato é de que as terapias gênicas já são utilizadas em

diversos países, como Inglaterra, França e Brasil, ainda que a título experimental. Em

que pese a importante análise dos limites éticos desta, a verdade é que o direito e

ética não são campos siameses de estudo.

Em razão disto o estudo ora proposto verticaliza-se para uma ponderação

tão somente jurídica do problema apresentado, mas sem ignorar a acuidade e

necessidade do desenvolvimento da bioética. E se justifica tendo em vista a

necessidade de respostas para tais questões inovadoras e que necessitam de

segurança jurídica para continuarem se desenvolvendo. Desta forma, tão somente

será analisada a tutela civil do dano proveniente da manipulação genética com fins

terapêuticos.

Como destaca a professora Matilde Carone Slaibi Conti, o Direito Civil,

pela denominação herdada do direito romano, é o ramo que trata do cidadão, do

indivíduo e dos grupos sociais em que está inserido.12

Desta forma, analisar-se-á a resposta jurídica civilista para casos de danos

provenientes de terapias genéticas, especificamente com amparo da responsabilidade

civil.

Assim, o primeiro capítulo versa sobre o termo manipulação genética,

diferenciando a que ocorre com finalidade terapêutica e com finalidade reprodutiva,

nas células germinais e somáticas, discorrendo sobre os riscos apontados pela

doutrina e os limites impostos na Lei 11.105/2005.

No segundo capítulo são analisados os possíveis danos decorrentes da

manipulação genética terapêutica, individualizando o dano genético, o dano gênico e o

dano poligênico.Também aborda as possíveis lesões ocorridas nas células germinais

e células somáticas, pontuando-as.

E por fim, no terceiro capítulo é enfocada a análise da responsabilidade

civil e sua aplicabilidade nos danos em exame, analisando suas modalidades e

incidência ao autor do dano, seja pessoa física ou jurídica. Ademais, não se pode

deixar de mencionar a responsabilidade destas na Lei 8.078/1990 - Código de Defesa

do Consumidor.

Portanto, a apreciação da presente dissertação deve ser realizada tendo

Bioética da Itália, em 1991; o relatório Report of Commitee on the Ethics of Gene Therapy do Reino Unido, em 1992. In: CLOTET, Joaquim. Bioética como ética aplicada e genética. In: Ética e Genética . Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 24. 12 CONTI, Matilde Carone Slaibi. Ética e direito na manipulação do genoma humano . Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 13.

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12

em vista a opção pela análise jurídica civilista dos riscos e danos causados pela

manipulação genética terapêutica humana.

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13

2 MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA PARA FINS TERAPÊUTICO S

O homem, em sua busca incessante pelo saber investiga através de

pesquisas científicas sua origem, partindo de estudos antropológicos, históricos,

biológicos dentre tantos.

Ao longo dos séculos foram realizadas importantes pesquisas que

contribuíram para o descortinamento da herança genética, permitindo ao homem

conhecer-se com domínio.

Tem-se notícia de que no século XVI Ambroise Paré já afirmava sobre os

traços hereditários transmitidos entre genitores e prole. Mais adiante, no século XVII,

com a invenção do microscópio e da teoria celular tal afirmação passa a adquirir traços

exatos, não mais se duvidando sobre a transmissão de informações repassadas aos

descendentes13.

Tal invenção possibilitou a descoberta e visualização de óvulos humanos

em 1827. Em 1843 se constatou que óvulo e espermatozóide se fundem transmitindo

suas informações. Já em 1870 estabeleceu-se de que tal fusão entre o gameta

feminino e o gameta masculino resulta em um ovo nomeado de zigoto14.

Em 1868 Gregor Mendel, considerado atualmente o “pai da genética”,

constatou através de suas pesquisas em ervilhas que as características transmitidas

entre ascendentes e descendentes provém de fatores presentes nas células sexuais.

Sobre tal constatação, menciona Mathew R. Wlaker:

As observações, análise e interpretações matemáticas de Mendel estabeleceram pela primeira vez as unidades discretas de herança (hoje denominadas genes) e o conceito de cada traço simples estudado, se encontra sob o controle de duas de tais unidades; uma herdada do progenitor masculino e outra do feminino. Isto fez com que se formulassem algumas regras básicas da genética, tais como a segregação gênica, distribuição independente e dominância. Após suas descobertas, nos anos de 1900 estas se tornaram conhecidas como os Princípios de Mendel. A conceituação de genes transmissíveis pode, portanto, ser vista como ponto inicial da genética molecular, que resultou na identificação do DNA como constituinte do material genético e na determinação das estruturas bioquímicas dos genes15.

No entanto, a comunidade científica não demonstrou entusiasmo pela

13 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 20. 14 Idem. 15 WLAKER, Mathew R. apud MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 22.

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14

constatação, já que o grande interesse na época girava em torno da morfologia

celular, ficando tal descoberta relegada por anos. Somente no século XX, Walter

Sutton, analisando o processo de meiose nas células germinativas verifica que há uma

relação entre o desempenho de cromossomos16 e o fenômeno da hereditariedade,

creditando novamente as pesquisas de Mendel.

Em 1915, Thomas Hunt Morgan constata que caracteres não sexuais

também são determinados por genes17. Mais adiante, em 1927 Robert Feulgen,

através de suas pesquisas com coloração de células que contivessem ácido

desoxirribonucléico (DNA)18 evidenciou que este se localizava nos cromossomos das

células germinais e somáticas.

Assim, tinha-se conhecimento de que o suporte da transmissão de traços

hereditários era o DNA, mas até então não se sabia com precisão como era realizada

a replicação dos caracteres ou o comando da síntese de proteína. No entanto,

somente em 1953 James D. Watson e Francis H. C. Crick descobriram a estrutura da

dupla hélice, conforme explica Ana Paula Myszczuk:

Estes pesquisadores demonstraram que estas moléculas são formadas por duas fitas complementares, estreitamente entrelaçadas sob a forma helicoidal. Cada fita se constitui pelo encadeamento de unidades nucleotídicas. Todo nucletídeo é composto por três elementos: um grupo de fosfato, ligado a um grupamento de açúcar com cinco carbonos (pentose), que se liga a uma base nitrogenada. Os nucleotídeos contêm um, dois ou três grupamentos de fosfato, chamados momo, di ou trifosfato; ligados ao carbono 5’ do açúcar. O açúcar no DNA é a desoxirribose. Existem dois tipos de base nitrogenada, que são as purinas e as pirimidinas. O DNA é constituído a partir de dois nucleotídeos contendo purinas e duas moléculas contendo pirimidinas. As purinas são a adenina e guanina e as pirimidinas são a citosina e timina. A junção das duas fitas de DNA se deve a ligações fracas, ditas pontes de hidrogênio, estabelecidas por uma ligação entre a adenina e a timina, por um lado, por três ligações entre citosina e guanina, por outro.19

Assim, após as constatações sobre a composição dos genes e do DNA,

passou-se a investigar a função deste, sua atuação na replicação dos genes e

participação no processo de variedade dos seres vivos. Também se estudam meios

16 É a estrutura celular que o DNA dos seres vivos. In: PENNA, João Bosco e CANOLA, Bruno César. A evolução da biotecnologia e da engenharia genética frente às implicações ambientais, ao biodireito e aos direitos fundamentais. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/ revfd/article/view/ 9859, acessado em 17 de maio de 2011. 17 Genes são as unidades biológicas que encerram os caracteres hereditários. In: PENNA, João Bosco e CANOLA, Bruno César. Op. cit, p. 03. 18 O artigo 3º da Lei 11.105/2005 conceitua DNA e RNA como: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência. 19 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 23.

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15

que possibilitem sua exploração, isolando, analisando, replicando e o manipulando in

vivo.20

Baseando-se nestas descobertas sobre a composição dos genes e do

DNA, conclui-se que o modo de replicação dos genes explica o motivo pelo qual o

material genético difundido às células filhas durante a mitose é idêntico em quantidade

e qualidade pela célula matriz, ratificando a transmissibilidade de dados genéticos

neste processo.

Em 1961 F. Jacob e J. Manod evidenciaram a existência de uma cópia

auxiliar do gene, o RNA (ácido ribonucléico). Demonstraram também que as atividades

genéticas são determinadas pelas necessidades dos seres vivos, testificando a

existência de genes reguladores, que como a própria nomenclatura evidencia, são

aqueles que regulam o funcionamento de outros genes.21

Passo seguinte, em 1970 Howard Tenin isolou a enzima transcriptase

reserva que realiza a tarefa de sintetizar o DNA a partir do RNA, estabelecendo o

seguinte entendimento: o DNA produz o RNA, que por conseguinte produz DNA ou

uma proteína (DNA↔RNA→PROTEÍNA).22

Quanto a este momento na história da ciência, discorre Claudine Guérin-

Marchand: “A biologia molecular estava sem fôlego. Uma revolução de ordem

metodológica se impunha; ela se realizou em 1970. A misteriosas palavras

“manipulações genéticas” foram enfim pronunciadas...”.23

Continuando com as pesquisas, em 1973 cientistas seccionam um

fragmento de DNA de uma rã e o introduzem em uma bactéria, obtendo a informação

contida no fragmento. Entretanto, já em 1971 passaram a surgir advertências quanto a

uma possível dispersão de fragmentos de DNA modificados. Após embates e

discussões travadas no meio acadêmico, em 1975 foi organizada a Conferência de

Asilomar, onde os pesquisadores comprometeram-se a impedir que organismos

manipulados saíssem dos laboratórios. Ainda, que todos os projetos devam ser

submetidos ao comitê de controle de cada país, apenas se iniciando as experiências24

após o parecer favorável.

20 Ou seja, diretamente no organismo do ser vivo. 21 MYSZCZUK, Ana Paula. Op. cit. p. 24. 22 Idem. 23 GUÉRIN- MARCHAND, Claudine. apud MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 25. 24 A Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, em seu item II, 2, entende por pesquisa (experimentação) em genética humana “todo procedimento relacionado à genética humana cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica”.

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16

Frijop Capra discorrendo sobre a engenharia genética e a realização desta

Conferência destaca:

Desde que se inventou a engenharia genética, os cientistas tem consciência do perigo da criação inadvertida de linhagens virulentas de vírus e bactérias. Nas décadas de 1970 e 1980, cuidavam para que os organismos transgênicos por eles criados ficassem contidos dentro dos laboratórios, pois achavam que não seria seguro soltá-los no meio ambiente. Em 1975, um grupo de geneticistas reunido em Asilomar, Califórnia, publicou a Declaração de Asilomar, que pedia uma moratória na engenharia genética até a elaboração de diretrizes reguladoras apropriadas. Infelizmente, essa atitude cuidadosa e responsável foi praticamente esquecida na década de 1990, marcada pela frenética corrida de comercialização das novas tecnologias genéticas para o uso da medicina e na agricultura. (...) A motivação desse crescimento da engenharia genética não é o progresso da ciência, nem a descoberta de curas para as doenças, nem à vontade de alimentar os famintos; é o desejo de garantir ganhos financeiros nunca vistos antes.25

Ademais, as pesquisas continuam sendo realizadas, e em 1977 Sherman

Weisman descobre a primeira mutação genética responsável por um tipo de anemia,

identificando o gene responsável. Esta descoberta passa a representar uma

esperança para futuros tratamentos de doenças classificadas como hereditárias26.

Desta forma, pode-se afirmar que a década de 70 foi de grande

efervescência para a ciência da biotecnologia, resultando em um projeto audacioso

que se desenvolveria ao longo da década de 80 e 90, envolvendo mais de cinquenta

países: o Projeto Genoma.

O artigo 1º da Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos Humanos

aduz que genoma humano é propriedade inalienável da pessoa e patrimônio comum

da humanidade. Aprofundando-se no conceito, Simone Born de Oliveira explica:

O genoma humano é o compêndio de toda a herança genética herdada de seus pais, pelo ser humano, no momento da concepção. É a herança genética que contém as instruções do que virá a acontecer ao longo da existência do ser humano; qual será sua estatura, a cor da sua pele, seus cabelos e olhos, se será afligido por doenças fatais e por quais delas, dentre outras informações.27

Assim, este Projeto buscava estudar a riqueza genética da totalidade da

25 CAPRA, Frijop. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentá vel . São Paulo: Cultrix, 2002, p. 170. 26 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 26. 27 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Direito: Manipulação Genética e Dign idade Humana . Curitiba: Juruá, 2006, p. 72.

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17

espécie humana,28 qual seja, seu genoma. Busca oferecer uma rica visão da

variedade dos recursos genéticos humanos, facilitando a compreensão do fundamento

para as ocorrências ou resistências a distintas enfermidades, entendendo o papel da

seleção genética.29

Vale mencionar que, inicialmente, surgiu com o interesse do Departamento

de Energia dos Estados Unidos ao investigar as implicações genéticas resultantes da

exposição humana a radiações de baixa intensidade. Em razão disto, em 1983 foi

criado o Banco Gênico, com informações genéticas totais ou parciais de determinada

espécie, funcionando no Laboratório Nacional de Los Alamos e Livermore, na

California. Em 1985 o mesmo Departamento fundou o Projeto Biblioteca Nacional de

Genes, que contém, além de cromossomos, fragmentos do genoma humano.30

Em 1986 Charles DeLisi, então chefe da Agência de Pesquisa em Saúde e

Meio Ambiente (Office of Health and Environmental Research- OHER), órgão do

Departamento mencionado, apoiou a ideia do sequenciamento do genoma humano.

Vislumbrando que as descobertas almejadas possibilitariam a cura de diversas

doenças, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos passaram também a

integrar o projeto.31

Em 1988, James Watson assumiu a diretoria do Centro Nacional para

Pesquisa do Genoma Humano, principal agência do Projeto, propondo que houvesse

uma divisão dos cromossomos a serem pesquisados. Desta forma, uma cooperação

internacional tornaria mais rápida o levantamento, participando países como Grã-

Bretanha, Dinamarca, França e Itália dentre outros.32

Após quatro anos, James Watson se retira do órgão por discordar com a

postura do Instituto Nacional de Saúde, que solicitara o patenteamento de três mil

genes humanos. Passa a assumir a direção do centro Francis Collins, o destacado

geneticista que isolou os genes da fibrose cística e da neurofibromatose.33

Mesmo assim, o Projeto Genoma Humano continuou a avançar,

28 CAVALLI-SFORZA, Luigi Luca. Le Project sur la diversité du génome humain. apud. PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Introdução ao Biodireito. Investigações político-ju rídicas sobre o estatuto da concepção humana . São Paulo: LTr, 2002, p. 272/273. 29 PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Introdução ao Biodireito. Investigações político-ju rídicas sobre o estatuto da concepção humana . São Paulo: LTr, 2002. p. 273. 30 OLIVEIRA, Simone Born de. op. cit. p. 82. 31 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Direito: Manipulação Genética e Dign idade Humana . Curitiba: Juruá, 2006, p. 72. 32 Ibidem, p. 85 33 OLIVEIRA, Fátima. Engenharia Genética- O Sétimo dia da criação . São Paulo: Ed. Moderna, 1995, p.87.

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

18

englobando projetos secundários, pesquisadores e laboratórios de vários países34 que

buscam sequenciar os genes contidos nas duplas hélices do DNA humano e

posteriormente identificar suas funções.

Em 2000, 95% do sequenciamento do genoma humano fora realizado,

sendo anunciadas descobertas importantes, as quais bem explica Simone Born de

Oliveira:

Cientistas que trabalharam no Projeto Genoma anunciaram ter desenvolvido um método para compor um mapa das milhões de variações do DNA que fazem um ser humano diferente de outro. Essas variações, chamadas de polimorfismos simples de nucleotídeo (SNPs) podem explicar por que certas pessoas são mais suscetíveis que outras ao câncer, diabetes e problemas cardíacos. [...] Na Inglaterra já foram identificados 2.730 SNPs no cromossomo 22, que está associado a trinta e cinco doenças conhecidas (algumas variações de câncer, esquizofrenia e problemas cardíacos).35

Assim, o Projeto Genoma Humano e outros projetos similares (como o

Programa Latino-americano do genoma humano, Projeto Supercélula, Projeto

proteoma) têm possibilitado ao ser humano conhecer e identificar seus genes, abrindo

margem para que haja intervenções nestes.

Em razão deste cenário surgiu a necessidade de se conceituar

adequadamente as novas situações trazidas por tais pesquisas. Termos como

genética, DNA, biotecnologia, engenharia genética e manipulação genética passaram

a ser comentados em veículos informativos de massa.

Portanto, as intervenções no genoma humano somente são possíveis com

a utilização das tecnologias de recombinação de DNA e RNA comentadas. Estas

foram nomeadas de biotecnologias, podendo se definir como:

O conjunto de técnicas de recombinação genética que utilizem organismos vivos ou substâncias deles derivadas para fabricar ou modificar um produto, para melhorar as características das plantas e animais importantes a partir do ponto de vista econômico ou para criar microorganismos que atuem sobre o meio ambiente.36

34 Inclusive o Brasil faz parte do Projeto Genoma, através de estudos realizados na Universidade de Campinas-UNICAMP e Universidade Estadual de São Paulo- UNESP. Ademais, em 26 de março de 1999 foi firmado acordo de cooperação entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo- FAPESP- e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, instituição internacional sediada em Nova York, Estados Unidos. Tal acordo tem como objetivo gerar entre 500 e 750 mil seqüências de genes a partir de material retirado dos tumores de maior incidência no Brasil- cabeça e pescoço (20% dos casos em São Paulo), gástricos (cerca de 8% do total dos casos do Brasil) e colo do útero (também cerca de 8% no território nacional). – Fonte: PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Introdução ao Biodireito. Investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção hu mana . São Paulo: LTr, 2002, p. 272. 35 OLIVEIRA, Simone Born de. op. cit. p. 90. 36 MARTÍNEZ, Stella Mara. Manipulação genética e Direito Penal . São Paulo: IBCrim, 1998, p.29.

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19

Em outras palavras, Sarita Albaragli esclarece que o conceito de

biotecnologia pode incluir qualquer técnica que utilize organismos vivos, ou parte

deles, almejando a produção ou modificação de produtos, aperfeiçoamento de plantas

ou animais e descoberta de microorganismos para fins específicos.37

Desta forma, a biotecnologia é o gênero da ciência que utiliza matéria viva

em suas técnicas e processos, a fim de realizar melhoramento e transformação de

espécies. Da Biotecnologia emana a engenharia genética, que como explica Fátima

Oliveira:

As técnicas e os processos que viabilizam a manipulação do código genético, da molécula de DNA, constituem hoje um ramo importante da biotecnologia – a engenharia genética-, tão importante que, em geral, as duas expressões são consideradas sinônimas. Embora a engenharia genética seja, de fato, o ramo da biotecnologia que mais de desenvolveu e que dita normas para todos os outros, convém destacar que nem toda biotecnologia é engenharia genética. Só recebe a qualificação de engenharia genética aquela biotecnologia que trabalha diretamente com o DNA, em última instancia com o gene, o código genético.38

Tratando especificamente sobre engenharia genética, a professora Matilde

Carone Slaibi Conti destaca:

É a modificação de seres vivos pela manifestação direta do DNA, através da inserção ou delegação de fragmentos específicos. Sua aplicação pode ser na produção de vacinas, proteínas por microorganismos, alimentos, transplantes e terapia genética.39

Importante ainda mencionar os ensinamentos de Elio Sgreccia, que aduz:

Por engenharia genética entende-se o conjunto de técnicas destinadas a transferir para a estrutura da célula algumas informações genéticas que de outro modo não poderia ter; com a engenharia genética se procura a projeção e a intervenção modificativa.40

Neste diapasão, Karina Schuch Brunet, discorrendo sobre engenharia

37 ALBARAGLI, Sarita. Da biodiversidade à biotecnologia: a nova fronteira da informação . Artigo da Revista do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICIT). Disponível em: http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/viewPDFInterstitial/344/305. Acessado em 06 de abril de 2011. 38 OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética – o sétimo dia da criação . São Paulo: Ed. Moderna, 1995, p. 66. 39 CONTI, Matilde Carone Slaibi. Ética e direito na manipulação do genoma humano . Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.86. 40 SGRECCIA, Elio. apud NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade Civil das Empresas de engenharia genética . São Paulo: Editora de Direito, 1997, p. 22.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

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genética e manipulação genética explica que esta: “É a modificação biológica do

homem pela manipulação direta de seu ADN, através da inserção ou delegação de

fragmentos específicos – genes- independente do uso terapêutico ou experimental.” 41

Assim, percebe-se que em todos os conceitos sobre engenharia genética

há a presença do traço modificativo nos caracteres genéticos, operando diretamente

com o DNA.

No que tange à manipulação genética, verifica-se que atua diretamente

nos genes, sendo seu conceito absorvido e não destacado da engenharia genética.

Neste contexto, utiliza-se tal termo para evidenciar as alterações realizadas nos genes

humanos.

2.1 MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA: DELIMITAÇÃO

Através dos resultados das pesquisas realizadas na engenharia genética é

possível realizar manipulação em genes vegetais e animais. Como exemplo, existe

própria experiência de Mendel no melhoramento das ervilhas, o melhoramento

genético de plantas paisagísticas e os alimentos transgênicos.

No que se refere à manipulação genética realizada em animais, busca-se

torná-los mais resistentes a pestes, com maior capacidade produtiva e reprodutiva. Tal

intervenção gera uma valoração comercial destes animais.

Já no que tange aos vegetais, o ponto de maior polêmica atualmente é

sobre a transgenia42, ou seja, a alteração e combinação em laboratório de genes

retirados de outras espécies e introduzidos nesses.43 Assim, tornam plantas e frutos

mais resistentes a pragas e doenças, argumentando-se que isto gerará mais alimentos

para consumo.

A discussão ética sobre a manipulação genética é sobrelevada quando se

trata de seres humanos. Como informado na introdução, não se pretende adentrar

nestas questões, mas é inevitável apontar sua existência.

41 BRUNET, Karina Schuc. Engenharia genética: implicações éticas e jurídicas . In: Revista Jurídica. V. 274. São Paulo: Revista Jurídica Editora, 2000, p.44. 42 Segundo consta no site da Embrapa- a transgenia é aplicada nas atividades agrícolas para viabilizar o cultivo de espécies vegetais mais resistentes às necessidades humanas. Disponível em:http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/cana-de-acucar/arvore/CONTAG01_71_711200516719.html. Acessado em 07 de abril de 2011. 43 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Direito: Manipulação genética e dign idade humana . Curitiba: Juruá, 2011, p. 26.

