pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo …como exigência parcial para obtenção do...

510
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Mônica Tereza Mansur Linhares Educação, currículo e diretrizes curriculares no curso de Direito: um estudo de caso Volume 1 DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009

Upload: ngodien

Post on 20-Jan-2019

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Mônica Tereza Mansur Linhares

Educação, currículo e diretrizes curriculares no curso de Direito: um estudo de caso

Volume 1

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2009

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Mônica Tereza Mansur Linhares

Educação, currículo e diretrizes curriculares no curso de Direito: um estudo de caso

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Gabriel Benedito Issaac Chalita.

SÃO PAULO 2009

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

Linhares, Mônica Tereza Mansur Educação, currículo e diretrizes curriculares no curso de Direito: um estudo de caso / Mônica Tereza Mansur Linhares. – 2009. 509 f. Orientador: Prof. Doutor Gabriel Benedito Issaac Chalita Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Direito. 1. Educação. 2. Currículo jurídico. 3. Diretrizes curriculares. 4. Núcleo de prática jurídica. 5. Desconstrução. 6. Cultura.

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

BBaannccaa EExxaammiinnaaddoorraa

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

DEDICATÓRIA

Às minhas filhas, Marília e Mariana, cuja existência adorável dá sentido à minha

vida, faz compreender a importância do afeto, perceber minhas deficiências como

ser humano e acreditar na possibilidade de mudança.

Ao meu marido, Milton Linhares, por seu carinho, cumplicidade e inestimável apoio

nesta longa e prazerosa caminhada. Sem ele, este trabalho teria sido impossível.

Às minhas queridas irmãs, Alessandra, Giovana e Débora.

Aos meus cunhados, Renato e Cris, e ao meu irmão, Marcos, pela alegria no

convívio familiar.

À minha mãe, Terezinha Mansur, a quem devo a vida e a convivência com os

valores sagrados do Bem, do Belo e do Justo.

Ao meu querido pai, João da Silva Filho (in memoriam), que me ensinou a nunca

desistir de meus sonhos e a acreditar sem esmorecimento nos ideais pedagógicos

para a construção de um mundo melhor, mais justo e solidário.

Seu exemplo pessoal de que, apesar de todas as dificuldades terrenas, é preciso

“sorrir e prosseguir nossa jornada”, marcará para sempre minha vida...

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

AGRADECIMENTOS

Aos meus colegas de mestrado e de doutorado, de modo particular ao colega

Antônio Ernane Calhao, que me conferiu a coragem necessária para o mergulho

inicial no doutorado.

Aos funcionários do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília, pelo

apoio e pelo pronto encaminhamento dos documentos e pareceres que subsidiaram

a realização deste trabalho.

Aos alunos do curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL e

a seu corpo docente, em especial ao Prof. Ms. Adriano Assis Ferreira,

Coordenador do curso de Direito, e ao Prof. Sérgio Gabriel, Coordenador do

Núcleo de Prática Jurídica – NPJ.

Meus agradecimentos especiais à Reitora da UNICSUL, Profa. Dra. Sueli

Cristina Marquesi, e à sua mantenedora, na pessoa do Prof. Dr. Hermes Ferreira

Figueiredo e de D. Dagmar Rollo Figueiredo, que gentilmente abriram as portas

da instituição e me permitiram elaborar e levar a termo este trabalho.

Aos Profs. Drs. Ives Gandra da Silva Martins, Maria Garcia, Jacy de

Souza Mendonça, Márcio Pugliese, Alysson Leandro Mascaro, Ari Marcelo

Solon e Artur Marques da Silva Filho.

Agradeço especialmente à Profa. Doutora em Ciências da Comunicação, Dra.

Roseli Zanetin Pioli, que muito contribuiu nas reflexões para a realização deste

estudo.

Agradeço à Profa. Dra. Pilar Jover Gea, pelo carinho e apoio logístico..

À Profa. Maria Inês Guimarães Faria, pelo preciso trabalho de leitura,

competência e zelo da revisão, sem o qual a realização deste trabalho teria sido

impossível.

A todos vocês, meu respeito e sincera gratidão.

Agradeço, ainda, aos membros da Banca Examinadora e a todos os que

colaboraram, direta ou indiretamente, na elaboração deste trabalho, pois toda crítica

e sugestão recebida foi importante para dar-lhe feição definitiva.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

Agradeço também à Profa. Márcia Alvim, pelo ombro amigo e apoio

incondicional, de cujo convívio partilhei durante todo o mestrado na Universidade

Presbiteriana Mackenzie e agora no doutorado, na Pontifícia Universidade Católica –

PUC, São Paulo.

Por fim, agradeço com especial gratidão ao querido Prof. Gabriel Chalita,

exemplo de dedicação à vida acadêmica e profissional: por sua disponibilidade

atenciosa ao longo de todo o curso de mestrado e doutorado; pela generosa partilha

de seu grande saber; pela solidariedade e entrosamento.

Sobretudo, por seu afeto na relação educacional. Esse afeto revigora nossos

ideais de vida dedicados ao magistério, ideais que nos parecem afigurar-se a única

ferramenta curricular e pedagógica capaz de modificar a triste realidade educacional

de nosso país. Esse afeto, acima de tudo, leva-nos a crer na realização dos nossos

sonhos e alimenta esperanças num mundo melhor, mais justo e solidário.

Como nos ensina Chalita, “o amor é capaz de quebrar paradigmas, barreiras,

ranços. É o amor que nos envolve e nos move”.

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu. Poemas Completos de Alberto Caeiro

Fernando Pessoa

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

Existir, como ser humano, é crescer. A caminho da plena realização como pessoa. Em ligação, interação, comunhão com os outros seres humanos. Dentro do universo em que efetivamos o nosso curso ou percurso – curriculum – de existência. Como atividade,

processo e aprendizagem, o currículo está assim, intrinsecamente ligado à dinâmica da realização. Realizar e realizar-se, de modo consciente, é em grande parte, desenvolver intencionalmente o currículo, um currículo. A realização do ser humano: para a história

das idéias em Educação e Pedagogia.

José Ribeiro Dias

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

RESUMO

A presente tese de doutorado tem por objeto estudar as novas diretrizes curriculares nacionais fixadas para o curso de graduação, bacharelado, em Direito. As novas diretrizes curriculares nacionais foram instituídas para o ensino jurídico pela Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação – CES/CNE, por força da Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004. O trabalho originou-se da experiência educacional na docência do ensino superior, como Professora e Coordenadora de Núcleo de Prática Jurídica, no curso de Direito. Objetiva-se analisar especificamente: a) as formas de realização da interdisciplinaridade estabelecidas no inciso IV, § 1º, art. 2º da Resolução CES/CNE nº 9/2004; b) a forma de implantação e a estrutura curricular do Núcleo de Prática Jurídica a que se refere o inciso IX, § 1º, art. 2º da Resolução nº 9/2004, tendo por base a análise de um Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL, que serve como estudo de caso a este trabalho; c) os modos de integração entre teoria e prática, determinados no art. 2º, inciso V, da Resolução nº 9/2004. Embora o tema curricular não seja novo para a Ciência da Educação, a matéria se ressente de abordagem pela Ciência Jurídica. Nesse sentido, o enfoque do presente estudo é de caráter metodológico interdisciplinar e transdisciplinar, em comunicação ativa com a Ciência da Educação, com a Pedagogia, a Filosofia e com a Filosofia do Direito. No que tange à Filosofia do Direito, apresentam-se como referencial teórico o pensamento de Jacques Derrida − cujo conceito de desconstrução do direito e da justiça fundamenta a pesquisa − e o pensamento de Paulo Freire, na Educação. Fundamenta-se a pesquisa na Teoria Crítica do Currículo, alicerçando-se o estudo sobre os fundamentos filosóficos da educação e o conhecimento epistemológico do currículo. Defende-se a tese de que o currículo jurídico não se constitui meramente numa construção normativa fechada, determinista e engessada na lei; muito mais que isso, constitui-se além da lei, numa construção de significativo alcance filosófico, educacional, social e, especialmente, cultural. Sobretudo, de perspectiva epistemológica aberta, renovável e inacabada, pois o seu conteúdo é permeado de discursos, relações de poderes, interesses, escolhas, valores. A normatividade e a prescritividade do currículo constituem apenas uma de suas dimensões. Por isso, defende-se a tese do currículo jurídico como fenômeno cultural e, por via de conseqüência, propõe-se a desconstrução das atuais diretrizes curriculares no curso de Direito e, portanto, uma nova configuração curricular fundamentada na Educação Jurídica, voltada à formação ética e digna. Voltada à tolerância, ao respeito das diferenças e da dignidade humana, à solidariedade e ao humanismo; ao compromisso do currículo com a qualidade do ensino jurídico, com a construção efetiva da cidadania, impondo-se, assim, uma mudança de postura dos mantenedores das IES, dos docentes, dos professores, dos coordenadores e dos alunos, mudança que em muito ultrapassa o pensamento exclusivamente positivista e dogmático na aplicação do Direito e da Justiça.

Palavras-chave: Educação. Currículo jurídico. Diretrizes curriculares. Ensino

jurídico. Núcleo de prática jurídica. Desconstrução. Cultura.

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

ABSTRACT

The objective of this Doctoral thesis is to study the new national curricular guidelines for the graduation, bachelorship in Law. The new national curricular guidelines have been established for the juridical teaching by the Higher Education Board of the National Education Council – CES/CNE, under the Resolution 9 of the 29th of September, 2004. This study originates from the teaching experience in higher education as Professor and Coordinator of Juridical Practice Nucleus in the Law course. More specifically, it seeks to analyze: a) the ways of carrying out the interdisciplinarity established in item IV, § 1, art. 2 of the Resolution CES/CNE 9/2004; b) The implanting procedures and the curricular structure of the Juridical Practice Nucleus to which refers item IX, § 1, art. 2 of the Resolution no 9/2004, based on the analysis of a Juridical Practice Nucleus of the Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL, which is used as a study of case for this work; c) the forms of integration between theory and practice, determined in the art. 2, item V, of the Resolution CES/CNE nr. 9/2004. Although the curricular issue is not something new to the Education Science, it resents the absence of the Juridical Science approach. In this sense, the focus of this study is of methodological interdisciplinary and transdisciplinary character, in active connection with the Science of Education, with Pedagogy, with Philosophy and Philosophy of Law. Concerning Philosophy of Law, the study presents, as theoretical reference, the thinking of Jacques Derrida whose deconstruction of law and justice concept lays the foundation for research – and the thinking of Paulo Freire on Education. The thesis defends that the creation of these new curricular guidelines for the Law course must not constitute a mere closed, stagnant, permanent, immutable and finished normative construction normativity and prescriptability constitute just one of its dimensions. It is therefore proposed a new curricular configuration based on Juridical Education, aiming at ethical and honorable education. Dedicated also to tolerance, respect for the differences and human dignity, solidarity and humanism; curriculum commitment towards juridical education quality, towards an effective construction of citizenship, imposing, consequently, a change in the posture of the maintainers of the IES, of the teachers, of the professors, and of the students; change that by far surpasses the exclusively positive and dogmatic thinking in the application of Law and Justice. Key words: Education. Juridical curriculum. Curricular guidelines. Juridical education. Nucleus of juridical practice. Deconstruction. Culture.

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

RESUMEN

La presente tesis de doctorado tiene por objeto estudiar las nuevas directivas curriculares nacionales establecidas para el Curso de graduación, licenciatura, en Derecho. Las nuevas directivas curriculares nacionales fueron instituidas para la enseñanza jurídica por la Camera de Educación Superior del Consejo Nacional de Educación – CES/CNE, en virtud de la Resolución nº 9, de 29 de septiembre de 2004. Este estudio se ha originado de la experiencia educacional en la docencia de la enseñanza superior, como Profesora y Coordinadora de Núcleo de Practica Jurídica en el curso de Derecho. Más específicamente, se pretende analizar: a)- las formas de realización de la interdisciplinariedad establecidas en la subdivisión IV, §1, art. 2 de la Resolución nº 9/2004; b) la forma de implantación y la estructura curricular del Núcleo de Práctica Jurídica a la cual se refiere la subdivisión IX, §1, art. 2 de la Resolución nº 9/2004, teniendo como base la análisis de un Núcleo de Práctica Jurídica de la Facultad de Derecho de la Universidad Cruzeiro do Sul, que sirve como estudio de caso a este trabajo; c) los modos de integración entre teoría y practica, determinados en el art. 2, subdivisión V, de la Resolución nº 9/2004. Aunque el tema curricular no sea nuevo a la Ciencia de la Educación, el mismo se resiente de la ausencia de abordaje por la Ciencia Jurídica. En este sentido, el enfoque del presente estudio es de carácter metodológico interdisciplinar y transdisciplinar, en comunicación activa con la Ciencia de la Educación, con la Pedagogía, con la Filosofía y con la Filosofía del Derecho. En lo que respecta a la Filosofía del Derecho, presentamos como referencial teórico el pensamiento de Jacques Derrida- cuyo concepto de desconstrucción del derecho y de la justicia fundamenta la investigación - y el pensamiento de Paulo Freire, en la Educación. Se defiende la tesis de que la implantación de nuevas directivas curriculares para el curso de Derecho no debe constituir una mera construcción normativa cerrada, estancada, permanente, inmutable y acabada. La normatividad y la prescriptividad del currículum solo constituyen una de sus dimensiones. Se propone una nueva configuración curricular fundamentada en la Educación Jurídica, volcada a la formación ética y digna. Volcada a la tolerancia, al respeto por la diferencias y a la dignidad humana, a la solidariedad y al humanismo; al compromiso del currículo con la calidad de la enseñanza jurídica, con la construcción efectiva de la ciudadanía, imponiéndose así, un cambio de postura por parte de los mantenedores de las IES, de los docentes, de los profesores, de los coordinadores y de los alumnos, cambio que mucho ultrapasa el pensamiento exclusivamente positivista y dogmático en la aplicación del Derecho y de la Justicia. Palabras Clave: Educación. Currículo jurídico. Directivas curriculares. Núcleo de practica jurídica. Desconstrucción. Cultura.

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

RÉSUMÉ

La présente thèse de Doctorat a pour but l´étude des nouvelles directives curriculaires nationales établies pour le Cours de graduation, baccalaurat, en Droit. Les nouvelles directives nationales ont été établies pour l´enseignement juridique, par la Chambre d´Enseigment Supérieur du Conseil National de l´Éducation – CES/CNE, en vertue de la Résolution 9 du 29 de septembre de 2004. Ce travail provient de l´experience educative dans l´enseignement supérieur en tant que Professeur et Coordinatrice de Noyau de Pratique Juridique, dans le cours en Droit. Cette étude vise à analyser, plus précisément: a) les façons de mise en oeuvre l´interdisciplinarité prévues dans la clause IV, § 1, article 2 de la Résolution n° 9 /2004; b) la façon d´implantation et la structure curriculaire du Noyau de Pratique Juridique à laquelle se rapporte la clause IX , §1, article 2 de la Résolution 9/20004, ayant pour base l´analyse d´un Noyau de Pratique Juridique de la Faculté de Droit de l´Université Cruzeiro do Sul – UNICSUL qui sert comme une étude de cas à ce travail; c) les modes d´intégration entre la théorie et la pratique, determinés par l´art. 2, clause V, de la Résolution n° 9/2004. Bien que le sujet curriculaire ne soit pas nouveau à la Science de l´ Éducation, il se ressent de l´absence d´approche par la Science Juridique. Dans ce sens, cette étude met l´accent sur le caractère méthodologique interdisciplinaire et transdisciplinaire en communication active avec la Science de l´Éducation, avec la Pédagogie, la Philosofie et avec la Philosophie du Droit. En ce qui concerne la Philosophie du Droit, on présente comme référence théorique la pensée de Jacques Derrida dont le concept de desconstrruction du droit et de la justice est le fondement de la recherche – et la pensée de Paulo Freire, dans l´Éducation. On défend la thèse que l´introduction des nouvelles directives curriculaires dans le cours de Droit ne doit pas constituer une simple construction normative fermée, étanchée, permanente, immuable et finie. Le réglément et la prescription du curriculum ne constituient qu´une de ses dimensions. On propose donc une nouvelle configuration curriculaire basée sur l` Èducation Juridique, axée sur une formation éthique et digne. Axée sur la tolerance, le respect pour les differences et pour la dignité humaine, sur la solidarieté et sur l´humanism; sur l´engagement du curriculum à la qualité de l´enseignement juridique, avec la construction d´une citoyenneté effective, en imposant comme ça, un changement d´attitude des resposnsables des IES, des professeurs de cadre supérieure, des professeurs, des coordinateurs et des éléves, changement qui dépasse de loin la pensée exclusivement positiviste et dogmatique dans l´application du Droit et de la Justice. Mots clés: Curriculum juridique. Directives curriculaires. Éducation. Enseignement juridique. Noyau de pratique juridique. Desconstruction. Culture.

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Síntese da concepção da educação nos diversos processos

formativos ......................................................................................... 64

Quadro 2 – Número de matrículas no curso de Direito em IES privadas.

Matrículas em Direito ........................................................................ 107

Quadro 3 – Quadro representativo das características do positivismo aplicadas

ao ensino do Direito .......................................................................... 140

Quadro 4 – Síntese dos conteúdos da teoria tradicional do currículo .................. 223

Quadro 5 – Síntese dos conteúdos da teoria crítica do currículo ........................ 223

Quadro 6 – Síntese dos conteúdos da teoria pós-crítica do currículo ................. 223

Quadro 7 – Configuração estrutural do currículo único do curso jurídico no

Império .............................................................................................. 271

Quadro 8 – Configuração estrutural do currículo jurídico na República ............... 274

Quadro 9 – Configuração estrutural do currículo mínimo (1962) ......................... 275

Quadro 10 – Configuração estrutural do currículo mínimo nacional

(1972-1994) ...................................................................................... 278

Quadro 11 – Proposta de configuração estrutural do currículo mínimo nacional

– MEC (1980).................................................................................... 280

Quadro 12 – Configuração estrutural do conteúdo mínimo do curso jurídico

– Portaria MEC nº 1.886/94 .............................................................. 286

Quadro 13 – Síntese da configuração estrutural dos currículos jurídicos ao longo

da história ......................................................................................... 294

Quadro 14 – Número de Instituições de Educação Superior, por organização

acadêmica e localização (Capital e interior), segundo a Unidade da

Federação e a Categoria Administrativa das IES – 2003 ................. 301

Quadro 15 – Diferenças entre currículo mínimo e diretrizes curriculares .............. 311

Quadro 16 – Síntese da configuração estrutural das Diretrizes Curriculares

na Resolução CNE/CES nº 9/2004 ................................................... 328

Quadro 17 – Síntese propositiva de sistema aberto do currículo jurídico .............. 394

Quadro 18 – Proposição de novos paradigmas curriculares ................................. 396

Quadro 19 – Conteúdo curricular propositivo no eixo de formação profissional

das DCNs para o curso de Direito .................................................... 398

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

Quadro 20 – Paradigma estrutural curricular elaborado por João Baptista

Villela ................................................................................................ 412

Quadro 21 – Estudo de Caso – Organograma de Funcionamento e Organização

do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL ..................................... 428

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE – Associação Brasileira de Educação

ABEDi – Associação Brasileira de Ensino do Direito

ABMS – Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior

CES – Câmara de Educação Superior

CF – Constituição da República Federativa do Brasil

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras

DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais

DOU – Diário Oficial da União

IES – Instituição de Educação Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação

MS – Mandado de Segurança

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional

PNE – Plano Nacional de Educação

PPC – Projeto Pedagógico de Curso

PPI – Projeto Pedagógico Institucional

SESu – Secretaria de Educação Superior

SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

UNICSUL – Universidade Cruzeiro do Sul

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 21

1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO E DO CURRÍCULO .......... 33

1.1 A Construção do Currículo Jurídico: aspectos filosóficos, educacionais,

culturais e legais ........................................................................................ 33

1.2 Conceito de Educação .............................................................................. 56

1.2.1 Distinção entre educação, ensino e instrução ........................................ 70

1.3 Educação Superior e a Imagem de Futuro do Currículo ........................ 75

1.4 A Universidade e o Currículo .................................................................... 81

1.5 Conceito de Direito Educacional e Fontes .............................................. 94

1.6 Conceito de Direito à Educação ............................................................... 100

1.7 Espécies de Instituições de Educação Superior..................................... 103

1.8 Ensino Jurídico no Setor Privado ............................................................ 105

1.9 Fundamentos Filosóficos da Educação e do Currículo ao Longo da

História ....................................................................................................... 112

1.9.1 Idealismo .................................................................................................... 112

1.9.2 Realismo ..................................................................................................... 123

1.9.3 Naturalismo ................................................................................................ 127

1.9.4 Materialismo histórico-dialético ............................................................... 130

1.9.5 Positivismo ................................................................................................. 133

1.9.6 Intuicionismo ............................................................................................. 147

1.9.7 Reconstrutivismo....................................................................................... 159

1.9.8 Pragmatismo .............................................................................................. 162

1.9.9 Existencialismo .......................................................................................... 164

1.9.10 Humanismo ................................................................................................ 166

1.9.10.1 A educação em Paulo Freire.................................................................. 170

1.9.10.1.1 Visão de currículo em Paulo Freire .................................................... 174

1.9.10.2 A educação e o currículo em Gabriel Chalita....................................... 176

2 CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO .......................................................................... 185

2.1 Origem Etimológica do Termo Currículo ................................................. 185

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

2.2 Dicionarização do Termo Currículo ......................................................... 186

2.3 Conceito de Currículo e as Diferentes Tradições Curriculares ............. 189

2.3.1 Currículo na Antigüidade Clássica........................................................... 198

2.3.2 Currículo na Idade Média .......................................................................... 202

2.3.3 Currículo na Modernidade ........................................................................ 204

2.3.4 Currículo no Brasil..................................................................................... 207

2.4 Espécies de Currículos ............................................................................. 209

2.4.1 Currículo nacional ..................................................................................... 209

2.4.2 Currículo mínimo ....................................................................................... 209

2.4.3 Currículo pleno .......................................................................................... 209

2.4.4 Currículo oficial ......................................................................................... 210

2.4.5 Currículo oculto ......................................................................................... 210

2.4.6 Currículo centrado nos padrões culturais ............................................... 212

2.4.7 Currículo multicultural .............................................................................. 216

2.4.8 Currículo intercultural ............................................................................... 216

2.4.9 Currículo hegemônico ............................................................................... 216

2.5 Complexidade da Conceituação de Currículo ......................................... 216

2.6 Currículo como Campo de Estudo Específico ........................................ 219

2.7 Teoria do Currículo .................................................................................... 221

3 CURRÍCULO JURÍDICO E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NO

CURSO DE DIREITO ......................................................................................... 226

3.1 A Problemática da Crise Atual do Currículo Jurídico............................. 226

3.2 Conceito de Currículo Jurídico e Sistematicidade ................................. 261

3.3 Evolução Histórica da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico

no Ordenamento Jurídico Brasileiro ........................................................ 270

3.3.1 Configuração do “currículo único” (1827-1961)...................................... 270

3.3.2 Configuração do “currículo mínimo” (1962-1995) .................................. 275

3.3.3 Configuração do “currículo mínimo nacional” (1980-1990) ................... 279

3.3.4 Configuração do currículo de “conteúdo mínimo do curso jurídico”

(1994-2002) ................................................................................................. 282

3.3.5 Configuração das “Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de

graduação em Direito” .............................................................................. 289

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

3.4 Síntese da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico dos Cursos de

Direito no Brasil ......................................................................................... 293

3.5 O Currículo na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB n°

9.394/96 ....................................................................................................... 294

3.6 Conceito de Diretrizes Curriculares ......................................................... 303

3.6.1 As diretrizes curriculares nacionais no Plano Nacional de Educação –

PNE – lei nº 10.172/2001 ............................................................................ 309

3.6.2 Síntese das diferenças estruturais entre “currículo mínimo” e “diretrizes

curriculares” .............................................................................................. 310

3.7 O Conselho Nacional de Educação (CNE) e as Diretrizes Curriculares

Nacionais da Educação ............................................................................. 311

3.8 As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Direito .............. 317

3.8.1 Resolução CNE/CES n° 9/2004 ................................................................. 317

3.8.2 Natureza jurídica da Resolução CNE/CES n° 9/2004 .............................. 321

3.8.3 Finalidade das diretrizes curriculares para o curso de Direito .............. 323

3.8.4 Diferenças entre a Portaria MEC nº 1.886/94 e a Resolução CNE/CES nº

9/2004 .......................................................................................................... 325

3.8.5 Componentes estruturais curriculares na Resolução CNE/CES nº

9/2004 .......................................................................................................... 326

3.8.6 Síntese da configuração dos conteúdos dos componentes curriculares

dentro dos eixos de formação fundamental, profissional e prática ...... 327

3.8.7 Elementos estruturais na Resolução CNE/CES nº 9/2004 ...................... 329

3.8.8 Formas de realização da interdisciplinaridade na Resolução CNE/CES n°

9/2004 .......................................................................................................... 329

3.8.9 Modos de integração entre teoria e prática na Resolução CNE/CES n°

9/2004 .......................................................................................................... 345

3.8.10 Habilidades e competências no currículo jurídico na Resolução nº

9/2004 .......................................................................................................... 347

3.9 A Flexibilidade, a Descentralização e o Princípio da Autonomia

Universitária na Gestão do Currículo Jurídico ........................................ 353

4 CULTURA E DESCONSTRUÇÃO NO CURRÍCULO JURÍDICO ...................... 367

4.1 Currículo como Construção Cultural ....................................................... 367

4.2 Currículo como Construção Cultural em Henry A. Giroux .................... 377

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

4.3 Desconstrução na Filosofia Pós-Moderna de Jacques Derrida............. 383

4.4 Desconstrução versus Positivismo Jurídico .......................................... 388

4.5 Síntese Propositiva para a Interpretação de Sistema Aberto de Currículo

Jurídico ....................................................................................................... 394

4.6 Proposições para Desconstrução de Paradigmas para o Currículo

Jurídico ....................................................................................................... 396

4.6.1 Primeira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares

no curso de Direito .................................................................................... 396

4.6.2 Segunda proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares

no curso de Direito .................................................................................... 401

4.6.3 Terceira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares

no curso de Direito .................................................................................... 403

5 ESTUDO DE CASO ........................................................................................... 408

5.1 O Estudo de Caso Institucional do Curso de Direito da Universidade

Cruzeiro do Sul - UNICSUL ....................................................................... 408

5.2 Dados Institucionais da UNICSUL ............................................................ 414

5.3 Coleta de Dados para o Estudo de Caso ................................................. 414

5.3.1 Entrevistas com o Coordenador de curso e Coordenador do Núcleo de

Prática Jurídica da UNICSUL .................................................................... 415

5.3.2 Questionário com os alunos e demais profissionais do Núcleo de Prática

Jurídica da UNICSUL ................................................................................. 416

5.4 O Projeto de Desenvolvimento Institucional – PDI e o Curso de Direito da

UNICSUL ..................................................................................................... 417

5.5 O Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UNICSUL ....................... 421

5.6 Matriz Curricular do Curso de Direito da UNICSUL ................................ 423

5.7 Estágio Supervisionado do Curso de Direito da UNICSUL.................... 426

5.8 Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da UNICSUL................ 427

5.9 Pontos de Estrangulamento do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de

Direito da UNICSUL ................................................................................... 429

5.9.1 Ausência de sistema de avaliação interna das atividades realizadas no

Núcleo de Prática Jurídica ........................................................................ 430

5.9.2 Ausência de atividade de mediação e arbitragem .................................. 431

5.9.3 Ausência de exame de autos findos ........................................................ 434

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 436

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 445

ANEXOS ................................................................................................................ 486

Anexo A – Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004 ...................... 486

Anexo B – Pesquisa de Campo – Questionário Elaborado para os Alunos do Núcleo

de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL .......................... 491

Anexo C – Regimento Interno do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da

Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL ............................................................. 494

Anexo D – Parecer da CNE/CES nº 527/1999, que homologa o reconhecimento do

curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL .............................. 509

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

21

INTRODUÇÃO

Antes mesmo de começar a empreender, efetivamente, um itinerário tortuoso, eis sem rodeios, e em linhas gerais, a tese que submeto à discussão de vocês. Ela virá distribuída numa série de proposições. Na verdade, será menos uma tese, ou menos uma hipótese, que um compromisso declarativo, um apelo em forma de profissão de fé, fé na universidade e, nela, fé nas Humanidades de amanhã.

Jacques Derrida1

O presente trabalho originou-se da experiência na docência do ensino

superior por mais de dez anos. É fruto, também, da experiência com Coordenadoria

de Núcleo de Prática Jurídica em diferentes Instituições de Ensino Superior de São

Paulo.

Essa experiência educacional no curso de graduação, em Direito, fez-se,

contudo, acompanhar de perplexidade, inquietação, angústia e espanto. Trouxe,

porém, uma disposição para a vertigem2 que nos levou, neste século XXI, a

compreender e enfrentar as transformações que nunca param de se processar em

nosso redor.

No entanto, apresentar um trabalho de Doutorado, é um desafio complexo e

árduo, no qual estão envolvidos, além do conhecimento jurídico, componentes

culturais, sociais, afetivos e pedagógicos, articulados por motivações diversas que

vão ganhando matizes e significados próprios, no contexto de sua realização.

Por esse motivo, pareceu aconselhável situar previamente o conjunto das

reflexões e práticas que constituem o trabalho, em vez de trilhar logo de saída o

“itinerário tortuoso” desta tese, a ser oportunamente submetido à crítica.

Conseqüentemente, torna-se importante demarcar algumas constatações a

fim de compreender e contextualizar o objeto de estudo desta tese, que se constitui

na reflexão sobre a problemática das novas Diretrizes Curriculares Nacionais,

instituídas pelo Conselho Nacional de Educação, por sua Câmara de Educação

1DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. Tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 13.

2Conforme adverte Charles Feitosa, “entregar-se ao amor pelo saber ou por alguém exige certa disposição para a vertigem, para a perda provisória do autocontrole. Na vertigem corre-se o perigo de queda, mas abre-se também a possibilidade de ter prazer com o movimento. Só é capaz de amar quem tem coragem de perder o prumo”. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 17.

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

22

Superior, para o Curso de Bacharelado, em Direito, por força da Resolução

CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004.3

A presente tese de Doutorado delimita-se, contudo, em analisar apenas os

seguintes elementos estruturais curriculares de uma universidade privada:

a) as formas de realização da interdisciplinaridade estabelecidas no inciso IV,

§ 1º, do art. 2º, da Resolução CES/CNE n° 9/2004;

b) os modos de integração entre teoria e prática, determinados no art. 2º,

inciso V, da Resolução CES/CNE n° 9/2004;

c) a forma de implantação e a estrutura curricular do Núcleo de Prática

Jurídica a que se refere o inciso IX, § 1º, do art. 2º da Resolução nº

9/2004, tendo por base a análise empírica de um Núcleo de Prática

Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul –

UNICSUL, que serve a este trabalho, como estudo de caso.

Defende-se a tese de que o currículo jurídico não se constitui meramente

numa construção normativa fechada, determinista e engessada na lei; muito mais

que isso, constitui-se além da lei, numa construção de significativo alcance filosófico,

educacional, social e, especialmente, cultural.4

Sobretudo, de perspectiva epistemológica aberta, pois o seu conteúdo é

permeado de discursos, relações de poderes, interesses, escolhas, valores.

Defende-se, portanto, nesse trabalho, que a implantação das novas diretrizes

curriculares para o curso de Direito não deve se constituir numa construção

normativa imposta, em âmbito nacional, de maneira absolutamente heterônoma,

3BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

4O emprego da palavra cultura muitas vezes não traz o claro sentido semântico do seu significado, o que tem dado lugar a muitos equívocos; contudo, embora largamente empregado no plano filosófico, sociológico, antropológico, político, jurídico e educacional, implica muitas alterações no campo das Ciências Humanas, em geral, bem como no da Filosofia, especialmente na Teoria do Conhecimento. Emprega-se aqui a definição usada por Goffredo Telles Jr., para quem cultura significa tudo que o ser humano acrescenta às coisas (homo additus naturae, diziam os clássicos) com a intenção de aperfeiçoá-las. Abrange tudo que é construído pelo homem em razão de um sistema de valores. O espírito humano projeta-se sobre a natureza, dando-lhe uma nova dimensão que é o valor. Cultura é a natureza transformadora ou ordenada pela pessoa humana com o escopo de atender seus interesses. As obras humanas, como nos ensina Goffredo Telles Jr., não são criações no sentido rigoroso deste vocábulo; não são tiradas do nada. As criações humanas resultam de uma disposição dada pelo homem às coisas do mundo, visando ao aperfeiçoamento delas. É o complexo de adaptações e ajustamento feitos pelo homem, para que as coisas sirvam aos fins humanos. TELLES JÚNIOR, Goffredo. O Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1974. p. 313-318.

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

23

isolada, estanque, pronta, permanente e acabada. Por isso, defende-se a tese do

currículo jurídico como fenômeno cultural e por via de conseqüência, a

desconstrução de antigos paradigmas5 curriculares, visando a uma nova

configuração das diretrizes curriculares do ensino jurídico.

Para demonstrar essa tese parte-se da hipótese de trabalho que o currículo

jurídico é, especialmente, uma construção aberta, não-determinista, não-linear,

polissêmica, cultural, permanentemente renovável e inacabada6, que implica os

conceitos de complexidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

5Do ponto de vista filosófico, a noção de paradigma pode ser entendida tanto segundo uma acepção clássica, como em Platão, quanto segundo uma acepção contemporânea, a partir de Thomas S. Kuhn (1962). Na visão platônica, um paradigma é um modelo, um tipo exemplar, que se encontra em um mundo abstrato, e do qual existem instâncias, como em cópias imperfeitas, em nosso mundo concreto. A noção de paradigma deve ser assim entendida como uma das versões da teoria platônica das formas ou idéias, sobretudo na obra platônica A República; e tem, portanto, um sentido ontológico forte, designando aquilo que é real, causa, determinante do que existe no mundo concreto, dele derivado. Isso dá ao paradigma um caráter normativo, que será importante na acepção contemporânea. Veja-se PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2002, passim. Thomas Kuhn, por seu turno, introduz o termo paradigma na obra A Estrutura das Revoluções Científicas. Para Kuhn, paradigma, de um lado, “indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas, etc. partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal; é um modelo de verdade aceito e predominante em determinado momento histórico. Trata-se de práticas científicas compartilhadas que resultam de avanços descontinuados, saltos qualitativos e rupturas epistemológicas”. A crise de paradigmas caracteriza-se assim como uma mudança conceitual, ou uma mudança de visão de mundo, conseqüência de uma insatisfação com os modelos anteriormente predominantes de explicação. A crise de paradigmas leva geralmente a uma mudança de paradigmas, sendo que as mudanças mais radicais consistem em revoluções científicas. Há segundo Kuhn, causas internas e externas dessas mudanças. As causas internas são o resultado de desenvolvimentos teóricos e metodológicos dentro de uma mesma teoria e também do esgotamento dos modelos tradicionais de explicação oferecidos pela própria teoria, o que leva à busca de alternativas. Causas externas são mudanças na sociedade e na cultura da época, que fazem com que as teorias tradicionais deixem de ser satisfatórias, perdendo assim o seu potencial explicativo. Devem, portanto, ser substituídas por novas teorias, mais adequadas a essas ulteriores condições. Freqüentemente ambos os tipos de causa vêm juntos em um contexto de revolução científica. Veja-se em KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 218. Contemporaneamente, entende-se que não se pode insistir na consideração e compreensão de uma Ciência, especialmente a Ciência Social, incluindo-se aí a Ciência do Direito, baseada em paradigmas matemáticos, determináveis, empenhados em construir um conhecimento do social e de saberes sociais, culturais e humanos, capazes de atingir o mesmo rigor e exatidão atribuída ao conhecimento matemático. A interrupção do sujeito cognoscente e epistemológico, da sua história, da sua realidade empírica e geográfica, do não-determinado, do conhecimento do novo, das novas tecnologias, impõe a mudança radical na compreensão da teoria. Esta, contudo, não pode ser mais considerada com um olhar neutro sobre aquilo que é, mas deve ser pensada como uma prática social e cultural (des)constitutiva daquilo que advém, prática esta intimamente ligada e entrelaçada ao contexto global da sociedade na qual ela é produzida.

6Nesse sentido, com muita propriedade, indica Paulo Freire: “ensinar exige consciência do inacabamento. O inacabamento do ser humano ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 50.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

24

Justifica-se a relevância da pesquisa porquanto – embora o tema curricular

não seja novo para a ciência da Educação – a matéria se ressente de abordagem

jurídica, importando profundamente à própria condução do ensino jurídico do país.

Justifica-se, ainda, o conhecimento filosófico e epistemológico do currículo e

das diretrizes que envolvem o tema: seu sentido e finalidade encontram significado

no próprio processo de construção do conhecimento e do relacionamento do

indivíduo com a sociedade, tornando-se ferramenta imprescindível na construção do

currículo jurídico nos cursos jurídicos.

As diretrizes curriculares dizem respeito ao compromisso maior do Direito com

a construção da cidadania e da justiça social, do olhar crítico e investigativo da

sociedade, motivo mais que suficiente para servirem de análise à presente tese.

Saliente-se, contudo, que o trabalho no campo curricular está intimamente ligado

não somente à Ciência do Direito e à Filosofia do Direito, mas ainda a outros

campos de inquirição do conhecimento, como a Educação, a Filosofia da Educação,

Estudos de Política, História da Educação e Sociologia.

Partiu-se de abordagem metodológica sistemática, com base na

complexidade de interpretação da norma, que requer o conhecimento de outros

campos do saber, que não exclusivamente o estudo do Direito, tais como a ciência

da Educação, a Filosofia da Educação, a Pedagogia.

De maneira que, sem um quadro teórico proveniente de outras ciências, o

trabalho curriculista não se torna profícuo. Isso porque a especificidade do campo do

currículo jurídico reconhece-se na sua conexão com a prática educacional e com os

contextos sociais e culturais, em que está inserido o conhecimento curricular,

conexão essa, entretanto, que o distingue dos outros importantes domínios da

educação.

Portanto, defende-se que a norma jurídica regulatória que instituiu as

diretrizes curriculares nacionais encontra-se conectada com os fenômenos

educacionais e, em vista da complexidade de sua exegese, deve ser analisada de

maneira interdisciplinar e transdisciplinar.

Discutem-se questões epistemológicas de perspectiva aberta, considerando

que, apesar da independência formal, o investigador curriculista não pode libertar-se

seja das perspectivas introduzidas pelas ciências de Educação, seja das

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

25

concepções do Direito e de outras ciências, buscando sempre a interlocução

interdisciplinar e transdisciplinar com outros ramos do conhecimento.

Tendo em vista que o objeto da nossa investigação apresenta aspectos

teóricos e práticos, a exposição sobre as diretrizes curriculares no Direito adotará a

forma dedutiva7 dialética8, localizando quer o conceito de educação, de currículo,

como também, o de diretrizes curriculares e sua desconstrução, em suas origens

históricas, filosóficas e educacionais, suas etimologias, evolução e finalidade no

Direito Educacional pátrio.

Analisa-se a classificação conceitual da norma jurídica que institui as

diretrizes curriculares e sua natureza, ponderando as conseqüências jurídicas dessa

classificação para o ordenamento jurídico educacional brasileiro.

Analisa-se, especialmente, sua natureza jurídica e sua caracterização na

Teoria Crítica do Currículo e dos Direitos Humanos Fundamentais e na

Hermenêutica Constitucional bem como sua consagração no ordenamento jurídico

educacional atual.

A compreensão das diretrizes curriculares para determinar-lhe a clareza, a

força e o alcance de significados para a Ciência do Direito implicará a análise do

dispositivo em apreço, adotando a investigação como método9 científico10 a

7O método dedutivo parte de argumentos gerais para particulares. Primeiramente, são apresentados os argumentos que se consideram verdadeiros e inquestionáveis para, em seguida chegar a conclusões formais, já que essas conclusões ficam restritas única e exclusivamente à lógica das premissas estabelecidas. Quando você adota o método dedutivo, o que irá fazer é ter um conjunto de premissas que deverão fundar todos os procedimentos que você optou por utilizar. Possibilitando levar o investigador do conhecido para o desconhecido com uma margem pequena de erro. É um método que tem sido largamente utilizado. Cf. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Claúdia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 65-68.

8Não se trata aqui da metodologia dialética-marxista. A perspectiva adotada visa à interpretação da construção do currículo jurídico sob uma perspectiva epistemológica aberta, inacabada, a construir. Por isso, valemo-nos da dialética, processo exegese pelo qual “as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está „acabada‟, encontrando-se sempre em vias de se transformar, desenvolver. O mundo não deve ser considerado como um complexo de „coisas acabadas‟, mas como um complexo de processos em que as coisas, na aparência estáveis, do mesmo modo que os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias, passam por uma mudança ininterrupta de devir e de decadência, em que, finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba por se fazer.” Cf. MARCONI, Mariana de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003. p. 100-101.

9Segundo aponta Maria Helena Diniz, a palavra método é formada pela justaposição de dois vocábulos gregos: meta e odos. Meta com o significado de fim, objeto que tende a uma atividade, através de, mediante. Odos equivale a caminho, trâmite. O composto método quer dizer caminho para, o meio para o fim, ou seja, é o caminho ordenado que conduz a ciência dos enunciados verdadeiros. Sobre a noção de método e sua importância para a ciência. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 30. [nota de rodapé

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

26

abordagem de perspectiva sistemática aberta11, que possibilite desta forma o

tratamento rigoroso e o resultado eficiente do trabalho.

A pesquisa parte dos seguintes pressupostos de interpretação:

a) de que a norma jurídica de Direito Educacional, instituída pela Resolução

do CNE/CES n° 9/2004 apresenta um elevado “teor metajurídico”12;

b) do postulado de que “não há norma sem interpretação”13;

57]. Nesse sentido veja-se também: MONTORO, André Franco. Os princípios fundamentais do método no Direito, São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942. p. 40. ESTEVEZ, José Lois, Investigación científica y su propedêutica en el derecho. Caracas, 1970. p. 74. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 10. HESSEN, Johannes. Tratado de Filosofia. Buenos Aires: Sudamérica, 1957. p. 392. (Tomo I). LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 679-680.

10Afirmam Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro que a observação dos métodos científicos é estritamente necessária para que a pesquisa seja considerada científica devendo ser ela aplicada na investigação acadêmica. Veja-se MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 60.

11A palavra sistema possui um significado bastante comum, contudo seu conceito tem uma longa história, que poderia incluir ilustres nomes como Nicolau de Cusa, Paracelso, Vico, Marx, Kant, Hegel, etc. Sistema pode ser entendido como um conjunto complexo, cujas partes ou componentes se relacionam de tal modo que o próprio conjunto se comporta, em certos aspectos, com uma unidade e não como um mero agregado de elementos. BUNGE, Mário. Epistemologia. São Paulo: USP, 1980. p. 89. Contudo, adota-se aqui a definição de Bertalanffy, o pai da Teoria Geral dos Sistemas, para quem o sistema é um conjunto de elementos inter-relacionados, de forma coordenada, em que cada elemento vincula-se direta ou indiretamente ao outro. Von Bertalanffy ressalta, nessa obra, que leva o mesmo nome de sua Teoria, ter sido levado à idéia de sistema por ter notado, em 1920, lacunas na pesquisa e na Teoria da Biologia. O autor entendia que, nesse campo, o ponto de vista mecanicista e reducionista era insuficiente e inadequado fazendo com que ele passasse a advogar uma concepção organística que acentuasse a consideração dos organismos como totalidades. O autor confessa, ainda ter abandonado a tradição neopositivista do Círculo de Viena na qual tinha sido educado. Com essas preocupações, abandonou os modelos lineares de pesquisa e passou a procurar uma nova concepção básica, que encarasse o mundo da organização, mesmo sabendo que isso iria alterar as categorias básicas nas quais repousa o pensamento científico, além de influir, profundamente, nas atitudes práticas, ligadas à ciência e ao pensamento em geral. Essas preocupações de Bertalanffy foram reforçadas e complementadas com a emergência de um feixe de novas disciplinas, como a cibernética, a teoria da informação, a teoria dos jogos, a teoria das decisões e outras. Com tudo isso, consolidaram-se, enquanto novas estruturas conceituais, quer a idéia de “sistema”, quer a “teoria de sistemas”, quer o “enfoque ou abordagem sistêmica”. Cf. BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 30; 38; 62-63; 82. No presente trabalho, valemo-nos dessa contribuição, para entender que em sentido amplo a educação, como fenômeno complexo pode ser encarada, sob o chamado enfoque sistêmico, pois admite um número infinito de variáveis, fatores, concepções. Sistema complexo esse que é, contudo, dinâmico, não é uma reunião estática de elementos estagnados no tempo e no espaço. Ele se altera, muda de acordo com as trocas que faz com os outros elementos do sistema e com o próprio ambiente em que está inserido. É ainda um sistema aberto, já que interage com o ambiente, com outras ciências tais como o Direito e com a Filosofia. Quando falamos em sistema aberto, é por que entendemos que ele está em interação com o meio, pois o contrário, num sistema fechado de método de abordagem ele estaria isolado do meio.

12RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia universitária: as universidades públicas e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Edusp, 1994. p. 10.

13FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 68.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

27

c) que o método de abordagem utilizado para captar a força, alcance e

conteúdo epistemológico das diretrizes curriculares nacionais será a

interpretação sistemática dialética.

Tendo em vista a perspectiva epistemológica de tratamento curricular aberto

fundamenta-se esta tese nos seguintes referenciais teóricos:

a) a teoria crítica do conhecimento14;

b) o pensamento de Edgar Morin, cujo método epistemológico da

complexidade, da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade,

especialmente aplicados ao conhecimento do currículo e suas diretrizes, é

o nosso referencial teórico;

c) a teoria crítica do currículo;

d) o pós-estruturalismo, corrente do pensamento da qual faz parte Jacques

Derrida, no que se aplica especialmente ao que Derrida denominou

“desconstrução”;

e) a perspectiva teórica do currículo como cultura no pensamento de Henry

A. Giroux;

f) a teoria dos direitos humanos fundamentais e a hermenêutica

constitucional;

g) a concepção culturalista do Direito;

h) o pensamento sobre educação e currículo, de Gabriel Chalita;

i) no embasamento teórico e educacional alicerçados no pensamento de

Paulo Freire, por concordarmos com sua premissa sobre a educação e a

condição humana: “O homem é um ser inconcluso e precisa ter nítida

14

Segundo Johannes Hessen a Teoria do Conhecimento é uma disciplina filosófica independente, como o nome já diz é uma teoria, isto é uma interpretação e uma explicação filosófica do conhecimento humano que deve ser precedida de uma observação e de uma descrição exatas do objeto. No conhecimento defrontam-se um sujeito cognoscente (ou uma consciência) e um objeto, sujeito e objeto. HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 19, 20. O conhecimento então aparece como uma relação entre esses dois elementos. O conhecimento pode ser definido como a apreensão do objeto pelo sujeito. Todo conhecimento, portanto, pressupõe dois elementos – o sujeito que quer conhecer e o objeto a ser conhecido – que, se apresentam, dentro dessa relação. Só há saber para o sujeito cognoscente se houver um mundo a conhecer, mundo este do qual ele é parte, uma vez que o próprio sujeito pode ser objeto de conhecimento. As teorias e os conceitos também nos permitem conhecer mais ou menos a realidade que nos cerca, dependendo do seu grau de complexidade. Para André Lalande a teoria do conhecimento é o estudo da relação que o sujeito e o objeto mantêm entre si no ato do conhecimento. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. p. 1128. Portanto, é possível afirmar-se que por Teoria do Conhecimento denomina-se um conjunto de especulações que têm como objetivo determinar o valor e os limites do nosso conhecimento.

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

28

consciência de sua incompletude”15 e, “é na inconclusão do ser, que se

sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente”.16

Parte o trabalho da inquietação filosófica da seguinte premissa: o currículo

jurídico pode efetuar mudanças na vida das pessoas e nas instituições de educação

superior.

Por tudo isso, entende-se que a problemática que cerca as diretrizes

curriculares deve ser compreendida não somente à luz da análise exclusivamente

legalista, mas também de uma abordagem crítica frente ao sistema jurídico, filosófico

e educacional. Voltada assim à compreensão epistemológica de sistematicidade

aberta do currículo, sobretudo, humanística do ensino jurídico, pois, entende-se que

compreender17 um objeto de conhecimento a fim de apreender intimamente seu

sentido, seu significado, demanda abranger o tema da pesquisa na totalidade de

seus fins, ou seja, nas suas conexões de sentido.

Nas palavras de Goffredro Telles Júnior18 “descobrindo o que ele é em si

mesmo e em confronto com o que deve ser”.

Cumpre, entretanto, evitar refletir sobre o currículo e suas diretrizes numa

perspectiva restrita e fragmentária do fenômeno epistemológico, responsabilizando

exclusivamente o currículo como o vilão das mazelas do ensino jurídico pátrio.

Incorrer nesse erro é ignorar a complexidade que cerca o tema das diretrizes e as

relações de conexão que permeiam o seu entorno.

15

No mesmo compasso, Paulo Freire afirma: “O inacabamento do ser humano ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento”. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 50-58.

16Cf. Ibid., p. 50-58. Por essa premissa devemos entender que a educação é fundada na necessidade do conhecimento. Sabedores da inconclusão homens e mulheres procuram assim, ao longo de suas vidas, saber mais. Esse buscar constante é característica essencialmente humana, baseada na esperança.

17Para Miguel Reale: “compreendemos um fenômeno quando o envolvemos na totalidade de seus fins, nas suas conexões de sentido. Assim, compreender não é ver as coisas segundo nexos cau-sais, mas é ver as coisas na integralidade de seus sentidos ou de seus fins, segundo conexões vi-venciadas valorativamente”. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 86. Em acréscimo, adverte Emílio Betti: “O propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movi-mento no contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema”. BETTI, Emilio. Interpretazione della legge e degli atti giuridici. Milano: Giuffrè, 1949. p. 22 et seq.

18Para Goffredo Telles Júnior: “compreender um objeto de conhecimento é saber seu sentido, seu significado, é descobrir o que ele é, em si mesmo e em confronto com o que deve ser”. TELLES JÚNIOR, Goffredo. Palavras do amigo ao estudante de Direito: bosquejos extra-curriculares, proferidos no escritório do professor em 2002. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 138.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

29

O instituto jurídico das diretrizes curriculares parece-nos ser no contexto do

direito à educação (Paidéia), o que mais se relaciona com os outros ramos do

mundo do saber, exigindo do estudioso curriculista, no dizer de Immanuel Kant, uma

“mentalidade alargada”, uma compreensão sistemática aberta, voltada para um

conhecimento orgânico do todo. Impondo-se – pari passu – analisar cada obstáculo

para transpô-lo e finalmente desconstruí-lo, a fim de conferir-lhe novo significado.

Dentro desse contexto apresentam-se as seguintes problematizações: será

que esse novo paradigma normativo de diretrizes curriculares de natureza jurídico-

educacional será capaz de alterar a realidade dos cursos jurídicos, no Brasil,

conciliando a imprescindível teoria e prática jurídica?

Ainda, esse novo quadro normativo, instituído por força da Resolução

CNE/CES n° 9/200419, seja capaz de construir uma postura interdisciplinar e

transdisciplinar que se entende absolutamente indispensáveis a um adequado

currículo jurídico nos cursos de Direito, a fim de enfrentar o cenário de globalização,

complexidades, incertezas, turbulências e dificuldades do século XXI?

É possível crer nas Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas pela

Resolução n° 9/2004, como solução mágica para a modificação e reconfiguração do

ensino jurídico no Brasil? O fundamento para a instituição das diretrizes curriculares

é um fundamento racional de direito e justiça, ou apenas um ato de fé que a

configuração curricular e, por via de conseqüência, o ensino do Direito vai se

modificar?

O trabalho foi inspirado pela seguinte reflexão: é possível crer que as novas

diretrizes e exigências curriculares sejam capazes, por si só de modificar, como num

passe de mágica, a configuração da realidade e o sombrio diagnóstico nacional que

se configura para o ensino jurídico brasileiro?

Indaga-se, todavia, se a resposta afirmativa a essa reflexão não lavraria o

atestado de ingenuidade na crença positivista de que o Direito pode mudar tudo,

inclusive a percepção e a realidade do nosso mundo. Sem discutir e refletir sobre

essas questões, não há como – num panorama tão complexo – construir uma

configuração curricular adequada ao atual ensino jurídico brasileiro.

19

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

30

Os esforços, neste trabalho, são orientados, assim, para a elaboração de uma

educação jurídica dialógica, num processo de ensino do direito e na configuração de

um currículo jurídico, construídos em consenso, numa perspectiva viva, rica,

humanística, criativa e relacional. Inserida, sobretudo numa perspectiva

epistemológica de sistema aberto de percepção e compreensão de mundo, que

permita ao aluno e aos professores do curso de Direito, a conversa e o diálogo para

que possibilitem criar ordens de estruturas mais complexas e interdisciplinares entre

as disciplinas, as matérias e as idéias. Muito mais do que nas estruturas de currículo

jurídico fechado de hoje.

Paradoxalmente, o que se percebe, é que as diretrizes curriculares dos

cursos de Direito são elaboradas, em geral, no paradigma do currículo fixo, cuja

configuração atual assenta-se na educação jurídica tradicional, com aulas

expositivas, sob a forma da leitura exclusiva da lei e de códigos.

Dentro desse complexo panorama, considerando o abismo no cumprimento

da finalidade educativa no ensino superior brasileiro, em especial no curso de

bacharelado em Direito; considerando, ainda, a inadequação entre o ensino e o

currículo jurídico com a realidade do mundo e dos problemas complexos e globais,

mas também locais, cabe indagar:

De que modo enfrentar as inúmeras mudanças e turbulências que ocorrem

em nosso entorno? A que meios recorrer para que os alunos do curso de Direito

desenvolvam suas próprias capacidades, e se eduquem para a própria mudança? O

que essa finalidade e intenção educativa significam em termos de (des)construção

do texto normativo que instituiu, em âmbito nacional, as atuais diretrizes

curriculares? Ainda, em termos de dimensão substancial de currículo jurídico, de

autonomia e de flexibilidade na atual configuração do currículo jurídico brasileiro?

Para a comprovação das hipóteses desta tese e cumprimento dos objetivos

apontados, estrutura-se o trabalho da seguinte maneira:

na introdução do trabalho, delimita-se o tema de estudo, os objetivos e

hipóteses de trabalho, expõe-se a justificativa, relevância, metodologia e

estrutura da pesquisa;

no capítulo I, apresenta-se um panorama e o conceito de educação nas

diferentes concepções no campo da filosofia da educação ao longo da

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

31

história, e apresenta-se a distinção entre educação, ensino, instrução,

conceito de Direito à Educação e Direito Educacional;

no capítulo II, apresenta-se a idéia e o conceito de currículo, origem

etimológica, suas espécies, sua complexidade e configuração no decorrer

dos diferentes momentos históricos, bem como a sua apresentação no

campo da teoria crítica curricular;

no capítulo III, apresenta-se o conceito de currículo jurídico, a problemática

da crise curricular no ensino jurídico, as diferentes configurações do

currículo ao longo da evolução histórica e legislativa, suas espécies na

dogmática jurídica, bem como o conceito de diretrizes curriculares.

Analisa-se também nesse capítulo, o currículo jurídico à luz do Princípio

Constitucional da Autonomia Universitária, e a configuração das diretrizes

curriculares, especialmente a Resolução CES/CNE n° 9/2004, face à

legislação de Direito Educacional;

no capítulo IV, apresenta-se o conceito de desconstrução em Jacques

Derrida e o currículo como construção cultural; além de proposições sobre

a desconstrução das atuais diretrizes curriculares.

no capítulo V, apresenta-se o estudo de caso do núcleo de prática jurídica

de uma universidade privada.

Ao final, apresentam-se, as conclusões do trabalho, visando a construir um

novo panorama curricular para o ensino jurídico. Comporta registrar por derradeiro

que a discussão para a ciência do Direito, do ponto de vista do currículo, é

imperiosa, sobretudo porque é real a possibilidade de mudanças para o ensino

jurídico − cuja modificação, entende-se, passa necessariamente por essa instância;

não sendo suficiente alterar apenas uma estrutura normativa por outra para

solucionar o impasse em que ficou preso o ensino jurídico.

Importa, assim, apresentar a configuração das novas diretrizes curriculares

instituídas em conjunto com a mudança de comportamento e de postura dos

próprios mantenedores, dos docentes, dos alunos e dos coordenadores de curso, ao

que se aliaria de forma muito benfazeja a mudança de atitude também dos agentes

fiscalizadores e avaliadores do Ministério da Educação.

Como proceder? Não há respostas absolutas, prontas e acabadas, já que é

vasto o campo para a especulação. Entretanto, ausente a discussão no campo

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

32

curricular, não há como definir uma grade adequada para o ensino do Direito e da

Justiça.

Por isso, pretendeu-se trazer uma contribuição para a ciência do Direito,

porém, entende-se que as linhas da tese aqui traçadas refletem os possíveis, mas

não os únicos caminhos do conhecimento que apontam para as questões ora

propostas, sem resvalar, evidentemente, na pretensão falaciosa de atingir a verdade

absoluta sobre o tema, pois se entende, na esteira de Montaigne20 que “só os loucos

têm certeza absoluta em sua opinião”.

20

O pensamento final é extraído de Michel Montaigne, que em seu Ensaio da educação das crianças assim afirma: “apresentem-se-lhes todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta em sua opinião”. MONTAIGNE, Michel de. Os Ensaios. São Paulo: Martins Fontes. p. 216. Livro I, cap. XXXVI.

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

33

1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO E DO CURRÍCULO

O currículo é a mediação da educação.

Antônio J. Severino21

1.1 A Construção do Currículo Jurídico: aspectos filosóficos, educacionais,

culturais e legais

No campo do Direito, as diretrizes curriculares são entendidas como normas

de conduta regulatória, de natureza jurídico-educacional, emanadas de norma

jurídica do Direito Educacional, por órgão juridicamente competente. No entanto, as

diretrizes curriculares instituídas recentemente para o curso de bacharelado em

Direito, constituem-se muito mais do que a simples obediência fria e positivista da

norma regulatória imposta pelo órgão educacional competente.

Com efeito, é o estudo dos fundamentos filosóficos da educação e do

currículo, que orientam as diretrizes curriculares e a construção do currículo jurídico

e influencia na configuração dos cursos de Direito, ipso facto do ensino jurídico,

atingindo, portanto, diretamente a estrutura do currículo jurídico.

Em sentido amplo, investigar as diretrizes curriculares constitui-se, em melhor

oportunidade de compreender as importantes relações referentes ao currículo

jurídico, o que vale dizer, debruçar-se sobre aspectos do currículo e em conexão

com os temas da educação, ensino superior, ensino jurídico, formação jurídica,

currículo e sociedade, filosofia e cultura.

Em sentido estrito, o estudo das diretrizes curriculares orientadoras do curso

de Direito constitui-se em oportunidade de construção da própria cidadania.

Na sua dimensão substancial, o estudo das diretrizes curriculares diz respeito

à própria efetividade do Direito à Educação Superior, à qualidade de ensino jurídico

oferecido pelas diferentes modalidades administrativas de Instituições de Ensino

Superior – IES, em seus cursos jurídicos, à qualidade de elaboração de novos

paradigmas que envolvem a complexa problemática do ensino jurídico no País.

21

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 10.

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

34

Nesse sentido, o currículo deve representar, portanto, uma preocupação do

Estado brasileiro22 e das autoridades que se responsabilizam pelas definições e

decisões no campo jurídico-educacional sobre o desenvolvimento da educação

superior no Brasil.

As diretrizes curriculares são, por um lado, importante instrumento que

articula possibilidades, necessidades, interesses, pretensões e perspectivas em um

conjunto de escolhas, ações, ênfases, interpretações, mas, por outro lado, podem,

muitas vezes, articular omissões, supressões, impropriedades, excessos, injustiças,

preconceitos e erros.

Por isso, examinar as diretrizes curriculares, no curso de graduação em

Direito, é de grande relevância para a sociedade, para o Estado, para a comunidade

acadêmica e profissional e para os agentes educacionais envolvidos. Contudo, é

preciso retroceder-se aos fundamentos filosóficos da educação para ter-se o

currículo jurídico e a real dimensão e alcance das atuais diretrizes curriculares

instituídas para o curso de Direito.

A idéia de currículo é de longa tradição na história da humanidade, e

relaciona-se diretamente com a questão da educação, pois diz respeito diretamente

à sua prescrição e seu programa – liga-se, assim, à idéia de como as coisas

deveriam ser em educação e quais os seus conteúdos.

Com efeito, desde os primórdios da história da humanidade, ambas as

questões caminham juntas e encontram-se indissociavelmente imbricadas.

22

Para um estudo crítico sobre a interferência excessiva do Estado, especialmente da União, em matéria de Direito Educacional, remete-se à leitura da obra de Nina Beatriz Ranieri, fruto de sua tese de doutorado sobre educação superior apresentada no Departamento de Direito e do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ranieri, nesse sentido, assevera: “O Estado brasileiro tem presença expressiva no campo da educação superior: planeja, define políticas e as executa; legisla; regulamenta; interpreta e aplica a legislação por meio dos Conselhos de Educação; financia e subvenciona o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços; mantém universidades e demais instituições públicas de ensino superior; oferece diretamente ensino de graduação e pós-graduação; autoriza, reconhece, credencia, recredencia, supervisiona cursos e instituições; determina suas desativações; avalia alunos, cursos e instituições por todo o País; interfere na organização do ensino; estabelece diretrizes curriculares, etc. Tudo se dá na esfera pública e na privada, e em relação a todos os sistemas de ensino”. RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior,

Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96). São Paulo: EDUSP, FAPESP,

2000. p. 23.

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

35

Corrobora esse entendimento Daniel Tanner23 apontando que, “o caminho de

virtualmente todas as sociedades civilizadas foi acompanhada de prescrições

educacionais e de programas para a aculturação de gerações sucessivas”.

De fato, servem de exemplos para essa afirmação, o pensamento e a obra de

autores como: Platão, Aristóteles, Comenius, Rousseau, Kant, Padre José de

Anchieta, Piaget, Paulo Freire, Alceu Amoroso Lima, Darcy Ribeiro, Anísio Spínola

Teixeira, entre tantos outros que, em civilizações e épocas diferentes, preocuparam-

se em discutir a natureza da educação e em fornecer subsídios para orientar seus

objetivos e sua execução mediante os currículos.

Trata-se, portanto, da seguinte problemática: em saber “o que” e “como” se

deve ensinar em instituições educacionais, ainda, “o que deve” e “de que forma”

deve ser apreendido, conhecido24, sobretudo, compreendido pelo processo

educativo e mediado pelo currículo25, ao longo da vida, pelo sujeito cognoscente.26

A palavra currículo27 deriva do verbo latino currere28, que significa correr,

carreira, dar uma carreira sem parar, entrar a correr, ou ainda, caminho, jornada,

trajetória, percurso a seguir, por isso, encerra duas idéias principais:

a) uma noção de seqüência ordenada;

b) uma noção de totalidade de estudos.

23

TANNER, Daniel. Curriculum development. New York: Mc Millan Publishing Co., 1975. p. 3 24

Conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. Segundo Goffredo Telles Jr., “é a operação imanente pela qual um sujeito pensante representa um objeto. É o ato de pensar um objeto, ou seja, torná-lo presente à inteligência”. Assim, conhecimento para esse autor, é a tradução cerebral de um objeto. É o renascimento do objeto conhecido, em novas condições de existência, dentro do sujeito conhecedor. Para Telles Jr. esse renascimento alterará de certa maneira o sujeito cognoscente, porque a coisa conhecida será sua parte integrante. Ainda, segundo Telles Jr., o vocábulo conhecimento decorre de cognasci, significando conhecimento. TELLES JÚNIOR, Goffredo. O Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad. p. 189; 204. Veja-se também a obra de HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003, passim.

25Segundo afirma Antônio Joaquim Severino: “o currículo é a mediação da educação”. Veja-se sua obra Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 10.

26Sujeito cognoscente é aquele que conhece. Nesse sentido indicam: REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 70-76.

27Há autores, como Flávia Terigi que, mesmo em língua portuguesa, preferem manter a palavra latina curriculum, cujo plural é curricula, por se tratar de termo mais utilizado na literatura específica. TERIGI, Flávia. Notas para uma genealogia do curriculum. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 159-186, jan./jun. 1996. Na literatura pedagógica e documentos oficiais jurídicos, usa-se, porém, o termo currículo.

28Conforme aponta o dicionário Novíssimo Dicionário Latino- Português. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2000. p. 328.

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

36

A noção literal de currículo carrega, portanto, a idéia de continuidade e

seqüência, o caminho ou o percurso a ser seguido.

O currículo, assim compreendido, se configura na estrada, ou seja, no

caminho que o aluno irá percorrer para poder graduar-se no curso escolhido.

O currículo, no contexto educacional diz respeito à construção e seqüência

dos conteúdos (quando ensinar), às formas de estruturar e acompanhar as

atividades de ensino e de aprendizagem (como ensinar e avaliar a aprendizagem) e

às competências e habilidades a desenvolver (o quê e por quê ensinar).

No contexto pedagógico, o currículo diz respeito ao conjunto estruturado de

disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar seja alçada certa

meta educacional.

No contexto pedagógico, o currículo diz respeito ainda ao significado de

“ordem como seqüência” e “ordem como estrutura”, ou seja, além de expressar os

conteúdos de ensino, é também estabelecida a ordem de sua distribuição por

aqueles que definem o curso. Nesse sentido perpassa uma concepção de

prescrição.

José Gimeno Sacristán e A. I. Pérez-Goméz29 aponta que o currículo, sob a

ótica pedagógica prescritiva, implica a idéia de regular, e controlar a distribuição do

conhecimento, além de estabelecer a ordem de sua distribuição.

Ressaltam os referidos autores30 que o currículo possui papel regulador da

prática e, portanto, regulador da ação educativa.

Com base nessas constatações, o conceito de currículo oficial, constitui-se a

prescrição legal da organização das matérias/disciplinas a serem trabalhadas na

instituição de ensino e demais orientações tais como conteúdos, didáticas,

avaliações.

No contexto da Justiça, a construção do currículo jurídico, de seu conteúdo e

de suas diretrizes diz respeito ao compromisso maior do Direito com a própria

construção da cultura, da cidadania e da justiça social, do olhar crítico e investigativo

sobre a nossa sociedade, visando superar desigualdades sociais. Junto com suas

29

SACRISTÁN, José Gimeno; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p. 119.

30Ibid., p. 119.

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

37

diretrizes, diz respeito igualmente à possibilidade de acreditar na mudança pela

educação e com a educação para construir uma sociedade mais justa, fraterna e

humana.

Nesse sentido, entende-se que a justiça está intimamente ligada à base

normativa da educação, e ao posicionamento ético no modo como se pensa e atua

nos currículos das instituições de ensino que oferecem os cursos de Direito.

Pensar o currículo significa refletir sobre os arranjos organizacionais mais

apropriados para as escolas de Direito. Contudo essa reflexão não é meramente um

debate organizacional, ele é também ético, porque o que está em causa é a prática

futura da educação, é a prática de justiça social expressa em normas e em padrões

de ensino, que podem muitas vezes, seguir lógicas diversas e sentidos de

moralidade também distintos do adequado.

No contexto do ensino jurídico, o currículo jurídico, diz respeito à configuração

de novos paradigmas para a formação do aluno no curso de Direito, cujos modelos

anacrônicos de aula, como aponta José Renato Nalini31

[...] continuam prelecionais, com ênfase na leitura da lei, permeadas de lições doutrinárias e jurisprudenciais. Onde todas as disciplinas são as previsíveis. Direito substancial e direito processual. Tudo compartimentado, sem diálogo interdisciplinar. Prevalece o dogmatismo positivista em quase todas as Faculdades.

No contexto da autonomia, o currículo diz respeito, especialmente, à

emancipação dos próprios alunos envolvidos no processo de formação e ensino-

aprendizagem, atingidos diretamente pelas políticas de implantação das diretrizes

curriculares, muitas vezes, alijados de participar de sua construção, freqüentemente

elaboradas de maneira heterônoma.

Por isso, este estudo defende que o processo da construção do currículo no

ensino jurídico deva respeitar o caminho de mão dupla, numa imprescindível

interação entre instituição de ensino e aluno, entre

docente/discente/educador/educando. Jamais constituído e imposto de forma

heterônoma, como tem ocorrido.

31

NALINI, José Renato. O ensino da justiça (ou a renovação da docência jurídica). In: 180 anos do ensino jurídico no Brasil. CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. (Org.). Campinas: Millenium, 2008. p. 284.

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

38

O currículo, suas diretrizes, seus elementos e componentes estruturais, enfim,

as questões que o envolvem constituem uma preocupação de toda a comunidade

científica, acadêmica e profissional, e também de toda sociedade e se revestem de

importância capital para a condução das Diretrizes da Educação Superior no que

tange ao ensino jurídico no Brasil.

No entanto, ao analisar o conceito de currículo jurídico, conforme o contexto

das suas raízes etimológicas, entender-se-á porque o seu significado32 e alcance de

sentido que o norteiam, encontram-se fundamentados, não somente na imposição

heterônoma da lei pelo Estado, mas também e especialmente nos fundamentos

filosóficos, educacionais e culturais dos quais o currículo veio a se constituir ao

longo da história.

Originalmente, o curriculum significava “pista de corrida”.33 Neste sentido

exato, o currículo é substantivo, estruturalmente estático. Todavia, é preciso

considerar que a palavra curriculum, deriva do verbo latino currere, que significa

“correr” e, nessa acepção, o currículo, na sua raiz, é profundamente dinâmico, é uma

atividade permanente.

Sob essa segunda perspectiva epistemológica, o currículo é, portanto, uma

tarefa para desenvolver ao longo da vida. É esse, aliás, o sentido também patente

no título da obra de John Quicke34-35 (1999): A curriculum for life.

Não é de outro modo que Tomaz Tadeu da Silva36 aponta, relativamente ao

alcance filosófico do currículo, que o entende “como actividade que o currículo deve

ser compreendido – uma actividade que não se limita à nossa vida escolar,

educacional, mas à nossa vida inteira”.

32

Conforme dimenciona Hannah Arendt, a cognição está ligada à busca da verdade e suas exigências de rigor não alcançam, como é o caso do positivismo, toda a experiência humana. O pensamento, no entanto, diz respeito a algo mais abrangente, que é a busca do significado – o parar para pensar no sentido das coisas. Este sentido das coisas – desde que se pense – é comunicável. ARENDT, Hannah. A Vida do espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 14.

33Conforme aponta o verbete curriculum, no Novíssimo Dicionário Latino-Português, Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2000. p. 328.

34QUICKE, John. A curriculum for life. Buckingham-Philadelphia: Open University Press, 1999. p. 163.

35No mesmo sentido, afirma Whitehead, para quem: “There is only subject- matter for education, and that is life in all its manifestations”. WHITEHEAD, A. The aims of education and other essays. Londres: Collier Macmillan Publishers, 1967. p. 6-7.

36SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora, 2000. p. 43.

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

39

Por esse entendimento, a vida é a própria fonte do currículo e tempo para um

desenvolvimento curricular vital. A vida é, no seu decorrer, percurso; é tempo, é

reflexão, é um feixe inacabado de experiências às quais se deve conferir um sentido

existencial.

De fato, entende-se que esse percurso vital do currículo deve contribuir para o

sentido da nossa realização como seres humanos, sentido que, aliás, ganha plena

riqueza filosófica e educativa porque, em rigor, coincide com a vida pessoal de cada

um.

O currículo, portanto, não é um dado, é uma construção, um questionamento,

pois “o Eu”37 faz-se ao longo da vida e da experiência curricular e educativa no

contexto da vida de cada um como pessoa, cidadão e (futuro) profissional. Pois,“o

Eu” é entendido aqui como uma identidade consciente da pessoa. Como tal, resulta

de um questionamento aberto e permanente do “eu” perante si, perante os outros,

perante o mistério da vida.

No sentido de questionamento, José Dias Ribeiro38 interroga-se:

Mas a pergunta brota espontânea do fundo de nós mesmos: que há algo de mais real do que eu próprio, do meu ser (sinto que existo), do meu pensar (penso, logo sou), do meu querer (decido e transformo o mundo)? Eu movo-me e comovo-me, sinto, pressinto e consinto, imagino e fantasio, raciocino e reflito e penso, opto e decido, consisto, desisto, insisto, persisto. E, no entanto, é preciso através de isso tudo – ser, pensar, decidir – que cresço e, ao sentir-me crescer, tenho a nítida sensação de continuar incompleto,

37

Este pronome, com que o homem se designa a si mesmo passou a ser objeto de reflexão filosófica a partir do momento em que a referência do homem a si mesmo, como reflexão sobre si ou consciência, foi assumida como definição do homem. O pronome pessoal da primeira pessoa do singular pode ser usado na forma corrente em expressões como “Eu prometo pagar minhas dívidas”, “Eu quero dinheiro”. Contudo, conforme indica J. Ferrater Mora, em Filosofia o vocábulo “eu” (do latim ego) tem sido usado com o artigo “o” em “o Eu”. Nesse caso, “eu”, ou ainda, como se escreve freqüentemente “o EU”, costuma designar uma realidade ou uma forma de realidade, equivalente à pessoa; à consciência (subjetividade); ou à identidade pessoal. O EU (ego em latim, je em francês), constitui, no entanto, o termo característico para designar a filosofia do sujeito (ou da consciência), que parte do pensamento a fim de construir toda a teoria do conhecimento. Nascida com o cogito de René Descartes, ela se encontra bem expressa no “Penso, logo existo”. DESCARTES, René. Carta prefácio dos princípios da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Assim, segundo Descartes, podemos duvidar de tudo, podemos nos perguntar se os objetos que percebemos não constituem fantasias ou visões de um sonho. Contudo, enquanto estamos duvidando, percebemos que há pelo menos uma coisa que permanece ao abrigo da dúvida: um certo ser, que se encontra aí e que está duvidando. Esta proposição: “je sui”, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito, comenta Descartes. E do cogito ele tira a conclusão: eu sou uma substância que pensa. Cada vez que pensamos ou dizemos “eu”, ou seja, que temos consciência atual de existir, esta consciência é um ato, não uma coisa. Veja-se também, nesse sentido, as ponderações de MORA, Ferrater J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. Tomo II, p. 938, 917-21; Tomo IV, 2594-2599.

38RIBEIRO, José Dias. A realização do ser humano: para a história das idéias em Educação e Pedagogia. Lisboa: Didáctica, 2000. p. 10.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

40

imperfeito e, por isso, espontaneamente, tacteio, procuro, caminho, avanço, e se alguma vez presumo que estou a atingir ou conseguir, constato que o lavo, se afasta de mim no horizonte heideggeriano: saber é aproximar-se do longínquo.

Desse modo, o currículo, não somente do educando, mas também do

educador deve despertar o ser de cada um, despertar o sujeito, mobilizando-o na

complexidade do seu ser.

O currículo por isso não pode ser compreendido, simplesmente, como uma

ordem como estrutura/seqüência (prescritividade), ou ainda, como um conjunto de

conteúdos, distribuição de disciplinas, matérias, métodos, objetivos39, experiências

que compõem o ensino do Direito.

O currículo jurídico juntamente com suas diretrizes constitui-se um conjunto

articulado e normatizado de saberes, regidos por uma ordem, entretanto, ele é

instituído numa arena na qual se embatem visões diferenciadas de mundo. Local,

onde se produzem, elegem e transmitem representações; discursos, narrativas e

significados sobre as coisas e seres do mundo.

Com efeito, é esse conjunto articulado, todavia, que impulsiona os seres

cognoscentes em determinada direção, a direção exata da educação.

No que tange ao contexto da formação discente, o currículo, no âmbito do

ensino jurídico, deve oferecer aos seus alunos uma sólida formação, compatível com

as exigências modernas impostas pelo vertiginoso avanço das Ciências Sociais,

entre as quais se distingue a ciência jurídica; deve incentivar a leitura, a

compreensão de textos, o desenvolvimento de raciocínio lógico-formal e uma

adequada e correta expressão escrita e oral; proporcionar ao aluno uma intervenção

criativa e diferenciada no mercado jurídico, em suas diversas modalidades e

possibilidades profissionais; incitar a criação cultural e o desenvolvimento do espírito

científico e do pensamento reflexivo.

39

Esse sentido epistemologicamente reduzido de currículo é esboçado, de maneira paradoxal, por Horácio Wanderlei Rodrigues, paradoxalmente porque, embora o autor dedique vastamente sua obra às reflexões e pesquisa do ensino do Direito, especialmente, quanto ao currículo jurídico, o autor, apresenta um conceito de currículo jurídico sob um enfoque meramente formal e restrito, baseando-se numa dimensão tecnicista de currículo. Ora, conceituando-o simplesmente, como forma de organização de conteúdos, ora ainda, como disciplina, ou como ainda módulos. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 199.

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

41

O currículo jurídico deve capacitar profissionais aptos a participar do

desenvolvimento da sociedade brasileira, colaborando em sua construção;

estimulando um aperfeiçoamento profissional continuado; possibilitar os modernos

recursos oferecidos pelo avanço tecnológico como instrumento de melhoria e

dinamização da relação ensino/aprendizado; visar a excelência acadêmica no

âmbito nacional e internacional.

No que tange ao contexto da formação curricular da docência universitária

para o ensino superior deve-se salientar que essa formação pedagógica do

professor, não se encontra regulamentada, como nos outros níveis da educação.

Contudo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n°

9.394/9640, admite que esse docente seja preparado nos cursos de pós-graduação,

tanto stricto como lato sensu, não sendo este um dos requisitos obrigatórios.

Porém, embora a exigência legal para que as instituições de ensino superior

tenham no mínimo um terço de seus docentes titulados na pós-graduação (mestrado

ou doutorado), na realidade a docência universitária tem sido exercida por

profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, sem a devida formação

curricular integral adequada.

No entanto, entende-se, que esse profissional liberal/professor, ao optar pela

docência universitária, precisa ter consciência da sua responsabilidade e, sobretudo,

das novas formas de sua atuação, como professor, para atender às necessidades

da sociedade e da educação, neste novo milênio.

O currículo deve constituir-se, portanto, do ponto de vista filosófico e

educacional, num caminho fecundo para a realização pessoal repleto de sentido,

numa perspectiva de formação curricular do ser humano ao longo da vida.

A par disso, deve-se romper com o paradigma tradicional de educação

centrada unicamente numa disciplina especializada, centrado no professor

especialista, e em cuja formação somente numa determinada área do conhecimento,

muitas vezes, só se preocupa em transmitir e repassar informações.

Como nos adverte Georges Gusdorf41:

40

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

42

O especialista que se desculpa invocando sua especialidade procura um álibi, mas esse esquivar-se não o justifica. Todos devem prestar contas de suas verdades particulares, mas as verdades particulares não representam muito diante da verdade humana no seu conjunto. Uma disciplina especializada que se fecha no soberbo isolamento da sua técnica separa-se de suas origens e de seus fins. Incapaz de se situar na totalidade do saber, na realidade humana, perde qualquer valor de cultura e torna-se um fator de alienação, como o atesta de modo evidente a crise atual da nossa civilização. Toda ciência é obra do homem. Estará se enganando e nos enganando se o esquecer e pretender obter por si própria qualquer autoridade.

Para o exercício da docência há necessidade de um aprendizado curricular

formal ou informal integral de ensino e, ao longo da vida.

Como aponta John Gilissen42 esse entendimento é pertinente para o ensino

do curso jurídico, já que os saberes dos professores não podem ser separados das

outras dimensões do ensino.

Tal reflexão é, também, pertinente para os currículos dos cursos jurídicos uma

vez que, a própria história do Direito, baseada na crítica da Escola da Exegese, que

levou à vitória das idéias filosóficas e políticas dos grandes pensadores franceses,

do século XVIII, baseia-se unicamente no estatismo e racionalismo.

Para essa concepção legalista, que consagra o culto do Estado-Deus e da

soberania da nação, o legislador sozinho cria o Direito, e onde as leis devem ser

interpretadas racionalmente, logicamente, a experimentação, a história, o Direito

comparado, a cultura, nada disso tem qualquer interesse para o jurista. Perspectiva

a que se deu posteriormente o nome de positivismo legal.

O positivismo cuja teoria dominou a ciência do Direito, na França e, na maior

parte dos países da Europa Continental, de 1830 a 1880, e ainda hoje exerce,

profunda influência sobre o ensino do Direito, sobretudo o Direito Civil, e, sobre a

prática curricular do Direito, trata a questão do ensino jurídico, em detrimento da sua

real dimensão – a Justiça. Principalmente, por aqueles que supervalorizam somente

o Direito (Lei), e sua especificidade, desconsiderando suas interlocuções

contextuais, dentre eles os aspectos principiológicos, os valores, e a própria cultura.

No contexto da Filosofia do Direito, o currículo diz respeito, no entanto, a uma

nova configuração epistemológica do conhecimento jurídico.

41

GUSDORF, Georges. Professores para quê? Para uma Pedagogia da Pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 55.

42GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 515-518.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

43

Por isso, defende-se a tese de que o currículo e suas diretrizes no ensino não

devem se constituir, simplesmente mera construção normativa fechada, positivista,

permanentemente imutável.

O currículo jurídico é uma construção metajurídica.43 Constam-se, além da lei,

envolvidos em sua construção, filosofias, linguagens, discursos, escolhas,

comportamentos, valores e cultura, a par de intenções e finalidades educativas,

porque diz respeito, sobretudo, àquilo que a instituição de ensino faz e para quem

faz ou deixa de fazer para a educação superior brasileira.

Por esse entendimento, a sua prescritividade e a normatividade do currículo

constituem-se apenas e tão-somente em uma de suas dimensões. O currículo

jurídico, além disso, deve ser entendido como uma práxis libertadora e crítica na vida

de cada um.

Nesse sentido, importa sempre saber que caminhos e trajetórias percorrer e

porquê, articulando presente, passado e futuro. Essa busca é, no entanto, uma

atitude e tem um nome: procura pela sabedoria, talvez o maior desafio para a

construção do currículo nos caminhos da existência, coexistência.

A Filosofia no conjunto de saberes dinâmicos continua a ser o amor à

sabedoria, que urge recuperar e integrar na construção e organização dos

conhecimentos, pois como nos diz Emanuel Medeiros44, “a Filosofia é centro do

currículo na educação ao longo da vida”.

43

Conforme aponta Michel Troper, pode-se caracterizar a ciência do Direito, como metalinguagem, pois como objeto o Direito, que é em si, uma linguagem. Essa apresentação permite compreender como, quando o Direito é apenas um conjunto de prescrições que não podem ser nem falsas nem verdadeiras, é possível construir uma ciência do Direito, feita de proposições. O raciocínio em termos de metalinguagem nos conduz à consideração de um outro nível de discurso: a linguagem sobre a ciência do Direito. Se esta última é uma metalinguagem sobre o Direito, a linguagem sobre a ciência do Direito, também chamada de epistemologia jurídica, constitui, em si uma metalinguagem. Contudo, só é possível haver metaciência se houver um discurso que se faz na qualidade de ciência. Não se trata aqui de prescrever ou descrever, mas de indicar as características de que se deveria revestir uma ciência do Direito. TROPER, Michel. A Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 41. Em sentido contrário aponta-se o pensamento de Bryan Magge. Segundo Magge “desde Bertrand Russel, até hoje, a maior parte dos filósofos conferiu à linguagem uma importância absurdamente desproporcional na vida e na experiência humanas”. Para Magge, no entanto, isto é um equívoco, pois o pensamento e o conhecimento precedem as palavras nas quais são expressos havendo, portanto, segundo esse entendimento uma deficiência da Filosofia lingüística. MAGGE, Bryan. Confissões de um filósofo. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 83-101.

44MEDEIROS, Emanuel. A filosofia como centro do currículo na educação ao longo da vida. Portugal: Instituto Piaget, 2005, passim.

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

44

Por isso, o conceito de currículo, tem, pois, na sua raiz e configuração, um

pleno sentido e alcance filosófico e educacional. A própria história da cultura

ocidental revela também que Educação e Filosofia, sempre estiveram juntas e

próximas, numa relação de vínculo intrínseco.

É preciso considerar que verdadeira dimensão formadora e fundadora da

Educação, consubstancia-se, no desafio de uma realização, de uma liberdade, do

sentido da própria empresa educativa, objeto de reflexão filosófica, já que a Filosofia

tenta interrogar o sentido de tal empresa, assegurar a consciência disso.

Como adverte Franc Morandi45

Não se educa somente para educar, mas para realizar um fim: aperfeiçoar, despertar o homem para o mundo, para sua liberdade, para seus talentos, para o que é próprio do homem, para ajustar sua natureza, construir o progresso coletivo, inventar.

Isso ocorre porque a Filosofia sempre se constituiu vinculada a uma intenção

pedagógica, formativa do ser humano. E, a educação, embora se expresse como

uma práxis social, nunca deixou de referir-se a fundamentos filosóficos, mesmo

quando fazia deles uma utilização puramente ideológica.

Como afirma Antônio Joaquim Severino46

A grande maioria dos pensadores que construíram a cultura ocidental sempre registrou essa produção teórica em textos relacionados à temática educacional, discutindo aspectos epistemológicos, axiológicos ou antropológicos da educação.

Esse testemunho já é suficiente para demonstrar o quanto é necessário

manter vivo e atuante esse vínculo entre a visão filosófica e a intenção pedagógica.

Vale dizer, é extremamente relevante a formação filosófica do educador.

Entretanto, a experiência cotidiana revela que ocorre uma deficiência pedagógica e

curricular e do próprio processo de ensino e na formação dos profissionais do curso

de Direito.

Por isso, além do vínculo entre a Filosofia e a intenção pedagógica e,

portanto, educacional, a escolha de um adequado caminho curricular no ensino do

45

MORANDI, Franc. Filosofia da educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 18-9; 67; 130. 46

SEVERINO, Antônio Joaquim. Apresentação. In: BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 9.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

45

Direito se torna viável na medida em que substituir inadequados paradigmas

racionais de fundamentação jurídica filosófica.

É o caso, por exemplo, da interpretação jurídica estritamente atrelada ao

positivismo jurídico, que reduz o Direito à vontade do soberano, à vontade do

poderoso, ou à vontade exclusiva da lei, sem levar em consideração o sentimento de

Justiça ou, na idéia de pluralidade das fontes normativas47, como forma de

explicação última do Direito.48

Perspectiva essa, que se entende superada pelas incontestes transformações

sociais, econômicas, jurídicas, culturais por que passam as modernas sociedades

políticas, caminho que nos conduz incontestavelmente a um outro modo de

produção do Direito, e o da forma de tratamento dos litígios, e por via de

conseqüência, a uma reflexão mais crítica sobre as diretrizes curriculares do ensino

jurídico.

Nesse sentido, conforme constata Antonio Carlos Wolkmer49, “o modelo de

cientificidade que sustenta o discurso jurídico liberal-individualista e a cultura

normativista tecnoformal está em processo de profundo esgotamento”.

No que tange ao ensino e ao currículo jurídico desconsideram-se, na prática

que sustenta o discurso jurídico e da docência no ensino superior do Direito, a

complexidade, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e as atividades 47

Nesse sentido aponta-se o artigo “Heurística e Direito” de autoria de Gabriel Chalita. Chalita defende ali a possibilidade de uma interpretação heurística do Direito. A solução está numa interpretação argumentativa que tenha base retórica. A base retórica se compõe de algumas funções entre elas a heurística, que significa o caminho em direção à verdade, o ato de descortinar os fatos para que se chegue ao que é possível sob o aspecto da Justiça. Trata-se segundo Chalita, de uma postura não-passiva com relação a uma tentativa de acomodação. A justiça é coisa julgada quando o julgamento foi resultado de um processo heurístico. A justiça é o meio e fim dos advogados, promotores, procuradores, delegados e outros operadores do Direito quando cada um em seu mister tem a consciência de ter percorrido as sendas heurísticas de aproximação a justiça. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e Direito. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica plural. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 229-45.

48O modo mais difundido de definir o Positivismo jurídico é qualificá-lo pela recusa a aceitar, ao lado do direito positivo, um outro direito, oriundo de Deus, da natureza ou da razão, chamado de “Direito Natural”: O positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro Direito senão o Direito Positivo. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 19 et seq. Como o presente trabalho não pretende incursionar sobre a velha polêmica positivismo jurídico x jusnaturalismo, reporta-se à leitura obrigatória e à posição dos autores clássicos sobre o tema: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. passim. ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru: EDIPRO, 2000. Especialmente os cap. X e XI. HART, L. A. Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. Especialmente, cap. IX.

49WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. XVIII.

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

46

desenvolvidas nos Núcleos de Prática Jurídica como fautosas da superação da

dicotomia ilusória teoria/prática.

Desconsidera-se, além disso, toda uma perspectiva epistemológica curricular

holística, ética e emancipatória50, na construção dos planos e das diretrizes

curriculares no curso de Direito.

Impende-se, portanto, uma nova configuração das diretrizes curriculares e do

currículo, ou seja, um novo paradigma curricular para o curso e, conseqüentemente,

para o ensino de Direito.

Permitindo-se, assim, uma abertura epistemológica desejável para a

elaboração e integração do conhecimento, especialmente dos conteúdos das

disciplinas curriculares, pois dessa maneira combate-se a fragmentação positivista e

dogmática dos saberes por sua própria natureza.

Conforme assevera Henry A. Giroux51

A transposição e edificação de outro paradigma no âmbito do Direito representam também a substituição e a construção de novo conceito de racionalidade. O modelo tradicional de racionalidade tecnoformal é suplantado pelo modelo crítico interdisciplinar da racionalidade emancipatória. Na prática libertadora, redefine-se a noção superior de racionalidade, que, como pressuposto do pensamento e da ação, apresenta um projeto transcendental que não mais oprime, mas busca libertar o sujeito histórico e a sociedade como um todo.

Constata-se que as profundas mudanças ocorridas no campo social, político,

cultural e econômico por que tem passado o país, nos últimos anos, conduz à

exigência de uma ciência jurídica que, sobretudo, seja capaz de responder a essa

nova realidade, em intensa evolução e transformação.

Ciência jurídica52 que seja capaz, também, de responder à sua paradoxal e

intensa produção legislativa e que tenha em conta, especialmente, os atuais

conhecimentos e as exigências de maleabilidade deles decorrentes.

50

Nesse sentido, veja-se o trabalho da lavra de Alayde Avelar Freire Sant'Ana, pesquisadora do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da Universidade de Brasília. Novos saberes, novas práticas jurídicas: sentidos emancipatórios para o ensino jurídico Disponível em: <http://www.unb.br/fb/publicaçoes_relatos.htm>. Acesso em: 25 maio 2008.

51GIROUX, Henry A. Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 33-39.

52Responder a questão que é a ciência jurídica, não é a tarefa principal deste trabalho, pois, certamente encontraremos inúmeras respostas para essa questão. Aliás, o próprio termo “ciência” como aponta Maria Helena Diniz, não é unívoco. Há, portanto, uma pluralidade de concepções epistemológicas jurídicas que a representam. Contudo, a ciência do Direito se difere da história do Direito, da psicologia forense, da sociologia jurídica, que embora sejam ciências sociais, são

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

47

Como salienta Claus-Wilhelm Canaris53, que, especialmente, apontem para

um pensamento jurídico de

Sistema aberto, móvel, heterogêneo e cibernético. Aberto no duplo sentido de extensivo e intensivo; extensivo por oposição a pleno, que admite questões a ele exteriores, que terão de encontrar saídas; intensivo por oposição a contínuo; que se compatibiliza no seu interior, com elementos materiais a ele estranhos. Móvel por seu seio, que não postule proposições hierarquizadas, antes surgidas intermutáveis. Heterogêneo por apresentar, no seu corpo, áreas de densidade diversa: desde coberturas integrais por proposições rígidas até às quebras intra-sistemáticas e às lacunas rebeldes a analogia. Cibernético por atentar nas conseqüências de decisões que legitime, modificando-se e adaptando-se em função desses elementos periféricos.

Diante dessas mudanças, tudo muda diante de nossos olhos; é preciso,

assim, nos indagarmos: que será do Direito no século que se abre diante de nós?

Será que o Direito, como pondera André-Jean Arnaud54, não estaria prestes a

evoluir de uma ordem “imposta” para uma ordem negociada, a produção das normas

jurídicas evoluindo de uma natureza autoritária para uma natureza “participativa”?

Gabriel Benedito Issaac Chalita55 aponta que

O século XXI apresenta uma enorme gama de desafios para o estudioso e o cientista do Direito. A sociedade em transformação exige uma resposta constante na solução de seus conflitos. A pessoa humana não é estática, não se satisfaz, e isso gera um conflito continuado de expectativas individuais e coletivas. Novas tecnologias, novas fontes de informação, novos domínios da ciência, e o Direito não pode ficar a margem pois que trata do mister de fazer justiça de restabelecer o sentido e a opção de vida em grupo que gerou a própria sociedade. Evidentemente, a sociedade contemporânea não tem um sentido de opção, o Estado se configura uma necessidade. Não há alternativa de se fazer parte ou não do Estado, a

causais. Ainda, segundo Maria Helena Diniz, a ciência jurídica é uma ciência social normativa, por tratar da conduta recíproca dos homens, não como efetivamente se realiza, mas como ela, determinada por normas positivas, deve realizar-se. Em sentido amplo, a ciência do Direito é qualquer estudo metódico, sistemático e fundamentado dirigido ao Direito. Em sentido estrito, a ciência do Direito, propriamente dita, a Jurisprudência, ou a Ciência Dogmática do Direito, consiste genericamente, no pensamento tecnológico que busca expor, metódica, sistematicamente e fundamentalmente as normas vigentes de determinado ordenamento jurídico positivado no tempo, estudar os problemas relativos a sua interpretação e aplicação, procurando apresentar soluções viáveis para os possíveis conflitos, orientado como devem ocorrer os comportamentos procedimentais que objetivam decidir questões conflitivas. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 216-231.

53CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. CXIII.

54ARNAUD, André-Jean. Globalização e Direito I: impactos regionais e transnacionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 3.

55CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e Direito. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica plural. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 229-245.

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

48

questão é de solução dos conflitos que se repetem e dos novos desafios gerados por novas posturas da sociedade.

Ou, de outra sorte, não se estaria caminhando para a idéia de um “Direito

flexível”, já que, há cerca de três décadas faz sucesso no campo da Teoria do

Direito, um livro de um célebre francês Jean Carbonnier56, que enfatiza justamente

esta necessidade de ultrapassar a rigidez que o normativismo abstrato do legalismo

e do conceitualismo conferiram ao Direito.

Atualmente, porém, a idéia de uma natureza flexível ao Direito tem outra

genealogia filosófica. Ela decorre do tópico, claramente pós-moderno57 do horror ao

“universal”, do horror ao “macro”, ao “holístico” e ao “geral”, decorrente disso

persegue-se a busca da “pequena dimensão”, do “particular”, do “flexível”.

Confluem daí duas correntes centrais da sensibilidade pós-moderna, a saber:

por um lado, o cuidado pela identidade particular, pela individualidade e pela

diferença, a que corresponde à rejeição da massificação, da indiferenciação e da

generalidade.

Ambas, no entanto, atingem em cheio a configuração do Direito das últimas

décadas, dominada pela idéia da generalidade das soluções, por razões de

economia, já que a definição genérica dos regimes jurídicos é mais econômica do

ponto de vista comunicacional, ao dispensar o estabelecimento de múltipos regimes

particulares. Mas, sobretudo, por razões político-ideológicas, nomeadamente, por

entender que o regime democrático tinha como primeiro corolário a generalidade das

leis, única forma de se garantir tratamento igualitário.58

Por outro, a proposta de um Direito flexível relaciona-se também com o

impacto que vem tendo na teoria das organizações das idéias de substituir a

estrutura burocrática por algo mais maleável e produtivo – uma organização flexível.

Tudo isso, também, para fazer frente, no campo nacional e internacional, aos novos

instrumentos paradigmáticos de controle sociais, cada vez mais complexos, que têm

surgido, especialmente, no campo da ciência e da tecnologia.

56

Cf. CARBONNIER, Jean. Flexible droit. Paris: Thémis, 1967. 57

O termo “pós-modernidade” será analisado oportunamente neste trabalho, no capítulo IV, quando será tratada a desconstrução no currículo jurídico.

58Cf. HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Portugal: Publicações Europa-América, 2003. p. 345-364.

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

49

Portanto, é, justamente, no contexto do nosso sistema de ensino brasileiro,

especificamente no campo da nova configuração de um currículo jurídico, que

devem ter início essas mudanças paradigmáticas na forma de ver e perceber o

mundo e transformar a nossa realidade.

E a justificativa para tanto é que o ensino do Direito, como vem sendo,

historicamente, desenvolvido mediante a construção de seu currículo jurídico, não

consegue mais suprir essas necessidades; e não o faz tão-somente porque os atuais

currículos jurídicos encontram-se moribundos!

Ademais, é inadequada a aplicação da metodologia e pedagogia do ensino

jurídico. Especialmente, ao optar por um paradigma curricular fixo, com programas e

matrizes curriculares isoladas e estanques, com ênfase no positivismo,

exclusivamente legalista.

O ensino e o currículo jurídico como vêm sendo ministrados, não vêm

estruturados em práticas pedagógicas direcionadas para a emancipação do

educando, mas sim a partir de algumas tradições culturais imbricadas às próprias

práticas do poder, ao qual eram destinados e para o que se treinaram os bacharéis

durante o período Imperial no Brasil. Portanto, quando se fala de ensino jurídico não

parece que se esteja a falar de uma estrutura curricular invejável, bem estruturada e

desenvolvida, cujas concepções pedagógicas fossem as mais arrojadas e as mais

eficazes, do ponto de vista da relação ensino/aprendizagem.59

Nesse sentido a visão filosófica, a intenção educativa e pedagógica do

currículo e da educação no ensino superior universitário, deve concentrar-se em

preparar para o trabalho, para a vida adulta e responsável, para a formação integral,

para o desenvolvimento pessoal do ser humano na sua totalidade.

Para o quê, impende-se que a educação e o currículo do ensino jurídico

superem o enfoque meramente legalista, tecnicista e burocratizante. Sobretudo, que

aproximem o Direito da sociedade, numa prática relacional, dialógica, cultural e

comunitária, visando à superação das desigualdades sociais.

As instituições de ensino devem considerar, na aplicação de seus currículos e

na metodologia do ensino jurídico, a abertura filosófica e cognitiva da pessoa

59

É esse o entendimento de BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 377.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

50

humana, em face da pluralidade e do relativismo60, mas, contemporaneamente,

deve-se considerar a importância da unidade de toda a humanidade.

A mudança dar-se-á, assim, em contextos de inteligibilidade e de sentido, nos

quais é possível e necessário o diálogo vivo entre o que passa e o que fica, entre o

que flui e o que permanece.

Ora, o mundo atualmente, marcado pela complexidade e pela incerteza,

demandará forçosamente do educando o desenvolvimento perante a diversidade e a

multiplicidade de novos saberes e de novas formas e fontes de informação e de

conhecimento. Um dos exemplos dados para a mudança – justamente o da

formação acadêmica – deve servir de paradigma para uma educação que se insere

num processo dinâmico de evolução, transformação e mudança.

No entendimento de Eliane Botelho Junqueira61, toda formação acadêmica

deveria apresentar

Um mínimo de conhecimento em humanidade, leitura, história, direito e política. Deve ter raciocínio verbal, facilidade de linguagem, fluência verbal, raciocínio abstrato, sensibilidade, desembaraço, iniciativa e domínio da linguagem escrita.

Quanto à formação profissional, crê-se que deveria apresentar uma sólida

formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de

conceitos e da terminologia jurídica, a que se somem argumentação adequada,

interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais.

Além, de postura reflexiva e visão crítica que fomentem a capacidade e a

aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensáveis ao exercício da

ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

60

Relativismo é a doutrina que considera todo o conhecimento relativo como dependente de fatores contextuais e que varia de acordo com as circunstâncias, sendo impossível estabelecer um conhecimento absoluto e uma certeza definitiva. Em sentido ético (relativismo ético), é a concepção que considera todos os valores morais como relativos a uma determinada época, podendo, portanto, variar no espaço e no tempo, não possuindo valores absolutos, nem caráter universal. O relativismo moral designa a posição daquele que recusa toda a moral teórica, propondo regras e prescrições universalmente válidas. Ainda, o relativismo científico é a atitude daquele que considera que, nas ciências não existe verdade definitiva, pois deve constituir uma apropriação progressiva, uma construção inteligível do mundo sempre aproximativa. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 233-234.

61Cf. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de graduação. Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior - ABMS. Revista de Estudos, Brasília, DF, n. 22, p. 3. Disponível em: <http://www.abms.org.br/Publicacoes/Estudos/22/est22-06.htm>. Acesso: 22 jun. 2008.

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

51

Formação essa que, em virtude das novas tendências existentes na

sociedade do século XXI, especialmente no Brasil, exige a formação de profissionais

que os capacita para:

formação humanística, técnico-jurídica e prática, indispensável à

adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das

transformações sociais;

senso ético-profissional, associado à responsabilidade social, com a

compreensão da causalidade e finalidade das normas jurídicas e da busca

constante da libertação do homem e do aprimoramento da sociedade;

apreensão, transmissão e produção criativa do Direito, aliadas ao

raciocínio lógico, reflexão crítica e consciência da necessidade de

permanente atualização;

correta utilização da linguagem – com clareza, precisão e propriedade –

fluência verbal e riqueza de vocabulário;

compreensão, interpretação, argumentação e aplicação do Direito;

equacionamento de problemas e de busca de soluções harmônicas com

as exigências sociais;

desenvolvimento de formas extrajudiciais de prevenção e solução de

conflitos individuais e coletivos;

visão atualizada do mundo e, em particular, consciência dos problemas

nacionais; e

julgamento e tomada de decisões.

Formação do bacharel essa que, do ponto de vista do sistema jurídico-

educacional, deixe de ser um simples enclausuramento curricular e disciplinar,

apenas um meio de adestrar o pensamento que condiciona e idiotiza o aluno de

Direito.

Urge, portanto, estabelecer uma via curricular viva, compreendida numa

perspectiva aberta e orgânica, dialeticamente integradora, perfazendo-se, portanto,

numa real possibilidade de capacitar e transformar o ser humano para a percepção

do seu mundo.

O papel do professor e da universidade, nesse contexto de mudanças,

relativamente à formação do bacharel em Direito precisa ser entendido como

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

52

transformador, nunca simplesmente casual. É dessa forma canhestra que se impede

a integração do Direito com diversas áreas do conhecimento.

Por isso, vale-se neste trabalho da Filosofia da Educação e da Filosofia do

Direito, que possibilitam sempre uma nova forma de pensar o mundo. Isso porque,

ambas fazem ver a possibilidade de outras maneiras de vida, fundamentados em

outros princípios e valores. E, a Filosofia do Direito possibilita uma forma mais

holística, crítica e equilibrada62 de pensar o agir humano, sobretudo, de

compreender63 e de realizar o Direito e a Justiça.

Gabriel Benedito Issaac Chalita64 afirma que isso ocorre porque a Filosofia

envolve, fundamentalmente

Uma mudança de postura diante da vida, descartando as explicações que nos foram impostas como verdadeiras e estabelecendo novas regras ao jogo. Passando a ver o mundo de maneira diferente, com um olhar mais atento e certeiro. Conhecendo além dos aspectos superficiais das coisas.

Nesse sentido, a Filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos,

sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é antes de tudo, um modo de se

colocar diante da realidade, constituindo-se num entendimento crítico e coerente que

possibilita a orientação teórica e, sobretudo, a ação prática cotidiana do ser humano.

Isso porque, todas as questões humanas são complexas e nenhuma interrogação se

62

Nesse sentido, conforme a obra de ARISTÓTELES, a definição de virtude que é, segundo o filósofo, a busca pelo equilíbrio e pela mediania em nossas ações diárias. A virtude moral encontra-se, segundo ele, no meio termo, pois é uma média entre dois vícios, um envolvendo o excesso, o outro a deficiência, porque seu caráter aspira ao que é intermediário. Assim segundo ARISTÓTELES, “a virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio termo-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao mais juto, é, porém um extremo.” ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. p. 273. (Livro II, Capítulo 6, § 1107ª).

63Sobre o método da compreensão como ato gnosiológico próprio das Ciências do espírito, merece leitura esta passagem de Carlos Cossio: “enquanto a explicação prossegue, sem cessar, na mesma direção assinalada pelo seu momento de partida, a compreensão, ao contrário, ao avançar depois da primeira referência, retorna ao ponto de partida e daqui, outra vez, ao referido, num círculo infinito que vai do substrato ao seu sentido e vice-versa. No conhecimento por explicação, qualquer retrocesso na direção seguida pelo espírito cognoscente é um recomeço e não aumenta conhecimento, pois o que já foi explicado ficou totalmente conhecido. Diversamente, tal como ao se avançar numa circunferência volta-se, sem para de uma antípoda à outra – verificamos que todo retorno em direção à etapa precedente aumentou o conhecimento por compreensão, levando-o mais adiante”. COSSIO, Carlos. La teoría egológica del derecho y le concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Losada, 1964. p. 78-79.

64CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 7.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

53

apresenta de forma isolada. Entende-se assim, que a grande crise que se vive no

ensino do Direito é uma crise de percepção fragmentada de saber e de mundo.

Vive-se, como diz Jean-François Lyotard, uma crise de legitimidade do saber,

de inspiração cartesiana, baconiana e newtoniana, ante o decréscimo do

imperialismo da razão (onisciente e onipresente), ao menos da noção histórica de

razão instrumental, associada exclusivamente aos critérios do progresso, da ordem

e da utilidade.

Nas palavras de Jean-François Lyotard65

A crise do saber científico, cujos sinais se multiplicaram desde o fim do século XIX, não provém de uma proliferação fortuita das ciências, que, por sua vez, seria o efeito do progresso das técnicas e da expansão do capitalismo. Ela advém da erosão interna do princípio de legitimidade do saber. Esta erosão acha-se em ato no jogo especulativo e é ela que ao desmanchar a trama enciclopédica na qual cada ciência deveria encontrar o seu lugar, as deixa emancipar.

O ensino do Direito, tal como se apresenta hoje, não satisfaz. As sucessivas

tentativas históricas de corrigi-lo têm sido infrutíferas.66

Tem-se, contudo, contemporaneamente, a possibilidade de encarar a solução

para esse problema a partir de uma revolução, no âmbito do próprio ensino-

aprendizagem, sepultando-se, assim, os seus currículos moribundos, cujos modelos

de saberes jurídicos, sociais e culturais, são formalmente constituídos em projetos

pedagógicos tradicionais.

É preciso, portanto, adotarem novos paradigmas, ainda não utilizados na área

do Direito, cujas alternativas busquem modificar as estruturas vigentes na teoria e na

prática, do ensino e do currículo do Direito.

Nesse sentido, a Filosofia do Direito pode possibilitar uma reflexão mais

crítica sobre as diretrizes e a grade curricular do ensino jurídico. Permitindo-se

assim, uma abertura epistemológica desejável para a elaboração e integração das

disciplinas, pois ela combate a fragmentação positivista e dogmática dos saberes por

sua própria natureza.

65

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. José Olympio Editora, 1989. p. 82. 66

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 287.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

54

Não se pode, contudo, fazer uma leitura parcial dos problemas. Simplificar o

complexo. Dar respostas simples, para intrincados problemas, não é a solução.

Edgar Morin adverte, nesse sentido, quanto à necessidade do pensamento e

da ciência humana para não reduzir, simplificar ou mesmo eliminar a complexidade

do mundo.

Segundo Edgar Morin67

É necessário educarmos nosso pensamento justamente para os desafios da complexidade. Pois o pensamento e a inteligência que só sabe separar, rompem o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona os problemas e unidimensiona o multidimensional. Essa inteligência é cada vez mais míope, daltônica, e vesga; termina a maior parte das vezes cega, porque destrói todas as possibilidades de compreensão e reflexão, elimi-nando na raiz as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando na raiz as possibilidades de um juízo crítico e também as oportunidades de um

juízo corretor ou de uma visão a longo prazo.

O currículo jurídico e suas diretrizes constituem-se um conjunto articulado e

normatizado de saberes, regido por determinada ordem, instituído numa arena na

qual se embatem visões diferenciadas de mundo, onde se produzem, elegem e

transmitem representações, discursos, narrativas e significados sobre as coisas e

seres do mundo.

Entendido assim, como um núcleo que corporifica o conjunto de todas as

experiências cognitivas e afetivas proporcionadas aos estudantes no decorrer do

processo de sua formação, conjunto envolvido, entretanto, com a produção de

identidades individuais, coletivas e sociais, jurídicas, filosóficas e culturais

particulares.

É esse conjunto articulado que, com efeito, impulsiona os seres cognoscentes

em determinada direção, ou seja, à educação.

Do ponto de vista da Filosofia do Direito, o currículo, seus elementos e suas

diretrizes dizem respeito, ainda, a uma nova configuração epistemológica do

conhecimento jurídico, tendo em vista que, como possibilidade de (des)construção,

subentende-se que, as várias formas que o currículo assume, obedecem a

discursividades diferentes, questionamentos diversos.

67

MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17.

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

55

No aspecto filosófico, a configuração do currículo jurídico trata-se do seguinte

questionamento existencialista68: “O que se faz agora daquilo que fizeram do

currículo jurídico, no passado?”

Problematiza-se, sob esse prisma, qual é o novo conteúdo, a nova cultura que

vai ingressar nas escolas por intermédio dos currículos a partir da constatação da

crise do ensino jurídico? Ou seja, o problema que vai pôr no curso de Direito, quais

são os valores que vão ingressar na instituição educativa. Ainda, sob o aspecto da

seleção dos conteúdos, indaga-se o que se constituí mais adequado na mediação

dos currículos de Direito?

Nesse sentido, questiona-se, nesta tese, a estrutura, ou seja, a forma, a

configuração do currículo, a fim de dar-lhe significado e intencionalidade a partir da

proposição de um sistema de interpretação epistemológica aberta, tendo em vista, o

currículo jurídico constitui-se numa representação do universo do conhecimento, que

influenciado por diferentes percepções de mundo, onde não se deixará de

reconhecer a contribuição da Filosofia da Educação e do Direito.

O currículo é local em que habitam filosofias, modos de pensamento de uma

época, culturas diversas, resultantes das intencionalidades que o produzem, nos

diversos tempos e nos mais diferentes lugares.

O currículo é, ainda, lugar de escolhas, representações, transgressões, local

de poder, de inclusões e exclusões, produto de uma lógica normativa que nem

sempre é a expressão do sujeito, mas muitas vezes, imposição heterônoma do

próprio ato discursivo.

Na acepção perspicaz do educador português João Formosinho69, o currículo

não pode configurar-se, por isso como de “tamanho único, e uniforme; pronto-a

vestir-se.”

É preciso, portanto, (des)construir os elementos, as diretrizes, a estrutura, a

organização e o funcionamento de caráter hierarquizante do currículo, de

68

É de Sartre a seguinte afirmação: “O essencial não é o que foi feito do homem, mas o que ele faz daquilo que fizeram dele”. O que foi feito dele são as estruturas, os conjuntos significantes estudados pelas ciências humanas. O que ele faz é a própria história, a superação real dessas estruturas numa práxis totalizadora. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1998. p. 117, (grifo nosso).

69FORMOSINHO, 1995, apud MACHADO, F.; GONÇALVES, M. Currículo e desenvolvimento curricular. Portugal: Asa. p. 262-267.

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

56

perspectiva epistemológica autoritária, excludente e tecnicista que ceifa e

empobrece todas as possibilidades ricas e criativas das experiências práticas no

ensino do Direito.

Nesse contexto, quando surge um sem-número de perguntas sem que se

encontrem respostas satisfatórias, é preciso recorrer à Filosofia da Educação70,

paralelamente à Filosofia do Direito, a fim de fixarmos os critérios e balizas de uma

melhor interpretação epistemológica e teleológica e também dos meios

educacionais, averiguando a evolução do direito do homem à educação na história

do pensamento filosófico.

Portanto, a valorização dos fundamentos filosóficos da Educação e da

Filosofia do Direito, como áreas imprescindíveis71 para esclarecer e enriquecer as

estruturas curriculares na seara da construção do currículo jurídico se faz imperiosa.

1.2 Conceito de Educação

A educação é uma das atividades mais elementares do homem: ela se

inscreve no princípio fundador e formador do desenvolvimento dos indivíduos e da

sociedade. Esse sentido indica que a educação é um princípio universal, descrito

como fundamento antropológico que liga o indivíduo à sua espécie, à sociedade, à

linguagem e à cultura.

Movimento esse que designa um processo que vincula um sujeito ao seu

meio ambiente, a um sistema de sociedade, de cultura e de valores, onde tomam

lugar, muito especial as instituições de ensino.

Nesse diapasão, conforme aponta Franc Morandi, “ela se renova sem cessar,

no duplo sentido de novidade e de devir, por meios do nascimento, mas igualmente

pela evolução da sociedade”.72

70

Esse entendimento é partilhado por MUNIZ, Regina Maria Fonseca, especialmente, na sua obra: O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 12.

71Nesse sentido, aponta-se a impactante obra de Emanuel Oliveira Medeiros, professor na Universidade dos Açores, doutor em Educação, na especialidade da Filosofia da Educação. Para perspectiva filosófica, veja-se MEDEIROS, Emanuel. A Filosofia como centro do currículo na educação ao longo da vida. Portugal: Instituto Piaget, 2005. passim.

72MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Tradução de Maria Emília Pereira Chanut. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 19.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

57

Entretanto, a educação não pode ser definida simplesmente como algo que

ocorre somente nas escolas. Embora, em sentido restrito, a educação envolva a

transmissão de saberes inscritos em cada ser humano, em um local específico

denominado escola. Sendo, neste aspecto, o seu objetivo limitado, determinado a,

por exemplo, a instrução, a especialização, a adaptação, a habilidade, a formação

de hábitos, estabelecendo-se, portanto, uma dicotomia assim entre educação e

instrução.

Porém, nessa conceituação é preciso ter cautela, pois, como todo mundo

sabe, e como bem nos advertem Marie-Claude Bartholy e Jean-Pierre Despin73,

pode “existir alguma coisa podre no reino da escola”.

A escola se tornou cada vez mais o lugar onde o acessório é tomado como se

fosse o essencial e onde o essencial passa por substância. Reino, onde não se

educa mais e se ensina cada vez menos o saber fundamental para a formação do

ser humano, ainda, onde se abarrotam os jovens com excesso de pseudo-saberes, e

de informações. Por outro lado, não nos deixemos levar pelo radicalismo. Não se

defende aqui o “mundo sem escolas”, como faz Ivan Illich.74

Contudo, é preciso considerar-se que o ato de ensinar envolve muito mais do

que a práxis - sinônima de prática real – em que o educando e o educador

interagem, no processo de ensino-aprendizagem, além do espaço físico da escola.

73

BARTHOLY, Marie-Claude; DESPIN, Jean-Pierre. La gestion de l' ignorance. Paris: PUF, 1993. p. 1.

74Ivan Illich (1926) nasceu em Viena, estudou Filosofia e Teologia em Roma, onde ordenou-se padre. De descendência judia, fala fluentemente nove idiomas. Em 1956 chegou a Porto Rico como vice-reitor da Universidade Católica. É considerado um dos autores mais radicais e humanistas de nosso tempo. Radical não só pelo conjunto de suas idéias e suas atitudes de vida. Illich sugere que não precisamos de escola alguma, pois segundo ele, os conhecimentos são adquiridos fora da escola. Ele pensa que as pessoas podem ser educadas no trabalho, em casa e onde estiverem durante suas atividades cotidianas. Propõe, no entanto, o uso de “redes de aprendizagem”, pelas quais as pessoas poderiam trocar informações e talentos com os outros. Illich faz também uma advertência para os países industrializados, e uma advertência para os países de Terceiro Mundo, alertando quanto ao caos que o modo de produção, tal como se dá no Ocidente, tem gerado. Com efeito, uma sociedade destruída, um homem desarraigado, uma desnaturalização e o indivíduo enclausurado na sua alienação, impotência e frustração. Sua crítica também é direcionada ao que ele chama de instituição do bem estar social (a escola segundo ele faz parte desse bloco), com seu “estilo industrial” que é etiquetado como “educação” e, é vendida para todos os lados. Ivan Illich faz também uma crítica severa ao sistema escolar, que entende ser uma estrutura reprodutora e justificadora do tipo de sociedade em que vivemos, caracterizada fundamentalmente pela industrialização crescente e pelo ilimitado consumo. Reportamo-nos, neste sentido, a obra de Ivan Illich mais conhecida: Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 21, 37-38, 44, 96, 124-29.

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

58

A educação deve envolver o indivíduo, a família, a comunidade, a sociedade,

e o Estado. Logo, a educação, não se deve restringir somente ao âmbito escolar. Ao

contrário, deve ser entendida na sua dimensão maior de sentido e finalidade, para

designar tudo aquilo que se pode fazer para desenvolver o potencial humano na sua

totalidade, pois o ato de ensinar é muito amplo, e deve ser compreendido não

somente como uma atividade de organização e transmissão do conteúdo curricular,

que visa apenas ao fornecimento de informações, ou ainda, à transmissão de

conhecimentos científicos e tecnológicos, num local restrito que se refere ao mundo

exterior.

Desde o singelo desafio de fazer nascer o entusiasmo, provocar a

necessidade de aprender, da descoberta da paixão pelo conhecimento, enfim,

suscitar a alegria da descoberta, conferindo a capacidade do ser humano de dirigir-

se conforme suas próprias reflexões e experiências internas, sobretudo,

desenvolvendo assim o autoconhecimento.

Nessa dimensão, a prática pedagógica se refere a formas de produção e

práticas culturais que são intrinsecamente históricas, políticas, culturais e também

filosóficas.

Como aponta Antonio Joaquim Severino75

O homem está envolto em tríplice universo de mediações de sua existência real, pois os homens existem como organismos vivos que atuam praticamente intervindo sobre a natureza, relacionando-se com seus semelhantes e produzindo/fruindo cultura. Saber o que é o homem é caracterizá-lo mediante as práticas que ele desenvolve nessa tríplice dimensão. O indivíduo só é humano na exata medida em que pode existir.

Universo de mediações, ainda, onde o que se está em jogo é o fazer

despertar o espírito crítico das pessoas para a pesquisa e as descobertas no tocante

a matérias tão vitais quanto o próprio espírito, atingindo tudo que se refere às

experiências internas, sobretudo de auto-conhecimento, ato de entrar em si para que

desta forma possa trazer sua interioridade à consciência, a revelar a própria

subjetividade.

Ampliando assim, os horizontes, e levando os interesses para além do

imediato, do limitado no auto-enclausuramento.

75

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 51.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

59

Objetivando, ainda, a formação dos nossos próprios juízos, de uma cultura

própria a cada um a fim de dilatar a personalidade do ser humano na sua dimensão

de sentido, aprendendo, com efeito, a pensar solidariamente e em comum, e na

comunidade dos homens.

A prioridade da educação deve ser focada para uma formação completa,

integral, de uma pessoa pepaideumenos (cultivada), em oposição a apaideuton

(inculta), embora isso não impeça o indivíduo de ser bem sucedido em um ofício em

particular. Contudo, a formação completa deve ser aquela que permite alcançar a

virtude, que desperta no indivíduo o desejo apaixonado de tornar-se um cidadão

realizado e justo.

É, com efeito, esse paradigma de educação que merece ser chamada de

Paidéia.76

Segundo Platão77, a autêntica Paidéia é a formação do homem para sua

totalidade e autonomia, na sua “arete” total. Contudo, o termo Paidéia (παιδεία) pode

ser empregado, modernamente, para designar: civilização, cultura, tradição,

literatura ou educação.

Nenhum destes significados, no entanto, coincide com o que os gregos

entendiam por Paidéia, para eles um atributo da educação para valentia, para

prudência, para a astúcia e para a justiça. Por sua vez, o termo arete designa toda a

excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e em todos os

seus domínios.

Em As Leis78, Platão lembra que a cultura pessoal, que une a educação dada

por um Estado e a conduta de cada um, advém aos melhores homens “como o

primeiro dos privilégios”.

A educação transforma-se, assim, em um verdadeiro projeto coletivo na

sociedade grega, entre vida pessoal e vida coletiva. A Paidéia, portanto, é mais do

76

A esse propósito veja-se a clássica obra de JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

77PLATÃO. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. p. 630C8; 630. E, nesse sentido, o estudo do significado da palavra que serve de título à obra é magistralmente trabalhado por Werner Jaeger, que conduz à revelação de seu conteúdo. Cícero preferiu traduzir o termo παιδεία para o latim, usando o termo “humanitas”. Em acréscimo, pode-se citar aqui Werner Jaeger, para quem “o conceito de arete esteve desde o início estreitamente vinculado à questão educativa”. JAEGER, Werner, na obra de sua autoria Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 25.

78PLATÃO, op. cit., nota 77.

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

60

que educação ministrada somente nas escolas, é mais do que mera organização

social: é um ideal comum que deve se realizar na cidade.

O desafio é, justamente, encontrar para o nosso tempo o equivalente ao

homem cultivado, no sentido de ser capaz de elaborar seus próprios julgamentos.79

Considerando isso tudo, é fácil perceber que a palavra “educação” carrega,

contudo, inúmeros sentidos e significados.

Veja-se assim, um desses significados, no Grande Dicionário Larousse

Cultural da Língua Portuguesa80, onde se encontra a seguinte definição, no seu

verbete educação:

Educação, do latim educatio: ação de criar; alimentação, instrução, educação:

1º) ação de desenvolver as faculdades psíquicas, intelectuais e morais;

2º) resultado dessa ação;

3º) conhecimento e prática dos hábitos sociais, boas maneiras.

A palavra parece, na realidade, dificilmente conter todas as significações do

fenômeno complexo que a designa, e pelo fato de conter sob a mesma raiz sentidos

diversos, expressando concepções de educação diferenciadas.

Constata-se, assim, que é da própria análise etimológica dos termos latinos

educare (cuidar de, nutrir, alimentar, cultivar, manter) e educere (fazer sair, conduzir

para longe de si), origem etimológica do verbo educar que reflete, todavia essa

pluralidade de significados.81

Dessa maneira, se, por um lado o termo educare compreende um processo

de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano em

geral, visando a sua melhor integração individual e coletiva. Por outro lado, educere

significa sair, conduzir para longe de.

Educare significaria assim cuidar, alimentar, nutrir, ministrar o necessário para

a sobrevivência e o necessário desenvolvimento da personalidade. Educere, por seu

79

PLATÃO. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. p. I, 643b 644b; II, 653b 4, c 2; 654c 7, d 2; 656b 2-3; 660a 3; III, 689a 5-7; IV, 751d 1-2; 752c 3-4. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. II, 366 c 6-7; III, 401 c 402 a. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. VII, 13-15, 13331b 24-1334b 28; 17, 1336a 28-1337a 7; VIII, 1-7, 1337a 11- 1342b 34.

80Cf. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 340.

81Cf. SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo Dicionário Latino-Português. 11. ed. Rio de Janeiro; Belo Horizonte: Livraria Garnier. p. 405.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

61

turno, aponta para o significado etimológico de capacidade interior do educando,

cujo desenvolvimento só será decisivo se houver um dinamismo interno.82

Franc Morandi83 considera, no entanto, que essa falsa etimologia da palavra é

também uma metáfora que sugere o acompanhamento do educando e do educador

participantes da obra educativa, assim como uma dimensão de porvir, de história

e/ou desenvolvimento pessoal.

A questão da educabilidade é ilustrada por outros termos que emergem desde

a Antiguidade, do Renascimento, até os nossos dias. Diz respeito, em síntese, ao

princípio de educabilidade do homem como ser social, racional, jurídico, político,

ético, espiritual, estético, psicológico, físico, cultural e emocional.

É preciso salientar que esse “princípio da educabilidade”84 é ilustrado por

outros termos dos quais deriva o pensamento educativo, dentre eles, destacam-se:

a) Paidéia grega que designa ao mesmo tempo a técnica, o cuidado com a

criança, o resultado do esforço educativo, uma cultura;

b) a Bildung que é ao mesmo tempo a figuração (Bild: imagem) e educação;

c) a Instrução, termo associado à escola, que descreve um outro aspecto, o

da instrução pública como vínculo político, garantia de uma cidadania;

d) a Infância, que liga a idéia a uma dependência, designando tanto as

crianças quanto homens de baixa condição.

Essa infância, metáfora da humanidade, entre compreensão e história, é

também, desde Nietzsche85, uma figura e um princípio crítico da filosofia.

A infância, como respondente da educação, significa uma disposição para ser

educado. Nesse sentido, a Filosofia questiona: ela é a sua destinação?

Educação significa, ainda, a busca da autonomia, da liberdade, a procura do

homem pela autodeterminação.86

82

MARÍN, Ricardo Ibáñez. Posibilidad y necessidad de la educación. In: MASOTA, Altarejos. (Org.). Filosofia de la educación hoy. Madrid: Dykinson, 1991. p. 376.

83MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 18.

84Cf. Ibid., p. 18-19.

85NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre Educação. Tradução e apresentação de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC; Loyola. 2003. passim.

86Nesse sentido, Andraci Lucas Veltroni Atique, na sua recente tese de Doutorado defendida perante Banca na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC define o conceito de educação, bem como analisa, com muita propriedade todo o sistema de pós-graduação no federalismo brasileiro. Veja-se sua tese já publicada. ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni. Federação e competência para legislar: estudo de um caso. Bauru: EDITE, 2006. p. 93-140.

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

62

Nesse diapasão, a concepção de educação libertadora87 como conjunto de

conhecimentos compartilhados entre dois sujeitos pensantes, na busca de

significados comuns, é uma ação que decorre independentemente da intenção, mas

que só pode ser reconhecida como libertadora quando percebe o homem social em

constante transformação e crescimento e assim se faz atuar.

É a educação que não omite fatos, não passa a mão na cabeça, não carrega

no colo. Ao contrário, conscientiza, instrumentaliza, respeita. Cumpre assim, um

papel especificamente humano e, para tanto, é necessário que o educador

reconheça a natureza humana de seus alunos, suas necessidades, manifestações,

sentimentos, além de saberes específicos à prática docente e às metodologias que a

legitimem.

Educação que envolve a formação do educando em um ser crítico, que

pensante, agente e interveniente no mundo sente-se dessa maneira capaz de

transformá-lo. Para isto, precisa ter conhecimento do mundo e analisá-lo

criticamente.

Configura-se, portanto, com o crescimento da consciência crítica, na

construção de uma sociedade mais igualitária, justa e solidária, onde as pessoas

realizem plenamente seu potencial humano.

A educação é a força responsável pelo dinamismo capaz de romper as

barreiras das desigualdades em busca de uma sociedade justa e democrática, capaz

de despertar aptidões, cultivando o espírito aberto para novas experiências; é

pressão dos fatos e a crítica fundamentada em argumentos válidos, convincentes e

lógicos.

Nesse mesmo sentido Theodor Wiesengrund Adorno88 concebe a educação

Não uma moldagem de seres humanos, não a mera transmissão do saber, cuja característica de coisa morta, retificada, já foi suficientemente explicitada; e sim a consciência verdadeira, de grande significado político; pois uma democracia, não se propõe apenas a funcionar, mas a proceder de acordo com seu conceito, exige homens emancipados. Uma verdadeira democracia só pode ser concebida como sociedade de quem é emancipado.

87

Conforme apontam VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes; BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de Educação em Paulo Freire. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Mack Pesquisa, 2006. p. 88.

88ADORNO, Theodor Wiesengrund. A indústria cultural e a sociedade. São Paulo: Nacional, 1978. p. 234.

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

63

Sob essa perspectiva é preciso considerar que, embora a educação exija

consciência e emancipação dos seres humanos, não se pode negar que a educação

é o processo por meio do qual os indivíduos assemelham-se e diferenciam-se.

Por meio dela, tornam-se iguais, mas também, tornam-se diferentes uns dos

outros, tendo em vista que a educação é o movimento dialético que permite a

homens e mulheres apropriarem-se da cultura, estabelecendo com ela uma unidade,

uma proximidade.

Não se pode olvidar, no entanto, que a ação educativa só se torna

compreensível e eficaz se os sujeitos nela envolvidos tiverem clara e segura

percepção de que ela se desenrola como uma prática político-social.

Nesse mesmo sentido aponta o pensamento de Paulo Freire, para quem a

educação é também um ato político, que evidencia a não-neutralidade do seu papel.

Segundo Paulo Freire89:

A educação libertadora pode fazer isto mudar a compreensão da realidade. Mas isto não é a mesma coisa que mudar a realidade em si. Não. Só a ação política da sociedade pode fazer a transformação social e não o estudo crítico em sala de aula.

Para essa concepção, é preciso rejeitar a visão de ensino exclusivamente

técnico90, com a transmissão de um conhecimento acabado, imutável, e propor um

conhecimento em construção, que veja a educação como um compromisso político

prenhe de valores éticos e morais.

