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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL CONSTITUCIONALIZADO Ana Olívia Ferreira Belo Horizonte 2009 PDF processed with CutePDF evaluation edition www.CutePDF.com

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito

INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL CONSTITUCIONALIZADO

Ana Olívia Ferreira

Belo Horizonte 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito

INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL CONSTITUCIONALIZADO

Ana Olívia Ferreira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, nível Mestrado, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Processual. Orientador: Prof. Doutor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias

Belo Horizonte 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Ferreira, Ana Olívia F383i Interrogatório no processo penal constitucionalizado / Ana Olívia Ferreira.

Belo Horizonte, 2009. 113f. Orientador: Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Interrogatórios (Processo penal). 2. Estado de direito. 3. Processo penal. 4.

Função judicial. 5. Garantia (Direito). 6. Direitos fundamentais. 7. Prova criminal. 8. Defesa (Processo penal). I. Dias, Ronaldo Brêtas de Carvalho. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 343.144

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Ana Olívia Ferreira Interrogatório no processo penal constitucionalizado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, nível Mestrado.

______________________________________________________ Prof. Doutor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (Orientador) – PUC Minas

______________________________________________________ Profa. Doutora Flaviane de Magalhães Barros– PUC Minas

______________________________________________________ Prof. Doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho – UFPR

Belo Horizonte, 2009.

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Dedico este trabalho aos meus amados pais, Wandick e Aparecida, por me

ensinarem ser incondicional o amor pelos filhos e, ao Wagner: “me leve onde você

for, estarei muito só sem o seu amor, tem que ser você, sem por que, sem pra que,

tem que ser você, sem ser necessário entender”.

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Agradeço aos Professores Doutores integrantes da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pelo permanente incentivo

à pesquisa científica.

Em especial agradeço ao Professor Doutor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, meu orientador, por muito me ensinar com sua dedicação e

profissionalismo ímpares e, à Professora Doutora Flaviane de Magalhães Barros, pelo inestimável apoio e ajuda preciosa.

Agradeço também a Desembargadora Jane Silva pela cultivada

amizade e compreensão com o tempo subtraído pelo estudo.

Sobretudo, agradeço a Deus que traça todos os meus caminhos.

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“Não se pode mais cogitar de um Estado, qualquer que seja seu conceito e justificação, sem as modernas e importantes qualidades identificadas pelo marcante fenômeno do constitucionalismo, que são o Estado de Direito e o Estado Democrático.” (Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias).

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RESUMO

Com a institucionalização do Estado Democrático de Direito o instituto do

interrogatório perdeu a conotação de meio de prova.

O processo tomado como procedimento em contraditório, ou seja, como

estrutura seqüencial de atos legais em que a prática do ato antecedente

determina a validade daquele que o sucede e este se baseia no anterior, em

busca da decisão final, último dos atos praticados, é a melhor técnica

normativa instituída, a qual permite às partes, que sofrem os efeitos da decisão

final, participar de todos os atos e construir, a partir da cada um deles, a

sentença jurisdicional.

O interrogatório é um dos atos do procedimento e significa para o réu a

oportunidade de, no espaço processualizado, participar em igualdade de

condições processuais e, por meio da ampla argumentação, da construção da

decisão final.

Não pode ser tomado como meio de prova porque o momento que o acusado

tem para se defender não pode ser utilizado justamente para prejudicá-lo.

Deve ser entendido como meio de defesa do acusado, porque é na

oportunidade do interrogatório que ele exerce a garantia processual que tem de

permanecer calado, falar e dar a sua versão dos fatos ou, até mesmo mentir,

tudo em prol da conservação de sua liberdade.

O processo é metodologia normativa de garantia dos direitos fundamentais, é

técnica posta à disposição das partes para a dedução de suas pretensões e,

nesse contexto, fornece a elas garantias processuais para que efetivem seus

direitos fundamentais.

Daí o entendimento de que o interrogatório é instituto processual, com seus

princípios próprios, pertencente à estrutura procedimental e tendente a realizar

os direitos fundamentais do acusado, na medida em que lhe possibilita por

meio de sua autodefesa e defesa técnica se defender dos fatos pelos quais é

acusado.

O Estado Democrático de Direito, por meio do processo, revitalizou, na

contemporaneidade, o instituto do interrogatório e lhe retirou a carga coercitiva

e opressora dos direitos do acusado, que é parte e não objeto de prova.

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Palavras-chaves: Interrogatório; Estado Democrático de Direito; Processo;

Técnica procedimental; Garantias Processuais, Direitos Fundamentais; Meio de

Prova; Meio de Defesa.

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ABSTRACT With the institutionalization of democratic rule of law the Office of interrogation

lost the connotation of means of proof.

The process taken as a procedure in process, that is, as sequential structure of

legal acts on which the previous act determines the validity of what the case

and was based on earlier, in search of the final decision, the last of the acts

charged, is the best technical norms established, which allows the parties, who

suffer the effects of the final decision, participate in all actions and build, from

each of them, the court ruling.

The interrogation is one of the acts of procedure and means for the defendant

the opportunity, within processualizado to participate on equal terms and

procedures, through the broad argument, the construction of the final decision.

It can not be taken as evidence because the moment that the accused has to

defend itself can not be used precisely to damage it.

It should be understood as a defense of the accused because it is the

opportunity of questioning that he carries out the procedural guarantee that has

to remain silent, to speak and give their version of facts or even lie, all in favor

of retaining their freedom.

The process is normative methodology for guaranteeing fundamental rights, is

technically available to the parties to deduct from their claims and, provides the

procedural guarantees to which they their rights.

Hence the understanding that the interrogation institute is procedural, with its

own principles, belonging to the procedural structure and to achieve the

fundamental rights of the accused, in that it allows through its self defense

technique and defending itself against suits by which is accused.

The democratic rule of law, through the process, revitalized, in the

contemporary, the Office of the interrogation and it withdrew the load coercive

and oppressive of the rights of the accused, which is part and not subject to

proof.

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Keywords: Interrogation; democratic rule of law; process; Technical

procedural; procedural guarantees, Fundamental Rights; form of evidence;

Means of Defense.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1 CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA .............................................................................................. 5 1.1 Intróito ..................................................................................................................... 5 1.2 Sistemas processuais: acusatório, inquisitório e misto ........................................... 7 1.2.1 Sistema processual acusatório ............................................................................. 7 1.2.2 Sistema processual inquisitório ............................................................................ 10 1.2.3 Sistema processual misto ..................................................................................... 14 1.3 Sistemas de avaliação das provas .......................................................................... 15 CAPÍTULO II PROCESSO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........................................... 18 2.1 Estado Democrático de Direito ................................................................................ 18 2.2 Processo como espécie do gênero procedimento sob o enfoque da principiologia constitucional ........................................................................................... 28 2.3 Garantia fundamental do contraditório .................................................................... 37 2.4 Garantia fundamental da ampla defesa (Ampla argumentação para as partes e os recursos a ela inerentes atrelada à defesa técnica e autodefesa) .............. 42 CAPÍTULO III INTERROGATÓRIO COMO INSTITUTO PROCESSUAL ............................................ 49 3.1 Intróito ..................................................................................................................... 49 3.2 Princípios aplicáveis ao instituto .............................................................................. 51 3.2.1 Publicidade ........................................................................................................... 53 3.2.2 Oficialidade ........................................................................................................... 57 3.2.3 Pessoalidade ........................................................................................................ 60 3.2.4 Oralidade .............................................................................................................. 62 CAPÍTULO IV INTERROGATÓRIO COMO UM DOS ATOS DO PROCEDIMENTO ........................... 65 4.1 Noções básicas ....................................................................................................... 65 4.2 O momento e o lugar do interrogatório na estrutura do procedimento .................... 70 CAPÍTULO V INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE PROVA ............................................................ 76 5.1 Elemento, meio e instrumento de prova .................................................................. 76 5.2 O interrogatório como meio de prova ...................................................................... 82 5.3 Verdade real, verdade formal e verdade processual na teoria geral do processo constitucionalizado ......................................................................................... 86 CAPÍTULO VI INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA .......................................................... 89 6.1 Garantia do acusado ao silêncio ............................................................................. 89 6.1.1 Origem .................................................................................................................. 89 6.1.2 Desenvolvimento .................................................................................................. 92 6.1.3 Fundamentos ....................................................................................................... 95

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6.2 Garantia ao silêncio no ordenamento jurídico brasileiro .......................................... 97 6.3 Aspectos defensivos da garantia ao silêncio ........................................................... 98 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 106

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INTRODUÇÃO

O interrogatório do acusado no processo penal, sobretudo no que se refere à

sempre atual discussão de ser ele meio de prova ou meio de defesa, é assunto que

sempre desperta interesse no âmbito do direito processual pela diversidade de

opiniões ocasionada pelo estudo das diferentes teorias do processo.

A inquestionável importância do tema vincula-se ao desenvolvimento histórico

dos Estados e ao grau de respeito aos direitos fundamentais do homem por meio

das garantias do processo.

O estudo do assunto remete à evolução do direito processual e guarda

estreita relação com o desenvolvimento do Estado em que o instituto do

interrogatório está previsto na legislação. Também exige daquele que pretende

conhecer o instigante assunto amiúde a identificação inicial da teoria processual

utilizada por dado ordenamento jurídico, enfim, o interrogatório do acusado revela,

em verdade, mais do Estado e do direito nele vigente do que possa parecer

aparentemente.

Por tais razões, com a finalidade de investigar os fins do interrogatório como

ato do procedimento penal no Estado Democrático de Direito, traçamos uma linha de

estudo que permite individualizar a cada capítulo os diferentes traços que podem

conduzir ao entendimento de que o interrogatório pode ser, tanto meio de prova,

como pode ser meio de defesa do acusado.

Tudo dependerá do sistema processual adotado pelo Estado e, sobretudo, da

teoria processual que guia o seu sistema jurídico. Deixando claro que a opção por

ser o interrogatório meio de prova, embora seja possível, estará sempre vinculada à

origem totalitária e inquisitorial do Estado, assim como, às teorias do processo que

não servem à efetivação dos direitos fundamentais dos indivíduos.

Partindo desse norte, procuramos no primeiro capítulo marcar as

características fundamentais de cada sistema processual, seja ele: inquisitório,

acusatório ou misto.

A distinção entre cada um desses sistemas será feita a partir do princípio que

os rege; assim analisaremos os princípios inquisitivo e dispositivo, procurando

delinear as suas características, a forma como a prova é produzida e, sobretudo, a

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quem ela se destina, atentando para o fato de que no sistema inquisitório a gestão

da prova pertence ao juiz e, no acusatório, às partes1.

A gestão da prova é o traço marcante e diferenciador dos princípios que

regem os sistemas processuais. Por isto, analisaremos os sistemas de avaliação

das provas, quais sejam: sistema da íntima convicção, sistema das provas legais e

sistema da persuasão racional.

Da mesma forma que os sistemas processuais, os sistemas de avaliação das

provas se vinculam ao tipo de Estado a que o ordenamento jurídico pertence.

No sistema inquisitório, as provas eram tarifadas, a sua gestão pertencia ao

julgador e a confissão do acusado era tida como a rainha das provas.

O acusado nesse sistema processual é objeto da prova e a tortura

disseminada como meio de obtenção da confissão que revela a verdade.

Com o intuito de esclarecer que, na acepção adotada no curso do trabalho, o

direito processual brasileiro contemporâneo é regido pelo princípio dispositivo,

mesmo que ainda estejamos sob a égide de um Código de Procedimentos erigido na

época da ditadura, passamos ao exame do Estado Democrático de Direito.

No segundo capítulo, portanto, trataremos do Estado Democrático de Direito,

desde a sua origem, decorrente do direito alemão, até a influência sofrida pelo

direito francês, após a Revolução de 1789, e a sua aderência ao constitucionalismo.

O Estado Democrático de Direito será tratado como princípio decorrente da

junção de dois outros, o princípio da democracia e o princípio do Estado de Direito,

significando que o Estado que o acolhe como embasador de suas instituições se

funda na lei, uma lei decorrente do processo legislativo e instituidora da vontade do

povo, único detentor do poder2.

Instituídas as bases do trabalho, ou seja, delimitado o sistema processual

acusatório regente do direito processual constitucionalizado, assim como, o tipo de

Estado em que o ordenamento jurídico brasileiro foi instituído, adentraremos, nesse

contexto, no objeto de estudo pretendido.

Nessa esteira, diferenciaremos processo de procedimento sob a égide da

teoria de estruturalista3 e, também, sob o enfoque da teoria constitucionalidade.

1 COUTINHO. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 67. 2 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 102. 3 A expressão “teoria estruturalista” foi cunhada pelo jurista Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias ao se referir à teoria processual de Elio Fazzalari. Considerando que o autor italiano define processo como estrutura normativa consistente na participação dos destinatários do ato final em sua fase

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O interrogatório será abordado como instituto processual, ou seja, como

conjunto de princípios que compõe a seqüência de atos do procedimento

desenvolvido em contraditório entre as partes.

Além do contraditório, o princípio da ampla defesa, tomado como

possibilidade de ampla argumentação para as partes, será abordado no segundo

capítulo.

No terceiro capítulo, analisaremos quais são os princípios que integram o

instituto do interrogatório e suas implicações no âmbito processual.

Após, no quarto capítulo, procuraremos delinear qual o melhor lugar do

interrogatório na estrutura procedimental e suas implicações diretas com o

entendimento de ser ele meio de prova ou meio de defesa.

Procuraremos demonstrar que o interrogatório colocado como um dos

primeiros atos da estrutura procedimental beneficia a acusação e inviabiliza a ampla

argumentação das partes e o contraditório estabelecido entre elas, isso porque,

quando o acusado é o primeiro a se manifestar, ele não reúne condições de

estruturar sua defesa, fato que somente ocorrerá se o ato for posto no final da

estrutura, após a reunião de toda a prova.

Por fim, abordaremos o que se entende, no processo constitucionalizado, por

meio, instrumento e objeto de prova, a inviabilidade de, na teoria de Elio Fazzalari4 e

constitucionalista do processo, falar-se em verdade real e, por conseqüência, em

interrogatório como meio de prova, afirmativa que serve à teoria instrumentalista do

processo.

No último capítulo, abordaremos a garantia do acusado ao silêncio, sua

origem, desenvolvimento e fundamentos, além dos reflexos desta garantia

processual na estruturação da defesa do acusado.

Essas considerações introdutórias procuram demonstrar que o presente

trabalho está embasado no princípio do Estado Democrático de Direito e tem por

direção o fato de os institutos processuais servirem à efetivação de direitos

fundamentais.

preparatória; na simétrica paridade de suas posições; na mútua implicação das suas atividades; na sua relevância para o provimento final, Ronaldo Brêtas nomeou com precisão científica essa estrutura normativa processual de teoria estruturalista. Firmes na lição do autor, ressaltamos que mencionada expressão será por nós empregada ao longo desse trabalho e, sempre que a ela nos referirmos, estaremos nos reportando à idéia de que o “processo é uma estrutura normativa de procedimento em contraditório”. (BRÊTAS C. DIAS. Processo civil reformado, p. 248). 4 Cf. FAZZALARI. Instituições de direito processual.

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Procuramos sob o enfoque da teoria processual de Fazzalari e

constitucionalista do processo fornecer à comunidade jurídica uma visão do

interrogatório como o único momento que o réu tem de, pessoalmente, influenciar a

decisão final. Sendo o último destinatário dos efeitos desse ato jurisdicional, o

acusado tem que ter o direito de dizer ou calar a versão que conhece dos fatos e,

até mesmo mentir, sem que isso possa ser utilizado contra a sua pessoa5.

5 Sobre a possibilidade de o réu poder mentir durante seu interrogatório no processo penal, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, com suporte nas abalizadas doutrinas de Fernando Luso Soares e Franco Cordero, sustenta que o dever de veracidade é exclusivo do processo civil, pois, no processo penal, com efeito, contra o dever de dizer a verdade ergue-se o direito ao silêncio, quando não, até o direito à mentira. Esclarece também que a defesa, no processo penal, implica o direito de calar e o direito de mentir, porquanto o dever jurídico de veracidade, qualquer que seja a motivação com que o pratiquemos, é uma idéia dificilmente compatível com a sociedade de homens livres. (Cf. Fraude no processo civil, p. 90).

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CAPÍTULO I

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1.1 INTRÓITO

Visando a delinear no curso da história a origem e desenvolvimento do

interrogatório, far-se-á uma breve incursão nos sistemas processuais penais

existentes desde antanho até a contemporaneidade e nos sistemas de avaliação das

provas, de forma que seja possível esboçar a evolução do instituto do interrogatório

nos diferentes tipos de Estados, considerando-se que o grau de liberdade dessas

pessoas jurídicas guarda estreita relação com os diferentes sistemas processuais

existentes.

No curso da história, três foram os sistemas processuais penais conhecidos,

quais sejam: acusatório, inquisitório e misto.6

De igual forma, três foram os sistemas de avaliação das provas que se

desenvolveram no curso dos séculos e também guardam correspondência com o

tipo de Estado em que se encontram. O sistema da íntima convicção, das provas

legais e o do livre convencimento ou da persuasão racional.7

Inicialmente, porém, cumpre registrar a noção básica do que seja sistema na

acepção empregada no curso desse trabalho.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, ao estudar os princípios gerais do

processo penal, mais precisamente os princípios inquisitivo e dispositivo, remete o

leitor de plano à noção de sistema processual, dando a seguinte idéia básica:

Conjunto de temas, colocados em relação por um princípio unificador, que forma um todo pretensamente orgânico, destinado a uma determinada finalidade. Assim, para a compreensão do Direito Processual Penal é fundamental o estudo dos sistemas processuais, quais sejam, inquisitório e acusatório, regidos, respectivamente, pelos referidos princípios inquisitivo e dispositivo.8

6 COUTINHO. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 66. 7 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 66-67. 8 COUTINHO. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 66.

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Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias9 também elabora uma noção de sistema, ao

criticar o uso indiscriminado do termo paradigma. Referido autor, ao escrever sobre

o princípio do Estado Democrático de Direito, corrobora a afirmação de Arthur José

Almeida-Diniz10, segundo a qual Thomas Kuhn teria rebatizado o conceito de

sistema para paradigma.

Ronaldo Brêtas não esconde a preferência que tem por atribuir ao Estado de

Direito e ao Estado Democrático a conotação de princípios, todavia, adverte os que

têm preferência por chamá-los de paradigma para o cuidado de se empregar a

expressão a termos técnicos no plano da Ciência do Direito.

Nesse contexto, com o intuito de fornecer elementos àqueles que preferem a

expressão paradigma, acaba por esclarecer a noção de sistema, a qual se segue:

Sustentamos que paradigmas do Estado de Direito e do Estado Democrático de Direito devem ser compreendidos como sistemas jurídico-normativos consistentes, concebidos e estudados pela teoria do Estado e pela teoria constitucional, no sentido técnico de verdadeiros complexos de idéias, princípios e regras juridicamente coordenados, relacionados entre si por conexão lógico-formal, informadores da moderna concepção de Estado e reveladores das atuais tendências científicas observadas na sua caracterização e estruturação jurídico-constitucional.11

A diferenciação, pois, entre os diferentes sistemas processuais e de avaliação

das provas se fará por meio do estudo de seus princípios12 unificadores, que formam

a sua matriz e dá uniformidade ao conjunto.

Os princípios são, portanto, os responsáveis por unir os temas correlatos em

um único sistema, dando uniformidade e organização, visando a uma finalidade

comum.

Passar-se-á, então, à análise de cada sistema processual e de cada sistema

de avaliação das provas, atentando sempre para o tipo de Estado em que cada um

deles se desenvolveu e para o princípio que os rege.

9 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 101. 10 ALMEIDA-DINIZ. Novos paradigmas em direito internacional público, p. 29. 11 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 101. 12 Princípios, para Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, se caracterizam como diretrizes gerais induzidas e indutoras do direito, porque são inferidas de um sistema jurídico e, após inferidas, reportam-se ao próprio sistema jurídico para informá-lo, como se fossem os alicerces de sua estrutura. O autor propõe a noção básica fundando-se nas lições de Arce y Flóres-Valdés. (Cf. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, p. 119).

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1.2 SISTEMAS PROCESSUAIS: ACUSATÓRIO, INQUISITÓRIO E MISTO

A principiologia regente do processo penal se apresentou sob três formas no

curso da história – acusatória, inquisitória e mista – nesta ordem cronológica. O

interrogatório se desenvolveu conforme a evolução destes três sistemas.

Na história do Direito se alternam as mais duras opressões com as mais

amplas liberdades. É natural que o ordenamento jurídico de um dado Estado reflita a

sua tendência repressora ou libertária.

Pode-se constatar que predomina o sistema acusatório nos países que

respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática.

Em sentido oposto, o sistema inquisitório predomina historicamente em países de

maior repressão, caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo, em que se

fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais.13

1.2.1 SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO

Cronologicamente o sistema acusatório é anterior ao inquisitório, ele se

originou no século XII, sendo posterior e gradativamente substituído pelo modelo

inquisitório, o qual prevaleceu em sua plenitude até o século XVIII, em alguns países

até parte do século XIX.14

A origem do sistema acusatório remonta o Direito grego, em que se

desenvolveu referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação

e como julgador15.

No Direito Romano o sistema acusatório apresentou duas formas, quais

sejam, a accusatio e a cognitio16.

13 LOPES JR. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, v. I, p. 56. 14 LOPES JR. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, v. I, p. 56. 15 O sistema acusatório, desenvolvido no processo penal grego, caracterizou-se por uma presunção de não-culpabilidade às avessas, eis que competia ao acusado provar a sua inocência. Aqui também a tortura era utilizada de forma corriqueira, desmistificando a idéia de que somente o sistema inquisitório teria conhecido esse meio de prova. (Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 60). 16 Roma e Grécia não conheceram o interrogatório nos moldes em que se conhece hoje. Àquela época, uma vez que o acusado assumisse a condição de parte, cabia-lhe contestar a acusação. Caso

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A accusatio caracterizava-se pela presença do que se chamava

contraditório17, o juiz tinha atitude passiva e se limitava a acompanhar o debate das

partes. Se, porventura, o acusado se confessasse culpado era condenado sem a

perquirição de qualquer prova.18

No período da cognitio os poderes dos juízes aumentaram, a partir daí, eles

começaram a proceder de ofício, sem acusação formal, realizando eles mesmos a

investigação e posteriormente dando a sentença. Isso caracterizava o procedimento

extraordinário, que, ademais, introduziu a tortura no processo penal romano, com a

finalidade de obter a confissão do acusado.19

Se no início predominava a publicidade dos atos processuais, isto foi sendo

gradativamente substituído pelos excessos à porta fechada.

Foi no período da cognitio que surgiram as primeiras características do

sistema que viria a ser considerado inquisitório e somente reduziria sua força no

século XVIII, com a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de

valorização do homem20.

É importante salientar que o sistema acusatório desenvolveu-se na Europa

continental, conforme abordado, mas também na Inglaterra.

Na Inglaterra, ele sempre esteve presente na sua forma mais pura, livre da

influência dos povos bárbaros. O sistema acusatório que se desenvolveu livre da

influência das características atinentes a outros, típico de países anglo-saxões,

caracteriza-se, sobretudo, pela disputa direta entre as partes, a cada uma delas

cabe provar aquilo que alega, não sendo este um ônus exclusivo da acusação21.

Em decorrência disso, nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, à

confissão do acusado não se atribui valor probatório, muito menos este é o fim

visado pelo processo penal, vez que não se concebe que o homem vá, houvesse o reconhecimento do direito da parte contrária, ou ainda, o imputado não contestasse a acusação, o acusador ficava liberado de apresentar mais provas contra o acusado. O juiz não submetia o acusado a interrogatórios, ele simplesmente aguardava o deslinde do debate para, ao final, dizer o direito. (Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 59). 17 O contraditório conhecido à época restringia-se ao dizer e contradizer, embora fosse uma característica inovadora para aquele momento histórico, sobretudo diante do retrocesso que ocorreria com a implementação do sistema inquisitório, não se confunde com o contraditório tomado na acepção de princípio constitucional garantidor da efetivação de direitos fundamentais. (BARACHO. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, p. 54. LEAL. Teoria geral do processo, p. 110-111). 18 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 60-61. 19 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 61. LOPES JR. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, v. I, p. 58. 20 LOPES JR. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, v. I, p. 58. 21 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 61-64.

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naturalmente, livre de qualquer coação, assumir a culpa pelo crime do qual é

acusado, simplesmente, porque entendem que esta atitude, em regra, ofende a

autopreservação do ser humano.22

Tal entendimento consta expressamente da V Emenda da Constituição

Americana e é utilizado no sistema common law britânico23. A confissão não tem,

nesses países, a importância atribuída pelos demais sistemas processuais.24

Fazendo referência ao sistema acusatório atual desenvolvido no processo

penal britânico, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho acentua que:

Dentro do sistema common law, nasce um autêntico processo de partes, diverso daquele antes existente. Na essência, o contraditório é pleno e o juiz estatal está em posição passiva, longe da colheita da prova.25

No sistema acusatório puro, desenvolvido na Inglaterra, parece ter levado

vantagem o povo. Do constante conflito entre barões e reis, venceram os primeiros,

culminando com a imposição por eles da Magna Charta Libertatum (1215) ao rei

João Sem-Terra, contribuindo para que nascesse a consciência da cidadania por

meio de regras que atingiam a todos, como aquela que dispõe:

Nenhum homem livre será preso ou despojado ou colocado fora da lei ou exilado, e não se lhe fará nenhum mal, a não ser em virtude de um julgamento legal dos seus pares ou em virtude da lei do país26.

Hodiernamente, o sistema acusatório em sua forma pura encontra-se nos

Estados Unidos da América e na Inglaterra27.

22 O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 148-149. 23 Jacinto Nelson de Miranda Coutinho esclarece que o mais correto é referir-se ao common law como sistema, daí “o” common law e não “a” common law, como querem alguns em referência equivocada à law. (Sistema inquisitório e o processo em “o mercador de Veneza”, p. 07). 24 NUCCI. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 148-149. 25 COUTINHO. O papel do novo juiz no processo penal, p. 40. 26 COUTINHO. O papel do novo juiz no processo penal, p. 36. 27 Estados Unidos e Inglaterra são países que, até os dias atuais, filiam-se ao sistema do Common law, o qual se originou com Henrique II, desde as chamadas forms of actions, mormente por um writ, expedido em 1166, para Clarendon, com o nome de Trial by Jury, no qual se determinava o julgamento pelos pares. Movido por uma razão aparentemente vinculada à prática (os tribunais reais de Westminster estavam abarrotados de trabalho), abriu as possibilidades de, entre tantas outras coisas, obter sempre decisões vinculadas à vontade do soberano (sempre de acordo com o rei). Afinal, se o Júri condenava, era a vontade do seu povo e o rei também condenava. Se o Júri absolvia, era a vontade do seu povo e o rei também absolvia. No fundo, ganhava sempre o rei e, assim, The King do no wrong. Atirou-se no que se viu e se acertou no que se não viu. E os britânicos começaram a ganhar o status de cidadania que têm até hoje, apesar de todos os percalços pelos quais tiveram que passar. (Cf. COUTINHO. Sistema inquisitório e o processo em “o mercador de Veneza”, p. 05).

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Segundo Alcalá-Zamora e Ricardo Levene, as características essenciais do

sistema acusatório, na atualidade, podem ser assim delineadas:

a- Separação entre os órgãos que assumem as três funções fundamentais no processo penal: a de acusar, a de defender e a de julgar; b- Liberdade de acusação, não somente a cargo do ofendido pelo delito ou seus parentes, senão como direito reconhecido a todo cidadão (ação popular); c- Liberdade de defesa e igualdade de posição dos litigantes durante todo o processo, inclusive na instrução, que há de ter lugar de acordo com os princípios fundamentais do sistema e, portanto, mediante contraditório, na forma oral e com publicidade; d- Liberdade pessoal do acusado como regra, ao menos até a sentença condenatória; e- Debate entre os litigantes baseado na concentração; f- Provas livremente propostas pelos adversários e livremente apreciadas pelo julgador; g- Juiz, que pode ser acusado, com escassa iniciativa na direção processual da contenda; acompanha o debate entre os litigantes, cuida que s e debata dentro dos limites legais, decide quem é o vencedor; mas carece de atribuições para investigar ou para decidir o que não foi pedido pelas partes; h- Participação acentuada do elemento popular na justiça penal; i- Sentença não suscetível de apelação.28

1.2.2 SISTEMA PROCESSUAL INQUISITÓRIO

O sistema inquisitório teve sua origem na última fase do sistema acusatório

antigo, a cognitio. Nesta fase, como visto, o juiz passou a deter mais poder, o

procedimento reduziu-se a escrito e a tortura passou a ser empregada29.

Foi nesse quadro histórico que se desenvolveu o sistema inquisitório,

fundando-se, sobretudo, nas jurisdições eclesiásticas e vindo a atingir todos os

28 Derecho procesual penal, p. 218-219. 29 Sobre o assunto, Michel Foucault afirma que a informação penal escrita, secreta, submetida, para construir suas provas, à regras rigorosas, é máquina que pode produzir a verdade na ausência do acusado. E por essa mesma razão, embora no estrito direito isso não seja necessário, esse procedimento vai necessariamente tender à confissão. Por duas razões: em primeiro lugar, porque esta constitui uma prova tão forte que não há nenhuma necessidade de acrescentar outras, nem de entrar na difícil e duvidosa combinação dos indícios; a confissão, desde que feita na forma correta, quase desobriga o acusador do cuidado de fornecer outras provas (em todo caso, mais difíceis). Em seguida, a única maneira para que esse procedimento perca tudo o que tem de autoridade unívoca, e se torne efetivamente uma vitória conseguida sobre o acusado, a única maneira para que verdade exerça todo o seu poder, é que o criminoso tome sobre si o próprio crime e ele mesmo assine o que foi sabia e obscuramente construído pela informação. (Cf. Vigiar e punir, p. 37-38).

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países da Europa, exceto a Inglaterra, que permaneceu, aliás, ainda hoje

permanece, como filiada ao sistema acusatório puro30.

O sistema inquisitório, que retirou suas bases da última fase do acusatório,

em que se iniciou a utilização da tortura como meio de obtenção de prova, encontrou

sustentáculo no direito canônico e estendeu sua atuação sobre a jurisdição laica, na

maior parte dos Estados europeus31.

O procedimento da inquisição, utilizado inicialmente pela Igreja Católica,

visava a repreender mais eficazmente os seus membros, sobretudo, conforme

acentua Carlos Henrique Borlido Haddad, os ocupantes dos mais altos postos,

tornando-se, dessa forma, um mecanismo de controle interno da instituição.32

O procedimento da inquisição encontrou nos governos absolutistas amplo

espaço para desenvolver-se, sem impedimentos, vez que encontrava eco na força

de ação dos monarcas.33

O sistema inquisitório tem como norma matriz o princípio inquisitivo. Sua

principal característica é a concentração de poder nas mãos do julgador, o qual

detém a gestão da prova34 e faz do acusado mero objeto de investigação e não o

considera sujeito de direitos.

O sistema inquisitório, típico de países totalitários, que se originou na Europa

medieval, atribui ao juiz a função de “diretor do processo”, cabe a ele provocar a

confissão, vigora o princípio da culpabilidade presumida do acusado e a tortura é

utilizada indiscriminadamente.35

Embora a tortura tenha começado a ser empregada na segunda fase do

sistema acusatório, foi no inquisitório que encontrou terreno fecundo para se

desenvolver, todavia, conquanto seja símbolo de um despotismo ímpar, esse 30 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 147-148. 31 HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 101-104. 32 O interrogatório no processo penal, p. 61. 33 Cf. GRINOVER. Interrogatório do réu e direito ao silêncio. In: O processo em sua unidade, p. 98. 34 A expressão gestão da prova é empregada por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho; segundo ele, a diferença primordial entre os princípios que regem cada sistema processual está justamente na forma como a instrução probatória é realizada. Afirma que se o processo tem por finalidade a reconstrução dos fatos criminosos, a forma como a instrução se realiza identifica o princípio unificador do sistema por meio da gestão da prova. No sistema acusatório, cujo princípio regente é o dispositivo, a gestão da prova pertence às partes, responsáveis por construírem em contraditório a versão dos fatos. Já no sistema inquisitório, em que o princípio unificador é o inquisitivo, a gestão da prova está entregue, sobretudo, nas mãos do órgão julgador, e o processo é mecanismo de descoberta da verdade real (este ponto será abordado por nós no capítulo V, item 5.2). (Cf. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 66). 35 Corroborando essa posição Henry J. Abraham mostra que no sistema inquisitivo o suspeito é culpado até provar sua inocência, enquanto no sistema acusatório, é inocente até que sua culpa seja demonstrada. (The judicial process, p. 96-100).