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

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Por manipulação genética humana entende-se as intervenções realizadas

nas informações genéticas, alterando-as, modificando-as ou suprimindo-as para fins

terapêuticos e reprodutivos.

Conforme descrito, a descoberta de que determinados genes eram os

responsáveis pela transmissão de certas doenças fez surgir no homem a esperança

de uma cura definitiva dessas enfermidades, o que ainda poderia permitir sua não

transmissão hereditária. Evidentemente que este ainda é um processo longo de

investigação científica, mas que desde já gera tais expectativas.

Neste sentido, Penna e Canola afirmam que:

a importância das técnicas relacionadas à manipulação genética pode ser facilmente demonstrada quando uma importante parcela da doutrina jurídica as classifica como sendo a representação de uma quarta geração na evolução dos direitos humanos fundamentais.44

Para que ocorra manipulação genética humana, os cientistas costumam

utilizar três técnicas principais: a transfecção, a transgênese e a transferência de

genes.

A transfecção tem por objetivo a adição ou modificação de determinado

gene em uma célula. De acordo com Ana Paula Myszcuk:

As técnicas de transfecção surgem nos estudos sobre a introdução de genes de um vírus em uma bactéria, e designam a integração de material genético de um ser vivo em uma ou várias células de outro. Esta introdução pode ser realizada por meio de três estratégias. A primeira consiste-se em furar a membrana por meio de microinjeção ou eletroporação. A segunda é realizada com o envolvimento do DNA com substâncias que induzirão sua absorção pela célula. Na terceira estratégia os pesquisadores utilizam um vírus para transportar o DNA para o interior da célula.45

Assim, é necessária a utilização de material genético de dois seres,

fazendo com que determinada célula receba DNA estranho ao seu organismo

(usualmente de bactérias e vírus). Como exemplo, pode-se apontar o estudo realizado

pelo Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de

44 PENNA, João Bosco e CANOLA, Bruno César. A evolução da biotecnologia e da engenharia genética frente às implicações ambientais, ao biodi reito e aos direitos fundamentais . Disponível em:http://www.revistas.ufg.br/index.php/revfd/article/view/9859, acessado em 17 de maio de 2011. 45 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 30.

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Cardiologia e Universidade Federal do Rio Grande do Sul46 para a utilização da

transfecção gênica no tratamento de cardiopatia isquêmica.

Quanto à técnica da transgênese, nesta há a introdução de um gene

estranho em todas as células de um ser vivo.47 Assim, toda a identidade genética

deste será alterada, razão pela qual se nomeia tais receptores como organismos

geneticamente modificados (OGMs). Ao discorrer sobre o termo transgênico, Guérin-

Marchand explica que este se refere ao animal ou planta cujo genoma sofreu

a adição de um gene ou transgene, não importando a proveniência deste, de tal forma que o novo caráter conferido pelo gene se transmite fielmente aos descendentes. Trata-se, portanto, de uma transgênese germinativa. Atualmente são praticadas, também, outras modificações genéticas, além da adição de um gene: destruição de um gene, mutagênese de um gene, substituição de um gene etc.48

Portanto, o termo transgênico pode ser utilizado como sinônimo de

organismos geneticamente modificados, sendo utilizada tal técnica principalmente na

agricultura. Nesta, implanta-se um gene de determinada bactéria responsável pela

produção de uma enzima capaz de aumentar a resistência do organismo a outro que

poderia lhe causar danos, como no caso dos predadores naturais, por exemplo. Deve-

se ressaltar que nestes casos, como há transformação maciça da identidade genética,

tais modificações serão repassadas hereditariamente.

Sobre a técnica de transferência de genes, destaca-se que é a mais

utilizada em seres humanos, buscando isolar, preparar e introduzir determinado gene

nas células e reimplantá-las no ser vivo. Esta técnica é usualmente utilizada para a

correção de defeitos genéticos, especialmente nas manipulações genéticas de cunho

terapêutico.49

Paulo Vinicius Sporleder de Souza refere-se a esta técnica como “uma

grande novidade à terapia gênica – que se refere à cura ou prevenção de

enfermidades, anomalias ou defeitos graves devido à causa genética”.50 Como

exemplo, destaca-se prévio estudo realizado por José Luiz de Godoy e publicado no

46 KALIL, Renato A.K. e outros. Modelo Experimental de Transfecção Gênica em Miocárd io Normal de Cães. Perspectivas de Terapia Gênica para o Trata mento da Cardiopatia Isquêmica . Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abc/v79n3/p03v79n3.pdf. Acessado em 30 de março de 2011. 47 MYSZCZUK, Ana Paula. Idem. 48 GUÉRIN-MARCHAND, Claudine. Manipulações Genéticas. apud MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 30. 49 LINDEN, Rafael. Terapia gênica: o que é, o que não é e o que será. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000300004. Acessado em 17 de maio de 2011. 50 SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. A criminalidade genética . São Paulo: RT, 2001, p. 37.

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site da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre a utilização de transferência de gene

para o tratamento de doenças no fígado.51

No entanto, importa destacar que a Lei 11.105/2005 (Lei de

Biossegurança), que buscar tutelar, basicamente, questões inerentes à engenharia

genética (e por assim dizer, à manipulação), expressamente a proíbe em organismo

vivo ou em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano,52 inclusive

tipificando penalmente tal fato.

Em que pese isto, as técnicas estão presentes, o que permite projetar que

caso ocorra manipulação genética humana em ser vivo, em células somáticas ou

germinal humana, a despeito da responsabilidade penal, também deverá ocorrer a

responsabilidade civil, que será tratada especificamente neste trabalho.

2.2 MANIPULAÇÃO GENÉTICA PARA FINS DE REPRODUÇÃO HUMANA

ASSISTIDA E MANIPULAÇÃO GENÉTICA PARA FINS TERAPÊUTICOS:

DIFERENÇAS SUBSTANCIAIS

Com a descoberta do DNA em 1915 e de sua dupla hélice em 1953, e as

demais decorrentes, o homem apreendeu as técnicas de manipulação genética,

através da transfecção, da transgênese e da transferência de genes, dentre outras.

Assim, passou a inquirir sua utilização prática, seja alterando ou manejando as

informações genéticas de determinado ser conforme entenda (cientificamente)

necessário.

Em 1978 com a inseminação artificial de um óvulo fora da cavidade

uterina, realizando o processo de fecundação através do auxílio de uma proveta

(dando origem ao vulgo nome de “bebês de proveta”) iniciou-se a chamada era da

reprodução humana assistida53, como esclarece Heloisa Helena Barboza: “A

reprodução humana passa a ser “assistida” interferindo a medicina a biologia em 51 GODOY, José Luiz de. Transferência de gene como tratamento das doenças m etabólicas hereditárias interessando o fígado . Disponível em: http://www.jped.com.br/conteudo/00-76-02-101/port.pdf, acessado em 30 de março de 2011. 52 Art. 6° da Lei 11.105/2005- Fica proibido: II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei; III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano; 53 Por reprodução humana assistida entende-se: “o conjunto de técnicas que tem com fim provocar a gestação mediante a substituição ou a facilitação de alguma etapa que se mostre deficiente no processo reprodutivo”. In: SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. A criminalidade genética . São Paulo: RT, 2001, p. 45.

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processo até então “natural”, impondo, a um só tempo, a revisão, se não a criação de

um novo conceito de pessoa, pai, mãe, filho”.54

Tais avanços representaram não somente uma grande evolução

tecnológica, mas também o reacender da esperança de casais que não conseguiam

realizar a fecundação através de métodos naturais, além da cura de doenças de

origem genética. Todo este embate também gerou conflitos, mormente religiosos e

éticos, sobre os limites da interferência do ser humano em tais dados.

Passou-se então a realizar intervenções nas células germinais humanas

(espermatozóides e óvulos) a fim de possibilitar a fecundação assistida. Assim, por

manipulação genética para fins de reprodução humana entende-se a intervenção

médica no processo de criação, objetivando a resolução de problemas de infertilidade

humana ou esterilidade.55

Técnicas foram desenvolvidas visando à reprodução humana propriamente

dita (que se diferencia da reprodução humana para fins de clonagem, abordado a

seguir), tais como a reprodução medicamente assistida, a transferência intratubária de

gametas e zigotos, a fertilização in vitro seguida da transferência de embriões, dentre

outras.

Na reprodução medicamente assistida (também conhecida como

inseminação artificial) existe a classificação de dois gêneros: inseminação artificial

homóloga, onde é utilizado o sêmen do próprio marido da paciente, e a inseminação

artificial heteróloga, realizada em mulheres não casadas ou utilizando o sêmen de um

terceiro que não o cônjuge.

Na transferência intratubária de gametas (GIFT- Gametha Intra Fallopian

Transfer) há a captação de óvulos da paciente através da laparoscopia, captando-se

também o esperma do marido (ou doador). Colocam-se ambos os gametas em uma

cânula especial, devidamente preparados, introduzindo-os em cada uma das trompas

de falópio, lugar onde se produz naturalmente a fertilização. Esta ocorrerá por meios

naturais a partir de então, sem que haja qualquer manipulação externa.56

Na transferência intratubária de zigotos (ZIFT, Zibot Intra Fallopian

Transfer), o gameta feminino e masculino são colocados em contato fora do corpo da

mulher, na chamada técnica in vitro, realizando condições apropriadas para a fusão

54 BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito. Novos Temas de Biodireito e Bioética . Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 56. 55 Segundo a Organização Mundial da Saúde, infertilidade é a ausência de concepção depois de pelo menos dois anos de relações sexuais não protegidas. Já esterilidade seria a total ausência de capacidade natural de gerar filhos. Disponível em: http://www.paho.org/Spanish/BIO/acta16.pdf - acessado em 17 de maio de 2011. 56 DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito . 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 520.

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25

destas células germinais. O zigoto resultante de tal fusão será implantado nas trompas

uterinas da paciente.57

Por fertilização in vitro seguida de transferência de embriões (FIVETE,

sigla em inglês) mantém-se o zigoto (ou zigotos) incubado in vitro até que haja a

segmentação, somente o transferindo para o útero ou trompas na fase embrionária. É,

de fato, a fertilização em laboratório, conhecido como “bebê de proveta”.58

Neste momento, importa mencionar informação trazida de Maria

Auxiliadora Minahim:

Bem mais perto, no Brasil em São Paulo, a Clínica de Pesquisa em Reprodução Humana Roger Abdelmassih anuncia, em publicação regular, que os embriões fecundados em laboratório, antes da implantação no útero materno, são avaliados por técnicas que detectam eventuais alterações cromossômicas e genéticas, sendo transferidos à mãe apenas os normais.59

Com esta assertiva, vislumbra-se que a reprodução humana com fins

estritos passa a acompanhar a evolução genética a fim de permitir diagnósticos pré-

implantatórios de possíveis alterações cromossômicas e genéticas dos embriões. Não

se busca mais a mera fecundação e implantação uterina, mas também se avalia as

características genéticas do embrião, o que gera, também, grandes embates sobre a

eticidade de tal conduta.

Ademais, com o alargamento do conhecimento científico, utilizam-se os

mesmos conhecimentos base para realizar outra forma de reprodução humana: a

clonagem.

A clonagem é considerada a forma de reprodução assexuada que visa a

transmissão de um único patrimônio genético para o novo ser que se forma,

diferentemente da outrora mencionada, onde havia gametas masculinos e femininos.60

Pode ocorrer através de dois métodos: separando-se as células de um

embrião em seu estágio inicial de multiplicação celular ou pela substituição do núcleo

de um óvulo por outro proveniente de uma célula de um indivíduo já existente.61

Outrossim, também se fala em clonagem para fins meramente reprodutivos (no caso

do vulgo clone) e para fins terapêuticos, através da utilização de células tronco- 57 Idem. 58 Idem. 59 , Maria Auxiliadora. A vida pode morrer? Reflexões sobre a tutela penal da vida em face da revolução biotecnológica. Novos Temas de Biodireito e Bioética . Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.120. 60 MUNARETTO, Eduardo. Clonagem Humana: Realidade ou Utopia!? Alguns aspec tos técnicos, éticos e jurídicos. Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.02 61 Idem.

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embrionárias do próprio receptor.

Na clonagem para fins reprodutivos,62 busca-se a formação de um embrião

idêntico ao da pessoa que cede seu material genético, extraindo o núcleo de

determinada célula e preenchendo com o material celular de outra parte do corpo. Tal

embrião deve ser implantado no útero de uma mulher, e assim, gerará um ser dúplice

ao doador genético.

Tal técnica ficou mundialmente famosa com a apresentação do primeiro

mamífero clonado, a ovelha Dolly, em 05 de julho de 1996, atribuindo os créditos de tal

proeza aos cientistas Ian Wilmut e Keith Campbell. Neste caso, foram utilizadas

células de glândulas mamárias de uma ovelha adulta de seis anos, através da técnica

de transferência somática de núcleo. Três anos após, foi divulgado que Dolly

supostamente sofreria de envelhecimento precoce, o que viria a ser confirmado em

2002, com a informação de que padecia de um tipo de artrite degenerativa, razão pela

qual foi abatida em 2003 para evitar uma morte dolorosa.

Evidentemente, após tais constatações, esta técnica de manipulação

genética passou a ser veementemente rechaçada no meio científico e jurídico, pelo

fato de suas consequências ainda serem desconhecidas e imprevisíveis. Como

ressalta Maria Helena Diniz:

Como preencher os dados constantes na certidão de nascimento? Quais suas relações de parentesco? Quem seriam seus pais? Quem responderia por seus atos enquanto menor de idade ou incapaz civilmente, no caso de apresentar alguma formação? Seria respeitado, para praticar atos da vida civil, quando atingir a maioridade? Quais as conseqüências jurídicas do dano sofrido pelo clone em virtude da experiência genética? Teria ele direito a uma indenização por dano moral ou patrimonial? Como ficaria a questão dos direitos sucessórios do clone?63

Por estas incertezas o legislador brasileiro optou por proibir a clonagem

humana no Brasil, através do artigo 6°, inciso IV d a Lei 11.105/2005.

Já na clonagem terapêutica64 seu processo é muito parecido com o

anterior, no entanto, visa a produção em laboratório de células tronco que serão

estimuladas para formarem um tecido específico ou órgão, possibilitando sua

62 O artigo 3°, inciso IX da Lei 11.105/2005 preceitu a: IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo; 63 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito . São Paulo: Saraiva, 2001, p. 441. 64 O artigo 3°, inciso IX da Lei 11.105/2005 preceitu a: X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica; XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.

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utilização no tratamento de doenças como o mal de Parkinson, leucemia, câncer e até

mesmo para transplantes, o que diminuiria as chances de rejeição.

Tal como na clonagem para fins reprodutivos, esta manipulação também é

bastante criticada, por ainda se desconhecer todos os efeitos colaterais possivelmente

advindos. Como exemplo, pode ser citada a possibilidade do desenvolvimento de

cânceres. No entanto, a Lei 11.105/2005 expressamente a permite nos seguintes

termos:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Ademais, no que tange à manipulação genética com fins terapêuticos,

importa relembrar que também na década de 70, os cientistas realizaram os primeiros

anúncios da descoberta de genes responsáveis pelo aparecimento / desenvolvimento

de doenças, tal como a fibrose cística, a anemia calciforme, dentre outras.65 Estas

tecnologias permitem a manipulação do genoma humano na busca da cura por

doenças ou síndromes.

Neste diapasão, importa mencionar que Norberto Bobbio citou na

introdução de seu livro A Era dos Direitos,66 uma quarta geração de direitos humanos,

que incluiria a proteção dos indivíduos contra a manipulação de seu patrimônio

genético.

Para Ana Célia de Julio Santos, esta classificação é importante para se

limitar as intervenções no patrimônio genético humano, conforme explica que:

65 OLIVEIRA, Simone Born. Da Bioética ao Direito: Manipulação Genética e Dign idade Humana . Curitiba: Juruá, 2006, p. 56. 66 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos . Rio de Janeiro: Elvesier, 2004, p. 33.

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28

Ao analisar-se a evolução dos Direitos Humanos, ante sua independência à vontade humana e universalidade, se tornou necessário classificá-los por Gerações, nominados de forma mais adequada de “Dimensões” de direitos humanos, sendo que hoje existem direitos de 4ª e até, para alguns autores, direitos de 5ª dimensão, sendo que especificamente que os de 4ª dimensão referem-se aos direitos ligados ao chamado “Patrimônio Genético”, ou seja, situações ligadas à pesquisa genética, surgidos da necessidade de se impor um controle à manipulação do genótipo dos seres, em especial o do ser humano.67

No entanto, tal proteção é pormenorizada quando se trata da aplicação da

biotecnologia em favor do progresso da ciência medicinal. Assim, a manipulação

genética para fins terapêuticos oficialmente se iniciou no final da década de oitenta,

com a aprovação do primeiro protocolo para teste de terapia gênica em seres

humanos pelo National Institutes of Health, a admitindo em um paciente com neoplasia

maligna em estado avançado. Na ocasião, não se buscava avaliar a eficácia do

tratamento, mas sim sua segurança.

Atualmente, entende-se por manipulação genética com fins terapêuticos,

ou terapia gênica,68 o tratamento de doenças ou disfunções orgânicas com a

realização de alterações genéticas em células dos pacientes. Busca-se a cura ou

mitigação dos efeitos de tais males, através de procedimentos como a adição,

modificação, substituição ou supressão dos genes, conforme é destacado em estudo

sobre o tema realizado pelo Departamento de Genética da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul:

Terapia gênica é um procedimento médico que envolve a modificação genética de células como forma de tratar doenças. Os genes influenciam praticamente todas as doenças humanas, seja pela codificação de proteínas anormais diretamente responsáveis pela doença, seja por determinar suscetibilidade a agentes ambientais que a induzem.69

Os defeitos genéticos podem ser de origem hereditária (quando

transmitidos pelos genes dos pais), não hereditária, quando provenientes de erros

imprevistos na formação das células sexuais e congênitos, que ocorrem em razão de

67 SANTOS, Ana Célia de Julio. Da vida humana e seus novos paradigmas: a manipulação genética e as implicações na esfera da responsabilidade civil. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Londrina em 2006. Orientadora: professora Dra. Valkiria Aparecida Lopes Ferraro. 68 Importa destacar que a Associação Médica Mundial, em sua Declaração de Hensinque em 2000 nomeou a terapia gênica como “experimento terapêutico” ou “terapia experimental”. 69 NAIL, Nance Beyer e outros. Terapia Gênica . Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/ v7n1/a10v07n1.pdf. Acessado em 20 de março de 2011.

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

29

mutações durante o desenvolvimento embrionário.70

Atualmente, a manipulação genética com fins terapêuticos é usualmente

aplicada em pesquisas sobre doenças oncológicas, cardiovasculares ou em caso de

cromossomos numerários, como é o caso da trissomia 21 (síndrome de Down), ou

ausentes, dentre outras.71

As intercessões podem ocorrer nas células germinativas humanas,

consideradas aquelas que dão origem aos gametas (espermatozóide e óvulo), em

células somáticas, tidas como aquelas que não estão ligadas ao processo de

reprodução, como células da pele ou de órgãos vitais e nas células tronco-

embrionárias (clonagem terapêutica).

A manipulação genética em células germinativas busca identificar e evitar

o aparecimento de doenças genéticas em seres que ainda serão concebidos. Desde já

importa mencionar o artigo 6° da Lei 11.105/2005 72 que expressamente proíbe a

manipulação genética em organismo vivo ou manejo in vitro, reprimindo também a

engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião.

No entanto, há notícias de que em países da Europa existem pesquisas

utilizando a técnica, como no caso da Xenoderma Pigmentoso. Os portadores desta

doença genética apresentam elevada fotossensibilidade e lesões degenerativas na

pele. Usualmente desenvolvem vários tumores cutâneos, além da incidência de

cânceres internos. Também podem apresentar anormalidades neurológicas

progressivas (observadas em cerca de 20% dos casos) e alterações oftalmológicas.

Neste caso, a terapia gênica trata as células germinais dos genitores e realiza a

fertilização in vitro, para que possam a partir de então conceber filhos saudáveis.

Com todo este potencial de tecnologia de identificação e tratamento das

doenças genéticas em células germinativas passou-se a falar em medicina preditiva, e

não mais curativa. Argumenta-se que esta é mais eficaz e economicamente viável do

que a terapia nas células somáticas. Como bem esclarece Christian de Paul

Barchifontaine:

Do ponto de vista da bioética, medicina preditiva é a possibilidade de prever para: prevenir doenças passíveis de prevenção, sem discriminações; ampliar propostas de tratamentos e curas; e garantir

70 ROMEO- CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnolog ias. In: Desafios jurídicos da Biotecnologia . Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p. 36. 71 Idem. 72 Art. 6o Fica proibido: II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei; III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

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a dignidade humana, considerando-se os contextos socioculturais. A medicina preditiva ainda é um campo repleto de incógnitas, inclusive técnicas e científicas, algumas incomensuráveis, o que a torna alvo de esperanças, desconfianças e medo.73

No entanto, como bem ressalta Romeo-Casabona, os efeitos da terapia

gênica em células germinativas não são totalmente conhecidos, podendo resultar em

anomalias ou má-formações graves, além de gerar riscos sociais, como o

renascimento da eugenia, onde somente seriam geradas crianças saudáveis.74 Outros,

mais radicais, chegam a profetizar que “o homem está brincando de Deus”.75 Sobre os

riscos potenciais e danos causados será abordado nos capítulos que seguem.

Em razão disto, a Declaração Universal do Genoma Humano e dos

Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (Unesco), de 11 de novembro de 1997, declara expressamente em seu artigo

24 (vinte e quatro) a rejeição à intervenção realizada na linha germinal, pois admite ser

uma prática contrária à dignidade humana.76

Por manipulação genética nas células somáticas entende-se a intervenção

realizada em células não sexuais, que, justamente por não se realizarem nos gametas,

não são transmitidas hereditariamente. Neste sentido, esclarece a Instrução Normativa

n° 09 de 16/10/1997 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança- CTNBio

Terapia gênica somática ou transferência gênica para células somáticas são técnicas de intervenção ou manipulação genética que visam a introdução de material genético em células somáticas por técnicas artificiais, com a finalidade de corrigir defeitos genéticos ou estimular respostas imunes contra a expressão fenotípica de defeitos genéticos, ou para prevenir a sua ocorrência.