Por essa perspectiva, visa-se a aprimorar a formação dos alunos e dos

professores para a construção de saberes pertinentes com sua função na sociedade

para consecução de objetivos em direção à realização de um projeto sócio-cultural

da humanidade, visando a uma transformação emancipatória de responsabilidade

coletiva, por meio da educação e, em sentido amplo, e pela mediação dos próprios

currículos.

Caminhando para uma síntese, pode-se apresentar a seguinte configuração:

89

FREIRE, Paulo; SHÖR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. p. 25.

90Ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção. Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 47.

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

64

Quadro 1 – Síntese da concepção da educação nos diversos processos formativos:

1° - Educação produto social - compreendida como a transmissão de conhecimentos e valores sócio-culturais dos mais velhos às novas gerações. Nesse sentido o processo formativo é visto como “algo exterior” que se acrescenta ao indivíduo.

2° - Educação processo de desenvolvimento do indivíduo - concebida como processo de desenvolvimento das potencialidades e capacidades dos indivíduos. O processo formativo é considerado aqui, como “algo interior” que se extrai do indivíduo.

3° - Educação como processo de interação indivíduo-sociedade - compreendida como processo de formação global do ser humano, onde os aspectos biológicos, cognitivos, psicológicos, afetivos, sociais e culturais são importantes, existindo uma interferência dos fatores externos (social e cultural) na formação do indivíduo e as modificações destes vistos como fatores de interferência no meio social.

4º - Educação como um processo cultural - pelo qual o indivíduo adquire sua personalidade cultural, ou seja, adquire primeiramente a visão de mundo, da cultura a que se pertence.

Essa quarta configuração apresenta-se como síntese das primeiras. A cultura

nesse aspecto é entendida em sentido amplo, como a transformação que o homem

exerce sobre a natureza, mediante seu trabalho, instrumentos e idéias, bem como,

os produtos daí existentes.

Nesse processo cultural, o homem se torna produto de si mesmo e cria meios

para satisfazer suas necessidades. Com efeito, esse processo de aprendizado

principia ao nascer, com a família, de quem o homem recebe o que se convencionou

denominar socialização.

Na socialização aprende-se a constituir o mundo, emprestando-lhe as

significações dadas pelo aprendizado da língua; posteriormente insere-se em grupos

sociais maiores (o bairro, a cidade, o país, o mundo), e, definitivamente, em seu

ambiente cultural.

Num conceito clássico, chama-se cultura91 à produção intelectual de um

povo, da qual resultam manifestações espirituais, como por exemplo, as artísticas,

as filosóficas, as jurídicas, as científicas. Essas atividades, porém, só podem

aperfeiçoar-se pela transmissão de conhecimentos adquiridos através das gerações,

e pela assimilação de comportamentos.

A cultura constitui-se como uma mediação codificada entre os seres

humanos; por isso é necessário aprender a decifrar o sentido dos símbolos culturais,

91

Conforme aponta NISKIER, Arnaldo. Filosofia da Educação: uma visão crítica. São Paulo: Loyola, 2002. p. 240.

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

65

e também aprender a emitir as mensagens utilizando um código que os outros

possam entender.

Esta questão adquire uma grande importância para a tarefa educativa, pois a

educação é também o processo pelo qual a própria cultura é entregue por uma

geração à seguinte. E, como resultado dessa transmissão, desenvolvem-se estados

mentais e volitivos em quem aprende. A educação é compreendida, de maneira

dialética, holística, que integra as diferentes visões de mundo.

Educar significa, assim, colocar o indivíduo/aprendiz em contato com os

sentidos que circulam em sua cultura, por gerações pretéritas, para que assimilando-

os, o indivíduo possa nela viver. Essa assimilação, no entanto, não deve

subentender uma atitude passiva do sujeito.

Não se trata, portanto, de impor sentidos ao educando. Pois, educar significa

basicamente permitir ao indivíduo a eleição de um significado que norteie sua

existência.

Como processo cultural, educar-se diz respeito ao aprendizado dos valores e

dos sentimentos que estruturam a comunidade em que vivemos.

O conceito de cultura nessa acepção92, diz-se que ela é a herança de valores

e objetos compartilhados por um grupo humano de relativa coesão. Contudo, quer

se trate de transmissão de comportamentos considerados válidos, quer se trate de

manifestações espirituais, os modelos de comportamento e de ideais dependem do

ambiente e da classe social a que se pertence.

Sob essa perspectiva, é lícito supor-se que não há uma única cultura: há

tantas culturas quantos grupos sociais existam, ou seja, uma sociedade de classes.

Assim, tem-se uma cultura intelectual, outra popular; uma cultura de rico e outra de

pobre, o que não é rigorosamente desejável.

Sendo a sociedade heterogênea, a produção cultural depende da posição

social do grupo ao qual o indivíduo está integrado. Não pode haver então, uma só 92

Por outro lado, Thomas de Koninck indica aspecto diverso da palavra cultura, ligado a sua etimologia. Assim, segundo KONINCK, a palavra cultura (do verbo latino colo) destaca ao menos três outras noções principais: a de cuidar, formar, se ocupar de, velar; a noção de culto, respeito, consideração e, ainda, a noção do lugar onde habitualmente se está, lugar onde se habita. Trata-se do tema cuidado, da preocupação e da formação da alma. KONINCK, Thomas de. Filosofia da Educação: ensaio sobre o devir humano. São Paulo: Paulus, 2007. p. 15. Tema que, com efeito, tem em Sócrates uma figura singular e que está no coração de toda a tradição filosófica ocidental até os nossos dias.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

66

cultura, mas várias culturas. Além das diversas formas de cultura, existe a cultura de

massas, veiculada pelos meios de comunicação, que muitas vezes impõe padrões.

A Pedagogia93 nesse contexto não deve a rigor separar a função cultural da

educação, da sua função social e política ou jurídica, como quer a visão marxista;

negar que a educação seja a preparação do indivíduo para ocupar um lugar na

divisão social do trabalho.

Em qualquer dos aspectos, a cultura encontra seu instrumento principal na

educação que, ao mesmo tempo, que cultiva o indivíduo, promove sua integração

social, política e econômica, jurídica.

Com efeito, os indivíduos que não têm oportunidade de adquirir cultura

pessoal, por meio da educação, ficam culturalmente dependentes de sua origem

social. O seu próprio destino social irá reproduzir sua origem social e as

conseqüentes diferenças.

Ao conceber-se a educação como cultura do indivíduo, sem levar em conta as

desigualdades e as lutas sociais para definição dessa cultura, a educação, mediante

o aprendizado, expulsa essas desigualdades.

Ao colocar a cultura individual como fundamento essencial da educação, a

Pedagogia considera que as estruturas e as lutas sociais são essenciais.

Em contato com a multiplicidade de sentidos de nossa cultura, na realidade

existencial de cada educando, a capacidade crítica para compreendê-los é, no

entanto, fundamental. E, central para que a aprendizagem ocorra. Nisso reside a

capacidade criadora: construir a partir do existente, dar um sentido que norteie a

ação no mundo, dos seres humanos. Ou, de outro modo, buscando valores e

significados dentre os vários provenientes da estrutura cultural. Necessário que se

diga, entretanto, que esses valores não podem ser impostos de forma arbitrária.

93

Franc Morandi define Pedagogia “como princípio das ações de educação, de ensino e de formação; ensinar, aprender, instruir e formar dependem ao mesmo tempo da atividade pedagógica e da ordem das idéias que guiam seu exercício. Enquanto disciplina, a pedagogia é constituída pelo conjunto dos conhecimentos, das referências e das coerências na matéria, examinadas sob forma de métodos e de modelos”. Nesse sentido, as ações de formar e de ensinar tornam-se cada vez mais profissionais. A pedagogia, que elabora seus conceitos, constitui-se um campo de referências incontornável, assim tem por objeto a parte sistemática da atividade humana que dirige as ações de educação e formação, tem princípios e métodos próprios, define uma função, descreve uma conduta específica, socialmente construída principalmente na escola e nas instituições formadoras. MORANDI, Franc. Modelos e métodos em Pedagogia. Bauru: EDUSC, 2002. p. 7-9.

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

67

Plena de significado e sentido é a concepção de educação apresentada por

João Francisco Duarte Jr.94, para quem:

A educação é, fundamentalmente, um ato carregado de características lúdicas e estéticas. Nela procura-se que o educando construa sua existência ordenadamente, isto é, harmonizando experiências e significações. Símbolos desconectados de experiências são vazios, são insignificantes para o indivíduo. Quando a educação não leva o sujeito a criar significações fundadas em sua vida, ela se torna simples adestramento: um condicionamento a partir de meros sinais.

Essa definição toca, porque integra o ser humano naquilo que se entende ser

de mais essencial na sua constituição dentro do processo educativo, pois ela

defende a integração do homem na sua razão e na sua sensibilidade.

Definição plena de significado, também porque, resiste à divisão patológica,

muitas vezes, imposta pela própria cultura do homem dito “civilizado”, entre razão e

sentimento; como sendo dois compartimentos estanques, em que o primeiro se

sobrepõe ao segundo, em busca das “verdades” da vida.

No que tange à instituição de ensino, por comodismo ou acomodação, a

escola vem ignorando a função cultural ou colocando-a em posição secundária. O

ensino formal, em que a escola é especialista, situa-se aquém da validade da

dinâmica dos grupos sociais, contentando-se em propagar uma cultura imposta de

cima para baixo, mediante o domínio ideológico da formação do aluno.

Essa cultura, todavia, imposta em âmbito nacional e de forma heterônoma

pelo domínio dos currículos e outras atividades escolares, contrasta com a liberdade

do homem e cria obstáculos ao processo cultural. A idéia da cultura em si não é

ideológica, mas se torna ideológica quando é utilizada para justificar a dominação.

Para Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron95, toda a práxis educativa, todo

ato pedagógico, é sempre uma violência simbólica. E, o ensino do Direito não foge a

essa regra.

94

DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. Campinas: Papirus, 2005. p. 61.

95Violência simbólica é aqui entendida no sentido de imposição arbitrária de determinada cultura voltada a reprodução de um tipo específico de estrutura das relações sociais. É preciso ter sempre em perspectiva que mediante a imposição de um determinado viés cultural ensinam-se os sujeitos sociais a enxergarem a sociedade de uma determinada forma, e, conseqüentemente, a conceberem-na como correta. Segundo Bourdieu e Passeron, “toda a ação pedagógica (AP) é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbítrio cultural”. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 20.

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

68

Isso significa que ensinar o Direito é também uma forma de acatar o Direito.

Ou seja, de aceitar, mediante um sutil processo de dissimulação, reprodução e

justificação ideológica, os valores, os conceitos, as categorias etc., que

correspondem a uma formação social e política específica.

Daí a importância de uma permanente vigilância epistemológica e de uma

crítica metodológica capaz de propiciar contraleituras ideológicas, já que jamais

haverá educação nem pesquisa que possam ser consideradas neutras, tanto das

normas jurídicas quanto das próprias doutrinas sobre o Direito Positivo.96

No que tange ao ensino jurídico, é preciso assim considerar que há uma luta

no interior da educação jurídica, aliás, dentro do próprio sistema de ensino do

Direito, que se externaliza mediante a transmissão de uma cultura conservadora

versus a necessidade de criação de uma nova cultura, tarefa revolucionária da

educação.

Porém, essas duas forças seriam apenas horizontes opostos, em direção aos

quais a educação tenta caminhar, mantendo a pressão, o conflito, a dialética entre o

velho e o novo, entre a reprodução e a transformação.

A educação do Direito, como conhecimento para a vivência, deve constituir-se

além de um saber (paradigma antigo/reprodução), o conhecimento jurídico é um

saber-fazer, (novo paradigma/transformação) constituindo-se conforme assevera

Jacy de Souza Mendonça97:

Num conhecimento teórico-prático, o Direito é uma técnica, porém uma técnica para a realização da Justiça, como toda técnica não é apenas um fazer, mas um saber-fazer, ou seja, um conhecimento para a prática. Filósofos e cientistas do Direito não devem estar voltados à pura contemplação de um objeto neutro, mas valoram condutas, com a missão de transformá-las. Esta transformação, em seus momentos críticos, faz-se pela coação, mas a forma ideal de obtê-la é pela educação de todos, para que coexistam na busca do bem comum, pela criação de idéias-força na consciência dos cidadãos, geradoras do hábito, da virtude de proceder com justiça.

No seio do processo educativo no âmbito jurídico é necessário considerar o

que permanece dos paradigmas antigos, aquele entre a imposição de significações

já construídas, considerando por outra via, a missão transformadora e a construção

96

Cf. FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987. p. 39.

97MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 74.

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

69

por parte dos educandos de seus próprios significados (conceitos). É preciso

considerar ainda, que numa dada sociedade, sempre uma das tendências acaba por

dominar.

Além disso, é preciso considerar que o conceito de educação, nem sempre é

entendido dentro da perspectiva integradora constituída pelos elementos culturais,

lúdicos, estéticos, transformadores e, portanto, imprescindíveis ao verdadeiro

princípio da educabilidade e dignidade98 do homem.

Indaga-se, nesse sentido: como transmitir, como levar o educando a conhecer

o antigo e o existente, sem que a educação adquira o caráter de adestramento e de

dominação?

A par disso, ao falar-se em educação, implicitamente sempre se estará

falando de uma determinada teoria do conhecimento99, isto é, uma teoria que

fundamenta e explica a maneira e o processo pelos quais o homem vem a conhecer

o mundo.

Ocorre que o conceito de educação sofreu influência das mais diferentes

concepções filosóficas no campo da teoria do conhecimento ao longo da história da

humanidade, o que certamente refletiu na concepção e configuração dos seus

currículos, dos seus elementos e de suas diretrizes.

Isso ocorre porque, as diferentes concepções filosóficas de educação ao

longo da história, bem como a configuração econômica, política, jurídica e cultural do

Brasil, ao longo dos anos, determinaram, sobremaneira, a história atual dos

currículos no ensino de Direito do nosso país.

98

Gabriel Ghalita adverte-nos que “o elemento fundante do processo constitucional é a Dignidade da Pessoa Humana, é a mola primeira, propulsora para a compreensão de todo o sistema constitucional e do sistema infraconstitucional. A dignidade da pessoa humana orienta a leitura e compreensão dos objetivos da República Federativa do Brasil que no seu art. 3º, inciso I, fala em construir uma sociedade livre, justa e solidária”. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e Direito. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica plural. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 233. Nesse mesmo entendimento afirma Castanheira Neves, para quem “o homem-pessoa e a sua dignidade é o pressuposto decisivo, o valor fundamental e o fim último que preenche a inteligibilidade do mundo humano do nosso tempo”. CASTANHEIRA NEVES, A. O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia do Direito. Lisboa: Piaget, 2002. p. 69. Veja-se também BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 299.

99O estudo da Teoria do Conhecimento é chamado de Epistemologia (do grego episteme, conhecimento + logos, teoria). O termo foi usado pela primeira vez em 1854 por J. F. Ferrier que distinguiu os dois ramos da filosofia como ontologia (do grego on, ser + logos, teoria) e epistemologia. No entanto, a epistemologia compreende o estudo sistemático da natureza, fontes e validade do conhecimento.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

70

Não se pretende aqui apontar os fatos que legitimaram essas diferentes

correntes do pensamento que, ao longo da história da humanidade, implicaram em

diferentes configurações no conceito de educação, tendo em vista que a pesquisa se

restringe a análise das atuais diretrizes curriculares nacionais instituídas para o

curso de Direito, ex vi da Resolução CNE/CES nº 9/2004.100

Tendo em vista essa influência, é preciso apontar neste trabalho, ainda que

brevemente, as fundamentações filosóficas educacionais que repercutiram na

configuração da legislação do Direito Educacional e que implicitamente controlam a

configuração da educação e o currículo jurídico do país, em nível superior.

Destacando-se, entre elas, aquelas que influenciaram diretamente nas

Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs e seus respectivos currículos, nos cursos

de bacharelado em Direito.

1.2.1 Distinção entre educação, ensino e instrução

É preciso apresentar nesta tese a distinção conceitual entre os termos

educação, ensino e instrução já que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - LDB101 emprega os termos de maneira equivocada, usando inclusive no

texto normativo, ora denominação “Ensino Superior”, ora “Educação Superior”.

Isso dá azo a uma imprecisão terminológica do ponto de vista filosófico, visto

que a restrição ontológica do termo ensino (derivado do latim insignare), que

significa instrução ou ação de ensinar, em detrimento do termo educação, do latim

educatio, empregado para indicar ação de desenvolver integralmente, todas as

faculdades dos indivíduos. Sejam elas intelectuais, morais, emocionais, físicas,

estéticas, culturais ou sociais, resgatando, portanto, a noção clássica de Paidéia,

anteriormente explicitada.

A palavra educação designa o processo global da sociedade pelo qual a

pessoa, o indivíduo e a coletividade social aprendem a assegurar conscientemente,

no interior da comunidade nacional e internacional e, em seu benefício, o 100

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

101BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

71

desenvolvimento integral da sua personalidade, das suas capacidades, das suas

atitudes, das suas aptidões e do seu saber. Este processo não se limita, contudo, a

ações específicas de ensino e aprendizagem.

A educação configura-se, porém, um conceito mais amplo, engloba, a

instrução e o ensino, pois estes últimos visam nomeadamente à transmissão de

conhecimentos e à formação intelectual. Porém, uma educação sem aprendizagem,

é também vazia de sentido.

Segundo Yara Pires Gonçalves102, ensinar implica respeitar a leitura do aluno,

para que ele supere a maneira ingênua de ver o mundo e aprenda a inteligi-lo de

modo mais crítico.

Essa postura do professor respeita o saber do aluno, demonstra humildade

crítica, própria de uma posição verdadeiramente científica, e estimula a curiosidade

epistemológica que favorece a produção do seu conhecimento.

O ideal seria, no entanto, que “um homem tivesse 100% de educação e 100%

de instrução; que fosse mestre em ciência e mestre da consciência”.103 A dicotomia

em que se opõe a educação, propriamente dita, de um lado, instrução e, de outro,

educação, tem origem na educação grega.

Conforme aponta Regina Maria Fonseca Muniz104

Nas cidades-estado, ou polis, cada uma delas exercida por um docente específico. Cabia ao pedagogo a educação no âmbito do lar, onde convivia com as crianças e os adultos, iniciando-se nos valores da polis, cuja preocupação primordial era a formação do caráter. A função do pedagogo era considerada de caráter vital para o desenvolvimento da integridade moral do educando. Por outro, o professor era quem, simplesmente instruía, ensinava conhecimentos básicos de matemática, escrita, etc., cujo papel era considerado secundário.

Vistos numa perspectiva restrita, o ensino e a instrução, de per si, sem o

acompanhamento do sentido dos fundamentos substanciais da educação pode,

contudo, levar a cabo a domesticação do indivíduo, programando-o unicamente para

atuar dentro das propostas previamente estabelecidas pelo sistema.

102

GONÇALVES, Yara Pires. Currículo e prática docente - assistentes sociais no exercício da docência: aprendizagem do saber ensinar. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007. p. 17.

103RODHEN, Huberto. Educação do homem integral. São Paulo: Alvorada, 1979. p. 46

104MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 8-9.

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

72

Por isso que a educação deve desenvolver além dos conteúdos curriculares

propriamente ditos, também os valores morais e éticos do educando.

A educação – como direito de todos105, portanto, não deve se limitar a

assegurar somente a possibilidade de leitura, da escrita e do cálculo.

Jean Piaget106 prescreve que a educação deve garantir a todos “o pleno

desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição de conhecimentos, bem

como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a

adaptação à vida social atual”.

Por essa perspectiva, a educação não deve se limitar, como dito

anteriormente, somente a ensinar e a instruir, a transmitir conhecimento curricular, já

que o que se objetiva é a formação integral do homem, incluindo-se aí o

desenvolvimento de todas as aptidões, das potencialidades e habilidades do

educando.

Educar, portanto, supõe além de transmitir e informar o conteúdo curricular

necessário sobre objeto cognoscitível, supõe, também, o dever, a responsabilidade

ética de formar o educando para os valores, para o pleno desenvolvimento da

pessoa, visando ao seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação

para o trabalho.

A educação deve ter por meta assim a personalidade humana e o seu

fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais,

deve especialmente qualificar o educando para o trabalho e prepará-lo para o

exercício da cidadania.107

105

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Art. 205, p. 106.

106PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 40.

107A conceituação de cidadania foi analisada na obra Autonomia Universitária no Direito Educacional Brasileiro. Para a qual foi feita a seguinte ponderação: “O que significa cidadania? Para enfrentar essa questão é preciso ter em mente que tanto a Constituição Federal de 1988, quanto a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dizem que um dos objetivos da educação é a preparação para a cidadania. Essa noção, por sua vez, é inseparável do conceito de direitos humanos, que deve ser entendido como direitos fundamentais da pessoa humana. Se fundamentais, é preciso não apenas reconhecê-los, mas protegê-los e, sobretudo, promovê-los. A cidadania exige instituições absolutamente comprometidas com esses direitos e, portanto, deve-se exigir das escolas comportamentos envolvidos na luta contra as desigualdades, que se referem não apenas a diferenças naturais ou culturais, mas também a um juízo de superioridade e inferioridade sobre grupos, camadas ou classes sociais. Dessa forma, o conceito de cidadania, não deve ser entendido de forma restritiva, como capacidade de ser titular de direitos políticos eleitorais, ou seja, a possibilidade de votar e ser votado. É evidente que todos aqueles que se

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

73

O acesso à educação constitui-se, além disso, um dos caminhos para

realização concreta do ideal democrático.

É nesse sentido o posicionamento de Konrad Hesse108:

Em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa de ignorantes, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem intencionados ou mal intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na obscuridade.

Ora, a democracia tem na cidadania a sua base. O legítimo poder

democrático somente é exercido quando a sociedade é composta por cidadãos

ativos que exercem plenamente sua cidadania. Não devendo, portanto, se

compreendida em sentido formal e abstrato, porém como um conjunto de fatores que

possibilita o controle de poder pela participação ativa dos envolvidos.

Nessa linha de raciocínio, no campo das reflexões sobre o ensino e o

currículo jurídico, o professor de Direito, em sala de aula, não pode se limitar a

transmitir conhecimento. A situação de interação com os alunos, própria desse

ambiente, mas não exclusiva dele, o obriga a adequar, a traduzir, criticamente, a

problematizar seu conteúdo curricular para que haja aprendizagem. Essa ação exige

do professor raciocínio, tomada de decisões, que, contudo, darão sentido a sua

prática e à intervenção educativa. Para isso é necessário que o profissional da

docência superior prepare-se, capacite-se, antes de realizar a sua atividade.

Educar é, assim, também promover uma permanente reflexão do que se

ensina. E, ainda que a docência possa ser prazerosa sob o ponto de vista do

professor, não constitui ela tarefa simples, costumando demandar grande coragem

interior para sugerir mudanças que levem a uma nova realidade. Educar, portanto,

ultrapassa, contraria a mera transmissão de conhecimentos.

integram no Estado, pela vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se assim conceituar o povo como o conjunto de cidadãos do Estado. Por essa linha de raciocínio, o indivíduo que, no momento do seu nascimento, atende aos requisitos fixados pelo Estado, passa a ser integrado nele, ou seja, passa a ser cidadão. Entende-se, todavia, que o conceito de cidadania deve ser mais abrangente, envolvendo outros aspectos e demandando incursões sobre a garantia e a eficácia dos direitos colocados à disposição do ser humano, sobretudo, no que tange à realização dos direitos sociais (saúde, assistência social, e, sobretudo, educação). Assim, a preocupação com a cidadania deve abranger uma gama de outros deveres e direitos, como os direitos civis, sociais e políticos, que devem ser efetivamente vivenciados. LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia Universitária no Direito Educacional Brasileiro. São Paulo: Segmento, 2005. p. 168.

108HESSE, Konrad. Elementos do Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 133.

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

74

Para Paulo Freire109, a mera transmissão do conhecimento pelo professor e a

sua reprodução pelo aluno é uma das formas de confirmação da dominação vigente.

Ainda, para Paulo Freire110, o conhecimento não é um algo dado e acabado, mas um

processo social que demanda a ação transformadora dos seres humanos sobre o

mundo.

Nesse mesmo sentido posiciona-se Henry A. Giroux, para quem a redução

dos professores ao status de técnicos especializados dentro da burocracia escolar

os conduz à função de administrar e implementar programas curriculares mais do

que se apropriar criticamente de currículos que satisfaçam a objetivos específicos da

sua função de ensinar.

Henry A. Giroux111 defende as escolas como instituições essenciais para a

manutenção e desenvolvimento de uma democracia crítica e em defesa do docente

como intelectual transformador, por meio e prática acadêmica, a serviço da

educação de estudantes como cidadãos reflexivos e ativos.

Frise-se a educação como direito de todos, portanto, não se limita em

assegurar a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo. Isso porque, a rigor, a

educação deve garantir a todos o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e

a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores112 morais especialmente os

valores éticos, que correspondem ao exercício dessas funções até a adaptação à

vida social atual.

Os valores morais e os valores éticos são sempre valores da pessoa.

Inerentes unicamente ao homem; só no homem podem se realizar. Somente o

homem, como ser livre, no uso da sua responsabilidade, pode ser moralmente bom

ou mau na sua ação e nos seus negócios, no seu querer e no seu esforço, no seu

amor, no seu ódio, na sua alegria e na sua tristeza, e nas suas atitudes

fundamentais.

109

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. p.160. 110

Ibid., p. 160-161 111

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma Pedagogia crítica de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. passim.

112Gabriel Chalita indica que a palavra valor vem do latim valore. Aponta ainda que “desde a Antiguidade ela foi usada para indicar utilidade, ou o preço dos bens materiais. Mas, em Filosofia, foram os estóicos os primeiros a usá-la para designar os objetos de escolha moral. Cícero chamava valor tudo aquilo que é digno de escolha”. Cf. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 180.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

75

Eis porque o ser do próprio homem, a personalidade penetrada de valores

éticos – o homem humilde, puro, veraz, fiel, amoroso e justo – é ainda mais

transcendente do que a criação de bens culturais.

Os valores morais e éticos são o que há de mais elevado entre todos os

valores naturais. Acima da genialidade, da sensatez, da vida próspera, da formosura

da arte e da natureza, acima da estrutura e da própria força do Estado, estão os

valores como a verdade, a coragem, a honestidade, a bondade, a veracidade, a

justiça e a humildade do homem.

Os valores éticos e morais são o âmago do mundo; a sua negação, o pior dos

males113: pior do que o sofrimento, a doença, a morte, pior do que a ruína das

culturas mais florescentes.

O papel fundamental da educação é, portanto, promover também esses

valores no sentido do desenvolvimento integral das potencialidades da pessoa

humana.

Por isso considera-se, pela análise do termo “educação” ora exposta, que é

possível concluir-se que o conceito de educação é mais compreensivo e abrangente

que o da mera “instrução” e “ensino”.

1.3 Educação Superior e a Imagem de Futuro do Currículo

“Toda a educação” escreve o sociólogo Alvin Tofler114, “brota de alguma

imagem de futuro”. Se a imagem de futuro de uma sociedade estiver grosseiramente

equivocada, o sistema de ensino115 acabará por trair os seus jovens.

Imagine uma tribo indígena que durante séculos tenha navegado no rio à

porta de suas ocas em canoas feitas de troncos de árvore. Durante todo esse tempo,

a cultura e a economia da tribo dependeram da pesca, do preparo dos produtos do

113

Conforme nos assevera Dietrich Von Hildebrand. Atitudes éticas fundamentais. Lisboa: Quadrante, 1988. p. 3.

114TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. São Paulo: Record, 1994. p. 17.

115BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Art. 211, p. 108. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

76

rio, dos alimentos colhidos do solo fertilizado pelo rio, da construção de canoas e

demais instrumentos necessários.

Enquanto o ritmo das mudanças tecnológicas nessa comunidade permanecer

lento, enquanto guerras, invasões, epidemias ou desastres naturais não perturbarem

o ritmo constante da vida, a tribo não terá dificuldades para formular uma imagem de

seu futuro, pois o amanhã permanecerá uma réplica do ontem.

A educação brota dessa imagem. Porém, mesmo que não existam escolas na

tribo, haverá sempre um currículo – um conjunto de habilidades, filosofias, valores,

cultura, rituais – que devem ser aprendidos.

Aos meninos será ensinado como remover as cascas das árvores e como

fazer canoas de troncos, da mesma forma como fizeram os seus antepassados. O

professor, nesse contexto, sabe o que está fazendo, convicto de que a tradição, o

passado, funcionará no futuro.116

É preciso indagar-se: que ocorrerá a essa tribo, se continuar com os seus

métodos tradicionais, sem saber que 500 quilômetros acima está sendo construída

uma represa, que secará o braço do rio à beira do qual vive essa mesma tribo?

A “imagem de futuro” – o conjunto de pressupostos nos quais os membros da

tribo baseiam o seu comportamento presente – torna-se enganosa. O amanhã não

mais replicará o hoje. Uma imagem falsa de futuro destrói a relevância do esforço

educacional.

Qual é a imagem de futuro com a qual trabalha a educação superior

especialmente no que tange a configuração dos currículos jurídicos do nosso país?

Existirá um marco paradigmático para esse setor que contribua para a elaboração

dos currículos no ensino superior da graduação, especialmente do ensino jurídico?

Esse marco deverá constituir-se nos fundamentos filosóficos da Educação e do

Direito?

Para responder a estas problemáticas, é preciso recordar as palavras de

André-Jean Arnaud117, que mostra “o quanto é difícil tratar de um tema que está em

116

Cf. RISTOLF, Dilvo. A Universidade Brasileira Contemporânea: tendências e perspectivas. In: MOROSINI, Marília. (Org.). A universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília: INEP; ANPED, 2006. p. 37-52.

117ARNAUD, André-Jean. Perfil do advogado no limiar do século XXI. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), XIII., 1990. Anais... 1990. Textos 22-23.

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

77

construção”. Contudo, entende-se que o ensino jurídico no ensino superior é, na

verdade, um tema também de futuro.

Na visão de André-Jean Arnaud118, no entanto, é difícil ser categórico quando

cuidar de pensar o futuro.

Pode-se, entretanto, sem nos aventurarmos, levantar hipóteses; tais

hipóteses reportam tanto a constatação de fatos contemporâneos quanto lições do

passado.

A Declaração Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI: Visão e

Ação119 – é um marco referencial de visão de futuro, de ações para mudança e

desenvolvimento do ensino superior.

Assinada pelo Brasil e por mais 180 países, representam um consenso

internacional sobre a questão da educação superior.

O artigo 2º do referido documento, que trata da “missão e funções de

educação superior”, recomenda às instituições de ensino dos seus respectivos

países, ao seu pessoal e aos estudantes universitários, a fim de desfrutarem de

liberdade acadêmica e autonomia plena, as seguintes iniciativas:

a) preservar e desenvolver o ensino, submetendo todas as atividades às exigências da ética e do rigor científico e intelectual;

b) ampliar suas funções críticas e prospectivas diante de uma análise permanente das novas tendências sociais, econômicas, culturais e políticas;

c) utilizar sua capacidade intelectual e prestígio moral para defender e difundir ativamente os valores aceitos universalmente, particularmente a paz, a justiça, a liberdade, a igualdade e a solidariedade, tal como consagrados na Constituição da UNESCO;

d) educar para a cidadania e participação plena na sociedade;

e) contribuir na proteção e na consolidação de valores e da sociedade, formando a juventude de acordo com os valores nos quais se baseia a cidadania democrática, e proporcionando perspectivas críticas e independentes a fim de colaborar no debate sobre as opções estratégicas e no fortalecimento de perspectivas humanistas.

118

ARNAUD, André-Jean. Perfil do advogado no limiar do século XXI. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), XIII., 1990. Anais... 1990. Textos 22-23.

119A Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI encontra-se compilada na publicação organizada pela UNESCO e pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras - CRUB, em documento que contém mais de 700 páginas, publicado em forma de livro. DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no século XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.). Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais... Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25.

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

78

A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI elaborou um

relatório para a UNESCO, que ficou conhecido como Relatório Jacques Delors.120 As

idéias desse relatório foram centrais para a organização da Conferência Mundial

sobre o Ensino Superior – Tendências da Educação Superior pra o Século XXI,

realizada em Paris, de 5 a 9 de outubro de 1998.121

Nesse importante documento cujas teses foram, não somente, acolhidas pela

comunidade educacional brasileira, mas também, passaram a integrar os eixos

norteadores da política educacional superior brasileira, são recomendadas para as

universidades quatro funções essenciais para o desenvolvimento da educação

contemporânea, a saber:

preparar para a pesquisa e para o ensino;

dar formação altamente especializada e adaptada às necessidades da

vida econômica e social;

estar aberta a todos para responder aos múltiplos aspectos da chamada

educação permanente;

estar pronta a cooperar no plano internacional, compartilhando

conhecimentos científicos e priorizando o acesso à informação nas regiões

mais pobres do mundo.

O Relatório Delors estabelece ainda os 4 pilares da educação

contemporânea:

1º) aprender a ser;

2º) aprender a fazer;

3º) aprender a viver juntos;

4º) aprender a conhecer.

Constituindo-se essas, portanto, as aprendizagens indispensáveis que devem

ser perseguidas de forma permanente pela política educacional de todos os países.

Além disso, o Relatório aponta ainda para a necessidade do desenvolvimento

da educação ao longo da vida, o que implica, segundo esse importante documento,

120

DELORS, Jacques. (Org.) Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2001. p. 139-151.

121DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no século XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.). Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais... Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25.

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

79

novas formas de perspectivas curriculares, ou seja, uma nova organização

curricular, por parte das IES, voltada para as necessidades da sociedade civil.

Aponta, especialmente, para a necessidade da aprendizagem interdisciplinar

e transdisciplinar122 da educação em razão da demanda de aprendizagem constante

e diversa.

No entanto, a questão da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade

assenta-se na idéia de que as disciplinas tendem a compartimentar o saber

proveniente de diversos campos.

Dessas idéias documentadas, é preciso salientar as importantes propostas123

feitas pelos empregadores aos comitês encarregados de prospectar o futuro do

ensino superior em conexão com o trabalho.

Essas propostas revelaram, contudo, as qualidades que se esperam dos

diplomados que são:

mostrar flexibilidade;

ser capaz e querer contribuir para a inovação e demonstrar criatividade;

ser capaz de enfrentar a incerteza;

estar animado pelo desejo e dotado de meios para aprender ao longo de

toda a vida;

ter adquirido sensibilidade social e aptidões para a comunicação;

ser capaz de trabalhar em equipe;

estar pronto a assumir responsabilidades;

ter espírito empreendedor;

preparar-se para a internacionalização do mercado de trabalho,

familiarizando-se com culturas diferentes;

122

Para o estudo dos currículos na perspectiva da integração, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, reportam-se às obras de Jurjo Torres Santomé, professor da Universidade de La Coruña, que propõe em seu trabalho, um currículo na perspectiva integrada. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 187-222. Pode-se também apontar a obra dos educadores espanhóis Fernando Hernandés e Ventura Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. passim. Certamente, a perspectiva epistemológica de um currículo fechado e estanque será alterada face à leitura desses trabalhos.

123DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no século XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.). Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais... Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25.

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

80

possuir um largo espectro de competências genéricas em disciplinas

variadas e ser versado nos campos de conhecimento que forma a base de

diversas competências profissionais, especialmente as novas tecnologias.

Tudo isso, em resposta a um fluxo de informações diversas no qual estamos

inseridos, provocado pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela difusão da

informação.

A finalidade essencial da universidade, como local privilegiado do ensino,

deve ser a construção do conhecimento e da formação da competência inovadora,

não caracterizada pela mera transmissão de conhecimentos, que reduz tudo e todos

a meros objetos de aprendizagem.

Nesse sentido, é preciso relembrar as palavras de Freire124: “ensinar não é

transferir conhecimento, mas criar possibilidade para a própria produção ou a sua

construção”.

O ensino deve, além disso, ser conduzido pela universidade de forma

autônoma, como um processo democrático e permanente de construção científica e

de intervenção na realidade. Inseridas no contexto de permanentes mudanças e

transformações, as Instituições de Ensino Superior - IES, especialmente a

universidade, precisam ser repensadas, com o fito de criar ocasiões e novas

configurações curriculares integradoras da realidade social, econômica, política,

jurídica, cultural e educacional do país e do mundo.

Urge repensar sua missão educativa e constitucional elaboradora de uma

epistemologia da convergência das disciplinas curriculares, operadora de uma

síntese do saber, articulada com os diversos conhecimentos e promotora de uma

imagem unificada do próprio homem.

De que forma? Mediante o estabelecimento de diretrizes curriculares que

assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos programas oferecidos pelas

diferentes instituições de ensino superior, de forma a melhor atender às

necessidades diferenciais de seus educandos e às peculiaridades das regiões em

que as IES estão localizadas e inseridas.

124

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 47.

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

81

Valorizando, dessa maneira, a questão da inserção regional da IES e sua

missão institucional. Apresentando-se, portanto, um contraponto ao currículo

engessado que estabelece em âmbito nacional diretrizes a serem fiel e cegamente

cumpridas por todas as IES que oferecem cursos de Direito pelo Brasil afora.

Tal intento se atinge ao garantir às IES maior liberdade para optarem por um

currículo jurídico próprio, contextualizado nas especificidades, necessidades e

objetivos expressos nos seus próprios projetos político-pedagógicos e cujo

desenvolvimento de capacidades, potencialidades, talentos, competências e

habilidades multifocais do educando seja o principal alvo do discurso educacional

das instituições de educação.

Portanto, mediante a elaboração heterônoma de seus próprios currículos de

modo a fazer imergir, libertar e emancipar a pessoa humana, em detrimento da

perspectiva tecnicista e cientificista que objetiva o aluno em desrespeito à pessoa

humana.

1.4 A Universidade e o Currículo

As universidades também são caracterizadas pela oferta regular de atividades

de: ensino (transmissão de conhecimento); pesquisa (produção de novos

conhecimentos); extensão (prestação de serviços à comunidade).

A caracterização da universidade encontra-se em consonância com o que

determina a norma constitucional, ex vi da 2ª parte do artigo 207 da Constituição

Federal e, atende ao que dispõe o artigo 52 da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional.

Veja-se, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988125:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º - É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. [sem grifos no original]. § 1º acrescentado pela Emenda Constitucional n. 11, de 30-4-1996.

125

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Art. 207, p. 107.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

82

Na Lei n˚ 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB126:

Art. 52 – As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Parágrafo Único. É facultada a criação de universidades especializadas por campo do saber.

No exercício de suas funções (ensino, pesquisa, extensão) as universidades

devem obediência, no entanto, às normas gerais de ensino e à legislação

educacional pertinente, ex vi dos artigos 207 da Constituição Federal de 1988, c/c

art. 52 e 53 da LDB e do artigo 7º do Decreto n˚ 3.860/2001.127

Para o exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades as

atribuições previstas nos incisos I a X do art. 53 da LDB, que assim dispõe:

Art. 53 – No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

I. criar, organizar, extinguir em sua sede cursos e programas de educação superior previstas nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União, e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; II. fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III. estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividade de extensão; IV. fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V. elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI. conferir graus, diplomas e outros títulos; VII. firmar contratos, acordos e convênios; VIII. aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX. administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X. receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.

126

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

127BRASIL. Decreto Presidencial nº 3.860, de 08 de julho de 2001. Dispõe sobre a organização do ensino superior, avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília: DF, n. 132, 10 jul. 2001. Seção 1.

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

83

Parágrafo Único – Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: I. criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II. ampliação e diminuição de vagas; III. elaboração da programação dos cursos; IV. programação das pesquisas e das atividades de extensão; V. contratação e dispensa de professores; VI. planos de carreira docente.

Da interpretação da norma constitucional e infraconstitucional, depreende-se

que como instituição jurídica,128 a universidade é uma entidade normativa específica,

128

A propósito desta idéia, ou seja, da universidade considerada como instituição jurídica, veja-se a importante obra de Anita Lapa Borges de Sampaio. Sampaio observa que a universidade, numa perspectiva ordenamental, poderia ser caracterizada como um ordenamento jurídico particular secundário ou derivado, constituído dos elementos de normação própria (mesmo parcial – elaboração do Estatuto) e organização (administração) e plurissubjetividade (comunidade universitária). SAMPAIO, Anita Lapa Borges de. Autonomia universitária. Brasília: UNB, 1998. p. 191-255. Ainda, sobre esta mesma perspectiva, veja-se Alexandre Santos de Aragão. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A autonomia universitária no Estado Contemporâneo e no Direito Positivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 37. RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia universitária: as universidades públicas e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: EDUSP, 1994. passim. Ainda, na perspectiva do entendimento do conceito de universidade vista como uma instituição jurídica, como um ordenamento jurídico é considerada, sobretudo, pela doutrina espanhola, especialmente, por Francisco Borja López~Jurado Escribano, que se valeu da Teoria dos Ordenamentos Jurídicos de Santi Romano que é de grande influência no Direito Público. ESCRIBANO, Francisco Borja López~Jurado. La autonomía de las universidades como derecho fundamental: la construcción del Tribunal Constitucional. Madri: Civitas, 1991, passim. Com efeito, segundo sua Teoria, do início do século, os corpos sociais permanentes e distintos dos seus elementos constitutivos são instituições. Romani considera ainda que toda a instituição é, em si, um ordenamento jurídico, pois há uma pluralidade de ordens jurídicas inter-relacionadas. Segundo Santi Romani, as instituições não são entes fechados. E, geralmente, as instituições correlacionam-se com outras instituições, às vezes integrando-se como partes constitutivas. ROMANO, Santi. L’ordinamento giuridico. Firenze: Sansoni, 1951, passim. Ora, tal afirmação implica na negação de que todos os ordenamentos jurídicos devam reduzir-se ao ordenamento estatal. Se, por um lado, a Teoria de Santi Romano é elogiada, por parte da doutrina, que a considera de grande importância para auxiliar o intérprete na solução de conflitos que surgem entre as normas oriundas da autonomia universitária e as normas de outros ordenamentos jurídicos parciais, ou mesmo do ordenamento jurídico central do Estado, por outro lado, a Teoria dos Ordenamentos Jurídicos de Santi Romano é duramente criticada BODDA; CARBONIER, 1932, apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. A autonomia universitária no Estado Contemporâneo e no Direito Positivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 141. Tendo em vista o argumento de que somente o Estado, e, apenas ele, possui poder normativo originário, do qual as outras fontes de alguma maneira extraem a sua existência e eficácia, e ainda, sob o argumento centralista, os críticos sustentam que as ordens jurídicas menores seriam, geralmente, levadas em conta, se não autorizadas ou criadas pelo direito estatal. Alicerçado na tese de instituição-ordenamento de Santi Romano, e, considerando a universidade como um ordenamento jurídico secundário, derivado e particular, examina as sentenças da Corte Constitucional Espanhola na perspectiva de que a autonomia conferida às universidades por dispositivo constitucional seria, portanto, de um ordenamento jurídico, e não de autonomia de um ente. Parece, entretanto, que a configuração da universidade como instituição, deve ser encarada sob a perspectiva de ordenamento jurídico parcial, pois apesar de entender-se a autonomia como possibilidade de autodeterminação, as normas jurídicas são, de algum modo, reconduzíveis ao poder estatal, mesmo porque a possibilidade de autodeterminação não significa soberania. Neste caso, portanto, como instituição jurídica, a universidade não pode se sobrepor ao próprio Estado. Na doutrina alemã, por outro lado, a posição mais difundida no que diz respeito à configuração jurídica da universidade foi desenvolvida por Hans J. Wolff, que apontou uma dupla natureza das

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

84

dotada de autonomia constitucional, personalidade jurídica própria, criada pelo

Estado ou pelo particular, e que tem como atribuição, também constitucional, as

funções que lhe são indissociáveis, quais sejam, de ensino, pesquisa e extensão.

Além disso, no exercício de sua autonomia, conferida pela norma maior, essa

entidade normativa pode fixar os currículos dos seus cursos e programas,

observadas as diretrizes gerais pertinentes.

Registre-se, no entanto, que a opção por uma determinada estrutura

curricular deve levar em consideração as características das diferentes instituições

de ensino superior que ministram os cursos de Direito.129 Portanto, não se pode

desconsiderar na reflexão sobre o currículo o conceito de universidade como

instituição normativa autônoma.

Tal conceito foi apresentado no Simpósio Comemorativo ao Nono Centenário

da Universidade de Bologna, em que os reitores de todos os continentes

estabeleceram uma Carta Magna com a seguinte definição130: “a Universidade –

diversamente organizada por condições geográficas e históricas – é a instituição

autônoma que, de modo crítico, produz e transmite cultura através do ensino e da

pesquisa”.

Como instituição educacional, cumpre registrar a conceituação

consubstanciada no Parecer n˚ 1366/2001131, exarado pelo Conselho Nacional de

Educação – CNE, que define a universidade da seguinte forma:

Universidades são caracterizadas como instituições de excelência, que articulam ensino, pesquisa e extensão de maneira indissociável. Como condições para cumprir esses objetivos, devem apresentar elevada porcentagem de docentes com titulação acadêmica e efetiva produção intelectual institucionalizada, nos termos do que dispõe a LDB, além da prática investigativa que se associa ao ensino de graduação de alta

universidades, tanto institucional, quanto corporativa. WOLFF, 1956, apud COUTINHO, Luís Pedro Pereira. As faculdades normativas universitárias no quadro do direito fundamental à autonomia universitária. Coimbra: Almedina, 2004. p. 52.

129Nesse aspecto, corrobora o entendimento de Eliane Botelho Junqueira quando afirma que “é fundamental levar em consideração se a instituição de ensino superior tem um caráter confessional, comunitário, público ou filantrópico, uma vez que os cursos de Direito devem estar de acordo com a filosofia mais geral da instituição de ensino na qual estão inseridos”. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Faculdades de Direito ou fábricas de ilusões? Rio de Janeiro: Instituto Direito e Sociedade: Letra Capital, 1999. p. 13.

130LA MAGNA Charta delle Università Erupée. (Princípios Fundamentais). Simpósio Nono Centenário da Universidade de Bolonha. Itália, 18 set. 1988. In: MORHY, Lauro. Universidade em questão. Brasília: UNB, 2003. v. 1, p. 259-273.

131O referido Parecer foi exarado pela Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação CES/CNE e aprovado em 12/12/2001.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

85

qualidade, observados também os dispositivos legais referentes ao percentual mínimo de professores em regime de tempo integral, entendido como a obrigação de prestar quarenta horas semanais, na mesma instituição, nele reservado o tempo de vinte horas semanais destinado a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação. As universidades devem, ainda, desenvolver atividades de extensão relevantes para o contexto social no qual se inserem.

Por outro lado, como instituição educacional, entende-se que a universidade

deve abranger na configuração de seu currículo, conteúdos essenciais que se julga

ser seu objetivo principal: a formação integral do ser humano (Paidéia), visando à

sua totalidade, ou seja, a arete total que designa toda a excelência própria de uma

coisa. Assim, entendida a educação para valentia, prudência, astúcia, ética e justiça.

Entende-se, portanto, que o ideal de uma formação integral da pessoa

humana é essencial ao sistema de organização no currículo do ensino do Direito.

A universidade, como instituição educacional não deve ser restrita somente a

uma casa de transmissão de um currículo centrado exclusivamente na informação,

do saber pelo saber, pois esta visão estimula e legitima uma concepção da

educação mecanicista, técnica e totalmente incompatível com a Dignidade da

Pessoa Humana, que constitui fundamento do Estado Democrático de Direito. Vale

dizer, é o alicerce do próprio Estado.

Tudo isso, em consonância com o que dispõe o artigo 1º inciso III da

Constituição Federal de 1988132, bem como com os objetivos de pleno

desenvolvimento da pessoa e seu preparo para a cidadania, consagrados,

igualmente, pela Lei Maior vigente, no art. 205, in fine, da Constituição Federal de

1988.133

Senão vejamos:

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

132

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

133BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

86

Como instituição social e encarregada de ministrar a educação, a

universidade deve promover e incentivar através da configuração curricular de seus

cursos, sua própria integração na comunidade na qual se insere, ou seja, sua

crescente participação na sociedade e pleno desenvolvimento da pessoa e o seu

preparo para o trabalho, para a vida em sociedade e para a cidadania, com o

compromisso amplo da responsabilidade social, na busca de solução, quer de

problemas de âmbito local, quer de âmbito estadual ou nacional, inclusive no

enfrentamento dos problemas mundiais.

Como demonstra Boaventura de Souza Santos134:

A Universidade foi criticada pela não invocação de responsabilidade social para si, perante os problemas do mundo contemporâneo, quer por raramente ter cuidado de mobilizar os conhecimentos acumulados a favor de soluções dos problemas sociais, quer por não ter sabido ou querido pôr a sua autonomia institucional e sua tradição de espírito crítico e de discussão livre e desinteressada ao serviço dos grupos sociais dominados e seus interesses.

Deve-se considerar que cada universidade, cumprindo seu papel de

responsabilidade social, necessitará, para configuração de seus próprios currículos,

inclusive por exigência da legislação de ensino, possuir um Plano de

Desenvolvimento Institucional, denominado PDI, documento este que conduz à

responsabilidade da instituição, prevendo e dimensionando o grau de abrangência

das funções indissociáveis, como ensino, pesquisa e extensão atribuídos,

constitucionalmente, às instituições de ensino superior. Também, no plano

acadêmico não se pode falar em exercício da autonomia sem a existência desse

Plano.

A invocação da universidade, como instituição social, faz-se aqui em razão

dos comandos constitucionais e legais que apontam no sentido de uma configuração

curricular que dê ênfase a democracia participativa fundamental, assentada nos

objetivos fundamentais da República Federativa do país, conforme dispõe o artigo

3º, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988, bem como pelo fato de que

a própria Constituição, ao definir o dever do Estado com a Educação, dispõe que

também esta deve ser promovida e incentivada com base na participação e na

134

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2003. p. 205.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

87

colaboração da sociedade, conforme reza textualmente o artigo 205 da Constituição

de 1988.

Verifica-se que por muito tempo a universidade se ocupou, nos seus cursos

quase que exclusivamente do ensino, mantendo como objetivo principal a

transmissão dos saberes, selecionando, sistematizando e difundindo o

conhecimento, mediante seus currículos, acumulado pela inteligência humana, tudo

visando à formação profissional e às necessidades culturais de determinada época e

local.

Contudo, como o ensino necessita de aprendizagem, estabeleceu-se o

processo “ensino-aprendizagem”, posto que o ensino deve ser partilhado entre

professores e alunos.

Hoje, não se admite mais a ultrapassada e antiga visão do ensino centrado

num currículo jurídico, segundo a qual o conhecimento deve ser transmitido pelo

professor magister dixit, cuja atuação, sobretudo na área da ciência jurídica,

restringe-se ao uso formal do discurso repetitivo e monolítico e do uso exclusivo do

giz para alunos que usam a caneta, mas não a cabeça, nem, tampouco, a razão

crítica.

O ensino superior hodierno, dada a complexidade da vida em sociedade,

pretende não mais uma Pedagogia de matriz curricular elaborada por meio de canais

bilaterais entre aluno e professor e de locais definidos. Agora, acontece por outros

métodos curriculares, com o espraiamento em todas as direções, em meio ao

acesso a um oceano de informações, inclusive provenientes da Internet.

Não se pode deixar de reconhecer que hoje o conhecimento transmitido pela

universidade pode perder sintonia com o conhecimento global e com as demandas

da realidade social se não houver uma nova postura propondo uma nova visão

pedagógica.

Considerando a universidade na sua função autônoma e constitucional

entende-se que esta instituição na elaboração de seus cursos e configuração de

seus currículos deve entrar em sintonia com a modernidade.135

135

Como aponta Frederic M. Litto: “muitas Universidades ainda não perceberam que a chegada das novas tecnologias de informação muda totalmente o papel da instituição no processo educacional”. LITTO, Frederic M. A universidade e o futuro do planeta. In: MORHY, Lauro. (Org.). A universidade em questão. Brasília: UNB. v. 1, p. 99-113.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

88

A velocidade atual do conhecimento humano não mais permite que o aluno

seja reconhecido como pronto e acabado136 só pelo término e nos limites do curso.

Assim sendo, há a necessidade de uma educação continuada, permanente.

Pois, o que foi aprendido torna-se obsoleto, os saberes avançam rapidamente.

A universidade deve, pois, de forma autônoma, rever constantemente seus

currículos, seus métodos de ensino, bem como a duração de seus cursos.

Edgar Morin,137 ao analisar os desafios da universidade no século XXI, afirma:

A Universidade deve adaptar-se à modernidade e integrá-la, responder às necessidades fundamentais de formação, proporcionar ensino para as nossas profissões técnicas, mas oferecer também um ensino metaprofissional e metatécnico.

Por outro lado, a universidade deve estar subordinada, sobretudo, a valores

éticos, dos quais o principal é o respeito à Dignidade da Pessoa Humana, nos

termos do artigo 1º do inciso III da Constituição Federal de 1988.

A modernidade não deve ser imposta de forma heterônoma, deve ser gerada

a partir da discussão do papel do ensino dentro da própria universidade, à luz de

uma razão discursiva e em comunicação com a sociedade, respeitando-se, portanto,

o Princípio Fundamental de sua Autonomia como Fundamento do Estado

Democrático de Direito.

José ORTEGA Y GASSET138, ao refletir sobre a missão da universidade,

assim afirma: “A Universidade deve preparar o estudante para viver à altura do seu

tempo”.

Percebe-se que, hoje, para viver à altura do seu tempo, não basta mais a

simples formação profissional, nem a dedicação exclusiva do estudante à pesquisa.

136

Nesse sentido, afirma com propriedade Paulo Freire: “ensinar exige consciência do inacabamento. O inacabamento do ser humano ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 50.

137MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. cap. 1, p. 11-25.

138ORTEGA Y GASSET, José. Missão da universidade. Tradução e organização de Karl Eric Schøllhammer. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. p. 56.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

89

A universidade não deve limitar-se a uma única, ou a duas, ou a três missões,

restringindo sua missão educacional, ela deve assumir várias, e todas elas deverão

integrar-se no papel institucional de impulsionar a cultura do país.

Dessa forma, o que é peculiar aos fins da universidade, não é somente a

produção, o desenvolvimento e a transmissão de conhecimento, mas também, a

crítica e a reflexão em prol do desenvolvimento e, conseqüentemente, da sociedade

em que esta instituição se encontra situada e contextualizada.

Embora essa tríplice finalidade da universidade – ensino, pesquisa e extensão

- seja o fator determinante da sua autonomia, que lhe é conferida pelo artigo 207 da

Constituição de 1988, e que se justifica ante os objetivos fundamentais da

República, discriminados no artigo 3º da Constituição Federal de 1988139, é preciso

considerar que a finalidade da universidade; além da formação curricular intelectual

e profissional (científica), também deve ser responsável pela formação de conteúdos

curriculares que sobrelevem, dentre outros: o respeito aos valores, à justiça, à ética,

ao respeito, às diferenças, aos princípios morais, visando ao desenvolvimento pleno

do ser humano na integralidade das suas habilidades, competências e aptidões

sociais, afetivas, culturais e estéticas.

Não é por outra razão, que o Plano Nacional de Educação - PNE140 (2001-

2010), ao se referir em sua diretriz n° 12, que diz respeito à educação superior no

país, instituiu, como meta a ser cumprida, pelas IES, no prazo de 10 (anos), a contar

da publicação da lei, a inclusão nas diretrizes curriculares dos cursos de formação

docentes, temas relacionados às problemáticas tratadas em temas transversais.

Segundo aponta Mara Rúbia Alves Marques141, a transversalidade no

currículo diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma

relação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos

sistematizados, as questões da vida real.

139

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

140BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. p. 1.

141MARQUES, Mara Rúbia Alves. LDB, PCNs e tendências curriculares: uma interpretação à luz dos movimentos sociais. Campinas: Alínea, 2008. p. 38.

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

90

Especialmente, no que se refere à abordagem de gênero, educação sexual,

ética, justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância, pluralidade cultural,

meio ambiente, saúde e temas locais.

Depreende-se, assim, dos textos normativos anteriormente explicitados, que o

ideal, ou seja, o dever-ser da educação superior na universidade142 contemporânea

e verdadeiramente autônoma, deve visar sempre à arete do discente universitário.

Portanto, uma formação integral da pessoa humana é indispensável ao

sistema de ensino no país, especialmente, ao ensino superior, sem a qual nenhum

povo ou Estado poderá subsistir, qualquer que seja sua Constituição.

Como para os antigos gregos, o estudante de Direito deveria estar em íntima

relação com a totalidade do mundo objetivo circundante, com suas leis, com a

natureza, no seu contexto social regional, local, mas também global, com a

coletividade, com a sociedade humana, nunca solitário.

Assim, também, deve ser a educação superior para o estudante de hoje, que

deverá buscar mediante a construção de seus currículos não somente a instrução,

mas também e, sobretudo, a formação integral do ser humano, como vínculo político

garantidor de uma cidadania, sempre no contexto da educabilidade do homem total,

ou seja, social, racional, político e ético.

Desta forma, ao resgatar no passado, antigos paradigmas educacionais, a

universidade, na sua missão educativa, regenera-se, gerando novos saberes, novas

idéias, novos valores.

Por isso mesmo é que a universidade é, simultaneamente, conservadora,

regeneradora e geradora, tal como aponta Edgar Morin143:

A Universidade tem sua missão e uma função transecular que vão do passado ao futuro por intermédio do presente; tem uma missão transnacional que conserva, porque dispõe de uma autonomia que lhe permite efetuar esta missão, apesar do fechamento nacionalista das nações modernas.

142

Segundo Miguel Reale: “a educação tem, em verdade, como fim primordial a formação e a realização da personalidade, o que significa a constituição de um sujeito consciente de sua própria valia e, por conseguinte, em condições de afirmar e salvaguardar sua própria liberdade”. REALE JÚNIOR, Miguel. Variações sobre a educação. O Estado de São Paulo, 31 out. 1998.

143MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 13.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

91

Modernamente, assim também aponta a Magna Charta delle Università

Erupée144 como sendo um dos Princípios Fundamentais de toda universidade:

Toda Universidade, enquanto Universidade, é uma comunidade acadêmica que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e o desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às comunidades

locais, nacionais e internacionais.

É certo que a universidade deve adaptar-se à modernidade, respondendo às

questões e às necessidades fundamentais de formação técnica, proporcionando

ensino às profissões, voltadas às especialidades do saber, de tal modo que o aluno

esteja preparado para a atividade científica.

Entretanto, não pode a Universidade Autônoma esquecer-se de oferecer um

ensino curricular metaprofissional e metatécnico, preocupado com a consciência e

formação intelectual, ética e moral do aluno e, portanto, para as qualidades de

excelência do ensino, amparadas, também, no paradigma proposto pela Paidéia

grega.

Tal obrigação e responsabilidade se baseiam em dois pressupostos: primeiro

num correto entendimento destas instituições de ensino superior face ao significado

da educação e, segundo, na certeza de que as universidades não são simplesmente

um complemento das escolas ou mero expedidor de títulos e documentos.

Humboldt145 afirmava ser dupla a tarefa das universidades: de um lado, a

promoção do desenvolvimento máximo da ciência, de outro a produção do conteúdo

responsável pela formação intelectual e moral.

Entende-se, assim, que o conteúdo das tarefas que dizem respeito ao

conteúdo dos currículos elaborados pelas universidades não deve ser determinado,

de forma heterônoma, mas, sim, de forma autônoma.

Com efeito, para bem desempenhar sua tarefa, a universidade precisa de

autonomia institucional e de garantia de liberdade acadêmica preordenada à

144

Cf. LA MAGNA Charta delle Università Erupée. (Princípios Fundamentais). Simpósio Nono Centenário da Universidade de Bolonha. Itália, 18 set. 1988. In: MORHY, Lauro. Universidade em questão. Brasília: UNB, 2003. v. 1, p. 259-273.

145HUMBOLDT. Sobre a organização interna e externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim. In: KRETSCHMER, Johannes; ROCHA, João Cezar de Castro. (Org.; trad.). Um mundo sem universidades? Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p. 79-100.

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

92

salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, no âmbito das exigências da

verdade e do bem comum.146

Nesse sentido, compete respeitar o Princípio da Autonomia Constitucional das

IES, disposta no art. 207 da Constituição Federal de 1988147, no que se refere à

elaboração dos seus próprios currículos, e fazer cumprir, por outro lado, as

necessidades locais e regionais em que essas IES estão localizadas

Por outro lado, é necessário considerar o abismo no cumprimento da

finalidade educativa no ensino superior brasileiro, em especial no curso de

bacharelado em Direito, da inadequação entre o ensino e o currículo jurídico, com a

realidade do mundo e dos problemas globais, cabendo-se aqui indagar:

De que modo enfrentar as inúmeras mudanças e turbulências que ocorrem

em nosso entorno? A que meios recorrer para que os alunos do curso de Direito

desenvolvam suas próprias capacidades, e se eduquem para a própria mudança?

Ainda, o que essa finalidade e intenção educativa significam em termos de

(des)construção, mobilidade e flexibilidade na atual configuração do currículo jurídico

brasileiro?

A discussão para a ciência do Direito, do ponto de vista do currículo, é

imperiosa, sobretudo porque é real a possibilidade de mudanças para o ensino

jurídico, cuja modificação, entende-se, passa necessariamente por essa instância,

não sendo suficiente alterar apenas uma estrutura normativa por outra para

solucionar o impasse em que ficou preso o ensino jurídico.

A par disso é preciso considerar que se a educação é também busca à

cidadania, a universidade, no exercício de sua autonomia, não poderá descumprir

sua finalidade consubstanciada pela mediação de um currículo jurídico

essencialmente fundamentado nesses novos paradigmas e “imagens de futuro” da

educação; condição sine qua non para o alcance da qualidade, relevância social e

formação acadêmica e cultural para os futuros profissionais.

146

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 231. 147

Ibid., p. 231.

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

93

Registre-se, finalmente, que a educação superior148 − que, no Brasil, é

ministrada em IES, de ensino superior, pública ou privada, compreende os cursos de

graduação, pós-graduação, e de extensão – tem múltiplas finalidades:

estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do

pensamento reflexivo;

formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimentos, aptos para a

inserção em setores profissionais e para a participação no

desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação

contínua;

incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao

desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da

cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio

em que vive;

promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos

que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio

do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e

possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos

que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do

conhecimento de cada geração;

estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em

particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à

comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

promover a extensão, aberta à participação da população, visando à

difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da

pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Estas finalidades da educação superior são bastante abrangentes, mas já são

insatisfatórias, portanto, o delineamento de diretrizes curriculares no ensino jurídico,

mais adequado, para acompanhar a realidade do mundo e os problemas globais, a

148

Conforme dispõe o art. 44 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

94

fim de enfrentar as inúmeras mudanças e turbulências que ocorrem em nosso

entorno deve acompanhar essas finalidades.

1.5 Conceito de Direito Educacional e Fontes

O vocábulo direito vem do latim directum149 que significa etimologicamente

tudo que é justo, reto, conforme a lei.

O Direito tem origem em Roma, onde as legislações jurídicas eram

elaboradas por ministros supremos da religião, normas estas de ordem divina, que

correspondiam a uma justiça maior, relacionadas com a moral, com os costumes,

crenças e tradições e não propriamente com o ato em si, com a ação exterior do

homem.

As regras eram transmitidas de pai para filho. A esse Direito denominou-se

de Direito Natural ou Direito Subjetivo.

Com o passar dos tempos, as legislações jurídicas passaram a ser

formuladas pelos próprios homens, destinadas a dar ordem à vida em sociedade,

posto pelo Estado e dirigido a todos, como norma geral de agir. A esse Direito

denominou-se Direito Positivo ou Direito Objetivo.

O Direito Positivo são normas jurídicas escritas destinadas e dirigidas a todos

de maneira geral. No entanto, o Direito se dá em relação ao ser humano, à

sociedade, à criação de normas, à sua reação, à ordem da vida em sociedade. E,

onde quer que exista o homem, aí existe o Direito como expressão de vida e de

convivência.

Segundo Miguel Reale150, o Direito é o conjunto de regras obrigatórias

(normas jurídicas) que disciplinam a convivência social humana, sendo uma palavra

plurívoca (no sentido de várias interpretações) e análoga (pontos semelhantes,

casos iguais entre coisas inversas).

São exemplos de Direito Positivo na seara educacional: a Constituição da

República Federativa do Brasil, Código Civil, Código Penal, Trabalhista, Estatuto da

149

Cf. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro, 2004. p. 461 [verbete Direito]. 150

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. cap. XLVI, p. 699 et seq.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

95

Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei

que institui o Plano Nacional de Educação, etc.

O Direito é classificado em dois ramos: o Direito Público e o Direito Privado.

De forma geral, o Direito Público é dividido em: Direito Constitucional, Direito

Administrativo, Direito Penal, Direito Tributário, Direito Processual Civil, Direito

Processual Penal, Direito Internacional Público, Direito Ambiental, Direito Eleitoral,

Direito Eclesiástico, Direito Educacional.

O Direito Privado em: Direito Civil, Direito Comercial, Direito do Consumidor,

Direito do Trabalho.

O Direito Educacional, embora de formulação recente no ordenamento

jurídico brasileiro como ramo autônomo do Direito Público151, constitui-se, sem

dúvida, em uma das mais significativas áreas do conhecimento jurídico moderno.

Acreditava-se no início que o Direito Educacional seria constituído somente

pela legislação de ensino, ou pelo conjunto de leis que regulasse as relações

jurídico-educacionais de proteção ao aluno, professor e escola.

Há autores152, que, ao contrário comparavam o Direito Educacional com o

Direito do Trabalho, considerando-o apenas com o Trabalho.

Em sentido amplo, conceitua-se Direito Educacional como conjunto formado

de normas dispositivas, prescritivas e imperativas, que dispõem sobre princípios e

conceitos; que prescrevem assim, como orientar a conduta dos poderes públicos e

das pessoas físicas e jurídicas, dando-lhes diretivas coerentes e orientações para as

relações ensino-aprendizagem e que impõem deveres, obrigações e limites à

liberdade.

Aurélio Wander Bastos153, numa perspectiva formal define Direito Educacional

como:

151

Na mesma direção ao tratar o Direito Educacional como ramo da ciência jurídica, veja-se a obra de Lourival Vilanova. O Direito educacional como possível ramo da ciência jurídica. In: SEMINÁRIO DE DIREITO EDUCACIONAL, 1977, Campinas. Anais... Campinas: Universidade Estadual de Campinas, CENTAU, 1977. p. 59-75.

152Nesse sentido apontam-se os juristas Orlando Gomes e Arnaldo Sussekind.

153BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Introdução, p. ix, x.

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

96

O conjunto das disposições constitucionais, a legislação complementar, os decretos regulamentares e um amplo documentário constituído de portarias, resoluções e pareceres de importância especial após a criação do Ministério da Educação e dos Conselhos de Educação.

Dir-se-ia, em acréscimo, que o Direito Educacional estuda, além disso, as

origens e os fundamentos legais do processo educativo, a sua estrutura legislativa, e

os seus propósitos pedagógicos, programas e métodos de ensino e avaliação, bem

como, os seus valores, os seus princípios, os seus costumes, assim como os

fundamentos sociais, políticos, éticos, culturais e filosóficos dos currículos.

O estudo combinado dessas variantes jurídicas, educacionais, sociológicas,

políticas, filosóficas e culturais, permite identificar, historicamente, as políticas de

proteção legal para a superação de problemas educacionais e as alternativas

paradigmáticas para se alcançar mudanças nos padrões tradicionais no ensino,

especialmente no que se refere ao ensino jurídico.

A esse “novo Direito Educacional” cabe, para usar a expressão de Melo

Filho154, “disciplinar o comportamento humano relacionado à educação”. No entanto,

assim como o conceito de Direito não deve reduzir-se exclusivamente ao aparato

legal155, a definição de um novo ramo que dele advém, ou seja, o Direito

Educacional não pode se reduzir a decretos, pareceres, portarias e resoluções

normativas, pois no seu arcabouço interpretativo, encontram-se, também ali

inseridos, valores, princípios éticos e morais que norteiam a sociedade, princípios

esses de há muito envolvidos pelos diferentes fundamentos filosóficos, culturais e

percepções de mundo.

Numa perspectiva epistemológica aberta é preciso reconhecer que o do

Direito Educacional é uma investigação entre o jurídico e o educacional

conjuntamente e interdisciplinarmente trabalhados. Portanto, o Direito Educacional,

depende de outros tipos de Direito tais como o Direito Constitucional, o Direito do

Trabalho, o Direito Penal, o Direito Administrativo, etc.

154

MELO FILHO. Direito Educacional: aspectos teóricos e práticos. Revista do Conselho de Educação do Ceará, Fortaleza, n. 8, p. 47-74, 1982-1983.

155André Franco Montoro, no capítulo que trata do conceito de Direito assim afirma: “o Direito não tem fundamento último na lei. O Direito é fundamentalmente o justo. É o que é devido a cada um, indivíduo ou sociedade, segundo um princípio fundamental de igualdade, simples, ou proporcional. A lei é um instrumento para a realização desse direito. Contudo, essa consideração não diminui a importância da lei. Ao contrário a valoriza”. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 49.

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

97

Por isso, entende-se que o Direito Educacional não deva ser tratado somente

à luz dos limites da legislação, explicado, de forma restritiva, no âmbito da legislação

positivista, muito ao contrário, precisa ser compreendido à luz da Carta

Constitucional, seus valores e os princípios gerais156, e a eqüidade157 que informam

todo o ordenamento jurídico, além das diretrizes e bases que lastreiam a educação.

O Direito Educacional é, portanto, um ramo novo e autônomo do Direito, que

se traduz num conjunto de normas específicas da área educacional, princípios,

valores e doutrinas que regulam e disciplinam as formas de instituição, organização,

manutenção e desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem, bem como o

desenvolvimento do ensino e dos currículos e as condutas humanas relacionadas

diretamente com os processos educativos, no seio de proteção das famílias, das

relações entre alunos, professores, escolas, organizações governamentais,

instituições públicas, e aquelas mantidas pela iniciativa privada, disciplinando o

comportamento relacionado à educação.

A finalidade do Direito Educacional é também de sistematizar a legislação

educacional dispersa no interior do ordenamento jurídico brasileiro, em uma

estrutura orgânica e sistemática.

A par disso, a legislação sobre o ensino jurídico, conforme aponta Aurélio

Wander Bastos158, como ramo específico desse conhecimento, permite reconhecer

que a história da educação jurídica, no Brasil, tem sido uma efetiva demonstração do

desenvolvimento do Direito Educacional, vinculado principalmente às suas origens

históricas.

Nesse contexto, o estudo do fato educacional e de sua normatividade

específica no campo do Direito preocupa todos que lidam na área da Educação e

todos que atuam na área do Direito. Especialmente, no que diz respeito aos

paradigmas normativos educacionais dos currículos jurídicos.

156

Os princípios têm a importante função de suprir e integrar as lacunas no sistema jurídico. 157

Conforme concepção Aristotélica pode-se compreender a eqüidade, como sendo a justiça no caso concreto. A eqüidade tem o importante papel de possibilitar um abrandamento na aplicação da norma legal, todavia, no Direito Brasileiro, ainda fiel aos pressupostos positivistas, o juiz somente decidirá por eqüidade, nos casos previstos em lei. BRASIL. Código de Processo Civil e Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 2008. Art. 127, p. 619; art. 335, p. 642 do Código de Processo Civil.

158BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Introdução, p. ix.

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

98

Por outro lado, o objeto da educação é o processo de ensino/aprendizagem,

em que o comportamento humano deverá ser relacionado com a educação e seus

métodos próprios, que levam à proteção do Estado segundo doutrinas, fundamentos

filosóficos e princípios gerais relacionados à educação.

A pesquisa das fontes do Direito diz respeito ao estudo da origem da norma

jurídica. A norma jurídica é a regra social garantia pelo poder de coerção do Estado,

que tem como objetivo a promoção da Justiça. Saliente-se que a principal fonte do

Direito Educacional é o direito à educação.

Contudo, como foi dito, o Direito Educacional manifesta-se além da lei, na

jurisprudência, nos usos e costumes jurídicos, nos princípios gerais do Direito e no

poder negocial. Resultando, assim, de vários fatores, com resposta às necessidades

sociais e culturais. São assim as denominadas, as fontes materiais, filosóficas ou

sociológicas e culturais.

O Direito apresenta-se, segundo Miguel Reale159, “como ordenação vigente e

eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo, de certas fôrmas”.

Miguel Reale160, porém, concebe as fontes do Direito correspondendo cada

uma delas a uma estrutura própria de poder: o processo legislativo como expressão

do Poder Legislativo; os usos e costumes jurídicos vinculados ao poder social; a

atividade jurisdicional dos tribunais como manifestação do Poder Judiciário; e o

poder negocial que diz respeito à autonomia da vontade.

Como bem adverte Edivaldo Boaventura161, a enumeração das fontes é uma

necessidade para a classificação das normas educacionais, considerando sua

quantidade e complexidade.

As fontes são modos de expressão do Direito Educacional, encontram-se

relacionadas em lei, em sentido amplo, compreendendo a legislação; jurisprudência,

incluindo também a legislação administrativa oriunda do poder normativo dos

Conselhos de Educação; nos usos e costumes jurídicos; na doutrina, nos princípios

gerais de Direito, e na fonte negocial, segundo classificação, anteriormente,

apontada por Miguel Reale.

159

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 140. 160

Ibid., p. 140. 161

BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o Direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997. p. 73-88.

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

99

Na Constituição Federal, lei fundamental do Direito Educacional, encontra-se

o nascedouro do direito à educação e do dever para com a educação, onde estão

contemplados também os princípios162 norteadores da tarefa educacional.

As Constituições Estaduais alinham as regras basilares e orientadoras da

atividade educacional de cada Estado da Federação, seguindo sempre as

orientações da Lei Maior.

As leis complementares traçam as diretrizes e bases da educação nacional,

propugnando a unidade na condução da atividade educacional.

As leis ordinárias dispõem sobre normas gerais e abstratas, disciplinando as

relações no âmbito educacional.

Os decretos, as portarias, os regulamentos explicitam a aplicação das

disposições gerais, aclarando o mandamento das leis e determinando sua fiel

execução. Ainda, há os pareceres, as resoluções, as deliberações e as indicações

do Conselho Nacional de Educação, da Secretaria de Ensino Superior do Ministério

da Educação, e dos Conselhos Estaduais de Educação onde se encontram

enunciadas as normas disciplinadoras e regulamentadoras da atividade educacional.

No que se refere à classificação da natureza da norma jurídica que instituiu as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito - Resolução CNE/CES n°

9/2004163, é preciso considerá-la como fonte peculiar emanada do Direito

Educacional, como se demonstrará adiante, é classificada como ato administrativo

normativo de caráter regulatório.

162

É preciso registrar que os Princípios explicitados na Constituição Brasileira de 1988, que norteiam a educação brasileira são: igualdade de condições de acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância; coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização do profissional da educação escolar; gestão democrática do ensino público; garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extra-escolar; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas pedagógicas.

163BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

100

1.6 Conceito de Direito à Educação

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, marco da

democracia na história do Brasil, trouxe um elenco de Direitos Sociais, dentre eles o

Direito à Educação.

Do ponto de vista do Direito, a Educação é um dos pilares da cultura nacional,

exatamente por isso a Constituição Federal de 1988, no seu art. 205, dedica-lhe

extenso capítulo e especial atenção fazendo dela um direito de todos e um dever do

Estado.

Dispõe, assim, o art. 205 da Constituição da República Federativa do

Brasil164:

Art. 205. A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Deve-se levar em conta como o dispositivo em apreço, o próprio

reconhecimento do Estado com a Educação, como um direito fundamental,

elevando-o a categoria de Direito positivado como um dever do Poder Público,

sobretudo, inalienável de toda pessoa humana.

Por conseguinte, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve

um reforço aos Direitos Educacionais, particularmente com a concepção de

educação como direito público subjetivo.

É preciso aqui, assinalar a contribuição dos constitucionalistas, sobressaindo-

se dentre eles, o jurista Pontes de Miranda165, o primeiro a discutir a educação como

direito público subjetivo.

A definição da educação como direito subjetivo, segundo recorda Edivaldo

Boaventura166, é de autoria de PONTES DE MIRANDA, que na sua obra clássica,

Comentários à Constituição de 1946167, expressamente afirma:

164

BRASIL. Constituição (1998). Constituição [da] República Federativa do Brasil de 1998. São Paulo: Atlas, 2008.

165PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p. 37; 187.

166BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o Direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997. p. 37.

167MIRANDA, op. cit., p. 187, nota 165.

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

101

Não confundamos o direito à educação com as bolsas sob os Antoninos, em Roma, ou sob Carlos magno, ou nos séculos do poder católico. Não se trata de ato voluntário, deixado ao arbítrio do Estado ou da Igreja, mas de direito perante o Estado, direito público subjetivo, ou, no Estado puramente socialista e igualitário, situação necessariamente criada no plano objetivo, pela estrutura mesma do Estado. A própria estatização do ensino constitui, nos ciclos evolutivos, grau avançado de progresso. Foi o que se deu em Roma, na França. O que tem sido moroso é o processo de tal intervenção do Estado. Surgiu na Alemanha antes de surgir entre os franceses, porém lá mesmo estacou.

Cabe ainda aqui, a advertência de Pontes de Miranda168, ao iniciar o artigo

que declara “a educação como direito de todos”:

A ingenuidade ou a indiferença ao conteúdo dos enunciados com que os legisladores constituintes lançam a regra: “A educação é direito de todos” lembra-nos aquela Constituição espanhola em que se decretava que todos “os espanhóis seriam” desde aquele momento, “buenos”. A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas, portanto, se há direito público subjetivo à educação e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí, é iludir com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da Educação não é fazer leis, ainda excelentes, é abrir escolas, tendo professores e admitindo alunos.

Neste aspecto, entende-se que é impossível falar-se em direito à educação

sem aludir à responsabilidade do Estado que leva, diretamente, à questão da

eficácia dos direitos sociais muito bem esposada por Regina Maria Fonseca Muniz169

que assim afirma:

Na medida em que se considera a educação como um direito social, surge a questão da sua viabilidade econômica, se os estados estão materialmente e financeiramente dotados para cumprir tais prestações. Muitos alegam circunstâncias imprevisíveis como as flutuações de mercado que escapam ao controle da nação. Há ainda alguns doutrinadores que condicionam a observância e responsabilidade de tais obrigações à “reserva do possível”, negando assim, inclusive, que sejam direitos fundamentais. De fato, os direitos sociais são onerosos e quase sempre os Estados utilizam-se desses argumentos para absterem-se de torná-los efetivos.

Assim como Regina Maria Fonseca Muniz170 afirma se a educação é

considerada como direito social fundamental, seu caráter é absoluto, intangível, cujo

respeito impõe-se aos governantes como imperativo categórico, independente de

abundância ou não de recursos.

168

PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p. 47.

169 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 89.

170 Ibid.

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

102

O direito à educação, entretanto, deverá ser exigido, não somente como

direito social, mas também como direito à vida, e, portanto, sob a proteção de uma

norma de eficácia plena e de aplicabilidade imediata; tudo, em absoluta consonância

com as disposições do artigo 5º § 1º da Constituição Federal de 1988, que

estabelece que: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicabilidade imediata”.171

Porém, a educação deve ser considerada não apenas como direito social,

deve ser mais do que isso. Ínsita no direito à vida é instrumento fundamental para

que o homem possa se realizar como homem.

Neste compasso, e lembrando SANTO TOMÁS DE AQUINO, o “homem tem

sede de saber”.172 Seu potencial para aprender, só se transformará em ato, no

momento em que lhe forem propiciadas todas as condições necessárias para tal. E,

isso só é possível, por meio da educação.

Não se pode olvidar, contudo, que a educação há muito deixou de ser objeto

de estudo exclusivo da ciência da Educação, pois como ciência complexa, deve ser

compreendida e estudada à luz e em colaboração de outras ciências, dentre elas,

destaca-se o Direito. Finalmente, chegou aos domínios da normatividade,

repercutido notadamente no campo Constitucional, do Direito Educacional,

especialmente da Filosofia e da Filosofia do Direito.

Disso decorre que há um número crescente de pessoas, alunos, advogados,

professores, pedagogos, coordenadores, planejadores, mantenedores de

instituições de ensino, pesquisadores, autoridades dos sistemas de ensino, filósofos

da Educação e do Direito, envolvidos no processo de análise da temática jurídico-

educacional.

É fato que cada vez mais o Direito está atento ao fenômeno educacional,

procurando enquadrá-lo no seu corpo de preceitos de forma a discipliná-lo e orientá-

lo na direção da sua ordem173, dos seus verdadeiros fins.

171

BRASIL. Constituição (1998). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 2008. São Paulo: Atlas. Art. 5º § 1º.

172SANTO TOMÁS DE AQUINO. Seleção de Textos. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1998.

173Segundo Goffredo Telles Júnior, a Filosofia ensina que o universo é a diversidade das coisas harmoniosamente ordenadas, dentro da unidade do todo. Para ele, a ordem é a disposição conveniente de seres para a consecução de um fim comum. No entanto, segundo Telles Jr. a desordem não é o contrário da ordem é somente uma “ordem contrária a outra ordem” é a ordem

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

103

Importa salientar que o processo de construção de parâmetros para a

formulação das novas diretrizes curriculares nacionais − recentemente instituídas −

em razão da Resolução CNE/CES n° 9/2004174 para o curso de bacharelado em

Direito deveu-se, numa primeira análise, ao processo de constitucionalização e

positivização de normas fundamentais. Normas essas, erigidas à categoria de Direito

Social, a par do que ocorre com o Direito à Educação.

1.7 Espécies de Instituições de Educação Superior

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394 de 20 de

dezembro de 1996 (LDB) trata em seu artigo 19 sobre a classificação das categorias

administrativas das instituições de ensino no Brasil, a saber:

a) públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e

administradas pelo Poder Público;

b) privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas

físicas ou jurídicas de direito privado.

Dessa forma são consideradas públicas as criadas ou incorporadas, mantidas

e administradas pelo Poder Público, e privadas as mantidas e administradas por

pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (art. 19 da LDB).

Saliente-se, no entanto, que o referido artigo da LDB é regulamentado pelo

Decreto n° 3.860, de 9 de julho de 2001175, dispõe:

Art. 1º As instituições de ensino superior classificam-se em: I - públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; e II - privadas, quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Art. 2º Para os fins deste Decreto entende-se por cursos superiores os referidos nos incisos I e II do art. 44 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

que não queremos. A desordem, nesse sentido, é uma pseudo-ilusão. TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 10-11.

174BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

175BRASIL. Decreto Presidencial nº 3.860, de 08 de julho de 2001. Dispõe sobre a organização do ensino superior, avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília: DF, nº 132, 10 jul. 2001. Seção 1.

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

104

Quanto às das entidades mantenedoras o decreto em apreço dispõe:

Art. 3º As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito de natureza civil ou comercial, e, quando constituídas como fundação, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro.

Parágrafo Único. O estatuto ou contrato social da entidade mantenedora, bem assim suas alterações, serão devidamente registrados pelos órgãos competentes e remetidos ao Ministério da Educação.

É importante ressaltar dentro dessa classificação que o setor privado não é

composto por instituições de mesmo caráter ou finalidade.

As IES privadas são, portanto, mantidas e administradas por pessoas físicas

ou jurídicas de direito privado, e podem ser classificadas segundo o artigo 20 da

LDB/1996, em:

Particulares: instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou

jurídicas de direito privado; sem as demais características abaixo;

Comunitárias: instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou

mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que

incluam na sua entidade mantenedora, representante da comunidade;

Confessionais: instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou

mais pessoas jurídicas, que atendam à orientação confessional e ideologia

específica e ao disposto no item anterior;

Filantrópicas, na forma da lei, são as instituições de educação ou de

assistência social que prestam os serviços para os quais foram instituídas,

colocando-os à disposição da população em geral, em caráter

complementar às atividades do Estado, sem qualquer remuneração.

As mantenedoras possuem regime jurídico diferenciados, o que as separa

em: instituições com fins lucrativos (as particulares), subordinadas à legislação que

rege as sociedades mercantis e instituições sem fins lucrativos (comunitárias,

confessionais e filantrópicas), que obedecem a critérios específicos para a

comprovação de seus fins (Decreto n° 3.860/2001, anteriormente citado).

É lícito lembrar que o artigo 213 da Constituição Federal de 1988, abriu a

possibilidade de recursos públicos para as entidades de direito privado, sem fins

lucrativos. Portanto, não se previu a exclusividade dos recursos públicos para as

instituições públicas.

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

105

Por outro lado, é preciso considerar que no contexto das reformas para o

ensino superior que se iniciaram, a partir dos anos de 1990, especialmente após o

governo FHC em 1995, são inúmeras as evidências que indicam uma intensificação

do caráter essencialmente privado do ensino superior brasileiro.

A rede privada de ensino obteve um peso maior em relação ao total do setor

na maioria dos critérios quantitativos, como será demonstrado mais adiante.

1.8 Ensino Jurídico no Setor Privado

A prestação da educação é uma atividade típica do Estado, porém não

inviabiliza a participação das entidades privadas, ainda mais quando o Estado não

dispõe de recursos suficientes para atender a demanda.176

Deve-se considerar também o fato de que o ensino privado é uma tradição na

cultura nacional e possui a função de colaborador com o Estado. E, ainda que o

ensino seja um dever do Estado, as entidades privadas podem prestá-lo mediante

autorização e avaliação do Poder Público e o atendimento às normas gerais da

educação.

O ensino privado177 tem existido em toda a história do Brasil. As Constituições

sempre garantiram a convivência da educação privada com a pública. Contudo,

existem semelhanças e diferenças entre esses dois sistemas de ensino.

Conforme estudo da Comissão Nacional de Reformulação da Educação

Superior (1985)178, ressalvadas as exceções, as características similares seriam,

dentre outras:

176

Nesse sentido aponta Marcos Augusto Maliska. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001. p. 190.

177Para uma visão crítica no ensino privado e da linguagem da privatização na educação, veja-se as reflexões de Henry Giroux, para quem a linguagem da privatização dão muita importância para as normas, a avaliação de resultados e a responsabilidade dos professores e dos estudantes. Segundo Giroux, a privatização no ensino é muito sugestiva para os que legislam e não querem gastar dinheiro com as escolas, bem como para os cidadãos que não querem apoiar a educação pública por meio de aumento de impostos. Despojada de uma linguagem de responsabilidade social, a defesa da privatização recusa a suposição de que o fracasso escolar seria melhor entendido dentro das dinâmicas políticas, sociais e econômicas de pobreza, carência de trabalho, sexismo, racismo, e discriminação de classes ou sobre a base da diminuição de impostos. A linguagem da privatização não só evita questões de eqüidade, de igualdade do discurso de normas, mas também se apropriam da retórica democrática da escolha e da liberdade sem enunciar temas de poder e desigualdade. GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A Educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

106

a pouca integração entre o ensino, pesquisa e extensão;

o verticalismo nas relações de poder;

o distanciamento das universidades em relação à realidade nacional,

regional e local;

a baixa produtividade no desempenho de atividades acadêmicas de uma

forma geral.

Nesse sentido, cabe ao Estado avaliar as condições da proposta para a

criação de um estabelecimento privado de ensino, a partir da análise dos critérios

estabelecidos pelas normas administrativas que tratam o credenciamento dos cursos

para poder autorizá-lo a iniciar suas atividades.

A autorização implica, ainda, avaliações posteriores para o reconhecimento

do curso estando sujeita a avaliações periódicas visando à qualidade do curso.

Tendo em vista a ampliação da rede privada de ensino, especialmente no

setor de educação superior, torna imprescindível a atuação fiscalizadora do Estado

na avaliação dessas instituições de ensino.

Os números dizem179, primeiro, que temos hoje um sistema de educação

superior altamente centralizado.

Das 2.013 instituições registradas pelo Censo de 2004180, 1.859 pertencem ao

setor privado.

Se considerar que essas fazem parte do sistema federal, juntamente com as

87 IFES, concluiremos que 96,7% do Sistema de Educação Superior do país, é

federal, ou seja, dependem do sistema regulador da União.

Porém, embora o sistema seja essencialmente dependente do Estado para

autorização, reconhecimento e renovação de curso, autorização para expansão de

vaga e outras questões de ordem legal, é altamente privatizado, situando-se na

verdade entre os sistemas mais privatizados do mundo.

178

Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior (1985). Disponível em: <http://www.qprocura.com.br/dp/24780/Uma-nova-política-para-educaçãosuperior:Comissão Nacional–paraReformulação-da-Educação-Superior-relatoriofinal-1985- html>. Acesso: 20 jul. 2008.

179Fonte: MEC/INEP/DEAS: Sinopse Estatística do Ensino Superior 2002. Brasília, 2004.

180Ibid.

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

107

Conclui-se daí que a participação dos estabelecimentos privados na

prestação do ensino é bastante significativa. Contudo, é preciso considerar em

termos quantitativos, a expansão em escala geométrica das matrículas em

instituições privadas de ensino superior nos cursos de Direito.

Constata-se, assim:

Quadro 2 - Número de matrículas no curso de Direito em IES privadas.181

Matrículas em Direito

Ano Total Públicas Privadas

1995 215.177 44.643 170.534

2003 508.424 60.000 448.424

Fonte: Relatório do grupo de trabalho MEC/OAB. Brasília, mar./2005.

Essa expansão, porém, provoca angústia e séria preocupação, seja com a

intenção educativa das instituições de ensino superior, seja com a qualidade dos

currículos no ensino jurídico, visto que a intenção educativa de qualquer escola ou

universidade se define justamente por seu currículo, cujo projeto pedagógico preside

as atividades educacionais e orienta a ação de mantenedores, professores,

coordenadores e, em especial, dos alunos.

Por outro lado, não se pode esquecer que o Plano Nacional de Educação -

PNE182, no que se refere à educação superior, impôs como meta de n° 1, prover até

o final dessa década, a oferta de educação superior para pelo menos 30% da faixa

etária de 18 a 24 anos.

Ora, para atingir o percentual proposto seria preciso mais do que dobrar a

oferta de educação superior nos próximos cinco anos, e o percentual só seria

atingido se o setor privado de ensino crescesse ainda mais.

181

BRASIL. Ministério da Educação. Relatório final do grupo de trabalho MEC-OAB. Brasília, março de 2005, p. 25. Entende-se que a discussão acerca da situação do ensino jurídico deve ser feita no transcorrer do levantamento estatístico do número de alunos efetivamente matriculados no curso de Direito e não pela crítica usual do número de faculdades de Direito, uma vez que aquela revela a dimensão real da expansão do ensino de Direito, enquanto esta indica tão-somente a expansão desenfreada das instituições de ensino. Cabe ressaltar, no entanto, que o último senso oficial realizado pelo órgão oficial competente, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC), é do ano-base de 2003. Contudo, nesta tese será levada em conta a pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), cujo levantamento quantitativo é mais recente, com base em dados de 2006.

182Veja-se nesse sentido: BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. (meta nº 1).

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

108

Não se pode perder de vista, também, que o setor privado se encontra com

significativos índices de vagas ociosas, 42% do total de suas vagas, ou, em números

absolutos, 726 mil vagas, segundo o Censo de Educação Superior 2003.183 Ou seja,

ainda que a demanda por educação superior aumente significativamente – e isso é

provável que ocorra, em vista do crescente aumento no número de matrículas do

ensino médio – muito provavelmente, não se atingirá o percentual de 30% de

estudantes matriculados, da faixa etária dos 18 aos 24 anos.

A par da análise quantitativa sobre a expansão do ensino superior e da

crescente expansão de oferta dos cursos de Direito, constata-se, qualitativamente,

que a maioria das Faculdades de Direito do país deixa de incluir em seus currículos

as disciplinas que integram os Direitos Difusos e Coletivos, como por exemplo, o

Direito do Consumidor, o Direito Ambiental, o Estatuto da Criança e do Adolescente

e o Estatuto do Idoso.184

O primeiro passo para a transformação dos currículos jurídicos é, justamente,

revelar que o Direito passa por uma transformação radical quanto aos seus

conteúdos. Nesse sentido é preciso conscientizar-se que o Direito não pode mais

pretender somente regular situações interpessoais, relações individuais entre “A

versus B”, mas busca produzir normas que reflitam também interesses coletivos e

difusos, de natureza transindividual.

Essa reviravolta, contudo, impõe uma reforma profunda nos currículos das

Faculdades de Direito, tendo em vista que o ensino tradicional está em grande

número de instituições de ensino superior, especialmente as privadas.

Além disso, é patente a ineficácia de um conhecimento transmitido por

professores cuja atuação restrita na grande maioria à área da ciência jurídica não se

adequou a essa nova realidade. Professores limitados a transmitir conhecimentos

183

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2008.

184Para a alteração dessa configuração curricular é preciso ressaltar o trabalho de Doutorado de Benedita de Fátima Delbono. A proposta elaborada pela autora inclui na grade curricular do ensino jurídico, como componentes obrigatórios as disciplinas na defesa de Direitos Difusos e Coletivos que engloba disciplinas do Direito do Consumidor, o Direito Ambiental e os Estatutos da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso. Freqüentemente, essas disciplinas são tratadas somente em nível de pós-graduação. DELBONO, Benedita de Fátima. Os direitos difusos e coletivos como componentes obrigatórios na organização curricular das Faculdades de Direito do Brasil. 2007. 197f. Tese (Doutorado em Relações Sociais) − Programa de Pós-Graduação em Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007.

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

109

que não ultrapassam os aspectos formais do Direito, presos ao discurso repetitivo e

monolítico, ao uso exclusivo do giz para alunos que, em razão das novas

tecnologias, nem sequer usam caneta.

Alunos há muito integrados num espaço de profundas transformações e

revoluções técnico-científicas, do ciberespaço, do mundo da internet, do e-mail, do

telefone celular, enfim, de uma nova aprendizagem multimídia, espaço onde tudo

acontece virtualmente, simultaneamente, onde som, imagem e movimento são as

premissas de comunicação.

A despeito, entretanto, de todas essas vantagens tecnológicas, é enorme a

dificuldade dos jovens em vislumbrar outras formas de aplicação do Direito, além da

cultura185 de formação simplista e padronizada na estrita obediência à legalidade,

pois, inexiste, percepção da importância do Direito e da Justiça como fenômeno de

transformação social e cultural.

É preciso ter presente que, ao modelo liberal-individualista, sucedeu o que se

poderia chamar de fórmula comunitária de apreensão jurídica das relações sociais,

em que, no âmbito material, vivenciou-se a incorporação de situações novas

veiculadas por meio de demandas refletidas em novas formas de vida e de relações

sociais, tais como as relações de consumo, questões ambientais, a tecnologia.

Constituindo-se o que é denominado luta pelos “Novos Direitos”.

Nesse contexto, o ensino jurídico precisa ter presente um certo pluralismo

jurídico de convivência para sobreviver na sociedade contemporânea, não se

abstraindo totalmente da sua visão tradicional, que tem como paradigma o Direito

estatal, na esteira do monismo jurídico.

Aflige, contudo, perceber que a docência do ensino jurídico está centrada,

exclusivamente, na figura do professor, por meio de quem, imperam a reverência

hierárquica e a autoridade; que é a memorização acrítica de textos exclusivamente

legais a dar o tom do ensino; que o acúmulo de opinião alheia sempre prevalece

sobre as nossas próprias opiniões; que a prática da docência jurídica é subserviente

185

Segundo Lenio Luiz Streck, “ainda predomina na maioria das Faculdades de Direito a cultura inculcada nos manuais, muitos de duvidosa cientificidade. Forma-se, assim, um imaginário que “simplifica” o ensino jurídico, a partir da construção de standards e lugares-comuns, repetidos nas salas de aula e posteriormente nos cursos de preparação para concurso, bem como nos fóruns e tribunais. Essa cultura alicerça-se em casuísmos didáticos. O positivismo ainda é regra”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (em crise). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

110

a aspectos meramente técnicos, com descaso pela perspectiva humanista e

solidária.

A tudo isso se soma um conhecimento transmitido de maneira fragmentada,

isolado e restrito ao uso exclusivo do conhecimento da lei, hermeticamente fechado

a qualquer possibilidade de comunicação e interação viva com as outras disciplinas,

com outros saberes.

Constata-se, ainda, o abandono metodológico e pedagógico de ensino,

relegado a uma perspectiva restrita e padronizada do currículo mínimo, em

detrimento de uma perspectiva que valorize a ecologia dos saberes.186

Percebe-se, por outro lado, que urge conciliar a teoria com a prática

profissional, a partir da leitura crítica da lei, da doutrina e da jurisprudência;

sobretudo do exercício responsável e consciente do professor para o

desenvolvimento intelectual, afetivo e profissional do futuro bacharel.

Sente-se inquietação porque todas essas transformações tecnológicas,

políticas, econômicas, culturais afetaram sobremaneira nossa sociedade e nosso

modo de pensar o Direito.

Por tudo isso, cumpre alterar nossos próprios paradigmas de ensino, para

adequá-los a essa nova realidade, estabelecendo assim novas conexões de sentido

em interlocução aos alunos.

Nesse sentido, aponta Paulo Freire187, “a educação é comunicação, é diálogo,

na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos

interlocutores que buscam a significação dos significados”.

Educar, como se demonstrou, ultrapassa, contraria a mera transmissão de

conhecimentos. A docência no ensino superior é prazerosa; contudo, não se

constitui em tarefa simples, costumando demandar grande coragem interior para

186

Boaventura de Sousa Santos define a ecologia dos saberes com a vivência de um conjunto de práticas que promovem uma convivência ativa de saberes, no pressuposto de que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer, que implicaria numa vasta gama de valorizações, tanto de conhecimentos científicos, como de outros práticos, considerados úteis, cuja partilha por pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades epistêmicas mais amplas que convergem à universidade num espaço público de interconhecimento em que os cidadãos e os grupos sociais podem intervir sem ser na condição de aprendizes. SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade do século XXI. São Paulo: Cortez, 2006. p. 77-78.

187FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 69.

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

111

sugerir mudanças que levem a uma nova realidade, pois ensinar supõe dever,

responsabilidade ética, política, profissional de preparar-se, capacitar-se, formar-se

antes de realizar a sua atividade.

Não obstante um panorama tão desolador, essas sensações de perplexidade,

angústia, inquietação e disposição para a vertigem são reveladoras de significado e

de sentido188, imprescindíveis, para despertar em reflexões e críticas propositivas

sobre a questão curricular e suas diretrizes no ensino jurídico brasileiro.

É bem verdade, todavia, que escolher a docência como vocação profissional

aqui e hoje, ou em qualquer lugar e época, implica necessariamente angustiar-se em

face das problemáticas da atividade educacional, o que impele a interferir de forma

consciente, dentro de limites, para transformar o currículo do ensino jurídico

brasileiro.

Portanto, ser profissional da educação, especialmente do ensino jurídico,

significa participar da emancipação das pessoas189 para o que é indispensável

manter a fé, manter a fé nas humanidades!

Pois, conforme bem adverte Jacques Derrida190, a idéia de profissão

pressupõe que, para além do saber, da habilidade e da competência, um

compromisso testemunhal, uma liberdade, uma responsabilidade juramentada, uma

fé jurada, obrigue o sujeito a prestar contas diante de uma instância a ser definida.

Enfim, nem todos que exercem uma profissão são professores.

Paulo Freire191 ensina a partir deste saber fundamental:

Mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças, ou se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica. O êxito de educadores está centrado nesta certeza que jamais os deixa: de que é possível mudar, de que é preciso mudar, de que preservar situações concretas de miséria é uma imoralidade. Pois não somos apenas objeto da

188

Segundo Hannah Arendt, “a cognição está ligada à busca da verdade e suas exigências de rigor não alcançam, como é o caso do positivismo, toda a experiência humana. O pensamento, no entanto, diz respeito a algo mais abrangente, que é a busca do significado – o parar para pensar no sentido das coisas. Este sentido das coisas – desde que se pense – é comunicável”. ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 3-16.

189IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2000. p. 28.

190DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 54.

191FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, 1996. p. 79.

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

112

história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.

Desse saber fundamental retira-se a lição de que é preciso manter a fé nos

professores, mantenedores, nos próprios alunos, sobretudo na universidade, a fim

de que as mudanças venham efetivamente a ocorrer, até mesmo naquelas

universidades, como aponta Jacques Derrida192, “sem condição”.

A expressão “sem condição” aponta para a situação dúplice da instituição

universitária: se, por um lado, a postura da instituição indica uma incondicionalidade

indispensável ao ensino, à pesquisa e a extensão, por outro, “sem condição”

reconhece que invariavelmente, depende de fatores alheios e estranhos a seu

próprio funcionamento e organização.

Além dos recursos e verbas, é preciso refletir sobre os seus objetivos, a

intenção educativa, especialmente das instituições de ensino privada, sobre a

responsabilidade constitucional e educativa da missão da universidade.

Tendo em vista que, sem o tripé fundamental ensino/pesquisa/extensão nos

seus currículos, a universidade ficará sempre presa a valores políticos, éticos e

jurídicos que se opõem a seus princípios fundamentais.

1.9 Fundamentos Filosóficos da Educação e do Currículo ao Longo da

História

1.9.1 Idealismo

A chave da Filosofia é, justamente, a questão de se cultivar o saber. A

primeira indicação desse entendimento vem da própria etimologia da palavra

filosofia.

Como aponta Charles Feitosa193, a expressão filosofia vem de uma

associação dos termos gregos philia (amor, amizade) e sophia (sabedoria), que

significa literalmente “amor pelo saber ”.

192

DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. Tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 8.

193CHARLES, Feitosa. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 12.

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

113

O termo, contudo, exige cuidado: o filósofo não é um sábio – aquele que se

sente cheio de certezas – mas sim alguém que está constantemente à procura do

conhecimento. Além disso, é preciso que se diga que esse cultivo só se dá por um

caminho, qual seja: do esforço, do exercício do aperfeiçoamento, da excelência, com

humildade, começando sempre por si mesmo.

Sócrates194 (469-399 a.C), utilizando-se do epigrama “conhece-te a ti mesmo”

(nosce te ipsum)195, a coisa mais valiosa para o homem é o saber.196

Naquela época, Sócrates já andava por Atenas questionando seus cidadãos,

particularmente os sofistas197, por viverem impensadamente, e via, a si mesmo,

como alguém que levava as pessoas a pensarem.

Sócrates nega ser um professor. Diz que não sabe nada, portanto, não tem

nada a comunicar para ninguém. Argumenta que se é “o mais sábio do que todos”,

como o oráculo de Delfos afirmou, é porque tem consciência de sua própria

ignorância e seguindo a indicação do deus Apolo, passa a questionar todo aquele

que se considerasse dotado de sabedoria.

Dessa forma, passa a fazer perguntas aos outros na esperança de encontrar

alguém que possua o conhecimento que ele sabe não possuir.

Embora suas idéias tenham sido transmitidas apenas oralmente, com enfoque

dialético de infinitas perguntas e respostas, Platão escreveu-as e ilustrou o

194

Conforme aponta Gabriel Chalita tudo o que se sabe sobre a vida e o pensamento de Sócrates, é proveniente dos comentários dos filósofos que seguiram suas idéias, pois ele não deixou nenhum escrito. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 46-47.

195Preceito do oráculo de Delfos difundido por Sócrates. Veja-se em PLATÃO. Apologia de Sócrates. Belém: EDUFRA, 2001. § 36c.

196Entende-se que se, conhecimento é interioridade, ou seja, uma viagem ao interior de si mesmo. Nesse sentido, autoconhecimento. É necessário que o homem tome consciência de sua natureza, preocupe-se com a virtude, e não com a riqueza, não com o corpo, mas com sua alma. Dessa forma, é preciso que o homem aperfeiçoe sua alma. O conhecimento, assim, é a grande questão do homem e da existência humana. O que está em jogo é a idéia de que o conhecimento consiste na liberação das correntes que condenam a ignorância. Trata-se de elevar assim o debate epistemológico de operar a passagem do mundo sensível para o mundo inteligível da razão. Nesse sentido, o problema do conhecimento se confunde com o problema da educação. Contudo, o movimento da educação é, porém, muito doloroso e difícil, como um “parto”. É, no limite, a problemática da própria educação (Paidéia), a educação sob a perspectiva individual e coletiva.

197Como bem indica Gabriel Chalita, a palavra sofista é derivada do vocábulo grego Sofia (sabedoria) e significa literalmente, sábio. Sofistas eram filósofos que dominavam a arte da oratória, isto é, o uso habilidoso da palavra. Esses filósofos eram originários de diferentes cidades e viajavam pelas póleis, onde discursavam em público e ensinavam sua arte em troca de pagamento. Entretanto, o termo virou sinônimo de homem que profere um discurso excessivamente adornado, complexo, enganador. De sofista também derivam sofisma, sofisticação e sofisticar. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 45-46.

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

114

pensamento socrático e método pedagógico referente à educação, denominado

Maiêutica.198

Esse método consistia em um processo dialético e pedagógico de múltiplas

perguntas que objetiva chegar a um conceito geral sobre o objeto a ser estudado.

Contudo, Platão entendia que o conhecimento do mundo exige, antes de tudo,

conhecimento de si mesmo, pois nas palavras de Sócrates: “A vida não examinada

não é digna ao homem de vivê-la”.199

Sócrates defende a idéia de uma educação voltando a alma em direção à

verdade. Para ele, entretanto, a virtude coincide com a ciência e o vício com a

ignorância; quem conhece não erra, e, portanto, ninguém é voluntariamente mau.

Segundo esse entendimento, a educação e a cultura são os meios de melhorar os

homens, conferindo-lhes a noção de bem.

Como as idéias de Sócrates e Platão são, hoje em dia, consideradas quase

indistinguíveis, os estudiosos normalmente se referem a esses escritos como

filosofia platônica.

Mais tarde, Sócrates foi julgado em Atenas e executado por suas crenças.

Nas discussões contemporâneas sobre educação, há tendência em se

associar Sócrates com uma idéia particular de ensino: aquela que é baseada em

perguntas e não envolve transferência direta de informação, mas prefere dar ao

aluno a oportunidade de chegar sozinho à verdade.

Platão (427-347 a.C), filósofo grego, discípulo de Sócrates, permaneceu

admirador deste durante toda a vida. É conhecido por seus Diálogos, nos quais,

Sócrates é o protagonista em inúmeras conversações. Suas obras mais famosas

são A República200 e as Leis.201

Em A República, Platão propôs o tipo de educação que ajudaria a produzir um

mundo no qual indivíduos e sociedade estivessem o mais próximo possível do bem.

Platão sugeriu, ainda, que o Estado deveria ter um papel fundamental em questões

198

O método educacional da maiêutica empregado por Sócrates consiste em dar à luz a conhecimentos que se formam na mente de seus discípulos através de perguntas feitas pelo mestre. Veja-se, nesse sentido, a obra de Diálogos: Teeteto, Crátilo. Belém: UFPA, 2002. § 150.

199Id. Apologia de Sócrates. Belém: EDUFRA, 2001. § 38.

200Id. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. passim.

201Id. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. passim.

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

115

educacionais, e ofereceu um currículo que afastasse os alunos mais brilhantes da

preocupação com dados concretos em direção ao pensamento abstrato.

Platão, no Livro VII da obra A República202, por meio do Mito da Caverna,

conduz o leitor a imaginar e a refletir sobre a relação do ser humano com o

conhecimento e com o mundo. Platão admite, utilizando-se a Teoria das Idéias203, a

existência de dois mundos: o mundo das idéias e o mundo sensível. Segundo

Platão, haveria um mundo imaterial, eterno e imutável, totalmente separado do

mundo sensível (o universo material, que percebemos através dos cinco sentidos), a

que só temos acesso pela razão.

Nesse plano da realidade, estão as idéias, que não são simples cogitações

presentes na mente dos homens; elas são na verdade, realidades que existem por si

mesmas, independentes do pensamento e de todas as coisas materiais. Por um

lado: um mundo material-sensível atingido pelo conhecimento sensível (plano da

doxa204, da opinião, do “achismo”, do conhecimento como suposição, como

conjectura), que é uma reprodução imperfeita da realidade, apenas sombras

projetadas no vazio do espaço.

Por outro lado: um mundo inteligível ou das idéias, conhecido pela inteligência

(plano da épistémè), se vê, pelos olhos do espírito205, a essência da coisa, onde as

idéias são perfeitas e imutáveis, que vão além do mero fenômeno empírico.

A passagem do mundo sensível para o inteligível ocorre, segundo Platão, por

uma ascensão dialética que é feita por diversas fases do conhecimento.

Segundo Platão, as pessoas deveriam se preocupar com a busca da verdade,

como a verdade é perfeita e eterna, ela não poderia ser achada no mundo da

matéria que é imperfeito e está em constante fluxo de mudança.

De maneira semelhante a Heráclito, Platão afirma que o mundo sensível é um

fluxo eterno, mais exatamente, a doutrina platônica considera que as coisas

202

PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. Livro VII, p. 263-299; 514 et seq. 203

Veja-se, nesse sentido, as obras platônicas: Fédon, A República. 204

PLATÃO ao referir-se da doxa como forma de conhecimento nos diz que: estas (as opiniões certas), enquanto permanecem, valem um tesouro e só produzem o que é bom; mas não consentem em permanecer por muito tempo na alma do homem e não demoram muito a escapar, a fugir, o que faz com que não tenham muito valor até o instante em que o homem as amarra, as encadeia, as liga por um raciocínio de causalidade. Id. Mênon. Rio de Janeiro: Loyola: PUC-Rio, 2001. § 97 e § 98.

205Id. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 533d.

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

116

materiais são meras aparências, sempre transformando-se, e que não permitem por

isso, chegar a nenhum conhecimento verdadeiro.

Para alcançar a verdade, o homem, deveria dirigir sua inteligência para as

idéias, para além do mundo sensível.206 Nesse diapasão, a realidade de tudo está

no mundo das idéias. Nesse sentido haveria idéias correspondentes a todos os

objetos, aos seres e coisas da natureza, virtudes, entidades matemáticas (linha,

círculo, ponto, etc.), formas, cores, características das coisas (dureza, mobilidade,

calor), atividades, sentimentos.207

Assim, por exemplo, conceitos matemáticos como 2+2=4, ou todos os pontos

de um círculo são eqüidistantes ao centro, sempre foram e serão verdadeiros. A

matemática mostra que verdades universais, com que todos podem concordar,

podem ser encontradas, porém ela se constitui apenas em um campo restrito do

conhecimento.

Platão acreditava que devemos buscar outras verdades universais em áreas

como a política e a educação; assim, a procura da verdade absoluta deveria

constituir-se a busca do verdadeiro filósofo.

A educação para Platão é o amor pelo saber, verdadeira revolução psíquica

no quadro de uma transformação política e social, pois empregava a educação para

a escolha de homens para os vários deveres de um grupo social. Em cada caso,

porém, procurava selecioná-los em termos de sua capacidade, pois Platão

acreditava que a obtenção de conhecimento, especialmente da filosofia e sua

transmissão, não eram tarefas de e para todos os homens, mas apenas daqueles

que, por natureza (por sua alma) tinham as condições para tanto. Estes, por meio do

conhecimento, transformavam-se em homens melhores e preparavam-se para o

governo da cidade.

Foi a partir do problema geral da educação – pode a virtude ser ensinada? –,

levantada pelos sofistas em Atenas do século V a.C, que Platão empreendeu seu

projeto pedagógico, guiado pela idéia da razão, que tem valor em si mesma.

206

Conforme aponta Gabriel Chalita, ao interpretar a doutrina platônica das formas. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 53.

207Ibid., p. 53.

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

117

Para Platão, a educação tem o objetivo de formar o homem moral, o meio

para isso é o Estado, que representa a idéia de Justiça.208

Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII209, é figura central na história

intelectual ocidental e teve enorme impacto no pensamento mediante a profunda

influência de sua obra filosófica. Embora, bastante conhecido como filósofo, não foi

suficientemente lido como educador.

De fato, as reflexões sobre o pensamento educacional de Immanuel Kant é

um aspecto quase que desconhecido pelos juristas.

Em que pese a matriz do pensamento de Kant ser muito utilizada pela maioria

dos agentes do Direito (juristas, advogados, juízes, promotores), o que interessa é a

faceta pouco discutida do pensamento Kantiano. Immanuel Kant como educador.

Assim sendo, embora o estudo da contribuição teórica do pensamento de Kant seja

de suma relevância para a sistemática do Direito, o foco desenvolvido no presente

trabalho é outro.

É a perspectiva educacional e humanista desenvolvida pelo filósofo de

Königsberg que, hic et nunc, aqui será apresentada.

Segundo Joy A. Palmer210, “a influência de Kant no pensamento educacional

pode ser particularmente verificada em autores como Pestalozzi e Herbart,

principalmente em relação aos temas centrais de sua filosofia epistemológica e

moral, e a eles reagiram”.

Encontra-se, ainda, o delineamento de um Immanuel Kant educador, na

primorosa obra de Luc Vincenti: “Educação e Liberdade: Kant e Fichte”.211

Nesse opúsculo Luc Vincenti212 afirma que “a união da filosofia kantiana com

a educação, não é algo acidental”, pois segundo esse autor, Immanuel Kant

208

PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 412 a, 518 c, 433 e. 209

Como aponta Franc MORANDI, “o século XVIII é o século das „Luzes‟, termo ligado, por Alembert, à idéia não só de um progresso técnico e científico, mas do progresso intelectual da humanidade. Ele se baseia na inteligibilidade da natureza e numa fé na razão para resolver os problemas da humanidade. Essa concepção do progresso e os debates aos quais este século se consagra, estão ligados ao da educabilidade e de seu sentido. Educação e progresso vão lado a lado”. MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 79.

210PALMER, Joy A. 50 grandes educadores: de Confúcio a Dewey. São Paulo: Contexto, 2005. p. 80.

211VINCENTI, Luc. Educação e liberdade: Kant e Fichte. São Paulo: UNESP, 1994. p. 11.

212Ibid., p. 11.

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

118

confirma a afirmação progressiva de uma filosofia do sujeito que, enquanto tal, deve

assumir a responsabilidade pela construção da natureza humana.

É, assim, no âmago de uma filosofia da educação que pode enraizar-se essa

instituição do sujeito, criação do homem por ele mesmo, formação, transformação de

sua natureza humana.

Em Immanuel Kant a educação afirma-se como o lugar desse nascimento do

homem, nascimento pela qual só o homem pode ser considerado responsável.

A idéia educativa principal, proposta por Immanuel Kant, em sua Filosofia da

Educação213, é a da orientação da pessoa pela autonomia de seu próprio

pensamento e dirigida assim ao progresso do humano.

Corrobora com esse entendimento Luc Vincenti214, quando afirma que “é a

Kant que devemos remontar para o surgimento de uma responsabilidade plena e

total do sujeito, não unicamente diante do conhecimento, mas também diante do

mundo”. Pois, tudo o que o sujeito é, tudo o que o constitui e tudo o que ele faz

depende do próprio sujeito.

Para Immanuel Kant215, existe uma grande responsabilidade de todos na

transformação do próprio homem, pois, a natureza humana está ainda por fazer, por

transformar e a transformação é incumbência do próprio homem mediante a

educação.

No entanto, apesar do interesse profundo e permanente no assunto, Kant

nunca escreveu um tratado sistemático sobre educação.

É, porém, na obra Réflexions sur l‟éducation (1787), que se encontram

reflexões e o perfil do pensamento de Kant sobre educação. Esse texto foi publicado

213

Segundo Thomas Ransom Giles, o objetivo da Filosofia da Educação é procurar aprofundar e compreender o processo educativo tal como é vivido, para poder enfrentar as questões fundamentais desse processo. Ela pretende, sobretudo, levar aqueles que são responsáveis pela orientação do processo educativo a descobrir o sentido radical desse processo, mediante a compreensão radical daquilo que é, pois essa compreensão abre o caminho para aquilo que pode vir a ser. GILES, Thomas Ransom. História da Educação. São Paulo: E.P.U., 1983. p. 29. Nesse mesmo sentido entendemos que a Filosofia da Educação almeja a compreensão do processo educativo como tal, para que a escolha de objetivos e meios seja mais coerente com as necessidades fundamentais do homem.

214VINCENTI, Luc. Educação e liberdade: Kant e Fichte. São Paulo: UNESP, 1994. p. 10; 11.

215KANT, Immanuel. Le conflit des facultes. Paris: Vrin, 1973. p. 94-95.

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

119

pela primeira vez em 1803216, logo após a morte de Kant, por Friedrich Theodor

Rink, aluno e discípulo de Kant.

O texto intitula-se Immanuel Kant über Pädagogik (1803) e foi traduzido para

o inglês, em 1960, sob o título de Education. Trata-se, segundo aponta Franco

Cambi217, de um curso de pedagogia proferido por Immanuel Kant para os alunos da

Universidade de Königsberg e apresenta um texto conciso, por vezes quase

apodítico, além de apresentar exposições de princípios e enunciação de conselhos

práticos.

Essa faceta educacional de Immanuel Kant desconhecida pelos juristas,

apresentando, contudo, grande relevância para o mundo acadêmico do Direito. Nela

fixa pontos em comum com a obra de Rousseau, já que a formação educacional de

Immanuel Kant deu-se por meio do escritor genebriano.

O projeto educacional de Immanuel Kant é original e orgânico, apresentando-

se por um rigor ético e humanista, destinado a formar um homem universal e

racional, marcado pela cultura, pelo autocontrole, pela moral e, especialmente, pelo

caráter. Sua proposta educativa afirma-se como uma das maiores elaborações da

pedagogia iluminista, confiante nas reformas, em especial na reforma da sociedade

pela educação, idéias essas, aliás, que não se pode deixar de compartilhar.

O homem tem para perspectiva educacional kantiana necessidade de

cuidados e de formação desde a mais tenra idade. Por isso mesmo, o processo

educativo kantiano envolve, ao mesmo tempo e, de forma integral, os seguintes

componentes para o bom desenvolvimento da natureza humana: nutrição, disciplina,

instrução moral e cultura.218

O homem na concepção kantiana deve, portanto, ser visto como ser integral,

holístico e sistêmico, educado assim, tanto para a disciplina, quanto para a cultura,

para a prudência e para os princípios; desenvolvendo, dessa maneira, suas aptidões

para o dever, para o bem, para a cultura e para a socialização.219

Segundo Immanuel Kant220, na educação o homem deve:

216

Conforme aponta PALMER, Joy A. 50 grandes educadores: de Confúcio a Dewey. São Paulo: Contexto, 2005. p. 80.

217CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. p. 361.

218KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2002. p. 25-27.

219Ibid., p. 25-27.

220Ibid., p. 25.

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

120

a) ser disciplinado: disciplinar, segundo o filósofo quer dizer, procurar impedir

que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como

na sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria221;

b) tornar-se culto: a cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A

cultura é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade

condizente com todos os fins que almejamos. Ela, portanto, não determina

por si mesma nenhum fim, mas deixa esse cuidado às circunstâncias.222

A educação deve também cuidar para que o homem se torne prudente, que

ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha influência. A

essa espécie de cultura pertence aquela chamada propriamente de civilidade. Essa

requer, contudo, certos modos corteses, gentileza e a prudência de nos servimos

dos outros homens para os nossos fins. Ela se regula pelo gosto mutável de cada

época223;

c) cuidar da moralização: não basta que o homem seja capaz de toda a sorte

de fins; convém também que ele consiga disposição de escolher apenas

os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos

e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.224

O homem pode ser ou treinado, disciplinado, instruído mecanicamente, ou ser

em verdade ilustrado. Adverte, porém, sobre a necessidade do pensamento crítico,

já que “treinam-se os cães e os cavalos, porém, também os homens podem ser

treinados. Entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a

pensar”.225

Immanuel Kant226 fala em sua proposta educacional de “deveres para

consigo”, e “para com os outros”, da centralidade do “direito”, da “razão”, remetendo

a criança e o homem a uma “educação religiosa”, a iniciar-se já, na idade mais tenra

a “Deus e ao dever”, e para a compreensão da “lei do dever”.

221

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2002. p. 25. 222

Ibid., p. 26. 223

Ibid., p. 26. 224

Ibid., p. 26-27. 225

Ibid., p. 25-27 226

Ibid., p. 27.

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

121

Percebe-se assim que, como a arte da educação, a pedagogia kantiana deve

ser raciocinada de forma sistemática visando a desenvolver a natureza humana

holisticamente para essas qualidades.

Immanuel Kant enxerga o homem na sua compreensão integral, do todo

humano, e não como ser humano fragmentado.

Embora possa parecer que a teoria da educação seja secundária na obra de

Immanuel Kant, entende-se que ela permeia muito de sua obra, especialmente nas

Críticas, onde é observado o funcionamento do entendimento, objeto da teoria do

conhecimento e da razão humana, na perspectiva de um sujeito conhecedor.

Immanuel Kant se pergunta227

Não sei porque os educadores da juventude não fizeram há muito tempo uso dessa razão de entrar com prazer no exame das questões práticas [...] É uma coisa na qual até mesmo a primeira juventude sente o progresso de seu julgamento.

Para Immanuel Kant essa atividade racional, conhecedora e sistemática há de

ser o fio condutor de toda a educação e a conduta moral de todo ser humano.

Platão e Immanuel Kant desenvolveram uma das mais influentes filosofias

que lidam com a educação: o idealismo.

Os idealistas, conforme apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver228

Acreditam que as idéias são a única realidade verdadeira. Não que todos os idealistas rejeitem a matéria (o mundo material); ao contrário, sustentam que o mundo material é caracterizado pela mudança, pela instabilidade e pela incerteza, ao passo que as idéias são resistentes e duradouras. Na Academia platônica, os estudantes eram encorajados a lançarem-se no mundo da concepção das idéias, em vez de no mundo da percepção dos dados sensoriais.

227

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2002. p. 85-107. 228

Conforme apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver: “É preciso salientar, contudo, que os idealistas acreditam que a educação não deveria apenas enfatizar o desenvolvimento da mente, mas encorajar os estudantes a se voltarem às coisas de valor duradouro. Acompanhados por Platão, acreditam que o objetivo da educação deveria ser direcionado para a busca de idéias verdadeiras. Saliente-se ainda que outro objetivo idealista importante é a busca do desenvolvimento do caráter, pois a busca da verdade demanda disciplina pessoal e caráter firme”. OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da Educação. Porto Alegre: Artmed. p. 27-30. Cita-se como exemplos de pensadores idealistas, Santo Agostinho (idealismo religioso), René Descartes (idealismo moderno), George Berkeley, Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Mais recentemente: Giovanni Gentile, Josiah Royce, Donald Butler, Herman Horne, dentre outros.

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

122

Do ponto de vista curricular, sem diminuir o valor do desenvolvimento de um

currículo, os idealistas enfatizam a necessidade e a importância na educação, em

qualquer nível, de ensinar os estudantes a pensarem.

É razoável esperar pela perspectiva idealista, que os estudantes demonstrem

alguma visão crítica do material curricular ao qual estão expostos.

De maneira geral, a grande preocupação curricular dos idealistas está em

preservar e promover a cultura, dando ênfase à auto-realização, aos aspectos

humanos e pessoais da vida, e especialmente ao enfoque curricular sistêmico,

abrangente, sistemático e holístico, pois parte-se da premissa idealista do

desenvolvimento do homem ideal e da sociedade ideal.

Para os idealistas, o pessoal é mais importante que o factual em si; o

autoconhecimento é mais importante do que o conhecimento do mundo “Conhece a

ti mesmo” (Sócrates). Os idealistas buscam a auto-realização, que também será

buscada por realistas como Aristóteles.

Os idealistas concordam que muitos dos materiais e disciplinas curriculares

são, todavia, inadequados. Entretanto, o idealismo é freqüentemente considerado

uma filosofia da educação conservadora, porque muito das suas realizações são

dirigidas para a preservação de tradições culturais. Isso provém da preocupação dos

idealistas com verdades eternas e essenciais da noção de que a educação é,

sobretudo, uma questão de transmitir a herança cultural.

Alguns idealistas do passado da teoria educacional são Sócrates, Platão,

Santo Agostinho, Berkeley, Kant, Hegel, Harris, Froebel. Idealistas recentes são:

Bradley, Croce, Getnile, Royce, T.H. Green, Hocking, Caastell.

Podemos citar ainda, como exemplos de pensadores idealistas, Santo

Agostinho (idealismo religioso), René Descartes (idealismo moderno), George

Berkeley, Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. E, contemporaneamente:

Giovanni Gentile, Josiah Royce, Donald Butler, Herman Horne, dentre outros.

A crítica ao idealismo aponta ainda seu enfoque abrangente, sistemático e

holístico nas questões educacionais e do currículo.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

123

1.9.2 Realismo

Aristóteles (384-322 a.C.) é tido como “lógico da educação” e como “mestre

dos que sabem”. Aristóteles desenvolve visão de que, embora as idéias pudessem

ser importantes em si, um estudo adequado da matéria iria levar-nos a idéias mais

claras.

Foi aluno de Platão, tendo estudado na Academia229 por aproximadamente 20

anos; posteriormente abriu sua própria escola, denominada Liceu.230

Sua influência, como aponta Franc Morandi231, não se orienta pelo ideal da

Paidéia232 que ele retoma em suas grandes linhas, mas pela criação da silogística e

da retórica, um dos fundamentos da cultura educativa e científica do século XVII,

bem como pela obra considerável, uma verdadeira enciclopédia dos saberes da

antiguidade, que interessa todo domínio do pensamento e da ciência.

Segundo Aristóteles as idéias (formas) como, por exemplo, a idéia de Deus,

podem existir sem matéria, mas a matéria não pode existir sem forma. Contudo,

cada pedaço da matéria tem propriedades universais e particulares.

Assim como as pessoas têm suas diferentes propriedades particulares, duas

pessoas nunca são exatamente iguais, porém, ainda assim, repartem algo em

229

Segundo indica Marilena Chauí a Academia (Akademeia) foi o primeiro instituto de investigação filosófica do Ocidente. Ali se pretendia, em todos os campos do saber, realizar o ideal socrático da autonomia da razão e da ação contra a heteronomia em que se comprazia o sofista, e onde o ideal da educação autônoma significava ensinar o livre espírito de pesquisa, o compromisso do pensamento apenas com a verdade e o estímulo da autodeterminação ética e política ao invés de transmitir somente doutrinas. CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 226. Acrescenta Henri-Irénée Marrou que a “Academia era, ao mesmo tempo, uma Escola de Altos Estudos e um Instituto de Educação”. MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antigüidade. São Paulo: EPU, 1990. p.112. Ainda, segundo aponta Carlos Alberto Nunes, a Academia foi fundada, “no ano de 387 antes de Cristo, só vindo a ser dissolvida, no ano de 529 da nossa era, por Decreto do Imperador Justiniano. Em toda a história da cultura grega não há, segundo o emérito professor da Universidade Federal do Pará, que traduziu o Corpus Platonicum, diretamente, do grego para a língua portuguesa, notícia de uma Escola desse tipo que durasse 900 anos”. PLATÃO. Diálogos: Teeteto, Crátilo. Belém: UFPA, 2002. p. 3.

230No Liceu (Lykeion) – situado provavelmente entre o monte Licabetos e o Ilissos, num bosque dedicado às Musas e a Apolo Lício –, Aristóteles dirigiu de 335 a 323 a.C. Do mesmo modo que a Academia – praticava-se a vida comunitária e se ministravam lições de filosofia, retórica e dialética, mas sua disciplina, no entanto, era mais rígida do que a da escola de Platão. Cf. LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia universitária no Direito Educacional Brasileiro. São Paulo: Segmento, 2005. p. 22.

231MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 61.

232O conceito de Paidéia foi tratado no item 1.2 do presente trabalho, quando analisou-se o conceito de educação.

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

124

comum, universal, denominado caráter humano (realidades), que existem

independentemente da forma.

Aristóteles argumentava ainda que a forma das coisas, as propriedades

universais dos objetos, permanece constante, nunca mudam, mas os componentes

mudam.

Aristóteles e Platão concordavam que a forma é constante e que a matéria

está sempre em alteração, porém Aristóteles acreditava que a forma era inerente à

matéria particular sendo a força motriz de tal matéria. Aristóteles acreditava também,

que cada objeto tinha uma “alma”, que direcionava as pessoas ao caminho certo.

Na Ética a Nicômaco233, Aristóteles fala dos princípios da educação do

cidadão e embora mencione o ensino particular, na A Política234, desenvolve mais

sua teoria sobre a educação de modo mais demorado, o ensino dos jovens,

sobretudo público, e para todos.

Aristóteles contribui de modo considerável para completar a imagem

teleológica da educação na Antiguidade Clássica. Contrariamente a Platão,

concretizou e especificou a noção de felicidade, que considerou o objetivo

fundamental de sua teoria política e pedagógica. Nele, o valor pedagógico da

contemplação da virtude torna-se um hábito ativo, que supera o racionalismo de

Platão em Sócrates.