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sistema teve suas razões histórias para desenvolver-se e não se pode negar as

suas vantagens36.

Como dissemos, sua utilização teve início no procedimento da inquisição da

Igreja romana e como era secreto, permitia ao baixo escalão da Igreja insurgir-se

contra seus superiores, possibilitava também ao homem simples, exposto, via de

regra, aos arbítrios dos poderosos, o acesso ao órgão jurisdicional.37

O abuso, entretanto, acabou por inviabilizar esse sistema, que se radicalizou

e passou a empregar a tortura como a única forma de obter do autor do crime a

“verdade” sobre a sua autoria38.

Enquanto no sistema acusatório, ao acusado cumpria refutar as alegações da

acusação e o conteúdo de seu interrogatório não importava, vez que dele não se

extrairia provas para condená-lo, considerando-se que não pode ser compelido a

produzir provas contra si mesmo, no sistema inquisitório a confissão era a rainha

das provas (regina probationum)39, ela necessariamente deveria ser obtida e o meio

correto para esse fim era, naturalmente, a tortura40.

Guilherme de Souza Nucci enumera as principais características do sistema

inquisitório:

a- Enorme concentração de poder nas mãos do julgador – que é, ao mesmo tempo, acusador, defensor e juiz; b- Confissão do réu, como elemento indispensável, para levá-lo à condenação; c- Sem debates orais, predominava o procedimento eminentemente escrito; d- Julgadores irrecusáveis e permanentes; e- Procedimento dominado pelo segredo; f- Ausência de contraditório; g- Papel da defesa meramente decorativo e liberdade pessoal do acusado extremamente restringida; h- Admite-se recurso contra a sentença.41

36 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 64. 37 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 65. 38 Nas trevas da idade média a sociedade voltou ao estado primitivo. (Cf. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, p. 38). 39 “Não basta, todavia, ter a possibilidade de escolher o “caminho da verdade”, mesmo que seja através de meros indícios e presunções. É preciso o instrumental adequado. A verdade, enfim, possibilita a rendição dos pecados e a absolvição, ainda que paradoxalmente fosse necessário condenar e, no limite, queimar na fogueira. Sendo o pecado (crime), porém, obra do pecador, a grande ponte à sua descoberta é a confissão, esse milagroso engenho predisposto a apontar a verdade, nem que fosse induzida, presente sempre a hipótese da falta de espontaneidade. Neste patamar, os fatos podem estar relegados completamente a um segundo plano e se entende como a confissão torna-se a regina probationum”. (COUTINHO. O papel do novo juiz no processo penal, p. 26-27). 40 Segundo palavras de Franco Cordero “niente di meglio della tortura, quella vergogna del genere umano”. (Guida alla procedura penale, p. 50). 41 O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 147-148.

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A tortura, disseminada no sistema inquisitório, funcionava não apenas como

meio de obtenção de prova, mas também como fator de expiação moral42. O juiz,

mesmo que já houvesse reunido os elementos que provassem a existência do crime

e já houvesse individualizado o seu autor, não deixava de submetê-lo à tortura. Da

tortura se reclama algo que está além da prova, o juiz não buscava a prova para si

mesmo, mas sim, para o próprio acusado, como meio de obter o seu

arrependimento.43

Embora Jacinto Coutinho afirme que o sistema processual penal brasileiro

seja inquisitório44, baseando-se no fato de que em nosso sistema o órgão

jurisdicional detém, muitas das vezes, a gestão da prova, filiamo-nos ao

posicionamento de Carlos Henrique Borlido Haddad, para quem o sistema

inquisitório teve termo no exato momento em que se encerrou a ideologia jurídico-

política do Estado de polícia45 ou do Estado absoluto, que dominou a Europa

continental nos séculos XVII e XVIII, somente podendo reviver em governos

totalitários.46

Embora ainda persista a fase administrativa do inquérito policial, respaldada

por nosso obsoleto Código de Processo Penal, artigo 4º ao 23, entendemos que as

garantias consagradas pela Constituição da República de 1988 não podem ser

postas à margem no momento de se aplicar as regras do citado diploma processual.

42 Crime e pecado passam a ser sinônimos, o processo é imaginado e posto em prática como um mecanismo terapêutico capaz de, pela punição, absolver. Tudo continuava a ser, não obstante, uma fórmula de descoberta da verdade e ninguém melhor do que o acusado para dela dar conta. (Cf. COUTNHO. O novo papel do juiz no processo penal, p. 25). 43 BARROS. Sistema do processo penal brasileiro, p. 465. 44 Para o autor, o sistema brasileiro permanece inquisitório porque ainda sustenta o status quo e, se ainda o faz, continua a servir a quem detém o poder em qualquer regime. Para Jacinto Coutinho, “enquanto as pessoas não se derem conta de que a democracia processual só será alcançada (ou pelo menos estará mais próxima), quando for ele superado, avançando-se em direção da efetivação plena do contraditório, em um processo de partes que cubra toda a persecução penal e, portanto, veja excluído, no nosso caso, o malfadado inquérito policial”. (O novo papel do juiz no processo penal, p. 31). 45 Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias ao estudar as origens do Estado de Direito afirma ser essa expressão criação do idioma germânico. Referido autor, baseando-se em autores como Carré de Malberg, Simone Goyard-Fabre, Böckenförd e Canotilho, qualifica o Estado de Direito de “Estado da razão” e o contrapõe ao “Estado de polícia (Obrigkeitsstaat ou Polizeistaat), ou Estado Iluminista, ou ainda, Estado-providência”. O Estado de polícia, nas palavras do autor, tinha “o predomínio da idéia de soberania, centrada no monarca, a extensão do poder soberano ao âmbito religioso, assim exercendo autoridade eclesiástica, a assunção pelo Estado, no plano teórico, da promoção do bem-estar e da felicidade dos súditos, missão confiada ao soberano, e a configuração do Estado desvinculada do moderno constitucionalismo, designando a expressão polícia a administração estatal interna. (Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 94). 46 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 65.

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As garantias constitucionais são capazes de efetivar os direitos fundamentais do

indivíduo, cuidando para que ele, ainda quando submetido à investigação e acusado

da prática de um ilícito penal, não seja tratado como objeto da investigação, mas

permaneça como sujeito de direitos.

Daí por que preferimos sustentar que o processo penal brasileiro deve ser

considerado acusatório, e o inquérito policial não deve ultrapassar a finalidade a qual

se destina, qual seja, formar a opinio delicti do membro do Ministério Público para a

propositura da ação penal por meio do oferecimento da denúncia, nada mais. Não

deve ingressar, em hipótese alguma, como meio de prova, no procedimento penal

desenvolvido em contraditório entre as partes.

1.2.3 SISTEMA PROCESSUAL MISTO

O sistema misto surgiu após a Revolução Francesa, 1789, é, no curso

cronológico da história, o último dos sistemas processuais a ser criado. Tem raízes

fortemente liberais47.

É denominado sistema misto porque uniu ao sistema inquisitório francês, em

franca decadência, algumas características do acusatório inglês.

São características do sistema misto:

a- Divisão do processo penal em duas grandes fases: a instrução ou sumário, com elementos do procedimento inquisitivo, e o plenário ou fase de julgamento, com a forma do sistema acusatório; b- Se num primeiro momento predomina o procedimento secreto, escrito e de iniciativa judicial, num segundo, estão presentes a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração e a intervenção de juízes populares, numa livre apreciação das provas.48

O sistema misto não é propriamente um sistema processual49, porque para

ser um sistema seria necessário que houvesse um princípio misto em sua

47 NUCCI. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 150-151. 48 ALCALÁ-ZAMORA; LEVENE. Derecho procesal penal, p. 21-222. 49 Sobre o assunto Jacinto Nelson de Miranda Coutinho explica que, como é primário, não há mais sistema processual puro, razão pela qual, têm-se, todos, como sistemas mistos. Não obstante, não é preciso grande esforço para entender que não há – nem pode haver –um princípio misto, o que, por evidente, desconfigura o dito sistema. Assim, para entendê-lo, faz-se mister observar o fato de que, ser misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a referida adjetivação por

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integração. Na verdade, ele utiliza características próprias do sistema acusatório e

do sistema inquisitório. Mesmo assim, autores como Guilherme de Souza Nucci,50

atribuem ao processo penal brasileiro a filiação ao sistema misto.

Isso porque, embora nossa Constituição consagre garantias aptas a realizar

os direitos fundamentais, nosso Código de Processo Penal, derivado de um governo

ditatorial, ainda estabelece regras passíveis de serem aplicadas apenas no sistema

inquisitório, como a possibilidade de o juiz determinar, de ofício, a produção de

provas, ou, ainda, da utilização do interrogatório como meio de prova.

Entretanto, para Coutinho, nosso sistema processual é, ainda, inquisitório

“porque regido pelo princípio inquisitivo, já que a gestão da prova está nas mãos do

juiz, o que é imprescindível para a compreensão do direito processual vigente no

Brasil.”51

As vantagens do sistema misto, em relação ao interrogatório, estariam no fato

de que esse sistema uniu as melhores características do sistema acusatório e do

sistema inquisitório, embora tenha perdido a conotação de rainha das provas

(inquisitório), passou a ser ato obrigatório no curso do processo, não mais ficando a

sua realização a critério do acusado.52

1.3 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS

Três são os sistemas de avaliação das provas, em estreita ligação com o

sistema processual penal sob a égide do qual se originaram e se desenvolveram.

O sistema da íntima convicção ou secundum conscientiam foi o primeiro

método de avaliar as provas produzidas e de valorá-las53.

Nesse primeiro sistema tudo ficava a critério do juiz. A ele cabia admitir as

provas, avaliá-las, consentir ou não com o seu carreamento para os autos. Se a

prova era produzida para o juiz, se a ele cabia o encargo de julgar, então era ele,

causa dos elementos (todos secundários), que de um sistema são emprestados ao outro. (Cf. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 67). 50 O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 151. 51 Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 67. 52 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 65. 53 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 66.

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segundo a sua consciência, quem deveria analisá-la, sem qualquer necessidade de

fundamentação.54

As partes e, sobretudo, o acusado, eram deixados ao arbítrio do juiz.

Inevitavelmente esse sistema arbitrário mostrou-se falível e, diante de tantos

abusos dele advindos, viu-se a necessidade de substituí-lo por um mais seguro.

Como sempre ocorre, um sistema é substituído por outro, ao qual incumbe

superar as falhas do que o antecedeu.

Dessa forma, sobreveio o sistema da prova legal. Em posição oposta ao da

íntima convicção, esse sistema pautou-se pela avaliação e admissibilidade das

provas por critérios impostos pela lei. Para garantir a segurança e se ver livre do

arbítrio do julgador, a lei tarifou as “melhores” provas, organizando-as em grau de

importância.55

Todavia, o sistema da prova legal desenvolveu-se sob a égide do sistema

inquisitório, período medieval, na Europa continental, utilizando o procedimento da

inquisição da Igreja romana. Por tal motivo, a lei, ao estabelecer um valor para as

provas, considerou a confissão do acusado uma prova plena que justificava,

isoladamente, a decisão condenatória. Interrogatório e confissão eram vistos de

forma indissociada.56

Com o abuso da tortura e o apego estremado às formulas, este sistema

também teve que ser substituído por outro.

No sistema do livre convencimento ou persuasão racional, considerado misto,

o arbítrio judicial foi limitado porque, embora o juiz, para decidir, se baseasse na sua

livre convicção, teria que fundamentar a sua decisão alicerçando-a nas provas dos

autos57.

Nesse sistema, o valor da confissão deixou de ser absoluto, pois o julgador

não poderia condenar o acusado sem explicar os motivos que o conduziam a essa

conclusão, não poderia ele deixar explicitado que condenava alguém que havia

confessado o crime sob tortura, então, diante do vigoroso interesse público na

realização do interrogatório, a confissão perdeu a magnitude, vez que deixou de ser

prova absoluta.58

54 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 68. 55 HUNGRIA. A prova dos sistemas processuais penais, p. 30. 56 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 68-69. 57 LEAL. Teoria geral do processo, p. 190-191. 58 FRAGOSO. Notas sobre a prova no processo penal, p. 25.

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Conseqüentemente, o interrogatório adquiriu a função de instrumento de

defesa, destinado, portanto, à proteção dos interesses do acusado.

No curso dos tempos o interrogatório do acusado foi agregando

características defensivas na estrutura do procedimento. Isso se deveu, no processo

brasileiro, à implementação do princípio do Estado Democrático de Direito pela

Constituição da República de 1988, a qual, cuidou de criar garantias que fossem

eficazes na implementação de direitos fundamentais por meio do processo.

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CAPÍTULO II

PROCESSO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

2.1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O Estado Democrático de Direito não é um regime político59, mas uma

modalidade constitucional, na qual se articulam a automoderação do Estado com a

garantia das liberdades do cidadão e do indivíduo.

O autocontrole do Estado é previsto e organizado pelo direito produzido pelo

próprio Estado, nada há, antes da sua formação, que restrinja ou limite o seu vigor.

É a lei que dá existência e conformidade a esta pessoa jurídica e é, também, por

meio do sistema jurídico, que o Estado confere às pessoas, direitos individuais

(ordem privada) e direitos como cidadão (ordem pública).60

O aparecimento do conceito de Rechtsstaat61, derivado da junção de Recht e

Staat, teria ocorrido com Johann Wilhelm, vulgarmente conhecido como Placidus, no

ano de 1798, na Alemanha, aplicador da doutrina do direito de Kant.62

Placidus utilizou a expressão Rechtsstaat baseando-se na obra kantiana

intitulada Rechtslehre, publicada no ano de 1796.63

59 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 319. Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias observa também que a “doutrina alemã não idealizou o Estado de Direito como forma especial de Estado ou como forma de governo, mas como “o Estado da razão” ou “o Estado do entendimento”, ou seja, aquele no qual se governa segundo a vontade racional geral, com o objetivo de alcançar o melhor para todos os indivíduos. (Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 94). 60 Simone Goyard-Fabre discorrendo sobre a formação do Estado de Direito afirma que para Carré de Malberg não há direito anterior ao Estado que possa controlar a sua potência e que apenas a autolimitação do Estado é capaz de conferir proteção aos cidadãos. Para esse autor, essa é a idéia fundamental que permite compreender que os direitos dos cidadãos, longe de proceder de exigências metafísicas ou morais, são definidos, ou seja, juridicamente criados – pelo Direito do Estado, nos limites objetivos que ele atribui a si próprio. (Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 318). Seria o mesmo que afirmar que o direito cria o direito, que o Estado se forma pela lei e não por algo natural que “brota” da consciência do homem, afinal, o Estado de Direito é o Estado da razão (Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 94). 61 Traduz-se Rechtsstaat do alemão para o português como “Estado de Direito”. Referido termo ainda encontra correspondência em outras línguas: État de droit, Law State, Stato Del diritto, Estado de derecho. 62 José Joaquim Gomes Canotilho ao descrever a história do Estado de Direito também vincula a sua origem à obra de Kant, afirmando que este filófoso trabalhava a idéia de um Estado respeitador das liberdades dos indivíduos e reconhecia a vinculação jurídica dos atos do próprio Estado. Pertence a Kant a seguinte formulação: “o Estado é a associação de uma pluralidade de homens sob lei jurídica, pertencendo estas leis à vontade reunida do povo. (Cf. Direito Constitucional, p. 352).

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Embora Kant não tenha utilizado a palavra Rechtsstaat em nenhuma de suas

produções científicas, o desenvolvimento, dado por ele à filosofia normativo-crítica,

torna claro que concebia um Estado inseparável das estruturas jurídicas, na medida

em que propunha a separação das três funções do Estado, quais sejam: função

legislativa, função administrativa e função jurisdicional. Tratando dessa repartição de

atribuições estatais, Kant via ser possível a coexistência das liberdades, segundo

ele, “o princípio regulador do direito político”.64

Todavia, embora Kant discorresse sobre as estruturas do Estado associando-

as a um sistema jurídico, incorreu no erro de dizer que a coerção, como critério do

direito que o caracteriza como ordem, cria no Estado um obstáculo à liberdade.65

Assim, o termo Rechtsstaat, utilizado pela primeira vez por Placidus, no ano

de 1798, somente encontrou sua forma, utilizada com o sentido ainda empregado

hodiernamente, segundo afirma Simone Goyard-Fabre, com Robert Von Mohl66.

Conquanto a filosofia política francesa, aliada à Revolução Francesa, com a

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de

1789, nos conduza a pensar que o termo Estado de Direito tenha tido origem na

França do século XVIII, referida expressão não despontou nesse quadro histórico67.

É claro que a Revolução Francesa insurgiu-se contra o Estado monárquico,

servindo de mola-mestra de resistência à opressão, em defesa das liberdades dos

indivíduos, mas a definição de Estado de Direito somente teve lugar na Alemanha,

exprimindo as reivindicações da liberdade que os indivíduos têm razão de opor às

coerções do poder, significando a garantia da liberdade dos cidadãos.68

Somente anos mais tarde, segundo Simone Goyard-Fabre, Carré de Malberg,

na França, por volta de 1920, sustentando-se na expressão Estado de Direito

desenvolvida pelos alemães, conferiu inigualável aclaramento conceitual à noção do

citado termo.

Referido aclaramento se dá, em um primeiro momento, quando Carré de

Malberg opõe o Estado de Direito ao Estado de Polícia69.

63 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 313. 64 Cf. GERHARD. Kant e a instituição da paz, p. 102. 65 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 314. 66 Robert Von Mohl publicou a obra Die Polizei-Wissenschaft nach den Grundsätzen des Rechtsstaates (A ciência policial segundo os princípios do Estado de Direito) entre 1832 e 1834. (Cf. GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 314). 67 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 314. 68 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 314. 69 MALBERG. Teoria general del estado, p. 604.

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O Estado de Polícia é aquele fundado na idéia de que o fim justifica os meios,

um Estado que cultua a força e serve às ideologias belicistas, que aplica aos

cidadãos medidas discricionárias ilegítimas para fazer cumprir os métodos que

levarão à consecução de suas finalidades, como critério de dominação.70

Ao contrário, o Estado de Direito, para Carré de Malberg, não pode ser

entendido como critério de dominação, mas sim, como soberania de seus cidadãos,

é:

Um estado que, em suas relações com seus súditos e para a garantia do estatuto individual deles, submete a si mesmo a um regime de direito, e isso na medida em que sujeita sua ação sobre eles por regras. Dentre essas regras, umas determinam os direitos reservados aos cidadãos; as outras fixam as vias e meios da ação estatal. Essas duas espécies de regras têm o efeito de “limitar a potência do Estado subordinando-o à ordem jurídica que elas consagram.71

O Estado de Direito é concebido no interesse dos cidadãos, ou seja, atuando

dentro da separação de suas competências, por meio da ordem jurídica, defende os

interesses de seus “súditos” contra as arbitrariedades das autoridades estatais.72

Em um segundo momento, Carré de Malberg diferencia o Estado de Direito

do Estado legal ou Estado do Direito.

Enquanto o Estado legal se vincula à concepção política da organização fundamental dos poderes segundo a qual a autoridade administrativa é, em todos os casos, subordinada ao órgão legislativo, o Estado DE direito, de maneira mais estrita, tende a promover e a proteger os direitos e as liberdades (isto é, o estatuto jurídico) dos indivíduos. Em seguida, enquanto a hierarquia das funções sob a autoridade do legislador implica, no estado legal ou Estado DO direito, um regime democrático, o Estado DE direito, que visa a proporcionar aos cidadãos certas garantias individuais, pode conciliar-se com todas as formas governamentais. Enfim, enquanto o Estado legal tende a assegurar a supremacia de uma legislação à qual a administração é subordinada, o regime do Estado de direito é um sistema de limitação, não somente das autoridades administrativas [subordinadas ao mesmo tempo às leis e aos próprios regulamentos infralegislativos], mas também do corpo legislativo. Por isso, segundo os juristas alemães, o estado só pode ficar atado e limitado por sua própria vontade.73

Equivale a dizer que o Estado, para garantir as liberdades dos indivíduos,

limita, pelo direito, o seu raio de ação, configurando-se, assim, em Estado de Direito.

70 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 94. 71 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 316. 72 Cf. GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 316. 73 Cf. GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 317.

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O Estado de Direito norteia-se pela idéia básica de que os direitos

fundamentais, inerentes aos homens, são indisponíveis; é neste Estado que as

liberdades dos indivíduos são garantidas pelo sistema jurídico e são passíveis de

serem alcançadas pela realização da lei.74

Mas, não se deve perder de vista que toda a espécie de radicalização leva à

opressão.

Simplesmente substituir o poder de um tirano pelo poder radical do povo pode

também ser um erro. Um governo que em nome do poder do povo insere-se

sobremaneira na vida dos indivíduos, manipulando as suas existências, incorre nos

mesmos abusos dos antigos tiranos autoritários.75

Daí por que, Banjamim Constant ter afirmado, com base em Montesquieu,

que “a democracia não é a liberdade e que, nem sequer, é a garantia da liberdade

dos indivíduos. Nenhuma autoridade sobre a terra é ilimitada; nem a dos reis, nem a

do povo, nem a dos seus representantes; a própria autoridade da lei precisa ser

limitada”.76

No Estado de Direito a lei age pela lei. O Estado se forma pela lei e atua

segundo as suas determinações, ou seja, os diretos são definidos e fixados pelo

sistema jurídico e, ao mesmo tempo, são protegidos por ele.

A idéia do Estado de Direito corresponde a uma garantia constitucional dos

direitos e liberdades fundamentais, sem sacrificar a ordem pública e a liberdade das

pessoas. É o liame entre a formação e conformação do Estado e a garantia aos

indivíduos de que seus direitos serão, além de assegurados, sobretudo,

respeitados77.

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias sintetiza as formulações doutrinárias de

Karl Larenz sobre a idéia do Estado de Direito ter alcançado o status de princípio,

nele contendo, segundo o autor, uma série de subprincípios. Ante à precisão 74 Neste tipo de Estado de Direito, a garantia e a concretização dos direitos fundamentais permitem aos seus titulares exercer plena, efetiva e socialmente a cidadania ativa do Estado, satisfazendo uma parte decisiva da função de integração, organização e direção jurídica da Constituição. (Cf. QUINTÃO SOARES. Teoria do Estado, p. 306). 75 Sobre a falibilidade do Estado Democrático de Direito Mário Lúcio Quintão Soares estabelece que este tipo de Estado não é uma estrutura acabada, mas uma assunção instável, recalcitrante e, sobretudo, falível e revisável, cuja finalidade é realizar novamente o sistema de direitos nas circunstâncias mutáveis, ou seja, melhor interpretar o sistema de direitos, para institucionalizá-lo mais adequadamente e para configurar o seu conteúdo mais radicalmente. (Cf. Teoria do Estado, p. 306). 76 CONSTANT. Princípios políticos constitucionais: princípios políticos aplicáveis a todos os governos representativos e particularmente a constituição atual da França, p. 97. 77 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 315-317.

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científica da sistematização do pensamento de Karl Larenz feita pelo autor, citamos

a lição relativa aos subprincípios que compõe o princípio maior do Estado de Direito:

Legalidade da administração pública, vinculação do legislador a direitos fundamentais do povo, da independência dos juízes, pleno acesso à jurisdição (impropriamente chamado de acesso à justiça), proibição de intromissões arbitrárias no status jurídico do indivíduo e da proibição de retroatividade das leis desvantajosas. 78

O Estado de Direito é, pois, um princípio fundamentalmente constitutivo do

Estado, formal e materialmente. É um princípio que confedere conteúdo ao Estado,

determina a sua atividade e o seu modo de proceder.

Quando determinado Estado escolhe o princípio do Estado de Direito como

regente de sua constituição, visa conformar as estruturas do poder político e a

organização da sociedade segundo o direito. Esse último tomado como um meio de

ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada. Para garantir essa

função organizadora do Estado, o ordenamento jurídico prescreve normas,

procedimentos e cria instituições. O direito passa a ser o meio de atuação do

Estado, evitando, assim, arbítrios, abusos e irregularidades dos órgãos públicos.79

Também firme nos ensinamentos da doutrina alemã, a qual preconiza o

Estado Democrático de Direito como princípio, está o jurista português José Joaquim

Gomes Canotilho80. Referido autor fornece mais que uma noção sobre o tema, ele

vai além, estabelece um liame entre o princípio do Estado de Direito e do Estado

Democrático por meio do Direito Constitucional81.

O Estado de Direito e o Estado Democrático seriam princípios estruturantes

do Estado Constitucional, ou seja, uma espécie de princípio constitutivo do núcleo

essencial da constituição, garantindo a ela certa identidade e estrutura. Como todas

as normas estruturantes, referidos princípios apresentam uma dimensão constitutiva

(denotando uma compreensão global da ordem constitucional) e uma dimensão

declarativa (utilizada para exprimir a soma de outros subprincípios e de

concretizações normativas constitucionais).82

78 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 98. 79 Cf. HESSE. Estudos sobre la jurisdiccion constitucional: (con especial referencia al tribunal constitucional alemán), p. 57. 80 No mesmo sentido QUINTÃO SOARES. Teoria do Estado, p. 303. 81 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade pela função jurisdicional do estado, p. 98-99. 82 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 345.

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O princípio estruturante do Estado de Direito significa, pois, nas palavras de

Canotilho, “uma ordem de paz garantida através do direito”. Já o princípio do Estado

Democrático83 significa que o poder pertence ao povo e é exercido pelo povo e para

o povo.84

Canotilho acentua o equívoco de se confundir o conceito de Estado de Direito

com o de Estado Democrático.85 Cada princípio estruturante apresenta per si a sua

própria definição, a sua própria marca distintiva dos demais. Entretanto, frisa que,

mesmo que cada um tenha a sua própria essência constitutiva, trabalham na

constituição do Estado de forma imbricada, completando-se, limitando-se e

condicionando-se de forma recíproca.86

“O Estado de Direito é um Estado Constitucional”. Com esta afirmativa, o

jurista português refere-se a um Estado que pressupõe a existência de uma

constituição que forme a ordem jurídica fundamental do Estado, vinculando todas as

funções públicas. A Constituição confere ao Estado e aos atos dele emanados

medida e forma, por isso não é uma simples lei incluída no sistema normativo, ao

contrário, trata-se de uma verdadeira “ordenação normativa fundamental dotada de

83 Mário Lúcio Quintão Soares elege como fundamento básico para o princípio da democracia a igualdade. Preconiza que a igualdade é fundamento da democracia, que não admite os privilégios e distinções característicos dos sistemas liberais. Que a igualdade não pode ser reduzida a igualdade perante a lei ou à igualdade através da lei. (Cf. Direitos fundamentais do homem nos textos constitucionais brasileiro e alemão, p. 99). No mesmo sentido, CANOTILHO realça a impropriedade de uma igualdade perante a lei, asseverando que “os revolucionários de 1789 estabeleceram o princípio da igualdade perante a lei. Ora a lei, em virtude da existência de classes sociais, quer no seu enunciado, quer na sua aplicação, não impediu a formação de desigualdades de fato entre os cidadãos, de maneira que, por isso mesmo, a igualdade perante a lei não tem na realidade grande significado. Essa proclamação era uma reação necessária contra as desigualdades oriundas do regime feudal, sem contudo impedir que do novo regime nascessem eventualmente outras desigualdades. Sob o impulso das forças criadoras do direito, o legislador teve progressivamente de publicar leis setoriais para poder levar em conta diferenças nas formações e nos grupos sociais. A lei não pode descer a estes casos singulares, aos juízes é que compete fazê-lo. A lei nas mãos deles é como um tecido que deve talhar-se à medida de cada um. Em caso determinado, essas particularidades individuais, específicas, requerem tratamento adequado, quantitativa e por vezes qualitativa. Estas desigualdades só estão de acordo com a “justiça” desde que as leis ou a sua aplicação não criem diferenças ou discriminações contrárias aos grandes princípios do direito nomeadamente ao princípio do respeito aos direitos do homem.” (Direito Constitucional, p. 381). 84 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 345-346. 85 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 347. 86 Como os princípios estruturantes conferem identidade e estrutura próprias ao Estado que formam, organizando-o e disciplinando a sua atuação perante seus governados, eles vêm quase todos enunciados no capítulo introdutório da Constituição da República brasileira de 1988. (Cf. CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 347. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 119-123.

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supremacia – supremacia da constituição” e é nessa supremacia que o Estado de

Direito encontra a sua maior expressão.87

Foi na época da Revolução Francesa que as idéias constitucionalistas

ganharam força, expressando a capacidade do poder. Nas palavras de Simone

Goyard-Fabre, “em menos de dois séculos, a Constituição foi considerada a

escritura necessária do poder”.88

No âmago do humanismo jurídico, o constitucionalismo destacou-se fixando a

idéia, cada vez mais clara, de que o homem era o único centro de gravidade

possível do poder e de que, no Estado, somente ao conjunto de homens

organizados politicamente (Povo) incumbe a tomada de iniciativa das normas

jurídicas. Por meio das normas, proclamou-se a capacidade de autonomia do

homem, reconhecendo-o como produtor de uma ordem jurídica capaz de organizar e

administrar a vida pública.89

O Estado Moderno teve seu pórtico construído pela concepção de um Poder

fundado em uma base constitucionalista. Ao direito, tomado na acepção de conjunto

de normas, de ordenamento jurídico, passou-se a incumbir a função de organizar o

poder do povo, delegado ao Estado, em conformidade com a razão.90

Consagrou-se, pois, no século XVIII a evolução do racionalismo e, com ele, a

consagração da definição de Constituição, como capacidade normativa fundamental

do “Poder do Estado”.91

A definição de Constituição se aproxima muito da idéia de “lei fundamental”,

denota a palavra originária das competências normativas e dos órgãos do Estado e

delineia o esquema de hierarquia das normas.

A Constituição, ao definir as bases do Estado, passa a ser a sua norma

fundamental; se ela é desvirtuada, o Estado perde o seu norte e deturpa as

87 Cf. CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 360. Sobre a supremacia da Constituição, ver também KELSEN. Teoría general del Estado, p. 325-327. BARACHO. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, p. 24. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 132-133. 88 Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 95. 89 Cf. GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 98. 90 A participação do cidadão no poder, como característica da democracia, configura-se pela sua efetiva atuação política em sua comunidade, consagrada por meio do processo. Esta nova cidadania, erigida pelo Estado Democrático de Direito, consiste na capacidade de participar no exercício do poder político da gestão dos negócios da comunidade. No Estado Democrático de Direito a soberania popular só se efetiva na circulação de deliberações e decisões racionalmente estruturadas, confirmando a proposição de que não pode haver um soberano no moderno Estado de Direito, eis que o poder pertence, exclusivamente ao povo. (Cf. QUINTÃO SOARES. Teoria do Estado, p. 308). 91 Cf. GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 102.