Neste caso, retiram-se do corpo humano as células somáticas, as

73 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Genoma e Bioética . In: Bioética – Alguns Desafios. São Paulo: Edições Loyola, p. 251. 74 ROMEO- CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnolog ias. In: Desafios jurídicos da Biotecnologia . Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p.40. 75 “Enquanto que outras espécies têm de confiar em mutações aleatórias e condições fortuitas para a sua evolução, a espécie humana, ao manipular as primeiras e eliminar deliberadamente as últimas, irá tornar-se capaz de dirigir seu próprio destino.” Goodfield, June. Brincando de Deus. A Engenharia Genética e a Manipulação da Vida . Belo Horizonte: Livraria Itatiaia, p. 15. 76 Artigo 24 da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), de 11 de novembro de 1997: “O Comitê Internacional de Bioética da Unesco deve contribuir para a disseminação dos princípios expostos nesta Declaração e para fomentar o estudo detalhado das questões levantadas por suas aplicações e pela evolução das tecnologias em questão. Deve organizar consultas apropriadas com as partes envolvidas, tais como os grupos vulneráveis. Deve fazer recomendações, de acordo com os procedimentos estatutários da Unesco, dirigidas à Conferência Geral, e emitir conselhos relativos à implementação desta Declaração, relativos especialmente à identificação de práticas que possam ser contrárias à dignidade humana, tais como intervenções nas células germinativas”.

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mantendo em cultura e realizando a transfecção77 ou transdução almejada, as

restituindo então ao paciente. Claudine Guérin-Marchand78 explica: “Al tratarse de

células del mismo organismo se eliminará el problema del rechanzo, presente en los

casos de transplante79.”

Em estudo realizado pelo Departamento de Genética da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, Nance Beyer Nardi, Leonardo Augusto Karam Teixeira

e Eduardo Filipe Ávila da Silva80 advertem que a terapia gênica somática ideal retiraria

determinado gene “defeituoso”, entretanto ainda é algo difícil de realizar, e muitas

vezes até mesmo desnecessário frente a toda biotecnologia disponível. Em razão

disto, opta-se por acrescentar determinado gene que servirá como “bloqueador”

através da técnica da transferência gênica outrora mencionada.

O gene de interesse (também chamado de transgene) é transportado por um vetor e está contido em uma molécula de DNA ou RNA que carrega ainda outros elementos genéticos importantes para sua manutenção e expressão. As formas de transferência deste vetor contendo o gene são muito variadas. Em primeiro lugar, é importante definir se é mais apropriado introduzir o gene diretamente no organismo (in vivo) ou se, alternativamente, células serão retiradas do indivíduo, modificadas e depois reintroduzidas (ex vivo). Conforme detalhado a seguir, algumas das formas de transferência utilizam vírus, dos quais os principais são os retrovírus, os adenovírus e os vírus adeno-associados. Outras formas de transferência incluem a injeção direta do gene no organismo, bem como métodos utilizando princípios físicos (biolística, eletroporação) ou químicos (lipofecção). A avaliação do sucesso do procedimento envolve a análise da manutenção de expressão do gene nas células transformadas e a correção da doença.81

Portanto o conceito da técnica da manipulação ex vivo identifica-se com o

conceito de terapia gênica em células somáticas, retirando-se também a célula do

paciente e por meio de vetores82 inserindo o gene almejado. Após este tratamento,

são reintroduzidas no corpo do paciente.

Já na técnica da manipulação in vivo o gene externo será introduzido 77 Transfecção é o processo de alteração do genoma das células, seja através da supressão, adição ou modificação do código genético. 78 GUÉRIN-MARCHAND, Claudine. Manipulações genéticas. Tradução: Catarina Dutilh Novaes. Bauru,SP: EDUSC, 1999, p.282. apud RAMOS, Clóvis Airton de. Limites jurídicos à terapia genética em células somáticas de seres humanos: a Constituiç ão Federal de 1988 e a Lei de Biossegurança. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientadora Professora Doutora Jussara Maria Leal de Meirelles. Curitiba, 2003, p. 48 79 GUÉRIN-MARCHAND, Claudine apud RAMOS, Clóvis Airton de. Op. cit., na tradução livre: Em se tratando de células do mesmo organismo, se eliminará o problema da rejeição, presente nos casos de transplantes. 80 NAIL, Nance Beyer e outros. Terapia Gênica . Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v7n1/ a10v07n1.pdf. Acessado em 20 de março de 2011. 81 NAIL, Nance Beyer e outros. op cit. p. 02. 82 Vetores são os condutores de tais genes para as células.

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diretamente no corpo do interessado, geralmente através da utilização de injeção

intravenosa ou muscular. Como exemplo, pode ser citado um procedimento realizado

na França desde 1966, com a introdução de enxertos neurais extraídos de fetos

provenientes de abortos legais em pacientes que apresentam a doença de Huntington,

distúrbio neurológico de origem genética que causa problemas motores e afetam

alguns aspectos da personalidade. 83

Entretanto, ainda que haja resultados positivos, a técnica da manipulação

in vivo é considerada de grande risco, pois suas conseqüências não são totalmente

previstas e controladas pelos cientistas. Nenhum protocolo de terapia gênica

identificou de maneira concisa quais os vetores e células que receberiam tais genes e

se não existe a possibilidade de mutações genéticas espontâneas, que poderiam

afetar inclusive as células germinativas.

Por outro lado, a terapia gênica nas células- tronco que pode ser realizada

de duas formas: nas células-tronco adultas, através da técnica da clonagem, ou nas

células-tronco embrionárias.84

Importa mencionar que células-tronco são células mestras, com

capacidade de se auto-renovar e dividir ilimitadamente, in vivo ou in vitro,

transformando-se em células especializadas como as neurais, cardíacas, ósseas,

dentre outras. Enquanto as demais células assumem um papel específico no corpo

humano, as células-tronco se mantêm destacadas.85

Na técnica da clonagem terapêutica, visa-se a diminuição da rejeição, já

que neste procedimento utilizam-se células do próprio receptor.86 Neste caso,

substitui-se o núcleo de um óvulo pelo núcleo de uma célula adulta para a formação

de embriões, e consequentemente, das células-tronco. Realiza-se um processo de

especialização destas, a fim de que formem determinado órgão, como um rim, coração

etc, sendo necessário destacar que segundo Bianca Alves:

Contudo, os cientistas já perceberam que as células-tronco derivadas de tal técnica podem conter defeitos funcionais resultantes da reprogramação celular e ainda podem conter os defeitos genéticos do doador, necessitando ser curadas in vitro antes de serem injetadas novamente no organismo humano, procedimento difícil e de elevado custo.87

83 NAIL, Nance Beyer e outros. op cit. p. 03. 84 Bianca da Silva Alves também menciona as células-tronco de cordão umbilical e da placenta e as células-tronco de fetos abordados. In: Células Tronco-Embrionárias Humanas . Utilização Ilegal e Direito Penal. Curitiba:Juruá, 2010, p.46 85 Idem. 86 Ibidem, p. 49. 87 ALVES, Bianca da Silva. Op. cit. p. 49.

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Já na técnica em que se utiliza células-tronco embrionárias88 argumenta-se

que apresentam algumas vantagens sobre as adultas, já que podem ser disseminadas

indefinidamente em laboratório, há possibilidade de modificação genética e sua

utilização é mais larga, e podem se transformar em células de qualquer tecido do

organismo humano.

Em outubro de 2010 foi anunciado no meio científico os primeiros testes

com células tronco-embrionárias em seres humanos, realizados nos Estados Unidos

após autorização da FDA, agência governamental que regula alimentos e

medicamentos naquele país. A técnica consiste na injeção de tais células na coluna

vertebral de pacientes com paralisia nos membros inferiores e busca recuperar os

movimentos.89

No entanto, esbarra-se em limites morais, já que os embriões utilizados

são destruídos com a retirada das células-tronco.90 Quanto aos limites legais pátrios,

destaca-se o artigo 5° da Lei 11.105/2005, que após a decisão de sua

constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, permite a pesquisa e terapia

gênica utilizando-se das células tronco-embrionárias.

Em que pese todas estas técnicas e modos de se realizar a terapia

genética, este assunto levanta muitos embates científicos, já que seus riscos são

iminentes.

2.3 RISCOS POTENCIAIS E LIMITES JURÍDICOS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA

PARA FINS TERAPÊUTICOS

Na investigação da responsabilidade civil em relação à manipulação

genética para fins terapêuticos, seja nas células germinais ou somáticas, importa tratar

inicialmente dos riscos potenciais que estas podem trazer, para só após realizar a

análise jurídica.

A Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece

diretrizes e normas para pesquisas envolvendo seres humanos conceitua em seu item

88 O artigo 3°, inciso XI da Lei 11.105/2005 define c omo: XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo. 89 Começam testes com células tronco- embrionárias em seres humanos. Disponível em: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=testes-celulas-tronco-embrionarias&id=5833. Acessado em 01 de abril de 2011. 90 Idem.

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II.8 risco como “a possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral,

intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano”.

Como bem avalia Simone Born de Oliveira, “alguns riscos são previsíveis e

outros sequer são pensados ou almejados no momento da implementação e do

desenvolvimento dos projetos.”91

A grande problemática reside na singularidade e fragilidade do objeto

tratado, já que alterações no genoma humano podem causar danos irreversíveis.

Ademais, mormente os realizados na terapia genética germinativa, que poderão ser

transmitidos às gerações futuras. Neste sentido, Christian de Paul de Barchifontaine e

Leo Pessini explicam que:

O grande receio é que, se a terapia genética somática em seres humanos é aceita pela medicina, haverá grandes motivos para estender a terapia genética também às células germinativas. Embora as terapias de células germinativas e de zigotos sejam muito promissoras para o futuro, incertezas técnicas, o abuso da tecnologia do DNA para fins não-terapêuticos levanta sérias questões éticas acerca da nossa relação com a posteridade.92

Soma-se a esta advertência a questão do acesso a tais tecnologias. O

avanço biotecnológico galgado ao longo das décadas de setenta, oitenta e noventa,

somado às descobertas provenientes do Projeto Genoma possibilitou a identificação

de genes responsáveis pela transmissão de certas doenças ou síndromes.

Em que pese cerca de 95% dos genes humanos terem sido mapeados, tal

método de identificação continua como um processo permanente, onde a busca

científica propulsiona e proporciona, a cada dia, novas descobertas.

Neste cenário, o acesso à biotecnologia e mais especificamente, às

terapias gênicas ainda é restrito, já que grande parte destas está em fase de

experimentação. No entanto, a normal expectativa é que estejam mais acessíveis com

o passar dos anos. No entanto, indaga-se: será que neste momento futuro, de fato,

todos terão acesso às terapias gênicas?

Portanto, aqui se verifica o primeiro risco, qual seja o da criação de uma

nova forma de distinção entres seres humanos, entre os perfeitos geneticamente e

aqueles que apresentam defeitos genéticos, o que geraria consequências sociais

diretas, como a escolha de cargos de trabalho baseados em tal predisposição.

91 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Biodireito. Manipulação genética e D ignidade Humana . Curitiba: Juruá, 2011, p. 96. 92 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul e PESSINI, Leo. Problemas atuais de bioética . 4 ed. São Paulo:Loyola, 1997, p. 244.

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35

Como exemplo, menciona-se o descrito no filme Gattaca de 1998,93 que

retratava a situação de pessoas escolhidas para determinados empregos em razão de

sua pré-disposição genética. Assim, os candidatos seriam selecionados para as vagas

de trabalho não apenas em razão do perfil laboral, mas por seus dados genéticos.

Ademais, os “defeituosos genéticos” seriam vistos como um peso social, já

que o Estado teria que continuar arcando com os custos de tratamentos de saúde

cujas doenças poderiam ser exterminadas através da engenharia genética,

principalmente utilizando a técnica da manipulação em células germinais.

Assim, haveria a seletividade social, seja nas relações empregatícias e

demais cotidianas, além da configuração de uma nova forma de discriminação: a

discriminação genética. Conforme discorre Simone Born de Oliveira

A dignidade humana terá sido relegada a outro plano, pois nem todos terão direito a mesma dignidade no viver, em razão da desigualdade genética. E assim poder-se-á ir muito além, nos prognósticos negativos e nefastos que o sistema poderá proporcionar a todos os seres humanos que, por infelicidade, fizerem parte do mundo dos com defeito (imperfeitos).94

Discorrendo sobre o reconhecimento da dignidade humana, Reinaldo

Pereira e Silva afirma que esta repousa na “potencialidade de se determinar, por

intermédio da razão, para a ação da liberdade”. Disto resultam pressupostos

imprescindíveis: as pessoas devem ser respeitadas igualmente por pertencerem à

espécie humana e que este respeito independe do grau de desenvolvimento das

potencialidades humanas.95

Ademais, o artigo 2 da Declaração Universal do Genoma Humano e dos

Direitos Humanos, de 1997, ao tratar sobre a Dignidade Humana e o Genoma

Humano, preleciona em seus itens “a” e “b”:

Artigo 2 – a) todos têm o direito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas. b) Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade.

93 Gattaca- Experiência Genética. Produzido pelo Estúdio Columbia Pictures Corporation., nos Estados Unidos em 1997, baseia-se em preocupações sobre as tecnologias reprodutivas que facilitam a eugenia e as possíveis consequências de tais desenvolvimentos tecnológicos para a sociedade. 94 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Biodireito. Manipulação genética e D ignidade Humana . Curitiba: Juruá, 2011, p. 121. 95 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução do Biodireito: Investigações Político-Jur ídicas sobre o Estatuto da Concepção Humana. São Paulo: LTr, 2002, p. 192.

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Em que pese tais assertivas, somente após o decorrer de muitos anos e da

acessibilidade à terapia gênica fora dos laboratórios é que se analisará se tais

princípios foram suficientes para conter o risco da seletividade.

Portanto, a segregação entre os geneticamente perfeitos e aqueles que

não tiveram acesso às terapias gênicas resultará, inevitavelmente, em um novo olhar

sobre o princípio da igualdade e da dignidade humana, de modo a coibirem práticas

discriminatórias em razão da identidade genética de cada ser humano.

Outro ponto a ser ponderado incide especificamente no alcance das

intervenções no patrimônio genético humano, seja nas células germinais (que

transmitirão hereditariamente tais modificações), seja nas células somáticas.

Tais alterações, em razão de seu caráter irrevogável, poderão interferir na

diversidade humana, reduzindo a heterogeneidade, característica tão marcante dentre

os seres humanos.

Assim, a realização de terapias gênica que impedem o desenvolvimento de

doenças genéticas agirá não somente como tratamento médico preditivo, mas também

poderá interferir diretamente na distinção humana.

A preferência por um filho do sexo masculino, vendo o feminino como um defeito. Isso não acontece apenas na Índia e na China, mas em todos os países do mundo. A genética pode fornecer instrumental para uma discriminação de gênero. Pode ser colocada também a serviço de uma discriminação racial, fundada em razões de saúde, quando os testes genéticos demonstram que famílias judias ashkenazes portem com mais freqüência a doença do T-Say-Sachs e que certas famílias negras desenvolvem uma forma particular de anemia celular.96

Tal reducionismo traz à baila a questão da eugenia, prática que visava

melhorar as qualidades raciais, físicas e mentais humanas, buscando propiciar às

próximas gerações a extinção de defeitos que as maculasse.

Tratando sobre o tema, Casabona menciona o conceito galgado por

Francis Galton:

Recordemo-nos que, por eugenia, se entendem os procedimentos capazes de melhorar a espécie humana. Como é sabido, foi Francis Galton quem utilizou o termo (eugenics), no Reino Unido, em fins do século passado, e a definiu como a “ciência que trata de todos os fatores que melhoram as qualidades próprias da raça, incluídas as que a desenvolvem de forma perfeita.” Galton propugnava o recurso

96 ROMEO-CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnolog ias. In: Desafios Jurídicos da Biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p. 27.

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a todos os fatores sociais utilizáveis que pudessem melhorar as qualidades raciais, tanto físicas, como mentais das gerações vindouras.97

A prática da eugenia ficou mundialmente conhecida após os experimentos

realizados nos campos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, onde a busca

pela comprovação da raça pura gerou verdadeiros assombros contra a humanidade.

No entanto, atualmente a eugenia adquire contornos científicos, através de

técnicas desenvolvidas com base na engenharia genética. Fala-se então em eugenia

positiva e eugenia negativa.

Por eugenia positiva entende-se a que favorece a transmissão de

caracteres considerados desejáveis ou queridos, através da seleção de casais para o

matrimônio.98

Nesse sentido, um médico geneticista norte-americano, por exemplo, propôs a criação de um banco de células germinais constituído por pessoas com ‘características valiosas de mente, coração e corpo’ e Robert Graham, um oftalmologista americano, decidiu em 1980, na Califórnia, criar um banco de espermatozóides composto pelos cientistas laureados com o Prêmio Nobel, pretendendo armazenar células reprodutivas da nata da raça humana.99

Por outro lado, a eugenia negativa, que almeja evitar a transmissão dos

caracteres considerados indesejáveis ou não queridos, utilizando-se, para tanto, das

técnicas da inseminação artificial, da contracepção, do aborto e até mesmo da morte

do recém-nascido. 100

Como tais técnicas levantam grande clamor social, sendo algumas até

mesmo proibidas em certos países (como é o caso do Brasil, onde o aborto e a morte

do recém-nascido em tais circunstâncias são criminalizados), utiliza-se então, a

engenharia genética nas células germinais (também expressamente proibida na Lei

11.105/2005) ou somente a implantação de zigotos fertilizados in vitro que não

apresentem defeitos genéticos.101

Frente a essas novas possibilidades, passou-se a falar em neo-eugenia,

apresentada como uma questão médica, que visa à saúde individual do ser humano e

97 Ibidem, p. 33. 98 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Direito: Manipulação Genética e Dign idade Humana . Curitiba: Juruá, 2006. p. 124-125. 99 ALBANO, Lilian Maria José. Biodireito. Os avanços da genética e seus efeitos é tico-jurídicos . São Paulo: Atheneu, 2004, p. 33. 100 OLIVEIRA, Simone Born de. op. cit. p. 126 101 Conforme declaração do médico Roger Abdelmassih outrora mencionada na página 25.

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que pode afetar toda a sua descendência.102

Independentemente de qual técnica utilizada, verifica-se que as

intervenções no genoma humano podem gerar, após longos anos, uma redução na

diversidade humana, já que diminuirá (ou mesmo extinguirá) caracteres que até então

serviam para distinguir cada ser humano.

Outrossim, em pese tais técnicas de engenharia genética serem

conhecidas desde a década de cinqüenta, ainda se questiona seu impacto quanto à

experimentação nos seres humanos.

A professora Fátima Oliveira destaca o problema da eticidade da

experimentação em seres humanos. Embora esta abordagem não seja aplicada,

destaca-se sua opinião por se adequar ao item analisado.

A engenharia genética, enquanto conjunto de técnicas específicas que podem manipular p DNA e modificar o código da linguagem da vida, se impõe com poderes mágicos e sedutores. Traz sonhos e pesadelos. É condenada e cultuada, acrítica e apaixonadamente, por tudo que acena de assustador e de fascinante. Pode prever, prevenir e curar doenças, mas também pode gerar monstros! Graças a isso é mitificada e mistificada.103

Neste sentido, os argumentos científicos contrários destacam a falta de

previsibilidade de possíveis reações que as terapias gênicas podem causar. O

problema principal é a resposta que o sistema imunológico do paciente pode dar

quando da utilização do vetor escolhido.

Caso famoso é o de um paciente de dezoitos anos que se submetia a um

estudo clínico visando o tratamento de uma deficiência de omitina transcarbamilase no

ano de 1999, indo a óbito após uma inflamação generalizada causada por uma

resposta de seu sistema imunológico.104

Ademais, não se pode deixar de mencionar que nos campos nazistas

foram realizadas verdadeiras atrocidades contra seres humanos com a escusa das

pesquisas científicas, em claro desrespeito a qualquer pretenso direito fundado na

dignidade humana.

O livro Anatomia Humana Topográfica Aplicada, do médico austríaco

Eduard Pernkopf, de 1943, contém fotos de judeus assassinados nos campos

102 OLIVEIRA, Simone Born de. op. cit. p. 135. 103 OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética – o sétimo dia da criação . São Paulo: Ed. Moderna, 1995, p. 75. 104 Conseqüências Adversas e Obstáculos da Terapia Genética. Disponível em: http://www.gbeth. org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=155&catid=24&Itemid=6, acessado em 10 de maio de 2011.

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nazistas, em evidente desrespeito não só ao princípio ora comentado, como também a

qualquer direito de intimidade destas vítimas, que tampouco concederam

consentimento livre e esclarecido sobre as pesquisas e sua divulgação. Vale informar

que este livro é utilizado em várias faculdades de medicina, sendo considerado como

a “bíblia dos cirurgiões”.105

Em razão do crescimento das pesquisas genéticas, e tendo em vista os

excessos cometidos, vislumbrou-se a necessidade de imposição de regras para a

experimentação em seres humanos, sobre as quais destaca Romeo-Casabona:

[...] justificação da necessidade e interesse da investigação, a realização prévia de ensaios em laboratório e em animais, o consentimento informado da pessoa que será submetida à experimentação, a ponderação de riscos e vantagens, não colocando em perigo a vida ou a saúde e integridade física ou psíquica da pessoa, submissão a um protocolo e à avaliação e acompanhamento de comitês de investigação que estejam previstos nas práticas ou legislações internas etc.106

Em 1995 foi criado pelo Conselho Nacional de Saúde no Brasil o Grupo

Executivo de Trabalho GET sobre Experimentação em Seres Humanos, que

regulamenta o assunto através de sua Resolução CNS nº 196/96.

Nesta se destaca a proibição de qualquer espécie de remuneração aos

sujeitos da pesquisa (exceto ressarcimento de despesas e indenização); a

obrigatoriedade da análise de riscos e benefícios; a exigência de apresentação do

projeto de pesquisa, por parte do pesquisador responsável informando: definições de

atribuições, antecedentes científicos, metodologia, análise crítica de riscos e

benefícios, duração do projeto, critérios de inclusão e de exclusão dos sujeitos, o

compromisso de tornar públicos os resultados, a previsão de riscos, a qualificação do

pesquisador, o orçamento detalhado.

Ademais, importa mencionar a Lei 11.105/2005, que destaca a vedação de

projetos de engenharia genética para pessoas físicas em autuação isolada e

independente, somente sendo possíveis à pessoas jurídicas após prévia autorização

da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança- CTNBIO.