Aristóteles afirmava que o objetivo da educação é, sobretudo, fazer as

pessoas virtuosas. Contudo, a virtude para ele é uma disposição da vontade:

“Aquele que conserva a justa medida é, de algum modo, um homem verdadeiro”.235

Nesse sentido, a ética, que é uma busca, deve ensinar como agir, não no geral, mas

nos casos particulares da vida humana.

O ato humano é assim um ato por escolha refletida, uma deliberação, uma

decisão. A sabedoria para Aristóteles não é tanto sophia quanto phoronésis,

inteligência prática que é traduzida por prudência.

Para Aristóteles, no entanto, o conhecimento da virtude por si só, não é

suficiente para determinar o comportamento do homem.

233

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. passim. 234

Id. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Livro II, cap. VI, p. 65-84. 235

Id., op. cit., Livro II, § 1106a; 1107a; 1107b1, p. 74; 85, nota 233.

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

125

É preciso, no entanto, muito esforço para se chegar lá. Assim, a virtude está

associada às noções de fazer e agir, tornando-se uma das noções mais importantes

da educação no âmbito da pedagogia ativa que se constitui hoje o objetivo principal

da reflexão pedagógica moderna.

Em síntese, a educação aristotélica é uma educação pelo conhecimento, da

qual o homem é o pólo constitutivo. Liga-se tanto à cidade quanto ao exercício

intelectual de cada um.

As filosofias realistas da educação afirmam que as verdades universais são

independentes das mentes ou pontos de vista – dão ênfase no intelectual, contudo,

a educação deve incluir os valores e as potencialidades da vida. A educação deve

tornar as pessoas conscientes.

O currículo sob a perspectiva filosófica realista deve enfocar os estudos

práticos como, por exemplo, a escrita, desenho, leitura, aritmética, ética e direito, e

estudos complementares de dança, esgrima, equitação.

Ainda, segundo a concepção realista, o currículo deve-se valorizar,

especialmente, os aspectos físicos e mentais do educando, e enfatizar assuntos

relativos à realidade exterior; objetiva e, ainda, enfatizar a abordagem de maneira

sistemática e organizada.

Enfatiza-se, também, dentro dessa concepção de educação, o valor das

brincadeiras e das atividades físicas ao ar livre.

Outra característica dos currículos elaborados sob a concepção realista é a

ênfase na questão didática e no estudo de objetos em educação.

Podemos citar, como realistas do passado: Aristóteles, Tomás de Aquino,

Comenius, Descartes, Locke, Hobbes. Realistas contemporâneos destacam-se:

Herbert, Broudy, Maritain, Newman, Adler, Whitehead.

João Amós Comenius236, teólogo e educador tcheco, do século XVI, foi quem

introduziu pela primeira vez o uso das imagens237 no processo educacional.

236

João Amós Comenius (1592-1670), educador tcheco, nasceu na Morávia. Criador de um sistema educacional que até hoje não foi superado, foi pioneiro do ecumenismo. Estudou teologia e ocupou a reitoria de um colégio, antes de ser ordenado padre. Vítima da guerra dos Trinta anos passou grande parte de sua vida no exílio, primeiro na Polônia, onde foi bispo, depois na Suécia, Prússia e Holanda, onde faleceu. Sobre a vida de Comenius, reportamo-nos à obra ilustrada de Covello.

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

126

João Amós Comenius acreditava ser possível ao indivíduo assimilar todo o

conhecimento, se fornecido o tipo adequado de educação. Fortalecendo a convicção

de que o homem é capaz de aprender e pode ser educado.

A teoria educacional de João Amós Comenius surpreende pela atualidade.

Defende-se nela uma educação que ultrapasse os meios clássicos, como o ensino

da religião e da ética.

O currículo, além das matérias citadas, incluía música, economia, política,

história e ciências. Na prática do ensino, João Amós Comenius foi o pioneiro na

aplicação de métodos que despertassem o crescente interesse do aluno.

Educação, que deveria basear-se em um currículo para aperfeiçoar os

poderes naturais por meio do treinamento dos sentidos e escolas que deveriam ser

lugares agradáveis com professores simpáticos.

Essa idéia de desenvolvimento dos sentidos na educação e no currículo,

também foi adotada por Jean Jacques Rousseau, Johann Pestalozzi e Froebel,

dentre outros.

A defesa por uma educação dos sentidos238 encontra-se nas reflexões

poéticas de Rubem Alves.239

COMENIUS, apud COVELLO, Sergio Carlos. Comenius a construção da Pedagogia. São Paulo: Comenius, 1999. Passim.

237Quase todos os filósofos ou sistemas filosóficos falaram sobre o olhar ou a partir dele. Platão no entanto, nos adverte quanto a busca da verdade no mundo das idéias, e não no mundo sensível, pois aquele que se deixa seduzir pelo mundo dos sentidos, precisa assumir os riscos da incerteza. Os sentidos, como as paixões, perturbam a alma, conduzem ao vício e à loucura, pois o homem é absorvido pelo que contempla. Por essa razão Platão nos convida a desconfiar da percepção, das pulsões e dos caprichos do corpo. A estabilidade e a harmonia estariam, segundo ele, no mundo supra-sensível, nas idéias transcendentes e separadas do sensível. Quando Platão nos propõe, no mito da caverna que, por uma operação do olhar, o homem se afaste do mundo sensível, estava ao mesmo tempo dirigindo o olhar para um “ver concentrado no mundo das idéias”. Livrar-se do mundo sensível e de suas flutuações, procurar ver o fundamento do sensível, que é a Idéia. Existe algo mais sólido e mais durável na sua essência porque é algo que não sofre, não nasce, não morre: é o pensamento divino universal. PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. Livro VIII, p. 514a-517c.

238Nesse sentido, veja-se: ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais. São Paulo: Verus, 2005. passim.

239Rubem Alves (1933) nasceu em Minas Gerais, e morou no Rio de Janeiro, em razão da falência de seu pai. Sua solidão nessa cidade, o fez religioso e amante da música. Quis ser médico, pianista e teólogo. Foi pastor em Lavras, e fez mestrado em Nova Iorque (1962-1963). Voltou para o Brasil em 64, porém retorna para fazer doutoramento em Princeton. Da sua vasta obra, reportamo-nos especialmente, a Conversas com quem gosta de ensinar e Estórias de quem gosta de ensinar. Além de exercer a profissão de psicanalista escreve contos para crianças. Propõe da filosofia da educação voltada no prazer.

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

127

Rubem Alves240 diz, “não sou filósofo porque não penso a partir de conceitos.

Penso a partir de imagens. Meu pensamento se nutre do sensual. Preciso ver.

Imagens são brinquedos dos sentidos. Com imagens eu construo histórias”.

Para Rubem Alves, é preciso valorizar-se na educação e no currículo, o

prazer, a felicidade, a linguagem do amor e das coisas belas na aprendizagem, para

que o corpo se levante e se disponha a lutar.

1.9.3 Naturalismo

Jean Jacques Rousseau241 (1712-1778) entende a educação como o meio de

proteção. A sociedade é que perverte a criança, sendo, portanto, má a sua

influência.

Conseqüentemente, ele protege a criança contra essa influência, até ela estar

desenvolvida, quando seria, então difícil destruir-lhe a natureza interior.

Seu pensamento educacional está contido na obra Emílio ou da educação,

escrita entre 1757 a 1760. Adotando-se uma forma pouco comum aos tratados

pedagógicos, Jean Jacques Rousseau efetua em Emílio um exercício de razão para

propor como poderia ser o homem do estado futuro. Emílio é proposto como um ser

no qual atuam as leis naturais (definidas pelo autor como o impulso para

conservação de si e para a conservação da espécie) e sobre o qual não atuam

convenções existentes.

Ao retirá-lo da sociedade corrompia para educá-lo no campo, Jean Jacques

Rousseau parece pretender recriar as condições vigentes no estado de natureza,

mas dado que esse estado jamais existiu, a relação de Emílio com a sociedade

240

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São Paulo: Loyola, 1999, p. 81-82

241Jean-Jacques Rousseau, conforme aponta Vera Teresa Valdemarin, nasceu em Genebra, no dia 28 de junho de 1712, e faleceu em 02 de julho de 1778. Pertencia a uma família de protestantes, na qual adquiriu instrução. Converteu-se ao catolicismo, retornou ao protestantismo, exerceu funções de preceptor e de professor de música. Pobre, com vida atribulada e sofrendo de mania de perseguição, escreve inúmeras obras que se tornam marcos fundamentais na Filosofia Política, na Educação e na Literatura. Sua contribuição para o pensamento educacional é, especialmente sua obra Emílio ou da educação. VALDEMARIN, Vera Teresa. Pedagogia, educação da infância e o futuro do homem: porque ler Rousseau hoje. In: PAGNI, Pedro Ângelo; SILVA, Divino José da. (Org.). Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Avercamp, 2007. p. 146-164.

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

128

ocorre pela mediação242 do educador. Um educador que, com efeito, é um crítico

dessa mesma sociedade e portador de um projeto para o futuro assentado em novas

bases.

Conforme aponta Ivanilde Apoluceno de Oliveira243, a obra é um ensaio

pedagógico sob a forma de romance que procura expor os princípios de uma

educação conforme a natureza, com a finalidade de recriar o homem natural.

Segundo Jean Jacques Rousseau, a educação é adquirida por meio dos

homens, das coisas, da natureza. O desenvolvimento das nossas faculdades é

segundo sua concepção, a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer

desse desenvolvimento é a educação dos homens; e a aquisição de nossa própria

experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas.

Jean Jacques Rousseau entende a necessidade de se iniciar a educação na

mais tenra idade (no momento do nascimento), projetando a educação até a vida

adulta, isto é, no exercício da política, perdurando assim toda vida, sem exclusão de

qualquer etapa da existência.

O mérito do autor consiste em transformar os princípios que têm vigência na

vida adulta em práticas compreensíveis em cada uma das fases da vida do ser

humano.

Fixados os princípios políticos – o exercício da liberdade, da autonomia e da

igualdade como condições impeditivas da dependência –, a inteligibilidade desses é

diferenciada em cada uma das fases da vida, determinados pelo autor, pelas leis da

natureza, de modo que a educação seja a prática que os efetiva.

Assim, a ação política e a ação pedagógica devem atuar ao mesmo contexto,

descrito na sua obra244: “O homem nasce livre e por toda a parte encontra-se a

ferros”, conforme expressão do Contrato Social, e “o homem civil nasce, vive e

morre na escravidão; ao nascer, envolvem-no em um cueiro; ao morrer, encerram-no

242

Mediação de modo geral, é a ação que relaciona dois elementos, que serve de ponte, de passagem, de uma coisa a outra. De modo mais especificamente filosófico, mediação é a relação concreta pela qual um dado elemento viabiliza a realização de outro. Cf. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 23.

243OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Filosofia da Educação: reflexos e debates. Rio de Janeiro: Vozes, 2006. p. 69.

244ROUSSEAU, J. J. Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Livro I, cap. I, p. 19.

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

129

em um caixão; enquanto conserva sua figura humana está acorrentado às nossas

instituições”.

Para Jean Jacques Rousseau a educação que começa no nascimento,

baseia-se epistemologicamente na concepção da mente como “tábula rasa”, sendo

as idéias geradas pelas impressões provenientes dos sentidos que se iniciam com a

vida e são limitadas pelo desenvolvimento da percepção, que seguem etapas

naturalmente determinadas.

Em Emílio, Jean Jacques Rousseau245 define a educação como “meio de

proteção, o meio de defender a criança contra a influência da sociedade, a qual

deformaria o desenvolvimento natural de seu verdadeiro eu”.

Jean Jacques Rousseau246 afirma ainda

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência, nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando somos grandes nos é dado pela educação.

A importância da linguagem na criação da dependência ou de sua autonomia,

é enfatizada pelo autor em todas as fases de desenvolvimento, mas na primeira

infância, esse cuidado é redobrado, dadas as conseqüências na vida adulta,

conforme a seguinte descrição: ao afirmar que a educação vem da natureza

(faculdades), dos homens (o uso que faz das faculdades) ou das coisas (experiência

com os objetos), Jean Jacques Rousseau aponta para a importância de não tornar

as três direções contraditórias, submetendo-as ao comando da natureza, a única

que deve ser obedecida, porque determina o desenvolvimento dos seres humanos.

Jean Jacques Rousseau critica o ensino livresco e de memorização da época,

enfatizando o desejo de aprender e a utilidade no uso da leitura.

Jean Jacques Rousseau247, nesse sentido, aponta:

Cuida-se muito de descobrir os melhores métodos de ensinar e ler; inventam-se escrivaninhas e mapas; fazem do quarto da criança uma tipografia. Locke quer que ela aprenda a ler com dados. Não vos parece uma bela invenção? Que lástima! Um meio mais seguro, e que sempre se esquece, é o desejo de aprender. Dai à criança esse desejo e deixai de lado vossas escrivaninhas e vossos dados.

245

ROUSSEAU, J. J. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Livro I, p. 7-64. 246

Ibid., p. 8. 247

Ibid., p. 110.

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

130

A principal contribuição de Jean Jacques Rousseau ao pragmatismo248, não

foi o romantismo do tipo nobre selvagem, e sim a conexão educacional entre a

natureza e a experiência. Foi sobre essa conexão que ele construiu sua teoria sobre

a educação.

Ainda que muitos tendam a destacar Jean Jacques Rousseau como um

romântico por causa das suas visões sobre o nobre selvagem, sua teoria continua a

ser atraente, à luz da complexidade crescente da moderna sociedade tecnológica.

Certamente sua conexão entre a natureza e a experiência influenciou muitos

teóricos educacionais incluindo Pestalozzi (1746-1827), que queria a reforma da

sociedade por meio da educação das classes operárias, objetivando menos na

aquisição de conhecimento e mais no desenvolvimento psíquico da criança.

Uma marca da filosofia de Jean Jacques Rousseau é que a educação deveria

ser guiada pelos interesses da criança. Interesses, que não são, todavia, caprichos.

Ao referir-se a interesse, Jean Jacques Rousseau queria dizer a tendência

inata das crianças de descobrirem coisas novas sobre o mundo que os cerca,

defendendo sua liberdade e não licenciosidade.

1.9.4 Materialismo histórico-dialético

Antônio Gramsci nasceu em Sardenha (Itália), em 1891, filho de camponeses

pobres. Deslocou-se para Turim em 1911, e participa ativamente da luta dos

trabalhadores italianos. Em 1915, Antônio Gramsci dirige o jornal de tendência

socialista. Opondo-se à Guerra de 1914-1918, critica a transformação de

trabalhadores em soldados.

248

Conforme apontam Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, o pragmatismo é a corrente filosófica, mantida em diferentes versões por dentre outros, Charles Sanders Pierce, William James e John Dewey, que defendem o empirismo no campo da teoria do conhecimento e o utilitarismo no campo da moral. O pragmatismo valoriza a prática mais do que a teoria e considera que devemos dar mais importância às conseqüências e efeitos da ação do que a seus princípios e pressupostos. A teoria pragmática da verdade mantém que o critério de verdade deve ser encontrado nos efeitos e conseqüências de uma idéia, em sua eficácia, em seu sucesso. A validade de uma idéia está na concretização dos resultados que se propõe obter. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 218. Pragmático significa concreto, aplicado, prático, opondo-se a teórico, especulativo, abstrato. Daí Kant ter intitulado uma de suas últimas obras a Antropologia de um ponto de vista pragmático (1789), já que se trata de um sujeito empírico, em oposição ao sujeito transcendental, isto é, um homem em sua existência concreta.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

131

De idéias marxistas, adaptou as idéias de Lênin à situação da Itália e funda,

em 1919, o jornal dos “Conselhos de Fábrica”. Em 1921, dirige o partido comunista

italiano que ajudara a fundar. Em 1923, foi preso por ordem de Mussolini e durante

quase 11 anos viveu na prisão, período em que escreveu boa parte de sua obra,

anotando de forma fragmentária suas reflexões em cadernos os quais alguns

escaparam da destruição fascista. Morreu em 27 de abril de 1937.

Antônio Gramsci fundamenta-se no materialismo histórico-dialético,

concebendo o homem como processo de seus atos. Contudo, entende que além da

individualidade, outros elementos são importantes nesse processo, como por

exemplo, os outros homens e a natureza. Esta relação se processa organicamente,

e não por justaposição: na medida em que o ser humano modifica a si próprio

modifica também o mundo.

Para Antônio Gramsci249, “o homem é essencialmente político, já que a

atividade para transformar e dirigir conscientemente os homens realiza a sua

„humanidade‟, a sua natureza humana”.

Segundo Antônio Gramsci (1991b), o que une ou diferencia os homens não é

o pensamento (uma mesma natureza ou essência), mas, o objeto ou produto do

pensar que é dimensionado em ação.

A natureza humana para ele é o complexo das relações sociais porque inclui

a idéia de devenir, o ser humano muda com o mudar das relações sociais,

caracterizando-se como ser histórico dialético e concreto. Antônio Gramsci

estabelece assim, uma relação dialética entre o indivíduo e a sociedade,

prevalecendo o social, na medida em que o indivíduo tende a ser ultrapassado pelo

homem como formação histórica, sendo determinado nas suas opções pelo coletivo.

Antônio Gramsci, tomando como referência Marx, desenvolve o conceito de

superestrutura e considera esse conceito importante para o funcionamento da

sociedade. De acordo com o marxismo, as relações sociais compõem-se de

estrutura e superestrutura, e esta última comporta uma sociedade civil e uma

sociedade política ou Estado e valoriza-se nessa relação o estrutural ou o

econômico.

249

GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 48.

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

132

Em Marx a sociedade civil se identifica com a “estrutura”, enquanto em

Gramsci a identificação se faz com a “superestrutura”.

Essa visão, segundo Antônio Gramsci, permite melhor avaliar no processo

educacional, o ideológico. O Estado equivale à sociedade política e representa o

momento de força; a sociedade civil é formada por uma rede de funções educativas

e ideológicas, responsáveis pelas atividades diretivas da sociedade (organismos

privados) e sociedade política (Estado), que correspondem à função de hegemonia

que o grupo dominante exerce em toda a sociedade.

A sociedade civil é definida por Antônio Gramsci em função do conceito de

hegemonia: hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a

sociedade. Hegemonia significa poder-direção-dominação-consenso.

A hegemonia é uma ação que atinge a estrutura e a organização política da

sociedade, e também o modo de pensar, de conhecer, e sobre as orientações

ideológicas e culturais. Nesse sentido, é que as relações hegemônicas são

pedagógicas.

Finalmente, Antônio Gramsci assinala o primado da cultura humanístico-

filosófica sobre o cientificismo enquanto pretensão de encontrar respostas para

todos os problemas do ser humano.

A educação para Antônio Gramsci deve ser entendida em relação aos dois

níveis da realidade social: estrutural e superestrutural. Para ele a educação é um

processo implicado diretamente com a reprodução das relações de produção,

possibilitando que estas relações ou reforcem a dominação ou provoquem a sua

mudança estrutural.

Como instrumento de mediação entre as classes, a educação forma a

consciência, que tanto pode aderir à ideologia vigente (mascaramento), como pode

superar e desmascarar esta ideologia. O processo educativo é um instrumento de

persuasão, é dissimulador. Em Antônio Gramsci são o vínculo entre ciência e

trabalho, cultura e técnica, teoria e prática.

As filosofias marxistas da educação afirmam que a realidade é um processo

dinâmico de transformação natural e cultural no qual mente é uma expressão da

consciência de classe ou de grupo.

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

133

O alvo da educação e do currículo para os marxistas é o condicionamento dos

aprendizes para agir em prol e como parte da inevitável transformação social, que

leva à sociedade ideal sem classes, visando, dessa forma, à implementação da

revolução social.

Acreditam ainda que a verdade depende das necessidades revolucionárias,

ela é, contudo, segundo essa perspectiva, um produto da consciência social e da

oportunidade histórica – não é contudo, descoberta ou universal. Nesse sentido, o

socialismo e o comunismo são os ideais que a educação deve implementar.

Além de Marx, são filósofos marxistas: Anton Makarenko e Koralev, Robert

Price, entre outros.

A crítica250 ao marxismo na educação e suas perspectivas aponta que os

marxistas apresentam uma falta de sensibilidade às mudanças positivas pelas quais

passaram as economias industriais não-socialistas.

Eles observam, também, que a práxis ou ação humana determinada pode ser

aplicada a teorias e sistemas não-socialistas e que a dialética da história, ou a

evolução histórica, pode não ser apenas um desenvolvimento socialista ou

materialista.

1.9.5 Positivismo

Auguste Comte251 (1789-1857), considerado um dos pais da Sociologia

Moderna, fez um enorme esforço para aplicar a ciência para resolver os problemas

sociais. Sua principal característica foi a devoção aos estudos e à filosofia positivista.

250

OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da Educação. Porto Alegre: Artmed. p. 326-327.

251Filósofo francês nascido em 19 de janeiro de 1789, em Montepellier, na França; Isidore-Auguste- Marie-François-Xavier Comte, passou a usar o nome de Auguste por volta de 1818. Em 1806, entra como interno no liceu de Montpellier e em 1812 prepara-se para o concurso da Escola Politécnica sob a orientação de Daniel Encontre, professor de matemática e decano da Faculdade de Teologia de Montauban. É admitido na Escola Politécnica. Comte participa na escola de uma rebelião, e a escola é suspensa por ordem do governo. Passa a dar aulas para viver e conhece Saint-Simon (1760-1825). Esse encontro foi decisivo para a formulação de sua doutrina e sua leitura mais acessível, se se pensar na época em que ele viveu, abalada por inúmeros conflitos devidos a transformações econômicas, sociais e políticas, em conseqüência da Revolução Francesa. Com efeito, Saint- Simon e seus seguidores propunham a hierarquização da sociedade com base nos seguintes princípios: a cada um segundo sua capacidade, a cada capacidade segundo suas obras; o antagonismo social deve dar lugar à associação universal; a propriedade hereditária deve ser suprimida; o Estado será proprietário das riquezas e repartirá os instrumentos de trabalho segundo as necessidades e as capacidades. Com esses princípios atendidos, se chegaria ao primado da

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

134

O sonho de Comte era reformar a sociedade pela aplicação da ciência. A

filosofia de Comte para a sociedade é vista como uma ciência positiva, experimental,

denominando-a inicialmente de “física-social”.

Baseando-se nesta definição, bem como se apoiando nos pensadores

empiristas do século XVIII, que afirmavam que as leis da sociedade humana podem

ser entendidas aplicando-se os instrumentos da ciência, Comte insere uma nova

teoria da sociedade denominada “positiva”.

A teoria positiva parte do princípio de que os homens devem aceitar a ordem

existente, não devendo contestá-la. Assim, também, ao ser humano, cabe revelar o

mundo, não existindo a possibilidade de mudá-lo.

O positivismo está alicerçado na prática da coleta de dados sobre

determinada sociedade, cuja análise será feita pela constatação e confirmação de

dados. É composto assim pela experimentação, pelo pragmatismo e pelo empirismo.

Não basta, portanto, a apresentação de idéias vagas, sem fundamentação e sem

consistência.

Para Auguste Comte, as leis estabelecidas pela ciência deverão ser aceitas,

não podendo haver nenhum tipo de contestação quanto ao que elas afirmam ou

impõem.

A crença no que de fato existe é fundamental. A verdade científica trata dos

fenômenos ou fatos dominantes ou constantes, não tendo como finalidade atingir as

causas últimas, limitando-se apenas a constatar a “ordem que reina no mundo”.

A evolução do intelecto e da consciência do homem só será possível se estes

se voltarem para o passado. As leis da natureza são sólidas, verdadeiras; trata-se do

Justiça. Decisivo também para doutrina positivista foi o pensamento de Condorcet (1743-1794) cujas idéias sobre o progresso – como uma lei da humanidade – a crença nas ciências naturais e a possibilidade de uma ciência da sociedade, Comte, encampou e redimensionou. Em 1817 torna-se secretário dele e colabora com Saint-Simon no Le Producteur, órgão ao saint-simonismo. Em 1830 inicia a publicação do seu Curso de Filosofia Positiva. Separa-se depois de 18 anos de matrimônio de Caroline Massin. Em 1844 conhece Clotilde Vaux que, segundo ele, a inspirou na sua admiração pela religião e humanidade. Em 1851 inicia a publicação do seu Sistema de Política Positiva ou Tratado de Sociologia instituindo a religião da humanidade. Em 1852 publica o Catecismo positivista ou Exposição sumária da religião universal. Em 1854, encerra a publicação do Sistema de política positiva. Morre a 5 de setembro de 1857, em Paris, tendo até a sua morte vivido da proteção de seus adeptos. Os dados bibliográficos sobre Comte nessa nota de rodapé, foram elaborados tendo como fonte de estudo a obra organizada por Hélgio Trindade, atualmente membro do Conselho Nacional de Educação – CNE. Veja-se a primorosa obra de TRINDADE, Hélgio. (Org.). O Positivismo: teoria e prática. Brasília: UNESCO, 2007.

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

135

mundo inteligível, razão pela qual o homem não deveria estar preocupado com as

questões futuras, pois para Comte há uma hierarquia da natureza podendo-se

compor de fenômenos simples ou complexos, sendo de natureza orgânica ou

inorgânica, inerente aos seres vivos e ao homem.

O mundo, segundo Auguste Comte, poderia ser interpretado partindo-se do

princípio de que havia um condicionamento que era realizado do inferior ao superior;

porém, os fenômenos da vida ou fenômenos sociais são condicionados, mas não

determinados pelos fenômenos químicos e físicos.

Assim as ciências humanas deveriam exercer, segundo a perspectiva

comteana, uma posição de relevância espiritual devendo as demais ciências sempre

se voltar para ela, por representarem o mais alto nível de complexidade. A

humanidade é, no entender de Auguste Comte, o único referencial para se obterem

mais informações quanto aos conhecimentos e métodos existentes.

Nesse contexto, a Filosofia é a ciência do entendimento e para se entender o

espírito humano, será necessário observar sua atitude e sua obra na sociedade,

através dos tempos. O modo de pensar e a atividade do espírito são solidários com

o contexto social, vinculam-se a uma determinada época de cada pensador.

Para Auguste Comte, as ciências exatas modificaram de forma irreversível a

relação que a humanidade mantém com a verdade. O conhecimento que os homens

têm de si mesmos torna-se um motor da humanidade. Comte afirma a função

diretora da ciência na aplicação da razão humana ao fato social. Ele enuncia o que

são para ele as condições da educação encarregada de difundi-la.

O seu Curso de Filosofia Positiva, redigido de 1830 a 1842, mostra o seu

vínculo com a obra educativa. A noção de curso está ligada ao seu método: “realizar

a condição intelectual necessária a realização e à formação da sociedade

positiva”.252

A obra educativa em Auguste Comte se preocupa com uma síntese dos

conhecimentos positivos em um sistema de explicação global. Ligando, assim, os

fatores científicos e sociais e conferindo à Filosofia a tarefa de organizar um sistema

252

COMTE, Augusto. Discours sur l’ensemble du positivisme. [1848]. Paris: Flamarion, 1998. p. 44-47.

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

136

direcionado para a realização conjunta da razão humana e da evolução política e

social.

Segundo o seu entendimento “acelerar o progresso dos homens, não é esse

o novo papel da educação” (instrução)? Com efeito, a essa Filosofia “modesta”

sucede a necessidade de uma ordenação sistemática dos conhecimentos humanos,

representativa de uma educação do espírito humano.

O conceito e a expressão positivismo podem ser tomados em duas acepções:

uma restrita e outra ampla. Em sentido estrito, dá-se a esse nome o sistema de

idéias filosóficas fundadas por Auguste Comte e, proclamado, posteriormente, por

seu discípulo Emile Littré (1801-1881).

É um sistema filosófico que tem por núcleo a Teoria dos Três Estados

empregada por Auguste Comte, e segundo a qual o espírito humano, ou seja, a

sociedade, a cultura, passa por três etapas: a teológica, a metafísica, e a positiva. As

chamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira

etapa, sua maioridade, rompendo com as anteriores.

Para Auguste Comte, as ciências se ordenam hierarquicamente da seguinte

forma: matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia, cada uma

tomando por base a anterior e atingindo um nível elevado de complexidade.

A finalidade última do sistema é política: organizar a sociedade

cientificamente com base nos princípios estabelecidos pela ciência positiva.

Em sentido amplo, serve para designar um movimento mais vasto dentro do

qual, como aponta Luís Cabral de Moncada253, “nenhum setor do conhecimento

humano ficou isento”. Nele cabem numerosas escolas e tendências do século XIX,

dentro e fora da França, em matéria de filosofia, de métodos científicos, de

psicologia, de sociologia, de história, de Direito e de política.

Assim, os ingleses: Stuart Mill, Alexandre Bain, Bentham, Herbert Spencer, e

os franceses Taine, Renan, Durkheim, antes Saint Simon, e muitos outros

pertencem igualmente a esse Positivismo em sentido lacto.

Cabem ainda os representantes da restauração do pensamento kantiano, na

segunda metade do século na Alemanha, os neokantistas, especialmente, os da

253

MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra Editora, 1995. p. 306-320.

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

137

denominada Escola de Marburgo, como Cohen, Natorp, Cassirer, e entre os filósofos

juristas, Stammler.

O Positivismo (positivisme) pode definir-se como o definiu Emile Littré254, seu

mais fiel discípulo, como sendo: uma atitude mental que visa a “dar a filosofia o

método positivo das ciências a idéia de conjunto da filosofia.” Essa foi a tarefa de

vida de Augusto Comte.

A posição central do positivismo pode ser resumida da seguinte maneira

negativa: repúdio a tudo que pudesse lembrar a metafísica, entendendo-se por

metafísica toda a proposição que excedesse o domínio da experiência e da

observação humana dos fatos sensíveis. Renúncia, portanto, a toda a forma de

compreender e explicar que não se fundem exclusivamente na observação dos fatos

e das relações de antecedência e conseqüência.

Assim, segundo Auguste Comte: nada se conhece para lá dos fenômenos, e

o próprio conhecimento que destes se tem é relativo e não absoluto.

Não é, porém, uma lição nova, é uma doutrina velha, desde a Grécia antiga

se pensava assim, por exemplo, em Bacon, Descartes, Galileu, Hume, Locke,

também Kant. A única inovação seria fazer disso255 uma ideologia256, a “ideologia

das ciências”.

O termo positivismo, segundo Maria Helena Diniz257, não é um termo unívoco,

pois tanto designa o positivismo sociológico como também o sociologismo eclético,

ou seja, a doutrina de Augusto Comte e as que a ela se ligam ou se assemelham,

como o estrito positivismo jurídico.

254

LITTRÉ, 1868, apud MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra Editora, 1995. p. 307.

255MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra Editora, 1995. p. 310.

256Ideologia é um termo que se origina dos filósofos franceses do final do século XVIII, conhecidos como ideólogos Destutt de Tracy, Cabanis, dentre outros, para os quais significava o estudo da origem e da formação das idéias. Posteriormente em sentido mais amplo, passou a significar um conjunto de idéias, princípios e valores que refletem determinada visão de mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política, ex. ideologia fascista, ideologia de esquerda, etc. O termo é amplamente utilizado, sobretudo por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas ciências humanas e sociais em geral, significando o processo de racionalização − um autêntico mecanismo de defesa – dos interesses de uma classe ou grupo dominante. Tem por objetivo justificar o domínio exercido e manter coesa a sociedade, apresentando o real como homogênio, a sociedade como indivisa, permitindo com isso evitar os conflitos e exercer dominação. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 136.

257DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 102.

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

138

Para Augusto Comte a sociologia era a única ciência social, a ciência geral da

sociedade, por isso a ciência jurídica seria um setor da sociologia.

Comte procurou eliminar da metodologia a busca apriorística de princípios

estabelecidos por via dedutiva; negando a metafísica, supervalorizou o empirismo,

afastando qualquer conhecimento que não tenha partido da observação.

Do pensamento positivista sociológico, destacam-se Durkheim, Duguit,

Gurvitch, Geny. No sociologismo jurídico, representados pela Escola Positiva do

Direito Penal italiano, destacam-se os seguintes pensadores Lombroso, Ferri,

Garofalo, Florian, Grispigni.

Nos EUA, o pensamento positivista sociológico encontra-se representado por

Holmes, Cardozo, Florian, Ehrlich, Dewey, Gray e Frank. Como representantes do

pensamento positivista sociológico jurídico escandinavo, pode-se citar ainda

Hägerström, Lundstedt e Alf Ross.

Por outro lado, o positivismo jurídico estrito aparece como tentativa de

amoralização completa do direito e da ciência jurídica de qualquer fator, base ou

fundamento moral ou de Direito natural, encontrando essa corrente guarida no

pensamento de Rudolf von Ihering, Jellinek e Waline, e Hans Kelsen.

O positivismo, nesse sentido, representa a tentativa de compreender o Direito

como um fenômeno social objetivo. É uma recusa, uma postura preocupada em

fazer derivar o Direito de outras fontes que não são as sociais (jusnaturalismo) ao

mesmo tempo em que se renega a fazer depender a existência do Direito de juízos

morais particulares.

O Positivismo Filosófico revela a perspectiva reducionista na qual o mundo é

reduzido à sua descrição científica, e o positivismo jurídico também partilha da visão

desencantada própria do mundo contemporâneo, nas quais as práticas sociais e,

portanto, o Direito, parecem carecer de um propósito ou sentido últimos.

O Positivismo Jurídico258, propriamente dito, pode ser mais rigorosamente

definido259 em harmonia com o clima da época da segunda metade do século XIX,

258

É preciso salientar, contudo, que as noções de positivismo jurídico e de formalismo identificam-se. Assim, pode-se dizer nas palavras de Norberto BOBBIO, que as noções de formalismo e positivismo jurídico coincidem quanto à extensão e que, com freqüência são empregadas como sinônimas. [...] Pode-se destacar que: 1) existe estreita vinculação entre o formalismo ético e o positivismo jurídico como ideologia; 2) o formalismo na definição do Direito (Direito como forma), o

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

139

da seguinte maneira: é aquela corrente da ciência jurídica segundo a qual Direito é

só o Direito positivo formulado pelo legislador, ou seja, pelo Estado.

Sob a ótica positivista, a lei não tem lacunas; os princípios gerais do Direito,

de natureza lógica, permitem num simples jogo de entendimento discursivo, achar a

solução legal para todos os casos, ainda, os não previstos pelo legislador; o juiz

deve ser meramente passivo e escravo da lei em todos os casos.

Por essa perspectiva os meios de estudo do conhecimento do Direito são os

puramente intelectuais, sem quaisquer apreciações valorativas, pessoais e próprias,

das questões; finalmente, o mesmo juiz, tornado com estes meios ominisciente,

jamais pode denegar justiça com o fundamento de não ter lei aplicável ao caso a

resolver.

No Brasil, as idéias positivistas no âmbito educacional vieram a concretizar-se

na primeira Reforma do Ensino, de autoria de Benjamin Constant Botelho Guimarães

(1836-1891)260, cuja concepção foi adotada, inicialmente, pelas Academias Civis e

Militares e, posteriormente, foram adotadas nas esferas políticas, tendo em vista que

o positivismo de Comte preconizava o culto da ordem, da hierarquia e da disciplina.

As instituições de ensino sofreram, em maior ou menor grau a influência do

positivismo, mas onde ela mais se firmou foi no Ginásio Nacional, nome dado ao

tradicional Colégio Pedro II.

Relativamente ao ensino superior, por princípio, os positivistas, inclusive,

colocavam-se contra a existência e a implantação de faculdades e universidades no

Brasil.

formalismo na concepção da ciência jurídica (a ciência jurídica como ciência formal) e o formalismo na interpretação (a interpretação jurídica como operação lógica) podem ser consideradas características peculiares do positivismo jurídico entendido como teoria específica do Direito; 3) o positivismo, entendido como um modo de abordagem da compreensão do fenômeno jurídico, como forma de approach ao estudo do Direito, subsume-se numa das acepções do formalismo jurídico. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 37.

259MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra, 1995. p. 316.

260Benjamin Constant instigou os alunos da Escola Militar do Rio de Janeiro a um levante pela proclamação da República e convenceu o general Manoel Teodoro da Fonseca (1827-1892) a fazê-lo em 1889. Embora não fosse um positivista ortodoxo, foi ele quem fez incluir na bandeira nacional a inscrição correspondente ao resumo de uma das fórmulas sagradas dos positivistas. O texto inicialmente proposto correspondia integralmente ao pensamento de Comte: o amor por princípio, a ordem como fundamento e o progresso como objetivo (l' amour pour príncipe, l' ordre pour base et le progrés pour but). Esse texto foi sintetizado, chegando posteriormente a sua formulação definitiva, por sugestão de Ruy Barbosa (1849-1923) para ordem e progresso. Cf. MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 142.

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

140

No Brasil, têm-se como seguidores da corrente do positivismo sociológico:

Tobias Barreto de Menezes (1839-1889), Sylvio Romero (1851-1914), Clóvis

Beviláqua (1859-1944), Pontes de Miranda, Pedro Augusto Carneiro Lessa (1859-

1921), Alberto Salles, Hermes Lima, Nestor Duarte, dentre outros.

O mesmo positivismo instaurou-se politicamente no Rio Grande do Sul e daí

foi exportado para todo o Brasil quando o presidente da República Getúlio Dornelles

Vargas (1883-1945) aproveitou a Constituição positivista gaúcha como minuta para

impor à nação seu Estado Novo.

Pode-se apresentar o seguinte quadro representativo do positivismo aplicado

ao Direito e ao ensino e, por via de conseqüência, ao currículo jurídico:

Quadro 3 – Quadro representativo das características do positivismo aplicadas ao ensino do Direito

Oposição à visão jusnaturalista − direitos naturais dos homens, que na visão de Comte, remonta as explicações metafísicas e religiosas arcaicas;

Sublimação dos fenômenos sociais como base concreta da lei;

Formalização, escrita, sistematizada e organizativa do real;

A idéia de uma ciência que descobre a realidade a partir de determinados métodos de experimentação prática;

A concepção de garantir uma ordem capaz de proporcionar o bem-estar e o progresso social;

Características e propriedades imutáveis dos fenômenos sociais, fazendo com que os mesmos não se modifiquem no tempo e no espaço − logo, leis perenes e ordenamento estável;

Despreocupação com as determinantes históricas atuantes nos fenômenos sociais, no sentido de que não se objetiva propor mudanças no real;

A ordem − princípio estático da sociedade, deve prevalecer sobre o progresso − princípio dinâmico da sociedade; logo, é a ordem social que produz o progresso e não o contrário. Assim o Direito é o instrumento de controle do Estado;

A ordem dos fenômenos sociais se assemelha a um trem, ainda que pilotado pelo homem, só pode chegar aonde os trilhos levarem; a história está dada de forma quase divina (os trilhos) e os homens de forma passiva (não revolucionária) conduzem o trem da vida. Logo, o Direito não faz justiça, mas cumpre o ordenamento jurídico;

O investigador deve se manter neutro em relação aos fenômenos sociais, como condição indispensável, para captar a natureza das coisas e não interferir no resultado de seu entendimento, portanto, o Direito é neutro.

Este positivismo foi, de fato, a expressão exata da idéia de Estado moderno

ou Estado-de-Direito, também onisciente, científico, infalível, e sempre seguro de si

mesmo; a configuração do século XIX.

Na apreciação crítica do positivismo frente à educação jurídica é preciso

considerar que toda uma geração de professores, juízes, advogados, médicos,

engenheiros e artistas, foi influenciada, no Brasil, pelo positivismo.

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

141

Hoje, pode-se dizer que Comte foi otimista demais, porque se descobriu que o

pensamento científico e positivista produz, tanto no âmbito da educação, e

especialmente no âmbito do Direito e, por via de conseqüência de seu ensino,

muitas vezes, resultados que ameaçam destruir, tendo em vista que a partir de

Comte se estabeleceu o mito da ciência: o mito da objetividade absoluta, que vai

encontrar sua expressão na experimentação, por meio da qual a natureza é levada a

se manifestar.

O interesse se concentra nas relações entre os fatos que são erigidos em leis

causais, permitindo aos cientistas “controlar os fenômenos”, ou ainda, “controlar o

comportamento das crianças”, e prever o futuro. Com efeito, a ciência em Augusto

Comte se converteu em modelo de verdade absoluta.

De fato, o que ocorreu no nosso entendimento foi substituir um tipo de

dogmatismo por outro – ainda mais coercitivo – na medida em que se funda sobre o

valor supremo da racionalidade.

Cabe aos educadores do ensino do Direito, refletirem: será que a

racionalidade dá conta do universo humano? Ou, melhor dizendo, indagar: É

possível abrir mão de outros tipos de conhecimento, como, por exemplo, o

conhecimento intuitivo?261

Ora, o homem é um ser que pensa. Parte integrante da ordem do universo, o

que o distingue dos demais seres viventes. Além da sua específica e notável

capacidade de pensar, é também, sua capacidade de sentir e querer e, em

querendo, agir dentro do cosmos e de sua realidade.

No processo educativo, como sujeito cognoscente o homem possui um órgão

cognoscente: o pensamento. Como ser que sente, o sujeito cognoscente possui

sentimento, e sentindo afetivamente, o homem participa de qualquer ato ou

circunstância da realidade. Como ser dotado de querer, o sujeito cognoscente

possui a vontade.

261

BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1974. p. 3-15. GARCIA, Maria. Possibilidades e limitações ao emprego da intuição no campo do Direito: considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional - IBDC, São Paulo, n. 19, abr./ jun.1997. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A intuição e o Direito: um novo caminho. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1997. p. 217-240. PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. Campinas: Millenium, 2003. passim.

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

142

Dessa forma, o homem – constituído de corpo e espírito, é um ser dotado de

três potências ou forças fundamentais do ser espiritual: o pensamento, o sentimento,

e a vontade. Todavia, como ser pensante e racional o homo sapiens é peregrino na

busca do saber e do conhecimento, visando exatamente a construir e a explicar a

realidade que o cerca.

Na educação, essa busca pelo saber e pelo conhecimento, sempre se

constituiu, entretanto, numa relação. O conhecimento é relação: uma relação entre o

sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Contudo, nesse relacionamento

sujeito-objeto o sujeito cognoscente ora gira em torno do objeto, ora o objeto gira em

torno do sujeito.

Dessa maneira, o nosso espírito, para captar sua realidade vivente e a

essência262 das coisas, para conhecer seu próprio mundo, ronda seu objeto, dá

voltas, faz “idas e vindas” em sua mente.

Na educação, o processo cognitivo de apreensão espiritual do conhecimento

do homem, contudo, poderá ou não se realizar, num único ato, pois o sujeito

cognoscente poderá captar o conhecimento de forma imediata ou de forma mediata.

Assim, de uma única vez, por um ato simples (simplex), poderá realizar inúmeras

operações mentais para perceber o objeto do conhecimento.

Saliente-se que essa preocupação constante do homem, na busca pelo

conhecimento, entretanto, não é recente.

A maioria dos povos da Antigüidade desenvolveu formas diversas de

conhecimento, não se restringindo, portanto, a uma exclusiva espécie de saber.

Entre os egípcios, por exemplo, desenvolveu-se o conhecimento da trigonometria;

entre os romanos, o da hidráulica; entre os gregos, da geometria e o da lógica.

Ainda, pode-se citar entre os indianos, o conhecimento da matemática e entre

os árabes, o da astronomia.

262

O termo essência e seus sinônimos, qüididade (quidditas, quid sit res?) e natureza (ad quid nata est res?) tem dois sentidos: a) lato – designa tudo o que é um ser: tudo o que é da natureza, quer seja ou não importante; b) estrito – essência é o que é fundamental num ser, o que lhe constitui a natureza profunda. É nesta acepção que procuramos a essência da norma. Essência é aquilo pelo qual uma coisa é o que é. VAN ACKER, Leonardo. Curso de Filosofia do Direito. Revista da Universidade Católica, São Paulo, v. 34, n. 65-66, p. 143, 1968. Na filosofia grega, a essência, no entanto, significa substância (ousia) aquilo que é visível, mas é verdadeiramente real a respeito das coisas – o que pode ser concebido, o que é universal. Em Platão, são as formas ou idéias.

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

143

Quase todos esses povos, entretanto, na busca pelo saber e pelo

conhecimento, no processo educacional, visavam ao atendimento de necessidades

práticas e cotidianas (práxis), o que, freqüentemente, contribuía para o seu

desenvolvimento socioeconômico, político, jurídico e cultural. Sem dúvida, entre

todos os povos da Antiguidade se destacaram, de forma especial, os gregos, cujas

preocupações se voltaram para a própria formação do conhecimento. Processo este

denominado, de teoria do conhecimento.

Johannes Hessen263 adverte, entretanto, que embora a teoria do

conhecimento se traduza numa interpretação e numa explicação filosófica do

conhecimento humano, se faz necessário, antes de filosofar sobre um objeto,

examiná-lo com atenção. Assim sendo, qualquer explicação ou interpretação deve

ser precedida de uma observação e de uma descrição adequada sobre o objeto.

De outro lado, para melhor apreensão da essência do objeto a ser conhecido,

o sujeito cognoscente, deve voltar-se para o objeto, com “olhar penetrante”, com

simpatia, e, portanto, com amor.

Nesse sentido, o próprio filósofo seria alguém constantemente à procura do

conhecimento. Porém, nesse exercício de filosofar, há um envolvimento tal do sujeito

pensante com a vida, com sua realidade, com sua existência264 e com o mundo que

o cerca, que isso se traduz numa entrega, num encantamento.265

Diante disso, é forçoso reconhecer que no processo educativo, não basta

somente a razão, é preciso, amor266...

263

HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 19. 264

O termo existência é a asserção de que uma coisa é, não o que ela é como conceito de essência. Para o existencialismo, existência é consciência e precede a essência do homem, o qual se vê existindo e então se torna uma essência por escolha e ação.

265PAIVA, Vanildo. Filosofia, encantamento e caminho: introdução ao exercício de filosofar. São Paulo: Paulus. p. 8.

266Em sentido contrário a esta tese, Jacy de Souza Mendonça afirma: sentimentos são potências anímicas capazes de influenciar o homem na compreensão e vivência do bem e do mal, pois o estado emocional auxilia a apreensão do objeto. Infelizmente, esta constatação vale para o bem e para o mal. É truísmo que quem ama, vê no objeto amado virtudes que ele não pode ter, assim como, quem odeia, é incapaz de captar virtudes evidentes do objeto odiado. Para Mendonça, os sentimentos são estados d‟alma que correspondem ao que há de mais profundo no psiquismo humano (usando analogicamente idéia de espaço para o inespacial), mas são em si mesmos, indeterminados e inconscientes. Na medida em que crescem em intensidade e se determinam segundo um objetivo, transformam-se em fenômenos de volição consciente. Esta carência de estrutura e esta inconsciência da vida afetiva são exatamente as mais significativas causas de imprestabilidade para a fundamentação do imperativo jurídico, pois não se pode explicar algo, apontar-lhe a razão última de ser com base no inconsciente indeterminado. Cf. MENDONÇA, Jacy

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

144

Deve-se dizer, aliás, que, nos dias atuais, o plano afetivo e emocional é

imprescindível não somente no processo educativo, mas o que é, também, no plano

da Justiça.

Nesse sentido, aponta muito bem António Manuel Hespanha267 ao afirmar

que:

Na verdade, a “justiça neutra” não considera uma parte muito importante das situações o plano da emoção e da afetividade. Com isto, perde muita informação que seria indispensável para uma composição mais eficaz, tendo em vista que a composição amigável que se desenvolve em contato com todos esses elementos não racionais, manteria uma informação suficientemente rica para garantir soluções adequadas ao caso concreto (e, não apenas, ao seu esqueleto conceitual, genérico e abstrato).

Certamente, entregar-se ao amor pelo saber ou por alguém, exige, contudo,

certa disposição, para vertigem, para perda provisória do autocontrole.

Na vertigem corre-se o risco do perigo da queda, abrindo-se, entretanto, a

possibilidade de ter prazer com o movimento. Ou, como disse o poeta268,269: “Só é

capaz de amar quem tem coragem de perder o prumo”.

Dessa forma, o conhecimento no processo educacional jamais será

alcançado sem uma ascese erótica (de Eros, o Deus do Amor), o sujeito pensante,

portanto, namora o seu objeto de amor.

Sendo impossível, por tudo isso, não se render ao enlevo que o pensamento

produz: uma combinação de emoção e razão, um querer conhecer. E, isso só

descobre quem ousa exercitar. Assim, só sabe o que é o amor quem se dispõe a

amar para além de qualquer discurso ou teoria.

de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 160.

267HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Portugal: Publicações Europa-América, 2003. p. 356.

268Por isso mesmo, não se pode resistir à tentação de registrar aqui, nesse sentido, os versos inesquecíveis de Olavo Bilac

268: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso! E eu vos direi,

no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto, E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto, A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto, Direis agora: Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido, Tem o que dizem, quando estão contigo? E vos direi: Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas” (grifo nosso). BILAC, Olavo. Poesias. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 53.

269FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 17.

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

145

Considera-se que, é, no entanto, por meio da sensação amorosa que o sujeito

experimenta, em relação aos objetos belos com os quais se depara no quotidiano,

que o ser pode chegar à contemplação das idéias.

Os gregos270 sabiam bem disso, e empregavam este método no processo de

conhecimento de sua realidade. Eles relacionavam o objeto a ser percebido pela

consciência, comparavam aos outros objetos, relacionavam, decompunham,

esmiuçavam, sintetizavam271 e apresentavam as suas conclusões. Enfim,

sistematizavam e teorizavam sobre o conhecimento.

Por isso que, além do conhecimento racional e paralelamente ao

conhecimento empírico272 baseado na experiência e voltado ao saber direto do

objeto, legado pelos povos do Oriente, Egito e Mesopotâmia, os gregos admitiam,

também, uma outra forma de conhecimento, no processo educativo. Visando a, com

isso, tentar compreender e a captar a realidade, eles reconheciam, com efeito, a

possibilidade do conhecimento intuitivo.

É evidente que, no processo de conhecimento do justo – é o caso da

elaboração da sentença judicial, – faz-se imprescindível e, portanto, absolutamente

necessário ao discurso do juiz, não somente o conhecimento intuitivo do justo, mas

também, a devida fundamentação judicial racional.

Fundamentação racional essa, fruto do conhecimento mediato do magistrado

(discursivo), necessário ao juiz para embasar a própria decisão e demonstrar sua

270

Platão, por exemplo, na obra Teeteto enfoca o problema da teoria do conhecimento estruturando, de forma sistemática, a ciência (episteme) em contraste com a mera opinião (doxa). Nesta obra, o personagem − que dá nome ao diálogo − provocado por Sócrates, tenta responder em que consiste o conhecimento. PLATÃO. Diálogos: Teeteto, Crátilo. Belém: UFPA, 2002. p. 40, § 145e, § 146a.

271Kant define a síntese como “o ato de juntar, umas às outras, diversas representações e conceber o que é múltiplo num só ato” (ato de conhecimento). Diante dessa definição, pode-se entender que, quando a diversidade é representada, a síntese é posta como representação. Assim, a síntese é também base para o conhecimento, que poderá ser reportado a um ato original. Para ela é que se deve dirigir primeiro a atenção. Neste sentido Kant afirma ainda: a síntese de um múltiplo “é o que dá origem ao conhecimento”. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1980. p. 103. Por outro lado, Gilles Deleuze, ao analisar criticamente o pensamento de Kant, afirma que, “o que constitui o conhecimento não é, simplesmente, o ato pelo qual se faz a síntese do diverso, mas o ato pelo qual se relaciona a um objeto o diverso representado”. DELEUZE, Gilles. Para ler Kant. São Paulo: Editora 34,1976. p. 29.

272Segundo o estimado professor de Filosofia do Direito da PUC/SP, Dr. Jacy de Souza Mendonça, este tipo de conhecimento é empírico, exatamente porque foi adquirido e acumulado exclusivamente pela experiência, pela empiria da vida, de maneira mais ou menos caótica, sem nenhum método, distante de qualquer sistema, sem nenhuma análise crítica. MENDONÇA, Jacy de Souza. Introdução ao estudo de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 12.

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

146

não-arbitrariedade, ex vi, das disposições constitucionais constantes no artigo 93,

inciso IX273, que assim determinam:

Art. 93: IX - “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.” [...] (grifo nosso).

A problemática é, de toda sorte, interessantíssima, pois o juiz, ainda no curso

do processo, poderá ter uma visão intuitiva do Direito a ser aplicado, intuição que, a

nosso ver, muitas das vezes, pode ser captada de forma emocional.

Mas, como observa Luiz Guilherme Marques274, as intuições não são, de toda

sorte, destituídas de objetividade. Isso porque:

São baseadas em valores admitidos pelo meio em que se vive, já que o magistrado imagina primeiro a solução que irá, efetivamente, dar ao caso, mas só depois de encontrada a solução, por esta forma de conhecimento, é que irá procurar dispositivos legais e autoridades doutrinárias ou princípios de direitos para fundamentá-la.

Esse tipo de conhecimento, contudo, conforme bem recorda Luiz Guilherme

Marques, foi confessada por juízes da envergadura de Bártolo, Hutcheson, Kent,

Cardozo e é aceita como correta por Jerome Frank, Karl Llewellyn, Dualde,

Recaséns Siches, Joaquim Dualde, etc.275 Karl Llewellyn, por exemplo, acredita que,

geralmente, a mente do juiz primeiro antecipa a decisão considerada justa e depois

procura a norma que pode servir de fundamentação a essa solução, atribuindo aos

fatos narrados à qualificação mais apropriada.276

Maria Garcia277 nos diz que intuição é aceita por muitos filósofos, indicando

que o conhecimento intuitivo seria o método por excelência de muitos pensadores,

passando por Platão até os das escolas filosóficas do século XX.

273

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). 29. ed. São Paulo: RT. p. 112, art. 93, inc. IX.

274MARQUES, Luiz Guilherme. A psicologia do juiz. A priori, nov. 2004. Disponível em: <http://www.apriori.com.br>. Acesso: 20 jul. 2008.

275MARQUES, Luiz Guilherme. A psicologia do juiz. A priori, n. 1/5, p. 6, nov. 2004. Disponível em: <http://www.apriori.com.br>. Acesso: 20 jul. 2008.

276LLEWELLYN, apud RECASÉNS SICHES, Luis. Panorama del pensamento jurídico en el siglo XX. México: Porrúa, 1963. Tomo 1, p. 242; 536-547.

277GARCIA, Maria. Possibilidades e limitações ao emprego da intuição no campo do Direito: considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, n. 19, abr./jun.1997.

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

147

Destacando-se, especialmente, as doutrinas da intuição-emocional de Henri

Bergson, a filosofia intuicionista-sidética, ou fenomenológica de Husserl e Heidegger,

esse último, criador do existencialismo.

Entretanto, a maioria dos filósofos hesitou por muito tempo em assumir o

caráter amoroso do conhecimento. Essa resistência e recusa, geralmente, associam-

se a uma visão preconceituosa do amor, já que a noção de amor sempre esteve

ligada à irracionalidade, ao descontrole de si, e a tudo que é contrário à razão.

Seria então, como confessar uma fragilidade, uma carência. Para amar, a

sabedoria é indispensável à consciência e à percepção de nossa própria ignorância.

Diante disso, comecemos por reavaliar e reconhecer a dimensão amorosa na

Filosofia da Educação e do Direito, desvendando assim, a ignorância perante a

intuição ou, para empregar as palavras de Luiz Antonio Rizzatto Nunes278, “retirar o

véu e a névoa que a envolvem”...

Por isso que, retomando a crítica do positivismo de Augusto Comte, entende-

se que, se a ciência é importante e necessária para compreensão do mundo, ela

não pode ser a única interpretação válida do mundo e do real, exclusivamente,

mediante o uso da razão.

Durante o processo educacional, o educador e o educando, não se

constituem como seres humanos e indivíduos epistemológicos somente mediante a

razão, isto porque, como são constituídos também pela vontade, afetividade,

estética, pela emoção e intuição.

1.9.6 Intuicionismo

Intuição279,280 é a visão direta de um objeto que se dá de modo imediato ante

nossa consciência, sem nada de permeio, do objeto dentro do sujeito

cognoscente.281

278

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A intuição e o direito: um novo caminho. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1997. p. 21.

279Segundo J. Ferrater Mora, o vocábulo intuição geralmente designa a visão direta e imediata de uma realidade ou a compreensão direta e imediata e interna de uma verdade. Assim sendo, é possível inferir da definição ora apresentada, uma primeira característica da intuição: é que para sua ocorrência não existam elementos intermediários que se interponham a essa “visão direta”. MORA, Ferrater J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. p. 1550-555. [verbete intuição]. Tomo II.

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

148

Na acepção etimológica, a intuição significa um conhecimento direto, uma

espécie de visão imediata dos objetos e de suas relações com outros objetos da

realidade. Pode-se, assim dizer que a intuição é uma percepção, visão,

contemplação, sem a mediação conceitual racional: é o conhecimento imediato e

direto de um objeto.

Por intuicionismo indica-se a doutrina ou atitude filosófica que tem como base

em comum o recurso ao conhecimento intuitivo, atribuindo-se à intuição um lugar

privilegiado no conhecimento.

O intuicionismo acentua o aspecto imediato do conhecimento, ou ainda, o

caráter auto-evidente de certas idéias; sugere, assim, uma resposta integral do

conhecedor à integralidade das coisas. Ensina também o caráter inseparável do

conhecedor e da coisa conhecida, sustentando que os objetos e os conhecedores

pertençam um ao outro... Eles são um.

Henry Bergson282 considera a intuição como a fonte superior do

conhecimento, porque coloca o conhecedor em relação de identidade e simpatia

inteligente com a coisa conhecida. Entende, também, que a intuição como o órgão e

método próprio da filosofia, pois ele faz dela um verdadeiro método de investigação

filosófica ao encontro do conhecimento.

Segundo esse pensador, a intuição é uma “simpatia intelectual” pela qual se

transporta para o interior do objeto, para coincidir com o que ele tem de único. Para

ele, o intelecto não é capaz de penetrar a essência das coisas, é capaz apenas de

apreender a forma matemática e mecânica da realidade, nunca seu núcleo e

conteúdo íntimos.

Somente a intuição é capaz disso, pois na intuição, apreende-se a realidade a

partir de dentro, penetra-se na intimidade da vida, entra-se em contato com o núcleo

e o centro das coisas e, respira-se um pouco desse oceano da vida.

280

A palavra intuição significa no grego, έπιβολή; inglês, intuition; francês, intuition; alemão anschauung; italiano, intuizione, provem do latim intueri, que significa “ver em”; ainda intuitus, visão, contemplação; e intuitio que, por sua vez, significa ato de ver, contemplar. Cf. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 590-591.

281Neste sentido aponta RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de Filosofia del Derecho. México: Porrúa, 1965. p.150.

282BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1974. p. 57.

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

149

A pedagogia de Henry Bergson consiste em sua preocupação em

redimensionar os âmbitos intelectuais da ciência e do conhecimento, relacionando-a

assim à inteligência com o saber pela intuição.

Em uma conferência proferida em 1911, sobre Intuição Filosófica283, Henri

Bergson faz menção à metáfora de uma imagem para que o leitor possa se

compreender um filósofo. Esta imagem, segundo Henry Bergson284, estaria

exatamente entre a “simplicidade da intuição concreta e a complexidade das

abstrações que a traduzem”. A explicação do real estaria, assim, contida num ato

simples do espírito, numa imagem simples, infinitamente simples, tão

extraordinariamente simples que o filósofo nunca conseguiu dizer.

É desta forma que ele introduz a revelação da intuição. A intuição é um ato

simplex, é uma “imagem”285, movimento, tempo, duração. É um ato do espírito no

seu esforço para introduzir-se na consciência. Ela, entretanto, mostra uma ligação

entre o corpo e o espírito286, ligação entre presente e passado.

Para Henry Bergson a intuição, contudo, consegue operar lembranças por

similitude e continuidade da memória, dentro da duração – isto é, fora do tempo e do

espaço. É o que ele denomina de “intuição de duração”, uma intuição que permite ao

homem colocar-se na mobilidade, de se aproximar do seu espírito, pois na intuição,

o homem pode-se ver por completo.

A intuição é, portanto, a única forma de atingir o “absoluto”. Pela intuição o

espírito do homem se coloca em contato com o mundo interior e exterior, numa

conexão completa entre o indivíduo e o mundo.

Henry Bergson parte da idéia de que é preciso reconciliar a filosofia com a

vida e fazer a percepção das coisas prevalecerem sobre a conceitualização, sem,

entretanto, renunciar a esta última. A duração da intuição se revela no ato de tomar

consciência dela.

283

BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1974. p. 33.

284Ibid., p. 33-34.

285Por imagem, Bergson entende uma existência situada entre a “coisa” e a “representação” da coisa, de tal modo que o cérebro também pode ser apresentado como imagem – uma imagem como as outras, envolta pela massa das outras imagens. BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes,1999. p. 30.

286Ibid., p. 34.

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

150

Em síntese, a teoria do conhecimento de Henry Bergson decorre das

seguintes premissas: a) a natureza do objeto a ser conhecido é que determina a

maneira específica de conhecer, e esta pode ser intuitiva ou discursiva; b) a

gnosiologia287 está na dependência da ontologia: do ser, que é duração.

Segundo Henry Bergson, a vida se adapta a outra forma de inteligência, por

consistir em ver o “interior” das coisas, em via de fazer-se. Assim, enquanto a

inteligência gira em torno de seu objeto, assume “de fora o maior número possível

de perspectivas sobre esse objeto que atrai para si”, a intuição, naturalmente, em

consonância com o próprio movimento da vida, esforça-se por entrar em seu objeto

e afinar-se com ele a ponto de “coincidir com aquilo que ele tem de único e,

conseqüentemente, de inexprimível”.

A função da intuição, segundo aponta o bergsonismo, é desenvolver em

reflexão “aquilo que resta de instintivo no homem”. A intuição está apta a “abarcar a

vida de modo cada vez mais completo”. Henry Bergson combate assim o aspecto

restrito no racionalismo e no intelectualismo288, cego e avesso à realidade e à

riqueza da vida e do espírito do educando, propondo assim que uma teoria do

conhecimento não pode se distanciar da vida...

É preciso salientar que grande parte das descobertas científicas e criações no

campo das artes e do conhecimento são devidas ao papel da intuição criativa.

De fato, a intuição heurística ocorre toda vez que o sujeito está preocupado

em resolver algum problema.

Esta espécie de intuição possibilitaria a descoberta como um “salto”, um

estalo repentino, resolvendo de uma vez a busca em que o sujeito estava

287

A Gnosiologia, do grego gnosis, conhecimento, e logos, teoria, ciência, também chamada de teoria do conhecimento, tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de conhecer. Muitas vezes, porém, o termo gnosiologia é tomado como sinônimo de epistemologia, conquanto, aquele seja mais amplo, pois abrange todo o tipo de conhecimento em sentido mais genérico. JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 117.

288Como aponta o professor Armando Câmara o intelectualismo afirma que o conhecimento começa pela experiência e se completa com a razão – nihil est in intellectu quod prius non fueri in sensibus, aforismo ao qual Leibniz acrescentou nisi ipse intellectus, a não ser o próprio intelecto. A origem do conhecimento, conforme defende o intelectualismo, inicia-se pelos sentidos, mas não fica na experiência do ser. A razão elabora o dado da experiência e gera o conhecimento universal. O conhecimento é assim, uma elaboração racional do dado da experiência. Cf. MENDONÇA, Jacy de Souza. O curso de Filosofia do Direito do Professor Armando Câmara. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 100-101.

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

151

empenhado. Exemplo clássico é o da “Eureka” de Arquimedes. São sinônimos de

intuição criativa: intuição descobridora, inventiva, antecipadora, prospectiva, etc.

Registre-se ainda a intuição axiológica289, voltada à percepção de valores,

que é especialmente importante, no campo do estudo do Direito, sobretudo para a

apreensão do justo.

Para grande número de pensadores existem aspectos do real que somente

podem ser captados por vias emocionais – o mundo dos valores, considerado

inatingível por atos exclusivamente da razão.

Com efeito, na intuição axiológica, os valores do belo, do verdadeiro, ou do

justo somente seriam captáveis pela experiência da emoção, num contato direto do

ser humano com uma ordem sentimental, já que somente a pessoa humana é o

único ser que tem aptidão para captar valores.

É, contudo, dessa participação humana na aferição dos valores, que se pode

apreender a importância da experiência intuitiva axiológica no trabalho do advogado,

do jurista, do jusfilósofo, e, especialmente, do juiz.

De forma esquemática, o saudoso Prof. André Franco Montoro290 designa a

intuição como sendo uma modalidade de conhecimento imediato e direto, e

apresenta as seguintes espécies:

1. Intuição empírica que capta diretamente, pelos sentidos da consciência, os

fatos sensíveis e os fenômenos das coisas, mas não suas essências. As

intuições empíricas podem se constituir em:

1.a) a intuição sensível – que capta pelos sentidos os fatos físicos: as

formas, as cores, etc. Por exemplo: a percepção que tenho das

qualidades de uma laranja como um todo: a forma, a cor, o cheiro, o

gosto, etc.;

289

Para a Teoria Egológica de Carlos Cossio, o “Direito é um bem cultural”, e mais propriamente um bem cultural egológico, por ser a própria ação humana enquanto objeto de conhecimento e expressão de um eu atuante que está “en ella, constiuyéndola em forma transcendental”, por isso o Direito é vida humana vivente, conduta de um sujeito livre e incessantemente criador (grifo nosso). Contudo, para Cossio há a intuição específica do Direito, que é uma intuição de liberdade – portanto, intuição axiológica – como um plus do conhecimento se junta à estrutura lógica-jurídica por conta da experiência humana. COSSIO, Carlos. La teoria egológica del Derecho y le concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Losada, 1964. p. 117.

290MONTORO, André Franco. Dados preliminares de lógica jurídica. São Paulo, PUC, 1994. p. 85. Veja-se também classificação elaborada por BAZARIAN, Jacob. Intuição heurística: uma análise científica da intuição criadora. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. p. 43-44.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

152

1.b) a intuição psicológica – que capta pela consciência os fatos ou

fenômenos psíquicos: o desejo, a alegria, a tristeza, etc.

2. Intuição intelectual – que capta diretamente pelo intelecto e pela razão não

somente os fenômenos, mas também as essências das coisas e suas

relações entre si. São tipos de intuição intelectual:

2.a) a intuição racional – que capta pela razão de evidência as relações de

semelhança, igualdade, sucessão, conseqüência e causalidade; os

princípios lógicos e racionais, os axiomas, etc. É uma visão sintética,

global, holística, do conjunto;

2.b) a intuição criativa – que capta, descobre ou adivinha as relações

ocultas, que não são percebidas, explícita e conscientemente, e que

por isso mesmo, não poderiam ser estabelecidas racionalmente

senão por complexas operações discursivas. Por exemplo: a hipótese

científica, a intuição do médico fazendo um diagnóstico imediato na

base de alguns dados elementares, etc.;

2.c) a intuição filosófica, impropriamente chamada por alguns de

metafísica, que capta pela razão a essência e a existência das coisas

reais, bem como os valores éticos, estéticos, emocionais, etc.;

2.d) a intuição essencial ou eidética (Platão e Husserl);

2.e) a existencial ou volitiva (Sartre e Heidegger);

2.f) a intuição axiológica ou dos valores: éticos (morais), estéticos

(artísticos), emocionais (sentimentos), etc.

Muito embora seja difícil descrever em palavras, exatamente, como a intuição

funciona – pois, quando se pretende transmitir em palavras ou expressar essa

intuição ela se decompõe e se deforma na pobreza dos conceitos já que ela é uma

operação do nosso espírito –, tentar-se-á descrever aqui, este importante processo

cognoscitivo voltado para a educabilidade do homem.

Para compreender o fenômeno natural da intuição, é preciso registrar que seu

funcionamento se dá a partir de seus próprios fundamentos, que são: percepção,

imagem e memória. Também é possível apontar como fundamentos da intuição a

inteligência, a vontade e a emoção. Contudo, a primeira etapa desse processo se dá

com a percepção.

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

153

Nossas percepções são frutos das impressões causadas pelos objetos do

mundo existente sobre este específico órgão sensorial. Por sua vez, a percepção

como órgão sensorial é formada pelo tato, olfato, paladar, visão e audição.

No processo da intuição, nosso espírito e nossa mente recebem as

impressões pela percepção do dado existente, ou seja, do objeto real. Entretanto, é

bom que se diga que este processo também ocorre quando tentamos compreender

e perceber o ser “Justo”, no campo dos fenômenos jurídicos, já que este é o objeto

do conhecimento dos que lidam com o Direito.

Corrobora com esta afirmação o posicionamento de Maria Garcia291 quando

diz que, “pode-se apreender a importância da experiência intuitivo-axiológica no

trabalho do juiz, do advogado, do jurado, do jurista e do jusfilósofo, enfim de todos

os partícipes do mundo da ciência do Direito, em caráter especial”.

Após a percepção do objeto, do dado existente, uma imagem é produzida na

nossa consciência, interiormente, dentro do nosso ser.

Segundo aponta Goffredo Telles Jr.292, essa imagem formada no nosso

íntimo é “o sinal pelo qual e no qual a consciência atinge um objeto sensível

ausente”, objeto que o sujeito quer conhecer.

Depois desta etapa, essa imagem do ser real é conferida à inteligência que

após apreendê-la, começa a trabalhar com ela, na tentativa de descobrimento de

sua essência que é a captação do universal (o geral). Neste ponto, é preciso dizer

que durante a etapa de encaminhamento da imagem → inteligência, ocorre na

mente humana abstração (do latim abtrahere = tirar, separar mentalmente).

Ou seja, no ato de descoberta intuitiva durante o processo cognitivo, o

intelecto deixa de lado as particularidades do objeto, preocupando-se tão somente,

com as características universais do objeto estudado. O universal do ser conhecido

configura-se, por evidência, na essência do ser.

Goffredo Telles Jr.293 indica que este ato, nesta etapa do processo de

funcionamento da intuição é, assim, “o ato de descobrir o que é sempre o mesmo

291

GARCIA, Maria. Possibilidade e limitações ao emprego da intuição no campo do Direito: considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional - IBDC, São Paulo, n. 19, p. 115, abr./jun, 1997.

292TELLES JÚNIOR, Goffredo. Filosofia do Direito. São Paulo: Max Limonad, 1966. p. 37, 51-53, 67.

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

154

em coisas diversas, deixando de lado os caracteres singulares, pois que a abstração

leva a inteligência ao mundo dos universais”.

Por essa proposição, percebe-se que durante essa etapa, a mente leva à

imagem as características universais do objeto estudado propiciando à inteligência

conseguir “ver”, “visualizar” o geral, e, portanto, o universal. Ou, melhor dizendo, a

essência do objeto. Esse é, em suma, o funcionamento da intuição mediante os

seus fundamentos: percepção, imagem, inteligência.

A idéia formada do ser real é resultado da abstração do nosso ser. A idéia do

ser, nesse processo cognitivo, é geral e universal. Por outro lado, o conhecimento

racional é conhecimento mediato, discursivo, racional.

No campo do Direito, entretanto, o racionalismo marca forte presença no

mundo jurídico, não obstante as inúmeras críticas apontadas contra essa

pretensiosa atitude filosófica frente ao conhecimento, pois que parte da razão, mas

nela se limita.

Armando Câmara294 indica o racionalismo como postura filosófica frente ao

conhecimento. Entende que só é valioso o conhecimento que se origina

exclusivamente na razão. Para os racionalistas, somente o conhecimento racional é

universal e necessário e, portanto, apresenta valor científico.

No universo do “mecanismo cinematográfico do pensamento”, para empregar

uma expressão de Henri Bergson295, outras questões vão surgindo.

A intuição apresenta fundamento filosófico para a educação, especialmente

no aspecto da compreensão do conhecimento, mediante os atos da percepção,

imagem e inteligência.

A intuição representa importante fundamento filosófico para a educação,

especialmente no aspecto da compreensão do conhecimento, mediante os atos da

percepção, imagem e inteligência.

No campo do conhecimento e do ensino do Direito, por exemplo, é possível

considerar a contribuição de Henry Bergson no que tange especialmente ao

293

TELLES JÚNIOR, Goffredo. Filosofia do Direito. São Paulo: Max Limonad, 1966. p. 35. 294

MENDONÇA, Jacy de Souza. O curso de Filosofia do Direito do professor Armando Câmara. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 99.

295BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 295 et seq.

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

155

conhecimento dos fenômenos jurídicos e da percepção do justo mediante o emprego

da intuição.

Para Henry Bergson296 a intuição é um ato do espírito, um ato simples.

Entretanto, ousa-se aqui discordar de tal posicionamento. Pois, entende-se

que o processo de funcionamento da intuição se dá no homem de uma forma

bastante complexa, embora sua duração seja realizada em nosso espírito num

infinitesimal espaço de tempo.

Argumenta-se, contudo, se possível o conhecimento e uma pedagogia da

educação jurídica mediante o emprego da intuição? Poder-se-ia, ainda indagar-se: a

intuição é adequada e válida como método no processo de conhecimento e de

investigação filosófica do ensino e compreensão do Direito? Quais seus limites de

atuação na seara jurídica? A intuição contribui de alguma maneira para a formulação

dos currículos jurídicos, na medida em que são evidenciadas na formação do

bacharel em Direito exclusivamente habilidades racionais?

A dúvida razoável também surge no pensamento de Michel Villey297 que

apresenta a mesma questão da seguinte forma: “qual será o método epistemológico,

o procedimento pelo quais os juristas atingem a solução jurídica?”

Como bem aponta Luiz Antonio Rizzatto Nunes298, quem fala de intuição

acaba tendo diante de si, muitas vezes, um auditório incrédulo, como se orador

estivesse falando do “assombroso, de algo sobrenatural, mítico”.

No que se refere à resistência que ela – a intuição – produz, é interessante

observar a resistência, aliás, do próprio Henry Bergson, considerado o “filósofo da

intuição”, que chegou mesmo a confessar no início de seus estudos sobre o tema: “a

intuição é uma palavra ante a qual hesitamos durante muito tempo”.299

Henry Bergson indica com essa assertiva, uma característica muito especial

da intuição, qual seja: o poder de negação que ela traz em si.300

296

BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, 1999. p. 30.

297VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: definições e fins do Direito – os meios do Direito. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 3-17.

298NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A intuição e o Direito: um novo caminho. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1997. p. 21-22.

299BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1974. p. 61-74.

300Ibid., p. 62.

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

156

A respeito desta particularidade da intuição, vale observar o pensamento

bergsoniano301:

Diante de idéias aceitas habitualmente, diante de teses que pareciam evidentes, de afirmações que até então haviam passado por científicas, ela sopra na orelha do filósofo a palavra: Impossível. Impossível, mesmo quando os fatos e as razões parecem convidar a crer que isto não é possível, real e certo. Impossível, porque certa experiência, talvez confusa, mas decisiva, te diz por minha voz que ela é incompatível com os fatos que se alegam e as razões que se dão, e que, por isso, estes fatos devem ter sido mal observados, estes raciocínios devem ser falsos. Força singular, este poder intuitivo de negação! Não é visível que o primeiro movimento do filósofo, quando seu pensamento está ainda mal assentado e ele não tem nada de definitivo em sua doutrina, é rejeitar certas coisas definitivamente?

Antes de externar qualquer atitude de negação face à aplicação da intuição

na seara da educação jurídica, o agente do Direito deve, contudo, encarar esse tipo

de conhecimento sem preconceitos, numa atitude tolerante, e de desmistificação,

portanto, estar de olhos e espírito aberto para o novo.

Por outro lado, entende-se que é indispensável enfocar o tema sub examen

sob uma perspectiva interdisciplinar. Ou ainda, para cunhar a expressão kantiana302,

é preciso compreender o objeto de nossa investigação com uma “mentalidade

alargada” sem, todavia, pretender, neste tempo e espaço, esgotar o riquíssimo tema.

Nesse compasso, convém ressaltar que o Direito não se restringe ao mundo

psicológico. Por outro lado, não se pode desconsiderar que na elaboração da

decisão judicial, por exemplo, o juiz não está totalmente isento de outros fatores que

não exclusivamente racionais, quer sejam eles psíquicos, sociais, econômicos,

religiosos, políticos, etc.

O conhecimento humano é problemático, porque o homem é um animal

racional homo sapiens, mas também homo demens. Seu modo de percepção do

real, não pode ser reduzido somente à pura intelecção dos seres nem à pura

sensação dos irracionais, já que o ser humano se constitui de pensamento, vontade,

mas também, de sentimentos.

Os conflitos entre razão e intuição freqüentemente preocuparam os

pensadores, o que permite encontrar na História da Filosofia defensores do primado

301

BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1974. p. 62-63.

302KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 140-141.

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

157

ora da razão, ora da intuição, ganhando dimensões, neste último caso, com

inúmeros filósofos, dentre eles além de Henri Bergson e também de Max Scheler.303

A dimensão do conhecimento intuitivo surge, contudo, como um caminho

novo filosófico substancial e imprescindível de investigação do conhecimento e do

ensino no campo do Direito, já que o conhecimento intuitivo se constitui num

possível instrumento para a Justiça, desde que, por posterior exame objetivo,

seguido de comprovação e verificação do que se apurou durante a instrução

processual e que depende em grande parte, do investimento, que o julgador o faça

ao conhecimento de si próprio (Sócrates).

Contudo, a pretensão do Direito de assimilar critérios científicos; dedutivos e

indutivos tem aplicação limitada no âmbito jurídico, já que nenhuma ciência oferece

segurança absoluta no aspecto de certeza de verdade de suas proposições.

Dessa forma, não se entende que no caminho do conhecimento do Direito

haja uma única verdade, uma verdade absoluta. Tão pouco, acredita-se que o

conhecimento se dá exclusivamente pela via do racional, como querem crer os

racionalistas.

Como adverte o filósofo304, “a esfera do saber é enormemente alargada!”. Há,

contudo, múltiplos pontos de vista gnosiológicos, muitos outros acessos diferentes

ao conhecimento, caminhos que talvez “a própria razão desconheça”.

A intuição, como forma do conhecimento do valor justo é, especialmente,

importante para o espírito do jurista, já que ela pode ser um novo caminho, uma

nova ferramenta metodológica no campo do Direito, na captação, na percepção e no

conhecimento do justo.

Isto porque o juiz decide, não exclusivamente pela inferência do silogismo, na

sentença; mas também, e inicialmente, pela intuição. Decide, pois, por uma certeza

inicial que se forma no seu espírito, de modo direto, e não por um raciocínio, ato este

posterior no processo cognitivo do julgador.

A intuição é uma possibilidade como caminho metodológico de investigação

filosófica no campo do Direito. Certamente, um tipo de conhecimento imediato,

303

SCHELER, Max. A concepção filosófica do mundo. Portugal: Elementos Sudoeste, 2003. passim.

304HEINEMANN, Fritz. A Filosofia no século XX. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 297.

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

158

importante e complementar, porém, não superior, e não exclusivo no processo

cognitivo. Dessa maneira, admite-se a intuição como forma epistemológica de

conhecimento, não, porém, como exclusiva, é única forma de conhecimento do

Direito.

A fórmula, para o conhecimento do justo no Direito – se é que ela existe! –,

não deve ser Razão versus Intuição, mas sim, Intuição + Razão + Emoção, de modo

que os conhecimentos e habilidades se integrem e se complementem.

Talvez, assim, pudesse ser apresentada como sendo um gérmen inicial da

descoberta para o conhecimento, uma semente em movimento para a floração do

conhecimento, tal qual a natureza aponta para a descoberta da vida do espírito e do

ser vivente.

Não se pode, contudo negar, na história do pensamento jurídico ocidental, um

formalismo exagerado, um racionalismo extremista, segundo o qual somente é

legítimo e válido o conhecimento que se origina, exclusivamente, na razão.

A própria doutrina clássica do Direito vê, ainda hoje, a sentença como um

produto de conhecimento racional pela via do silogismo, esquecendo-se que, por

baixo da ponte da justiça, passam seres humanos com todas as suas diferenças,

misérias, medos e angústias. Homens e mulheres do Direito esquecem, absortos no

sono da razão, que a realidade da natureza humana é colorida, integral e vivaz.

Pensar, construir o currículo jurídico, especialmente, educar no campo do

Direito de maneira intuitiva, significa, por exemplo, proferir a sentença, no caso do

juiz, com mais sentimento, com mais humanidade, não reduzindo o magistrado a um

mero burocrata, visto somente como um julgador máquina, um robô repetidor de

decisões alheias. Ou, talvez fosse o caso de se refletir que, paralelamente, à falácia

da “segurança” e “certeza” do Direito, é preciso embasar a verdade jurídica com a

realidade social, com a realidade do homem que tem corpo, pensamento, vontade,

mas, também, alma e sentimento.

Finalmente, entende-se ser improvável, hodiernamente, alguém de cultura

científica falar de uma “única verdade” que abarque tudo, nem tão pouco que

abarque verdades exclusivamente oriundas da razão, já que cada vez mais, se

comprova que os limites do saber – especialmente, quando o assunto é educação,

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

159

não podem se reduzir a um único ponto de vista, ante todas as novas descobertas

no desenvolvimento científico moderno, do microscópio ao telescópio.

Sobretudo, face à complexidade do mundo moderno, a expressão educar

para habilidades e competências racionais torna-se insuficiente como método, como

instrumento, pedagógico exclusivo, de compreensão do Direito, é preciso, ademais,

de um educar para habilidades e competências racionais, para habilidades e

competências afetivas, criativas e intuitivas.

1.9.7 Reconstrutivismo

A Filosofia do reconstrutivismo contém duas premissas principais:

1ª) a sociedade está em constante mudança;

2ª) essa mudança social envolve a reconstrução e o uso da educação na

reconstrução da sociedade.

Conforme apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver305, é comum para

as pessoas envolvidas com mudanças, particularmente aquela mudança necessária

e imediata que cada época parece exigir, voltarem-se à educação como instrumento

mais eficaz para realizá-las de uma maneira mais inteligente, democrática e

humana.

Os reconstrutivistas defendem uma atitude de mudança que encoraja o

indivíduo a tentar tornar a vida melhor do que era. Contudo, o reconstrutivismo

preocupa-se mais com a ampla estrutura social e cultural. Seus seguidores, dentre

eles destacam-se George S. Counts e Theodore Brameld, preocupam-se com as

condições sociais e culturais e como elas podem se tornar mais agradáveis para

uma participação humana plena.

George S. Counts306, por exemplo, sugere que os educadores previssem as

perspectivas de uma mudança social radical. Para ele, todas as instituições devem

ser escrutinadas, e a escola serve como um meio racional em que isso pode ser

305

OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 179-203.

306COUNTS, George S. Dare the school build a new social order? Nova York: John Day, 1932. p. 15-18.

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

160

realizado. A reforma deve abranger, conforme seu entendimento, toda a cultura

curricular.

Na visão reconstrutivista de George S. Counts307, o currículo deve ser

“mundial”, com ênfase na verdade, na solidariedade e na justiça. Ele se opõe,

contudo, a currículos limitados que lidem apenas com ideais da comunidade local,

favorecendo e incitando o currículo baseado em estudos de história mundial, bem

como investigações nos trabalhos da Organização das Nações Unidas e outras

agências mundiais.

Sob a perspectiva filosófica reconstrutivista o currículo deve ser orientado

para a ação, engajando os estudantes em projetos como a participação em causas

dignas da comunidade, a informação aos cidadãos sobre problemas sociais.

Segundo essa visão, há um incentivo para que na concretização dos

currículos os estudantes se engajem ao máximo na sociedade, onde podem

aprender e aplicar melhor seus conhecimentos.

Por essa filosofia308, os alunos são incentivados inclusive a passar metade de

seu tempo fora da estrutura escolar tradicional, aprendendo em algum lugar que não

a escola. O cenário tradicional da sala de aula pode até ter algum valor, mas o

importante é fazer com que os alunos usem o que aprenderam, e as escolas

tradicionais nem sempre incentivam isso.

“Pluralismo cultural e multiculturalismo”309,310 e “educação multicultural” são os

termos mais freqüentes usados pela concepção reconstrutivista de currículo. O

primeiro termo é usado geralmente para descrever a diversidade cultural, enquanto

307

COUNTS, George S. Dare the school build a new social order? Nova York: John Day, 1932. p. 35.

308Cf. OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 179-203.

309Conforme aponta Santos a expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio da sociedade moderna. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever as diferenças culturais em um contexto transnacional e global. Existem, porém, noções de multiculturalismo, nem todas de sentido emancipatório. O termo apresenta as mesmas dificuldades e os mesmos potenciais do termo cultura, um conceito central das humanidades e das ciências sociais e que, nas últimas décadas, se tornou terreno explícito de lutas políticas. SANTOS, Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. São Paulo, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 26.

310Em sentido negativo aponta-se a crítica formulada por Harold Bloom relativamente ao multiculturalismo. Segundo Bloom, o “multiculturalismo é uma mentira, uma máscara para a mediocridade da política acadêmica que controla as mentes. A Gestapo de nossos campos”. BLOOM, 1990, apud IMBERNÓN, Francisco. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 57.

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

161

que o segundo é aplicado a programas educacionais que o estudam. Sua lógica

fundamenta-se no fato histórico e contemporâneo de que a sociedade é um

conglomerado de muitas culturas, e que essa diversidade precisa ser

adequadamente reconhecida, ao invés de ignorada.

Os reconstrutivistas desejam também que os professores tenham uma

perspectiva humanitária e recomendam de maneira enfática, a ação da comunidade

a promoverem o tipo de educação necessária para as pessoas alcançarem seus

direitos humanos e sociais.

Uma das maneiras propositivas dos reconstrutivistas na maneira de

organização dos currículos é transformar o plano nuclear do currículo, ou também

denominado “Currículo a Roda”.

Segundo essa configuração curricular, o núcleo do currículo pode ser visto

como o cubo da roda, o tema central do projeto pedagógico do curso. Os raios

representam estudos relacionados, como grupos de discussão, experiências de

campo, estudos de conteúdos e habilidades e estudos vocacionais. O cubo e o raio

sustentam-se, enquanto o aro da roda contribui com uma capacidade sintetizadora e

unificadora.

Embora cada ano escolar tenha sua própria roda, uma continuidade deve ser

estabelecida de ano para ano, com cada roda fortalecendo e fluindo para a próxima.

Apesar de cada ano ser diferente, também herdará os problemas e as soluções dos

anos anteriores e passará a novas sínteses.

Esse paradigma curricular, na visão reconstrutivista, representa a força

centrífuga e centrípeta. Ele é centrípeto porque junta as pessoas da comunidade em

estudos comuns, e centrífugo porque estende-se da escola para a comunidade

maior. Dessa forma, ele tem a capacidade de ajudar a produzir transformações

culturais, devido à relação dinâmica entre a escola e a sociedade.

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

162

1.9.8 Pragmatismo

John Dewey nasceu em Birlington, Vermont, em 1859 e faleceu em 1952, na

cidade de Nova Iorque, deixando uma vasta obra educacional e filosófica.311

Foi, com William James e Charles Sanders Pierce, um dos fundadores da

corrente filosófica do pragmatismo norte-americano. Como William James, John

Dewey acreditava em que não há absolutos ou universais imutáveis e seu dado

fundamental era a experiência; como Charles Sanders Pierce ele buscava entender

suas idéias em termos de conseqüências baseada na experiência humana.312

John Dewey graduou-se em Filosofia na Universidade de Vermont e dois

anos mais tarde ingressou na docência na Universidade de John Hopkins, onde se

doutorou com uma tese sobre a Psicologia de Kant, em 1884.

Em seguida, transferiu-se para a Universidade de Michigan, onde

permaneceu até 1894. Nesse contexto, começou a se afastar da Filosofia

meramente especulativa para ingressar seu pensamento mais próximo dos

problemas sociais e práticos.

John Dewey313 concebe a Filosofia como uma Filosofia da Educação, pois

segundo ele:

A Filosofia da Educação não é a aplicação exterior das idéias já feitas a um sistema de prática escolar que tivesse origem e metas radicalmente diversas: é apenas uma reformulação explícita dos problemas da formação de uma mentalidade reta e de bons hábitos morais, tendo-se em vista as dificuldades da vida social contemporânea.

Ao conceber uma Filosofia da Educação, John Dewey propõe uma alternativa

à maneira como a educação vinha sendo refletida no século XIX.

311

John Dewey escreveu uma série de livros em que os problemas educacionais foram discutidos do ponto de vista da Filosofia. Dentre eles, destacam-se: The school and child (1906); Educacional essays (1910); Democracy and education (1916) e Experience and education (1938); How we think (1910); Reconstruction in philosophy (1920); Human nature and conduct (1922); Art experience (1934); Knowing and know (1949). Para a língua portuguesa foram traduzidas as seguintes obras: Reconstrução em filosofia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. Vida e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. Experiência e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

312Conforme apontam OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 139.

313DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. p. 364.

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

163

John Dewey e os pragmatistas acreditam que a educação é uma necessidade

da vida. Ela renova as pessoas para que possam enfrentar os problemas

encontrados em sua interação com o mundo e com o meio ambiente.

Segundo John Dewey, as culturas sobrevivem ao tempo, porque a educação

é o processo pelo qual uma cultura é transmitida de geração para geração,

ocorrendo por meio da comunicação, dos hábitos, das atividades, do pensamento,

dos sentimentos dos membros mais velhos da cultura aos mais jovens, de geração

em geração.

Sem isso, a vida social não poderia sobreviver, de modo que a educação não

pode ser entendida apenas como ensino e aquisição de informações e de

conhecimentos por meio do currículo escola ou do currículo da instituição de ensino,

mas como parte da própria vida.

O objetivo da educação é o crescimento, porém, Dewey acreditava que os

indivíduos deveriam ser educados como seres sociais, capazes de participar de suas

próprias questões sociais e direcioná-las.

Significando dizer, ter uma relação mais livre entre os grupos sociais e

conferindo ao indivíduo o desenvolvimento de todas as potencialidades para o futuro

do crescimento. Concebeu a educação como uma forma de libertar o indivíduo para

que ele se engaje no seu crescimento contínuo.

Os pragmatistas rejeitam a visão de currículo separada da experiência real. O

currículo não pode ser fragmentado, compartimentado. Na concepção pragmatista o

currículo deve também ser diversificado. Por exemplo, os pragmatistas defendem

estudos sobre as ocupações de terra em conjunto com questões de família, higiene,

e economia.

Defendem também a perspectiva curricular e a aprendizagem centrada nos

problemas. Os estudantes devem abordar o problema de modos diferentes, de

acordo com a necessidade e o interesse, em vários contextos e combinações.

Os recursos como método de ensino devem incluir assim, livros, periódicos,

vídeos; as informações e as idéias devem ser tiradas de qualquer tipo de fonte que

seja apropriada. Já os materiais são selecionados e avaliados em termos de

importância e os estudantes tiram suas próprias conclusões a respeito dos

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

164

problemas apresentados. O currículo pragmatista é composto tanto pelo processo

como pelo conteúdo, mas não é fixo ou um fim em si mesmo.

1.9.9 Existencialismo

De todos os filósofos existencialistas, provavelmente o mais conhecido é

Jean-Paul Sartre (1905-1980)314. Nascido em Paris, estudou na École Normale

Supérieure, recebendo em 1929 a agrégation de Filosofia. De 1931 a 1933, foi

professor no Liceu de Le Havre. Começou a escrever muito cedo. Cresceu em um

ambiente familiar que o incentivava a desenvolver suas qualidades intelectuais e foi

influenciado especialmente por seu avô que era professor de línguas. Depois de

estudar em Berlim a fenomomenologia e Heidegger, ensinou filosofia nos Liceus de

Havre, Laon, e Neuilly-sur-Seine. De 1940 foi prisioneiro dos alemães e depois de

ser libertado voltou à docência, quando fundou, em 1945, Les Temps Moderns e se

consagrou.

As principais obras de Jean-Paul Sartre são: O muro, A náusea, O ser e o

nada, As moscas, Entre quatro paredes315 e As mãos sujas.

Para sua formação, contribuiu não somente a Filosofia, mas também a

Literatura, por meio de ensaios, romances, contos e, sobretudo, o teatro. Embora

Jean-Paul Sartre não tenha escrito diretamente sobre a educação, suas idéias têm

sido aplicadas à aprendizagem, especialmente ao currículo e aos aspectos éticos da

educação.

Em razão da onda destrutiva da II Guerra Mundial, quando homens e

mulheres eram confrontados constantemente com a morte súbita diante da máquina

assassina dos nazistas, o pensamento de Jean-Paul Sartre foi aguçado sobre o

absurdo e a falta de sentido e significado da vida.

Em seus trabalhos filosóficos, Jean-Paul Sartre via a condição humana em

termos do indivíduo solitário, em um mundo de absurdos. Embora percebendo a

existência humana como algo principalmente sem sentido, entendia que qualquer

314

Baseava-se neste particular nos dados bibliográficos de Paul Sartre apontados na obra de J. Ferrater Mora. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. p. 2594-2599.

315A obra de Sartre, “Entre Quatro Paredes”, foi objeto de leitura e estudo específico durante o decorrer do nosso curso de doutorado, na Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, na disciplina de Filosofia do Direito, ministrada pelo Prof. Gabriel Chalita.

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

165

significado encontrado no mundo deve ser construído pelo indivíduo. Nesse sentido,

o significado é uma questão individual.

Para ele não há um Deus para conferir um significado à existência. A

humanidade individual e coletiva existe sem qualquer significado, ou justificativa,

exceto por aquilo que ela mesma constrói. Sua filosofia é ateísta.

Segundo Jean-Paul Sartre316, o homem é absoluto, não havendo nada de

espiritual acima dele. Por determinadas condições biológicas, a sua existência

precede a essência. A criatura chega ao mundo apenas biologicamente e só depois,

pela convivência, adquire uma essência humana determinada.

Jean-Paul Sartre afirma que a “existência precede a essência” querendo dizer

assim que se o indivíduo nasce sem significado algum, pode produzir seu próprio

significado no mundo da maneira como considera apropriado. Primeiro vem o

indivíduo, depois os ideais criados por ele. O pensamento sobre o inferno, as idéias

sobre o paraíso, são invenções humanas. O homem sofre a influência não só da

idéia que tem de si, mas também de como pretende ser.

Esses impulsos orientam-no para um determinado tipo de existência, pois o

indivíduo não pode ser outra coisa senão aquilo em que se constitui. Como não há

nada superior a ele, sua marcha se depara com o nada.

Jean-Paul Sartre entende, porém, que a humanidade é absolutamente livre:

“O homem está condenado a ser livre”. Contudo, se absolutamente livre, também

totalmente responsável pelas escolhas e ações. Não se pode alegar, assim, que foi

vontade de Deus, ou que a sociedade levou a fazer isso ou aquilo outro. O homem é

livre, portanto, responsável.

O progresso humano, ou seja, cada ato humano acontece porque algum

indivíduo ou grupo optou por fazê-lo ocorrer. Nada acontece, ou pouca coisa

acontece por acidente.

Os existencialistas, dentre eles, incluem-se além de Jean-Paul-Sartre, Paul

Ricouer (1913), Martin Buber (1878-1966), Janusz Korczak (1878-1942), Georg

Gusdorf (1912), Claude Pantillon (1938-1980) acreditam que uma boa educação

deve enfatizar a individualidade, tendo em vista que ela auxilia cada indivíduo a se

316

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1998. p. 24.

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

166

ver com seus próprios medos, frustrações, esperanças, assim como vê as maneiras

pelas quais usam a razão para o bem e para o mal.

Para a perspectiva existencialista o primeiro passo para a educação, é

entender a si próprio. Para os existencialistas, no campo do currículo, o enfoque é

humanístico antes que científico; há uma defesa da relevância pessoal, através da

ação, antes que a excelência intelectual em si.

Nos currículos elaborados por essa perspectiva há um enfoque centrado na

liberdade do aluno; contudo, o educador deve incentivar a convicção e o

compromisso. É por meio das humanidades no currículo, que os existencialistas

tentam despertar os indivíduos modernos para os perigos de serem engolidos pela

tecnologia desenfreada. Isso porque as humanidades possuem um maior potencial

para introspecção e desenvolvimento do auto-significado, se comparadas aos outros

estudos.

As humanidades despertam um currículo existencialista, porque lidam com os

aspectos essenciais da existência humana, como as relações entre as pessoas, o

aspecto trágico, o feliz da vida humana, os aspectos absurdos, assim como os

significativos da vida.

Em síntese, os existencialistas desejam ver a humanidade em sua totalidade

– o pervertido, o elevado, o mundano e o glorioso, o desesperado e o esperançoso e

acreditam que as artes o fazem melhor do que as ciências. Para a concepção

existencialista, não há regras definitivas sobre o que o currículo deveria incluir, pois

acreditam que o aluno em situação, ao fazer escolhas, é que deveria ser o fator

decisivo.

1.9.10 Humanismo

Michel Montaigne317 (1533-1592) criticou duramente o estilo de educação da

sua época e com seus pensamentos sobre a educação, pode ser considerado um

dos fundadores da pedagogia na Idade Moderna.

317

Michel de Montaigne nasceu no castelo Montaigne, perto de Bourdeux, na França. Sua educação foi confiada a um humanista alemão. Estudou Direito e durante alguns anos exerceu a função de conselheiro parlamentar em Bourdeux. Tornou-se prefeito da cidade e dedicou sua vida a atividades literárias. Traduzida para o português, reportamo-nos a sua obra mais famosa “Os Ensaios”, Livro I e II, ambos publicados pela editora Martins Fontes, serviu como fonte sobre os

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

167

As idéias sobre educação em Michel Montaigne baseiam-se em sua

experiência pessoal, tendo suas raízes em suas lembranças da infância e da sua

própria educação, cuja pedagogia encontra-se especialmente delineada no seu

ensaio Da educação da criança.318,319

Michel Montaigne, ao contrário dos pedagogos daquela época, entendia que

não era possível fundamentar a educação somente na memorização de

informações, deixando vazia a razão e a consciência. Inquirido sobre como deveria

ser a educação da criança, Montaigne afirmou que o único cuidado, seria na escolha

do professor dessa criança.

Era preciso, assim, segundo sua opinião320, tomar cuidado ao escolher um

preceptor para a criança, “que antes tivesse a cabeça bem feita do que bem cabeça

cheia, e que se lhe exigem ambas as coisas, era preciso optar, por mais os

costumes e o entendimento do que a ciência”; e que em seu encargo ele [o

preceptor], “se conduzisse de uma forma nova”.

Ora, o que Michel Montaigne propõe é, portanto, uma educação por e para o

julgamento, ao contrário da mera informação. O objetivo da educação em Michel

Montaigne é formar para o entendimento, para a capacidade do educando de julgar

por si mesmo.

É, portanto, uma Filosofia da Educação, que visa à confiança nas faculdades

naturais do homem, de uma emancipação e uso de seus próprios julgamentos.

A educação para Michel Montaigne deve assim relacionar a natureza

humana, com seu próprio julgamento a instrução da criança, ligada ao conceito de

cultura321, como lugar da construção humana, um projeto de liberdade. Liberdade na

dados de sua bibliografia. Valeu-se também aqui da pesquisa sobre a vida de Montaigne, realizada pelo aluno Dr. Riad Salle.

318MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 216-265.

319Esse ensaio foi dirigido ao filho de Diane de Foix, condessa de Gurson, sob o pretexto de aconselhar a condessa sobre como educar seu filho. Na ocasião, Montaigne era muito ligado a família da condessa, e participou da cerimônia de seu casamento na condição de procurador. Na época em que o ensaio foi escrito, a condessa encontrava-se grávida.

320MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 224.

321É preciso considerar aqui, que para avaliar com eqüidade essa pedagogia proposta por Montaigne e medir-lhe o alcance, é preciso considerar que: 1º - Montaigne destina-a a uma criança de família nobre e, portanto, uma educação para a nobreza; 2º - que nessa época os nobres franceses quase sempre eram muito ignorantes – as queixas dos contemporâneos a esse respeito coincidem totalmente com o testemunho de Montaigne − e que os métodos demasiadamente livrescos e pedantes que se adotavam nos colégios não eram de forma alguma adequados às suas necessidades; 3º - que o tipo ideal que Montaigne forma aproximam-se muito do homem de bem

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

168

educação e educação na liberdade vão dessa maneira, caminhando, lado a lado,

segundo o entendimento de Michel Montaigne.

Segundo suas próprias palavras322:

Acuso toda violência na educação de uma alma terna, que é instruída para a honra e a liberdade. Há um não sei quê de servil no rigor e na exigência; e saiba que o que não se pode fazer pela razão e pela prudência e diplomacia, nunca se faz pela força.

Nesse sentido, entende-se que o que se pode fazer é o ofício do julgamento e

de liberdade; esse é o grande desafio da educação.

Michel Montaigne lembra aqui da sua própria educação, vai contra a figura de

autoridade de seu próprio pai. O sujeito de Michel Montaigne é, portanto, aquele que

se educa, transforma-se em uma ação partilhada entre memória cultural e realização

pessoal.323

Montaigne deixou uma proposta de educação, de currículo flexível, aberta

para a vida, ensinando o culto ao relativismo, e enaltecendo as virtudes da dúvida.

As perguntas “que sei eu”? “o que sabemos nós?” postas por Michel

Montaigne ao longo dos Ensaios324 sintetiza essa atitude filosófica, ao mesmo tempo

cética e relativista, perante um mundo que carece de sentido para o homem

Pelo menos, é dessa perspectiva que ele irá posicionar-se diante do

conhecimento e dos saberes de sua época. Com essas perguntas, retoma Sócrates

e faz dessa questão o mote para filosofar, agora à maneira dos céticos.325

do século XVII, e que o ensino dos jesuítas em seus colégios será, em muitos pontos, conforme as diretrizes traçadas por ele nos Ensaios. Nesse sentido, vejam-se oportunos comentários de Pierre Villey à obra pedagógica de Montaigne quanto a esse propósito. MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 217.

322 Ibid., Livro I; II e III.

323Conforme entendimento firmado a respeito da educação proposta por Montaigne de Franc Morandi. MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 70.

324Os Ensaios de autoria de Michel Montaigne, cujo prefácio na edição da Martins Fontes, foi escrito por Pierre Villey é obra composta, no conjunto, como o próprio nome indica, por ensaios em que o autor trata dos mais variados assuntos. Há trechos em que fala de si, dos outros, em que conta anedotas e histórias; outros em que discute temas filosóficos e políticos, sem a pretensão de esgotá-los. MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Livro I, p. LI-L XXX.

325Cético é a atitude de quem apresenta como visão de mundo o ceticismo. Com efeito, o Ceticismo é a concepção segundo a qual o conhecimento do real é impossível à razão humana. Portanto, o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. No pensamento moderno, sobretudo com Montaigne e os humanistas do Renascimento, o ceticismo é retomado como forma de se atacar o dogmatismo da escolástica, o que leva à adoção de conhecimento relativo. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo.

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

169

Se, em Sócrates, a dúvida tem um caráter pedagógico, indutor da Paidéia

justa, em Montaigne ele adquire um caráter constitutivo da própria condição humana,

compactuando do que hoje se denomina existencialismo.

Ao declarar que todo homem traz em si o peso da condição humana, Michel

Montaigne326 parece apegar-se a um conceito naturalista e universalista da

existência humana, parece dizer: eis, aqui portanto, sua natureza. Mas essa

condição humana para ele nunca é invariável: na realidade, é sujeito

maravilhosamente vão, diverso e ondulante de homem.

Para ondulante aqui, parece dizer: o homem não “é”, ele “se faz”, e se faz em

direção ao futuro do “projetar humano”. Nunca está em casa, está sempre além

dela.327

Defende a vida segundo a natureza, a fim de eliminar a inquietude do homem

produzida pela ambição, egoísmo, considerando todas as coisas como transitórias.

A introspecção e o contínuo exercício do “conhece-te a si mesmo”, constituem

para ele o caminho da verdadeira Filosofia. Iniciando sua obra328, interroga sobre a

superioridade que o homem arroga ter sobre as demais criaturas: será possível

imaginar algo mais ridículo do que essa miserável criatura, que nem sequer é dona

de si mesma, que está exposta a todos os desastres e se proclama senhora do

universo?329 Nesse compasso começa, assim, sua defesa contra a arrogância, a

Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 41. O seu oposto é dogmatismo que, no sentido comum, é a atitude que impele alguém a acreditar que tem a posse da verdade única, absoluta e correta, recusando-se ao diálogo, não admitindo questionamento de suas certezas. Encontra-se essa atitude em muitas situações do cotidiano social, em especial na universidade. Em filosofia, o termo assume sentido um pouco diverso. O primeiro sentido de dogmatismo é a admissão de que se podem conhecer as coisas em si e de que esse conhecimento é confiável para guiar na vida prática diária. É nesse sentido que os primeiros filósofos gregos – os pré-socráticos – podem ser considerados dogmáticos, uma vez que os sofistas são os primeiros a problematizar a questão da verdade do conhecimento. No segundo sentido, dogmatismo é a doutrina, ou atitude, que afirma, de modo absoluto, ser possível atingir verdades seguras exclusivamente por meio da razão. Essa vertente caracterizou os racionalistas, entre eles Descartes, que entendiam a razão como único caminho de chegar ao conhecimento, deixando de lado a possibilidade de construir a partir da experiência (empirismo). Para Immanuel Kant, filósofo do Iluminismo, o termo assume conotação mais específica. Segundo Kant, o dogmatismo é toda e qualquer posição que se julgue na posse da certeza da verdade, antes de fazer a crítica da faculdade de conhecer para verificar e analisar suas limitações. O criticismo kantiano define-se em oposição a duas correntes do pensamento filosófico: o empirismo, que se apresenta na linha filosófica do ceticismo, e o racionalismo, que também tem postura de dogmatismo.

326MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Livro I, cap. III, p. 19-28.

327Ibid., p. 19.

328Ibid., Livro I, cap. XXV, p. 198-215.

329Ibid., Livro I, cap. XLII, p. 379.

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

170

presunção do homem e sua preocupação com a reputação e a glória, reduzindo-o a

sua insignificância diante da vida e da ordem natural das coisas.

Michel Montaigne se manifesta contrário a uma escola que trate todos os

alunos da mesma forma, sem considerar que são espíritos diferentes uns dos

outros330, pelo temperamento, pela inteligência. Daí, concluir não ser possível

ensinar a mesma lição a todos igualmente.

Michel Montaigne é atual, pois ele ensina o homem a duvidar de si mesmo.

Soube tratar, a partir de um olhar crítico, os mais diversos assuntos, mediante um

novo gênero literário, o ensaio. Michel Montaigne trata de questões importantes,

como os direitos humanos e a liberdade individual, a relação do saber entre o

educando e o educador, que se desloca do enciclopedismo para a constituição

crítica de um saber a partir dos nossos próprios julgamentos, pois “à maneira pela

qual somos instruídos, não é surpreendente que nem os discípulos nem os mestres

se tornem hábeis, ainda que se tornem mais doutos”.331

Portanto, o ideal de educação em Michel Montaigne, é o ideal da prudência

que reconhece e aguça no homem a consciência da relatividade e dos seus limites;

das pretensões absurdas da razão humana, para transpô-lo aos seus limites,

mediante o persistente exame da sua consciência.

1.9.10.1 A educação em Paulo Freire

A Pedagogia elaborada por Paulo Freire332 apresenta-se como uma

Pedagogia humanista, problematizadora; uma pedagogia de questionamento,

pergunta, indignação, tolerância, autonomia.

330

Veja-se nesse sentido o Ensaio de Montaigne, Da desigualdade que existe em nós, Citando Terêncio e Plutarco, Montaigne afirma que há graus diferentes de espírito e que os homens são diferentes entre si. Está falando da capacidade da alma e das qualidades interiores do homem. Diz, que vai além de Terêncio quando este último afirma “Ah! Entre um homem e outro homem, quanta distância! Pois, Montaigne entende que há mais distância entre tal homem e tal homem do que há entre o homem e o animal. Para ele, o mais excelente animal está mais próximo do homem da mais baixa escala do que esse homem está para o próximo de um outro homem grande e excelente.” MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 384.

331MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 197.

332Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), que ficou conhecido como Paulo Freire, nasceu em Recife, e casou-se em 1944 com Elza Maria Costa de Oliveira, com quem teve cinco filhos. Após o falecimento de Elza em 1986, casou-se em segundas núpcias, em 1988 com Ana Maria Araújo. Suas primeiras experiências profissionais foram vividas ainda como estudante, no magistério da Língua Portuguesa, no colégio Oswaldo Cruz em Recife. Diplomou-se em Direito, em 1946, na

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

171

Compreende homens e mulheres como seres inconclusos, inacabados e

incompletos, que por perceberem que “não sabem tudo”, buscam o saber, o

conhecimento e o seu aprimoramento. O ser humano por essa perspectiva é visto

como ser de relação, reflexivo, transcendente e temporal, cuja relação com o mundo

possibilita a sua característica de sujeito de conhecimento (sujeito epistemológico),

da história e da cultura. É sujeito concreto, que existe no mundo e com o mundo,

cuja consciência é intencionada para fora de si, para um mundo que não é mero

objeto de contemplação, mas de ação.

O ser humano nesta relação homem-mundo é um ser de práxis (reflexão-

ação). Assim, fundamenta sua Pedagogia no pressuposto teórico existencialista,

bem como, nos pressupostos teóricos de Marx e Gramsci.

Conforme aponta, Celso de Rui Beisiegel333, as principais características de

Paulo Freire são bem conhecidas:

Quase todas as expressões geralmente empregadas no ensino eram substituídas por outras, não contaminadas pelo autoritarismo e pelas orientações ideológicas que, de acordo com o educador, seriam inerentes à educação escolar tradicional no país. Assim, em vez de classe, falava-se em círculo de cultura. O professor era substituído por “coordenador de debates”, (educador-educando) e o aluno pelo participante no “círculo de cultura” (educando-educador). Eliminaram-se cartilhas e livros de textos, substituídos pelo trabalho com a linguagem corrente na localidade e pela discussão das experiências de vida dos participantes dos “círculos de cultura”.

Para Paulo Freire não há educação neutra, pois o processo educativo é um

ato político, uma relação de domínio ou de liberdade entre as pessoas.

O diálogo entre docentes e discentes é o caminho para a libertação das

pessoas oprimidas. Paulo Freire não comungava da concepção de educação na

qual o professor é mero transmissor de informação, que deposita seus

conhecimentos nos alunos, denominada por ele de “educação bancária”.

Faculdade de Direito de Recife, porém, logo desistiu da prática da advocacia. Foi diretor do setor de educação e cultura do SESI de Pernambuco, professor de Filosofia da Educação e nomeado em 1960, para o cargo efetivo de professor de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, posteriormente transformada na atual Universidade Federal de Pernambuco. Ocupou diversos cargos na vida educacional, política e cultural do país, inclusive o de Conselheiro Estadual de Educação do Estado de Pernambuco. Assumiu também o Programa de Alfabetização promovido pelo MEC com a utilização do método Paulo Freire de alfabetização para adultos. Foi Secretário da Educação do município de São Paulo (1989-1991). Foi professor da Universidade Católica e da UNICAMP.

333BEISIEGEL, Celso de Rui. Dicionário de educadores no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; Brasília: MEC-INEP-COMPED, 2002. p. 893-899.

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

172

Na educação bancária o único papel do educador é o de expor e impor

conhecimentos, não havendo espaço para discussão e reflexão.

Nesse sentido, a idéia que se tem é de aquele que possui conhecimento irá

depositar, transferir, pura e simplesmente, a que conhece para aquele que nada

sabe, o depositário do saber de outrem.

Segundo Paulo Freire334:

Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão e absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação e ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.

Ainda, segundo Paulo Freire335:

Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos homem. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo

sujeito de sua ação.

Por essa perspectiva, a educação que considera o aluno como simples

receptáculo de informações foi duramente combatida por Paulo Freire a partir dos

anos 60 e 70.

Para Paulo Freire, a educação que liberta é aquela que faz com que o aluno

desenvolva consciência crítica e participe ativamente no processo de aprendizagem,

pois só assim o homem torna-se, efetivamente livre.336

A educação pode, portanto, significar libertação. Contudo, para isso, ela deve

estimular, segundo Paulo Freire337:

A pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que pretende com esta ou aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de respostas a perguntas não feitas. Isto não significa realmente que devamos reduzir a atividade docente em nome da defesa da curiosidade necessária, a puro vai e vém de perguntas e respostas, que burocraticamente se esterilizam. A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos, em que o professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que o professor e alunos saibam que a

334

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p. 58. 335

Id. Pedagogia e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p. 38. 336

Id. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p. 67. 337

Id. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 95-96.

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

173

postura deles, do professor e do aluno, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que o professor e os alunos se assumam epistemologicamente curiosos.

Paulo Freire entende que a educação deve envolver o educando, o educador,

e o meio educativo. Deve, ainda, capacitar o indivíduo, tanto para viver

civilizadamente e produtivamente, como para formar seu comportamento para agir

corretamente com seus princípios e valores, porém, com abertura para revisá-los e

modificá-los338, quando mudanças se fizerem necessárias. A educação deve

englobar, pois, de forma indissociável, tanto os processos de aprendizagem, quanto

os de ensino.

Em Paulo Freire339, o diálogo adquire conotação existencial e política, na

medida em que possibilita ao professor e ao aluno serem sujeitos não somente do

conhecimento, mas também, da história e da cultura.

A educação como prática da liberdade não é a transferência ou a transmissão do saber nem da cultura; não é a extensão de conhecimentos técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos nos educandos; não é a perpetuação dos valores de uma cultura dada; não é o esforço de adaptação do educando ao seu meio... é sobretudo e antes de tudo, uma situação verdadeiramente gnosiológica. Aquela em que ato cognoscente não termina no objeto cognoscível, visto que se comunica a outros sujeitos igualmente cognoscentes.

As propostas pedagógicas de Paulo Freire340, marcadas por ousadia,

originalidade e coerência, alçaram-no à condição dos grandes nomes da educação e

da cultura brasileira e mundial.

Conforme asseveram Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcellos e

Regina Helena Pires de Brito341:

338

Corrobora com esse entendimento Elias de Oliveira Motta, ao afirmar que: “ao educar-se, o indivíduo passa por mudanças comportamentais que o levam da ignorância para o conhecimento; da impotência para a potencialidade; da deficiência, inclusive física e mental, para a reabilitação; da incapacidade para a ação eficiente, da inconsciência para a consciência de si mesmo e de seu papel na sociedade; da amoralidade e imoralidade para a ética e a moral”. MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO. p. 75.

339FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 78.

340Para a elaboração desse capítulo foram pesquisadas as seguintes obras de Paulo Freire: Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Para a coleta e elaboração dos dados bibliográficos de Freire foi utilizada a biografia de sua vida, escrita por Ana Maria Araújo Freire (Nita Freire), que além de profunda conhecedora da obra freireana e Doutora em Educação era também sua esposa. Paulo Freire. Uma história de vida. São Paulo: Villa das Letras, 2006.

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

174

A intensidade com que sua obra reverbera em nosso cenário educacional comprova a solidez de sua produção bibliográfica e permite antever, com segurança, sua permanência junto às futuras gerações de pesquisadores.

Na concepção Freireana a educação é considerada fator de mudanças, de

conscientização e transformações; é, nesse sentido, essencialmente, libertadora.

Constituindo-se, portanto, não somente um meio de intervenção individual, mas

também, da própria realidade social.

Paulo Freire defende, ainda, que o educador deve ser um problematizador,

um agente provocador de situações.

O processo educativo deve enfatizar elementos subjetivos, especialmente a

relação professor e aluno, que se apresenta como dialógica.

Faz-se por essa perspectiva uma análise epistemológica da educação,

destacando-os, professores e alunos, como sujeitos do conhecimento.

A educação para Paulo Freire se apresenta como situação epistemológica, na

qual os sujeitos, mediados pelo mundo, conhecem e comunicam-se sobre a

realidade conhecida.

1.9.10.1.1 Visão de currículo em Paulo Freire

O currículo na perspectiva Freireana deve englobar todas as atividades

desempenhadas pelos educandos, para além dos conteúdos programáticos. Pois,

segundo Paulo Freire342:

O currículo, no seu sentido mais amplo, implica não apenas o conteúdo programático do sistema escolar, mas também, entre outros aspectos, os horários, a disciplina e as tarefas diárias que se exigem dos alunos. Há, pois, nesse currículo, uma qualidade oculta e que gradativamente fomenta a rebeldia por parte das crianças e dos adolescentes. Sua rebeldia é uma reação aos elementos agressivos do currículo que atuam contra os alunos e seus interesses.

Todo o verdadeiro currículo deve assentar e visar à autonomia dos

educandos. Aqui, convém lembrar que Paulo Freire defende que todos são

341

VASCONCELLOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho; BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de educação em Paulo Freire. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Mack Pesquisa, 2006. p. 11.

342FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 70.

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

175

educandos e educadores. Porém, para ele falar em autonomia implica também falar

em liberdade, liberdade com responsabilidade.

Pode-se apresentar a seguinte configuração de currículo real para Paulo

Freire:

o currículo real não é apenas aquele que, numa perspectiva escolar, acon-

tece na seqüência do currículo formal;

o currículo real é o de cada sujeito da educação que faz a sua vida, um

tempo histórico com sentido;

o currículo, como a vida, implica projeto e realização, hermenêutica e

interpretação.

Nesse diapasão, os indivíduos devem chamar, por si mesmos, pelos outros e

pelas instituições, a viver a vida, a fazer currículo e a programá-lo de modo

educacional.

O currículo sob essa perspectiva é compreendido numa ótica filosófica e

cultural, alargando-se inclusive para fora da escola, numa perspectiva integradora e

sistêmica de realização pessoal dos educandos, numa perspectiva de educação

mais ampla, não de mero ensino e instrução.

Perspectiva essa que, se ausente do currículo, é nefasta. Veja-se, a título de

exemplo, quando a ausência de uma perspectiva filosófica, no âmbito das questões

curriculares, levou à tentativa imprudente, perigosa de tentar substituir, na reforma

curricular instituída em Portugal, após 1986, retirando-se a Filosofia na Educação.

É sempre nefasto quando a concepção e organização curricular não são

iluminadas e orientadas por uma Filosofia da Educação.343

Basta ver a quantidade e as sucessivas reorganizações e revisões

curriculares. Falta pensamento educacional consistente, coerente e dinâmico, que só

se pode encontrar na Filosofia. Nesse sentido, importa sempre saber que caminhos

percorrer e por que percorrer, tanto quanto, conjugando e articulando presente,

passado e futuro, buscando-se, sobretudo nos fundamentos filosóficos.

343

Esse posicionamento é defendido também por Emanuel Medeiros e Adalberto Dias de Carvalho. MEDEIROS, Emanuel. A Filosofia como centro do currículo na educação ao longo da vida. Portugal: Instituto Piaget, 2005, passim. CARVALHO, Adalberto Dias de. (Org.). Dicionário de Filosofia da Educação. Portugal: Porto Editora, 2006. p. 41-44.

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

176

Essa busca é uma atitude e tem nome: procura da sabedoria. Talvez o maior

desafio para a construção do currículo nos caminhos da existência e coexistência no

campo do Direito.

1.9.10.2 A educação e o currículo em Gabriel Chalita

Para, Gabriel Benedito Issaac Chalita344, a educação numa perspectiva ampla

deve fomentar em cada aluno o desenvolvimento da visão crítica, da ética, do gosto

pela discussão, pelo debate, pela reflexão, pela arte, pela cultura e por sua

propagação. Fornecendo ao educando no currículo, ao longo de sua vida, uma

percepção de mundo, com suas realidades diversas, enriquecedoras e

complementares.

A concepção de educação formulada por Gabriel Benedito Issaac Chalita

objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento do ser humano como

um todo sistêmico, suas aptidões, suas potencialidades, ou seja, a personalidade do

educando.

O currículo, nessa direção, abre portas tanto para o crescimento intelectual

como também para a ascensão social do homem.

Gabriel Benedito Issaac Chalita345 afirma que embora sejam muitas as formas

de transmissão do conhecimento, o ato de educar só se dá com o afeto, só se

completa com o amor. Ainda, segundo o mesmo autor346, somente “o amor é capaz

de quebrar paradigmas, barreiras, ranços. É o amor que nos envolve, que nos une”.

A educação dever ser, portanto, um ato de coragem e afeto.347 Junto com o

amor vem o compromisso, o respeito, a necessidade de continuar a estudar sempre,

de preparar aulas mais participativas, de repreender com pertinência.

Gabriel Benedito Issaac Chalita348 indica, entretanto, que a educação

sustenta-se sobre três pilares, sendo certo que um não pode estar dissociado do

outro. São eles: as habilidades cognitiva, social e emocional.

344

CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação para o trabalho. Diário de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 2002. p. 4.

345CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001. p. 11.

346 Ibid., p. 12.

347 Ibid., p. 12.

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

177

O primeiro pilar em que se fundamenta a educação, a habilidade cognitiva,

corresponde à seleção de informações técnicas relativas a determinados temas.

Refere-se à articulação entre o conhecimento propriamente dito e as suas relações

com a forma de transmissão desse conhecimento. Sua eficácia passa por profunda

mudança de postura, quebra de paradigma.

O mito do conhecimento pronto e acabado tem que dar lugar ao trabalho com

a habilidade, com o aprender a aprender, que não envelhece nunca e não acaba.

Por isso, a habilidade cognitiva, requer aprimoramento constante e capacita o

indivíduo para o exercício pleno da profissão.

O segundo, a habilidade social, é exigida cada vez mais no mundo em que

vivemos. Está na ordem do dia, pois implica saber relacionar-se da melhor forma

possível. Ela é, portanto, a preparação para a convivência em um mundo plural, e

implica, sobretudo, no respeito pelo outro.

A habilidade social é a capacidade de liderar e de gerir pessoas com

problemas diferentes, sonhos diferentes, ideais diferentes. Um dos principais

objetivos na formação do aluno deve ser a sua capacitação à convivência com o

grupo. O desenvolvimento da capacidade de trabalhar em um mundo multicultural

onde as diferenças sejam respeitadas.

Essa habilidade, segundo Gabriel Benedito Issaac Chalita349, é visível na

construção de um espírito de solidariedade.

O terceiro, a habilidade emocional – capacidade de dar e receber afeto – é350

o grande pilar da educação, pois não é possível desenvolver as outras habilidades

sem que a emoção seja trabalhada. Essa habilidade visa à busca do foco interior e

exterior, do autoconhecimento, de uma relação equilibrada do ser humano com ele

mesmo. Por meio dela, as pessoas são capazes de acessar suas potencialidades e

a autoconfiança, e não se intimidar frente às dificuldades e as derrotas.

348

CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001. p. 14; 191.

349Ibid., p. 211-232.

350Ibid., p. 191-257.

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

178

Aos três pilares em que sustentam a educação, anteriormente citados,

magistralmente, na sua obra Educação: a solução está no afeto351, pelo professor

Gabriel Benedito Issaac Chalita, acrescenta-se a habilidade estética.

Embora por habilidade estética se expresse a idéia de designar os processos

educativos intencionalmente preocupados com o desenvolvimento do conhecimento

e da habilidade artística, mediante o contato com diferentes meios de expressão

artística (arte, cultura, teatro, música).

A utilização de diferentes técnicas incorporadas ao currículo jurídico permite,

assim, aos alunos do curso de Direito, desenvolver o apreço pelo “Belo” em diversos

contextos e situações.

Quando se afirma a estética como possibilidade para a construção do ensino

do Direito, afasta-se das concepções tradicionais que a dotaram de significação. Não

somente no sentido clássico que define a estética como o estudo da sensação, da

“ciência do belo”, ou nas reconceituações posteriores de Kant (sentido

transcendental) e Hegel (sentido histórico).

Trata-se, entretanto, de uma estética que não se confina exclusivamente nas

belas artes nem ao bom-gosto, mas que se afirma como vetor de sociabilidade.

Nesse sentido, a habilidade estética, ora proposta, estende-se ao conjunto da vida

social, compreendendo que a vida surge como tarefa a ser construída por cada

sujeito numa miríade de possibilidades em que cada caminho é traçado de forma

artesanal, como obra de arte, abrindo o resgate para a sensibilidade352 como fator

operativo do real, uma vez que a relação do sujeito cognoscente com o mundo não

está pré-determinada em apriorismos categóricos, mas admite uma plêiade de

sensações que vão se formando singularmente, em absoluto devir.

Com efeito, na educação, as identidades, tanto do educando quanto do

educador vão se construindo, vão se forjando esteticamente no próprio processo

educacional, dando azo a uma infinitude criativa nos participantes desse processo.

351

CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001. p. 191-257.

352Nesse sentido apontamos as obras de CUNHA, José Ricardo Ferreira. Direito e estética: fundamentos para um direito humanístico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 21. GAMBOGI, Luís Carlos Balbino. Direito: razão e sensibilidade (as intuições na hermenêutica jurídica). Belo Horizonte: Del Rey; Universidade FUMEC, 2005. p. 95-264.

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

179

O sujeito criador, nas palavras de José Ricardo Ferreira Cunha353,

“transforma-se no cidadão-artista, trabalhador-artista, estudante-artista, mãe-artista e

a vida torna-se arte como dizia Nietzsche em Nascimento da Tragédia: única vida

possível: na arte. Senão, afastamo-nos da vida”.

A educação, sob essa nova perspectiva, é mais do que simples conhecimento

especializado. Inclui além da habilidade cognitiva, social e emocional da pessoa no

curso de Direito; também expande o entendimento moral e desenvolve apreciações

estéticas construtivista, centrada na atitude criativa do educando/educador e não na

objetivação da realidade, cuja perspectiva reducionista nega a possibilidade da

interdisciplinaridade nas áreas de conhecimento como critério absoluto do trabalho

epistemológico e rejeita também a transdiciplinaridade.

Trata-se assim de recuperar a centralidade do sujeito na construção do

mundo, desvelando as aparências e rejeitando o discurso segundo o qual não há

nada de novo sob o sol; resgatando ainda a liberdade do sujeito que passa a ser

compreendida de forma integral, sem o dualismo razão versus sensibilidade. Não se

trata de dominar o real, mas de construir a realidade.

Essa habilidade estética, como paradigma no currículo jurídico é, portanto, o

meio mais adequado e capaz de conferir ao educando a tão desejada emancipação

do sujeito da qual se refere com tanta ênfase a obra de Paulo Freire.

Também, como ponto de partida de reflexão para a admissibilidade de uma

construção curricular no ensino do Direito voltada para a construção da habilidade

estética, aponta-se, a obra de Nicolai Hartmann354 e Max Scheler355, ambos

seguidores da perspectiva axiológica dos valores356, bem como a obra de Gustav

Radbruch357, para quem:

353

CUNHA, José Ricardo Ferreira. Direito e estética: fundamentos para um direito humanístico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 21.

354HARTMANN, Nicolai. Introducción a la Filosofía. México: Universidade Nacional, 1961. passim.

355SCHELER, Max. Posição do homem no cosmo. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

356Para Scheler e Hartmann, no campo do conhecimento do Direito os valores formam uma ordenação hierárquica absoluta e imutável, que pode ser conduzida a resultados tão categóricos e claros quanto aos da lógica e da matemática, mas da mesma forma que as expressões dessas ciências de objetivos ideais não são acessíveis à compreensão de todos, há os que não são capazes de atingir a perfeita intuição dos conteúdos axiológicos.

357Gustav Radbruch defende a necessidade de um enfoque estético para o Direito, além disso, após perder a cátedra da sua cadeira de professor de Filosofia em Heidelberg, e posteriormente perder o seu filho em virtude das brutalidades da II Guerra Mundial cometida pelos nazistas, reviu sua posição quanto ao jusnaturalismo. Sua crítica contra o positivismo jurídico fica evidente. Em Leis

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

180

[...] como todos os fenômenos que conhecemos, o Direito pode ser também matéria da arte e entrar deste modo no domínio da estética. Pode mesmo falar-se duma estética do Direito, embora até hoje não se tenham neste capítulo mais do que uma simples aproximação para ela.

Nesse sentido, embora os currículos do ensino básico e do ensino secundário

disponham de áreas específicas para a Educação Artística, como, por exemplo, a

Educação Visual e a Educação Musical, a configuração do currículo no ensino

superior, particularmente, ao que se refere ao ensino jurídico, faz, no entanto, tabua

rasa a essa importante habilidade. Infelizmente, constata-se que o currículo do

ensino jurídico não reflete essa importante dimensão de sentido, ou seja, a

habilidade estética.

1- Aponta-se, ainda, na literatura, especialmente, no romance de Fiódor

Dostoiévski, O idiota, a busca pela beleza, na fala de um ateu chamado Hipólito

que pergunta ao príncipe Míchkin: “É verdade, príncipe, que o senhor disse, um

dia, que a „beleza‟ salvaria o mundo? [...] Qual beleza salvará o mundo?”.358

Ainda, em Os Demônios, Fiódor Dostoiévski, escreve:

A beleza é mais importante, a beleza é mais útil que o pão [...], [...] a beleza sozinha é a meta em vista da qual o homem vive, e a jovem geração perecerá se ela se engana ainda que seja apenas sobre as formas de beleza.