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liberdades dos cidadãos, por tal motivo, segundo preconiza Montesquieu, “para que

não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder

detenha o poder.”92

O nascimento do Estado coincide, pois, com a elaboração de sua norma

fundamental, por tal razão, Carré de Malberg preconiza que o Estado atrela a sua

existência ao fato de possuir uma Constituição, tendo a sua origem vinculada à

existência dessa norma estrutural, seja ela escrita ou não, tomada como o estatuto,

nas palavras do autor “que dá a coletividade, órgãos que asseguram a unidade de

sua vontade e fazem dela uma pessoa estatal.93

A Constituição não só funda o Estado, mas também constitui o princípio

regulador de seu funcionamento. Tratando-se de norma hierarquicamente superior a

todas as outras que dela decorrem e dela retiram seu fundamento de existência e

validade, é preciso, pois, estabelecer a relação dessa norma fundamental com o

povo.94

Ora, se é a Constituição que cria o corpo político do Estado, dando a ele

forma e definindo previamente as suas finalidades e competências, se é ela que

sintetiza o poder, pode-se afirmar que a soberania popular consiste essencialmente

no poder constituinte do povo.95

Na segunda metade do século XVIII Rosseau teoriza sobre a soberania do

povo, contrapondo-a a soberania dos príncipes. Para ele a soberania, inalienável e

incomunicável, é apenas o exercício da vontade geral. É atributo essencial e

indefectível do povo. Com esse pensamento, Rousseau afastou a possibilidade de

exercício do poder, que somente ao povo pertence, por meio de representantes.

Afirmava que a soberania do povo não comporta representação, porque a vontade

não pode ser representada. Se o povo atribui a si um representante ele já não pode

ser considerado livre. Portanto, segundo Rousseau, a partilha da vontade geral,

atenta necessariamente contra a plenitude indivisível da soberania do povo.96

Na seqüência da evolução histórica do pensamento, Sieyès se vangloria por

ter dado acabamento ao pensamento de Rousseau.

92 MONTESQUIEU. Do espírito das leis, p. 154. 93 MALBERG. Teoria general del estado, p. 605. 94 Cf. SIEYÈS. Que es el tercer estado?, p. 65-66. 95 Cf. SIEYÈS. Que es el tercer estado?, p. 67. 96 Cf. ROUSSEAU. O contrato social, p. 72-90.

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Desenvolvendo a teorização de Rousseau sobre a soberania popular, Sieyès

afirma que ela se confunde com a soberania nacional. Embora este filósofo se

proponha a dar seguimento a obra daquele, distancia-se um pouco de suas idéias

mestras ao preconizar que a soberania popular não exclui a representação, pelo

contrário, segundo Sieyès, é por meio de uma representação que se traduz a

unidade da soberania nacional.97

Aproximando seu pensamento ao de Montesquieu, Sieyès escreve sua frase

célebre: “o povo não pode ter outra voz senão a de seus representantes, ele só pode

falar, só pode agir por meio deles.98

Independentemente das diferenciações apresentadas nas teorias de

Rousseau e Sieyès sobre a definição de representação, do pensamento dos dois

juristas, concebido à época da Revolução e da oposição ao “poder dos príncipes”,

conclui-se que eles estão de acordo sobre um ponto: a soberania pertence ao

povo.99

Os pensamentos dos filósofos da época refletiam a necessidade de

afastarem-se do subjugo dos reis, do chamado “antigo regime”, de uma soberania

opressora que limitava a liberdade dos indivíduos pela sobreposição da vontade dos

príncipes. Daí o fervor patriótico e do amor à liberdade, por um Estado definido e

criado pela vontade popular, como associados sob uma mesma lei comum e

representados pela mesma legislatura.100

A concepção da soberania popular marcou definitivamente o fim do regime

absolutista, correspondendo a uma verdadeira revolução das idéias consagrou o

humanismo e as forças das concepções racionais, as mesmas que originaram o

princípio do Estado de Direito e do Estado Democrático.

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, com escólio na doutrina de Canotilho,

acentua que a dimensão hodierna do Estado Democrático de Direito deriva da

junção desses dois princípios por meio de normas constitucionais, e que a

97 GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito, p. 182-184. 98 Cf. SIEYÈS. Que es el tercer estado?, p. 70-75. 99 Sieyès chega a afirmar expressamente que o homem só pode ser livre com o povo e por ele. (Cf. SIEYÈS. Que es el tercer estado?, p. 74). 100 A Constitution de 1791 dará a essa idéia sua versão oficial e pública: “A soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível. Ela pertence à nação: nenhuma seção do povo, nem indivíduo algum, pode atribuir-se o exercício dela”. Constituição de 1791, título III, art. 1. (GOYARD-FABRE. Os princípios filosóficos do direito, p. 184).

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democracia é, nos modernos ordenamentos “fonte de legitimação do exercício do

poder, que tem origem no povo”.101

Jurídico-constitucionalmente o conceito de povo revela-se como um conjunto

de indivíduos concretamente existentes e operantes no território, ligados à

República, sobretudo pelo status da cidadania. Um povo que participa ativa e

diretamente da vida política aproxima-se do conceito de povo como conjunto de

cidadãos, da idéia de povo presente de forma real nos atos de afirmação do poder

político.102

O exercício do poder no Estado Democrático de Direito não ocorre de forma

arbitrária, ao contrário, o desempenho das complexas atividades estatais é sempre

voltado à garantia das liberdades e individualidades do povo, destinatários do

poder.103

Surge daí o ciclo de legitimação existente no Estado Democrático de Direito

que guia toda e qualquer atividade estatal, seja ela legislativa, administrativa ou

jurisdicional104.

O poder emana do povo, é exercido por meio de seus representantes eleitos

ou diretamente, nos termos da Constituição, norma fundamental, estruturante e

constitutiva do Estado.

Os representantes eleitos, agentes do Estado, por meio do processo

legislativo, editam as leis que somente deverão ser aplicadas conforme o modelo

constitucional de processo, garantindo que, àquele de quem o poder emana (Povo),

possa participar argumentativamente da construção da decisão.105

101 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 102. 102 Cf. CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 103. Chegar-se à noção de “povo” não é simples porque não é um conceito empírico. Povo é conceito artificial e valorativo e sempre foi um conceito de combate. (MÜLLER. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia, p. 118). Já Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, baseando-se na lição de Jorge Miranda, ensina que povo é o substrato humano do Estado, significando que é a razão de ser do Estado, que o poder emerge do povo, que o poder político é sempre exercido pelo povo ou em nome do povo, que o território do Estado corresponde à área de fixação do povo. (Cf. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 102. MIRANDA, Manual de direito constitucional, t. IV, p. 47-57). 103 Sintetizando o pensamento, Jorge Miranda afirma com propriedade científica que “Estado de Direito Democrático traduz a confluência de Estado de Direito e democracia. Se, historicamente, surgiram sob influências e em momentos diversos, hoje uma democracia representativa e pluralista não pode deixar de ser um Estado de Direito – por imperativo de racionalidade ou funcionalidade jurídica e de respeito dos direitos das pessoas. O poder político pertence ao povo e é exercido de acordo com a regra da maioria, mas está subordinado – material e formalmente – à Constituição com a conseqüente fiscalização jurídica dos actos do poder”. (Manual de direito constitucional, t. IV, p. 210). 104 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 104. 105 Sobre a gênese democrática do direito Marcelo Cattoni diz que é “através da participação discursiva no processo legislativo democrático que os destinatários das normas jurídicas tornam-se

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Sobre este ciclo de legitimação Friedrich Müller coloca que:

O povo ativo elege os seus representantes; do trabalho dos mesmos resultam (entre outras coisas) os textos das normas; estes são, por sua vez, implementados nas diferentes funções do aparelho do Estado; os destinatários, os atingidos por tais atos são parcialmente todos, a saber, o ‘povo’ enquanto população. Tudo isso forma uma espécie de ciclo de atos de legitimação, que em nenhum lugar pode ser interrompido (de modo não-democrático). Esse é o lado democrático do que foi denominado estrutura de legitimação.106

Esse ciclo de legitimação, preconizado pela doutrina alemã, revela a conexão

entre os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito por meio das

normas constitucionais de natureza material e formal.

Para que o Estado constitucional garanta aos indivíduos a realização de seus

direitos fundamentais, faz-se necessário um instrumento legitimador que seja capaz

de efetivá-los, permitindo aos cidadãos a realização de sua esfera de liberdades e a

possibilidade de insurgir-se contra as indevidas ingerências do próprio Estado em

sua esfera de direitos. O processo constitucional coloca-se, assim, no centro de toda

a estruturação de atuação das garantias constitucionais107, únicas capazes de

realizar os direitos fundamentais e harmonizar o Estado Democrático de Direito108.

2.2 PROCESSO COMO ESPÉCIE DO GÊNERO PROCEDIMENTO SOB O ENFOQUE DA PRINCIPIOLOGICA CONSTITUCIONAL

A escola Bülowiana109, que entende o processo como relação jurídica entre

pessoas e como instrumento da jurisdição, além de não propor reflexões em um viés

os autores das mesmas”. CATTONNI DE OLIVEIRA. Jurisdição constitucional: poder constituinte permanente?, p. 84 et seq. In: SAMPAIO e CRUZ (Coords.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. 106 MÜLLER. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia, p. 60. 107 ANDOLINA. O papel do processo na atuação do ordenamento constitucional e transnacional, p. 64. 108 Flaviane Barros, valendo-se da Teoria habermasiana, afirma que no “Estado Democrático de Direito, o cidadão deve ser compreendido como autor e destinatário, de modo que a principal mudança, baseada na crítica às políticas eticizantes do Estado Social, consiste justamente na participação dos afetados no processo de construção e reconstrução comunicativa de seus direitos”. (Os direitos das vítimas de crimes no Estado Democrático de Direito: uma análise do projeto de lei nº 269/2003 – Senado Federal, p. 03). 109 A proposta teórica de Bülow coloca o processo como instrumento da jurisdição, devendo esta ser entendida como atividade do juiz na criação do direito em nome do Estado com a contribuição do

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democrático, afastando-se do princípio do Estado Democrático de Direito, também

não faz adequada distinção entre processo e procedimento.110

Discorrendo sobre o assunto, Dinamarco, Cintra e Grinover tentaram

estabelecer a distinção entre processo e procedimento, preconizando que o

procedimento seria o “meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e

termina o processo”; o processo seria a manifestação extrínseca do procedimento, a

sua realidade fenomenológica perceptível”. O processo, para referidos autores,

envolveria, essencialmente, uma noção teleológica, porque ele se caracteriza por

sua finalidade de exercício de poder (no caso, o jurisdicional)”. 111

Segundo essa concepção, que não aclara os conceitos cientificamente, mas,

pelo contrário, procura obscurecer a compreensão, afastando a participação dos

destinatários da lei da construção da decisão final, o procedimento seria apenas o

aspecto formal do processo.112

Essa concepção dúbia de procedimento foi reelaborada de forma brilhante

pelo italiano Elio Fazzalari, o qual, com a oferta de sua teoria em 1978, inaugurou o

discurso democrático do direito processual.113

Seus estudos partiram inicialmente dos ensinamentos de Feliciano Benvenuti,

o qual, após constatar que os atos-elementos do procedimento são pressupostos de

validade e eficácia do ato final, dissertou que somente pelo processo as partes,

destinatárias dos efeitos desse ato, podem construir participativamente a decisão,

concretizando o poder que ao povo pertence.114

sentimento e experiência do julgador. (Cf. LEAL. Processo e Jurisdição no Estado Democrático de Direito: Reconstrução da jurisdição a partir do Direito Processual Democrático, p. 44). Para o autor, a teoria bülowiana do processo como relação jurídica contém um conceito de jurisdição como atividade do juiz no reforço de convicções nacionais alemãs (p. 18). 110 CATTONI DE OLIVEIRA. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional, p. 161-163. 111 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria geral do processo, p. 275. 112 CATTONI DE OLIVEIRA. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional, p. 162. 113 Cf. FAZZALARI. Instituições de direito processual. 114 Benvenuti afirma ainda que no processo, um ou mais atos de um dos sujeitos (v. g. o Estado) encontra a sua razão de ser ou o seu limite em atos de outro sujeito (v. g. o particular). E quando essa razão de ser ou esse limite surge ou é colocado no interesse do sujeito diverso daquele que emana o ato e que é deste o destinatário, se está na presença não mais de um simples procedimento, mas de um processo. Essa construção do processo, como forma de explicitação de uma função pública limitada positivamente ou negativamente, na sua explicação por atos colocados em movimento por ou no interesse do destinatário final, individua, evidentemente, o elemento essencial do instituto. [...] No processo, de fato, os mesmos destinatários do ato têm a possibilidade de participar à concretização do poder naquele ato que é determinativo de sua posição jurídica. E isso explica enfim o modo evidentíssimo como o processo é a forma típica de explicação da função

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Fazzalari, por sua vez, articulou sua teoria concebendo o procedimento como

uma estrutura normativa composta de uma seqüência de atos jurídicos praticados

pelos sujeitos do processo, em uma determinada conexão, em que a validade da

prática do ato conseguinte pressupõe a existência válida do ato antecedente. O

procedimento seria assim entendido como uma estrutura legal de atos jurídicos

seqüenciais, numa relação espácio-temporal, em que o ato inicial é pressuposto do

ato conseguinte e este como extensão do ato antecedente e assim sucessivamente

até o provimento final.115

A posição dos interessados-destinatários na decisão dar-se-ia por meio da

norma, que valora suas condutas como lícitas, facultativas ou devidas. Dentro da

idéia de formação de uma estrutura procedimental, cada norma representa uma

conduta e a qualifica como uma faculdade ou um ônus, um direito ou uma obrigação

para o cidadão. Assim, em nítido contraste com a clássica noção de relação jurídica

entre pessoas, como propunham Bülow e seus adeptos, a teoria fazzalariana

avançou para uma relação jurídica internormativa que estabelece uma estrutura

jurídica de atos e posições jurídicas, daí concluindo seu ator:

[...] a estrutura do procedimento se obtém quando se está diante de uma série de normas (até a reguladora de um ato final, freqüentemente um provimento, mas pode-se tratar também de um simples ato), cada uma das quais reguladora de uma determinada conduta (qualificando-a como direito ou obrigação), mas que enuncia como pressuposto da sua

jurisdicional. Porque a sentença da qual as partes são os destinatários é ato emanado, sobretudo no seu interesse, e só secundariamente no interesse do Estado à Justiça; onde, sobretudo na explicação daquela função é sentida a necessidade de os destinatários serem também partícipes do processo, isto é, concorrerem à determinação do ato no momento, melhor, na série de momentos nos quais o poder se concretiza. (Cf. Funzione amministrativa, procedimento, processo, p. 135-136). Redenti já definia procedimento como um conjunto de atos que se desenvolve tendo por objetivo a produção de um ato estatal de caráter imperativo. (Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 65). A noção de procedimento já era visualizada como atos que se entrelaçam conforme uma estrutura normativa, envolvendo atos das partes e do autor do ato final. Liebman também já falava na existência de elos de uma corrente para tentar definir procedimento, todavia, sua concepção acabou por afastar processo de procedimento. (Cf. LIEBMAN. Manual de direito processual civil, p. 56-72). Foi com Elio Fazzalari que o procedimento passou a ser trabalhado de forma sistematizada, coerente e lógica. 115 Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 254. Seguindo de perto a lição de Fazzalari, que escreveu: “[...] o regime de validade e eficácia de cada ato do procedimento, e do ato final, sofre com a regularidade ou irregularidade do ato que o precede, e influi na validade e na eficácia do ato e dos atos, dependentes, posteriores (incluídos também o ato final). Em tudo isso existe a confirmação da validade teórica da noção de “procedimento”, da sua necessidade”. (tradução livre do trecho “[...] il regime di validità ed efficacia di ciascun atto del procedimento, e di quello finale, risente della regolarità o irregolarità dell’atto che lo precede, e influisce sulla validità e sull’efficacia dell’atto e degli atti, dipendenti, che seguono (quello finale compreso). In tutto ciò è la conferma della validità teorica della nozione di ‘procedimento’, della su necessità.”) (Istituzioni di diritto processuale, p. 80).

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própria aplicação, o cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série.116 [grifamos]

Certamente, a grande contribuição da teoria estruturalista residiu em fornecer

elementos que esclarecem as diferenças entre os institutos do processo e do

procedimento dentro de uma perspectiva democrática, preconizando a necessidade

de participação em contraditório, por parte dos destinatários-interessados, nos atos

que antecedem uma decisão estatal. 117

A partir das considerações de Fazzalari, chegamos a duas conclusões

iniciais: pode haver procedimento sem processo, mas não pode haver processo sem

procedimento, e, de forma mais significativa, teríamos que a legitimação de qualquer

ato de caráter vinculante emanado de uma atividade estatal, seja ela

procedimentalmente exercida sob função administrativa, legislativa ou

jurisdicional,118 suplica, necessariamente, o contraditório entre aqueles que sofrerão

seu reflexo dentro de sua particular esfera jurídica de direitos. O contraditório, assim,

traz o traço diferenciador que imprime existência ao processo e possibilita aos

interessados participar efetivamente na atividade de preparação de quaisquer

espécies de provimento. 116 Cf. FAZZALARI. Instituições de direito processual, p. 113-114. 117 Há processo onde houver o procedimento realizando-se em contraditório entre os interessados, e a essência deste está na ‘simétrica paridade’ da participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos. [grifos nossos]. (GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 115). 118 Marcelo Cattoni de Oliveira afirma que Serio Galeotti afasta-se da proposta fazzalariana, vez que não utiliza o contraditório como critério diferenciador entre processo e procedimento. Para este autor, o processo é o procedimento jurisdicional que visa a um ato específico: o provimento jurisdicional. Portanto, para distinguir entre processo e procedimento, Galeotti vale-se do critério da finalidade. A expressão processo é, assim, reservada para o exercício da função jurisdicional (Cf. CATTONI DE OLIVEIRA. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional, p. 163). Os estudos de Fazzalari, no entanto, oferecem, a nosso ver, um critério cientificamente mais sustentável para apartar processo e procedimento, porquanto, segundo suas escorreitas colocações, atos imperativos podem ser emanados de quaisquer funções estatais (legislativa, administrativa e jurisdicional), conforme anota o autor na seguinte passagem: “[...] se, in prima approssimazione, indichiamo come provvedimenti gli atti con cui gli organi dello Stato (gli organi che legiferano, quelli che governano in senso lato, quelli che redondo giustizia, e cosi via) emanano, ciascuno nell ambito della própria competenza, disposizioni imperative.” (FAZZALARI. Instituzioni di diritto processuale, p. 7). Assim, a participação em contraditório dos interessados nos atos que antecedem ao provimento, permite que haja processo não apenas jurisdicional, mas também administrativo e legislativo, como bem registrou Aroldo Plínio Gonçalves: “A espécie de procedimento denominada processo se subdivide, também, em subclasses, e pode-se falar em espécies de processos: processo administrativo, em que se desenvolve a atividade da Administração, processo legislativo, em que se desenvolve a atividade legislativa, processo jurisdicional, em que se desenvolve a atividade do Estado de fazer a justiça, por meio de seus juízes” (Técnica processual e teoria do processo, p. 115). A expressão “fazer justiça, por meio de seus juízes” decorre, a nosso ver, do uso corrente do termo, de um vício de linguagem; não guarda correlação com o conjunto da obra, em que o autor mineiro defende um processo de partes e dissociado da idiossincrasia do juiz.

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A incursão teórica fazzalariana contemplou o contraditório como atributo do

processo e a contextualização de suas cogitações deve se voltar à época em que

seus estudos foram articulados. Portanto, embora suas idéias tenham representado

um claro contraponto à doutrina que centraliza o estudo do direito processual em

torno da jurisdição e do papel do juiz, e, ainda mais relevante, tenha buscado uma

forma de controle da função estatal, seria de anotar que sua teoria trabalha

exclusivamente no campo da técnica procedimental,119 não chegando a deitar raízes

nos preceitos constitucionais.

Por tal razão, entendemos que a teoria estruturalista deve ser aliada à visão

constitucionalista do processo, sintetizando, assim, os atributos inerentes ao Estado

Democrático de Direito.

O conjunto de garantias processuais asseguradas pelas Constituições das

sociedades minimamente civilizadas provocou a releitura do direito processual e

desencadeou em 1950, com Couture120, o movimento que despontou na Itália no

final da década de 70 com os estudos de Andolina e Vignera121, se difundindo por

diversos outros países com as obras de insignes juristas, a exemplo de Fix-

Zamudio,122 Canotilho,123 e Baracho,124 e permitiu a identificação de uma nova

proposta teórica.

A partir de 1979 tem-se, com Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, uma

concepção ainda mais avançada de processo, em que seus preceitos fundamentais

devem ser hauridos da própria Constituição:

As normas e os princípios constitucionais respeitantes ao exercício da função jurisdicional, se considerados na sua complexidade, consentem ao intérprete delinear um verdadeiro e próprio esquema geral de processo, suscetível de formar o objeto de uma exposição unitária.125

119 NUNES. Da teoria fazzalariana de processo, p. 35. 120 COUTURE. Fundamentos del derecho procesal civil. 121 ANDOLINA e VIGNERA. I fondamenti costituzionali della giustizia civile: Il modelo costituzionale del processo civile italiano. 122 FIX-ZAMUDIO. La protección jurídica y procesal de los derechos humanos ante las jurisdicciones nacionales. 123 CANOTILHO. Direito Constitucional. 124 BARACHO. Processo constitucional. 125 ANDOLINA e VIGNERA. I fondamenti costituzionali della giustizia civile: Il modelo costituzionale del processo civile italiano, p. 07. No original: “Le norme ed i principi costituzionali riguardanti l’esercizio della funzione giurisdizionale, se considerati nella loro complessità, consentono all’interprete di disegnare um vero e proprio schema generale di processo, suscetibile di formare l’oggetto di una esposizione unitária”.

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Devido processo constitucional, ou esquema geral de processo, conforme

expressão de Andolina e Vignera, não é sinônimo de formalismo ao qual se busca

atribuir uma roupagem constitucional.126

Com efeito, o exame cientifico entre Constituição e Processo aguçou-se após

a percepção de que não bastava a positivação, em sede constitucional, de diversos

direitos e garantias fundamentais se não houvesse meios aptos a assegurar sua real

aplicabilidade e, neste contexto, o modelo constitucional de processo surge como

instrumento básico de efetivação desses direitos, ao permitir que, por meio dele, os

cidadãos se insurjam contra indevidas ingerências, especialmente por parte do

Estado, mas, também, pelo próprio particular, em sua esfera jurídica de direitos.

Nessa linha de raciocínio, a advertência de José Alfredo de Oliveira Baracho, ao

pontificar que a “Constituição pressupõe a existência de um processo como garantia

da pessoa humana”,127 é prestante para adequada compreensão do processo

constitucional como metodologia128 de estruturação e atuação dos direitos

fundamentais.

Tecendo considerações em torno da matéria, Andolina observa que:

As razões que favoreceram o processo jurisdicional no quadro de possíveis instrumentos de atuação do sistema das garantias são múltiplas [...] Nessa direção, particular impulso foi dado pelas normação constitucional, que focalizou a área da tutela jurisdicional, traçando um verdadeiro e próprio “modelo” (constitucional, evidentemente) de processo jurisdicional, e colocando no processo o centro de gravidade de toda a estrutura de atuação dos valores constitucionais.129

Os levantamentos sobre o processo constitucional partem de análises sobre o

conceito, a extensão e limites das garantias processuais constitucionais, que, no

caso brasileiro, são previstas de forma abrangente, destacando-se dentre elas o

princípio da igualdade, o princípio da reserva legal, o princípio do contraditório, o

princípio da ampla defesa, nesta incluída a indispensabilidade da presença do

advogado, o juízo natural, o direito à prova lícita, o princípio da fundamentação

126 ANDOLINA e VIGNERA. I fondamenti costituzionali della giustizia civile: Il modelo costituzionale del processo civile italiano, p. 65. 127 BARACHO. Teoria geral da cidadania, p. 54. 128 “O processo constitucional não é apenas um direito instrumental, mas uma metodologia de garantia dos direitos fundamentais” (BARACHO. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, p. 47) 129 ANDOLINA. O papel do processo na atuação do ordenamento constitucional e transnacional, p. 64.

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racional das decisões jurisdicionais, o princípio da publicidade dos atos processuais

e o princípio da razoável duração do procedimento.130

A precedência e a superioridade hierárquico-normativa dessas garantias

resultam do princípio da supremacia da Constituição, porquanto, na medida em que

a Constituição confere fundamento de validade às demais normas que compõem o

ordenamento jurídico, colocando-se, assim, no vértice superior da pirâmide jurídica,

segundo o raciocínio kelseniano,131 teríamos a inconstitucionalidade das normas

procedimentais que, subvertendo os valores fundamentais do sistema, a elas se

contrapusessem.

Se a Constituição é o fundamento de validade de todo o arcabouço jurídico,

posto que a produção e aplicação das normas devem irrestrita obediência ao seu

texto, não há direito processual que não deva ser, nesse sentido, constitucional.

Assim, fica superada a clássica compartimentação do processo em civil,

penal, administrativo ou trabalhista, porque com a sistematização de um direito

processual dentro ou a partir da Constituição, todo processo é, necessariamente,

constitucional, o que também implica em afastar a idéia, tão difundida quanto

equivocada, de situá-lo à condição de mero sistema procedimental de livre manejo

da jurisdição judiciária.132

O processo começa a se definir pela participação dos interessados no

provimento na fase que o prepara, ou seja, no procedimento. Mas essa definição se

concluirá pela apreensão da específica estrutura legal que inclui essa participação,

da qual se extrairá o predicado que identifica o processo, que é o ponto de sua

distinção: a participação dos interessados, em contraditório entre eles.133

Entendemos que a metodologia normativa, utilizada na realização dos direitos

fundamentais, são os atos seqüências que compõem o procedimento, segundo

ensinamento de Fazzalari, e que a garantia dos direitos fundamentais faz-se pelos

130 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional. Constituição da República de 1988, artigo 5º, caput, incisos II, LIII, LV, LVI, LX, LXXVIII; artigo 93, incisos IX e X; artigo 133. No mesmo sentido: MAGALHÃES. Jurisdição constitucional, p. 108-109. 131 O trabalho de Hans Kelsen apóia-se nas experiências do Tribunal Constitucional da Áustria, de conformidade com o texto da Constituição de 1º de outubro de 1920, sendo o autor considerado inspirador de uma nova disciplina, qual seja, a da jurisdição constitucional, que seria atividade estatal exercida com o objetivo de tutelar o princípio da supremacia da Constituição e o de proteger os direitos humanos fundamentais nela estabelecidos (Cf. KELSEN. La giustizia costituzionale, p. 145-206). 132 CATTONI DE OLIVEIRA. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional, p. 166-167. 133 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 113.

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princípios constitucionais, consoante as bases do Estado Democrático de Direito,

modelo estatal este que permite a relação entre constituição e processo desde o seu

nascedouro.

O processo está atrelado à Constituição e aos princípios nela estatuídos, ele

é, na lição de Baracho, legitimador da atividade jurisdicional, na medida em que

efetiva os direitos fundamentais134.

O devido processo legal é um conjunto de garantias que o povo ostenta

contra o Estado135. Estas garantias podem ser enumeradas em:

Garantia de o Estado não invadirá o domínio dos direitos individuais e coletivos, se não for chamado a protegê-los, de que o estado não instituirá juízos pós-constituídos, de que a privação dos bens da vida que o Direito assegura não se dará sem as formas de um processo devido e de que não se dará sem a participação e o controle dos destinatários, de que a privação dos bens da vida que o direito assegura não se dará sem as formas de um processo devido e de que não se dará sem a participação e o controle dos destinatários do provimento em sua formação, de que não se dará sem a devida explicação dos jurisdicionados sobre os fundamentos de uma decisão que interfere em seus direitos e nas liberdades pelo Direito asseguradas.136

“O processo é a luz da constituição”, eis que já no nascedouro do Estado é o

processo quem garante a legitimidade da sua formação, garantindo ao povo, de

quem emana o poder, participar da sua estruturação e disciplinarização de suas

atividades essenciais, dentre elas a jurisdicional.137

Não basta a previsão de direitos e garantias fundamentais nos textos

constitucionais. É preciso que haja meios aptos a assegurar a real aplicabilidade

desses direitos e, neste contexto, o modelo constitucional de processo surge como

instrumento legitimador de efetivação dos direitos fundamentais e processuais,

134 BARACHO. Direito processual constitucional, p. 66-70. Segundo as lições de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, distingue-se direito fundamental de garantia fundamental. Os direitos fundamentais compreendem os direitos humanos positivados pelas Constituições dos Estados e as garantias fundamentais compreendem as garantias processuais estabelecidas no ordenamento jurídico-constitucional (Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 109-111). Mário Lúcio Quintão Soares, por sua vez, salienta a oportuna distinção entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, aqueles de caráter inviolável, intemporal e universal e esses como direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta. (Direitos fundamentais do homem nos textos constitucionais brasileiro e alemão, p. 90). 135 BRÊTAS C. DIAS. Processo civil reformado, p. 229. 136 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 184. 137 LEAL. Teoria geral do processo, p. 79.

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permitindo aos cidadãos insurgirem-se contra as indevidas ingerências do Estado

em sua esfera de liberdade.138

Por tais razões, o processo constitucionalizado não pode ser visto como

instrumento da jurisdição, eis que esta se adstringe ao princípio do Estado

Democrático de Direito, devendo, pois, ser entendida como atividade-dever

monopolizada pelo Estado, indissoluvelmente associada às regras e princípios da

ordem jurídico-constitucional, os quais, atinentes à supremacia da Constituição,

caracterizam a legitimidade das decisões, evitando que ao final do procedimento se

obtenha o arbítrio e subjetivismo daquele que tem a atribuição de julgar, afastando-

se da construção participada por aqueles que sofrerão os efeitos da sentença. Desta

forma, como todo processo é constitucional, toda jurisdição também o é.139

No Estado Democrático de Direito o exercício do poder por meio de suas

funções típicas, há de permitir ao destinatário do ato participar de sua elaboração

como forma de legitimar a atuação do Estado e respeitar os direitos e liberdades dos

governados.140

O processo é, pois, o procedimento, a atividade preparatória de um ato estatal

imperativo, dotado de uma diferença específica em relação ao procedimento, qual

seja, o contraditório.141

138 As razões que favoreceram o processo jurisdicional no quadro de possíveis instrumentos de atuação do sistema das garantias são múltiplas. Ligam-se elas, fundamentalmente, ao destaque (apoiado pela tradição jurídica) que o processo – em razão de sua estrutura participativa e da condição de terceiro do julgador – apresenta, tornando-se o instrumento mais idôneo para assegurar uma justa composição dos conflitos. Nessa direção, particular impulso foi dado pela normação constitucional, que focalizou a área da tutela jurisdicional, traçando um verdadeiro e próprio “modelo” (constitucional, evidentemente) de processo jurisdicional, e colocando no processo o centro de gravidade de toda a estrutura de atuação dos valores constitucionais. (ANDOLINA, O papel do processo na atuação do ordenamento constitucional e transnacional, p. 64). 139 Forte na lição de que o processo é meio pelo qual os direitos fundamentais de concretizam, Mário Lúcio Quintão Soares esclarece que para a concretização dos direitos fundamentais é essencial a existência de um pressuposto constitucional comum vinculativamente operante, ou seja, o processo. (Direitos fundamentais do homem nos textos constitucionais brasileiro e alemão, p. 93). 140 Discorrendo sobre o assunto, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias diz que “a manifestação do poder do Estado, exercido em nome do povo (Constituição da República, artigo 1º, parágrafo único), que se projeta no pronunciamento jurisdicional, é realizada sob rigorosa disciplina constitucional principiológica (devido processo constitucional) só podendo agir o Estado, se e quando chamado a fazê-lo, dentro de uma estrutura metodológica construída normativamente (devido processo legal) de modo a garantir adequada participação dos destinatários na formação daquele ato imperativo estatal, afastando subjetivismo ou ideologia do agente público julgador (juiz), investido pelo Estado do poder de julgar, sem espaço para a discricionariedade ou a utilização de hermenêutica canhestra, fundada no prudente ou livre arbítrio ou prudente critério do juiz, incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito.” (A garantia da fundamentação das decisões jurisdicionais no Estado Democrático de Direito, p. 151). 141 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 119.

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2.3 GARANTIA FUNDAMENTAL DO CONTRADITÓRIO Embora a definição de contraditório seja relativamente recente, pode-se dizer

que a idéia central que lhe dá contorno não o é.