Importa ainda mencionar que um dos riscos que mais geram embates é o

risco da violação à privacidade genética, onde a exposição de dados genéticos pode

causar dissabores e constrangimentos aos sujeitos. Gisele Echterhoff, discorrendo

105 OLIVEIRA, Simone Born. op. cit, p.146. 106 ROMEO-CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnolo gias. In: Desafios Jurídicos da Biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p.39.

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sobre o tema, amparada pela visão clássica107 da privacidade, pontua:

Sendo um direito da personalidade ou uma de suas projeções [...] o direito à privacidade é inalienável, imprescritível e irrenunciável, sendo que o seu respeito visa especificamente a mais ampla e completa proteção do ser humano, em toda a sua dignidade, considerando e adotando o princípio da dignidade da pessoa humana como cláusula geral da personalidade.108

Eis então a possibilidade oferecida pela engenharia genética: a do homem

conhecer sua identidade genética e com base em tais dados, optar ou não pela

intervenção terapêutica. No entanto, estes dados referem-se ao que de mais íntimo e

âmago o ser humano possui, sendo sua divulgação não autorizada uma violação

direta à norma prevista no artigo 5º, inciso x109 da Constituição Federal.

Ademais, a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos

Humanos, busca tutelar tal questão em dois artigos:

Artigo 7 - Quaisquer dados genéticos associados a uma pessoa identificável e armazenados ou processados para fins de pesquisa ou para qualquer outra finalidade devem ser mantidos em sigilo, nas condições previstas em lei. Artigo 9 - Com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, as limitações aos princípios do consentimento e do sigilo só poderão ser prescritas por lei, por razões de força maior, dentro dos limites da legislação pública internacional e da lei internacional dos direitos humanos.

No entanto, observe-se que a proteção da confidencialidade dos dados

genéticos mencionada no artigo nove ainda aguarda uma norma que a

regulamentará.110

Convém destacar que o aspecto importante do direito à privacidade

genética é impedir que o agente sofra discriminação em razão da divulgação de seus

dados. Como outrora aduzido, não há demonstrações inequívocas de que a mera

predisposição genética resultará necessariamente no desenvolvimento de

107 Neste sentido, José Afonso da Silva. In: Curso de direito constitucional positivo . São Paulo: Malheiros, 1996, p.150. 108 ECHTERHOFF, Gisele. Os dados genéticos e o direito à privacidade: a dec laração universal sobre o genoma humano e os direitos humanos . Revista eletrônica do CEJUR. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cejur/article/view/14842/9963. Acessado em 17 de maio de 2011. 109 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 110OLIVEIRA, Simone Born de. Op. cit, p; 165.

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determinada síndrome ou doença. Assim, o sujeito pode vir a sofrer uma rejeição

social por um mal que sequer é manifesto. Neste sentindo, ressalta Simone Born de

Oliveira que:

[...] este tipo de diagnóstico, feito antes da instalação da doença, que considera tão-somente a carga genética dos seres (trata-se, portanto, do terreno das probabilidades), tendo em vista que não se possuem ainda bases científicas suficientes para dizer que a predisposição genética é suficiente para desencadear, no futuro, o desenvolvimento daquelas doenças.111

Um exemplo de que a mera predisposição genética não necessariamente

causará a doença se verifica em casos de mães portadoras do gene responsável pela

hemofilia, onde as chances de seus filhos serem afetados pela mesma doença é de

50%. No entanto, as meninas que portarem tal gene não manifestarão a doença.

Ademais, Elio Sgreccia aponta outra possibilidade da violação à

privacidade genética: a possibilidade da construção de banco de dados genéticos e

sua má-utilização para fins mercadológicos particulares, às companhias de seguro

etc.112

Disto resultaria a aplicação de preços diferenciados por seguradoras de

saúde tendo por bases a predisposição genética. Ou seja, aqueles que não

apresentarem “defeitos genéticos” poderão pagar taxas menores.

No entanto, deve-se ponderar sobre a mitigação desta proteção ao

patrimônio genético quando o sujeito, de forma livre e consciente, aceita compartilhar

tais informações. Tal divulgação somente será possível com o expresso

consentimento do interessado ou de seu representante legal.

Em que pese doutrinadores clássicos entenderem que o direito à

privacidade é inalienável, imprescritível e irrenunciável, corrente moderna defende que

o direito à autonomia permite a divulgação dos dados genéticos do interessado. Neste

sentido, Rodrigo Bernardes Dias afirma que a privacidade está intrinsecamente

vinculada aos conceitos de liberdade e autonomia, combinando-se estes para

estabelecer as fronteiras entre os indivíduos e a sociedade.113

Neste diapasão, Ana Paula Mysczuk elucida que para a proteção da

informação genética devem ser adotados os seguintes critérios: 1. garantir o

consentimento livre e esclarecido do interessado em qualquer análise, salvo quando

111 Ibidem, p. 160. 112 SGRECCIA, Elio. Apud. ECHTERHOFF, Gisele. op. cit. p. 231. 113 DIAS, Rodrigo Bernardes. Privacidade Genética . São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 67.

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impossível; 2. tal consentimento deve ser livre, completo e informado antes de

qualquer intervenção; 3. só será possível recorrer às análises genéticas quando a lei já

tiver imposto outras provas diagnósticas de saúde, mais confiáveis e que não

promovessem a obtenção de qualquer tipo de informação; 4. obrigatório estabelecer-

se segredo sobre os resultados das análises genéticas sem prejuízo de outras

soluções apontadas pelo ordenamento jurídico; 5. a informação obtida deverá ser

utilizada especificamente para o fim que a originou; 6. os resultados das análises

realizadas no âmbito da saúde não devem dar lugar a práticas discriminatórias, nem à

intromissão da vida privada que condicione o acesso do indivíduo às prestações

sanitárias ou sociais114.

Ademais, poder-se-ia argumentar que a divulgação de tais dados

contribuiria para um crescimento das pesquisas científicas na área da engenharia

genética. No entanto, este não é um argumento sólido o bastante para rebater o

devassamento da privacidade genética do ser humano. Como bem finaliza a autora

acima mencionada: “a autonomia da vontade do profissional está submetida à

autonomia da vontade do paciente”.115

Além disto, Elizabeth Beck-Gernscheim indaga com precisão:

Que chances terapêuticas a tecnologia genética traz realmente? Ninguém consegue dar uma resposta razoavelmente séria e fundamentada no momento atual. Ao passo que alguns cientistas esperam progressos dramáticos da técnica genética, outros manifestam dúvidas e consideram mesmo exageradas tais expectativas. A única coisa segura, que sabemos diante do estado atual da pesquisa, é que até agora existe um abismo enorme entre as possibilidades do diagnóstico e as da terapia.116

Desta forma, nota-se que qualquer divulgação de dados genéticos

pertencentes à determinada pessoa configura expressa violação à constituição federal

e à norma internacional de direito público mencionada.

Postas as questões sobre os riscos gerados pela manipulação genética

com fins terapêuticos, percebe-se de maneira clarividente que a sociedade ainda não

está apta para suportá-los. Analisando esta questão, Carlos María Romeo-

Casabona117 aponta o princípio da precaução como um instrumento que pode prevenir

114 MYSZCUK, Ana Paula. Genoma Humano: Limites Jurídicos à sua Manipulação . Curitiba:Juruá, 2005, p. 93. 115 MYSZCUK, Ana Paula.op. cit. p. 94. 116 BECK-GERNSHEIM, Elisabeth. Tem razão quem cura? Considerações sobre o uso soci al do diagnóstico genético e da terapia genética . apud OLIVEIRA, Simone Born de. op. cit. p. 165. 117 ROMEO-CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnolog ias. In: Desafios Jurídicos da Biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p. 33.

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

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que tais riscos transformem-se em danos.

A precaução caracteriza-se pela ação antecipada diante do risco ou perigo

desconhecido, incerto, abstrato ou potencial,118 como é o proveniente das ações de

manipulação genética terapêutica.

Marcelo Abelha, ao analisar a aplicação deste princípio na seara

ambiental, aduz que deve ser posto em prática quando há dúvidas sobre a

possibilidade de certa atividade causar danos, devendo-se proibir o exercício da

atividade. Somente seria admitido caso o interessado demonstrar de modo irrefutável

a não-prejudicialidade de suas atividades.119

Especificamente no que tange ao biodireito, este princípio implicaria na

impossibilidade da realização de pesquisa genética até a comprovação da inexistência

de consequências maléficas para o ser humano,120 em conformidade com o que reza o

princípio da não-maleficência.

No entanto, Romeo-Casabona adverte que requerer segurança absoluta e

risco zero é uma utopia que geraria a paralisação de atividades de grande importância

econômica.

O dilema que surge na sociedade pós-industrial do desenvolvimento biotecnológico e do impacto ambiental consiste em esclarecer até que ponto é válido e aceitável o paradigma do risco suspeitado, mas não previsível, do risco não calculável, nas suas dimensões essenciais, e do risco certo, por serem incertos os suportes científicos que poderiam identificá-lo e descrevê-lo.121

Assim, destaca que este princípio não é aplicável em todas as situações

de risco, mas somente àquelas que possuem um contexto de incerteza científica,

como no caso das possíveis reações adversas causadas pelos vetores, e a

eventualidade de danos graves, incontroláveis e irreversíveis,122 o que se verifica nos

danos gênicos, genéticos e poligênicos, analisados a seguir.

118 MARCHESAN, Ana Maria Moréia e outras. Direito Ambiental . Porto Alegre: Verbo Jurídico. 2007, p. 31. 119 RODRIGUES. Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental . São Paulo: RT, 2005, p. 39. 120 Idem. 121 ROMEO-CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnolog ias. In: Desafios Jurídicos da Biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p.33-34. 122 Idem.

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3 DANOS DERIVADOS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA TE RAPÊUTICA

Como informado anteriormente, o presente trabalho busca analisar a

questão da responsabilidade civil na manipulação genética humana com fins

terapêuticos, o que exclui a apreciação deste instituto jurídico no mesmo procedimento

com fins reprodutivos.

Segundo mencionado, a terapia gênica com fins terapêuticos consiste na

alteração das informações genéticas de células germinais e somáticas, visando o

tratamento de possíveis doenças e/ou síndromes que possam vir a se manifestar.

Estima-se que 10% das doenças crônicas em adultos são causadas por

fatores genéticos e que 33% das internações pediátricas são relacionadas à mesma

origem. Em 1966, ano em principiou as pesquisas sobre engenharia genética, foram

catalogadas 564 doenças genéticas, passando este número para 3.307 em 1992.123

Outrossim, esta ainda não é uma técnica totalmente segura frente à falta

de previsibilidade de reações adversas. Ademais, a prática tem demonstrado que de

fato há a possibilidade da ocorrência de danos posteriores, como o surgimento de

neoplasias malignas, deficiências físicas e até mesmo a morte do paciente.

Em razão disto, argumenta-se que a terapia gênica expõe o ser humano a

vários riscos, os quais ainda não estaria apto a suportar, tais como o risco da

seletividade, da experimentação em seres humanos e da violação ao direito à

privacidade genética.

No entanto, além destas situações de riscos, existe a possibilidade da

ocorrência de danos efetivos ocasionados em razão da manipulação genética

terapêutica, seja nas células germinais, seja nas células somáticas.

Caio Mário elucida que dano é elemento ou requisito essencial na etiologia

da responsabilidade civil, e que, dentre seus elementos constitutivos, o prejuízo é o

que menos suscita discussões.124 Ademais, menciona Henri Lalou: ”Pas de préjudice,

pas de responsabilité civile.”125

Neste sentido, também Arnaldo Rizzardo, para quem dano é o pressuposto

central da responsabilidade civil, não sendo possível se falar em ato punível, sem o

123 Genética tem papel determinante na epilepsia. Disponível em: http://bionoticias.blogspot.com /2006_02_01_archive.html. Acessado em 18 de maio de 2011. 124 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 37. 125 LALOU, Henri. apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit. p. 16.

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dano causado.126

Envolve um comportamento contrário ao jurídico. A nota da antijuridicidade o caracteriza, de modo geral. Mas não emana, necessariamente, de um desrespeito à lei ou de uma conduta antijurídica. Possível que nenhuma infração se consuma, e nasça o dever de reparação. Isto porque simplesmente apareceu um dano, a que a lei obriga o ressarcimento.127

Tratando sobre os atos jurídicos ilícitos, o Código Civil, em seu artigo

186128 aduz que o pratica aquele que “... violar direito ou causar dano a outrem...”.

Assim, verifica-se a opção do legislador pátrio ao não condicionar a ocorrência do

dano apenas em situações ilegais.

Desta feita, importa mencionar conceito trazido por Carlos Alberto Bittar:

Configura o dano lesão, ou redução patrimonial, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos no direito, seja quanto à sua própria pessoa – moral ou fisicamente – seja quanto a seus bens ou a seus direitos. É a perda, ou a diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de expressão, componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais ou materiais.129

Portanto, conforme se depreende dos conceitos mencionados, somente se

caracterizará a responsabilidade civil em decorrência da manipulação genética

terapêutica com a imprescindível configuração do dano.

3.1 CARACTERIZAÇÃO E REQUISITOS DO DANO PERANTE A DOUTRINA

CIVILISTA

Analisando os danos, importa destacar brevemente o tratamento

dispensado pela doutrina civilista a este elemento fundamental da responsabilidade

civil.

De acordo com o interesse protegido nasce a espécie de dano. Assim, a

126 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro:Forense, 2007, p. 15. 127 RIZZARDO, Arnaldo. op. cit. p. 15/16. 128 Art. 186 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 129 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil – teoria e prática . 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 09.

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doutrina130 o classifica, principalmente, como pessoal, patrimonial, moral, contratual ou

extracontratual.

Por dano pessoal entende-se o dano relativo ao próprio ente em si, ou em

suas projeções na sociedade, como no caso das lesões ao corpo ou ao psiquismo

(componentes intrínsecos à personalidade), como a liberdade, a imagem, a

intimidade.131

Já o dano patrimonial (também nomeado de material) traduz-se na lesão

aos bens e direitos economicamente apreciáveis de seu titular.132 Neste sentido,

Arnaldo Rizzardo ensina que:

O conceito de patrimônio envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e tradicionalmente em dinheiro. Deve ser idôneo para satisfazer uma necessidade econômica e apto de ser usufruível.133

Neste ínterim, se faz necessário ressaltar que o dano causado em razão

de manipulação genética terapêutica é considerado subjetivo, ou seja, causado à

pessoa, atentado contra o ser humano podendo ocorrer situações em que pode ser

classificado como material. 134

Importa relembrar que conforme mencionado no capítulo anterior, o

genoma humano é considerado patrimônio da humanidade. Neste aspecto há

similitude com a contribuição de Simone Vinhas de Oliveira ao mencionar que o termo

“patrimônio” não é mais utilizado apenas para se referir a bens, mas também como

conjunto de bens culturais ou naturais, de valor reconhecido para determinada

localidade, região, país ou humanidade. Passíveis, portanto, de proteção.135

Neste sentido, a Medida Provisória nº 2.186/01, editada pelo Governo

Federal considera patrimônio genético as informações de origem genética contidas em

amostras de todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na

forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo desses seres vivos e

de extratos obtidos desses organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in

situ (no lugar), inclusive domesticados, ou mantidos em coleções, desde que coletados 130 Neste sentido, Arnaldo Rizzardo, Carlos Roberto Gonçalves e Carlos Alberto Bittar. 131 BITTAR, Carlos Alberto. op. cit, p. 23. 132 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodrigo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil- Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 40. 133 RIZZARDO, Arnaldo. op. cit. p. 17. 134 OLIVEIRA, Simone Vinhas. Atividade Biotecnológica Empresarial: autonomia priv ada e autonomia pública da manipulação de genes no Estado Democrático de Direito . Disponível em:http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/direito_humano_td_simone_v_de_oliveira.PDF. Acessado em: 05 de abril de 2011. 135 OLIVEIRA, Simone Vinhas.op. cit., p. 38.

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no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.136

Em razão das novas situações trazidas pela biotecnologia (como o caso

dos danos decorrentes da manipulação genética terapêutica), Pablo Stolze e Rodolfo

Pamplona Filho argumentam que é necessário afastar determinados conceitos

adotados pela teoria clássica do Direito Civil – como o exemplo dos danos

patrimoniais- e fixar a premissa de que o prejuízo indenizável poderá decorrer da

vulneração de direitos inatos à condição do homem.137

Assim, a preleção de Luiz Edson Fachin:

A pessoa, e não o patrimônio, é o centro do sistema jurídico, de modo que se possibilite a mais ampla tutela da pessoa, em uma perspectiva solidarista que se afasta do individualismo que condena o homem à abstração. Nessa esteira, não há, pois, direito subjetivo arbitrário, mas sempre limitado pela dimensão coexistencial do ser humano. O patrimônio, conforme se apreende do exposto por Sessarego, não só deixa de ser o centro do Direito, mas também a propriedade sobre os bens é funcionalizada ao homem, em sua dimensão coexistencial.138

Portanto, toda análise que segue deve ser ponderada tendo em vista a

inadequação destas situações trazidas pela Biotecnologia à teoria clássica do direito

civil, e a necessidade de tutelar-se com os novos apontamentos trazidos pela doutrina.

Ademais, retornando à análise da classificação, por dano moral entende-se

a lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário nem comercialmente redutível a

dinheiro, diferentemente do dano patrimonial.139 O dano moral, ou não- patrimonial, ou

ainda extrapatrimonial, reclama dois elementos principais para configurar-se: o dano e

a não diminuição do patrimônio.140

A subsunção deste aos danos provenientes da terapia gênica é de mais

fácil configuração, já que a ocorrência deste dano irá atingir um bem único, âmago,

que se refere ao que o indivíduo possui de mais singular: sua identidade genética.

Evidentemente que isto pode causar perturbação nas relações psíquicas, na

tranquilidade e nos sentimentos de determinada pessoa.

Por dano contratual entende-se o proveniente de um inadimplemento

contratual, de um pacto estipulado entre as partes. Nesta o credor sofre um prejuízo

com o desrespeito de determinada obrigação por parte da outra parte. Sua

136 Artigo 7º, inciso I da Medida Provisória nº 2.186-16 de 23 de agosto de 2001. 137 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodrigo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil- Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p.36/37. 138 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo . Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 51. 139 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodrigo Pamplona. op. cit. p. 44. 140 RIZZARDO, Arnaldo. op. cit. p. 19.

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característica basilar é a possibilidade de substituição da declaração de vontade,

negada pelo devedor, por sentença judicial.141

Já o dano extracontratual consuma-se com a infração de um dever legal,

estando fundamentado na culpa aquiliana. Nas palavras de Arnaldo Rizzardo:

”Corresponde a qualquer desrespeito a um direito de um terceiro, ou a infrações com

resultados negativos em relação às partes que se relacionam com o causador. Em

tese, há uma lesão a uma norma jurídica.”. Nasce, portanto, da violação genérica ao

princípio neminem laedere. 142

Neste momento vale mencionar importante dúvida suscitada por Caio

Mário e José de Aguiar Dias: é possível a cumulação do dano contratual e

extracontratual provenientes da mesma situação em uma única ação de

responsabilidade civil?

O chamado problema da cumulação das ações de responsabilidade, a dizer, da coincidência, para o mesmo sujeito ativo, das duas ações, para fazer valer o seu direito a reparação aparece, fatalmente a quem se propõe delimitar as noções de responsabilidade. (...) Denominação, diga-se logo, imprópria, porque não existe, na realidade, cumulação de responsabilidades, o que se daria se alguém pudesse usar sucessiva e contemporaneamente das ações correspondentes. O que se dá é coincidência, acarretando a faculdade de escolha. Daí a conclusão rigorosamente lógica de que não cumulação, mas opção: o sujeito de direito usará, a seu gosto, de uma ou outra ação, conforme lhe pareça mais conveniente obter a reparação, pelo estabelecimento da responsabilidade contratual ou delitual143.

No que tange especificamente ao dano proveniente da terapia gênica,

importa mencionar que em regra, este é extracontratual, baseado no disposto do artigo

20 da Lei. 11.105/2005144. Mas nada impede que haja a hipótese de dano contratual

nesta situação, o que acabará por gerar o conflito da coincidência de

responsabilidades.

Ademais, retornando à análise das características do dano como

elementar da responsabilidade civil, importa destacar os requisitos para sua

configuração.

Inicialmente, Caio Mário destaca que “como requisito do dever de

141 Idem. 142 Idem. 143 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil . 10 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995, p. 168/169. 144 Art. 20 da Lei 11.105/2005: Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.

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reparação, no seu conceito não se insere o elemento quantitativo”.145 Assim, o dever

de indenizar existirá independentemente do grau ou nível do dano. Portanto, aqui não

se aplica o princípio da insignificância, usualmente utilizado na seara criminal.

Em que pese tal afirmação, cumpre destacar que nem todo dano é

ressarcível. Somente o é aquele que preencher certos requisitos.

Segundo o mesmo autor, o dano há de ser atual e certo.146 Já Pablo Stolze

e Rodolpho Pamplona Filho147 elencam a violação de um interesse jurídico patrimonial

ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica, a certeza do dano e sua

subsistência. Carlos Alberto Bittar preleciona que o dano deve ser atual, certo, pessoal

e direto.148

Pela violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial,

Stolze e Pamplona Filho entendem que o dano pressupõe a agressão a um bem

tutelado, de natureza material ou não, pertencente a um sujeito de direito.149

Quanto à subsistência do dano, ensinam que o dano deve subsistir no

momento de sua exigibilidade em juízo. Desta feita, se o dano já foi reparado, perde-

se o interesse na propositura da responsabilidade civil.150

No entanto, independentemente de o dano ocorrer em razão de

manipulação genética terapêutica realizada em células germinais ou somáticas, deve-

se atentar para o requisito da certeza, com o intuito de apenas posteriormente passar

ao estudo da responsabilidade civil.

O doutrinador Enneccerus conceitua dano como “toda desvantagem que

experimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra,

crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc)”.151

Carlos Roberto Gonçalves, tratando da responsabilidade civil, ensina que

indenizar significa reparar o dano causado à vítima. Se possível, deve-se restaurar o

statu quo ante, ou seja, compor ao estado em que se encontrava antes da ocorrência

do ato.152

No entanto, no que tange aos danos gerados em decorrência de terapias

145 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 39. 146 Ibidem, p. 39. 147 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodrigo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil- Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 38. 148 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil – teoria e prática . 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 11. 149 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodrigo Pamplona. Op. cit. p. 38. 150 Idem, p. 40. 151 ENNECCERUS. Derecho de obligaciones. Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: Responsabilidade civil . São Paulo: Saraiva, 2008, p.337. 152 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: Responsabilidad e civil . São Paulo: Saraiva, 2008. p. 338.