359

Mas, o que consiste a salvação do mundo pela beleza? Como se pode

pretender que o belo seja mais útil que o pão? No contexto de um mundo tal

desigual e de pobreza extrema?

O pão é necessário para a sobrevivência do corpo e quem morre de fome não

está de forma alguma em condições de apreciar a beleza. O que torna então a vida

digna de ser vivida? Talvez, a beleza da virtude moral chamada Justiça.

Ainda, no que se refere ao processo cognitivo, é F. Carnelutti360 quem afirma

acerca da possibilidade de similitude entre o Direito como ciência e arte. Sentido

que não são Direito e Direito superior às Leis, protesta contra o princípio jurídico do nacional-socialismo segundo o qual lei é a lei, sem nenhuma limitação. RADBRUCH, 1937, apud MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 212.

358DOSTOIÉVSKI, Fiodór. O idiota. São Paulo: Edições 34, 2002.

359Id. Os demônios. São Paulo: Edições 34, 2005.

360CARNELUTTI, F. Diritto e processo. Napoli: Morando, 1958. p. 146. Nesse opúsculo Carnelutti considera o Direito como “la legge stessa deve essere considerata come um opera d‟arte”.

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

181

esse que percebe a atividade do Direito com implicações inclusive criativas, sem

descurar dos demais valores de justiça.

Também, para os romanos, como bem expressa o jurisconsulto Celso361, o

Direito era a arte do bom e do justo: Jus est ars boni et aequi. Contudo, com o

desenvolvimento das ciências e as transformações das sociedades, o Direito foi

impregnado de um certo tipo de verdade: o rigor positivista assentado na Teoria do

Direito.

O Direito não se deve converter em mera e insípida conotação morfológica da

forma, enquanto experiência, o Direito deve ser entendido como linguagem,

“narrativa”362, cultura, obra de arte e resistência.363

É evidente que não se pode falar em ciência sem construção de uma

linguagem. Se a ciência é eminentemente teórica, toda a produção científica postula,

é verdade, uma linguagem própria, uma linguagem técnica que possa descrever seu

objeto, elaborar hipóteses e deduzir suas leis.

O Direito é criação humana e nesse sentido um objeto cultural que necessita

da linguagem para ser descrito e comunicado.

A estrutura da linguagem da ciência do Direito deve ser dialógica, porque

deve referir-se à comunicação humana. Aliás, é da essência tanto da linguagem

quanto do Direito o caráter de intersubjetividade.

E a linguagem da ciência do Direito, como toda linguagem, é signo. O signo

isoladamente, o que torna a questão extremamente complexa, dada a possibilidade

de expressões plurissignificativas, a polissemia dos sentidos, a textura aberta, a

ambigüidade e a vaguidade.

Como diz Luis Fernando Coelho364, a linguagem do Direito postulará sempre

um esforço de interpretação, nada obstante posições doutrinárias em contrário.

361

Definição de Direito atribuída a Celso, jurisconsulto romano da antiguidade. “O Direito é a arte do bom e do eqüitativo”. Cf. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de expressões jurídicas. São Paulo: Atlas, 2002. p. 163. (grifo nosso).

362O Direito compreendido como “linguagem, discurso e narrativa” é concebido por François Ost. Veja-se a esse respeito OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. São Leopoldo: UNISINOS, 2007. passim.

363ADORNO, Theodor Wiesengrund. Teoria estética. Portugal: Edições 70, 2006. p. 21 et seq.

364COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 186-187.

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

182

Além disso, a essa circunstância se acresce outra: essa linguagem se dirige

ao homem, ser complexo e contraditório.

Por outro lado, o Direito, conforme aponta Cornelius Castoriadis365, não se

contenta em defender posições instituídas, mas deve exercer, igualmente, funções

instituintes – o que supõe criação imaginária de significações sociais, históricas e

culturais novas e de (des)construção das significações instituídas que a elas se

opõem.

Entendem-se, no entanto, que essas novas significações instituídas somente

são possíveis de realização, particularmente a sua aplicação no ensino do Direito, se

se constarem no currículo jurídico além de habilidades racionais, as habilidade

estéticas, afetivas, artística, sobretudo culturais.

Compreende-se, por isso mesmo, que há um discurso invisível que subjaz o

ensino do Direito e o currículo jurídico, que se constitui na sua sintaxe cultural.366

Desconsidera-se, freqüentemente, nas Instituições de Ensino Superior que

oferecem os cursos de Direito, na implantação de seus currículos jurídicos, essa

importante dimensão de sentido.367

Por outro lado, preocupada com a formação de seu corpo docente, diante da

permanente busca entre a teoria e sua aplicação, o curso de Direito da Faculdade

de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP tem, por exemplo, em

seu currículo, disciplinas que o diferenciam no mercado, destacando-se entre elas: a

implantação na grade curricular a disciplina curricular denominada “Criatividade”,

onde os alunos têm inclusive aulas de “Teatro”.

Essa disciplina encontra-se inserida no primeiro e no segundo semestre da

grade curricular do seu curso de Direito.

365

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. p. 404-418.

366Apontamos aqui as reflexões de Miguel Reale, especialmente, suas obras Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 1-19. O Direito como experiência: introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. Horizontes do Direito e da História. São Paulo: Saraiva, 2000; em especial os ensaios “Direito e cultura”, p. 292-296 e “A Teoria Egológica do Direito”, p. 321-342.

367Veja-se nesse sentido site: <www.faap.com.br>. Acesso: 10 jul. 2008. O currículo proposto para o curso da FAAP visa aproximar o ensino jurídico das novas áreas e tendências observadas, no Brasil e no mundo, que, direta ou indiretamente, repercutem não apenas no processo de formação dos estudantes, mas no próprio ensino e na concepção do Direito moderno, constituindo-se, neste aspecto, um paradigma positivo de currículo jurídico.

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

183

O currículo proposto para o curso da FAAP visa aproximar o ensino jurídico

das novas áreas e tendências observadas, no Brasil, e no mundo que, direta ou

indiretamente, repercutem não apenas no processo de formação dos estudantes,

mas no próprio ensino e na concepção do Direito moderno, constituindo-se, neste

aspecto, um paradigma de conteúdo cultural positivo de currículo jurídico.

Aponta-se, ainda, nessa investigação como paradigma de currículo de sintaxe

cultural, criado em Portugal, na década de 1980, por Manuel Ferreira Patrício.368

O modelo de currículo cultural encara a escola numa perspectiva

multidimensional. O programa implantado na escola possui três dimensões, a saber:

a dimensão letiva, a extraletiva, e a interativa.

A primeira pelo modelo português é obrigatória e definida pelo plano de

estudos aprovados pelo Ministério da Educação português. A segunda e a terceira

são autoprogramáticas. Cada estabelecimento de ensino, através do seu conselho

pedagógico e traduzindo a vontade de professores e alunos, define o programa de

atividades de complemento curricular e as atividades de interação. São, no entanto,

duas dimensões de caráter curricular facultativo e livre para cada instituição de

ensino.

Por outro lado, a dimensão extraletiva dá expressão às atividades culturais

que por serem livres e facultativas, estão a jusante da dimensão letiva. A dimensão

interativa é a expressão dos momentos de interação da dimensão letiva e da

dimensão extraletiva com o envolvimento de toda a instituição de ensino.

A primeira dimensão diz respeito ao saber constituído, à herança cultural que

a instituição está encarregada de transmitir às novas gerações mediante a

configuração dos currículos. A segunda e terceira dimensões dizem respeito ao

saber a constituir e, nessa medida, exigem metodologias curriculares diferentes das

que são apanágio da dimensão letiva.

O trabalho de projeto e o trabalho independente são duas das metodologias

predominantes nas dimensões extraletiva e interativa.

368

PATRÍCIO, Manuel Ferreira. Lições de axiologia educacional. Lisboa: Universidade Aberta, 1990. p. 8-37.

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

184

Como se verifica, no modelo apontado a cultura constitui-se a finalidade e o

objetivo do currículo daquela instituição de ensino. Cada uma das dimensões tem

um papel a desempenhar na transmissão do legado cultural e na criação cultural.

Não se pode olvidar, por outro lado, ainda que a sintaxe de construção

cultural nos currículos escolares, visam configurar o processo de humanização e

capacitação permanente para a vida do educando, posto que promovem

desenvolvimento de todas as habilidades, incluindo-se, as habilidades afetivas,

estéticas e criativas visando preparação do aluno na sua perspectiva de

integralidade do ser humano.

Processo de aperfeiçoamento integral esse, cujas aptidões do ser humano,

por um lado, adquire conhecimentos, mas por outro, também desenvolve sua

capacidade intelectual, cognitiva, sensibilidade afetiva, social, cultural e psicomotora,

mas também, estética.

Ao incluir-se, dentre os pilares educacionais dos currículos do curso de

Direito, a habilidade estética, estar-se-á, portanto, acentuando a necessidade do

caráter abrangente, humanística e integrador da educação do homem. Nesse

sentido, educação jurídica, em especial seu currículo, assume-se na sua dimensão

pluridimensional, quando assegura o equilíbrio entre todos os domínios do

desenvolvimento e da aprendizagem humana, isto é, os domínios cognitivos, afetivo,

social, emocional, espiritual e estético.

Delinea-se, nesse sentido, a seguinte proposição: uma educação jurídica

embasada em 4 (quatro) pilares curriculares, a saber: habilidade cognitiva +

habilidade social + habilidade emocional + habilidade estética, presente em todos os

momentos da formação do indivíduo.

Daí decorre a necessidade de organizar nas instituições educacionais de

ensino superior, um currículo jurídico numa perspectiva pluridimensional. Onde haja,

de fato, espaço para todas aquelas dimensões e onde, para além do currículo

restrito, haja espaço e lugar para a dimensão da habilidade curricular estética do

Direito.

Page 186: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

185

2 CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO

Não se educa somente para educar, mas também para realizar um fim: aperfeiçoar, despertar o homem para o mundo ou para sua liberdade, ajustar uma natureza, construir o progresso coletivo, inventar...

Franc Morandi369

2.1 Origem Etimológica do Termo Currículo

Etimologicamente370, a palavra currículo – ou curriculum, nos Estados Unidos

e países de língua inglesa – deriva da palavra latina curros (carro, carruagem) e de

suas variações curriculu (ato de correr) e curriculum (lugar onde se corre).

Há autores, como Flávia Terigi371 que mesmo em língua portuguesa, preferem

manter a palavra latina curriculum, cujo plural é curricula, por se tratar de termo mais

utilizado na literatura específica. Especificamente nos documentos jurídicos e

oficiais, e na literatura pedagógica usa-se, porém, o termo currículo.

Na sua origem etimológica encontram-se, ainda, os substantivos cursus

(carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural de curricula, que

significa carreira, em forma figurada.

Disso derivam as expressões, tais como: cursus forensis (carreira de foro),

cursus honorum (carreira das honras), das dignidades funcionais públicas, sucessiva

e progressivamente ocupadas.

O termo cursus passa a ser usado, com variedade semântica a partir dos

séculos XIV e XV372, nas línguas, como o português, o francês, o inglês e outras,

como linguagem universitária.

369

MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 7. 370

MEILLET, Ernout A. Dictionaire etymologique de la langue latine. Paris: Libraire C. Klinscek, 1951.

371TERIGI, Flávia. Notas para uma genealogia do curriculum. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 159-186, jan./jun. 1996.

372Conforme aponta BERTICELLI, Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber et al. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 159-175.

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

186

2.2 Dicionarização do Termo Currículo

O vocábulo curriculum373 começou a ser empregado na linguagem comum e

na literatura em geral norte-americana, em meados do século XIX, para designar

processos de vida e desenvolvimento.

Pouco tempo depois, essa palavra passou a ser empregada também por

autores da área educacional, para nomear o conjunto de conteúdos a serem

estudados em um curso. Contudo, ao se percorrer a literatura sobre o conceito de

currículo encontram-se várias noções e concepções diferentes, tendo em vista que o

termo currículo não é unívoco.

José Augusto Pacheco374 indica que, “o termo currículo foi dicionarizado pela

primeira vez, em 1663, com o sentido de um curso, em especial um curso regular de

estudos numa escola ou numa universidade, sentido este que se impõe no vocábulo

educacional”.

A definição do dicionário torna evidente que, por volta da metade do século

XIX, o uso comum da palavra, significando apenas um curso de estudos, estava

mais ou menos estabelecido e era aplicado rotineiramente não só às disciplinas

estudadas nas escolas politécnicas e nas universidades, mas também aos níveis

pré-universitários de instrução.375

Roberto Sidnei Macedo376 aponta, por outro lado, que

O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês, como linguagem universitária. Contudo, a palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas.

373

Nesse mesmo sentido, aponta-se o trabalho de mestrado de KISHIMOTO, T. M. J. Bruner: contribuição para o desenvolvimento do currículo. 1976. Dissertação (Mestrado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo,1976. p. 101-111.

374PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 29.

375Dentre outros apontam-se STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarrollo del curriculum. Madri: Morata; 1984. P. 29. JACKONS, Philip. Conceptions of curriculum and curriculum specialistis. In: ______. (Ed.). Handbook of research on curriculum. New York: Macmillan, 1992. p. 3-40. KEMMIS, Stephen. El curriculum: más allá de la teoria de la reproducción. Madrid: Morata, 1988. p. 14, 32, 97. Este último escreve que a palavra currículo, como termo técnico em educação, faz parte de um processo específico da educação da Universidade de Glasgow, alargando-se, a partir do seu uso escocês e da transformação da educação na Escócia, a uma utilização generalizada. Kemmis, p. 32.

376MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 22.

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

187

Em 1682 já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de

“cursinho”. Porém, a partir de 1824, o termo curriculum, com o sentido de um curso

de aperfeiçoamento ou estudos universitários, é traduzido, também, pela palavra, em

língua inglesa course.

Saliente-se, entretanto, que é somente no século XX que a palavra curriculum

migra da Europa, em especial, da Inglaterra para os Estados Unidos, sendo

empregada nessa ocasião, no sentido de curriculum vitae.

Sobre as origens conceituais da palavra currículo, a Enciclopédia Mirador

Internacional377 traz a seguinte definição:

Currículo, do ponto de vista pedagógico, é um conjunto estruturado de disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar seja alcançada certa meta, proposta e fixada em função de um planejamento educativo. Em perspectiva mais reduzida, indica a adequada estruturação dos conhecimentos que integram determinado domínio do saber, de modo a facilitar seu aprendizado em tempo certo e nível eficaz.

Percebe-se, no entanto, que essa definição restringe ontologicamente seu

conteúdo educativo a somente um documento escrito, supondo-se, contudo, pela

definição apresentada, inúmeros conceitos e construções, tais como: pedagogia,

disciplinas, objetivos, atividades, planejamento, domínio do saber (ciências

particulares), aprendizagem, eficácia de aprendizagem.

Embora conforme aponte Ireno Antonio Berticelli378, seja a partir de 1920, que

já se tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da

Segunda Guerra Mundial que vão aparecer as primeiras formulações conceituais

sobre o currículo “com um maior grau de articulação”, conforme aponta Angel Diaz

Barriga379, começando a se delinear como produto da era industrial, já que se

verifica que a palavra migra da Inglaterra para os Estados Unidos, quando se

diversificam os saberes e as demandas de saberes emergentes.

377

ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. São Paulo/Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1982. [verbete currículo].

378BERTICELLI, Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber et al. (Org.). O currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 159-176.

379BARRIGA, Angel Diaz. El currículo escolar: surgimiento y perspectivas. Buenos Aires: REI, 1992. p. 16.

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

188

Fruto da modernidade, quando a unidade filosófica se rompe para dar origem

às mais diversas ciências particulares emergentes da técnica, o saber educacional

adquire a forma de uma ciência nova, a Pedagogia.380

Nesse contexto, é que surge a idéia de currículo, como ordenamento de

saberes educativos, revelando a multiplicidade de saberes, correlatos de várias

ciências.

Crê-se que isso ocorre pelas razões que dizem respeito ao desenvolvimento

da tecnologia, uma das características marcantes da modernidade inaugurada por

Galileu, a qual passa por René Descartes, amadurece com Newton e se expande

definitivamente com a era industrial.

É a partir da era industrial, que se faz a produção do sentido atual de

currículo. Com o passar do tempo, no entanto, o significado de currículo dentro do

campo educacional diversificou-se de tal maneira, que alguns autores passaram a

usá-lo para designar a organização geral da escola; outros ainda, como o conjunto

de objetivos a serem perseguidos ou de procedimentos a serem usados.

Com essa diversificação, ocorreu naturalmente ampliação no sentido e

significado da palavra. Dado que ela passou a ser usada para nomear desde os

objetivos até os resultados pretendidos por um currículo – abarcando também os

procedimentos ou experiências dos educandos – seu significado passou, assim, a

abranger várias conotações, que poderiam ser sintetizadas, por exemplo, em

dimensão ética, dimensão teórica e dimensão prática. Essas dimensões de seu

significado refletiram-se nas dimensões educacionais abrangidas por ele,

atualmente.

O significado do termo currículo na dimensão ética, por exemplo, abarcaria:

por um lado, valores e atitudes referentes à instituição de ensino e à sua função,

380

Pedagogia designa a ciência da educação e a arte e a técnica de ensinar. De uma forma mais geral, a Pedagogia é a reflexão sobre as teorias, os modelos, os métodos e as técnicas de ensino para lhes apreciar o valor e lhes procurar a eficácia. A Pedagogia destina-se a melhorar os procedimentos e os meios com vista à obtenção dos fins educacionais. Cf. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 145. Sob a perspectiva cultural da Pedagogia, é preciso apontar a seguinte definição formulada por Henry Giroux: “A Pedagogia é um modo de produção cultural implicado na forma como o poder e o significado são utilizados na construção e na organização de conhecimento, desejos e valores (...) ela é definida como uma prática cultural que deve ser responsabilizada ética e politicamente pelas estórias que produz, pelas asserções que faz sobre as memórias sociais e pelas imagens de futuro que considera legítimas”. GIROUX, Henry A. Praticando estudos culturais nas faculdades de educação. In: SILVA, T. T. (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 100-101.

Page 190: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

189

concepções sobre a natureza e função da educação e sobre a natureza dos alunos;

por outro lado, estariam diretamente ligadas às idéias filosóficas de seu usuário,

assim, intimamente relacionadas, nesse sentido, com os fundamentos filosóficos,

anteriormente descritos no capítulo primeiro deste trabalho. Portanto, imbricadando-

se, assim, com a Filosofia da Educação.

Há também a dimensão teórica, que inclui as várias opções teóricas e

científicas, que cada usuário do termo currículo faz para explicar de forma coerente

essa construção, tais como: a função da instituição de ensino, a natureza do

processo de aprendizagem e mesmo a natureza e a função da educação em relação

ao indivíduo e à coletividade e em relação destes com a sociedade.

Por sua vez, a dimensão prática do currículo preocupar-se-ia com a

organização e o funcionamento da instituição de ensino, em conformidade com as

diretrizes curriculares e institucionais do seu projeto-pedagógico e as opções

assumidas nas dimensões anteriormente citadas.

De acordo com esse conjunto de assunções, organizaria a parte prática do

currículo e de seu funcionamento, de maneira, a dar prioridade ao estudante, sua

formação e seu desenvolvimento, ou ao conteúdo das disciplinas, ou ao processo de

ensino, ou, ainda, às exigências culturais.

Portanto, diferentes concepções filosóficas, posições teóricas e maneiras de

conhecer a prática ligada ao currículo, além de objetivos e a formação dos autores

pertencentes a tradições diversas como veremos mais adiante, fazem com que não

exista um significado uno e nem uma definição dicionarizada do termo currículo que

seja aceita por todos. Logo, constituindo-se, a indicação da existência da polissemia

no seu conceito.

2.3 Conceito de Currículo e as Diferentes Tradições Curriculares

Embora se localize, por vezes, a origem etimológica do termo currículo na

Antigüidade clássica, o certo é que a realidade escolar sempre coexistiu com a

realidade curricular, sobretudo quando a escola se institucionalizou numa construção

cultural com fins socioeconômicos.

Page 191: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

190

A palavra currículo, conforme assevera José Augusto Pacheco381, contudo, é

de origem recente e aparece com o significado também de organização de ensino,

querendo dizer o mesmo que disciplina.

Sob a perspectiva estrutural e formal o currículo é entendido como

organização e plano de ensino e curso e/ou conjunto de programas e de objetivos

educacionais. Nesse sentido, conforme apontam Christopher Winch e John

Gingell382, o currículo é um conjunto de atividades planejadas cuja elaboração

almeja a implementação de um objetivo educacional particular.

Interessante é a especulação de Ivor F. Goodson383 ao associar a concepção

de currículo, no sentido de disciplina, baseando-se em idéias de David Hamilton384 –

e apontando a emergência do currículo às origens do Calvinismo385:

Hamilton acredita que o sentido de disciplina ou de ordem estrutural que foi absorvido pelo currículo veio não tanto de fontes clássicas, mas antes, das idéias de João Calvino (1509-1564). À medida que os seguidores de Calvino foram ganhando ascendente político e teológico, nos finais do século XVI, na Suíça, Escócia, e Holanda, a idéia de disciplina – a verdadeira essência do calvinismo – começou a simbolizar os princípios internos e a maquinaria externa do governo civil e da conduta pessoal. De acordo com essa perspectiva, existe uma relação homóloga entre o currículo e a disciplina; a primeira estava para a prática educativa calvinista como a segunda para a prática social desta corrente de pensamento.

A vida seria, assim, uma corrida ou um trilho de corridas, para descrever a

trajetória, o percurso, a forma de vida que os seus seguidores deveriam

prosseguir.386

381

PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 30. 382

WINCH, Christopher; GINGELL, John. Dicionário de Filosofia da Educação. São Paulo: Contexto, 2007. p. 59.

383GOODSON, Ivor F. Currículo em mudança: estudos na construção social do currículo. Portugal: Porto Editora, 2001. p. 61.

384HAMILTON, David. Learning about education: an unfinished curriculum. Princeton: Macgraw-Hill Professi, 1990. p. 17, 39.

385É preciso salientar que o pensamento de João Calvino (1509-1564) chegou ao Brasil em meados do século XIX, trazido por missionários pietistas norte-americanos. O Calvinismo, filho do humanismo renascentista, originário da França do século XVI, andou pela Suíça, Escócia, Estados Unidos até chegar ao Brasil. Calvino foi o primeiro a propor a distinção entre igreja e Estado, sendo por essa razão um dos precursores dos limites entre a ética da vida pública e a ética da vida privada. Na sua concepção o Estado e tudo o que lhe diz respeito estariam na ordem da ética da vida pública, enquanto a igreja, no século XVI, se encontrava nos limites da ética da vida privada. Essa distinção foi fundamental para o surgimento dos Estados nacionais, especialmente o da França, para o nascimento do Estado laico e da moderna democracia ocidental. Nesse sentido apontamos a obra de SILVESTRE, Araújo. Calvino e a resistência ao Estado. São Paulo: Mackenzie, 2003. passim.

Page 192: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

191

Sob a perspectiva calvinista o currículo é visto como uma maneira de

organizar e controlar. Os ideários da formação, já cultivam, desde então, sua função

de controle. Aspecto esse assaz importante, para as elaborações dos teóricos

críticos do currículo, como se verá mais adiante.

O conceito de currículo, ao longo dos anos, no entanto, vai sofrendo uma

erosão natural que o tem transportado, desde sua concepção etimológica restrita -

como visto anteriormente – e, entendido como plano de instrução, até uma

concepção mais aberta de projeto de formação, no contexto de uma dada

organização educacional, enquanto projeto e finalidade de escolarização.

A doutrina educacional atribui a essa polissemia e erosão semântica do

conceito de currículo duas tradições diferentes:

1ª - na primeira – originária de uma perspectiva técnica387 de conceber a

escola e a formação, define-se currículo no plano formal de organizar a

aprendizagem num contexto organizacional, previamente planificado, a partir de

finalidades e com determinações de condutas formais precisas, por meio da

formulação de objetivos.

Inserem-se, nessa tradição, as definições que apontam para o currículo como

conjunto de conteúdos a ensinar (organizados por disciplinas, temas, áreas de

estudo) e como plano de ação pedagógica, fundamentado e implementado num

sistema tecnológico.

O currículo assim constituído exprime o sentido de uma súmula de exigências

acadêmicas, decorrentes do tradicionalismo acadêmico das disciplinas que

constituem a alma curricular, e transforma-se num legado tecnológico e eficientista.

Nesse sentido, apontam as definições de Ralph Tyler388 e Louis D'Hainaut389

que, dentre outros, reduzem o currículo a uma mera intenção prescritiva, situada no

plano do que deve ocorrer. Ou ainda, do que tem que ser feito, de uma formação

antecipadamente determinada em termos de resultado de aprendizagem,

386

Esse mesmo sentido é apontado por DOLL JÚNIOR, William E. Currículo e controlo. Revista de Estudos Curriculares, Braga, Portugal, v. 2, n. 1, p. 7-40, 2004. Disponível em: <www.iep.uminho.pt/gec/>. Acesso em: 10 out. 2008.

387Saliente-se que essa perspectiva tem início formal na Idade Média, pelo ensino do Trivium e Quadrivium.

388TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1976. p. 8-37.

389D‟HAINAUT, Louis. Educação: dos fins aos objetivos. Lisboa: Almedina, 1980. p. 21.

Page 193: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

192

geralmente traduzida num plano de estudos, ou de um programa, estruturado e

organizado na base de objetivos-conteúdos-actividades-avaliação e de acordo com

a natureza das disciplinas.

Louis D'Hainaut390, nesse sentido, define currículo como sendo:

Um currículo é um plano de ação pedagógica muito mais largo que um programa de ensino [...] que compreende, em geral, não somente programas, para as diferentes matérias, mas também uma definição das

finalidades da educação pretendidas.

Pela perspectiva ora apontada, o currículo representa algo de muito

planificado que se oferece aos alunos sob a tutela da escola, e será implementando

na base do cumprimento das intenções previstas, constituindo os objetivos que

expressam a antecipação de resultados, e os conteúdos a ensinar os aspectos

fundamentais para a sua definição.

Essa tradição técnica entronca-se, ainda, no pensamento curricular de

Franklin Bobbitt391 para quem o currículo é

Todo o leque de experiências, sejam elas dirigidas ou não, que visam o desdobramento das capacidades dos indivíduos; ou é a série de experiências instrutivas conscientemente dirigidas que as escolas usam para completar e aperfeiçoar o desdobramento.

John Franklin Bobbitt392 propõe, contudo, alguns objetivos como elementos

estruturantes do processo educativo, a saber:

Quando o currículo é definido como incluindo tanto experiências dirigidas como não-dirigidas, então os seus objetivos são todo o leque de capacidades humanas, hábitos, sistemas de conhecimento etc., que cada indivíduo deve processar.

John Franklin Bobbitt393 resume a compreensão do conceito de currículo às

atividades e experiências que se circunscrevem à educação; é

O processo de crescimento na direção certa. Os objetivos são as metas do crescimento. As atividades e experiências do aluno são os passos que completam a sua jornada DNA direção a estas metas. As atividades e experiências são o currículo.

390

D‟HAINAUT, Louis. Educação: dos fins aos objetivos. Lisboa: Almedina, 1980. p. 21. 391

BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918. p. 43 392

Ibid., p. 42, 81. 393

Ibid., p. 81-83.

Page 194: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

193

Sob a perspectiva da organização da administração acadêmica

universitária394, pode-se definir currículo como a “decomposição dos conhecimentos

necessários à formação acadêmica do estudante em unidades de ensino, pesquisa

e extensão”.

Esta definição indica, assim, o sentido dinâmico que tem o currículo, do geral

para o particular, tendo como menor particularidade, a unidade de ensino, e como

maior generalidade, a formação acadêmica.

Sob o enfoque particularizante, entretanto, os conhecimentos são

apresentados em unidades de ensino denominadas disciplinas; porém, no enfoque

generalizante, o conjunto de conhecimentos assume a forma de um todo complexo e

multivalente: o curso.

Essa decomposição dos conhecimentos pode ser visualizada sob duas óticas:

Sob a ótica sintética, pela qual são identificados:

a) em primeiro lugar, os campos ou setores do conhecimento que integram a

formação acadêmica necessária para o curso: são as matérias;

b) em segundo lugar, as unidades em que serão ministradas as matérias ou

campos do conhecimento: são as disciplinas.

Sob a ótica analítica, pela qual os conhecimentos são organizados de forma

planejada, com a indicação das cargas horárias em que serão ministrados, da

metodologia que será utilizada, dos recursos humanos e materiais que serão

alocados – são os planos de ensino.

Sob esse enfoque os currículos devem ser organizados, assim, em rigorosa

obediência a uma seqüência lógica, desde os objetivos do curso até os

procedimentos didáticos de sua ministração.

No currículo as etapas se sucedem da seguinte forma:

a) definição de objetivos:

a.1) análise institucional;

a.2) análise ocupacional;

a.3) análise de atividades;

394

Sob a perspectiva acadêmica universitária a definição é apresentada por Nelson de Figueiredo Ribeiro, na obra Administração acadêmica universitária. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977. p. 139.

Page 195: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

194

b) identificação dos campos ou unidades do conhecimento;

c) estruturação em unidades disciplinares;

d) definição de cargas horárias;

e) definição de procedimentos didáticos.

2ª - na segunda tradição, inserida numa perspectiva prática e emancipatória

de inter-relação dos diversos contextos de decisão, define-se currículo como um

projeto que resulta não só do plano de intenções, bem como do plano de realização

no seio de uma estrutura395 organizacional.

Na tradição emancipatória encontram-se as propostas, por exemplo, de

Schawab, Smith, Foshay, Rugg, Caswell, J. Gimeno Sacristán396, Kemmis, Henry A.

395

Estrutura (do latim structura) é o conjunto de elementos que formam um sistema, um todo ordenado de acordo com certos princípios fundamentais. É a forma ou modo de ordenação desse sistema, considerado em abstrato. Ex: a estrutura do sistema educacional ou a estrutura das diretrizes curriculares instituídas pela norma educacional. Saliente-se que a idéia de estrutura e sistema, enquanto complexo de elementos em interação é, quer se queira quer não, um conceito inerente da Filosofia. No entanto, se por um lado, entende-se por estrutura algum conjunto ou grupo de elementos relacionados entre si segundo certas regras, ou algum conjunto ou grupo de elementos funcionalmente correlacionados. Por isso também o conceito de função é importante para a estrutura. Os elementos em questão são considerados mais ou menos como partes. Assim, os membros de um todo desse tipo cumprem requisitos assentados por todos. Por outro lado, uma estrutura pode ser entendida como um conjunto ou grupo de sistemas. A estrutura não é então uma realidade “composta” por membros; é um modo de ser dos sistemas, de tal modo que os sistemas funcionam em virtude da estrutura que têm. Desse modo, podem existir vários sistemas. Um desses sistemas pode, aliás, servir de modelo para o outro. Podem, também, existir regras de transformação que permitam que se passe de um sistema para o outro. Com efeito, a noção de estrutura, foi entendida pelos filósofos nos dois sentidos. Contudo, há uma tendência de se adotar a segunda forma que é, além disso, aquela que é própria dos que se consideram estruturalistas. Cf. MORA, Ferrater J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. p. 917-921. (Tomo II). [verbete estrutura]. É preciso salientar, entretanto, que na doutrina filosófica denominada estruturalismo, considera-se a noção de estrutura fundamental como conceito teórico e metodológico e que tem como procedimento a determinação e a análise das estruturas. Tem como autores importantes, Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Louis Althusser, Saussurre, Michel Foucault, Jacques Derrida, Roland Barthes, Jean Piaget, Noam Chomsky.

396A obra de J. Gimeno Sacristán, professor catedrático de Didáctica da Universidade de Valencia, na Espanha, deve ser destacada dentro da doutrina educacional. Destaca-se nela, a obra O currículo: uma reflexão sobre a prática, pois nela o autor apresenta uma descrição reflexiva dos processos por meio dos quais o currículo se transforma em prática pedagógica contextualizada. Com efeito, Gimeno, nesta obra de leitura obrigatória para os investigadores atentos à questão curricular, apresenta a importante questão da cultura e do momento histórico em que se cria e se aplica no currículo. Traz ainda como reflexão a necessidade de conscientização da Filosofia, nas questões curriculares, e também apresenta as crenças que embasam a política curricular e que, no seu entendimento, determinam as práticas do quotidiano escolar. Aborda ainda a relação estreita entre formação docente, cultura e procedimentos a serem utilizados com os alunos. A idéia central da obra é, justamente, criticar a falta de qualidade dos sistemas educacionais trazendo como proposta as reformas curriculares que passem necessariamente pelo aperfeiçoamento do professor no contexto sociocultural e a conscientização do currículo oculto. Veja-se SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. cap. 6, p. 147-160; cap. 7, p. 165-194.

Page 196: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

195

Giroux, que dentre outros, apontam para o currículo, ora como o conjunto das

experiências educativas e culturais, vividas efetivamente pelos alunos, dentro do

contexto escolar, dependentes de intenções prévias, ora como propostas bastante

flexíveis, que permanece aberto e dependente das condições da sua aplicação.

Expressa bem essa tradição a definição apresentada por Lawrence

Stenhouse397 para quem:

Um currículo é uma tentativa de comunicar os princípios e aspectos essenciais de um propósito educativo, de modo que permaneça aberto a uma discussão crítica e possa ser efetivamente realizado.

Por essa perspectiva epistemológica aberta, a construção do currículo

depende, por conseguinte, do significado da experiência que se torna na pedra

angular da educação e que é uma das idéias estruturantes da Escola Progressista

norte-america que tem em Jonh Dewey398 um de seus principais inspiradores, ou

ainda da Escola Nova.399

397

STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarollo del curriculum. Madrid: Morata, 1984. p. 29. 398

Jonh Dewey (1859-1952). Filósofo e pedagogo norte-americano. Nasceu em Burlington, estado de Vermont. Foi, inicialmente, professor primário no interior e a partir da reflexão pedagógica desenvolveu seu pensamento. Lecionou na Universidade de Minnesota (1888), Michigan (1889-1894), Chicago (1894-1904) e, finalmente, passou a chefiar o Departamento de Filosofia da Columbia University, em Nova Iorque (1904-1929), onde Anísio Teixeira (1900-1971), educador brasileiro, foi seu aluno e seguidor de suas idéias no Brasil, cujas bases encontram-se no Escolanovismo. Do ponto de vista filosófico, pode-se situar Dewey entre os empiristas (ele preferia os termos instrumentalistas ou experimentalistas) mas, seu empirismo apresenta traços originais que deve tanto a tradição americana. Dewey foi influenciado por Charles Sanders Peirce (1839-1914) e por William James (1842-1910) – quanto ao modo de vida americano e à sua própria experiência pedagógica. Como empirista clássico, Dewey afirma que todo conhecimento autêntico procede da experiência, mas a experiência para ele, não é uma simples recepção passiva de uma grande quantidade de impressões. A experiência é ao contrário, uma operação ativa, inicialmente uma resposta do organismo e depois da personalidade e da inteligência às solicitações do meio. Dewey em suas obras − dentre elas destacamos [Interesse e esforço (1895), A criança e o programa escolar (1902), Como pensamos (1910), Democracia e Educação (1916)] −, refere-se a um novo individualismo, baseado na moral da plena realização de si mesmo, que já não seria privilégio de alguns, mas objetivo de cada um, e a partir do qual se constituiria uma sociedade em que todos e cada um poderia desenvolver-se dentro de suas potencialidades.

399Escola Nova (Escolanovismo) surge nos fins do século XIX na Europa e nos EUA. Este movimento opunha-se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visando uma educação que pudesse integrar o indivíduo na sociedade e, ao mesmo tempo, pudesse ampliar o acesso de todos à escola. O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil no momento em que o país sofria importantes mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais. O acelerado processo de urbanização e a expansão da cultura cafeeira trouxeram o progresso industrial e econômico para o país, porém, com eles surgiram graves conflitos de ordem política, social e jurídica, acarretando uma transformação da mentalidade intelectual brasileira. No cerne da expansão do pensamento liberal no Brasil, propagou-se o ideário escolanovista.

Page 197: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

196

Academicamente, ambas as tradições são formas diferentes de conceituar o

currículo, porém não podem ser entendidas como realidades distintas e dicotômicas

de uma mesma prática.

Por outro lado, adotando-se uma perspectiva epistemologicamente negativa e

absolutamente niilista e que reduzem o conceito de currículo a mera mercadoria.

Na literatura educacional400, pode-se citar as seguintes frases colhidas no

ambiente educacional que refletem essa perspectiva mercantilista: “o segredo e

alma do negócio promissor da educação”, “tudo que acontece no convívio escolar”,

“grau de limpeza dos corredores da escola”, etc.

Nesse cenário de equívocos, o currículo é “tudo ou nada”, e o prejuízo ético,

político, social, cultural, jurídico e, sobretudo, formativo, é fácil de ser anunciado,

constituindo-se, nesse sentido, em compreensões epistemológicas de currículo

reducionistas e empobrecedoras de todo o seu real sentido e alcance.

O que torna evidente porque se está vivendo num ethos401 e num habitus

sócio-cultural-pedagógico, especialmente na área do ensino do Direito, que dá

preferência ao paradigma tecnicista e eficientista de currículo jurídico, à coisificação,

ao sistema pré-montado e mercantil de currículo.

Corrobora esse entendimento Eduardo C. B. Bittar, ao investigar em sua obra

O Direito na Pós-modernidade402, a crise existente no âmbito da prática do ensino do

Direito, assim afirma:

Num quadro complicado de mercantilização do ensino superior, no atual contexto de liberdade de ensino, e de neoliberalismo nas políticas definidoras da qualidade de ensino, a banalização do saber jurídico tornou-se presente.

Por isso entende-se que é preciso superar o modelo de currículo na educação

concebido por Frederick Taylor403. Agora é a fase de superação de taylorização que

400

Exemplos colhidos na obra de MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 17.

401A expressão Ethos designa clima da instituição de ensino. Diz-se que uma escola tem um ethos democrático e participativo quando há oportunidade para que todos os intervenientes no processo educativo possam participar na tomada de decisões. Por outro lado, diz-se que a escola tem um ethos autoritário quando os processos deliberativos estão concentrados numa pessoa. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 66.

402BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 379.

403TAYLOR, Frederick W. Princípios da administração científica. São Paulo: Atlas, 1970. p. 27 et seq.

Page 198: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

197

deu péssimos resultados, sem contar que o tempo que se propôs foi perdido, porque

a lógica da aprendizagem é diferente da lógica da produção de fábrica.

Alunos não são peças para serem trabalhadas por professores/operários na

esteira dos currículos de montagem da escola. Sobretudo, porque esse paradigma

de currículo é elaborado em detrimento da dignidade da pessoa humana404 e de

suas demandas de formação integral, humanística, cultural e histórica do educando;

em detrimento, inclusive, de contextos de complexidade, de interdisciplinaridade e

de transdisciplinaridade que são indispensáveis para que as incertezas e

transformações do nosso século sejam enfrentadas.

Ora, quando se critica o mundo contemporâneo pela frieza das relações do

mundo tecnológico, pela apolicidade dos cidadãos, pela deformação ética da

política, é importante não olvidar que os sujeitos dessas relações são frutos da

educação e moldados num sistema educacional que vai das primeiras séries até o

curso superior, que incita a violação desse princípio maior da dignidade da pessoa

humana.

Sob esse aspecto cumpre salientar que um dos conceitos determinantes,

construídos no pós-guerra com maior precisão, e tornado fonte de inspiração para a

construção dos sistemas jurídicos constitucionais contemporâneos é o conceito de

“dignidade da pessoa humana”.

O valor da dignidade da pessoa humana elevado a Princípio Fundamental da

Carta Constitucional do Brasil de 1988405, nos termos do art. 1º, inc. III – impõe-se

como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e

parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema

constitucional em 1988.406

A quebra da dignidade, sobretudo, tipificada no ensino, corresponde à

violação de reinvidicações pautadas nos Direitos Humanos, pois qualquer política

pública, qualquer meta governamental, qualquer sistema político, especialmente, o

404

Miguel Reale revela que toda cultura possui um centro próprio de valores, ou antes, “vários centros de valor” secundários dispostos em torno de um valor fundamental, porquanto na sucessão dos ciclos culturais, um valor se revela essencial: o da pessoa humana, que é o valor-fonte. Com efeito, indica REALE o valor da “pessoa” não pode ser desligado do “social”, pois é somente na sociedade que o homem é capaz de se reconhecer como pessoa. REALE, Miguel. Horizontes do Direito e da História. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 295 (grifo nosso).

405BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. Art. 1, inc. III, p. 1.

406Cf. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 44.

Page 199: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

198

sistema educacional, embora tenha liberdade de ação, deve respeitar certos

patamares mínimos de condições.

2.3.1 Currículo na Antigüidade Clássica

Os escritos de Platão e Aristóteles, na Antiguidade Clássica, demonstram

como as questões do currículo já estavam presentes em seu horizonte de reflexão,

tal como as questões pertinentes à educação.

Conforme assevera Roberto Sidnei Macedo407

Já havia neste período clássico grego, uma preocupação evidente em construir a formação educacional do homem através de uma organização dos conteúdos do conhecimento por áreas distintas do saber.

Platão elabora uma análise crítica e propositiva daquilo que era ensinado na

sua época, apresentando inclusive propostas curriculares sobre o que entendida por

necessário à prescritividade da educação.

Em Platão, assim como em Aristóteles − ambos luminares incontestáveis que

autorizam os estudiosos a remontar o currículo à Grécia Antiga −, currículo era o

termo que utilizavam quando queriam referir-se aos temas ensinados. Portanto, num

sentido bem próximo daquele que emergiu da Modernidade.

É preciso salientar que o ideal curricular em Atenas era o da Paidéia.

Em Leis, Platão408 lembra que a cultura pessoal, que une a educação dada

por um Estado e a conduta de cada um, advém aos melhores homens “como o

primeiro dos privilégios”. Contudo, como se observa, a educação na sociedade

grega consistia num verdadeiro projeto coletivo entre vida pessoal e vida coletiva.

Paidéia, entretanto, é mais do que educação ministrada somente nas escolas,

é mais do que mera organização curricular, ou seja, por disciplina do saber: é um

ideal comum, que só se realiza integralmente na cidade, microcosmo do Universo.

Em Protágoras409, Platão configura o currículo, organizado sob uma

perspectiva disciplinar, como orientação curricular, inserido no contexto amplo

407

MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 33. 408

PLATÃO. Das Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. p. I, 662 b. 409

Id. Diálogos: Protágoras, Górgias, Fedão. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2002. p. 71.

Page 200: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

199

educacional, a saber: instrução moral desde a mais tenra idade, aprendizado da

leitura e da escritura na escola, conhecimento de ritmo e harmonia pela poesia e

pelos instrumentos, ginástica e ensino da moralidade pública como extensão do

processo educativo.

Entretanto, a obra revela que a educação não acaba com o término do

currículo escolar: o jovem que conclui seus estudos e passa a participar da vida

pública deve estudar as leis a fim de que elas lhes modelem as atitudes.

Equivalente à educação superior hodierna, a efebia410 correspondia, na

escola grega, ao ensino técnico de diversas especialidades, mas com especial

atenção à arte da retórica, filosofia e medicina.

Nesse sentido, procedeu Platão na República411 e nas Leis412, organizando a

educação do ponto de vista da matriz curricular, fornecendo uma base comum a

todos os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos, sucedendo-se, da seguinte

forma: a educação infantil, dos três aos cinco anos, composto de jogos, contos e

fábulas seguidas; entre os sete e os 10 anos, pela aprendizagem das letras – a

leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e da geografia, cujo estudo se

prolonga até os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Ainda, a dança e a

ginástica, que, como educação do corpo estão presentes desde o início e são

complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais.

A esse ciclo – com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria

– sucede, para os que se revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática

centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na

harmonia.

Demonstra-se assim, que o currículo nessa época se define como um “plano

de estudos”, mas não deixa de conter a inspiração que motivou a perspectiva

disciplinar, ou seja, organizar a formação do homem, pela distinção das áreas do

saber.

410

O termo “efebo” (do grego ephebos, pelo latim ephebus) significa: “1. Na Antigüidade grega, jovem que atingiu a puberdade, adolescente de 18 anos submetido pela cidade a certas obrigações religiosas ou militares. 2. Na Roma antiga, membro do colégio militar, livre e geralmente da aristocracia”. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 349.

411PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 539a, 539b,539c,539d, 539e, 296-298.

412Id. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. Livro I, p. 91; Livro II, p. 112, 117, 126; Livro V, p. 203; Livro VII, p. 275-321.

Page 201: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

200

Aristóteles, em A Política413, formula questões que se situam no âmbito do

que hoje denominamos currículo, designadamente sobre aquilo que julgava devesse

ser apreendido pelos alunos.

É preciso salientar, entretanto, que essas formulações situadas no âmbito

curricular diziam respeito somente aos cidadãos livres, e particularmente aos

homens, não a outras camadas sociais. A respeito das mulheres ele não diz nada,

mesmo que pareça apreciar sua contribuição para vida da cidade e sua importância

para a família.414

Seu objetivo principal é a instrução dos futuros cidadãos de um regime

perfeito e são, aqueles que, em virtude da idade, não adquiriam ainda seus plenos

poderes políticos (ateleis politas).415

Ao introduzir princípios que regulam a procriação, Aristóteles por meio de sua

teoria fisiopedagógica, tentou pôr em controle o primeiro componente da educação,

a natureza. Ao designar todas as medidas indispensáveis à alimentação, o filósofo

examina o segundo componente da educação, o hábito.416

Mediante esse segundo elemento, a criança se prepara para receber a

influência de um terceiro elemento, a escola.417 De tal modo, alcançar-se-á, na visão

do filósofo, a virtude com a colaboração desses elementos: a natureza, o hábito, o

ensino (physei, ethei, didachê).

Nesse sentido, é preciso considerar também o exame correto do termo ensino

que se constitui, igualmente, a essência da problemática educacional.

Ao abordar a questão, Aristóteles dá a entender418 então, que o currículo já

existente deverá ser transformado e que o ensino das quatro matérias reconhecidas,

que se tinha por hábito ministrar aos jovens – leitura e escrita (gramma,

grammatikên), ginástica (gymnastikên), música (mousikên) e desenho (graphikên),

413

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. passim. 414

Ibid., 1260b p. 9-25. Onde ele declara, unicamente, que é preciso educar as mulheres para o bem da cidade.

415Ibid., 1275 a p. 14-18.

416Conforme indica Antoine Hourdakis, o termo em grego antigo é ethos, de onde vem também etimologicamente o termo ética. Aristóteles e a Educação. São Paulo: Loyola, 2001. p. 38.

417ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. p. 1179 b 20-21.

418Essa nossa interpretação vem da leitura na obra aristotélica, especialmente em A Política, das seguintes passagens: 13337 b 25-26, 13338 a 15-17, 1338 a 15-17, 1338 a 37-41.

Page 202: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

201

que, contudo, não eram naquela época ensinados de forma sistemática, deveriam

tornar-se objeto de legislação.

Aristóteles preocupa-se ainda, do ponto de vista curricular, também com a

ordem de prioridades na instrução e na educação. Assim, como a formação baseada

nos hábitos deve vir antes da formação baseada na razão, o exercício do corpo deve

vir antes do exercício do espírito.

Aristóteles enxerga o aluno como um todo, na sua constituição de um

organismo integral e sistêmico, porém, entende419 que o objetivo último e universal

da educação consiste em formar um homem honesto, capaz, corajoso, justo e

disciplinado.

Conclui-se que a obra educativa desse filósofo procura harmonizar a paidéia

com a politéia, uma vez que, segundo ele, existe uma natureza política do homem,

construída, porém, na unidade da cidade e segundo uma organização política a que

se liga a Pedagogia tanto em seu objeto como em seu “programa”.

Por via de conseqüência, a finalidade de todo legislador é tornar os cidadãos

bons e seu dever, portanto, é legislar sobre a educação420 e, conseqüentemente,

sobre o currículo.

Aristóteles ensina que não existe Pedagogia independentemente da política.

Assim, para que uma cidade virtuosa possa depender de seus cidadãos, importa

que a educação os torne a todos bons e virtuosos.

Nesse sentido, a ética tem como objeto, em Aristóteles, uma descrição

completa da maneira pela qual a razão pode penetrar e dirigir a atividade humana.

Quanto à virtude, o filósofo421 considera-a, uma disposição adquirida da vontade:

“Aquele que conserva a justa medida é, de algum modo, um homem verdadeiro”.

A ética, por ser uma busca, cumpre ensinar a agir – não em sentido geral e

abstrato, mas nos casos concretos e particulares da vida. O ato humano é, nesse

sentido, uma escolha refletida, uma deliberação e uma decisão.

419

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. passim. Também em A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 68.

420Id. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 68.

421HOURDAKIS, Antoine. Aristóteles e a Educação. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2001, p. 38.

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

202

A educação em Aristóteles se faz, portanto, pelo conhecimento de que o

homem é o elemento construidor. Assim sendo, como disposição do homem, ela

deve realizar-se ao passar da potência para o ato.

O sistema educacional era, para Aristóteles, parte integrante do sistema

estatal, porém, relativamente à educação de nível superior, a obra de Aristóteles,

não enseja maior precisão de idéias.

É possível afirmar, contudo, que essa educação superior compreendesse do

ponto de vista curricular, as disciplinas de matemática, devido ao raciocínio dedutivo,

a astronomia, o estudo das ciências e a dialética, conteúdos curriculares

desenvolvidos em sua própria escola.

Comprova-se, portanto, desde os primórdios uma preocupação em discutir a

perspectiva disciplinar como orientação curricular, ou seja, construir a formação do

homem, pela da organização dos conteúdos do conhecimento por áreas distintas do

saber. Idealizando-se, assim, um extenso e demorado plano de estudos em que

deveria se basear a formação do homem.

Dessa maneira, fornecendo uma base comum de formação aos cidadãos.

2.3.2 Currículo na Idade Média

Essa inspiração que motivou a perspectiva disciplinar do currículo vai sofrer, a

partir de Marciano Capella (410-239), uma reorganização, com a organização

curricular de ensino, pautado pelo Trivium e pelo Quadrivium. As denominadas “sete

artes liberais”422 repartidas entre a organização curricular do trivium (onde

organizam-se as áreas da gramática, retórica, dialética) e quadrivium (onde

organizam-se as áreas da aritmética, música, astronomia, geometria), bem como a

ciência sagrada (que mais tarde seria denominada Teologia).

Segundo apontam Giovanni Reale e Dario Antiseri423, nessa época, eram

ensinados, no currículo a filosofia e a teologia, ou seja, um conjunto de doutrinas

denominado Escolástica.424

422

O termo artes liberais refere-se, na Idade Média, ao conjunto de disciplinas curriculares ensinadas nas escolas.

423REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: patrística e escolástica. São Paulo: Paulus, 2003. p.121.

Page 204: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

203

Escolástica é a mais alta expressão da filosofia cristã medieval. Desenvolveu-

se a partir do século IX, teve seu apogeu entre o século XIII e início do XIV, entrando

em decadência até o surgimento do Renascimento.

Conforme aponta Maria Lúcia de Arruda Aranha425

Chama-se escolástica por ser a filosofia ensinada nas escolas. Scholasticus foi professor de artes liberais e mais tarde de filosofia e teologia. Oficialmente é chamado magister.

No entanto, num sentido mais amplo lhe conferem Jacques Le Goff e Jean-

Claude Schimitt. Para Le Goff426 o termo “escolástica” designava:

O magistério de um corpo de profissionais que se apoiava sobre o estatuto sancionado pelo papa e se compunha de mestres encarregados de comentar textos consagrados. O trabalho do mestre era supervisionado pelo corpo institucional, que prescrevia os textos que deviam ser comentados (legere) e condenavam quaisquer desvios, como a leitura de livros proibidos. Assim foi confirmada a interdição de alguns livros de Aristóteles e

renovada a condenação de certos desvios doutrinais.

A universidade medieval e a escolástica eram ligadas uma a outra. A

universidade formada por um corpo curricular fechado e estanque, constituído pelos

mestres e a escolástica o ensino magistral que a universidade tinha por função

proporcionar. Viviam uma para outra: não havia universidade sem escolástica, nem

escolástica sem universidade.

Vale dizer, num currículo disciplinar bem definido, com referências de aspecto

social, histórico, jurídico, cultural e fundamento especialmente filosófico.

Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média juntamente com a

imposição de um conhecimento mediado predominantemente pela fé e se prolonga

no Iluminismo.427 Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua

424

Severino Boécio (480-524) é considerado o primeiro dos escolásticos e, portanto, uma figura-chave no início da Idade Média. Seu objetivo era tornar conhecida aos latinos a cultura grega, por meio de traduções e comentários, como por exemplo, a obra de Aristóteles.

425ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 73.

426LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. (Org.). Dicionário temático do ocidente medieval. Bauru: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 367-368.

427Iluminismo é o movimento filosófico, também conhecido como Esclarecimento, Ilustração ou Século das Luzes, que se desenvolve particularmente na França, Alemanha e Inglaterra do século XVIII, caracterizando-se pela defesa da ciência e da racionalidade crítica, contra a fé, a superstição e o dogma religioso. Apresentando ainda uma dimensão literária, artística e política. No plano político defende as liberdades individuais e os direitos do cidadão contra o autoritarismo e o abuso de poder. Os iluministas consideravam que o homem poderia se emancipar através da razão e do saber, ao qual todos deveriam ter livre acesso. O racionalismo e a teoria crítica do pensamento

Page 205: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

204

totalidade pela compreensão humana, para os educadores daquela época a saída

era dividir, ou seja, fragmentar o conhecimento em áreas do saber.

2.3.3 Currículo na Modernidade

Na sua versão moderna, o currículo consolidou-se na virada do século XIX

para o século XX428, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma

estrutura didática para sua transmissão (aquilo que os gregos denominam Paidéia,

desembocando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”).

No entanto, conforme aponta Antônio Nóvoa429, que apesar de todas as

inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo coerente, e essa

estrutura curricular, mantiveram-se estáveis, porém, se revelaram incapazes de

responder às novas necessidades educativas.

Ademais afirma Ivor F. Goodson430, que o termo currículo, como maneira de

organizar e controlar os ideários de formação já tinha surgido a partir da escola

calvinista, entre escoceses e holandeses.

Entretanto, em comparação com a configuração curricular da Antigüidade

Clássica e a perspectiva calvinista, é interessante notar, que desde os seus

primórdios, o termo currículo denota uma maneira de organizar e controlar os

ideários de formação, exercendo dessa forma, sua função de controle, aspecto esse

que foi objeto de críticas dos teóricos curriculares como veremos mais adiante.

A emergência da palavra curriculum, no sentido que modernamente

atribuímos ao termo está ligada, no entanto, a preocupações de organização e

método.

Nesse sentido, são os americanos a construir a configuração de currículo

como hoje se conhece, baseado numa perspectiva tecnicista e cientificista de

organização.

contemporâneo podem ser considerados herdeiros da tradição iluminista. Veja-se JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. (Org.). Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 137-138.

428Conforme bem salienta Roberto Sidnei Macedo, na sua obra Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 34.

429NÓVOA, Antônio. Currículo e docência: a pessoa, a partilha, a prudência. In: GONÇALVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M. (Org.). Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo: Alínea, 2004. p. 18-29.

430GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 32.

Page 206: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

205

Corrobora com esse entendimento Roberto Sidnei Macedo431, ao afirmar que:

São os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos, dando-lhe a feição de um instrumento comprometido com os ideais científicos e administrativos do início do século XX.

É neste contexto que John Franklin Bobbitt escreve, em 1918, a sua obra The

Curriculum, que passou a ser considerada pelos estudiosos, um marco na fundação

do currículo como um campo especializado de estudos.

A concepção de John Franklin Bobbitt reduz o currículo a uma questão de

organização. Sendo que por essa perspectiva, o currículo é, conforme aponta Tomaz

Tadeu da Silva432, “simplesmente uma mecânica”.

Não é por acaso que o conceito central, nessa visão, é o de desenvolvimento

curricular, um conceito que iria dominar a literatura estado-unidense sobre o

currículo até os anos 80.

Numa perspectiva que considera que as finalidades da educação estão

dadas, exclusivamente pelas exigências profissionais da vida adulta, o currículo

resume-se a uma questão de técnica, pois de acordo com John Franklin Bobbitt433 “a

educação, tal como a fábrica de aço, é um processo de moldagem”.

O modelo de currículo de John Franklin Bobbitt iria encontrar a sua

consolidação definitiva num livro de Ralph Tyler, publicado em 1949. Com efeito, o

paradigma estabelecido por Ralph Tyler iria dominar o campo do currículo nos

Estados Unidos, com influência em diversos países, incluindo o Brasil, pelas

próximas quatro décadas.

Apesar de admitir a filosofia e a sociedade como possíveis fontes de objetivos

para o currículo, o paradigma formulado centra-se em questões de organização e

desenvolvimento. Tal como no modelo de John Franklin Bobbitt, o currículo é

também, essencialmente uma questão técnica.

É interessante observar que tanto os modelos mais tecnocráticos como os

de John Franklin Bobbitt e Ralph Tyler, quanto os modelos mais progressistas de

431

MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 35. 432

SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto, 2000. p. 20.

433BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918. p. 40.

Page 207: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

206

currículo como de John Dewey, que emergiram no início do século XX, nos Estados

Unidos, constituíam de certa forma, uma reação ao currículo clássico, humanista,

que havia dominado a educação desde a sua institucionalização.

Como anteriormente foi demonstrado neste trabalho, esse currículo era

herdeiro do currículo das chamadas “artes liberais” que, vindo da Antigüidade

Clássica, se estabelecera na educação universitária da Idade Média e do

Renascimento, na forma dos chamados trivium (gramática, retórica, dialética) e

quadrivium (astronomia, geometria, música, aritmética).

Obviamente, o currículo clássico humanista tinha uma “teoria do currículo”,

como será visto mais adiante, pois nesse modelo a finalidade era inserir os

estudantes no repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças

clássicas e grega e latina, incluindo o domínio da língua. Essas obras encarnavam

os mais altos ideais do espírito humano. Contudo, no modelo humanista de currículo,

o conhecimento dessas obras não estava separado do objetivo de formar o homem

na sua integralidade.

Tomaz Tadeu da Silva434 corrobora com esse entendimento ao sintetizar sua

interpretação sobre esses modelos: “cada um dos modelos curriculares

contemporâneos, ou seja, o tecnocrático e o progresssista ataca o modelo

humanista por um flanco”.

Assim interpretando: o tecnocrático destaca a abstração e a suposta

inutilidade – para a vida moderna e para as atividades laborais – das habilidades e

conhecimentos cultivados pelo currículo humanista. O latim e o grego – e as suas

respectivas literaturas – pouco serviriam, segundo a crítica dos tecnocráticos, como

preparação para o trabalho da vida profissional contemporânea.

Por outro lado, o modelo progressista centrado na criança, ataca o currículo

humanista clássico pelo seu distanciamento dos interesses e das experiências das

crianças e dos jovens, desconsiderando-se a psicologia infantil.

Ambas as conceituações foram também contestadas, a partir dos anos 70,

com o movimento denominado “reconceitualização do currículo”, que surge como

reação às concepções burocráticas e administrativas de currículo.

434

SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto, 2000. p. 24.

Page 208: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

207

Dentre os seus mais proeminentes defensores e suas respectivas obras,

destacam-se:

(1970) – Paulo Freire, A pedagogia do oprimido435;

(1970) – Louis Althusser, Aparelhos ideológicos de Estado436; (1970) – Pierre

Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução: elementos para uma teoria do

sistema de ensino437;

(1976) - William F. Pinar e Madeleine Grumet, Toward a poor curriculum438;

(1979) – Michael W. Apple, Ideologia e currículo439;

(1981 e 1983) – Henry A. Giroux, Teoria e resistência em educação, e Ideology,

culture and the process of scholooling.440

2.3.4 Currículo no Brasil

Como aponta José Augusto Pacheco441 a origem do campo curricular

brasileiro pode ser situada nas décadas de 1920, 1930, quando importantes

transformações políticas, econômicas e culturais ocorreram no país. Os primeiros

vestígios da preocupação com o campo ocorreram nas reformas dos pioneiros da

educação como Anísio Teixeira, em que se discutiu o currículo com base em John

Dewey, Fernando de Azevedo, Francisco Campos e Mário Casassanta.

Na década de 1960, estudos curriculares sobre o currículo foram realizados

no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Foram publicados os primeiros livros

sobre o currículo no Brasil, sobretudo, os de João Roberto Moreira e Marina Couto.

No Brasil, os artigos publicados sobre currículo refletem a influência das

teorias da reprodução de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron442 e das

abordagens sociológicas desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra.

435

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. passim. 436

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. passim. 437

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2008. passim.

438PINAR, William F.; GRUMET, Madeleine R. Toward a poor curriculum. Dubuque: Kendall/Hunt, 1976. passim.

439APPLE, Michael W.; BURAS, Kristen. Ideologia e currículo. Portugal: Porto, 1999. passim.

440GIROUX, Henry A. Teoria e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986. Ideology, culture and the process of schooling. Filadélfia: Temple University, 1984.

441PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 8.

442Refere-se especialmente a obra de Pierre Bourdieu elaborada em parceria com Jean-Claude Passeron. O ponto de partida da obra de Bourdieu é a sua análise entre o sistema de ensino e o sistema social. Para Bourdieu, a origem social marca de maneira inevitável e irreversível a carreira

Page 209: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

208

Com o início da redemocratização do Brasil, e o enfraquecimento da Guerra

Fria, o referencial norte-americano na produção acadêmica e no campo das teorias

foi abalado. É nesse momento que explode, no nosso país, uma literatura

pedagógica de cunho mais progressista.

Os estudos desse período representam esforços em criticar as diretrizes

curriculares dos anos 70, mais do que reformular e fortalecer o campo curricular.

Assim, na década de 1970, são publicados os livros de cunho tecnicista de Dalila

Sperb e Lina Traldi.

Posteriormente, iniciaram-se as publicações de obras na perspectiva crítica

do currículo, com duas linhas de Paulo Freire e Demerval Saviani.

Na última década, no que tange a manifestação científica ao campo curricular,

a educação conheceu uma significativa produção, sobretudo com publicações de

António Flávio Moreira, Tomaz Tadeu da Silva, Alfredo Veiga Neto.

Para a ciência do Direito, no entanto, as discussões científicas, acadêmicas e

normativas das diretrizes curriculares são recentes. Até meados da década de 90

praticamente não se ouvia falar em “diretrizes curriculares” para orientar proposta

alguma de desenvolvimento de um curso de Direito, no Brasil.

escolar e, depois, profissional, dos indivíduos. Essa origem social, segundo ele, produz primeiro o fenômeno da seleção: a simples estatística das possibilidades em ascender ao ensino superior, segundo a categoria social de origem mostra que o sistema escolar elimina de maneira contínua uma forte proporção das crianças saídas das classes populares. No entanto, segundo o autor, é um erro explicar o sucesso e o fracasso escolar apenas pela origem social. Existem outras causas segundo o pesquisador francês que eles designam como a “herança cultural”. Entre as vantagens que os “herdeiros” possuem, deve-se mencionar o maior ou menor domínio da linguagem. A cultura das classes superiores estaria tão próxima da cultura da escola que a criança originária de um meio social inferior não poderia adquirir senão a formação cultural que é dada aos filhos da classe culta. Portanto, para uns, a aprendizagem da cultura escolar é uma conquista duramente obtida; para outros, é uma herança “normal”, que inclui a reprodução das normas. O caminho a percorrer é diferente, conforme a classe de origem. Veja-se nesse sentido, BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 74-90, 119.

Page 210: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

209

2.4 Espécies de Currículos

2.4.1 Currículo nacional

Entende-se por currículo nacional a existência de um plano de estudos e

programas de ensino, concebidos e definidos pelas autoridades educativas centrais

e de cumprimento obrigatório em todo o sistema educacional do país.

Com efeito, o plano de estudos e programas de ensino podem incluir não só

as finalidades e os objetivos educacionais, mas também listas de conteúdos e

competências e sugestões metodológicas.

2.4.2 Currículo mínimo

O currículo mínimo é o conjunto de conteúdos, matérias e demais

componentes curriculares, fixado pelo órgão legalmente competente, diga-se o

Conselho Nacional de Educação, e que deve obrigatoriamente fazer parte de todos

os currículos plenos dos cursos da área específica, em todas as Instituições de

Educação Superior - IES.443

O currículo mínimo é aquele que é obrigatório para as IES, que, ao

elaborarem seus currículos plenos, devem contemplar todos os conteúdos, matérias,

e demais atividades e conteúdos nele indicados como necessários.

2.4.3 Currículo pleno

Currículo pleno é o conjunto de atividades e disciplinas ou módulos que

formam o curso concretamente oferecido por uma determinada IES.444

É ao currículo pleno que se vincula cada aluno ao se matricular em um

determinado curso em qualquer instituição. E é esse o currículo que ele deverá

cumprir para concluir o curso e obter a titulação desejada.

443

Cf. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 199.

444Ibid., p. 200.

Page 211: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

210

2.4.4 Currículo oficial

O currículo oficial é aquele que consta dos documentos oficiais da IES.

Também denominado de currículo explícito, ou seja, o que designa o programa

educativo formalmente constituindo pelas finalidades, objetivos, conteúdos e

sugestões metodológicas, tal como vem expressas nos programas de ensino.

A crítica445 aponta, contudo, que os modelos de currículo oficial foram sendo

construídos ao longo da história da educação brasileira, de acordo com os critérios

econômicos, e que as mudanças legais significativas também foram feitas para

atender aos novos modelos econômicos que se desenham.

Nesse sentido, as reformas ocorridas na década de 1990 no Brasil e nos

demais países da América Latina, comprovariam que as políticas oficias estão sendo

alicerçadas nas novas demandas e necessidades do modelo produtivo.

2.4.5 Currículo oculto

O conceito de currículo oculto, também denominado por alguns autores como

currículo implícito, designa o conjunto de idéias, valores e práticas não explícitas que

dão forma ao programa educativo.

O reconhecimento do currículo oculto, presente num currículo real, reforça

ainda mais a reflexão necessária sobre o ensino, mais ainda o protagonismo dos

agentes educacionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e alerta: de

um lado, para as condições de mudança e inovação curricular, sabendo-se que não

existe uma conformidade do que se pretende com aquilo que faz e que a ocultação é

muito ampla, sutil, invisível; e, por outro, para as formas curriculares de reprodução.

O currículo oculto é o resultado da experiência escolar que não faz parte dos

programas oficiais e das políticas educativas, estando ligado, nas suas múltiplas

faces446, como mensagens não previstas que são transmitidas quer pela estrutura

física e social da escola, quer pelo próprio processo de ensino.

445

Veja-se a esse propósito ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, educação e currículo no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2004. p. 228.

446Conforme aponta Tadeu da Silva. Veja-se SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora, 2000. p. 81-85.

Page 212: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

211

A noção de currículo oculto – nas palavras de Robert Dreeben447 – é sinônimo

de não escrito, escondido, latente, tácito, implícito, não estudado – encerra duas

idéias principais:

a) que os alunos aprendem com a experiência social da escola;

b) a imprevisibilidade da ação pedagógica.

Para Horácio Wanderlei Rodrigues448, o currículo oculto é o que efetivamente

se materializa nas salas de aula.

Ramiro Marques449 por outro lado, chama atenção para o papel

desempenhado pelo currículo oculto na inculcação de valores. Ainda que os valores

não sejam explicitados no currículo, a verdade é que eles nunca deixam de estar

presentes por intermédio implícito.

Sobre o currículo oculto é possível identificar quatro significados principais

nos discursos curriculares:

1ª) expectativas não oficiais;

2ª) resultado de aprendizagens não previstas;

3ª) mensagens implícitas presentes na estrutura escolar;

4ª) intervenção dos alunos.

Utiliza-se ainda a expressão currículo oculto para fazer referência ao que,

realmente, ocorre nas salas de aula, mas que não consta dos documentos oficiais.

Tendo em vista que na prática os conteúdos e as atividades formalmente

listados no currículo pleno, nem sempre, são efetivamente ministrados, trabalhados

ou orientados pelo corpo docente, que em nome da liberdade de ensinar acabam

modificando, no mundo real, o que foi projetado quando da discussão e elaboração.

O currículo oculto não é, portanto, propriamente o currículo, no sentido formal,

mas sim, uma determinada situação derivada da materialização concreta de um

determinado currículo pleno.

Esse tipo de currículo é, contudo, um vício dos projetos pedagógicos

tradicionais, especialmente quando se trata do curso de Direito. Isso ocorre porque

447

DREEBEN, Robert. La enseñanza: su teoria y su práctica. Madrid: Akal, 1985. p. 73-85. 448

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 185.

449MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 43.

Page 213: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

212

muitas vezes, o docente não concorda com o conteúdo atribuído, pela ementa, a

uma determinada disciplina; tem a tendência de substituí-lo por aquele que

considera ser o correto.

Horácio Wanderlei Rodrigues450 critica inclusive essa prática, pois entende

que ela é comum nos cursos de Direito. Segundo Rodrigues451 essa prática é

absolutamente equivocada, pois segundo o autor “a liberdade de ensinar não

significa liberdade de o docente ministrar aquilo que bem entender, mas sim

autonomia pedagógica que ele possui para tratar os conteúdos previamente

definidos para o curso”.

De fato, ao agir assim, o docente prejudica o curso, especialmente, a

formação dos alunos, que acabam não tendo o acesso aos conteúdos previamente

determinados e que na maioria das vezes, são fundamentais para o estudo de

outros conteúdos trabalhados posteriormente.

Além disso, podem gerar a repetição ou sobreposição de conteúdos em

momentos diversos do curso.

2.4.6 Currículo centrado nos padrões culturais

Expressão que designa um currículo voltado, além dos aspectos de sua

configuração normativa, prescritiva e organizacional, tais como: o plano de estudos

de um curso, conjunto de programas de ensino, conjunto das aprendizagens

propostas e sua configuração legal, visa a enfocar os aspectos culturais na sua

constituição.

O currículo centrado em padrões culturais nasce quando as sociedades

começam a sentir necessidade de transmitir heranças culturais, precisando, para

isso, formar pessoas capazes de conservar o que de mais peculiar e sublime as

gerações foram construindo.

Se não fosse assim, não haveria progresso humano, e a vida dos homens e

mulheres de cada geração seria um eterno retorno. A criação humana nasce do

450

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 200.

451Ibid., p. 201.

Page 214: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

213

desejo de ir além do que os outros foram e é desafiada pela necessidade de

ultrapassar os limites fixados por aqueles que nos precederam.

Resulta daí a necessidade fundamental de a educação se centrar na

transmissão de certos cânones. Todas as grandes civilizações têm o seu cânone

cultural.452 Cada civilização possui a sua matriz cultural específica.

O mundo está atravessado por várias matrizes civilizacionais culturais. E é

essa pluralidade de matrizes que constitui a maior riqueza dos seres humanos.

Embora essas matrizes devam se dialogar entre si, cada uma delas procura

conservar sua identidade. A instituição de ensino, seus cursos e seus respectivos

currículos devem expressar a matriz civilizacional a que pertencem.

O currículo centrado em padrões culturais não é uma construção permanente

e inacabada, é uma construção que deve ser estudada na relação com as condições

históricas, sociais, econômicas, jurídicas em que se produziram e produzem as suas

diversas matrizes culturais concretas e na ordenação particular de seu discursos e

na relação com o contexto de sua implementação global e local.

Nesse sentido, o currículo jurídico deve ser considerado um artefato social

não somente no cumprimento de determinações prescritivas nacionais, mas

também, em âmbito local e, sobretudo, cultural.

Isso significa que o currículo jurídico como “imagem de futuro” deve ser

compreendido e construído na moldura mais ampla de suas determinações da

história; da contextualização social, econômica, política e geográfica em que se

localiza a instituição de educação superior seja pública ou privada.

Currículo cuja proposição cultural enfatize aspectos éticos e políticos que seja

considerado, além da dimensão pragmática do conhecimento, o universo simbólico,

estruturado pela linguagem nas interações culturais e subjetivas da vivência em

sociedade, que imprime sentido às ações coletivas para transformação das relações

sociais.

452

Veja-se nesse sentido as considerações de Ramiro Marques, sobre matriz cultural curricular portuguesa. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 41, 113.

Page 215: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

214

Ao privilegiar essa dimensão cultural e intersubjetiva, o currículo jurídico

rompe com as fronteiras tradicionais das disciplinas, transformando o conteúdo em

experiências que atravessam os sujeitos em suas múltiplas dimensões.

Desse modo, o projeto pedagógico das diferentes modalidades de instituições

de ensino superior que ofereçam o curso de Direito, encarnado na dinâmica

curricular, devem passar a ser a “vida da escola”, reinventadas em novos espaços e

relações a partir de uma nova racionalidade e de uma convivência ética que leva em

consideração os princípios de participação solidária, voltada a tolerância, ao respeito

das diferenças e da dignidade da pessoa humana, e de solidariedade e ao

humanismo, ao compromisso de um futuro curricular, comprometido com a

qualidade do ensino jurídico e com a construção da cidadania.

A utopia, talvez a única que se possa realizar é acreditar em poder

estabelecer modificações no currículo do Direito, que possibilitem e auxiliem os

futuros bacharéis a entenderem que não se aprende Direito para formar-se

cartorialmente como advogado, juiz, promotor ou defensor público; que se aprende

Direito para realizar justiça comunitária e a cidadania.

Pessoas que, nas palavras de Luis Alberto Warat453, que entendam que

“aprender Direito é preciso aprender de gente, de vínculos, de afetos, de

solidariedade”. O que, todavia, impende, uma mudança de postura das IES, dos

docentes, dos professores, dos coordenadores, dos próprios alunos, nos múltipolos

espaços onde se produzem o conhecimento.

O currículo prospectado numa “imagem de futuro”454 deve ser compreendido,

como uma forma de “política cultural”455 voltada, portanto, para a dimensão social do

processo educativo do curso de Direito.

Essa concepção ampliada de currículo jurídico, todavia, transcende o

determinismo legal acrítico imposto de forma heterônoma e nacional.

453

WARAT, Luis Alberto. Sobre a impossibilidade de ensinar Direito: notas polêmicas para a desescolarização do Direito. In: FAGÚNDES, Paulo Ronay Ávila. (Org.). Retratos dos cursos jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 345-380.

454Nesse aspecto, reportamo-nos às considerações já expostas da presente tese, no item 1.3, “Educação superior e a imagem do futuro.”

455Essa proposição é defendida por Henry A. Giroux e Peter McLAREN. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146.

Page 216: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

215

Ao contrário, o currículo na sua dimensão cultural percebe as necessidades

locais, onde se encontra localizada a instituição de ensino, pondo em evidência bem

mais do que os documentos, planos e diretrizes heteronomamente impostos em

âmbito nacional nos quais se registram decisões sobre os objetivos, os conteúdos e

os métodos de aprendizagem e/ou ensino.

No currículo como fenômeno cultural, incluem-se, além disso, todas as formas

de aprendizagem (formal e não formal) que são conseqüências do processo de

vivência em um ambiente familiar, escolar, social, etc., onde se propõem

comportamentos e valores inevitavelmente associados a conhecimentos e

experiências.

É nessa perspectiva de compreensão de “imagem de futuro” sobre a

abrangência do currículo jurídico que se torna necessário desconstruir e reconstruir,

o que denomina-se “conteúdo curricular” do curso de Direito.

Todavia, é evidente que, ao emergirem de um aspecto cultural, que determina

a estrutura e orienta a dinâmica do ensino jurídico, e pelo lugar que ocupa como eixo

central na organização do planejamento do currículo do ensino, os conteúdos

curriculares não são neutros nem, tampouco, se resumem à listagem de

conhecimentos referidos nos campos, ou áreas, institucionalizadas pela ciência.

Agregam por isso mesmo posicionamento político, interesses e enfoques

culturais que estão presentes desde a sua seleção e ordenação no percurso de

formação do educando até os procedimentos adotados no seu desenvolvimento em

sala de aula. Assim sendo, entende-se que o currículo jurídico não é um elemento

inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social.

O currículo centrado na perspectiva cultural está, portanto, implicado nas

relações de poder, pois o currículo transmite visões sociais particulares e

interessadas.

Entende-se, portanto, que o currículo não é um elemento transcendente e

atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de

organização da sociedade, da origem das instituições de ensino e dos fundamentos

filosóficos da educação.

Page 217: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

216

2.4.7 Currículo multicultural

Expressão que designa um programa educativo centrado na defesa da

diversidade cultural e que tem como finalidade o desenvolvimento de uma visão

multicultural.

2.4.8 Currículo intercultural

Expressão que designa um programa educativo que dá espaço e voz para a

integração no currículo das culturas minoritárias.

2.4.9 Currículo hegemônico

Expressão que designa um programa educativo que não proporciona espaço

para a expressão das culturas minoritárias. É também denominado currículo

monocultural.

2.5 Complexidade da Conceituação de Currículo

Não existe uma verdadeira e única definição de currículo que envolva todas

as idéias acerca da estruturação das atividades educativas do currículo.

Corrobora esse entendimento o dizer de Adalberto Dias de Carvalho456

quando afirma que

Se percorrermos a literatura sobre o conceito de currículo encontraremos várias noções e concepções. Nesse contexto, referimos: currículo formal, currículo substancial, percepcionado, experienciado, currículo observado, currículo operacional, informal, oculto, entre outras expressões.

É preciso assim admitir-se que o currículo se define pela sua complexidade.

Trata-se, portanto, de um conceito que não tem um sentido unívoco, visto que a

conceituação de currículo é problemática e não existe um consenso, pois se situa na

“diversidade de funções e de conceitos em função de perspectivas que se adotam o

456

CARVALHO, Adalberto Dias de. (Coord.). Dicionário de Filosofia da Educação. Portugal: Porto Editora, 2006. p. 68.

Page 218: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

217

que vem a traduzir-se por vezes, em alguma imprecisão acerca da natureza e

âmbito do currículo”.457

O currículo, se comparado com um jogo com regras, torna-se pela sua própria

natureza e dimensão, bastante problemático e conflitual sempre que se procura

defini-lo. Assim, devido à sua natureza e dimensão pouco consensual, qualquer

tentativa de definir currículo converte-se numa tarefa árdua, problemática e

conflitual.

Assim, insistir numa definição abrangente de currículo poder-se-á torná-lo

extemporâneo e negativo dado que apesar da recente emergência do currículo

como campo de estudos e como conhecimento especializado, ainda não existe um

acordo sobre o que verdadeiramente significa.

No entanto, conforme afirma José Augusto Pacheco458, existe, porém,

consenso – o que permite falar-se de um campo epistemologicamente específico –

quanto ao objeto de estudo, que é de natureza prática e ligado à educação, e quanto

à metodologia, que é de natureza interdisciplinar, no quadro das Ciências Sociais e

Humanas.

Por exemplo, no contexto educacional, o currículo e suas diretrizes dizem

respeito à seqüência dos conteúdos (quando ensinar), às formas de estruturar e

acompanhar as atividades de ensino e de aprendizagem (como ensinar e avaliar a

aprendizagem) e às competências e habilidades a desenvolver (o que e por que

ensinar).

O currículo indica ainda a adequação e estruturação dos conhecimentos que

integram determinado domínio do saber, de modo a facilitar seu aprendizado em

tempo certo e nível adequado.

Sob essa perspectiva, pode-se compreender o currículo, como um núcleo que

corporifica o conjunto de todas as experiências cognitivas e afetivas proporcionadas

aos estudantes no decorrer do processo de sua formação, conjunto envolvido,

entretanto, com a produção de identidades individuais, coletivas, sociais e culturais

particulares.

457

RIBEIRO, Antonio. Desenvolvimento curricular. Lisboa: Texto, 1990. p. 11. 458

PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 34-35.

Page 219: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

218

No campo da Pedagogia, entende-se o currículo como um conjunto

estruturado de disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar seja

alcançada certa meta proposta e fixada em função de um planejamento educativo.

No campo do Direito, a vivência do currículo e das questões que o envolvem

configuram-se hoje uma problemática significativa a professores e pesquisadores

acadêmicos, especialmente aqueles ligados à área da Ciência459 e da Filosofia da

Educação, em que a discussão em torno do currículo assume cada vez maior

importância no conhecimento pedagógico.

Dentro da complexidade do que significa definir currículo, qualquer tentativa

de sistematização, deve passar, contudo, necessariamente, pela observação de

alguns dualismos apontados por José Domingo Contreras460:

o currículo deve propor o que se deve ensinar ou aquilo que os alunos

devem aprender?

o currículo é o que se deve ensinar e aprender ou é também o que se

ensina e aprende na prática?

o currículo é o que se deve ensinar e aprender ou inclui também a

metodologia (as estratégias, métodos) e os processos de ensino?

o currículo é algo especificado, delimitado e acabado que logo se aplica ou

é de igual modo algo aberto que se delimita no próprio processo de

aplicação?

Respondendo a essas questões, que expressam uma série de interrogações,

pode-se dizer que é difícil encontrarmos uma definição única de currículo, visto que

sua conceituação é problemática.

Para se criar uma base comum de diálogo e discussão é imprescindível, no

entanto, que todos quantos se debrucem sobre a questão curricular estabeleçam as

459

Em seu sentido amplo e clássico, a ciência é um saber metódico e rigoroso, isto é, um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, sistematicamente organizados, e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino. Modernamente, ciência é entendida como modalidade de saber constituída por um conjunto de aquisições intelectuais que tem por finalidade propor uma explicação racional e objetiva da realidade. Considera-se ainda ciência a forma de conhecimento que não somente pretende apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional e objetivo, mas procura estabelecer entre os fenômenos observados relações universais e necessárias, o que autoriza a previsão de resultados (efeitos) cujas causas podem ser detectadas mediante procedimentos de controle experimental.

460CONTRERAS, José Domingo. Enseñanza, curriculum y profesorado. Madrid: Akal, 1991. p. 177-179.

Page 220: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

219

relações de currículo com a transformação e emancipação da sociedade, com o

acesso à justiça, com a cultura, seus valores inerentes e, ainda, com as concepções

de Homem, Mundo e Informação.

2.6 Currículo como Campo de Estudo Específico

O campo de estudo curricular é complexo e interdisciplinar, tendo em vista

que a teoria do currículo envolve um amplo espectro de investigação acadêmica.

William F. Pinar461, por exemplo, aponta essa complexidade em termos

simbólicos, pois entende que o currículo envolve e exige que o situemos histórica,

social e autobiograficamente.

William Schubert462 considera que representar o currículo como campo de

pesquisa e de prática necessita concebê-lo como algo que mantém certas

interdependências com outros campos do conhecimento, o que exige uma

perspectiva ecológica na qual o significado de qualquer elemento deve ser visto

como algo em constante configuração pelas interdependências com as forças com

as quais está relacionado.

Dentro desse campo abrangente, entretanto, destaca-se a Teoria da

Educação que se esforça para compreender o currículo, além das disciplinas

acadêmicas e escolares.

O currículo, como campo de conhecimento epistemológico educacional

específico somente começou a adquirir foro de preocupação teórica e

epistemológica com os trabalhos de John Dewey463, John Franklin Bobbitt464, Wenett

Chartes465, Vergil Herrick466 e Ralph Tyler467.

461

PINAR, William F. O que é a teoria do currículo? Portugal: Porto Editora, 2007. p. 18, 49-50. 462

SCHUBERT, William. Curriculum: perspective, paradigm and possibility. New York: Macmillam Pub. Comp, 1986. p. 15-17.

463DEWEY, John. A escola, a sociedade e a criança e o currículo. Lisboa: Relógio d‟Água, 2002. passim.

464BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918. passim. How to make a curriculum? Boston: Houghton Mifflin, 1924. passim.

465CHARTERS, Wenett. Curriculum construction. New York: Macmillan, 1923. passim.

466HERRICK, Vergil. Toward improved curriculum theory. In: CONFERENCE OF CURRICULUM THEORY, 1947, Chicago. Paper. Chicago: The Chicago Press.

467TYLER, Ralph. Basic principles of curriculum and instruction. Chicago: The University of Chicago Press, 1949. passim.

Page 221: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

220

Tal delineamento como campo de estudo específico reforçou-se com a

criação, nas universidades norte-americanas, dos departamentos específicos de

currículo e instrução, associado ao estudo das políticas educativas.

No campo do Direito, os estudos curriculares têm vindo a ganhar cada vez

mais terreno nas universidades, especialmente nos cursos de pós-graduação.

Porém, o delineamento como campo específico de produção científica na ciência do

Direito, não é ainda expressivo.

Além disso, no campo do Direito o currículo tem sido estudado não como

objeto de conhecimento específico.

Não há, portanto, uma disciplina específica na graduação, nem na pós-

graduação de departamentos específicos que trate da questão curricular e das

conseqüentes problemáticas epistemológicas críticas afeitas, exclusivamente, ao

conhecimento do Direito, como já existe na Ciência da Educação.

O que se constata, como se demonstrará adiante, entretanto, é a produção

acadêmica da temática conectada com a questão da denominada “crise do ensino

jurídico”.

Percebe-se em razão disso a necessidade para a formulação e formação de

um adensamento da literatura específica sobre a temática, a fim de multiplicarem-se

os atores críticos do cenário do ensino jurídico.

Da interlocução desses atores, surgiram idéias e propostas, conceituações e

teorias, tendências vanguardistas contribuindo assim para os debates curriculares do

ensino do Direito.

Além disso, dentro do ensino do Direito, por exemplo, o ensino do Direito

Processual, ou o ensino do Direito Constitucional, tendem a centrar-se em

estratégias de ensino dentro de campos únicos, por outro lado, nota-se que a teoria

do currículo, lastreada na Ciência da Educação, pretende compreender o significado

geral do currículo, centrando-se especialmente, em temas interdisciplinares, tais

como a questão da Educação Ambiental, as questões de Educação para a Terceira

Idade, Educação Bioética, Educação à Distância, Ensino Não-Presencial, Educação

de Direitos Humanos, etc.

Page 222: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

221

Assim como as relações entre o currículo, o indivíduo, o poder, sua formação,

a sociedade, temas que são freqüentemente ausentes na configuração do currículo

jurídico nas instituições privadas de ensino.

No entanto, é preciso levar em conta, também, o fato de que o currículo, seja

ele de qual categoria for, acaba numa prática pedagógica, sendo condensação e

expressão, não somente da imposição heterônoma da lei, que prescreve o que ele

deva ou não conter.

Apresenta-se, além disso, como uma construção de alcance educacional,

filosófico e cultural, é lógico que, por sua vez, impregne todo tipo de prática escolar.

O currículo é também o cruzamento de práticas diferentes e se converte em

configurador daquilo que se denomina como prática pedagógica nas aulas e nas

escolas. Considera-se, portanto, que esse campo epistemológico envolve

necessariamente conhecimentos interdisciplinares e transdisciplinares.

2.7 Teoria do Currículo

Para estudarmos as diretrizes curriculares instituídas, pela Resolução do

CNE/CES n° 9/2004468, para os cursos jurídicos é preciso se valer de uma teoria do

currículo.

É preciso, no entanto, salientar-se o desconhecimento de qualquer tentativa

de sistematização do fenômeno do currículo jurídico com a finalidade de

compreendê-lo na sua dimensão de alcance, sentido e complexidade no campo da

ciência do Direito.

Na procura do entendimento de um pensamento que vá de encontro a

concordâncias, ainda que as dificuldades sejam reconhecidas. A primeira dificuldade

reside na terminologia: Didática, Didática Geral, Currículo, Desenvolvimento

Curricular, Teoria Curricular, Teoria do Desenvolvimento Curricular.

Há diferentes classificações de teorias curriculares, que não são mais do que

tentativas de abordagens das concepções de currículo através das quais se

468

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 223: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

222

diferenciam formas distintas de relacionar a teoria com a prática e a escola com a

sociedade.

No campo da Ciência da Educação, contudo, define-se teoria do currículo

como sendo um “conjunto organizado de análises, interpretações e compreensões

dos fenômenos curriculares”.469 Ou, ainda, como modo de organizar o pensamento

sobre todos os assuntos que são relevantes para sua evolução.

Conceitua-se também o currículo como sendo o “conjunto generalizado de

definições, conceitos, proposições logicamente interligadas que representam uma

visão sistemática dos fenômenos curriculares”.

A teorização educacional crítica, há muito tempo, consolidou a idéia de que o

currículo não envolve apenas questões técnicas e de organização, tal como

concebido pelas pedagógicas tecnicistas dos anos 70, enfatizando que o currículo

envolve além das questões relativas a conteúdos de ensino, procedimentos

didáticos, ele é um artefato social, sobretudo, cultural.

Por sua reflexão de proximidade filosófica, considera-se importante,

referência à obra de Tomaz Tadeu da Silva470, que explicita as três grandes teorias

curriculares, a saber:

1ª) as teorias tradicionais, nas quais se incluem os seguintes conceitos:

ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento,

eficiência, objetivos;

2ª) as teorias críticas, nas quais se incluem os seguintes conceitos:

ideologia, reprodução cultural e social, classe social, poder, capitalismo, relações

sociais de produção, conscientização, emancipação, currículo oculto, resistência;

3ª) as teorias pós-críticas, nas quais se integram os seguintes conceitos:

identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder,

representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo.

Caminhando para uma síntese apresentam-se as grandes categorias das

teorias do currículo e seus respectivos conteúdos, de acordo com os conceitos que

elas, respectivamente, enfatizam pelos seguintes quadros:

469

Cf. MCCUTCHEON, Gail. Education criticism: reflections and reconsiderations. Journal of Curriculum Theorizing, v. 4, n. 1, p. 18, 1982.

470SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora, 2000. p. 16.

Page 224: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

223

Teorias Tradicionais do Currículo

Quadro 4 - Síntese dos conteúdos da teoria tradicional do currículo

Ensino Organização

Aprendizagem Planejamento

Avaliação Eficiência

Metodologia Objetivos

Didática

Teoria Críticas do Currículo

Quadro 5 - Síntese dos conteúdos da teoria crítica do currículo

Ideologias Relações sociais de produção

Reprodução cultural e social Conscientização

Poder Emancipação e libertação

Classe social Currículo oculto

Capitalismo Resistência

Teoria Pós-crítica do Currículo

Quadro 6 – Síntese dos conteúdos da teoria pós-crítica do currículo

Identidade Representação

Alteridade Cultura

Diferença Gênero, raça, etnia, sexualidade

Subjetividade Multiculturalismo

Significação e discurso Desconstrução

Na teoria crítica, a educação e o currículo são vistos como profundamente

envolvidos com o processo cultural. Entretanto, há diferenças importantes há serem

enfatizadas. De forma geral, a educação e o currículo estão envolvidos com esse

processo, mas ele é visto, ao contrário da teoria tradicional, como fundamentalmente

político.

Page 225: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

224

Na teoria crítica e pós-crítica471, a cultura não é vista como um conjunto

estático e inerte de valores e conhecimentos a serem transmitidos, nem ela existe de

forma homogênea e unitária. A tradição crítica vê o currículo como terreno de

produção simbólica cultural.

Sob essa visão, a educação e o currículo não atuam, apenas como correias

transmissoras de uma cultura produzida em outro local, por outros agentes, mas são

partes integrantes e ativas de um processo de produção e criação de sentidos, de

significações, de sujeitos.

O currículo pode ser movimentado por intenções e prescrições legais oficiais,

mas o resultado nunca será o intencionado, porque precisamente, essa transmissão

se dá em um contexto cultural de significação ativa dos conteúdos recebidos. A

“cultura” e o “cultural”, nesse sentido, não estão tanto naquilo que se transmite,

quanto naquilo que se faz com o que se transmite.

O currículo educacional então, como aponta Pierre Bourdieu472, não é visto tal

como na visão tradicional, como local de transmissão de uma cultural incontestada e

unitária, mas como campo em que se tentará impor tanto a definição particular de

cultura da classe ou grupo dominante quanto o conteúdo dessa cultural.

Aquilo que na visão tradicional é visto como o processo de continuidade

cultural da sociedade como um todo, é visto na teoria crítica como processo de

reprodução cultural e social dessa sociedade.

Essa perspectiva da cultura como um campo contestado e ativo tem

implicações importantes para a teoria curricular. Se combinarmos essa visão com

aquela que questiona a linguagem e o conhecimento como representação e reflexo

da realidade, somos obrigados a rejeitar a visão convencional do currículo que o vê

como um veículo de transmissão convencional do conhecimento como uma “coisa”,

como um conjunto de informações e materiais inertes.

471

O aspecto cultural do currículo é ressaltado por MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2008. p. 136-144.

472BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 1-90, 118, 253-266. Id. Escritos sobre educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p.73-79.

Page 226: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

225

Por essa perspectiva, o currículo não é o veículo de algo a ser transmitido e

passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá

cultura.

O currículo é assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os

conteúdos existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e,

sobretudo, de contestação e transgressão.

Page 227: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

226

3 CURRÍCULO JURÍDICO E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NO

CURSO DE DIREITO

O currículo é o que a geração mais velha escolhe dizer às gerações mais novas. O currículo comunica o que escolhemos lembrar do nosso passado, o que acreditamos em relação ao presente, o que esperamos para o futuro.

Madeleine R. Grumet473

3.1 A Problemática da Crise Atual do Currículo Jurídico

É preciso considerar que a discussão historiográfica sobre a denominada

“crise no ensino jurídico” não é recente.474

473

GRUMET, Madeleine R. Bitter milk: women and teaching. Amhers: University of Massachusetts Press.

474Cf. BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004. PORTO, Inês da Fonseca. Ensino jurídico, diálogos com a imaginação: construção do projeto didático no ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico: saber e poder. São Paulo: Acadêmica, 1988. FEITOSA NETO, Inácio José. O ensino jurídico brasileiro: uma análise dos discursos do MEC e da OAB. Recife: Faculdade Maurício de Nassau, 2007. SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp, 2002. OLIVEIRA, André Macedo. Ensino jurídico: diálogo entre teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. SILVA, Fábio Costa Morais. Ensino Jurídico: a descoberta de novos saberes para a democratização do Direito e da sociedade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. BITTAR, Eduardo C. B. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2001. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. OAB – sociedade e Estado. Novos paradigmas, novos saberes, novos direitos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, XIII, 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 23 de setembro de 1990. p. 106. DALLARI, Dalmo de Abreu. Por um novo ensino jurídico. Jornal Folha de São Paulo, 20 de junho de 1994. FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Faculdades de Direito ou fábrica de ilusões? Rio de Janeiro: IDES; Letra Capital, 1999. FALCÃO, Joaquim. Os advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 1984. OAB. Conselho Federal. Ensino jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas. Brasília: OAB, 1996. OAB. Ensino jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. OAB. Ensino jurídico: parâmetros para a elevação de qualidade e avaliação. Brasília: OAB, 1996. OAB. Perfil do advogado brasileiro. Brasília: OAB, 1996. OAB. Ensino jurídico: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília: OAB, 1997. WARAT, Luis Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino jurídico e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977. DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. In: Encontros da UNB. Ensino jurídico. Brasília: Universidade de Brasília – UNB, 1978-1979, pp. 52-53. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Passado, presente e futuro do Direito. As arcadas e sua contribuição para o ensino do Direito no Brasil. In: 180 anos do Ensino Jurídico no Brasil. Campinas: Millennium, 2007. NALINI, José Renato. O ensino da justiça (ou a renovação da docência jurídica). In: 180 anos do Ensino Jurídico no Brasil. Campinas: Millennium, 2007, pp. 283-292. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. CERQUEIRA, Daniel Torres de; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate. Campinas: Millenium, 2007.

Page 228: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

227

Remonta, historicamente, a própria criação dos dois cursos jurídicos, um na

cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda, no Brasil. Quando então, os já

denominados: “Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais” foram criados pela Lei de 11

de agosto, em 1827.475

A referida lei – conhecida como “Lei de criação dos cursos jurídicos no Brasil”,

promulgada com a rubrica do Imperador Pedro I e assinada por José Feliciano

Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, determinava quanto aos currículos

o seguinte476:

Carta de Lei de 11 de agosto, em 1827 Dom Pedro Primeiro, por graça de Deos e unanime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos a Lei seguinte: Artigo 1° - Crear-se-ão dous Cursos de Sciencias Jurídicas e Sociaes, hum na Cidade de São Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos e em nove Cadeiras, se ensinarão as materias seguintes: 1º Ano. 1ª cadeira: Direito Natural, Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, e Diplomacia. 2º Ano. 1ª cadeira: Continuação das matérias do ano antecedente. 2ª cadeira: Direito Público Eclesiástico. 3º Ano. 1ª cadeira: Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira: Direito Pátrio Criminal com a Teoria do Processo Criminal. 4º Ano. 1ª cadeira: Continuação do Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira: Direito Mercantil e Marítimo. 5º Ano. 1ª cadeira: Economia Política. 2ª cadeira: Teoria e Prática do Processo adotado pelas Leis do Império. [...] Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos onze dias do mez de Agosto de mil oitocentos e vinte-sete, sexto da Independência e do Império.

Os cursos jurídicos no Brasil477 surgiram em 1827, criados pela Carta de Lei

de 11 de agosto, pelo governo Imperial e prestaram-se a um papel político

fundamental: formaram os jovens, filhos da elite, que ocupariam os cargos públicos

475

BRASIL. Carta de Lei nº 1.827, de 11 de agosto de 1827. Registrada na Chancelaria-mór do Império do Brazil, fls. 83, do Livro 1º. De Cartas, Leis e Alvarás. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827, p. 5-7. Base de dados de legislação do Senado. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1800-1850/L1827.htm>. Acesso em: 25 maio; 10 ago. 2008.

476Id.

477Vamireh Chacon aponta que as primeiras faculdades de Direito chamavam-se “Faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais. CHACON, Vamireh. Formação das Ciências Sociais no Brasil: da escola do Recife ao Código Civil. Brasília: Pararelo 15; São Paulo: UNESP, 2008. p. 13.

Page 229: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

228

do nascente Estado Brasileiro e seriam os responsáveis ideológicos pela sua

consolidação, já que conferir um diploma de graduado em Direito significava a

certeza de ótima colocação social.

Corrobora esse entendimento Vamireh Chacon478 ao afirmar que:

As primeiras faculdades de Direito surgiram para preparação dos quadros políticos e administrativos do Império Brasileiro, logo após a Independência, superando a desvantagem de continuar a tê-los formados com a mentalidade reinol pela Universidade de Coimbra.

Buscando seu próprio curso de Direito, no entanto, o Brasil, reproduziria em

grande parte o enfoque adotado na Universidade de Coimbra, cujo modelo

obedecia, conforme indica José Reinaldo de Lima Lopes479, a Reforma Pombalina

de 1772, pretendendo-se ilustrada, capaz de trazer uma racionalidade moderna,

dedutivista e sistemática, porém não era democrática nem liberal, o que vinha bem a

calhar no Brasil escravocrata de então.

No entanto, essa mentalidade ainda estava presente nas sebentas didáticas

coimbrãs, associadas às exegeses conservadoras da legislação das Ordenações

Afonsinas, Manuelinas e Filipinas do Reino de Portugal, quando surgiu a Escola do

Recife e a Faculdade de Direito, em São Paulo, por onde passaram desde poetas

como Álvares de Azevedo e Castro Alves aos primeiros sociólogos e economistas do

Brasil, ademais de políticos e administradores e bacharéis de capazes de ser

grandes e objetivos advogados, ou magistrados, ou pensadores, ou ainda

pesquisadores sociais.

O objetivo inicial da criação dos cursos jurídicos, no Brasil, conforme assevera

Aurélio Wander Bastos480, era a formação de uma elite política e administrativa,

mão-de-obra essa que visava essencialmente a compor o staff – elite dirigente do

país – e que viabilizasse a Independência Nacional, consolidasse o Estado

Brasileiro, porém, não alcançar uma real profissionalização dos seus quadros

discentes.

A sucessão dos fatos políticos e o processo de instalação dos cursos

deslocaram para a formação de quadros judiciais (magistrados e advogados) o

478

CHACON, Vamireh. Formação das Ciências Sociais no Brasil: da escola do Recife ao Código Civil. Brasília: Pararelo 15; São Paulo: UNESP, 2008. p. II. (Introdução).

479LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. São Paulo: Atlas, 2008. p. 315.

480BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 1-2.

Page 230: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

229

processo formativo das elites políticas, e só residualmente atendeu-se ao intento

inicial, o que provocou inúmeras e sucessivas mudanças e reformas no ensino e na

estrutura do currículo jurídico.

Houve pelo menos duas reformas importantes nos cursos jurídicos ao longo

do século 19. Uma delas, em 1854 – Decreto n° 1.386481: os cursos passaram a

chamar-se Faculdades de Direito e foram introduzidas duas disciplinas novas, o

Direito Romano (no primeiro ano) e Direito Administrativo (no quinto ano). Neste

mesmo ano, transferiu-se o curso de Olinda para Recife.

A segunda mudança importante foi a de 1879, a chamada reforma do “ensino

livre”. Além das faculdades oficiais podiam ser criadas outras, as “faculdades livres”,

desde que obedecendo regras estabelecidas para as oficiais (quanto ao currículo e

titulação). As faculdades foram divididas em dois cursos (ou duas seções): Ciências

Jurídicas e Ciências Sociais.

O curso de Ciências Jurídicas abrangia Direito Natural, Romano,

Constitucional, Eclesiástico, Civil, Comercial, Criminal e as respectivas Práticas de

Processo, além da Medicina Legal.

Ciências Sociais deveriam contemplar assim: Direito Natural, Público

Universal, Constitucional, Eclesiástico, Das Gentes, Diplomacia e História dos

Tratados, Direito Administrativo, Economia Política, Ciência da Administração e

Higiene Pública.

A freqüência dos alunos passou a ser livre também. O ensino seria também

livre para os professores, e o propósito era ampliar os debates.

O sistema foi alterado em 1885 e a obrigatoriedade de freqüência às aulas

voltou, mas os conteúdos do ensino livre continuaram a ser discutidos até

proclamada a República.482

Assim, é possível afirmar-se que a crise da formação do ensino do Direito e,

por via de conseqüência, da configuração de um adequado currículo, é parte

481

BRASIL. Decreto nº 1.386, de 28 de abril de 1854. Dá novos estatutos aos cursos jurídicos. Coleções das Leis do Brasil. Base de dados de legislação do Senado Federal. Disponível em <www.senado.gov.br.legislação>. Acesso em: 10 ago. 2008.

482Cf. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 221-222.

Page 231: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

230

intrínseca, desde a criação em 1827, dos primeiros cursos de Direito no Brasil em

Olinda e São Paulo no início do século passado.483

Ocorre que, desde então, as Faculdades de Direito, no Brasil, prosseguiram

desempenhando suas importantes missões no ensino jurídico, muitas vezes,

lastreadas em modelos de configurações curriculares inadequados.

Não é difícil assim reconhecer, que as nossas faculdades assumiram

tradicionalmente uma função que não era destinada a uma sistemática de

profissionalização.

Somente com o aprofundamento do nosso processo de industrialização e de

urbanização, nos anos 50, um jurista de peso, San Tiago Dantas484, elaborará pela

primeira vez uma proposta de estrutura curricular de um curso de Direito mais

profissionalizado mediante disciplinas mais especializadas e de campos de estudo

com uma certa articulação acadêmica.

Transcorridos mais de 180 (cento e oitenta) anos da criação dos cursos

jurídicos, no Brasil, discutem-se, ainda hoje, reformas no ensino e no currículo

jurídico de toda sorte.

A historiografia do ensino jurídico485 demonstra-nos, entretanto, que a maioria

das propostas de reforma do ensino jurídico se iniciou pela elaboração de

modificação curricular.

Acreditando-se, dessa maneira, poder resolver a crise estrutural do Direito por

meio de uma nova lei que, como num passe de mágica, alteraria a configuração da

matriz curricular. Sem que, contudo essas reformas passassem pela modificação de

comportamentos e posturas dos próprios mantenedores, que entendemos de todo

483

ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. passim. A esse propósito veja-se ainda VENANCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004.

484DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. Revista de Ensino Jurídico, Brasília, p. 52-53, 1978-79.

485Sobre a historiografia do ensino jurídico reporta-se à obra que se tornou clássica, de autoria de Aurélio Wander Bastos, que, todavia, se constitui num estudo hermenêutico sobre a evolução da legislação e as conexões administrativas do ensino jurídico com as práticas universitárias, em que se enfocam as funções do currículo jurídico no quadro dos objetivos e interesses do Estado brasileiro. O autor se apóia em exaustiva pesquisa documental que permite a identificação das conexões entre a legislação curricular e as flutuações das acomodações políticas das elites brasileiras, e cuja documentação historiográfica permite demonstrar a influência que as elites políticas exerceram na elaboração e na execução acadêmica dos currículos jurídicos. BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. passim.

Page 232: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

231

necessárias, pois, dizem respeito aos próprios agentes envolvidos no processo

educacional, de cada instituição de ensino, para que se possa efetivamente alterar a

qualidade do ensino jurídico brasileiro.

Pela análise da evolução das alterações implantadas, como se verá adiante,

fica claro que nenhuma das reformas do ensino acabou com as crises existentes.

Confirma essa tese Horácio Wanderlei Rodrigues486 quando aponta que a

pretensão de corrigir o ensino do Direito através da simples alteração da matriz

curricular do curso é equivocada.

Entende-se, por isso, que a supressão, modificação ou alteração de somente

alguns dos componentes curriculares não são capazes, por si só de solucionar

problemas de percepção do próprio mundo; é preciso, como foi dito, mudar

comportamentos.

Como proceder para que haja a libertação dos padrões de comportamento há

mais de dois séculos impostos ao ensino jurídico no Brasil?

Em primeiro lugar, acredita-se que é preciso a consciência da própria

responsabilidade no ato de ensinar. Se o doente não souber da gravidade de sua

doença, não conseguirá livrar-se dela, que – por sua vez – tanto maior lição

encerrará quanto mais grave mostrar-se. Da mesma forma no que se refere à crise

por que passamos, quanto mais profunda revelar-se, tanto mais esforço exigirá para

superá-la.

Em segundo lugar, acredita-se que é preciso vontade.

Convém aqui retornar às lições de Aristóteles487, especialmente a uma de

suas obras principais: a Ética a Nicômaco, em que o Estagirita, descreve com

minúcias as virtudes morais e intelectuais e discute sobre o conceito de “bem” (tema

da Justiça), uma virtude moral, um ato voluntário, uma disposição de caráter que

depende da vontade.

Tal disposição, contudo, de fazer o que é justo e desejar o justo do outro

depende e a ele se dirige. Essa disposição de vontade implica, ainda, relação com

alguém.

486

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 17.

487ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. Livro V, p. 1129a.

Page 233: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

232

Nas palavras de Aristóteles488:

Vemos que todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo; e do mesmo modo, por injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto.

Têm-se aqui, contudo, a convicção de que é possível mudar o

comportamento, com vontade e a postura dos próprios mantenedores, mormente a

partir de investimentos para que o projeto pedagógico e as novas diretrizes

curriculares instituídas para o Curso de Direito ex vi da Resolução n° 9/2004, saiam

do papel e sejam executados sem restrições de ordem teórica ou prática,

contemplando o regime de trabalho do corpo social para além da matriz curricular

(ensino), mesmo que em parâmetros mínimos, infra-estrutura de planejamento e

execução de conteúdos e atividades/competências e habilidades.

Assim, por exemplo, se as habilidades forem trabalhadas em sala de aula,

deve haver estrutura física e disponibilidade de material didático para a execução da

atividade. O mesmo serve para investimentos em tecnologia e no acervo físico e on

line da biblioteca, na qualificação dos bibliotecários; investimento em pesquisa,

especialmente no incentivo e publicação de revistas permanentes; investimentos,

por fim, num corpo docente multidisciplinar para a configuração do Núcleo de Prática

Jurídica da instituição de ensino.

Imprescindíveis para pôr em prática todas as mudanças, o comprometimento,

o engajamento político e, sobretudo, a vontade dos mantenedores das IES, dos

professores, coordenadores, e dos próprios alunos do curso para corrigir o rumo do

ensino jurídico brasileiro.

Diante da complexidade e da extensão que essa problemática envolve, é

forçoso que este estudo atue com propostas específicas, a fim de aumentar a

eficácia do tratamento para implantar mudanças curriculares concretas e

duradouras, baseadas não somente em políticas curriculares de governo, portanto,

passageiras, mas sim em políticas de Estado que modifiquem qualitativamente o

cenário da educação superior no Brasil.

488

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. Livro V, p. 229.

Page 234: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

233

No campo educacional, as políticas curriculares devem conciliar tanto os

aspectos que devem ser modificados como os que devem permanecer na

configuração do currículo do ensino jurídico brasileiro.

No campo da epistemologia jurídica, a partir de uma lógica curricular aberta e

flexível, a fim de possibilitar maior entendimento e compreensão entre as pessoas e

as diversas culturas.

Na condição de seres humanos, a partir da consciência como seres

inacabados e complexos; como seres racionais, mas, sobretudo, afetivos, críticos e

gregários que são, e, portanto, dotados de vontade.

Na condição de seres políticos, a partir das próprias ações489, das próprias

experiências; dentro das possibilidades do convívio, do entrosamento e da prática

profissional e educacional em que estão inseridos.

A partir, por fim, da criação de metáforas novas, mas perenes, que ajudem a

compreender o mundo pós-moderno490, num processo de contínua impermanência,

de eterno fluxo, de contínua mudança.

Como na bela metáfora de Heráclito491, num perpétuo fluir de águas de um

rio... À imagem da própria vida humana... caótica, desconstrutível, mutável,

assimétrica, indeterminada, contínua, impermanente, não-linear.

Para enfrentar as mudanças e turbulência do entorno, no campo do currículo

e do próprio Direito, onde tudo se move lentamente, cumpre, a partir da criação de

novos paradigmas para compreender a Justiça, a criação de novos direitos, visto

que a sociedade se renova a cada dia.

489

Segundo Hannah Arendt, somente a ação (vita activa) é prerrogativa exclusiva do homem; nenhum animal ou Deus é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente da constante presença de outros. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 31.

490Toulmin assevera que “nós precisamos nos reconciliar com a idéia de que não vivemos mais no mundo „moderno‟. O mundo moderno é atualmente uma coisa do passado... Nosso mundo pós-moderno ainda não descobriu como definir-se em termos do que é, mas somente em termos do que acabou de deixar de ser. No devido tempo, a mudança da ciência moderna para a pós-moderna será evidentemente acompanhada por uma mudança correspondente também na Filosofia e na Teologia”. TOULMIN, S. Return to cosmology. Berkeley: University of California Press, 1982. p. 254.

491Segundo Heráclito, “para os que entrarem nos mesmos rios, outras e outras são as águas que por eles correm... Dispersam-se e... reúnem-se... juntas vêm e para longe fluem... aproximam-se e afastam-se.” Segundo a interpretação platônica, aceita e desenvolvida por Aristóteles, Teofrasto e os dóxagrafos, esta imagem do rio foi empregada por Heráclito para sublinhar a absoluta continuidade da mudança em cada uma das coisas: tudo está num perpétuo fluir com um rio. Cf. KIRK, Geoffrey S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, Malcom. Os filósofos pré-socráticos: história crítica com seleção de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. p. 202.

Page 235: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

234

Além disso, ou seja, dos aspectos históricos pretéritos, dos aspectos

filosóficos e dos aspectos comportamentais, na configuração da crise do currículo,

não se pode negar, por outro lado, o momento atual. Tempo que,

incontestavelmente, é caracterizado por um ritmo de mudanças vertiginoso, único na

história da humanidade, quer sejam elas de ordem social, econômica, jurídica,

política e educativa.

Novas tecnologias revolucionam a comunicação, difundem a informação492,

modificam a todo momento o processo de conhecimento, de trabalho, de educação

e, em conseqüência, o ensino e o currículo do Direito.

Katherine Hayles e Stephen Toulmin493 apontam que o século XXI é o século

da crise, do caos, século de turbulências e de contínuas mudanças. Contudo, a

rapidez dessas mudanças nos enche de perplexidade494, tantos são múltiplos os

aspectos de que se revestem. Com efeito, é científica, é tecnológica, é econômica, é

social, é política, é jurídica, é filosófica, é artística, é moral, é cultural, é educacional

é, também, comunicacional.

Perplexidade495 e espanto porque, nesta era de novas tecnologias, as notícias

há muito deixaram de viajar “no lombo dos burros”, disseminando-se, ao contrário,

instantaneamente, por todo o globo, como se o mundo fosse uma “grande aldeia”. O

mundo se torna uma província global, uma fábrica global, um shopping center

global.496

492

Jean-Louis Bergel, afirma que a época atual, não é da insuficiência da informação, porém da superabundância dos elementos de informação. É nesse contexto, segundo Bergel, que aparece a necessidade de se recorrer à informática. Bergel aponta, contudo, que muitos juristas ainda manifestam hesitação diante da informática jurídica. Isso se deve, segundo o autor, a uma má percepção do fenômeno informático. Pois, segundo ele, o computador não é rival do homem. Não passa de um instrumento que está se tornando indispensável. Constitui-se um instrumento precioso para os juristas que devem tirar partido dela. Por suas capacidades de memória, pelo número e pela multiplicidade de seus acessos, pela velocidade de pesquisa, o computador enriquece a informação e multiplica-lhe a eficácia. BERGEL, Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 73-75.

493HAYLES; TOULMIN, 1990, apud DOLL JÚNIOR, William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 179.

494Anísio Spínola Teixeira, já afirma em 1967 que “só com uma vida profundamente superficial podemos não sentir as solicitações diversas e antagônicas das diferentes fases do conhecimento educacional e humano, e os conflitos e perplexidades atordoantes da hora presente”. Pequena introdução à Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 169.

495Segundo Platão, a verdadeira marca de um filósofo é o espanto, a admiração, “a perplexidade que ele experimenta. A Filosofia, com efeito, não tem outras origens.” Diálogos: Teeteto, Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. p. 55

496IANNI, Otávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 15.

Page 236: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

235

Vive-se no tempo da globalização econômica, em que a extrema rapidez das

mudanças, além de transformar os meios de produção do capital, vem alterando

profundamente a maneira de pensar, de conviver, de conhecer, de habitar o mundo

e posturas perante a vida, metamorfoseando até mesmo aquilo que se concebe

como humano.

Conforme asseveram Geraldo Balduíno Horn e Geyso Dongley Germinari497

“a cada dia nos aproximamos mais de uma sociedade globalizada, ligada

instantaneamente através dos meios de comunicação de massas”.

Do ponto de vista econômico, o fenômeno da globalização fez refletir seus

efeitos também sobre o Direito, seu ensino e seus currículos, pois, entende-se que a

globalização nos projeta, ao mesmo tempo, demandas e conseqüências várias e

contraditórias sobre os sistemas educativos.

Em obra organizada por José Eduardo Faria498, “Direito e globalização

econômica: implicações e perspectivas”, o autor analisa detalhadamente os reflexos

da globalização econômica e seu impacto no Direito.

Segundo aponta José Eduardo Faria499 pode ser observado a partir da

década de 80, com a crise dos Estados Nacionais e do Direito.

Nesse sentido afirma José Eduardo Faria500:

Pela progressiva deteriorização da organicidade de seu sistema jurídico, o virtual colapso do constitucionalismo e a crescente superação do equilíbrio entre os poderes, as quais não abrangem o todo do problema, pois, com o fenômeno da globalização econômica, a partir da década de 80, também vão surgir outras rupturas institucionais nas estruturas jurídicas e políticas legadas pelo Estado liberal, no século XIX, e pelo Estado Social, no século XX.

José Eduardo Faria501 assevera ainda que

Ao promover uma internacionalização dos direitos e das práticas jurídicas, o fenômeno da globalização vem multiplicando as oportunidades profissionais para os grandes escritórios especializados em direito econômico transnacional e em “lex mercatória”, ao mesmo tempo em que também vem restringindo drasticamente o mercado de trabalho dos especialistas em

497

HORN, Geraldo Balduíno; GERMINARI, Geyso Dongley. O ensino de história e seu currículo: teoria e método. Rio de Janeiro: Vozes, 2006. p. 23.

498FARIA, José Eduardo. (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 10.

499Ibid., p. 10-15.

500Ibid., p. 10-15.

501Ibid., p. 13.

Page 237: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

236

direito nacional e com uma formação técnica meramente “convencional”,

isto é, exclusivamente normativista e legalista.

Tais aspectos podem ser contextualizados na mundialização da economia, na

desconcentração do aparelho estatal, na internacionalização do Estado, na

fragmentação das atividades produtivas, e na expansão de um Direito paralelo ao do

Estado, constatando-se disso que a conseqüência é o esvaziamento da soberania e

da autonomia dos Estados nacionais.

De fato, o nosso mundo é um local com muitas possibilidades de

comunicação, cujas partes se conhecem entre si, se influenciam reciprocamente, se

apóiam ou se opõem. Tem-se, portanto, a idéia de que a globalização constitui um

todo, embora com uma certa coesão. Contudo, nesse mundo, o que acontece a uma

pessoa repercute sobre as demais, como se fossem células de um órgão ou as

partes de um mesmo corpo.

A rede global conecta sociedades, culturas, a atualidade das vidas de povos e

indivíduos, a economia, a miséria, a poluição ambiental, os enfrentamentos ou a

política.

Não há como negar que pensar o ensino e o currículo jurídico implica ter

presente esse contexto de transformações e circunstâncias que envolvem o Direito e

o Estado contemporâneo.

Especialmente, aquilo que diz respeito às funções e conteúdos do Direito e as

funções do Estado e os processos de fragmentação a que este se sujeita.

José Gimeno Sacristán502 adverte sobre isso:

O mundo globalizado é um mundo em rede, no qual as partes são interdependentes, constituindo uma rede de intercâmbios, empréstimos e acordos de cooperação; no qual se adotam padrões de comportamento, modelos culturais de outros ou algumas de suas características; no qual se tecem projetos e destinos.

Paulo Freire503 também alerta para o aspecto negativo da globalização

afirmando que:

502

GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. (Org.). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2006. p. 51-80.

503FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 144.

Page 238: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

237

O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua é a ética do mercado e a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente. O discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbrar a reedição intensificada ao máximo mesmo que modificada, da medonha malvadez, com que o capitalismo aparece na História. O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões.

Entende-se que a globalização pode ser definida com a intensificação das

relações sociais, econômicas, jurídicas, políticas e culturais em escala mundial, que

ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados

por eventos ocorridos a muitas milhas de distância. É, contudo, um processo

irreversível, que traz em seu bojo aspectos positivos e negativos.

Do ponto de vista econômico a globalização diz respeito tanto ao

fortalecimento das empresas transnacionais, como também ao crescente processo

de planificação econômica em nível supranacional. Fenômenos que trazem como

contrapartida, o enfraquecimento político dos Estados-Nações, do conceito de

soberania, e o aumento do poder das organizações e organismos internacionais

para definir, desde políticas militares, aspectos jurídicos e estratégias de

desenvolvimento econômico.

No plano cultural, a globalização da cultura, viabilizada pelo desenvolvimento

acelerado dos diferentes meios de comunicação e tecnologia, ao mesmo tempo, em

que cria grupos de identidades tão importantes para o consumo, ameaça a

afirmação cultural de diferentes segmentos sociais.

Ainda, no plano cultural, a globalização, criou, contudo, as condições para a

intensificação de debate em torno da questão do direito à diferença, que engloba os

conceitos de multiculturalismo504, e interculturalismo e outros que procuram dar

explicações sobre a diversidade cultural do moderno Estado-Nação.

Nesse contexto de complexas e infinitas transformações e mudanças é

preciso, no entanto, enxergar, tanto os reflexos positivos, como os negativos da

globalização na educação e, por via de conseqüência, no ensino do Direito.

504

Registre-se que o conceito de multiculturalismo já foi analisado anteriormente nesse trabalho, no capítulo 1, item 1.9.7.

Page 239: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

238

Sob o aspecto negativo adverte também o posicionamento de Paulo Luiz

Netto Lobo505, para quem:

O fascínio com a globalização, e a certeza apregoada por muitos de sua inevitabilidade, tem levado alguns a acusarem os cursos jurídicos de ultrapassados, porque não estão formando para o mercado globalizado, e por entenderem que a justiça deixou de ser um valor em si e deve ser coadjuvante nesse processo.

Ainda segundo Paulo Luiz Lobo506, a globalização econômica amesquinha o

papel da justiça, exatamente por esta realizar-se no espaço público, oposto àquele.

Sua lógica é: quanto mais mercado, menos justiça e, a fortiori, menos direito e

garantias individuais.

O fenômeno da globalização tanto pode supor possibilidades negativas

incidentes no ensino do Direito, como também, pode trazer novas possibilidades de

ter acesso ao estranho, de se enriquecer com o estranho, de rever e relativizar o que

é próprio, de adquirir novas competências em educação.

De propor assim, estímulos que melhorem e complementam a cultura escolar

e refazer o currículo jurídico.

Evitando-se, ademais, as deformações a respeito do que se acredita ser

imutável, a despeito de como se pode proceder no futuro na esfera da constituição

do saber, do ensino e da configuração de um currículo jurídico capaz de enfrentar

tais mudanças.

É preciso, nesse sentido, “domesticar” a globalização. Pois, se esta é,

indiscutivelmente, uma característica dos tempos atuais, não se pode desprezar o

fato de que este tempo, o tempo da pós-modernidade507, também se caracteriza

pela fragmentação dos diversos estratos do corpo social.

505

LOBO, Paulo Luiz Netto. Para preservar os padrões de qualidade do ensino jurídico. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 1, p. 123-137, 2003.

506Ibid., p. 126.

507Cf. MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 43. Em sentido oposto, afirma Toulmin, para quem “nós precisamos nos reconciliar com a idéia de que não vivemos mais no mundo „moderno‟. O mundo moderno é atualmente uma coisa do passado... Nosso mundo pós-moderno ainda não descobriu como definir-se em termos do que é, mas somente em termos do que acabou de deixar de ser. No devido tempo, a mudança da Ciência Moderna para a pós-moderna será evidentemente acompanhada por uma mudança correspondente também na Filosofia e na Teologia”. TOULMIN, S. Return to Cosmology. Berkeley: University of California Press, 1982, p. 254.

Page 240: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

239

Isto significa que hoje, já não se pode mais pensar num mundo dividido entre:

leste e oeste, capitalistas e comunistas, ou, outras categorias afins. Além disso,

deve-se, pois, pensar o mundo pós-moderno, em sua dimensão total de enorme

complexidade.

Franc Morandi aponta que a “pós-modernidade é uma designação indicadora

de outra relação pensamento-homem-mundo”.508 A pós-modernidade não é, no

entanto, a negação da modernidade.509

O que se propõe, segundo Franc Morandi, a partir do século 19, conforme a

crítica nietzschiana, e no decorrer do século 20, ao longo da evolução das ciências,

notadamente, uma fase de desconstrução (mundo fragmentado) que, contudo,

rejeita a visão global da história como progresso ou libertação.

No mundo pós-moderno, o que deve ser proposto, frise-se, é uma educação

do pensamento, do homem e da ciência humana jurídica e social que não reduza,

simplifique ou mesmo elimine a complexidade do mundo.

A esse propósito, adverte Edgar Morin510,

É necessário educarmos nosso pensamento justamente para os desafios da complexidade. Pois o pensamento e a inteligência que só sabe separar

508

Cf. MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002, p. 43. 509

Em sentido contrário, veja-se a crítica feroz de Jürgen Habermas quanto ao legado da pós-modernidade. Seu trabalho é importante porque, ao forjar a defesa da modernidade como parte de uma crítica dos discursos pós-modernos e pós-estruturalistas que emergiram na França a partir de 1968, ele inaugurou um debate entre as posições modernistas e pós-modernistas aparentemente opostas. Além disso, Habermas tentou rever e reconstruir o trabalho anterior de seus colegas da escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, revendo sua visão pessimista da racionalidade e da luta democrática. Habermas, no entanto, identifica a pós-modernidade menos como uma questão de estilo e cultura do que como uma questão de política. A rejeição da pós-modernidade das grandes narrativas, sua negação das bases epistemológicas e sua acusação de que a razão e a verdade estão sempre implicadas em relações de poder são encaradas por Habermas como um retrocesso e também como uma ameaça a modernidade. Para ele, a pós-modernidade tem uma relação paradoxal com a modernidade. Por um lado, ela incorpora as piores dimensões de um modernismo estético. Segundo ele, estende aqueles aspectos da vanguarda que “vivem na experiência da rebelião contra tudo o que é normativo”. Conforme Habermas, a pós-modernidade corrói o projeto da modernidade – ainda em seu processo de desdobramento – com sua promessa de democracia pela regra da razão, competência comunicativa e diferenciação cultural. Para Habermas a pós-modernidade é culpada por um crime duplo de, ao mesmo tempo, rejeitar os princípios do ethos modernista e não reconhecer suas contribuições mais emancipatória para a vida contemporânea. Além disso, os pensadores pós-modernos são conservadores cujas raízes filosóficas vão ser reencontradas em várias teorias irracionalistas e do contra-iluminismo as quais, segundo ele, parecem ter uma afinidade política peculiar com o fascismo. Nesse sentido, reporta-se, especialmente à obra de Jürgen Habermas. O discurso filosófico na modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990. passim.

510MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17.

Page 241: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

240

rompem o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona os problemas e unidimensiona o multidimensional. Essa inteligência é cada vez mais míope, daltônica e vesga; termina a maior parte das vezes cega, porque destrói todas as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando na raiz as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando na raiz as possibilidades de um juízo crítico e também as oportunidades de um juízo corretor ou de uma visão a longo prazo.

Dessa maneira, inserido num universo complexo entregue ao ruído, num

mundo gerador de acontecimentos que amiúde o homem se sente incapaz de

decifrar. Um mundo onde novos países nascem e outros renascem de antigos

conflitos não resolvidos no passado e onde o homem, a cada dia mais individualista

na solidão das grandes cidades, reage a essa condição procurando integrar-se a

grupos de mesmo interesse e que passam a interagir entre si, dando origem a novos

conflitos e novos direitos.

Considerando isso, importa ampliar, expandir e diversificar as perspectivas de

análise e reflexão no enfrentamento dessas problemáticas tendo em vista que a

despeito de tantas conquistas, muitas são as incertezas e os desafios que se

impõem, considerando que, na mesma medida em que se logram conquistas,

agravam-se a desigualdade social, a miséria, a violência. Por toda parte vê-se

aumentar o desemprego, degradar-se o meio ambiente, acentuarem-se os

problemas demográficos, acenderem-se preconceitos.

Diante desse quadro, muitos se abrigam na apatia, no conformismo, no

ceticismo511, no individualismo ou no consumismo, recusando-se a tomar atitude,

simplesmente, cruzando os braços.

Conforme assevera Henry A. Giroux512

Este é um tempo ruim, a cobiça está em toda a parte; a transformação de tudo em mercadoria e a mediocridade dominam a cultura de massa; toda

511

Ceticismo é a concepção segundo a qual o conhecimento do real é impossível à razão humana. Portanto, o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda a afirmação a uma dúvida constante. Oposto a dogmatismo. Cf. JAPIASSÚ Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 41. No mesmo sentido, para Johannes Hessen para quem “enquanto o dogmático encara a possibilidade de contato entre sujeito e objeto como auto-evidente, o cético a contesta. Para o ceticismo, o sujeito não seria capaz de apreender o objeto. O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria, segundo ele, impossível. Enquanto o dogmatismo de um certo modo desconsidera o sujeito, ceticismo não enxerga o objeto. Seu olhar está colado de modo tão unilateral ao sujeito, à função cognoscente, que desconhece por completo a referência ao objeto. Sua atenção está sempre completamente direcionada aos fatores subjetivos do conhecimento humano. HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 31-32.

512GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas de educação. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 15.

Page 242: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

241

uma geração de pessoas, pobres e jovens está sendo perdida na devastação cruciante da péssima escola, da pobreza, do desespero e do desemprego.

Como conseqüência do avanço tecnológico e da evolução no cenário em que

o conhecimento se desenvolveu, ao longo das últimas décadas, a ciência moderna

consagrou o homem como sujeito epistêmico513, mas expulsou-o como sujeito

humano.

Nesse sentido, o ensino deve promover a inteligência geral apta a se referir

ao complexo, de modo multidimensional e dentro da concepção global.514

O ensino jurídico, por sua vez, deve desenvolver um processo de ensino de

maior adequação, condizente aos novos tempos, capaz de desenvolver condições

de humanização.

Por isso, o ensino do Direito no Brasil, bem como, suas diretrizes curriculares

precisa ser pensado e organizado levando-se em conta estas transformações.

Tendo em vista que, nesse cenário de novas tecnologias e transformações,

freqüentemente, se valoriza o conhecimento factual, objetivo, útil, porém, não se

aceita a interferência de valores humanos, éticos, filosóficos, sobretudo, culturais, no

ensino e no currículo jurídico.