Segundo lições de Aroldo Plínio Gonçalves, Rudolf Von Jhering já antevia a

necessidade de no processo haver uma “justiça intrínseca”, descrita por ele como a

forma com que as partes deveriam atuar no processo. As partes em face do juiz

tinham, para este autor, uma relação de subordinação em face do juiz, mas em

relação uma com a outra, deveriam pautar-se pela igualdade de atuação,

combatendo-se com armas coincidentes.142

A utilização do termo “justiça intrínseca” não apresenta precisão científica,

todavia, já representava a origem da garantia fundamental do contraditório,

expressando a necessidade de as partes serem tratadas sem distinções no

processo.

Mais tarde, o princípio audita altera parte daria origem à primeira definição de

contraditório, significando o adágio que uma decisão não pode ser proferida,

ganhando condição de imperativa, a quem não participou do prévio debate jurídico.

Em outras palavras, a sentença, como ato final do procedimento, somente obriga às

partes se elas, previamente, tiveram a possibilidade de se fazerem ouvir143.

Essa primeira idéia de contraditório é a que prevalece entre os adeptos da

teoria do processo como relação jurídica. Teoria em que predomina o vínculo de

exigibilidade, de subordinação, de infra-ordenação, de sujeição entre as partes em

face do Estado-juiz.

No Brasil, o contraditório passou a integrar a Constituição no ano de 1937

(artigo 122, n. 11, segunda parte). Foi mantido nas Constituições posteriores (1946,

artigo 141, § 25; 1967, artigo 140, § 16, renumerado na Emenda de 1969 para artigo

153, § 16), e, atualmente, está consagrado no artigo 5º, LV da Constituição da

República de 1988.144

142 Cf. Técnica processual e teoria do processo, p. 119. 143 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 120. 144 Aos ligantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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Tomado como garantia constitucional, presente em todas as espécies de

procedimento, o contraditório somente teve lugar com a promulgação da

Constituição Republicana de 1988 (art. 5º, inciso LV). Antes disso, discutia-se se o

contraditório era assegurado apenas ao procedimento civil ou se também se fazia

presente no penal145. Agora não mais subsiste tal dúvida, vez que, em face da nova

redação, ele aplica-se indiscriminadamente a qualquer processo, seja ele judicial ou

administrativo, excetuando-se o inquérito policial.

A sua nova composição não se restringe mais à atividade instrutória, como

constava na Constituição anterior. Período em que a doutrina não compreendia na

exigência do contraditório as alegações das partes, desconhecendo que a atividade

instrutória abrange todos os atos capazes de influir na formação na decisão final.146

Os clássicos defensores da corrente teleológica do processo, os chamados

instrumentalistas de hoje, concebiam o processo como instrumento posto a serviço

da jurisdição, com vistas a fazer justiça. O processo seria, assim, o instrumento de

subjetividade do juiz na pacificação dos conflitos, cumprindo objetivos sociais,

políticos e jurídicos. Nesse contexto, o termo “justiça” é usado com significação

equívoca, não se sabe se justiça é uma referência ao Judiciário ou se é o resultado

de um julgamento aplaudido popularmente.147

Nessa linha de raciocínio, tais clássicos concebiam o contraditório como a

simples garantia de dizer e contradizer, tão-somente como o direito de ser ouvido,

conforme se extrai desde as antiqüíssimas obras de Aristófanes,148, como a ciência

bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los, atendendo

apenas para uma estrutura procedimental monologicamente dirigida pela

perspectiva unilateral de formação do provimento pelo magistrado.

145 FERNANDES. A garantia do contraditório, p. 63. 146 FERNANDES. A garantia do contraditório, 64-68. 147 LEAL. Teoria da defesa no processo civil, p. 109. 148 Aristófanes (447 a.C. a 385 a.C.) foi um dramaturgo grego. É considerado o maior representante da comédia antiga. Nasceu em Atenas e, embora sua vida seja pouco conhecida, sua obra permite deduzir que teve uma formação intelectual privilegiada. Escreveu mais de quarenta peças, das quais apenas onze são conhecidas. Conservador, revela hostilidade às inovações sociais e políticas e aos deuses e homens responsáveis por elas. Seus heróis defendem o passado de Atenas, os valores democráticos tradicionais, as virtudes cívicas e a solidariedade social. Violentamente satírico, critica a pomposidade, a impostura, os desmandos e a corrupção na sociedade em que viveu. Seu alvo são as personalidades influentes: políticos, poetas, filósofos e cientistas, velhos ou jovens, ricos ou pobres. Aristófanes apontou a necessidade de observância da vetusta parêmia ‘audiatur altera parte’ na resolução de conflitos intersubjetivos ao afirmar: “Como era sábio aquele que disse: não julgues sem ter ouvido ambas as partes” (Cf. ROSAS. Direito processual constitucional: princípios constitucionais do processo civil, p. 42).

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Esse locus hermenêutico de um contraditório estático,149 fomentador da

ideologia que atribui à jurisdição o dever de manejar o processo a serviço do

interesse público, bem-estar do povo e da paz social, tem incentivado o

pronunciamento de decisões judiciais que desconsideram ao seu embasamento os

argumentos deduzidos pelas partes no curso do iter procedimental, num claro

exercício de atividade solipsista orientada por hercúleos critérios subjetivos do

agente público julgador que, neste aspecto, acaba por monopolizar completamente

as tarefas de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico, de forma

absolutamente dissociada do princípio do Estado Democrático de Direito.150

A teoria estruturalista do processo, que o toma como procedimento realizado

em contraditório, meio de efetivação de direitos fundamentais, utiliza uma definição

de contraditório afastada do simples dizer e contradizer, da mera participação das

partes.

A teoria por nós abarcada preconiza o contraditório como garantia processual,

como possibilidade assegurada às partes, que sofrerão os efeitos do ato estatal

final, de atuarem em simétrica paridade de oportunidades na formação da decisão

final.151

Sendo o processo, como há pouco adiantamos, uma espécie do gênero

procedimento, que possui o contraditório como elemento definidor de sua estrutura,

garantidor, por isso, da efetivação de direitos fundamentais, ele exige que os

interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do processo

que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em

simétrica paridade do iter procedimental, para a formação da decisão final.152

O contraditório, como garantia constitucional de realização de direitos

fundamentais, garante às partes, que sofrerão os efeitos da decisão, a possibilidade

de atuarem no processo com as mesmas condições e oportunidades processuais,

assim como, impõe ao juiz, não a participação em simétrica paridade, mas a

participação de zelo no processo para que o contraditório entre as partes seja

149 A expressão contraditório estático é sugerida por Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera (I fondamenti costituzionali della giustizia civile: Il modelo costituzionale del processo civile italiano, p. 154). 150 Cf. LEAL. Teoria da defesa no processo civil, p. 109-113. 151 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do procedimento, p. 126-127. 152 FAZZALARI. Instituzioni di diritto processuale, p. 85.

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respeitado, cabendo ao juiz adotar as providências para garanti-lo, determinando as

medidas para assegurá-lo, para fazê-lo observar e para observá-lo ele mesmo.153

Nessa perspectiva, cabe ao juiz informar as partes os atos procedimentais

que deverão ser praticados por elas, garantindo que a informação seja efetivamente

dada, oportunizando a elas a atuação no processo. No que se refere às partes, uma

vez cientificadas do ato que cabem praticar, delas não se pode exigir a atuação

efetiva no processo, podendo, como vimos, suportar os eventuais ônus de sua

omissão.

No processo penal hodierno não há mais dúvidas, como havia no passado, de

que esta espécie de procedimento é realizada sob a regência do contraditório. É ele

um processo de partes, ainda que uma delas seja representada pelo Estado, por

meio do órgão do Ministério Público.

O conceito atual de contraditório permite visualizar que em uma ação penal

pública há interessado e contra-interessado, que um receberá os efeitos favoráveis

da sentença e o outro os efeitos desfavoráveis, por isso, autor do ato e contraditor

deverão atuar em simétrica paridade de oportunidades, visando à construção do ato

final.

Ora, no processo penal a garantia do contraditório mostra toda a sua força de

ação. Uma das partes, o suposto autor do crime que o processo se destina a

esclarecer ao reconstruir os fatos, tem, mais que em qualquer outro procedimento

realizado em contraditório, o interesse cogente de influir na decisão final, procurando

a absolvição ou, quando menos, a minoração da sanção penal. A possibilidade de

influenciar na construção da decisão garante às partes a concretização de seus

153 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do procedimento, p. 123. Nesse sentido, na França, o artigo 16 do Noveau de Procédure Civile (Novo Código de Processo Civil) impede o juiz de fundamentar a sua decisão sobre aspectos jurídicos que ele suscitou de ofício sem ter antecipadamente convidado as partes a manifestarem as suas observações. Esta perspectiva também encontra ressonância na técnica da Ordenança processual alemã (ZPO) após a reforma de 1976 que sofreu os influxos do denominado Modelo de Sttutgart. Ao analisar o conteúdo dos dispositivos presentes no § 139, entre outros, da Ordenança Processual alemã reformada, vislumbra-se que o direito de participação das partes não constitui um acréscimo inútil ou supérfluo, de modo que o aumento dos poderes dos juízes não significou redução das garantias de defesa das partes tanto que os pontos delineados por estas devem ser levados em conta na fundamentação das decisões, e ao juiz não é dada a possibilidade de decidir de ofício sem o anterior e prévio conhecimento as partes. (Cf. NUNES. O princípio do contraditório: uma garantia de influência e de não surpresa, p. 152-155. In: TAVARES (Coord). Constituição, direito e processo – princípios constitucionais do processo). Já Canotilho, embora não fale expressamente em contraditório, refere-se ao “princípio da participação”, dotado, ao que nos parece, do mesmo significado daquele. Acentua que o princípio da participação é estreitamente ligado à democratização da sociedade, que democratizar é, por meio da participação, intensificar a otimização da participação dos homens no processo de decisão. Cf. Direito Constitucional, p. 426.

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direitos fundamentais e, no processo penal, ela significa a diferença entre a

liberdade e a prisão.

O contraditório é o princípio constitucional, a garantia processual que

oportuniza à parte a participação em simétrica paridade de oportunidades

processuais nos atos procedimentais, podendo influenciar a decisão estatal de forma

argumentativa, princípio esse sempre atrelado ao seu consectário de

fundamentação das decisões para permitir o controle da atividade estatal.154

Se o processo se desenvolve, diferenciando-se do mero procedimento, pela

atuação das partes em contraditório, possibilitar a elas a real participação, com a

possibilidade de influenciar a decisão e dela poder recorrer ao segundo grau de

competência, é exigir do agente público incumbido das funções inerentes ao cargo,

ocupante do órgão juízo, que fundamente, que dê, segundo os fatos e os direitos,

suas razões de decidir, as quais não poderão se afastar da discussão travada pelas

partes.155 Com precisão científica, Ronaldo Brêtas discorre sobre o princípio,

aduzindo que ele se harmoniza com a função jurisdicional do Estado, e arremata:

Se a jurisdição somente atua mediante o devido processo constitucional e se o processo é procedimento que se desenvolve em contraditório entre as partes, em condições de paridade, fundamentar a decisão jurisdicional é justificar o órgão estatal julgador, no processo, as razões pelas quais a decisão foi proferida.156

Não deve a fundamentação ser atividade, técnica, método ou operação do

juiz para a valoração de argumentos e provas suscitados pelas partes, para que ele

possa exercer juízo de valor e julgar conforme sua livre convicção. Tal noção

sucumbe frente ao modelo estatal da modernidade, o Estado Democrático de

Direito. Nessa espécie de Estado, os agentes governativos não possuem poder, mas

sim funções, e os destinatários das normas devem participar argumentativamente na

interpretação e aplicação da lei, na medida em que o povo é a única fonte de poder.

154 No exercício da função jurisdicional, o contraditório é uma das garantias de construção democrática das decisões, garantia de um procedimento discursivo, participativo, em que a sentença judicial jamais será resultado exclusivo da atividade do magistrado, mas, conclusão co-extensiva da argumentação das partes, de modo que, hodiernamente, “não é necessário ser Hércules (Duworkin) para se cumprir a tarefa jurisdicional”. Cf. CATTONI DE OLIVEIRA. Direito processual constitucional, p. 154. 155 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p.144. 156 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 146.

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Se a parte é destinatária do provimento jurisdicional, nada mais lógico que ela

participe da sua elaboração.157

A fundamentação das decisões, princípio regente e diretivo da função

jurisdicional, é a base que possibilita a fiscalidade do provimento pelo povo. No

Estado Democrático de Direito é mister a institucionalização de procedimentos

argumentativos para a construção das decisões, fazendo com que elas reflitam a

argumentação das partes. Na atualidade, a cognição jurisdicional não é atividade

solitária do juiz, tampouco técnica posta a seu favor. Na valoração das provas no

modelo estatal adotado pela Constituição de 1988, a cognição também deve ser

compartilhada em todas as suas fases, ou seja, a cognição não pode ter por base

unicamente a razão do julgador, deve ser o exercício argumentativo das partes.158

No Estado Democrático de Direito a atividade não se faz com base em

critérios subjetivos, ela é disciplinada pela estruturação técnica processual normativa

sob a égide do contraditório159, permitindo ao processo, como metodologia

normativa, garantir direitos fundamentais e resguardar o individuo da atuação do

Estado, submetendo-se, ele mesmo (Estado), à disciplina da lei.160

2.4 GARANTIA FUNDAMENTAL DA AMPLA DEFESA (AMPLA ARGUMENTAÇÃO PARA AS PARTES E OS RECURSOS A ELA INERENTES ATRELADA À DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA161)

Guardando relação com o contraditório, embora com ele não se confunda,

temos a garantia fundamental da ampla defesa.

Este importante princípio jurídico não tem sido objeto de estudos

sistematizados, diferentemente do que verificamos em relação ao princípio do

157 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Op. cit, p. 77. 158 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Op. cit, p. 145-153. 159 O contraditório deixa de ser mero atributo do processo e passa à condição de princípio (norma) determinativo de sua própria inserção na estruturação de todos os procedimentos preparatórios dos atos jurisdicionais. Cf. BARACHO. Processo constitucional, p. 119-123. LEAL. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático, p. 88. 160 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 124. 161 A autodefesa aqui mencionada refere-se à defesa legal realizada pelo próprio réu em seu favor, no momento da realização do ato processual do interrogatório; ela não guarda qualquer relação com a autotutela, figura esta não recepcionada por nosso ordenamento jurídico. (Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 38).

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contraditório, o que tem dificultado sua exata compreensão e delimitação, porque

associada à escassez de produção bibliográfica, cuja proposta seja seu

esclarecimento162. Registra-se a existência de diversos escritos superficiais que, na

tentativa de explicá-lo, acabam por promover verdadeira idiossincrasia entre o

contraditório e a ampla defesa.

A ampla defesa não absorve ou exaure o contraditório.163 São princípios que

contém dimensão própria e como tal devem ser trabalhados. Nessa perspectiva e a

guisa de exemplo do que estamos a expor, cite-se o esforço dos precursores da

escola constitucionalista do processo, Andolina e Vignera, os quais, com o objetivo

de distinguir ambas as garantias, sustentaram que a defesa164 seria uma relação

entre as partes e o juiz, enquanto o contraditório desenvolver-se-ia, exclusivamente,

entre as partes, segundo extraímos da seguinte passagem:

Concebido assim o direito à defesa como garantia reconhecida à parte contra os poderes atribuídos ao juiz, emerge claramente sua diversidade conceitual em relação à garantia de igualdade de armas (e ao princípio do contraditório em particular, estaticamente e/ou dinamicamente compreendido). Enquanto este último, na realidade, no paradigma constitucional do processo civil representa a regra disciplinadora das relações entre as partes (entre os titulares de pretensões contrapostas fazem valer apud iudicem), a garantia da defesa integra, ao contrário, a fórmula organizatória das relações entre cada parte (de um lado) e o juiz (de outro lado) 165.

162 Cf. TOLENTINO. Ampla defesa e direito ao advogado – da necessidade de participação do advogado para o livre e amplo exercício da defesa, p. 177 in TAVARES (Coord). Constituição, direito e processo – princípios constitucionais do processo. 163 Sobre a associação indevida entre contraditório e ampla defesa citamos os ensinamentos de alguns adeptos da teoria do processo como relação jurídica. Guilherme de Souza Nucci procurando explicar a ampla defesa a define como a igual possibilidade de as partes produzirem provas, como o respeito ao princípio da isonomia, como “possibilidades desiguais para partes desiguais”. (O valor da confissão como meio de prova, p. 35). Também nesse sentido FISCHER DIAS. O princípio do contraditório e da ampla defesa no interrogatório judicial. 164 Ao contrário do texto constitucional brasileiro, que adjetiva a defesa qualificando-a de ampla (art. 5º, LV), a Constituição italiana faz alusão apenas à defesa, conforme verificamos em seu artigo 24: “Tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi. La difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento. Sono assicurati ai non abbienti, con appositi istituti, i mezzi per agire e difendersi davanti ad ogni giurisdizione. La legge determina le condizioni e i modi per la riparazione degli errori giudiziari.” 165 No original: “Concepito così il diritto alla difesa come garanzia riconosciuta alla parte nei confronti dei poteri atribuiti al giudice, emerge chiaramente la sua diversità concettuale rispetto allá garanzia dell’uguaglianza delle armi ( ed al principio del contraddittorio en particulare, staticamente e/o dinamicamente inteso). Mentre quest’ultima, per vero, nel paradigma costitucionale del processo civile rapresenta il canone disciplinante i rapporti tra le parti ( id est: tra i titolari delle contrapposte pretese fatte valere apud iudicem), la garanzia della difesa integra, invece, la formula organizzatoria delle relazioni riguardanti ciascuna parte ( da um lato) ed il giudice (dall’altro lato)”. (ANDOLINA; VIGNERA. I fondadamenti costituzionali della giustizia civile: Il modelo costituzionale del processo civile italiano, p. 174).

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O raciocínio acima transcrito supera a clássica idéia difundida pela teoria

relacionista do processo, segundo a qual a defesa seria mera contraposição do réu

ao pedido do autor, ou, em outras palavras, um direito derivado ou conseqüente do

direito de ação do autor.166 Para Andolina e Vignera, o direito de defesa é exercido

pelos jurisdicionados frente ao Estado-juiz, de maneira que se lhes assegura a

possibilidade de reagir contra atos do magistrado que de alguma forma possam lhes

trazer prejuízo.

A tentativa de distinguir o contraditório da ampla defesa por meio desta

proposição garantista167 do cidadão frente ao Estado, embora represente um

avanço, esbarra no problema de sublinhar os direitos e garantias fundamentais

como simples mecanismos de proteção do indivíduo face ao Estado, numa acepção

própria do paradigma Liberal,168 em que esses direitos cumprem a função de

“normas de competência negativa para os poderes públicos”,169 proibindo a

ingerência destes na esfera jurídica individual ao mesmo tempo em que atribui ao

particular a faculdade de exigir omissões do Estado de forma a obviar agressões

lesivas aos seus direitos assegurados (liberdade negativa).

Sob o enfoque do viés democrático, se o contraditório é garantia de

construção de decisão participada, na medida em que os argumentos produzidos

pelas partes durante o iter procedimental são de indispensável observância na

formação do provimento, a ampla defesa deve ser compreendida como garantia de

produção eficiente da argumentação que servirá de embasamento ao decisum. Com

efeito, de nada adiantaria cogitar do aproveitamento dos argumentos deduzidos

pelas partes no curso do processo para construção de uma decisão compartilhada

(contraditório), se, por outro lado, não fosse garantida a oportunidade de

exaurimento das colocações fático-jurídicas e de produção de prova (ampla defesa).

Por conseguinte, o tempo oportunizado em lei e o modo de sua produção, são

166 Para a teoria imanentista de Savigny, a ação é somente um apêndice do direito material. Nessa linha, o Código Civil de 1916 dispunha que “a todo direito corresponde uma ação, que o assegura” (art. 75). A defesa seria, assim, uma contraposição ao alegado direito material do autor e, uma vez entendido o direito de ação como um adjetivo do direito substancial, a defesa representaria a outra face da moeda, ou seja, mero paralelo do direito de ação. (Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 91-92). 167 O termo aqui empregado não guarda relação com o garantismo de Ferrajoli. (Derecho y razón: teoría del garantismo penal). 168 Cf. CATTONI DE OLIVEIRA. Direito Constitucional, p. 55. 169 CANOTILHO. Direito constitucional, p. 541. No mesmo sentido: BARILE. Diritti dell’uomo e libertà fondamentali, p. 13.

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fatores essenciais para a caracterização da defesa em plenitude.170

Compreendendo o direito de ação como direito ao processo, desvinculando a

concepção de direito de ação do direito de o autor movimentar a função jurisdicional

e, tomando-o, independentemente da posição em que a parte se encontra, seja ela

autora ou ré, como o direito daqueles que serão afetados pela decisão final de

participarem dos atos processuais que serão realizados, afastamos a garantia

constitucional da ampla defesa do clássico entendimento de que este princípio

constitucional pertence exclusivamente à defesa, entendida como a parte ré, assim

como, da correlação necessária com a defesa técnica.171

Não defendemos que a garantia da ampla defesa esteja desvinculada da

autodefesa e da defesa técnica, o que pretendemos esclarecer é que, na concepção

do Estado Democrático de Direito e do processo como procedimento realizado em

contraditório, apto a efetivar direitos fundamentais, a ampla defesa não se reveste

apenas daquela faceta, ela é também uma garantia do autor, ao atuar no processo.

Tomado o contraditório como a atuação das partes em simétrica paridade de

oportunidades processuais, possibilitando a elas influenciar na decisão final, porque

serão por ela afetadas, garante-se a participação dos interessados na realização de

toda a estrutura procedimental; assim, a ampla defesa deve ser compreendida como

a garantia de as partes argumentarem amplamente, formulando argumentos fáticos

e de direito para a formação da decisão.

As partes, além de participarem da construção do ato final em contraditório,

têm o direito de formularem amplos argumentos para influenciar a sua formação, por

isso, vemos que o melhor é tratar a ampla defesa como ampla argumentação,

atribuída a todos os interessados na construção da decisão final, ao invés de atribuí-

la, em uma visão extremamente simplista, apenas à defesa, como se o autor da

ação não pudesse argumentar.172

Podemos dizer que, se a ampla defesa é ampla argumentação para as partes,

no que tange à parte ré, ela pode ser entendida como autodefesa e defesa técnica,

ambas atuando coordenadamente na produção dos melhores argumentos. 170 Cf. BARROS; CARVALHO; GUIMARÃES. O princípio da ampla defesa - uma reconstrução a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito, p. 20-36. 171 Cf. BARROS. O processo, a jurisdição e a ação sob a ótica de Elio Fazzalari, p. 05-29. 172 Como linha convergente a esta proposição citamos Rosemiro Pereira Leal, para quem “o princípio da ampla defesa, na teoria neo-institucionalista, alia os atos aos conteúdos jurídicos das pretensões e de sua procedimentalidade formal. Ampla defesa é nessa concepção o direito à construção de fundamentos obtidos dos argumentos jurídicos advindos das liberdades isonômicas exercidas em contraditório na preparação das decisões”. (Teoria processual da decisão jurídica, p. 171).

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No processo penal, o contraditório e a ampla defesa atuam como garantia

processual constitucional da dignidade do indivíduo, calçando-lhe da certeza de que

sua esfera de direitos não será atingida a seu alvedrio, mas somente por meio do

devido processo legal.

Ministério Público e o suposto autor da infração penal participam em simétrica

paridade de oportunidades processuais, produzindo amplos argumentos a serem

considerados na decisão estatal final, atuando ainda o princípio da fundamentação

das decisões para que possa haver o controle da atividade estatal pelas partes,

sobretudo, para que se possa garantir a elas a possibilidade de recorrer ao duplo

grau de competência.

Precisamente no ato procedimental do interrogatório judicial, as garantias do

contraditório e da ampla defesa, no que concerne ao sujeito interrogado, permitem

que o acusado se valha desse ato como uma faculdade de atuação no

procedimento, podendo, caso queira, dele participar ativamente, argumentar

amplamente se autodefendendo (autodefesa), alinhavando ele mesmo as teses que

entende conveniente para a sua defesa, assim como, valer-se de seu advogado

(defesa técnica), com quem poderá entrevistar-se reservadamente antes do início do

ato processual, para traçar com esse profissional os melhores argumentos a serem

conduzidos em sua defesa.

Autodefesa e defesa técnica, como facetas da ampla defesa, garantem ao

acusado a utilização da ampla argumentação no processo penal, atuando o

princípio, o qual, em conjunto com as demais garantias constitucionais, efetiva os

direitos fundamentais, dando a tônica do princípio do Estado Democrático de Direito.

O contraditório é a faculdade de participar da construção dos atos

procedimentais em simétrica paridade; a ampla defesa é a possibilidade da parte,

atuando nesse espaço processualizado, argumentar amplamente na construção

qualificada da decisão.

No processo civil, a atuação das partes é mesmo uma faculdade, a abstenção

da prática do ato permitido gera a figura do ônus, que já tivemos a oportunidade de

abordar no capítulo anterior, todavia, no processo penal, nem tudo se resolve em

ônus processual.

Para a acusação, membro do Ministério Público ou querelante em ações

penais privadas, a ausência de um ato processual no tempo devido ocasiona o ônus

processual da preclusão, o mesmo, nem sempre se pode dizer, ocorre em relação

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ao acusado.

Exemplo disso está na garantia da ampla defesa, que para o réu, como

dissemos, consiste na ampla argumentação desenvolvida por ele mesmo, por meio

da autodefesa, e por seu advogado, defesa técnica.

Tomando o ato procedimental do interrogatório vemos que a oportunidade de

o réu ser interrogado no curso do processo existe, na verdade, se sua defesa

entender conveniente, ele poderá ser interrogado mais de uma vez na presença do

órgão juiz, contudo, a produção de ampla argumentação nesse ato processual, ao

mesmo tempo em que pode ser dispensada pela autodefesa, sem que esse ato pelo

acusado implique nos efeitos da revelia, não pode ser deixado de ser praticado pela

defesa técnica.

Chamado para o ato do interrogatório o réu pode a ele não comparecer173; se

optar por estar presente tem ainda a faculdade de ficar em silêncio ou mentir, ou

seja, pode renunciar nesse momento a sua possibilidade de argumentar

plenamente, talvez julgando que o silêncio ou o não comparecimento signifiquem a

sua melhor defesa, tal opção não se resolverá em ônus, vez que daí não surgirão os

efeitos da revelia, não podendo ser tidas por verdadeiras as alegações da acusação.

Todavia, no que tange à defesa técnica, ela sempre deverá ser exercida.

Acaso o advogado constituído pelo agente não esteja presente e não tenha pedido o

adiamento da audiência, o juízo providenciará um defensor que será nomeado para

o ato, podendo previamente entrevistar-se com seu cliente para traçar as melhores

técnicas da defesa, inclusive, poderá aconselhar o réu a manter-se em silêncio.

Fato é que a defesa técnica não poderá ser renunciada, vez que, por

imperativo constitucional, a existência legítima do processo, da ação e da jurisdição

dependem da atuação sistemática do advogado, a quem se incumbe o direito de as

partes, por meio de sua atuação, fiscalizarem e controlarem o desempenho do órgão

jurisdicional no exercício de suas atividades.174

Essa fiscalização e controle, exercidas tecnicamente pelo advogado175, em

nome do sujeito parcial, é verificada na construção democrática do provimento, daí a

indispensabilidade do advogado para o livre e amplo exercício da defesa, essa

173 Cf. BARROS. (Re)forma do processo penal, p. 125. 174 Cf. LEAL. Teoria da defesa no processo civil, p. 109-113. 175 Importante destacar que aqueles que não dispõem de meios e recursos suficientes têm assegurado o direito de serem amparados por Defensores Públicos que, assim como os advogados privados, revelam aptidão técnica para a defesa endoprocedimental de direitos.

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entendida como o direto de as partes e de eventuais interessados formularem

argumentos de forma isonômica e em regime de contraditório, dentro do espaço

processualizado.176

A Constituição da República de 1988 não descuidou de sintetizar a norma,

segundo a qual “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo

inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da

lei.”177 Justiça aqui entendida não como terminologia axiológica, mas empregada no

sentido de atividade jurisdicional.178

176 Cf. TOLENTINO. Ampla defesa e direito ao advogado – da necessidade de participação do advogado para o livre e amplo exercício da defesa, p. 188. In: TAVARES (Coord). Constituição, direito e processo – princípios constitucionais do processo. 177 Artigo 133 da Constituição da República de 1988, BRASIL. 178 Rosemiro Pereira Leal assevera que o direito à ampla defesa só se ergue efetivamente pela participação dos advogados das partes ou interessados na estruturação dos procedimentos jurisdicionais, porque qualquer ato jurisdicional sem a participação do advogado é ato ilegítimo “pela falta de suporte constitucional à sua validez”. (Teoria geral do processo, p. 188).

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CAPÍTULO III

INTERROGATÓRIO COMO INSTITUTO PROCESSUAL

3.1 INTRÓITO

A ciência como atividade intelectual humana produtora do saber e como

conjunto de conhecimentos produzidos requer, para a sua universalização e

efetivação, a sistematização e utilização de um signo único.179

O uso dos mesmos signos é o vetor de expressão da ciência, por isso essa

atividade necessita de uma linguagem adequada às suas especificidades, que seja

apropriada e especializada às exigências técnicas de seus conceitos.

Com o direito, tomado como atividade científica de produção de

conhecimento, não é diferente. Como ciência que é, requer a utilização de uma

linguagem jurídica que seja capaz de aproximar os interlocutores na compreensão

dos mesmos signos, clareando, ao invés de obscurecer.

A linguagem empregada na produção do conhecimento científico há de ser

compartilhada por seus “operadores”, não se podendo desprezar a importância do

emprego da terminologia correta em qualquer estudo de direito.180

Por tais razões, por compartilharmos do entendimento segundo o qual o

direito como ciência requer a elucidação dos termos utilizados e do significado a eles

empregados para a construção do conhecimento científico, entendemos ser

necessário iniciarmos a exposição desse terceiro capítulo, explicando que na

doutrina não há uniformização de entendimento em relação ao significado

empregado à expressão instituto processual e que nesse primeiro momento,

procuraremos, então, delinear o significado que empregaremos a este signo da

linguagem jurídica.

O espanhol Guasp, por volta de 1940, conferiu ao processo a conotação de

instituição, derivando daí a teoria de processo como instituição. Nesse contexto,

procurou empregar à instituição um significado sociológico, afastando-a da

concepção jurídica do termo. Eram tempos em que o processo ainda se conduzia

179 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 17-21. 180 BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 13-14.

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pelas mãos dos juízes e reproduzia servilmente a realidade sociológica da época,

dissociando-se do constitucionalismo e da dignidade dos povos. Com o apogeu do

constitucionalismo, após a segunda guerra mundial (1939-1945), a lei passou a

“juridificar – implantar” as instituições, deixando elas de decorrerem de simples

homologação da realidade, de direitos naturais da sociologia ou da economia. O

medium lingüístico passou a ser legal181.

A partir de tal concepção, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, citando Arruda

Alvim, em estudo precursor, viu a necessidade premente de, para o efetivo estudo e

aclaramento das letras jurídicas, diferenciar instituição de instituto jurídico.

Afastando-se da concepção sociológica do termo, definiu instituto jurídico

como uma figura criada por determinação legal, envolvendo um regime jurídico de

certa complexidade, por meio do qual emana ou se entrelaçam relações jurídicas

normativas. A instituição, por sua vez, albergaria determinado valor a sua especial

significação.182

Prosseguindo no estudo do tema, Rosemiro Pereira Leal concebeu instituição

como conjunto de princípios e de institutos jurídicos, por sua vez, alinhou à

concepção de instituto a conglomeração de princípios. Para referido autor, em

ciências jurídicas, instituição seria o processo, que reúne em torno de si princípios

jurídicos como o contraditório, a ampla defesa, isonomia, direito a advogado e livre

acesso à jurisdicionalidade e, ainda, institutos jurídicos, como o devido processo

legal183.

Os institutos, por seu turno, se definiriam pela presença dos princípios em seu

bojo, assim, todo instituto é na verdade um aglomerado de princípios184.