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gênicas, será impossível seu restabelecimento ao estado anterior, já que os genes

caracterizam-se pelo seu caráter excepcional. Ora, não seria possível danificar um

gene e substituí-lo por outro sem que isso configure uma nova obra de engenharia

genética. Isto se assinala ainda mais quando ocorrer um dano genético nas células

germinais ou um dano poligênico, configurado como dano a todo patrimônio genético

do sujeito.

Desta forma, inevitável a aplicação da responsabilidade civil, mormente da

indenização civil, já que a reparação do dano resta prejudicada. Em que pese

configurar-se hipóteses de responsabilidade civil objetiva153 (que será esmiuçada no

próximo capítulo), não se pode falar em responsabilidade civil sem dano.

Como bem destaca o autor citado anteriormente: “ação de indenização

sem dano é pretensão sem objeto, ainda que haja violação de um dever jurídico e que

tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator”.154 Por isto, o requisito da

certeza é imprescindível para o afastamento de danos hipotéticos ou eventuais, que

poderão não se concretizar.

No entanto, cumpre ressaltar que usualmente a doutrina tradicionalista

identifica a certeza do dano com seus efeitos, a fim de facilitar sua quantificação.

Deste modo, verifica-se a ocorrência do dano e seus efeitos gerados, sejam materiais

(dano emergente e lucros cessantes) ou meramente morais.

Neste ponto reside uma das problemáticas quanto ao dano resultante da

terapia genética já que este nem sempre é percebido imediatamente, o que dificulta a

análise do requisito da certeza.

Em questões como estas, a saída habitualmente apontada pela doutrina

pátria155 é identificar o provável dano físico com a indenização moral, de modo que o

agente lesionado não fique sem o devido ressarcimento.

No entanto, critica-se duramente esta manobra doutrinária, que embora

seja considerada de boa fé, acaba por confundir institutos jurídicos e diminuir a

intensidade do ressarcimento.

Assim, no que tange à biotecnologia, pode-se identificar o dano genético

como dano biológico, construção da doutrina italiana que se adequa ao caso

estudado.

153 Entende-se por responsabilidade civil objetiva a responsabilidade sem a configuração de dolo ou culpa. 154 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit. p. 338 155 Neste sentido, apontam Carlos Roberto Gonçalves, Carlos Alberto Bittar e Arnaldo Rizzardo.

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Sempre se entendeu que o dano físico é econômico e que se deve provar tanto a existência da incapacidade, quanto a incidência do aleijão nas rendas do danificado. Há casos, entretanto, em que a vítima não tem conseqüência imediata de ordem patrimonial: a vítima é desempregado, sacerdote, criança ou ancião, fica tetraplégica e não sente dor. Na concepção tradicional, não haveria ressarcimento, salvo quantia a título de dano moral. Reconhece-se, entretanto, que a vida humana em si mesma, a integridade física, seja de que modo for, tem um valor econômico, e a sua afetação traduz prejuízo material suscetível de indenização autônoma, separada do dano psíquico. Não se trata de lucro cessante. Independentemente da atividade atual do lesado, do conceito de incapacidade superveniente, é indenizada a perda de expectativa da pessoa para toda a vida[...].156 (destaque não previsto no original)

Portanto, identificando-se o dano proveniente de uma terapia gênica mal

sucedida frente a esta teoria do dano biológico torna-se desnecessária a comprovação

do prejuízo causado, bastando a demonstração de sua potencialidade para o

ressarcimento civil.

Como bem aduz Francisco Vieira Lima Neto, em algumas situações haverá

dificuldade em se apurar se o ato terá repercussões no tempo,157 como no caso dos

danos causados às células germinais, que podem vir a se manifestar futuramente.

No entanto, a ocorrência destes efeitos futuros não pode ser um entrave

que impeça a devida sanção civil aplicável. Como mencionado, pelo atual Código Civil,

esta questão seria resolvida tão somente em sede de danos morais, o que não é

suficiente, já que se trata de danos físicos, ainda que genéticos.

Portanto, é necessária a adoção de uma teoria que possa abranger não

apenas o dano manifesto, mas também os danos físicos futuros e prováveis. No

entanto, a problemática reside justamente neste ponto: como haverá a certeza de que

o dano de fato ocorrerá?

Novamente invoca-se os ensinamentos de Francisco Vieira Lima, que com

precisão explica:

[...] considerando que a Teoria que embasa a Responsabilidade Civil das empresas de engenharia genética é Objetiva, imposta por uma lei especial e não pelo Código Civil, parece-nos lícito concluir também a noção de Dano, especialmente no que toca à sua extensão, deve desligar-se daquela presente no Estatuto Civil e pautar-se pela maior amplitude possível, incluindo mesmo o dano futuro, bastando que seja provável.158

156 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico . 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 114. 157 NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade Civil das Empresas de Engenharia Gen ética . São Paulo: Editora de Direito. 1997, p. 75 158 NETO, Francisco Vieira Lima. op. cit. p. 80.

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Portanto, deverá haver um alargamento do critério da certeza para incluir

danos ainda não manifestos, mas com grande teor de probabilidade de ocorrência,

retirando qualquer traço dúbio deste requisito e permitindo sua indenização.

Como bem destaca Caio Mário, não se compadece com o pedido de

responsabilidade civil um prejuízo meramente eventual. Havendo um prejuízo

conhecido, um dano, uma lesão, fundamenta-se a devida ação, ainda que suas

consequências sejam futuras.159

Assim, o importante para este doutrinador é que haja certeza de que os

danos se produzirão, afastando-se os danos hipotéticos, eventuais ou conjunturais.

Analisando a questão dos danos nucleares, bem assinala uma questão

que se adequa aos danos genéticos:

A determinação do dano mobiliza o desenvolvimento do conceito de certeza, que obedecerá a critério mais elástico como acima referido. O exame de cada caso permitirá determinar que a certeza do prejuízo não pode deixar de atentar num critério de razoável probabilidade, uma vez que os efeitos da radiação atômica, detectados ou não no momento, poderão positivar-se num futuro mais ou menos remoto.160

Assim, o exame do requisito da certeza nos danos provenientes da terapia

gênica deve ser ponderada sob um viés de razoabilidade, tendo-se em mente que

seus efeitos somente podem vir a se manifestar com o decorrer dos anos.

Outro requisito imprescindível para a configuração do dano é a

configuração de sua atualidade. Dize-se atual o dano que já existe ou já existiu no

momento da propositura da ação de responsabilidade.161 Seu objetivo é evitar a

responsabilização por danos futuros. No entanto, esta regra é passível de exceções:

Segundo Lalou, atual é o dano que já existe “no momento da ação de responsabilidade”. [...] Em princípio, acrescenta, “um dano futuro não justifica uma ação de indenização”. Admite, no entanto, que essa regra não é absoluta, ao ressalvar que uma ação de perdas e danos por um prejuízo futuro é possível quando este prejuízo é a conseqüência de um “dano presente e que os tribunais tenham elementos de apreciação para avaliar o prejuízo futuro”.162

Portanto, em regra, para ser proposta ação de ressarcimento civil em

razão de dano proveniente de terapia gênica este deve ser atual, presente,

159 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.40. 160 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. 52. 161 Ibidem, p. 40. 162 LALOU, Henri.Traité pratique de la responsabilité civile. Apud. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: Responsabilidade civil . São Paulo: Saraiva, 2008, p.339.

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contemporâneo. No entanto, esta comprovação também é problemática, já que em se

tratando de terapia gênica, seus efeitos nem sempre são imediatos.

Prevendo tal situação, o legislador pátrio optou por realizar uma ressalva

quanto a este requisito, mencionando no item II.9 da Resolução nº 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde163 que: “dano associado ou decorrente da pesquisa -

agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal

comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico.”

Neste diapasão encontra-se o fundamento legal da exceção ao requisito

da atualidade nos danos genéticos, em plena consonância com os princípios da

beneficência e da autonomia.164

Francisco Vieira Lima Neto, discorrendo sobre o princípio da autonomia, o

qual também nomeia como princípio do respeito pelas pessoas, aduz que todo dano

deve ser indenizado, seja direto ou indireto, mediato ou imediato.165 Portanto, a todo

dano deve corresponder uma sanção civil, independentemente se este for atual ou

futuro.

Esta assertiva também encontra amparo no princípio da beneficência, que

deriva do latim bonum facere, e possui como máximas o “fazer o bem”, “não causar

dano”, “cuidar da saúde”, “favorecer a qualidade de vida”.166 Este princípio busca

colocar o bem do ser humano acima dos interesses da sociedade e da ciência, o que

minimiza a força dos argumentos contrários ao ressarcimento de danos futuros.

Neste sentido, Caio Mário elucida:

Assim que Plainol, Ripert e Esmein admitem possam ser ressarcido um prejuízo ainda não positivado, se a sua realização é desde logo previsível pelo fato da certeza do desenvolvimento atual, em evolução, mas incerto no que se refere à sua quantificação; ou ainda, se consistir na seqüência de um fato danoso atual, como seria o caso do dano causado a uma pessoa, implicando sua incapacidade para o trabalho. Pode ser objeto de reparação um prejuízo futuro, porém certo no sentido de que seja suscetível de avaliação na data do ajuizamento da ação de indenização.167

Desta forma, ocorrendo o dano em um procedimento de manipulação 163 Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde propõe diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. 164 SANTOS, Ana Célia de Julio, FERRARO, Valkiria Aparecida Lopes. Da vida humana e seus novos paradigmas: a manipulação genética e as implicações na esfera da responsabilidade civil . Scientia Júris, Londrina, v. 10, 2006, p. 51. 165 NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade Civil das Empresas de Engenharia Gen ética . São Paulo: Editora de Direito. 1997, p.78. 166 OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioética ao Direito: Manipulação Genética e Dign idade Humana . Curitiba: Juruá, 2011, p. 49. 167 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit. p. 40.

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genética terapêutica, seja certo e atual ou provável e futuro, como no caso dos danos

causados em células germinativas, haverá para autor a aplicação de uma sanção civil,

que se expressa através da responsabilidade civil.

3.2 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DANO GENÉTICO, DANO GÊNICO E DANO

POLIGÊNICO

Quando se trata de discorrer sobre os possíveis danos ocorridos em razão

da terapia gênica, é importante diferenciar as três classificações mais utilizadas,

diferenciando-as.

Inicialmente, importa relembrar que o ser humano apresenta 23 pares de

cromossomos. O estudo da constituição cromossômica é chamado de cariótipo, sendo

representado por uma fotomicrografia dos cromossomos arranjados aos pares.

Os genes são sequências de ácido desoxirribonucléico (DNA) que contém

as informações para codificar proteínas, sendo, portanto, os responsáveis pela

transmissão hereditária entre gerações.168 Tais genes são transportados pelos

cromossomos e formam o genótipo169 de determinada pessoa.

Como os genes são os portadores das informações genéticas, a

manipulação com fins terapêuticos atuaria nestes através das técnicas da transfecção,

da transgênese e da transferência de genes. Assim, se busca suprir deficiências ou

mesmo inibir a expressão dos genes responsáveis por determinadas doenças.

Na técnica da transfecção ocorre a adição ou modificação de um gene de

determinada célula após a introdução de outro gene (de bactéria ou vírus) que pode

alterar o funcionamento anormal desta célula. Ou seja, há a implantação de material

genético estranho a célula, buscando bloquear a atividade de seu gene “defeituoso”.170

Já na técnica da transgênese, também há a introdução de gene estranho,

mas esta ocorre em todas as células do ser vivo. Por isso tais organismos passaram a

ser classificados como Organismos Geneticamente Modificados (OGM), já que há

168 ALBANO, Lilian Maria José. Biodireito. Os avanços da genética e seus efeitos é tico-jurídicos . São Paulo: Atheneu, 2004, p. 03. 169 Diferenciando fenótipo de genótipo, Lilian Maria J. Albano, citando Rumjanek FD, explica que: “O somatório das características físicas (genéticas ou não) de um indivíduo constitui o fenótipo e isso, em geral, basta para reconhecermos uma pessoa no meio de uma multidão. Contudo, se desejarmos um grau de certeza ainda maior, devemos analisar a sua constituição genética (genótipo)”. Op. cit. p. 03. 170 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano . Curitiba: Juruá, 2005, p. 30

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alteração de toda a sua identidade genética.171

Por fim, a técnica da transferência de genes, onde se busca isolar,

preparar e introduzir determinado gene nas células e após, reimplantá-las no ser

humano. É a técnica mais utilizada em seres humanos nas terapias gênicas. O grande

problema desta técnica é a escolha dos vetores que serão utilizados para a introdução

destes genes estranhos nas células. Usualmente, são utilizados vetores de origem

viral, mas os cientistas não conseguem determinar com certeza a expansão destes no

corpo humano.172

Ademais, na realização de tais técnicas pode-se optar pelo método in vivo,

onde este DNA do gene estranho é transferido diretamente para as células e tecidos

do paciente.

Já no método ex vivo, este DNA é transferido para células isoladas em

laboratório e somente após o procedimento serão introduzidas no paciente. É um

método mais demorado, mas que traz uma maior margem de segurança

Foi mencionado no capítulo anterior que a terapia gênica pode gerar vários

riscos frente à falta de controle sobre consequências não esperadas, nos chamados

efeitos colaterais. Mas e se a discussão passar do plano dos riscos (das

probabilidades) e gerar de fato danos? É o que pretende analisar o presente trabalho.

Miguel Kfouri Neto conceitua dano como prejuízo, aniquilamento ou

alteração de uma condição favorável, tanto pela força da natureza quanto pelo

trabalho do homem.173 Portanto, é a avaria causada ao indivíduo. Se esta avaria

ocorrer durante um procedimento de terapia gênica, pode gerar três espécies de

danos: o dano gênico, o dano genético e o dano poligênico.

Por dano gênico entende-se a lesão causada ao gene como unidade

isolada situada no cromossomo. Aconteceria por erros quando da manipulação

terapêutica ou quando da escolha errônea de determinados vetores. As

consequências deste dano somente poderão ser analisadas caso a caso, já que nem

todo dano gênico interferirá no processo de desenvolvimento genético ou no processo

de transmissão dos caracteres hereditários de um indivíduo.174

Se o dano ocorrer na manipulação terapêutica de célula somática,

somente o indivíduo sofrerá por este, não se transmitindo aos seus descendentes, o

171 Idem. 172 Idem. 173 NETO, Miguek Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico . 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 113. 174 SANTOS, Ana Célia de Julio e FERRARO, Valkiria Aparecida Lopes. Da vida humana e seus novos paradigmas: a manipulação genética e as implicações na esfera da responsabilidade civil. Revista Scientia Iuris, Londrina, v. 10, 2006, p. 46.

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que configura o chamado dano gênico puro.175

No entanto, se o dano gerar sequelas nas células germinativas, será

transmitido hereditariamente, o que configura o chamado dano genético. Portanto, seu

traço de distinção é a difusão deste dano às futuras gerações.176

Assim o dano genético é o dano causado não a um gene isolado e

específico durante o tratamento, mas sim a todo conjunto de genes. Neste sentido,

fala-se em dano poligênico, como o dano genético onde há avarias à constituição

genética total de um indivíduo.177

Simone Vinhas de Oliveira, discorrendo sobre o tema coloca:

Pode-se conceituar o dano genômico como o dano causado ao genoma, ou seja, à constituição genética total de um indivíduo ou zigoto. Dano causado não a um gene específico e isolado, mas a todo o conjunto de genes, ou a um grupo representativo deles onde houvesse o comprometimento da constituição genética total de um individuo. Seria pois um dano poligênico, e não dano gênico; uma subsespécie do dano genético, já que altera a constituição genética total de um indivíduo, necessariamente interferindo em células germinativas, afetando assim o processo original de reprodução.178

Portanto, dano poligênico é sinônimo de dano genômico, onde se configura

o dano ao patrimônio genético do indivíduo de maneira ampla, e não apenas em um

caractere.

Neste sentido, o artigo 8º da Declaração Universal do Genoma Humano,

que prevê o direito à justa reparação por danos sofridos em consequência direta e

determinante de uma intervenção que tenha afetado o “genoma” de um indivíduo.

Ora, ainda que a terapia gênica seja admitida no Brasil somente a título de

pesquisa científica e apenas em células somáticas, ocorrendo o dano deve haver uma

resposta do direito, e esta se dará, no caso em apreço, através da responsabilidade

civil.

Ademais, ressalte-se: se houver terapia gênica em célula germinal, ainda

que atualmente seja proibida pelo artigo 6º, inciso III da Lei 11.105/2005, ocorrendo

dano, também incidirá a responsabilidade civil, já que os campos de atuação destes

ramos do direito são, em regra, independentes.

175 SANTOS, Ana Célia de Julio e FERRARO, Valkiria Aparecida Lopes, Op. cit. p. 46. 176 Idem.. 177 Idem. 178 OLIVEIRA, Simone Vinhas de. Atividade biotecnológica empresarial: autonomia pri vada autonomia pública da manipulação genes no Estado dem ocrático de direito . p. 11. Disponível em:http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/direito_humano_td_simone_v_de_oliveira.PDF. Acessado em 05 de abril de 2011.

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Simone Born de Oliveira, citando Roberto Luiz Dávila, menciona que

sempre haverá possibilidade de responsabilidade civil quando desrespeitados os

princípios da Bioética: justiça, solidariedade, beneficência e não maleficência e

autonomia do paciente.

A única solução plausível é o exercício ético da Medicina, calcado nos princípios enfatizados pela Bioética: Justiça, Solidariedade, Beneficência e Não Maleficência e a Autonomia do paciente. O médico cometerá erro quando descuidar da observação destes princípios e faltar, ou com solidariedade, ou com justiça e não respeitar os direitos do paciente enquanto pessoa humana.179

Cometendo o agressor erro ao não observar os princípios norteadores do

Biodireito e gerando o dano, surge ao ofendido o direito de reparação ou de

indenização.

3.3 DANOS OCORRIDOS NAS CÉLULAS GERMINAIS E NAS CÉLULAS

SOMÁTICAS

A biotecnologia permite a identificação de genes portadores de doenças e

síndromes ainda na fase pré-embrionária, no chamado diagnóstico genético pré-

implantacional. O que significa dizer que há a possibilidade de realização de

intervenções nas células sexuais humanas (ou mesmo nos zigotos) de forma a impedir

que tal doença genética possa vir a se manifestar.

Estas intervenções são duramente criticadas, seja pelos riscos que podem

gerar, como discriminação genética, eugenia, e violação à intimidade genética, bem

como pela possibilidade da ocorrência de dano celular.

Caso ocorra algum tipo de erro na manipulação do gene, quais as

consequências que podem ser geradas? Má-formação, deficiências? Estas seriam

transmitidas hereditariamente, já que se trata de células germinais?

Como nem mesmo a ciência consegue responder a tais perguntas, o

legislador pátrio optou pela proibição expressa de qualquer procedimento de

engenharia genética em células germinais, tipificando penalmente tal conduta (o que

se coaduna com o princípio da precaução). No entanto, o estudo em apreço parte do

179 D’ÁVILA, Roberto Luiz. A Bioética e o exercício da medicina nos dias de ho je. Apud. Oliveira, Simone Born. op. cit, p. 153.

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pressuposto de que ocorrendo tal situação e decorrendo danos, a responsabilidade

civil também deve incidir.

Apenas para fins informativos, a Resolução 1.358/92 do Conselho Federal

de Medicina permitia a terapia gênica em células germinais contanto que investigasse

a viabilidade embrionária ou o diagnóstico e tratamento de doenças genéticas de alta

prevalência.180 Posteriormente, a Lei 11.105/2005 expressamente proibiu qualquer tipo

de manipulação nestas células.

Neste sentido, importa destacar explicação de Lilian Maria Albano:

A intervenção nas células germinativas das pessoas, já que seus efeitos serão transmitidos a estes descendentes, ultrapassa os limites da autonomia pessoal, pois trata-se do genoma humano como patrimônio da humanidade. Além disso, no tratamento das células germinativas, existe o perigo de confundir intervenção aperfeiçoadora com uma que meramente atende aos caprichos do proprietário desse tipo de célula, o que poderia resultar em danos irreparáveis para as gerações futuras e na criação de técnicas de exclusão social.181

Como destacado, a autora declara que o princípio da autonomia pessoal,

outrora mencionado como basilar da Bioética, não se aplica na terapia gênica nas

células germinativas, já que neste caso ocorreria a transmissão de seus efeitos para

as futuras gerações, o que macularia o patrimônio genético da humanidade.

A problemática é mais fácil de ser verificada através de exemplos

hipotéticos. Determinado casal, planejando o nascimento de um filho, optam pela

realização da fertilização in vitro. Após o sucesso do procedimento, mas antes da

implantação do embrião no útero, autorizam a realização de investigação genética

com fins de detectarem possíveis moléstias genéticas.

Descoberto determinado gene responsável por uma doença, os genitores

optam pela realização da terapia gênica182, assinando inclusive um termo de

responsabilidade, onde há menção do princípio da autonomia e beneficência, já que

se buscará a cura preditiva de uma possível doença genética.

No entanto, algo sai errado na terapia e há a ocorrência de dano celular

genético. Neste caso, a quem caberia a responsabilidade? Ao médico que realizou a

intervenção? Aos genitores?

Discorrendo sobre os princípios da autonomia e da beneficência, Heloisa

180 ALBANO, Lilian Maria José. Biodireito. Os avanços da genética e seus efeitos ético-jurídic os. São Paulo: Atheneu, 2004, p. 94. 181 Ibidem, p. 41. 182 Como informado, é um caso hipotético, já que no Brasil este procedimento é proibido em Lei.