513

O termo sujeito epistêmico é usado aqui, em conexão com o conceito de epistemologia. Com efeito, a epistemologia é um ramo da Filosofia. De modo especial, enquanto é essencialmente o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinar sua origem lógica (não psicológica), seu valor e seu alcance objetivo. A epistemologia estuda os métodos, as estruturas e a validade do conhecimento. Questões epistemológicas tratam do seguinte: De onde vem o conhecimento, O que é verdadeiro, Em que medida o conhecimento contribui para o processo do conhecimento? A verdade é permanente ou mutável? Segundo André Lalande a epistemologia se distingue, portanto, da teoria do conhecimento, da qual serve, contudo, como introdução e auxiliar indispensável. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 293. Em sentido amplo, Hilton Japiassú entende por epistemologia, o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais. Segundo Japiassú, pode-se distinguir 3 tipos de epistemologia, a epistemologia global ou geral que trata do saber globalmente considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua organização, quer sejam especulativos, quer científicos; a epistemologia particular que trata de levar em consideração um campo particular do saber, quer seja especulativo, quer seja científico; a epistemologia específica que trata de levar em conta uma disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do saber e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela mantém com as demais disciplinas. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 84-85.

514Nesse sentido, também as considerações de Edgar Morin sobre o que a educação deve promover para o futuro. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2002. p. 39.

Page 243: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

242

Com tais propósitos, vale dizer, ressaltar a necessidade desses valores

reputados indispensáveis na configuração do atual currículo jurídico é que se realiza

o presente trabalho, bem como, apresenta-se uma proposta pedagógica em

oposição à tradicional, portanto, de desconstrução de antiquados paradigmas,

voltados para novos horizontes curriculares, no ensino do Direito, comprometidos, no

dizer de Luis Alberto Warat515:

Com as transformações da linguagem, como prática genuinamente transgressora da discursividade instituída, como exercício da resistência a todas as formas de violência simbólica, isto é, como uma prática política dos direitos do homem à sua própria existência.

A intenção educativa, neste trabalho, é que no ensino e no currículo jurídico,

esses valores humanos, de respeito ao próximo, de respeito à condição da

dignidade da pessoa humana, ao meio ambiente, à solidariedade, à tolerância, aos

valores de justiça e da ética, aos aspectos filosóficos, sobretudo, culturais, não

sejam renegados. Urge assim, humanizar o ensino jurídico e, por via de

conseqüência, o currículo jurídico.

Carlos Aurélio Mota de Souza516 afirma que humanizar o ensino do Direito é

trazer o homem para o centro das operações jurídicas, seja legislando, seja

administrando, seja decidindo causas, em que o homem deve sempre ser

privilegiado, como fim último das atitudes humanas, considerando nessa relação,

tanto o sujeito epistemológico quanto o sujeito humano.

Humanizar o ensino jurídico é, mutatis mutandi, transpor para o currículo das

instituições de ensino superior, a figura da pessoa humana com toda a dignidade

que a caracteriza e que a Constituição lhe confere e garante.

Impõe salientar que a atual Carta Magna Constitucional de 1988 elevou a

dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do

Brasil, conforme preceitua o art. 1º, inciso III, que assim dispõe517:

515

WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito: o Direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: Fabris, 1997. p. 44.

516SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. As tendências contemporâneas da ideologia e práticas jurídicas. In: ZIMERMAN, David; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2008. p. 3-22.

517BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2008.

Page 244: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

243

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III – a dignidade da pessoa humana.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana expresso na Constituição

Federal brasileira de 1988 revela, portanto, o sentido de valor supremo que norteia e

atrai o conteúdo de todos os demais direitos fundamentais. Impondo-se, por essa

razão, sua observância aos homens em suas relações interpessoais, bem como ao

Estado, de molde a que a pessoa nunca seja tratada como objeto.

É preciso, assim, respeitar e reverenciar a autonomia, a liberdade, a

igualdade e a integridade física, afetiva, moral e intelectual do ser humano.

Ora, os Princípios Constitucionais traçam a conduta a ser tida em qualquer

operação jurídica, pois são a base de toda e qualquer norma.

Além disso, os Princípios Constitucionais formam um mandamento nuclear,

embasam a exegese de todas as normas, sobremaneira, aquelas emanadas do

Direito Educacional e, que neste caso, instituíram as diretrizes curriculares para o

ensino jurídico, exemplo da Resolução n° 9/2004.518

Evidente, pois, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana519 deve

nortear a leitura e interpretação de qualquer norma, especialmente aquelas

relacionadas à Educação Nacional. Logo, se a dignidade da pessoa humana é

fundamento da República Federativa Brasileira, deve esta dignidade ser buscada, de

forma incessante, por todos os membros da sociedade, do Estado, da família, das

organizações, especialmente na gestão e na docência, das instituições superiores

escolares, tendo em vista que, um dos modos de alcançá-la efetivamente é pela

educação.

518

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

519Ingo Wolfgang Sarlet apresenta um conceito de Dignidade da Pessoa Humana definindo-o como sendo “a qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.

Page 245: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

244

É preciso além de reformar, constitucionalizar os currículos escolares,

sobrelevar, nas diferentes disciplinas, a pessoa humana como destinatária última de

todos os ensinamentos.

As dificuldades práticas iniciam-se quando se busca trazer ao ensino do

Direito e, especialmente, ao currículo jurídico, ao cervo reflexivo e necessário da

Pedagogia.

Na Pedagogia Tradicional do ensino do Direito, a proposta de educação está

centrada no professor, sendo que nessa concepção, ele tem a função de vigiar,

aconselhar, corrigir, e ensinar a matéria por meio de aulas expositivas, ficando a

cargo dos alunos prestar atenção e realizar exercícios repetitivos para gravar e

reproduzir a matéria dada.520

Em oposição crítica, defende-se uma Pedagogia Nova do ensino jurídico521,

em que se assume o princípio ativo e norteador de valorização do indivíduo como

ser livre, ativo, social e cultural.

Onde o centro da atividade escolar não é o professor nem os conteúdos

disciplinares, mas sim o aluno ativo e curioso.

Onde o mais importante, não é o ensino, mas o processo de aprendizagem.

E, o professor é somente o facilitador no processo de busca do conhecimento do

aluno, organizando e coordenando as situações de aprendizagem.

Deisy Ventura522, por exemplo, defende o posicionamento que deve haver um

resgate da consciência de que o ensino superior de Direito é, essencialmente,

520

Veja-se a esse respeito, artigo que ilustra a distinção entre Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada, Pedagogia libertadora e Pedagogia crítico-social dos conteúdos, de lavra do conselheiro, membro do Conselho Estadual de São Paulo, Prof. José Mario Pires Azanha. Parâmetros curriculares nacionais e autonomia da escola. Internacional Studies on Law and Education. Revista On-line Editora Mandruvá, n. 3, p. 1-10, 17 mar. 2006. Disponível em: <http://www.hottopos.com/harvard3/zemar.htm>. Acesso em: 10 out. 2008.

521Essa Pedagogia Nova inclui várias correntes do pensamento educacional, contudo, é possível basear suas idéias, no movimento da Escola Nova. É importante que se diga que o “Escolanovismo” como movimento educacional e filosófico, surge no Brasil, com a influência dos pensadores ligados e signatários do movimento dos Pioneiros da Educação. O escolanovismo surge no mundo nos fins do século XIX na Europa e nos Estados Unidos. Este movimento opunha-se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visava a uma educação que pudesse integrar o indivíduo na sociedade e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso de todos à escola. No Brasil, Anísio Teixeira, defendeu esse pensamento, baseando suas idéias em John Dewey, filósofo ligado ao pragmatismo e empirismo norte-americano.

522VENTURA, Deyse. Ensinar Direito. São Paulo: Manole, 2004. p. 16.

Page 246: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

245

atividade de ensino; secundariamente, superior e de modo específico de Direito,

trazendo dentro dessa perspectiva, a identidade do que se tem a ensinar.

Ademais, é preciso buscar-se no campo de atuação profissional e do ensino

jurídico, seja pela via do inconformismo, da contestação, da resistência, como

também, pela via da crítica, uma saída para modificar o mundo.

Talvez mediante uma postura nova, um novo olhar, tendo em vista que nesse

cenário de contínuas e profundas mudanças, desestruturam-se as certezas, abalam-

se as crenças, questionam-se os saberes jurídicos.523

O fato é que a crise se propaga por diferentes setores da atividade humana e

provoca tensões no campo da educação, especialmente do ensino do Direito.

Esse entendimento é corroborado por Joaquim Falcão quando afirma que o

ensino jurídico atravessa uma crise.

Segundo Joaquim Falcão524

Os esforços de superação têm sido, contudo, praticamente inúteis. A crise resiste e persiste, e se antes significava principalmente insatisfação coletiva com o ensino administrado pelas faculdades, hoje em dia, significa muito mais. A própria função social do advogado, do Direito e do desenvolvimento da nossa cultura jurídica, encontram-se substancialmente atingidos.

O ensino jurídico, fazendo parte do mundo do Direito, reflete tanto a crise

deste como a do sistema sócio-político-econômico em sua totalidade. Por via de

conseqüência, atingiram-se também as diretrizes, os conteúdos dos currículos

jurídicos, bem como a formação do estudante de Direito, pois, a crise e a

523

Sob esse aspecto, defendendo a reforma do ensino jurídico, André Luiz Lopes dos Santos insiste na necessidade de se lidar com as incertezas. Eis seu posicionamento: “Parece que os obstáculos maiores para uma reforma do ensino jurídico estejam na dificuldade encontrada, tanto por alunos quanto por professores, em modificar suas posturas tradicionais ante o processo de construção do chamado saber jurídico. A postura crítica, quer do educador que se imagine capaz de transmitir um saber pronto, quer no aluno que pretenda apenas receber esses conhecimentos, crendo, com base neles, poder se julgar apto ao exercício das profissões jurídicas, nos parece o primeiro dos entraves a serem removidos. Maior maleabilidade do educador, maior responsabilidade do educando, maior comprometimento de ambos em relação a objetivos mais definidos. Mudando as posturas, contudo – e, é preciso ter muito clara essa noção – essa prática abre espaço, inevitavelmente, para o inesperado, para o imprevisível. Lida-se mais próxima e continuamente, com incertezas. Segundo nos parece, contudo, esse é um preço que se deve pagar: abrir mão de um falacioso porto seguro em que se vê ancorado o conhecimento jurídico, repetindo fórmulas inquestionáveis (dogmática) e perpetuando ficções jurídicas”. SANTOS, André Luiz Lopes dos. Acesso a que justiça: novos argumentos para o debate acerca do ensino jurídico no Brasil. In: REIGOTA, João Manoel dos Santos et al. Direito, ciência e arte: estudos jurídicos interdisciplinares. Campinas: Edicamp, 2001. p. 51-52.

524FALCÃO, Joaquim. Os advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massagena, 1984. p. 39.

Page 247: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

246

globalização incidente na educação, na mesma medida, incidem sobre os sujeitos

cognoscentes, sobre as formas de aprender, sobre as diretrizes e o conteúdo dos

currículos jurídicos.

Do resgate de autores como Roberto Lyra Filho, Boaventura de Souza

Santos, Luís Alberto Warat, José Geraldo Sousa Júnior e Fábio Costa Morais de Sá

e Silva525, extraiu-se a seguinte interpretação, no que se refere à crise e aos

desafios do ensino do Direito: de que estudar Direito hoje, significa enfrentar a crise

da pós-modernidade, a emergência de demandas sociais alternativas e a

necessidade de se repensar ou de se des-pensar o lugar que o Direito e seus

operadores ocupam em todo esse processo.

Adota-se aqui a expressão “agente do Direito” ao invés de “operador do

Direito”, na esteira do pensamento do Professor Paulo Lopo Saraiva526, para quem

“operador seria um termo apto a identificar quem trabalha com máquinas”.

Essa lúcida e perspicaz crítica nos faz compreender, acertadamente, como

aponta o professor Saraiva527 que “quem trabalha com máquinas não é operador é

agente, pois não apenas o manipula, como também o transforma, por meio de sua

ação.”

Por outro lado, deve-se considerar que, muitas vezes, nesse ambiente de

crise, é o próprio processo de escolarização que aliena do mundo, desumaniza e

oprime.

Os obstáculos pedagógicos e epistemológicos, os vícios da relação ensino-

aprendizagem, presentes no ensino jurídico moderno − baseados no modelo

educativo da época do Império − e a própria escolarização levaram muitos

estudiosos a sustentar a desinstalação das próprias escolas.

Apostando, dessa forma, numa formação humanística baseada numa

“sociedade sem escolas” e na “desescolarização da sociedade”.

525

Veja-se, nesse sentido, especialmente, a obra de SILVA, Fábio Costa Morais de Sá e. Ensino jurídico: a descoberta de novos saberes para a democratização do Direito e da sociedade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 38.

526SARAIVA, 2002, apud SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp, 2002. p. 5.

527Ibid., p. 5.

Page 248: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

247

Dentre eles, destaca-se a proposta radical de Ivan Illich.528

Não há aqui, a intenção extrema de propor uma “sociedade sem escolas”,

como fez Illich, porém, parafraseando Luis Alberto Warat529, “a afirmar o potencial

educativo da contestação como fórmula de ensino-aprendizagem”, especialmente no

que se refere ao currículo jurídico.

A jornada no processo de ensino permite constatar que530 o atual currículo

jurídico só treina, até hoje, para a recepção passiva de verdades alheias e pré-

estabelecidas; treina-se o aluno exclusivamente para o conhecimento exclusivo da

lei e da norma, nunca para atuar criativamente no desempenho do Direito e da

Justiça.

No contexto jurídico, o currículo tem sido mostrado historicamente como o

grande vilão do ensino do Direito.531 Aliás, é um lugar comum (topöi)532 atribuir a ele

toda sorte de mazelas, responsabilizando-o exclusivamente pela “crise” que se

configura para o ensino jurídico brasileiro.

528

Ivan Illich, padre que se tornou reformista social, assume tom radical nas suas obras Deschooling Society e Medical Nemesis, ele sugere que não precisamos de escola alguma. Illich faz uma distinção entre escolaridade e educação, acredita que a educação deveria ser disseminada pela sociedade, em vez de ser conduzida em prédios especiais para esse propósito. Ele pensa que as pessoas podem ser educadas no trabalho, em sua casa e onde estiverem nas suas atividades cotidianas, suas reflexões voltam-se para o tema da educação, medicina, revolução e pobreza. Alguns críticos dizem o que ele está fazendo é avaliar o papel da educação em uma sociedade justa, o tipo ideal medieval que enfatizava os laços de cooperação entre indivíduos, a comunidade social e a natureza. Segundo Illich, a educação deveria ser um tema convival em que instituições encorajassem uma preocupação pelos outros indivíduos, pois as instituições tornaram-se “manipulativas”. Assim, é preciso separar a aprendizagem e ensino e criar um novo estilo de educação, baseando-se em novos elos entre os aprendizes e o mundo. ILLICH, Ivan. Deschooling society. Nova York: Harper, 1956. passim.

529WARAT, Luis Alberto. Sobre a impossibilidade de ensinar Direito: notas polêmicas para a desescolarização do Direito. In: FAGÚNDES, Paulo Ronay Ávila. (Org.). Retratos dos cursos jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 345-380.

530Observa Paulo Freire que é pela constatação do que nos cerca que “nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 77.

531RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 17.

532Segundo Eduardo C. B. Bittar, o termo topöi (plural de topos, em grego) “em sua semântica originária e primígena, significa lugar. É não desta forma que se vale Aristóteles do termo para explorar a temática da dialética, pois neste contexto quer-se indicar os lugares-comuns do silogismo dialético, aqueles argumentos comumente explorados nos debates entre escolares, pensadores e profissionais da palavra pública”. BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia aristotélica: leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Barueri: Manole, 2003. p. 291-325.

Page 249: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

248

Esse argumento carece de condição para prosperar visto que uma sociedade,

ou sistema social, não entra em crise pelo simples fato de seus membros afirmarem

que está em crise.

Por outro lado, não se podem compreender atitudes que se resumem,

meramente, em apontar problemas, tecer críticas que nada adiantam, por estarem

calcadas num mero e estéril academicismo desprovido de qualquer utilidade ou

efetividade. Mais do que apontar problemas é preciso encontrar soluções.

Desse modo, se, por um lado não se pode imputar, exclusivamente, ao

currículo a complexidade da crise que permeia a situação do ensino jurídico

brasileiro, por outro, tão pouco parece muito válido falar em crise do ensino jurídico.

Dado que há muito se observa essa situação – a ponto de a ela praticamente terem-

se habituado – quando, a característica mais marcante de uma crise é sua

transitoriedade.

Contudo, nada permanece indefinidamente em quebra ou ruptura: a própria

dinâmica dos elementos da crise conduz à superação das contradições. Também

por isso, talvez, seja preferível falar em “falência dos paradigmas” aplicados para o

ensino jurídico.

Nesse sentido, sustenta Roberto Fragale Filho533 que é “preferível falar em

falência funcional e falência sistêmica do modelo do ensino jurídico”.

Por essa perspectiva, acredita-se que a falência funcional diz respeito à

incapacidade, de nossos cursos jurídicos, em oferecer graduados capacitados para

atuar nas diversas esferas profissionais, enquanto a falência sistêmica diz respeito à

incapacidade dos cursos de Direito, no Brasil, em formar bacharéis com novas

habilidades e competências, capazes de analisar o Direito à luz dos novos Direitos.

Por outro lado, a denominada “crise no ensino” no campo do Direito não tem

apenas um lado ruim, mas pode servir de fonte para algo melhor, propositivo, mais

autônomo e criativo, no sentido que aponta Everardo da Cunha Luna534:

Nos tempos de crise, em que predomina o pensamento crítico e, por crítica, entendo, aqui, a participação numa atmosfera de desacordos, de

533

FRAGALE FILHO, Roberto; CERQUEIRA, Daniel Torres de. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas: Millennium, 2006. p. V.

534LUNA, Everardo da Cunha. A fundação dos cursos jurídicos no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. LXXIX, p. 380-386, jan./dez.1984.

Page 250: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

249

afirmações subjetivas enfim, parece-me que não podemos fugir dessa limitação, o que traz, contudo, o benefício de termos mais liberdade de expressão e de pensamento em meio aos conflitos entre homens e homens, entre mulheres e mulheres, entre gerações e gerações, entre a humanidade e a natureza, entre todos e todos.

A liberdade de expressão e de pensamento referida por Luna, entretanto,

pode funcionar no meio da crise do ensino, como uma espécie de mola propulsora

para a criatividade tanto docente quanto discente, e argumento para a

transformação do currículo jurídico e do próprio ensino do Direito.

Exemplo recente disso é o Projeto da Universidade de Brasília - UNB,

denominado “O Direito Achado na Rua”.535

Além disso, pode-se afirmar que a crise que passa o ensino de Direito, em

verdade é uma crise de percepção, da integralidade da vida que apresenta diversas

facetas:

O caos do interior do sistema educacional é o resultado da grande crise que

se vive na sociedade pós-moderna. Crise que, com efeito, repercute no interior do

sistema jurídico. O caos que há em cada pessoa individualmente, se reflete na vida

coletiva. E, as dificuldades da vida social e econômica produzem um caos interior

em cada ser humano.

As crises são de acordo com os especialistas em educação536:

1) crise funcional (a crise de mercado de trabalho e a crise de identidade e

legitimidade dos operadores jurídicos), nesse sentido, os estudantes de

Direito já sentem os problemas que enfrentarão fora da universidade;

2) crise operacional (a crise curricular, crise didático-pedagógica e crise

administrativa). Indaga-se nesse sentido: O que se ensina num curso de

535

José Eduardo Faria e Celso Fernandes Campilongo referem-se ao Projeto Achado na Rua, como o próprio nome da iniciativa indica, não uma preocupação tanto com o Direito dos Códigos, ensinado nas faculdades, mas com as diferentes formas jurídicas efetivamente praticadas nas relações sociais. Optando por uma análise crítica do Direito estatal, questionando as estratégias de neutralização e despolitização estabelecidas pela dogmática jurídica e privilegiando a transformação social em detrimento de permanência das instituições jurídicas, ou seja, tratando a experiência jurídica sob um ângulo assumidamente político. Para Faria e Campilongo, este projeto da UNB tem por objetivo agir como transmissor de informações em favor de uma ordem normativa mais legítima, desformalizada e descentralizada. Sociologia jurídica no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 38.

536Veja-se a esse propósito artigo de Maria Nazareth Mello de Araújo Lambert. Análise das diretrizes curriculares no curso de Direito. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Acre, n. 4, p. 177-182, 2005.

Page 251: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

250

Direito? Dá-se, entretanto, única e tão somente a reprodução de uma

ideologia da classe dominante. Ensina-se ao aluno que o melhor caminho

é a apreensão dos conteúdos constantes no currículo e que somente

assim conseguirá vencer as barreiras apresentadas pela profissão e terá a

possibilidade de obter aprovação em concursos da OAB e outros

concursos públicos;

3) crise estrutural (a crise política e a crise epistemológica). A crise que afeta

o ensino jurídico é a mesma que atinge a sociedade como um todo. Afinal,

para onde caminha a humanidade? É uma questão crucial que, no

máximo, comporta uma resposta provisória.

Por outro lado, é preciso considerar que as estruturas políticas estão

passando por uma profunda transformação. Não se pode afirmar, que a simples

acusação da globalização enquanto “arma da burguesia”, como afirma Horácio

Wanderlei Rodrigues537, não traga nenhuma luz para a discussão da transição

paradigmática.

Nesse cenário de transformações, no entanto, entende-se que o Direito, e o

ensino jurídico brasileiro e, por conseqüência, suas diretrizes curriculares não

possam continuar afastados da realidade concreta do povo, afastados da sociedade.

O próprio comportamento do docente ao enfrentar as inúmeras

transformações, no âmbito social, econômico, tecnológico, científico, político,

filosófico, cultural, jurídico e educacional, também se vêm alterando sobremodo no

intuito de compreender o que se passa em seu entorno, especialmente na área do

ensino jurídico.

Essas situações geram, no entanto, novos problemas e, via de regra, a

necessidade da formulação de novos direitos.

Conforme bem expressam as palavras de André Franco Montoro538

Não existe um número fechado de direitos, pois, a dinâmica da vida econômica e social e as transformações que se operam especialmente no campo de novas tecnologias fazem surgir novas realidades e situações que repercutem sobre as pessoas e sua relação.

537

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e Direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 192-200.

538MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 9.

Page 252: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

251

A realidade demonstra, no entanto, que as instituições de ensino não

contemplam novas competências para fazer frente aos novos direitos, por uma

sociedade que exige configurações mais complexas de saberes, até mesmo diante

dos novos direitos surgidos539, caso, por exemplo, dos novos Direitos do

Consumidor540, do Direito Ambiental541, dos Direitos da Criança, do Adolescente542 e

do Idoso.543

Historicamente, eram apenas os Direitos de Primeira Geração: da liberdade,

igualdade, propriedade, direitos de votar (homens), enfim direitos individuais.

A partir de 1930, este modelo se rompe com a intervenção do Estado nas

diversas esferas da sociedade, transformando-se, ele mesmo, em Estado de bem-

estar-social.

O Estado adquire também uma personalidade privada, tornando-se grande

empreendedor e empregador por meio das empresas estatais e com isso o Direito

público avança. Além do mais, os movimentos e lutas da sociedade promovem a

conquista de novos direitos, que juntos com os direitos garantidos pelo Estado de

bem-estar-social, constituíram os Direitos de Segunda Geração: sociais, relações

trabalhistas, saúde, educação, direitos econômicos e direitos culturais.

As grandes guerras, os crimes contra a humanidade, os horrores do

holocausto nazista, as bombas de Hiroshima e Nagazaki e toda a sorte de ameaças

coletivas fizeram surgir Direitos de Terceira Geração – Declaração Universal dos

Direitos Humanos, Declaração Universal dos Direitos dos Povos e da Solidariedade:

paz, autodeterminação, desenvolvimento, direitos coletivos e difusos: consumidor,

539

Sob a perspectiva negativa, ou seja, “de que não é possível assimilar nesta sociedade contemporânea, denominada, por alguns como „sociedade da informação‟ os novos direitos surgidos em razão dos direitos de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª geração”, reporta-se ao trabalho de João Virgílio Tagliani. A ousadia de um novo ensino jurídico. Anuário ABEDi, ano 2, p. 205-228, 2004.

540BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. (Código do Consumidor). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990.

541BRASIL. Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. Diário Oficial da União, 13 fev. 1998, retificada em 31 de fevereiro de 1998. Seção 1, p. 1, e a Lei nº 9.795, 27 de abril de 1999. (Educação Ambiental) Dispõe sobre educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília: DF, 28 abr. de 1999.

542BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 de abr. 1981.

543BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 2003.

Page 253: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

252

meio ambiente, criança e adolescente, minorias, portadores de necessidades

especiais, etc.

Os avanços da tecnologia e as ameaças ao meio ambiente, à vida humana e

às futuras gerações fizeram nascer os Direitos de Quarta Geração que, em parte,

ainda estão em gestação: direitos à vida das gerações futuras, direitos a uma vida

saudável e em harmonia com a natureza, desenvolvimento sustentável, bioética,

manipulação genética, biotecnologia, bioengenharia e direitos advindos da realidade

virtual.

Diante desses novos direitos, instituídos por força das normativas federais, e

de tantos outros surgidos com a evolução da sociedade, percebe-se que o corpo

docente e as próprias instituições que oferecem o ensino jurídico não incorporam

novos saberes curriculares em sua prática pedagógica, ou em desrespeito às novas

exigências geradas pelo ambiente em que se encontram inseridas.

Por conseguinte, diante desses novos direitos, é preciso incorporar novos

saberes no currículo, especialmente culturais e filosóficos, o que, parece o mínimo

para garantir a qualidade curricular do ensino do Direito. Pois, o Projeto Pedagógico

do curso de Direito de qualquer instituição de ensino deve ser capaz de traduzir a

necessidade de regulação jurídica e social, para fazer frente às constantes

transformações da sociedade.

Esses novos direitos, bem como novos saberes544 na configuração do

currículo jurídico acrescentam ao saber jurídico, revelando-lhe um importante papel.

Nesse diapasão, esses novos saberes impregnados aos sujeitos

cognoscentes conferem-lhes, por isso mesmo, a sua relevante dimensão de sentido

que se perfaz, todavia, na educação transformadora e emancipadora.

Qualquer que sejam os obstáculos e os desafios que as condições da atual

sociedade coloquem à educação, ela continuará tendo um compromisso

544

Como adverte João Virgílio Tagliani: “é preciso dar importância a outros saberes, além do ensino e da aprendizagem”, enfatizando-se no ensino do Direito o que ele denomina ensinagem, termo que embora seja um neologismo, vem da moderna teoria da educação. Nesse sentido, entendemos que a Pedagogia tradicional deu uma ênfase exagerada somente ao ensino, centralizando toda a responsabilidade na eficiência dos métodos e nas técnicas de transmissão do conhecimento, inspirada na didática magna de Comênio (1592-1670). TAGLIANI, João Virgílio. A ousadia de um novo ensino jurídico. Anuário ABEDi, ano 2, p. 205-228, 2004. Nesse sentido veja-se, também, a obra: LOPES, Edson Pereira. O conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São Paulo: Mackenzie, 2003. passim.

Page 254: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

253

fundamental: o de construir para a emancipação de todos os seres humanos,

processo que se dá hoje em dia mediante a universalização da cidadania.

É esse compromisso que, no entanto, legitima a intervenção educativa e que

deve direcionar os rumos e a qualidade de sua atuação social. No caminho trilhado

pelo exercício da cidadania545, aqui entendido não somente como direito positivado,

mas também como qualidade de vida, que é para as pessoas, modalidade

substantiva de existência autêntica e de condição de autonomia.

Essa destinação implica que a educação e, por via de conseqüência o

currículo, não se reduza ao funcionamento burocrático e administrativo do sistema

de ensino jurídico.

Em qualquer circunstância de tempo ou espaço, os objetivos educacionais

devem ser intrínsecos ao próprio processo formativo do humano, ao processo de

construção do humano no homem.

Esse posicionamento é compartilhado por Paulo Freire e Henry A. Giroux,

pioneiros do paradigma de educação emancipatória, cujas idéias permeiam esta

tese.

No paradigma de uma educação emancipatória a concepção de homem

supõe uma pessoa ativa-crítica-sujeito da história, que dá voz aos excluídos,

considera a pessoa humana, que compreenda o sujeito social e cultural que está no

mundo, com o mundo, inserido no mundo, evidenciando-se, nesse diapasão, a

pessoa criativa que constrói seu próprio conhecimento (não é simples receptáculo

passivo de informação). Uma educação que objetiva, portanto, a construção de uma

pessoa com função transformadora emancipatória.

Seguindo as vozes e o ensinamento de Freire546:

O homem é homem e o mundo é histórico-cultural na medida em que ambos inacabados se encontram numa relação permanente, na qual o homem transformando o mundo sofre os efeitos de sua própria transformação.

545

Conforme determina o art. 205 da Constituição Federal de 1988: Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2008.

546FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 74.

Page 255: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

254

Nessa concepção, o currículo jurídico, seus elementos e suas diretrizes não

podem ser separados da totalidade da sociedade, é historicamente situado e

culturalmente determinado.

O currículo constitui um eficaz instrumento tanto para que se desenvolvam

processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos

historicamente acumulados, como também, constitui-se meio socializador adequado

para crianças e jovens assimilarem valores tidos como desejáveis.

Em virtude da importância desses processos, a discussão em torno do

currículo assume cada vez mais lugar de destaque no conhecimento.547

É, no entanto, essa dimensão emancipatória que deve ser considerada na

elaboração do currículo jurídico, cujo processo de construção não é exclusivamente

lógico e apenas e tão somente jurídico, mas também, social, filosófico e cultural.

Configura-se, assim, o currículo jurídico, seus elementos e suas diretrizes, em

conhecimentos e saberes que não se restringem unicamente ao conhecimento

jurídico, caminhando além da lei, fazem incidir toda a sua força transformadora e

emancipatória da educação sobre a formação das pessoas no ensino do Direito.

O currículo jurídico constitui-se, portanto, o pilar fundante e fundamental na

gestação da educação. No dizer de Antônio Joaquim Severino “o currículo é a

mediação da educação”.548

O professor é, também, responsável pela formação edificante desse pilar,

pois lida diretamente com uma diversidade de saberes heterogêneos que informam

sua prática pedagógica. Por isso, ele deve ser visto como um ator social, agente de

possíveis transformações na direção do ensino do Direito.

Essa lógica na produção do conhecimento encontra-se intimamente ligada à

construção permanente do currículo sob a perspectiva cultural dos saberes ligados à

fundamentação filosófica do educador. Saber cultural que é, no entanto, resultado da

práxis social do homem encarado como sujeito de relações consigo mesmo (auto-

conhecimento), com sua individualidade, com os outros seres humanos

(sociabilidade) e com a natureza.

547

Essa concepção é esposada por MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. (Org.). Currículo: questões atuais. São Paulo: Papirus, 2006. p. 11.

548SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 10.

Page 256: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

255

Inserido, assim, num processo de interação criativa e construtiva (do real), de

onde emerge uma consciência individual, social e jurídica, crítica e transformadora

de si e do meio, significa um verdadeiro processo de geração e gestação do

conhecimento.

Daí se afirmar549 que diferentes currículos formam diferentes pessoas, com

identidades e subjetividades sociais, o que determina, em última análise, a sua

inclusão ou exclusão social. Esses saberes integrados têm, portanto, posição

estratégica na condução do currículo jurídico, o que justifica mais uma vez essa

pesquisa.

Diante disso, impõe-se e exige-se cada vez mais dos bacharéis e dos

profissionais do Direito uma visão curricular mais ampla, holística, integral; porém,

menos legalista, dogmática e positivista no conhecimento e aplicação do Direito que

procura arredar o direito natural e moral reconhecendo tão-somente o direito

positivo, no sentido do direito vigente e eficaz em determinada sociedade, limitando

o conhecimento científico-jurídico ao estudo exclusivo das legislações positivas,

consideradas como fenômenos espaço-temporal.

Como nos diz Roberto Aguiar550:

Não há mais a juridicidade isolada, no mundo onde a informação é o poder e a interdisciplinaridade é uma necessidade. As normas jurídicas em si mesmas consideradas são vazias. É a sua interpretação ou sua derrogação por nova norma, que tem vida, e essa vida é dada por fatores transjurídicos de natureza social, política, econômica e cultural. Logo, se o advogado não conhecer filosofia, de ciência política, da sociologia, dentre outras ciências, corre o risco de se tornar um reprodutor burocrático com menor das interpretações dominantes relativas às normas jurídicas.

Além disso, constata-se que os bacharéis que vêm sendo formados dentro da

perspectiva curricular fechada, fragmentada de conhecimento, sobretudo, de mundo,

nos atuais cursos de Direito, não conseguem compreender, muito menos explicar,

no âmbito da juridicidade, a nova dimensão política, social, cultural e econômica da

sociedade.

549

Para Goodson a concepção de currículo é centrada em vivências, situando e fundamentando a prática docente contemporânea, dentro de um projeto social emancipatório que permitirá ou não sua exclusão do tecido social em razão da configuração curricular escolhida. GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 2.

550AGUIAR, apud RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e Direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 180.

Page 257: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

256

A dinâmica de transformações da sociedade, entretanto, requer do bacharel

que postule e decida sobre questões referentes à bioética, crimes de cibernética,

alta tecnologia, patentes, relações e contratos internacionais ou outras tantas formas

de avanço tecnológico.

Espera-se do bacharel que seja capaz, portanto, de analisar o Direito livre dos

entraves dos fundamentos filosóficos da Educação e do Direito, baseados,

exclusivamente, no pensamento positivista, formalista e abstrato, condicionado à

estrita legalidade, e que alcance pensar e compreender o Direito como fenômeno

social e cultural, integrador e holístico.

Nos dias de hoje, em razão dos efeitos incidentes da globalização sobre a

educação e conseqüentemente sobre o currículo, entende-se que a educação deva

ser entendida numa perspectiva mundial, ou seja, da “educação global ou

internacional”.

Santomé Jurjo Torres551 afirma que tal modalidade educacional caracteriza-

se, pelo estudo de núcleos temáticos curriculares, baseados na constante referência

às diversas áreas geográficas e culturais do mundo.

A educação global propõe o ensino e a aprendizagem recorrendo ao trabalho

nas salas de aula com unidades curriculares didáticas integradas, como: o ambiente,

a energia, o racismo, os conflitos lingüísticos, os direitos humanos, a alimentação, o

desenvolvimento, a população, etc. Porém, analisando tais conteúdos com uma

visão internacionalista vendo o mundo integrado por partes que interagem

constantemente como sistemas interdependentes.

Desta maneira, a “educação global ou internacional” deve preparar os jovens

para uma participação consciente em suas comunidades locais, levando sempre em

conta em suas análises e propostas as repercussões das suas intervenções a partir

de perspectivas nacionais e internacionais.

Salienta, ainda, Santomé Jurjo Torres, que desde 1974, a UNESCO já

defendia a necessidade desta visão transnacional.

Por isso, a definição de holismo552, apontada por Paulo Roney Ávila

Fagúndez553, é acolhida neste trabalho.

551

Cf. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 90.

Page 258: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

257

Para Paulo Roney Ávila Fagúndez, o holismo traz uma visão integral do

homem e busca, sobretudo, o resgate da concepção ética, pois se trata de um meio

imprescindível para que se tenha uma concepção do Direito.

O que quer o holismo é derrubar as fronteiras que separam as ciências e

reunificar o conhecimento. É, em suma, uma proposta de integralidade, que nasce

de legiões de conspiradores espalhados por toda a parte e que desejam uma

mudança efetiva da vida, a partir de uma percepção mais verdadeira do fenômeno

humano.

Vale dizer, de considerar o sistema jurídico interdependente dos demais.

Libertar o Direito dos compartimentos que lhe foram impostos, reunificar os

conhecimentos inseridos em diversos compartimentos.

Nesse contexto, não há dúvida de que a ausência de formação acadêmica

integradora como suporte de soluções desses novos conflitos surgidos na

sociedade, além de gerar ensino de má-qualidade, acaba por inviabilizar a própria

efetividade do Direito.

Para que o conceito de ensino de má-qualidade não se perca em abstração e

discurso ineficaz, salientam-se aqui alguns pontos entendidos como paradigmáticos

para uma avaliação eficaz e qualitativa no ensino jurídico:

a) tempo de duração de curso com carga horária mínima de 3.600 horas;

b) obrigatoriedade da apresentação da monografia final, acervo bibliográfico

mínimo e adequado, informatizado, acessível ao aluno e ao docente, já

que ele se constitui, no curso de Direito, como o núcleo fundamental de

viabilização do projeto pedagógico;

c) disponibilização de recursos materiais e financeiros para que o projeto

pedagógico saia do papel e seja executado conforme planejado;

552

Posição contrária frente ao enfoque holístico no ensino encontra-se a apreciação crítica de Ozmon e Craver. Com efeito, segundo esses autores, o holismo conduz a uma atitude muito liberal com relação à aprendizagem, pois o currículo universalista, segundo esse posicionamento é extremamente teórico e cognitivo. Deixando assim, os seus seguidores de seguir os seus próximos conselhos. Por exemplo, citam os autores: “uma coisa é aprender sobre a natureza humana em grandes tratados, outra coisa bem diferente é engajar-se propositadamente em relacionamentos sociais com outras pessoas no cotidiano”. OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 50.

553FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. Direito e holismo: introdução a uma visão jurídica de integralidade. São Paulo: LTr, 2000. p. 53.

Page 259: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

258

d) investimentos na infra-estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;

e) investimentos em tecnologia e na qualificação profissional dos

bibliotecários para a pesquisa;

f) investimentos em pessoal e material didático, suprimentos e suporte de

material;

g) processos de avaliação interna da instituição, como participação discente

e docente;

h) plano de carreira docente e dos coordenadores;

i) previsão de atividades em três níveis: ensino, pesquisa e extensão;

j) gestão adequada dos registros acadêmicos;

k) capacitação e programa de educação continuada para alunos e docentes;

l) matriz curricular que envolva os direitos difusos e coletivos;

m) enfoque curricular no Direito Público e na Filosofia do Direito, e nos temas

integrados da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade;

n) integração da graduação com a pós-graduação;

o) gestão democrática na condução organizacional;

p) currículo de perspectiva aberta e integradora;

q) possibilidade de construção do currículo no projeto pedagógico com a

participação discente e docente.

Sob a ótica quantitativa, é preciso salientar que no ensino jurídico são muitas

as instituições de ensino superior que oferecem cursos de Direito.554 No último censo

do ensino superior de 2003555, por exemplo, aponta-se a existência de 704 cursos

jurídicos no Brasil.

554

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: <www.inep.gov.br>. Acesso em: 29 jun. 2008.

555É preciso salientar que o último levantamento oficial sobre educação superior realizado e disponibilizado pelo MEC é censo ano base 2003 que foi publicada somente em 2005, através do documento denominado “Censo da Educação Superior: sinopse estatística – 2003”. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2008.

Page 260: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

259

No entanto, pode-se afirmar que tal número é controverso, pois uma simples

consulta ao cadastro das Instituições de Educação Superior, no site556 do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, denominado INEP,

indica a existência de 870 cursos jurídicos.

Mais importante do que discutir o número de cursos jurídicos seria examinar o

número de matrículas em Direito. Conforme análise dos dados estatísticos

divulgados pelo INEP557 sabe-se que, entre 1995 e 2003, as matrículas nos cursos

jurídicos privados saltaram de 170.534 (79%) para 448.424 (88%).

Constata-se, entretanto, que 76% do total de matrículas em Direito

concentram-se nas instituições com autonomia, ou seja, as universidades. Constata-

se, ainda, que três em cada quatro alunos estudam em instituições autônomas, e

mais de quatro em cada cinco estudantes dessas instituições integram o corpo

discente de instituições privadas de educação superior.558

Percebe-se, contudo, que nas instituições de ensino superior são poucos os

docentes dos cursos jurídicos com preocupações sobre o ensino crítico de suas

diretrizes curriculares, visto que suas propostas para o magistério se revelam tímidas

em sua prática pedagógica.

No que tange especialmente ao aspecto qualitativo da docência do ensino

superior no curso de Direito, em razão da expressiva evolução em sentido

metodológico por que vem passando a educação, cabe ao professor do Direito

buscar novas estratégias de ensino e assumir uma nova postura diante da docência.

Cumpre que os professores considerem a mudança epistemológica, sem o que

arriscam insistir em longas discussões vazias com os alunos em sala de aula, sem

utilidade para a formação do bacharel em Direito.

O sociólogo Boaventura de Souza Santos,559 pesquisador das raízes do

enfrentamento que o professor de Direito sofre em sua prática docente, afirma

categoricamente nesse sentido que:

556

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: <www.inep.gov.br>. Acesso em: 29 jun. 2008.

557Id.

558Id.

559Nesse sentido, aponta Boaventura de Souza Santos, no artigo de sua lavra: A igualdade pela diferença. Correio Braziliense, Brasília, p. 6-7, 25 jan. 2003. Caderno Pensar.

Page 261: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

260

Os estudantes são treinados em faculdades de Direito e essas são as faculdades que menos evoluíram, que menos se transformaram nos últimos 20 anos. São faculdades que não prestam atenção nas condições sociológicas em que o direito é aplicado, que não prestam atenção nos direitos emergentes das classes populares, nos direitos comunitários, nos direitos indígenas, nos direitos dos camponeses e na resistência contra a globalização neoliberal. São faculdades que tendem a privilegiar os direitos processuais, que são muito importantes, mas que não podem ser tão importantes quanto a idéia do direito substantivo. Mais de 30% das decisões dos Tribunais neste país são feitas com base em decisões de processo, e não com base no mérito da causa. Penso que isso é ruim para a credibilidade do sistema judiciário.

De fato, alicerçado no pensamento de Boaventura de Souza Santos, entende-

se que os alunos do curso de Direito devem participar mais ativamente da

construção de uma nova prática jurídica, dentro das próprias faculdades de Direito.

O currículo jurídico deve voltar suas atenções especialmente para as

atividades de prática jurídicas desenvolvidas dentro dos Núcleos de cada instituição

de ensino, pois os Núcleos de Prática Jurídica configuram, em nosso entendimento,

o locus realizador do diálogo entre a teoria e prática, em que se concretiza

efetivamente o ensino, a pesquisa e a extensão.

Os Núcleos de Prática Jurídica são de fundamental importância para a

compreensão de como o Direito é aplicado, visto que têm um papel fundamental na

concretização da cidadania e dos direitos humanos, em que são percebidas

efetivamente as demandas reais e plurais da Justiça. Pois, os Núcleos de Prática

possibilitam, nesse sentido, a emancipação e transformação da própria instituição de

ensino, pois é neles que se permite e fomenta o vínculo do aluno do Direito com a

comunidade, proporcionando a ele a necessária humanização e sensibilização para

as questões sociais e jurídicas, constituindo-se, assim, num espaço de construção

crítica do Direito.

Não se pode desconsiderar, por outro lado, que algumas seccionais da OAB

têm manifestado seu inconformismo ao Conselho Federal alegando prejuízos para

os profissionais liberais da advocacia de seus Estados.

Razão por que se defende aqui a necessidade de triagem mais adequada,

sob supervisão de uma equipe interdisciplinar, nos atendimentos e nas orientações

prestadas à comunidade pelos Núcleos de Prática Jurídica, para que não haja

conflito entre os advogados inscritos na Ordem e os núcleos de assistência gratuita.

Page 262: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

261

Essa equipe interdisciplinar constitui-se pelos próprios alunos e docentes de

outros cursos, por exemplo, o curso de Assistência Social. Saliente-se, que esse

modelo interdisciplinar no atendimento que é adotado pelo Núcleo de Prática

Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul, será analisado

oportunamente neste estudo.

Impõe-se assim a crítica quanto a uma adequada elaboração normativa da

construção560 do seu currículo, já que, nesse cenário de transformações, afetaram-

se particularmente as formas de aprender do ensino jurídico.

O ensino do Direito e, por via de conseqüência, o seu currículo jurídico bem

como suas diretrizes, mais do que nunca atravessam um momento questionamento,

razão pela qual é imperiosa sua análise e respectiva reformulação.

É hora de compreender que o ensino do Direito não mais se apresenta como

regramento curricular absoluto e inquestionável.

Pensar o currículo e as diretrizes curriculares nacionais no curso de Direito,

nesse contexto, deve significar a necessidade de considerar, de forma não sectária,

o largo espectro de diferenças que permeiam o tecido social, econômico, jurídico e

cultural, seus conflitos e constantes transformações.

3.2 Conceito de Currículo Jurídico e Sistematicidade

Horácio Wanderlei Rodrigues561 conceitua o currículo jurídico como sendo “a

forma de organização de conteúdos, matérias, disciplinas, módulos e demais

componentes curriculares, tais como estágio supervisionado, trabalho de curso e

atividades complementares”.

560

Entende-se por perspectiva construtivista uma das correntes teóricas que concentra sua aplicação em explicar como a experiência humana se desenvolve partindo do princípio que o desenvolvimento da mesma é determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. A observação é norteada para o fato de que o homem constrói saberes, eliminando a idéia de um conhecimento “pré-dado”, e ele responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu conhecimento, de forma mais elaborada. Tal concepção apresentou profundos avanços para a mudança de percepção epistemológica, contribuindo diretamente nos processos educacionais. Esta visão preconiza a não acomodação às situações dadas criando, portanto, uma futura assimilação do objeto, dando origem às sucessivas adaptações do sujeito ao meio, com o constante desenvolvimento de seu cognitivismo.

561RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 199.

Page 263: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

262

O currículo jurídico segundo esse entendimento562 é o resultado da

organização de conteúdos, das matérias e disciplinas, consubstanciando-se, assim,

num conjunto formal de componentes curriculares nele, expressamente, previstos.

O conceito apresentado por Horácio Wanderlei Rodrigues não alcança,

entretanto, todo o alcance e a riqueza de sentido que deve apresentar o currículo

jurídico, vez que embora apresente uma tentativa de elaboração teórica do ponto de

vista do sistema563, circunscreve-se tão somente ao seu aspecto de sistema fechado

e formal.

Cumpre salientar que este trabalho objetiva enxergar por outras perspectivas

que não exclusivamente aquelas baseadas em sistemas fechados, em que causa e

efeito se imponham como leis de verdade absoluta e certeza de compreensão do

mundo.

562

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 199.

563A palavra sistema, do grego systema, tem inúmeros significados. No léxico, indica, dentre outras possibilidades: “Combinação de partes coordenadas para um mesmo resultado ou de maneira a formar um conjunto. Conjunto de elementos relacionados entre si de modo coerente. Conjunto organizado de princípios coordenados de modo a formar um todo científico ou um corpo de doutrina. Conjunto de procedimentos, de práticas organizadas, destinadas a assegurar uma função definida”. Cf. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 832. [verbete sistema]. A compreensão dos fenômenos através da teoria dos sistemas é analisada, sobretudo, por Kant, que associa a idéia de sistema ao conhecimento. Para ele, o sistema é governado por um propósito contido em seu conceito, é um todo articulado e não um agregado de partes externamente relacionadas que, se subtraídas, podem prejudicar o sistema. KANT, Immanuel. Manual dos cursos de lógica geral. Tradução e apresentação de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp; Uberlândia: Edufu, 2003. § 116, p. 293. Id. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 15-41. (Introdução). Veja-se, também, J. J. Canotilho, para quem o sistema é o conjunto de elementos em interação, organizado em totalidade, que reage às interações de tal forma que, quer no âmbito dos elementos constitutivos, quer no âmbito do conjunto, aparecem fenômenos e qualidades novas não reconduzíveis aos elementos isolados ou à sua simples soma. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 45. Ainda, encontramos o conceito de sistema para a ciência jurídica, em Tércio Sampaio Ferraz Jr., para quem “no fim do século XVIII, o jusnaturalismo já havia cunhado, para o Direito, o conceito de sistema, que se resumia na noção de um conjunto de elementos ligados entre si pelas regras de dedução, entendendo-se com isto a unidade das normas a partir de princípios dos quais eram deduzidas. Interpretar o Direito significava então a inserção da norma em tela na totalidade do sistema”. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980. p. 69. Id. Conceito de sistema no Direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 22-23. Nota-se que o Direito, visto como um sistema, também encontra suporte no pensamento de Eros Roberto Grau, quando afirma: “Devemos reconhecer o Direito como um sistema, o que o transforma em objeto de um pensar sistemático, e, em especial, permite-nos interpretá-lo no contexto sistemático, ou seja, sistematicamente”. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 23. Veja-se ainda e, especialmente, CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 66-83.

Page 264: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

263

Assim, diferentemente de Horácio Wanderlei Rodrigues, parte-se não do

pressuposto meramente formal do conceito de currículo. Muito ao contrário, é

preciso considerá-lo em seu aspecto substancial. Ele exige, portanto, novos

princípios, uma nova visão de seus problemas e novos métodos apropriados aos

seus problemas.

É preciso enfatizar, no entanto, a sua natureza construtiva e não-linear de um

currículo pós-moderno.

Para César Cool Salvador564, existem duas concepções de currículos que

devem ser analisadas:

a) uma concepção centralizadora ou fechada – currículo fechado: na qual o

currículo estabelece com minúcias os objetivos, conteúdos, materiais

didáticos e métodos que os professores vão utilizar em cada área de

ensino; corresponde ainda à idéia de unificar e homogeneizar ao máximo o

currículo para toda a população escolar e, conseqüentemente,

desenvolvê-lo como aplicação fiel do projeto escolar;

b) uma concepção descentralizadora e aberta – currículo aberto: na qual

essa responsabilidade recai sobre os professores ou equipes de

professores de cada instituição; esta inclusive renuncia à proposta de

uniformizar o currículo em benefício de melhor adequação e de maior

respeito às características de cada contexto educativo particular,

concebendo o projeto curricular como algo indissociável.

Entende-se que o currículo jurídico deva ser compreendido como uma

construção não apenas normativa, mas uma construção de final aberto, não

determinista. Um currículo jurídico construtivo, não é exclusivamente normativo

(currículo fechado), é aquele que emerge através da ação e interação de seus

participantes no processo de ensino-aprendizagem (currículo aberto).

O currículo não pode ser estabelecido a priori, a não ser em termos amplos e

genéricos. Uma matriz, evidentemente não tem início nem fim, ela tem fronteiras e

pontos de intersecção, pleno de significados, e de focos que se interseccionam.

564

SALVADOR, Cesar Cool. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, 1997. p. 37.

Page 265: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

264

Sendo assim, quanto mais rico um currículo, mais haverá pontos de intersecção,

conexões construídas e, portanto, mais profundo, será seu significado.

Considerar o currículo jurídico em termos da construção de uma matriz está

de acordo com a idéia de John Dewey565 da mente como um verbo e da idéia de J.

Bruner566 da mente como um instrumento de construção, um instrumento que,

todavia, usamos para criar significado.

Isso exige um currículo jurídico, não somente percebido numa perspectiva

epistemológica restritiva, ou seja, como “forma de organização de conteúdos,

matérias, disciplinas, módulos e demais componentes curriculares”.

Ao contrário, deve ser concebido como um currículo rico em diversidade,

numa perspectiva multicultural e heurística, assim como a sala de aula, que estimula

a exploração – um passo além da descoberta, para que múltiplos usos e

interpretações e discursos entrem em cena.

Compreendido, assim, num contexto de sistematicidade aberta, como

construção normativa substancial, considerando-se sua perspectiva aberta. Locus de

cultura, valores, princípios, ética, justiça, em que a pluralidade da sua forma de

organização curricular é correlata às formas epistemológicas da discursividade,

sobretudo, da perspectiva da sistematicidade aberta da ciência jurídica.

Nesse sentido, a construção do currículo jurídico supõe certa perspectiva

aberta assumida da área da Filosofia do Direito e da Educação, dado que é da

finalidade e da função do sistema jurídico como um todo e, do qual faz parte

integrante, que lhe é conferido assentimento, direção e, sobretudo, valor.

Sem olvidar, além disso, do sentido da sua própria trajetória dentro do próprio

processo pedagógico. Com efeito, sob o aspecto pedagógico, num sistema

educacional fechado, os objetivos, conteúdos, estratégias são previamente

determinados, de maneira que o ensino é idêntico para todos os alunos, e as

variações em função do contexto são mínimas. Estruturado como processo linear e

acumulativo, o ensino assume a forma de seqüências fixas de instrução.

565

DEWEY, John. How we think. Boston: D. C. Heath, 1933. p. 37. Id. A escola, a sociedade e a criança e o currículo. Lisboa: Relógio d‟Água, 2002. p. 8-40. Com efeito, com essas obras de autoria de Dewey, tivemos a possibilidade de acesso, em razão de pesquisa efetuada junto à Biblioteca da Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (USP).

566BRUNER, J. The process of education. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965. p. 1-76. Id. Actual minds, possible worlds. Cambridge University Press, 1986. p. 10-53.

Page 266: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

265

Em geral, os objetivos no currículo estão definidos em termos de

comportamento observáveis dos alunos, e os conteúdos são organizados em função

das disciplinas tradicionais do conhecimento, sem buscar conexões ou inter-relações

entre eles.

Num sistema fechado, atribui-se também grande importância ao resultado da

aprendizagem, cujo nível é determinado pelos critérios de comportamento que os

objetivos estabelecem. O processo de aprendizagem do aluno se traduz num

processo de hierarquia das seqüências de instrução planejadas. A única

individualização possível do ensino refere-se ao ritmo da aprendizagem, mas os

conteúdos, os objetivos, e a metodologia são inviáveis.567

Sob o aspecto jurídico, cabem aqui as ponderações lastreadas em Claus-

Wilhelm Canaris568, de que o apego ao sistema como ordem teleológica, ou

axiológica, não significa naturalmente apelar a uma ordem imanente e imutável de

valores fechada à história e à cultura.

Assim sendo, um sistema jurídico como ordem axiológica configura-se como

sistema aberto, o que equivale a dizer como um sistema duplamente subordinado:

em primeiro lugar, à reserva de conhecimentos futuros melhores e, em segundo

lugar, à própria mutabilidade histórica da ordem jurídica, incluindo as suas pautas de

valoração determinantes.

De fato, como anteriormente demonstrado aqui, a própria problemática do

conceito de currículo, liga-se, pois, de forma indissociável, à sua construção

histórica, de diferentes tradições educativas, culturais e filosóficas.

Argumenta Eros Roberto Grau569 que “o sistema jurídico é um sistema aberto,

não fechado”. Aberto no sentido de que é incompleto, evolui e se modifica. Sendo

que é preciso considerar que a abertura do sistema científico decorre da

incompletude e da provisoriedade do próprio conhecimento científico.

567

COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, 1997. p. 260.

568CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 66-83.

569GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 23.

Page 267: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

266

Decorre disso, que o sistema curricular é, portanto, dinâmico, suscetível de

aperfeiçoamento. Tal como o Direito que, assim, produto histórico, cultural, está em

contínua evolução.

Disso decorre também que se deve reconhecer não somente o currículo

jurídico, mas também, o próprio Direito como um sistema aberto, o que o transforma

em objeto de um pensar sistemático e, em especial, permite interpretá-lo no contexto

sistêmico, ou seja, sistematicamente.

Por essa perspectiva, o currículo jurídico não deve ser construído somente

pela imposição formal e heterônoma da lei e do Direito, uma vez que se entende que

o currículo jurídico não é apenas veículo para transmitir e organizar conhecimento,

um conjunto estanque e imutável de conteúdos, matérias, disciplinas, mas é,

sobretudo, um veículo para reverberar nossas próprias potencialidades como seres

humanos e agentes do Direito.

Como assevera William E. Doll Jr.570, “o currículo não pode ser uma pista de

corrida, mas sim como uma passagem de transformação pessoal, e a aprendizagem

uma aventura na criação de significados”.

Dentro dessa perspectiva de sistematicidade aberta, considera-se o currículo

jurídico uma possibilidade pedagógica para o aluno criar e recriar a si mesmo, e à

sua cultura.571

Portanto, o currículo jurídico e suas diretrizes devem ser construídos, assim,

além da normatividade que o representa, na condição mediadora da cultura e em

colaboração com a educação e na universidade, sobretudo, em consenso com todos

os agentes educacionais nela envolvidos.

O currículo jurídico deve, pois, constituir-se na própria jornada educativa para

a transformação interior e cultural do educando. Assim sendo, vincula-se o conceito

de currículo não somente à lei, mas também a realidades sociais, filosóficas e

570

DOLL JÚNIOR, William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. XIII.

571Não se trata aqui de um suposto conhecimento universal, patrimônio da humanidade, categoria fluida e contraproducente, quando se trata de dar conta da pluralidade e diversidade de posições e posturas perante as posições e os acontecimentos do mundo. A cultura é considerada neste contexto como o conjunto de traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo, compreendidos aí os aspectos que se podem considerar como o terreno real, sólido, das práticas, representações, línguas e costumes de qualquer sociedade histórica específica, bem como as formas contraditórias de senso comum que se enraízam na vida popular e ajudam a moldá-la.

Page 268: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

267

culturais, tendo em vista que são estas que decidem sobre a possibilidade ou não de

certa organização, mesmo de sua convivência ou inconveniência.

Por outro lado, é preciso considerar que o currículo jurídico, não se elabora do

vazio nem tão pouco se deve organizar de forma arbitrária.

José Sacristán Gimeno572 refere-o como “a seleção cultural estruturada sob

condições psicopedagógicas dessa cultura que se oferece como projeto para a

instituição de ensino”.

Ora, o currículo jurídico é, antes de mais nada, um projeto de escolarização

que reflete a concepção epistemológica e a função cultural da instituição. Seja qual

for a concepção de cultura que se perfilha – pansêmica, metafísica, eclética, seletiva

e de sistema aberto.

Contudo, a construção do currículo perpassa, sem dúvida, por fazer-se na

base de escolhas de conteúdos, que são a condição lógica do ensino e da

educação, porém, nessa escolha não podem ser relegados os valores éticos da

justiça, os princípios educacionais, a Filosofia, e cultura, como projeto de construção

de toda a sociedade.

O currículo é, portanto, uma representação do universo do conhecimento em

que não se deixará de reconhecer, a contribuição da Filosofia da Educação e do

Direito, como as correntes do Idealismo, do Realismo, do Naturalismo, do

Materialismo Histórico, do Intuicionismo, do Pragmatismo, do Humanismo, e

especialmente, no caso do curso de Direito, do Positivismo.

Dentro desse contexto, enquanto algumas correntes filosóficas defendem o

princípio da continuidade, da ordem, da perenidade e da imutabilidade do sistema e

da transformação da cultura, outras, em sentido oposto, defendem a inovação e a

desconstrução e uma nova reconstrução.

Advogando, assim, a educação e a cultura como fator imprescindível no

processo de configuração de sua estrutura, em desenvolvimento, inclusive com o

devir humano. Tudo isso, em prol da mudança para o seu próprio aperfeiçoamento

do sistema e do currículo jurídico.

572

GIMENO, José Sacristán. El curriculum: una reflexión sobre la práctica. Madrid: Morata, 1988. p. 42.

Page 269: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

268

Sob a perspectiva cultural do currículo, enfocam-se, sobretudo, inferências

educativas no currículo jurídico como, por exemplo, a função cultural da instituição

jurídica que pode ser compreendida a partir de diferentes orientações, tais como a

educação jurídica como um fator e agente de mudança.

Nesse sentido, a tarefa do docente no curso de Direito deve capacitar o aluno

para reconhecer situações novas e resolvê-las inteligentemente, convertendo-se

assim a própria instituição de ensino superior, como instituição capaz de

salvaguardar valores que dizem respeito ao fortalecimento ao princípio da Dignidade

da Pessoa Humana, ao respeito ao próximo, ao respeito mútuo.

Currículo jurídico configurado, assim, no respeito ao diálogo, à tolerância, à

pluralidade cultural, à valorização dos diferentes saberes e culturas, ao valor da

justiça, da ética, no respeito ao meio ambiente, à saúde, e, sobretudo, ao respeito da

dignidade da pessoa humana.

Registre-se, nesse sentido, que o Plano Nacional de Educação – PNE,

instituído pela Lei n° 10.172, de 09 de janeiro de 2001573 − uma das bases

normativas mais importantes da educação brasileira, inclui a exigência na

formulação e implantação das diretrizes curriculares nacionais dos cursos e dos

currículos, o estudo dos temas transversais anteriormente apontados.

Põe-se em relevo, nestes termos, o caráter político e a ordem do poder, na

determinação do currículo: não é somente a prescritividade que se materializa no

currículo, porém sua concretude.

Embora não se possa olvidar que o currículo, como já demonstramos,

remonta à Grécia Clássica, dada a prescritividade da educação entre os gregos, a

exemplo da educação espartana, de caráter eminentemente militar, em que, cada

tempo (idade do educando) havia exercícios físicos e intelectuais bem marcados.

Vale dizer, o mesmo para a educação praticada em Atenas, onde o ideal da

Paidéia se realiza prescritivamente. Se considerada a prescritividade como

parâmetro, a Idade Média se caracterizou pela educação e ensino pautados pelo

Trivium e pelo Quatrivium, um currículo disciplinar bem definido.

573

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001.

Page 270: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

269

Ressalta-se, porém, que embora a prescritividade e a normatividade façam

parte integrante do conceito de currículo e das práticas curriculares, ambas

caracterizam apenas um dos aspectos da configuração do currículo jurídico, senão

que diz respeito à sua ontologia, se tido em seu conceito moderno.

No entanto, não se sustenta mais manter um critério curricular universal e um

currículo fechado somente numa prescritividade única. Logo, não se pode acatar o

conceito de currículo com um rol de coisas a serem transmitidas e absorvidas com

passividade.

O currículo jurídico não é terreno restrito somente a exegese da norma

jurídica resolutiva – Resolução n° 9/2004, é, além disso, uma construção de caráter

e finalidade educativo, filosófico e, especialmente, cultural; no qual seus conteúdos,

e elementos, suas diretrizes, funcionam como matéria-prima de sua criação,

recriação e, por via de conseqüência, de questionamento dessas diretrizes, quer

pela via da contestação ou também pela via crítica da sua desconstrução.

A dinâmica curricular deve fundamentar-se na condição de sua natureza

epistemológica de caráter aberto.

Não se pode impor, todavia, um sentido monolítico, formal e fechado de

currículo, cuja concepção inadequada, tantas vezes incorpora os legisladores,

doutrinadores, professores, mantenedores de instituição de ensino e os próprios

professores na prática do ensino jurídico.

A concepção dinâmica de perspectiva epistemológica aberta de currículo se

revela, por exemplo, quando se pensam conjuntamente currículo, direito, educação,

filosofia, sociedade e cultura.

Por tudo isso, o currículo jurídico não se restringe, tão somente, a um

conceito meramente formal ou organizacional, como quer fazer crer Horácio

Wanderlei Rodrigues.574

Consta-se, portanto, além da lei, envolvidos em sua construção, filosofias,

escolhas, comportamentos, valores, especialmente da cultura, a par, ainda, das

574

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 199.

Page 271: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

270

finalidades, intenções e fundamentos filosóficos educativos do currículo, como já

fartamente foi aqui demonstrado no capítulo I do presente trabalho.

3.3 Evolução Histórica da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico no

Ordenamento Jurídico Brasileiro

3.3.1 Configuração do “currículo único” (1827-1961)

Ao promover uma breve incursão histórica, a fim de identificar a configuração

estrutural dos currículos jurídicos, com repercussão no ensino jurídico brasileiro até

os dias atuais, constata-se que os primeiros cursos de Direito no Brasil, de 1827 a

1961, apresentavam um currículo único, pré-determinado, rígido, válido, porém, em

âmbito nacional e imposto de forma heterônoma pelo Estado.575

A configuração do currículo jurídico desta época576 constituía-se em nove

cadeiras (cathedra), a ser cumprido em cinco anos, e refletia, todavia, os aspectos

políticos e ideológicos do Império, com forte influência do Direito Natural e do Direito

Público Eclesiástico.

Nota-se, no entanto, que até a Proclamação da República, só foi possível

uma única alteração curricular, conferida em 1854, com a inclusão na grade

curricular das cadeiras de Direito Romano e do Direito Administrativo.

575

Para elaboração deste capítulo, acerca de uma breve incursão histórica sobre a configuração do currículo jurídico brasileiro, foram pesquisadas especialmente as obras de BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. Assim como as fontes primárias, leis e documentos históricos especificamente sobre legislação educacional das épocas analisadas, e especialmente: BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2004. Seção I, p. 24.

576Aurélio Wander Bastos em obra clássica O ensino jurídico no Brasil, fruto de sua tese de livre-docência defendida na Universidade Gama Filho, em abril de 1995, ao analisar a configuração histórica do currículo jurídico, indica inclusive, relativamente a configuração do currículo jurídico, no período histórico do Império qual era o programa a ser cumprido em cada cadeira oferecida, bem como, a extensa bibliografia a ser devidamente observada na ministração das disciplinas do curso de Direito. Veja-se a esse respeito a obra de BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 35-79.

Page 272: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

271

Pode-se afirmar que durante o Império, com a inclusão das duas cadeiras

anteriormente citadas, o curso de Direito apresentava-se sob uma estrutura de

“currículo único”, e obedecia rigidamente a seguinte configuração577:

Quadro 7 – Configuração estrutural do currículo único do curso jurídico no Império

1º Ano 1ª cadeira: Direito Natural, Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, Diplomacia. 2º Ano 1ª cadeira: Continuação das matérias do ano antecedente. 2ª cadeira: Direito Público Eclesiástico. 3º Ano

1ª cadeira: Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira: Direito Pátrio Criminal com Teoria do Processo Criminal. 4º Ano

1ª cadeira: Continuação do Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira: Direito Mercantil e Marítimo. 5º Ano

1ª cadeira: Economia Política. 2ª cadeira: Teoria e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.

Conforme aponta Horácio Wanderlei Rodrigues578, o ensino do Direito, e por

via de conseqüência, o currículo jurídico no Império se caracterizou por:

a) ter sido totalmente controlado pelo governo central (recursos, currículos,

metodologia, nomeação de professores, definição de programas);

b) ter sido o jusnaturalismo a doutrina dominante, até o período em que

foram introduzidos no Brasil o evolucionismo e o positivismo (década de

1870);

c) adotar exclusivamente a metodologia das “aulas-conferência”, semelhante

às de Coimbra;

d) ter sido o local de formação dos filhos das elites econômicas, que

ocupariam altos cargos políticos;

e) não acompanhar as mudanças sociais.

577

Cf. Carta de Lei nº 1.827, de 11 de agosto de 1827 – conhecida como “Lei de criação dos cursos jurídicos no Brasil”, promulgada com a rubrica do Imperador Pedro I e assinada José Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo. Veja-se registro na Chancellaria-mór do Império do Brazil às fls. 83 do Livro 1º de Cartas, Leis e Alvarás. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. p. 5-7.

578RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 10.

Page 273: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

272

A República Velha (1889 a 1930) marca o início de uma alteração sociológica

fundamental: novas classes sociais, essencialmente, a classe média, chegam ao

ensino jurídico. O novo aluno não dispõe de recursos fáceis, como a mesada

paterna, e precisa trabalhar para se manter durante o curso.

Gradativamente, o diploma de bacharel em Direito perde a certeza da futura

boa colocação profissional: para o Estado nacional, já consolidado, ele não mais se

faz imprescindível. Ao mesmo tempo, este bacharel depara-se com um mercado

interno ainda pouco desenvolvido, sem grandes perspectivas para a advocacia

autônoma.

Horácio Wanderlei Rodrigues579 menciona que continuou havendo uma

desvinculação entre o ensino e a realidade social. Contudo, aponta algumas

modificações da estrutura curricular republicanas, quais sejam:

a) alteração no currículo dos cursos, buscando uma profissionalização maior;

b) influência decisiva do positivismo na concepção de Direito e no seu

ensino;

c) surgimento de novas faculdades de Direito;

d) início de discussões sobre a metodologia de ensino.

Em 1931, ocorre a reforma Francisco Campos, que buscou dar ao curso de

Direito caráter mais nitidamente profissionalizante. Inaugura-se um novo período

para o ensino jurídico: objetiva-se formar o operador técnico.

O Direito passa a ser visto como uma ordem coativa emanada da autoridade

estatal e constituída por um conjunto hierárquico de normas. Torna-se mera técnica

destinada a organizar, orientar e induzir as interações sociais.

Segundo José Eduardo Faria580:

Ao reduzir o Direito a um simples sistema de normas, o qual se limita a dar sentido jurídico aos fatos sociais à medida que estes são enquadrados no esquema normativo vigente, esta concepção torna desnecessário o questionamento dos dogmas. Ou seja, despreza a discussão relativa à função social das leis e dos códigos, valorizando exclusivamente seus aspectos técnicos e procedimentais.

579

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 61-63.

580FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987. p. 28-29.

Page 274: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

273

Com a Proclamação da República, algumas poucas alterações na

configuração do currículo jurídico foram realizadas, todas elas decorrentes, no

entanto, das modificações surgidas no campo da ciência, especialmente sob a

influência da corrente filosófica do Positivismo.

Esse entendimento é corroborado por Horácio Wanderlei Rodrigues581

quando afirma que “essas mudanças, introduzidas com a queda do império,

demonstram também as modificações políticas e epistemológicas que advinham

principalmente da aceitação da orientação positivista”.

Em 1890, foi extinta a cadeira de Direito Eclesiástico, devido à desvinculação

entre Estado e Igreja, não havia mais religião de Estado desde o Decreto nº 119-A,

de janeiro de 1890, e o art. 72, parágrafo 7º, da Constituição de 1891582, proibia

relações especiais do Estado com qualquer culto ou Igreja.

Era uma República laica, que precisava de uma teoria do Direito laica,

distante do Direito Natural que tomar ares semi-religiosos. Os tempos eram de

predomínio da História Natural e da Filosofia Evolucionista de Herbert Spencer.

O contato com a Biologia, ou História Natural, levava a explicar muitas coisas

pela “raça”: o presidencialismo só funcionava bem nos Estados Unidos por causa da

“raça americana”.583

Seria preciso esperar os anos 30 para que uma nova geração de intelectuais

(Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Vianna, Caio Prado Jr.)

começasse a explicar o Brasil de modo diferente para que fosse modificado o

paradigma curricular do ensino jurídico.

Nessa época, ainda, foram criadas também as cadeiras de Filosofia e História

do Direito e de Legislação Comparada sobre o Direito Privado, até que adveio, já no

Período Republicano, a Lei nº 314, de 30/10/1895584, que fixou um novo currículo

para os cursos de Direito, configurado pela seguinte estrutura curricular:

581

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 62.

582Veja-se a esse propósito os comentários de Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB, 2002. cap. VII, p. 211-254; cap. VIII, p. 255-280.

583Conforme aponta José Reinaldo de Lima Lopes. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. São Paulo: Atlas, 2008. p. 346.

584BRASIL. Lei nº 314, de 30 de outubro de 1895 (Reorganiza o Ensino das Faculdades de Direito). Coleção das Leis do Brasil. Publicada na imprensa nacional em 31 dez. 1985. p. 001.000031.1.

Page 275: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

274

Quadro 8 – Configuração estrutural do currículo jurídico na República

1º Ano

1ª cadeira: Filosofia do Direito. 2ª cadeira: Direito Romano. 3ª cadeira: Direito Público Constitucional. 2º Ano

1ª cadeira: Direito Civil. 2ª cadeira: Direito Criminal. 3ª cadeira: Direito Internacional Público e Diplomacia. 4ª cadeira: Economia Política. 3º Ano

1ª cadeira: Direito Civil. 2ª cadeira: Direito Criminal, especialmente, Direito Militar e Regime Penitenciário. 3ª cadeira: Ciências das Finanças e Contabilidade do Estado. 4ª cadeira: Direito Comercial. 4º Ano

1ª cadeira: Direito Civil. 2ª cadeira: Direito Comercial (especialmente Direito Marítimo, Falência e Liquidação Judiciária). 3ª cadeira: Teoria do Processo Civil, Comercial e Criminal. 4ª cadeira: Medicina Pública. 5º Ano

1ª cadeira: Prática Forense. 2ª cadeira: Ciência da Administração e Direito Administrativo. 3ª cadeira: História do Direito e, especialmente, do Direito Nacional. 4ª cadeira: Legislação Comparada sobre Direito Privado.

Percebe-se que esse segundo paradigma curricular é, com efeito, mais

abrangente que o primeiro, embora buscando uma maior profissionalização dos

egressos dos cursos de Direito.

Nota-se, contudo, além da exclusão da cadeira de Direito Eclesiástico, a

exclusão da cadeira de Direito Natural, fruto da influência positivista no movimento

republicano.585

Depreende-se, no entanto, que das configurações apresentadas pelo

ordenamento jurídico legal à época vigentes, revelam, que os currículos do curso de

Direito, esteve não só durante o Império, mas também, durante o período

Republicano, sob forte e incondicional controle político e ideológico, com poucas

alterações, o que explica a enraizada resistência a mudanças, somente incentiva a

partir de 1962, com a implantação do primeiro “currículo mínimo nacional”, para o

curso de Direito.

585

Veja-se a esse propósito comentário de Horácio Wanderlei Rodrigues. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 63.

Page 276: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

275

3.3.2 Configuração do “currículo mínimo” (1962-1995)

A configuração do currículo jurídico mantém-se com mesmo núcleo do

período histórico anterior, até que em 1962, o então Conselho Federal de

Educação586 avançou da concepção, até então, vigente de “currículo único” de

matriz rígida, pré-estabelecido, inalterado e uniforme, para todos os cursos, para a

concepção de “currículo mínimo” para os cursos de graduação no Brasil, incluindo-

se, portanto, o bacharelado em Direito, na forma e sob as competências da 1ª Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 4.024/61.587

Sob a égide da LDB 4.024/61, o Conselho Federal de Educação, criado pela

citada lei, em substituição ao até então existente Conselho Nacional de Educação,

emitiu o Parecer nº 215588, aprovado por aquele Conselho em 15/9/62, propondo um

“currículo mínimo” de Direito, bacharelado, com duração de cinco anos, a ser

implantado a partir do ano letivo de 1963, constituído pela seguinte matriz curricular:

Quadro 9 – Configuração estrutural do currículo mínimo (1962)

Introdução à Ciência do Direito

Direito Civil

Direito Comercial

Direito Judiciário (com prática forense)

Direito Internacional Privado

Direito Constitucional (incluindo noções de Teoria do Estado)

Direito Internacional Público

Direito Administrativo

Direito do Trabalho

Direito Penal

Medicina Legal

Direito Judiciário Penal (com prática forense)

Direito Financeiro e Finanças

Economia Política

586

Importante salientar que o Conselho Federal de Educação (CFE) foi extinto no governo de Itamar Franco, durante a pasta do Ministro Murílio de Avellar Hingel, em 18 de outubro de 1994, pela Medida Provisória nº 661, de 18 de outubro de 1994, publicada no DOU de 19.10.94, Seção I, p. 15.799, e que transformou o extinto Conselho Federal de Educação em Conselho Nacional de Educação, cujas atribuições legais são conferidas, atualmente, por força Lei nº 9.131 de 24.11.1995.

587BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961. Col. 1, p. 0011429.

588BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.

Page 277: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

276

Esses instrumentos normativos revelam a concepção dos cursos em cada

época, como também ocorrera antes de 1961, quando ainda em funcionamento o

então Conselho Nacional de Educação, transformado, a partir da Lei nº 4.024/61, em

Conselho Federal de Educação.

O estudo comparado, dos marcos legais à época vigentes, incluindo o

advento da 1ª LDB – lei nº 4.024/61, revela que embora “currículo mínimo nacional”

e a “duração do curso” ainda significassem dificuldades para as alterações

curriculares, as normas decorrentes da nova LDB, ao tempo em que instituíram

“currículo mínimo”, ensejavam por seu turno, que as instituições de ensino

elaborassem seus respectivos “currículos plenos”, como forma de se adaptarem aos

novos reclamos regionais, sociais, econômicos e culturais da sociedade, o que de

fato, faz revelar uma certa flexibilidade curricular, ainda que mantida fixa a duração

de 5 anos para o curso de Direito.

Em 1962, pela primeira vez, o então Conselho Federal de Educação (CFE)

estabelece o currículo mínimo, substituindo o currículo pleno até então vigente.

Assim é o Parecer nº 215/1962589, que contém o primeiro “currículo mínimo”

do curso jurídico, no Brasil, em substituição ao “currículo único”, e referencial para a

elaboração de “currículo pleno” em cada instituição, que foi homologado pelo então

Ministro de Educação e Cultura, o saudoso Prof. Darcy Ribeiro, nos termos da

Portaria Ministerial de 4/12/1962.590

Ao analisar a configuração desse paradigma curricular o Conselheiro do CNE,

Relator Edson de Oliveira Nunes591 assevera que a instituição desse novo modelo

era um estímulo para que

As instituições de ensino superior tivessem mais liberdade, porque a elas incumbia a formalização e operacionalização do seu “currículo pleno”. Ainda assim, o currículo de Direito se manteve rígido, com ênfase bastante tecnicista, sem a preocupação maior com a formação da consciência e do fenômeno jurídicos, não se preocupando com os aspectos humanistas,

589

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.

590BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.

591BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2004. p. 24.

Page 278: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

277

políticos, culturais e sociais, mantendo-se, assim, o citado tecnicismo, próprio do início e de boa parte do período republicano anterior.

Após o golpe militar de 1964, a tendência de profissionalização dos cursos de

Direito se acentua. As faculdades transmitem aos alunos informações genéricas e

presas à legislação, produzindo um conhecimento desarticulado da sociedade e

pouco sistematizado, incapaz de oferecer respostas satisfatórias para a

compreensão do ambiente e de preparar profissionalmente o bacharel.592

Em 1968, o art. 26 da lei nº 5.540/68593 determina que:

O Conselho Federal de Educação fixará o “currículo mínimo” e a duração mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional.

Até o início da década de 1970, período do “milagre econômico”, quando a

economia brasileira apresentou crescimento aumentando as oportunidades de

trabalho, houve absorção ao mercado de trabalho do bacharel, e o descompasso

não foi sentido. Em virtude disso, cresceu, de modo significativo, o número de

faculdades de Direito, ampliando ainda mais o acesso a elas pela classe média.

Somente no final da década, quando outras profissões de nível superior passaram a

competir com o profissional formado em Direito, e a economia deu sinais de crise, as

deficiências da formação em Direito foram sentidas de modo mais crônico.

Embora, nos anos 70, tenham sido realizadas mudanças curriculares que

introduziram um ciclo básico ao currículo jurídico, contendo disciplinas vinculadas às

Ciências Sociais, a incapacidade não só de integrar as categorias sociais e métodos

desse campo de conhecimento para melhor análise do jurídico, como também, a

presença dessas matérias apresentou uma dissociação com o curso de Direito como

um todo.594

Em 1972, é introduzido o novo currículo mínimo − que vigora até 1994 − e o

estágio supervisionado torna-se obrigatório. No mesmo ano, o Conselho Federal de

592

FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987. p. 244.

593BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.4, p. 010369.

594Cf. RIBAS, José. Desafios e prioridades para a reforma do ensino jurídico. In: OAB. Conselho Federal do ensino jurídico: diagnósticos, perspectivas, propostas. Brasília: OAB, 1996. p. 177-191.

Page 279: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

278

Educação, institui a Resolução nº 3/72595, que fixa o currículo mínimo nacional do

curso de graduação em Direito, constituído pela seguinte configuração curricular

estrutural:

Quadro 10 – Configuração estrutural do currículo mínimo nacional (1972-1994)

A. Básicas:

Introdução ao Estudo do Direito;

Economia;

Sociologia.

B. Profissionais:

Direito Constitucional (Teoria do Estado − Sistema Constitucional Brasileiro)

Direito Civil (Parte Geral − Obrigações − Parte Geral e Parte Especial − Coisas − Família − Sucessão)

Direito Penal (Parte Geral − Parte Especial)

Direito Comercial (Comerciantes − Sociedades − Títulos de Crédito − Contratos Mercantis e Falências)

Direito do Trabalho (relação do Trabalho − Contrato de Trabalho − Processo Trabalhista)

Direito Administrativo (Poderes Administrativos − Atos e Contratos Administrativos − Controle de Administração Pública − Função Pública)

Direito Processual Civil (Teoria Geral − Organização Judiciária − Ações − Recursos − Execuções)

Direito Processual Penal (Tipo de Procedimento − Recursos − Execução)

Prática Forense, sob a forma de estágio supervisionado

Estudo de Problemas Brasileiros e a prática de Educação Física, com predominância desportiva, de acordo com a legislação específica

Duas opcionais dentre as seguintes:

a) Direito Internacional Público

b) Direito Internacional Privado

c) Ciências das Finanças e Direito Financeiro (Tributário e Fiscal)

d) Direito da Navegação (Marinha e Aeronáutica)

e) Direito Romano

f) Direito Agrário

g) Direito Previdenciário

h) Medicina Legal

Em 1994, é publicada a Portaria nº 1.886/94, tornando as atividades

complementares obrigatórias e introduzindo o Trabalho de Conclusão de Curso

(TCC).

Para o entendimento das configurações curriculares do curso de Direito, ora

apontadas, é preciso assim, analisar a lei nº 314/1895596, a lei nº 4.024/61597 e a lei

595

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Resolução nº 3/72. Documenta (140): 566, jul. 1972. Diário Oficial da União, 26 jul.1972. Seção 1, PT. 1, p. 6.623.

Page 280: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

279

nº 5.540/68598, bem como o instituído pela atual LDB nº 9.394/96. Ainda, é preciso

considerar os respectivos pareceres normativos do Conselho de Educação, como

forma de cotejar com o que se preconiza para a fixação das Diretrizes Curriculares

Nacionais do curso de graduação, em Direito, à luz da nova ordem jurídica

educacional brasileira.

Percebe-se por essa estrutura que o currículo então vigente para o curso de

Direito compreendia matérias consideradas básicas e profissionais, incluindo-se

nestas a matéria de Prática Forense, sob a forma de estágio supervisionado.

3.3.3 Configuração do “currículo mínimo nacional” (1980-1990)

Posteriormente ao “currículo mínimo nacional” fixado pela Resolução CFE n°

3/72599, foi constituída pelo MEC, sob critério da representação regional, uma

Comissão de Especialistas de Ensino Jurídico, em 1980, com a finalidade de refletir

com profundidade a organização e o funcionamento dos cursos de Direito no país.

Em busca da qualidade do ensino jurídico, a referida Comissão apresenta

uma proposta de alteração do currículo implantado pela Resolução do extinto

Conselho Federal de Educação - CFE n° 3/72, que segundo Paulo Luiz Neto

Lobo600, encontrava-se desatualizada e insuficiente.

Essa proposta, contudo, não contemplava as necessárias mudanças

estruturais que resolvessem os problemas em torno do ensino jurídico no Brasil.

Pois, fundamentada, ainda, em concepções filosóficas baseadas unicamente num

legalismo positivista e tecnicismo, exclusivamente, formal, pouco comprometidas

com a formação educacional, de uma consciência e raciocínio jurídico. E, por isso

mesmo, incapazes de situar o profissional do Direito, com desempenhos eficientes e

596

BRASIL. Lei nº 314, de 30 de outubro de 1895 (Reorganiza o Ensino das Faculdades de Direito). Coleção das Leis do Brasil. Publicada na imprensa nacional em 31 dez. 1985. p. 001.000031.1.

597BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961. Col. 1, p. 0011429.

598BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.4, p. 010369.

599BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Resolução nº 3/72. Documenta (140): 566, jul. 1972. Diário Oficial da União, 26 jul.1972. Seção 1, PT. 1, p. 6.623.

600LOBO, Paulo Luiz Netto. O novo conteúdo mínino dos cursos jurídicos. In: OAB – Conselho Federal. Ensino Jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. p. 9.

Page 281: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

280

adequados perante as situações sociais, econômicas, políticas e culturais, à época

emergentes.

De qualquer modo, vale registrar aqui, o modelo de configuração curricular

proposta por essa Comissão de Especialistas de Ensino Jurídico, constituída em

1980, pelo MEC, e configurada por quatro grupos de matérias, como a seguir se

apresenta:

Quadro 11 – Proposta de configuração estrutural do currículo mínimo nacional – MEC (1980)

1. Matérias Básicas

Introdução à Ciência do Direito

Sociologia Geral

Economia

Introdução à Ciência Política

Teoria da Administração

2. Matérias de Formação Geral

Teoria Geral do Direito

Sociologia Jurídica

Filosofia do Direito

Hermenêutica Jurídica

Teoria Geral do Estado

3. Matérias de Formação Profissional

Direito Constitucional

Direito Civil

Direito Penal

Direito Comercial

Direito Administrativo

Direito Internacional

Direito Financeiro e Tributário

Direito do Trabalho e Previdenciário

Direito Processual Civil

Direito Processual Penal

4. Matérias Direcionadas a Habilitações Específicas

Essa proposta de matriz curricular, contudo, não foi objeto de análise pelo

Conselho Federal de Educação, nem no MEC, sobretudo, porque, a Resolução n°

3/72, apesar de enfeixar um currículo mínimo nacional, permitia às instituições de

ensino certo grau de autonomia para definirem seus currículos plenos, desde que

fossem respeitados aqueles mínimos curriculares contidos na Resolução.

Page 282: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

281

Esta situação perdurou até 1996, prorrogada para 1998, com a implantação

das “diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico”, de âmbito

nacional, fixados pela Portaria n° 1.886/94.

O disposto no art. 15 daquele ato concedia o prazo de dois anos, contados

daquela data, para o seu cumprimento, revogando, em seu art. 17, as disposições

em contrário, especialmente as Resoluções n° 3/72 e 15/73, do extinto Conselho

Federal de Educação, embora a Resolução n° 15/73, que tratava da Prática Forense

e Organização Judiciária, já se encontrasse revogada com o advento da Lei n°

8.906/94 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Assim, a partir da lei n° 8.906/94601, que trata do Estatuto da OAB, passa-se a

vislumbrar, contudo, uma maior presença da OAB na fiscalização do ensino jurídico

e das políticas curriculares do curso de Direito.

Com efeito, a lei n° 8.906 de 4 de julho de 1994, estabelece poderes ao

Conselho Federal em relação aos cursos jurídicos.

Diz o art. 54, inciso XV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil:

Colaborar como o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para a criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos.

Além desse fundamento legal, a OAB tem claro que lhe são atribuídas

competências que ultrapassam os limites da fiscalização da atividade profissional,

entendendo, com base na referida lei, em conformidade com o art. 44, inciso I, que

lhe incumbe o papel de “aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

No entanto, há quem defenda a tese de que não é cabível a presença da OAB

de forma interveniente dentro das IES, e, por via de conseqüência, da fiscalização

da política curricular do ensino jurídico, posto que o curso de graduação jurídico não

forma advogados, mas sim bacharéis em Direito.

Nesse sentido registre-se, por exemplo, o documento de trabalho nº 55, de

maio de 2006, do Observatório Universitário, de autoria do Prof. Edson Nunes, cujo

teor afirma que de cada 100 alunos de Direito, apenas 44, 99% exercem a

601

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. (EOAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 jul. 1994.

Page 283: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

282

advocacia, 2,32% optam pela Magistratura, pelas Procuradorias, pelo Ministério

Público e por serem Delegados de Polícia.

O restante dos 48%, segundo Nunes, encontram-se em outras atividades,

bem distintas como dirigentes de empresas ou corretores de imóveis.

De qualquer maneira, a partir da lei n° 8.906/94602, passa-se efetivamente a

vislumbrar maior presença da OAB no ensino jurídico, que tem seu ápice,

justamente, na elaboração da configuração do Parecer n° 146/2002603, que veio

efetivamente a substituir o “currículo mínimo” da Portaria MEC n° 1.886/94 por uma

incipiente configuração das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o

curso de Direito, como se verá a seguir.

3.3.4 Configuração do currículo de “conteúdo mínimo do curso jurídico” (1994-

2002)

Em 1994, foi instituída a Portaria MEC n° 1.886, de 30 de dezembro de

1994604, do governo Itamar Franco, que trouxe algumas inovações e avanços ao

currículo do curso de Direito, especialmente pelo seu direcionamento à realidade

social e integração dos conteúdos com as atividades, conferindo relativa dimensão

teórico-prática ao currículo jurídico.

602

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (EOAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 jul. 1994.

603BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 146/2002, aprovado em 3 de abril de 2003. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Direito, Ciências Econômicas, Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design. Revogado pelo parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 mar. 2003. Seção 1, p. 15. Registre-se, ainda, que, no ano de 2002, no âmbito deste texto normativo - Parecer CNE/CES nº 146/2002, o Conselho Federal da OAB impetrou Mandado de Segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça - STJ, contra a homologação do referido parecer e a edição da Resolução, do CNE que o acompanhava. Nele, a OAB sustentava que o texto do Parecer nº 146/2002 impugnado bem como a Resolução que o seguia, continha “lacônica e omissa regulamentação, que não indicava quais as matérias mínimas e elementares que o curso de Direito deverá ter, no que concerne à profissionalização, limitando-se a fixar as matérias do básico”... (Cf. Mandado de Segurança nº 8.592/DF, cujo Ministro Relator Ministro Franciulli Netto, concedeu a segurança).

604BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan.1995. Seção I, p. 238.

Page 284: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

283

O processo de formulação da Portaria MEC nº 1.886 teria a fundamentação

legal a extinção do Conselho Federal de Educação pela MP nº 661/94605, em seu art.

4º que daria ao MEC, após a extinção dos mandatos dos membros do CFE, o

exercício até 30 de abril de 1995, das atribuições do CNE, criado naquele ato.

O seu texto final foi elaborado pela Comissão de Especialistas do Ensino do

Direito da Secretaria de Educação Superior (SESu-MEC), deliberando-se o que ficou

definido em seminários regionais nas cidades de Porto Alegre, Recife e São Paulo,

após a ouvida de diversos profissionais ligados ao ensino do Direito, e por fim, após

realização do Seminário Nacional dos Cursos Jurídicos, realizado nos dias 6 e 7 de

dezembro de 1993, em Brasília.

Esse seminário teve como ponto de partida as conclusões e propostas tiradas

nos três encontros regionais, anteriormente realizados, e para ele foram convidados

todos os cursos de Direito e respectivos Centros Acadêmicos do país, além de

outras instituições representativas da área educacional e da área jurídica em geral.

As propostas e conclusões desses seminários foram agrupadas em três

grandes grupos: a) elevação de qualidade, b) avaliação interna e externa, c) reforma

dos currículos.

Registre-se que a Portaria MEC nº 1.886, teve uma grande aceitação do meio

acadêmico.

Para Aloysio Ferraz Pereira606 a referida Portaria representava um

incontestável avanço político:

Eis aí o caminho que sabiamente a portaria elegeu para libertar o nosso Direito do empirismo, da improvisação, do imobilismo, da ignorância e dos interesses criados em benefício das elites retrógradas, com sua tradicional clientela de bacharéis. Essa lei (sic) é uma rara oportunidade de contribuir para a trágica e histórica inércia de uma sociedade nacional de desigualdades e injustiças.

Já para o Conselho Nacional de Educação - CNE607,

605

O Conselho Federal de Educação (CFE) foi extinto no governo de Itamar Franco, durante a pasta do Ministro Murílio de Avellar Hingel, em 18 de outubro de 1994, pela Medida Provisória nº 661, de 18 de outubro de 1994, publicada no Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 out. 1994. Seção I, p. 15.799, e que transformou o extinto Conselho Federal de Educação em Conselho Nacional de Educação, cujas atribuições legais são conferidas atualmente, por força da lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995.

606PEREIRA, Aloysio Ferraz. Reforma curricular: perfumarias fundamentais. Revista de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Piracicaba, Piracicaba, v. 9, n. 20, p. 14, 2005.

Page 285: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

284

O modelo de currículo mínimo implicava elevado detalhamento de disciplinas e cargas horárias a serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena de não ser reconhecido o curso, ou até não ser autorizado quando de sua proposição, o que proibia as instituições de inovar projetos pedagógicos, na concepção dos cursos existentes, para atenderem às exigências de diferentes ordens.

A Portaria MEC nº 1.886/94, de 30 de dezembro de 1994608, embora fixe no

corpo do seu texto normativo, pela primeira vez a expressão “diretrizes curriculares”,

os membros da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, acabaram por corroborar a

tese de que o referido ato normativo fixava, na verdade, um “currículo mínimo” para

o curso jurídico mesmo que tratasse em sua ementa de duas concepções distintas

de currículos, expressas no próprio ato normativo.

Essas evidências são extraídas das obras clássicas em matéria curricular,

publicadas pela OAB: OAB - Ensino Jurídico: parâmetros para a elevação de

qualidade e avaliação609, e OAB – Ensino Jurídico: diagnóstico, perspectivas e

propostas.610

É o caso, por exemplo, das considerações ali traçadas por Paulo Luiz Neto

Lobo, João Maurício Adeodato e Aurélio Wander Bastos, que referem-se,

usualmente, a Portaria MEC n° 1.886/94, como: “currículo mínimo” ou “novo

currículo mínimo”.

Ocorre que a MP n° 661/94, que extinguiu o CFE, dando nova redação ao art.

9, não incluiu, dentre as competências do novo CNE aquela para fixar o currículo

mínimo dos cursos superiores.

607

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 146/2002, aprovado em 3 de abril de 2003. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Direito, Ciências Econômicas, Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design. Revogado pelo parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 mar. 2003. Seção 1, p. 15.

608O texto da Portaria MEC nº 1.886/94, de 30 de dezembro de 1994, publicada no Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan.1995, é o seguinte: “Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico”.

609CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB - Ensino Jurídico: parâmetros para a elevação de qualidade e avaliação. Brasília: Conselho Federal da OAB, 1996. p. 3-145.

610CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB - Ensino Jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas. Brasília: Conselho Federal da OAB, 1996. p. 3-316.

Page 286: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

285

Tal competência só veio a surgir com a lei nº 9.131/95611 ao tratar das

atribuições da Câmara de Educação Superior (CES), do CNE, estabeleceu:

Art. 9º. As Câmaras emitirão pareceres e decidiram, privativa e autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o caso, recurso ao Conselho Pleno.

§ 2º. São atribuições da Câmara de Educação Superior:

c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto, para cursos de graduação.

Entende-se assim, que a Portaria em apreço para ter sua eficácia jurídica,

deveria ter recebido a avaliação do novo CNE.

Sua fundamentação jurídica basea-se na MP n° 765/94612 que determinou:

O Ministério de Estado da Educação e do Desporto, no uso das atribuições do Conselho Nacional de Educação, na forma do art. 4 da Medida Provisória n° 765 de 16 de dezembro de 1994, e considerando o que foi recomendado nos Seminários Regionais e Nacional dos Cursos Jurídicos, e pela Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, da SESu/MEC, resolve...

Esse também foi o entendimento de Aurélio Wander Bastos, à época membro

da Comissão de Ensino Jurídico.613

Por outro lado, segundo aponta Inácio Feitosa Neto614, a partir de 1995,

começam a surgir desentendimentos entre o MEC e a OAB, em relação às diretrizes

curriculares do curso de Direito.

É necessário que se diga, no entanto, que a Portaria MEC n° 1.886/94,

ensejou, uma incipiente formação do senso crítico relativamente aos alunos, pois

contemplou maior flexibilidade na composição do currículo pleno, através de

disciplinas optativas e diferentes atividades de estudos e de aprofundamento em

áreas temáticas.

Dentre os avanços, poder-se-á citar a concepção do estágio curricular

supervisionado como Prática Jurídica e não simplesmente como Prática Forense; a

manutenção da flexibilidade curricular, ensejando também que as instituições de

611

BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção I, p. 19.257.

612Trata-se da MP nº 661/94, que fora reeditada.

613BASTOS, Aurélio Wander. O novo currículo e as tendências do ensino jurídico no Brasil. In: OAB. Ensino jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. p.127-128.

614FEITOSA NETO, Inácio José. O ensino jurídico brasileiro: uma análise dos discursos do MEC e da OAB. Recife: Faculdade Maurício de Nassau; Êxito Educacional, 2007. p. 73.

Page 287: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

286

ensino adequassem seus currículos plenos às demandas e peculiaridades do

mercado de trabalho e das realidades locais e regionais, ainda com a

obrigatoriedade das atividades integradas das funções ensino, pesquisa e extensão.

A Portaria MEC n° 1.886/94, fixou assim um “currículo mínimo nacional do

curso jurídico”, com duração de, no mínimo, 3.300 (três mil e trezentas) horas de

atividades, integralizáveis em, pelo menos cinco anos, ampliando-se desta forma a

carga horária mínima de 2.700 (duas mil e setecentas) em cotejo com a Resolução

CFE n° 3/72, para 3.300 (três mil e trezentas) horas/atividades.

Majorando, portanto, a duração mínima de quatro para cinco anos e a máxima

de sete para oito anos, parâmetros esses, dentro dos quais permitiu que cada

instituição tivesse a liberdade de estabelecer a carga horária curricular e sua

duração, para os controles acadêmicos relativos à sua integralização.

À semelhança dos atos normativos anteriores, a Portaria Ministerial n°

1.886/94, também estabeleceu, em seu art. 6º, “o conteúdo mínimo do curso jurídico,

além do estágio”, compreendendo as seguintes matérias, detalhadas e nominadas,

“que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada

curso”, que foram distribuídas em dois grupos, a saber:

Quadro 12 - Configuração estrutural do conteúdo mínimo do curso jurídico – Portaria MEC n° 1.886/94

I. Matérias Fundamentais

Introdução ao Direito

Filosofia (Geral e Jurídica)

Ética (Geral e Profissional)

Sociologia (Geral e Jurídica)

Economia

Ciência Política (com Teoria do Estado)

II. Matérias Profissionalizantes

Direito Constitucional

Direito Civil

Direito Administrativo

Direito Tributário

Direito Penal

Direito Processual Civil

Direito Processual Penal

Direito do Trabalho

Direito Comercial

Direito Internacional

Page 288: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

287

Verifica-se pela configuração, ora apresentada, que a Portaria analisada

trouxe algumas novidades de ordem curricular e pedagógica. Criando, assim, duas

espécies de matérias no currículo jurídico:

1) as matérias fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia, Sociologia,

Economia e Ciência Política; e

2) as de cunho profissionalizantes ou jurídicas: Direito Constitucional, Civil,

Administrativo, Tributário, Penal, Processual Civil, Processual Penal,

Trabalho, Comercial e Internacional.

Registre-se, ainda, que a Portaria n° 1.886/94 estabelecia que as demais

matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas em que se desdobrar o

currículo pleno de cada curso, de acordo com as peculiaridades e com a

observância da interdisciplinariedade.

Além desses conteúdos, exigiu também a prática de Educação Física com

predominância desportiva (art. 7º), e permitiu que o curso, a partir do quarto ano ou

do período letivo correspondente, desde que respeitado o conteúdo mínimo nacional

contido no art. 6º transcrito, se direcionasse a “uma ou mais áreas de especialização

segundo as vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho” (art. 8º),

retoma assim o que se concebia com as “habilitações específicas” nos atos

normativos anteriores.

Com relação ao Núcleo de Prática Jurídica, dispunha a Portaria MEC n°

1.886/94:

a) será coordenado por professores do curso (impedindo, nesse sentido, a

utilização de outros profissionais da área jurídica que não sejam docentes,

resgatando a dignidade profissional do magistério;

b) deverá funcionar em instalações adequadas, exigindo-se, portanto, a

criação de Laboratórios de Prática Jurídica. Os Laboratórios deveriam

estar estruturados para o atendimento ao público e para propiciar o

treinamento das atividades profissionais dos principais agentes jurídicos. A

norma citava ainda expressamente a Advocacia, a Magistratura e o

Ministério Público, além de referir-se, genericamente, às demais profissões

jurídicas;

Page 289: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

288

c) enumera uma série de atividades que deveriam ser desenvolvidas nos

Núcleos de Prática, tais como: redação de peças processuais e

profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e

sessões, visitas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e

técnicas de negociação coletivas, arbitragens e conciliação, sem lhes

atribuir características limitativas ou restritivas, que deveriam ser incluídas

dentro das atividades do estágio.

A Portaria MEC nº 1.886/94, estabelecia, ainda, em relação ao estágio

externo, que a Prática Jurídica poderia ser complementada mediante convênios que

possibilitassem a participação dos estudantes na prestação de serviços e assistência

jurídicos, incluída aí a assistência judiciária.

Esses convênios possibilitariam, segundo o entendimento dos que ajudaram

na elaboração na Portaria em apreço, a inserção do aluno em situações profissionais

reais às quais ele não teria acesso no curso, ou apenas, teria de forma simulada.

No entanto, como essas atividades eram definidas como complementares,

elas pressupunham, necessariamente, as atividades de prática jurídica

desenvolvidas no próprio Núcleo de Prática Jurídica – NPJ. O que significava, na

realidade que nenhum dos estudantes poderia ser integralmente dispensado da

prática jurídica do curso, mas apenas complementá-la mediante o estágio externo.

A Portaria MEC n° 1.886/94, fazia também referência expressa ao estágio

profissional de advocacia, previsto no inciso II dos parágrafos 1º a 4º do art. 9º da lei

nº 8.906/94.

Nesse aspecto, como indica Horácio Wanderlei Rodrigues615, foi aí que o

MEC por intermédio desse instrumento legal, diga-se Portaria MEC n° 1.886/94,

extrapolou sua competência legal, interferindo em matéria cuja competência

específica é da OAB. Não competindo às IES assumirem responsabilidades externas

aos interesses da OAB.

Ocorre que, autorização que na ocasião se referia quanto à possibilidade da

implementação mediante convênios, de mecanismos de intercâmbio de alunos entre

615

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 93-94.

Page 290: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

289

instituições de ensino, com o aproveitamento das suas atividades de ensino,

pesquisa, extensão e prática jurídica, eram inclusive desnecessárias, tendo em vista

o próprio Princípio da Autonomia Universitária expressa no texto constitucional, ex vi

do art. 207 da Constituição Federal de 1988.

A Portaria MEC n° 1.886/94 teve também pontos criticáveis no que se refere

ao artigo 4º, atividades complementares e ao parágrafo único do artigo 6º (matérias

complementares e novos direitos), e o seu art. 5º (acervo bibliográfico) e ainda

relativamente ao seu art. 14 (convênios de intercâmbio), e, finalmente, quanto ao

seu art. 12, que tratava do estágio da advocacia.

A crítica com relação à Portaria MEC n° 1.886/94, atingiu também a questão

de exigência no seu texto, de uma única possibilidade de elaboração de espécie de

trabalho de conclusão de curso, pois já se configurava, no âmbito da normatividade

do Direito Educacional a idéia de novas diretrizes curriculares, que permitiria assim,

uma maior flexibilidade na configuração do currículo jurídico.616

Eliane Botelho Junqueira e Horácio Wanderlei Rodrigues617, por exemplo, já

apontavam naquela ocasião, no sentido de que a exigência no âmbito curricular

deveria ser de um Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, que poderia ser

desenvolvido por meio de atividades de pesquisa e extensão e não de monografia

final obrigatória.

Posição também defendida no Seminário da Comissão de Ensino Jurídico –

CEJ, da OAB, em Florianópolis, 2000, e que consta da obra desses autores.618

3.3.5 Configuração das “Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de

graduação em Direito”

O art. 8º da Portaria nº 1.886/94619 continha uma respeitável proposta

pedagógica, além do caráter metodológico, na medida em que enseja o atendimento

616

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

617RODRIGUES, Horácio Wanderlei; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002.

618Ibid.

619BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan.1995. Seção 1, p. 238.

Page 291: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

290

às vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho, equivalendo dizer que

as instituições têm a liberdade e até a responsabilidade de flexibilizar o seu currículo

pleno para ensejar a formação de profissionais do Direito aptos a ajustar-se às

mudanças iminentes, inclusive de caráter regional, de forma que o operador do

Direito possa, além do conhecimento geral da ciência do Direito, aprofundar-se em

uma determinada área ou ramo específico a que pretenda dedicar-se

preferencialmente, sob a forma de estudos de “especialização” integrados aos

estudos da graduação, que podem culminar, posteriormente, com a pós-graduação

lato sensu, de acordo com os componentes do Núcleo de Especialização Temática,

complementando a carga horária indispensável à pós-graduação.

Ocorre, porém, que essa flexibilização, conforme apontou o conselheiro do

CNE, Dr. Edson de Oliveira Nunes620, esbarrou em uma rigidez do currículo mínimo

nacional para a graduação do bacharel em Direito, uma vez que tal procedimento

somente seria possível se fosse, primeiramente, como um pré-requisito, “observado

o currículo mínimo previsto no art. 6º” o que descaracteriza a definição de “diretrizes

curriculares”, expressão essa adotada na ementa da Portaria e que não corresponde

ao que as leis n° 9.131/95 e n° 9.394/96, com os conseqüentes Pareceres do

Conselho Nacional de Educação, entendiam como sendo “Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Graduação” e “Diretrizes Curriculares para cada Curso de

Graduação,” como ora se relata para o curso de graduação em Direito, bacharelado.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de

Educação Superior, aprovou o Parecer CES/CNE 507/99, contendo a indicação para

que o Ministro de Estado da Educação revogasse as Portarias n° 1.886/94 e 3/96,

“para assegurar a coerência nas Diretrizes Curriculares” sob a nova concepção

preconizada nas leis supra-referidas, para todos os cursos de graduação, incluindo

também, os cursos de graduação em Direito.

Registre-se, porém, que as propostas já estavam em tramitação no âmbito do

Ministério e do próprio Conselho, em decorrência do Parecer CES/CNE nº 776/97 e

do Edital SESu/MEC 4/97.

620

Cf. posicionamento exarado pelo conselheiro do Conselho Nacional de Educação, Prof. Edson de Oliveira Nunes, nos autos dos Processos nºs: 23001.000074/2002-10, 23001.000303/2001-15 e 23001.000150/2003-60, referente ao PARECER nº CES/CNE 211/2004 aprovado em 08/7/2004.

Page 292: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

291

No Parecer CES/CNE n° 507/99621, alertara-se quanto à necessidade de que

se observasse toda a metodologia traçada pelo Edital remetido, de tal forma que a

Câmara de Educação Superior pudesse, no momento oportuno, deliberar sobre as

Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Direito, de acordo com a

nova ordem jurídica, de forma a permitir que as instituições definam “currículos

adequados, capazes de se ajustarem às incessantes mudanças, não raro muito

rápidas, a exigir respostas efetivas e imediatas das instituições educacionais”.

Esse também é o posicionamento definido no Parecer CES/CNE n° 776/97622,

a que se acrescenta a seguinte orientação geral extraída do Edital nº 4/97623 para a

sua organização, enfocada no Parecer CES/CNE n° 507/99, litteris:

As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES na organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar ainda a denominação de diferentes formações e habilitações para cada área do conhecimento, explicitando os objetivos e as demandas existentes na sociedade.

O Parecer CES/CNE nº 507/99, da Câmara de Educação Superior enfatizou

também que:

A Flexibilização enfocada induz maior nível de responsabilidade das instituições de educação quando da “elaboração de sua proposta pedagógica coerente com essa nova ordem e com as exigências da sociedade contemporânea”. Nesse novo contexto, no entanto, não convivem bem a Portaria Ministerial nº 1.886/94, com a alteração que lhe introduziu a Portaria nº 3/96, como se constata pela análise de cada dispositivo do referido ato normativo, que esposou uma visão do currículo do curso jurídico bem diversa daquela que, cinco anos depois, resulta da nova política educacional brasileira contida na Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, construída sobre os pilares da nova Ordem Constitucional de 1988.

Cotejando, portanto, o currículo constante da Resolução CFE 3/72 com o

fixado pela Portaria MEC n° 1.886/94, verifica-se que, em ambos os atos normativos,

621

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 507/1999, aprovado em 19 de maio de 1999. Documenta (452), Brasília, DF, maio 1999.

622BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.

623BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Ensino Superior. Edital SESU/MEC n. 4, de 10 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União, 12 dez. 1997. Seção III, p. 26.720. Documenta (435), Brasília, dez. 1997.

Page 293: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

292

ficou prevista a oferta de habilitações específicas (registradas no anverso do diploma

do bacharel em Direito), significando “intensificação de estudos em áreas

correspondentes às matérias fixadas nesta Resolução (3/72) e em outras que sejam

indicadas nos currículos plenos” (art. 3º).

Dessa forma, conquanto o currículo mínimo fixado para todos os cursos de

Direito no país, tanto pela Resolução n° 3/72, como pela Portaria Ministerial n°

1.886/94, significasse evidente limite à autonomia, responsabilidade e liberdade das

instituições de ensino superior, as “habilitações específicas”, a flexibilização da

duração dos cursos, no primeiro ato, e a possibilidade dos “núcleos temáticos de

especialização, segundo as vocações e demandas sociais e de mercado de

trabalho”, a partir do quarto ano, na forma prevista no art. 8º do segundo ato,

certamente revelam o esforço para inovar na elaboração e na operacionalização do

“currículo pleno”, a cargo de cada instituição.

Diante desse quadro, como já alertara, a essa época a Associação Brasileira

do Ensino do Direito – ABEDi624, e em outras ocasiões:

[...] os obstáculos do ensino jurídico somente seriam superados, se as Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Direito, bacharelado, encontrassem do corpo docente e das administrações das instituições de ensino superior, o total compromisso de atender aos reclamos de uma nova época, constituindo-se efetivas respostas às novas aspirações e às novas concepções jurídicas, ajustadas às necessidades locais, regionais, nacionais, internacionais, que estão a exigir uma diversificação curricular, nas instituições, na proporção direta das mudanças e das demandas regionais, atuais e emergentes.

Nesse novo contexto legal, para substituir os currículos mínimos obrigatórios

nacionais, advieram então, as Diretrizes Curriculares Nacionais, lastreadas pelos

Pareceres CES/CNE n° 776/97625, n° 583/2001626 e n° 67/2003627, além das

624

Associação Brasileira de Ensino do Direito - ABEDi. Congresso realizado na cidade de Florianópolis, em 2003. Disponível em: <http://www.abedi.org>. Acesso em: 3 nov. 2008.

625BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.

626BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2001.

627BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2003.

Page 294: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

293

propostas recebidas da SESu/MEC, dos órgãos de representação profissional e de

outros segmentos da sociedade brasileira, de cujas contribuições resultaram as

atuais Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito.

Convêm registrar que contribuíram na configuração dessas diretrizes

curriculares a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Presidência, por seu

Conselho Federal, por sua Comissão de Estudos Jurídicos, pelas Seccionais e

Subseccionais dos Estados, de diversas entidades públicas e privadas, em particular

da ABEDi, e de outras associações correlatas, além da discussão em congressos e

audiências públicas realizadas para o ensino superior.

3.4 Síntese da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico dos Cursos de

Direito no Brasil

Embora não se tenha aqui a pretensão de elaborar uma análise da extensa

historiografia da configuração do currículo jurídico no Brasil, pode-se apresentar, no

entanto, um resumo sintético da longa trajetória dos marcos legais e regulatórios da

configuração estrutural dos currículos de Direito no país:

Page 295: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

294

Quadro 13 – Síntese da configuração estrutural dos currículos jurídicos ao longo da história

I. Primeiro momento histórico:

“currículo único” para todos os cursos de Direito, no Brasil, de 1827 (Império) a 1889 (início da República) e até 1962.

II. Segundo momento histórico:

mudança de “currículo único”, vigente no período anterior, para “currículo mínimo” nacional e “currículo pleno”, por instituição de ensino, com a flexibilização regional, embora permanecesse rígido “currículo mínimo”.

III. Terceiro momento histórico:

de “currículo mínimo” em 1962, perpassando por 1972 com as Resoluções nº 3/72 e nº 15/73, mantendo-se as concepções simultâneas de “currículo mínimo” nacional e “currículos plenos” institucionais.

IV. Quarto momento histórico:

“currículo mínimo” nacional e “currículo pleno” das instituições com flexibilização para

habilitações e especializações temáticas, em 1994, com a Portaria Ministerial nº 1.886/94, para implantação a partir de 1996, posteriormente diferido para 1998, ainda que a ementa da referida Portaria estivesse assim redigida, com um equívoco ou contradição em seus termos: “Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico”, posto que, se diretrizes fossem, amplas e abertas, não haveria a

exigência expressa de determinado conteúdo mínimo do curso jurídico, nacional, ainda que sem embargo dos currículos plenos das instituições.

V. Quinto momento histórico:

de “currículo mínimo” / “conteúdo mínimo do curso jurídico” para “diretrizes curriculares nacionais da graduação em Direito”, em decorrência da lei nº 9.131/95, lei nº 9.394/96

e lei nº 10.172/2001, desse conjunto normativo resultando o Parecer CES/CNE nº 776/97, Edital nº 4/97, Parecer CES/CNE nº 507/99, culminando com o Parecer nº 0055/2004.

VI. Sexto e atual momento histórico:

“Diretrizes Curriculares” - Resolução CNE/CES nº 9/2004.

* Quadro sintético elaborado a partir de dados apresentados no Parecer CNE/CES n° 0055/2004.

3.5 O Currículo na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº

9.394/96

Para compreendermos a organização curricular prescrita para os cursos de

graduação mantidos pelas IES, no Brasil, é necessário lançarmos um olhar para a

legislação de Direito Educacional em vigor.628

628

Nesse sentido, reporta-se à obra de César Pereira da Silva Machado Júnior, que ao analisar o conceito de educação escolar sob o aspecto jurídico, expõe, de maneira clara e abrangente, a colaboração do Direito para a questão da compreensão do currículo, inserido numa perspectiva de análise da educação efetiva, como direito social que segundo o autor traduz-se no pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e para o exercício consciente da

Page 296: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

295

O currículo é, na nova legislação educacional, objeto de profundas mudanças

e transformações. No entanto, para que a política curricular629 pensada, para o país,

pudesse ter um fundamento legal que garantisse sua implementação, o legislador

tratou de investir a concepção de currículo, atrelada a questão normativa da

Educação.

Nesse sentido, a partir da promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996630, desencadeou-se um

processo de reforma dos currículos em todo o Brasil.

Com o advento da nova LDB, deixou de existir a obrigatoriedade de os cursos

de graduação serem organizados com “currículos plenos”, resultantes de somatória

entre os currículos mínimos prescritos pelo antigo Conselho Federal de Educação, e

a parte diversificada, definida por cada estabelecimento de ensino.

Da mesma forma, caducou a obrigatoriedade dos cursos organizarem-se em

dois ciclos: ciclo básico e o profissionalizante, determinado anteriormente pela lei n°

5.540/68.631

Assim, para garantir ao Estado o direito de continuar prescrevendo um

“currículo oficial”, o legislador assegurou à União, por meio da nova LDB, a

competência para baixar normas gerais sobre os cursos de graduação e pós-

graduação, como se depreende da leitura do dispositivo do art. 9º da LDB.632

cidadania. Veja-se MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O direito à educação na realidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003. p. 85.

629Em Elmore e Sykes, encontra-se o conceito de política curricular como ação simbólica representante de uma ideologia. Assim se expressam os autores: nessa perspectiva, a política curricular é uma ação simbólica, representando uma ideologia para a organização da autoridade e que abrange tanto as decisões da administração central como as decisões dos contextos escolares. ELMORE; SYKES, 1992, apud PACHECO, José Augusto. Políticas curriculares: referenciais para análise. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 107.

630BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

631BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.4, p. 010369.

632Art. 9º A União incumbir-se-á de: I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos territórios; III - prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva; IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum; V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação; VI - assegurar

Page 297: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

296

Entretanto, ao contrário, da legislação anterior – lei n° 4.024/61633 e lei n°

5.540/68634 − que concebia o currículo como rol específico de matérias que deveriam

compor um dado curso, a nova LDB adota uma concepção em que o currículo é a

expressão de princípios e metas a que se propõe a educação, mais,

especificamente, o projeto educativo a ser perseguido como finalidade.

No entanto, a missão da educação, é ampla, e tendo em vista sua

importância, fez com que se exigisse na Constituição da República Federativa do

Brasil, de 5 de outubro de 1998635, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, organizassem em regime de colaboração seus sistemas de ensino, ex vi

do disposto no art. 211.636

Cada um dos entes federativos é responsável por um aspecto relevante, em

cada nível, e modalidade de ensino do país. Dessa maneira, as respectivas pessoas

jurídicas de direito público devem articular-se entre si, deliberando e executando

políticas educacionais que possibilitem a oferta da educação escolar tanto no setor

público quanto no setor privado.

A União Federal é responsável, assim, pela coordenação da política nacional

de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas de ensino, e exerce a

processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino; VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação; VIII - assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino; IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. § 1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei. § 2º Para o cumprimento do disposto nos incisos V a IX, a União terá acesso a todos os dados e informações necessários de todos os estabelecimentos e órgãos educacionais. § 3º As atribuições constantes do inciso IX poderão ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior. Cf. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

633BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961. Col. 1, p. 0011429.

634Id.

634BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col. 4, p. 010369.

635BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2008.

636Id., art. 211.

Page 298: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

297

função normativa, redistributiva e supletiva, em relação às demais instâncias

educacionais, conforme determina o art. 8º, § 1º da LDB637, lei nº 9.394/96.

À União cabe elaborar o Plano Nacional de Educação638, estabelecendo,

também, as competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino

fundamental e ensino médio, bem como, para a educação superior, que nortearão

os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica

comum, em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os

municípios.

A educação infantil é de responsabilidade exclusiva do município, enquanto

que o ensino fundamental é atribuição compulsória dividida entre os Estados e

municípios, e o ensino médio de responsabilidade dos Estados.

No intuito de assegurar uma formação básica comum, a nova LDB prevê que

os conteúdos curriculares do ensino fundamental e médio devem apresentar uma

base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e

estabelecimento escolar, em razão da diversidade e das características regionais e

locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (art. 26 da LDB).639

Conforme determina ainda o art. 26 § 1º da LDB640, esses currículos devem

abranger, de maneira obrigatória, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o

conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política brasileira.

637

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

638O Plano Nacional de Educação – PNE, que se constitui num plano composto de 295 diretrizes, metas e objetivos a serem cumpridas no período de 10 anos, a partir da sua vigência, (2001- 2011), visa a promover a reconstrução da educação no país, em todos os níveis e modalidades de ensino, foi instituído pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. Segundo aponta Valdemar Sguissardi, na obra por ele prefaciada, o PNE constitui-se “num dos mais importantes instrumentos legais da política educacional brasileira”. Veja-se, também, nesse sentido, BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE passo a passo - lei nº 10.172/2001: discussão dos objetivos e metas do plano nacional de educação. São Paulo: Avercamp, 2006. p. 90-91. Registre-se que o referido Plano foi objeto de 9 vetos presidenciais, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Vetos que, certamente, inviabilizaram, em grande medida, o cumprimento de metas propostas, sobretudo, porque, esses vetos foram apostos, justamente, sobre a diretriz que tratava da gestão de recursos e financiamentos na educação superior. Com efeito, os vetos apostos deveriam ser a fonte orçamentária necessária para aproximação do sistema de ensino da realidade desejável, expressa nos Princípios Constitucionais Educacionais, especialmente, aqueles propugnados pelo art. 206 da nossa Constituição Brasileira de 1988.

639Id.

640Nesse sentido, reporta-se à obra de César Pereira da Silva Machado Júnior, que ao analisar o conceito de educação escolar sob o aspecto jurídico, expõe, de maneira clara e abrangente, a

Page 299: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

298

O ensino de arte também deve constituir-se componente curricular obrigatório

nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento

cultural dos alunos, bem como o ensino da História do Brasil deve levar em

consideração as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do

povo brasileiro, em especial das matrizes indígena, africana, e européia.641

Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, segundo

determinação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional642, as

seguintes diretrizes:

I. difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres

do cidadão, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;

II. consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada

estabelecimento;

III. orientação para o trabalho;

IV. promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-

formais.

Relativamente ao currículo do ensino médio, a lei n° 9.394/96643 determina

que deverão ser observadas as seguintes diretrizes:

I. destaque para a educação tecnológica básica, a compreensão do

significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de

transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como

instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da

cidadania;

II. adoção de metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a

iniciativa dos estudantes.

colaboração do Direito para a questão da compreensão do currículo, inserido numa perspectiva de análise da educação efetiva, como direito social que segundo o autor traduz-se no pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. Veja-se MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O direito à educação na realidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003. p. 85.

641Ibid., p. 85.

642Conforme dispõe o art. 27 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996.

643Conforme dispõe o art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996.

Page 300: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

299

Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados

de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I. domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção

moderna;

II. conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III. domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao

exercício da cidadania.

É preciso ressaltar um aspecto importante quanto à elaboração e execução

da proposta pedagógica pelas próprias IES, é a possibilidade legal da participação

docente na elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento, e por via de

conseqüência, na configuração do currículo escolar, tendo em vista a permissão do

art. 12, inciso I e art. 13, inciso I, ambos dispostos na lei n° 9.394/96 - LDB.644

Por fim, quanto ao currículo do ensino superior, a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional645, estabelece às universidades a autonomia para a criação,

organização e extinção de cursos e programas de educação superior, obedecidas as

normas gerais da União, fixando os currículos respectivos, observadas as diretrizes

gerais pertinentes.

Ressalte-se, porém, que a educação, como atividade, não é, contudo, um

monopólio estatal ou um serviço público. Pode ser oferecida, no Brasil, pela iniciativa

privada, conforme expressamente o admite a Constituição de 1988 e a LDB em seu

art. 7º, que impõe, todavia, as seguintes condicionantes:

a) cumprir as normas gerais sobre a educação nacional previstas na Lei de

Diretrizes e Bases da educação nacional – LDB – lei nº 9.394, de

20.12.1996;

b) autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, conforme

preceitua o art. 209 da Constituição Federal.

Portanto, para a iniciativa privada o ensino será livre se atendidas as

condições de cumprimento das normas gerais de educação nacional, de autorização

644

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

645Conforme dispõe o art. 53, inc. II da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez. 1996.

Page 301: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

300

e de avaliação646 pelo Poder Público, conforme dispõe o artigo 209 da Constituição

Federal, que determina647:

Art. 209 - O ensino será livre à iniciativa privada atendidas as seguintes condições:

I − cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Da leitura desse dispositivo depreende-se que ao Estado cabe o dever

constitucional de avaliar as condições de criação de um estabelecimento privado de

ensino, a partir da análise de critérios estabelecidos pela legislação

infraconstitucional, para poder iniciar suas atividades, para autorização de seu

funcionamento, para o reconhecimento dos seus cursos.

Os estabelecimentos de ensino superior da iniciativa privada estão sujeitos a

avaliações periódicas, visando à ampliação do acesso ao ensino, bem como à

manutenção de sua qualidade.

O Ministério da Educação - MEC, o órgão da administração direta do Governo

Federal, tem competência legal para formular e avaliar a política nacional de

educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento de leis que a

regem; bem como competência para tratar de matérias como: política nacional de

educação, educação em geral, do ensino fundamental, do ensino médio e do ensino

superior, pesquisa educacional, pesquisa e extensão universitária. Para tanto, conta

com a colaboração do Conselho Nacional de Educação – CNE.

Quanto ao contexto de avaliação, é preciso considerar a participação dos

estabelecimentos de ensino superior privados na prestação do ensino que, sem

dúvida, é bastante significativa.648

646

Além do que se refere o artigo 209, II da CF/88, é preciso considerar que as normas para a autorização e para a avaliação de qualidade das instituições de ensino superior encontram-se em vários dispositivos infraconstitucionais, na própria LDB nº 9.394/96, e em legislação complementar. Todos esses dispositivos configuram o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, que abrange a avaliação no sistema federal de ensino; a função de avaliação do desempenho individual das instituições de ensino; a avaliação do ensino em cada curso de graduação; avaliação dos programas de mestrado e doutorado e as atividades de pesquisa.

647BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 14. ed. rev., ampl. e atual. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. (Atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). Art. 209, p. 107.

648“O setor privado é responsável pela maior parte da educação brasileira, cerca de 1.800 estudantes matriculados em quase mil instituições espalhadas pelo Brasil”. SCHWARTZMAN, Jacques; SCHWARTZMAN, Simon. O ensino superior privado como setor econômico. Revista Ensaio, Rio de Janeiro: Fundação Cesgranrio, v. 10, n. 37, p. 405-560, out./dez. 2002.

Page 302: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

301

No que diz respeito ao ensino superior, por exemplo, com base nos dados do

último Censo da Educação Superior/2003, divulgados pelo MEC, o número de

Instituições de Ensino Superior Privado no país totaliza 1.652, sendo somente 207

as instituições públicas.

Esta situação, em termos numéricos, é demonstrada pelo quadro a seguir:

Quadro 14 – Número de Instituições de Educação Superior, por organização acadêmica e localização (Capital e interior), segundo a Unidade da Federação e a Categoria Administrativa das IES – 2003

649

Unidade da Federação e Categoria Administrativa

Total Geral

Capital Interior

Brasil 1.859 665 1.194 Pública 207 76 131

Federal 83 52 31

Estadual 65 24 41

Municipal 59 - 59 Privada 1.652 589 1.063

Particular 1.302 472 830

Comunitária/Confessional/Filantrópica 350 117 233 Fonte: MEC/INEP. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. Censo da Educação Superior. Sinopse Estatística – 2003. Brasília, 2003, p. 15.

Constata-se que a participação do setor privado já alcança 70% do total dos

alunos e o setor público 30%. Em 1988, o setor privado respondia por 61% das

matrículas. Em 2002, a participação alcançou os 70%.650

Nesse cenário de expansão, a política curricular de instituições de ensino

superior, especialmente da iniciativa privada deve vir acompanhada, portanto, do

respectivo e acendrado zelo pelo Estado quanto à qualidade da IES, sem dispensar,

por óbvio o zelo interno de cada uma delas. Isto porque a educação superior

reveste-se de atributos de importância inquestionável para o desenvolvimento do

país, assumindo neste particular nítido conteúdo público, razão pela qual as

instituições privadas estão também vinculadas aos princípios constitucionais gerais

da educação.

649

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2008.

650Id.

Page 303: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

302

As instituições privadas no que tange a elaboração e implantação de seus

currículos, portanto, não se encontram dispensadas da observância dos princípios

fundamentais do espaço público, como, por exemplo, da igualdade, liberdade,

democracia, respeito às minorias, dentre outros.

Essas instituições encontram-se também vinculadas à observação de toda a

legislação infraconstitucional relativamente à avaliação de qualidade do ensino. É

preciso observar, entretanto, que a avaliação das Instituições de Ensino Superior foi

objeto, na última década, de diversas leis, decretos, medidas provisórias, pareceres

do CNE, portarias, ministeriais, além de infindável número de instrumentos

regulatórios, tais como651:

PARU – Programa de Avaliação da Reforma Universitária, em 1983;

GERES – Grupo Executivo para Reforma da Educação Superior, em 1985;

PAIUB – Programa de Avaliação Institucional das Universidades

Brasileiras, em 1993;

ENC – Exame Nacional de Cursos (PROVÃO), acompanhado de outros

meios avaliativos de questionário socioeconômico do aluno, ACE – Análise

das Condições de Ensino, AÇO - Análise das Condições de Oferta e a

Avaliação Institucional dos Centros Universitários, em 1996.

SINAES – Sistema Nacional da Educação Superior – recentemente criado

pela lei n˚ 10.861, de 14 de abril de 2004.652

Registre-se que o SINAES instituiu a avaliação institucional, interna e externa,

contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações,

compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das

instituições de educação superior e de seus cursos; o caráter público de todos os

procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos; o respeito à

identidade e à diversidade de instituições e de cursos; a participação do corpo

docente e técnico-administrativo das instituições de ensino superior e da sociedade

civil por meio de suas representações.

651

Cf. LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia universitária no Direito Educacional brasileiro. São Paulo: Segmento, 2005.

652BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 72, 15 abril 2004. Seção 1, p. 03-04.

Page 304: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

303

Por outro lado, é preciso considerar que, embora a garantia de um “padrão

mínimo de qualidade”, especialmente no que tange à configuração dos currículos

jurídicos, nos cursos de graduação oferecidos pelas IES privadas, devem vir

acompanhados do respectivo zelo tanto por parte da própria instituição, como

também do Estado. Isto porque a educação superior reveste-se de atributos

inquestionáveis para o desenvolvimento do país.

As instituições privadas, portanto, não se encontram dispensadas da

observância na configuração de seus currículos, dos princípios fundamentais do

espaço público, como, por exemplo, da igualdade, liberdade, democracia, respeito

às minorias, dentre outros. Além disso, essas instituições encontram-se também

vinculadas à observação de toda a legislação infraconstitucional relativamente à

avaliação de qualidade do ensino jurídico, sejam elas consubstanciadas em

avaliações internas quanto externas.

A fiscalização do exercício profissional, esta sim, entende-se que deve ser

função precípua da OAB. Contudo, sua posição deve assumir, gradativamente, uma

função mais global, não tão presa a casos isolados e paróquias de controle do

núcleo de prática forense da IES.

Entende-se que o caminho mais acertado é da avaliação sobre o

credenciamento e recredenciamento das IES no que se refere particularmente aos

cursos de Direito a nível de bacharelado.

No entanto, a avaliação, que passa essencialmente pela qualidade dos

currículos jurídicos, deveria ser procedida dentro de metodologias próprias e de

avaliadores competentes devidamente cadastrados pelo CNPq e CAPES a ser

promovida em regime de colaboração pelas seccionais da OAB.