É nesse sentido que pretendemos conferir ao interrogatório, como ato

procedimental a ser realizado no curso do processo, a definição de instituto. Para

tanto, delinearemos os princípios a ele correlatos, lembrando sempre que como

instituto que é, pertence à instituição do processo.

181 LEAL. Teoria geral do processo, p. 97. 182 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Fraude no processo civil, p. 98. 183 LEAL. Teoria geral do processo, p. 100. 184 LEAL. Teoria geral do processo, p. 101.

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3.2 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO INSTITUTO Já havíamos nos referido no capítulo I, ao estudarmos os sistemas

processuais penais, à definição que pretendemos empregar à expressão princípio

jurídico, aqui, todavia, procuraremos tecer maiores considerações sobre o tema,

antes de adentrarmos pormenorizadamente em cada um dos princípios que

compõem o instituto do interrogatório, com o escopo de melhor esclarecer o que são

as diretrizes genéricas do ordenamento jurídico e como servem de balizamento

dessa estrutura normativa.

Partiremos da assertiva segundo a qual os princípios são espécie do gênero

norma. Ao lado dos princípios, as normas ainda agrupam a espécie das regras

jurídicas.185

Saliente-se que esta proposição na atualidade da moderna

constitucionalística, não encontra maiores novidades, correspondendo à

multifuncionalidade das normas, adotada pela teoria da metodologia hodierna.186

A metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios,

contudo, essa é uma técnica ultrapassada, substituída por aquela que preconiza as

regras e princípios como espécie do gênero norma e pela afirmação de que a

distinção entre regras e princípios é, na verdade, uma distinção entre duas espécies

de normas.187

A co-existência de regras e princípios permite o entendimento do

ordenamento jurídico como um sistema aberto e, ao mesmo tempo, concreto.

Um sistema constituído exclusivamente por regras conduziria à extremada

limitação da racionalidade prática do modelo jurídico, ou seja, ao legalismo

exacerbado. Não haveria espaço para a complementação, para a existência de uma

sociedade pluralista e aberta.188 Isto porque as regras são concebidas como normas

que só podem ser ou não; se elas são válidas então tem de se fazer exatamente o

185 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 119-121. 186 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 165-166. 187 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 166. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 119-120. ALEXY. Teoria de los derechos fundamentales, p. 90-93. 188 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 170.

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que elas exigem, nem mais nem menos, elas contêm determinações no âmbito do

fático e juridicamente possível.189

Por outro lado, um sistema baseado exclusivamente em princípios seria

demasiadamente indeterminado, sem normas precisas e, muitas vezes, conflitantes

entre si. Isso ocorreria graças à definição de diretriz genérica que os princípios190

comportam no ordenamento, como normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, são

normas que, ao contrário das regras, não têm que ser cumpridas necessariamente,

pelo contrário, podem ser cumpridas em diferentes graus.191

Daí a necessidade de um ordenamento jurídico que conjugue as regras e os

princípios de forma a harmonizar o sistema, permitindo, por meio da natureza aberta

dos princípios, levar novos ares à ordem jurídica consagrando valores que lhe sejam

balizadores e, por meio das regras, torná-lo concreto, densificado e realizado.192

Seguindo orientação de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, na

contemporaneidade interessa frisar que princípios e regras, como espécies de

normas, possuem “idêntica força vinculativa” e integram, ambas, o ordenamento

jurídico.193

Para Celso Antônio Bandeira de Mello a ofensa a um princípio é ainda uma

transgressão mais grave do que a ofensa a uma regra jurídica, eis que a

desobediência ao princípio implica ultraje não apenas a um mandamento obrigatório,

189 Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 121. ALEXY. Teoria de los derechos fundamentales, p. 85-87. MIRANDA. Teoria do Estado e da Constituição, p. 432-433. 190 Flávia Piovesan, citando a abalizada doutrina de Ronald Dworkin, afirma que no ordenamento jurídico os princípio estão ao lado das normas legais incorporando as exigências de justiça e dos valores éticos. Constituem a base axiológica que proporciona nexo e simetria não só ao ordenamento, como também à interpretação constitucional. (Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988, p. 91). No mesmo sentido, Paulo Bonavides sustenta que os princípios têm função de aclaramento na busca por soluções, mesmo nas questões jurídicas mais complexas, porquanto todas as regras ficam vinculadas aos valores que portam, tornando-os responsáveis pela unidade do ordenamento. (Cf. Teoria constitucional da democracia participativa, 110). 191 ALEXY. Teoria de los derechos fundamentales, p. 85-87. 192 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 170. Tecendo considerações sobre o tema, Karl Larenz adverte que “os princípios não são normas imediatamente aplicáveis aos casos concretos, mas idéias diretrizes, cuja transformação em regras que possibilitem uma resolução tem lugar em parte pela legislação, em parte pela jurisprudência”. (Metodologia da ciência do direito, p. 599-560). 193 Responsabilidade do estado pela Função Jurisdicional, p. 121. No mesmo sentido Ana Paula de Barcellos afirma que todas as normas constitucionais, independentemente de sua natureza, são carregadas de imperatividade e coercitibilidade, estando à disposição de todos os jurisdicionados. Os princípios, dessa maneira, também serão impostos coativamente pela ordem jurídica quando não se realizam espontaneamente, como ocorre com as regras jurídicas. (Cf. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988, p. 163-164).

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mas a todo o sistema de comandos, ou seja, a todo o ordenamento jurídico,

considerando-se que são os princípios que o informam, dada a sua característica

valorativa,194 representativa dos valores mais caros à sociedade que regulam. 195

Assim, nos debruçaremos sobre o estudo individualizado de cada uma das

normas diretrizes do instituto do interrogatório, salientando que nem todos os

princípios estão expressos no ordenamento jurídico, mas dele podem ser inferidos.

As regras relativas ao interrogatório do réu no processo penal estão previstas

genericamente no Título VII Da Prova, Capítulo III Do Interrogatório do Acusado,

entre os artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal e, especificamente, em

diversos procedimentos extravagantes do ordenamento jurídico, visando, cada uma

delas, a efetivação da melhor técnica que cada procedimento disciplina.

Os princípios, todavia, são genéricos e aplicam-se ao instituto

independentemente da regra empregada na realização desse ato processual,

tendente a realizar direitos fundamentais do acusado, por meio das garantias do

contraditório e da ampla defesa, conforme visto.

3.2.1 PUBLICIDADE A publicidade é um princípio inerente ao processo e não apenas ao ato do

interrogatório. Dada a sua importância, ganhou acepção constitucional, vejamos sua

evolução histórica:

O princípio da publicidade originou-se no âmbito do processo com o marco

histórico da Revolução francesa, no ano de 1789, ocasião em que a publicidade

judicial tornou-se umas das maiores garantias da incipiente democracia, como forma

de reação contra os juízos secretos, típicos do Estado de Polícia. 196

194 Galuppo, fixando-se na doutrina de Habermas e Günther, chama a atenção para o fato de que, embora os princípios abarquem valores da sociedade, a definição de princípio não pode se prender a uma concepção meramente axiológica, afirmando que os princípios não se confundem com o conceito de valor. Salienta que as normas não podem ser confundidas com valores, já que as primeiras se referem a um agir obrigatório, (deontológico) e os últimos se referem a um agir teleológico, tendo seus fundamentos em pretensões de validade e em uma obrigatoriedade relativa. (Cf. Igualdade e diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas, 180-191). 195 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, 114-115. 196 TAVARES et al. O princípio processual da publicidade e os direitos de personalidade, p. 04.

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O princípio da publicidade ganhou destaque na Assembléia Geral das Nações

Unidas, de 1948, com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, a qual preconizou em seu artigo 10 que toda pessoa tem o direito a uma

audiência justa e pública.197

No Brasil, foi com a Constituição da República de 1988 que o princípio da

publicidade integrou, pela primeira vez, o texto constitucional expressamente,

figurando como garantia fundamental no inciso LX do artigo 5º, em que se determina

que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa

da intimidade ou o interesse social o exigirem”; no caput do artigo 37 (elencado

como princípio que rege a administração pública) e no inciso IX do artigo 93198.

Antes de estar inserto no texto constitucional, o princípio da publicidade

vigorava expressamente no artigo 155 do Código de Processo Civil199, porém, com a

promulgação da Constituição da República de 1988, a publicidade restrita,

disciplinada pela citada regra, teve a sua eficácia reavaliada, considerando-se que a

norma constitucional somente admite limitação da publicidade às partes e a seus

advogados quando o interesse público assim exigir,200podendo, qualquer cidadão,

com o advento da Constituição, examinar os autos de um procedimento, fazer-se

presente em audiências, acompanhar o trâmite dos atos procedimentais por meio de

consultas à Internet, tudo, em regra, sem justificativas ou requerimentos.201

O Código de Processo Penal, por sua vez, disciplina expressamente o

princípio da publicidade em seu artigo 792202. Tal regra, assim como aquela

197 Texto literal do artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. 198 Redação do inciso IX do artigo 93 da CR: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004). 199 Texto literal do artigo 155 do Código de Processo Civil: Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos: I- em que o exigir o interesse público; II- que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite. (LEI 5.869, 1973). 200 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria geral do processo, p. 71-72. 201 TAVARES et al. O princípio processual da publicidade e os direitos de personalidade, p. 04. 202 Texto literal do artigo 792 do Código de Processo Penal: As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora

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presente no Código de Processo Civil deve, após 1988, ser interpretada à luz da

garantia da publicidade prevista no texto constitucional.

Como vimos, o processo é um conjunto de atos dispostos numa seqüência

lógica determinada pela lei, de forma que o ato antecedente determina a validade e

a eficácia daquele que o sucede e, este, retira do que o antecedeu a sua carga de

validade, desenvolvidos segundo as garantias constitucionais do contraditório, da

ampla defesa, do direito a advogado, duplo grau de jurisdição e fundamentação das

decisões.

O processo é legitimador dos atos públicos estatais, na medida em que

realiza direitos fundamentais pela concretização das garantias constitucionais que

permitem ao povo participar dos atos influenciando na decisão final estatal.

É por tal concepção constitucionalizada de processo que o princípio da

publicidade, na contemporaneidade, ganhou destaque e simboliza, no Estado

Democrático de Direito, a garantia que permite a fiscalização dos atos do Estado por

aqueles que sofrerão imediatamente os efeitos da decisão estatal (partes), assim

como, também permite o controle àqueles que mediatamente serão atingidos pelos

atos do Estado203.

É por meio do princípio da publicidade que o povo, detentor do poder, fiscaliza

os atos de seus agentes públicos, seja diretamente, ou por via transversa.

O processo é público porque esse princípio é um corolário do Estado

Democrático de Direito204, no entanto, como todo princípio, por não ser uma norma

absoluta, convive com a possibilidade de sigilo relativo a determinados documentos

e dados das partes, desde que vinculados à intimidade dos litigantes, a qual, por sua

vez, é um direito fundamental constitucional.205

certos, ou previamente designados. §1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, o tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. (DECRETO-LEI 3.689, 1941). 203 A publicidade se insinua como característica do sistema acusatório, na medida em que o segredo é compatível, como regra geral, exclusivamente com regimes autoritários e processos penais inquisitórios. (Cf. PRADO. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais, p. 175). 204 FILHO. Os princípios constitucionais do processo civil atual. Direito, Estado e Sociedade, p. 64. No mesmo sentido Flávia Rahal afirma que a publicidade humaniza o processo, já que protege o indivíduo, garante seus direitos e possibilita sua participação nos procedimentos jurisdicionais. (Publicidade no processo penal: a mídia e o processo, p. 271). 205 VIANNA. Da privacidade como direito fundamental da pessoa humana, p. 103.

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Princípio atribuído expressamente pela Constituição como regente das

atividades desempenhadas pelo Estado, a publicidade pode ser considerada um

antecedente necessário da transparência da administração206, impondo uma lógica

interna de organização e funcionamento, que se comunica e expõe ao conhecimento

de todos as suas decisões, sejam elas oriundas da atividade administrativa estrita,

da atividade legislativa ou da atividade jurisdicional.207

A publicidade interna do processo possibilita o exercício da garantia do

contraditório pelas partes, da ampla defesa208 e do duplo grau de competência,

permitindo às partes, que sofrerão os efeitos da decisão estatal final, comprovar a

validade e legalidade dos procedimentos adotados pelo Estado, fiscalizando

diretamente os seus atos por meio dos recursos inerentes à ampla defesa.209

De nada adiantaria a previsão de que os atos emanados do Estado devem

ser fundamentados se não se garantisse, sobretudo às partes, tomar conhecimento

do conteúdo do ato praticado. O princípio da publicidade é, pois, importante

instrumento de legitimação dos atos procedimentais.

Há, ainda, a denominada publicidade externa do processo, que satisfaz a

necessidade de o povo verificar a legitimidade e a legalidade do exercício do poder

por ele delegado aos seus agentes públicos, sendo o princípio, por mais esse

motivo, decorrente do Estado Democrático de Direito.210

O interrogatório judicial, como ato de todos os procedimentos penais

desenvolvidos em contraditório, é público, pois integra o processo, sendo a

publicidade restringida211 somente em casos excepcionais, por exigência da defesa

da intimidade ou do interesse social.

Já no inquérito policial, a publicidade do ato sofre maiores restrições. Isso

porque o inquérito policial é um procedimento e não um processo. Embora nessa

oportunidade o acusado possa se fazer acompanhar por um advogado, o 206 TAVARES; COSTA, REIS; JEHA. A correlação entre os princípios da publicidade e da dignidade da pessoa humana na atuação da mídia em face do estatuto da criança e do adolescente, p. 10. 207 TAVARES et al. O princípio processual da publicidade e os direitos de personalidade, p. 05. 208 Segundo Rosemiro Pereira Leal a publicidade dos atos procedimentais e processuais, vinculada por aderência lógica ao Estado Democrático de Direito, coloca os sujeitos do processo em nível de igualdade, estando ligado a outro princípio constitucional do processo: o da ampla defesa. (Cf. Teoria geral do processo, 114). 209 ALMADA. A garantia processual da publicidade, p. 17. 210 ALMADA. A garantia processual da publicidade, p. 17. 211 As restrições impostas como exceção ao princípio da publicidade, como ações que tramitam em “segredo de justiça”, explicam-se pelo atendimento do princípio maior da privacidade e dignidade dos demandantes ou interessados, quanto à preservação de sua imagem, em igual afirmação de direitos fundamentais que não podem ser postergados. (Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 114).

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interrogatório tem a publicidade limitada, dele participando o interrogado, o

interrogando (autoridade policial) e o defensor.

Na fase do inquérito policial, ao contrário do que ocorre na fase judicial, em

que o contraditório permeia a prática de todos os atos e a publicidade apresenta-se

como corolário do Estado Democrático de Direito, as testemunhas não presenciam a

tomada das declarações daquele que é apontado como suposto autor da infração

penal, elas, tão-somente, assinam o termo após ouvirem a sua leitura, de acordo

com o que preceitua o artigo 6º, V do Código de Processo Penal.

3.2.2 OFICIALIDADE O princípio da oficialidade garante ao acusado que ele será interrogado

apenas por autoridade do Estado, revelando o ato procedimental como oficial. O

desenvolvimento do interrogatório se dá por ato oficial e pode se repetir no curso do

processo sempre que o juiz solicitar de ofício, ou quando, quaisquer das partes,

motivadamente, o requerer (artigo 196 do Código de Processo Penal).

Aranha observa que o Código de Processo Penal (artigo 6º, V) não se refere a

interrogatório na fase policial, mas sim, a oitiva do indiciado. Para o autor, o Código

evitou a terminologia interrogatório por entender que tal ato somente se realiza na

fase judicial sob a presidência do juiz de direito. Nesse caso, a oficialidade do ato

estaria vinculada a sua realização por juiz de direito e não por autoridade estatal.212

Discordamos de tal posicionamento.

A utilização do verbo ouvir ou interrogar não muda a essência do ato

realizado, tenha ele ocorrido na fase policial ou na judicial. Tanto que o próprio

Código de Processo Penal, em seu artigo 304, quando se refere à oitiva do acusado

preso em flagrante delito, utiliza o termo interrogatório.

Assim como Carlos Henrique Borlido Haddad, entendemos que o Código se

refere à oitiva do acusado na fase inquisitória quando ela se inicia por portaria,

porque se iniciando dessa forma dá mostras de que o procedimento está à procura

da prova da existência do crime e dos indícios de autoria, sem que até então haja

212 Cf. ARANHA. Da prova no processo penal, p. 68.

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elementos sólidos para a acusação. Como não há, nesse caso, sequer indícios

confiáveis de quem seja o autor do crime, aquele que é apontado como acusado

será ouvido e não interrogado. Trata-se, nesse caso, de uma terminologia menos

agressiva.213

Todavia, aquele que é preso em flagrante delito, embora se presuma inocente

até que sobrevenha sentença condenatória com trânsito em julgado (Declaração

Universal dos Direitos do Homem), tem contra si uma maior prova de sua

culpabilidade do que nos casos em que o inquérito se instaura por portaria, razão

pela qual, o preso em flagrante é interrogado e não ouvido pela autoridade

policial.214 Nesse caso, o Código não teve a mesma preocupação em utilizar

terminologia afável, demonstrando resquícios do sistema inquisitório típico da época

histórica em que foi formulado.

Não vemos existir singularidades capazes de diferenciar a inquirição do autor

da infração em seus diferentes momentos, seja na fase do inquérito policial, seja em

juízo. É certo que o interrogatório, na fase policial, visa colher informações sobre a

versão que o suposto autor da infração tem a respeito dos fatos, procurando levar a

outros elementos que provem a existência do crime e apontem para os indícios da

autoria, servindo de base para o Ministério Público instaurar a ação penal, em regra

pública incondicionada e, que, na fase judicial, ele sirva como indicativo da

personalidade do agente e denote a sua vida pregressa no convívio em sociedade,

assim como seja um meio de sua defesa em relação aos fatos apurados, todavia,

estas distinções não conduzem à necessidade de utilização de termos diferenciados

em cada um dos procedimentos, seja ele administrativo ou judicial.215

Como ato oficial que é, o interrogatório é sempre presidido por uma

autoridade do Estado, seja ela o delegado de polícia, na fase inquisitória, ou pelo

juiz de direito na fase judicial. Trata-se de uma oficialidade restrita, pois a realização

do interrogatório por pessoa diversa das mencionadas não é permitida em nosso

ordenamento jurídico.

É defeso ao escrivão de polícia216, assim como a qualquer outro serventuário

da atividade jurisdicional, presidir o ato do interrogatório.217

213 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 90. 214 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 86-91. 215 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 87-88. 216 Embora a presidência do inquérito policial seja delegada à autoridade policial pela Constituição da República de 1988, decisões dos Tribunais Superiores têm entendido que o Ministério Público pode

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O interrogatório no direito brasileiro é presidido pela autoridade que o realiza

(sistema angular de inquirição), que interroga o suposto autor da infração,

distanciando-se do modelo anglo-americano (direct-examination e cross-

examination) em que cabe à acusação e ao defensor do acusado formular perguntas

diretamente a este durante o procedimento judicial.218 O sistema direto e cruzado

causa abuso no ato de interrogar o acusado. Nele as perguntas são sugestivas e

deformadas, os debates ganham animosidade e as partes deixam de agir em

contraditório para se digladiarem como se o processo fosse uma batalha de armas

em que ganha aquele que for mais forte e astuto.219

A adoção do nosso ordenamento pelo sistema angular de inquirição explica-

se porque em nosso país o acusado não presta juramento, não se vincula ao dever

de dizer a verdade. Em nosso ordenamento, como consectário da ampla defesa, o

acusado pode, no momento de seu interrogatório, calar-se ou, até mesmo, mentir,

porque não presta juramento e não é ouvido como testemunha dos fatos.220

Não sendo exigido do suposto autor do fato dizer a verdade o sistema direto e

cruzado perde a razão de ser, já que a percuciência das indagações é rebatida pela

tolerância à mentira.

presidir o inquérito policial. Embora não concordamos com essa possibilidade, vez que entendemos que o Ministério Público é o órgão titular da ação penal e, por isso, não deve se imiscuir nas funções investigativas, para aqueles que entendem ser possível o Ministério Público presidir as investigações preliminares, seria também possível ao seu representante presidir o interrogatório. No sentido de que o Ministério Público pode presidir as investigações preliminares está o julgado HC 94278 da Relatoria do Ministro Menezes Direito, do Supremo Tribunal Federal, publicada no dia 25/09/08. Também o Superior Tribunal de Justiça entende que o órgão acusatório pode investigar, HC 75065, Relator Ministro Paulo Gallotti, DJe 15/09/08. 217 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 89. 218 A inquirição direta pelas partes e a submissão do acusado a juramento representam um ponto de divergência entre o ordenamento romano-germânico e o common law, explicados por fatos históricos e ideológicos. No século XIII, na Inglaterra, a versão do acusado passou a ser exigência inelutável do processo, mas na metade do século XVII a teoria da incapacidade testemunhal das partes e de pessoas interessadas que se firmou no direito civil estendeu-se ao penal, deixando, então, tal versão de se caracterizar como prova. Desde então a tomada de depoimento do acusado passou a ser possível sempre que a pedido da defesa, mas desde que sob juramento. Poderia o acusado preferir prestar declarações espontâneas e sem a obrigação de dizer a verdade, todavia, nesse caso, empregava-se pouca importância as suas palavras e chegava a significar uma espécie de confissão implícita, já que havia rejeitado o juramento. Na Inglaterra o testemunho sem juramento do acusado foi abolido em 1982. No sistema do cross-examination e da direct-examination reserva-se ao juiz uma atividade supletiva, de mero esclarecimento dos pontos tratados de modo incompleto pelas partes. Em virtude do juramento que se presta, estatuído o dever de se falar a verdade, o exame direto pelas partes teve maior aceitação no common law, como sistema de inquirição, por permitir perscrutar com maior intensidade e melhor revelar a idoneidade das declarações. Por outro lado, é improfícuo adotar-se o cross-examination em ordenamento jurídico que não estabeleça, como o brasileiro, obrigação penal do réu de dizer a verdade. (Cf. TONINI. La prova penale, p. 35. ZACCAGNINI. La crossing examination, p. 14-19. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 89-91). 219 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 91. 220 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 90.

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Em nosso ordenamento jurídico, até pouquíssimo tempo atrás, até mesmo as

testemunhas dos fatos eram inquiridas utilizando-se o sistema angular de inquirição,

ou seja, as perguntas eram feitas pelas partes ao juiz que as dirigia à testemunha,

tratando-se, para nós, de regra reveladora dos resquícios inquisitórios de nosso

Código, demonstradora de que a prova ainda se destinava, em grande parte, ao juiz,

que age como o seu titular e afasta a idéia de um processo de partes.

Com a entrada em vigor da Lei 11.690/2008 passou-se a adotar o sistema

direto e cruzado na inquirição das testemunhas, inovando a legislação no antigo

sistema utilizado pelo Código de Procedimentos Penais.221

Com o advento da nova lei, as testemunhas são primeiro inquiridas pelas

partes, diretamente, e o juiz somente intervém para obstar perguntas que possam

induzir à resposta, que não têm relação com a causa, ou importem na repetição de

outra. Ao final, atuando de forma subsidiária, o juiz pode complementar a inquirição.

A nova lei não alterou os dispositivos concernentes ao interrogatório,

permanecendo presidencialista por meio do sistema angular, todavia, as

testemunhas que antes eram indagadas sobre os fatos pelo mesmo método, agora

são inquiridas de forma direta e cruzada; a nosso ver, a modificação ocorreu porque

em relação à testemunha há sanção penal para a mentira (artigo 342 do Código

Penal), permitindo o sistema direto e cruzado inquiri-las com maior acuidade a

respeito da versão dos fatos que conhecem.

3.2.3 PESSOALIDADE Somente aquele a quem se imputa a infração penal será interrogado. O

interrogatório no juízo penal é ato procedimental pessoal, não admitindo a

intervenção de terceiro para fazer as vezes do interrogando.

221 Redação dada ao artigo 212 do Código de Processo Penal pela Lei 11690/2008: As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único: Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

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Carlos Henrique Borlido Haddad lembra, com propriedade, que, embora no

processo penal o interrogatório seja ato pessoal daquele a quem se imputa a autoria

do crime, no procedimento trabalhista e civil não se empresta a mesma regra.222

No procedimento do trabalho o reclamado pode prestar depoimento pessoal

por meio de preposto, cujas declarações obrigarão o primeiro. Já no processo civil,

embora a regra seja a da pessoalidade do ato, há previsão de que o mandatário,

desde que tenha poderes especiais, possa confessar os fatos.

Existia no interrogatório judicial penal a regra de que o menor de vinte e um

anos seria representado por curador, que participaria da dialética entre o juiz e o

menor, podendo intervir como se fosse uma segunda pessoa do menor, tal regra foi

extirpada de nosso ordenamento pela Lei 10.792/2003, que revogou o artigo 194 do

Código de Procedimentos Penais.

Outra questão que se mostra na atualidade relevante é a obrigatoriedade ou

não do interrogatório no curso do procedimento judicial penal.

Os projetos de reforma do Código de Procedimentos Penais, propostos desde

o ano 2000, tendentes a adequar os procedimentos penais à metodologia normativa

de garantia dos direitos fundamentais, em que se funda a Constituição da República

de 1988, procuram dar aos procedimentos penais a conformação que o Estado

Democrático de Direito exige.

Um dos projetos de lei transformou-se na Lei 10.792/2003, que, dentre outras

medidas, regularizou a garantia de o interrogado permanecer em silêncio sem que

essa atitude importe em prejuízo para a sua defesa.

No ano de 2008, outros três projetos de lei responsáveis pelas reformas no

Código de Procedimentos Penais ingressaram no ordenamento jurídico, todos

procurando concretizar a principiologia constitucional do processo, afastando os ares

inquisitórios da época em que o código foi formulado, que perduravam até os dias

atuais, mesmo após a promulgação da Constituição democrática de direito de 1988.

Assim, com a consagração da garantia ao silêncio (artigo 186 do Código de

Processo Penal) e, agora, com a menção expressa, no procedimento do Júri, pela

Lei 11.689/2008, à possibilidade de o réu ser intimado por edital da decisão de

pronúncia, acaso não localizado para ser intimado pessoalmente e, estando solto ou

preso, poder optar por não comparecer a audiência em que o Plenário do Júri se

222 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 92.

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realizará, consagra-se, a nosso ver, a ausência de obrigatoriedade de realização do

interrogatório.

Como ato do procedimento que se desenvolve em contraditório, o

interrogatório, como vimos, constitui exercício pela parte das garantias do

contraditório e da ampla defesa. Assim, sendo o réu intimado e cientificado da

realização do ato, como tem a garantia ao silêncio, pode optar por sequer

comparecer em juízo no dia aprazado, e tal atitude não pode implicar, por si só, na

tomada de qualquer medida cautelar do juízo contra a sua liberdade.

Por outro lado, se o acusado quiser, poderá comparecer ao interrogatório e lá

optar por dar a sua versão dos fatos, calar-se, ou, até mesmo, mentir em seu favor

como técnica de defesa. Também poderá optar por ser interrogado sempre que

julgar relevante para a sua defesa.

Trata-se, portanto, de uma faculdade do acusado comparecer ou não ao ato

procedimental do interrogatório, embora, para o Estado, constitui-se obrigação

cientificá-lo da realização do ato.

Não nos distanciamos ainda do período em que o não comparecimento do réu

ao interrogatório importava em motivo para que o juízo, de ofício, ou, a requerimento

do Ministério Público, determinasse a sua prisão preventiva. As novas leis procuram

dar aos procedimentos penais, depois de vinte anos da promulgação da Constituição

de 1988, ares do Estado Democrático de Direito por ela constituído, todavia, a

mentalidade tacanha e mesquinha de alguns ainda encontra justificativa para burlar

mesmo as regras explícitas do Código reformado, continuando a emprestar aos

procedimentos penais resquícios do Estado de Policia.

3.2.4 ORALIDADE

O princípio da oralidade é consectário da garantia da ampla defesa, na

medida em que permite às partes maior aproximação entre si e com o juiz na ampla

argumentação que se desenvolve em torno da prática dos atos procedimentais,

possibilitando a todos transmitir, uns aos outros, impressões e entendimentos sobre

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a “realidade litigiosa regida pelo processo”, de forma que a participação no iter

procedimental seja democraticamente assegurada a todos.223

O interrogatório, como um dos atos do procedimento desenvolvido em

contraditório e tendente a realizar a ampla defesa se realiza por meio da palavra

oral, em regra.

Excetuando-se o interrogatório do surdo, do mudo, e do surdo-mudo (artigo

192 do Código de Processo Penal) as perguntas dirigidas ao interrogado e as

respostas por ele fornecidas são orais. Apenas na exceção mencionada o

interrogatório é feito por meio da combinação da palavra oral com a escrita, ou,

ainda, apenas mediante a palavra escrita, dada a impossibilidade do uso exclusivo

da oralidade.

A palavra oral possibilita maior contato entre os interlocutores, a pessoa que

fala se conecta àquela que recebe imediatamente, ambas se ligam, por meio da

palavra oral, ao pensamento uma da outra que se exterioriza instantaneamente.224

Bentham, ao contrário, não manifesta interesse como o faz a maioria, pela

palavra oral. Para ele não há pergunta que não possa ser feita por escrito ou

oralmente, não há circunstância que não possa ser apreendida por meio da palavra

escrita, não sendo esta inferior à oral.225

Todavia, a preferência contemporânea pelo uso da oralidade no curso de todo

o procedimento é manifesta. Não apenas no interrogatório ou na tomada do

depoimento das testemunhas, o procedimento tem na atualidade tendido para a

realização de todos os atos de forma oral, possibilitando tal providência, até mesmo

na redução do tempo em que os atos de realizam.226

Os novos procedimentos ordinário e sumário disciplinados pelo Código de

Processo Penal, com redação dada pela Lei 11.719/2008, prima pela oralidade dos

223 LEAL. Teoria geral do processo, p. 113. Discorrendo sobre o princípio da oralidade, Rosemiro Pereira Leal ainda acentua que a adoção da prova escrita e documental, com exclusão da prova oral, mutilaria o princípio institutivo da ampla defesa que não se faria na plenitude articulatória assegurada por direitos fundamentais. (Cf. Teoria geral do processo, p. 113). 224 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 95. 225 Referindo-se à palavra escrita ou oral Bentham manifesta que “esas dos formas son iguales em el aspecto de la particularidad. No hay perguntas que no puedam formularse por escrito o de palabra; no hay circunstancia a la cual no pueda llegarse de uma u outra maneira”. E vai além, “com respecto a la permanência o a la fijación de las palabras, el testimonio oral, tomado taquigráficamente, no será inferior a la forma escrita”. (Tratado de las pruebas judiciales, p. 215). 226 No direito processual penal italiano, português e alemão consagram-se os princípios da oralidade, imediação, concentração e identidade física do juiz. (Cf. DEMERCIAN. A oralidade no processo penal brasileiro, p. 96-97).

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atos, inclusive disciplinam que as alegações das partes serão orais e na mesma

audiência227.

Dessa forma, com a utilização da palavra oral na realização de quase todos

os atos procedimentais, as partes têm contato imediato com todos os matizes do

procedimento, possibilitando até mesmo o retorno da identidade física do juiz no

processo penal, com o maior esclarecimento da versão dos fatos por cada uma das

partes.

Embora o interrogatório seja realizado, em regra, por meio da palavra oral,

assim como na atualidade quase todos os atos que compõem o procedimento

também o sejam, há redução de todos os elementos a termo, como forma de

documentação.

Na fase do inquérito policial vige também o princípio da oralidade, devendo no

termo228 lá produzido constar, além das palavras orais do indiciado, também as

informações que possibilitem aferir que o ato foi revestido de legalidade, como a

faculdade de permanecer calado e de ter assistência de advogado, sob pena de “se

considerarem não formuladas”.229

227 A nova redação dada ao artigo 403 do Código de Processo Penal disciplina que “não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença”. O procedimento sumário também traz a regra da oralidade no artigo 534 do Código de Processo Penal, vejamos: “As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, a sentença”. 228 Termo é narrativa modelada em lei processual para explicitar atos praticados intra-autos. (LEAL. Teoria geral do processo, p. 320). 229 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 97.