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Helena Barboza responde:

O princípio da autonomia que orienta o consentimento informado para a prática de atividades médicas compreende o conceito de capacidade que juridicamente encontra, por vezes, requisitos e aspectos próprios. O mesmo se dá com o princípio da beneficência. É o que se constata, notadamente, com relação aos incapazes. Os poderes do representante sobre a pessoa do incapaz são (mais do que sobre o patrimônio) limitados, especialmente no que se refere a intervenções e disponibilidade de partes do corpo.183

Tratando sobre o tema da responsabilidade civil dos pais por transmissão

de enfermidades, Rosalice Fidalgo Pereira aduz:

Para que esta responsabilidade exista perante os filhos, é necessário que se trate de doença grave, que os pais conheciam ou poderiam conhecer, agindo com diligência e que o contágio ocorra por inseminação artificial. Em inseminação heteróloga, na qual os pais conheciam ou poderiam conhecer o defeito do gameta que provocou a enfermidade, tal responsabilidade tornar-se-ia inescusável.184

No entanto, deve-se relembrar que os cientistas ainda não possuem

certeza se a mera existência de um gene portador de determinada doença irá de fato

desencadeá-la durante a vida do sujeito. Não há uma demonstração indubitável do

nexo causal entre gene versus doença futura.

Ademais, o dano em célula germinal é o que configura de maneira mais

explícita o ferimento à proteção ao patrimônio genético tutelado pela Declaração

Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos de 1997, porquanto alterará a

identidade genética de todos os descendentes do indivíduo atingido.

No que tange à terapia gênica utilizada em células somáticas, cumpre

destacar que visa a correção dos dados genéticos, correção esta que não será, a

princípio, transmitida hereditariamente. Usualmente utiliza-se a técnica da transfecção,

que objetiva adicionar ou modificar determinado gene à “célula doente”, com o auxílio

de vetores.

Critica-se a terapia gênica utilizada em células somáticas em razão de se

argumentar que a inserção de genes estranhos representa um distúrbio traumático

para o preciso controle genético das células normais, não se podendo auferir se

ficarão adstritos à célula tratada ou se haverá um processo de multiplicação no corpo

183 BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito. Novos temas de Biodireito e Bioética . Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 43. 184 PEREIRA, Rosalice Fidalgo. Os limites da responsabilidade civil e os danos da biotecnologia. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacion ais. Curitiba, vol. 2, 2009, p. 30.

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humano. Ademais, que esta inserção é potencialmente perigosa, já que estes genes,

usualmente transferidos através de vetores virais, podem se unir com genes de outros

vírus infectantes, gerando vírus mais agressivos.185

Por volta do ano de 2000 foi anunciado no Reino Unido o sucesso de uma

terapia gênica voltada para a cura de meninos que nasceram com uma

imunodeficiência severa combinada (SCID) grave, e que em razão disto, viviam em

uma bolha de plástico, já que até o mais leve dos resfriados poderia ser fatal.186

Esta doença, de origem genética, faz com que o organismo seja incapaz

de produzir linfócitos T, tornando suas vítimas vulneráveis a qualquer tipo de infecção.

Os especialistas retiraram células das crianças e inseriram genes “sadios”

através de vetores virais, e após quatro dias reimplataram tais células. Na época do

anúncio foi informado que as crianças submetidas a tal terapia estavam, enfim,

levando uma vida normal e que o tratamento havia sido um sucesso.187

No entanto, dois anos após noticiou-se que um dos garotos que se

submeteu a esta terapia desenvolveu um problema de saúde semelhante à leucemia.

Em que pese o ocorrido, os pesquisadores prosseguem com as pesquisas,

baseando-se na assunção dos riscos por parte dos genitores, como pode ser visto no

fragmento a seguir.

De acordo com o Comitê Conselheiro de Terapia Genética do Reino Unido, este tipo de efeito colateral era previsto. “Nos relatórios originais desses estudos, o comitê reconheceu a possibilidade de um câncer ocorrer como resultado do tratamento”, disse o porta-voz Norman Nevin. Ele confirmou que os testes britânicos irão continuar. “Negar terapia genética [às crianças doentes] seria antiético, desde que os pais estejam cientes dos riscos associados”.188

Além disso, como verificado, a mera informação de riscos potenciais e a

assinatura de um termo de ciência por parte dos genitores não afasta a

responsabilidade de tais pesquisadores, como outrora mencionado: “Os poderes do

representante sobre a pessoa do incapaz são (mais do que sobre o patrimônio)

limitados, especialmente no que se refere a intervenções e disponibilidade de partes

185 Médicos e Cientistas pela Aplicação Responsável da Ciência e da Tecnologia . Disponível em: http://www.psrast.org/declport.htm. Acessado em 03 de abril de 2011. 186 Terapia genética cura menino britânico com “doença da bolha”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/reuters/ult112u14004.shtml. Acessado em 03/04/2011. 187 Idem. 188 Menino Bolha desenvolve leucemia após terapia genét ica . Disponível em: http://www1.folha. uol.com.br/folha/ciencia/ult306u7372.shtml. Acessado em 03/04/2011.

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do corpo.”189

Frente aos riscos e incertezas que rondam a terapia gênica, Romeo-

Casabona propõe que em relação à terapia na linha somática devem ser verificadas

determinadas condições: ponderação estrita dos riscos e benefícios que possam

afetar o paciente; que esta terapia seja o último recurso alternativo à falta de

tratamento convencionais; que se trate de uma doença grave; que haja o

consentimento informado do paciente e a submissão a protocolos rigorosos.190

Atente-se que a terapia gênica somática no Brasil é legalmente admitida,

embora atualmente ocorra a título de pesquisa científica.

3.4 ASPECTOS PARA A PREVENÇÃO DO DANO

Foi analisado no item 1.4 do Capítulo anterior que para a prevenção dos

riscos biotecnológicos invoca-se a tutela do princípio da precaução. Este, usualmente

utilizado no direito ambiental, aplica-se em situações de riscos desconhecidos,

incertos.

Desta feita, somente são admitidas determinadas atividades quando

demonstrado de modo irrefutável sua não-prejudicialidade. Permanecendo a dúvida

sobre a segurança do feito, deve se optar pela sua paralisação.

Em que pese a observância deste princípio, são necessárias também

outras medidas que diminuam a probabilidade da ocorrência de danos genéticos

decorrentes da terapia gênica.

Como bem destacou Romeo-Casabona, requerer segurança absoluta e

risco zero é uma utopia, ainda mais na atual seara em que se encontram as pesquisas

genéticas terapêuticas – em sede de experimentação.191 Outrossim, tal assertiva

também não deve servir como acomodação a fim de que medidas preventivas sejam

prescindidas.

Em razão disto, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, em

seu item II.8 denomina como risco da pesquisa a possibilidade de danos à dimensão

física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em

189 BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito. Novos temas de Biodireito e Bioética . Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 190 ROMEO-CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnologias. Desafios Jurídicos da Biotecnologia . Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p. 39. 191 ROMEO-CASABONA. Carlos María. Op.cit., p.33-34.

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62

qualquer fase da pesquisa ou dela decorrente.

Partindo do pressuposto de que toda pesquisa humana envolve riscos,192 o

legislador pátrio optou por elencar determinados requisitos, nos seguintes termos:

V - RISCOS E BENEFÍCIOS V.1 - Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando: a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos; b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado; c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.

Além destes requisitos, determina que caso o pesquisador perceba algum

risco ou dano à saúde do paciente durante a pesquisa, este é obrigado a suspendê-la

imediatamente.193

Assim, todo e qualquer efeito adverso deverá ser informado ao CEP-

Comitê de Ética em Pesquisa equivalente.194 Ratificando a necessidade, verifica-se

também o disposto no artigo 7º da Lei 11.105/2005:

Art. 7o São obrigatórias: I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética e o envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;

Desta forma, atenta-se para a preocupação do legislador pátrio em exigir a

notificação de qualquer acidente ocorrido em pesquisas e projetos envolvendo

engenharia genética. Desta feita, a partir de casos específicos o legislador pode criar e

exigir a tomada de medidas assecuratórias.

Como destacado anteriormente, somente pessoas jurídicas possuem

autorização para realizar atos de engenharia genética no Brasil.195 Além das medidas

legais impostas, Ana Célia de Júlio Santos e Valkiria Aparecida Lopes Ferraro

192 Item V, primeira parte- Riscos e Benefícios da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde: Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. 193 Item V.3, primeira parte da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde: V.3 - O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, conseqüente à mesma, não previsto no termo de consentimento. 194 Item V.4 da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde: V.4 - O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo. 195 Artigo 2º, parágrafo 2º da Lei 11.105/2005: As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.

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63

sugestionam que deveria existir um mecanismo de garantia coletiva, um tipo de

seguro, facultativo ou obrigatório.196

Como explicam as autoras: “Se asseguraria a reparação do dano causado

por uma fonte de riscos determinada, independentemente da discussão acerca da

culpabilidade individual do autor do dano”.197

Assim, empresas, consórcios ou clínicas que assumirem o risco de realizar

atividade de manipulação genética devem garantir um mínimo de segurança aos

pacientes, seja nos procedimentos adotados, seja após estes.

Em que pese esta sugestão, havendo ou não o seguro, ocorrendo o dano

proveniente da manipulação genética terapêutica surgirá para a vítima o direito à

responsabilidade civil.

196 SANTOS, Ana Célia de Júlio e FERRARO, Valkiria Aparecida Lopes. Da vida humana e seus novos paradigmas: a manipulação genética e as implicações na esfera da responsabilidade civil . Revista Scientia Iuris, Londrina, v.10, 2006, p. 53. 197 SANTOS, Ana Célia de Júlio e FERRARO, Valkiria Aparecida Lopes. Op. cit. p. 56.

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

64

4 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DA T ERAPIA

GÊNICA

No contexto da manipulação genética humana há indagações pontuais a

serem tratadas. Realizando o homem intervenções na estrutura celular, ainda que

observando o princípio da beneficência e da autonomia e com fins terapêuticos, há

possibilidade da ocorrência de danos.

Como bem destaca Romeo-Casabona, em que pese a insegurança rondar

os procedimentos de terapia gênica, o jurídico existe para permitir às pessoas viver em

sociedade sem sofrer os efeitos de uma permanente incerteza sobre a consequência

de seus atos.198

Para começar, é quase inevitável haver um intervalo de tempo durante o qual determinada prática científica estará completamente fora do previsto pela norma vigente, o que cria uma fastidiosa lacuna jurídica que incomoda tanto o jurista, que tem de ditar a norma, quanto o cientista, que deseja se assegurar de que seu trabalho não será questionado depois pelo ordenamento, e o juiz que, diante do caso, deverá ditar a sentença sobre alguns fatos que não foram diretamente contemplados pelo Direito. É o exemplo disso, o caso de clonagem terapêutica de embriões humanos em países que ainda não aprovaram nenhuma norma sobre o assunto199.

No entanto, tais incertezas e possibilidades de riscos do avanço

biotecnológico não podem gerar uma renúncia ao desenvolvimento científico, em um

niilismo200 do homem pela ciência, de modo a impedir tratamentos ou mesmo a cura

de determinadas doenças. Agir deste modo é ir contrariamente, até mesmo, com os

ditames do princípio da beneficência.

Cabe, portanto, aos operadores do direito a busca por soluções que

compatibilizem o desenvolvimento biotecnológico e a necessidade de segurança

jurídica.

Neste sentido, argumenta-se que o direito à informação, à biotecnologia, à

198 -CASABONA, Carlos María. O desenvolvimento do direito diante das biotecnologias. Desafios Jurídicos da Biotecnologia . Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p.87 199 Ibidem, p. 87/88. 200 Discorrendo sobre o niilismo moderno, Lourenço Zacanaro aduz: O niilismo moderno consiste na alienação do homem na ciência, sendo que sua origem está no dualismo entre ciência e homem. A indiferença em relação à vida, o excesso de poder da tecnologia, põe em risco a continuidade das espécies e coloca-nos diante da possibilidade real da catástrofe e da morte essencial. Os fatos mostram que a utilização das potencialidades tecnológicas e sua capacidade não só destruidora como transformadora pode provocar conseqüências imprevisíveis no futuro.- ZACANARO, Lourenço. A ética da responsabilidade de Hans Jonas. In: Bioética- alguns desafios . São Paulo:Loyola, 2001, p . 139.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

65

biomedicina devem ser protegidos constitucionalmente e elevados à categoria de

Direitos Fundamentais.201

Assim, tem-se falado202 na quarta geração dos direitos humanos, incluindo

a manipulação do patrimônio humano e o tornando normativamente protegido através

de um número maior de direitos e garantias. Portanto, as situações oriundas da

biotecnologia são protegidas sob um viés humanista, seja através de documentos

internacionais, como a Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos Humanos,

seja através das normas constitucionais e infraconstitucionais.

Portanto, toda análise que segue deve ser ponderada através de uma

visão não apenas técnico civilista, mas principalmente humanista, amparada pelo

princípio da dignidade da pessoa humana. Nas palavras da professora Flávia

Piovesan: “A dignidade humana e os direitos fundamentais vem a constituir os

princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos,

conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro”.203 Discorrendo sobre

dignidade humana, Alexandre de Moraes a conceitua como:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.204

Assim, as pesquisas envolvendo manipulação genética terapêutica devem

sempre atentar para a dignidade humana como princípio fundamental, inclusive as

limitando: ”sob a justificativa de propiciar uma vida melhor não podem os avanços da

ciência ir além dos limites impostos pelo princípio Fundamental da Dignidade

Humana.”205

Desta feita, toda manipulação genética terapêutica deve sempre ser

norteada afastando-se qualquer argumento baseado no utilitarismo social e apenas

nos possíveis ganhos à humanidade. Como bem destaca a professora Jussara Maria

Meirelles: ”Inadmissível, assim, que a pessoa humana seja utilizada como um mero

instrumento na busca de finalidades egoísticas ou aparentemente superiores; antes

201 SCHEIDWEILER, Cláudia Maria Lima. Manipulação da vida, avanços tecnológicos e direito s humanos . In: Direitos Humanos, Vol. Coord. Flávia Piovesan. 1ª ed. Curitiba:Juruá, 2009, p. 513.. 202 Neste sentido, Norberto Bobbio e Elaine Celina Afro da Silva Santos. 203 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos . São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 35. 204 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional . 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 50. 205 FAGUNDES JUNIOR, José Cabral Pereira e SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana . In: Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. Org: Maria Celeste Cordeiro Leite. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001, p. 268.

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

66

impõe-se seja vista exclusivamente como um fim último em si mesma.”206

Neste diapasão, o estudo da responsabilidade civil em razão da

manipulação genética terapêutica, a fim de possibilitar aos sujeitos a justa reparação

em razão de eventuais danos sofridos.

Conforme mencionado, os danos provenientes das terapias gênicas

podem ser classificados como: gênico, quando afeta um gene específico; dano

genético, quando ocorrer nas células germinativas, de modo que tal dano será

transmitido às próximas gerações; e dano poligênico, como o dano que atingiu todo o

patrimônio genético do indivíduo, alterando-o de maneira substancial.

O direito pátrio civil classifica como ato ilícito todo ato praticado, por via

comissiva ou omissiva, negligência ou imprudência, que viole direito e causar dano a

outrem.207

Foi analisado que dano é toda lesão a um bem juridicamente tutelado, que

causa algum tipo de prejuízo à pessoa que o suporta, e que no contexto em apreço

pode ocorrer nas células germinais e somáticas.

O dano nas células germinais se caracteriza por seu caráter de

transmissibilidade. Ou seja, é um dano que afeta não apenas o indivíduo que se

submeteu à terapia gênica, mas também sua descendência. Já o dano que ocorre nas

células somáticas afeta tão somente o paciente, de modo que apenas este deve

suportar os efeitos decorrentes. Como evidenciado outrora, em razão da falta de

previsibilidade sobre os efeitos secundários da terapia gênica, em geral, a prática tem

demonstrado a ocorrência de novas doenças, tais como neoplasias malignas e tipos

de leucemia.

Em que pese a terapia gênica ser praticada atualmente a título de

experimentação, e apenas nas células somáticas, isto não afasta a possibilidade de

responsabilização civil em razão dos danos provenientes. Ademais, ressalte-se:

também deverá incidir nos danos originários de terapia gênica germinal, já que a

criminalização penal desta não afasta, em regra, a responsabilidade civil.

Sempre que se tratar de danos, a doutrina pátria entende necessária a

configuração de dois requisitos: atualidade e certeza. Deve-se demonstrar que o dano

é presente, contemporâneo e certo, indubitável. No entanto, nem sempre será possível

a aferição destes requisitos, já que se trata, no caso em apreço, de um dano que pode

206 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica . Rio de Janeiro. Renovar, 2000, p. 163. 207 Artigo 186 do Código Civil: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

67

não gerar efeitos imediatos. Desta forma, em razão de sua gravidade, mas levando-se

em conta seus efeitos futuros, classifica-o como um dano biológico.

Por dano biológico entende-se a lesão que afetará o indivíduo de forma

física ou psíquica, podendo ou não vir a se manifestar futuramente. Assim, para a

configuração deste dano, não há necessidade, a princípio, da presença do requisito

atualidade e certeza.

De fato verifica-se que os danos provenientes de manipulação genética

terapêutica não são suportados imediatamente pelo indivíduo, vindo a descobri-los

apenas posteriormente. Mais evidente é esta situação no que tange aos danos nas

células germinais, que serão verificados com o crescimento do ser ou apenas serão

sentidos nas futuras gerações.

Entretanto, de uma situação não se pode duvidar: o ato ilícito aconteceu, e

dele emanaram danos que afetaram o ser humano. Isto basta para que o direito

intervenha como regulador das relações sociais e aplique as devidas sanções.

Pelo Código Civil brasileiro208, o agente que cometer ato ilícito a outrem

deve reparar o dano. No entanto, levando-se em consideração a complexidade dos

tratamentos terapêuticos genéticos, esta reparação será de difícil configuração. Uma

vez adicionado um gene estranho ao corpo humano, não há métodos de extraí-lo com

segurança. Desta forma, a indenização civil é a única forma de requerer a

responsabilização civil.

A doutrina civilista aponta imensa dificuldade em definir determinado

instituto jurídico basilar. Caio Mário esclarece que a responsabilidade civil:

Consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.209

Já nas palavras de Hélio Borghi, ao enfrentar este desafio, conceitua

como:

Uma obrigação de ordem natural a que determinada pessoa, física ou jurídica, esta de direito público ou de direito privado, chamada aqui de

208 Artigo 927 da Lei 10.406/2002: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 209 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 11.

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agente ativo, tem, diante de outra pessoa também física ou jurídica, denominada de agente passivo, de reparar um prejuízo que lhe tenha causado, com a geração de danos das mais variadas ordens, materiais, morais, afetivos, pessoais etc., a fim de repor a situação das partes ao estado anterior em que antes do fato causador do dano estavam, ou ao menos fazê-las chegar o mais próximo possível disso.210

Verifica-se nos conceitos transcritos que em ambos há o caráter de

reparação ao instituto da responsabilidade civil. José de Aguiar Dias, tratando sobre o

ponto, discorre que:

As alterações, por vezes surpreendentes, das condições da vida material, tornam indispensável a criação, diríamos melhor, a retificação das normas jurídicas. Mas há princípios que permanecem imutáveis: os que ordenam a boa-fé, a fidelidade e a lealdade dos negócios jurídicos. [...] A reparação do dano atende a tais anseios. É uma forma de restabelecer esse equilíbrio em cuja conservação se interessa essencialmente uma civilização avançada “que receia a decadência”. É também o modo de satisfazer, para cada membro da sociedade, sua aspiração de segurança, comprometida e ameaçada pela vida moderna.211

Assim, a reparação do dano é uma garantia jurídica instrumentalizada

através da responsabilidade civil. No entanto, se tratando de manipulação genética e

biotecnologia celular, esta não será, em regra, possível.

Neste sentido, Hans Jonas, analisando a questão dos danos provenientes

da manipulação genética, é enfático ao aduzir que estes são irreversíveis, razão pela

qual a responsabilidade civil, com origem nos ensinamentos iluministas, não é

suficiente para sancionar situações imprevisíveis criadas pela biotecnologia.212

Desta feita, amolda-se ao proposto o conceito de Giorgio Giorgi, que o

define como: “obrigação de reparar mediante indenização, quase sempre pecuniária, o

dano que nosso fato ilícito causou a outrem.” 213

Francisco Vieira Lima, discorrendo sobre a responsabilidade civil, aduz que

esta possui dupla função: garantir às pessoas direito à segurança, criando nos

indivíduos o dever de respeitar o patrimônio alheio e atuar como uma sanção civil de

210 BORGHI, Hélio. Responsabilidade Civil: breves reflexões doutrinári as sobre o Estado no direito brasileiro. in Responsabilidade Civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2009, p. 236. 211 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil . 10 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995, p. 16. 212 JONAS, Hans. Engenharia biológica: uma previsão . In: Ética, medicina e técnica. Lisboa: Vega Passagens, 1994, p. 65. 213 GIORGI, Giorgio. Apud. NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade civil das empresas de engenharia genética- em busca de um paradigma bioét ico no direito civil . São Paulo: Editora de Direito, 1997, p. 61.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

69

natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vítima.214

Assim, como a reconstituição natural não é capaz de reparar os danos

sofridos pela vítima, busca-se, então, a compensação pecuniária. Importa destacar

que prefere-se utilizar este termo à “reparação”, já que, como mencionado, esta não é

possível.

4.1 MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE CIVIL: ASPECTOS SOBRE AS

TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

Antes de se analisar as teorias sobre o tema, cumpre realizar breve

retrospecto histórico sobre o tema.

Na Antiguidade, havendo a ocorrência de evento danoso, o ofendido

reagia de forma imediata e brutal, em demonstração do que a doutrina chama de

vingança privada.215 Aqui, o dano provocava uma reação instintiva, brutal, sem regras

nem limitações.

Posteriormente, a reparação do dano abandonou, em termos, a vingança

privada e passou a ser aceita através de compensação econômica, mas ainda se

prescindia do exame da culpa.

Buscando evitar o cometimento de excessos por parte dos particulares, o

Código de Ur-Nammum e a Lei das XII Tábuas adotou o monopólio da definição e

aplicação das sanções aos agressores do patrimônio e vida alheios.216 Portanto, nesse

contexto, abandonava-se a mera vingança privada para se submeter a uma vontade

soberana que aplicaria a devida sanção.

Até este momento não havia uma distinção clara entre pena e reparação,

somente sendo esboçada pela civilização romana. A primeira distinção taxava que nos

delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres

públicos, e nos delitos privados, a pena em dinheiro caberia à vítima.217 Comentando

sobre este momento, José de Aguiar Dias ensina:

214 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit., p. 62. 215 Neste sentido, José de Aguiar Dias, In: . Da Responsabilidade Civil . 10 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995, p.17 e Arnaldo Rizzardo, In: Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro:Forense, 2007, p.05. 216 NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade civil das empresas de engenharia g enética- em busca de um paradigma bioético no direito civil . São Paulo: Editora de Direito, 1997, p. 57. 217 RIZZARDO, Arnaldo. Idem.