3.6 Conceito de Diretrizes Curriculares

A expressão “diretrizes curriculares” foi utilizada pela primeira vez no Direito

Educacional brasileiro na Portaria MEC nº 1.886/94. Posteriormente, a competência

para sua definição foi atribuída pela lei nº 9.131/95 à Câmara de Educação Superior

do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE).

Page 305: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

304

A lei n° 9.131, de 1995, que criou o Conselho Nacional de Educação, dispôs

sobre as diretrizes curriculares para os cursos de graduação quando tratou das

competências deste órgão na letra "c" do parágrafo 2o do seu art. 9o:

[...] § 2º São atribuições da Câmara de Educação Superior: [...] c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto, para os cursos de graduação; [...]

Para tratar especificamente dessas diretrizes, o MEC estabeleceu e

homologou Parecer normativo exarado pela Câmara de Educação Superior do CNE,

Parecer n° 776/97653, que apresentou as orientações gerais a serem observadas na

formulação das diretrizes curriculares para todos os cursos de graduação.

As diretrizes curriculares constituem assim, no entender do CNE/CES,

orientações para a elaboração dos currículos que devem ser necessariamente

respeitadas por todas as instituições de ensino superior, pois que visam a assegurar

a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes, como forma de

romper com a rigidez dos “currículos mínimos”, de todos os cursos de graduação

(bacharelados e licenciaturas), que deveriam ter, a partir daí, segundo a normativa

jurídico-educacional, suas diretrizes curriculares específicas sendo elaboradas pelo

CNE e homologadas pelo MEC.

Na elaboração das propostas das diretrizes curriculares, o CNE entendeu por

esse parecer que é preciso:

1) assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na

composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos

currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem

ministradas;

2) indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-

aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação

de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais

não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;

653

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.

Page 306: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

305

3) evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de

graduação;

4) incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro

graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de

exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados

tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;

5) estimular práticas de estudos independentes, visando a uma progressiva

autonomia profissional e intelectual do aluno;

6) encorajar o reconhecimento de habilidades, competências e

conhecimentos adquiridos fora do ambiente escolar, inclusive os que se

refiram à experiência profissional julgada relevante para a área de

formação considerada;

7) fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa

individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em

atividades de extensão;

8) incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem

instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes

acerca do desenvolvimento das atividades didáticas.

Assim sendo foram extintos os currículos mínimos em vigor nas IES. Desde

então, constata-se uma intensa produção de dispositivos legais, sobretudo

emanados pelo CNE, cabendo ao MEC o papel de coordenar a implementação da

reforma curricular nas IES.

A SEsu/MEC conduziu diretamente esse processo. Pelo Edital nº 4/97654,

essa secretaria formalizou orientações gerais para a elaboração das diretrizes

curriculares nacionais dos cursos de graduação.

Nesse edital o MEC expressa as proposições básicas da política educacional

a serem implantadas com a reforma e estabelece orientações gerais para a

elaboração de propostas curriculares para os cursos de graduação; também propõe

como objetivos e argumento fundamentais da reforma, a adaptação dos currículos

654

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Ensino Superior. Edital SESU/MEC n. 4, de 10 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União, 12 dez. 1997. Seção III, p. 26.720. Documenta (435), Brasília, dez. 1997.

Page 307: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

306

às mudanças do perfil profissional, com base, dentre outros, nos seguintes

princípios:

a) flexibilidade na organização curricular;

b) dinamicidade do currículo;

c) adaptação às demandas do mercado de trabalho;

d) integração da graduação e pós-graduação;

e) ênfase na formação geral;

f) desenvolvimento de competências e habilidades gerais.

Como se observa, o princípio centrado na flexibilidade e nas competências é

recorrente e constitui-se, no discurso oficial – o eixo integrador e articulador do novo

paradigma dos currículos.

Constata-se, ainda, que desde a publicação do Edital n° 4/97655, foi

disponibilizado no site do MEC, o texto das Diretrizes Curriculares para os Cursos de

Graduação Superior.656

O referido documento apresenta os seguintes itens:

1. diretrizes gerais;

2. princípios;

3. objetivos e metas;

4. histórico;

5. diretrizes curriculares e legislação.

Esse documento acabou servindo de referência para que as comissões de

especialistas do MEC realizassem a regulamentação da reforma e a produção de

documentos específicos da reforma curricular.

Desencadeando-se, assim, uma nova etapa do processo de reforma, a

produção normativa em especial de pareceres e resoluções de aprovação das

diretrizes de cada curso de graduação, e a adequação, por parte das IES, aos novos

parâmetros legais, com prazos estipulados para cumprimento de processos de

655

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Ensino Superior. Edital SESU/MEC n. 4, de 10 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União, 12 dez. 1997. Seção III, p. 26.720. Documenta (435), Brasília, dez. 1997.

656BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação Superior. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/sesu/diretriz/curric.htm>. Acesso: 20 ago. 2008.

Page 308: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

307

verificação e reconhecimento de cursos tanto para as IES públicas quanto para as

privadas.657

No campo educacional e pedagógico, as diretrizes curriculares não podem se

constituir num corpo normativo, rígido e engessado, para não se confundirem com

os antigos “currículos mínimos” profissionalizantes.

No campo jurídico, no entanto, pode-se dizer que as diretrizes curriculares

são as orientações gerais, definidas pelo órgão, juridicamente competentes, e

devem ser cumpridas pelas IES de todo o país, quando da elaboração dos seus

projetos pedagógicos e currículos plenos de seus cursos.

Devendo-se, porém, objetivar servir de referência para as instituições na

organização de seus programas de formação, permitindo-se, portanto, maior

flexibilidade e priorização de áreas de conhecimento, na construção pelas IES, dos

seus currículos plenos.

As diretrizes curriculares devem induzir, além disso, à criação de diferentes

formações e habilitações para cada área do conhecimento, possibilitando ainda

definirem múltiplos perfis profissionais, garantindo uma maior diversidade de

carreiras, promovendo a integração do ensino de graduação com a pós-graduação,

privilegiando, no perfil de seus formandos, as competências intelectuais que reflitam

a heterogeneidade das demandas sociais.

Assim sendo, as diretrizes curriculares para o curso de graduação em Direito

devem refletir uma dinâmica que atenda aos diferentes perfis de desempenho a

cada momento exigido pela sociedade, na heterogeneidade das mudanças sociais,

sempre acompanhadas de novas e mais sofisticadas tecnologias, novas e mais

complexas situações jurídicas, a exigir até contínuas revisões do projeto pedagógico

do curso jurídico, que assim se constituirá em caixa de ressonância dessas efetivas

demandas, para formar profissionais do Direito adaptáveis; com a suficiente

autonomia intelectual e de conhecimento e de pedagogia para que se ajuste sempre

657

Convém nesse sentido reportarmos à obra de Celso da Costa Frauches, que trouxe a compilação sistematizada de todas as diretrizes curriculares atualmente em vigor para os cursos de graduação. Veja-se nesse sentido, FRAUCHES, Celso da Costa. Diretrizes curriculares para os cursos de graduação. Brasília: ABMES, 2008. p.183-205.

Page 309: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

308

às necessidades emergentes, revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética,

senso de justiça e sólida formação humanística.658

Nesse aspecto, as diretrizes curriculares contêm mais do que continham os

antigos currículos mínimos, tendo em vista terem introduzido a necessidade de

desenvolver nos estudantes competências e habilidades visando à sua formação

profissional, e a exigência de elaboração, pelas IES, de projetos pedagógicos, que

se configuram no planejamento de seus cursos.

Afirma Inácio José Feitosa Neto659, que as Diretrizes Nacionais evidenciam de

forma consubstanciada, a influência da Reforma do Estado na educação superior

quando são defendidos os mesmos princípios representes na Administração Pública

Gerencial, tais como descentralização, flexibilização, avaliação e regulação.

Para Inácio José Feitosa Neto660, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

curso de Direito são expressão maior dos princípios constantes no Plano Diretor de

Reforma do Estado661, que buscava através da administração pública gerencial

expandir os serviços do Estado pela iniciativa privada, liberando o Estado de tal

finalidade.

De qualquer maneira, as DCNs surgem como um instrumento normativo de

flexibilização dando às IES poderes para organizarem seus projetos de cursos de

acordo com sua realidade local, valorizando a questão da inserção regional da IES e

sua missão institucional e constitucional.

Apresentam-se, portanto, como um contraponto ao “currículo mínimo” que

estabelece as condições curriculares mínimas de funcionamento dos cursos

jurídicos.

658

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2004. Documenta (513), Brasília, jul. 2004.

659BRASIL. MARE. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, nov. 1995.

660Id.

661BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Planejamento Político Estratégico. Brasília: MEC, maio, 1995.

Page 310: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

309

3.6.1 As diretrizes curriculares nacionais no Plano Nacional de Educação –

PNE – lei nº 10.172/2001

O Plano Nacional de Educação (PNE), constante da lei nº 10.172, de 09 de

janeiro de 2001662, que constitui-se em uma das mais importantes bases normativas

da educação brasileira e traça 294 diretrizes, metas e objetivos a serem cumpridas

pelo Estado, visando à reconstrução da educação do país.

Relativamente ao ensino superior, o PNE apresenta 35 metas a serem

alcançadas e para o período de 10 anos, iniciado em 2001, muito embora seja nesse

específico nível de ensino relativa à educação superior que o PNE sofreu o maior

número de vetos presidenciais663, na parte que não houve os vetos define: metas, as

diretrizes e os objetivos para a educação superior do Brasil, traçando o seguinte:

Meta n° 11 – Estabelecer, em nível nacional, diretrizes curriculares que assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos programas de estudos oferecidos pelas instituições de educação superior, de forma a melhor atender às necessidades diferenciais de suas clientelas e às peculiaridades das regiões nas quais se inserem. Meta n° 12 – Incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docentes temas relacionados às problemáticas tratadas nos temas transversais, especialmente no que se refere à abordagem, tais como: gênero, educação sexual, ética, justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e temas locais.

É preciso considerar que essas diretrizes curriculares vêm sendo

progressivamente estipuladas pelo CNE para todos os cursos superiores brasileiros,

de forma que, se por um lado, os diferentes cursos superiores oferecidos por IES

diversas têm flexibilidade e diversidade e, assim atendem a diferentes necessidades

da população brasileira; por outro lado, estão sendo, como aponta Carlos da

Fonseca Brandão664, progressivamente alcançadas.

662

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. (Meta nº 11). No mesmo sentido, veja-se, também: BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE passo a passo - lei nº 10.172/2001: discussão dos objetivos e metas do plano nacional de educação. São Paulo: Avercamp, 2006.

663Os vetos presidenciais referidos e apostos pelo então, Presidente Fernando Henrique Cardoso, encontram-se na Mensagem Presidencial de Veto nº 9, publicada no Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, de 10 de janeiro de 2001.

664BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE passo a passo - lei nº 10.172/2001: discussão dos objetivos e metas do plano nacional de educação. São Paulo: Avercamp, 2006. p. 90-91.

Page 311: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

310

Dessa forma transversais a que se refere à meta de n° 12, relativamente

ensino superior, estipulada pela lei n° 10.172/2001 – PNE665, “gênero, educação

sexual, ética, justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade, e tolerância, pluralidade

cultural, meio ambiente, saúde e temas locais” – estão sendo incorporadas,

paulatinamente, nos textos normativos educacionais, e autonomamente inseridas

pelas IES, nos cursos e respectivos currículos de graduação.

Convém registrar que os relevantes temas acima referidos foram incluídos

nas diretrizes curriculares dos cursos de formação docentes, como se pode verificar

nas Resoluções do CNE nº 1, de 18/02/2002666 e n° 2 de 19/2/2002667 e pelos

Pareceres do CNE nº 09/2001, que também tratam de outras questões sobre a

regulamentação e normatização dos cursos de formação de docentes.

Todos esses documentos foram aprovados pelo Conselho Pleno – CP, do

Conselho Nacional de Educação – CNE.

3.6.2 Síntese das diferenças estruturais entre “currículo mínimo” e “diretrizes

curriculares”

As principais diferenças entre os “currículos mínimos” e as “diretrizes

curriculares” para os cursos de graduação podem ser demonstradas pelo seguinte

quadro:

665

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. (Meta nº 11).

666BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resoluções CNE nº 1, de 18/02/2002. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena. BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 1/2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 8.

667BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 9.

Page 312: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

311

Quadro 15 – Diferenças entre currículo mínimo e diretrizes curriculares

Currículos Mínimos Diretrizes Curriculares

Paradigma curricular de conteúdo. Paradigma curricular de habilidades e competências.

Ênfase no exercício profissional, cujo desempenho resulta especialmente das disciplinas e matérias profissionalizantes engessadas em uma grade curricular, com conteúdos mínimos obrigatórios fixados pelo CNE em uma resolução normativa instituída por curso de graduação.

Ênfase nas habilidades e competências construídas com formação profissional fundamentada na competência teórica e prática, de acordo com o perfil dos formandos em razão das novas demandas.

As IES não têm liberdade (autonomia) para reformulações nos componentes curriculares estabelecidos nacionalmente por Resoluções do CFE, inclusive quanto aos conteúdos obrigatórios.

Ensejam, em certa medida, uma maior autonomia das IES instituírem seus próprios projetos pedagógicos para cada curso de graduação oferecido. Conferência de maior autonomia na definição dos currículos plenos para os cursos de graduação.

Ênfase do currículo voltado exclusivamente para a transmissão e informação do conhecimento.

Ênfase curricular de preparo para as novas demandas e transformações da sociedade, do mercado de trabalho e do conhecimento.

Avaliação de desempenho ao final do curso.

Avaliação durante o desenvolvimento do curso de graduação.

Formação do profissional determinada para uma única habilitação, visando direitos para o exercício de uma profissão regulamentada.

Enseja vários tipos de formação e habilitação num mesmo programa.

Emitem diploma para validar o pleno exercício profissional.

Não se vinculam a diploma e a exercício profissional, pois os diplomas constituem prova, válida, nacionalmente, da formação recebida por seus titulares (art. 48 da lei nº 9.394/96).

3.7 O Conselho Nacional de Educação (CNE) e as Diretrizes Curriculares

Nacionais da Educação

Para cumprimento das finalidades da educação nacional, o governo federal

sancionou em 24 de novembro de 1995, a lei n° 9.131/95668, provocando alterações

em dispositivos da lei n° 4.024 de 20 de dezembro de 1961.669

668

BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.

Page 313: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

312

A lei n° 9.131/95, alterando os art. 6°, 7°, 8°, 9° da lei 4.024/61, estabeleceu

que ao Ministério do Estado da Educação e do Desporto cabe exercer as atribuições

do poder público federal em matéria educacional, cabendo-lhe ainda a atribuição de

formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e

velar pelo cumprimento das leis que o regem. Da nova redação dada ao artigo 6º,

prescreve que o MEC contará, ainda, no desempenho de suas funções, com a

colaboração do Conselho Nacional de Educação.

Convém registrar, ainda, que a lei n° 9.131/95, sancionada em 24 de

novembro de 1995, deu nova redação ao art. 9º, § 2º, alínea “c”, da então LDB nº

4.024/61, conferindo à CES do Conselho Nacional de Educação (CNE) a

competência para “a elaboração do projeto de Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN), que orientarão os cursos de graduação, a partir das propostas a serem

enviadas pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação ao

Conselho Nacional de Educação”, tal como viria a estabelecer o inciso VII do art. 9º

da nova Lei de Diretrizes Básicas n° 9.394/96, publicada em dezembro de 1996.

Pode-se afirmar, portanto, que no desempenho de suas funções legais e

administrativas, o MEC conta com a colaboração do Conselho Nacional de

Educação e das suas respectivas Câmaras que o compõem.

Vale registrar aqui, que as alterações propostas pela lei n° 9.131/95, visaram

a regulamentar o papel do Conselho Nacional de Educação, órgão criado para

substituir o extinto Conselho Federal de Educação, extinto no governo de Itamar

Franco, durante a pasta do Ministro Murílio de Avelar Hingel, em 18 de outubro de

1994, pela Medida Provisória nº 661670 que transformou, o extinto Conselho Federal

de Educação, no atual, Conselho Nacional de Educação − CNE.

Da análise dessas normas legais, em matéria educacional, depreende-se que

o Conselho Nacional de Educação, instituído com competências específicas de

669

BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961. Col. 1, p. 0011429.

670BRASIL. Medida Provisória nº 661, de 18 de outubro de 1994. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e da lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 out. 1994. Seção 1, p. 15.799.

Page 314: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

313

acordo com a lei nº 9.131/95671, possui atribuições normativas, deliberativas, e de

supervisão assessoramento ao Ministério de Estado da Educação e do Desporto,

com atividade permanente.

Registre-se ainda que o Conselho Nacional de Educação – CNE, de forma a

assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional, é

composto, atualmente, em razão de deliberação legal e regimental, por duas

Câmaras: Câmara de Educação Básica – CEB; Câmara de Educação Superior –

CES.

O CNE é composto, atualmente, por 24 conselheiros, sendo 12 conselheiros

na CEB e 12 na CES. São membros natos do CNE o secretário de educação básica

– CEB e o secretário de educação superior – CES, ambos do MEC.

A escolha e a nomeação dos conselheiros do CNE são feitas pelo Presidente

da República672, sendo pelo menos a metade, obrigatoriamente, dentre os indicados

em listas elaboradas especialmente para cada Câmara, mediante consulta a

entidades da sociedade civil relacionada à área de atuação dos respectivos

colegiados.

A Câmara de Educação Superior é composta, atualmente, pelos seguintes

conselheiros: Aldo Vannucchi; Antônio de Araújo Freitas Júnior; Hélgio Henrique

Casses Trindade; Maria Beatriz Moreira Luce; Marília Ancona-Lopez; Mário Portugal

Pederneiras; Milton Linhares; Paulo Speller; Ronaldo Mota.

A Câmara de Educação Básica é composta pelos conselheiros: Adeum Hilário

Sauer; Antônio César Russi Callegari; Francisco Aparecido Cordão; Gersem José

dos Santos Luciano; José Fernandes de Lima; Maria do Pilar Lacerda Almeida e

Silva; Maria Izabel Azevedo Noronha; Mozart Neves Ramos; Raimundo Moacir

Mendes Feitosa; Regina Vinhaes Gracindo; Wilson Roberto de Mattos.

671

BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.

672BRASIL. Decreto Presidencial de 13 de maio de 2008. Dispõe sobre a designação dos membros para compor a Câmara do Conselho Nacional de Educação (CNE). Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 91, 14 maio 2008. Seção 2, p. 02.

Page 315: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

314

Ao Conselho Nacional de Educação, além de outras atribuições que lhe forem

conferidas por lei, compete673:

a) subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de

Educação;

b) manifestar-se sobre questões que abranjam mais de um nível ou

modalidade de ensino;

c) assessorar o Ministério da Educação e do Desporto no diagnóstico dos

problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de

ensino, especialmente no que diz respeito à integração dos seus

diferentes níveis e modalidades;

d) emitir parecer sobre assuntos da área educacional, por iniciativa de seus

conselheiros ou quando solicitado pelo Ministro de Estado da Educação e

do Desporto;

e) manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito

Federal;

f) analisar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da legislação

educacional, no que diz respeito à integração entre os diferentes níveis e

modalidades de ensino;

g) elaborar o seu regimento, a ser aprovado pelo Ministro de Estado da

Educação e do Desporto.

A Câmara de Educação Superior delibera também sobre a autorização e o

recredenciamento de cursos das IES de educação superior, considerando os

relatórios elaborados pelas comissões de avaliação apresentados pelo MEC.

Cabe-lhes ainda, deliberar sobre os estatutos das universidades e sobre o

regimento das IES que fazem parte do sistema federal de ensino.

Além dessas atribuições legais, as 2 (duas) Câmaras que compõem o CNE,

em conformidade com a lei n° 9.131/95, que deu nova redação ao artigo 9 da lei n°

4.024, têm atribuições específicas, especialmente de deliberar sobre as diretrizes

curriculares propostas pelo MEC, para os cursos de graduação no país, conforme se

constata da leitura do rol taxativo de atribuições legais previstas tanto para a Câmara

de Educação Superior, como também, para a Câmara de Educação Básica.

673

Conforme dispõe o art. 7º § 1º da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997.

Page 316: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

315

Nesse sentido dispõe o art. 9 da lei n° 9.131/95674:

Art. 9º. As Câmaras emitirão pareceres e decidirão, privativa e autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o caso, recurso ao Conselho Pleno. § 1º. São atribuições da Câmara de Educação Básica: [...] c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto; (grifo nosso) § 2º. São atribuições da Câmara de Educação Superior: [...] c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto, para os cursos de graduação (grifo nosso).

Assim, em cumprimento ao respectivo mandamento legal, a Câmara de

Educação Superior − CES, do Conselho Nacional de Educação aprovou Parecer

CES 67, de 11 de março de 2003675, contendo todo um referencial para as DCNs

dos cursos de graduação, inclusive para o efetivo entendimento da transição entre o

regime anterior e o instituído pela LDB 9.394/96, como preceitua o seu art. 90º,

tendo, por razões de ordem metodológica, estabelecido um paralelo entre

“Currículos Mínimos Nacionais” e as “Diretrizes Curriculares Nacionais”.

Constata-se que da interpretação desse parecer, quanto aos Currículos

Mínimos, o Referencial CES/CNE enfocou a concepção, abrangência e objetivos dos

referidos currículos, fixados por curso de graduação, ensejando as respectivas

formulações de grades curriculares cujo atendimento implicava fornecer diplomas

profissionais, assegurando o exercício das prerrogativas e o direito de cada

profissão.

Convém ressaltar que o Parecer CES/CNE 67/03 elencou os princípios que

lhes embasam a formulação, disto resultando o nítido referencial entre o regime

anterior e o proposto para nova ordem jurídica, verifica-se que existem diretrizes que

poderiam ser consideradas comuns aos cursos de graduação, enquanto outras

atenderiam à natureza e às peculiaridades de cada curso, desde que fossem

contempladas as alíneas “a” a “g” do item II do Parecer CNE/CES 583/2001, “litteris”:

674

BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.

675BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2003.

Page 317: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

316

a) perfil do formando/egresso/profissional – conforme o curso, o projeto

pedagógico deverá orientar o currículo para um perfil profissional

desejado;

b) competência/habilidades/atitudes;

c) habilitações e ênfase;

d) conteúdos curriculares;

e) organização do curso;

f) estágios e atividades complementares;

g) acompanhamento e avaliação.

Para substituir os currículos mínimos obrigatórios nacionais, já neste novo

contexto legal, advieram as Diretrizes Curriculares Nacionais, lastreadas também

anteriormente pelos Pareceres CES/CNE nº 776/97676, nº 583/2001677, os quais,

juntamente com o Parecer CES/CNE nº 67/2003, informam as propostas recebidas

da SESu/MEC, dos órgãos de representação profissional e de outros segmentos da

sociedade brasileira, de cujas contribuições resultaram as atuais Diretrizes

Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito, instituídas pela Resolução

nº 9/2004.

Outro aspecto importante, é que com a entrada em vigor da lei n° 9.131678,

criou-se o amparo legal, para que fosse iniciado o processo de reorganização

curricular, atualmente vivido pelos diferentes cursos de graduação no país. Com

efeito, essas prescrições legais foram incorporadas no texto normativo da LDB, fato

também que justifica e assegura maior crítica e, por via de conseqüência,

possibilidade de desconstrução, pela via legislativa, da configuração curricular dos

cursos de graduação, conferindo nesse sentido, maior amparo legal para as

reformas curriculares, especialmente, as pretendidas para o curso de Direito.

676

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.

677BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2001.

678BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.

Page 318: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

317

3.8 As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Direito

3.8.1 Resolução CNE/CES nº 9/2004

Em 29 de setembro de 2004, após inúmeros trabalhos e discussões do

Ministério da Educação e Cultura (MEC), foi elaborada pelo Conselho Nacional de

Educação, por sua Câmara de Educação Superior – CNE, por via de Resolução

específica para tratar das diretrizes para a configuração do currículo jurídico.

Trata-se da Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004679, que

instituiu por força de 13 (treze) artigos, as novas Diretrizes Curriculares a serem

cumpridas, em âmbito nacional, pelas IES públicas e privadas para os cursos, de

bacharelado, em Direito.

Convém registrar, no entanto, que é preciso valer-se de outros documentos

normativos, além da Resolução nº 9/2004, atualmente, em vigor no ordenamento

jurídico educacional, para tentar-se compreender, de maneira sistêmica, a

orientação da configuração das atuais diretrizes curriculares nacionais para os

cursos de Direito.

Citam-se aqui, especialmente, os Pareceres emanados também da Câmara

de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, especificamente os

Pareceres CES/CNE nº 776/97680, nº 583/2001681, nº 67/2003682, nº 55/2004683.

Pela interpretação, por exemplo, do Parecer CNE/CES 55/2004684, verifica-se

que já havia uma proposta curricular anterior que consistia, diferentemente da atual

679

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17-18.

680BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.

681BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2001.

682BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2003.

683BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 55/2004. Dispõe sobre diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito. Aprovado em 18 de fev. 2004. Reexaminado pelo Parecer nº 211/2004. Documenta (509), Brasília, DF, fev. 2004.

Page 319: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

318

configuração, na seguinte matriz curricular para o curso de Direito, quanto ao

conteúdo fundamental: Economia, Sociologia, Filosofia, Ciência Política, Psicologia,

Ética, Antropologia.

Relativamente ao conteúdo profissionalizante: Introdução ao Direito, Direito

Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil,

Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual,

sendo que o Trabalho de Curso – TC final era opcional.

Depreende-se dos instrumentos normativos de Direito Administrativo e de

Direito Educacional, em vigor, especificamente à Resolução nº 9/2004685 que,

quanto à metodologia adotada, o curso de Direito deve enfocar pela ordem:

1. organização de curso;

2. projeto pedagógico;

3. perfil desejado do formando;

4. competências e habilidades;

5. conteúdos curriculares;

6. estágio curricular supervisionado;

7. atividades complementares;

8. sistema de avaliação;

9. trabalho e curso;

10. regime acadêmico;

11. duração do curso.

Por força da Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004686,

instituída para o curso de bacharelado em Direito, as atuais DCNS constituem-se

como:

Diretrizes cuja finalidade é orientar, em âmbito nacional, as Instituições de

Educação Superior – IES, na organização de todos os seus cursos de graduação, e

na flexibilização da organização curricular.

684

Registre-se, por oportuno, que esse parecer, foi incorporado e reexaminado pelo Parecer CNE/CES nº 211, de 8 de julho de 2004, dando origem, posteriormente, à Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004.

685BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17-18.

686Id.

Page 320: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

319

As Diretrizes Curriculares para o curso de Direito definem-se assim, como

orientações cuja finalidade é nortear, em âmbito nacional, as Instituições de

Educação Superior – IES, na organização de todos os seus cursos de graduação, e

na flexibilização da organização curricular.

Percebe-se nitidamente que a Resolução nº 9/2004 não mais trata de

“currículo mínimo”, mas de “conteúdos e atividades essenciais”, dentro de grandes

áreas sem, todavia, detalhá-los.

No entanto, conforme dispõe o art. 5º da Resolução ora sub examen, os

cursos de Direito devem trabalhar conteúdos e atividades que atendam a 3 (três)

eixos de formação interligados, que são os seguintes:

I. Eixo de Formação Fundamental: objetiva integrar ao aluno no campo,

estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber;

II. Eixo de Formação Profissional: abrangendo o enfoque dogmático, o

conhecimento e a aplicação dos diversos ramos, estudados

sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da ciência do

Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e

culturais do Brasil;

III. Eixo de Formação Prática: objetiva a integração entre a prática e os

conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos.

Embora a intenção do legislador do órgão educacional, diga-se Conselho

Nacional de Educação, fosse objetivar com a instituição de diretrizes gerais com a

finalidade de orientar as IES, na configuração de seus cursos e respectivos

currículos jurídicos, servindo assim, de referência para as instituições na

organização de seus programas de formação, permitindo-se maior flexibilidade e

priorização de áreas de conhecimento na construção dos currículos plenos, isso,

todavia, nem na prática nem na lei não ocorreu.

Isso porque, da simples leitura do art. 5 da Resolução nº 9/2004, depreende-

se que o conteúdo e as atividades, não são faculdades, que permitem a IES uma

escolha razoável na configuração de seus currículos, constituem-se, todavia, numa

imposição de conteúdos e atividades, tendo em vista que a norma emprega o termo

“deverá contemplar” e não “poderá contemplar”.

Page 321: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

320

Frise-se, nesse sentido, que o ato administrativo normativo educacional sub

examen indicou expressamente “conteúdos essenciais exigíveis” que devem,

obrigatoriamente, constar em todos e quaisquer currículos plenos de curso de

Direito.

As novas “diretrizes” constituem-se, em verdade, em “conteúdos e atividades

obrigatórios”, equiparando-se, portanto, novamente à antiga configuração de um

“currículo mínimo” cujo paradigma curricular tanto se criticou, no passado.

Constata-se da leitura desse específico ato administrativo normativo de

natureza educacional, no entanto, a clara intenção do legislador em, mais uma vez,

impor de forma heterônoma a configuração de uma estrutura curricular onde será

fixado um “currículo mínimo” para o curso de Direito.

Corrobora essa tese Horácio Wanderlei Rodrigues687 quando assevera que “é

equivocada, portanto, a afirmação de que não existem atualmente currículos

mínimos, mas apenas diretrizes curriculares”.

Ademais, conforme entende Rodrigues688, “esse currículo mínimo é formado,

na Resolução CNE/CES nº 9/2004, pelos conteúdos constantes dos eixos de

formação fundamental e profissional e pelas atividades indicadas no eixo de

formação prática”. Com isso, entende-se que a finalidade das atuais Diretrizes

Curriculares Nacionais para o curso de Direito, não foi plenamente atendida, posto

que, mais uma vez, restaram configuradas em um corpo normativo de matriz

curricular rígido e engessado, confundindo-se, portanto, com os antigos “currículos

mínimos” profissionalizantes.

Diversa não pode ser a interpretação, tendo em vista que esses conteúdos e

atividades são obrigatórios para todos os cursos de Direito, de todas as IES. Além

disso, na organização do curso de Direito e na elaboração dos currículos devem ser

observadas além das Diretrizes Nacionais, os pareceres normativos, indicando

expressamente os componentes curriculares, que abrange o perfil do formando, as

competências e habilidades; os conteúdos curriculares e a duração do curso; o

regime de oferta; as atividades complementares; o sistema de avaliação; o estágio

687

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Porto Alegre: Fundação Boiteux, 2005. p. 201.

688Ibid., p. 201.

Page 322: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

321

supervisionado; o trabalho de curso; ambos componentes obrigatórios da IES, sem

prejuízo de outros que tornem consistentes o projeto pedagógico.

3.8.2 Natureza jurídica da Resolução CNE/CES nº 9/2004

As Resoluções dos Conselhos de Educação têm largo emprego no Direito

Educacional. Dada a importância das decisões do Conselho, para o crescimento do

Direito Educacional, há de se ponderá-las, tais como as decisões emanadas do

Supremo Tribunal Federal.

Resoluções (do latim resolutio, de resolvere significa resolver, deliberar,

romper689) são atos administrativos típicos dos órgãos colegiados.

A Resolução CNE/CES nº 9/2004, que instituiu as novas Diretrizes nacionais

para o curso de bacharelado em Direito, é ato emanado do poder normativo do

Conselho Nacional de Educação.

Para o Direito Administrativo, Resolução é a deliberação ou a determinação,

indicando assim, o ato pelo qual a autoridade pública, ou o Poder Público toma a

sua decisão, impõe uma ordem ou estabelece uma medida. Contudo, tem

significação genérica, pois que atinge qualquer espécie de deliberação ou de

determinação, baixada para ser obrigatoriamente cumprida ou geralmente acatada.

No entanto, no ordenamento jurídico brasileiro, somente por exceção

admitem-se resoluções individuais. Portanto, as resoluções, normativas ou

individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo

inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los, conforme

o campo de atuação da norma, ou os destinatários da providência concreta.

As resoluções são tomadas dentro da autoridade que se outorga ao poder,

pelo que não estão subordinadas nem sujeitas à aprovação ou referenda de

qualquer outro órgão poder.

As Resoluções são também usadas para os atos administrativos internos das

corporações legislativas e tribunais em geral.

689

Cf. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1220-1221.

Page 323: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

322

É ato que se funda na própria atribuição conferida ao órgão ou representante

do Poder Público. Nesta razão, as resoluções entendem-se sempre como atos de

autoridade. E, em regra, dizem respeito a questões de ordem administrativa ou

regulamentar.

Celso Antônio Bandeira de Mello690, segundo clássica lição de Oswaldo

Aranha Bandeira de Mello, define Resolução como sendo a fórmula pela qual se

exprimem as deliberações dos órgãos colegiais.

Segundo Hely Meirelles691, as resoluções são atos administrativos normativos

expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo chefe do Executivo,

que só deve expedir decretos), ou pelos presidentes dos tribunais e órgãos

legislativos, para disciplinar matéria de sua competência específica.

Por essas considerações pode-se concluir que a Resolução CNE/CES nº

9/2004, que instituiu as novas Diretrizes nacionais para o curso de bacharelado em

Direito, trata-se de um ato normativo e regulatório de caráter educacional.

Sob o aspecto formal, como atos emanados dos Conselhos, podem assumir,

além da forma de Resoluções, a forma de Deliberações, Indicações e Pareceres

Normativos.

Sob o aspecto substancial impõe analisar, a Resolução editada pela Câmara

de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação – CNE/CES nº 9/2004,

que instituiu as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Direito,

do ponto de vista estrutural de alguns elementos que se reputam importantes, tais

como:

a) do perfil do aluno em Direito;

b) das formas de realização da interdisciplinaridade constante nesse

instrumento normativo;

c) da flexibilidade na gestão dos currículos jurídicos;

d) das formas de integração entre teoria e prática;

e) dos seus componentes e conteúdos curriculares;

f) das habilidades e competências exigidas na Resolução em apreço.

690

MELLO, 1979, apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 393.

691MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 185.

Page 324: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

323

Relativamente ao perfil do aluno em Direito, o artigo 3º da Resolução sub

examen692, estabelece o perfil desejado do formando dispondo o que um curso de

Direito deverá oferecer ao estudante.

Esse dispositivo legal, na verdade delimita justamente o perfil e os objetivos

do curso a ser oferecido pelas diferentes modalidades administrativas de IES.

Veja-se assim:

Art. 3º - [...] Sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Pela leitura do referido dispositivo, percebe-se que um dos objetivos é

proporcionar a formação humanística do aluno, ou seja, não deve um curso de

Direito se preocupar com um currículo exclusivamente voltado para uma formação

técnico-jurídica.

É preciso, portanto, oferecer ao aluno, a possibilidade de uma formação de

cultura geral, que o prepare para a vida, para o desenvolvimento integral de suas

capacidades e potencialidades como ser humano, no sentido de uma educação

holística e não somente para uma profissão.

3.8.3 Finalidade das diretrizes curriculares para o curso de Direito

As atuais diretrizes curriculares instituídas para o curso de graduação em

Direito devem induzir à criação de diferentes formações e habilitações para cada

área do conhecimento, possibilitando, portanto, definirem-se múltiplos perfis

profissionais, visando e garantindo maior diversidade de carreiras; promovendo a

integração do ensino de graduação com a pós-graduação; privilegiando, no perfil de

seus alunos, as competências intelectuais que reflitam a heterogeneidade das

demandas sociais e regionais onde as IES se encontram geograficamente

localizadas.

692

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 325: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

324

Sob o aspecto pedagógico e educacional, deve-se considerar que as DCNs

atualmente instituídas por força da Resolução do CNE/CES nº 9/2004693, para o

curso de graduação em Direito, devem refletir uma dinâmica que atenda aos

diferentes perfis de desempenho a cada momento exigido pela sociedade, pela

heterogeneidade das mudanças sociais, econômicas e culturais.

Dinâmica curricular para o ensino do Direito que deve ser acompanhada, no

entanto, na realidade de novas e mais sofisticadas tecnologias, novas e mais

complexas situações jurídicas, a exigir até contínuas revisões do projeto pedagógico

do curso jurídico, que assim, se constituirá em caixa de ressonância dessas efetivas

demandas, para formar profissionais do Direito, adaptáveis e com a suficiente

autonomia intelectual e de conhecimento para que se ajuste sempre às

necessidades emergentes, revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética,

senso de justiça e sólida formação humanística.

Segundo José Eduardo Faria694, o Direito pode ser concebido de dois modos:

como tecnologia de controle ou como atividade científica.

Enquanto tecnologia de controle, seu ensino será unidisciplinar, meramente

informativo, despolitizado, massificador e dogmático, estruturado em torno de um

sistema jurídico autárquico, auto-suficiente, completo, lógico e formalmente

coerente.

Enquanto atividade científica, crítica e especulativa, seu ensino será

formativo, não-dogmático e multidisciplinar, organizado a partir de uma interrogação

sobre a dimensão política, sobre as implicações socioeconômicas e sobre a

natureza ideológica de toda e qualquer ordem jurídica.

Parece que, especificamente nesse aspecto, a Resolução CNE/CES nº

9/2004 procura equilibrar-se entre os dois extremos.

693

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

694FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987. p. 27-33.

Page 326: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

325

3.8.4 Diferenças entre a Portaria MEC nº 1.886/94 e a Resolução CNE/CES nº

9/2004

Houve uma considerável mudança na estrutura curricular prevista na Portaria

MEC nº 1.886/94 e Resolução CNE/CES nº 9/2004.

No art. 6 da Portaria nº 1.886/94, por exemplo, estabelecia-se o conteúdo

mínimo do curso de Direito, além do estágio. As matérias contidas nesse artigo

poderiam, contudo, estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de

cada curso.

Frise-se, no entanto, que “matéria” e “disciplinas” não são palavras sinônimas.

Como adverte Katya Kozicki695, a matéria é o conteúdo, enquanto que a

disciplina é o continente. Assim sendo, uma matéria pode estar integralmente

contida em uma disciplina, bem como, pode estar desdobrada em várias. Entretanto,

o conteúdo mínimo previsto pela Portaria nº 1.886/94 diz respeito a matérias, mas a

composição delas em disciplinas fica a critério de cada curso, na organização de seu

currículo pleno. O art. 6 da Portaria MEC nº 1.886/94 explicita as “matérias

fundamentais”, a saber:

Introdução ao Direito;

Filosofia (Geral e Jurídica, Ética Geral e Profissional);

Sociologia (Geral e Jurídica);

Economia e Ciência Política (com Teoria do Estado).

Por seu turno, a Resolução nº 9/2004, em seu art. 5, estabelece quais são os

“conteúdos e atividades” que o curso de Direito deverá contemplar em seu projeto

pedagógico, em sua organização curricular. O inciso I do art. 5 da Resolução nº

9/2004 estabelece os “conteúdos” relativos ao eixo de formação fundamental, que

são:

Antropologia;

Ciência Política;

Economia;

695

KOZICHI, Katya. Afinal, o que significa uma “Teoria do Direito”? In: CERQUERIA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 20.

Page 327: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

326

Ética;

Filosofia;

História;

Psicologia;

Sociologia.

Nota-se que são suprimidas as referências à divisão da Sociologia e da

Filosofia em geral e jurídica. Percebe-se, também, a ausência de referência à Teoria

do Estado. A Ética ganha um caráter mais autônomo nessa nova configuração

normativa sendo, inclusive, separada da Filosofia. Desaparece a disciplina de

Introdução ao Estudo de Direito.

Percebe-se, também, que a Resolução nº 9/2004, transforma, ainda, o

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), exigido na Portaria nº 1.886/94, em

Trabalho de Curso (TC).

3.8.5 Componentes estruturais curriculares na Resolução CNE/CES nº 9/2004

A organização dos cursos jurídicos696 se expressa mediante a elaboração de

seu projeto-pedagógico, que compreende diversos componentes, tais como:

a) o perfil do formando;

b) as competências e habilidades;

c) o estágio curricular supervisionado;

d) as atividades complementares;

e) a duração do curso, a carga horária das atividades didáticas;

f) as condições de oferta e a vocação do curso;

g) o regime acadêmico;

h) o sistema de avaliação;

i) o trabalho de curso;

j) os modos da integração entre graduação e pós-graduação;

k) as formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

l) o regime acadêmico de oferta;

m) as formas de realização da interdisciplinaridade;

696

Conforme dispõe, atualmente, o art. 2º da Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 328: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

327

n) os modos de integração entre teoria e prática;

o) as formas de implantação;

p) a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica.

3.8.6 Síntese da configuração dos conteúdos dos componentes curriculares

dentro dos eixos de formação fundamental, profissional e prática

Os conteúdos dos componentes curriculares exigíveis, de maneira obrigatória,

atualmente em qualquer currículo pleno do curso de Direito, são constituídos, por 3

(três) eixos de formação:

Page 329: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

328

Quadro 16 – Síntese da configuração estrutural das Diretrizes Curriculares na Resolução CNE/CES nº 9/2004

Resolução CNE/CES nº 9/2004: Conteúdos e Atividades expressamente obrigatórios

1 - Eixo de Formação Fundamental

Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Sociologia, Psicologia.

2 - Eixo de Formação Profissional

Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual.

3 - Eixo de Formação Prática

Estágio Supervisionado, Trabalho de Cursos, Atividades Complementares.

Resolução CNE/CES nº 9/2004: Conteúdos e Atividades indiretamente obrigatórias

Decorrentes do perfil definido para o egresso e da necessidade de trabalhar competências e habilidades

Técnicas de redação jurídica,

Hermenêutica jurídica, Teoria da argumentação,

Tecnologias, Metodologia à pesquisa do

Direito, Teoria do Direito, Teoria do Processo, Estudos de casos.

Outros conteúdos e atividades obrigatórios

Constituição Federal Brasileira de 1988 (art. 5º)

Os conteúdos e atividades necessários ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e seu preparo para a cidadania

Conteúdos propostos nessa tese a serem incluídos na configuração das Diretrizes Curriculares

Constituição Federal (art. 225, § 1º, inc. 6º) da lei nº 9.795/1999 e Decreto nº 4.281/2002 (Educação Ambiental)

Educação Ambiental Temas e Práticas

Integradas: Interdisplinares e Transdicisplinares Educação à Distância Educação para 3ª Idade Novos Direitos: Difusos e

Coletivos: Estatuto da Criança e do Adolescente, Direito do Consumidor

Lei n° 9.394/1996 (LDB, art. 43, inc. III) Lei n° 10.172/2001 (PNE) e Resolução CNE/CES n° 9/2004 (art. 2º)

Pesquisa e Extensão

Lei n° 10.861/2004 (SINAES) art. 5º, § 5º

ENADE

Page 330: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

329

3.8.7 Elementos estruturais na Resolução CNE/CES nº 9/2004

Os elementos estruturais, no projeto pedagógico do curso de Direito, além da

sua concepção, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua

operacionalização, deverá abranger, segundo exigência do art. 2, § 1º da Resolução

nº 9/2004, os seguintes elementos:

I. concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às

suas inserções institucional, política, geográfica e social;

II. condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III. cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV. formas de realização da interdisciplinaridade;

V. modos de integração entre teoria e prática;

VI. formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII. modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII. incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da

atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;

IX. concepção e composição das atividades de estágio curricular

supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem

como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática

Jurídica;

X. concepção e composição das atividades complementares; e,

XI. inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.

3.8.8 Formas de realização da interdisciplinaridade na Resolução CNE/CES n°

9/2004

As matrizes curriculares dos cursos de Direito são elaboradas, em geral, de

forma compartimentada, impedindo a integração das diversas áreas e dificultando a

formação integral do futuro bacharel.

As novas Diretrizes Curriculares, consubstanciada pela Resolução n° 9/2004,

em seu art. 2º, parágrafo 1º, inciso IV, exige que o curso de Direito, por meio da

concretização da elaboração de seus currículos, realize a interdisciplinaridade,

Page 331: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

330

entretanto, será o projeto pedagógico de cada curso, que deverá especificar as

formas de sua realização.

Nesse sentido dispõe expressamente o art. 2, parágrafo 1º, inciso IV, da

Resolução sub examen:

Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

§ 1º O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

[...]

IV - formas de realização da interdisciplinaridade; (grifo nosso).

No entanto, é preciso considerar que não basta, como ocorre na maioria dos

cursos de Direito, a simples inclusão no currículo de uma série de disciplinas de

áreas afins e que propiciem, cada uma delas, uma visão estanque do fenômeno

jurídico, acarretando, dessa maneira, um conjunto de visões diferenciadas e isoladas

do mesmo objeto, sem, no entanto, propiciar ao aluno uma perspectiva concreta de

sua integralidade.

O discurso educacional tradicional tem como vertente a formação integral,

todavia, a realidade é invertida, volta-se ao individualismo de cada disciplina,

impedindo a formação do cidadão crítico, consciente de sua participação social e

política, sem a base sólida da formação global voltada ao desenvolvimento de suas

potencialidades, suas habilidades e competências.

A sociedade atualmente exige uma vivência interdependente com as diversas

áreas do saber. No entanto, a formação universitária atual pouco contribui para a

integralidade do ser humano, em razão da fragmentalidade do que é ensinado e a

ausência de comunicação com outros saberes, o que dificulta uma visão globalizada

Page 332: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

331

sobre os fenômenos observados durante o curso que, por via de conseqüência,

refletirá na vida profissional do aluno.697

Nesse contexto a interdisciplinaridade exerce papel fundamental por propiciar

um diálogo entre as várias áreas do conhecimento, quebrando as barreiras do

individualismo sem deixar de respeitar as peculiaridades de cada uma e buscar

pontos de conexão enriquecedores para a interpretação, seja do fato, da norma ou

da doutrina jurídica.

Consta-se na maioria das IES privadas, no entanto, a configuração de um

paradigma curricular restritivamente técnico e utilitarista698, freqüentemente

implantado e reverenciado nos currículos do curso de Direito.

É preciso, portanto, superar esse modelo, ceder lugar à formação integral do

aluno no curso de Direito, visando ao seu desenvolvimento multifocal constituído de

habilidades cognitivas, sociais, estéticas, morais e afetivas, pois ensinar como diz

Paulo Freire699:

Não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido.

Por isso mesmo a necessidade de buscar novos caminhos, técnicas e

recursos, a fim de proporcionar a curiosidade do educando, despertando interesse

pelo conhecimento e aquisição das mais diversas formas metodológicas, dentro e

697

Cf. MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. (Org.). O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 18.

698Utilitarismo doutrina ética defendida por John Stuart Mill, exposta na sua obra Utilitarianis como também por Jeremy Bentham no texto de sua autoria Introduction to the principles of Morals and Legislation. Pode-se acrescentar ainda, o elemento na teoria política de Hume em sua obra Concerning the Principles of Morals. Na definição de Mill, as ações são boas quando tendem a promover a felicidade, más quando tendem a promover o oposto da felicidade. As ações, boas ou más, são consideradas assim do ponto de vista de suas conseqüências, sendo que o objetivo de uma boa ação, de acordo com os princípios do utilitarismo, é promover em maior grau o bem geral. As críticas ao utilitarismo geralmente apontam para a dificuldade de se estabelecer um critério de bem geral, para o fato de que essa doutrina aceita o sacrifício de uma minoria em nome do bem geral, e para a não-consideração das intenções e motivos nos quais a ação se baseia, levando em conta apenas seus efeitos e conseqüências. Colomer, por exemplo, define utilitarismo como sendo uma linha de pensamento individualista e racional, que se baseia num certo relativismo moral e na aversão às ficções transcendentais, que promover a busca do prazer e da felicidade, que propõe o egoísmo inteligente e as relações humanas com mútuo benefício. COLOMER, Josep M. El utilitarismo: una teoría de la elección racional. Montesino, Barcelona, 1987. p.9.

699FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 119.

Page 333: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

332

fora da sala de aula; envolvendo, assim, não somente a área do Direito, de

conhecimento específico, mas também de outras áreas e outros saberes.

A cultura interdisciplinar desenvolve capacidades e habilidades que,

certamente, auxiliaram o acadêmico a pensar e agir com criatividade, articulando as

áreas diferenciadas de saberes na busca de soluções necessárias para o

desenvolvimento da sua área de atuação profissional, dentro da perspectiva

mundializada e complexa do século XXI.

A interdisciplinaridade como proposta de construção de um novo paradigma

no ensino jurídico como fator de rompimento do velho e ultrapassado modelo do

conhecimento fragmentado propicia a formação integral do acadêmico como

profissional do Direito e instrumento de transformação social, conforme ensina Jurjo

Torres Santomé700:

a) desperta interesse e curiosidade dos estudantes, pois o que se estuda

está sempre vinculado a questões reais e práticas, estimulando os sujeitos

a analisarem os problemas nos quais se envolvem, e procurar soluções

para os mesmos;

b) permite a adaptação à mobilidade e flexibilidade nas futuras atividades

profissionais, contribuindo para o pensar e agir interdisciplinarmente;

c) favorece a integração institucional. Os educadores participam de uma

equipe com metas comuns;

d) permite abordar conhecimentos e questões que não estão ligados

especificamente a uma área, mas a todas como ecologia, educação

sexual, guerra e paz, discriminação, por exemplo.

Depreende-se daí, como aponta Fernando Frederico de Almeida Júnior701, a

necessidade de cada vez mais se preocupar com os conteúdos e atividades

integrantes do denominado “eixo de formação fundamental”, que têm como objetivo

integrar o aluno do Direito, estabelecendo relações interdisciplinares, com outras

áreas do saber, especialmente, os conteúdos de conhecimento da Antropologia,

700

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 83.

701ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Frederico de. Os atuais objetivos do ensino de Direito no Brasil. In: CERQUEIRA, Daniel Torres; CARLINI, Angélica; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. (Org.). 180 anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: Millenium; ABEDi, 2008. p. 171-209.

Page 334: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

333

Ciência Política, Ética, Filosofia, História, Educação, Psicologia, Sociologia,

Economia.

Essa construção pedagógica interdisciplinar deve se iniciar com os conteúdos

do eixo de formação fundamental, denominado também de “disciplinas

propedêuticas” em relação à Constituição Federal e o tema dos Direitos Humanos

como eixos temáticos comuns a todas as disciplinas, considerando a maturidade

acadêmica dos alunos.

Há necessidade de se estender além dos estudos que envolvam conteúdos

interdisciplinares já expressamente exigidos como dispõe o art. 2, § 1º, inciso IV, da

Resolução CNE/CES nº 9/2004; conteúdos curriculares inclusive de caráter

transdisciplinar e multidisciplinar, tendo em vista que o currículo jurídico não pode

mais permanecer isolado, estanque, fragmentado no conhecimento epistemológico

das disciplinas702, oferecidas no curso de Direito, arraigado a metodologias de

ensino anacrônicas e superadas.

Na continuidade do processo, por exemplo, os demais conteúdos dos eixos

de formação profissional e prática, devem ser ministrados tendo como pontos

comuns temas transversais propostos de forma consensual, pelo corpo docente,

discente, coordenação ou direção da IES, a exemplo do tema “Desenvolvimento

Sustentável”.

Outro exemplo, já citado anteriormente nessa tese, é o tema que versa sobre

“Novos Direitos”. Assim, a cada semestre temas gerais transversais são propostos

para serem trabalhados por mais de uma “disciplina”, integrando assim

conhecimentos com o objetivo de criar a cultura de inter e transdisciplinaridade com

suporte de aplicação de uma nova pedagogia para o curso de Direito.

Deve-se, pois, evitar que o conhecimento jurídico fique isolado das demais

áreas do saber, assim como repelir a configuração de um currículo que enfoque

estritamente o ensino técnico-profissional.

702

A disciplina é um termo que toma sentido particular no contexto escolar. A disciplina escolar aparece no início do século. O termo substitui curso, matéria, e assinala um esforço de sistematização dos saberes ensinados. Até o fim do século XIX, a disciplina escolar é primeiramente a política de estabelecimentos, a repressão das condutas repreensíveis segundo a boa ordem. O termo descreverá progressivamente uma maneira de disciplinar o espírito, um trabalho ordenado segundo regras e métodos seguros. Por extensão, a disciplina torna-se uma área de saber abordada na escola: é o sentido que reconhecemos hoje no âmbito de ensinos disciplinares. A disciplina é, portanto, tanto a maneira quanto o conteúdo de um saber particular. Cf. MORANDI, Franc. Modelos e métodos em Pedagogia. Bauru: EDUSC, 2002. p. 56.

Page 335: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

334

É necessário, portanto, proporcionar uma formação cultural geral ao aluno de

Direito. Isso somente é possível mediante a configuração de um currículo jurídico

voltado para a defesa da existência digna da pessoa humana, dos seus valores, dos

seus princípios éticos e morais.

Currículo jurídico que envolva com seus conteúdos o contato do aluno com as

desigualdades sociais e econômicas, e cuja matriz curricular evite a todo custo, uma

formação jurídica tradicional impregnada da práxis forense centrada na tecnicidade,

no dogmatismo e positivismo excessivo na interpretação e da valoração dos

fenômenos jurídicos, a fim de que o estudante perceba, criticamente, a instituição

jurídica, seu funcionamento, em consonância com a realidade.

Currículo jurídico, ainda, que constituído de valores e princípios éticos, com

conteúdos de aprendizagem de exigência normativa interdisciplinar, mas também

transdisciplinar voltado nesse diapasão, para a formação do bacharel numa

perspectiva humanística, sem esquecer, no entanto, a cientificidade do Direito.

Porém, que seja compromissado com a realização da Justiça na mudança da

realidade global e local, dentro de uma perspectiva integradora, que ultrapasse os

limites do conhecimento fragmentado de acumulação estéril de conhecimento e

dissociado da necessidade e utilidade social.

Currículo jurídico, cujo conjunto das disciplinas, deve ser distribuído, de forma

a propiciar, portanto, além de uma visão integrada do fenômeno jurídico e, ao

mesmo tempo, uma formação voltada ao mercado de trabalho e às necessidades

locais e regionais, uma formação e vertente humanística e ética, e que para ser

eficaz e completo deve ser metodologicamente integrado, abandonando a visão de

um currículo local, regional, para tornar-se interdisciplinar, transdisciplinar,

transnacional, global e planetário.

O currículo jurídico deve, portanto, envolver, numa justa medida, os mais

diversos saberes.

Segundo Edgar Morin703:

A inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre um saber fragmentado em elementos desconjuntados e compartimentados nas disciplinas, de um lado e, de outro, entre as realidades multidimensionadas,

703

MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002. p. 14.

Page 336: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

335

globais, transnacionais, planetárias e os problemas cada vez mais transversais, polidisciplinares e até transdicisplinares.

Com base no pensamento de Edgar Morin, entende-se que não só a

interdisciplinaridade, mas, também, a transdisciplinaridade se constituem num dos

maiores desafios para a educação jurídica do século XXI.

Hilton Japiassú afirma que a interdisciplinaridade704

Corresponde a uma nova etapa do desenvolvimento do conhecimento científico e de sua visão epistemológica, que exige que as disciplinas científicas, em seu processo constante e desejável de interpenetração, fecundem-se cada vez mais reciprocamente. A interdisciplinaridade é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que as disciplinas interajam entre si.

Em perspectiva restrita Gaudencio Frigotto705, entende que a

interdisciplinaridade para o Direito é uma necessidade, porém para o autor a mesma

se impõe como problema fundamental epistemológico nas ciências sociais e no

plano material, histórico e cultural. Frigotto, portanto, não aceita interdisciplinaridade

como método de investigação científica, nem como técnica didática.

Por outro lado, inserido numa perspectiva mais abrangente, encontra-se o

posicionamento de Antonio Severino706, para quem a questão do conceito de

interdisciplinaridade passa pelo entendimento do conceito de totalidade.

No conceito de totalidade, enquanto categoria de análise da realidade, o ser

humano e suas criações são concebidos como uma construção histórica, cultural e

social.

Para o autor, os elementos constituintes do conceito de totalidade são: o

sujeito intencional (a sociedade), o projeto socioeducacional (sempre intencional) e a

cultura (universo do saber).

No entender de Antonio Severino707, o ser humano e a cultura, são realidades

unas, todavia, a prática da educação é fragmentária, pois separa o ser humano do

universo da cultura.

704

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p.145.

705O pensamento de Gaudencio Frigotto, autor de influência marxista está exposto na obra de BIANCHETTI, Lucídio; JANTSCHI, Ario Pauyklo. (Org.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 28-35.

706SEVERINO, Antonio. Educação e transdisciplinaridade. São Paulo: Lucena, 2005. p. 307.

707 Ibid., p. 307.

Page 337: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

336

Para superar essa fragmentação advoga a idéia da educação enquanto

projeto e pesquisa científica, enquanto processo interdisciplinar, vistos e

compreendidos pelo olhar de seu conceito de totalidade.

No mesmo diapasão, Hilton Japiassú entende que a transdiciplinaridade708

Corresponde a uma abordagem científica, cultural, espiritual e social, que diz respeito ao que está entre as disciplinas, através das disciplinas e além das disciplinas. Pode atravessar as disciplinas e criar um campo de conhecimento onde seja possível a existência de um novo paradigma ou de um novo modo de coexistência e diálogo entre os filósofos e as ciências naturais e humanas, sem que haja nenhuma hierarquia entre esses diversos

modos de problematização e experimentação.

Nos debates sobre o ensino do Direito, esses dois termos vêm ganhando

cada vez mais espaço, particularmente, no que se refere à interligação dos saberes

das diretrizes curriculares do ensino jurídico, visto que tanto a interdisciplinaridade

como a transdiciplinaridade propõem uma nova atitude epistemológica, diante da

questão do conhecimento jurídico.

O caráter imprescindível do trabalho curricular interdisciplinar na produção do

conhecimento jurídico não decorre de nenhuma arbitrariedade racional abstrata, mas

sim da própria forma de o homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito

e objeto do conhecimento social.

A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, como metodologia de ensino

e como perspectiva epistemológica do conhecimento, são ambas imprescindíveis

como elementos fundamentadores de sentido e significado, dentro do atual contexto

do ensino no curso de Direito.

A interdisciplinaridade deve ser compreendida como a ligação entre as

disciplinas de uma mesma área do conhecimento, no caso do Direito, tais como:

a) Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro e Tributário;

b) Direito Civil, Empresarial, Consumidor e Econômico;

c) Direito Penal, Trabalhista e Ambiental, etc.

A ação interdisciplinar, portanto, é o primeiro passo para a relação entre as

disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade, respondendo à necessidade de

708

JAPIASSÚ, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 39.

Page 338: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

337

superação dos entraves causados pelo paradigma de fragmentação disciplinar

atribuído ao Racionalismo.709

Isso porque se entende que − o pensamento interdisciplinar, fugindo de uma

análise tecnicista do ordenamento jurídico brasileiro − pode constituir-se na base

para a transformação da realidade no Direito.

Por esse caminho epistemológico e metodológico do conhecimento é possível

compreender o fenômeno jurídico em suas múltiplas particularidades, ampliar o

universo cognitivo da própria ciência jurídica.

Enquanto que o pensamento transdisciplinar710, também denominado

multidisciplinar, é complementar à abordagem disciplinar – enseja que novos dados

aflorem a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si, não no

sentido da procura da mestria entre várias disciplinas, mas para a abertura de todas

as disciplinas ao que as une e as ultrapassa.

A transdisciplinaridade propugna a recusa de toda e qualquer atitude que

rejeite o diálogo e a discussão, qualquer que seja sua origem, a fim de se incluírem

os mais diferentes níveis de realidade.

Registre-se que há autores que fazem uma distinção entre os termos

“interdisciplinaridade”, “pluridisciplinaridade” “multidisciplinaridade” e

“transdisciplinaridade”.

Para Dilsa Mondardo, Elizete Lanzoni Alves e Sidney Francisco Reis dos

Santos711, por exemplo, a Interdisciplinaridade consubstancia-se na inter-relação

entre as disciplinas, considerando seus objetivos e metodologias próprias para a

estruturação de um conhecimento compartilhado.

Exemplo de como isso ocorre é a relação entre Psicologia, Direito e Serviço

Social para atendimento ao público em um Núcleo de Prática Jurídica, com a

aplicação dos conhecimentos inerentes a cada uma das áreas envolvidas.

709

Cf. PERRENOUD, Philipe; THURLER, Monica Gather et. al. As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 72

710Para uma referência mais profunda veja-se a crítica de D‟AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997. P. 13-36.

711MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. (Org.). O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 22.

Page 339: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

338

Na Pluridisciplinaridade definem-se objetivos pedagógicos comuns das

disciplinas, proporcionando relações complementares entre elas. Exemplo: Teoria

Geral do Direito (da norma, do ordenamento jurídico, etc.).

A Multidisciplinaridade é uma etapa para a interdisciplinaridade, e esta uma

etapa para a transdisciplinaridade, ou seja, é a integração de conteúdos de

disciplinas heterogêneas, mas sem comunicação entre elas. Exemplo: a triagem das

pessoas atendidadas em um Núcleo de Prática Jurídica feita por profissionais e

acadêmicos das áreas do Direito, Psicologia e Serviço Social, mas sem diálogo

sobre os casos atendidos.

A Transdisciplinaridade é o grau ulterior das relações entre disciplinas, sem

escopo de integração e reciprocidade, mas de construção de sistemas ou ciência

global, comunicam-se além das áreas existentes na atualidade. Por exemplo: o

estudo da clonagem na Engenharia Genética, a Nanotecnologia (Micro robots) na

Exobiologia (pesquisa de vida em outros planetas).

É preciso considerar, entretanto, que essa nova dinâmica curricular que

propõe a transdisciplinaridade é desconhecida nos meios acadêmicos brasileiros.

Talvez porque, como afirma Ubiratan D´Ambrosio712:

[...] a universidade seja pedante, recusando-se a academia a leitura de textos transdisciplinares. Da mesma forma que recusa uma discussão sobre problemas educacionais a partir da Escolinha do Professor Raimundo e recusa um estudo da sociedade brasileira através das telenovelas da Rede Globo. Ou superamos esse ranço acadêmico ou estaremos fadados a uma escola – em especial uma universidade – desvinculada da realidade.

De qualquer modo, é preciso apontar-se o interessante estudo sobre a

interdisciplinaridade de Julie Thompson Klein, intitulado Interdisciplinarity – History,

Theory & Practice,713 aponta-se ainda a coletânea Interdisciplinary Analysis and

Research.714

712

Ubiratan D‟Ambrosio é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, em São Paulo. Doutro em Matemática. Foi pró-reitor de Desenvolvimento Universitário da UNICAMP e chefe da unidade de melhoramento de sistemas educativos do Departamento da Organização dos Estados Americanos em Washington. Reportamo-nos aqui à sua obra Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997. p. 86.

713KLEIN, Julie Thompson. Interdisciplinary - history, theory & practice. Detroit: Wayne State University Press, 1990. p. 3-79.

714CHUBIN, Darly E.; PORTER, Alan; ROSSINI, Frederick A.; CONNOLLY, Terry. Interdisciplinary analysis and research. Lomond Publication Inc.: Mt. Airy, 1986. p. 27-99.

Page 340: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

339

No Brasil, sobre a transdiciplinaridade, menciona-se a obra de Pierre Weil,

Ubiratan D‟Ambrosio e Roberto Crema, Rumo à Nova Transdisciplinaridade –

Sistemas Abertos de Conhecimento715 e, também, as obras sobre a

transdisciplinaridade de Hilton Japiassú: O sonho transdisciplinar e as razões da

Filosofia716 e a Interdisciplinaridade e patologia do saber.717

Saliente-se que a última tem ampla circulação no meio educacional e foi

prefaciada pelo filósofo Georges Gusdorf, um dos defensores, na França, do

pensamento interdisciplinar.

Segundo George Gusdorf718 o mundo em que vivemos:

[...] padece de uma doença muito grave, pois a racionalidade científica desnatura a natureza e desumaniza o homem, uma vez que a harmonia da aliança entre o homem, o mundo e Deus, o advento da ciência moderna, de Galileu a Newton arruinou.

Para George Gusdorf719 “se a doença do mundo moderno corresponde a um

fracasso, a uma demissão do saber, chegou o momento de uma nova

epistemologia”.

Trata-se, portanto, de preparar as grandes linhas de uma nova cultura, pois a

inteligência humana já é, por essência, interdisciplinar.

Ainda, segundo George Gusdorf720, quanto mais de desenvolvem as

disciplinas do conhecimento, diversificando-se, mais elas perdem o contato com a

realidade humana; por isso a dissociação sempre crescente das disciplinas

científicas, segundo um processo de inflação galopante, constitui a expressão de um

desmembramento da realidade humana.

A aproximação disciplinar – que pode adquirir vários matizes ou níveis (multi,

pluri, inter, transdisciplinar) e que pode ser adjetivada de várias maneiras – viria

como um remédio para esse mundo doente, para um mundo cuja harmonia se

perdeu.

715

WEIL, Pierre; D‟AMBROSIO, Ubiratan; CREMA, Roberto. Rumo à nova transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento. São Paulo: Sumus, 1993. p. 3-49.

716JAPIASSÚ, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006. passim.

717Id. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. passim.

718GUSDORF, Georges. Prefácio. In: JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 7-27.

719Ibid., p. 7-27.

720Ibid., p. 7-27.

Page 341: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

340

A interdisciplinaridade visa à totalidade do saber, a única que possibilitará a

promoção da humanidade do homem. Assim, sob a ótica da interdisciplinaridade,

dentre os vários autores do segmento educacional que se dedica ao tema, Ivani

Fazenda pode ser apontada, no entanto, como responsável por farta produção

acadêmica que examina a interdisciplinaridade.

Para essa autora721, entretanto, a transdisciplinaridade é um ideal utópico,

visto que a própria idéia de transcendência pressupõe uma instância científica que

imponha autoridade às demais.

Discorda-se, respeitosamente, da autora por entender que diante da atual

configuração curricular do ensino jurídico, é possível tanto permitir uma abordagem

curricular interdisciplinar quanto transdisciplinar, considerando que o currículo do

Direito historicamente impõe a seu curso – de forma inadequada – total ausência de

comunicação com os outros saberes, solidão curricular das disciplinas jurídicas pela

aplicação restrita do positivismo e dogmatismo jurídico.

Em sentido contrário a defensa de paradigmas curriculares de perspectiva

transdisciplinar aplicada ao Direito, aponta-se Sidney Francisco Reis dos Santos722,

para quem, o Direito, não pode tratar de temas transdisciplinares, mas

exclusivamente de temas interdisciplinares.

Discorda-se, todavia, desses entendimentos de perspectiva epistemológica

restritiva, pois entende-se que o tipo de conhecimento científico transdisciplinar que

se comunica além das áreas de ciências específicas é o reconhecimento de que não

há espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar –

como mais corretos e verdadeiros – complexos de explicações e de convivência com

a realidade.

Ao contrário, entende-se que a transdisciplinaridade é uma postura

transcultural de respeito pelas diferenças; de solidariedade na satisfação das

necessidades fundamentais, e de busca de uma convivência harmoniosa com o

outro.

721

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Dentre as obras mais relevantes destacam-se: Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1999. O que é a interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro. São Paulo: Loyola, 1993.

722SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. A vivência da interdisciplinaridade: uma nova perspectiva para o operador jurídico. In: MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni. (Org.). O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 35-51.

Page 342: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

341

Respeitadas as peculiaridades de todas as disciplinas, cumpre buscar sempre

os pontos de conexão, enriquecedores de interpretação da norma, do fato social, do

Direito e da doutrina jurídica, do que resulta invariavelmente um diálogo fecundo e

enriquecedor com outros caminhos do conhecimento e outros saberes. Com efeito, o

mundo e a própria sociedade brasileira exige essa vivência interdependente do

Direito com as diversas áreas do conhecimento.

A ciência do Direito, como ciência especializada, não pode se fechar, no

soberbo isolamento da sua técnica. Pois, assim fazendo, separa-se de suas origens

e de seus fins, incapaz de se situar na totalidade do saber, na realidade humana,

perde qualquer valor cultural e torna-se um fator de alienação, como atesta de modo

evidente a crise atual da nossa civilização.

Importa, portanto, não perder de vista que à ciência do Direito convém estar

em sintonia permanente com as novas exigências da vida real, razão por que é

preciso cultivar o Direito em consonância com o paradigma de sociedade na qual ele

vive e encontra-se inserido.

É preciso repensar a dimensão educacional como cultura de formação

profissional continuada, de forma a propiciar desde os primeiros passos no ensino o

desenvolvimento de capacidades e habilidades imbricadas no currículo jurídico de

maneira continuada e sistemática.

Como defende Ada Dencker723:

Para uma efetiva transcendência dos objetos/objetivos particulares das diferentes disciplinas, a organização do trabalho escolar necessita de metas que transcendam os limites e os territórios das diferentes disciplinas, o que tem contribuído para situar a idéia de transdisciplinaridade no centro das atenções. No mesmo sentido em que se consolida a sensação de que o conhecimento passa a significar o deslocamento do foco das atenções dos conteúdos disciplinares para os projetos das pessoas.

De fato, o processo de aprendizagem ocorre ao longo da vida do indivíduo, ou

seja, a educação é permanente, por isso a necessidade da busca constante de

novos instrumentos e mecanismos metodológicos, que superem os limites de uma

educação e pedagogia tradicional.

723

DENCKER, Ada de Freitas Maneti. Pesquisa e interdisciplinaridade no ensino superior. São Paulo: Aleph, 2002. p. 149.

Page 343: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

342

É preciso, portanto, romper no ensino e no currículo jurídico as barreiras do

comodismo e ousar pensar e agir diferente, inovar e desenvolver uma visão geral,

integral, qualitativa e dinâmica.

A vida social regulada pelo Direito, entretanto, passa por transformações

contínuas, sujeitas, como tudo o que existe, a incertezas, imprevisibilidades, e

acasos, propensa a moldar-se aos acontecimentos, envolta em cores e matizes

variados.

Diante disso, o que se espera dos profissionais jurídicos da era dos novos

Direitos, é o seu comprometimento com a sociedade, com a capacidade de se

adaptar às novas contingências, a partir de reflexões inter e multidisciplinares, com

competência técnica, porém sem esquecer a cientificidade do Direito.

Impende, portanto, ao agente do Direito aproximar-se de seu objeto de estudo

com o espírito aberto e flexível, de tal sorte a compreender as rápidas e constantes

transformações sociais, interpretando a norma com espírito crítico, liberto de um

pensamento simplista, dogmático e fragmentário, excluindo o Direito da Justiça.

Na verdade, todo o modelo educacional e curricular brasileiro está a exigir

uma transformação de mentalidade. Nesse sentido, faz-se imperiosa uma educação

voltada para os desafios da complexidade, que se insurja contra a separação

fragmentária das disciplinas incapaz de captar o que está tecido em conjunto.

Admoesta Edgar Morin724,

Nossa formação escolar, mais ainda a universitária, nos ensina a separar os objetos de seu contexto, as disciplinas umas das outras para não ter que relacioná-las. Essa separação e fragmentação das disciplinas são incapazes de captar “o que está tecido em conjunto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo.

Parecem sobrar razões para que o aluno de Direito guarde distância de toda

visão determinista, mecanicista, formalista e quantitativa, que ignora, oculta e

dissolve tudo o que é subjetivo, afetivo, livre e criador. Tal visão, com efeito, apenas

separa as disciplinas.

724

MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17.

Page 344: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

343

O caminho a percorrer é, portanto, o que aponta uma perspectiva integradora

do pensamento e das relações humanas, sobretudo, participativa na prática

comunitária, concentrada na efetiva inserção social e na Justiça.

Nesse diapasão, percebe-se que não é possível continuar admitindo a

incapacidade dos alunos de analisar o Direito à luz dessas transformações, dos

novos fenômenos sociais, políticos, culturais e econômicos.

Considerando isso, a delimitação das fronteiras do saber jurídico deve se dar

dentro da concepção de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

À Academia cabe, portanto, reconhecer urgentemente os novos paradigmas

do conhecimento científico, partindo daí para uma nova dinâmica curricular,

incorporando modelos de inter e transdisciplinaridade, assim como o

multiculturalismo725 conseqüente.

Para tal intento, é preciso na confecção dos seus currículos jurídicos que haja

uma Teoria do Direito que possa refletir sobre estes caminhos enquanto objeto da

ciência específica do Direito, criando paradigmas e construindo hipóteses a serem

analisadas.

Da mesma forma que é necessária uma dogmática jurídica que seja capaz de

compreender a complexidade do Direito, enquanto instrumento regulador de

comportamentos e técnicas de decisão de conflitos, cujos conteúdos acerca de um

delineamento de uma Teoria do Direito, aliás, encontram-se ausentes no texto das

atuais Diretrizes Curriculares instituídas pela Resolução nº 9/2004.

No entanto, é preciso frisar que a compreensão cuja proposição para inclusão

faz-se nesse trabalho, deve-se dar, não mais a maneira proposta pelo Positivismo,

mas sim, em um viés que abre a Teoria Jurídica, a realidade social e aos discursos

plurais do contexto atual de profundas mudanças históricas, jurídicas, culturais e

econômicas.

725

Segundo posicionamento de Ubiratan D‟Ambrosio, com o qual compartilhamos, a educação multicultural é a direção necessária que deve tomar o processo educativo para fazer frente à complexidade de um mundo que se globaliza num ritmo crescente. D‟AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997. p. 86. No entanto, o grande objetivo é evitar que o processo de globalização conduta, no entanto a uma homogeneização, cujo resultado é a submissão e mesmo a extinção de várias expressões culturais. Assim como a biodiversidade é essencial para a continuidade da vida, a diversidade cultural é essencial para a evolução do potencial criativo de toda a humanidade. Novos modos de pensamento e de expressão só podem resultar de uma dinâmica de encontros culturais.

Page 345: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

344

Inseridas nesse contexto de permanentes mudanças e transformação, as

Instituições de Ensino Superior - IES, especialmente a universidade − precisam ser

repensadas, com o fito de criar ocasiões e novas configurações curriculares

integradoras da realidade social, econômica, política, jurídica, cultural e educacional

do país e do mundo.

Urge repensar a missão educativa e constitucional da universidade e do

ensino superior, elaborando-se teoricamente uma epistemologia jurídica de

convergência das disciplinas curriculares, operadoras de uma síntese do saber,

articulada com os diversos conhecimentos e promotora de uma imagem unificada do

próprio homem.

De que forma? Mediante a elaboração heterônoma de seus próprios

currículos de modo a fazer imergir, libertar e emancipar a pessoa humana, em

detrimento da perspectiva tecnicista e cientificista que objetiva o aluno em

desrespeito à pessoa humana.

Têm forte alcance educativo e filosófico as palavras de Joaquim Azevedo726:

Só desocultando as pessoas que escondemos atrás dos alunos é que criaremos comunicação, só sendo reconhecido como pessoa se consegue ser aluno, isto é crescer, aprender, ter gosto de descoberta científica, adquirir métodos de estudo, reunir esforços para progredir sempre, ser responsável.

Registre-se também nesse aspecto, a defesa de Pierre Weil727 sobre a

vivência da interdisciplinaridade como necessária no campo pessoal, social e

cotidiano. Pode-se ampliar este entendimento para o campo do Direito, sob o

aspecto transdisciplinar ao mundo forense, da formação do agente no currículo

jurídico, no qual os antigos paradigmas científicos são confrontados como novos

paradigmas científicos de caráter sistemático aberto, holístico, nas características

relevantes para a ciência do Direito.

Tal intento se atinge, contudo, não somente, determinando, de forma

heterônoma, pelo Estado, diretrizes curriculares mediante a instituição de norma

jurídica impositiva pelo órgão educacional competente, como é o caso da Resolução

726

AZEVEDO, Joaquim. O primado ao fazer saber-ser. In: CARNEIRO, Roberto. (Coord.). Ensino secundário: desafios e alternativas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 132.

727WEIL, Pierre. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. p. 10-57.

Page 346: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

345

nº 9/2004, porém, garantindo, efetivamente às IES, maior liberdade para optarem

por um currículo jurídico próprio, cujo desenvolvimento de capacidades,

potencialidades, talentos, competências e habilidades multifocais do educando, seja

o principal alvo do discurso educacional das instituições de educação.

Nesse sentido, as diretrizes curriculares devem se conciliar no respeitar e na

garantia da Autonomia Constitucional das IES, no que se refere à elaboração dos

seus próprios currículos, e fazer cumprir, por outro lado, as necessidades locais e

regionais em que essas IES estão localizadas. Embora, frise-se que sua construção

seja freqüentemente elaborada, de maneira heterônoma, sem a participação

discente.

Assim, neste trabalho, entende-se que o processo da construção do currículo

no ensino jurídico deve ser construído num caminho de mão-dupla, numa

imprescindível interação, entre instituição e aluno e entre docente/discente. Não

construído e, imposto de forma heterônoma, como tem ocorrido.

Porém, é preciso considerar que a construção das diretrizes curriculares são

elaboradas e instituídas, até hoje, numa relação unilateral e heterônoma por parte do

Estado.

Propõe-se por isso, que a caminho da elaboração normativa deve ser trilhado

em consenso e diálogo com a comunidade acadêmica e, sobretudo, em respeito ao

Princípio da Autonomia da Universidade, participando nessa construção toda a

comunidade educacional envolvida, já que o currículo, diz respeito, de forma

indissociável, à própria idéia de universidade.

3.8.9 Modos de integração entre teoria e prática na Resolução CNE/CES n°

9/2004

A Resolução CNE/CES nº 9/2004 dispõe em seu art. 2, parágrafo 1º, inc. V,

que o projeto, além da clara concepção do curso de Direito, com suas

peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem

prejuízo de outros, o modo de integração entre teoria e prática.

Conforme preconiza Horácio Wanderlei Rodrigues, teoria e prática não são

aspectos dissociáveis, como coisas diversas e opostas.

Page 347: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

346

Nesse mesmo sentido, entende-se que somente a integração e a conjugação

de ambas pode possibilitar ao aluno perceber o Direito nas suas relações com a vida

social.

A prática forense adotada no paradigma anterior da Portaria nº 1.886/94,

incorporou a prática consistente em aulas expositivas, em sala de aula, com turmas

de 50 a 70 alunos, com um docente responsável pelo conteúdo.

Este modelo inadequado de prática forense limitava-se à mera reprodução de

peças processuais do dia-a-dia forense, consubstanciada no oferecimento de

disciplinas de Prática de Processo Civil, Prática de Processo Penal, Prática de

Processo do Trabalho e Tributário. Configurando-se assim, numa didática no ensino

jurídico, absolutamente inadequada enquanto proposta pedagógica que, aliás, ficou

conhecida, ironicamente, como “Teoria da Prática”.

Nas últimas décadas, com a mudança de perfil do aluno do Direito no nosso

país e, inclusive, com a demanda e a possibilidade do acesso das camadas das

classes B e C no ensino superior, houve uma conseqüência, de exigência do aluno,

no curso de Direito, depender, cada vez mais da IES para sua formação profissional

(como uso de biblioteca, acesso às redes de informática, o professor com maior

disponibilidade e o estágio supervisionado, muitas vezes, a única possibilidade do

aluno se profissionalizar na área); o cenário Teoria/Prática do ensino jurídico

começou a se alterar.

Se por um lado as atuais diretrizes curriculares acompanharam essas

mudanças, impondo no texto normativo em vigor a exigência e a inclusão das

descrições pelas quais o modo de integração entre teoria e prática se configure, ex

vi do art. 2, § 1º, inc. V da Resolução, sub examen, por outro, as atividades

transversais do curso como monografia (hoje trabalho de curso), atividades

acadêmicas complementares e estágio supervisionado impõem gastos às IES, tais

como: infra-estrutura física e administrativa, com pessoal docente e técnico, bem

como de logística da prestação de serviço.

Certamente, a mitigação de recursos e investimentos na própria estrutura do

curso e do ensino redunda em má ou ineficiente formação do bacharel. Há, portanto,

inquestionável exigência de recursos das próprias IES, e de seus respectivos

mantenedores, especialmente nas IES privadas, bem como necessidade de

Page 348: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

347

investimento em material humano e em equipamentos para o desenvolvimento da

integração pretendida pela norma educacional. O que nem sempre ocorre.

3.8.10 Habilidades e competências no currículo jurídico na Resolução nº

9/2004

Ao art. 4 da Resolução nº 9/2004 dispõe da exigência de que o curso de

graduação em Direito deverá possibilitar formação profissional que revele

habilidades e competências. Habilidades e competências essas a serem semeadas

e construídas no currículo jurídico visando à formação do profissional de Direito, e

que segundo se depreende da leitura do artigo 4° da Resolução nº 9/2004728, são as

seguintes:

a) leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos

ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

b) interpretação e aplicação do Direito;

c) pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de

outras fontes do Direito;

d) adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,

administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e

procedimentos;

e) correta utilização da terminologia jurídica ou da ciência do Direito;

f) utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de

reflexão crítica;

g) julgamento e tomada de decisões; e,

h) domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e

aplicação do Direito.

Percebe-se que pela leitura do texto normativo mencionado, ao lado da

expressão “habilidades” foi aposta, no inc. 4 da Resolução nº 9/2004, a expressão

“competência”.

728

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 349: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

348

A consulta a um dicionário da língua portuguesa729 revela que esses verbetes

têm o significado de apto, competente, capaz de apreciar e resolver certo assunto,

fazer determinada coisa, capacidade, habilidade, aptidão e idoneidade.

Tais palavras têm, contudo, longa história no campo da educação e da

pedagogia730 e não seria inadequado perguntar o que significa sua colocação no

texto legal das Diretrizes Curriculares. O que elas podem representar no contexto da

formação do futuro bacharel em Direito?

Sob o aspecto educacional e pedagógico, é preciso ter cuidado com o

emprego das expressões “competências” e “habilidades” apontadas no texto

normativo da Resolução nº 9/2004, porque o que, pretensamente, pode ser um

conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a

serem adotados e observados na organização curricular de cada IES, relativamente,

ao contexto da formação do aluno, pode constituir-se somente num “slogan”

educacional.731

Além disso, como aponta J. Passmore732, “habilidades e competências”,

podem constituir-se:

[...] capacidades opostas. Um médico, por exemplo, pode usar sua habilidade tanto para matar quanto para curar. Analogamente um expert na detecção da falácia pode usar sua habilidade para ocultar falácias em seu próprio discurso, ao desviar delas nossa atenção.

O objetivo assim de desenvolver o pensamento crítico em um contexto

educacional, expressa não simplesmente uma preocupação com o ensino de certas

habilidades ou competências, mas deve voltar-se também, para o cultivo de um

certo conjunto de princípios, atitudes e valores que se manifestam em nossas formas

de conceber, agir e analisar fatos e discursos.

729

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 484 e 249.

730Conforme apontam Dagmar Estermann Meyer e Maria Henriqueta Luce Kruse. Acerca de diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: um início de reflexão. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 4, n. 56, p. 335-339, jul./ago. 2003.

731A expressão slogan educacional é utilizada por Scheffler para caracterizar certas expressões e palavras de ordem, que tornam símbolos de movimentos ou doutrinas educacionais, e cuja função é atrair novas adesões ou reforçar a união dos aderentes em torno de certos princípios teóricos e práticos. Com efeito, a expressão pode se identificar com um certo jargão pedagógico difuso que, com a mesma facilidade que entra, sai de moda periodicamente, sem representar alterações significativas nas formas pelas quais concebemos ou realizamos ações educativas. SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva, 1974. p. 38.

732PASSMORE, J. The Philosophy of teaching. Londres: Duckworth, 1984. p. 168-169.

Page 350: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

349

Nessa perspectiva, o desenvolvimento do espírito crítico deve assemelhar-se

a certos objetivos como o desenvolvimento do espírito de solidariedade, tolerância,

de apreço pela Justiça do que a capacidade para ler ou escrever ou ainda resolver

problemas lógicos e conflitos jurídicos.

Por isso não faz sentido afirmar que objetivos como o desenvolvimento da

capacidade crítica ou da solidariedade possam ser mal ou bem utilizados, como no

caso das capacidades, competências ou mesmo habilidades, mas simplesmente que

não foram suficientemente cultivados e desenvolvidos.733

Por outro lado, sob o aspecto do ensino do Direito, a globalização e a

produção incansável do conhecimento e o avanço tecnológico exigem, contudo, do

egresso “competências e habilidades”734 específicas na área de atuação jurídica.

A idéia de competência é largamente analisada por Philippe Perrenoud.

Segundo Philippe Perrenoud, Monica Gather Thurner, Lino de Macedo, Nílson

José Machado, Cristina Dias Alessandrini735, competência seria a faculdade de mo-

bilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.)

visando solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações.

Habilidade, por seu turno, segundo entendimento esposado por Roberto

Aguiar736, é um conceito relacional: assim, quem é hábil, o é para determinada

função, procedimento ou interferência. A habilidade está voltada, portanto, para uma

direção; é, nesse sentido, uma aptidão intencional.

733

Nesse sentido reportamo-nos ao artigo de lavra de José Sérgio Carvalho: O discurso pedagógico das diretrizes curriculares nacionais: competência crítica e interdisciplinaridade. Cadernos de Pesquisa, n. 112, p. 155-165, mar. 2001.

734Conforme apontam Paulo Abrão e Marcelo Dalmás Torelly, há de se admitir que a diferença conceitual entre habilidades e competências não é consensual. Segundo esses autores, para alguns há, no entanto, uma complementariedade entre esses conceitos, sendo difícil, porém, distingui-los com exatidão, enquanto que para outros a diferença está no fato de as habilidades relacionarem-se ao “fazer” e as competências ao “saber”. ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo Dalmás. As diretrizes curriculares e o desenvolvimento das habilidades e competências nos cursos de Direito: o exemplo privilegiado da assessoria jurídica popular. Anuário ABEDi, Florianópolis: Fundação Boiteux, ano 3, p. 83-105, 2005.

735PERRENOUD, Philippe; THURNER, Monica Gather; MACEDO, Lino de; MACHADO, Nílson José; ALESSANDRINI, Cristina Dias. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Tradução de Claúdia Schilling; Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 11-33, 137-155.

736AGUIAR, Roberto. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p.17-18.

Page 351: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

350

Por outro lado, segundo posicionamento de Roberto Aguiar737 são

necessárias habilidades específicas para o exercício jurídico.

Para Roberto Aguiar, além da habilidade preliminar de escolher o Direito

como profissão, faculdade e curso adequado, o aluno deveria escolher outras

específicas para o curso de Direito:

a) habilidade de dialogar, jogar e clamar por ética num mundo marcado pela

velocidade e ineditismo dos problemas;

b) habilidade de acumular repertório dentro de um contexto multidisciplinar;

c) habilidade de desenhar em sua existência caminhos éticos, opções

políticas transformadoras e soluções inovadoras;

d) habilidade de ser curioso, de não se conformar com a primeira solução, de

não aceitar caminhos superficiais e de contextualizar a questão ao invés

de simplesmente adequá-lo às formalidades legais ou ao entendimento

dominante e hegemônico;

e) habilidade de entender o mundo, promovendo uma consciência dinâmica

do que o cerca;

f) habilidade de entender o outro;

g) habilidade de entender a si mesmo;

h) habilidade de se comunicar, isto é, de perquirir o sentido mais profundo

nos textos e contextos, tornando-se capaz de recriar, ressemantizar,

construir imaginários, além de interpretar e redigir;

i) habilidade de entendimento e releitura das normas;

j) habilidade de entender, interferir e solver conflitos;

k) habilidade de deslocar o olhar;

l) habilidade de disciplinar-se;

m) habilidade de formar repertório;

n) habilidade de captar o novo;

o) habilidade de legislar;

p) habilidade de negociar;

q) habilidade de arbitrar;

r) habilidade de pesquisar;

737

AGUIAR, Roberto. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p.17-18.

Page 352: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

351

s) habilidade de fundamentar e argumentar;

t) habilidade de jogar;

u) habilidade de operar com as técnicas jurídicas tradicionais;

v) habilidade de trabalhar com as tecnologias;

w) habilidade de compreender novos problemas;

x) habilidade de trabalhar com outras línguas;

y) habilidade de agir e pensar multidisciplinarmente.

Aponta-se aqui a crítica tecida por João Virgílio Tagliani738, para quem o

projeto pedagógico de um curso de Direito deve ter por objetivo substituir uma

prática pedagógica predominantemente conteudista, centrada na transmissão de

fatos, conceitos e procedimentos, pela formação para o pensamento, para a

capacidade de identificar e resolver problemas e para a aquisição de habilidades e

competências.

Explica João Virgílio Tagliani739 que, em primeiro lugar, estão as habilidades

necessárias a todos os cidadãos profissionais, que são as associadas ao “saber

fazer”, como a ação física ou mental, que indica a capacidade adquirida, citando

como exemplos: identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar

informações, analisar situações-problema, sintetizar, julgar, comparar, classificar,

discutir, descrever, opinar, fazer generalizações, analogias, diagnósticos,

correlacionar e manipular.

Por sua vez, as competências, continua o mesmo autor, são um conjunto de

habilidades, desenvolvidas em harmonia, e ter competência significa estar habilitado

com conhecimentos e esquemas para desenvolver respostas inéditas, adequadas,

criativas e eficazes para problemas novos que se apresentem.

Competências, portanto, envolvem esquemas de percepção, pensamento,

avaliação, decisão e ação.

João Virgílio Tagliani740 adverte ainda que não se pode esquecer de se formar

também na habilidade para resistir, para opor-se, para transformar e não apenas

para adaptar-se.

738

TAGLIANI, João Virgílio. Aprender Direito: para além do ensino fragmentado. São Carlos, [s.n.], p. 32-33.

739Ibid., p. 32-34.

740Ibid.

Page 353: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

352

Entende-se neste trabalho que mais do que habilidades e competências é

preciso ter atitudes.

Outrossim, ao investir em um modelo de formação diferenciada pela

qualidade, o currículo do curso de Direito deve ter como objetivo geral oferecer ao

mercado profissionais preparados para gerar e gerir conhecimento, bem como para

atender às demandas do mundo pós-moderno, no que diz respeito ao

multiculturalismo, ao uso da tecnologia, ao desenvolvimento de habilidades relativas

ao trabalho, ao conhecimento das relações, à humanização da ciência, um currículo

que contempla contudo, um modelo de formação focado em habilidades,

competências e sobretudo atitudes.

Preparados para adquirir consciência de seu papel como cidadãos aptos para

entender o mundo no qual vão operar e o sentido de sua ação profissional, os

discentes do curso de Direito, tornar-se-ão agentes de aperfeiçoamento social,

político, jurídico e cultural.

O desafio curricular proposto ao estudante ultrapassa a simples possibilidade

de reconhecer a superação do Dogmatismo Tradicional, pois lhe impõe a tarefa de

repensá-lo em consonância com as contínuas mudanças sociais, a exigir a

construção de novos paradigmas capazes de solucionar as questões de conflito,

oriundas das novas demandas de mercado, em especial aquelas que advêm dos

denominados Direitos Difusos e Coletivos, do Direito do Consumidor, do Direito

Ambiental, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Direito da Informática, do

Direito da Bioética e da Biotecnologia, etc.

Configurando-se num currículo de perspectiva antropocêntrica, que servirá de

base à sua formação crítica e, sobretudo, humanística, que fará com que o aluno

privilegie a ética, o respeito, a dignidade, e a valorização ao outro, ao

multiculturalismo, a tolerância, e a disposição constante para a evolução no que diz

respeito ao conhecimento e às relações interpessoais.

Em síntese, o profissional egresso das IES que oferecem os cursos de Direito

deve estar dotado de fundamentos humanísticos, que lhe confiram habilidades

reflexivas, porém, também crítica, em face das relações sociais, interpessoais,

econômicas, políticas e culturais.

Page 354: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

353

Baseadas, assim, na capacidade de desenvolvimento constante do egresso

em diálogo aberto e flexível com a realidade, mediante sólida formação universitária

de ensino teórico e prático orientado e capaz, hábil e competente para pensar,

adquirir e produzir criticamente o próprio saber.

3.9 A Flexibilidade, a Descentralização e o Princípio da Autonomia

Universitária na Gestão do Currículo Jurídico

No Direito Educacional brasileiro, embora a expressão “diretrizes curriculares”

tenha sido empregada, pela primeira vez, no ordenamento jurídico-educacional pela

Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994741 foi, a partir da edição da nova

LDB - Lei nº 9.394/1996,742 promulgada em decorrência da promulgação da

Constituição de 1988, que fica definitivamente instituída a figura das diretrizes

curriculares nacionais, em substituição aos antigos “currículos mínimos” que,

segundo o entendimento de muitos, limitava por demais, os cursos de graduação em

estruturas curriculares estáticas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais, no entender do Conselho Nacional de

Educação, deveriam levar os cursos

[...] a abandonar as características de que muitas vezes se revestem, quais sejam as de atuarem como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, passando a orientar-se para oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.

743

No entender das orientações do Conselho Nacional de Educação as diretrizes

curriculares nacionais, além de se constituírem em parâmetros que devem ser

respeitados por todas as instituições de ensino superior do país, devem também

assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes.

741

A Portaria MEC nº 1.886/94, fixava as diretrizes curriculares e conteúdo mínimo dos cursos jurídicos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, 5 jan. 1995. Seção 1, p. 238.

742BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez. 1996. p. 27.833-841.

743BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.

Page 355: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

354

O grau de flexibilidade na gestão dos programas e dos currículos de ensino

varia consoante o nível de centralização do sistema de ensino. Assim, quanto maior

é a centralização do sistema do ensino, menor costuma ser a flexibilização na

gestão dos programas.

A flexibilidade na gestão dos programas vai da simples adaptação dos

programas aos contextos locais até a diferenciação curricular, no sentido de dar

respostas diversificadas às diferentes populações escolares.

Por outro lado, quando se fala de adaptação curricular, embora a concepção

dos programas seja da responsabilidade das autoridades educativas centrais, é

concedida alguma liberdade para que a instituição de ensino possa alterar a ordem

dos conteúdos, atribuir diferentes grandezas de importância e incluir alguns

componentes locais, respeitando-se os conteúdos e competências nucleares ou

essenciais.

De outra sorte, quando se trata de diferenciação curricular, essa diferenciação

diz respeito à criação de cursos alternativos, concebidos e geridos pela IES,

isoladamente ou em associação com outras escolas.

Entende-se aqui por autonomia curricular a possibilidade das IES,

isoladamente ou por associação, adaptarem seus currículos às necessidades locais

onde se encontram inseridas visando atender aos interesses das populações a que

servem.

Por outro lado, é preciso registrar que as alterações dos currículos jurídicos,

nos cursos de graduação, pelas IES, no sentido de adaptarem seus currículos tendo

por finalidade o cumprimento dessas necessidades locais e regionais onde as

instituições estão inseridas no diverso e heterogêneo espaço geográfico, político,

econômico e cultural brasileiro, também tem sido fonte de alguma discussão no

âmbito do Poder Judiciário.

Senão vejamos:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO. CURRÍCULO. ALTERAÇÃO. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA.

1. A alteração do currículo, ou mesmo das regras e exigências para a matrícula do aluno nas matérias a serem cursadas, está abrangida pela

Page 356: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

355

autonomia didático-científica das instituições de ensino, sem que se possa falar em direito adquirido do aluno a determinado currículo, devendo ele se submeter às alterações que forem feitas ao longo do curso.

2. Agravo que se nega provimento. (TRF da 1ª Região, 6ª Turma, Agravo de Instrumento nº 2004.01.00.027630-6/MG, Rel. Des. Federal Maria Isabel Galloti Rodrigues, DJU Seção 2, de 08.10.2004, p. 40).

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MUDANÇA CURRICULAR. AUTONOMIA DIDÁTICO-CIENTÍFICA. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 207 DA CF/88. RAZOABILIDIDADE.

1. A autonomia didático-científica experimentada pelas universidades, consoante expresso no art. 207 da CF/88, autoriza a modificação da grade curricular, não havendo a configuração de direito adquirido do aluno ao currículo de ingresso ao curso.

2. Há razoabilidade nas exigências agregadas ao currículo universitário, porque não contundem elas como lógico, o racional nem as aspirações de utilidade e bom senso. (TRF da 4ª Região, 3ª Turma, Agravo de Instrumento n. 2004.04.01.014783-9/RS, Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU Seção 2, 10.11.2004, p. 752).

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ENSINO SUPERIOR. CURRÍCULO. ALTERAÇÃO APÓS O INGRESSO DO ALUNO NA FACULDADE. POSSIBILIDADE.

1. Inexiste direito adquirido à imutabilidade de grade curricular. Precedentes dessa Corte.

2. Alegadas situação de fato consolidada não configurada.

3. Agravo regimental improvido. (TRF da 1ª Região, 5ª Turma, Agravo Regimental n. 2004.01.00.049422-7/GO, Rel. Des. Federal Fagundes de Deus, DJU Seção 2, 24.02.2005, p. 43).

EMENTA: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – ENSINO SUPERIOR – GRADE CURRICULAR – ALTERAÇÃO – AUTONOMIA DA UNIVERSIDADE – POSSIBILIDADE – DIREITO ADQUIRIDO DO ALUNO – INEXISTÊNCIA.

− A modificação na estrutura de grades curriculares está inserida na esfera de atribuições inerentes às universidades, conforme se depreende do disposto no art. 53 e incisos da Lei nº 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que confere autonomia aos referidos centros superiores de ensino para fixação dos currículos dos cursos por eles ministrados.

− Quando o aluno estabelece com as universidades relação jurídica que compreende a prestação de serviços de ensino, na realidade, ele adere a um estatuto que passa a reger esse vínculo que se criou entre ambos, não se podendo, por isso, invocar direito adquirido a currículo, qualquer que seja o curso, eis que as normas que regulam o dever do Estado

Page 357: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

356

com a Educação são fundamentalmente de ordem pública, inderrogáveis pelas partes.

− Precedentes citados.

Recurso desprovido. (TRF da 2ª Região, 5ª Turma Especializada, Apelação em Mandado de Segurança n. 2003.51.04.003052-0, Rel. Des. Federal Vera Lúcia Lima, DJU Seção 2, 20.05.2005, p. 233).

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. CURSO DE DIREITO INTERROMPIDO. RETORNO – SUJEIÇÃO À GRADE CURRICULAR VIGENTE – AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA.

1. O aluno que tem seu curso interrompido por vontade própria, em razão de circunstâncias particulares, perde o direito de cumprir o currículo existente ao tempo do ingresso na Universidade, sendo de rigor a sujeição à nova grade curricular quando do seu retorno ao curso.

2. Dentro da evolução natural do ensino, a grade curricular pode ser modificada a critério dos técnicos da Universidade, nos termos da autonomia universitária didático-científica, assegurada no art. 207 da Constituição Federal. (TRF da 3ª Região, 6ª Turma, MAS n. 234124 (1999.61.09.003176-0), Rel. Des. Federal Mairan Maira, DJU Seção 2, 07.10.2005, p. 405.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – ENSINO SUPERIOR – ALUNA INADIMPLENTE – ALTERAÇÃO NA GRADE – REMATRÍCULA – IMPOSSIBILIDADE.

1. O particular atua, na prestação de ensino superior, com o fito de lucro, exercendo um serviço público cujo exercício seria dever do Estado (art. 205, CF) constituindo-se em interesse primário do corpo social, mas que, apesar de imprescindível, o Estado não consegue desempenhá-lo de modo absoluto, de modo que pode ser delegado a terceiros.

2. A Constituição Federal assegura às universidades a autonomia didático-científica e de gestão financeira e patrimonial, desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional (arts. 207, caput, e 209 inciso I, CF).

3. A questão relativa a possíveis alterações da grade curricular dos cursos é matéria afeta exclusivamente às normas internas da instituição de ensino, inclusive a fim de garantir o padrão e a qualidade dos serviços prestados.

4. Consoante de depreende dos autos, a negativa de matrícula do período letivo de 2004 baseou-se em norma regulamentar da Universidade, no caso, o art. 62 do Regimento Geral da Universidade Cruzeiro do SUL – UNICSUL, que condiciona o destrancamento de matrícula à adaptação na grade curricular vigente.

5. A meu ver, tal condição não é abusiva, de forma que não se pode falar em direito adquirido dos estudantes à manutenção da grade curricular vigente no momento do ingresso no curso.

6. Não existe amparo legal para garantir a matrícula de aluno inadimplente. MP. 1.477-43/97 convertida na Lei 9870/99.

Page 358: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

357

7. O pagamento das mensalidades é a contraprestação da relação contratual entre o aluno e o estabelecimento de ensino privado, regulado pelo Código de Defesa do Consumidor.

8. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TRF da 3ª Região, 6ª Turma, AG n. 198790 (2004.03.00.006677-4), Rel. Des. Federal Lázaro Neto, DJU Seção 2, 07.07.2004, p. 153).

Percebe-se, pela jurisprudência ora colacionada, que o Poder Judiciário, vem

adotando entendimento no sentido de prestigiar a autonomia e a flexibilidade de

gestão das instituições frente à questão currículo, de seu conteúdo, bem como,

frente ao atendimento e cumprimento das diferentes necessidades, sejam elas

sociais, políticas, econômicas e educativas frente à localização e regionalização das

IES em todo o país.

Prevalecendo-se, portanto, o entendimento da observância das normas

internas para dirimir a questão do tudo isso para fazer frente às imposições

heterônomas sobre uma eventual alteração do conteúdo e de um possível

argumento de direito adquirido curricular, cuja solução depende, além disso, da

verificação do regramento interna corporis da IES.

Portanto, a existência de um currículo nacional744, a vigorar em âmbito

nacional para todo o Brasil, veda a autonomia curricular, gerando duvidosa eficácia e

pertinência em razão da generalização do currículo a todo o sistema de educação.

Entende-se não ser possível impor, especialmente à universidade, de forma

heterônoma, a uniformização de “diretrizes curriculares nacionais” para o curso de

Direito, já que se devem respeitar suas diferentes realidades regionais, econômicas,

sociais, políticas e culturais, em que se encontram localizadas, em âmbito nacional,

a par das diferentes modalidades de Instituições de Educação Superior - IES.

Por outro lado, não se devem determinar prazos peremptórios para as IES

cumprirem a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais, sob pena de

imposição de sindicância administrativa às universidades.

De que constitui exemplo a injusta e ilegal determinação explicitada no art. 12

da Resolução nº 9/2004745, ora sub examen, que dispõe sobre prazo peremptório

744

A implantação de currículo nacional, seja talvez válida e eficaz, em países geograficamente e demograficamente de reduzida dimensão, como é o caso, por exemplo, de Portugal.

745Artigo 12 da Resolução nº 9/2004, dispõe que, “As Diretrizes Curriculares Nacionais desta resolução deverão ser implantadas pelas instituições de educação superior, obrigatoriamente, no

Page 359: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

358

máximo de dois anos para que as novas Diretrizes Curriculares sejam implantadas

pelas IES, em âmbito nacional.

Viola-se, nesse caso, inclusive, o próprio Princípio Federativo746, cláusula

imutável da Constituição, já que muitas vezes, diante das diferentes realidades

econômicas, sociais, políticas e culturais nas quais as IES estão geograficamente

inseridas, as diretrizes não podem ser implantadas na prática.747

É preciso registrar nesse sentido que a chamada legislação de Diretrizes,

inspirada no sistema de Weimar, é apenas a da lei de princípios, princípios estes

que não admitem nem comportam regulamentação do Poder Executivo Federal.

Diretriz, conforme aponta A. Almeida Jr.748, é linha de orientação, direção a

seguir, não as minudências do caminho. A idéia de diretriz, não se constitui,

portanto, norma de regulação obrigatória e coercitiva.

Por isso mesmo, é um contra-senso, criar-se por via Resolução749 exigências

curriculares, muitas vezes, reflexo de uma política educacional persistentemente

centralizadora em relação ao ensino superior, inadequadas, ilegais e, por vezes,

prazo máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da publicação desta. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

746Nesse sentido, é apontada a obra de Nina Ranieri, fruto de sua tese de doutorado em Direito na Universidade de São Paulo – USP, que demonstra sua contribuição na área de Direito Educacional e que determina a característica persistentemente centralizadora da política educacional brasileira em relação ao ensino superior, ao arrepio, entretanto, do Próprio Princípio Federativo. Sua obra revela, com rigor jurídico, os abusos e as distorções que, em parte, anulam, os avanços constitucionais, além de desvirtuarem os próprios preceitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e reduzirem sua eficácia. RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, Direito e Estado. São Paulo: EDUSP, 2000. passim.

747Na configuração das diretrizes curriculares que dizem respeito ao ensino fundamental, por exemplo, há um paradoxo, citado por Carlos Jamil Cury. No entendimento desse autor os currículos nacionais, “conteúdos mínimos” na expressão do texto constitucional, conforme dispõe o seu artigo 210

747, dizem respeito a práticas de conteúdos gerais válidos para toda a nação.

Contudo, sua operacionalização enfrenta uma dupla problemática: se há necessidade de constrangimentos legais para esses mínimos, seja pela afirmativa, seja pela negativa, a de se considerar ainda o papel dos entes federativos. A pergunta clássica que se faz é sobre os justos limites dos entes juridicamente autônomos no jogo da União X Unidades federadas que se expressam também no âmbito de currículos mínimos para todos os cidadãos em qualquer Estado ou município. Assim, pode-se interrogar: invade-se o território da autonomia dos Estados quando a União impõe uma lista mínima de disciplinas? Basta uma listagem mínima de disciplinas para que o objetivo da coesão nacional seja alcançado? Trata-se de uma peculiaridade dos Conselhos Nacionais de sua explicitação? Ou é tarefa dos Conselhos Estaduais? Cf. CURY, Carlos Roberto Jamil. Os parâmetros curriculares nacionais. Revista de Educação Brasileira, n. 2, p. 1-17, maio/jun./jul./ago. 1996.

748ALMEIDA JÚNIOR, A. Relatório geral da comissão. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 13, p. 38-48.

749Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo clássica lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, define Resolução como: “a fórmula pela qual se exprimem as deliberações dos órgãos colegiais”. MELLO, 1979, apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 393.

Page 360: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

359

injustas. É o caso, anteriormente citado, da determinação instituída no art. 12 da

Resolução nº 9/2004, ora analisada.

Por outro lado, importa considerar que a enorme quantidade de normas,

Portarias (do Ministro da Educação), Resoluções (do Conselho Nacional de

Educação) e Decretos (do Presidente da República) terminam por criar um

verdadeiro “cipoal legislativo” em matéria educacional, com efeito deletério de

inviabilizar a implantação das diretrizes mais qualitativas para o ensino do Direito.

A multiplicidade dos textos, a desordem de uma regulamentação detalhada e

minuciosa, as contradições, as ambigüidades e as insuficiências que disso resultam,

impõem, como bem advertem M. Van de Kerchove e François Ost750:

Redescobrir os princípios embaixo da mixórdia de regulamentação, restaurar os métodos de interpretação da lei, redescobrir métodos de raciocínio, etc. Compete à doutrina desempenhar esse papel. É a ela, de fato, que cabem a síntese do Direito, a reflexão crítica e construtiva, a sistematização interdisciplinar das regras de Direito, a busca de mais coerência e, amiúde, a inspiração de soluções novas.

Tais Resoluções, nem sempre respeitam o conteúdo material da Constituição

Federal, especialmente no que tange ao Princípio Federativo e das leis, que

estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira751 tornando, virtualmente,

impossível qualquer tentativa de apresentação de um marco normativo de caráter

sistemático, relativamente à configuração do currículo jurídico, adequado,

permanente e efetivo, em face do ensino superior. Especialmente, no que se refere

a uma política curricular do ensino jurídico nas universidades privadas.

Conforme já citado no capítulo 3, item 3.8.1, desse trabalho, é preciso valer-

se de inúmeros outros documentos normativos, além da Resolução nº 9/2004, para

se compreender de maneira mais adequada e sistêmica, a orientação da

configuração das atuais diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Direito.

750

KERCHOVE, M. Van de; OST, François. Le systeme juridique: entre ordre et désordre. Paris: PUF, 1988. p. 117 et seq.

751Diretrizes, segundo aponta A. Almeida Jr., no Relatório Geral da Comissão que elaborou o anteprojeto da Lei nº 4.024/61, é, in verbis: “A linha de orientação, norma de conduta. 'Base' é superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretriz e Bases conterá tão-só os preceitos genéricos e fundamentais”. ALMEIDA JÚNIOR, A. de. Relatório geral da comissão. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 13, p. 38-48.

Page 361: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

360

Para se interpretar um único ato normativo emanado na seara do Direito

Educacional, constituído de não mais de 13 artigos, é preciso valer-se de diversos e

complexos Pareceres oriundos tanto da Câmara de Educação Superior, da Câmara

de Educação Básica, quanto do seu Conselho Pleno.

No caso da exegese das Diretrizes Curriculares é preciso considerar-se, por

exemplo, além da Resolução nº 9/2004, os Pareceres CNE/CES nº 776/97, nº

583/2001, nº 67/2003, nº 55/2004 e Parecer CNE/CES de nº 55/2004.

Nesse sentido, Nina Beatriz Ranieri indica também a farta edição não só de

Resoluções, mas de decretos, portarias, indicações, etc., que se seguiu à edição da

lei nº 9.394/96. De tal sorte que a regulamentação nega o que foi concedido pela lei

educacional norteada pelos eixos da descentralização – expressa na discriminação

de competências das unidades federadas e dos sistemas de ensino; mas que não foi

suficiente à retração da atuação da União e o da simplificação de procedimentos –

expresso pela margem de liberdade que concedeu às IES; mas que não dispensou

extensa regulamentação federal.

Embora a legislação permita às diferentes modalidades de IES que oferecem

cursos de Direito, em especial as universidades, rever constantemente e de forma

autônoma seus currículos, renovar seus métodos de ensino, a duração e

organização de seus cursos, tendo em vista o Princípio da Autonomia Universitária,

esculpida no art. 207 da Constituição Federal e as disposições do art. 53 da lei nº

9.394/96 – LDB.

Esse entendimento é partilhado igualmente por José Augusto Pacheco e José

Carlos Morgado752, que afirmam

Ser de extrema pertinência no atual processo de reorganização do currículo a conferência de autonomia curricular, entendida como capacidade de decisão curricular que permita não só rupturas conscientes com rotinas instaladas, mas também diferenciar a aprendizagem em função das características dos alunos e construir respostas educativas inovadoras aos reptos do tempo futuro, conquista que resulta, no entanto, de um compromisso colectivo da comunidade educativa.

Constata-se, em sentido contrário, pelo cotejo com as diretrizes revogadas

que a Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994753 que, as novas diretrizes

752

Cf. PACHECO, José Augusto; MORGADO, José Carlos. Construção e avaliação do projeto curricular de escola. Portugal: Porto, 2002. p. 7-8.

Page 362: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

361

curriculares instituídas pela Resolução nº 9/2004, trouxeram, por um lado, algum

avanço na capacidade de gestão acadêmica das Instituições de Ensino Superior -

IES, propondo alguns mecanismos que tornam o curso de Direito e o currículo mais

flexível na comunidade regional onde se encontra, por outro lado, trouxeram

diversas exigências normativas, baseadas em suposições sobre as IES, que não são

adequadas ao cumprimento das finalidades dos projetos político-pedagógicos dos

cursos de Direito.

Sob o aspecto positivo, no entanto, vale ressaltar, que as novas diretrizes

curriculares para o curso de Direito, instituídas pela Resolução nº 9/2004 definiram a

exigência do trabalho de curso em substituição à monografia final.

Conforme se depreende do artigo 10 da Resolução nº 9/2004754 que

determina:

Art. 10. O trabalho de curso é componente curricular obrigatório, desenvolvido individualmente, com conteúdo a ser fixado pelas instituições de educação superior em função de seus projetos pedagógicos.

Parágrafo único. As IES deverão emitir regulamentação própria aprovada por conselho competente, contendo necessariamente, critérios, procedimentos e mecanismos de avaliação, além das diretrizes técnicas relacionadas com a sua elaboração.

Nesse aspecto, é preciso que se diga, que a Resolução nº 9/2004 dignificou o

Princípio da Autonomia Universitária, insculpido na Carta Constitucional de 1998.

Sob o aspecto da flexibilidade, é possível afirmar-se que de fato, o que institui

a Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004, as novas Diretrizes Curriculares

Nacionais objetivam conferir maior “flexibilidade curricular” e a liberdade de ensino

às IES, para que elaborem seus projetos pedagógicos. Tendo em vista, nesse

sentido, as demandas sociais, políticas, culturais e econômicas, bem como os

avanços científicos e tecnológicos.

Convém destacar, contudo, que a idéia de flexibilidade tem sido ressaltada

pelos educadores e curriculistas oficiais, como fundamental para que os sistemas

753

Cumpre salientar que a Portaria MEC nº 1.886/94, que fixou as “diretrizes curriculares” e o “conteúdo mínimo” dos cursos jurídicos, foi revogada pela Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito, bacharelado, e dá outras providências. Cf. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p.17

754BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 363: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

362

educacionais, instituições de ensino e os próprios educadores possam promover

discussões, reelaborar, desconstruir e adequar a realidade brasileira da educação

no nosso país.

O sentido de “flexibilidade”755, no entanto, é excessivamente amplo ensejando

inúmeras leituras e interpretações, pelo que compete indagar do real sentido de

“flexibilidade” mencionado expressamente na Resolução nº 9/2004.

Cumpre, portanto, indagar se autonomia e flexibilidade configuram-se como

possibilidades somente de direito ou de fato a cada universidade do país, ou se o

legislador as empregou na norma educacional somente como mais um recurso de

retórica? Ou, de outra forma, seriam tais noções exploradas política e juridicamente

para abrigar interesses e necessidades, ou o termo como foi empregado visa a

efetivar, de fato, a missão constitucional e educacional das diferentes modalidades

administrativas de IES?

Aponta Genylton Odilon Rêgo da Rocha756, que os críticos da idéia de

flexibilização no currículo têm afirmado que essa concepção – não obstante a

aclamação ao respeito às diferenças e a pluralidade que tem lhe acompanhado os

discursos oficiais – foi apropriada pelo capital.

Entende-se que a flexibilidade deve ser coerente com a concepção de uma

configuração de currículo por parte da instituição que garanta a formação de

advogados também flexíveis. Portanto, a integração, a qualidade e a flexibilidade

constituem-se nos elementos chaves para dar saltos de produtividade e

competitividade nos currículos jurídicos.

Carlos Roberto Jamil Cury757, em artigo sobre as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o ensino fundamental, deixa explícito o significado de diretriz

curricular, enfatizando que, ao contrário da legislação prescritiva pretérita que

755

Embora não traga um conceito do que seja propriamente “flexibilidade”, estuda-o Horácio Wanderlei Rodrigues, tendo em vista o parecer exarado pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, CNE/CES nº 776/97, em artigo publicado na Revista de Direito Educacional. Cf. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A flexibilidade e o Direito Educacional brasileiro. Revista @prender Virtual, p. 26-29, set./out. 2002. Disponível em: <www.aprendervirtual.com>. Acesso em: 20 abril 2006.

756ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. A organização curricular dos cursos de graduação: o que mudou com a nova legislação educacional brasileira. In: CORREA, Paulo Sérgio de Almeida. (Org.). A educação, o currículo e a formação de professores. Belém: EDUFPRA, 2006. p. 17-50.

757CURY, Carlos Roberto Jamil. Os parâmetros curriculares nacionais. Revista de Educação Brasileira, n. 2, p. 1-17, maio/jun./jul./ago. 1996.

Page 364: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

363

estabelecia a organização curricular nesse nível de ensino, a legislação o fazia,

engessando o currículo; contudo, as novas diretrizes devem ter como fundamento,

um caráter mais amplo e flexível.

Não se pode negar que o legislador ao promover as diretrizes curriculares

para o curso de Direito, em oposição aos currículos mínimos curriculares previstos

nas legislações pretéritas, orientou-se pela lógica da flexibilidade na organização de

cursos e carreiras, bem como pela tendência em considerar a formação no nível de

graduação, como etapa inicial da formação continuada.

Por outro lado, entende-se que não se pode impingir, de maneira

indiscriminada a todas as IES de ensino, a configuração de um currículo jurídico fixo,

em cumprimento de novas diretrizes curriculares nacionais, que acabam por vezes,

a ferir o próprio Princípio Federativo, em matéria de Direito Educacional.

Do ponto de vista do desenvolvimento758 integrado de normas educacionais,

no sentido da configuração − por parte do órgão do Conselho Nacional de Educação

de “diretrizes curriculares instituídas em âmbito nacional” − entende-se que essa

centralização promove a injustiça, já que o desenvolvimento global das diretrizes

curriculares ocorre sem o desenvolvimento do atendimento dos próprios projetos

pedagógicos curriculares, e dos critérios locais e regionais onde as IES estão

localizadas.

Com efeito, o tradicional modelo centralizador de organização política

normativa e administrativa, de competências e de encargos em matéria educacional,

é inadequado, tendo em vista inclusive o tamanho do território brasileiro e as

profundas diferenças econômicas, sociais, políticas e culturais do país.

758

Ressalte-se que desenvolvimento e crescimento não são termos sinônimos. O crescimento é o aumento progressivo e contínuo da realidade física material e que envolve mudanças estruturais e quantitativas. Desenvolvimento, entretanto, é um processo interno coordenado que indica mudan-ças de qualidade. É, contudo, uma política de longo prazo e não apenas uma etapa do processo. O crescimento, por outro lado, nem sempre promove desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento das cidades sem um plano diretor, coordenado por uma legislação ambiental e estrutural adequa-da, pode promover a contaminação das águas que afeta a saúde humana. O conceito de desen-volvimento não é aquele de origem iluminista do século XVII, fundado na noção de progresso, libe-ralismo econômico e defesa do industrialismo e individualismo. Desenvolvimento, portanto, é en-tendido como um processo de ação humana cujos critérios de sustentabilidade social, econômico, ambiental, territorial, político e cultural compartilham a maximização da produção material com a maximização do bem estar-geral e a qualidade de vida da população de um determinado Estado. PERROUX, François. Note sur la notion de pôle de croissance. Économi Appliquée, Paris, n. 7, p. 376, 1955. (Tradução livre da autora).

Page 365: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

364

Embora o Brasil seja um país estruturado no Federalismo, conforme dispõe o

art. 1º da Constituição de República Federativa do Brasil759, o centralismo acaba por

ser uma prática freqüente em matéria de legislação educacional tiranizando todos os

Estados membros, fortalecendo o princípio da burocracia e criando uma inflação

normativa, que favorece a produção de leis sem eficácia.

Corrobora esse entendimento, o posicionamento de Osvaldo Ferreira de

Melo760, para quem:

[...] a centralização política, econômica e administrativa que ainda ocorre no Brasil, ao arrepio da matéria constitucional, é resultado de obscuras forças centrípetas que têm raízes longínquas no autoritarismo de nossas práticas coloniais e do período imperial e, mais recentes, mas não menos prejudiciais à construção democrática, no coronelismo da 1. República e nas oligarquias geradoras de privilégios que marcaram todo o século XX. Tudo isso somado ao despreparo de uma população desprovida de sustentação educacional para reagir ao desmedido controle governamental em suas vidas, que vem abortando suas utopias e sua liberdade.

A descentralização do poder estatal, por sua vez no Federalismo brasileiro,

deveria supor, conforme indica Nina Beatriz Ranieri761, graus quantitativamente

variáveis, determinados pela proporção relativa do número e da importância das

normas centrais e locais na ordem jurídica.

Resultando assim, da combinação de critérios funcionais e espaciais, bem

como de técnicas de repartição horizontal e vertical de competências que operam

segundo os estágios hierárquicos da ordem jurídica e a quantidade de matérias a

serem reguladas. A idéia subjacente é permitir que os dois níveis de estabilidade: o

central e o periférico funcionem, portanto, de forma autônoma e concomitantemente.

Além disso, em matéria de produção normativa educacional, não se pode

desconsiderar o fato de que o Brasil é uma das dez potências econômicas do

mundo, mas sua população apresenta desníveis de riqueza imensos, com bolsões

de pobreza comparados às comunidades econômicas carentes do mundo. Em

759

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 14. ed. rev., ampl. e atual. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 17.

760MELO, Osvaldo Ferreira de. O princípio federativo e a autonomia dos sistemas de ensino. Boletim Jurídico, ano 3, n. 132, p. 2, 2005.

761RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p. 50.

Page 366: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

365

matéria de educação, segundo o Censo Educacional762 de 2003, o Brasil está entre

os últimos lugares do mundo, em nível de população escolarizada e de percentual

de jovens de 17 a 24 anos cursando a educação superior.

Entende-se que a produção e a racionalidade normativa brasileira, no sentido

da configuração de uma regra normativa em âmbito nacional, em matéria de Direito

Educacional, embora permita maior controle sobre as ações e decisões curriculares,

por outro lado, conduz a uma ordem de manutenção do centralismo, e em

conseqüência, de subdesenvolvimento.

Nesse contexto, para a construção de uma política curricular coerente, há de

se observar novas fontes de produção normativa, inspiradoras em ordenamentos

jurídicos que permitam a descentralização, flexibilidade e autonomia na produção de

normas, observando-se assim, as exigências da coletividade periférica e dos novos

Direitos. Nesse caso, com auxílio na produção normativa sobre as diretrizes

curriculares, inclusive dos próprios Conselhos Estaduais de Educação.

Ainda, não se pode também desconhecer, na produção normativa de política

educacional763, a autonomia dos Entes Federados Estaduais e dos Sistemas

Estaduais de Ensino

Assim, entende-se impor diretrizes curriculares, em âmbito nacional a ser

obedecida por todas as IES do país, torna a norma educacional in caso,

profundamente injusta.

Entende-se assim que as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais devam se

constituir, portanto, num instrumento legal de forma a contemplar o respeito a esses

elementos; quais sejam: fundamentação teórica e normativa curricular de

flexibilidade, descentralização e respeito à autonomia das IES, de maneira

adequada na configuração do ensino do Direito e das IES, essencial para as novas

762

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2008.

763Em termos jurídicos, a noção de Política Educacional é compreendida no sentido de programa de ação, designando um conjunto de normas e atos unificados em torno de uma finalidade, ainda que tais atos e normas sejam de natureza heterogênea e se submetam a regimes jurídicos próprios. Cf. RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). São Paulo: EDUSP; FAPESP, 2000. p. 126-127. A Política é o estudo sistemático das coisas do Estado. Estudo das formas de Poder nas relações humanas. Usada a palavra com um atributivo, teremos uma expressão que denota um conjunto de meios ou de estratégias visando a um fim. Cf. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2000. p. 77.

Page 367: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

366

habilidades e competências exigidas para a profissão do futuro em Direito, visando a

promover a formação humanística, técnico-jurídica e prática indispensável à

compreensão interdisciplinar e transdisciplinar do fenômeno jurídico e das

transformações sociais no mundo contemporâneo.

Page 368: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

367

4 CULTURA E DESCONSTRUÇÃO NO CURRÍCULO JURÍDICO

O currículo não é, no entanto, um conceito, é uma construção cultural, isto é, não é um conceito abstrato que possui existência exterior sem a experiência humana. Pelo contrário, é um modo de organizar um conjunto de práticas educacionais humanas.

Shirley Grundy764

4.1 Currículo como Construção Cultural

O homem não apenas existe, mas coexiste, vive em companhia dos homens.

Em razão dessa coexistência, os homens estabelecem vínculos, relações de

subordinação, de integração, regras de conduta e de comportamento.

Essas relações podem ocorrer em razão de pessoas e coisas. Existem duas

ordens de realidade: uma ordem de realidade natural ou físico natural, e uma outra

ordem de realidade denominada realidade cultural. De fato, há no universo, coisas

em estado bruto, e coisas que construímos, portanto, dois mundos complementares:

o do mundo natural (dado) e o do cultural (construído).

Há necessidade de uma expressão técnica para indicar os elementos que são

apresentados aos homens, sem a sua participação intencional, quer para o seu

aperfeiçoamento, quer para o seu desenvolvimento; diz-se que eles formam aquilo

que lhes é dado (mundo natural).

Por outro lado, diz-se que construído é o termo empregado para indicar tudo

aquilo que se acrescenta à natureza, pelo conhecimento de suas leis visando a

atingir determinado fim.765

Ora, assim como as obras humanas, como nos ensina Goffredo Telles Jr.766

não são criadas do nada, ex nihilo, o currículo jurídico, não é uma criação elaborada

do vazio, do nada, não é um fenômeno dado pela natureza, depende da experiência

e do fazer humano para sua elaboração.

764

GRUNDY, Shirley. Curriculum: produt ou praxis? London: The Flamer Press, 1987. p. 5. 765

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 24. 766

TELLES JÚNIOR, Goffredo. O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1971. p. 313-318.

Page 369: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

368

Defende-se, portanto, aqui a tese de que o currículo jurídico é uma

construção. É construção porque também, o objeto do conhecimento está sempre

em constante construção, não está inserido na natureza como um dado.

Ocorre que o objeto cognoscível é construído a partir do próprio processo de

produção de uma teoria e, como tal, se vincula à prática, pelo método de abordagem

utilizado, que delimita os parâmetros da realidade, respaldado por sua construção

epistemológica.

Assim sendo, todo o objeto de análise é construído. Toda a teoria efetuada

sobre ele, portanto, se caracteriza por ser um conhecimento aproximado, retificável,

e não o reflexo dos fatos.

Defende esse ponto de vista Gaston Bacherlard767 quando afirma:

Para o espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.

Sendo questionado e criticamente perguntado pela Filosofia acerca de sua

configuração, verifica-se que o currículo jurídico juntamente com suas diretrizes −

embora constituindo, como conjunto articulado, formal e normatizado de saberes,

regidos por uma ordem − é instituído, a par disso, numa arena na qual se embatem

visões diferenciadas de mundo. Local, onde se produzem, elegem e transmitem

representações, discursos, narrativas e significados sobre as coisas e seres do

mundo.

O currículo é um propósito que corresponde a um conjunto de intenções,

traduzidos por uma relação de comunicação que veicula significados jurídicos,

sociais e educacionais historicamente válidos.

Ora, todas estas intenções variam de sociedade para sociedade, tendo

sempre por base uma matriz civilizacional que estabelece parâmetros globais e

legais de interpretação cultural, razão pela qual se afirma que o currículo não é

somente um conceito abstrato, mas também construção permanente de práticas,

com um significado marcadamente cultural.

767

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuições para uma psicanálise do conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 18.

Page 370: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

369

Por isso o currículo jurídico não pode ser compreendido, simplesmente, como

um conjunto de conteúdos, disciplinas, matérias, métodos, objetivos e experiências

que compõem o ensino do Direito.

Além da lei, da sua prescritividade e normatividade, como construção

permanente de práticas e técnicas, o currículo jurídico revela-se, portanto, como um

significado marcadamente cultural e filosófico e como um instrumento obrigatório

para análise das decisões educativas no âmbito do conhecimento do Direito,

considerando-se que esse conjunto é articulado: norma, filosofias, valores e cultura

que impulsiona os seres cognoscentes em determinada direção, a direção exata da

educação.

Por essa razão é que se defende nesta tese que o currículo jurídico é uma

construção cultural768, produto da ação e criação (cultural) humana. A criação

humana que nasce do desejo de ir além do que outros foram capazes, desafiada

pela necessidade de ultrapassar os limites fixados por aqueles que nos precederam.

Em sentido contrário, José Augusto Pacheco769 defende a tese de que o

currículo é uma dimensão política da educação, ou seja, como um instrumento que

reflete quer a relação sempre existente entre a instituição de educação e a

sociedade, quer os interesses individuais do grupo, quer ainda os interesses

ideológicos.

Discorda-se, entretanto, de tal posicionamento, visto que o ponto de vista de

José Augusto Pacheco está baseado numa perspectiva epistemológica reducionista

do currículo, circunscrevendo-o, apenas, a um dos aspectos da configuração do

currículo jurídico.

Ao contrário, entende-se nesta tese que o currículo jurídico deve ser encarado

sob uma perspectiva epistemológica aberta, denotada e inserida na concepção

culturalista do Direito que surge, conforme aponta Tércio Sampaio Ferraz Jr.770:

Ante a necessidade de se ver o Direito como um fenômeno inserido em situações vitais, dotado de sentido, onde a ciência jurídica, surge como uma ciência cultural, não como produto metódico de procedimentos formais, dedutivos e indutivos, mas como um conhecimento que constitui uma unidade imanente, de base concreta e real, que repousa sobre valorações.

768

PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto Editora, 2001. p. 19. 769

Ibid., p. 19. 770

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980. p. 38.

Page 371: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

370

Concepção culturalista do Direito771 possibilita o alargamento conceitual na

configuração do currículo jurídico, que passa não mais a ser compreendido, tão

somente sob uma perspectiva formal. Passa a ser perspectivado de maneira

substancial, fundamentando-se, portanto, na cultura.

Registre-se, por outro lado, que a acepção mais ampla é a mais relevante do

ponto de vista filosófico, uma vez que o entendimento do currículo, como realidade

cultural, e, por via de conseqüência, do Direito como ciência da cultura, obrigam a ir

além da própria lei, em busca de uma identidade cultural dos fenômenos

jurídicos.