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CAPÍTULO IV

INTERROGATÓRIO COMO UM DOS ATOS DO PROCEDIMENTO

4.1 NOÇÕES BÁSICAS Antes de analisarmos o melhor momento para a realização do interrogatório e

o lugar que esse ato processual deve ocupar na estrutura do procedimento, é

preciso entender que o processo, como espécie do gênero procedimento, não se

desenvolve aleatoriamente, pelo contrário, ele concatena seus atos em torno de uma

estrutura normativa justamente porque visa ao implemento de uma finalidade

específica e é para atender a cada uma dessas finalidades que a ciência processual,

aliada à técnica processual, desenvolve procedimentos diferenciados para que o

processo possa alcançar suas finalidades precípuas230.

A estrutura de cada um dos procedimentos é organizada de forma que a

realização de cada ato contribua adequadamente para que a decisão final responda

às pretensões das partes, permitindo a elas participarem da construção do ato final

em simétrica paridade de oportunidades processuais.

Para cada pretensão, é necessário que haja uma estrutura normativa

diferenciada que seja capaz de encadear os atos de forma a permitir que a decisão

final estatal seja legítima e corresponda à pretensão deduzida.231

Essa estruturação técnica que alia a pretensão da parte ao ato estatal por

meio do contraditório desenvolvido entre aqueles que sofrerão os efeitos da decisão,

dando-lhe, por isso, legitimidade, requer produção de conhecimento para atender as

suas finalidades e se requer produção de conhecimento significa dizer que requer a

participação da ciência, atividade humana essencialmente voltada para a produção

do saber232.

Ciência e técnica se entrelaçam de forma a maximizar a produção do

conhecimento, alimentando-se mutuamente na medida em que a técnica empresta à

230 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do procedimento, p. 64-66. 231 Não há referência ou similitude entre a idéia exposta de estruturação normativa do procedimento conforme a pretensão a ser deduzida e o período da legis actiones do direito romano, do século VIII ao V a.C., vinculado às formulas e palavras sacramentais. Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 40. 232 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do procedimento, p. 18.

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ciência meios de se tornar aplicada e a ciência empresta à técnica conhecimento

que possibilita um melhor arranjo dos atos destinados à obtenção de resultados

úteis.233

O procedimento é, nesse contexto, a estrutura técnica formada por atos

jurídicos que se desenvolvem conforme uma disciplina legal processual previamente

determinada, em que o ato antecedente determina a validade daquele que o sucede

e este, por sua vez, retira seu conteúdo de validade daquele que o antecedeu, numa

seqüência que se desenvolve até a decisão final, último ato da cadeia

procedimental.234

Emprestando legitimidade a determinada espécie de procedimento, o

processo se reveste das garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa,

isonomia, direito a advogado e do duplo grau de competência, transformando-se no

conjunto de atos disciplinado por lei que faz do último ato da seqüência da estrutura

legal, a síntese dos argumentos das partes deduzidos em simétrica paridade de

oportunidades processuais235.

O processo não é, pois, mero procedimento técnico, mas procedimento

constitucionalizado e apto a deduzir a pretensão das partes de forma a efetivar, por

meio das garantias processuais, direitos fundamentais dos cidadãos.

O século XX inaugurou idéias novas, dentre elas a superação do tecnicismo

contemplado no século XIX que se fazia pelo rito e pela forma. “O movimento de

renovação do direito processual” dissocia-se das insuficiências do passado, em que

o processo se desenvolvia segundo finalidades pouco afetas à ordem instituída pelo

princípio do Estado Democrático de Direito. Era um processo que cumpria o rito pelo

rito e a forma pela forma, tendo o direito material sob foco exclusivo.236 A renovação

do direito processual, iniciada no século XX, é um mecanismo de transformação, a

que se atribui a finalidade de metodologia de garantia de direitos fundamentais.237

Embora a erradicação do formalismo do século XIX signifique uma evolução,

porque ele não conseguiu dar respostas aos problemas sociais, é preciso diferenciar

o mero formalismo do uso adequado da técnica.

233 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 25. 234 LEAL. Teoria geral do processo, p. 254-255. 235 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 119. 236 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 31. 237 BARACHO. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, p. 47.

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A técnica é um método utilizado para alcançar resultados úteis, mas é o

homem quem decide o que fazer com os seus resultados. Se ela é utilizada para

finalidades nobres ou, ao contrário, para intentos mesquinhos, decorrerá da vontade

do homem, responsável pela escolha de seus fins. A técnica é atividade

historicamente desenvolvida antes da ciência. Ela engloba a noção de conjunto de

meios adequados para a consecução dos resultados desejados, de procedimentos

idôneos para a realização de determinados fins, de conjunto de procedimentos

destinados a produzir resultados úteis, um fazer nunca concebido como sendo

desordenado. A técnica pode ser racional ou irracional, mas sempre se destina à

produção de certos resultados.238

O termo ciência, por seu turno, corresponde ao conjunto de conhecimentos

capaz de conduzir o homem a conclusões concordantes, que não provêem de

gostos individuais, mas de relações objetivas que podem ser confirmadas por

métodos de verificação definidos.239

Toda ciência, pois, pode ser concebido como conjunto de conhecimentos

fundamentados ou como atividade produtora de conhecimento. “De uma ou de outra

forma, independentemente de qual seja seu objeto, toda ciência se quer como uma

competência explicativa de uma determinada realidade, seja ela natural ou

cultural”.240

No campo jurídico, ciência e técnica trabalham de forma coordenada. A

ciência do direito tem aprimorado suas técnicas, “revelando semelhanças ocultas na

diversidade, unificando realidades jurídicas em um modelo genérico aplicável a uma

multiplicidade de casos”, construindo teorias explicativas e críticas. A ciência produz

conhecimento capaz de aprimorar a técnica, dando a ela subsídio para que, por

meio de procedimentos melhor estruturados, alcance resultados ainda melhores; a 238 Idéia exposta por Aroldo Plínio Gonçalves com apoio na doutrina de Denis Huisman e André Verges. (Cf. Técnica processual e teoria do processo, p. 22-35. LEAL. Teoria geral do processo, p. 56). 239 LALANDE. Vocabulaire technique et critique de la philosophie. Atribuindo ao termo ciência definição distinta da por nós empregada, voltando-se mais para uma concepção axiológica está Couture, o qual estabelece que ciência é o “ramo da cultura que aspira a conhecer as normas jurídicas”. (COUTURE. Interpretação das leis processuais, p. 153). 240 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 18. Karl Popper apresenta valiosa reflexão em relação à ciência jurídica ao estabelecer que “conhecimento objetivo é conhecimento no sentido de teoria formulada verbalmente, que se expõe à crítica. Nele se integram os conhecimentos científicos. Esse conhecimento está armazenado nas nossas bibliotecas e não nas nossas cabeças”. E esclarece adiante: “Naturalmente, nunca teríamos feito uma descoberta sem ter compreendido algo das teorias existentes e da situação objetiva do problema – ou, por outro lado, sem ter estudado livro ou revistas científicas: e tudo isso significa conhecimento em sentido objetivo”. (POPPER. O racionalismo crítico na política, p. 68).

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técnica, por sua vez, proporciona à ciência tornar-se aplicada, aliando a teoria, que é

responsável por extrair da ordem jurídica noções e distinções fundamentais,

estabelecendo correlações lógicas e revelando semelhanças existentes na estrutura

de determinado sistema jurídico em comparação com os demais, à dogmática, que

se volta para o estudo do direito positivo de um sistema jurídico determinado.241

Com a ciência processual e a técnica processual não é diferente. Valendo-se

da ajuda da ciência, produtora de conhecimento, a técnica processual racionalizou-

se de tal forma que, aliada à conquista das garantias constitucionais, importou na

superação do antigo critério utilizado na atividade de aplicar o direito ao caso

concreto.

A idiossincrasia do decididor foi substituída por uma estrutura que possibilita

ao povo, por meio daqueles que estão atuando em juízo, em simétrica paridade de

oportunidades processuais, agir diretamente na decisão final, participando de sua

construção. E não só. Além de participar da construção da decisão final as partes,

por meio da garantia constitucional do duplo grau de competência, podem rever os

julgados estatais, ante a obrigatoriedade de fundamentação das decisões pelo órgão

juiz.242

Nesse sentido, verbera energicamente Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias ao

discorrer sobre o princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais:

Com efeito, se a jurisdição somente atua mediante o devido processo constitucional e se o processo é procedimento que se desenvolve em contraditório entre as partes, em condições de paridade, fundamentar a decisão jurisdicional é justificar o órgão estatal julgador, no processo, as razões pelas quais a decisão foi proferida. Esta justificação, porém, não pode ser abstrata, desordenada, desvairada, ilógica, irracional ou arbitrária, formulada ao influxo das ideologias, do particular sentimento jurídico ou das convicções pessoais do agente público julgador, porque ele não está sozinho no processo, não é seu centro de gravidade e não possui o monopólio do saber.243

241 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 30. Aroldo Plínio Gonçalves ainda esclarece que a relação entre ciência e técnica engendra um processo de racionalização da técnica e da ciência como saber aplicado. Ao alcançar essa etapa a ciência produz novas técnicas e a técnica, racionalizada, permite tanto o crescimento do conhecimento científico como a melhor aplicação da ciência, conforme finalidades previamente concebidas. 242 Nesses sistemas pautados pela racionalidade, a aplicação do direito não se baseia em critérios subjetivos, típicos de uma justiça salomônica ou do “fenômeno Magnaud” (Cf. GÉNY. Méthode d’interprétration et sources em droit prive, v. 2, p. 287-289. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 45), chamado por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias de “complexo de Magnaud”, para designar uma aplicação do direito feita com base no equilíbrio, inteligência e sensibilidade do juiz. (Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 134-135). 243 Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, 146-147.

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O processo como procedimento que se desenvolve em contraditório entre as

partes, como atividade preparatória de um ato estatal de caráter imperativo,

atividade regulada por uma estrutura normativa que conecta atos e posições

subjetivas segundo critérios legais, permitindo a participação dos interessados na

decisão, na atividade preparatória desse ato estatal, é uma técnica produzida pela

ciência processual e tem finalidades especificas.244

A atividade preparatória do ato estatal imperativo realizada por essa estrutura

normativa com a participação dos interessados nos atos que compõem a estrutura

em simétrica paridade de oportunidades na construção da decisão final constitui o

melhor modelo de garantia dos direitos fundamentais produzido em um Estado

Democrático de Direito.245

Toda a finalidade do processo, que é estrutura técnica processual, modelo

normativo de garantia de direitos fundamentais, é construir, aplicar e executar

direitos pela atuação das partes em contraditório, finalidade jurídica esta a que visa

o Estado Democrático de Direito.

Nos sistemas jurídicos democráticos de direito o critério de aplicação do

direito é racional, objetivo, obedece a uma técnica estrutural normativa que garante

ao indivíduo que movimenta a função jurisdicional a segurança de que o direito será

realizado conforme o direito e não de acordo com a inteligência ou sensibilidade do

servidor público juiz.246

A ciência processual, para atender as suas finalidades, cria as melhores

técnicas, por meio dos diferentes tipos de procedimento, para que as pretensões das

partes sejam deduzidas de forma que elas participem em contraditório da

elaboração da decisão final. Cada um dos procedimentos, por meio de sua estrutura

jurídica, revela uma coordenação de atos que se desenvolvem para que o resultado

244 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 129. 245 Em se tratando de técnica processual, não se pode deixar de mencionar o trabalho científico de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias intitulado: Técnica de arrazoar recursos. O autor cita em seu artigo dez regras básicas para esboçar uma técnica razoável com essa finalidade. Mencionaremos algumas delas com o fito de exemplificar a necessária técnica que os operadores do direito necessitam para o trâmite procedimental. Segundo Brêtas, a linguagem deve ser escorreita, clara e objetiva, de forma a facilitar a compreensão. O estilo forense deve ser observado, evitando-se gírias. O trabalho deve ter boa apresentação física, as pretensões devem ser dispostas em tópicos para facilitar a abordagem. Deve-se evitar orações e períodos compridos, as frases devem ser escritas em forma direta, evitando-se, ainda, o uso de reticências. Não se deve preocupar com a repetição de palavras que possuem significado técnico, vez que sua substituição por outra dificulta o raciocínio. Deve haver exposição racional e lógica das questões de fato e de direito a serem analisadas, além de fundamentação adequada. (Cf. BRÊTAS C. DIAS. Técnica de arrazoar recursos, p. 81-85). 246 Cf. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 27.

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obtido seja útil às partes na medida em que elas, que sofrerão os efeitos da decisão,

possam atuar em simétrica paridade de oportunidades, daí, Aroldo Plínio Gonçalves

ter sintetizado com brilhantismo o pensamento segundo o qual o processo, como

procedimento desenvolvido em contraditório, é a técnica mais idônea e legítima

existente no Estado Democrático de Direito.247

O instituto do interrogatório é um dos atos que compõe o procedimento penal

e sua realização deve ocorrer no momento mais adequado para maximizar a defesa

do acusado. Uma técnica será boa ou má, conforme consiga ou não atingir o fim a

que se destina, daí a importância de verificarmos se as técnicas postas à disposição

das partes na dedução de suas pretensões são aptas a cumprirem seus fins,

verificando se o ato do interrogatório encontra-se, nos procedimentos previstos em

lei, no melhor lugar na estrutura do procedimento.

4.2 O MOMENTO E O LUGAR DO INTERROGATÓRIO NA ESTRUTURA DO PROCEDIMENTO

O procedimento deve ser tomado de forma mais abrangente do que uma

simples atividade regulada por uma estrutura normativa. Isso porque os atos que

compõem essa estrutura legal, essa cadeia normativa, se desenvolvem numa

determinada seqüência e não aleatoriamente, de forma que o ato antecedente

determina a validade do que o sucede e este, por sua vez, retira sua força daquele

que o antecedeu, condicionando a validade de toda a estrutura à observância da

legalidade de todos os atos que a integram.248.

Enrico Redenti, em estudo realizado na década de 30, anteriormente à obra

de Fazzalari, já preconizava o procedimento como um modelo legal que se

247 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 170-171. 248 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 111. Élio Fazzalari sintetiza a concatenação dos atos do procedimento afirmando que “o procedimento é formado por uma série de normas, cada uma delas regula uma deteriminada conduta específica (qualificando-a como lícita ou devida), enunciando como pressuposto de sua própria incidência o cumprimento de uma atividade regulada por outra norma da série, e assim, sucessivamente, até a norma aplicável ao ato final da série”. Tradução livredo trecho original: “il procedimento si coglie quando ci trova di fronte a una serie di norme, ciascuna delle quali regola una determinata condotta (qualificandola como lecita o deverosa), ma enuncia come presupposto della propria incidenza il compimento di un’attività regolata da altra norma della serie, e così via fino allá norma regolatrice di un ato finale”. (Instituzioni di diritto processuale, p. 57-58).

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desenvolve visando à obtenção de uma determinada finalidade, apontada pelo autor

como sendo a emanação do provimento, este tomado como ato estatal

imperativo249.

Conforme mencionado autor, para se alcançar o último ato da cadeia

normativa, ou seja, o provimento, é preciso que a atividade previamente

desenvolvida consista no entrelaçamento de atos das partes que sofrerão os seus

efeitos. Autor e réu devem contribuir mutuamente entre si, no desenvolvimento de

todos os atos que compõem o procedimento, para que o provimento, último dos

atos, revele a síntese dos argumentos das partes.250

Redenti propôs que a atividade preparatória do provimento final seguisse

modelos legais diversos. Aroldo Plínio Gonçalves Dias atribui a essa diversidade de

modelos legais a necessidade de comportar toda a variedade de procedimentos

segundo o tipo de provimento jurisdicional que será atuado.251

Para o jurista mineiro, que alicerça seu pensamento na teoria de Fazzalari, a

finalidade de todo procedimento, incluindo, por corolário, o processo desenvolvido

em contraditório entre as partes, é o alcance do último ato da atividade estruturada

normativamente, ou seja, é o provimento jurisdicional252.

Justamente por ser o provimento a finalidade dos atos desenvolvidos durante

o procedimento é que o processo, como agente legitimador, traz em si a diferença

específica do contraditório, fazendo com que as parte que sofrerão os efeitos desse

último ato estatal, dotado de caráter imperativo, possam participar de sua construção

e não apenas figurar como sujeito processual inerte.

Para nós, todavia, embora tenhamos por norte a teoria estruturalista,

tomamos o cuidado de acrescentar a ela o constitucionalismo, aliando ao

contraditório, outras garantias constitucionais como a ampla defesa, a isonomia, o

direito a advogado e o duplo grau de competência, visualizando assim o processo,

como procedimento realizado em contraditório, mas também firme na lição de

249 REDENTI. Il giudizio civile com plurità di parti, p. 99. 250 REDENTI. Il giudizio civile com pluratilà di parti, p. 99/100. 251 GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 103-104. 252 Importante destacar que a seqüência de atos que compõe o procedimento é denominada por Redenti de “modelo legal”, por Fazzalari de “estrutura normativa” e por Aroldo Plínio de “enucleação” de atos. (Cf. REDENTI. Il giudizio civile com pluratilà di parti. FAZZALARI. Instituições de direito processual. GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo).

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Baracho, segundo a qual, essa estrutura normativa seqüencial, trata-se da

metodologia de garantia de direitos fundamentais253.

Dessa forma, entendemos que os diversos esquemas normativos devem ser

formados cada um com seu próprio núcleo estrutural, tendo por finalidade precípua

não apenas o provimento jurisdicional, mas também, visando à dedução das

pretensões das partes.

A decisão final estatal será conseqüência do desenvolvimento correto de cada

um dos procedimentos, os quais, por seu turno, resultam dos diversos esquemas

normativos delineados, mas não sua finalidade única. Os esquemas ou modelos

legais que se formam resultando cada qual em um determinado procedimento se

organizam de tal forma que, conforme a pretensão a ser deduzida pela parte, haja

uma seqüência legal de atos a ser seguida, conforme a melhor técnica delineada

previamente pelo saber científico.

Nesse desiderato, cada procedimento, desenvolvido no Estado Democrático

de Direito pelo complexo constitucional de garantias processuais, revela a pretensão

da parte a ser deduzida.

Segundo tal posicionamento e partindo da constatação de que o Processo

Penal brasileiro enucleou diferentes modelos normativos que disciplinam, cada qual,

determinada atividade estrutural com uma seqüência legal de atos específica,

colocando, em cada uma delas, conforme a pretensão a que se visa atender, o

interrogatório do acusado em um determinado lugar do procedimento, verificamos

que após a Constituição da República de 1988, o modelo constitucional de processo

exige que a ciência do direito processual dê maior importância ao instituto do

interrogatório do acusado e a sua melhor posição dentro da estrutura procedimental.

A título de exemplificação, tendente a demonstrar que cada procedimento é

estruturado de determinada forma, segundo um modelo normativo próprio,

lembramos que no esquema ordinário de procedimento, previsto pelo Código de

Processo Penal, o interrogatório ocupava, dentro da fase processual denominada

instrução, o primeiro lugar na estrutura.

Já no procedimento dos juizados especial criminais, Lei 9.099/1995, o

interrogatório está disposto como o último ato da mencionada fase processual.

253 BARACHO. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, p. 47.

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O processo penal visa à reconstrução do fato delituoso254e assim, para

reconstruir a conduta típica, ele utiliza, conforme a pretensão da parte a ser

deduzida, um dos procedimentos, ou seja, um dos modelos normativos postos à

disposição das partes previamente, conforme o tipo de crime praticado.

O Código de Processo de Penal, de 1940, disciplinou procedimentos que

revelam o sistema processual da época em que foi criado. Modelos normativos que

se revestem do princípio inquisitório, dando poderes instrutórios ao juiz e fazendo do

interrogatório do réu o meio de obtenção de sua confissão. Nesse quadro, nada

melhor que a ocupação por esse instituto do ato inaugural da instrução processual.

Sendo o interrogatório o primeiro ato da estrutura, o acusado é levado à

presença do juiz para revelar a sua versão dos fatos sem que antes tenha sido

produzida qualquer prova na fase judicial. Assim, o suposto autor do crime, ainda

que adote o silêncio como técnica de sua defesa, o faz sem qualquer conhecimento

do que está por vir no curso dos atos processuais que se seguirão.

A não ser que o acusado detenha poderes mediúnicos ou de futurologia,

utilizará o ato que a lei põe a sua disposição para o exercício de sua defesa sem

conhecer os elementos de prova que se produzirão na seqüência do procedimento,

ou seja, atuará como se no escuro estivesse, podendo ser surpreendido e

certamente o será, por tudo o que a acusação desencadear em seu desfavor. O

órgão acusatório, por sua vez, estará munido contra o réu, porque de antemão já

conhece a técnica adotada pela defesa no procedimento tendente à reconstrução do

fato delitivo.

Dês que a Constituição de 1988 deu origem ao Estado denominado República

Federativa do Brasil, alicerçado-o no princípio da democracia de direito e, que o

processo deixou de ser instrumento servil posto à disposição da jurisdição255,

passando a atuar como instrumento de legitimação, garantidor de direitos

fundamentais, a norma processual, objeto de estudo da ciência processual penal,

estruturou, timidamente no curso dos anos, alguns procedimentos que revelam o

sistema acusatório instituído pela nova ordem constitucional democrática.

254 Cf. COUTINHO. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 66-67. 255 LEAL. Teoria geral do processo, p. 76-77.

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Mesmo os procedimentos que continuaram regidos pelo esquema normativo

do Código de Processo Penal ganharam novos ares com a garantia ao silêncio256,

ainda que o interrogatório continuasse a se realizar no primeiro ato da instrução.

O procedimento instituído pela Lei 9.099/1995 e pela Lei 10.409/2003 são

exemplos de novas estruturas normativas iluminadas pelo sistema acusatório. Em

ambos os esquemas legais o instituto do interrogatório foi deslocado para o último

ato da fase instrutória.

Significa dizer que, nessas estruturas, o acusado quando tem a oportunidade

processual de narrar a sua versão dos fatos o faz após a reunião de toda a prova.

Falando após a produção de todas as provas a autodefesa é exercida em sua

plenitude, mesmo porque, nesse caso, até a garantia ao silêncio pode ser mais bem

desfrutada pelo réu como uma técnica defensiva posta verdadeiramente a seu favor.

Seguindo a tendência do sistema acusatório, após o decurso de vinte anos da

Constituição, os procedimentos do Código de Processo Penal, ordinário, sumário e

sumaríssimo, sofreram alterações pela Lei 11.719/2008, a qual deu nova redação

aos artigos 400, 531 e 538 do Código de Processo Penal, disciplinando em todos

eles que o ato do interrogatório passa a ser o último a se realizar durante a instrução

processual que acontece, em regra, de forma concentrada e oralmente.257

Como vimos, se tomarmos a finalidade do processo, entendido como

procedimento desenvolvido em contraditório, ampla defesa, isonomia, direito a

advogado e ao duplo grau de competência, ou seja, atividade estruturada

normativamente, verificaremos que o instituto do interrogatório, tipicamente

processual, tendente ao exercício da ampla argumentação do acusado, seja por

meio de sua defesa técnica ou na sua essência de autodefesa, deve ser, na fase

instrutória, o último dos atos a se realizar.

256 Trataremos amiúde do tema no capítulo VI. 257 Redação dada aos citados artigos do Código de Processo Penal pela Lei 11.719/2008. Artigo 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 desde Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. Artigo 531: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 desde Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate. Artigo 538: Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.

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A síntese desse pensamento foi feita de forma irretocável por Flaviane de

Magalhães Barros e merece ser transcrita:

A presença do acusado deve ser garantida se esse estiver preso. Logo, a ausência da requisição do acusado preso ou o seu não-comparecimento pode gerar a nulidade do ato, principalmente porque é o interrogatório o último ato da instrução probatória. Sua localização dentro da instrução se deve à plena garantia da autodefesa, já que o acusado conhecerá todo o conjunto probatório, pois é um ato eminentemente de defesa e não de prova. Logo, se preso o acusado e ele não comparece ao ato, não poderá ser realizado o seu interrogatório.258 (Grifamos).

Embora a reestruturação do lugar do interrogatório dentro da estrutura dos

procedimentos disciplinados pelo Código de Processo Penal, com o advento da Lei

11.719/2008, tenha prestigiado a garantia constitucional da ampla defesa, ao

permitir que o acusado tenha a oportunidade de falar depois da produção de toda a

prova, podendo alinhar sua defesa conforme a circunstância o exigir, entendemos

que a reforma é pontual e incapaz de transformar a essência inquisitória do Código

Processual Penal, o qual deve ser aplicado sempre tendo por norte a Constituição

da República de 1988259, vez que, como vimos, são os princípios abarcados pela

Constituição da República de 1988 que fazem do nosso sistema processual

acusatório. Isso porque, se tivermos os olhos voltados exclusivamente para o

Código de Processo Penal, não nos afastaremos do princípio inquisitivo que o

rege.260

258 BARROS. (Re)forma do processo penal, p. 124. 259 Cf. BARROS. (Re)forma do processo penal, p. 03-06. 260 Lenio Streck afirma que o princípio dispositivo somente será incorporado ao sistema processual penal brasileiro quando as normas forem interpretadas levando-se em conta a perspectiva garantidora da Constituição. (Cf. STRECK. A jurisdição constitucional e o “duplo juízo de admissibilidade” do artigo 396 do CPP: uma solução hermenêutica, In: www.leniostreck.com.br; cf.tb: Reforma Penal: o impasse na interpretação do artigo 396 do CPP, In: www.conjur.com.br).

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CAPÍTULO V

INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE PROVA

5.1 ELEMENTO, MEIO E INSTRUMENTO DE PROVA

A prova em direito processual e sob a égide da democracia de direito não

deve ser tomada como meio de captação da verdade. Referir-se à prova como

objeto de estudo é referir-se a uma metáfora, eis que ela é um instituto jurídico, ou

seja, um conjunto de princípios que apresentam correlações próprias e se unifica por

uma conexão responsável por lhes atribuir significado e aplicação. A prova é o

instituto jurídico que confere estruturação ao procedimento, é o seu âmago de

disciplina, ela não está vinculada exclusivamente à fase instrutória, mas a toda

estrutura procedimental.261

O procedimento como conjunto de atos disciplinados normativamente, cujos

atos se encadeiam de forma que o ato antecedente determina a validade e o

conteúdo daquele que o sucede e este, por sua vez, retira sua validez daquele que o

antecedeu, compõe-se de elementos teóricos exigidos pela lei, os quais deverão ser

aclarados pelos meios determinados por lei por via de instrumentos que formam os

autos do procedimento.262

Justamente porque a prova caracteriza-se como o elemento de estruturação

do procedimento é que se pode dizer que esse instituto revela o grau de

desenvolvimento de um Estado.

Nos Estados autoritários, a prova tem por destinatário o juiz. É ele quem a

valora e a valoriza, quem decide por sua aplicação e grau de importância. Nesse tipo

de Estado as partes pouco ou nada significam, não participam ativamente da

produção da decisão final, pelo contrário, aguardam em posição inerte o

desdobramento da jurisdição sem processo.263

261 LEAL. Teoria geral do processo, p. 192-195. 262 LEAL. Teoria geral do processo, p. 194-195. Para o autor o procedimento processualizado é a prova das provas. Sem procedimento não há como operacionalizar democraticamente o instituto da prova. 263 LEAL. Teoria geral do processo, p. 195.

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Lado outro, no Estado que se estrutura sobre os ditames do princípio do

Estado Democrático de Direito, a jurisdição jamais atua ao alvedrio do procedimento

realizado em contraditório, ampla defesa, isonomia, direito a advogado e duplo grau

de competência.

No contexto do Estado Democrático de Direito, o procedimento é uma

estrutura técnica que assegura às partes o seu direito probatório como exercício da

liberdade, definindo-as como sujeitos processuais de uma estrutura que alcançará o

ato final pela atuação conjunta daqueles que sofrerão os efeitos da decisão e não

pela atuação magnânima do decididor. A prova é a balize jurídica da instituição

constitucionalizada do Estado.

No Estado Democrático de Direito, em que o procedimento é estruturado pela

prova e revela o grau de liberdade da sociedade, a prova produzida em contraditório

não se destina ao juiz, mas sim, ao juízo264, o qual é o responsável por valorá-la,

identificando-a no bojo dos autos do procedimento e, por valorizá-la, ato de

conferência de relevância e de validade de um ou vários aspectos dos elementos de

prova, fundamentando os critérios formadores da sua convicção.265

Perquirindo as características do procedimento dessa forma é que podemos

afirmar se houve processo, ou seja, se foram asseguradas às partes as garantias

constitucionais que efetivam direitos fundamentais do homem.

A prova não é uma evidência em si mesma, ela não se presta à reprodução

da verdade, ela é um instituto de enorme complexidade que visa a “representar e

demonstrar os elementos da realidade objetiva pelos meios intelectivos autorizados

em lei”.266

264 Dizer que a prova não se destina ao juiz, mas sim ao juízo de direito, significa dizer que ela não se destina ao agente e representante do juízo, mas sim, ao órgão estatal, integrante da atividade jurisdicional, competente para julgar a causa mediante decisões com vinculação plena. (Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 248. BRÊTAS, C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 129-130). 265 “A valoração da prova é, num primeiro ato, perceber a existência do elemento de prova nos autos do procedimento. Num segundo ato, pela valorização, é mostrar o conteúdo de importância do elemento de prova para a formação do convencimento e o teor significativo de seus aspectos técnicos e lógico-jurídicos de inequivocidade material e formal”. (LEAL. Teoria geral do processo, p. 199). 266 LEAL. Teoria geral do processo, p. 188. Florian é o jurista que mais aproximou o estudo da prova da relação entre os meios de prova com os elementos da vida a serem captados por meio de instrumentos. O autor italiano denominou os elementos de prova, assim intitulados por Rosemiro Pereira Leal, de objeto da prova. Florian afirmou que os diversos objetos da prova podem ser capitados por diferentes meios de prova e, assim, serem levados à cognição do juiz e dos demais sujeitos do processo. Os objetos da prova não transmudariam ao serem capturados pelos diversos meios de prova. (Prove penali, v. II, p. 01-03). Em sentido oposto Manzini afirma que “la distinción

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Por meio dessa complexa expressão, Rosemiro Pereira Leal estruturou a

teoria da prova sob bases processuais constitucionalizadas.

Para referido autor, a prova é um instituto, sendo instituto forma-se por um

complexo de princípios, identificados pelo jurista mineiro como os da indiciariedade,

ideariedade e instrumentalidade. O princípio da indiciariedade revelaria a existência

de elementos da realidade objetiva. O da ideariedade seria a apreensão e

transmissão do elemento da realidade para o intelecto humano e o da

instrumentalidade a materialização gráfico-formal dos elementos da realidade pelos

meios legais.267 Esses três princípios se entrelaçam de forma que o elemento da

vida pode ser captado por um meio previamente disciplinado por lei e materializado

em um instrumento que, por sua vez, é incorporado e passa a integrar formalmente

o procedimento.

Para que o elemento da vida passe a integrar a realidade jurídica é preciso

que ele seja captado por um meio legal e instrumentalizado nos autos, isso porque o

processo não visa à verdade dos fatos, mas a sua fixação formal no

procedimento.268 Os fatos da vida não se repetem jamais269, uma vez ocorridos

somente podem ser captados pelos meios de prova, nunca reproduzidos nos autos

como reveladores de uma verdade que se sabe ser inalcançável.