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70

Desdobrou-se, no passo seguinte, a concepção de responsabilidade. O Estado assumiu, ele só, a função de punir: quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal.218

A maior revolução no que tange à responsabilidade civil é creditada à Lex

Aquilia, de origem romana e data incerta, mas que se prende aos tempos da

República. Para que se configurasse o damnum iniuria datum era necessário

determinar três elementos: o damnum, ou lesão ou coisa; o iniuria, ou ato contrário a

direito e a culpa, quando o dano resultava de ato positivo do agente, praticado com

dolo ou culpa.219

Posteriormente, o direito francês estabeleceu certos princípios para a

configuração da responsabilidade civil:

Direito à reparação sempre que houver culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, o de que a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar.220

Assim, a partir do Código de Napoleão foram inseridas as noções da culpa

in abstracto e distinção entre culpa delitual, fundamentada na lei, e culpa contratual.

A responsabilidade civil passou a ser fundamentada na culpa.

No século XIX, sedimenta-se a tese da Responsabilidade Civil Subjetiva,

que preconiza que esta somente é possível mediante a comprovação de que o agente

causou o dano com dolo ou com imprudência, imperícia e negligência, ou seja, com

culpa.221

No entanto, com o advento de novas tecnologias e novas situações, esta

teoria não foi suficiente para tutelar questões como danos ambientais, biotecnológicos,

etc. A Teoria Subjetiva acabava por dificultar o ressarcimento ao condicionar a prova

do evento danoso para a vítima.

Assim, surgiu a Teoria Objetiva, segundo a qual o causador do dano

responde independentemente de culpa. No direito civil brasileiro, é tida como

218 DIAS, José de Aguiar. Ibidem, p.18. 219 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.03/07. 220 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 06. 221 FILHO, Sergio Cavaglieri. Programa de Responsabilidade Civil . 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 17.

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71

excepcional. Pontes de Miranda, explica que vigora nesta responsabilidade: “o

princípio do perigo correlativo ao interesse, pelo qual se permite a inversão da esfera

jurídica de outro, fundada em razão de interesse, público ou privado, de mais

relevância”.222

Silvio Rodrigues, discorrendo sobre os conceitos de responsabilidade

subjetiva e objetiva, destaca que a rigor, não se tratam de espécies diferentes de

responsabilidade, mas sim de maneiras diferentes de encarar o dano. Aduz que

subjetiva é a responsabilidade inspirada na idéia de culpa; objetiva quando esteada na

teoria do risco.223

Como mencionado, a responsabilidade civil aplicada na ideia de culpa

surgiu inicialmente com lex aquilia romana, que exigia como requisitos o dano, o ato

contrário à lei e a demonstração da culpa do agente.

Séculos após, o Código Civil napoleônico passou a adotar como regra

geral a responsabilidade subjetiva, galgada na mesma ideia. Este diploma acabou por

influenciar toda codificação civilista ocidental, inclusive a brasileira.

Desta feita, o Código Civil224 brasileiro aplica como regra a Teoria

Subjetiva, como se comprova nos artigos 186 e 951.225 Nas palavras de Caio Mário:

Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.226

Esta se baseia na demonstração da culpa do ofensor, tornando sua prova

pressuposto necessário do dano indenizável. Assim, o agente somente será obrigado

a ressarcir se comprovado que agiu com dolo ou culpa (negligência, imprudência ou

imperícia).

Analisando esta teoria, argumenta-se que a culpa possui um lastro moral,

por isso não se concebendo a responsabilidade senão fundada nesta. O homem se

222 MIRANDA, Pontes de Miranda. Apud NETO,Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 58. 223 RODRIGUES, Silvio. Direito civil- Responsabilidade Civil . São Paulo: Saraiva. 1985, vol. 4, p. 9-10. 224 Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 225 Art. 186 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002:. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 951 Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002: O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. 226 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 30.

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sente responsável a reparar o dano causado por um ato culposo seu, o que não ocorre

em danos decorrentes de eventos imprevisíveis.227

Desta forma, na responsabilidade subjetiva ao agente lesionado caberá ao

autor o ônus da prova da culpa do réu, de modo a consubstanciar sua pretensão

indenizatória.

Em que pese a construção doutrinária trabalhada ao longo dos séculos,

com o advento de novas tecnologias, verificou-se que a teoria subjetiva, baseada na

demonstração da culpa do agente, não conseguia responder com satisfação às novas

situações surgidas. Como bem discorre Aguiar Dias:

Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa- pondera com justeza Alvino Lima- não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornava, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica do íntimo do agente, ou da possibilidade da previsão ou de diligência para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior, subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão-somente os da reparação de perdas. Os danos e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manterem incólumes a interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva.228

Assim, diferentemente da teoria da responsabilidade civil outrora

analisada, a teoria objetiva não estuda a culpa do agressor, satisfazendo-se com a

demonstração do dano e do nexo de causalidade.

Segundo a classificação corrente e tradicional, é imprescindível a presença

da relação de causalidade, uma vez que não se pode acusar quem não tenha dado

causa ao evento.229 Assim, caberá ao autor provar apenas a ação ou omissão do réu e

o resultado danoso.

O fundamento da teoria da responsabilidade civil objetiva reside na teoria

do risco. Para esta, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano

para terceiros, sendo obrigada a repará-lo ainda que sua conduta seja isenta de

227 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 65. 228 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil . 10 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995, p.50. 229 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil . Volume IV. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 31.

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73

culpa.230

Como narrado, primitivamente a responsabilidade civil era objetiva

(baseada na vingança privada), mas sem fundamentar-se na ideia de risco. Mais

tarde, assumiu-se a teoria subjetiva como regra, passando a pesquisar a culpa do

autor do dano. Frente às novas circunstâncias trazidas pela evolução ou progresso,

esta se torna insuficiente para responder de forma eficaz aos danos ocorridos.

Retorna-se à aplicação da teoria objetiva, mas deixando de lado a ideia de vingança

privada, em plena influência da Escola Positivista Penal.

Como exemplo da adoção da responsabilidade objetiva no Código Civil

(Lei 10.406/2002), menciona-se os artigos 936, que trata da responsabilidade do dono

de animal, artigos 937, do dono do prédio em ruínas e 938, do habitante da casa da

qual cair coisas.

Em relação ao risco, existem duas teorias que buscam explicá-lo. A Teoria

da Perte d’une chance, aplicada pela jurisprudência francesa desde 1965 em casos de

danos corporais, aduz que se deve indenizar em razão da perda de uma chance de

resultado favorável no tratamento. Não se busca reparar o dano propriamente, mas

sim a perda de uma possibilidade de cura.231

Nesta teoria, há uma presunção de culpa contra o médico, que não

possibilitou todas as oportunidades de cura ao paciente.232 Para a incidência desta

teoria a chance deve ser considerável, viável, e não meramente eventual.

Nos Estados Unidos aplica-se a teoria da res ipsa loquitur , ou “de que a

coisa fala por si”. Ante a simples ocorrência de um fato, surge a presunção de

negligência. Esta teoria é aplicada em casos de erros médicos e possui como principal

elemento o fato de o dano resultar de algo que não ocorreria naturalmente sem a

culpa do médico. Usualmente é aplicada em danos causados a uma parte saudável do

corpo.233

No caso de danos decorrentes da manipulação genética terapêutica,

verifica-se que se subsume ao disposto no parágrafo único do artigo 927,234 que trata

da obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos trazidos em

230 Idem. 231 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.68. 232 Idem. 233 Idem. 234 Art. 927 da Lei 10.406/2002:. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

74

lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por

sua natureza, em risco para os direitos de outrem.235

Neste mesmo sentido o artigo 20 da lei 11.105/2005,236 condena aos

causadores de danos à reparação integral ou indenização, independentemente de

culpa.

Portanto, o legislador pátrio optou especificamente em adotar a teoria da

responsabilidade civil objetiva nas hipóteses de engenharia genética, integrando a

manipulação realizada com fins terapêuticos.

Ao estipular tal norma, que se fundamenta na teoria do risco, o legislador

primou pela possibilidade de controlar a atividade, buscando evitar o cometimento de

acidentes e riscos para o meio ambiente e para o ser humano.237

Como bem explica Maria Helena Diniz:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum ibi onus; commoda ibi incommoda).238

Desta forma, operando o agente uma atividade potencialmente danosa à

vida ou saúde, como é o caso de toda obra de engenharia genética, fica obrigado a

indenizar eventuais danos produzidos, sem que haja investigação sobre sua conduta.

A teoria do risco possui algumas vertentes, dentre as quais se destaca a

do risco-proveito, risco profissional, risco excepcional, risco integral e risco criado. Pela

teoria do risco-proveito, aquele que aufere algum tipo de benefício deve arcar com

seus encargos, conforme preleciona o brocardo ubi emolumentum ibi onus. Portanto,

nesta deve-se comprovar a vantagem obtida pelo ofensor do fato que gerou o dano.239

Pela teoria do risco profissional, há o dever de indenizar quando o fato

prejudicial decorrer de uma atividade ou da profissão do lesado. Já a teoria do risco

excepcional determina que haja responsabilidade quando o dano ocorre em razão de

uma situação anormal, incomum da atividade.240

A teoria do risco criado fundamenta-se na premissa de que se o agente

235 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 32. 236 Art. 20 da Lei 11.105/2005: Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa. 237 NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade civil das empresas de engenharia g enética- em busca de um paradigma bioético no direito civil . São Paulo: Editora de Direito, 1997, p.68. 238 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro . São Paulo: Saraiva, 2004, p. 48. 239 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 102. 240 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 102.

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75

coloca em funcionamento determinada atividade, responde pelas consequências

geradas aos indivíduos, independentemente da análise da intenção do agente, ou de

eventual imprudência, negligência ou imperícia.241

A teoria do risco integral, usualmente admitida no âmbito do direito

administrativo determina que “se uma empresa dispõe-se a iniciar uma atividade

lucrativa e arriscada, sujeita-se aos bônus e também aos ônus, dentre os quais estaria

a sua obrigação de indenizar se qualquer prejuízo causasse com sua atividade”.242

Assim, o agente causador do dano não responde diretamente pelo dano

cometido, mas sim pelo fato de, em razão de sua atividade, ter suportado seu risco.

Neste sentido, a responsabilidade civil proveniente da manipulação genética

terapêutica.

4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUAS HIPÓTESES NA

MANIPULAÇÃO GENÉTICA TERAPÊUTICA: RESPONSABILIDADE CIVIL DA

PESSOA FÍSICA E DA PESSOA JURÍDICA

A responsabilidade civil decorrente da manipulação genética com fins

terapêuticos pode configurar-se, teoricamente, sob dois aspectos: contratual e

extracontratual.

Na responsabilidade civil contratual, o dano causado decorre do

inadimplemento de obrigação livremente assumida em um contrato. Como bem explica

Arnaldo Rizzardo: “na responsabilidade contratual, já existe um liame ou um vínculo

previamente estabelecido. As partes celebram uma relação, em torno de um bem, com

a especificação de obrigações e direitos.”243

Assim, nesta há um ilícito contratual, uma infração a um dever especial

estabelecido pela vontade das partes. A vítima não precisa demonstrar a culpa do

agressor, já que o ônus da prova compete a este, devendo comprovar a inexistência

de culpa ou a presença de uma excludente, como o caso fortuito ou a força maior.244

Neste momento, importa questionar: o dano proveniente de uma ação de

manipulação genética com fins terapêuticos, baseada em um contrato firmado entre as

241 Idem. 242 Idem. 243 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro:Forense, 2007, p.43. 244 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 70.

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

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partes, será proveniente do não sucesso do procedimento (no sentido de não se

atingir a cura ou profilaxia esperada) ou de danos provenientes de erros quando da

aplicação da técnica?

Para responder a esta dúvida deve-se relembrar que a manipulação

genética terapêutica é considerada uma técnica de medicina preditiva que atuará na

origem das doenças e/ou síndromes: a predisposição genética do indivíduo.

Conforme consagrado na doutrina pátria, a obrigação assumida pelos

médicos nos procedimentos de tal natureza é, em regra, uma obrigação de meio e não

de resultado.

Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir.245

Assim, entende-se que a responsabilidade do médico não comporta um

dever de cura, mas sim a prestação de um serviço diligente e consciente, de acordo

com as técnicas necessárias.

Neste mesmo sentido a responsabilidade civil em razão da manipulação

genética terapêutica, que não comporta a alegação de dano proveniente do não

atingimento da cura, mas tão somente de efeitos adversos, não desejados, entretanto

assumidos em razão da atividade de risco exercida.

Desta forma, se determinada manipulação genética terapêutica for

realizada através de um contrato firmado entre as partes, havendo o dano, o lesado

poderá invocar a teoria da responsabilidade contratual objetiva, nos termos

mencionados.

Cumpre realizar outra ponderação com o auxílio de Arnaldo Rizzardo, ao

ensinar sobre a responsabilidade civil contratual que alega ser esta de natureza

subjetiva, baseada na culpa:

Já nos contratos desponta a violação do dever jurídico de adimplir, de portar-se segundo o combinado, de executar a atividade. Para ensejar a responsabilidade, para que é condição a culpa. Não se cumpre o contrato em razão de ato da vontade, ou por negligência ou imprudência. Há a omissão culposa no cumprimento das avenças.246

245 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo:Malheiros, 2008. p.392. 246 RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 43.

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77

No entanto, em que pese tal posicionamento, verificou-se que o legislador

pátrio optou expressamente pela assunção da responsabilidade civil objetiva nos

danos provenientes de atos de engenharia genética.247

Ademais, em razão do fato de que o lesado somente deve demonstrar a

ocorrência do dano, ou seja, o inadimplemento do pactuado, Francisco Vieira Lima

Neto, classifica a responsabilidade civil contratual, no estudo em apreço, como

objetiva. Para o autor, tal classificação encontra assento no fato de que o devedor

somente se desobriga de indenizar se comprovar a ocorrência de acontecimento que

tenha tornado a obrigação absolutamente impossível.248 Portanto, nas demais

situações danosas oriundas da manipulação genética, haverá o dever de indenizar.

No que tange à responsabilidade extracontratual, também chamada de

aquiliana, não há uma relação jurídica preexistente, sendo sua fonte de observância

apenas a lei e os princípios gerais do direito, dentre os quais acrescenta-se o princípio

da autonomia e da beneficência.249

Há, portanto, um dever genérico de não lesar, de não causar dano

(neminem laedere), de acordo com o artigo 186 do Código Civil.250 No entanto, caberá

à vítima, em regra, demonstrar o dolo ou culpa do agente.

Para sua configuração, são pressupostos a existência da ação ou omissão

do agente, a relação de causalidade, a existência do dano e o dolo ou a culpa.

Cumpre mencionar ainda que a responsabilidade extracontratual pode ser subjetiva,

fundada na culpa, ou objetiva, se ligada ao risco.

Normalmente, a responsabilidade extracontratual é fundada na culpa, o que a torna subjetiva. Os casos de dispensa da culpa, e que importam na obrigação pelo fato do risco, não constituem a maioria, constando assinalados, em geral, na lei, como no acidente do trabalho.251

Usualmente, tal distinção é importante para a configuração do ônus da

prova, já que na responsabilidade contratual o agente somente deve fazer prova da

falta de cumprimento do avençado. Já na responsabilidade extracontratual, decorrente

do desrespeito a uma disposição legal, o agente, em regra, deveria demonstrar o dolo

ou a culpa do ofensor.

No entanto, cumpre lembrar que no que tange especificamente à questão

247 Conforme o já citado artigo 20 da Lei 11.105/2005. 248 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 71 249 Idem. 250 Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 251 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro:Forense, 2007, p.43.

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ora tratada – manipulação genética terapêutica - há a expressa menção legal no artigo

20 da Lei 11.105/2005252 de que sua responsabilidade será objetiva.

Desta forma, verifica-se que a responsabilidade civil por danos decorrentes

de manipulação genética terapêutica pode ser contratual ou extracontratual, a

depender do caso concreto. No entanto, ambas hipóteses prescindem a análise da

culpa do agressor, já que a responsabilidade contratual é de natureza objetiva e na

conjectura de responsabilidade extracontratual esta se amolda à teoria objetiva em

razão do risco que representa.

Tendo por base as considerações acima discorridas sobre

responsabilidade civil contratual e extracontratual, quanto à sua aplicabilidade não há

distinção quanto à pessoa causadora do dano.

Importa dizer: para que se aplique a responsabilidade contratual ou

extracontratual, independe se o ofensor é pessoa física ou jurídica.

No entanto, a Lei 11.105/2005, em seu artigo 2º, parágrafo segundo253

proibiu expressamente qualquer obra de engenharia genética realizada por pessoa

física, ainda que mantenha um vínculo empregatício ou de outra natureza com pessoa

jurídica. O que significa dizer que atualmente no Brasil apenas empresas legalmente

constituídas podem praticar terapia gênica, estritamente nos limites da Lei

mencionada.

Como outrora aduzido, esta proibição não impede que tal situação venha a

ocorrer fatidicamente, configurando um ilícito penal. Se deste resultar o dano, também

resta configurado o ilícito civil.

É evidente que tal situação será excepcional e anormal, já que a pesquisa

genética somente é autorizada para empresas que cumpram vários requisitos

determinados em lei e em resoluções do CTNBio- Comissão Técnica Nacional de

Biotecnologia.

Assim, quanto à responsabilidade civil da pessoa física por danos

decorrentes da manipulação genética com fins terapêuticos pode-se destacar: será

uma atividade ilegal em razão da norma proibitiva descrita no art. 2º, § 2º da Lei

11.105/2005; afigura-se como uma responsabilidade extracontratual, já que qualquer

contrato estipulado neste sentido será nulo; em razão da atividade desenvolvida, será

252 Art. 20 da Lei 11.105/2005. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa. 253 Art. 2º (...)§ 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.

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aplicada a Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil, ou seja, independe da

demonstração do dolo ou culpa.

Quanto às pessoas jurídicas, destaca-se que são sujeitos de direito

personalizado e com capacidade jurídica que buscam realizar a prática de atos em seu

nome e interesse. Como bem conceitua Silvio Rodrigues: “São as entidades a que a

lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com

personalidade diversa dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de

direitos e de obrigações na ordem civil.”254.

A Lei 11.105/2005 apenas autoriza a realização de pesquisas e atos de

engenharia genética a tais entes, no entanto, em razão dos elevados custos

operacionais estas usualmente se reúnem em consórcios.

Também foi mencionado que o mesmo diploma legal expressamente

proíbe a atividade de engenharia genética em células germinais, admitindo-se apenas

nas células somáticas.

No que tange à responsabilidade civil por danos decorrentes de atividades

de engenharia genética, aplica-se a teoria objetiva baseada no risco integral, ou seja,

o dever de indenizar prescindirá da análise de dolo ou culpa.

Também foram realizados breves apontamentos acerca da

responsabilidade contratual e extracontratual. Tratando sobre a responsabilidade civil

contratual, Francisco Vieira Lima Neto aduz:

Em assim sendo, em sede de responsabilidade contratual da empresa de engenharia genética, podemos afirmar, primeiramente, que se o contrato der origem a uma obrigação de meio, não pode o contratante exigir que seja entregue uma obra certa e determinada visto que a contratada comprometeu-se apenas a realizar um serviço. Se tal serviço foi prestado, nada a ser reclamado. Todavia, se por culpa da contratada, esta prestação não ocorreu, resta claro dever sujeitar-se ao pagamento de perdas e danos.255

Sobre esta assertiva cumpre realizar determinados apontamentos. O

citado autor entende que a responsabilidade civil contratual das empresas de

engenharia genética é, por sua natureza, objetiva. Entretanto, em razão de se tratar de

uma obrigação de meio, sendo o serviço prestado não pode o contratante exigir

determinado resultado.

Assim, bem se enquadra a terapia gênica, que não se trata de uma

254 RODRIGUES, Silvio. apud CATANHO, Guilherme; JÚNIOR, Luiz C.A.; VASCONCELOS, Eliane C.A; Crimes Ambientais:Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas , Ed. Impérium, 2007, p.16. 255 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 72.

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obrigação de resultado, mas sim de meio, onde a empresa jurídica contratada buscará

através do uso de biotecnologias obter uma cura ou uma melhoria na qualidade de

vida do paciente. Desta forma, possui apenas o dever de agir, ainda que o resultado

obtido não seja de fato, o esperado, ou seja, a cura.256

No entanto, tal obrigação de meio não se apresenta como uma excludente

do dever de indenizar caso ocorram danos provenientes da terapia gênica. Somente

significa que será afastada a responsabilidade caso o objetivo perquirido não seja

alcançado, como, por exemplo, a cura de determinada doença degenerativa. Mas caso

ocorram danos, (exp. o surgimento de novas doenças, como o câncer), sem dúvida

será aplicada a teoria da responsabilidade objetiva.

Já na obrigação de resultado (como por exemplo a empreitada, transporte,

cirurgia estática propriamente dita) o profissional se compromete ao atingimento de

determinado fim, interessando o resultado de sua atividade. Esta não se aplica à

biotecnologia, pela sua evidente impossibilidade.

Portanto, na responsabilidade contratual há o dever de indenizar caso a

empresa contratada não realize o procedimento terapêutico ou decorrendo danos ao

paciente, mormente os biológicos.

Já na responsabilidade extracontratual das empresas operadoras de

terapia gênica não resta dúvidas de que se adota a responsabilidade objetiva, haja

vista a determinação expressa do artigo 20 da Lei 11.105/2005.257

Como elenca o dispositivo, haverá responsabilidade civil

independentemente da existência de culpa. O que cumpre dizer: a lei não presume a

culpa em casos de danos decorrentes de manipulação genética, e sim declara que

haverá responsabilidade ainda que esta não tenha ocorrido.258

José de Aguiar Dias aponta que há duas exigências essenciais para a

configuração da responsabilidade: o dano, que deve ser certo, material ou moral, e a

relação de causalidade entre o fato gerador e o dano.259

Quanto aos requisitos da certeza e atualidade, em razão de se tratar de

terapia gênica onde há intervenção diretamente nas células humanas, basta a

demonstração da probabilidade de sua manifestação futura. Desta forma, haverá a

256 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 74. 257 Art. 20 da Lei 11.105/2005. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa. 258 NETO, Francisco Vieira Lima. Responsabilidade Civil das Empresas de Engenharia Gen ética . Op. cit., p. 74. 259 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil . 10 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995, p. 107.

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ampla proteção à vítima, que não ficará desacobertada em razão de danos que podem

vir a se revelar apenas futuramente.

Com propriedade discorre Francisco Vieira Lima Neto:

Com efeito, todo o sistema do Código Civil baseia-se na idéia de Culpa, razão pela qual a norma do artigo 1.060260 reconhece direito ao ressarcimento apenas dos danos diretos e imediatos, típicos da concepção subjetiva. A partir do instante e que, externamente ao Código surgem leis específicas, adotantes da Teoria Objetiva e em plena contradição com o sistema daquele diploma legal, certo que deve o jurista lançar mão de outra teoria sobre extensão do dano, sob pena de utilizar-se de critérios contraditórios: no que toca à responsabilidade pelo dano adota a teoria objetiva; no que respeita à extensão do dano pugna pela teoria subjetivista e apóia-se no Código Civil.261

No que diz respeito ao nexo causal entre o ato e o dano, busca-se analisar

se há o liame que ligue o ato praticado com o prejuízo sofrido, ou seja, se a ação ou

omissão do agressor foi imprescindível para a realização do dano. Hélio Borghi o

conceitua como: “a relação de causa e efeito entre a ação do agente ativo e o

resultado, prejudicial ou danoso ao agente passivo”.262

Importa mencionar que alguns autores realizam certa confusão ao

considerarem que em razão da aplicação da teoria objetiva não é necessária a

demonstração do nexo causal, como se desta fosse necessária tão somente o dano.

No entanto, apesar da responsabilidade civil objetiva fundamentada na

teoria do risco integral ser a aplicada aos casos de danos genéticos, é imprescindível

a análise do nexo causal para sua configuração, sob pena de possíveis injustiças.

José Cretella Junior, discorrendo sobre a Teoria do Risco Integral no

âmbito administrativo explica: “[...] pela teoria do risco integral, é indiferente que tenha

havido culpa ou acidente, interessando saber se há vínculo causal entre o

funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado”.263

260 Este dispositivo foi revogado com o advento do Código Civil de 2002, encontrando similar no artigo 403 da Lei 10.406/2002: Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. 261 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 81. 262 BORGHI, Hélio. Responsabilidade Civil: breves reflexões doutrinári as sobre o Estado no direito brasileiro. in Responsabilidade Civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2009, p.256. 263 CRETELLA JUNIOR, José. Apud. NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p, 89.

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Em sentido contrário, Adalberto Pasqualloto declara:

Nexo de causalidade- Essa é a verdadeira questão de fundo envolvida no debate sobre a teoria da culpa e a teoria do risco. A responsabilidade com base na culpa exige uma relação de causa e efeito entre uma determinada ação e um determinado resultado. A teoria do risco desconsidera esse nexo causal. A ação, da qual a teoria da culpa faz depender a responsabilidade pelo resultado, é substituída pela assunção do risco em provocá-lo. Fica, pois, difícil falar em causalidade.264 (destaque não previsto no original).

Portanto, a divergência central entre os adeptos da teoria objetiva reside

nas teorias sobre o nexo causal, se há ou não dever de indenizar quando o dano

decorrer de caso fortuito ou força maior.265

Francisco Vieira Lima Neto, enfrentando este embate, argumenta que para

solucionar tal problema jurídico deve-se utilizar não a Teoria da Causalidade Imediata,

adotada atualmente pelo Código Civil, mas sim a Teoria da Equivalência das

Condições (conditio sine qua non).

Pela Teoria da Causalidade Imediata, também conhecida como dos danos

diretos e imediatos, é preciso que exista entre o fato e o dano uma relação de causa e

efeito direta e imediata. Não há possibilidade de intervalo temporal entre o fato e o

dano. É a adotada pelo Código Civil em seu artigo 403.266

Assim, danos decorrentes por um fato da natureza não apresentariam

nexo causal, já que não seriam diretamente ligados à atividade exercida pela empresa

de engenharia genética.267

Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 1.060268. [...] Ao legislador, portanto, quando adotou a Teoria do dano direto e imediato, repugnou-lhe sujeitar o autor do dano a todas as nefastas conseqüências do seu ato, quando não ligadas a ele diretamente. Este foi, indubitavelmente, o seu ponto de vista.269

Deve-se ressaltar que o Código Civil adotou esta teoria em consonância

com a adoção da Teoria da Responsabilidade Subjetiva, de modo a permitir a 264 PASQUALOTTO, Adalberto. Responsabilidade civil por dano ambiental: consider ações de uma ordem material e processual. In: Dano ambiental, prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 454. 265 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p.91. 266 Artigo 403 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002: Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. 267 NETO, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 93. 268 Atual artigo 403 do Código Civil de 2002. 269 GONÇALVES, Apud. Neto, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p. 93.

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reparação de prejuízos que tenham decorrido diretamente da ação dolosa ou culposa

do ofensor.

Já a Teoria da Equivalência das condições ou dos antecedentes (conditio

sine qua non) determina que havendo várias circunstâncias que poderiam ter causado

o prejuízo, suprimindo alguma em um exercício mental e o dano não ocorrendo, esta é

causa eficiente. Nas palavras de Zaffaroni: “Toda condição que não pode ser

mentalmente suprimida, sem que com ela desapareça os efeitos, é causa.”270

No entanto, Caio Mário adverte que a aplicação desta teoria pode atribuir

um número infinito de causas. Em razão disto, ensina que deve haver um “caráter de

necessariedade”271 desta:

Quer dizer: se várias causas concorrem para o fato danoso, uma deve, in concreto, ser a que impõe o dever de ressarcimento. Sua indicação consiste em qualificá-la como “causa jurídica própria”. Seria aquela que, por si só, justifica a fixação do valor qualificado de “dano”.272

Em razão da adoção da Responsabilidade Objetiva pela Lei 11.105/2005,

baseada na teoria do risco, entende-se que a teoria do nexo causal que melhor de

amolda à esta é a Teoria da Equivalência das Condições. Como explica Pasqualotto:

“Causa é fato gerador. Condição é circunstância propícia. [...] Na responsabilidade

objetiva, quem põe a circunstância assume o risco de produzir o resultado.”273

Portanto, condição é o elemento sem o qual o dano não teria ocorrido,

devendo responder por este o agente que ao praticar determinada atividade perigosa,

assumiu o risco de produzi-lo. Ademais, caso fosse adotado a teoria da causalidade

imediata, os possíveis danos futuros ficariam sem resposta, gerando uma situação de

injustiça.

Discorrendo sobre o tema e sua aplicação do direito ambiental, Gonçalves

explica:

A responsabilidade objetiva, como já dito, baseia-se na teoria do risco. Nela se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício da atividade que possa oferecer algum perigo representa, sem dúvida, um risco

270 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Derecho Penal- parte geral . São Paulo: S/A Editora, 2004, p. 397. 271 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil . Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.80. 272 Idem. 273 PASQUALOTTO, Adalberto. Responsabilidade civil por dano ambiental: consider ações de uma ordem material e processual. In: Dano ambiental, prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p.94.

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que o agente assume de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros. O princípio da responsabilidade por culpa é substituído pelo da responsabilidade por risco (socialização dos riscos). Neste passo, limita-se o campo das exonerações possíveis, com a absorção do caso fortuito. Com efeito é irrelevante a demonstração do caso fortuito ou da força maior como causas excludentes da responsabilidade civil por dano ecológico.274

Portanto, tal autor entende que a demonstração do caso fortuito ou da

força maior é irrelevante no caso de danos ecológicos, também considerados

objetivos, em razão da teoria do risco.

Pasqualotto, discorrendo sobre força maior aduz que esta é um

acontecimento imprevisível, irresistível e exterior ao evento danoso, se constituindo,

sempre, em excludente de causalidade.275

Como outrora mencionado, o artigo 20 da Lei 11.105/2005, ao tratar sobre

a responsabilidade objetiva declara que esta incidirá independentemente da existência

de culpa.

A única maneira de se justificar a responsabilidade da empresa, então, é demonstrar que o legislador ao votar uma lei que obriga empresas a indenizarem independentemente de culpa, além de adotar a Teoria Objetiva da Responsabilidade e a Teoria do Risco, opta por uma outra Teoria do Nexo Causal; ou seja, o legislador abandona a Teoria da Causalidade Adequada que é a do Código Civil, típica da Responsabilidade Subjetiva, para adotar a Teoria da Equivalência das Condições (“conditio sine qua non”).276

No entanto, observa-se que à primeira vista pode parecer que só quem é

autor do dano deve indenizá-lo e que ocorrendo caso fortuito não há autor, já que este

é um fato da natureza. Outrossim, excluir a responsabilidade da empresa de

engenharia genética quando o dano é causado por fato da natureza é ir de encontro à

moderna concepção da Responsabilidade Civil e admitir que uma atividade que

manipula a vida possa ser tida como menos perigosa do que a nuclear ou poluidora.277

Assim, entende-se correto e adequado a conclusão de que o legislador, ao

optar pela responsabilidade civil objetiva baseada na teoria do risco, adotou a Teoria

da Equivalência das Condições, sendo “ação” para a lei a atuação da pessoa jurídica e

não o elemento que tenha direta ou imediatamente provocado o prejuízo.

Mencionando novamente Francisco Vieira Lima Neto: “Melhor dizendo, a ação, como

274 GONÇALVES. Apud Neto, Francisco Vieira Lima. Op. cit. p.97. 275 PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit. p. 455. 276 Neto, Francisco Vieira Lima. Op. cit. 98. 277 NETO, Francisco Vieira Lima.. Op. cit. p. 105.

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elemento essencial da responsabilidade civil, é o desenvolvimento da atividade de

engenharia genética e não, por exemplo, a ação danosa...”278.

Portanto, a mera prática de atividade terapêutica gênica por parte de uma

pessoa jurídica já se configura no elemento ação caso haja ocorrência de dano,

restando configurado aos requisitos da responsabilidade civil.

Outrossim, quanto à responsabilidade civil por manipulação gênica

ocorrida em células germinais, terminantemente proibida pela Lei, ratifica-se o

mencionado para a terapia gênica em células somáticas, destacando a Teoria da

Imputação Objetiva, construção doutrinária do direito penal e sobre a qual explicam

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:

A teoria da imputação objetiva consiste basicamente no seguinte: só pode ser responsabilizado penalmente por um fato (leia-se a um sujeito só pode ser imputado o fato), se ele criou ou incrementou um risco proibido relevante e, ademais, se o resultado jurídico decorreu desse risco”.279

Assim, aquele que cria ou incrementa uma situação de risco não permitido

responderá pelo resultado jurídico causado, não se analisando a culpa. Esta é apenas

mais uma teoria que corrobora a aplicação da responsabilidade objetiva aos danos

decorrentes de terapia gênica germinal ou somática.

4.3 ANÁLISE DA APLICABILIDADE DA LEI 8.078/90 (CÓDIGO DO CONSUMIDOR)

NOS DANOS PROVENIENTES DA TERAPIA GÊNICA

Posto as ponderações sobre a aplicação da teoria objetiva na

responsabilidade civil proveniente dos danos oriundos de manipulação genética,

cumpre destacar novamente que a Declaração Universal do Genoma Humano, em seu

artigo 8º prevê o direito à justa reparação por danos sofridos em consequência direta e

determinante de uma intervenção que tenha afetado o genoma de um indivíduo.280

Assim, percebe-se que neste instrumento internacional houve a

278 Ibidem. p. 107. 279 STOLZE, Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil- Responsabilidade Civil . São Paulo: 2006, p. 97. 280 Artigo 8º da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, de 21 de outubro de 1997: Artigo 8 - Todo indivíduo terá o direito, segundo a lei internacional e nacional, à justa reparação por danos sofridos em conseqüência direta e determinante de uma intervenção que tenha afetado seu genoma.

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preocupação em mencionar expressamente o direito da responsabilidade civil por

danos no genoma humano.

Além desta norma internacional, cumpre destacar ainda o disposto na

Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde: “V.5 - O pesquisador, o

patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade de dar assistência

integral às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos”.

Neste dispositivo, cumpre realizar certas pontuações: primeiramente,

observe-se que o legislador mencionou o pesquisador, o patrocinador e a instituição

como responsáveis solidários pelos danos gerados. No entanto, conforme destacado

no tópico anterior, nove anos após, a Lei 11.105/2005 somente autorizou obras de

engenharia genética para pessoas jurídicas.

O que importa dizer: em regra, somente serão responsáveis em dar

assistência integral à vítima a pessoa jurídica determinada. No entanto, ressalta-se a

preocupação do legislador ao mencionar a expressão “assistência integral”, de forma a

impedir que o lesado sofra qualquer restrição no seu socorro.

Ademais, preocupou-se também com a questão do consentimento da

vítima em participar de pesquisas envolvendo seres humanos.

V.6 - Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de consentimento e resultante de sua participação, além do direito à assistência integral, têm direito à indenização281.

Todo ser humano, antes de se submeter a uma determinada experiência

deve assinar um termo de consentimento, onde deverá ser cientificado, através de

uma linguagem acessível, dos aspectos da pesquisa, tais como: objetivos, métodos,

desconfortos e riscos.282

O fato de o lesionado ter assinado este termo não o afasta do direito à

assistência integral, tão pouco de uma indenização civil caso ocorra dano. Este termo

não servirá como excludente ao dever de ressarcir por parte do ofensor, ainda que a

vítima estivesse ciente dos riscos assumidos ao se submeter a uma terapia

experimental.

281 Item V.6 da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. 282 GAGLIANO, Daisy. O consentimento esclarecido em matéria de bioética: ilusão de exclusão de responsabilidade . in Responsabilidade Civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2009, p.124.

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V.7 - Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao direito à indenização por dano. O formulário do consentimento livre e esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de procurar obter indenização por danos eventuais.283

Desta feita, não resta dúvidas de que a Resolução 196/96 declara

expressamente que havendo a ocorrência do dano, o causador terá o dever de auxiliar

e ressarcir a vítima.

Analisando o disposto no artigo 20 da Lei 11.105/2005, importa destacar

novamente o dispositivo que tratam sobre a responsabilidade civil:

Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.

Neste diapasão, analisadas as teorias sobre a aplicação da teoria objetiva

e do nexo de causalidade baseado na teoria da equivalência das condições para

viabilizar a devida ação de responsabilidade civil, importa indagar: é possível a

aplicação da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 - Código do Consumidor- aos

danos gerados em procedimentos de manipulação genética terapêutica?

Inicialmente, cumpre destacar o conceito do professor Nelson Nery Júnior:

“entende-se melhor por relação de consumo a relação jurídica entre ‘fornecedor’ e

‘consumidor’ tendo como objeto o ‘produto’ ou o serviço’”.284

Nesta esteira, o professor Carlos Efing discorre:

Entendemos por relação de consumo, objeto do regramento instituído pelo CDC, a relação jurídica estabelecida entre consumidor(es) e fornecedor(es) tendo por objeto produto ou prestação de serviço, segundo as conceituações do CDC Brasileiro.285

A fim de verificar se esta relação pode ser aplicada nas situações oriundas

da manipulação genética terapêutica, deve se verificar se o destinatário da pesquisa

se amolda no conceito de consumidor.

De acordo com o artigo 2º, caput do dispositivo legal citado, consumidor “é

283 Item V.7 da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. 284 NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor . In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v.3, p. 1992. 47. 285 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo . 2ª ed. Curitiba:Juruá, 2002, p. 46.

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toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final.”

No caso da terapia gênica, onde serão manipuladas as informações

genéticas do indivíduo, visualiza-se de maneira clara que este será o destinatário final,

já que se buscará a cura ou profilaxia de determinado mal que lhe acomete.

Ademais, cumpre analisar se o responsável pela terapia gênica pode se

amoldar no conceito de fornecedor da relação analisada. De acordo com o artigo 3º do

Código do Consumidor:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

No caso em apreço, pode-se identificar a prestação da terapia gênica

como uma prestação de serviços, onde o médico ou cientista se compromete a uma

obrigação de meio, conforme outrora aduzido.

Para Rosalice Fidalgo Pinheiro, a responsabilidade civil do médico possui

como pressupostos: o agente (que neste caso é o médico ou o geneticista), o ato

comissivo ou omissivo, a culpa, englobando negligência, imperícia e imprudência e o

nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. Ademais, questiona se a

responsabilidade do médico é baseada na culpa comum ou na culpa profissional.286

No entanto, tal discussão é irrelevante no contexto em apreço, já que

evidenciado e corroborado que a responsabilidade civil decorrente de atos de

engenharia genética independe da demonstração de culpa.

Ademais, tratando sobre a questão da obrigação de meio, destaca que o

médico não pode se vincular a um resultado específico, qual seja a cura do paciente,

mas assume um resultado de preservar sua integridade. Assim, a ocorrência de

qualquer dano fere este compromisso, amparado pelo princípio da não-maleficência.

Deve-se ressaltar, mais uma vez, que toda obra de engenharia genética

somente é lícita através de uma pessoa jurídica devidamente autorizada pelo

certificado de qualidade em biossegurança emitido pela CTNBio- Comissão Técnica

Nacional de Biossegurança.

Assim, em similitude com a Lei 11.105/2005, dispõe o artigo 14, caput e

286 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Os limites da responsabilidade civil e os danos da biotecnologia . In: Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, vol. 2. Curitiba: 2009, p. 22.

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parágrafo primeiro, incisos I e II da Lei 8.078/90:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a se gurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

Neste dispositivo visualiza-se também a aplicação da teoria objetiva da

responsabilidade quanto aos danos oriundos das relações consumeristas. Somente

cumpre realizar importante ressalva: atualmente, todas as manipulações genéticas

terapêuticas realizadas ainda são feitas a título de experiências científicas, não

estando disponíveis aos consumidores interessados.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da responsabilidade civil na manipulação genética com fins

terapêuticos é de total importância para consubstanciar e acrescentar firmeza aos

debates realizados nesta seara.

Como colocado, o tema por si só – manipulação genética terapêutica- gera

grandes embates que estão longe de galgarem um consenso no meio científico.

Desde os argumentos contrários, baseados na falta de previsibilidade de possíveis

reações, até as dúvidas éticas levantadas, geram insegurança no que se refere à

terapia gênica.

Evidentemente que esta terapia, considerada um grande avanço

tecnológico, é baseada em um longo processo de busca e investigação científica pelo

conhecimento e comportamento das estruturas celulares, verticalizando a análise para

as estruturas cromossômicas e genéticas.

Iniciando as pesquisas em Mendel e alcançando os estudos realizados

séculos após pelo Projeto Genoma verificou-se o papel preponderante dos genes

sobre o ser humano, influenciando de maneira concisa suas características físicas e

intelectuais.

Ademais, descobriu-se de maneira direta a influência destes nas doenças

e/ou síndromes acometidas, sendo algumas destas transmitidas hereditariamente.

Estas constatações, ainda perquiridas em laboratórios de vários países, significam

uma nova forma de realizar os tratamentos necessários.

Não mais se tratará apenas os efeitos das doenças genéticas, mas sim

sua origem, de forma a tentar solucionar tais problemas de forma definitiva. No

entanto, em que pese a inequívoca contribuição destes estudos para a evolução

medicinal, estes ainda não conseguem transmitir plena segurança na aplicação das

técnicas desenvolvidas, razão pela qual ainda são taxados como experimentos.

Outrossim, a utilização dos conhecimentos apreendidos é inevitável.

Técnicas são desenvolvidas a fim de garantir o sucesso esperado nos procedimentos,

seja na manipulação dos genes portadores/responsáveis pelas doenças ou síndromes

nas células germinais e somáticas.

Em que pese tais técnicas e conhecimentos afins serão desenvolvidos

desde a década de setenta, o legislador pátrio optou por tratar o tema de uma forma

bastante incisiva.

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De fato, o Estado brasileiro tem o dever de possibilitar aos cidadãos

garantias jurídicas mínimas, e ao tratar das questões correlatas à engenharia e

manipulação genética, o faz através da Lei 11.105/2005.

A grande preocupação quanto à utilização das terapias gênicas reside na

probabilidade de danos. Sendo a estrutura celular um bem tão frágil, verifica-se que

possíveis danos ocorridos serão irreversíveis. Ademais, tratando-se de genética, há

ainda a grande possibilidade de que estes venham a ser também transmitidos

hereditariamente.

Desta forma, o dano gerado em razão desta tentativa de cura pode ter

consequencias superiores ao que o ser humano e a sociedade poderiam arcar.

Simplesmente haveria a alteração do patrimônio genético do indivíduo, podendo ser

transmitido às futuras gerações.

Neste caso, há o embate filosófico: realizar a terapia gênica e assim

contribuir para a cura permanente de males genéticos ou não realizá-la pela falta de

segurança e previsibilidade de possíveis danos adversos?

O Estado brasileiro realizou sua opção: permitiu a pesquisa de

manipulação genética somente nas células somáticas e optando pela assunção da

responsabilidade civil objetiva para danos provenientes desta.

Justifica-se esta escolha por parte do legislador tendo em vista o atual

cenário das pesquisas e a necessidade de tutelá-las de uma forma enérgica, no

entanto, sem impedir seu prosseguimento.

Desta forma, entende-se que ao impedir a pesquisa genética em células

germinais busca se coadunar com a tutela constitucional e supraconstitucional (tendo

em vista os Tratados de Direitos Humanos ratificados) da proteção ao patrimônio

genético da humanidade.

Portanto, na análise da responsabilidade civil na manipulação genética

terapêutica, qualquer ocorrência de dano será analisada sob a ótica da teoria objetiva.

O que significa dizer que a responsabilidade advinda, seja baseada em relação

contratual, extracontratual ou mesmo consumidora prescindirá da culpa do ofensor.

Ou seja, não se analisará, sob qualquer hipótese, se o dano gerado foi

proveniente de uma atitude dolosa ou culposa do responsável pela terapia. Tendo o

pesquisador assumido o risco de realizar o procedimento, responderá integralmente

pelos efeitos deste, independentemente da apreciação de sua conduta.

Ademais, o operador do direito que se deparar com tais situações deve

sempre ter em mente que os danos genéticos podem vir a se manifestar apenas

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futuramente. No entanto, isto não representa um entrave para a sanção do ato ilícito

civil.

Portanto, tais opções coadunam-se com o princípio da dignidade humana

e com a proteção dispensada internacional e constitucionalmente à proteção do

patrimônio genético humano, permitindo que o sujeito que sofrer danos genéticos em

razão de terapia gênica receba a justa indenização civil devida.

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO

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