Já afirmava Peter Häeberle772 que o objetivo da ciência jurídica é o de criar

por meio do respectivo sistema normativo, que, por outro lado, é um dos

componentes culturais, um marco coerente em que se possa desenvolver a cultura

do respectivo grupo.

A cultura sob o prisma de Peter Häeberle773 é entendida, num sentido amplo,

devendo representar o contexto de qualquer texto legal e de qualquer ação relevante

juridicamente significativa num Estado Constitucional.

Nesse sentido, o entendimento tanto do Direito quanto do Direito

Constitucional como ciência da cultura implicam, assim, a valorização não só do

texto, mas também da realidade que lhe está subjacente, pois segundo afirma Peter

Häeberle774,

[...] a Constituição não se limita a ser um conjunto de textos jurídicos ou mero compêndio de regras normativas, mas antes é a expressão de um certo grau de desenvolvimento cultural, um modo de representação próprio de um povo, espelho do seu legado cultural e fundamento da sua esperança e desejo. Pode assim falar em constituições de letra viva, que são tanto no fundo como na forma, expressão e instrumento mediador de cultura, marco reprodutivo e de recepções culturais, bem como repositório de futuras configurações culturais, experiências, vivências e saberes.

771

Segundo Maria Helena Diniz, representam as direções principais das teorias culturalistas do Direito: A concepção de Emil Lask, a concepção tridimensional de Miguel Reale e a dimensão do egologismo existencial de Carlos Cossio. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 132. Acrescentam-se também aí, as reflexões de Ortega y Gasset e Recaséns Siches.

772HÄBERLE, Peter. Teoria de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000. p. 42.

773 Ibid., p. 42.

774 Ibid., p. 42.

Page 372: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

371

Relevantes para o Direito, sob a perspectiva culturalista são, segundo Peter

Häeberle775, não apenas as normas contidas na lei fundamental, mas também todas

as respectivas objetivações e cristalizações culturais.

Designadamente a regulação legislativa e regulamentar, a jurisprudência, na

sua evolução contínua, o que obriga a considerar tanto as posições dominantes

como as minoritárias, os fundamentos das sentenças como o do voto vencido, a

existência ou não de correntes jurisprudenciais, os costumes, e as posições dos

sujeitos intervenientes nos mais variados procedimentos e processos públicos, até

mesmo os discursos políticos, as notícias dos meios de comunicação social, as

reações da opinião pública, as obras artísticas e literárias.

Todos esses e tantos outros fatores jurídico-culturais necessitam de ser

considerados na interpretação e na aplicação do Direito e da Constituição, a qual,

numa sociedade aberta, não deve ser vista como tarefa exclusiva de juristas

profissionais, antes deve caber à “sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição”.776

A primeira questão que merece atenção nessa configuração é quanto à

amplitude do termo cultura.

Afinal, o que vem a se constituir cultura777?

Maria Helena Diniz778 afirma que cultura é:

[...] tudo que o ser humano acrescenta as coisas homo additus naturae, diziam os clássicos, com a intenção de aperfeiçoá-las. Abrange tudo que é construído pelo homem em razão de um sistema de valores. O espírito humano projeta-se sobre a natureza, dando-lhe uma nova dimensão que é o valor.

Cultura é por esse entendimento, a natureza transformadora ou ordenada

pela pessoa humana com o escopo de atender aos seus interesses.

775

HÄBERLE, Peter. Teoria de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000. p. 42.

776Ibid., p. 42.

777Em perspectiva cética quanto há impossibilidade de conceituar-se cultura, aponta-se Vasco Pereira da Silva, para quem: encontrar uma noção de cultura, tendo em conta a multiplicidade e a diversidade de concepções do mundo e da vida que ela pressupõe e implica, tanto em termos históricos como na atualidade, afigura-se constituir uma tarefa vã. SILVA, Vasco Pereira. A cultura a que tenho direito: direitos humanos fundamentais e cultura. Coimbra: Almedina, 2007. p. 8.

778DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 131.

Page 373: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

372

Adverte, contudo, Miguel Reale sobre as dificuldades de sua conceituação,

tendo em vista que muitas vezes, o termo cultura é empregado de maneira

inadequada.

Afirma Miguel Reale779 que:

[...] a todo instante, se emprega esse termo, sem a clara noção de seu significado, o que tem dado lugar a muitos equívocos. A palavra “cultura” já em si mesma é multívoca e polêmica, não havendo conceito dela que possa ser acolhido sem reservas ou fortes contraditas.

No entanto, é preciso considerar que, no plano filosófico, sociológico,

antropológico, político ou jurídico, nem sempre se tem percepção de que esse

conceito, na acepção que hoje se lhe atribui, implica profundas alterações nos

domínios das ciências humanas, em geral, bem como nos da Filosofia, desde a

teoria do conhecimento à ética.

Miguel Reale780 aponta o primeiro sentido (também denominado

pessoal/subjetivo) que se toma como referência quando se trata do termo “cultura”:

[...] é aquele que é incorporado à linguagem comum, de seu uso corrente. Nessa acepção geral, a palavra cultura vincula-se a cada pessoa indicando ao cervo de conhecimentos e de convicções consubstanciam as suas experiências e condicionam as suas atitudes, ou mais amplamente, o seu comportamento como ser situado na sociedade e no mundo.

Miguel Reale781 indica um segundo sentido de cultura (também denominado

social/objetivo):

Configurando-se nesse sentido, em acepção a um só tempo filosófica, antropológica e sociológica, como acervo de bens materiais e espirituais acumulados pela espécie humana através do tempo, mediante um processo intencional ou não de realização de valores.

Depreende-se dos conceitos ora apresentados, que a cultura pode ser

considerada como o conjunto de tudo aquilo que, no plano material e espiritual, o

homem constrói sobre a base da natureza, quer para modificá-la, quer para

modificar-se a si mesmo.

779

REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 1. 780

Ibid., p. 2. 781

Ibid., p. 3.

Page 374: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

373

A cultura é assim o conjunto de instrumentos, das obras, serviços, como

também, das atitudes espirituais e formas de comportamento que o homem veio

aperfeiçoando ao longo da história, como patrimônio da espécie humana.

Nesse sentido, entende-se que a visão culturalista do currículo jurídico é

resultante da experiência e do poder criador da mente humana. Contudo, a cultura

implica e envolve tomada de posição perante a realidade, pois não vivemos no

mundo sem rumo e sem fim. A existência é uma constante tomada de decisão e

implica, portanto, valores.

Miguel Reale782 afirma que toda sociedade obedece a uma tábua de valores,

de maneira que a fisionomia de uma época depende da forma como seus valores se

distribuem ou se ordenam.

O mundo dos valores representam, por conseguinte, o mundo do dever ser,

das normas ideais segundo as quais se realiza a existência humana, refletindo-se

em atos e obras, em formas de comportamento e em realizações de civilização e

cultura, ou seja, de bens que representam o objeto das ciências culturais.

A cultura implica, portanto, a idéia de valores. Ela existe exatamente porque

o homem, em busca da realização de fins que lhe são próprios, altera o que é dado,

alterando-se a si próprio.

A cultura implica, no projeto educativo de um currículo, uma educação para os

valores, que, por sua vez, devem constituir o eixo central de sua configuração e da

formação de todos os agentes educativos. Pois, os valores constituem-se uma base

comum dinâmica na realização das atividades curriculares e educativas da escola.

São, com efeito, os valores que configuram o rosto humano à instituição e ao

currículo escolar. No entanto, só a vivência crítica dos valores por parte dos vários

agentes educativos permite a humanização intersubjetiva dos atos pedagógicos e

educativos.

Sob a perspectiva cultural o currículo jurídico dá-se assim, num universo

axiológico, pois o problema dos valores não está na transmissão teórica, mas na

sua vivência e prática.

782

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.

Page 375: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

374

Por isso que sob a ótica construtivista cultural, o currículo jurídico não pode

ser considerado somente, em sua estática positivista, ou, ainda, como

exclusivamente afeita a uma mera escolha do conteúdo formal e instrutivo que um

indivíduo recebe para poder-se integrar em uma sociedade, ou dos meios para lhe

permitir chegar até lá.

O currículo jurídico deve designar um processo vivo, que além de vincular

o sujeito ao seu meio ambiente próximo, o inclui ao sistema de valores de uma

sociedade, permitindo-lhe assim, adquirir além da cultura, valores, princípios éticos

de justiça, tolerância, solidariedade, e de permanente capacitação e formação

profissional para adequada integração desse indivíduo na sociedade.

O currículo nasce quando as sociedades começam a sentir necessidade de

transmitir culturas, precisando, para isso, criar uma geração capaz de conservar o

que de mais sublime as gerações anteriores construíram.

Infere-se daí que:

a) sociedade não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de

geração em geração;

b) a não ser assim, não poderia haver progresso educativo na história, e a

vida dos homens e mulheres de cada geração não seria mais do que um

eterno retorno;

c) as formas de realizar ou garantir essa transmissão chama-se educação.783

Tomando-se o termo, ainda em sentido lato, designa-se por educação a

transmissão, bem como o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas

de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é

capaz de satisfazer suas necessidades.

Proteger-se assim, contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e

trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico.784

À exigência de sentido que resulta da socialização, e que engajam seu

sujeito, tomam lugar, muito especial, as instituições de ensino. O problema que

surge também daí é qual a cultura, quais são os valores que vão ingressar na

instituição educativa?

783

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 305. 784

Ibid., p. 305.

Page 376: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

375

Ainda, sob o aspecto reduzido, qual é o currículo a ser selecionado e

configurado que é mais adequado ao ensino do Direito, tendo em vista que um

currículo não se elabora no vazio nem tão-pouco se organiza arbitrariamente.

José Gimeno Sacristán785 refere o currículo, por exemplo, como “uma seleção

cultural estruturada sob condições psicopedagógicas dessa cultura que se oferece

como projeto para a instituição escolar”.

Ora, como aprendizagem ao longo da vida, o currículo jurídico é, antes de

mais nada, um projeto com finalidades educativas, que reflete a função de cultura

da escola e concepções filosóficas, de saberes e de conhecimento.

No entanto, seja qual for a concepção filosófica que se perfilha, Idealista,

Realista, Naturalista, Positivista, Materialista-Dialética, Existencialista, Pragmatista,

Intuicionista, Reconstrutivista, Humanista − como fartamente ficou demonstrado no

capítulo 1, desta tese −, ou ainda, se de perspectiva epistemológica e cultural,

fechada ou aberta, a construção do currículo começa por fazer-se na base de seus

conteúdos que são a condição lógica do processo ensino/aprendizagem.

Como se demonstrou no capítulo II, deste trabalho, o cânone curricular

ocidental teve origem na Grécia antiga, como conseqüência das diferentes

perspectivas de visão de mundo, depois as cidades-estado da Grécia clássica. Em

seguida passou por Roma e o seu Império estendendo sua civilização para toda a

Europa. Séculos depois, o epicentro muda para a Europa da Cristandade, com o

surgimento das primeiras universidades onde seus currículos eram invariavelmente

fixos e engessados.

Posteriormente, com os Descobrimentos e o Renascimento, migram para as

cidades italianas, Países Baixos, Inglaterra, Espanha e Portugal. Com o Iluminismo,

a Alemanha, França e Inglaterra tornam-se os centros da civilização, influenciando

também com sua civilização a configuração dos currículos. Com a Revolução

Industrial a América estende sua influência do cânone curricular ao Novo Continente.

Embora o mundo atravesse hoje por várias matrizes culturais e civilizatórias,

cada civilização possui a sua matriz cultural e curricular específica. E, embora cada

matriz possa dialogar entre si, cada uma delas procura conservar sua identidade.

785

GIMENO, José Sacristán. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 42.

Page 377: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

376

As instituições de ensino superior e seus respectivos currículos expressam

assim a matriz civilizacional cultural a qual pertencem. Resta saber qual dos

cânones culturais se quer para a configuração do currículo jurídico no nosso país.

Trata-se, pois, da seguinte questão: qual é a cultura, o cultivo, que será transmitido

às novas gerações, daquilo que foi transmitido?

No aspecto filosófico, trata-se da questão existencialista786, o que se faz

daquilo que o mundo nos fez? Qual é o novo conteúdo, a cultura que vai ingressar

nas escolas por intermédio dos currículos a partir da constatação da crise do ensino

jurídico? Ou seja, o problema que vai pôr na escola, desde suas origens, é a cultura,

quais são os valores que vão ingressar na instituição educativa.

Ainda, sob o aspecto reduzido, reelaborado, selecionado, indaga-se o que se

constitui mais adequado na mediação dos currículos escolares?

O currículo constituiu-se, por outro lado, numa representação do universo

do conhecimento, que influenciado por diferentes percepções de mundo, onde não

se deixará de reconhecer a contribuição da Filosofia da Educação e do Direito,

bem como das correntes da tradição filosófica, tais como: do Idealismo, do

Perenialismo, do Relativismo, e (Des)construtivismo.

Enquanto que as duas primeiras, sob o princípio da continuidade, defendem a

perenidade e imutabilidade da transmissão da cultura, as três últimas, sob o princípio

da inovação e reconstrução, advogam a educação e o currículo como, além de um

processo prescritivo e normativo, um processo cultural, em desenvolvimento e em

permanente mudança.

Partindo-se da hipótese do currículo jurídico como construção e

fenômeno cultural, é possível concebê-lo como importante agente de mudança.

Propõe-se com isso que o currículo jurídico deva incluir processos de

interpretação, discussão e comportamento dessas mudanças, sendo nesse contexto

tarefa do docente e da instituição de ensino, capacitar o educando para reconhecer

786

É de Sartre a seguinte afirmação: “O essencial não é o que foi feito do homem, mas o que ele faz daquilo que fizeram dele. O que foi feito dele são as estruturas, os conjuntos significantes estudados pelas ciências humanas. O que ele faz é a própria história, a superação real dessas estruturas numa práxis totalizadora”. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Lisboa: Presença, 1998. p. 117 (grifo nosso).

Page 378: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

377

situações novas e resolvê-las, potencializando o aluno para as suas aptidões e

habilidades racionais, mas também, afetivas, sociais, criativas e estéticas.

Da análise, sob a perspectiva construtivista cultural do currículo, retiram-se

outras inferências educativas como, por exemplo, a função cultural possibilitadora de

mudanças na instituição escolar que pode ser perspectivada a partir de diferentes

finalidades educativas.787

No cumprimento da especificação do caráter cultural que o currículo jurídico

apresenta, ligado aos conhecimentos que a instituição de ensino deve promover na

configuração curricular dos cursos de Direito, entende-se ser preciso delinear o

instituto em 5 (cinco) características:

1. de um currículo geral (universo comum de discurso, compreensão e

competência);

2. de um currículo especializado (referente às especialidades do

conhecimento pelas disciplinas e seus conteúdos essenciais);

3. de um currículo exploratório (adaptada aos interesses especiais e

particulares do aluno);

4. de currículo de enriquecimento (para aprofundar a experiência educativa

do aluno);

5. de um currículo de competências, habilidades, sobretudo, de atitudes

(racionais, sociais, morais, estéticas, criativas, afetivas).

O currículo jurídico releva-se, portanto, no cumprimento de sua natureza,

muito além de uma mera construção normativa, destaca-se na sua arena de sintaxe

cultural que se converte, de forma explícita e/ou implícita, em uma construção de

capital simbólico institucionalizado e em um espaço de interesses e investimentos

proporcionais aos espaços constituídos por posições sociais face ao conhecimento.

4.2 Currículo como Construção Cultural em Henry A. Giroux

Entre os autores que nos Estados Unidos ajudaram a desenvolver uma teoria

crítica sobre o currículo, destaca-se a figura de Henry A. Giroux. Tomaz Tadeu da

787

Veja-se a título de exemplo, as orientações de FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artmed, 1993. p. 10.

Page 379: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

378

Silva788 afirma que Giroux “contribui de forma decisiva para traçar os contornos de

uma teorização crítica do currículo, que iria depois florescer de modo inesperado”.

Henry A. Giroux789 volta-se para temáticas e direções que configuram o

currículo do ponto de vista cultural. Servindo-se de conceitos desenvolvidos pelos

autores da Escola de Frankfurt, Giroux ataca toda a racionalidade técnica e utilitária

do currículo, bem como o positivismo das perspectivas dominantes sobre o currículo.

Perspectiva essa, aliás, na qual, saliente-se, fundamenta, historicamente, o nosso

currículo jurídico.

A Escola de Frankfurt, integrada por expoentes como Theodor Wiesengrund

Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse fornecia uma crítica à epistemologia

implícita na racionalidade técnica que podia ser prontamente aplicada à crítica, tanto

das perspectivas dominantes sobre o currículo, quanto do próprio currículo existente.

Recorrer aos frankfurtianos possibilitou a Giroux produzir uma crítica à

epistemologia implicada na razão instrumental, e que segundo o autor favorecem

práticas educacionais que conduzem a alienação e à dominação. Segundo ele, tal

epistemologia, bem como a crítica a ela, é apreendida quando se recorre à teoria da

cultura presente na perspectiva proposta por Theodor Wiesengrund Adorno, Max

Horkheimer, Herbert Marcuse.

Segundo Henry Giroux790

[...] a teoria da cultura da Escola de Frankfurt oferece novos conceitos e categorias para análise do papel que a escola representa como agente da reprodução cultural e social. Esclarecendo a relação entre poder e cultura, aqueles teóricos ofereceram uma visão da maneira pela qual as ideologias

788

SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora, 2000. p. 51.

789Henry A. Giroux ocupa a cátedra Waterbury na Escola de Educação Secundária da Penn State University, nos Estados Unidos. Foi professor em Miami University, Tufts University e Boston University. Publicou numerosos artigos científicos e capítulos em diferentes revistas e livros, o mais recente de todos é Crítica Cultural Estudios Culturales, Harvard Education Review e New Art Examiner. Além disso, é autor de 17 livros e organizador de sete. Organizador de três séries de livros que abrangem os campos da pedagogia, dos estudos culturais e da reforma educativa, publicados respectivamente, por Suny Press, University of Minnesota Press Bergin e Gravey Press. Seus livros incluem: Educación post moderna, Cruzando límites, Vivir peligrosamente (ganhador do prêmio Gustav Myers de 1995 como um dos melhores livros sobre Direitos Humanos na América do Norte), Placeres: Aprendiendo cultura popular e culturas fugitivas: raza, violência y juventud. Seus livros mais recentes são: Channel surfing: race talk and politics of destruction of today youth (St. Martin) e Pedagogy and the politics of hope (Westview Press). É membro do Comitê Editorial de 14 revistas e, atualmente, é diretor do Waterbury Forum in Education and Cultural Studies, na Penn State University. Cf. IMBERNÓN, Francisco. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. viii.

790GIROUX, Henry A. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez, 1983. p. 28.

Page 380: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

379

dominantes são constituídas e mediadas por formações culturais específicas. O conceito de cultura nesta visão existe em uma relação particular com a base material da sociedade o valor explanatório de tal relação será encontrado ao problematizar-se o conteúdo específico de uma cultura, sua relação com os grupos dominantes e dominados, bem como a genes histórico-social do ethos e das práticas culturais legitimadoras e de seu papel na constituição de relações de dominação e resistência.

Entende-se que pela análise de Henry Giroux791 as perspectivas dominantes,

em especial as de cunho Positivista, ao concentrarem-se em critérios de eficiência e

racionalidade burocrática, deixam de levar em consideração o caráter ético, político,

e cultural das ações humanas e sociais, e particularmente, no uso do currículo e do

conhecimento.

Segundo Henry Giroux792, como resultado dessa concepção, o currículo

contribui para a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais.

Ainda, segundo esse autor havia uma rigidez estrutural na configuração do

currículo que não deixava espaço para a mediação e a ação humana, portanto, vai

em busca de uma teorização crítica, mais alternativa sobre a pedagogia e o

currículo.

A síntese que ora se apresenta baseia-se nos seus primeiros livros Ideology,

culture and the process of schooling (1981) e Teoria e resistência em educação

(1983).793

Henry Giroux794 afirma que os educadores e as educadoras progressistas em

todo mundo devem enfrentar o desafio de unir cultura e política para fazer com que

o pedagógico seja mais político unindo a aprendizagem, em seu sentido mais amplo,

à própria natureza da mudança social.

Esse posicionamento sugere que se refaçam as relações entre cultura,

pedagogia e política. O que falta para tornar qualquer noção viável de pedagogia em

profecia exemplar é o reconhecimento de que a cultura está composta de indivíduos

791

GIROUX, Henry A. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez, 1983. p. 28-29. 792

Ibid., p. 28-50. 793

As obras citadas encontram-se publicadas somente em inglês, faz-se aqui uma tradução livre em português das referências dos títulos dessas duas obras, cujos originais são: Ideology, culture and the process of schooling. Philadelphia London: Temple University Press; Falmet Press, 1981; Theory and resistance in education, critical perspectives in social theory. South Hadley, Mass.: Bergin & Garvey, 1983.

794GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.

Page 381: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

380

e política, porque esta proporciona recursos por meio dos quais as pessoas

aprendem a pensar sobre si mesmas e a relacionarem-se com as demais e com o

mundo que as rodeia.

A força educativa da cultura, segundo Henry Giroux, está atenta às

representações e aos discursos éticos como condição necessária para a

aprendizagem, a diligência e o funcionamento das práticas sociais e políticas em si.

Como força pedagógica a cultura está saturada com a política e oferece em

seu sentido mais amplo o contexto e o conteúdo para a negociação do

conhecimento e das habilidades que facilitam a leitura crítica do mundo a partir de

uma postura de sujeito e possibilidade no marco de relações desiguais de poder.

Segundo Henry Giroux,795 os educadores e educadoras devem dar ênfase ao

fato de que a Pedagogia representa uma prática moral e política, e não meramente

um procedimento técnico.

O desafio com o qual se defrontam educadores, educadoras e estudantes

representa, portanto, parte de um desafio para desenvolver e sustentar as culturas

públicas democráticas, para conseguir que educadores e educadoras explicitem as

metas morais e políticas, que funcionam em suas práticas e desenvolvam

pedagogias que se encarreguem de demonstrar criticamente como o conhecimento

está relacionado com o poder da transformação social.

No caso do currículo jurídico, esse argumento é especialmente importante,

tendo em vista a crise que se abateu sobre a sua configuração.

Os desafios trazidos pela massificação do ensino jurídico que se converteram

em grande manancial de ilusões para um número excessivamente crescente de

universitários, para os quais se deve sobre a existência de duvidar existirem vagas

proporcionais de trabalho, sabendo-se que a grande maioria dos cursos concentra-

se apenas no estudo da tecnologia extraída da dogmática jurídica.

Nesse sentido afirma José Eduardo Faria796:

795

GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.

796FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987. p. 18.

Page 382: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

381

A educação a nível universitário converteu-se, numa banal e descompromissada atividade de informações genéricas e/ou profissionalizantes – com alunos sem saber ao certo o que fazer diante de um conhecimento muitas vezes transmitido de maneira desarticulada e pouco sistemática, sem rigor metodológico, sem reflexão crítica e sem estímulo às investigações originais. A ênfase à rentabilidade educacional anulou por completo, assim, a função formativa da Universidade brasileira, mediante uma crescente marginalização das atividades criativas e críticas. Como decorrência, as estruturas universitárias se verticalizaram, em detrimento da autonomia acadêmica e da flexibilidade horizontal dos projetos interdisciplinares, ao mesmo tempo em que os corpos docentes se dispersaram entre departamentos estanques e fechados em sua própria rotina burocrática

Esse desafio reforça também o argumento para formar professores,

professoras e estudantes que se movam por meio de fronteiras disciplinares,

políticas, jurídicas e culturais a fim de que se possam propor novas perguntas,

produzir contextos diversos dentro dos quais se possam organizar as energias de

uma visão moral e recorrer aos recursos intelectuais necessários para entender e

transformar aquelas instituições e forças que continuam, “fazendo que a vida em

que vivemos e a sociedade em que vivemos sejam profundamente anti-

humanas”797 (grifo nosso).

Pelo espaço que ocupa na sociedade brasileira, com a predominância da

formação como aprendizagem ao longo da vida, o currículo jurídico é uma destacada

arena da política cultural, que se converte, de forma explícita ou implícita, em um

capital simbólico institucionalizado e em campo de interesses e investimentos face

ao conhecimento.

Nesse sentido, e seguindo os conceitos fundamentais de Henry A. Giroux798

compreende-se que a escola deve ser vista e entendida como uma arena política,

jurídica e, sobretudo, cultural, na qual formas de experiência e de subjetividade são

construídas, desconstruídas e, também, reproduzidas, o que torna o currículo

jurídico um poderoso agente de mudança e de luta a favor das transformações da

sociedade. Porque se corporifica em uma estratégia de regulação, ou numa

estrutura dinâmica, em que os habitus escolares resultam das relações de poder.

797

HALL, S. Race. Culture and communications: looking backward an forward at cultural studies. Rethinking Marxism, n. 5, p. 18, 1992.

798GIROUX, Henry A.; McLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146.

Page 383: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

382

O currículo, segundo Henry A. Giroux799, é uma construção cultural que

representa uma encruzilhada de práticas. Espaço onde se cruzam saber e poder,

discurso e regulação onde se condensam identidades individuais e sociais

corporificando relações sociais e culturais.

Fazer da instituição de educação um local de produção de tais identidades,

implica reconhecer quer a natureza subjetiva e cultural do currículo jurídico quer

práticas de desconstrução. Daí resulta que o currículo jurídico seja entendido como

uma prática discursiva e como autoridade textual.

Para Henry A. Giroux800 a autoridade textual refere-se ao poder que os

educadores as utilizam para legitimar tanto o valor de uma imagem ou texto

particular, quanto a gama de interpretações que são arregimentadas para

compreendê-los.

Assim, conceituar o currículo jurídico como um texto legal a ser aprimorado

permanentemente, é entendê-lo, também, como uma criação discursiva que não é

simplesmente um texto, mas um “texto de poder.801

Para completar essa asserção, o currículo é um texto, além de normativo,

cultural, que é diferentemente construído no âmbito das abordagens filosóficas pós-

estruturalistas de poder e discurso.

Por outro lado, é preciso considerar as ponderações de Alfredo Veiga Neto802

que sustenta que falar de fenômenos culturais não significa reduzir tudo a cultura,

mas significa: “assumir que a cultura é uma das condições constitutivas de

existência de toda prática social, que toda prática social tem uma dinâmica cultural”.

Não que não haja nada além do discurso, mas que toda prática social tem o seu

caráter discursivo.

799

GIROUX, Henry A.; McLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146.

800Ibid., p. 146.

801Expressão empregada por SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto, 2000. p. 49.

802VEIGA NETO, Alfredo. Michel Foucalt e os estudos culturais. In: COSTA, M. (Org.). Estudos culturais em educação. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 53.

Page 384: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

383

4.3 Desconstrução na Filosofia Pós-Moderna de Jacques Derrida

Embora o termo pós-moderno seja de uso principalmente americano, a

maioria das idéias geradoras pós-modernas surgiram na França.

O pós-moderno representa, em geral, uma reação contra as tendências

generalizadoras, universalizantes, integradoras e racionalizadoras da modernidade,

ou seja, da época da cultura européia em que – desde o Iluminismo até ao

cientificismo triunfante (no domínio das ciências Positivas e Sociais) da nossa época

– se crê, por um lado, que o nível mais adequado para conhecer e organizar é o

geral, o global, o holístico, e que, por outro lado, esse conhecimento e essa

organização são progressivos e aditivos, representando vitórias sucessivas sobre a

irracionalidade e a desordem.803

Os valores centrais do modernismo são, por exemplo, a generalidade e a

abstração, a racionalidade, a planificação, a hetero-disciplina, a funcionalidade.

A reação pós-moderna dirige-se contra tudo isso. Ao geral, opõe o particular,

ao gigantismo do grande opõe a beleza do pequeno; a eficácia da perspectiva macro

opõe a sutileza da perspectiva micro; ao sistema opõe o caso, à hetero-regulação

(heteronomia), a auto-regulação (autonomia); ao funcional opõe o lúdico; ao objetivo

opõe o subjetivo; à verdade opõe a política.804

O Pós-Modernismo carrega, quer do ponto de vista existencial, quer em

relação ao conhecimento dos valores, um relativismo radical.

803

Segundo Goffredo Telles Júnior, a Filosofia ensina que o Universo é a diversidade das coisas harmoniosamente ordenadas, dentro da unidade do todo. Para ele, a ordem é a disposição conveniente de seres para a consecução de um fim comum. No entanto, segundo Telles Jr. a desordem não é o contrário da ordem é somente uma “ordem contrária a outra” é a ordem que não queremos. A desordem, nesse sentido, é uma pseudo-ilusão. TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 10-11.

804Sobre o pós-modernismo a bibliografia é farta. Aponta-se o texto fundador a obra de Lyotard, Jean-François. A condição Pós-Moderna. 1979. Sob o pós-modernismo e impacto nas Ciências Sociais, veja-se ROSENAU, Pauline Marie. Pós-Modernismo e Ciências Sociais: para uma crítica sob a perspectiva marxista, 1991; CALLINICOS, Alex. Against Post-Modernism: a marxism critique. New York, Palgrave Macmillan, 1990. Do ponto de vista da ética reportamos a obra de BAUMAN, Zigmunt 1993 e António Manuel HESPANHA, sob a perspectiva do pós-modernismo político, a obra: O poder, o direito e a justiça numa era de perplexidades. 1992. Veja-se ainda SANTOS, Boaventura Souza. Pela mão-de-Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2003 e do mesmo autor Introdução a uma Ciência Pós- Moderna. São Paulo: Graal, 2003. Sobre o pós-modernismo jurídico, veja-se, também, CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1991. LITOWITZ, Douglas E. Filosofia Pós-Moderna e Direito. 1997. No Brasil: BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

Page 385: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

384

No plano dos saberes sociais, como aponta António Manuel Hespanha805,

este relativismo leva à recusa de teorias gerais que tenham ambição de fundar

universalmente os valores ou os métodos, grandes narrativas, metanarrativas, e.g,

bem como à valorização do multiculturalismo, do pluralismo, da heterogeneidade, da

conflitualidade de paradigmas e de valores.

Os valores considerados pós-modernos conduzem também ao

desenvolvimento de um certo descrédito com relação aos princípios de integração,

generalização e totalidades. Mas também levam a uma leitura política dos discursos,

não podendo ser verdade, são instrumentos de manipulação.

O pós-moderno critica assim, a idéia de que os paradigmas culturais e

epistemológicos têm caráter histórico e aleatórios que, portanto, não são regime de

verdades, mas apenas, universos de crenças.

Essa idéia de que os saberes e os discursos constituem sistemas aleatórios

de sentido, em que não existem relações necessárias entre os significantes e os

significados, é responsável por aquilo a que se tem chamado a “viragem lingüística”

e que tem caracterizado a cultura pós-moderna, passando do Direito, à Arte, à

História, à Literatura, etc.

No estudo dessas culturas, a “viragem lingüística” teve paralelo na insistência

de um caráter local, dos valores culturais, em detrimento ao universal, como dito

anteriormente, ou seja, das representações, crenças, disposições emotivas ou da

sensibilidade.

Valores, que sob essa perspectiva, devem ser identificados a partir de uma

interpretação profunda dos comportamentos humanos das diversas culturas.

Essa visão de mundo retira qualquer necessidade ou universalização aos

valores de uma cultura, especialmente, da cultura ocidental. Faz-se, assim, uma

crítica à sociedade moderna.

Registre-se, como aponta António Manuel Hespanha806, que a essa tendência

cultural para recusar valores universais e para ligar os valores a contextos culturais

ou discursos locais, que contém em si mesmos os seus sistemas de sentido, e que,

805

HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Portugal: Publicações Europa-América, 2003. p. 346.

806Ibid., p. 347.

Page 386: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

385

a partir deles, interpretam as coisas e os comportamentos, constroem as suas

imagens locais e lhes dão significados e avaliações locais, correspondem ao

desenvolvimento de uma teoria dos sistemas807, que realça justamente esses traços

adequados à teorização do Pós-Modernismo.

Trata-se da teoria dos sistemas autopoiéticos808 que se constituiu num

modelo adequado para pensar os novos objetos culturais criados pelo Pós-

Modernismo.

Dentro da perspectiva pós-moderna, saberes, sistemas de valores, modelos

de comportamento, inclusive o Direito são encarados como discursos809,

obedecendo a códigos que os pré-formam e lhes dão sentido.

Ou seja, toda a construção, por exemplo, do que seja a verdade, a bondade,

a justiça, a beleza que, com essas práticas se quis fazer, todas as estratégias

visando a explicá-las como sólidas e credíveis, são sujeitas a uma crítica que visa a

desvendar o arbitrário que está na sua origem.

É a esta intenção de crítica, desmistificadora, ligada a uma “viragem

lingüística” que se tem chamado desconstrutivismo.

Com efeito, todas as imagens, intuições e conceitos que orientam o cotidiano

e os saberes são tratados como figuras do discurso, como topos810 literários e

sujeitos à crítica.

807

Registre-se que a conceituação de sistema e sua importância para a ciência jurídica já se analisou nesse trabalho, no capítulo 3, item 3.2. É preciso considerar, no entanto, que a aplicação de um enfoque sistêmico na educação, leva a conhecer aspectos e fenômenos próprios de todos e de cada um dos processos educativos, e, com isso, suas conclusões poderiam ser generalizadas e comparadas (validade universal) em qualquer universo pedagógico, possibilitando um caráter de objetividade. Como aponta Colom, a teoria dos sistemas não pode ser entendida como uma ideologia de corte educativo, mas sim como uma forma de entender a concepção da teoria. Sua concepção assim deixa de ser teoria e passa a ser o campo da epistemologia. Por isso, uma vez mais, deve ser rechaçada a qualificação de anti-humanista que lhe foi imposta. COLOM, Antoni J. A (des)construção do conhecimento pedagógico: novas perspectivas para a educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 49.

808Autopoiesis é um termo de origem grega que significa autocriação. Foi introduzido na linguagem sociológica contemporânea pelo construtivismo radical.

809Para François Ost, por exemplo, o Direito deve ser compreendido como “linguagem, discurso e narrativa”. Veja-se a esse respeito OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. São Leopoldo: UNISINOS, 2007. p. 30, 41-48.

810O termo topos, segundo Eduardo Bittar, em sua semântica originária e primígena, significa lugar. É desta forma originária que se vale Aristóteles para explorar a temática da dialética, pois neste contexto quer-se indicar os lugares-comuns do silogismo dialético, aqueles argumentos comumente explorados nos debates entre escolares, pensadores e profissionais da palavra pública. BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia Aristotélica: leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Barueri: Manole, 2003. p. 291-325.

Page 387: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

386

Muitos filósofos contribuíram com elementos importantes para o

empreendimento filosófico pós-moderno, no entanto, alguns deles se sobressaem.

É o caso, por exemplo, de Jacques Derrida e Henry A. Giroux. Embora, como

apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver811, ambos os filósofos tenham,

raramente, se referido a seus próprios trabalhos como pós-modernos.

Os esforços nesta pesquisa estão centrados, por opção metodológica, no

pensamento de Jacques Derrida e de Henry A. Giroux.

O filósofo franco-argelino Jacques Derrida812, quase sempre é lembrado por

seu trabalho relacionado à desconstrução, já que o próprio termo desconstrução foi

cunhado pelo autor, nos seus trabalhos sobre Literatura e Filosofia, durante os anos

1960.

Em suas obras813 Jacques Derrida faz uma aproximação entre Filosofia e

Literatura, recusando-se a estabelecer limites estanques para definir esses dois

campos do saber, já que sempre acreditou na necessidade de extrapolar limites,

tradicionalmente, conhecidos como filosóficos, levando assim a Filosofia a várias

outras áreas, especialmente ao Direito.814

Destacam-se, também, seus escritos sobre a Educação.815 Porém, ao mesmo

tempo, que enfatiza a necessidade da interação dessas disciplinas do

conhecimento, enfatiza também a necessidade de algo especificamente filosófico,

pois acredita não ser possível dissolver a Filosofia em outras disciplinas.

811

OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre: Artmed, 2004.

812Jacques Derrida nasceu em 1930, na cidade de El Biar, na Argélia e faleceu em Paris, em 8 de outubro de 2004. Derrida foi professor na escola normal superior de Paris, colaborou, entre outras publicações, no Tel Quel, o que levou alguns a filiá-lo ao estruturalismo francês contemporâneo. Embora se tenha ocupado de temas abordados por autores estruturalistas (Claude Lévi-Strauss, Lacan) ou afins ao estruturalismo (Michel Foucault), Derrida combinou esses temas com inspirações procedentes da fenomenologia de Husserl, Heidegger e Hegel.

813Algumas das obras mais conhecidas de Jacques Derrida já traduzidas do francês para o português são: DERRIDA, Jacques. Força de Lei. São Paulo: Martins Fontes, p. 8. [Coleção Tópicos]. A universidade sem condição. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. O animal que sou eu. São Paulo: UNESP, 2002. Gêneses, genealogias, gêneros e o gênio. Porto Alegre: Sulina, 2005. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. O monolingüísmo do outro ou a prótese de origem. Porto: Campo das Letras, 2001. Adeus a Emmanuel Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2008. De que amanhã... diálogo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

814Veja-se a esse propósito especialmente a obra DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 8.

815Veja-se a esse propósito a obra de DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. São Paulo: Estação Liberdade, 2003, bem como a obra O olho da universidade.

Page 388: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

387

Como aponta Katya Kozicki816 “é, justamente, essa aproximação da Filosofia

a outras disciplinas, especialmente da Literatura, que foi alvo das maiores críticas

recebidas por Derrida”, principalmente nos Estados Unidos, onde foi acusado de não

realizar pesquisas propriamente filosóficas e sim estudos literários.

Essa incompreensão sempre foi refutada por ele, o qual afirmou, repetidas

vezes, a necessidade do rigor e do método no campo filosófico, tendo apenas

imaginado limites, ou ausência de limites, para o que venha a ser Filosofia.

O significado do termo desconstrução é de difícil apreensão, e depende,

também, em que campo do saber o conceito está sendo referido.

Embora o termo “desconstrução” possa aparentemente ser considerado

incendiário, “inimigo das instituições”817 tendo sido associado com subversão,

rejeição à ordem e à lei, promessa de liberdade e renascimento, o próprio Derrida”818

nunca procurou tornar absolutamente claro o seu sentido buscando inclusive

negações para explicar o seu conceito:

Desconstrução não é um método ou alguma ferramenta que você pode aplicar a algo externamente. Desconstrução é algo que acontece e acontece internamente.

Para Jacques Derrida a desconstrução não é algo que possa ser apenas

utilizado, algo que possa ser apenas aplicado, por não ser ela um método ou uma

técnica propriamente dita – não existe uma técnica desconstrutivista. No entanto, a

desconstrução é algo sempre relacionado a um texto, à leitura de um texto, o ler e

pensar um texto. Em Jacques Derrida, a desconstrução pode ser entendida como

uma forma de desestabilização, de colocar em questão, de questionar819, de criticar,

de buscar a alteridade, as fronteiras e os limites do texto.

816

KOZICKI, Katya. Verbete Jacques Derrida. In: BARRETO, Vicente de Paulo. (Org.). Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 200.

817Sob a perspectiva crítica veja-se Steven Connor. Teoria e valor cultural. São Paulo: Loyola, 1994. p. 193-123.

818DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 3-43. Sobre o conceito de desconstrução em Jacques Derrida veja-se também sua obra A universidade sem condição. Tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 22-27.

819Corrobora esse entendimento Pedro Demo ao afirmar que o “conceito de questionamento é, por si só, desconstrutivo”. Segundo DEMO, questionar significa “não deixar as coisas como estão, colocar defeito, ver problemas, pôr em dúvida”. Essa postura questionadora, desconstrutivista é, portanto, a alma da ciência. DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. p. 75.

Page 389: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

388

Desconstruir é pensar a genealogia estruturada dos conceitos. É mostrar,

assim, como os conceitos fundamentais constituíram-se no interior de um domínio

determinado, em certos limites a partir dos quais eles se tornam “legíveis” remetendo

à própria constituição do que os construiu.

Para Jacques Derrida é necessário desestabilizar a interpretação dominante,

buscar novos sentidos, reconstruindo o texto em um movimento permanente de

interpretação. É somente esse movimento de passar pelo texto que permite alcançar

uma posição de exterioridade a ele, a partir do qual esse texto pode ser

desconstruído.

A desconstrução exige, assim, que toda leitura de um texto possa ser

submetida a uma nova leitura, em um movimento que une presente, passado e

futuro.

4.4 Desconstrução versus Positivismo Jurídico

Desconstruir o Direito pode ser uma forma de demonstrar que qualquer texto,

qualquer lei, qualquer tipo de norma jurídica − incluindo-se particularmente a

resolução normativa − pode ser questionada, interpretada, criticada, revelando-se o

caráter epistemológico aberto e contingente do ordenamento jurídico e abrindo

novas possibilidades para sua exegese e aplicação.

Não se pode olvidar que a finalidade principal do Direito é contribuir para a

instituição social, estreitar e atar os elos sociais, oferecendo aos indivíduos os

pontos de referência e as marcas necessárias para a sua segurança, educabilidade,

liberdade e autonomia.820

O Direito deve ser compreendido muito mais do que leis, procedimentos, ritos

ou sanções, devendo constituir-se especialmente na práxis de ação recíproca de

convívio solidário, justo, tolerante e de sentido entre os homens.

820

Segundo Paulo Freire, a autonomia é um processo, é uma prática libertadora: “a autonomia enquanto amadurecimento do ser para si é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras de decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 107. Nesse diapasão, entendemos que a autonomia deve ser nuclear em todo o processo verdadeiramente educativo e axiológico.

Page 390: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

389

Além disso, como afirma François Ost821, “o Direito é um discurso

performativo, um tecido de ficções operativas que redizem o sentido e o valor da

vida em sociedade”.

Ora, o Direito se apresenta em textos, textos que são produtos da ação

humana é produto cultural do homem. Entende-se que o Direito constitui-se de um

discurso performativo, como aponta François Ost e, como tal, pode ser

desconstruído.

Como afirma Jonathan Culler822, a desconstrução pode ser apresentada

“como uma posição filosófica, uma estratégia política ou intelectual e um modo de

leitura”. (grifo nosso).

É, sob esse último prisma, ou seja, como modo de leitura (interpretação) que

se aplica à presente tese, tendo em vista que se revela aqui também, um dos pontos

em que a desconstrução pode ser de grande valia para a crítica do pensamento do

positivismo jurídico, pois permite a possibilidade exegética de caráter epistemológico

aberto e contingente do ordenamento jurídico; abrindo-se, portanto, novos caminhos

para sua aplicação e interpretação, sobretudo quanto às diretrizes de seus

currículos.

Por isso que desconstruir o positivismo do Direito pode ser uma forma de

demonstrar que qualquer texto, qualquer lei, qualquer norma jurídica pode ser

desestabilizada, ou seja, pode ser questionado.

Por outro lado, é preciso apontar a dimensão ética no trabalho de

desconstrução de Jacques Derrida, tendo em vista que a busca pela alteridade,

justamente pela perspectiva unívoca que se quer combater, buscando sempre o

outro lado da questão, a presença do outro, o combate da verdade absoluta implica

na concepção ética de Justiça.

A Justiça é também definida por uma relação ética com o outro, em resposta

ao sofrimento do outro, para o qual o sujeito tem uma infinita responsabilidade. Idéia

também que se coaduna como a noção política de Justiça, no sentido de que toda

relação ética é sempre situada em um determinado contexto sociopolítico,

821

OST, François. O tempo do Direito. Bauru, SP: Edusp, 2005. p. 13. 822

CULLER, Jonathan. Sobre a desconstrução: teoria crítica do pós-estruturalismo. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Ventos, 1997. p. 99.

Page 391: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

390

econômico, cultural de diversidade e complexidade, o qual implica diferentes

concepções éticas, levando à necessidade da escolha entre estas ou uma decisão.

A idéia ética de Justiça em Jacques Derrida823 envolve a idéia de

transformação, abertura para o futuro que pode trazer mudanças.

Além disso, na perspectiva da desconstrução, existe sempre uma recusa em

equiparar Direito e Justiça: a Justiça, segundo Jacques Derrida, transcende os

limites do ordenamento jurídico, tal como ele é construído.

Nesse sentido, Jacques Derrida824 afirma, “a justiça do Direito, a justiça do

Direito não é justiça. Leis não são justas por serem leis. Nós não as obedecemos

porque são justas, mas porque elas têm autoridade”.

Portanto, como indica Jacques Derrida825, o próprio Direito é uma

construção essencialmente desconstrutível. Muito embora o Direito seja uma

força autorizada, força que se justifica ou que tem aplicação justificada, essa mesma

justificação pode ser julgada injusta ou injustificável.

Reputa-se fundamental para este trabalho a ressalva de Jacques Derrida826

quando afirma:

Quero logo insistir, para reservar a possibilidade de uma justiça, ou de uma lei, que não apenas exceda ou contradiga o direito, mas que talvez não tenha relação com o direito, ou mantenha com ele uma relação tão estranha que pode tanto exigir o direito quanto excluí-lo. Na estrutura que assim escrevo, o direito é essencialmente desconstrutível, ou porque ele é fundado, construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis (e esta é a história do direito, a possível e necessária transformação, por vezes a melhora do direito), ou porque seu fundamento último por definição não é fundado (grifo nosso).

Em Gramatologia827, Jacques Derrida afirma que a busca da metafísica

tradicional era entender o logos (do grego: discurso, palavra ou razão; os princípios

racionais centrais do universo).

Os filósofos supõem, desde a Antiguidade Clássica grega que a mente

humana tem uma relação de representação direta com o mundo exterior, e o logos é

823

Veja-se nesse aspecto a influência de Emmanuel Lévinas sobre a obra de Jacques Derrida. Adeus a Emmanuel Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2008.

824DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 21.

825Ibid., p. 8.

826Ibid., p. 8.

827Id. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 3-79.

Page 392: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

391

o principal organizador racional desse mundo. Assim como os escritores e os

oradores, os filósofos usam o discurso e a escrita para dar significado ou representar

alguma coisa. Portanto, palavras e combinações de palavras são os símbolos e as

representações de coisas, idéias, objetos de pensamento, etc.

Dessa maneira, os filósofos proporcionam análise, método e descrição

daquilo que, segundo eles, seriam representações exatas do logos; ou seja, o que é

visível à mente ou ao intelecto é relatado ou descrito como representante do logos.

Contudo, essa busca metafísica resulta em contradições e paradoxos.

Segundo Jacques Derrida828, isso ocorre porque as representações dos

filósofos não pertencem a um logos externo e oculto, mas à linguagem, isto é, aos

discursos ou textos. Ou seja, tudo o que temos é o texto, e nada mais.

O pesquisador intérprete deve ao trabalhar a partir do texto e não chegar a

uma visão externa e objetiva do logos ou mesmo daquilo que o orador/escritor/autor/

intérprete/filósofo realmente quer dizer. Olhando, assim, como as excentricidades

da linguagem confundem significados centrais nos textos. Parte dessa dificuldade

reside no fato de nunca se estar totalmente no controle da linguagem usada, pois as

palavras são representações com diversos graus de significado.

O autor, os leitores e os ouvintes trazem para o discurso suas próprias

ênfases e os graus de significados moldados pela experiência, e o contexto no qual

a escrita e a leitura ocorrem também pode influenciar o entendimento.

Em outras palavras, a leitura de um texto não é uma narrativa objetiva do

logos, ou mesmo do que o autor realmente quis dizer, mas sim a interpretação do

leitor, o entendimento atual do texto. Esse entendimento torna-se, por assim dizer, o

próprio “texto” do texto.

O cenário Derridiano pode ser colocado da seguinte forma: considere alguém

tentando formular uma idéia ou um entendimento. À medida que o pensador capta o

entendimento essencial que deseja, tenta colocá-lo em palavras. Enquanto luta com

o projeto, confronta-se com a escolha exata das palavras adequadas para transmitir,

o mais precisamente possível, o modo como percebe a questão; porém, assim que

828

DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 3-79.

Page 393: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

392

encontra uma palavra, descobre que ela apenas pressupõe ou está relacionada com

outras palavras.

É preciso assim discutir com outras pessoas, receber crítica. Nesse processo

dialético e de discussão, o pensador revisa, descarta, recebe sugestões e muda as

palavras e descrições.

Segundo Jacques Derrida829, os filósofos celebram o significante (razão,

mente, consciência) sobre o significado (palavras, sinais, linguagem), quando é o

significado (as palavras e os sinais) que molda nosso pensar.

Em outras palavras, os filósofos seguiram direção equivocada. Supõe-se que

a mente precede a linguagem ou as palavras e sinais; porém perguntaria Jacques

Derrida, o que aconteceria se supuséssemos que a linguagem precede as mentes,

ou seja, que o homem mente porque tem linguagem?

Uma outra forma de abordagem, aquilo que chamamos de mente, vem de

textos culturais e do nosso modo como os lemos ou interpretamos. Segundo

Jacques Derrida, tudo o que temos é o texto e tudo o que conhecemos é o texto.

Os críticos apontam que Jacques Derrida sobrepõe a linguagem sobre o

pensamento e que a desconstrução de textos culturais apenas os reduz à sua

“destruição”.

Como alguns críticos do Pós-Modernismo alegam, a consciência pós-

moderna parece propensa demais ao niilismo830 e ao relativismo831, sempre pronta

para dizer que, como não há uma verdade central, tudo é relativo e qualquer

interpretação é legítima, o que leva ao relativismo ético, sobretudo no que se refere

829

DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 381. 830

Niilismo, do latim nihil: nada. Doutrina filosófica que nega a existência do absoluto, quer como verdade, quer como valor ético. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 196.

831Entende-se por relativismo a doutrina que considera todo conhecimento relativo dependente de fatores contextuais, e que varia de acordo com as circunstâncias, sendo impossível estabelecer um conhecimento absoluto e uma certeza definitiva. Segundo Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, em sentido ético, a concepção relativista considera todos os valores morais como relativos a determinada cultura e a determinada época, podendo, portanto, variar no espaço e no tempo, não possuindo fundamentos absolutos, nem caráter universal. É Japiassú quem exemplifica: “O fogo arde na Hélade e na Pérsia, mas as idéias que os homens têm de certo e errado variam de lugar para lugar”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. v. 7. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 234.

Page 394: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

393

no tratamento com as questões da Educação e do Direito, no qual tudo então seria

permitido.

Entretanto, isso não reflete o pensamento de Jacques Derrida. Pois o que faz

a sua reflexão é, todavia, incitar uma maior sensibilidade à dispersão e à interação

de significados por meio da linguagem, ao modo como as palavras referem-se a

outras palavras e significados e como cada indivíduo interpreta os significados.

Além do mais, os próprios pensamentos que as pessoas têm partem de seu

contexto histórico, de sua época cultural, de sua linguagem e seu repertório de

significados, bem como dos usos que elas dão para essas coisas.

Em síntese: o que se pensa saber é instável. No entanto, tal afirmação não

significa que não se podem desenvolver entendimentos e assumir posições morais

em questões que consideramos importantes. Ao contrário, os entendimentos e

posicionamentos não têm nenhum status privilegiado sobre outros.

Isso, também, não significa que não se possa comunicar-se com os outros, já

que a comunicação é problemática e inexata.

Considerando o posicionamento teórico Derridiano, acredita-se, com alicerce

na postura filosófica desconstrutivista questionar, portanto, o próprio texto legal −

instituído de forma heterônoma pelo ato administrativo de caráter normativo imposto

pela Resolução nº 9/2004 do CNE − que, atualmente, configura-se nas atuais

diretrizes curriculares no curso de Direito, propondo-se, às diretrizes curriculares em

apreço, uma diversa interpretação do texto normativo, consubstanciada na seguinte

proposição:

Page 395: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

394

4.5 Síntese Propositiva para a Interpretação de Sistema Aberto de Currículo

Jurídico

Quadro 17 – Síntese propositiva de sistema aberto do currículo jurídico

Pela proposição acima delineada, a configuração do currículo jurídico passa a

ser compreendida dentro de uma perspectiva de sistema aberto. Integrando-se,

portanto, na sua nova configuração normativa, além da lei, ou seja, de sua

perspectiva formalista (prescritividade e normatividade), uma sintaxe de natureza

cultural. A configuração do currículo jurídico passa a ser compreendido, não como

mais um conceito abstrato, baseado exclusivamente na sua estrutura formal do que

a norma regulatória da Resolução nº 9/2004 que lhe atribui como conteúdo

curricular.

O currículo jurídico compreendido nessa nova configuração cultural caminha

para legitimar espaços de instrução, ensino e educação que visem a, além da

aprendizagem e do conhecimento oficial entendido como conjunto de conteúdos,

disciplinas, sobretudo, atitudes, habilidades, competências, princípios, valores, que

devem fazer parte integrante do projeto pedagógico de qualquer curso de Direito.

O currículo jurídico sob essa nova perspectiva epistemológica passa a ser

construído pela ação e experiência do homem, do professor e, portanto, pela

Subsistema curricular

Educacional

Subsistema Cultural

Subsistema Administra-

tivo e Pedagógico

pedagógico educa-

cional

tivo e Organizacio-

nal

Subsistema Políti-

co/Econômico/Social

Subsistema

Filosófico

Subsistema

Normativo

Page 396: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

395

interdependência de práticas pedagógicas, em sala de aula, interdisciplinares,

transdisciplinares filosóficas e culturais que se inter-relacionam. Funcionando, dessa

maneira, como um sistema aberto no qual integram vários subsistemas, configurada

assim, pela proposição anteriormente delineada.

Essa configuração de sistematicidade aberta do currículo jurídico e de suas

diretrizes caracterizadas não exclusivamente pela norma, mas também pela cultura,

constitui-se em um possível caminho e instrumento fundamental para o

desenvolvimento de uma ordem social e jurídica igualitária e democrática. Portanto,

conferindo novos significados ao conhecimento, para o ensino Direito e

indispensáveis para construção de uma sociedade cuja finalidade precípua deve ser

a construção e o pleno desenvolvimento da pessoa humana, o seu preparo para a

cidadania, na construção de um caminho mais justo, solidário e ético.

Pela configuração, ora proposta, o currículo jurídico torna-se então e, ao

mesmo tempo, produto e produtor da cultura da sociedade832, locus de reconstrução

e desconstrução de um sistema de significados em que são partilhados, num mesmo

espaço e tempo, ações e propostas pedagógicas que necessitam ser questionadas

inclusive pela complexidade do universo acadêmico.

Tendo em vista também a complexidade das relações sociais, jurídicas e

econômicas, a pluralidade, a evolução dos tempos, a tecnologia, e a própria

evolução da sociedade, o processo de elaboração, avaliação, construção e

desconstrução de propostas curriculares são necessárias ao ensino do Direito. Por

outro lado, afirmar-se também, que sob essa perspectiva, o currículo jurídico, é

também um terreno de conflitos que origina, no seu processo de formulação,

constante elaboração, avaliação, construção e desconstrução de propostas

curriculares, quer por diferentes críticas e lógicas de pensamento e ciência, que são

intrínsecos à complexidade do universo acadêmico e escolar. Da interlocução dessa

nova síntese estrutural de sistematicidade aberta, que possui forte potencial

832

Essa tese é também sustentada na literatura norte-americana sobre a Teoria Crítica do Currículo por Madeleine R. Grumet. Sua obra no Brasil ainda não foi traduzida, sendo citada somente por William F. Pinar, professor de Teoria Curricular na Universidade do Canadá (University of British Columbia), onde é responsável pelo Centro de Estudos de Internacionalização dos Currículos. Saliente-se, no entanto, que suas obras mais relevantes, sobre a perspectiva curricular como construção cultural, são: Psychoanalytic foundations. In: William F. Pinar and Madeleine R. Grumet. Toward a poor curriculum. Dubuque, IA: Kendall/Hunt. p. 111-146. Madeleine R. Grumet. Bitter milk: women and theaching. Amherst: University of Massachusetts Press; The literary reference for curriculum criticism. In: W. Pinar. Contemporary curriculum discourses: twenty years of JCT. New York: Peter Lang. p. 233-245.

Page 397: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

396

questionador, pois não se restringe ao aspecto meramente legal do currículo, pode-

se formular as seguintes configurações, algo que certamente poderá trazer

contribuição para a pós-modernidade do currículo jurídico:

4.6 Proposições para Desconstrução de Paradigmas para o Currículo

Jurídico

Propõe-se na presente tese de Doutorado, a desconstrução de inadequados

paradigmas da configuração do currículo jurídico atualmente em vigor ex vi da

Resolução nº 9/2004, para uma nova construção paradigmática, a seguir delineada:

Quadro 18 – Proposição de novos paradigmas curriculares

Inadequados e Antigos Paradigmas Novos Paradigmas

Paradigma curricular fixo com ênfase exclusivamente na lei

Paradigma curricular de perspectiva epistemológica aberta, enfocando-se temas transversais, tais como diversidade cultural e multiculturalismo, ética, justiça, valores, princípios, filosofia.

Paradigma pedagógico tradicional, técnica de ensino por memorização de conteúdos

Paradigma pedagógico novo, com conteúdos críticos que incentivem a curiosidade do aluno

Paradigma curricular epistemológico exclusivamente positivista

Paradigma curricular de perspectiva sistemática aberta; visa além da lei, à complexidade, sobretudo, à cultura.

Direito como ciência autônoma, separada das outras disciplinas

Direito interligado a outras formas de conhecimento, aplicação de metodologia interdisciplinar e transdisciplinar.

Direito Penal punitivo e com sistema penitenciário punitivo

Direito Penal e sistema penitenciário com orientação preventiva e educativa

Decisões jurídicas puramente racionais e automáticas na aplicação da lei

Decisões jurídicas que envolvam, além de habilidade racional; as habilidades sensitivas, habilidades cognitivas; habilidades psicológicas; habilidades sociais; habilidades afetivas; habilidades estéticas.

No caso de conflito: prevalência da arbitragem No caso de conflito: mediação

Morosidade da Justiça, tendo em vista a ineficiência de gestão administrativa

Princípio da eficiência, publicidade, ética, moralidade administrativa na gestão da Justiça.

Educação jurídica com enfoque restrito à lei Educação jurídica com enfoque humanista

4.6.1 Primeira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares

no curso de Direito

A configuração estrutural imposta no texto das atuais diretrizes,

especialmente no que diz respeito o art. 5º, da Resolução nº 9/2004, é restritiva do

Page 398: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

397

ponto de vista epistemológico, pois impõe no projeto pedagógico dos cursos de

graduação em Direito, conteúdos curriculares obrigatórios, especificamente, no eixo

de formação profissional.

Ora, não se vislumbra da leitura do texto normativo, ora questionado, por

exemplo, conteúdos curriculares essenciais que tratem, no ensino de Direito, de uma

“Teoria do Direito”. A inclusão de uma Teoria Crítica do Direito, como conteúdo

curricular essencial se justifica, tendo em vista que a “disciplina” de Introdução ao

Estudo do Direito, como vêm sendo ministrada, sempre compreendeu uma série de

conceitos introdutórios ao estudo de Direito, visando à sistematização destes, e ao

mesmo tempo, apresentando as principais correntes de pensamento na ciência

jurídica.

Na prática estes conceitos, na maior parte das vezes, acabam sendo

trabalhados, também, nas denominadas “disciplinas” de Teoria Geral de Direito Civil,

Teoria Geral do Processo, etc., não merecendo, portanto, a compreensão de

conteúdos específicos de configuração de um conteúdo específico sobre a Teoria do

Direito.

Vale ressaltar aqui que a disciplina “Introdução ao Estudo do Direito”,

apresentou diversas nomenclaturas no currículo jurídico ao longo das últimas

décadas que, contudo, provocaram um exame de seu conteúdo.

No entender de Carlos Magno Spricigo Venerio833, a expressão que se

apresenta mais adequada é a de Introdução ao Estudo do Direito, já para esse autor

a expressão “Introdução à Ciência do Direito” tem dois inconvenientes: em primeiro

lugar, a idéia de que a disciplina tratará com exclusividade do problema

epistemológico, deixando de lado e em segundo plano a abordagem preliminar do

próprio Direito, o que necessita ser feito ainda no primeiro ano de curso. Segundo,

aparenta resolver de plano uma discussão profunda e muito disputada que é a da

cientificidade do conhecimento jurídico, conhecida como dogmática jurídica.

833

VENERIO, Carlos Magno Spricigo. A introdução ao estudo de Direito. In: CERQUERIA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 2-12.

Page 399: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

398

Por seu turno a expressão “Introdução ao Direito” também parece descrever

de modo impreciso, segundo Carlos Magno Spricigo Venerio834, a atual configuração

desta disciplina introdutória. Lembrando a distinção kelseniana entre norma e

proposição jurídica. Assim sendo, se “Introdução à Ciência do Direito” parece propor

apenas a abordagem das proposições jurídicas, “Introdução ao Direito”, como se

impôs no texto da Resolução nº 9/2004, também se equivoca, ao induzir a idéia de

circunscrever-se apenas ao conjunto de normas, ou seja, ao Direito Objetivo.835

Defende-se, aqui, uma proposição mais ampla tendo em vista que, no

diversificado universo temático do Direito, não parece haver propriamente conteúdos

de introdução ao Estudo de Direito, visando à sistematização de conceitos

introdutórios ao estudo de Direito, razão pela qual, propõe-se a inclusão no texto

legal das atuais diretrizes curriculares nacionais, como conteúdo obrigatório, no eixo

de formação profissional, da “Teoria Geral do Direito”.

Quadro 19 - Conteúdo curricular propositivo no eixo de formação profissional das DCNs para o curso de Direito

Teoria Geral do Direito que abrangeria no eixo de formação profissional, conteúdos no currículo jurídico, por exemplo, de Epistemologia Jurídica, Teoria da Norma e Teoria do Ordenamento Jurídico.

Propõe-se, portanto, neste trabalho, a crítica e, por via de conseqüência, a

desconstrução, pela via normativa, da Resolução nº 9/2004, no que tange

especificamente ao art. 5º, inc. II.

É preciso que se diga, no entanto, que a inclusão da Teoria do Direito, a ser

proposta na matriz curricular não implica uma visão reducionista do Direito; ou do

834

VENERIO, Carlos Magno Spricigo. A introdução ao estudo de Direito. In: CERQUERIA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 2-12.

835Segundo definição apresentada por Jean-Louis Bergel, o Direito objetivo é o conjunto das regras que regem a vida em sociedade e cujo respeito é garantido pelo Poder Público. Porém como bem adverte Bergel, costuma-se ter tendência a identificá-lo com o direito positivo, ou seja, como o conjunto das regras jurídicas vigentes num dado momento numa dada sociedade. Mas essa visão é estrita demais, pois o estado do direito num país, e num determinado momento, é apenas a expressão momentânea das múltiplas soluções possíveis, suscetíveis de serem aplicadas nos inumeráveis campos que o Direito deve reger. Ele não pode dissociar-se de fenômenos mais amplos, nem ser isolado de suas fontes ou de seu contexto. Depende da história, do meio humano, social, econômico, cultural, das escolhas ideológicas. BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XVII.

Page 400: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

399

entendimento dessa investigadora do que venha a se constituir a Teoria do Direito,

nos antigos paradigmas propostos por Hans Kelsen na sua Teoria Pura do Direito.836

A principal crítica que se faz ao modelo da “Teoria Pura do Direito”, de Hans

Kelsen, é que em sua visão a legalidade é auto-suficiente na medida que uma

norma, pra ser válida, basta que se reporte a outra, anteriormente editada, o que

perfaz uma “validade normativa em cascata”, desde o topo, uma norma fundamental

(não a Constituição) até a base da pirâmide. Por esse modelo, fica descartada a

necessidade da participação popular ou qualquer outro mecanismo democrático de

elaboração e validação do Legislativo e do Direito.

Nessa medida, acreditando ser possível conferir ao Direito uma teoria que lhe

conferisse cientificidade, Hans Kelsen acaba por propiciar uma metodologia

autoritária, embora nunca pretendesse defender regimes autoritários tais como o

nazismo que o perseguiu inclusive como judeu. Hans Kelsen pretende afastar a

visão jusnaturalista do Direito, e através disso, a separação do Direito e da moral ou

dos princípios de justiça.

É preciso considerar nesta proposição as novas Teorias do Direito produzidas

por autores tais como Niklas Luhmnann, Gunther Teubner, François Ost, André-Jean

Arnaud ou Boaventura de Souza Santos, que articulam os paradigmas utilizados

pelas Ciências Sociais, (Sistemas, Modos de Produção e Reprodução, etc.), para

compreender melhora dinâmica jurídica, e que são praticamente desconhecidos e

pouco ventilados nos nossos currículos do curso bacharelado em Direito, agravando-

se ainda mais o isolamento auto-imposto pelo próprio campo jurídico.

Entende-se que a proposição da inclusão do conteúdo de uma Teoria Geral

Crítica do Direito no currículo jurídico deve passar, necessariamente, por uma

perspectiva interdisciplinar que permite, todavia, abrir a compreensão de mundo,

numa perspectiva sistemática alargada, interdisciplinar e transdisciplinar de

compreensão do fenômeno jurídico, inserida no universo das humanidades, que

possibilitem ampliar o universo cognitivo da própria ciência jurídica.

Consideramos aqui que a Teoria Geral do Direito tem o objetivo de apreender

o fenômeno jurídico mediante o estudo de sua razão de ser, de suas finalidades, de

836

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. cap. I, “Direito e Natureza”, p. 1-60; cap. VIII, “A interpretação”, p. 387-399.

Page 401: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

400

seus conceitos fundamentais, de sua utilização, de seus instrumentos, de seu

método.

Uma construção intelectual metódica e organizada fundamentada na

observação e na explicação dos diversos sistemas jurídicos e destinada a definir os

grandes eixos da construção e da aplicação do Direito. Seu estudo não pode deixar

de lado os aspectos da metodologia jurídica.837

A Teoria Geral Crítica do Direito põe em evidência na formação do futuro

bacharel, os elementos constantes e as principais variantes dos diversos sistemas

jurídicos, no sentido de estudar o Direito em seu conjunto, e não simplesmente num

único sistema jurídico em particular ou de um ramo específico do Direito,

descortinando-se dessa maneira, sob a diversidade deles, uma plataforma em

comum, de uma estrutura de pensamento em comum.

Configurada assim, nas palavras de Jean-Louis Bergel838, a Teoria Geral do

Direito, tende a despojar o Direito de seu aparelho técnico para atingir sua essência

a fim de “descobrir seu significado metajurídico, e os valores que ele deve

perseguir, seu sentido com relação a uma visão total do Homem e do mundo”...

(grifo nosso).

Faz-se mister uma Teoria Crítica do Direito que não o identifique

exclusivamente pelo direito posto, pela ordem instituída, no lugar de um currículo

centrado no professor, um currículo voltado para a interação e diálogo do

aluno/professor;

Uma Teoria que possibilite a crítica do discurso sobre o Direito que permita

assim na configuração dos seus currículos, no lugar de um currículo centrado no

ensino exclusivamente da lei, fundamentado na concepção filosófica do saber

jurídico do positivismo, um currículo de perspectiva epistemológica aberta, que

compreenda o fenômeno jurídico na sua perspectiva integral social, ética,

principiológica e cultural;

837

Veja-se, por exemplo, P. Delnoy. Initiation aux méthodes d’ application du Droit. Paris: Press Universitaires de Liège, 1989. p. 10-47. V. Petev. Metodología y ciencia jurídica en el umbral del siglo XXI. Universidad Externado de Colômbia, 1996. X. Dijon. Methodologie juridique: l‟ application de la norme. Paris: Story Scientia, 1996.

838BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XX.

Page 402: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

401

No lugar de um currículo jurídico de matriz curricular fechada e disciplinar, um

currículo de conteúdos interdisciplinares e transdisciplinares, capazes de despertar

novas habilidades no agente do Direito, tais como as habilidades criativas, estéticas,

as habilidades emocionais, sociais.

No lugar de metodologia de ensino tradicional, da leitura dos códigos e

exposição de aula, a utilização de novas metodologias de ensino interativas e

lúdicas de ensino/aprendizagem, tais como: o “smart board” (lousa inteligente),

“power point”, “internet”, “filmes”, “cursos de formação à distância”, aprendizagem

baseada em “estudos de problemas”, “pesquisas e ações coletivas de cidadania”,

etc.

A Teoria Geral Crítica do Direito, inserida assim, como “conteúdo essencial”

no “eixo de formação profissional” na atual configuração estrutural das diretrizes

curriculares do ensino do Direito torna-se, portanto, imprescindível, para a

configuração de um paradigma curricular de perspectiva do ensino jurídico, de

sistematicidade aberta, de comprometimento com a transformação da realidade

social econômica, jurídica, política, filosófica e cultural do nosso país.

Fugindo-se, todavia, de uma análise tecnicista e formal do ordenamento

jurídico e a permitir, nesse novo diapasão propositivo, a compreensão do fenômeno

jurídico em suas múltiplas particularidades, diversidades e complexidades.

4.6.2 Segunda proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares

no curso de Direito

Propõe-se a inclusão de conteúdos mínimos839, nas diretrizes curriculares nos

cursos de graduação em Direito, em seus respectivos currículos, por exemplo, das

disciplinas que integram os Direitos Difusos e Coletivos, como por exemplo, o Direito

do Consumidor, o Direito Ambiental, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o

Estatuto do Idoso.

Como demonstramos anteriormente, o primeiro passo para a transformação

dos currículos jurídicos, é justamente, revelar que o Direito passa por uma

transformação radical quanto aos seus conteúdos.

839

Registre-se que o atual conceito de diretrizes curriculares visa não apontar no currículo jurídico “disciplinas obrigatórias”, mas sim de “conteúdos mínimos”.

Page 403: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

402

Nesse sentido, precisamos nos conscientizar que o Direito não pode mais

pretender somente regular situações interpessoais, relações entre “A versus B”, mas

busca produzir normas que reflitam também interesses coletivos e difusos, de

natureza trans-individual.

Este questionamento na atual estrutura das diretrizes curriculares, contudo,

impõe uma reforma profunda nos currículos das faculdades de Direito, tendo em

vista que o ensino tradicional está em grande número de instituições de ensino

superior, especialmente as privadas e a maioria das faculdades de Direito do país,

deixa de incluir esses conteúdos que reputamos essenciais nos cursos jurídicos.

Percebe-se, que esses conteúdos são ministrados na configuração dos

currículos somente na pós-graduação, dos cursos de Direito, o que inviabiliza,

portanto, um aprofundamento, desde o início da formação do futuro bacharel e,

assim, mais consistente na concepção da sua compreensão do fenômeno jurídico.

Especialmente no que se refere à inclusão desses novos conteúdos, há ainda

outras questões fundamentais que, no entanto, devem ser ressaltadas:

a) Não basta inserir-se esse novo conjunto de conteúdos ou criar uma série

de novas disciplinas ou ainda módulos. É necessário possuir um corpo do-

cente, no curso de Direito, qualificado e preparado para implementar as

proposições nessa tese ora delineadas.

b) Não basta inserir-se conteúdos curriculares, como dispõem as novas dire-

trizes curriculares, ex vi da Resolução nº 9/2004, tais como a Antropologia,

a Ciência Política, a Ética, a Filosofia, a Psicologia, e a Sociologia, por e-

xemplo, se o Direito Positivo continuar sendo ensinado de forma bancária

e dogmática. Portanto, onde a interdisciplinaridade e a transdisciplinarida-

de, visando à proposição de um currículo de caráter epistemologicamente

aberto, venham efetivamente a se configurar. Onde, todavia, o ensino des-

ses novos conteúdos propositivos auxiliem pensar o fenômeno jurídico

dentro da complexidade, de forma a permitir sua exegese além da mera

normatividade.

c) Além disso, é necessária para a proposição dos conteúdos ora propostos

a indispensável integração entre ensino, pesquisa e extensão, criando as-

Page 404: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

403

sim efetivos mecanismos no currículo jurídico, de integração entre teoria e

prática.

4.6.3 Terceira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares

no curso de Direito

Diferentemente do currículo em vigor delineado pelas atuais diretrizes

curriculares, propõe-se nessa tese a possibilidade de implementação, nos cursos de

Direito, da configuração de um currículo flexível, denominado pela teoria da

educação de currículo híbrido e fundamentado na aprendizagem baseada em

problemas, também conhecida por PBL - Problem-Based Learning, ou ainda, pela

sigla ABP - Aprendizado Baseado em Problemas.

Ressalte-se, no entanto, que esse paradigma curricular surgiu na escola

médica da Universidade de MacMaster, no Canadá, na década de 1960, e foi

implantada posteriormente em Maastricht, na Holanda; Newcastle, na Austrália;

Harvard, nos Estados Unidos; além de outras universidades médicas.

No Brasil, a ABP foi implantada na Escola de Saúde Pública do Ceará, a partir

de 1993; na Faculdade de Medicina de Marília, FAMEMA, desde 1997; e no curso

de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Londrina, UEL, desde 1998.

Pode-se citar ainda outras instituições privadas de ensino, em São Paulo, que

ministram cursos de medicina, a exemplo, da Universidade Nove de Julho -

UNINOVE e da Universidade Cidade de São Paulo - UNICID, que recentemente

passaram a aplicar em seus currículos, essa nova metodologia de ensino curricular,

denominada ABP. Outros cursos de ciências médicas e da saúde também tiveram

experiência com ABP, como a UNIFESP, em São Paulo, a Faculdade de Medicina

de Botucatu e a Universidade do Estado de São Paulo, UNESP.840

A ABP pode ser delineada como um novo paradigma de ensino-

aprendizagem, que coloca o aluno como foco central dessa relação e busca fazê-lo

capaz de construir seu conhecimento a partir da solução de problemas, discutidos

em grupos, compostos por outros alunos e orientados por um professor-tutor, ou

seja, o aluno vivencia momentos de estudo individual, intercalados com discussões

840

CARLINI, Angélica. Aprendizagem baseada em problemas e o ensino jurídico no Brasil: reflexões sobre a viabilidade desse novo paradigma. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 2, p. 13-21, 2004.

Page 405: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

404

nos grupos orientados por um tutor, todos envolvidos na solução de um mesmo

problema.841 Os alunos devem discutir o problema e formular os objetivos de

aprendizagem, porque não se trata apenas de encontrar a solução, mas sim, e

principalmente, de entender por que se deve resolver aquele problema dado.

O objetivo principal da ABP é permitir que o aluno durante o curso e após sua

conclusão consiga construir conhecimento por si mesmo. Na estruturação da ABP

há uma comissão curricular que se incumbe de desenvolver a escolha e os

problemas, que serão estudados e solucionados pelos alunos, nos grupos

tutoriais.842

Essa comissão propõe um problema após ouvir os departamentos e os

professores das diferentes áreas do curso. A comissão de currículo é composta por

professores e alunos, e tem a incumbência de propor o currículo e suas atividades,

bem como supervisionar os tutores e o método didático-pedagógico.

A aprendizagem baseada por problemas pode, nesse contexto da pós-

modernidade, constituir-se em uma alternativa eficiente para a mudança do ensino

do Direito, principalmente para a construção de um profissional, cidadão mais

engajado com a realidade social de seu mundo.

Portanto, propõe-se aqui a possibilidade de um currículo híbrido, de caráter

misto, com base, por exemplo, no estudo empírico elaborado dentro do próprio

Núcleo de Prática Jurídica da instituição de ensino, em que a equipe interdisciplinar

responsável pela triagem, e pela elaboração do material didático e das peças

processuais, elabore e aplique sobre as atividades ali desenvolvidas, uma avaliação

própria, e pela escolha do “estudo de problemas” a serem realizados naquele local.

Na escolha dos casos de estudo, podem ser acatados os problemas / casos

sugeridos pelos docentes responsáveis pelas disciplinas teóricas e equipe

interdisciplinar, buscando-se ainda mais a realização da avaliação inclusive sob a

perspectiva interdisciplinar.

Convém registrar, contudo, que esse paradigma não se baseia na

transferência do conhecimento, mas no desenvolvimento da capacidade do aluno de

841

CARLINI, Angélica. Aprendizagem baseada em problemas e o ensino jurídico no Brasil: reflexões sobre a viabilidade desse novo paradigma. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 2, p. 13-21, 2004.

842Ibid.

Page 406: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

405

buscar informações que serão necessárias para o desenvolvimento de sua atividade

profissional.

O método ABP requer, no entanto, dedicação, organização e aperfeiçoamento

constante do corpo docente. Sendo imprescindível, portanto, a presença de

docentes de todas as especialidades, sem as quais o seu desenvolvimento fica

inviabilizado.

O currículo, por esses novos paradigmas, objetiva apresentar os conteúdos

ao aluno de modo integrador e integrado do conhecimento. Nele a

interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade é real e não apenas formal.

Pela configuração curricular ora proposta, não há, contudo, a divisão em

disciplinas, mas sim em módulos. A integração dos conteúdos ocorre nos temas. E

os alunos, para atingir os objetivos de aprendizagem, traçados nos grupos tutoriais,

a partir dos problemas propostos, têm de buscar pela pesquisa, os conteúdos que

em um projeto pedagógico curricular tradicional estariam em diversas disciplinas.

Nesse sentido, não resta dúvida de que a filosofia pedagógica da proposta curricular

de aprendizagem por problemas é o aprendizado centrado no aluno.

É baseada, portanto, no estudo de problemas propostos com a finalidade de

fazer com que o aluno estude determinados conteúdos de forma reflexiva e não

somente por memorização, assim tensionada por problemas concretos. O problema

identificado torna-se o mediador principal do aprendizado. Estimula-se por essa

proposição curricular a atitude proativa juntamente com todas as habilidades e

competências dos alunos em busca do conhecimento.

Uma carga horária pode ser prevista para o estudo de cada problema. No

currículo baseado por problemas é possível, inclusive várias formas de avaliação,

previstas por módulos, contudo essas avaliações devem ser progressivas dos

conhecimentos, tendo por finalidade avaliar a qualidade do módulo.

Nessa proposição curricular o que é importante é a articulação entre o

problema estudado e o processo de problematização dos fenômenos. Nesse

sentido, os atos de currículo caminhariam de maneira interdisciplinar e

transdisciplinar, mediante uma nova práxis pedagógica que cultivaria a reflexão

ultrapassando a mera atividade intelectual, vinculando-se a uma aprendizagem na

qual a compreensão e a educação seriam transformadoras, éticas, políticas, sociais

Page 407: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

406

e esteticamente recomendadas como perspectivas integradoras de solidariedade,

numa formação curricular pautada na problematização da realidade social.

A proposição ora esboçada essencialmente desconstrutiva de inadequados

paradigmas, em oposição ao currículo jurídico tradicional, instituído de forma

heterônoma aos cursos de Direito, o professor não deve descartar o imprevisto, na

medida em que a dialogicidade é constitutiva da própria proposta curricular. Sua

atitude de pesquisa deverá ser aguçada, porquanto a problematização da realidade

e dos conhecimentos que dinamizam teoricamente os temas criam constantemente

campos de inacabamento e necessidades de novos estudos e pesquisas. Nesse

sentido, o planejamento da atividade curricular deve incluir um processo pedagógico

multireferencial, na medida em que são necessários para o trabalho múltiplas fontes

de informação, destituindo o ensino/aprendizagem pautado exclusivamente na

memória de códigos.

Registre-se, finalmente, que a matriz conceitual da metodologia baseada em

problemas pode ser encontrada no pensamento de John Dewey (1859-1952),

filósofo norte-americano, já citado nesta tese, no capítulo 1, item 1.9.8, e que se

destacou por sua atuação como teórico da educação. No Brasil, um dos seguidores

de suas idéias foi Anísio Teixeira843.

843

Anísio Spínola Teixeira (1900-1971). Advogado por formação e educador. Foi inspetor geral de ensino e Secretário da Educação na Bahia, promovendo a reforma da instrução pública naquele Estado. Signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), que divulgava as diretrizes de um programa de reconstrução educacional para o país, teve participação ativa na Associação Brasileira de Educação – ABE. Foi, também, responsável pela criação de uma universidade municipal, a Universidade do Distrito Federal, que teve duração efêmera. Em 1951, assumiu a Secretaria-Geral da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que seria por ele transformada em órgão (CAPES). Foi também Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP. Participou ativamente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB de 1961. Além disso, Anísio Teixeira foi um dos principais idealizadores da Universidade de Brasília - UNB. Integrou o extinto Conselho Federal de Educação - CFE. Se fosse possível sintetizar o pensamento de Teixeira sobre a educação numa única frase, seria: “A educação é um direito de todos”. Tal frase é o leit-motif da existência de Anísio Teixeira como educador. Aliás, a este respeito é importante consignar que a frase “Educação é um direito”, na verdade, é o título da tese apresentada por Anísio Teixeira para concurso à cátedra de Administração Escolar e Educação Comparada da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil, hoje Universidade do Rio de Janeiro. Tivemos acesso à tese por meio da Biblioteca de Educação da USP, durante a elaboração das pesquisas para a realização da nossa dissertação de mestrado. TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação é um Direito: bases para um plano de organização do sistema democrático de educação no Brasil. 1958. 98 f. Tese (Doutorado em Livre Docência) − Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1958.

Page 408: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

407

Portanto, propõe-se desconstruir as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais a

fim de incluir-se em novo texto normativo das diretrizes curriculares para o curso de

graduação, em Direito, além das formas de interdisciplinaridade, já determinadas no

art. 2º, § 1º, inc. IV da Resolução nº 9/2004, como elemento estrutural essencial no

projeto pedagógico do curso de Direito, também as formas de realização do currículo

jurídico híbrido baseado no ABP.

Entende-se ainda, que essa nova configuração curricular híbrida, é um

exemplo concreto, de possibilidade da visualização da transdisciplinaridade no curso

de Direito, tendo em vista o rompimento disciplinar passível de ser vislumbrado

contra a disciplinaridade fragmentária que consiste em não mais se pensar em

disciplinas isoladas na tecnormatividade.

Configurando-se assim, em oposição a racionalidade curricular fixa e

positivista, a proposição do imaginário criativo curricular “despositivador”844 estará

em pensar disciplinas temático-conceptuais, tais como, a inclusão de um conteúdo

de problemas ao redor da questão da guarda compartilhada, a ser ministrada em

módulos sobre “Família e Direito”, ao invés do conteúdo de Direito de Família como

ocorre tradicionalmente na matriz curricular de Direito Civil, na qual o objeto de

estudo não terá um cerne normativo único, mas um cerne problematizador sobre

essas questões familiares voltado a uma visão sócio-jurídica, imersa na

complexidade das relações sociais.

Finalmente registre-se que, a proposição de um currículo, baseado na ABP,

comporta ainda a inclusão de outros elementos como estruturais das diretrizes

curriculares, no currículo jurídico de conteúdos disciplinares tais como, por exemplo,

de “Temas Integrados” ou ainda “Temas Transdisciplinares e Complexos”, tendo em

vista a necessidade urgente da integração entre Direito e outras áreas do

conhecimento.

844

O termo despositivador é empregado por Sérgio Rodrigues Martinez. Veja-se MARTINEZ, Sérgio Rodrigues. Manual da educação jurídica. Curitiba: Juruá, 2003. p. 61-62.

Page 409: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

408

5 ESTUDO DE CASO

5.1 O Estudo de Caso Institucional do Curso de Direito da Universidade

Cruzeiro do Sul - UNICSUL

Pretende-se, neste capítulo, apresentar a pesquisa empírica realizada, no

período de abril de 2008 a agosto de 2008, na Universidade Cruzeiro do Sul –

UNICSUL, cuja instituição privada de ensino, mantida pela Instituição Educacional

São Miguel Paulista, criada por ato constitutivo, pela Portaria MEC nº 893 de 24 de

junho de 1993845, encontra-se localizada na cidade de São Paulo.

O tipo de pesquisa de campo empregado é o estudo de caso institucional.

Conforme apontam Orides Mezzaroba e Claúdia Servilha Monteiro846

Nesta modalidade de estudo de caso a investigação inicia-se a partir das informações que já existem sobre a Instituição a ser examinada. Parte-se, então, para a coleta de todo o material disponível que possa fornecer informações sobre sua criação, evolução e história, tais como: memórias, arquivos, publicações e entrevistas.

A nossa preocupação fundamental no presente estudo de campo foi buscar

dados que possam oferecer um conhecimento mais amplo possível para se

examinar de forma mais aprofundada a Instituição, especialmente o Núcleo de

Prática Jurídica do curso de Direito da UNICSUL, objeto de estudo.

O presente estudo de caso, entretanto, não se resumiu apenas à simples

descrição do objeto aqui proposto, mas também enfatizar as qualidades e as

especificidades desse Núcleo de Prática Jurídica, tendo em vista que a trajetória da

construção do modelo institucional curricular adotado, constitui-se não em um

caminho de referência a ser seguido ou idealizado de maneira absoluta, mas sim,

um caminho de referência para o (re)desenho ou (re)construção do diálogo

imperioso entre teoria e prática no ensino do Direito.

845

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 893, de 24 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, 25 jun. 1993. Seção 1, p. 8.506.

846MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 124-125.

Page 410: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

409

Convém registrar que é no Núcleo de Prática Jurídica que os futuros agentes

do Direito aprendem a lidar com as complexas situações que o fenômeno jurídico

possibilita enfrentar.

Além disso, o Núcleo de Prática conforme bem observa André Macedo de

Oliveira847:

Têm um importante papel na realização da cidadania e dos direitos humanos no Brasil. Esse espaço das Faculdades de Direito é o ponto de formação de profissionais de Direito socialmente comprometidos com a defesa dos direitos humanos e de cidadania e que possam perceber as demandas plurais de justiça.

É nesse relevante locus de realização da cidadania que os alunos de Direito

aprendem a lidar com situações novas, com situações imprevistas e cuja solução,

muitas vezes, não pode ser dada somente por parâmetros legais e jurisprudenciais

existentes na ciência jurídica.

Para formar alunos para esse perfil, aptos para lidar com as adversidades que

o fato concreto e o fenômeno jurídico apresentam, é preciso se criar mecanismos

dentro do próprio sistema de ensino, um local onde se desenvolvam talentos,

habilidades e competências, além de atitudes específicas, em que seja possível a

integração teórica e prática dos conteúdos, e em que a estrutura curricular seja

propícia a desenvolver a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, tarefa que a

escola e a pedagogia tradicional do ensino do Direito é, ainda, na maioria das vezes,

incapaz de realizar.

Ressalte-se que a escolha do presente estudo de caso, recaiu sobre um

Núcleo de Prática Jurídica, da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL, cuja

estrutura regimental e curricular é inovadora em relação à experiência da

interdisciplinaridade no ensino jurídico.

Percebe-se que a matriz curricular desse curso foi concebida com forte

intenção de fomentar o diálogo entre teoria e prática, e elaborar a integração de

conteúdos de aprendizagem que propiciam ao egresso uma construção mental e

comportamental contínua que ultrapassa os limites da sala de aula.

847

OLIVEIRA, André Macedo de. Ensino jurídico: diálogo entre teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 172.

Page 411: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

410

Importante esclarecer que a integração de conteúdos curriculares não

significa desconsiderar as peculiaridades das disciplinas, mas construir o

conhecimento global a partir da interconexão entre seus objetos, o que exige antes

da integração de conteúdos, a integração das pessoas envolvidas num “projeto de

parceria”.848

Sem a efetiva parceria entre docentes, discentes e IES, a prática

interdisciplinar não prospera, pois um projeto de integração não pode ficar restrito a

alguns professores idealistas, mas deve fazer parte do universo cotidiano de todos

os envolvidos no processo educacional: mantenedores, os coordenadores, os alunos

e, especialmente, dos professores, encontrando seu relevante espaço na

universidade.

O aprendizado coletivo constituído por uma equipe de trabalho interdisciplinar

no NPJ constitui-se num interessante instrumento de autoconhecimento, pois o

homem se conhece, sobretudo pela diferença.849

Ora, aprendizado coletivo feito em grupo de trabalho, permite que a

heterogeneidade de cabeças trabalhe em prol da homogeneidade de tarefas.850

Nessas condições, a singularidade de cada uma das visões de mundo – esquemas

referenciais – contrapõe-se à necessidade de se construir referenciais comuns, para

que haja comunicação e o desenvolvimento das tarefas do grupo.851

O aprendizado em grupo trabalha a partir de informações científicas, ou seja,

os conteúdos freqüentemente estudados nas escolas de Direito. Essas informações,

entretanto, não serão simplesmente transmitidas aos alunos como um dado

fragmentado, abstrato e, portanto, esteriotipado, como em geral se apresenta o

conhecimento veiculado pelas disciplinas científicas. A consciência dessa

848

A expressão é o título da obra de Ivani Fazenda e cujas reflexões sobre a interdisciplinaridade fundamentam inúmeros estudos sobre a realização da interdisciplinaridade no Brasil, vêm influenciando a configuração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Reportamo-nos, especialmente, à obra de FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1999. passim.

849PEREIRA, Maria Clara Infante et al. Análise da prática pedagógica: a interdisciplinaridade no fazer pedagógico. Revista de Educação e Sociedade, São Paulo, n. 39, p. 287, ago. 1991.

850BLEGER, José. Temas de Psicologia: entrevistas e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 70.

851PEREIRA, Maria Clara Infante et al., op. cit., p. 69, nota 851.

Page 412: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

411

insuficiência é o mote do grupo, que irá reconstruir a informação de forma genuína

pelo coletivo. É a aprendizagem como construção do saber.852

Considerando isso, a escolha do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL não

se deu, portanto, de forma aleatória, como se constatou não somente na análise do

seu Projeto Pedagógico do curso de Direito e da análise do Regimento do Núcleo de

Prática Jurídica, e sim pela concretização desses instrumentos, que foram capazes

de fomentar, na realidade, o diálogo necessário entre um grupo de trabalho

interdisciplinar que alia teoria e a prática.

O trabalho do grupo interdisciplinar no NPJ da UNICSUL permitiu o

aprendizado coletivo, criando condições para que as informações “estudadas” sejam

contextualizadas a partir das próprias visões de mundo de cada elemento do grupo.

O que permite, no caso da instituição analisada, a superação do pensamento

positivista formal em direção ao pensamento dialético substancial – novas sínteses,

novas formas de ação no ensino e na implantação de seu currículo jurídico.

Dessa maneira, constatou-se na pesquisa de campo institucional, a

desconstrução de esquemas referenciais de orientação de ensino curricular

tradicional para orientação de novos paradigmas de ensino.

Aponta-se abaixo o quadro esquemático comparativo elaborado pelo saudoso

Prof. João Baptista Villela853, nos idos de 1967, sobre a necessidade da

configuração desses novos paradigmas sobre a metodologia do ensino e do

currículo jurídico. Para João Baptista Villela, a estrutura curricular de então já

reclamava novos tempos respectivamente ao ensino jurídico:

852

PEREIRA, Maria Clara Infante et al. Análise da prática pedagógica: a interdisciplinaridade no fazer pedagógico. Revista de Educação e Sociedade, São Paulo, n. 39, p. 290, ago. 1991.

853VILLELA, João Batista. Uma formação jurídica para os novos tempos. Separata n. 17 da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1967.

Page 413: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

412

Quadro 20 – Paradigma estrutural curricular elaborado por João Baptista Villela

ESTRUTURA DO ENSINO ORIENTAÇÃO TRADICIONAL ORIENTAÇÃO PARA OS NOVOS TEMPOS

1. Atitude perante o objeto do conhecimento do saber jurídico

Predominantemente exegética Predominantemente criativa e interdisciplinar

2. Currículo Estanque Integrado

3. Meios complementares de formação

Limitados Abertos

4. Material de trabalho Restrito (categorias não-contemporâneas e convencionais)

Amplo

5. Métodos pedagógicos Centrados no professor Centrados no aluno

6. Profissionalização Monotípica Politípica

Fonte: Quadro comparativo elaborado por João Baptista Villela. Uma formação jurídica para os novos tempos. Separata nº 17 da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1967.

Infelizmente, embora as atuais diretrizes curriculares exijam a realização

concreta da interdisciplinaridade na implantação dos cursos e nos currículos, isso

não reflete a realidade na maior parte dos cursos jurídicos das instituições de ensino.

Percebe-se, no entanto, que o trabalho atualmente desenvolvido no Núcleo

de Prática Jurídica, do curso de Direito da UNICSUL, segue uma linha teórica

coincidente, não só para o cumprimento das atuais diretrizes curriculares,

notadamente no que se refere à forma de realização concreta da

interdisciplinaridade, como também vai muito além dessas exigências curriculares

normativas.

Entende-se que a prática interdisciplinar no Núcleo de Prática é importante

por duas razões: no lado epistemológico, porque o processo de captação não é

linearmente lógico, sempre incompleto, e em parte deturpante da realidade; torna-se

ainda mais incompleto e deturpante quando se reduz a realidade àquilo que os

métodos melhor captam, no lado ontológico, porque a realidade como tal, sendo

complexa, apresenta-se multifacetada, extremamente prismática e escorregadia, a

mente precisa simplificar para explicar, mas deve saber que está fazendo

interferência formalizante, sempre, pelo menos em parte, estranha.854

A interdisciplinaridade, nesse sentido, dá o recado inverso do pensamento

formalista: não é a realidade que tem que caber nos métodos; são estes que

854

DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. p. 72.

Page 414: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

413

precisam saber captar a realidade, moldando-se a ela. Assim, é possível ver a

interdisciplinaridade como filosofia de “trabalho de grupo”.

No Núcleo de Prática Jurídica, ora analisado, encontrou-se a formação de um

“trabalho de grupo”, de uma equipe, cuja filosofia de trabalho interdisciplinar é

composta na sua estrutura por além de estudantes de Direito, professores do curso

de Direito e advogados do Núcleo; também e, especialmente, por psicólogos e

assistentes sociais que acompanham o desenvolvimento, registre-se, durante todo o

processo da Assistência Judiciária, desde sua triagem, até o desfecho do caso

concreto.

Convém registrar, aqui, que o oferecimento da Assistência Judiciária Gratuita

revela nas universidades a importante missão e responsabilidade social das

instituições privadas de ensino, para a concretização efetiva do acesso à Justiça.855

É preciso que se diga que a missão e a responsabilidade social das

universidades, na formação do profissional do Direito fundamentam-se na qualidade

do currículo de seus cursos e isso deve abarcar um bom projeto pedagógico que

priorize nos seus cursos e respectivos currículos:

a) realização da interdisciplinaridade;

b) inserção do profissional no mercado de trabalho, com destaque, não pelo

simples fato de ter um diploma, mas, sobretudo, pela capacidade de

argumentação e de percepção crítico-construtivista do fenômeno jurídico;

c) qualificação do corpo docente;

d) grade curricular adequada;

e) biblioteca equipada e digitalizada;

f) ensino, pesquisa, extensão;

g) atividades complementares;

855

O acesso à Justiça constitui-se uma das mais eficientes formas de realização dos direitos humanos e está previsto no artigo 5º, inciso XXXV e LXXIV, da Constituição Federal da República do Brasil, bem como no art. 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Representa, ao mesmo tempo, um direito e uma garantia de direitos e sua inclusão nos textos constitucionais decorre da idéia de igualdade, mais especificamente da igualdade de oportunidades. Habitualmente, a expressão acesso à justiça é utilizada como possibilidade de acesso ao órgão judicial. O conceito, entretanto, vem evoluindo e se ampliando, incorporando aspectos de justiça social, expressando, desta forma, a possibilidade, de viver em uma ordem social que garanta a cada pessoa um mínimo necessário de sua dignidade. Mauro Capelletti e Bryant Garth construíram moderno conteúdo e significado do acesso à Justiça, assinalando que a definição serve para indicar duas finalidades do sistema jurídico: estar disponível a todos e produzir resultados favoráveis e socialmente justos. CAPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988. p. 8.

Page 415: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

414

h) núcleo de prática com equipe interdisciplinar.

Porém, isso tudo significa parte do processo de excelência, pois nada disso

faz sentido sem o interesse efetivo do aluno no aproveitamento da estrutura

educacional proporcionada.

5.2 Dados Institucionais da UNICSUL

Organização Acadêmica: Universidade;

Categoria Administrativa: Privativa-particular em sentido estrito;

Dirigente Principal: Reitora Profa. Dra. Sueli Cristina Marquesi;

Mantenedora: Instituição Educacional São Miguel Paulista;

Endereço da sede: Avenida Doutor Ussiel Cirilo, 225, Vila Jacuí;

CEP 08060-070 São Paulo – SP;

Tel. (11) 2037-5700 - Fax (11) 2037-5700;

Site: www.unicsul.br;

Campi e unidades fora da sede:

Campus Anália Franco;

Campus Liberdade;

Campus Pinheiros;

Dados de criação: Documento: Portaria MEC nº 893, de 24/06/1993; Publicação

do Diário Oficial: 25/06/1993.

5.3 Coleta de Dados para o Estudo de Caso

Para a elaboração do presente estudo de caso, partiu-se da análise dos

seguintes documentos fornecidos pela IES:

Projeto Pedagógico Institucional – PPI, da UNICSUL;

Projeto Pedagógico do curso de Direito – PPC, da UNICSUL;

Estatuto e Regimento do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito.

Page 416: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

415

Os sujeitos856 escolhidos para a elaboração do presente estudo de caso

institucional selecionados para responderem os questionários foram os alunos que

efetivamente fazem estágio no Núcleo de Prática Jurídica da IES, bem como foram

escolhidos para e elaboração de entrevista857 o Coordenador do Curso de Direito da

UNICSUL, Prof. Ms. Adriano de Assis Ferreira858 e o Coordenador do Núcleo de

Prática Jurídica, Prof. Ms. Sérgio Gabriel.

Foram também realizadas entrevistas pessoais com o Coordenador de Curso

e com o Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica e aplicado questionário e

entrevistas pessoais com alunos.

5.3.1 Entrevistas com o Coordenador de curso e Coordenador do Núcleo de

Prática Jurídica da UNICSUL

A realização de entrevistas com o Coordenador do curso de Direito da

UNICSUL e com o Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica para o estudo de

caso institucional, bem como a coleta de dados e de documentos, referentes à

produção das suas atividades, e dos atos constitutivos da IES, tiveram como objetivo

compreender a história da instituição de ensino, sua prática interdisciplinar

desenvolvida no Núcleo e as intercorrências enfrentadas ao longo de sua

constituição; da mesma forma, examinar os seus traços atuais de configuração e as

inovações trazidas na sua prática pedagógica para o curso de Direito.

Essas fontes asseguraram à pesquisa 2 (duas) entrevistas e 4 (quatro)

documentos, a saber descritos:

856

Conforme aponta Maria Martha Hübner, a palavra sujeito é amplamente aplicada em pesquisa, indicando pessoas que formam as fontes de dados. HÜBNER, Maria Martha. Guia para elaboração de monografias e projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado. São Paulo: Thompson Learning, 1998. p. 48.

857Segundo aponta Hübner, as entrevistas são utilizadas quando se quer obter a informação diretamente do indivíduo e aprofundar questões perguntando-lhe a razão pela qual respondeu-as. As entrevistas são muito utilizadas no método clínico, constituindo-se num dos principais instrumentos de trabalho dos psicólogos, médicos e terapeutas em geral. Os questionários são, por sua vez, formas menos diretas do que as entrevistas e são adequados às situações em que se quer abranger um grande número de pessoas em pouco tempo, pois eles permitem a aplicação simultânea em certo número de pessoas. HÜBNER, Maria Martha. Guia para elaboração de monografias e projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado. São Paulo: Thompson Learning, 1998. p. 52.

858Registre-se que o Coordenador do curso de Direito da UNICSUL, Prof. Adriano de Assis Ferreira, é graduado em Direito pela USP (1999), Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP (2004), Mestre em Letras pela USP e Doutorando em Direito pela USP (2008), conforme se depreende dos dados pessoais informados pela IES em seu cadastro de docentes.

Page 417: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

416

Parecer da CES/CNE nº 527/1999, que homologa o reconhecimento do

curso de Direito da UNICSUL (documento anexo à presente tese);

Regimento do Núcleo de Prática Jurídica e a Matriz Curricular do curso de

Direito UNICSUL (documento anexo à presente tese);

Matriz Curricular do curso de Direito;

Avaliação Externa da Instituição.

5.3.2 Questionário com os alunos e demais profissionais do Núcleo de Prática

Jurídica da UNICSUL

A realização de questionário com os alunos e outros docentes e profissionais

que transitam no Núcleo de Prática Jurídica pretendeu medir o impacto de suas

atividades interdisciplinares no tempo e no espaço em que acontecem.

O questionário começou indagando sobre a história socioeconômica pessoal

dos entrevistados (indicação de dados pessoais859, tais como idade, meio de

transporte, formação renda familiar, tempo de dedicação aos estudos, interesses

pessoais por outras áreas de conhecimento), seguindo-se de questionamentos

sobre: as atividades de que participa no Núcleo, a contribuição que enxerga nessas

atividades para a formação do perfil e desenvolvimento das habilidades do egresso,

a existência concreta de atividades de interdisciplinaridade no núcleo, a existência

de atividades de mediação e arbitragem no Núcleo, a existência de atividades de

ensino/aprendizagem ali desenvolvidas, suas expectativas de formação, suas

impressões sobre o curso e sobre o núcleo, quais outras atividades congêneres

desenvolvidas no curso, além das atividades que abrangem a interdisciplinaridade.

Partiu-se de um modelo de questionário, aberto, embora relativamente

estruturado, em que se pretendeu captar dimensões variadas da experiência

analisada em relação aos sujeitos envolvidos, ao seu contexto socioeconômico e

comunitário e ao próprio curso de Direito.

Registre-se que a realização dessas entrevistas e questionários agregou ao

trabalho um questionário socioeconômico e demográfico sobre os alunos e o Núcleo

859

Por uma questão de ética, todos os entrevistados foram identificados somente pelas iniciais, sendo certo que aqueles alunos que não quiseram se identificar, também seus nomes foram preservados na pesquisa.

Page 418: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

417

de Prática Jurídica da UNICSUL, e questionário sobre as atividades desenvolvidas

no Núcleo de Prática Jurídica (documento anexo à presente tese).

5.4 O Projeto de Desenvolvimento Institucional – PDI e o Curso de Direito da

UNICSUL

A análise do Projeto de Desenvolvimento Institucional – PDI, da UNICSUL

revela que os objetivos dessa IES se alinham com as diretrizes curriculares

instituídas pela Resolução nº 9/2004, pois se verificam os seguintes objetivos:

comprometer-se com a excelência acadêmica;

manter professores qualificados, titulados e atualizados;

formar e preparar para o mundo do trabalho;

formar em pesquisa e atividades de intervenção social;

formar para educação continuada;

desenvolver a responsabilidade social;

manter seriedade e transparência em acordo com os regulamentos

internos;

buscar a eficiência no atendimento ao alunado;

ter comprometimento e sintonia com a legislação da educação superior.860

Por outro lado, depreende-se da análise do Projeto Pedagógico do Curso –

PDC, da UNICSUL861, que o seu curso de Direito, seguindo as orientações

emanadas da Resolução nº 9/2004, pretende formar o profissional do Direito que:

a) compreenda o Direito enquanto “ciência”, situando-o social e

filosoficamente e em suas relações com outras ciências;

b) compreenda o Direito enquanto “tecnologia”, dominando tecnicamente as

disciplinas jurídicas tradicionais;

c) integre os conteúdos teóricos com a prática.

Para concretizar esse perfil, o curso de Direito afirma em seu PPC862 que

assegurará aos graduandos863:

860

Cf. Projeto de Desenvolvimento Institucional. UNICSUL, 2008, p. 20. 861

Cf. UNIVERSIDADE Cruzeiro do Sul. Projeto Pedagógico do Curso de Direito. São Paulo: UNICSUL, 2008.

862Id.

Page 419: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

418

sólida formação geral, humanística e axiológica;

capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica;

adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos

jurídicos e sociais;

postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão

para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da

ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da

cidadania.

Trata-se, portanto, de um curso de Direito em busca da difícil missão de

conciliar estudo científico com preparação profissional.

Percebe-se pela análise do PPC da UNICSUL, que o seu curso de Direito,

pretende formar o bacharel ao mesmo tempo consciente e tecnicamente

competente. O profissional tecnicamente competente revela-se no operador que

conhece a legislação brasileira e sabe manejá-la em busca de soluções para os

conflitos com que se depara.

Porém acredita-se que somente o profissional resultante dessa fusão será

capaz de atuar como advogado para a resolução de conflitos não somente

individuais, mas coletivos e globais. É preciso que o Projeto Pedagógico da IES

concentre seus esforços, na formação humanística864, não somente técnica.

Em consonância com o que estabelece o Projeto Pedagógico Institucional865,

o curso de Direito da UNICSUL pretende produzir identidades pessoais e

profissionais que revelem:

863

Conforme o art. 3º da Resolução CNE/CES nº 9/2004. 864

Em sentido contrário ao nosso posicionamento cita-se o entendimento de Eliane Botelho Junqueira para quem a antiga formação profissional generalista e humanista não tem mais sentido para os cursos jurídicos, pois segundo a autora, essa formação não mais atende às demandas do mercado profissional moderno. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de graduação. Revista de Estudos, Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior, n. 22, p. 3. Entende-se, no entanto, que as demandas do mercado de trabalho são uma questão complexa, e, por vezes, ambígua, e, portanto, a velha dicotomia que, todavia, escolhe e excluí de um lado a formação generalista reprodutora do saber erudito e de outro a formação tecnicista, não se pode mais admitir. É preciso uma formação que prepare para uma ampla gama de variedades de perfis, desenvolvendo dentre outras qualidades a criatividade, a atitude positiva perante o trabalho em equipe, a capacidade de negociação, de respeito às diferenças, que englobe e abarque os perfis profissionais. Ou, ainda, sob outra perspectiva não fosse mais adequado refletir-se sobre os conteúdos a serem ministrados nas disciplinas curriculares, dando um peso maior aos conteúdos das matérias do eixo da formação fundamental como, por exemplo, Filosofia, Ética, Sociologia, Antropologia, a fim de oxigenar o ensino jurídico.

865Cf. Projeto Pedagógico Institucional. UNICSUL, 2008, p. 39-41.

Page 420: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

419

postura crítica como cidadão sobre questões contemporâneas;

capacidade de diferentes inserções no mundo do trabalho;

aptidão para exercer suas funções de modo ético, tanto por razões

profissionais quanto por razões pessoais, sempre conscientes das

implicações sociais de suas ações;

capacidade de pensar criticamente, analisar e compreender as situações-

problema com as quais se depara, mobilizar seus conhecimentos,

decorrentes de sua inserção num contexto sócio-econômico-cultural e de

sua escolarização, na busca de soluções, aceitando as responsabilidades

sociais que delas emergem;

capacidade de transitar por diferentes campos do saber;

capacidade de estabelecer relações entre os diferentes saberes e de

aplicá-los nas situações cotidianas;

respeito à multiplicidade de diferenças dos seres humanos;

sólida formação técnico-profissional pautada por princípios ético-políticos e

técnico-científicos voltados para a complexidade das relações e das

demandas humanas e sociais;

capacidade de produzir novos conhecimentos, a partir dos conhecimentos

científicos e tecnológicos disponíveis, para atender demandas pessoais e

profissionais;

disponibilidade e competência para atuar em equipes multiprofissionais,

exercitando a interdisciplinaridade;

capacidade de compreender a profissão como um mecanismo de

transformação pessoal e social;

capacidade de compreender que a formação profissional é um processo

contínuo de construção de competências que demanda aperfeiçoamento e

atualização permanentes;

valorização da avaliação como instrumento de aprimoramento pessoal e

profissional;

capacidade de utilizar diversificadas fontes de informação e recursos

tecnológicos a fim de adquirir conhecimentos;

valorização da liberdade de expressão e do respeito à pessoa humana;

Page 421: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

420

consciência das implicações econômico-políticas nas formas de produção

das identidades pessoais e profissionais;

compromisso com a preservação ambiental e valorização das ações que

concorrem para a melhoria da qualidade de vida.

Conclui-se pela análise do PPI e do PPC da UNICSUL, que o curso de Direito

desta IES, busca realizar as diretrizes contidas na Resolução CNE/CES nº 9/2004:

preocupa-se, num primeiro momento, em apresentar a inserção social do Direito na

sociedade contemporânea, desenvolvendo disciplinas do eixo de formação

fundamental; em seguida, preocupa-se em apresentar os conteúdos dogmáticos do

Direito enquanto tecnologia de resolução de conflitos; por fim, preocupado em

desenvolver praticamente os conteúdos acima, seja na elaboração de trabalhos

científicos, seja na elaboração de peças processuais.

Considera-se que o curso de Direito da UNICSUL objetiva privilegiar a

transmissão de conteúdos que envolvem o ser humano portador de direitos (Direito

Constitucional, Direitos Humanos), sobretudo em seu relacionamento privado

(Direito Civil). Porém, também se destaca, na sua matriz curricular, suas

repercussões sociais mais amplas, tratando de aspectos ligados à produção (Direito

do Trabalho) e ao consumo (Direito do Consumidor).

Ao privilegiar tais conteúdos curriculares, o curso de Direito da UNICSUL

pretende formar um profissional apto ao exercício da advocacia capaz de resolver os

principais problemas com que pode se deparar.

Para tanto, no percurso de formação, são propostos os seguintes objetivos de

aprendizagem:

1) Competências cognitivas

obter conhecimentos das áreas correlatas ao Direito, especificamente

daquelas que compõem o eixo de formação fundamental;

conhecer as disciplinas que compõem o eixo de formação profissional e de

seu uso técnico na solução de problemas jurídicos;

adquirir conhecimentos para uma prática judicial efetiva;

doutrina jurídica e seu processo de atualização;

Page 422: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

421

jurisprudência e seu desenvolvimento;

legislação brasileira e suas modificações.

2) Habilidades

raciocinar, expressar-se e argumentar com segurança;

ler, interpretar e contextualizar corretamente os textos científicos, jurídicos

ou legislativos;

solucionar juridicamente os conflitos;

debater posições doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas;

produzir peças processuais;

elaborar textos científicos, legislativos ou jurídicos;

pesquisar as diversas fontes do Direito;

julgar e tomar decisões.

3) Atitudes

valorizar a democracia e suas instituições;

ser ético, consciente e crítico;

ser engajado e combativo na defesa da lei e na busca da solução de

conflitos;

ter profissionalismo durante a atuação prática;

respeitar direitos e cumprir deveres.

5.5 O Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UNICSUL

O curso de Direito da UNICSUL foi criado pela Resolução CONSU nº 9, de

15/10/1993 e, mediante o Parecer CNE/CES nº 527/1999866, homologado pela

Portaria MEC nº 977, de 28 de junho de 1999 foi reconhecido pelo prazo de três

anos, conforme documento anexo à presente tese.

866

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 527/1999, aprovado em 8 de junho de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 jun. 1999. Documenta (453), Brasília, DF, jun. 1999.

Page 423: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

422

A renovação do seu reconhecimento foi definida pela Portaria MEC nº 3.609,

de 17/10/2005, com prazo de validade até a avaliação externa preconizada pela Lei

nº 10.861, de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema de Avaliação da Educação

Superior - SINAES.867

Tendo-se em vista as observações contidas na mencionada Portaria MEC nº

3.609, e as novas diretrizes curriculares trazidas pela Resolução CNE/CES nº 9,

pode-se afirmar que o curso de Direito da UNICSUL passou por reformulações que

se concretizaram no Projeto Pedagógico ora analisado.

É possível afirmar, também, que tais reformulações nortearam-se,

primeiramente, pela missão e objetivos da IES, conforme explicitado pelo que consta

de seu PPI868:

Participar do processo de construção e difusão do conhecimento e da cultura, tornando-os acessíveis à sociedade e contribuindo para o desenvolvimento do ser humano em todas as suas potencialidades, promovendo, assim, mudanças na região e no país por meio do ensino, pesquisa e extensão.

Verifica-se que o Projeto Pedagógico dessa IES concretiza um curso calcado

nos valores éticos da universidade (responsabilidade social, respeito, compromisso,

participação e transparência) que conforme análise do PPC869 busca, sobretudo:

a) crescimento dos indivíduos como profissionais e cidadãos;

b) consolidação da produção técnico-científica;

c) socialização do conhecimento produzido;

d) atualização para incorporar avanços científicos e tecnológicos, novas

metodologias, observando-se o que estabelece a legislação em vigor e as

demandas do mundo do trabalho;

e) articulação e qualidade do ensino de graduação com a pós-graduação e

pesquisa e a extensão comunitária e seus programas;

f) integração à comunidade universitária;

867

BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 72, 15 abril 2004. Seção 1, p. 3-4.

868Cf. Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL, 2008, p. 9.

869Cf. Projeto Pedagógico do Curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL, 2008, p. 9-10.

Page 424: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

423

g) estabelecimento de convênios e parcerias com instituições públicas e

privadas, nacionais e internacionais;

h) qualidade da gestão a partir da avaliação institucional.

5.6 Matriz Curricular do Curso de Direito da UNICSUL

A matriz curricular do curso de Direito está em consonância com o Projeto

Pedagógico Institucional (PPI), pois foi desenvolvida de acordo com a metodologia

institucional de organização de Projetos Pedagógicos, e em consonância com a

Resolução nº 9 da CES/CNE.

Desenhou-se a matriz curricular a partir do perfil desejado dos egressos, em

que se explicitam os conhecimentos, habilidades e atitudes que se pretende

desenvolver. As ementas das disciplinas procuram garantir o estudo e a aplicação

dos conhecimentos fundamentais para a formação do acadêmico, como pessoa e

como profissional.

A matriz curricular apresentada se organiza, conforme a Resolução nº 9/2004,

em torno de três eixos de formação, a saber:

Eixo de Formação Fundamental: estabelece as relações do Direito com

outras áreas do saber, explicitando os limites e as especificidades da

ciência jurídica dentro do mundo científico e permitindo a compreensão da

sociedade contemporânea, a fim de conferir sentido filosófico e social ao

estudo e à futura atividade profissional do egresso. Compõe-se das

disciplinas: Ciência Política e Teoria do Estado I e II (80h), Economia

Aplicada ao Direito (40h), Estudo do Homem e da Sociedade I e II (80h),

Ética Geral (40h), Filosofia Geral (40h), Filosofia Jurídica (40h),

Hermenêutica e Jurisprudência Contemporânea (40h), Introdução ao

Direito I e II (80h), Língua Portuguesa e Produção Textual I e II (80h),

Metodologia do Estudo e da Pesquisa (40h), Sociologia Geral e Jurídica

(40h), Teoria Geral do Direito Privado (40h), Teoria Geral do Processo

(40h);

Eixo de Formação Profissional: enfoca o Direito de modo técnico e

dogmático e apresenta seus diversos ramos sistematizados e

Page 425: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

424

contextualizados. Compreende as disciplinas: Direito Civil I a VII (560h),

Direito Constitucional I a III (240h), Direito do Consumidor (80h), Direito e

Processo do Trabalho I e II (160h), Direito Empresarial I e II (160h), Direito

Internacional (40h), Direito Penal I a VII (360h), Direito Processual Civil I a

VI (240h), Direito Processual Penal I a IV (200h), Direito Tributário (160h),

Direitos Humanos I e II (80h), Ética Profissional (40h), Medicina Legal e

Psicologia Forense (40h);

Eixo de Formação Prática: em consonância com a metodologia

institucional Aprender na Prática, integra os conteúdos teóricos

desenvolvidos nos demais eixos com a prática, especialmente por meio de

atividades relacionadas com estágio supervisionado, trabalho de curso e

atividades complementares. Compõe-se das disciplinas: Metodologia do

Trabalho de Curso (40h), Prática Jurídica Civil I a III (120h), Prática

Jurídica Penal I a III (120h), Prática Jurídica Trabalhista (80h), Trabalho de

Curso I e II (80h) e também das atividades complementares (200h) e do

estágio supervisionado (160h).

Em referência à matriz curricular anterior da IES, ora analisada nesse estudo

de caso, é possível afirmar-se que a nova matriz da UNICSUL, possibilita adequação

da carga horária em relação à antiga, que entrou em vigor em 2004.

Com efeito, percebe-se que houve redução na carga horária total, de 4200h

para 3960h. Essa redução total deu-se à redução da carga horária de algumas

disciplinas e adequação de outras à realidade do curso, como Estudos e Prática de

Direito Público I-A e I-B (40h cada).

Constata-se que houve a redução parcial de outras, como Direito

Constitucional (de 320h para 240h), Medicina Legal (80h para 40h) e Direito

Internacional (80h para 40h). Graças a essas eliminações e reduções, pôde-se

ampliar a carga de Direitos Humanos (40h para 80h), Direito do Consumidor (40h

para 80h) e adotar outras disciplinas, como Hermenêutica e Jurisprudência

Contemporânea (40h) e Direito Ambiental (40h).

Percebe-se também que há redistribuição das disciplinas e de conteúdos em

praticamente todos os semestres, permitindo redução no número de disciplinas a

partir do terceiro semestre do curso, adaptando a matriz curricular às diretrizes do

Page 426: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

425

curso de Direito e ao perfil do egresso que se deseja formar. Reputa-se que tais

medidas evitaram a sobrecarga de conteúdos curriculares aos alunos e permitirão

melhor gestão acadêmica, possibilitam, inclusive, a adoção de mais atividades

complementares de forma regular.

Nota-se preocupação de concentrar as disciplinas fundamentais nos primeiros

anos do curso, isso é necessário para que o acadêmico desenvolva o espírito crítico

e adquira os conhecimentos humanísticos necessários para o estudo das matérias

profissionalizantes e complementares.

Porém, há de se frisar que, com uma concepção sistemática de Direito, sendo

o ordenamento jurídico composto de regras e princípios dos quais a dignidade da

pessoa humana possui especial relevo, tais valores humanísticos e o espírito crítico

devem ser trabalhados em todos os conteúdos curriculares do curso de Direito

sejam as fundamentais, as profissionais ou as práticas.

Na presente matriz curricular analisada, enfocam-se conteúdos úteis ao futuro

profissional formado pelo curso, pensando na inserção da IES na realidade

socioeconômica do País além da cidade de São Paulo.

Percebe-se, portanto, um esforço da IES estudada em propiciar ao estudante

a compreensão lógica de seu estudo e do papel do Direito na sociedade, em

consonância com as diretrizes do PPI para elaboração de currículos, tendo em vista

que as novas formas de organização da sociedade e da educação apontam para a

necessidade de uma concepção de currículo como um conjunto de elementos

mediante os quais concretizam os processos de ensino e de aprendizagem em um

determinado espaço e tempo, respeitando as especificidades locais, sem perder de

vista o contexto global, e garantindo a identidade e o diferencial desse curso.

Em termos teóricos, justifica-se o eixo de formação profissional como forma

de dar ao estudante um sentido mais claro e completo para o “Direito-tecnologia”,

pois enfocou-se no currículo ramos tradicionais do Direito ligados a conflitos privados

(Direito Civil, em primeiro lugar, mas também Direito Trabalhista, Direito

Consumerista) ou a questões criminais (Direito Penal) que são bastante acessíveis

ao formando.

Page 427: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

426

Além disso, tratando-se de boas perspectivas de atuação profissional,

entende-se que esses ramos propiciam possibilidades de inserção real do egresso

no mercado de trabalho.

É importante explicitar a concepção de currículo adotada pela UNICSUL, que

orienta a metodologia institucional de construção de currículos.

Contrapõe-se assim, à concepção tradicional de currículo, até a pouco em

vigor, em que se pautavam os currículos mínimos, definindo, independentemente do

contexto socioeconômico e cultural, um rol de disciplinas estanques, bem como

procedimentos metodológicos que privilegiavam o modelo transmissivo-reprodutivo.

Constatou-se, finalmente, que na configuração proposta pela IES em apreço,

o currículo deve ser entendido como elemento formador de identidades individuais e

sociais, o que deve pressupor, no entanto, a adoção de referenciais

socioantropológicos, psicológicos, epistemológicos e pedagógicos em consonância

com o perfil humano e profissional do egresso.

5.7 Estágio Supervisionado do Curso de Direito da UNICSUL

Conforme prevê a Resolução CNE/CES nº 9/2004, compete ao Núcleo de

Prática Jurídica (NPJ) a organização, o acompanhamento e o controle do Estágio

Curricular Supervisionado - ECS.

Para contemplar a referida resolução, foi implantado Programa de Estágio

Curricular Supervisionado com três modalidades de estágio, de forma a equalizar as

variadas condições dos alunos:

Estágio interno: é a modalidade de estágio em que o aluno integraliza as

horas de estágio nas dependências do NPJ;

Estágio externo: é a modalidade de estágio que se realiza em escritórios

de advocacia; departamentos jurídicos de empresas, sindicatos,

organizações não governamentais, etc; Poder Judiciário; Ministério

Público; Procuradoria do Estado e outros órgãos conveniados;

Estágio atividade: é a modalidade em que o estágio se dá mediante à

realização de atividades previamente determinadas. São exigidas do aluno

as seguintes atividades: elaboração de relatórios de audiências reais;

Page 428: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

427

elaboração de relatórios de audiências simuladas; elaboração de relatórios

de visitas a órgãos públicos vinculados à atividade jurídica; elaboração de

relatório de comentários de acórdãos e outros.

Finalmente constou-se pela análise do NPJ da UNICSUL, que o Programa de

Estágio Curricular Supervisionado encontra-se devidamente previsto no

Regulamento Interno do NPJ daquela IES.

5.8 Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da UNICSUL

O Núcleo de Prática Jurídica é um órgão vinculado ao curso de Direito da

UNICSUL e tem como objetivo principal implementar, coordenar, supervisionar,

controlar e avaliar as atividades práticas dos acadêmicos do curso de Direito em

busca do aprimoramento prático-profissional na área jurídica, bem como integrar a

comunidade local à UNICSUL.

Segundo se depreende do regimento do NPJ e do PPC da UNICSUL,

compete ao Núcleo de Prática Jurídica a organização, o acompanhamento e o

controle do ECS.

Fundado em 11 de maio de 1998, o NPJ dessa IES conta com instalações

independentes do campus universitário e possui, atualmente, três unidades, uma

anexa ao campus São Miguel Paulista e, outra, anexa ao campus Anália Franco e

outra anexa ao campus Liberdade, conforme se constatou em visitas ali realizadas.

A primeira, instalada próximo ao campus São Miguel Paulista, foi inaugurada

pelo Professor Miguel Reale e tem, entre outras atividades, o Escritório de

Assistência Judiciária (AJUCSUL) e um anexo do Juizado Especial Cível do Foro

Regional de São Miguel Paulista (JEC), que resolve causas cíveis de menor

complexidade, previstas na legislação pertinente.

A segunda unidade, localizada próxima ao campus Anália Franco e

inaugurada em 18 de outubro de 2004, pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal,

Dr. Marco Aurélio Mello, tem como principais atividades o Escritório de Assistência

Judiciária Gratuita (AJUCSUL) e uma Câmara de Conciliação e Arbitragem, que atua

em causas cíveis, consumidor, inquilinato e outros direitos disponíveis de menor

complexidade.

Page 429: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

428

A unidade do campus Liberdade encontra-se em fase de implantação e atuará

em atividades desenvolvidas nas outras unidades ou pertinentes.

Entende-se que tais atividades de extensão, é que permitem ao curso de

Direito a plena integração com a comunidade, por meio da prestação de Assistência

Judiciária Gratuita.

Ademais, cada uma das unidades organiza, acompanha e controla as

atividades de Estágio Curricular Supervisionado (ECS) obrigatório dos acadêmicos

dos respectivos campi, conforme estabelece o artigo 7º, da Resolução CNE/CES nº

09/2004.

A figura abaixo demonstra, de forma sucinta, as principais atividades

desenvolvidas no NPJ, da IES ora analisada, bem como a equipe de profissionais

responsáveis por sua condução, incluindo-se a equipe interdisciplinar.

O funcionamento e organização do NPJ da UNICSUL:

Quadro 21 – Estudo de Caso – Organograma de Funcionamento e Organização do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL

COORDENAÇÃO

São Miguel Paulista Atividades desenvolvidas:

− Assistência Judiciária − Juizado Especial − Estágio

Supervisionado − Projeto de

Atendimento Integral às mães Equipe Profissional:

− Advogados-Orientadores

− Advogado-Auxiliar

− Assistente Social

Anália Franco Atividades desenvolvidas:

− Assistência Judiciária − Câmara Interna de

Conciliação e Arbitragem

− Estágio Supervisionado

− Projetos de Extensão Equipe Profissional:

− Advogados-Orientadores

− Advogado-Auxiliar

− Assistente Social

Liberdade Atividade desenvolvida:

− Estágio Supervisionado

Demais:

− Assistência Judiciária

incipiente

Page 430: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

429

A Unidade de São Miguel Paulista (SM) dá atendimento à população carente

da região seja pela Assistência Judiciária Gratuita seja pelo Juizado Especial.

a) Estrutura: a unidade SM do NPJ funciona em um imóvel de dois

pavimentos, contendo: 1 sala para cursos e eventos, com 74 lugares e

audiências de instrução; 1 sala para secretaria e arquivo; 1 sala para

atendimento; 1 sala para Serviço Social; 1 cozinha; 1 sala para

coordenação, advogados e acervo jurídico; 1 sala de audiência de

conciliação; 1 sala para cartório do JEC.

b) Funcionamento: de 2ª a 6ª feira das 8h às 21h30.

Conforme foi informado pelo coordenador do Núcleo870, quando da realização

da entrevista pessoal, a unidade Anália Franco inicialmente atendia apenas à

população local em ações que fossem da competência do Foro Regional do

Tatuapé. Em razão do perfil socioeconômico daquela população, houve a

necessidade de ampliar o atendimento para a região da Vila Prudente, haja vista

tratar-se de uma parcela da população mais carente.

a) Estrutura: a Unidade AF do NPJ funciona em um imóvel de três

pavimentos, contendo: 1 sala para cursos e eventos, com 74 lugares; 1

sala para secretaria; 1 sala para atendimento; 1 sala para Serviço Social; 1

sala para acervo jurídico; 1 cozinha; 1 sala de advogados; 1 sala de

audiência de conciliação; 1 sala de audiência de arbitragem; 1 sala de

coordenação; 1 sala para arquivo.

b) Funcionamento: de 2ª a 6ª feira, das 08h às 17h.

5.9 Pontos de Estrangulamento do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de

Direito da UNICSUL

Fixados os pontos positivos curriculares no Núcleo de Prática Jurídica, ora

analisado, especialmente sua metodologia de ensino/aprendizagem na realização da

interdisciplinaridade, é necessário, por outro lado, pontuarem-se os seus pontos de

870

Trata-se do Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul, Prof. Ms. Sérgio Gabriel, que trabalha na instituição há 10 (dez) anos e que acompanhou toda a implantação do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito.

Page 431: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

430

estrangulamento, tendo em vista as entrevistas ali colhidas, em três aspectos que se

encontram ausentes:

ausência de sistema de avaliação interna das atividades realizadas no

Núcleo de Prática Jurídica;

ausência de atividade de mediação e arbitragem;

ausência de exame de autos findos.

5.9.1 Ausência de sistema de avaliação interna das atividades realizadas no

Núcleo de Prática Jurídica

Sob a ausência do primeiro aspecto, é preciso considerar as exigências do §

2º do art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004, que destaca o seguinte:

Art. 7°. § 2º - As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e

reorientadas de acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, na forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que possa considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação jurídica.

Embora se encontre formalmente disposto no Regulamento do Núcleo, ora

analisado, na prática, esse sistema de avaliação interna não ocorre.

Sob a perspectiva restrita, entende-se que a vantagem de se dar

cumprimento ao disposto no § 2º do art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004 é

vantagem e a possibilidade do aluno, com capital cultural acima da média, poder

antecipar os créditos de “estágio supervisionado”, sendo avaliados de forma

freqüente e continuada; diminui-se, ainda, sua permanência no Núcleo, viabilizando

espaço físico para outros alunos; e, por outro lado, diminui a exigência de

investimento em infra-estrutura, já que, é fato, nem todos os laboratórios de prática

jurídica, mesmo de IES privadas, dispõem de equipamentos de informática em

número suficiente para atendimento da demanda de estágio e de Assistência

Judiciária Gratuita.

Além disso, entende-se que o sistema de avaliação interna conduz à maior

eficácia e à evolução do aprendizado do aluno, permitindo-se incorporar parâmetros

de avaliação das diversas profissões jurídicas, tais como exame da magistratura,

Ministério Público, polícia judiciária, e especialmente da advocacia.

Page 432: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

431

A avaliação das atividades elaboradas no Núcleo deve decorrer do projeto da

assistência judiciária na prestação do serviço gratuito. Contudo, o Projeto

Pedagógico do curso deve explicitar quais são os conteúdos, habilidades,

competências e atitudes que se devem desenvolver no aluno, como prestador desse

serviço gratuito programado.

O projeto deve prever ainda, quais serão as etapas que o aluno irá percorrer e

o que deve revelar como de conhecimento adquirido no Núcleo e nas atividades de

estágio realizadas.

Vale ressaltar, o aluno deve ser avaliado pela qualidade do resultado

produzido. Assim sendo, entende-se que é preciso reformular e exigir essa prática

de avaliação.