Concluímos, pois, com sustentáculo na doutrina de Rosemiro Pereira Leal,

que a prova é um instituto jurídico que se forma pelo entrelaçamento dos três

princípios referidos. Ou seja, ela é alcançada não como reprodutora da verdade dos

fatos, mas como o instituto responsável por transportar os elementos da vida, por

meios legais, e transformá-los em instrumentos aptos a serem utilizados pelas

partes na dedução de suas pretensões e pelo juízo, que deverá, além de indicá-la,

valorando-a, fundamentar a sua decisão valorizando-a, ou seja, mostrando a

importância de seu conteúdo270.

entre fuentes, médios y elementos de prueba no tiene importancia cientifica esencial.” (Tratado de derecho procesal penal, p. 208). 267 LEAL. Teoria geral do processo, p. 189. 268 CARNELUTTI. La prueba civil, p. 44-45. 269 É do filósofo Haráclito a famosa frase “um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, porque nem o homem nem o rio serão os mesmos, porque os elementos da vida não se repetem com a mesma exatidão jamais. (Cf. RAJNEESH. A Harmonia Oculta: Discursos sobre os fragmentos de Heráclito). O pensamento do filosófico permite a alusão de que a conduta delitiva, uma vez praticada, não poderá ser repetida com exatidão, as provas permitirem a reprodução da versão de cada um acerca dos fatos, mas nunca a sua repetição no mundo da vida. 270 LEAL. Teoria geral do processo, p. 188-199.

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A tomada da prova como instituto e não como meio de obtenção da verdade e

certeza dos fatos, ainda hoje, sob a égide da democracia de direito, não é tranqüila.

A doutrina teima em confundir as noções básicas e a terminologia adequada

na identificação de cada termo.

Não é incomum depararmo-nos com textos cujo conteúdo, supostamente

científico, relaciona de forma absurdamente sincrética os elementos, meios e

instrumentos de prova, esquecendo-se por completo dos princípios balizadores da

prova e de que ela é um instituto jurídico271. Por vezes até há referência ao instituto

da prova, mas, neste caso, também o termo instituto não guarda conteúdo científico.

Nesse diapasão, ao abordar a prova sem a preocupação de defini-la como a

base estrutural do procedimento, como se fosse o meio pelo qual a verdade se

revela ao juiz, seu destinatário exclusivo e único com capacidade e mente

privilegiada capaz de interpretá-la, voltamos, sem dúvidas, aos antigos sistemas

processuais e de avaliação das provas, típicos de Estados autoritários e esquecidos

dos direitos e garantias fundamentais do homem272.

Bentham, por exemplo, considerava a prova um fato que se supõe verdadeiro

e que se aprecia como motivo de credibilidade da existência ou inexistência de um

outro fato. A arte da prova consistiria em coligir os fatos, verificá-los, colocá-los na

ordem que mutuamente se esclareçam, deduzindo da sua ligação e concatenação

as conseqüências que naturalmente dele resultam. A prova resumir-se-ia em um

meio para conseguir um fim.273

271 Guilherme de Souza Nucci, em estudo especializado sobre o tema, assevera que prova, como ato de provar, significa o processo pelo qual a parte busca convencer o juiz de que fala a verdade, visando a produzir no espírito do julgador a certeza da verdade; prova, como instrumento, é o meio utilizado pela parte para demonstrar ao magistrado que seus argumentos acomodam-se melhor a verdade dos fatos; prova como resultado, é a “situação-clímax” a que chegou a parte que convenceu o juiz. (Cf. O valor da confissão como meio de prova, p. 47). 272 Heleno Cláudio Fragoso, por exemplo, conceitua meio de prova como todo elemento capaz de proporcionar ao juiz o conhecimento da existência histórica do fato e de sua autoria, como a busca da verdade real para alcançar a certeza sobre o fato atribuído ao acusado. (Cf. Notas sobre a prova no processo penal, p. 23). Citamos ainda a afirmação de Borges Rosa sobre o tema, segundo ele “tudo depende da cultura do juiz. O juiz superior (mais culto e tirocinado) pode considerar e avaliar o que é notório, em casos que o não pode o inferior”. (Processo Penal Brasileiro, v. I, p. 398). Assertivas como estas causam perplexidade e nos impelem a repensar os institutos processuais e a finalidade que se atribui a eles sob a égide da democracia de direito, em que o juiz não é o destinatário exclusivo da prova, porque já não é ele o único a participar da construção da decisão final. 273 Cf. Tratado de las pruebas judiciales, v. I.

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Prova, nessa perspectiva, seria todo meio jurídico de adquirir a certeza de um

fato ou de uma proposição, ou, na frase de Mittermayer, “a soma dos motivos

produtores da certeza”.274

A teoria da prova nessa perspectiva atribui duas funções à prova: uma

interna, que é a cognição para o juiz buscar os fatos que ocorreram e, outra externa,

voltada para a legitimação social do exercício da atividade jurisdicional.

Para a implementação dessas duas funções seria preciso que o sistema

probatório estivesse voltado para à busca da verdade e para a realização da “justiça”

da decisão.275 Daí a impropriedade dessas definições, que se afastam da

principiologia constitucional do Estado Democrático de Direito e se vinculam ao

princípio inquisitivo norteador do sistema inquisitório, colocando, sobretudo em

matéria criminal, o sujeito como objeto da prova.

Malatesta, seguindo as linhas desse princípio medieval, considera a prova

meio objetivo com que a verdade atinge o espírito; e o espírito pode chegar por meio

da prova tanto à simples credibilidade, como à probabilidade da certeza. A prova

para ele seria, então, a relação concreta entre a verdade e o espírito humano nas

suas especiais determinações de credibilidade, probabilidade e certeza.276

Para Malatesta o fim supremo do processo penal é a verificação do delito e

ela só pode ocorrer quando houver certeza apta a legitimar a condenação. A certeza

é alcançada pela prova, a qual faz provir ao espírito humano a irradiação da verdade

na consciência. “É sob sua eficácia persuasiva que o espírito humano se sente no

cônscio poder da verdade e se baseia na convicção racional. E é também evidente

que a relação entre o espírito convicto e a verdade se individualiza na prova”.277

A confusão conceitual entre os elementos, meios e instrumentos da prova,

entre a definição de valoração e valorização da prova e, sobretudo, de quem seja o

seu destinatário, contribui negativamente para a fixação de princípios estranhos à 274 Tratado de la prueba en materia criminal, p, 55. Nesse sentido Navarro Paiva preleciona que no sentido jurídico a prova tem sentido extremamente variável, mas que em regra deve ser entendida como o complexo de meios diretos e indiretos permitidos pela lei, conducentes à verificação da existência de um fato punível e dos seus agentes responsáveis. Prossegue o autor afirmando que as provas no processo penal têm papel de destaque, eis que se prestam a tornar efetiva a repressão do infrator da lei penal ou para demonstrar sua inocência e carência de responsabilidade criminal. (Cf. Tratado teórico e prático das provas no processo penal, p. 19-29). 275 Cf. GÓES. Teoria geral da prova, p. 31-32. CAMBI. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 57. No mesmo sentido de prova como meio de busca da verdade está a doutrina de Carnelutti que afirma: “desde el punto de vista del fin, las pruebas son medios de búsqueda de la verdad: desde el del resultado, son medios para la fijación de los hechos. (La prueba civil, p. 223). 276 Cf. MALATESTA. A lógica das provas em matéria criminal, p. 87. 277 MALATESTA. A lógica das provas em matéria criminal, p. 88-90.

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ordem democrática, abre espaço para o retorno ao sistema inquisitório e para um

procedimento desenvolvido para servir ao juiz.278

É justamente a gestão da prova o critério identificador do sistema processual

ao qual pertence e se estrutura o ordenamento jurídico de um dado Estado. Será

inquisitório se o juiz detiver a gestão da prova, será acusatório se a gestão estiver a

cargo das partes.279

No Estado em que o juiz é o destinatário das provas, elas são produzidas

para revelar a verdade real280, por vezes manipuladas porque colhidas

secretamente, ao alvedrio daqueles que sofrerão os efeitos da decisão, e o acusado

é tomado como mero objeto da investigação, tido como o detentor de uma verdade

almejada, da qual deverá dar conta ao julgador e à sociedade.281

Assim, porque estamos sob a égide de uma democracia de direito, porque

nos valemos de um processo que é metodologia de garantia de direitos

fundamentais, porque os procedimentos se estruturam de forma a permitir que as

partes atuem na dedução de suas pretensões em contraditório é que devemos negar

o sincretismo conceitual que obscurece, que se afasta do saber científico e dos

resultados da técnica racional.

A prova deve ser tomada no Estado Democrático de Direito como instituto

jurídico disciplinado pelos princípios da indiciariedade, ideariedade e

instrumentalidade, de forma que os elementos da vida sejam captados por meios

legais e instrumentados nos autos do procedimento, destinando-se às partes e ao

juízo, que deverá, na dedução das pretensões, a valorar e valorizar,

motivadamente.282 Garantido sempre o duplo grau de competência para o reexame

da matéria.

O interrogatório, instituto pertencente ao processo, está disposto no Código

de Processo Penal no livro que disciplina as provas, todavia, como já dispusemos

em inúmeras oportunidades ao longo desse trabalho científico, o Código de

278 Frederico Marques acentua que a demonstração dos fatos em que assenta a acusação e daquilo que o réu alega em sua defesa é o que constitui a prova. Ela é, assim, elemento instrumental para que as partes influam na convicção do juiz e o meio de que se serve para averiguar os fatos em que as partes fundamentam suas alegações. (Cf. Elementos de direito processual penal, p. 253). 279 COUTINHO. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 66. 280 Trataremos com maior vagar do tema no item 5.3. 281 COUTINHO. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro, p. 66-67. FOUCAULT. Vigiar e punir, p. 36. 282 Cf. LEAL. Teoria geral do processo, p. 189-190.

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Processo Penal decorre do período ditatorial de nossa história, tendo entrado em

vigor no ano de 1941, ou seja, no ápice do Estado Novo.

Ao largo do princípio do Estado Democrático de Direito, o interrogatório no

processo penal foi tomado à época do Código como meio de prova, decorrendo daí

inúmeras conseqüências danosas aos cidadãos acusados da prática de ilícitos

penais.

Adiante, após termos fixado os princípios diretivos do instituto da prova sob a

égide da democracia de direito, analisaremos se há possibilidade de tomarmos o

interrogatório do acusado no âmbito penal como meio de prova.

5.2 O INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE PROVA283

O entendimento de que o interrogatório do réu deve ser utilizado no processo

penal como meio de prova atende à teoria do processo como relação jurídica e

constitui afirmação corrente nos livros especializados de processo penal284 que, em

regra, adotam esta teoria processual como norte para o desenvolvimento da

pesquisa científica.

Para a mencionada teoria, o procedimento revela-se como manifestação

extrínseca do processo, como sua exteriorização fenomenológica, enquanto o

283 Embora adotemos uma teoria geral do processo, que não distingue entre processo civil, penal, trabalhista, e outros, ressaltamos que o instituto do interrogatório no processo penal não se assemelha ao civil, o qual ainda faz distinção com o depoimento pessoal. O presente trabalho busca situar o interrogatório do réu no processo penal, tomando por baliza o princípio do Estado Democrático de Direito e a Teoria do Procedimento, todavia, entendemos ser oportuno informar as noções básicas do instituto do interrogatório no processo civil, assim como, lembrar as características do depoimento pessoal. O processo civil distingue depoimento pessoal de interrogatório. Ver artigo 342 do CPC. O depoimento pessoal é o meio de prova destinado a realizar a inquirição da parte, no curso do processo. Aplica-se tanto ao autor como ao réu, pois ambos se submetem ao ônus de comparecer em juízo e responder ao que lhe for interrogado pelo juiz (art. 340, I). A iniciativa da diligência é da parte contrária, a finalidade desse meio de prova é dupla: provocar a confissão da parte e esclarecer fatos discutidos na causa. O momento processual da oitiva do depoimento, quando requerido pela parte contrária, é a audiência de instrução e julgamento. O interrogatório, por sua vez, pode ser requisitado pela parte contrária e pelo juiz, a este, porém, cabe a faculdade de determinar em qualquer estado do processo, o comparecimento da parte, para interrogá-la sobre os fatos da causa. O não comparecimento ao interrogatório não induz a confissão dos fatos. Autor e réu podem prestar depoimento pessoal e interrogatório. Cf. THEODORO JÚNIOR. Curso de processo civil, p. 76. 284 Dentre aqueles, pertencentes à corrente tradicional, que classifica o interrogatório como meio de obtenção de prova no processo penal está HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 52. ARANHA. Da prova no processo penal, p. 81. NUCCI. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 104.

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processo é o instrumento posto a serviço da jurisdição para a realização do direito

material, este sim, capaz de garantir a paz social285.

Nessa linha, como instrumento que é da jurisdição, o processo está posto a

seu serviço e deve ser manejado pelo juiz para que o direito material se realize

pacificando os conflitos sociais.

Segundo os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade,286 a lei penal

material descreve as condutas abstratas mais graves e lesivas dos bens jurídicos

mais importantes e caros à sociedade, as quais, uma vez descritas pelo autor do

crime, reclamam a atuação mais severa do órgão estatal por meio do braço mais

forte do direito, que atua, por corolário, segundo o dito modelo de processo, visando

à pacificação da sociedade abalada pela conduta delitiva.

Na esteira da teoria do processo como relação jurídica, o Estado, por meio da

jurisdição, atuada pelo juiz de direito, promoverá a busca pela verdade real, princípio

que nesta teoria guia a persecução penal, valendo-se de todos os meios admitidos

em direito como prova, para o esclarecimento dos fatos como eles realmente

ocorreram, procurando reconstituí-los, para permitir que o juiz, valendo-se do livre

convencimento que o Código de Processo Penal lhe garante, decida sob critérios de

justiça condenando o indivíduo que lesionou o bem jurídico tutelado pela lei penal,

impondo-lhe o castigo da pena, para que, alijado da sociedade a que pertencia,

possibilite o retorno da paz vilipendiada com sua conduta delituosa.

Nesse sistema, o juiz funciona como o ente detentor do poder de dizer e

aplicar o direito no caso concreto, zelando para que a “verdade” sobre a existência

do crime e a sua autoria apareça; para isso, utiliza o processo como o instrumento

do qual a jurisdição se vale para realizar o direito material, este sim, revelador da

justiça a que a parte faz jus, estabilizador dos conflitos existentes.

O processo como relação jurídica revela, então, os meios de que dispõe para

auxiliar a jurisdição na obtenção da propalada verdade real, escopo desse processo

penal.

285 A finalidade de obtenção da paz social por meio da realização do direito material é afirmação corrente dentre aqueles filiados à teoria do processo como relação jurídica, nesse sentido: SILVA. Ações sumárias, p. 13-16. DINAMARCO. A instrumentalidade do processo, p. 53-57. THEODORO JÚNIOR. Celeridade e efetividade da pretensão, p. 22-25. BARBOSA MOREIRA. Efetividade do processo e técnica processual, 23-27. 286 FERREIRA. A moderna teoria da tipicidade, p. 2-4.

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Na busca desse desiderato, o juiz possui poder instrutório e os meios de

prova são ampliados ao máximo para permitir ao magistrado decidir, realizando

assim o direito material e pacificando a sociedade.

Nessa esteira, o interrogatório é conceituado como um desses meios de

prova, na tentativa de obter daquele suposto autor do crime a confissão de sua

efetiva participação, para que o juiz, ao decidir, acalente seu coração na certeza de

que condena sem cometer “injustiças”.287

Prova para a teoria instrumentalista é o conjunto de meios idôneos praticados

no processo ou nele entranhados e tendentes à afirmação da existência positiva ou

negativa de um fato destinado a fornecer ao juiz o conhecimento da verdade, a fim

de gerar sua convicção quanto à existência ou inexistência dos fatos deduzidos em

juízo. É todo meio usado pela inteligência do homem para a percepção da verdade.

O interrogatório é o meio de prova personalíssimo do acusado, é judicial, oral e

possível de ser realizado a qualquer momento.288

Aqueles que se filiam à teoria do processo como relação jurídica argumentam

que o interrogatório é meio de prova, porque o Código de Processo Penal brasileiro

reconheceu grande valor ao testemunho do acusado, colocando o instituto jurídico

no capítulo III do Título VII do Código de Processo Penal, que cuida das provas.

Por essa razão, o interrogatório seria o meio com o qual se obtém o

testemunho daquele que, em tese, descreveu a conduta típica, realizando o verbo

núcleo do tipo penal.

Afirmam que o interrogatório como toda e qualquer prova é sempre indiciário

de alguma coisa289, este meio, aliado ao princípio do livre convencimento do juiz,

permite a ele valorizar as palavras do réu, aproximando-as, conforme seu

entendimento, das demais provas produzidas e, alcançando assim, o escopo do

encontro da verdade real.290

Admitido o interrogatório como meio de prova, o juiz perguntará ao acusado

livremente, respeitados apenas os princípios gerais ligados à colheita de qualquer

287 NUCCI. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 87-88. 288 ARANHA. Da prova no processo penal, p. 254. 289 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 33. 290 Escopo é um termo empregado especificamente por Cândido Rangel Dinamarco, filiado à teoria da relação jurídica. O autor relaciona a realização do direito material por meio do processo para obtenção da paz social, que é a finalidade metajurídica da atividade jurisdicional na teoria referida. Em processo penal, especificamente, o escopo do processo seria a obtenção da verdade real, como se os fatos pudessem se repetir mais de uma vez com igualdade de formas. (Cf. A instrumentalidade do processo).

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prova. Vale dizer, será ato de iniciativa do juiz, que o conduzirá com todas as

indagações que julgar pertinentes, desde que ligadas ao fato investigado. É uma

prova a mais, a ser analisada e ponderada pelo julgador em conjunto com as

restantes.

É o interrogatório, segundo Antônio Magalhães Filho, o resquício mais forte

do sistema inquisitório, o qual representa um modelo de se obter, não uma prova

qualquer, mas a própria confissão, objetivo supremo da investigação291.

Daí a necessidade de reformulação do instituto, com vistas à obediência das

garantias processuais, dentre as que mais avultam: o contraditório e a ampla defesa.

Tido o interrogatório como meio de prova, o acusado é visto como objeto da

investigação; a confissão é tomada como a rainha das provas e a oportunidade que

o agente tem de se manifestar no ato processual que o coloca à frente daquele que

irá julgá-lo é reduzida a mais um momento que a acusação tem de provar aquilo que

alega.

Tomado como prova, o interrogatório transforma-se no ato em que o juiz e a

acusação tentarão obter a confissão. Se somente ela existir, haverá prova para

condenar, subvertendo a presunção de inocência ou de não-culpabilidade e

invertendo a obrigação de a acusação provar os fatos constitutivos daquilo que

alegou.292

Já sob o enfoque do processo como instrumento de legitimação da jurisdição

e não como instrumento servil da vontade do juiz, entendemos que o interrogatório

não pode ser prova, porque esta incumbe à acusação, ante a presunção de não-

culpabilidade do acusado.

Se for tomado como prova o interrogatório poderá ser utilizado para a

condenação, fato que instigará os sujeitos processuais a extrair a confissão do

acusado por meio de perguntas capciosas e fazendo da sua oportunidade de ampla

argumentação um momento de tensão para a defesa.

O ato em que o réu dispõe para pessoalmente se defender poderá

transformar-se no momento mais oportuno para a acusação extrair-lhe a confissão

do crime, ainda que por meios transversos. E, sendo prova, poderá levá-lo à

condenação.

291 Direito à prova no processo penal, p. 148. 292 LEAL. Teoria geral do processo, p. 306.

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Ainda que sob a teoria da prova, retirada do neoinstitucionalismo de Rosemiro

Pereira Leal, do qual nos valemos para distinguir os princípios informadores desse

instituto, não conseguimos visualizar o interrogatório no processo penal como meio

de prova.

No contexto da teoria da prova para o autor mineiro, dizer que o interrogatório

é um meio de prova, significa, pois, afirmar que ele é o meio legal previamente

definido por uma norma específica, cuja função exclusiva seria captar os elementos

da realidade e transportá-los aos autos de forma a instrumentá-los no procedimento.

Tal teoria, todavia, foi elaborada tendo por norte o princípio do Estado

Democrático de Direito e nela acreditamos não haver espaço para tomar o homem,

ainda que seja ele agente de um crime, como objeto da prova.

Pelo contrário, a teoria do processo que volta seus olhos para as garantias

processuais constitucionais reconhece no homem o destinatário e titular dos direitos

fundamentais e busca a reconstrução do fato delitivo sem se esquecer que o agente

do crime precisa participar da construção da decisão final atuando em contraditório e

com direito à ampla argumentação e não como objeto de prova.

5.3 VERDADE REAL, VERDADE FORMAL E VERDADE PROCESSUAL NA TEORIA GERAL DO PROCESSO CONSTITUCIONALIZADO

Sob o enfoque do Estado Democrático de Direito é equivocado sustentar que

a finalidade do processo penal seja a obtenção da verdade real. Em processo não

há verdade que se reproduza, há sim, a atuação em igualdade de condições das

partes que sofrerão os efeitos da decisão. Esta, por sua vez, deverá retratar aquilo

que foi debatido, erigindo, o interrogatório, à oportunidade que o réu tem de,

pessoalmente, contribuir argumentativamente para a decisão, que deverá, por óbvio,

ser sempre fundamentada pelo agente público juiz.

A propalada verdade real, finalidade precípua do processo tomado como

instrumento da jurisdição, apresenta-se como juízo de certeza. Mas o princípio do

Estado Democrático de Direito induz, por corolário, a uma pergunta instigante: que

verdade tão almejada é essa?

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Tal indagação cobra, previamente, saber se a razão humana é capaz de

chegar à verdade.

Pensadores de nomeada, como Luigi Ferrajoli, sustentam ser impossível

formular um critério seguro acerca de uma tese jurídica, vez que, a verdade, certa,

objetiva ou absoluta, representa sempre a expressão de uma verdade inalcançável.

Admitir o contrário, para esse doutrinador italiano é, na realidade, uma ingenuidade

epistemológica. 293

Não sendo dado ao homem, limitado pela couraça da condição humana, ter

acesso à verdade, temos que a busca da verdade real não pode ser a finalidade do

processo penal. A utilização da expressão “verdade”, por si só, já constitui engodo

lingüístico inadmissível na ciência processual constitucionalizada.

Usualmente utiliza-se a verdade real como princípio inerente à finalidade do

processo penal e a verdade formal ao processo civil.

A equivocidade da terminologia pode ser destacada, inicialmente, porque,

admitida uma teoria geral do processo294, não vemos necessidade e pertinência de

se atribuir distinções no bojo do processo, como se fosse possível a existência de

mais de um, civil e penal.

Segundo porque, mesmo a verdade formal, tomada como aquela que decorre

dos autos, é falaciosa, tão-somente por persistir na busca de algo que possa ser

tomado por absoluto.

É inadequada a dicotomia verdade real e verdade formal, aventada em

manuais de processo civil e penal, qualificando-se, pois, a primeira como norte

inarredável do processo penal e, a segunda, como princípio informador do processo

civil295.

O argumento fulcral da noticiada dicotomia seria que, no processo civil, o fato

incontroverso, quando se tratar de direito disponível, não exige maiores perquirições

do julgador acerca do tema probando, o que, via de conseqüência, caracteriza a

verdade formal. Já no processo penal a verdade real prevaleceria, visto que a

ausência de controvérsia dos fatos, por si só, não gera no julgamento o efeito 293 Derecho y razón: teoría del garantismo penal, p. 50. Seguindo a mesma posição, Rogério Lauria Tucci assevera que “a verdade, de modo absoluto, objetivamente considerada, não pertence ao homem, mas, tão-só, a Deus”, o que há é a probabilidade de se conhecer uma idéia, mais ou menos exata, sobre a ocorrência de prática tida como delituosa. (Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro, p. 78). 294 CATTONI DE OLIVEIRA. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional, p. 166-167. 295 ARAÚJO. Verdade processual penal, p. 77-78.

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acolhedor da vontade concorde das partes, mesmo porque disporia o juiz de

poderes de investigação supletiva da acusação e defesa.296

Todavia, em ambos os casos, a verdade ainda seria a meta do processo,

quando se sabe que no Estado Democrático de Direito a finalidade do processo está

na dedução da pretensão das partes por meio do procedimento realizado em

contraditório, ampla defesa, isonomia, direito a advogado e duplo grau de

competência, de forma que a decisão final reflita a atuação daqueles que sofrerão os

seus efeitos.297

Alguns autores, contrários à utilização da expressão verdade real ou verdade

formal, adotam em seu lugar o princípio da verdade processual, significando o

estágio mais próximo da certeza alcançado pelo homem por meio do processo,

aquela que consta dos elementos do processo alegados nos autos, sem a marca da

plenitude, um verdadeiro princípio da investigação, de uma verdade aproximada.298

Na verdade processual, embora o termo “verdade” ainda esteja presente,

entendemos que se ela for tomada como aquela versão que mais se aproxima da

reconstituição dos fatos por meio dos elementos de prova, a expressão pode ser

empregada no processo constitucionalizado, caracterizada como verdade

formalizada e obtida estritamente pela via do processo desenvolvido em

contraditório entre as partes. Embora ainda prefiramos nos afastar de indefinições

terminológicas que o termo “verdade” possa sempre suscitar.

296 Cf. ARAÚJO. Verdade processual penal, p. 77-83. 297 A derrocada da dicotomia verdade real x verdade formal, vista por José Carlos Barbosa Moreira como tolice repetida qual papagaio e mil vezes desmentida, ou como mero jogo de palavras, expressão utilizada por Eduardo Cambi, é conducente à conclusão segundo a qual a verdade não existe como informador do direito processual. Isso porque não existe verdade absoluta, seja ela qual for, é sempre incompreensível ao ser humano. (Cf. BARBOSA MOREIRA. O juiz e a prova, p. 19. CAMBI. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 72). 298 ARAÚJO. Verdade processual penal, 85-93. CARNELUTTI. Das provas no processo penal, 25. FERRAJOLI. Derecho y razón: teoría del garantismo penal, p. 38. DOTTI. Princípios do processo penal, p. 259.

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CAPÍTULO VI

INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA 6.1 GARANTIA DO ACUSADO AO SILÊNCIO299

Acusado e a testemunha têm, no processo penal, papéis distintos; aquele tem

a faculdade de permanecer calado ou mesmo de mentir; esta tem, em regra, a

obrigação de falar, exigindo-se, ainda, que o conteúdo da fala seja correlato aos

fatos300.

O acusado conquistou ao longo dos séculos a possibilidade de permanecer

em silêncio. Somente recentemente o silêncio deixou de ser interpretado contra a

sua pessoa, revelando-se como garantia constitucional posta à disposição de

qualquer acusado, em qualquer procedimento criminal. Na atualidade a garantia ao

silêncio revela o grau de desenvolvimento do ordenamento jurídico do Estado.

Estudemos, pois, a sua origem, desenvolvimento e fundamentos no ordenamento

pátrio e estrangeiro, assim como, a sua relação direta com o exercício do

interrogatório como meio de defesa do réu.

6.1.1 ORIGEM

É de difícil precisão no tempo a origem histórica da garantia ao silêncio. Ainda

que ela não esteja presente em todos os ordenamentos jurídicos existentes, pode-se

afirmar que na maior deles é contemplada, sob a justificativa principal de que o

homem, independente do povo a que pertença, traz em si o instinto da

autopreservação.

299 A Constituição da República diferencia direitos e garantias fundamentais. Aqueles são direitos humanos declarados expressamente no ordenamento jurídico; estas compreendem as garantias processuais que asseguram e efetivam os direitos fundamentais por meio do processo. (Cf. BRÊTAS C. DIAS. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 111). Vislumbramos a possibilidade de o réu permanecer em silêncio como uma garantia processual posta a seu favor e apta a assegurar e efetivar seus direitos fundamentais de vida, liberdade e igualdade. Daí a referência à garantia do acusado ao silêncio. 300 Dizemos que a testemunha tem a obrigação de falar, em regra, porque nos casos em que haja a possibilidade da auto-imputação de um crime, no direito brasileiro, ela perde a obrigatoriedade de depor. Para a testemunha que mente ou dissimula os fatos há a previsão do crime de falso testemunho – artigo 342 do Código Penal.

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O princípio que veda a auto-incriminação e que deu origem à garantia de o

acusado permanecer em silêncio parece ser tão antiga quanto a própria existência

humana. Haddad chega a afirmar que o princípio não tem uma origem, mas sim,

trata-se de uma invenção humana quando a sociedade alcançou certo grau de

desenvolvimento e primou pelas garantias individuais em detrimento do interesse

social.301

Por tais razões e, sobretudo, porque a garantia do silêncio exterioriza-se de

diferentes formas, para uns é princípio, para outros direito e, para nós, garantia, nos

parece que a afirmativa feita reflete de fato a impossibilidade de ter-se originado de

uma única vez, pelo contrário, os avanços e retrocessos dos direitos do acusado no

processo penal ditam a marcha evolutiva dessa garantia processual.

A faculdade conferida ao acusado de manter-se calado quando de seu

interrogatório traduz-se pelo antigo brocardo latino nemo tenetur prodere seipsum,

quia nemo tenetur detegere turpitudinem suam,302a forma mais corrente do adágio é

usada de forma contraída como nemo tenetur se detegere303.

Para José de Souza Gama o brocardo latino inspirou com maior força o direito

inglês, todavia, sua origem remonta o Direito Romano, só que as condições de

desenvolvimento do processo penal romano não tornavam o ambiente propício para

o acolhimento do princípio contra a auto-incriminação.304

A garantia do silêncio pelo acusado abrange todas as suas ações, sejam elas

verbais ou físicas, capazes de contribuir para a incriminação de alguém; interessa-

nos os reflexos da garantia ao silêncio sob o ângulo do interrogatório.

Destaque-se, por oportuno, que o nemo tenetur se detegere não se resume à

possibilidade de o réu permanecer calado durante o interrogatório; como frisamos, o

brocardo se refere a todas as circunstâncias em que do réu não se exige a produção

de prova contra si mesmo; no interrogatório, o axioma se efetiva pela possibilidade

de não se exigir que o acusado fale, identificando-se, pois, com a garantia ao

silêncio.

301 Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 90. 302 Para o vernáculo: “ninguém pode ser compelido a depor contra si próprio, porque ninguém é obrigado a auto-incriminar-se”. (TUCCI. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, p. 392). 303 O direito anglo-americano costuma designar o aforismo latino por meio da expressão privilege against self-incrimination. (HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 135). 304 Confissão penal e direitos humanos, p. 63.

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Haddad salienta que existe convergência inegável entre nemo tenetur se

detegere e o silêncio do acusado, vez que o primeiro conduz ao segundo, mas não

há entre eles identidade de significado, embora a garantia do réu ao silêncio tenha

derivado do brocardo latino.305

Embora autores atribuam a origem do brocardo nemo tenetur se detegere ao

Direito Romano, ele parece mais ser fruto de episódio recente na história, isso

porque, para que o princípio que veda a auto-incriminação fosse reconhecido seria

necessário um grau de civilidade que não existia no Direito Romano.306

O nemo tenetur se detegere por absurdo que possa parecer surgiu no final da

idade média, teve origem no processo penal canônico, como subprincípio do sistema

inquisitório, derivou em verdade, do procedimento contrário que se pretendia instituir

no lugar dos horrores da inquisição, que preconizava pela verdade e, em busca dela,

instituiu o procedimento do juramento, em que o acusado tinha o dever de dizer tudo

o que sabia e o silêncio era considerado como confissão da culpa.307

O procedimento do juramento era obrigatório; ou o acusado aceitava

submeter-se a ele ou seria submetido à tortura. Feito o juramento, eram obrigados a

dizer a verdade frente ao credo.308

Nos países como a Inglaterra, em que a religião católica não exercia tanta

força sobre o Estado, a resistência ao juramento era de certa forma comum e

derivou daí o adágio nemo tenetur se detegere, usado pelos ingleses para

reivindicar o direito de não serem punidos por não cooperar com os inquisidores no

procedimento do juramento.309

Nos países continentais europeus, em que a Igreja Católica exercia grande

influência, como França, Itália, Alemanha, Países Baixos e norte da Espanha, o

juramento era imposto de forma cogente e rechaçá-lo implicava em conseqüências

ainda mais perversas para o acusado: a aflição do próprio corpo. 310

305 O interrogatório no processo penal, p. 137. 306 HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 101. 307 Qui tacet, consentire videtur, ou seja, “quem cala, consente”. (Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 137). 308 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 141. 309 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 141. 310 Na Alemanha a título de exemplo o princípio contra a auto-incriminação foi reconhecido somente durante o século XIX, sob a influência iluminista, quando teve início a introdução do princípio acusatório no processo penal. (Cf. Haddad. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 105-106).

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Nos países continentais o silêncio implicava na confissão da culpa e

representava uma falha da defesa. O acusado era obrigado a exercer de per si a sua

defesa.

Sob o pálio do sistema inquisitório não havia espaço para o desenvolvimento

da garantia processual do silêncio, ela somente encontraria terra fecunda para se

desenvolver no sistema acusatório, embora suas manifestações iniciais tenham

ocorrido no inquisitório, todavia, nesse sistema, exercido o silêncio pelo réu, a

condenação era certa311.

A garantia do acusado ao silêncio somente agregou valor e significado

preponderante quando o acusado deixou de ser obrigado a desenvolver

pessoalmente a sua defesa; foi com a integração dos advogados ao sistema

criminal, primeiramente no direito inglês, que essa garantia processual despontou

com maior robustez.312

6.1.2 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento da garantia ao silêncio, devido a sua origem medieval,

dependeu em grande parte da divergência existente entre o sistema inquisitório e o

acusatório.313

Enquanto que o sistema acusatório, vigente na Inglaterra, preconizava por um

sistema de provas independentes, o inquisitório, presente nos demais países

europeus, atribuía à confissão maior valor probatório.

Por tal razão, a possibilidade de o réu permanecer calado encontrou espaço

fecundo para desenvolver-se na Inglaterra.

No século XIII o Concílio de Latrão aboliu as ordálias, os procedimentos

baseados no juramento e os duelos como meios de obtenção de provas, fato que

ocasionou no continente a implantação do sistema das provas legais e, na

Inglaterra, o surgimento do júri.314

311 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 106. 312 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 142. Pode-se afirmar que o princípio contra a auto-incriminação tem suas raízes na luta entre a Igreja e o Estado inglês e envolvia a proteção contra perseguições religiosas. (Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 107). 313 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 142. 314 HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 142.

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A incipiente instituição do júri inglês preocupava-se em decidir pela submissão

do acusado a julgamento, já nos tribunais do continente, a atenção permanecia

voltada para a criação de procedimentos que perpetuassem a utilização da

confissão como a prova principal.315

No sistema common law o silêncio do réu encontrou ambiente propício para

desenvolver-se, o acusado deixou de ser objeto de prova e não estava mais

obrigado a confessar o crime do qual era acusado de ser o autor, contudo, ainda

nessa época incipiente era ele mesmo, acusado, quem produzia a sua própria

defesa e, optando pelo silêncio, acabava por comprometer-se. Era uma época em

que o silêncio era permitido, mas a opção por utilizá-lo implicava em conseqüências

danosas para a defesa do acusado, porque mesmo na Inglaterra, no período inicial

de desenvolvimento da garantia ao silêncio, aquele que calava assumia tacitamente

a culpa pelo crime, como se fosse devedor de algo.316

Haddad afirma, com base na doutrina do escritor norte-americano Jonh

Langbein317 que o direito do acusado em não-incriminar-se somente despontou

quando lhe foi permitido ser assistido por um defensor. Enquanto esteve afastado

dessa garantia, a possibilidade de permanecer em silêncio não esteve posta a seu

favor. “Sem defensor, as funções defensivas e testemunhais eram fundidas

inextricavelmente, o silêncio do acusado implicava o fracasso de toda a defesa”.318

O elemento que permitiu de fato ao acusado, no common law, calar-se foi,

pois, a presença de um defensor técnico atuando em seu favor; as funções

testemunhais e defensivas exercidas em conjunto pelo acusado desembaralharam-

se e a opção pelo silêncio deixou de significar ausência de defesa.319

Somente a partir de 1836 o processo penal inglês evoluiu da obrigação de o

acusado falar para o ônus da prova pertencer à acusação (testing the prosecution),

impedindo a obrigação de auto-incriminar-se e efetivando a garantia ao silêncio sem

que dela resultasse prejuízo ao acusado320.

315 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 143. 316 SUANNES. Os fundamentos éticos do devido processo penal, p. 268. 317 The historical origins of the privilege against self-incrimination at common law, p. 1083. 318 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 144-145. 319 Até 1641 a ausência de defensor justificava-se pelo princípio segundo o qual “o acusado deveria falar” (accused speaks); o motivo da proibição assentava-se no fato de que o tribunal supriria as deficiências da defesa, como se o tribunal em sua onipotência pudesse funcionar na tutela dos direitos do réu, eliminando as carências de sua defesa, desenvolvida por ele mesmo (the court as counsel). (Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 145). 320 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 112.

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Nos demais países europeus, a garantia ao silêncio somente encontrou

espaço para a implementação quando os procedimentos inquisitoriais deixaram de

ser aplicados como método de persecução criminal (fins do século XVIII), momento

em que foi possível a ingerência do defensor no processo.321

Embora a garantia ao silêncio não equivalha ao brocardo latino nemo tenetur

se detegere, pode-se afirmar que sua origem história dele decorre. A obrigação de

auto-incriminar-se, que privilegiava a confissão e a estabelecia como a “rainha das

provas” somente teve fim quando o silêncio deixou de ser uma garantia às avessas,

ou seja, quando o silêncio pôde realmente ser usufruído pelo acusado sem que isso

implicasse na assunção de culpa e isso, por sua vez, só foi possível com a

agregação do defensor na prática dos atos procedimentais322.

No final do século XVIII aliou-se a essa crescente evolução histórica o

princípio da presunção de inocência (the beyond-reasonable-doubt Standard of

proof).323

321 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 146. 322 O direito de permanecer calado somente desenvolveu-se no direito inglês depois de assegurada a assistência de defensor, que desembaraçou as funções defensivas e testemunhais concentradas em mãos do acusado, de modo a possibilitar o silêncio. É corolário do princípio nemo tenetur se detegere o direito do acusado à assistência e,em todo o caso, à presença de seu defensor no interrogatório para impedir abusos ou violações das garantias processuais. Cf. FERRAJOLI. Derecho y razón: teoría del garantismo penal, p. 608. 323 A presença de advogado no patrocínio da defesa do acusado, somada à presunção de inocência, classificam-se, nas palavras de Haddad, como os princípios-suporte da vedação a auto-incriminação revelada pela garantia do silêncio. (Cf. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 260). A presunção de inocência possui três diferentes orientações originárias de contextos históricos próprios. O primeiro significado foi sustentado no artigo 9º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, editada em 1789 na França; o segundo firmou-se no debate das escolas penais italianas, culminando na atual redação do artigo 27.2 da Constituição italiana e o terceiro consolidou-se no artigo 11.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, subscrita por diversos países. O princípio da presunção de inocência surge para assegurar ao acusado as garantias de ampla defesa, combatendo o princípio da culpabilidade defendido pela inquisição. Positiva-se o princípio pela primeira vez no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Todo homem presumi-se inocente enquanto não houver sido declarado culpado; por isso, se se considerar indispensável detê-lo, todo rigor que não seria necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente reprimida pela lei. A escola clássica italiana, herdeira do iluminismo, realçou o contraste de tratamento do acusado no processo inquisitivo e no processo acusatório, elevando a presunção de inocência em princípio fundamental da ciência processual e em pressuposto de todas as garantias do processo. A opção italiana pelo termo “não é considerado culpado” (em vez de “presume-se inocente”), redundou na criação doutrinária defendida pelos técnicos-jurídicos, de um terceiro estado para o indivíduo, que, ao ser processado, não seria nem culpado, nem inocente, mas acusado. Embora essa posição tenha sido abrandada pela moderna doutrina, que não vê distinção entre a presunção de inocência e a não culpabilidade que inviabilize o assecuramento dos direitos fundamentais durante o processo, há autores, como FERRAJOLI que continuam afirmando a distinção entre presunção de inocência e de não culpabilidade, não sendo irrelevante a fórmula adotada pelo artigo 6º da Convenção Européia dos Direitos do Homem, segundo a qual toda pessoa acusada de um delito é presumida inocente até o momento em que a culpa não seja legalmente comprovada. Esse último é o terceiro significado histórico da presunção de inocência, o qual contém uma universalidade concreta dos direitos

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Os fatos históricos narrados não são fruto de teorias, são na realidade a

representação concreta de que muitas das garantias processuais foram resultado do

braço revolucionário do homem e de fatores sócio-jurídicos e, por essa razão, ainda

hoje, na Inglaterra, a adoção do silêncio, refletindo a possibilidade de ao acusado

não produzir prova contra si mesmo, não é considerado um direito, mas um privilégio

duramente conquistado que serve a interesses do defensor e do acusado.

Hoje, advogados têm o direito de aconselhar seus clientes a permanecerem

em silêncio, na medida em que isto revele a melhor técnica defensiva, sem os riscos

de prejuízos que dantes comprometia a estratégia da defesa.324

6.1.3 FUNDAMENTOS O fundamento do direito ao silêncio para Couture está no direito de

propriedade. Para ele o nemo tenetur se detegere é um aforismo de defesa da

propriedade privada. O autor faz referência à concepção segundo a qual o silêncio

seria o bastião de respeito à intimidade do acusado, à manutenção de sua própria

privacidade, dignidade, boa fama e liberdade de seus familiares.325

Já Mittermaier encontra as justificativas para a admissão do silêncio, que

muitas vezes é usado para encobrir a verdade, na religião católica.326

positivos universais. (Cf. VARALDA. Restrição ao princípio da presunção de inocência, p. 17-28. FERRAJOLI, Derecho y razón: teoría del garantismo penal, p. 38. BOBBIO. A era dos direitos, p. 30). No Brasil a presunção de inocência foi erigida ao status de norma constitucional somente com a Constituição da República de 1988 no artigo 5º, LVII, como princípio basilar do processo penal sob a norma “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A Constituição brasileira não fez menção expressão ao termo “presunção de inocência”, seguindo os passos do direito italiano, o que ocasionou inicialmente alguns subterfúgios de interpretação. Porém, com o processo de democratização e o avanço da Constituição em matéria de direitos e liberdades individuais prosperou a opção doutrinária pelo direito de liberdade frente ao direito de punir do Estado, garantindo ao indivíduo um significado amplo da presunção de inocência. No Brasil, a presunção de inocência está presente não somente no processo penal, mas em todo procedimento, administrativo ou jurisdicional, cuja decisão implique caráter sancionador ou limitador de direitos. A presunção de inocência constitui, assim, no Estado Democrático de Direito, o pressuposto e o parâmetro de todas as atividades estatais concernentes à repressão. (Cf. VARALDA. Restrição ao princípio da presunção de inocência, p. 44-48. GOMES FILHO. Prisão cautelar e o princípio da presunção de inocência: Fascículos de Ciências Penais, p. 19. GOMES. Sobre o conteúdo processual tridimensional do princípio da presunção de inocência: Estudos de Direito Penal e Processual Penal, p. 109). 324 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 146. 325 Cf. Sobre el precepto ‘nemo tenetur edere contra se’. 326 Cf. Tratado de la prueba em matéria criminal, p. 248.

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Discorre que os segredos revelados ao padre pelo pecador no confessionário

são irreveláveis, sob pena de violação da lei e de uma punição severa ao

eclesiástico, vez que o silêncio é a base da confissão da religião católica. Assim,

para o autor, o profundo valor atribuído ao silêncio na Igreja Católica, que impede os

padres de revelarem aquilo que ouvem no momento da confissão, justifica

igualmente a adoção do silêncio no processo penal, sem prejuízo para o réu.327

O fato é que dificilmente se encontra justificativa moral para o ordenamento

jurídico contemplar o silêncio do réu como uma garantia processual, vez que por trás

dele, muitas das vezes, está escamoteada a versão dos fatos realmente conhecida

pelo suposto autor do crime, por isso Bettiol afirmou que o direito ao silêncio é

meramente uma “opção política”.328

Embora os diferentes autores tentem perquirir o que teria motivado as

legislações modernas a admitirem o silêncio do acusado, permitindo muitas das

vezes que ele encoberte aquilo que sabe sobre os fatos, todos chegam ao consenso

segundo o qual o ser humano apresenta, via de regra, um instinto de

autoconservação aguçado. Mesmo quando conta determinado fato que revela suas

fraquezas, faz pender a situação a seu favor. Para Rolin, no confronto entre

obediência à norma de direito e a necessidade de autoconservar-se, prevalece

sempre o último.329

A indagação de qual seria o fundamento da admissão pelas legislações da

garantia ao silêncio é respondida por Haddad com base em três aspectos. O

primeiro deles seria a necessidade inata do homem preservar-se. Por isso, sempre

que o conteúdo da palavra do acusado puder ser contra ele utilizado, ele estará

propenso a abandonar a realidade e iniciar um processo de defesa de si mesmo,

ainda que para isso seja preciso calar ou mentir. Se os seres humanos, em regra,

comportam-se assim, se todos nós tendemos a privilegiar e dar cor a nossa versão,

como se fosse aquela capaz de revelar os fatos que ocorreram, não seria atitude

inteligente do legislador exigir que o acusado se manifestasse sempre, ainda que

contra a sua vontade. Melhor mesmo, é permitir que ele se cale. As duas outras

327 Cf. Tratado de la prueba em matéria criminal, p. 248. 328 Istituzioni di diritto e procedura penale, p. 138. 329 Cf. Drogas policíacas, p. 173.

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justificativas seriam legais. Uma, o princípio da presunção de inocência e, outra, o

direito à intimidade.330

A presunção de inocência do acusado, ou de que ele não é culpado pelo ato

do qual foi acusado, impõe para a acusação a obrigação de provar a imputação que

faz. Se a acusação não cumpre o seu papel, não será o acusado quem será

compelido a produzir provas contra si mesmo. Assim, se ele é presumidamente

inocente, não se deve dele esperar qualquer atitude que tome direção contrária a

essa presunção. A acusação jamais pode valer-se das palavras do réu para

incriminá-lo. Por seu turno, o direito à intimidade também confere sustentáculo à

garantia ao silêncio, eis que aquele apresenta caráter eminentemente protetor e

garantidor do indivíduo, assegurando-lhe a inviolabilidade do domicílio, da liberdade

de consciência e de crença, da vida privada, da honra, da imagem e da intimidade

das pessoas, sendo o silêncio corolário dessa última. Se a Constituição da

República assegura aos indivíduos todos esses direitos, seria um contra-senso,

segundo Haddad, imaginar a garantia ao silêncio fora do processo penal. O

acusado, em decorrência de tudo o que se disse, não pode ser obrigado à confissão,

nem se pode admitir que resulte prejuízo a ele quando optar por permanecer calado,

derivando disso a preservação de sua intimidade, protegida, entre nós, no âmbito

constitucional.331

6.2 GARANTIA AO SILÊNCIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO O princípio que veda a auto-incriminação e que se revela em muitas

legislações pela possibilidade de o acusado permanecer calado sempre que julgar

conveniente para a sua defesa ganhou status constitucional expresso entre nós

somente com a Constituição da República de 1988.

A Emenda Constitucional de 1969, sem alterar a redação da Constituição de

1967 e as Constituições de 1946, 1937, 1934, 1891, assim como a Constituição do

330 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 148-149. 331 Cf. HADDAD. O interrogatório no processo penal, p. 149.

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Império não trouxeram em seus textos qualquer referência ao princípio contra a

auto-incriminação.332

Nossa legislação infraconstitucional, contudo, já fazia referência à

possibilidade de o réu não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.

O Código de Processo Penal, de 1941, ainda vigente, decretado durante o

governo de Getúlio Vargas, deixava transparecer laivos de autoritarismo. Baseado

no sistema francês colocou o interrogatório antes dos depoimentos das

testemunhas, não como meio de defesa do acusado, mas como mais um ato da

instrução probatória. Admitiu o direito ao silêncio, porém, presumiu prejuízo para o

réu que dele se valesse. A promulgação da Constituição de 1988 consagrou o

princípio do Estado Democrático de Direito que se apresentou esculpido no artigo 5º,

juntamente com outros inúmeros direitos e garantias do indivíduo, dentre estas a

aplicação no âmbito do processo penal da possibilidade de o acusado permanecer

calado (artigo 5º, LXIII). Todas as garantias da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos integram, hoje, o

ordenamento jurídico brasileiro333.

Em 2003, por meio da Lei 10.792, os dispositivos do Código de Processo

Penal sofreram alterações, dentre elas, o dever de o órgão judicial informar ao

acusado sobre o seu direito de não responder às perguntas que lhe forem

formuladas, podendo manter-se calado, sem que isso seja utilizado em seu prejuízo.

Assim, no Brasil, passou-se da garantia mitigada ao silêncio pleno, o que

afastou as presunções e indícios desfavoráveis à defesa e acrescentou

características defensivas ao interrogatório do réu no processo penal. Depois da

Constituição de 1988 e do basilar princípio da democracia de direito, o interrogatório,

inequivocamente, reforçou-se como meio de defesa. Já não se pode mais inferir

prejuízo ao acusado que cala porque o interrogatório não mais se revela como ato

probatório, nem o silêncio agora se apresenta como mero aspecto formal.334

6.3 ASPECTOS DEFENSIVOS DA GARANTIA AO SILÊNCIO

332 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 113-114. 333 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 119. 334 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 121.

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Tomando como ponto de partida, a constatação de que o processo judicial

penal brasileiro passou a ser, após a Constituição da República de 1988, não só

fundado num sistema acusatório, mas também nos princípios nela estatuídos,

constata-se que o interrogatório é um direito do acusado e se erige à grande

oportunidade que ele tem de dar ou não a sua versão dos fatos, consoante o

interesse da sua própria defesa. Tal entendimento decorre da lógica interpretação

dos princípios constitucionais, informadores de um processo democratizado.

Entender, na esfera do processo, que o interrogatório constitui exclusivo meio

de defesa do réu, significa garantir a ele que sua confissão não precisará ser

extraída contra o seu gosto, porque, se somente ela existir, não se poderá, então,

dizer que a acusação provou o que alegava, vez que prova não existirá. Para que o

interrogatório possa ser utilizado contra o agente, é preciso que exista algum

elemento probatório corroborando a versão do órgão acusatório, não sendo bastante

para a condenação uma confissão isoladamente produzida.

Dentro do nosso sistema processual não se pode admitir o interrogatório

como meio previamente determinado de prova. À acusação é que cumpre produzir a

prova da culpabilidade do acusado, em sentido lato. Não é dever do imputado

apresentar provas, nem se pode obrigá-lo a fazê-lo, tendo tal ato sempre a finalidade

defensiva, quer quando o acusado se cala, ou quando prefere falar e dar a sua

versão dos fatos, por ele mesmo, de modo pessoal e direto.

Se o interrogado preferir calar-se, sua atitude passiva não implicará em

aceitação do que lhe foi imputado para fim de condenação, tornando-se tal

conclusão mais evidente com a consagração da garantia ao silêncio, ou seja, ele

não está obrigado à auto-incriminação, adotando-se o princípio do nemo tenetur se

detegere, não só por estar contido na Constituição de 1988, mas também no Pacto

de São José de Costa Rica, ao qual o Brasil aderiu por meio do Decreto 678, de 06

de novembro de 1992, que assegura ao acusado a possibilidade de permanecer em

silêncio em qualquer fase do processo, inclusive em possíveis acareações entre ele

e qualquer outra pessoa.335

335 Dissertando sobre o tema Ronaldo Brêtas afirma que “a Convenção Americana afirmou o direito que tem a pessoa de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido previamente por lei, sempre que lhe for formulada qualquer acusação penal ou sempre que for necessária a determinação de seus

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Aliás, hoje se entende que nem mesmo a testemunha está obrigada a

responder pergunta que, porventura, possa constituir elemento caracterizador de

sua própria incriminação, podendo ela, neste caso, calar. A opção pelo silêncio não

poderá ensejar o delito de falso testemunho, porque, ao silenciar-se, agiu em sua

própria defesa, não se exigindo dela comportamento diverso336.

A simples ausência no interrogatório não pode, por si só, acarretar a

determinação da prisão preventiva daquele que, mesmo cientificado de sua

realização a ele não comparece, nem em revogação da liberdade provisória que lhe

tenha sido concedida, pois se o réu pode adotar o silêncio como forma defensiva,

também pode deixar de comparecer ao interrogatório, sempre que julgar

conveniente à sua defesa, devendo tal postura ser entendida como uma faceta do

exercício amplo do próprio direito ao silêncio.337

Hoje, com as alterações decorrentes da Lei 10.792/2003, é garantida ao

acusado a possibilidade da efetiva defesa técnica antes mesmo da sua realização,

vez que o parágrafo 2º do artigo 185, com a nova redação que lhe foi dada, dispõe

que “antes do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do

acusado com seu defensor”, demonstrando que ao réu, com a assistência anterior

de seu advogado, será possibilitado aferir ou não a conveniência de calar-se, total

ou parcialmente, ou apresentar a sua versão sobre os fatos que lhe são

imputados.338

Como exercício que é da ampla defesa, garantia processual fundamental,

apta a assegurar o direito do réu de frente a uma acusação, valer-se dos extensos e

amplos métodos de argumentação, o interrogatório, no processo penal, sobretudo

tendo-se a consciência de que no procedimento preliminar de investigação não foi

respeitado o contraditório e a publicidade, há que se desenvolver no processo

judicial, como exclusivo meio de sua defesa, evitando-se assim, que a confissão do

acusado seja dele extraída a qualquer custo, utilizada para a sua condenação ainda

que não amparada por qualquer outro elemento de prova coligido339.

direitos e obrigações, de qualquer natureza.” (Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional, p. 09). 336 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 242-244. 337 VARALDA. Restrição ao princípio da presunção de inocência: prisão preventiva e ordem pública, p. 155-165. 338 Cf. HADDAD. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação, p. 259. 339 BARROS. (Re)forma do processo penal, p. 124.

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O interrogatório tomado como meio de defesa parece abandonar os

resquícios do sistema inquisitório, permitindo a esse ato procedimental conexão com

os princípios processuais constitucionais.

O Estado Democrático de Direito reclama a participação do maior interessado

na decisão estatal oriunda do processo penal; é preciso, na garantia dos direitos

fundamentais do acusado, permitir que ele exerça sua própria defesa influenciando a

decisão do Estado, sem, contudo, ser intimidado pela possibilidade de incriminar-se

justamente no momento em que lhe é facultado falar perante àquele que irá julgá-lo.

Se o processo é constituído por um conjunto de atos e o interrogatório é um

deles, posto preferencialmente no final do procedimento, conforme determina o

melhor modelo normativo estruturado tecnicamente, somente pode-se afirmar que o

contraditório e a ampla defesa foram observados como garantias processuais aptas

a realizar ao final direitos fundamentais, se este ato procedimental permitir ao réu

posicionar-se da melhor forma para a sua própria defesa, exercendo a oportunidade

que o contraditório lhe confere de manifestar-se ou não e, de escolher, caso queira,

o conteúdo de sua defesa, auxiliado por sua defesa técnica340.

340 Citamos dois acórdãos no sentido de que o interrogatório do acusado deve ser tomado como meio de sua defesa e, por tal razão, a videoconferência não pode ser utilizada como meio de colheita das suas palavras, eis que a plenitude da defesa do acusado requer a sua presença física diante do órgão jurisdicional. HC 88914 do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cesar Peluso, DJ 14/08/07 e HC 98422 do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada TJ/MG), DJe 29/09/08.

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CONCLUSÃO

No empreendimento da presente pesquisa, houve grande dificuldade de

levantamento de material bibliográfico sobre o tema, porquanto são raríssimas as

obras que tratam do interrogatório como instituto processual pertencente à estrutura

do procedimento realizado em contraditório e ampla defesa entre as partes. Mais

raro ainda é encontrar obra especializada que se refira ao interrogatório do acusado

como meio de sua defesa.

A maior parte dos livros consultados sobre o interrogatório no processo penal

ainda faz referência a um ato realizado exclusivamente para a obtenção da

qualificação do acusado e voltado para o alcance da confissão. São livros que

sustentam suas argumentações e vinculam a pesquisa à teoria do processo como

relação jurídica entre pessoas, que elegem como finalidade da estruturação dos atos

procedimentais a busca da verdade real e que escolhem o juiz como o destinatário

da prova.

Dentro da linha dos doutrinadores comprometidos com a teoria do processo

como relação jurídica, o interrogatório exerce o papel de meio de prova, encontra-se

localizado no primeiro ato da estrutura procedimental e serve para formar a

convicção do juiz, sendo utilizado como o meio que, quando resulta na confissão,

embasa a condenação e tira dos ombros do juiz uma responsabilidade quase moral

pelo eventual equívoco da decisão. Quando não resulta na confissão, também não

influencia a decisão, vez que o juiz acaba utilizando as decorrências da garantia ao

silêncio, como a possibilidade de mentir, sempre como forma de dizer que se o réu

não confessou ao juízo não quer dizer que não seja culpado, porque certamente não

admitiu a culpa porque estava mentindo e, nesse caso, para embasar a condenação,

correntemente os juízes recorrem à confissão que, por estranho que pareça,

invariavelmente se dá na fase inquisitória no interrogatório realizado no

procedimento do inquérito policial.

Nesse contexto, são correntes as afirmações sacramentais oriundas de

decisões jurisdicionais solipsistas que afirmam que o réu confessou na fase

inquisitória no calor dos acontecimentos e se retratou em juízo porque foi orientado

por seu advogado.

Dessa forma, o interrogatório vem sendo tratado sempre como meio de prova,

independente da postura adotada pelo acusado.

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No decorrer da pesquisa foram apontadas algumas incongruências das

teorias tradicionais em relação à ordem democrática de direito instituída. Sob a

regência do marco teórico estruturalista constitucional, ou seja, tendo por norte a

teoria do processo como estrutura normativa, aliada à teoria constitucionalista,

procuramos, então, oferecer à crítica algumas conclusões:

1ª No sistema processual inquisitório a prova se destina ao juiz, que a valora

e valoriza segundo as suas convicções pessoais. Neste quadro, a confissão é,

inarredavelmente, concebida como a “melhor das provas”.

2ª No sistema acusatório as provas são levadas aos autos pelas partes, se

destinam a elas mesmas no espaço processual democrático e o juiz, tomado como

agente público diretor do discurso democrático, valoriza e valora as provas conforme

a discussão posta em debate pelas partes.

3ª Os sistemas de avaliação das provas se ligam historicamente ao grau de

liberdade do Estado.

4ª O Estado Democrático de Direito não é um regime político, ele é formado

pela junção dos princípios da Democracia e do Estado de Direito e isto implica na

formação de um Estado por meio da lei derivada da vontade do provo.

5ª O poder pertence ao povo, as decisões do Estado devem ser tomadas em

consonância com a vontade geral, influindo a democracia de direito em todas as

atividades desta pessoa jurídica, seja ela administrativa, legislativa ou jurisdicional.

6ª No Estado Democrático de Direito o juiz é tomado como agente público

responsável por dirigir o discurso democrático estabelecido entre as partes por meio

do contraditório e da ampla defesa, com seus recursos inerentes.

7ª A fundamentação das decisões possibilita às partes, que sofrerão os seus

efeitos, averiguar se o agente público juiz decidiu conforme a atuação das partes em

contraditório ou se, ao contrário, utilizou o seu inato bom senso para prover a causa.

8ª Fundamentada a decisão, as partes podem recorrer ao duplo grau de

competência para rever os julgados e contra eles se insurgir.

9ª O procedimento é formado por uma seqüência lógica de atos disciplinada

pela lei, em que o ato antecedente determina a validade daquele que o sucede e

este retira do anterior sua legitimidade, todos praticados em simétrica paridade de

oportunidades processuais, em busca da decisão final, último ato da cadeia

normativa.

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10ª A estrutura procedimental é legitimadora da atividade jurisdicional, na

medida em que permite às partes, que sofrerão os efeitos da decisão final, participar

de sua construção, afastando a idiossincrasia do juiz.

11ª O contraditório não é simples dizer e contradizer, ele é espaço demarcado

processualmente, em que as partes atuam em simétrica paridade de oportunidades,

podendo influir na construção da decisão que afetará seu universo de direitos.

12ª A ampla defesa é ampla argumentação para as partes no espaço

processualizado, se reveste dos recursos a ela inerentes e possibilita ao réu, no

interrogatório processual penal, dizer de per si ao acusador a versão que conhece

dos fatos apurados, calar-se, ou mesmo mentir diante deles, assim como ser

assistido por profissional técnico.

13ª O interrogatório é um instituto processual, ou seja, um aglomerado de

princípios que compõe a estrutura do procedimento e seu lugar nessa estrutura influi

diretamente na sua utilização como meio de prova ou meio de defesa do acusado.

14ª O interrogatório colocado no início do procedimento retira do acusado a

possibilidade de falar após a produção da prova, nesse contexto, ele se manifesta

sem poder traçar a melhor técnica para a sua defesa.

15ª Posto o interrogatório no final do procedimento o acusado tem a

possibilidade de se manifestar depois de conhecer toda a prova e pode estruturar,

juntamente com sua defesa técnica, a melhor forma de se defender do crime do qual

é acusado.

16ª A teoria da prova na contemporaneidade e sob a regência do Estado

Democrático de Direito deve ser estudada sob o enfoque dos elementos, meios e

instrumentos de prova.

17ª Os elementos de prova são captados do mundo da vida pelos meios de

prova e instrumentados no processo para que as partes possam sobre eles debater

e construir a decisão final.

18ª O processo penal constitucionalizado não tem por finalidade a obtenção

da verdade real, mas sim, a reconstrução dos fatos e, dessa forma, o interrogatório

do réu deve ser entendido como a oportunidade que ele tem de também influenciar a

construção da decisão, sobretudo porque será o destinatário dos efeitos da

sentença, a qual poderá lhe impor uma das sanções mais gravosas previstas pelo

ordenamento jurídico, qual seja, a retirada de sua liberdade.

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19ª Concebido o interrogatório como meio de prova, a confissão isolada do

acusado poderá ser tomada como fundamento para a condenação e isso não

encontra espaço no Estado Democrático de Direito, sobretudo porque,

historicamente, a busca pela confissão leva ao sufrágio dos direitos fundamentais.

20ª A garantia do acusado ao silêncio permite a ele estruturar a sua defesa da

forma mais útil e apropriada, isso porque, após a revisitação do instituto pelo

princípio do Estado Democrático de Direito, o interrogatório do acusado deve ser

tomado como mais um dos meios de a defesa influenciar a construção da decisão

final.

21ª O processo é metodologia de garantia de direitos fundamentais, é o

espaço destinado à construção participada por meio da ampla argumentação

qualificada pelo discurso entre as partes, capaz de originar uma decisão que reflita a

atuação dos interessados e não a produção de decisão isolada do julgador.

22ª Nessa perspectiva, constatamos que o interrogatório do réu não deve ser

tomado como exclusivo meio de prova, eis que se assim for feito, a confissão será,

ainda, como era no sistema inquisitório, tida como a rainha das provas, sufragando

direitos fundamentais a fim de ser obtida, ainda que contra a vontade do réu.

23ª É o processo o espaço ideal para garantir a efetivação de direitos

fundamentais, dentre eles, a dignidade pessoal do acusado e, o interrogatório, a

oportunidade que o réu tem de dar a sua versão dos fatos conforme entender mais

conveniente a sua defesa.

Enfim, o que se rejeita após a revisitação do interrogatório pelo princípio do

Estado Democrático de Direito é que ele seja tomado apenas como mais um dos

meios de prova postos à disposição do juiz e que este agente público permaneça na

interpretação e aplicação solitária da lei, o que sempre consiste em violência para as

partes e para o povo, detentor do poder no Estado.

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Ferreira, Ana Olívia F383i Interrogatório no processo penal constitucionalizado / Ana Olívia Ferreira.

Belo Horizonte, 2009. 113f. Orientador: Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Interrogatórios (Processo penal). 2. Estado de direito. 3. Processo penal. 4.

Função judicial. 5. Garantia (Direito). 6. Direitos fundamentais. 7. Prova criminal. 8. Defesa (Processo penal). I. Dias, Ronaldo Brêtas de Carvalho. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 343.144