5.9.2 Ausência de atividade de mediação e arbitragem

Sob a ausência do segundo aspecto que trata da ausência de atividade de

mediação e arbitragem nas atividades que compõem o estágio e no Núcleo de

Prática, é preciso que se diga que embora essas atividades transversais imponham

gastos à IES, como, por exemplo, a própria estrutura física, pessoal técnico e

administrativo voltado para a psicologia da arbitragem, negociação, e,

especialmente, mediação, essas atividades são, todavia, imprescindíveis para a

formação e intensificação de um perfil humanístico do agente do Direito.

A mitigação dessa estrutura que possibilite a realização dessas atividades

redunda em (de)formação do perfil do profissional e do jurista871 revelado, por

exemplo, nos baixos índices de aprovação nos exames da OAB, e pela sobra

constante de vagas nos concursos públicos da Magistratura, Ministério Público e

Polícia Judiciária.872

871

Eliane Junqueira, por exemplo, diz que os projetos pedagógicos dos cursos jurídicos não têm sido criativos na definição de seus perfis profissionais. Conseqüentemente, eles nem mesmo obedecem à lógica do mercado, pois oferecem produtos de má-qualidade sem sequer se preocupar com a concorrência. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de Direito. Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, Brasília, DF, v. 16, n. 12, p. 49-74, 1998.

872Em todo o Brasil, os índices de reprovação nos exames da OAB alcançaram índices inaceitáveis. O ex-presidente da OAB nacional, Roberto Busato, declarou que o exame da OAB não pode reprovar do jeito que está reprovando. Ao mesmo tempo, já existe uma saturação no mercado de trabalho. Em São Paulo, a Dra. Ivete Senise Ferreira, ex-presidente da Comissão de Exame de Ordem da Seccional Paulista, afirmou que, na sua opinião, cada bacharel deveria fazer cinco vezes, no

Page 433: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

432

No lugar de grades curriculares centradas no exclusivismo da ciência do

Direito é preciso incorporar novos conteúdos capazes de despertar habilidades

diversas nos agentes do Direito, tais como Criatividade, Informática Jurídica,

Psicologia da Negociação, Estudos ou Temas Interdisciplinares da Realidade

Brasileira, Técnicas de Negociação, Mediação e Conciliação.873

Além desse argumento ressalte-se que o próprio Manual da Avaliação das

Condições de ensino do INEP/MEC exige esses elementos na configuração do

currículo como critérios do reconhecimento e da renovação dos cursos jurídicos.

Note-se, porém que essas avaliações iniciaram a partir da Lei nº 9.131 de 24

de novembro de 1995, já que a partir desse texto legal a avaliação é transformada

em instrumento obrigatório e de utilização periódica para a elevação da qualidade

não só do ensino jurídico, como também do ensino superior em geral.

Para a sua realização, foram previstos procedimentos e critérios abrangentes

dos diversos fatores que determinam a qualidade e a eficiência das atividades de

ensino, pesquisa e extensão, conforme dispõe o art. 3º da Lei nº 9.131/95.

Desse instrumento legal resultou a definição de duas formas básicas para sua

concretização: a avaliação do ensino de graduação, pelo exame nacional de final de

curso, conhecido como Provão, elaborado com base nos conteúdos mínimos

estabelecidos em cada área do conhecimento e realizado pelo corpo discente; e a

análise do desempenho individual dos cursos realizada pelas próprias instituições,

compreendendo as modalidades de ensino, pesquisa e extensão, e que era

conduzida então por uma comissão externa à IES, conforme determinava o Decreto

nº 2.026, de 10/10/1996.

Entretanto, o Exame Nacional de Cursos que teve início em 1996 causou

enorme turbulência no meio acadêmico-profissional e na sociedade em geral.

máximo, o exame de Ordem, porque o candidato que faz o exame várias vezes, sem sucesso, deveria ser aconselhado a repensar sua opção profissional. FERREIRA, 2000, apud LIMA, Fernando. Reprovação no exame de Ordem. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos905a-reprovação-exame.shtml>. Acesso em: 13 ago. 2008. Contudo, deve-se considerar que a OAB integra um sistema de avaliação do perfil geral de bacharel em Direito; é preciso também repensar esse sistema de avaliação já que não se discute a formação ou perfil do profissional para a região, mas em nível nacional, situação de tarefa avaliação na competência do exercício e fiscalização profissional e que também tem sido agravada pela terceirização na elaboração da prova do exame da OAB.

873Esses são apenas alguns exemplos de disciplinas e conteúdos curriculares extraídos da experiência com docência e coordenação, e que se constituem em paradigmas arrojados de currículo jurídico, implantados em IES de ensino privado.

Page 434: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

433

As controvérsias questionavam a adequação de tal instrumento como modelo

de avaliação que se pretendia construir, tendo em vista que ele visava somente um

dos pólos do processo ensino / aprendizagem.

Além disso, criticava-se o fato de que o Provão não era a forma de avaliação

estritamente externa, pois além de não ser realizado interpares, tão pouco previa a

participação de entidades externas da sociedade científica, conselhos profissionais,

trabalhadores, egressos e organizações governamentais.

No entanto, foi esse caráter controverso que fez surgir novos instrumentos de

avaliação. Em 1996 é editada a nova lei que definiu as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que corroborou a

avaliação como metodologia periódica tanto dos cursos quanto das IES.

Frente à inevitabilidade do Provão, as Comissões de Especialistas de Ensino

em Direito do MEC e de Ensino Jurídico da OAB sugeriram a inclusão dos cursos

jurídicos na primeira realização do Provão.

Consolidava-se a partir daí a cultura de reforma do ensino jurídico.

Em 1997, iniciaram-se as visitas in loco das comissões externas aos cursos

jurídicos, compostas por consultores e avaliadores escolhidos pelas Comissões do

MEC e da OAB874 e que haviam acompanhado as discussões de reforma do ensino

até então. Para a orientação dessas visitas, as comissões tanto do MEC quanto da

OAB construíram um roteiro de avaliação, designado por instrumento de avaliação.

Com efeito, esse documento continha diversos critérios e elementos, que eram

dispostos em 3 (três) grupos: qualificação do corpo docente, organização didático-

pedagógica e instalações (infra-estrutura).

Desde então, outros instrumentos de avaliação surgiram, como, por exemplo,

o Decreto nº 3.680/2001, que prevê a exigência de um perfil específico do

profissional de direito.

Atualmente, é a Lei nº 10.861/2004, conhecida como Lei do Sistema Nacional

de Avaliação do Ensino Superior - SINAES, que atribui competência ao INEP, para a

elaboração de instrumentos avaliativos das IES, e que prevê a exigência de uma

Comissão Própria de Avaliação (CPA).

874

Nesse contexto, ressalte-se nos trabalhos das referidas comissões, a participação intensa dos professores Dr. Paulo Luiz Netto Lôbo e José Geraldo de Souza Jr.

Page 435: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

434

O SINAES é formado por 3 (três) componentes principais: a avaliação das

IES, dos cursos e do desempenho dos estudantes. O SINAES avalia assim todos os

aspectos que giram em torno desses três eixos: o ensino, a pesquisa, a extensão, a

responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo

docente, as instalações e outros aspectos.

Note-se que esse sistema de avaliação possui uma série de instrumentos

complementares: auto-avaliação, avaliação externa, ENADE, e avaliação dos cursos

de graduação e instrumentos de informação censo e cadastramento. Os processos

avaliativos875 são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de

Avaliação da Educação Superior - CONAES, mas a operacionalização é de

responsabilidade do INEP.

Por outro lado, é preciso que se diga que esses instrumentos de avaliação

não são elaborados com a participação da comunidade educacional; são impostos

freqüentemente numa postura heterônoma, burocrática e tecnicista. É preciso,

portanto, superar também esse comportamento autoritário na condução de

instrumentos e políticas de avaliação do currículo no ensino superior.

5.9.3 Ausência de exame de autos findos

Sob a ausência do terceiro aspecto, entende-se que o exame de autos do

Poder Judiciário, constitui-se uma fonte inesgotável de material de pesquisa teórica

e prática, e que possibilitam ao aluno do curso de Direito a visualização de todo o

iter processual, quer sob a ótica formal, quer sob a ótica substancial.

Esse material pode ser digitalizado em softwares aplicados especialmente ao

curso de Direito, com ajuda, por exemplo, dos alunos de outros cursos da IES,

(Curso de Informática ou Tecnologia) para uso em sala de aula, tanto em disciplinas

teóricas, como nos estudos de casos do estágio supervisionado.

Nesse sentido, a manipulação de equipamentos e softwares, visando a

elaboração de um acervo de processos findos mais relevantes abre nova janela e

espaço de interdisciplinaridade para o curso de Direito.

875

Registre-se, porém, que é a Portaria MEC nº 2.051 de 09 de julho de 2004 que regulamenta, atualmente, o SINAES.

Page 436: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

435

Por outro lado, certamente, a manipulação desses autos deve obedecer os

requisitos do segredo de justiça, principalmente no que tange aos casos que

envolvam relações de Direito de Família. Há que se respeitar, sem dúvida, as

normas dos Tribunais de Justiça.

Há, no entanto, uma infindável quantidade de processos que constituem

documentos históricos, de interesse cultural e científico para a memória da cultura

brasileira.

Finalmente, a elaboração, a título de proposição, de um arquivo digital

próprio, inserido no Núcleo de Prática Jurídica das IES, com base de dados virtuais,

constituídos no exame desses autos findos que, compõem a cultura jurídica

brasileira, objetivando despertar a curiosidade e a criatividade dos alunos dos cursos

de Direito para o universo dessa produção jurídica.

Page 437: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

436

CONCLUSÃO

Nesta tese de Doutorado, a Filosofia, a Filosofia da Educação e a Filosofia do

Direito nos permitiram ver e compreender a problemática da educação, do currículo,

e das diretrizes curriculares do curso de Direito sobre outros ângulos, sob novas

perspectivas, de maneira aberta, holística, integrada, e sem preconceitos. Com olhos

críticos, porém sem radicalismos.

A perspectiva epistemológica sistemática aberta adotada nesse trabalho,

fundamentada na Filosofia da Educação e do Direito facultou ampliar nossa visão e

estrutura-nos para compreender o mundo presente, seu processo de formação, suas

possibilidades de emancipação e transformação do currículo jurídico, permitindo

aproximar, como professores, do projeto pedagógico ideal do curso de Direito.

Conclui-se que o currículo jurídico juntamente com suas diretrizes não deve

constituir-se, em mera construção normativa fechada, positivista, permanentemente

imutável, pois são construções culturais elaboradas pela ação e experiência

humana, fundamentadas em concepções especialmente educacionais, filosóficas,

permanentemente renováveis e inacabadas, cujo conteúdo está permeado de

discursos, relações de poderes, interesses, escolhas, por isso a importância dos

princípios éticos e dos valores na sua substancial tornam-se cada vez mais decisivos

para a formação do bacharel em Direito.

Ora, nem mesmo o Direito deve ser compreendido somente como leis,

procedimentos, ritos ou sanções, devendo constituir-se especialmente na práxis de

ação recíproca de convívio cultural, solidário, justo, tolerante e de sentido entre os

homens.

O currículo jurídico constitui-se, portanto, numa construção permanente de

práticas, com um significado marcadamente cultural e filosófico e um instrumento

obrigatório para análise das decisões educativas, como importante agente de

mudança, dotado de sentido e finalidade, tendo na sua fundamentação filosófica

uma base imanente sobre a qual repousam valorações. Nesse diapasão, o currículo

jurídico inserido na concepção culturalista do Direito não pode ser compreendido,

portanto, simplesmente, como um conjunto metódico, de procedimentos formais, de

disciplinas, objetivos e experiências, ou ainda, pior de simples memorização de

conteúdos das leis, que vêm compondo ao longo da história o ensino do Direito.

Page 438: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

437

O currículo jurídico dar-se assim num universo axiológico, pois o problema

dos valores não está na transmissão teórica, mas na sua vivência e prática

curricular. Currículo jurídico configurado, assim, no respeito ao diálogo, à tolerância,

à pluralidade cultural, à valorização dos diferentes saberes e culturas, ao valor da

justiça, da ética, no respeito ao meio ambiente, à saúde, e, sobretudo, ao respeito da

dignidade da pessoa humana.

Do percurso investigativo da presente tese conclui-se, portanto, que o

currículo jurídico além de constituir-se numa construção jurídica, é um fenômeno

cultural; não se trata, por isso, simplesmente de uma mera construção normativa

positivista permanentemente imutável. A prescritividde e a normatividade do

currículo jurídico constituem-se apenas e tão-somente uma de suas dimensões.

Da análise do estudo de caso, demonstrou-se, que o currículo jurídico deve

envolver, numa justa medida cultural, os mais diversos saberes, onde o espaço do

conhecimento seja, nomeadamente, integrado, interdisciplinar e transdisciplinar. A

interdisciplinaridade é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com

que as disciplinas interajam entre si. Conclui-se assim, que a interdisciplinaridade e

transdisciplinaridade correspondem a uma nova etapa do desenvolvimento do

conhecimento científico e de sua visão epistemológica, que exigem que as

disciplinas científicas, em seu processo constante e desejável de interpenetração,

fecundem-se cada vez mais reciprocamente.

O pensamento interdisciplinar e transdisciplinar fogem da análise tecnicista e

utilitarista do fenômeno jurídico, constituindo-se assim na base de transformação do

ensino e da realidade do Direito. Ora, o mundo e a própria sociedade brasileira

exigem essa vivência interdependente e transdisciplinar do Direito, com as diversas

áreas do conhecimento.

Por isso, propõe-se como recomendação a desconstrução das atuais DCNs,

no sentido de propor no eixo de formação profissional, das atuais DCNs para o curso

de Direito a inclusão no conteúdo curricular do currículo jurídico uma Teoria Geral

Crítica do Direito que passe necessariamente, por uma perspectiva interdisciplinar

que permita, todavia, abrir a compreensão de mundo do futuro bacharel, numa

perspectiva sistemática alargada, interdisciplinar e transdisciplinar de compreensão

do fenômeno jurídico, inserida no universo das humanidades, que possibilitem

ampliar o universo cognitivo da própria ciência jurídica.

Page 439: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

438

Conclui-se, portanto, que há uma necessidade imperiosa de mudança

curricular no papel da universidade. É necessário, para que isso ocorra que as

instituições de ensino tenham liberdade e flexibilidade para optarem por um currículo

jurídico cujo desenvolvimento de capacidades, potencialidades, talentos,

competências e habilidades multifocais do educando seja o principal alvo do

discurso educacional das instituições de educação.

As considerações sobre a educação, o currículo e as diretrizes

curriculares no curso de Direito, esboçadas neste trabalho, só serão efetivamente

alcançadas na medida em que as IES se engajem no processo de mudança

educacional, em especial, de mudança de modelo de construção curricular.

Conclui-se que isto não ocorre, principalmente, quando se trata de instituições

tradicionais apoiadas em fundamentos pedagógicos e filosóficos inadequados para

os nossos dias – como é o caso do Positivismo. E, mesmo quando as IES propõem-

se a inovar, parece ser relativamente mais simples modificar a estrutura

administrativa ou funcional, ou mesmo ampliar recursos do que se disporem a inovar

aquilo que é seu próprio cerne: seu sistema de educar, sua forma de orientar seu

currículo e o seu processo de ensino-aprendizagem.

Nunca foi tão presente às próprias universidades a necessidade de

transformar suas estruturas para melhor adaptá-las às condições da sociedade, é o

que se constatou, inclusive, pela análise dos questionários do estudo de caso

proposto nesse trabalho. As instituições concebidas outrora para educar uma elite

devem aprender hoje a receber e instruir as massas; seus antecedentes, suas

experiências, que fizeram delas outrora o veículo de uma cultura e um sistema de

valores, não serão mais suficientes se isso não se juntar à capacidade e à vontade

de renovar. Atualmente a atenção geral está voltada para a inovação. Como iniciar

as mudanças, o que é necessário mudar, como difundir novas idéias e novas formas

de currículo? Obviamente, é mais fácil falar ou teorizar sobre as necessidades de

mudança do que realmente mudar.

É principalmente pelo aumento de compreensão dos problemas curriculares

educacionais, pela pesquisa de novas formas de fazer didático, por uma visão

interdisciplinar e transdisciplinar dos problemas do ensino jurídico e das áreas

profissionais, pelo desenvolvimento de sua mentalidade criativa, que estará o ensino

jurídico superior estruturando-se de forma a retomar seu tradicional papel social de

Page 440: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

439

excelência que pode preparar e assumir os processos de formação evolutiva e

social. Isso significa atribuir às IES a tarefa e responsabilidade educacional e

constitucional de pensar e implementar novos currículos.

Por outro lado, constata-se, infelizmente, que a forma mais clássica de

organização do conteúdo do currículo jurídico adotado pelas inúmeras instituições

de ensino especialmente no curso de Direito, ainda predominante atualmente, é o

modelo linear disciplinar fechado, ou pelo conjunto de disciplinas justapostas, na

maioria das vezes de uma forma arbitrária. Isto ocasiona o fim da educação como

conhecimento, compreensão de mundo e capacitação para viver ativamente diante

do contexto de turbulências e de permanentes mudanças, de crises e caos em que

vive a sociedade atual.

Conclui-se, portanto, pela necessidade de uma nova configuração de um

currículo jurídico voltado para um modelo de natureza epistemológica aberta que

integre um novo conceito de racionalidade, não mais baseado no modelo tradicional

de racionalidade tecnoformal, mas sim num modelo crítico de interdisciplinaridade e

transdisciplinaridade de racionalidade cultural e emancipatória.

Conclui-se, outrossim, pela necessidade de uma pedagogia nova para o

ensino jurídico em que se assume o princípio ativo e norteador de valorização do

indivíduo como ser livre, ativo, social e cultural. Onde o centro da atividade escolar

não é o professor nem os conteúdos disciplinares, mas sim o aluno ativo e curioso.

Onde o mais importante, não é o ensino, mas o processo de aprendizagem. Pois o

professor é somente o facilitador no processo de busca do conhecimento do aluno,

organizando e coordenando as situações de aprendizagem.

Imprescindível, para que isso ocorra, uma nova prática curricular;

emancipadora, libertadora, que possa contribuir para uma nova configuração

curricular pedagógica do ensino jurídico, de suas diretrizes e de seus conteúdos.

Nesse diapasão, pressupõe-se que sejam alteradas as fórmulas tradicionais de

transmissão de saberes, em oposição a uma educação jurídica estritamente formal e

positivista.

Construir um perfil profissional no currículo jurídico significa primeiramente

pensar uma identidade ou um conjunto de habilidades comuns a serem despertadas

nos alunos. Entretanto, para se pensar essa identidade é preciso enfrentar uma

Page 441: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

440

questão anterior e intrínseca ao processo educacional, que é a singularidade da

diferença e da pluralidade de visões de mundo.

A discussão sobre o que seja e como definir um perfil profissional para os

currículos e para os cursos jurídicos está apenas no início. Há muitas dificuldades

em torno do tema. Contudo, entende-se que é preciso enfrentá-las para a

concepção de um projeto pedagógico que desperte nas pessoas o diálogo aberto

consigo mesmo e com o mundo e, que permita a busca da ampliação de novos

sentidos para o homem.

Abertura que fomenta dúvida ao invés das certezas. Pois aprendendo a

interrogar-se a si mesmo, o homem aprende a interrogar os outros e o mundo,

porque está em busca de sua própria compreensão da realidade que o cerca. Com

efeito, a busca de novos sentidos para a vida e a ação mobiliza a criatividade.

É somente pela escolha desse novo caminho curricular no ensino do Direito

que se torna possível substituir inadequados paradigmas racionais de

fundamentação jurídica, exclusivamente, fundamentada, filosoficamente, no

Positivismo, de há muito superada pelas incontestes transformações sociais,

econômicas, jurídicas e culturais por que passam nossa sociedade.

O processo da construção normativa das diretrizes curriculares do ensino

jurídico deve ser construído no caminho de mão dupla, numa imprescindível

interação viva entre instituição educacional e aluno e entre docente/discente, jamais

construído e imposto de forma heterônoma, como tem ocorrido.

Ao não aceitar mais os sentidos que lhe são impostos, o homem busca a sua

própria realidade, num movimento de inquietação e de não acomodamento. Por isso

que entende-se que o homem é um ser inconcluso e precisa ter nítida consciência

de sua incompletude, pois é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se

funda a educação como processo permanente.

Esse processo permanente de desconstrução, inacabamento e reconstrução

quotidiana de si, fará desencadear no homem a compreensão de que a ação política

se dá também nos pequenos gestos em relação a pessoas que o rodeiam. O

aprendizado acontece assim não somente para melhor adaptação a uma realidade,

mas, sobretudo, para que se possa aprendê-la, constar para recriá-la, desconstruí-

la, reconstruí-la, transformando-a.

Page 442: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

441

Nesse sentido, as conclusões do presente trabalho não pleiteiam aqui de

forma alguma ter alcançado a verdade absoluta sobre o tema. Inobstante isso,

defende-se intransigentemente, a mudança na lei que faculte – ainda que de início,

apenas teoricamente − desconstruir o texto normativo das atuais Diretrizes

Curriculares Nacionais instituídas para o curso de bacharelado em Direito.

Finalmente, tem-se a convicção de que é possível mudar o comportamento e

a postura dos próprios mantenedores, mormente, a partir de investimentos para que

o projeto pedagógico e as diretrizes curriculares saiam do papel. Dessa maneira,

sejam executados sem restrições de ordem teórica ou prática, contemplando o

regime de trabalho do corpo social para além da matriz curricular (ensino), mesmo

que em parâmetros mínimos, infra-estrutura de planejamento e execução de

conteúdos e atividades/competências e habilidades.

Recomenda-se a inclusão nas diretrizes curriculares do curso de Direito uma

educação e currículo jurídico fundamentado, além das habilidades racionais, nas

seguintes habilidades curriculares; habilidades sociais, habilidades emocionais,

habilidades afetivas, habilidades sensitivas, habilidades cognitivas; habilidades

psicológicas; habilidades estéticas que devem, todavia, estar presente em todos os

momentos da formação do indivíduo não podendo ser consideradas um produto

pronto e acabado, mas sim iniciado, a construir; e, o currículo jurídico, como

construção e fenômeno cultural, concebê-lo, portanto, como importante agente de

mudança na educação do país.

Por derradeiro, é preciso se conscientizar que as decisões tomadas a respeito

do currículo jurídico afetam vidas e sujeitos, de onde advém sua inegável

importância e, também, motivação para desenvolver o presente estudo reflexivo e

propositivo sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais fixadas para o curso de

Direito.

Assim, ao se refletir sobre essas possibilidades de transmissão e

transformação de saberes mediante nova configuração das diretrizes curriculares no

ensino do Direito, estar-se-á refletindo sobre a importância dos valores da sabedoria,

do convívio, da tolerância, da solidariedade, da liberdade, da cidadania, da

dignidade da pessoa humana e da justiça social.

Page 443: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

442

Essas considerações finais permitiram trazer ao percurso investigativo tese as

seguintes sínteses conclusivas:

1 - a complexidade do tema da educação, do currículo e das diretrizes

curriculares no ensino jurídico exige flexibilidade e equilibrada noção de relativismo,

sobretudo uma mentalidade alargada e um olhar atento e ampliado sobre o tema;

2 - o estudo do tema exige uma pluralidade metodológica de investigação,

direciona, todavia, para uma perspectiva de racionalidade de pensamento complexo

e não-linear, que contemple, sobretudo, a interdisciplinaridade e a

transdisciplinaridade como metodologia de ensino jurídico;

3 - a necessidade de interpretar fenômenos singulares e complexos; caso do

currículo jurídico afasta, entretanto, a certeza dogmática do conhecimento científico

absoluto e imutável;

4 - a educação, o currículo e suas diretrizes no ensino jurídico passa por uma

objetividade relativa, uma vez que não é possível aceitar o conhecimento como

absoluto;

5 - a compreensão da educação, do currículo e das diretrizes curriculares no

ensino do Direito exige do intérprete uma perspectiva epistemológica jurídica e

filosófica aberta e flexível, visto que dele se espera além do conhecimento da

legislação, sólido conhecimento educacional, afetivo, histórico, político, social,

cultural, econômico e filosófico;

6 - a problemática do currículo e das diretrizes curriculares no curso de Direito

deve ser pensada, em sentido amplo, a partir da questão da educação, e em sentido

estrito, no contexto da problemática da crise atual do ensino jurídico;

7 - o currículo jurídico não é estático, supõe alteridade, vivência, relação.

Constitui-se, portanto, no desafio de uma realização humana individual e coletiva;

8 - a construção do currículo e suas diretrizes do ensino jurídico é uma

realização de liberdade, de emancipação, de autonomia, do sentido próprio da

finalidade educativa, objeto de perplexidade e de reflexão filosófica do Direito;

9 - o currículo jurídico não é um conceito abstrato, com existência exterior à

experiência humana, é fruto da ação e da experiência humana;

Page 444: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

443

10 - o currículo jurídico é uma construção cultural;

11 - não se trata, por isso, simplesmente de uma mera construção normativa

positivista permanente e imutável, pois conclui-se que o currículo jurídico é, além de

uma construção legal, uma construção sobretudo cultural, cujo conteúdo está

permeado de discursos, relações de poderes, interesses, escolhas e valores;

12 - o currículo jurídico é, portanto, uma construção metajurídica; constata-se

além da lei, filosofias, escolhas, comportamentos, valores e cultura, a par de

intenções e finalidades educativas, porque diz respeito, sobretudo, àquilo que a

instituição de ensino faz e para quem faz, ou deixa de fazer para a educação

superior brasileira;

13 - a própria construção do Direito permite mudança e movimento; a

construção do currículo jurídico permite, por sua vez, dentro de uma perspectiva

epistemológica aberta e flexível, reorganizar-se, reconfigurar-se e, desconstruir-se;

14 - a construção do currículo e de suas diretrizes no ensino jurídico deve ser

elaborada autonomamente, nunca de forma heterônoma;

15 - a construção do currículo jurídico e/ou sua desconstrução dá-se num

contexto consensual, do qual devem participar, de maneira dialógica, todos os

sujeitos envolvidos no processo educacional para a sua configuração;

16 - a educação jurídica deve, mediante seu currículo e suas diretrizes,

instaurar, no curso de Direito, um processo democrático e integrador que vincule os

sujeitos cognoscentes ao seu ambiente social, afetivo, cultural, econômico, regional

e político;

17 - a educação no século XXI exige, superar os paradigmas curriculares

exclusivamente positivistas e dogmáticos, fechados em si mesmos e com uma visão

burocratizante do conhecimento e do ensino;

18 - as diretrizes curriculares devem implicar a formação do bacharel em

Direito no compromisso com ideais de aplicação da Justiça Social, de superação das

desigualdades sociais, que conduzam à aproximação urgente e efetiva entre

educação, Estado, Direito, Justiça e sociedade;

Page 445: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

444

19 - as diretrizes curriculares do ensino jurídico devem inscrever-se no

princípio fundante e fundador do compromisso do Direito pela construção de uma

sociedade mais justa, solidária e fraterna, pelo desenvolvimento coletivo e individual

voltado à cidadania, à formação e ao desenvolvimento ético, integral, responsável e

digno do bacharel em Direito.

Page 446: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

445

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (verbete educação). ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo Dálmas. As diretrizes curriculares e o desenvolvimento das habilidades e competências nos cursos de Direito: o exemplo privilegiado da assessoria jurídica popular. Anuário ABEDi, Florianópolis: Fundação

Boiteux, ano 3, p. 83-105, 2005. ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. ADORNO, Theodor Wiesengrund. Teoria estética. Portugal: Edições 70, 2006.

______. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. 3. ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1995. ______. A indústria cultural e a sociedade. Tradução de Amélia Cohn. 4. ed. São Paulo: Nacional, 1978. AGUIAR, Roberto. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de

Janeiro: DP&A, 2004. AGUIAR, Roberto A. R. de. A crise da advocacia no Brasil: diagnóstico e perspectivas. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1999. ALMEIDA JÚNIOR, A. de. Relatório geral da comissão. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 13, p. 38-48. ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Frederico de. Os atuais objetivos do ensino de Direito no Brasil. In: CERQUEIRA, Daniel Torres de; CARLINI, Angélica; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. (Org.). 180 anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: Millenium; ABEDi, 2008. p. 171-209. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Tradução de Walter José

Evangelista; Maria Laura Viveiros de Castro. 10. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ÁLVAREZ, María Nieves et al. Valores e temas transversais no currículo. Tradução de Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2002. (Coleção Inovação Pedagógica, 5). ALVES, Elizete Lanzoni. A interdisciplinaridade no ensino jurídico: construção de uma proposta pedagógica. In: MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. (Org.). O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 17-35. ALVES, Maria Palmira Carlos. Currículo e avaliação: uma perspectiva integrada.

Portugal: Porto, 2004. (Colecção Currículo, Políticas e Práticas; 21).

Page 447: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

446

ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais... São Paulo: Verus, 2005.

______. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. 2. ed. São Paulo:

Loyola, 1999. ______. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 6. ed. São Paulo: Papirus, 2001. APPLE, Michael W.; BURAS, Kristen L. Currículo, poder e lutas educacionais:

com a palavra os subalternos. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2008. APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. Tradução de João Menelau Paraskeva.

Portugal: Porto, 1999. (Colecção Currículo, Políticas e Práticas; 12). ARAGÃO, Alexandre Santos de. A autonomia universitária no Estado contemporâneo e no Direito Positivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2001. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006. ______. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996.

ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Tradução de

Antônio Abranches; Cesar Augusto R. de Almeida; Helena Martins. 5. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. ______. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2001. (Prefácio Celso Lafer). ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Édson Bini. 2. ed. São Paulo: EDIPRO, 2007. ______. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1998. (Livro II, “Do cidadão e da cidade”; capítulo VI, “Da eugenia e da educação”, p. 65-84). ______. Tópicos. Tradução de Leonel Vallandro; Gerd Bornheim da versão inglesa

de W. A. Pickard. São Paulo: Victor Civita, 1973. (Coleção Os Pensadores). ARNAUD, André-Jean. Globalização e Direito I: impactos regionais e transnacionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. ______. Perfil do advogado no limiar do século XXI. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), XIII., 1990. Anais... 1990. Textos 22-23.

Page 448: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

447

ASSOCIAÇÃO Brasileira de Ensino - ABEDi. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 3,

n. 3, p. 01-264, 2005. ______. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 2, n. 2, p. 01-210, 2004. ______. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 1, n. 1, p. 01-216, 2003. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação: NBR 14724. Rio de

Janeiro, 2005. ______. Informação e documentação: numeração progressiva das seções de um documento escrito: apresentação: NBR 6024. Rio de Janeiro, 2003.

______. Informação e documentação: citações em documentos: apresentação:

NBR 10520. Rio de Janeiro, 2002. ______. Informação e documentação: referências: elaboração: NBR 6023. Rio de Janeiro, 2002. ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni. Federação e competência para legislar: estudo

de um caso. Bauru: EDITE, 2006. AZANHA, José Mario Pires. Parâmetros curriculares nacionais e autonomia da escola. International Studies on Law and Education. Revista On-line Editora Mandruvá, n. 3, p. 1-10, 17 mar. 2006. Disponível em: <http://www.hottopos.com/harvard3/zemar.htm>. Acesso em: 10 out. 2008. AZEVEDO, Joaquim. O primado ao fazer saber-ser. In: CARNEIRO, Roberto. (Coord.). Ensino secundário: desafios e alternativas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 132. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma

psicanálise do conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BARAÚNA, Silvana Malusá; SILVA, Valéria Alves. Saberes e formação pedagógica: pensando a prática da docência universitária. In: FONSECA, Selva Guimarães. (Org.). Currículos, saberes e culturas escolares. 4. ed. São Paulo: Alínea, 2007. p. 207-225. BARRIGA, Angel Diaz. El currículo escolar: surgimiento y perspectivas. Buenos

Aires: REI, 1992. BARRIGA, I. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, M. V. O. O currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 159-176.

BARTHOLY, Marie-Claude; DESPIN, Jean-Pierre. La gestion de l’ignorante. Paris:

PUF, 1993.

Page 449: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

448

BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. 2. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2000. ______. (Org.). Os cursos jurídicos e as elites políticas brasileiras. Brasília: Câmara dos Deputados, 1978. ______. O novo currículo e as tendências do ensino jurídico no Brasil. In: OAB. Ensino Jurídico: novas diretrizes curriculares. 2. ed. Brasília: OAB, 1996. BAZARIAN, Jacob. Intuição heurística: uma análise científica da intuição criadora. 3. ed. ampl. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. BEISIEGEL, Celso de Rui. Dicionário de educadores do Brasil. Rio de Janeiro:

UFRJ; Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2002. BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção Justiça e Direito). BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo:

Nova Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores). BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Tradução de Francisco M. Guimarães. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. BERTICELLI, Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber. (Org.). O currículo nos limites do contemporâneo. 4. ed. Rio de Janeiro:

DP&A, 1999. p. 159-176. BETTI, Emilio. Interpretazione della legge e degli atti giuridici. Milano: Giuffrè, 1949. BEYER, Landon; LISTON, Daniel. Curriculum in conflict: social visions,

educational agendas and progressive school reform. New York: Teachers College Press. BIANCHETTI, Lucídio; JANTSCHI, Ario Pauyklo. (Org.). Interdisciplinaridade: para

além da filosofia do sujeito. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. BILAC, Olavo. Poesias. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. ______. Curso de Filosofia Aristotélica: leitura e interpretação do pensamento

aristotélico. Barueri: Manole, 2003. ______. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001.

Page 450: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

449

BLEGER, José. Temas de Psicologia: entrevistas e grupos. 4. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1987. BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o Direito: conforme lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997. ______. Um ensaio de sistematização do Direito Educacional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, ano 33, n. 131, p. 37, jul./set.

1966. BOAVENTURA, Elias. Universidade e Estado no Brasil. Piracicaba: UNIME, 1989. (Coleção Série aberta). ______. A Educação e o Direito: conforme lei nº 9.394/96. Belo Horizonte: Nova

Alvorada, 1997. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. Tradução de Márcio Pugliesi; Edson Bini; Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918.

______. How to make a curriculum? Boston: Houghton Mifflin, 1924.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 4. ed.

Brasília: OAB, 2002. BORDAS, Merion Campos. Currículo interdisciplinar: proposições e testagem da viabilidade de um modelo. 1976. 263 f. Tese (Livre-Docência em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1976. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma

teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. (Coleção Textos Fundantes de Educação). BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. Escritos de educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p. 71-79. (Coleção Ciências Sociais da Educação). ______. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 11. ed. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 2007. BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE passo a passo - lei nº 10.172/2001: discussão dos objetivos e metas do plano nacional de educação. São Paulo: Avercamp, 2006. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2008.

Page 451: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

450

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação Superior. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/sesu/diretriz/curric.htm>. Acesso: 20 ago. 2008. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Relatório final do grupo de trabalho MEC-OAB. Brasília, DF, mar. 2005. BRASIL. MARE. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, nov. 1995. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Planejamento Político Estratégico. Brasília: MEC, maio, 1995. BRITO, Talamira Rodrigues; CUNHA, Ana Maria de Oliveira. A cultura acadêmica e os saberes produzidos na docência universitária. In: FONSECA, Selva Guimarães. (Org.). Currículos, saberes e culturas escolares. São Paulo: Alínea, 2007. p. 183-206. BRUNER, J. Actual minds, possible worlds. Cambridge University Press, 1986.

______. The process of education. Cambridge, MA: Harvard University Press,

1965. BUNGE, Mário. Epistemologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980. BUTTURA, Ivanira Maria. Projeto político-pedagógico: concepção que se define na prática. Passo Fundo: UPF, 2005. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. 3. ed. São

Paulo: UNESP, 1999. CAMPANERUT, Franciane Zanetti. Estudo do processo de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais ao Projeto Político-Pedagógico dos cursos oferecidos pelo IQ - USP. 2007. 99 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências) − Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Tradução de A. Menezes Cordeiro. 3. ed. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 2002. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. ______. OAB – sociedade e Estado. Novos paradigmas, novos saberes, novos direitos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, XIII., 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 1990. p. 106.

CAPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988.

Page 452: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

451

CAPUTO, J. D. (Org.). Deconstruction in a nutshell: a conversation with Jacques

Derrida. New York: Fordam University Press, 1998. CARBONNIER, Jean. Flexible droit. Paris: Thémis, 1967. CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. (Org.). 180 anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: Millennium,

2008. CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. A aprendizagem baseada em problemas e o ensino jurídico no Brasil: reflexões sobre a viabilidade desse novo paradigma. Revista Anuário da ABEDi, Florianópolis, ano 2, p. 13-21, 2004. CARNEIRO, Maria Francisca. Estética do Direito e do conhecimento. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. CARNELUTTI, F. Diritto e processo. Napoli: Morando, 1958. CARVALHO, Adalberto Dias de. (Coord.). Dicionário de Filosofia da Educação. Portugal: Porto, 2006. (verbete currículo) CARVALHO, José Sérgio. (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. Rio

de Janeiro: Vozes, 2004. ______. O discurso pedagógico das diretrizes curriculares nacionais: competência crítica e interdisciplinaridade. Cadernos de Pesquisa, n. 112, p. 155-165, mar.

2001. CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. (Coleção Rumos da Cultura Moderna, v. 52). CERQUEIRA, Daniel Torres de; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas: Millennium, 2007. CHACON, Vamireh. Formação das Ciências Sociais no Brasil: da escola do

Recife ao Código Civil. 2. ed. rev. e ampl. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: UNESP, 2008. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e Direito. In: BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 229-245. ______. Os dez mandamentos da ética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. ______. A sedução no discurso: o poder da linguagem nos tribunais de júri. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

Page 453: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

452

CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Histórias de professores que ninguém contou

(mas que todo mundo conhece). São Paulo: Atual, 2002. ______. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. ______. Educação para o trabalho. Diário de São Paulo, São Paulo, p. 4, 28 jun. 2002. ______. Educação: a solução está no afeto. 2. ed. São Paulo: Gente, 2001.

______. O Poder. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999.

CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: UNESP, 2001.

______. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São

Paulo: Companhia das Letras, 2002. CHARLES, Feitosa. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. CHARTERS, Wenett. Curriculum construction. New York: Macmillan, 1923.

CHUBIN, Darly E.; PORTER, Alan; ROSSINI, Frederick A.; CONNOLLY, Terry. Interdisciplinary analysis and research. Lomond Publication Inc.: Mt. Airy, 1986. COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979. COLOM, Antoni J. A (des)construção do conhecimento pedagógico: novas

perspectivas para a educação. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 2004. COLOMER, Josep M. El utilitarismo: una teoría de la elección racional. Montesino,

Barcelona, 1987. COMTE, Augusto. Discours sur l’ensemble du positivisme. 1848. Paris: Flamarion, 1998. CONNOR, Steven. Teoria e valor cultural. Tradução de Adail Ubirajara Sobral;

Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1994. CONTRERAS, Francisco Pelaéz. Direitos sociais: teoria e ideologia. Madrid: Fundação Cultural Enrique Luno Pena, 1994. CONTRERAS, José Domingo. Enseñanza, curriculum y profesorado. Madrid:

Akal, 1991. CORRÊA, Paulo Sérgio de Almeida. (Org.). A educação, o currículo e a formação de professores. Belém: EDUFPA, 2006.

Page 454: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

453

COSSIO, Carlos. La teoria egológica del Derecho y le concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Losada, 1964. COSTA, Marisa Vorraber et al. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

COUNTS, George S. Dare the school build a new social order? Nova York: Jonh

Day, 1932. COUTINHO, Luís Pedro Pereira. As faculdades normativas universitárias no quadro do Direito fundamental à autonomia universitária. O caso das

universidades públicas. Coimbra: Almedina, 2004. COVELLO, Sérgio Carlos. Comenius: a construção da Pedagogia. Tradução de Dora Incontri. 3. ed. São Paulo: Comenius, 1999. CULLER, Jonathan. Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruturalismo.

Tradução de Patrícia Burrowes. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. CUNHA, José Ricardo Ferreira. Direito e estética: fundamentos para um Direito humanístico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. CURY, Carlos Roberto Jamil. Os parâmetros curriculares nacionais. Revista de Educação Brasileira, n. 2, p. 1-17, maio/jun./jul./ago. 1996. DALLARI, Dalmo de Abreu. Por um novo ensino jurídico. Folha de S. Paulo, 20 de jun. de 1994. D‟AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. 2. ed. São Paulo: Palas Athena,

1997. DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. Revista de Ensino Jurídico, Brasília, p. 52-53, 1978-1979. (Encontros da Universidade de Brasília -

UNB). DAVIES, Ivor K. O planejamento de currículos e seus objetivos. Tradução de Marília Lins; Nélio Parra. São Paulo: Saraiva, 1979. DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no século XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.). Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais...

Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 24. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. [verbete Direito]. DEEBREN, Robert. El curriculum no escrito y su relación com los valores. In: SACRISTÁN, José Gimeno; GÓMEZ, A. I. Pérez. (Coord.). La enseñanza: su teoria y su prática. Madrid: Akal, 1985. p. 73-85.

Page 455: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

454

DELBONO, Benedita de Fátima. Os direitos difusos e coletivos como componentes obrigatórios na organização curricular das faculdades de Direito do Brasil. 2007. 197 f. Tese (Doutorado em Relações Sociais) − Programa de Pós-

Graduação em Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007. DELEUZE, Gilles. Para ler Kant. São Paulo: Editora 34. ______. A filosofia crítica de Kant. Lisboa: Edições 70, 2000. DELNOY, P. Initiation aux méthodes d’ application du Droit. Paris: Press Univer-sitaires de Liège, 1989, p. 10-47. DELORS, Jacques. (Org.). A educação para o século XXI: questões e

perspectivas. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005. ______. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2001. DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.

DENCKER, Ada de Freitas Maneti. Pesquisa e interdisciplinaridade no ensino superior. São Paulo: Aleph, 2002. DERRIDA, Jacques. Adeus a Emmanuel Lévinas. Tradução de Fábio Landa; Eva Landa. São Paulo: Perspectiva, 2008. (Coleção Debates; 296). ______. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Per-

rone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Coleção Tópicos). ______. Gramatologia. 2. ed. Tradução de Miriam Chnaiderman; Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, 2006. (Coleção Estudos; 16). ______. Gêneses, genealogias, gênero e o gênio. Tradução de Eliane Lisboa.

Porto Alegre: Sulina, 2005. ______. A universidade sem condição. Tradução de Evando Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. ______. O animal que logo sou. Tradução de Fábio Landa. São Paulo: UNESP,

2002. ______. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Tradução de Fernanda Bernardo. Porto: Campo das Letras, 2001. (Colecção Campo da Filosofia; 7). ______. O olho da universidade. Tradução de Ricardo Iuri Canko; Ignacio Antonio Neis. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. DENKER, Ada de Freitas Maneti. Pesquisa e interdisciplinaridade no ensino superior. São Paulo: Aleph, 2002.

Page 456: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

455

DESCARTES, René. Carta-prefácio dos princípios da Filosofia. Tradução de

Homero Santiago. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Clássicos). DEWEY, John. A escola, a sociedade e a criança e o currículo. Lisboa: Relógio d‟Água, 2002. ______. Democracia e educação. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,

1979. ______. How we think. Boston: D. C. Heath, 1933. D‟HAINAUT, Louis. Educação: dos fins aos objetivos. Lisboa: Almedina, 1980. DIDONET, Vital. Plano Nacional de Educação. 3. ed. Brasília: Líber Livro, 2006. DIJON, X. Methodologie juridique: l‟ application de la norme. 2. ed. Paris: Story Scientia, 1996. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. 12. ed. São

Paulo: Saraiva, 2000. DOLL JÚNIOR, William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. ______. Currículo e controlo. Revista de Estudos Curriculares, Braga, Portugal, v.

2, n. 1, p. 7-40, 2004. Disponível em: <www.iep.uminho.pt/gec/>. Acesso em: 10 out. 2008. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O idiota. Tradução de Paulo Bezerra. 2. ed. São Paulo:

Edições 34, 2003. ______. Os demônios. Tradução de Paulo Bezerra. 2. ed. São Paulo: Edições 34, 2005. DREEBEN, Robert. La enseñanza: su teoria y su práctica. Madrid: Akal, 1985.

DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. 8. ed.

Campinas: Papirus, 2005. EALENTON, Terry. A idéia de cultura. Tradução de Sandra Castello Branco. São Paulo: UNESP, 2005. ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. São Paulo; Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1982. (verbete currículo). ESCRIBANO, Francisco Borja López~Jurado. La autonomia de las universidades como derecho fundamental: la construcción del Tribunal Constitucional. Madri:

Civitas, 1991.

Page 457: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

456

ESTEVEZ, José Lois. Investigación científica y su propedêutica en el Derecho.

Caracas, 1970. (Tomo I). FABRIS, Daury Cesar. A estética do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. FAGÚNDEZ, Paulo Ronay Ávila. (Org.). Retratos dos cursos jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2002.

______. Direito e holismo: introdução a uma visão jurídica de integralidade. São

Paulo: LTr, 2000. FALCÃO, Joaquim. Os advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 1984. (Série Estudos e Pesquisas; 34). FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.

3. ed. São Paulo: Globo, 2001. FARIA, José Eduardo. (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996. FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO, Celso Fernandes. Sociologia Jurídica no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. O que é a interdisciplinaridade? São Paulo:

Cortez, 2008. ______. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1999. ______. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro. São Paulo:

Loyola, 1993. FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. FEITOSA NETO, Inácio José. O ensino jurídico brasileiro: uma análise dos

discursos do MEC e da OAB. Recife: Faculdade Maurício de Nassau, 2007. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. OAB – ensino jurídico. In: OAB - Conselho Federal. Ensino jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas. 2. ed. Brasília:

Conselho Federal da OAB, 1996. p. 283-287. ______. A Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980. ______. Conceito de sistema no Direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.

Page 458: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

457

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Metodologia do ensino jurídico e avaliação em Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.

FONSECA, Selva Guimarães. (Org.). Currículos, saberes e culturas escolares.

São Paulo: Alínea, 2007. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artmed, 1993. FRAGALE FILHO, Roberto; CERQUEIRA, Daniel Torres de. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas: Millennium, 2006. FRAUCHES, Celso da Costa. (Org.). Diretrizes curriculares para os cursos de graduação. Brasília: ABMES, 2008. FRAUCHES, Celso da Costa; FAGUNDES, Gustavo M. LDB anotada e comentada: e reflexões sobre a educação superior. 2. ed. Brasília: ILAPE, 2007. FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire: uma história de vida. São Paulo: Villa das

Letras, 2006. FREIRE, Paulo; SHÖR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 11. ed. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 2003. ______. Educação como prática da liberdade. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. ______. Pedagogia dos sonhos possíveis. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2001.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 29. ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura). FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo leitura da palavra. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. ______. Pedagogia e mudança. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

______. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

GAMBOGI, Luís Carlos Balbino. Direito: razão e sensibilidade (as intuições na

hermenêutica jurídica). Belo Horizonte: Del Rey; Universidade FUMEC, 2005.

Page 459: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

458

GARCIA, Maria. Possibilidades e limitações ao emprego da intuição no campo do Direito: considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional -

IBDC, São Paulo, n. 19, abr./jun. 1997. GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. (Org.). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

GILES, Thomas Ransom. História da Educação. São Paulo: EPU, 1987.

GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. Tradução de Antônio Manuel

Hespanha; Manuel Macaísta Malheiros. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em

educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999. GIROUX, Henry A.; McLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o

currículo e os novos mapas políticos e culturais. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma Pedagogia

crítica de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. ______. Praticando estudos culturais nas faculdades de Educação. In: SILVA, T. T. (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995.

______. Teoria e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986.

______. Ideology, culture and the process of schooling. Filadélfia: Temple Uni-

versity, 1984. ______. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez, 1983. GOMES, Heloisa Maria. A ação docente e as reformas da educação profissional: um processo de formação para a mudança. 2003. 136 f. Dissertação (Mestrado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2003. GONÇALVES, Yara Pires. Currículo e prática docente - assistentes sociais no

exercício da docência: aprendizagem do saber ensinar. 2007. 301 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007.

Page 460: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

459

GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. 8. ed. Tradução de Attílio Brunetta.

Rio de Janeiro: Vozes, 2008. ______. Currículo em mudança: estudos na construção social do currículo. Portugal: Porto Editora, 2001. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (p. 340 [verbete educação]; p. 349 [verbete efebo]). GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. GRUMET, Madeleine R. Bitter milk: women and teaching. Amhers: University of Massachusetts Press, 1988. GRUNDY, Shirley. Curriculum: produt ou praxis? London: The Flamer Press, 1987.

GUIMARÃES, Lucélia Tavares. A reformulação curricular da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA): intenções e ações. 2005. 171 f. Dissertação (Mestrado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2005. GUSDORF, Georges. Professores para quê? Para uma Pedagogia da Pedagogia. Tradução de Martins Fontes. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Psicologia e Pedagogia). HÄBERLE, Peter. Teoria de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000. ______. Constituição e cultura: o direito ao feriado como elemento de identidade

cultural do Estado Constitucional. Tradução de Marcos Augusto Maliska; Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico na modernidade. Tradução de Luiz

Sérgio Repa. São Paulo: Martins Fontes, 1990. HALL, S. Race. Culture and communications: looking backward an foward at cultural studies. Rethinking Marxism, n. 5, p. 18, 1992.

HAMILTON, David. Learning about Education: an unfinished curriculum. Princeton: Macgraw-Hill Professi, 1990. HARGREAVES, Andy et al. Aprendendo a mudar: o ensino para além dos conteúdos e da padronização. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Page 461: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

460

HART, H. L. A. O conceito de Direito. Tradução de Antonio Ribeiro Mendes. 3. ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. HARTMANN, Nicolai. Introducción a la Filosofia. México: Universidade Nacional, 1961. HEINEMANN, Fritz. A Filosofia no século XX. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1993. HENKEL, Heinrich. Introducción a la Filosofia del Derecho. Madrid: Taurus, 2000. HERNANDÉS, Fernando; MONTSERRAT, Ventura. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

HERRICK, Vergil. Toward improved curriculum theory. In: CONFERENCE OF CURRICULUM THEORY, 1947, Chicago. Paper. Chicago: The Chicago Press. HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do Direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje. Coimbra: Almedina, 2007. ______. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. 3. ed. Portugal:

Publicações Europa-América, 2003. HESSE, Konrad. Elementos do Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,

1998. HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Tradução de João Vergílio Gallerani Cuter. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ______. Tratado de Filosofia. Buenos Aires: Sudamérica, 1957. p. 392. (Tomo I).

HILDEBRAND, Dietrich Von. Atitudes éticas fundamentais. 2. ed. São Paulo:

Quadrante, 1995. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Passado, presente e futuro do Direito. As arcadas e sua contribuição para o ensino do Direito no Brasil. In: CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. 180 anos do ensino jurídico no Brasil.

Campinas: Millennium, 2007. p. XIII-XXV. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; SELES, Ada Santos; PINTO, Roseli Carlos; PINTO, Rosemeire Carlos. (Org.). O ensino jurídico e a produção de teses e dissertações. São Paulo: Blucher, 2008. HORN, Geraldo Balduíno; GERMINARI, Geyso Dongley. O ensino de história e seu currículo: teoria e método. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

HOURDAKIS, Antoine. Aristóteles e a Educação. Tradução de Luiz Paulo Rouanet.

São Paulo: Loyola, 2001.

Page 462: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

461

HÜBNER, Maria Martha. Guia para elaboração de monografias e projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado. São Paulo: Thompson Learning, 1998. HUMBOLDT, Gerhard. Sobre a organização interna e externa das instituições científicas superiores em Berlim. In: KRETSCHMER, Johannes; ROCHA, João Cezar de Castro. (Org.; trad.). Um mundo sem universidades? Rio de Janeiro:

EdUERJ, 2003. p. 79-100. IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. IANNONE, Leila Rentroia. Reorganização curricular: caminhos de intervenção.

2002. 159 f. Tese (Doutorado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2002. ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Rio de Janeiro: Vozes, 1973.

______. Deschooling society. Nova York: Harper, 1956.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a

mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2000. ______. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Tradução de Ernani Rosa. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Normas da ABNT: comentadas para trabalho científico.

3. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008. JACKONS, Philip. Conceptions of curriculum and curriculum specialistis. In: ______. (Ed.). Handbook of research on curriculum. New York: Macmillan, 1992.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M.

Parreira. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucídio. (Org.). Interdisciplinaridade: para além da Filosofia do sujeito. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de

Janeiro: Imago, 2006. JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro:

Imago, 1976. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Faculdades de Direito ou fábricas de ilusões? Rio de Janeiro: Instituto Direito e Sociedade: Letra Capital, 1999.

Page 463: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

462

JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de Direito. Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, Brasília, DF, v. 16, n. 12, p. 49-74, 1998. KANT, Immanuel. Manual dos cursos de lógica geral. Tradução e apresentação

de Fausto Castilho. 2. ed. Campinas: Unicamp; Uberlândia: Edufu, 2003. ______. Sobre a Pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. 3. ed. Piracicaba: UNIMEP, 2002. ______. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valerio Rohden; António

Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. ______. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos; Alexandre Fradique Morujão. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. ______. Le conflit des facultes. Paris: Vrin, 1973.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed.

São Paulo: Martins Fontes, 1998. (cap. I, “Direito e Natureza”, p. 1-60; cap. VIII, “A interpretação”, p. 387-399). ______. O que é Justiça? A justiça, o Direito e a política no espelho da ciência.

Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. KEMMIS, Stephen. El curriculum: más allá de la teoria de la reproducción. Madrid: Morata, 1988. KERCHOVE, M. Van de; OST, François. Le systeme juridique: entre ordre et

désordre. Paris: PUF, 1988. (Collection Les Voies du Droit). KISHIMOTO, T. M. J. Bruner: contribuição para o desenvolvimento do currículo. 1976. Dissertação (Mestrado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1976. KIRK, Geoffrey S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, Malcom. Os filósofos pré-socráticos: história crítica com seleção de textos. 4. ed. Tradução de Carlos Alberto

Louro Fonseca. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. KLEIN, Julie Thompson. Interdisciplinary - history, theory & practice. Detroit: Wayne State University Press, 1990. KONINCK, Thomas de. Filosofia da Educação: ensaio sobre o devir humano.

Tradução de Márcio Anatole de Sousa Romeiro. São Paulo: Paulus, 2007. (Coleção Filosofia). KOZICKI, Katya. Verbete Jacques Derrida. In: BARRETO, Vicente de Paulo. (Org.). Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 200.

Page 464: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

463

KOZICKI, Katya. Afinal, o que significa uma “Teoria do Direito”? In: CERQUERIA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 20-28. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007 (Coleção Debates; 115). LA MAGNA Charta delle Università Erupée. (Princípios Fundamentais). Simpósio Nono Centenário da Universidade de Bolonha. Itália, 18 set. 1988. In: MORHY, Lauro. Universidade em questão. Brasília: UNB, 2003. v. 1, p. 259-273. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. LAMBERT, Maria Nazareth Mello de Araújo. Análise das diretrizes curriculares no curso de Direito. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Acre, n. 4, p. 177-182, 2005. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3.

ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. (Org.). Dicionário temático do ocidente medieval. Tradução de Hilário Franco Júnior. Bauru: EDUSC; São Paulo:

Imprensa Oficial do Estado, 2002. v. 2. LIBERATI, Wilson Donizete. (Org.) Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. LIMA, Fernando. Reprovação no exame de Ordem. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos905a-reprovação-exame.shtml>. Acesso em: 13 ago. 2008. LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Matar-se a si mesmo é um ato injusto? Revista Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 187-202, jan./jun. 2008. ______. Autonomia universitária e o círculo hermenêutico: educação, direito e cidadania. 2005. 279 f. Dissertação (Mestrado em Direito) − Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005. ______. Autonomia universitária no Direito Educacional brasileiro. São Paulo: Segmento, 2005. ______. O direito à educação. Revista do Instituto de Ensino Superior de Joinville - IESVILLE, Santa Catarina, v. 1, n. 2. mai/jun. 2004. ______. O direito à educação como direito humano fundamental. Revista Jurídica da Universidade de Franca, Franca, v. 7, n. 13, p. 149-161, jul./dez. 2004.

Page 465: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

464

LITTO, Frederic M. A universidade e o futuro do planeta. In: MORHY, Lauro. (Org.). A universidade em questão. Brasília: UNB. v. 1, p. 99-113, 2003. LOBO, Paulo Luiz Netto. Para preservar os padrões de qualidade do ensino jurídico. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 1, p. 123-137, 2003.

______. O novo conteúdo mínimo dos cursos jurídicos. In: OAB - Conselho Federal. Ensino jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. p. 9-12. LOPES, Edson Pereira. O conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São Paulo: Mackenzie, 2003.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 3. ed. São Paulo: Atlas,

2008. LOPES, Ribeiro Casimiro; MACEDO, Elizabeth Fernandes de; ALVES, Maria Palmira. (Org.). Cultura e política de currículo. São Paulo: Junqueira & Marin,

2006. LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no Direito. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2008. v. 1. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de expressões jurídicas. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2002. LUNA, Everardo da Cunha. A fundação dos cursos jurídicos no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. LXXIX, p. 380-

386, jan./dez. 1984. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. LYRA, Doreodó Araújo. (Org.). Desordem e Processo: estudos sobre o Direito em

homenagem a Roberto Lyra Filho na ocasião do seu 60° aniversário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. LYRA FILHO, Roberto. O Direito que se ensina errado. Brasília: Centro Acadêmico

de Direito da UNB, 1980. MCCUTCHEON, Gail. Education criticism: reflections and reconsiderations. Jornal of Curriculum Theorizing, v. 4, n. 1, p. 18, 1982.

MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Rio de Janeiro:

Vozes, 2007. MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O direito à educação na realidade brasileira. São PAULO: LTr, 2003.

MAGEE, Bryan. Confissões de um filósofo. Tradução de Waldéa Barcellos. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

Page 466: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

465

MAGNANI, Ivetti. Ensino superior nos anos 90: ensino, pesquisa e extensão no

cenário neoliberal. 2000. 267 f. Tese (Doutorado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris, 2001. MARCONI, Mariana de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MARÍN, Ricardo Ibánez. Posibilidad y necessidad de la educación. In: MASOTA, Altarejos. (Org.). Filosofia de la educación hoy. Madrid: Dykinson, 1991. MARQUES, Luiz Guilherme. A psicologia do juiz. A priori, nov. 2004. Disponível em: <http:www.apriori.com.br>. Acesso em: 20 jul. 2008. MARQUES, Mara Rúbia Alves. LDB, PCNs e tendências curriculares: uma

interpretação à luz dos movimentos sociais. Campinas: Alínea, 2008. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antigüidade. Tradução de Mário

Leônidas Casanova. 5. ed. São Paulo: EPU, 1990. MARTINES JÚNIOR, Eduardo. Educação, cidadania e Ministério Público: o artigo 205 da Constituição e sua abrangência. 2006. 446 f. Tese (Doutorado em Direito) − Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. MARTÍNEZ, Sérgio Rodrigo. A evolução do ensino jurídico no Brasil. Jus Navigandi,

Teresina, ano 10, n. 969, 26 fev. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8020>. Acesso em: 20 maio 2008. MARTINEZ, Sérgio Rodrigues. Manual da educação jurídica. Curitiba: Juruá, 2003.

MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. 3. ed. Belo Horizonte: UFMG,

2002. MEDEIROS, Emanuel. A Filosofia como centro do currículo na educação ao longo da vida. Portugal: Instituto Piaget, 2005. (Colecção Pensamento e Filosofia).

MEDEIROS, João Bosco; ANDRADE, Maria Margarida de. Manual de elaboração de referências bibliográficas: a nova NBR 6023: 2000 da ABNT - exemplos e comentários. São Paulo: Atlas, 2001. MEILLET, Ernout A. Dictionaire etymologique de la langue latine. Paris: Libraire

C. Klinscek, 1951.

Page 467: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

466

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros,

2008. MELO, Osvaldo Ferreira de. O princípio federativo e a autonomia dos sistemas de ensino. Boletim Jurídico, ano 3, n. 132, p. 2, 2005.

______. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. rev.

ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2000. MELLO, Osvaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. (Tomo 1).

MELLO, Reynaldo Irapuã Camargo. Ensino jurídico: formação e trabalho docente.

Curitiba: Juruá, 2007. MELLO FILHO, José. Direito Educacional: aspectos teóricos e práticos. Revista do Conselho de Educação do Ceará, Fortaleza, n. 8, p. 47-74.

MÉNDEZ, Juan Manuel Alvarez. Didáctica, currículo y evaluación: ensaios sobre

cuestiones didáticas. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2000. MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2006. ______. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.

______. O curso de Filosofia do Direito do professor Armando Câmara. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. MEYER, Dagmar Estermann; KRUSE, Maria Henriqueta Luce. Acerca de diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: um início de reflexão. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 4, n. 56, p. 335-339, jul./ago. 2003. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006.

MINOGUE, Kenneth. O conceito de universidade. Tradução de Jorge Eira Garcia

Vieira. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. MINTO, Lalo Watanabe. As reformas do ensino superior no Brasil: o público e o privado em questão. Campinas: Autores Associados, 2006. (Coleção Educação Contemporânea). MIRANDA, Jorge. Escritos vários sobre a universidade (1969-94). Lisboa: Cosmos, 1995.

Page 468: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

467

MIRANDA, Maria Irene. A formação continuada e o processo de (des)construção da cultura escolar, dos saberes e das práticas docentes. In: FONSECA, Selva Guimarães. (Org.). Currículos, saberes e culturas escolares. São Paulo: Alínea,

2007. p. 167-181. MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra, 1995. MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. (Org.). O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. Tradução de Rosemary Costhek Abílio. 2. ed.

São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Livro I, cap. III; XXVI; XLII; Livro II). MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. ______. Dados preliminares de lógica jurídica. São Paulo, PUC, 1994. p. 84.

(Apostila de curso de pós-gradução em Direito, Faculdade Paulista de Direito.). ______. Os princípios fundamentais do método no Direito. São Paulo: Livraria Martins, 1942. MORA, Ferrater J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. (Tomo II, p.

938, 917-921; Tomo IV, p. 2594-2599). MORAIS, Regis de. A universidade desafiada. Campinas: UNICAMP, 1995. (Coleção Momento). MORANDI, Franc. Modelos e métodos em Pedagogia. Tradução de Maria Leonor

Loureiro. Bauru: EDUSC, 2002. ______. Filosofia da Educação. Tradução de Maria Emília Pereira Chanut. Bauru: EDUSC, 2002. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. A crise da teoria curricular crítica. In: COSTA, Marisa Vorraber. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 11-36. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa et al. (Org.). Currículo: políticas e práticas. 9. ed.

Campinas: Papirus, 2006. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa et al. (Org.). Currículo: questões atuais. 12. ed. Campinas: Papirus, 1997. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; GARCIA, Regina Leite. (Org.). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

Page 469: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

468

MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; GARCIA, Regina Leite; ALVES, Maria Palmira Carlos. (Org.). Currículo, cotidiano e tecnologias. São Paulo: Junqueira & Marin, 2006. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2008. MORGADO, José Carlos. Educar no século XXI: que papel para o(a) professor(a)? In: MOREIRA, A. F. B.; PACHECO, J. A.; GARCIA, R. L. (Org.). Currículo: pensar,

sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 109-137. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. ______. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget,

2003. (Coleção Epistemologia e Sociedade). ______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva; Jeanne Sawaya. 6. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2002. ______. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Tradução de Flávia Nascimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ______. Sobre a Reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 11-25. ______. Saberes globais e saberes locais: o olhar interdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. ______. Para sair do século XX. Tradução de Vera de Azambuja Harvey. 30. ed.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997. MOTTA, Ivan Dias da. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito: paradigmas para construção do projeto pedagógico. Revista Jurídica Cesumar, Centro Universitário de Maringá, v. 6, n. 1, p. 169-197, 2006. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O direito à educação. Rio de Janeiro: Renovar,

2002. NALINI, José Renato. O ensino da justiça (ou a renovação da docência jurídica). In: CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. (Org.). 180 anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: Millennium, 2008. p. 283-292.

Page 470: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

469

NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. ______. Ética geral e profissional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. NASCIMENTO; Evando. (Org.; trad.). Pensar a desconstrução: questões de política, ética e estética. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. NETO, Inácio José Feitosa. O ensino jurídico brasileiro: uma análise dos discursos

do MEC e da OAB. Recife: Editora do Autor, 2007. NEVES, A. CASTANHEIRA. O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia do Direito. Lisboa: Piaget, 2002. NISKIER, Arnaldo. Filosofia da Educação: uma visão crítica. São Paulo: Loyola,

2002. NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre Educação. Tradução e apresentação de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC; Loyola, 2003. NOVÍSSIMO Dicionário Latino-Português. 11. ed. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2000. (verbete curriculum). NÓVOA, Antônio. Currículo e docência: a pessoa, a partilha, a prudência. In: GONÇALVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M. (Org.). Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo: Alínea, 2004. p. 18-29. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da monografia jurídica: como se faz uma monografia, uma dissertação, uma tese. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001. ______. A intuição e o Direito: um novo caminho. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1997. (Coleção Acesso à Justiça). OLIVEIRA, André Macedo de. Ensino jurídico: diálogo entre teoria e prática. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Filosofia da Educação: reflexos e debates. Rio de Janeiro: Vozes, 2006. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Conselho Federal. Ensino jurídico: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília: OAB, 1997. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Conselho Federal. Ensino jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas. 2. ed. Brasília: OAB, 1996.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Ensino jurídico: novas diretrizes

curriculares. Brasília: OAB, 1996.

Page 471: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

470

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Conselho Federal. Ensino jurídico: parâmetros para a elevação de qualidade e avaliação. 2. ed. Brasília: OAB, 1996. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Perfil do advogado brasileiro.

Brasília: OAB, 1996. ORTEGA Y GASSET, José. Missão da universidade. Tradução de Dayse Janet Löfgren Carnt; Helena Ferreira. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Tradução de Paulo

Neves. São Leopoldo: UNISINOS, 2007. ______. O tempo do Direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru, SP: EDUSC, 2005. OST, François; KERCHOVE, M. Van. Le systeme juridique: entre ordre et

desórdre. Paris: PUF, 1988. (Collection Les vois du Droit). O‟SULLIVAN, Edmund. Aprendizagem transformadora: uma visão educacional para o século XXI. Tradução de Dinah A. de Azevedo. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire, 2004. OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005.

______. Políticas curriculares: referenciais para análise. Porto Alegre: Artmed,

2003. PACHECO, José Augusto; MORGADO, José Carlos. Construção e avaliação do projecto curricular de escola. Portugal: Porto, 2002. (Colecção Educação; 19).

PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. 3. ed. atual. Portugal: Porto,

2001. (Colecção Ciências da Educação; 22). PAIVA, Vanildo. Filosofia, encantamento e caminho: introdução ao exercício de filosofar. São Paulo: Paulus, 2002. (Coleção Filosofia). PAIXÃO, Elisa Maria Cordeiro da. Epistemologia e currículo. 1987. 206 f. Tese

(Doutorado em Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987. PALMER, Joy A. 50 grandes educadores: de Confúcio a Dewey. Tradução de

Mirna Pinsky. São Paulo: Contexto, 2005. PASSMORE, J. The Philosophy of teaching. Londres: Duckworth, 1984.

Page 472: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

471

PATRÍCIO, Manuel Ferreira. Lições de axiologia educacional. Lisboa:

Universidade Aberta, 1990. PENA-VEGA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. (Org.). O pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Garamond,

1999. PEREIRA, Aloysio Ferraz. Reforma curricular: perfumarias fundamentais. Revista de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Piracicaba, Piracicaba, v. 9, n.

20, p. 14, 2005. PEREIRA, Antonio Jorge da Silva; SILVA, Cinthya Nunes Vieira da; MACHADO, Décio LENCIONI; COVAC, José Roberto; FELCA, Narcelo Adelqui. (Coord.). Direito educacional: aspectos práticos e jurídicos. São Paulo: Quartier Latin, 2008. PEREIRA, Maria Clara Infante et al. Análise da prática pedagógica: a interdisciplinaridade no fazer pedagógico. Revista de Educação e Sociedade, São

Paulo, n. 39, p. 287, ago. 1991. PERRENOUD, Philippe; THURNER, Monica Gather; MACEDO, Lino de; MACHADO, Nílson José; ALESSANDRINI, Cristina Dias. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Tradução de Claúdia Schilling; Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000. PERROUX, François. Note sur la notion de pôle de croissance. Économi Appliquée, Paris, n. 7, p. 376, 1955.

PESSOA, Fernando. Obra poética: poemas completos de Alberto Caeiro. 3. ed. Rio

de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. (Coleção Biblioteca Luso-Brasileira, Série Portuguesa). PETEV, V. Metodología y ciencia jurídica en el umbral del siglo XXI. Colômbia:

Universidad Externado de Colombia, 1996. PIAGET, Jean. Science of education and the psychology of the child. New York: Viking Press. ______. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.

______. Biology and knowledge. Chicago: University of Chicago Press, 1971.

PINAR, William F. O que é a teoria do currículo? Portugal: Porto, 2007. (Colecção

Currículo, Políticas e Práticas; 25). ______. Contemporary curriculum discourses: twenty years of JCT. New York: Peter Lang, 1999.

Page 473: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

472

PINAR, William F.; GRUMET, Madeleine R. Toward a poor curriculum. Dubuque:

Kendall/Hunt, 1976. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. PLATÃO. A República. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2006.

Livro VII. (Coleção Textos; 19). ______. Diálogos: Protágoras, Górgias, Fedão. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 2. ed. rev. Belém: EDUFPA, 2002. ______. Diálogos: Teeteto, Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3. ed. rev.

Belém: EDUFPA, 2001. ______. Diálogos: O Banquete, Apologia de Sócrates. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 2. ed. rev. Belém: EDUFPA, 2001. ______. Mênon. Tradução de Maura Iglésias. Rio de Janeiro: Loyola; PUC, 2001.

(§ 97 e 98). ______. As Leis: incluindo Epinomis. Tradução e introdução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 1999. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. (Tomo IV, arts. 157-218, p. 37; 187). PÔRTO, Inês da Fonseca. Ensino jurídico, diálogos com a imaginação: construção do projeto didático no ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000. PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. 2. ed. Campinas: Millenium, 2003. QUICKE, John. A curriculum for life. Buckingham-Philadelphia: Open University

Press, 1999. RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia universitária: as universidades públicas e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: EDUSP, 1994. ______. Educação superior, Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº

9.394/96). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2. ed. Tradução de Almiro Pisetta; Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleção Justiça e Direito). REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: patrística e escolástica.

São Paulo: Paulus, 2003. v. II.

Page 474: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

473

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. 5. ed. rev. e reest. São Paulo:

Saraiva, 2003. ______. O Direito como experiência: introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. ______. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. (Cap. XLVI, p. 699

et seq.). ______. Horizontes do Direito e da História. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 2000. ______. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1999.

______. Lições preliminares de Direito. 11. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1984.

REALE JÚNIOR, Miguel. Variações sobre a educação. O Estado de S. Paulo, p. 3,

31 out. 1998. RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de Filosofia del Derecho. 3. ed. México: Porrúa, 1965. ______. Panorama del pensamento jurídico en el siglo XX. México: Porrúa, 1963.

Tomo 1, p. 242; 536-547. RIBAS, José. Desafios e prioridades para a reforma do ensino jurídico. In: OAB. Conselho Federal do ensino jurídico: diagnósticos, perspectivas, propostas.

Brasília: OAB, 1996. p. 177-191. RIBEIRO, Antonio. Desenvolvimento curricular. Lisboa: Texto, 1990. RIBEIRO, José Dias. A realização do ser humano: para a história das idéias em Educação e Pedagogia. Lisboa: Didáctica, 2000. RIBEIRO, Nelson de Figueiredo. Administração acadêmica universitária. Rio de

Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977. RISTOLF, Dilvo. A universidade brasileira contemporânea: tendências e perspectivas. In: MOROSINI, Marília. (Org.). A universidade no Brasil: concepções

e modelos. Brasília: INEP; ANPED, 2006. ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. A organização curricular dos cursos de graduação: o que mudou com a nova legislação educacional brasileira. In: CORREA, Paulo Sérgio de Almeida. (Org.). A educação, o currículo e a formação de professores. Belém: EDUFPRA, 2006. p. 17-50.

ROCHA, Ronai Pires. O ensino de Filosofia e currículo. Rio de Janeiro: Vozes,

2008.

Page 475: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

474

RODHEN, Huberto. Educação do homem integral. 2. ed. São Paulo: Alvorada,

1979. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A flexibilidade e o Direito Educacional brasileiro. Revista @prender Virtual, p. 26-29, set./out. 2002. Disponível em:

<www.aprendervirtual.com> Acesso em: 20 abr. 2006. ______. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. RODRIGUES, Horácio Wanderlei; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2002. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. ______. Ensino jurídico e Direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993.

ROMANO, Santi. L’ordinamento giuridico. 2. ed. Firenze: Sansoni, 1951.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2000. (Cap.

IX). ROUSSEAU, J. J. Do contrato social: princípios do Direito político. Tradução de J. Cretella Jr.; Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. (Livro I, cap. I, p. 19). ______. Emílio ou Da Educação. 2. ed. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999. (Livro I, p. 7-64). SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto

Alegre: Artmed, 2000. SACRISTÁN, José Gimeno; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Tradução de Ernani F. da Fonseca Rosa. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SACRISTÁN, José Gimeno. El curriculum: una reflexión sobre la práctica. Madrid:

Morata, 1988. SALVADOR, Cesar Cool. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, 1997. SAMPAIO, Anita Lapa Borges de. Autonomia universitária. Um modelo de

interpretação e aplicação do artigo 207 da Constituição Federal. Brasília: UNB, 1998. SANT‟ANA, Alayde Avelar Freire. Novos saberes, novas práticas jurídicas: sentidos emancipatórios para o ensino jurídico. Universidade de Brasília. Disponível em: <http://www.unb.br/fb/publicaçoes_relatos.htm>. Acesso em: 25 maio 2008.

Page 476: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

475

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Seleção de Textos. Tradução de Luiz João Baraúna.

São Paulo: Nova Cultural, 1998. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Tradução de Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 1998. SANTOS, André Leonardo Copetti; MORAIS, José Luis Bolzan de. O ensino jurídico e a formação do bacharel em Direito: diretrizes político-pedagógicas do curso de Direito da Unisinos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. v. 1. (Coleção Biblioteca Básica do Curso de Direito da Unisinos). SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp, 2002. (Prefácio de Gabriel Chalita). ______. Acesso a que justiça: novos argumentos para o debate acerca do ensino jurídico no Brasil. In: REIGOTA, João Manoel dos Santos et al. Direito, ciência e arte: estudos jurídicos interdisciplinares. Campinas: Edicamp, 2001. p. 33-62.

SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade do século XXI. São Paulo:

Cortez, 2006. (Coleção Questões da Nossa Época; 120). ______. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003. ______. (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo

multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ______. A igualdade pela diferença. Correio Braziliense, Brasília, p. 6-7, 25 jan. 2003. Caderno Pensar. ______. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. Porto: Afrontamento, 2002.

______. Introdução a uma ciência pós-moderna. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal,

1989. SANTOS, Sidney Francisco Reis do. A vivência da interdisciplinaridade: uma nova perspectiva para o operador jurídico. In: SANTOS, Sidney Francisco Reis dos; MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni. (Org.). O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p.

35-50. SARAIVA, Paulo Lopo. Direito, política e justiça na contemporaneidade. Campinas: Edicamp, 2002. SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo Dicionário Latino-Português. 11. ed. Rio

de Janeiro; Belo Horizonte: Livraria Garnier. 2000. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

Page 477: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

476

SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes. Tradução de Alcione Araújo; Pedro

Hussak. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. ______. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Vergílio Ferreira. Lisboa: Editorial Presença, 1998. SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva, 1974.

SCHELER, Max. A concepção filosófica do mundo. Portugal: Elementos

Sudoeste, 2003. ______. Posição do homem no cosmo. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. (Coleção Fundamentos do Saber). SCHUBERT, W. Curriculum: perspective, paradigm and possibility. New York:

Macmillam Publ. Comp., 1986. SCHWARTZMAN, Jacques; SCHWARTZMAN, Simon. O ensino superior privado como setor econômico. Revista Ensaio, Rio de Janeiro, v. 10, n. 37, p. 405-560,

out./dez. 2002. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. (Coleção Aprender Ensinar). SEVERINO, Antonio. Educação e transdisciplinaridade. São Paulo: Lucena, 2005.

SILVA, Fábio Costa Morais de Sá e. Ensino jurídico: a descoberta de novos

saberes para a democratização do Direito e da sociedade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo:

Malheiros, 2001. SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto, 2000. (Colecção Currículo, Políticas e Práticas; 2). SILVA, Vasco Pereira da. A cultura a que tenho direito: direitos fundamentais e

cultura. Coimbra: Almedina, 2007. SILVESTRE, Araújo. Calvino e a resistência ao Estado. São Paulo: Mackenzie, 2003. SOUZA, Carlos Aurélio Mota. As tendências contemporâneas da ideologia e práticas jurídicas. In: ZIMERMAN, David; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo:

Millenium, 2008. p. 3-22. SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. LDB e educação superior: estrutura e funcionamento. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

Page 478: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

477

STENHOUSE, Lawrence. Investigación y derarollo del curriculum. Madrid:

Morata, 1984. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (em crise). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. TAGLIANI, João Virgílio. Aprender Direito: para além do ensino fragmentado. São

Carlos: [s.n.], 2005. ______. A ousadia de um novo ensino jurídico. Revista Anuário da ABEDi, ano 2, p. 205-228, 2004. TANNER, Daniel. Curriculum development. New York: McMillan Publishing Co.,

1975. TAYLOR, Frederick W. Princípios da administração científica. São Paulo: Atlas, 1970. TEIXEIRA, Anísio Spínola. Ensino Superior no Brasil: análise e interpretação de

sua evolução até 1969. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. v. 10. ______. A educação e a crise brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. v. 5. ______. Pequena introdução à Filosofia da Educação. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. ______. Educação no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.

______. Educação é um Direito: bases para um plano de organização do sistema

democrático de educação no Brasil. 1958. 98 f. Tese (Doutorado em Livre Docência) − Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1958. TELLES JÚNIOR, Goffredo. Palavras do amigo aos estudantes de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. ______. Iniciação na Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001.

______. O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 5. ed.

São Paulo: Max Limonad, 1971. ______. Filosofia do Direito. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1. TERADA, Raquel Sano Suga; NAKAMA, Luiza. (Org.). A implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais de Odontologia: a experiência de Maringá. São

Paulo: Hucitec; Londrina: Rede Unida; Brasília: ABENO, 2004. TERIGI, Flávia. Notas para uma genealogia do curriculum. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 159-186, jan./jun. 1996.

Page 479: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

478

TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. 5. ed. São Paulo: Record, 1994.

TOULMIN, S. Return to cosmology. Berkeley: University of California Press, 1982.

TRINDADE, André. (Coord.). Direito Educacional: sob uma ótica sistêmica.

Curitiba: Juruá, 2007. TRINDADE, Hélgio. (Org.). O positivismo: teoria e prática. Brasília: UNESCO, 2007. ______. A urgência da autonomia universitária. In: MORHY, Lauro. (Org.). Universidade em questão. Brasília: UNB, 2003. v. 1, p. 259-273.

TRONCA, Dinorah Sanvitto. Transdisciplinaridade em Edgar Morin. Rio Grande

do Sul: EDUCS, 2006. TROPER, Michel. A Filosofia do Direito. Tradução de Ana Deiró. São Paulo: Martins Fontes, 2008. (Coleção Tópicos Martins). TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. Tradução de Leonel

Vallandro. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1976. UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL. Projeto Pedagógico do Curso de Direito. São Paulo: UNICSUL, 2008. UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL. Projeto de Desenvolvimento Institucional.

São Paulo: UNICSUL, 2008. VALDEMARIN, Vera Teresa. Pedagogia, educação da infância e o futuro do homem: porque ler Rousseau hoje. In: PAGNI, Pedro Ângelo; SILVA, Divino José da. (Org.). Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Avercamp, 2007. p. 146-164. VAN ACKER, Leonardo. Curso de Filosofia do Direito. Revista da Universidade Católica, São Paulo, v. 34, n. 65-66, p. 143, 1968.

VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho; BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de educação em Paulo Freire. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Mack Pesquisa, 2006. VEIGA NETO, Alfredo. Michel Foucalt e os estudos culturais. In: COSTA, M. (Org.). Estudos culturais em educação. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 53. VENANCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. (Coleção Estudos; 57). VENERIO, Carlos Magno Spricigo. A introdução ao estudo de Direito. In: CERQUERIA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. São Paulo:

Millenium, 2006. p. 2-12. VENTURA, Deyse. Ensinar Direito. São Paulo: Manole, 2004.

Page 480: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

479

VILANOVA, Lourival. O Direito Educacional como possível ramo da ciência jurídica. In: SEMINÁRIO DE DIREITO EDUCACIONAL, 1977, Campinas. Anais... Campinas: Universidade Estadual de Campinas, CENTAU, 1977. p. 59-75. VILLELA, João Baptista. Uma formação jurídica para os novos tempos. Separata n. 17 da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1967. VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: definições e fins do Direito – os meios do Di-reito. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Justiça e Direito). VINCENTI, Luc. Educação e liberdade: Kant e Fichte. Tradução de Élcio Fernandes. São Paulo: UNESP, 1994. VON HILDEBRAND, Dietrich. Atitudes éticas fundamentais. São Paulo:

Quadrante, 1995. WARAT, Luis Alberto. Sobre a impossibilidade de ensinar Direito: notas polêmicas para a desescolarização do Direito. In: FAGÚNDES, Paulo Ronay Ávila. (Org.). Retratos dos cursos jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 345-380. ______. Introdução geral ao Direito: o Direito não estudado pela teoria jurídica

moderna. Porto Alegre: Fabris, 1997. v. 3. ______. O Direito e sua linguagem. 2. ed. aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. WARAT, Luis Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino jurídico e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977. WEIL, Pierre. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2000. WEIL, Pierre; D‟AMBROSIO, Ubiratan; CREMA, Roberto. Rumo à nova transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento. São Paulo: Sumus, 1993. WINCH, Chistopher; GINGELL, John. Dicionário de Filosofia da Educação.

Tradução de Renato Marques de Oliveira. São Paulo: Contexto, 2007. [verbete currículo]. WHITEHEAD, A. N. The aims of education and other essays. Londres: Collier

Macmillan Publishers, 1967. WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. ZIMMERMAN, David; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 2. ed. Campinas: Millennium, 2008.

Page 481: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

480

ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, educação e currículo no Brasil: dos jesuí-

tas aos anos de 1980. Campinas: Autores Associados, 2004. Referências Legislativas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil.

14. ed. rev., ampl. e atual. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. (Atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil.

Alexandre de Moraes. (Org.). 29 ed. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. (Atualizada até a Emenda Constitucional nº 56). BRASIL. Decreto Presidencial de 13 de maio de 2008. Dispõe sobre a designação dos membros para compor a Câmara do Conselho Nacional de Educação (CNE). Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 91, 14 maio 2008. Seção 2, p. 02.

BRASIL. Código de Processo Civil e Constituição Federal. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2008. Art. 127, p. 619; art. 335, p. 642 do Código de Processo Civil. BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 72, 15 abril 2004. Seção 1, p. 03-04. BRASIL. Decreto Presidencial n° 5.225, de 1º de outubro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 191, 04 out. 2004. Seção 1, p. 05. BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 2003.

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001.

BRASIL. Decreto Presidencial nº 3.860, de 08 de julho de 2001. Dispõe sobre a organização do ensino superior, avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n.

132, 10 jul. 2001. Seção 1. BRASIL. Lei nº 9.795, 27 de abril de 1999. (Educação Ambiental) Dispõe sobre educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 abr. 1999. BRASIL. Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. Diário Oficial da União, 13 fev. 1998, retificada em 31 de fevereiro de 1998. Seção 1, p. 1.

Page 482: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

481

BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (EOAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 jul. 1994.

BRASIL. Medida Provisória nº 661, de 18 de outubro de 1994. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e da lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 19 out. 1994. Seção I, p. 15.799 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. (Código do Consumidor). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. (Suplemento). BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. (ECA) Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 de jul. de 1990, e retificada em 27 de set. de 1990. BRASIL. Lei nº 314, de 30 de outubro de 1895 (Reorganiza o Ensino das Faculdades de Direito). Coleção das Leis do Brasil. Publicada na imprensa nacional em 31 dez. 1985. p. 001.000031.1. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 de abr. 1981. BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.

4, p. 010369. BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 27 dez. 1961. Col. 1, p. 0011429. BRASIL. Decreto nº 1.386, de 28 de abril de 1854. Dá novos estatutos aos cursos jurídicos. Coleções das Leis do Brasil. Base de dados de legislação do Senado

Federal. Disponível em: <www.senado.gov.br.legislação>. Acesso em: 10 ago. 2008.

Page 483: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

482

BRASIL. Carta de Lei nº 1.827, de 11 de agosto de 1827. Crêa dous Cursos de sciencias jurídicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda. Registrada na Chancelaria-mór do Império do Brazil, fls. 83, do Livro 1º de Cartas, Leis e Alvarás. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. p. 5-7. Base de dados de legislação do Senado. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1800-1850/L1827.htm>. Acesso em: 25 maio; 10 ago. 2008. Portarias Ministério da Educação (MEC)

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.785, de 9 de agosto de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 10. ago. 2001. Seção 1-E, p. 100. BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.252, de 21 de junho de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 22 jun. 2001. Seção 1-E, p. 102.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 3, de 9 de janeiro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 10 jan. 1996. Seção 1, p. 348. BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan. 1995. Seção 1, p. 238.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 893, de 24 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, 25 jun. 1993. Seção 1, p. 8.506. Pareceres do Extinto Conselho Federal de Educação (CFE)

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 153/1986. Documenta (303), Brasília, DF, p. 99, mar. 1986.

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 224/1984. Documenta (280), Brasília, DF, p. 7, abr. 1984. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 383/1983. Documenta (272), Brasília, DF, p. 152, ago. 1983.

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 124/1982. Documenta (256), Brasília, DF, p. 111, mar. 1982. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 1.082/1980. Documenta (239), Brasília, DF, p. 107, out. 1980.

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 450/1980. Documenta (234), Brasília, DF, p. 472, maio 1980. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 934/1979. Documenta (224), Brasília, DF, p. 433, jul. 1979.

Page 484: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

483

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 912/1979. Documenta (224), Brasília, DF, p. 407, jul. 1979. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 170/1979. Documenta (219), Brasília, DF, p. 116, fev. 1979.

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 20/1977. Documenta (194), Brasília, DF, p. 27, jan. 1977. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 1.364/1974. Documenta (162), Brasília, DF, p. 115, maio 1974.

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 660/1974. Documenta (160), Brasília, DF, p. 231, mar. 1974. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 225/1973. Documenta (147), Brasília, DF, p. 146, fev. 1973.

BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Resolução nº 3/72. Documenta (140): 566, jul. 1972. Diário Oficial da União, 26 jul.1972. Seção 1, PT. 1, p. 6.623. BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962. Pareceres Conselho Nacional de Educação (CNE)

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 329/2004. Dispõe sobre carga horária mínima dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial. Aprovado em 11 de nov. de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 dez. 2004. Seção 1, p. 269. BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 55/2004. Dispõe sobre diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito. Aprovado em 18 de fev. 2004. Reexaminado pelo Parecer nº 211/2004. Documenta (509), Brasília, DF, fev. 2004.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2004. Documenta (513), Brasília, jul. 2004.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 55/2004, aprovado em 18 de fev. de 2004. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito. Reexaminado pelo Parecer CNE/CES nº 211/2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2004.

Seção 1, p. 25-26.

Page 485: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

484

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2003. BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 146/2002, aprovado em 3 de abril de 2003. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Direito, Ciências Econômicas, Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design. Revogado pelo parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27

mar. 2003. Seção 1, p. 15. BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 1/2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 8. BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 9. BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2001.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 1.070/1999, aprovado em 23 de novembro de 1999. Dispõe sobre critérios para autorização e reconhecimento de cursos de Instituições de Ensino Superior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 jan. 2000. BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 527/1999, aprovado em 8 de junho de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 jun. 1999. Documenta (453), Brasília, DF, jun. 1999. BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997. Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE)

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.

Page 486: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

485

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior

(CES). Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001. Estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9

abril 2001. Seção 1, p. 12. Alterada pela Resolução CNE/CES nº 24, de 18 de dezembro de 2002. BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior

(CES). Resolução CNE/CES nº 3/1999. Fixa as condições de validade dos certificados de cursos presenciais de especialização. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 07 out. 1999. Seção 1, p. 52. Revogada pela Resolução nº 1 de 03 de abril de 2001. Homepage e site institucional: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Disponível em: <http: www.mec.gov.br/sesu/diretriz/curric.htm>. Acesso em: 20 de ago. 2008. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Disponível em: <http: portal.mec.gov.br/cne/>. Acessos em: 02 fev. 2008; 10 mar. 2008; 10-12 maio 2008 e 9-12 de fevereiro de 2009. BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/MEC. Disponível em: <http:www.capes.gov.br/Scripts/Avaliação/MEdoReconhecimentosArea/GArea. asp>. Acesso em: 02 fev. 2008. BRASIL. Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP. Disponível em: <http://www.faap.com.br>. Acesso em: 10. jul. 2008. BRASIL. Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Disponível em: <htpp://www.inep.gov.br/superior/sinaes/>. Acesso em: 10 fev. 2008. BRASIL. Ministério da Educação – MEC. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/cne/.> Acesso em 10 de fev. 2008. BRASIL. Senado Federal. Subsecretaria de Informações. Normas Jurídicas. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/servlests/NJUR.filtro?tipo+NJUILEGBRAS&nu>. Acessos em: 10-12 maio 2008. BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http:// gemini.stf.gov.br/cgibin/nphbrs?d=SJUR&n=jul&1currículos>. Acesso em: jul. 2008. BRASIL. Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL. Disponível em: <http://www.unicsul.com.br>. Acesso em: 10. jul. 2008.

Page 487: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

486

ANEXOS

Anexo A – Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

RESOLUÇÃO CNE/CES N° 9, DE 29 DE SETEMBRO DE 2004 (*)

Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso

de Graduação em Direito e dá outras providências.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de

Educação, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, § 2º, alínea

“c”, da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei nº

9.131, de 25 de novembro de 1995, tendo em vista as diretrizes e os princípios

fixados pelos Pareceres CES/CNE nos 776/97, 583/2001, e 100/2002, e as Diretrizes

Curriculares Nacionais elaboradas pela Comissão de Especialistas de Ensino de

Direito, propostas ao CNE pela SESu/MEC, considerando o que consta do Parecer

CES/CNE 55/2004 de 18/2/2004, reconsiderado pelo Parecer CNE/CES 211,

aprovado em 8/7/2004, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação

em 23 de setembro de 2004, resolve:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares do Curso de

Graduação em Direito, Bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de

Educação Superior em sua organização curricular.

Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as

Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico,

abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos

curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o

(*)

CNE. Resolução CNE/CES nº 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004. Seção 1, p. 17

Page 488: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

487

sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do

curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros

aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

§ 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de

Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização,

abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

I - concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas

inserções institucional, política, geográfica e social;

II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV - formas de realização da interdisciplinaridade;

V - modos de integração entre teoria e prática;

VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da

atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;

IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular

supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a

forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;

X - concepção e composição das atividades complementares; e,

XI - inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.

§ 2º Com base no princípio de educação continuada, as IES poderão incluir no

Projeto Pedagógico do curso, oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, nas

respectivas modalidades, de acordo com as efetivas demandas do desempenho

profissional.

Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do

graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise,

domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação,

interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura

reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a

aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do

Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação

profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

Page 489: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

488

I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou

normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II - interpretação e aplicação do Direito;

III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de

outras fontes do Direito;

IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,

administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e

procedimentos;

V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;

VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de

reflexão crítica;

VII - julgamento e tomada de decisões; e,

VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e

aplicação do Direito.

Art. 5º O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto

Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam

aos seguintes eixos interligados de formação:

I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no

campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber,

abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre

Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e

Sociologia.

II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o

conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do

Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados

segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais,

econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-

se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico,

conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito

Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito

Internacional e Direito Processual; e

III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os

conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades

relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e

Page 490: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

489

Atividades Complementares.

Art. 6º A organização curricular do curso de graduação em Direito estabelecerá

expressamente as condições para a sua efetiva conclusão e integralização curricular

de acordo com o regime acadêmico que as Instituições de Educação Superior

adotarem: regime seriado anual; regime seriado semestral; sistema de créditos com

matrícula por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de pré-

requisitos, atendido o disposto nesta Resolução.

Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório,

indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes

ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios,

aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de

operacionalização.

§ 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição,

através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e

operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho

competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou

instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária

implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e

da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em

qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que

deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES , para a avaliação

pertinente.

§ 2º As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e reorientadas de

acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, na

forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que se possa

considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios

indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação

jurídica.

Art. 8º As atividades complementares são componentes curriculares

enriquecedores e complementadores do perfil do formando, possibilitam o

reconhecimento, por avaliação de habilidades, conhecimento e competência do

aluno, inclusive adquirida fora do ambiente acadêmico, incluindo a prática de

estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de interdisciplinaridade,

especialmente nas relações com o mercado do trabalho e com as ações de

Page 491: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

490

extensão junto à comunidade.

Parágrafo único. A realização de atividades complementares não se confunde

com a do Estágio Supervisionado ou com a do Trabalho de Curso.

Art. 9º As Instituições de Educação Superior deverão adotar formas específicas

e alternativas de avaliação, interna e externa, sistemáticas, envolvendo todos

quantos se contenham no processo do curso, centradas em aspectos considerados

fundamentais para a identificação do perfil do formando.

Parágrafo único. Os planos de ensino, a serem fornecidos aos alunos antes do

início de cada período letivo, deverão conter, além dos conteúdos e das atividades,

a metodologia do processo de ensino-aprendizagem, os critérios de avaliação a que

serão submetidos e a bibliografia básica.

Art. 10. O Trabalho de Curso é componente curricular obrigatório, desenvolvido

individualmente, com conteúdo a ser fixado pelas Instituições de Educação Superior

em função de seus Projetos Pedagógicos.

Parágrafo único. As IES deverão emitir regulamentação própria aprovada por

Conselho competente, contendo necessariamente, critérios, procedimentos e

mecanismos de avaliação, além das diretrizes técnicas relacionadas com a sua

elaboração.

Art. 11. A duração e carga horária dos cursos de graduação serão

estabelecidas em Resolução da Câmara de Educação Superior.

Art. 12. As Diretrizes Curriculares Nacionais desta Resolução deverão ser

implantadas pelas Instituições de Educação Superior, obrigatoriamente, no prazo

máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da publicação desta.

Parágrafo único. As IES poderão optar pela aplicação das DCN aos demais

alunos no período ou ano subseqüente à publicação desta.

Art. 13. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando

revogada a Portaria Ministerial n° 1.886, de 30 de dezembro de 1994 e demais

disposições em contrário.

Edson de Oliveira Nunes - Presidente da Câmara de Educação Superior

Page 492: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

491

Anexo B - Pesquisa de Campo – Questionário Elaborado para os Alunos do

Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL

Pesquisa de Campo desenvolvida com alunos e Coordenação do Núcleo de

Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL.

Desenvolvimento em estudo de Tese de Doutorado em Filosofia do Direito.

Professora Ms. Mônica Mansur Linhares.

Orientador: Professor Dr. Gabriel Chalita.

Maio/2008.

Parte I – Pesquisa socioeconômica e demográfica junto aos alunos da UNICSUL.

1. Indicar somente as iniciais do nome:

2. Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

3. Idade ____________anos.

4. Reside próximo à Universidade? ( ) sim ( ) não. Indique o bairro:

5. Qual meio de transporte que utiliza para chegar à Universidade? Indicar:

6. Trabalha? ( ) sim ( ) não. Indique sua área de atuação profissional.

7. Formou-se em outros cursos superiores? ( ) sim ( ) não. Caso positivo, indique-

os.

8. Formou-se em outros cursos de pós-graduação? Caso positivo, indique-os.

9. Qual sua renda familiar? ( ) até 3 salários mínimos. ( ) de 3 a 5 salários mínimos.

( ) 5 a 10 salários mínimos. ( ) acima de 10 salários mínimos.

10. Possui ajuda financeira para pagar o curso de Graduação? Se sim, mencione a

fonte.

11. Dedica tempo aos estudos fora da Universidade? ( ) sim ( ) não. Se sim, indicar

o tempo de dedicação aproximado:

12. Tem interesse por outras áreas do conhecimento fora o Direito? ( ) sim ( ) não

Quais?

Page 493: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

492

Parte II – Perguntas específicas sobre as atividades desenvolvidas no NPJ:

13. Faz estágio no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade? ( ) sim ( ) não

14. Faz estágio jurídico fora da Universidade? ( ) sim ( ) não. Se sim, indique a área

de atuação do estágio15. Quais as áreas do Direito que englobam o atendimento do

NPJ?

16. No seu entendimento, quais são os conhecimentos necessários que o Bacharel

deve dispor para elaborar as peças processuais e orientar de forma mais adequada o

atendimento na solução do conflito jurídico? Indique, por ordem de prioridade, pelo

menos, 3 (três) modalidades de conhecimentos. 17. Qual a principal atividade

realizada no seu dia-a-dia no NPJ?

18. Por quanto tempo (em horas) você desempenha essa atividade?

19. Quais são as outras atividades realizadas? Indique-as.

20. Existem professores que orientam na elaboração dessas peças? ( ) sim ( ) não.

Quantos?

21. Quais as atividades que você tem conhecimento e que são desenvolvidas no

Núcleo de Prática Jurídica?

22. Existe Prática de Arbitragem no NPJ? ( ) sim ( ) não. Se sim, indique quais são.

23. Existe prática de atividades de negociação, conciliação e mediação no NPJ?

( ) sim ( ) não. Indique quais são.

É freqüente? ( ) sim ( ) não.

24. Existe prática de atuação oral? ( ) sim ( ) não. É freqüente? ( ) sim ( ) não.

25. Existe um programa de visita a fóruns e tribunais para acompanhamento de

audiências fora da Universidade?

26. Essa visita é orientada? ( ) sim ( ) não. Se sim, quem realiza?

27. Existe análise de autos findos? É freqüente? ( ) sim ( ) não.

28. Como é feita essa análise?

29. É elaborado algum relatório sobre a análise de autos findos? ( ) sim ( ) não

30. Se sim, é freqüente a elaboração dos relatórios? ( ) sim ( ) não.

31. Existe a prática de elaboração de textos e peças jurídico-legais? ( ) sim ( ) não

32. É freqüente? ( ) sim ( ) não. Com qual freqüência (em horas)? 33. Existe

orientação nessa prática? ( ) sim ( ) não

34. Você elabora relatórios sobre essas peças processuais? ( ) sim ( ) não.

35. Quem faz a avaliação desses relatórios? ( ) sim ( ) não.

Page 494: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

493

36. É freqüente? ( ) sim ( ) não.

37. Você tem conhecimento dessas avaliações? ( ) sim ( ) não

38. No seu entendimento, existe um método mais adequado para o ensino no Núcleo

de Prática Jurídica?

39. No seu entendimento, que áreas do Direito poderiam ser incluídas no atendimento

do NPJ do seu campus, para melhorar o acesso à Justiça da população próxima a

UNICSUL? Indicar e justificar

40. Existe equipe de profissionais de outras áreas, além do Direito, que atuam no

NPJ? Indique as áreas de atuação

41. Existe a atuação conjunta de outros professores do curso que dão orientação aos

alunos no NPJ, além dos professores e advogados específicos da área de atuação do

NPJ? Se sim, indique as disciplinas

42. Você entende necessária a atuação de outros profissionais no NPJ, além dos

profissionais do Direito? Se sim, indique pelo menos duas categorias de profissionais e

de as razões que justifiquem essa forma de atuação conjunta.

43. Você entende que a carga horária do estágio do NPJ é adequada para sua

formação profissional?

44. No seu entendimento quais são as habilidades e competências necessárias para a

formação mais adequada para o futuro bacharel e profissional do Direito?

45. Existe trabalho de monografia de conclusão de curso?

46. Em caso positivo, indicar o tema do seu trabalho e justificar a escolha.

47. Quais suas sugestões para a melhoria de (1) ensino e (2) atendimento das

pessoas no NPJ?

Page 495: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

494

Anexo C – Regimento Interno do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito

da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL

ÁÁ RR EE AA DD EE CC II ÊÊ NN CC II AA SS HH UU MM AA NN AA SS EE SS OO CC II AA II SS

DD II RR EE II TT OO

R E G U L A M E N T O I N T E R N O

D O

N Ú C L E O D E P R Á T I C A J U R Í D I C A

CAPÍTULO I

DA FINALIDADE, DA ORGANIZAÇÃO E DAS COMPETÊNCIAS

Artigo 1º - O Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), vinculado ao curso

de Direito, alocado á Área de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Cruzeiro

do Sul (UNICSUL), tem por finalidade implementar, supervisionar, controlar e avaliar

as atividades práticas dos acadêmicos do curso de Direito, bem como controlar o

Estágio Curricular Supervisionado obrigatório previsto no artigo 7º, da Resolução

CNE/CES nº 09/2004.

I - A UNICSUL, como dispõe de quatro campi universitários,

respectivamente nos bairros de São Miguel Paulista, Anália Franco, Liberdade e

Pinheiros, quando necessário, manterá unidades descentralizadas nas quatro

localidades, que serão, respectivamente, denominadas de Núcleo de Prática Jurídica

– Unidade São Miguel Paulista (NPJ-SM), Núcleo de Prática Jurídica – Unidade

Anália Franco (NPJ-AF), Núcleo de Prática Jurídica – Unidade Liberdade (NPJ-LB)

e Núcleo de Prática Jurídica – Unidade Pinheiros (NPJ-PI).

II - O NPJ possui um Coordenador, Advogados-Orientadores

e Advogados-Auxiliares, todos devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos

Advogados do Brasil, além de Estagiários-Administrativos, Assistente Social e

funcionários administrativos.

III - As unidades descentralizadas manterão atividades de

assistência judiciária à população carente; conciliação, mediação e arbitragem;

Page 496: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

495

estágio curricular supervisionado obrigatório, além de outras atividades que poderão

ser implantadas, atendendo os fins de que trata o caput deste artigo.

IV – Cada unidade do NPJ manterá uma secretaria para

arquivar e controlar toda a documentação produzida, recebida e expedida; para

expedir certificados de estágio curricular supervisionado obrigatório e para

desempenhar as demais atividades que lhe forem atribuídas. As atividades da

secretaria serão desempenhadas por funcionários técnico-administrativos ou

estagiários-administrativos especialmente contratados para este fim.

V - De forma a atender a finalidade prevista no caput deste

artigo, bem como para manter as atividades de que tratam o inciso III do mesmo

dispositivo, o NPJ manterá em suas unidades, no mínimo, três áreas: Assistência

Judiciária Cruzeiro do Sul (AJUCSUL); Programa de Estágio Curricular

Supervisionado e Serviço de Conciliação, Mediação e Arbitragem, que poderá ser

realizado através da Câmara Interna de Conciliação, Mediação e Arbitragem (CCA)

ou através de Anexo do Juizado Especial Cível (JEC).

VI – Cada unidade descentralizada do NPJ manterá uma

Assistente Social que será responsável pela triagem dos necessitados que farão uso

dos serviços de que trata o inciso III, bem como para desenvolver e acompanhar

projetos de extensão.

VII – Além dos cargos já previstos neste artigo, as unidades

manterão, em seus quadros, Estagiários Acadêmicos e Auxiliares de Estágio que

exercerão as atividades jurídicas mediante supervisão dos Advogados-Orientadores.

a) Os Estagiários Acadêmicos serão selecionados mediante

processo seletivo interno, de que participarão alunos de sétimo a décimo semestres

do curso de Direito.

b) Os Auxiliares de Estágio serão selecionados mediante

processo seletivo interno, de que participarão alunos de primeiro a sexto semestres

do curso de Direito.

c) Os processos seletivos internos de que tratam as alíneas

anteriores serão disciplinados através de edital a ser expedido pelo Coordenador do

NPJ.

Artigo 2º - Ao Coordenador do NPJ compete:

I – Integrar o órgão colegiado do curso de Direito;

II – Dar cumprimento às disposições deste Regulamento;

Page 497: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

496

III – Gerenciar o funcionamento global do NPJ, mantendo a

infra-estrutura necessária e a continuidade de suas atividades;

IV – Coordenar as atividades dos Advogados-Orientadores,

Advogados-Auxiliares e Assistentes Sociais;

V – Supervisionar as atividades administrativas;

VI – Tomar decisões, em conjunto com a Coordenação do

curso de Direito sobre questões de ordem administrativa e outras, omissas neste

Regulamento;

VII – Apresentar relatório anual circunstanciado das atividades

do NPJ à Coordenação do curso de Direito e/ou a qualquer outra autoridade interna

ou externa, quando solicitado;

VIII – Organizar e presidir comissão de seleção para o

preenchimento de cargo de Advogado-Orientador e Advogado-Auxiliar;

IX – Referendar, em conjunto com a Coordenação do curso

de Direito a indicação para o preenchimento de vagas de Advogado-Orientador,

Advogado-Auxiliar e Assistente Social;

X – Selecionar candidatos a vagas administrativas;

XI – Representar, interna e externamente, o NPJ;

XII – Propor, implantar e implementar outras atividades que

julgar necessárias para complementar a formação prático-profissional do acadêmico

de Direito;

XIII – Autorizar e supervisionar a realização de atividades

externas ao NPJ;

XIV – Assinar correspondências externas que se originam no

NPJ;

XV – Assinar certificados de estágio, atividades práticas e

simuladas, bem como demais documentos sob a responsabilidade do NPJ;

XVI – Propor modificações no presente Regulamento.

Artigo 3º - Ao Advogado-Orientador, sob a supervisão do

Coordenador do NPJ, compete:

I – Analisar as questões jurídicas que forem a ele submetidas;

Page 498: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

497

II – Orientar os Estagiários Acadêmicos e Auxiliares de

Estágio no desempenho de suas funções, na elaboração dos trabalhos que lhes

forem atribuídos, corrigindo-os e assinando-os juntamente com o próprio Estagiário;

III – Atender e entrevistar a parte interessada, sempre que se

fizer necessário, juntamente, ou não, com o Estagiário Acadêmico designado;

IV – Realizar o acompanhamento das ações judiciais, em

cartório, quando necessário;

V – Participar de audiências judiciais e extrajudiciais quando

necessário;

VI – Praticar todos os atos privativos, sempre em conjunto

com o Estagiário Acadêmico designado sob sua responsabilidade;

VII – Participar do processo de seleção de Estagiários

Acadêmicos e Auxiliares de Estágio;

VIII – Elaborar e ministrar cursos aos Estagiários Acadêmicos,

Auxiliares de Estágio e demais interessados;

IX– Dar cumprimento às normas do presente Regulamento.

Artigo 4º - Ao Advogado-Auxiliar, sob a supervisão do Coordenador

do NPJ, compete:

I – Realizar o acompanhamento das ações judiciais, em

cartório;

II – Realizar o protocolo de petições e a distribuição de ações

de responsabilidade do NPJ;

III – Realizar audiências judiciais e extrajudiciais;

IV – Elaborar e ministrar cursos de férias e de estágio aos

Estagiários Acadêmicos, Auxiliares de Estágio e demais interessados;

V – Dar cumprimento as normas do presente Regulamento.

Artigo 5º - Os advogados integrantes do NPJ deverão ser egressos

dos quadros acadêmicos da UNICSUL, sempre que possível.

I - O processo de seleção para os cargos de Advogado-

Orientador e Advogado-Auxiliar deverá ser definido pelo Coordenador do NPJ em

conjunto com a Coordenação do curso de Direito e com a Direção de Centro.

II - Não se exigirá do Advogado-Orientador e do Advogado-

Auxiliar regime de dedicação exclusiva, desde que haja compatibilidade entre a

Page 499: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

498

jornada de trabalho e suas atividades particulares. No entanto, de forma a

resguardar o uso exclusivo da estrutura, não será permitido que o profissional

acumule, nas áreas de atendimento do NPJ, e nos foros de atuação da AJUCSUL,

processos judiciais por ele patrocinado.

Artigo 6º - Em qualquer hipótese, não é permitido aos Advogados-

Orientadores e aos Advogados-Auxiliares oferecer seus serviços profissionais a

quem procure os serviços da AJUCSUL, bem como tratar de assuntos profissionais

particulares nas dependências internas da UNICSUL.

CAPÍTULO II

DO ESCRITÓRIO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA (AJUCSUL)

Artigo 7º - A AJUCSUL, subordinada ao NPJ, tem por finalidade

proporcionar assistência judiciária gratuita à população carente do entorno da

Universidade, bem como propiciar aprimoramento da formação dos acadêmicos do

curso de Direito.

Artigo 8º - A AJUCSUL tem por objeto a prestação gratuita de

serviços jurídicos, judiciais e extrajudiciais em matéria de Direito Civil, Direito de

Família, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, Direito do Idoso e

Infância e Juventude, a pessoas comprovadamente carentes.

I – Consideram-se pessoas carentes, para os fins deste

Regulamento, as pessoas físicas com renda igual ou inferior a 03 (três) salários

mínimos, não proprietárias de bem imóvel ou proprietárias de moradia popular

(Projeto Cingapura, CDHU, INOCOOP, Cooperativas Habitacionais Populares etc),

que lhes sirva de residência.

II - A verificação da situação de carência ficará a cargo da

Assistente Social, que, além de entrevista para levantamento de situação

socioeconômica, realizará visitas domiciliares esporádicas com a finalidade de

comprovar a carência alegada.

III – A existência de outros bens e direitos, além dos

mencionados no inciso anterior, não impedirão o atendimento jurídico desde que não

impliquem a concessão de renda para o assistido, nem tampouco modifique sua

situação socioeconômica.

Page 500: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

499

IV - Na hipótese de, posteriormente aceito o caso, se

comprovar, por qualquer forma, que não subsiste a alegada carência, caberá à

AJUCSUL a renúncia imediata de eventual procuração outorgada pela parte.

V – As áreas de atendimento jurídico de que trata o caput

deste artigo, ou outras que se julgar conveniente para a melhor formação do

acadêmico, serão implantadas de acordo com planejamento elaborado pelo

Coordenador do NPJ.

VI - O atendimento jurídico de que trata o caput deste artigo

será prestado desde que se respeite a competência dos respectivos foros regionais,

de acordo com a unidade:

a) A unidade São Miguel atuará em ações de

competência exclusiva do Foro Regional de São Miguel Paulista;

b) A unidade Anália Franco atuará em ações de

competência exclusiva dos Foros Regionais de Tatuapé e Vila Prudente, podendo

ser limitado a um único foro de acordo com o planejamento realizado pelo

Coordenador do NPJ;

c) A unidade Liberdade atuará em ações de competência

exclusiva dos Foros Central e Jabaquara, podendo ser limitado a um único foro de

acordo com o planejamento realizado pelo Coordenador do NPJ;.

d) A unidade Pinheiros atuará em ações de competência

exclusiva dos Foros Pinheiros e Lapa, podendo ser limitado a um único foro de

acordo com o planejamento realizado pelo Coordenador do NPJ;.

e) No caso de atendimentos em que se utilizem meios

alternativos de solução de conflito, não será necessária a delimitação específica de

competência.

VII – A competência judicial as quais se vinculam as unidades

do NPJ poderão ser alteradas mediante estudo prévio que justifique a medida.

Artigo 9º - A AJUCSUL terá suas atividades realizadas com a

participação dos Advogados-Orientadores, Advogados-Auxiliares, Estagiários

Acadêmicos e, eventualmente, Auxiliares de Estágio, com o apoio de uma estrutura

administrativa de pessoal e material.

Artigo 10º – Qualquer peça jurídica, judicial ou extrajudicial da

AJUCSUL, deverá passar pelo exame do Advogado-Orientador e conter a sua

assinatura.

Page 501: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

500

Artigo 11 - De forma a preservar-se a qualidade no aperfeiçoamento

técnico-profissional dos acadêmicos do curso de Direito, caberá ao Coordenador do

NPJ fixar o número máximo de Estagiários Acadêmicos e Auxiliares de Estágios

destinados à cada unidade.

Artigo 12 - O período de estágio será de, no máximo, 10 (dez)

semestres e, no mínimo, de 02 (dois) meses.

I - Ao término do estágio devidamente cumprido, o Estagiário

Acadêmico e o Auxiliar de Estágio receberão do NPJ o certificado comprobatório,

assinado pelo Coordenador.

II - Não será fornecido certificado de horas de estágio para os

Estagiários Acadêmicos que permanecerem por período inferior ao mínimo

determinado no caput deste artigo.

III - As atividades de estágio serão desenvolvidas apenas no

período letivo, podendo, a critério do Coordenador do NPJ, instituir-se plantão nos

períodos não letivos, de forma a não prejudicar o atendimento aos assistidos.

Artigo 13 – No ato de seu desligamento, o Estagiário Acadêmico

deverá entregar relatório a respeito das causas de sua responsabilidade, bem como

papéis e documentos de interesse da AJUCSUL que estejam em sua posse.

I - Todos os documentos e papéis referentes às causas

encerradas deverão ser entregues para arquivamento.

Artigo 14 – Ao Estagiário Acadêmico compete:

I – Assinar o termo de posse, no prazo de 10 (dez) dias a

contar de sua convocação, sob pena de, não o fazendo, tornar-se sem efeito a sua

seleção;

II – Comparecer à AJUCSUL no dia e horário do seu

respectivo plantão semanal;

III - Efetuar o acompanhamento forense e as audiências dos

processos a ele designados; executar pessoalmente os trabalhos forenses;

IV – Atender a todos os assistidos que lhe forem

encaminhados;

V – Redigir a petição inicial, contestação e demais petições,

assinando-as juntamente com o Advogado-Orientador;

Page 502: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

501

VI – Nos atendimentos novos, elaborar a petição inicial no

prazo máximo de 30 (trinta) dias após o recebimento dos documentos necessários à

propositura da ação;

VII – Acompanhar, zelosamente, as ações ajuizadas, dando

prévia ciência aos Advogados-Orientadores, mediante registros próprios tanto do

andamento do processo quanto das audiências designadas;

VIII – Zelar pelo patrimônio moral e material da AJUCSUL;

IX – Levar a bom termo todos os casos a ele designados;

X – Dar cumprimento às normas do presente Regulamento.

Artigo 15 – Os Estagiários Acadêmicos estarão sujeitos ao regime

disciplinar previsto no Estatuto da Advocacia, no Código de Ética e Disciplina, da

Ordem dos Advogados do Brasil, e no Regimento Geral da UNICSUL ou em outros

que vierem a substituir os citados documentos.

I - Além das penalidades previstas nos dispositivos

anteriormente citados, os Estagiários Acadêmicos estarão sujeitos às penalidades

de advertência, suspensão ou exclusão, nos seguintes casos:

a) Faltar ao plantão por 02 (duas) vezes consecutivas

ou 03 (três) intercaladas dentro do semestre letivo;

b) Deixar de comparecer às audiências dos processos

a eles confiados;

c) Deixar de realizar o acompanhamento forense dos

processos a ele confiados.

II – As penalidades serão aplicadas pelo Coordenador, de

acordo com a gravidade do ato, no âmbito de sua competência, mediante

representação do Advogado-Orientador, em procedimento sumário, assegurando-se

o direito à ampla defesa.

Artigo 16 – No exercício da atividade de estágio:

I - Fica expressamente proibido ao Estagiário Acadêmico e ao

Auxiliar de Estágio fornecer qualquer meio de contato pessoal aos assistidos.

II – Não poderá o Estagiário Acadêmico e o Auxiliar de

Estágio encaminhar o assistido a advogados ou escritórios de advocacia,

independentemente de obter proveito próprio ou alheio, econômico ou não;

Page 503: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

502

III - Não poderá o Estagiário Acadêmico e o Auxiliar de

Estágio fazer manifestação, prestar declaração ou dar entrevistas sobre assuntos

referentes à AJUCSUL e aos processos por ela patrocinados;

Artigo 17 – Poderão ser admitidos Auxiliares de estágio, se

necessário, para a realização de atividades exclusivamente internas.

I - O Auxiliar de Estágio que tiver bom desempenho na

função, poderá ser aproveitado como Estagiário Acadêmico no semestre letivo

seguinte, sem a necessidade de participação do processo seletivo, desde que seja

promovido ao semestre subseqüente e efetue matrícula.

II - No que couber, o Auxiliar de Estágio estará sujeito às

mesmas regras atinentes aos Estagiários Acadêmicos.

Artigo 18 – É vedado aos Advogados-Orientadores, Advogados-

Auxiliares, Estagiários Acadêmicos, Auxiliares de Estágio e aos funcionários receber

qualquer remuneração diretamente ou indiretamente dos assistidos ou pessoas por

eles indicadas, seja a que título for, inclusive reembolso de despesas.

I - Os Estagiários Acadêmicos e os Auxiliares de Estágio não

receberão remuneração, salvo, eventualmente, a critério da UNICSUL, bolsas de

estudos integrais ou parciais para o curso de Direito da Universidade.

Artigo 19 – O assistido que comparecer pela primeira vez à

AJUCSUL deverá ter seu atendimento agendado com a Assistente Social para

realização de entrevista socioeconômica.

Artigo 20 – Uma vez aprovado o atendimento do assistido pela

Assistente Social, será agendado comparecimento ao plantão jurídico, para

atendimento por um Estagiário Acadêmico sob a supervisão do respectivo

Advogado-Orientador.

I – Eventualmente, na ausência do Estagiário Acadêmico,

caberá ao Advogado-Orientador o atendimento dos casos iniciais ou em andamento,

evitando-se prejuízo no atendimento ao assistido, ou então delegar a um Auxiliar de

Estágio.

II - Após o atendimento do assistido e preenchimento da ficha

de entrevista inicial pelo Estagiário Acadêmico, caberá ao Advogado-Orientador a

aprovação ou não do caso, segundo análise jurídica e acadêmica da situação.

Page 504: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

503

Artigo 21 – Aprovado pelo Advogado-Orientador e aceito o

patrocínio, o Estagiário Acadêmico que realizou o atendimento inicial tornar-se-á

responsável pelo caso, devendo vincular o assistido ao seu plantão de atendimento.

I - Tratando-se de situação em que seja exigida a tomada de

medida de urgência, caberá ao Estagiário Acadêmico, em conjunto com o

Advogado-Orientador, otimizar as providências necessárias que o caso exigir.

II – Caberá ao Coordenador do NPJ definir o número máximo

de processos vinculados a cada Estagiário Acadêmico, considerando-se o

aproveitamento pedagógico da atividade.

Artigo 22 – Admitido o patrocínio, o Estagiário Acadêmico deverá:

I – Solicitar à secretaria da unidade o cadastramento da pasta

do assistido, em que serão arquivados todos os documentos e peças jurídicas a

serem elaboradas, não podendo retirá-la da AJUCSUL antes do respectivo

cadastramento;

II – Abrir uma ficha de acompanhamento de processo e

providenciar seu arquivamento.

III – Após cada atendimento, a pasta do assistido deverá ser

restituída à secretaria da unidade, a quem competirá a guarda, não podendo o

Estagiário Acadêmico retirá-la da AJUCSUL sem o registro de saída efetuado pela

secretaria.

Artigo 23 – Ao encerrar-se um caso, o Estagiário Acadêmico

deverá:

I – Anotar o motivo de encerramento na ficha de controle do

processo;

II – Devolver os documentos pessoais que tenha recebido do

assistido, mediante recibo;

III – Remeter a pasta à secretaria da unidade, com a ficha de

encerramento, assinada pelo Advogado-Orientador, e a ficha de controle do

processo;

Artigo 24 – As intimações processuais serão recebidas por um dos

Advogados-Orientadores da AJUCSUL, que as encaminhará ao Estagiário

Acadêmico responsável pelo caso, com as devidas instruções, notadamente quanto

aos prazos a serem cumpridos.

Page 505: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

504

I - Todos os prazos deverão ser controlados pelos Estagiários

Acadêmicos em conjunto com os Advogados-Orientadores, sob a supervisão do

Coordenador.

Artigo 25 - A AJUCSUL manterá, em suas dependências,

equipamento de reprodução gráfica, acessível aos Estagiários Acadêmicos e

Auxiliares de Estágio, para uso exclusivo dos interesses do NPJ e mediante

autorização conferida por um Advogado presente.

Artigo 26 – Caberá à Ordem dos Advogados do Brasil a fiscalização

das atividades técnicas desenvolvidas pela AJUCSUL através das respectivas

Subseções.

Artigo 27 – A AJUCSUL será dotada de toda infra-estrutura

necessária ao seu bom funcionamento, cabendo à UNICSUL a responsabilidade

pelo fornecimento de todos os recursos necessários.

CAPÍTULO III

DO SERVIÇO DE CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM

Artigo 28 - O NPJ manterá, em suas unidades, serviços de

conciliação, mediação e arbitragem.

Artigo 29 - A atividade de conciliação poderá ser realizada através

de Anexos de Juizados Especiais Cíveis - JEC, que podem ser instalados mediante

convênio com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ou através de Câmara

Interna de Conciliação, Mediação e Arbitragem - CCA.

I – Cabe ao Coordenador do NPJ, em conjunto com a

Coordenação do curso de Direito, a análise da conveniência de estabelecimento e

manutenção do convênio.

II - As atividades desenvolvidas pelo Anexo do Juizado

Especial Cível devem seguir as normas estabelecidas pela legislação pertinente,

bem como pelas diretrizes fixadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, cabendo à

UNICSUL fornecer a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento das tarefas, bem

como selecionar Conciliadores no quadro de acadêmicos do curso de Direito, a partir

do primeiro semestre letivo;

III – Os acadêmicos selecionados, do primeiro ao sexto

semestres, serão considerados Auxiliares de Estágio, podendo as respectivas horas

Page 506: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

505

serem computadas como atividade complementar; os demais acadêmicos

selecionados, do sétimo semestre em diante, serão considerados Estagiários

Acadêmicos, sendo suas horas computadas como estágio curricular supervisionado

obrigatório;

IV - As atividades desenvolvidas pelos Conciliadores serão

supervisionadas pelos Advogados-Orientadores.

V – O processo de seleção dos Conciliadores se dará através

de edital elaborado pelo Coordenador do NPJ.

VI - No que couber, aos Conciliadores se aplicam as mesmas

regras atinentes aos Estagiários Acadêmicos.

Artigo 30 – Nas unidades em que não haja o Anexo de Juizado

Especial Cível, os serviços de conciliação, mediação e arbitragem, quando houver,

serão desenvolvidos através das Câmaras Internas de Conciliação, Mediação e

Arbitragem.

I - As Câmaras Internas de Conciliação, Mediação e Arbitragem

funcionarão com as mesmas estruturas destinadas à AJUCSUL, cabendo à

UNICSUL apenas a disponibilização de espaço específico para realização das

audiências de tentativa de conciliação, mediação e arbitragem;

II - Os Estagiários Acadêmicos que atuarão nas respectivas

Câmaras receberão treinamento específico e desenvolverão as respectivas

atividades da seguinte forma:

a) A conciliação será realizada exclusivamente pelos

Estagiários Acadêmicos sob a supervisão do Advogado-Orientador;

b) A mediação será realizada por equipe multidisciplinar,

constituída por um Assistente Social, por um Advogado-Orientador e pelo Estagiário

Acadêmico, podendo, também, ser integrada por estagiários dos cursos de Serviço

Social e Psicologia;

c) A arbitragem será realizada por árbitro devidamente

capacitado, podendo este ser Advogado-Orientador, terceiro colaborador,

profissional nomeado pelas partes ou Estagiário Acadêmico do nono ou décimo

semestres do curso de Direito.

Artigo 31 – A forma de seleção, o regime disciplinar e as regras a

que estarão sujeitos os Estagiários Acadêmicos da Câmara Interna de Conciliação,

Page 507: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

506

Mediação e Arbitragem serão os mesmos previstos para os Estagiários Acadêmicos

da AJUCSUL.

CAPÍTULO IV

DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO

Artigo 32 - O NPJ manterá Programa de Estágio Curricular

Supervisionado Obrigatório, no qual o acadêmico do curso de Direito deverá

integralizar as horas de estágio fixadas pelo Coordenador, da seguinte forma:

I - Os Estágios Supervisionados I e II serão desenvolvidos ao

longo dos sétimo e oitavo semestres respectivamente, através da realização de uma

das seguintes modalidades:

a) Estágio interno: o estágio interno é aquele realizado

nas dependências do NPJ através de suas unidades.

b) Estágio externo: o estágio externo é aquele realizado

em Escritórios de Advocacia, Departamentos jurídicos de empresas, órgãos públicos

e privados como Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria do Estado,

Sindicatos, Organizações não Governamentais e outros. As horas de estágios

externos estarão sujeitas à validação após o procedimento de avaliação realizado

pelo NPJ. A comprovação do estágio externo se fará mediante apresentação de

declaração de estágio contendo: nome do acadêmico; período estagiado; total de

horas de estágio no ano e identificação do supervisor de estágio no respectivo

órgão. O saldo de horas a cumprir poderá ser integralizado através de estágio

interno ou estágio atividade.

c) Estágio atividade: o acadêmico que não possa

realizar estágio interno ou externo ou que tenha saldo de horas a integralizar, deverá

completar tais horas de estágio supervisionado através da realização de atividades

discriminadas a seguir: realização de relatórios de audiências reais e simuladas;

elaboração de relatório de comentários de acórdãos; elaboração de petições;

relatórios de visitas jurídicas ou outras atividades previamente estabelecidas.

Page 508: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

507

II - Os Estágios Supervisionados III e IV serão desenvolvidos ao

longo dos nono e décimo semestres do curso de Direito, através da realização de

uma das seguintes modalidades:

a) Estágio interno: o estágio interno é aquele realizado

nas dependências do NPJ.

b) Estágio externo: o estágio externo é aquele realizado

em Escritórios de Advocacia, Departamentos Jurídicos de empresas, órgãos

públicos e privados como Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria do

Estado, Sindicatos, Organizações não Governamentais e outros. As horas de

estágios externos estarão sujeitas à validação após o procedimento de avaliação

realizado pelo NPJ. A comprovação do estágio externo se fará mediante

apresentação de declaração de estágio contendo: nome do acadêmico; período

estagiado; total de horas de estágio no ano e identificação do supervisor de estágio

no respectivo órgão. O saldo de horas a cumprir poderá ser integralizado através de

estágio interno ou estágio atividade.

c) Estágio atividade: o acadêmico que não possa

realizar estágio interno ou externo ou que tenha saldo de horas a integralizar, deverá

completar tais horas de estágio supervisionado através da realização das atividades

discriminadas a seguir: realização de relatórios de audiências reais e simuladas;

elaboração de relatório de comentários de acórdãos; elaboração de petições;

relatórios de visitas jurídicas ou outras atividades previamente estabelecidas.

Artigo 33 - A não integralização das horas de Estágio Curricular

Supervisionado obrigatório dentro do prazo previamente estabelecido impede a

colação de grau do acadêmico formando.

Artigo 34 - A avaliação do estágio será realizada de forma

qualitativa e consiste em um processo de validação das horas de estágio de acordo

com a modalidade de estágio realizada, a saber:

I - No estágio interno, as horas de estágio serão apuradas pelo

NPJ e validadas mediante apresentação de relatório semestral a ser preenchido e

assinado pelo respectivo Advogado-Orientador, conforme modelo constante do

presente regulamento (anexo I);

II - No estágio externo, as horas de estágio serão computadas a

partir de declaração de estágio fornecida pelo órgão concedente e validadas através

da apresentação e avaliação de relatório semestral a ser preenchido e assinado pelo

Page 509: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

508

respectivo Supervisor de Estágio, conforme modelo constante do presente

regulamento (anexo I);

III - No estágio atividade, as horas serão validadas pelos

Advogados Auxiliares através da avaliação dos relatórios e peças processuais

entregues pelos respectivos acadêmicos.

CAPÍTULO V

DO FUNCIONAMENTO

Artigo 35 – O NPJ funciona das 08h às 17h, de segunda a sexta-

feira, podendo ser autorizada a realização de atividades no horário noturno ou aos

sábados, mediante análise da conveniência, em conjunto, pelos Advogados-

Orientadores e seu Coordenador. Cada Unidade terá seus plantões organizados em

escala respeitado o horário de abertura e fechamento.

I – Não será permitido o atendimento a assistidos sem a

presença de um Advogado-Orientador.

CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Artigo 36 – O presente Regulamento entrará em vigor a partir de

sua aprovação pelos órgãos colegiados da UNICSUL, tendo em vista o atendimento

das disposições da Resolução CNE/CES nº 09, de 29 de setembro de 2004.

Artigo 37 – Revogam-se as disposições anteriores pertinentes ao

mesmo assunto.

Page 510: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de

509

Anexo D - Parecer da CNE/CES nº 527/1999, que homologa o reconhecimento

do curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL