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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria dos Reis Moreno Tavares Formação de Professores e Trabalho Docente em Cabo Verde DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria dos Reis Moreno Tavares

Formação de Professores e Trabalho Docente em Cabo Verde

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria dos Reis Moreno Tavares

Formação de Professores e Trabalho Docente em Cabo Verde

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Doutor em Educação: Currículo, sob a

orientação da Profª. Doutora Marina Graziela

Feldmann.

SÃO PAULO

2014

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Banca Examinadora

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Agradecimentos

À minha estimada e maravilhosa família, pela paciência, apoio, entendimento,

ausência e por tudo que sou.

À minha prodigiosa orientadora, Prof.ª Doutora Marina Graziela Feldmann, que

com muita assiduidade, paciência, competência e atenção me orientou no processo do

desenvolvimento da pesquisa e na construção da tese.

Às irmãs da Congregação de Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho,

particularmente, à irmã Valdete Contin que me incentivou, acolhendo-me

incansavelmente e de forma incondicional para que eu pudesse sentir e viver

experiências diferenciadas com persistência e qualidade, mostrando sempre que fazer

todo o bem possível é sempre uma graça e um dom de Deus.

Aos professores Doutores da banca de Qualificação, Vlademir Marim, Hiloko

Ogihara Martins e Antônio Chizzotti, por suas valiosas contribuições e incentivos ao

aprimoramento da pesquisa.

Aos meus colegas de estudo e pesquisa que durante estes últimos quatro anos

dialogamos, trocando experiências e práticas, desafios e perspectivas de vida acadêmica

e profissional, muito obrigada pela valiosa e grande contribuição que recebi.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP que proporcionou

espaços e oportunidades para que eu pudesse ser e constituir-me como contínua

pesquisadora.

Aos professores de Pós-Graduação, Programa de Doutorado em Educação:

Currículo, por me propiciar momentos preciosos de aprendizado e produção de

conhecimentos.

Ao CNPq, pela bolsa concedida com a qual pude desenvolver a minha pesquisa

com muita dedicação e responsabilidade.

Ao Espírito Santo que me ilumina e me fortalece, aumentando a minha fé e

confiança Naquele que tudo posso, para ser útil à sociedade a partir de meu

desenvolvimento intelectual, acadêmico e profissional.

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RESUMO

TAVARES, Maria dos Reis Moreno. Formação de Professores e Trabalho Docente

em Cabo Verde. 2014.216f.Tese (Doutorado em Educação:Currículo) Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,São Paulo,2014.

A presente tese tem como propósito discutir a formação de professores e o trabalho

docente em Cabo Verde. Objetiva-se, por meio desta pesquisa, problematizar e

questionar como a formação de professores vem possibilitando a requalificação do

trabalho docente e a ressignificação da relação e articulação teoria-prática em contextos

formativos em mudança. Para operacionalização da pesquisa tem como proposta

metodológica aquela que aproxima e se caracteriza como pesquisa qualitativa,

destacando o estudo bibliográfico e a análise documental. A construção do marco

teórico apoia-se em autores como: Feldmann (2009); García, (1999); Nóvoa (2006);

Tardif e Lessard (2011); Sacristán (1999), entre outros. A análise dos dados coletados

permite afirmar avanços significativos em diferentes contextos, tanto no âmbito da

educação do ensino, quanto no âmbito da formação de professores, desde a

independência do país, em 1975. No entanto, muito mais poderia ser feito se o país

tivesse repensado sobre as diversidades de situações-problema mais complexas da

contemporaneidade acadêmica, profissional, e questionado sobre o currículo e os planos

de estudo que, em certa medida, poderiam responder aos desafios de trabalho em Cabo

Verde e no mundo. Os documentos assinalam que a formação de professores não tem

possibilitado, de forma apropriada, o desenvolvimento consistente do trabalho docente

que se deseja. Os professores em seus percursos acadêmicos recebem,

preponderantemente, informações teóricas e, por decorrência, apresentam dificuldades e

limitações para articular teorias com o processo de construção da docência, ou seja, de

estabelecer em seu cotidiano, a relação teoria-prática. As razões podem estar

relacionadas aos programas e currículos que encontram- se defasados, desarticulados e

inadequados à realidade cabo-verdiana e, sobretudo à ação acadêmica, profissional e do

mundo de trabalho. Sendo assim, a pesquisa considera que há necessidade de se

repensar as políticas públicas e as diretrizes do governo direcionadas para a formação de

professores – inicial e continuada – com o intuito de aproximar ao que se almeja ser

educação, ensino, formação e pesquisa, intensificando em última instância, contextos

múltiplos e diferenciados de mudança e de transformação em Cabo Verde e no mundo

contemporâneo.

Palavras-chave: Formação de professores. Currículo-educação. Educação - teoria e

prática. Formação inicial e continuada.

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ABSTRACT

TAVARES, Maria dos Reis Moreno. Teacher Training and Teacher’s Work in Cape

Verde. 2014. 216f. Thesis (Doctorate in Education: Curriculum) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

This thesis aims at discussing the training of teachers and the teaching profession in

Cape Verde. The objective of this research is to discuss and question how teacher

training has enabled the upgrading of teachers' work and the reinterpretation of the

theory-practice relationship in changing formative environments. For operationalization

of the proposed research, the methodological approach used here is characterized as

qualitative research, highlighting the bibliographical study and document analysis. The

construction of the theoretical framework relies on authors like: Feldmann (2009);

Garcia (1999); Nóvoa (2006); Tardif and Lessard (2011); Sacristán (1999), among

others. The analysis of the collected data allows us to affirm significant advances in

different contexts, both in teaching, as well as in the training of teachers, since the

country's independence in 1975. However, much more could be done if the country had

rethought the diversity of the more complex contemporary academic and professional

problem-areas and reflected about the curriculum and study plans, which, to some

extent, could offer solutions to the professional challenges in Cape Verde and in the

world. The documents indicate that teacher training has not consistently nor

appropriately enabled teacher development as desired. Teachers receive in their

academic courses, mainly, a theoretical formation and, consequently, present difficulties

and limitations in articulating theories as a process of teacher development, that is, to

establish in their daily work, the connection between theory and practice. The reasons

may be related to the programs and curricula that are not aligned nor adequate to the

Cape Verdean reality, especially to the academic and the professional world. Thus, this

research finds that there is a need to rethink the policies and guidelines of the

government directed to teacher training - initial and continuous - with the aim of

coming closer to the desired quality levels in terms of education, teaching, training and

research, intensifying, ultimately, the existence of multiple and differentiated contexts

of change in Cape Verde and in the contemporary world.

Keywords: Teacher Education. Curriculum-education. Education - theory and practice.

Initial and continuous professional development.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................

CAPÍTULO 1 . EDUCAÇÃO EM CABO VERDE..........................................

1.1. Contextualizando o campo de estudo.............................................................

1.1.1. Cabo Verde, origem e formação: situação sócio-histórica, política e

cultural...................................................................................................................

1.2. População cabo-verdiana: demografia e mobilidade ....................................

1.2.1. Povoamento das ilhas..................................................................................

1.2.2. Evolução e estrutura da população de Cabo Verde.....................................

1.2.3. Evolução demográfica e imigração populacional em Cabo Verde.............

1.3. Refletindo sobre a Educação em Cabo Verde................................................

1.3.1.Educação em Cabo Verde: desafios e perspectivas......................................

1.4. Educação a distância em Cabo Verde: emergência e desafios.......................

1.5. O Programa de Governo para a Educação em Cabo Verde: discurso,

propostas, desafios e perspectivas.........................................................................

CAPÍTULO 2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E TRABALHO

DOCENTE: ARTICULAÇÃO TEORIA-PRÁTICA......................................

2.1. Marco teórico - construindo o referencial......................................................

2.1.1. Buscando conceitos e concepções sobre a formação e formação de

professores.............................................................................................................

2.1.2.Conceito e concepção sobre formação.........................................................

2.1.3. Conceitos e concepções sobre a formação de professores..........................

2.2. Trabalho e trabalho docente na contemporaneidade.....................................

2.3. Formação inicial e continuada na contemporaneidade...................................

2.3.1. Formação inicial e continuada: discussões, reflexões e análise sobre a

prática....................................................................................................................

2.3.2. Formação de professores e trabalho docente: articulação teoria-prática.....

2.3.3. Currículo, formação de professores e trabalho docente: articulação

teoria-prática..........................................................................................................

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CAPÍTULO 3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM CABO VERDE.....

3.1. Formação intelectual em Cabo Verde: alguns registros históricos................

3.1.1. Da Escola do Magistério Primário (EMP) ao Instituto Pedagógico (IP) e

ao Instituto Universitário de Educação (IUE).......................................................

3.1.2. Da Direção da Educação Extraescolar (DEEE) à Direção Geral de

Educação e Formação de Adultos (DGEFA)........................................................

3.1.3. Do Instituto Superior da Educação (ISE) às Universidades de Cabo

Verde Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).....................................................

3.2.Estratégia do Governo (2011-2016) e as políticas públicas para formação

de professores em Cabo Verde ............................................................................

3.3.Projetos e programas de formação: convênios e parcerias..............................

3.4.Formação continuada: algumas práticas e ocorrências...................................

CAPÍTULO 4. ANÁLISE DA PESQUISA.......................................................

4.1.Eixo 1. Formação de professores em Cabo Verde:elemento fundamental

para desenvolver o ensino, a aprendizagem e apropriação de conhecimentos e

saberes múltiplos e diferenciados..........................................................................

4.2.Eixo 2. Currículo e formação de professores: qualidade e consistência na

formação inicial e continuada na contemporaneidade...........................................

4.3.Eixo 3. Trabalho docente: funcionalidade na relação e articulação teoria-

prática no cotidiano das escolas em contextos de mudanças e transformação......

CONSIDERAÇÕES............................................................................................

REFERÊNCIAS..................................................................................................

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Símbolo e bandeira da República de Cabo Verde................................

Figura 2. Mapa de Cabo Verde e sua localização no contexto africano..............

Figura 3. Organograma do “Sistema Educativo” cabo-verdiano.........................

Figura 4. Resumo da Agenda Estratégia do Governo de Cabo Verde para 2011-

2016..............................................................................................................

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Professores formados e alunos, do ensino básico ao secundário,

distribuídos por salas, ano letivo 1984 –1985.....................................................

Quadro 2. Evolução da estrutura do “Sistema Educativo” – números de

jardins e Escolas..................................................................................................

Quadro 3. Alunos matriculados por ano de estudos e sexo, segundo as

instituições de formação......................................................................................

Quadro 4. Distribuição de vagas por Escolas.....................................................

Quadro 5.Informações sobre os cursos...............................................................

Quadro 6.Disciplinas estudadas no ensino básico de Jovens e Adultos, em

Cabo Verde.........................................................................................................

Quadro 7.Professores por habilitação literária, segundo a instituição de

formação e distribuição percentual em 2011-2012.............................................

Quadro 8. Alunos matriculados por sexo, segundo o grau de formação............

Quadro 9.Estrutura e organização de carreiras do Pessoal Docente, segundo

os níveis...............................................................................................................

Quadro 10.Organização do novo Estatuto de Carreira do Pessoal Docente e

Investigador.........................................................................................................

Quadro 11.Organização do perfil e cargo do pessoal, por níveis de formação...

Quadro 12.Cursos realizados pela DGEFA........................................................

Quadro 13. Configuração dos títulos dos textos do projeto................................

Quadro 14.Cursos de formação de professores em exercício realizados pelo

IUE – Instituto Universitário da Educação, ano letivo 2012-2013.....................

Quadro 15. Professores com formação e resultados do ensino básico e

secundário, período letivo 2007-2010................................................................

Quadro 16. Escolas e professores do ensino básico selecionados para

participação da pré-experiência com planos de estudos e materiais

didáticos..............................................................................................................

Quadro 17. Escolas e professores do ensino secundário selecionados para

participação da pré-experiência com planos de estudos e materiais

didáticos..............................................................................................................

Quadro 18. Desenho curricular para educação e formação geral de pessoas

adultas..................................................................................................................

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LISTA DE SIGLAS

ALUPEC Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana (o Crioulo)

APC-CV Associação dos Professores Católicos de Cabo Verde

CC Círculos de Cultura

CESP Cursos de Estudos Superiores Profissionais

COI Conceito Operatório Isolado

CPLP Comunidade de Países de Língua Portuguesa

EBI Ensino Básico Integrado

ECCA Educação Cultural Canária

EFJA Educação e Formação de Jovens e Adultos

EFPEBI Escola de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado

EMP Escola do Magistério Primário

ES Ensino Secundário

EUA Estados Unidos da América

DCFGPA Desenho Curricular para a Formação Geral de Pessoas Adultas

DEEE Departamento de Educação Extraescolar

DGAEA Direção Geral de Alfabetização de Adultos

DGEBS Direção Geral do Ensino Básico e Secundário

DGEFA Direção Geral de Educação e Formação de Adultos

GOP Grandes Opções do Plano

ICF Instituto da Condição Feminina

ICIEG Instituto de Igualdade e Equidade de Gênero

IDEA Instituto para o Desenvolvimento da Educação de Adultos

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IEFP Instituto de Emprego e Formação Profissional

IP Instituto Pedagógico

IRI Instrução Radiofónica Intercativa

IESIG Instituto de Ensino Superior Isidoro Graça

INAG Instituto Nacional de Administração e Gestão

INIDA Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário

ISCEE Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais

ISE Instituto Superior da Educação

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ISECMAR Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar

IUE Instituto Universitário da Educação

LBSE-CV Lei de Bases do Sistema Educativo de Cabo Verde

MED Ministério da Educação e Desporto

MEES Ministério de Educação e Ensino Superior

MPD Movimento Para a Democracia

PAICV Partido Africano para Independência de Cabo Verde

PAIGC Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde

PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PC Plano Curricular

PdT Pedagogia do Texto

PEE Plano Estratégico da Educação

PN – EPT Plano Nacional de Educação para Todos

SEFA Serviço de Educação e Formação de Adultos

OMCV Organização das Mulheres de Cabo Verde

OMD Organização Mundial para o Desenvolvimento

RFA República Federal Alemã

UFES Universidade Federal do Espírito Santo

UNICA Universidade Intercontinental de Cabo Verde

Uni-CV Universidades de Cabo Verde

Uni-Piaget Universidade Jean Piaget

US Universidade de Santiago

VOC Vocabulário Ortográfico Comum

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INTRODUÇÃO

Reflexões preliminares: trajetória pessoal, acadêmica e profissional

Os desafios, as mudanças e as transformações que emergem ao longo do

desenvolvimento permanente dos seres humanos representam uma das grandes

preocupações na minha vida. Isso porque tenho como um dos balizamentos de minha

trajetória, o acreditar no processo educativo e de formação, como questões

fundamentais ao ser humano para se construir e se reconstruir, sobretudo considerando

as diferentes dimensões da vida.

Os movimentos de construção e reconstrução contribuem de forma permanente e

sistemática, na qualidade e no significado de vida de cada pessoa, no ambiente, no

espaço e no contexto em que cada um se encontra inserido. Nesse sentido, ainda mais

considerando o tempo contemporâneo, tem-se como desdobramento a potencialização

da pessoa humana em seus processos e práticas de comunicação e a sua interconexão

com o mundo acadêmico, profissional e do trabalho. É nesse contexto que desenvolvi o

meu projeto de vida, sempre ligado à educação e formação para a vida pessoal,

acadêmica e profissional. Tanto é que, em 1977, pude trabalhar em instituições que

desenvolviam projetos e ações relacionados com a educação e formação.

A primeira Instituição na qual trabalhei foi a Organização da Juventude Africana

para a Independência de Cabo Verde, afiliada ao Partido Africano para a Independência

da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), hoje Partido Africano para Independência de Cabo

Verde (PAICV), partido no poder. Nessa instituição desempenhei a função de

datilógrafa e ajudei a sensibilização da juventude a fim de conscientizá-la a participar

ativamente das atividades de desenvolvimento do país que acabava de ser independente.

O lema da participação era “Estudo, trabalho, solidariedade e desenvolvimento local.”

Dois anos depois, fui solicitada para coordenar um projeto de alfabetização na

Organização de Mulheres de Cabo Verde (OMCV). O trabalho incidia sobre os

seguintes aspectos: selecionar alfabetizadoras, preparar e realizar a sua formação para

que, posteriormente fossem enviadas às comunidades locais com o fim de inscrever a

população nos Círculos de Cultura (CC). Nessa época, ou seja, em 1975, a taxa de

analfabetismo era muito elevada, ou seja, mais de 63,1% da população residente era

analfabeta. Relatos contam que, entre as mulheres, a taxa de analfabetismo era de 75%.

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Os CC eram dirigidos principalmente às mulheres, uma vez que mais da metade

dessa população era analfabeta.Os homens, entretanto, participavam ativamente. Todas

as diretrizes seguidas pela OMCV, no trabalho de alfabetização, eram baseadas nos

documentos oficiais do Ministério da Educação. O Departamento de Educação Extra-

Escolar (DEE), hoje Direção Geral de Educação e Formação de Adultos (DGEFA), é o

serviço que trabalha diretamente as questões de educação e formação de adultos. Para

coordenar adequadamente o projeto, em 1980, matriculei-me numa das escolas noturnas

para completar o 10º. ano de escolaridade (2º. ano do ensino médio).

Concluído o 5º. ano, candidatei-me para fazer o curso de Magistério em 1996.

Este curso durou três anos, e terminou com a elaboração de uma monografia, intitulada

“Métodos e Técnicas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos”, apresentada e

defendida perante uma banca examinadora, no Instituto Pedagógico (IP) de Cabo Verde.

Na construção dessa monografia tive a orientação de uma brasileira, cujo nome é

Nilmar Ferreira, pedagoga de formação e professora do IP. Ela esteve em Cabo Verde

para conhecer a realidade do país, e permaneceu por longo tempo lecionando no

Instituto.

Completado o Magistério, candidatei-me para mais uma jornada acadêmica, em

busca de mudanças e transformações dos processos e das práticas de alfabetização,

educação e formação em Cabo Verde. Para dar prosseguimento aos meus estudos,

participei de prova seletiva ao curso de Bacharel em “Estudos cabo-verdianos e

portugueses”, oferecido pelo Instituto Superior da Educação (ISE), curso esse que durou

três anos e concluído em 2001. Ao final do curso foi elaborada monografia sob o tema

“Recensão crítica sobre a obra da escritora Maria Isabel Barreno intitulada – Senhor das

Ilhas”, apresentada e defendida à banca examinadora.

Com a implantação de uma das primeiras universidades no país, a “Jean Piaget”,

matriculei-me no curso complementar de Licenciatura em Ciências da Educação, Práxis

Educativa, Variante de Direção Pedagógica e Administração Escolar, visto que havia

feito três anos de curso de Bacharelado, no ISE, restando dois anos de complementação

em Licenciatura. A conclusão desse curso, em 2003, seguia a mesma linha dos

anteriores,qual seja,elaborar a monografia, apresentá-la e defendê-la à banca

examinadora; monografia esta sob o título: “O ensino-aprendizagem nos círculos de

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cultura em Cabo Verde: caso do centro de reabilitação de adolescentes e jovens de Lém-

Cachorro1 e da Cadeia Civil da cidade da Praia”.

Na época, trabalhava no Ministério da Educação, na Direção Geral de

Alfabetização e Educação de Adultos (DGAEA). A minha função era elaborar os

currículos, projetos e programas para a formação; elaborar guias e manuais didáticos

para utilização nos círculos de cultura; planejar e realizar ações de formação para

coordenadores, animadores e orientadores pedagógicos, em todas as ilhas do País. Esse

trabalho se realizava por meio de formação presencial, semipresencial e a distância, em

todas as ilhas.

Os programas, os manuais e os métodos de ensinar e aprender tinham como base

as propostas sugeridas por Paulo Freire, ou seja, Tema gerador e Palavra geradora. O

universo do vocabulário, composto por palavras geradoras e objetos de estudo girava

em torno da vida do povo cabo-verdiano – educação, saúde, alimentação, estudo,

família, comunidade, desenvolvimento, trabalho, - entre outros, constituindo-se em

oportunidade de reflexão sobre as diversas situações-problema de ensino e da

aprendizagem, com base no contexto no qual funcionavam os CC.

A observação de aulas foi significativa, uma vez que permitiu constatar como os

formandos estavam progredindo na aprendizagem de temas e conteúdos estudados nas

disciplinas de língua, matemática e ciências integradas (geografia, história e ciências

naturais), disciplinas essas exigidas no ensino básico em Cabo Verde.

Não obstante, durante o trabalho de coordenação e de formação, pude perceber

alguns pontos limitantes na transposição didática dos conteúdos e conhecimentos por

parte dos alfabetizadores animadores. O trabalho acontecia de forma padronizada,

regrada e, muitas vezes, se resumia na passagem de informações, apresentando

fragilidades no que tange à fundamentação e à articulação teoria-prática. O relatório

apresentado descrevia os aspectos considerados “positivos” e “negativos”, bem como as

sugestões de melhoria a serem cumpridas pelos animadores2.

O Ministério da Educação, em 1985, lançou edital de concurso em busca de

especialistas formadores, com a intenção de criar uma equipe móvel de formadores para

dar conta dos CC existentes em todo o país. Essa equipe tinha por missão buscar

outros/novos conhecimentos e saberes que pudessem minimizar e/ou ultrapassar as

1 Nome de uma das comunidades da periferia da cidade da Praia Capital de Cabo Verde. 2 Professores/as que trabalham com a educação e formação de jovens e adultos. Para além de lecionar as

disciplinas de língua portuguesa, matemática e ciências integradas, desenvolvem atividades de animação

e de ordem sociocomunitária, junto à população que atendem.

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condições limitadoras da forma de trabalhar, principalmente, no que se referia à

preparação de conteúdos de formação de animadores no trabalho de planejamento e à

transposição didática dos conteúdos a serem ensinados e aprendidos pelos formandos

nos CC.

Para desempenhar o cargo com maior eficiência e qualidade, significado e

consistência, a equipe selecionada da qual eu também pertencia passou por processo de

formação inicial e continuada. Nessa caminhada em busca de formação, a equipe foi

aprofundar seus estudos na Europa, no período de 1990 a 1996, mais especificamente,

nas Universidades Clássica, Nova, Aberta de Lisboa e na Unidade de Educação de

Jovens e Adultos, no Minho, em Braga, Portugal. A formação constituiu-se em cursos

de especialização promovidos por meio de convênios com as referidas universidades.

Tais cursos contemplaram as seguintes temáticas: desenho curricular; desenvolvimento

e estrutura curricular, organização de aulas, planificação e supervisão das escolas;

gestão de grupos em formação; programação, desenvolvimento e avaliação de ações de

formação; comunicação audiovisual; educação intercultural, desenho, organização e

desenvolvimento de projetos educativos e formativos; avaliação dos processos e das

práticas de formação.

Em 1997, conheci a PUC/SP por conta de outro convênio estabelecido entre o

Ministério da Educação de Cabo Verde, Instituição que já trabalhava com a Educação

de Jovens e Adultos, em São Paulo, mais diretamente com formação dirigida aos

professores formadores, coordenadores e orientadores pedagógicos. Os temas debatidos

no curso relacionavam-se com o planejamento de aulas, acompanhamento e orientação

pedagógica, avaliação dos processos e práticas de ensinar e de aprender, entre outros.

Importante e muito frutífero foi também o convênio de formação, realizado com

a Cooperação Austríaca (1995-1998), cujo conteúdo foi a Especialização em formação

de formadores de micro e pequenas empresas. Este convênio foi significativo na história

da Educação de Jovens e Adultos em Cabo Verde, já que vários projetos foram

financiados para a formação profissional visando capacitá-los na busca do primeiro

emprego e na consecução de autoemprego para interagir com o mundo de trabalho.

Jovens e Adultos ingressaram massivamente no mundo do trabalho, assim como,

parte deste segmento conseguiu organizar o seu próprio emprego e/ou prosseguir

estudos no nível médio e no ensino superior.

A experiência, a prática e a vivência direta foram fundamentais na construção de

minha trajetória profissional e pessoal, sobretudo as advindas dos estudos na

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Universidade de Genebra, na Suíça; na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, em Vitória, no Brasil; na Rádio

ECCA, nas Canárias, em Las Palmas – Espanha – e Portugal.

Na Suíça, a formação incidiu em nível de especialização de formadores, na área

de Ciências Sociais e Língua; na UFES, em Estudos Avançados em Educação (nas áreas

de línguas, matemática, ciências sociais, didática geral e didática específica, sociologia

e psicologia da educação, TIC etc.).

Na Espanha, Canárias na Rádio ECCA, o curso de formação proporcionou a

elaboração de: manuais com as diretrizes do novo Desenho Curricular para a Formação

Geral de Pessoas Adultas (DCFGPA); proposta para o reconhecimento, validação,

acreditação e certificação dos cursos de formação geral de pessoas adultas; e material

impresso e didático para a realização de curso de formação dirigida nas modalidades

presencial, semipresencial e a distância. Os cursos de formação se consolidaram com a

avaliação da produção de material didático no âmbito do desenho curricular da

formação geral de pessoas adultas, emitidos via rádio (2007-2010), para todo o país.

Essa caminhada em busca de novos desafios e significados para os projetos de

formação foi fundamental para o exercício da escuta, da observação e, sobretudo, pelo

surgimento das muitas indagações e questionamentos que, por sua vez, possibilitaram

profunda reflexão e análise crítica sobre as minhas próprias práticas, o que me permitiu

descobrir novos caminhos em direção à integração e articulação do trabalho acadêmico

com o trabalho profissional e com a formação na contemporaneidade; razão pela qual

regressei à PUC/SP, em 2005, ambiente que outrora marcou minha visão e ação de

pesquisadora, em busca de aprimoramento com vista a apresentar novos propósitos de

intervenção profissional ao Ministério da Educação e Desporto de Cabo Verde.

O Mestrado realizado no Programa Educação: Currículo, concluído em 2006,

com a elaboração, apresentação e defesa da Dissertação, sob o tema “As condições de

produção de textos escritos em língua portuguesa, para usuários da língua cabo-

verdiana”, permitiu-me repensar sobre algumas questões relacionadas ao modo como

tem sido realizada a formação professores em Cabo Verde.

O Mestrado na PUC/SP foi graças a um convênio estabelecido entre o Ministério

da Educação de Cabo Verde e o IDEA - Instituto para o Desenvolvimento da Educação

de Adultos, com sede na Suíça - Genebra (para atender aos formadores da África

Francesa e do Haiti) e no Brasil - Espírito Santo – (para atender aos formadores da

América Latina e de Cabo Verde). Os professores doutores da PUC-SP envolvidos no

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projeto foram Alípio Casali, Antônio Chizzotti, Branca Ponce e Ana Maria Saul, que

mais marcaram a vida acadêmica e profissional da equipe dos cinco cabo-verdianos que

participaram do Mestrado e da Especialização.

Nessa caminhada, centrada nas questões voltadas à formação, especificamente,

às pertinentes ao processo de preparação e de realização, as indagações e reflexões

críticas sobre a minha prática, foram aumentando. O contato com os professores da

PUCSP, por ocasião do Mestrado, foi relevante. Nesse contexto, destaco a

problemática referente ao ensino e aprendizagem de línguas num país que tem como

língua materna, o “Crioulo” e, como língua oficial, o Português; esta última, direciona o

processo ensino-aprendizagem. Pouco ou nada se considera a língua materna, ao ensinar

a língua portuguesa e outras disciplinas.

Esses questionamentos, talvez, possam ser analisados de forma mais abrangente

e profunda, não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também político-institucional.

Contudo, a questão de ensinar e aprender línguas constituiu elemento de discussão em

vários eventos nacionais e internacionais, nos quais tive o prazer de participar, bem

como em entrevistas, no decorrer dos últimos 10 anos.

Acredito que tais preocupações fizeram-me repensar, de forma mais crítica e

consciente, a questão da qualidade da formação que os professores e as professoras de

Cabo Verde vêm recebendo para construir e fazer a docência, motivo pelo qual retornei

ao meio acadêmico para desenvolver pesquisas, em busca de respostas e de subsídios

concretos viáveis à inovação e renovação na esfera da formação docente.

Especificamente, refiro-me a temas e estudos voltados à formação do professor,

aos critérios de avaliação, às técnicas e estratégias, às modalidades e abordagens

utilizadas, entre outros, que permitem a que cada professor desenvolva suas

capacidades, diversidade de competências, habilidades, destrezas, atitudes e valores

necessários e indispensáveis para o desempenho seguro do trabalho docente. Constitui-

se entre as exigências do mundo contemporâneo, a busca por maior consistência e

efetividade na ação educativa e formativa no contexto de ensino e da aprendizagem.

Os aspectos acima considerados, além de proporcionarem ao professor, maior

segurança e permanência na atividade docente, podem também, trazer elementos que

contribuam, de alguma forma, no processo de reconfiguração dos sistemas educacionais

impactando no redimensionamento de projetos e programas de formação,assim como na

ressignificação da docência em Cabo Verde; proposta esta ainda distante da real

condição da prática educativo - formativa.

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Por essa razão, para melhor entendimento da temática em questão, segue a

justificativa que objetiva o problema da pesquisa.

Justificativa: objetivando o problema de pesquisa

Percebo que por meio da relação e articulação entre a formação acadêmica e o

trabalho profissional, as comunidades, a sociedade, os países e o mundo podem mudar e

transformar. Tomando por base esta assertiva é que se propõe o seguinte como objeto de

pesquisa: a formação de professores e o trabalho docente em Cabo Verde: articulação

teoria-prática a luz das políticas públicas, diretrizes do Governo de Cabo Verde.

Segue-se então, para o desenvolvimento do presente estudo, a seguinte questão

norteadora:

Como as políticas públicas direcionadas para a formação de professores em

Cabo Verde vêm contribuindo para requalificar e ressignificar o trabalho docente?

Tal questão central desdobra-se nas seguintes questões complementares:

A configuração dos projetos, programas, currículos e planos de estudo estão

congruentes com as reais e concretas necessidades educativas e formativas do país e

com as exigências do mundo contemporâneo?

A formação inicial e continuada de professores permite apropriar e aperfeiçoar

de conhecimentos, saberes e práticas fundamentais que mudem e transformem suas

atuações acadêmicas e profissionais, contribuindo para a articulação teoria-prática no

contexto escolar?

Para melhor entendimento do problema da pesquisa, construo a justificativa

trazendo algumas reflexões críticas, em discussões no país, focalizando a formação

inicial e continuada de professores.

Entendo como fundamental apresentar as articulações que se estabeleceram entre

o meu percurso individual, acadêmico e profissional, tramas que me permitiram

descobrir algumas fragilidades e limitações, principalmente no que concerne ao trabalho

sobre a prática de observação de aulas, sobre os processos e práticas enquanto

professora formadora; aspectos que me possibilitaram repensar criticamente, o trabalho

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que venho realizando no Ministério da Educação, na Direção Geral da Educação e

Formação de Adultos (DGEFA).

No rol de atividades por mim desenvolvidas, uma das funções era a de

acompanhar as atividades desenvolvidas pelos CC; constatei, por exemplo, que em uma

das ilhas de Cabo Verde, onde se pensava ter sido erradicado o analfabetismo, durante

as campanhas de alfabetização de massa ocorridas na década de oitenta, havia pessoas

que, embora também passado pelo processo de alfabetização, deixaram de ler e de

escrever, incorporando à condição que se pode nominar de “analfabetismo de retorno.”

Questionando sobre as possíveis causas que levaram a esse retorno, compreendi

também que a formação, tanto dos animadores quanto dos formadores, foi insuficiente

e, muitas vezes, inadequada ao contexto, devido ao fato de sua organização e gestão

terem ocorrido de forma rígida, regrada e fragmentada, sobretudo na esfera da

fundamentação epistemológica e científica.

Por outro lado, o modelo de trabalho importado de outros países para Cabo

Verde não era condizente com as reais e concretas situações vividas pelo povo das ilhas

e, por conseguinte, as condições sociais, culturais e econômicas desta população não

estavam integradas e articuladas aos processos de ensinar e de aprender, principalmente

porque os conhecimentos dos educadores e animadores3 eram limitados, não apenas

pelo fato da formação ter sido tratada de forma fragmentada, mas, sobretudo, porque no

percurso educativo dos cabo-verdianos, os conteúdos estudados tinham como ponto

central o que se herdou da história de sua colonização. Sob essa perspectiva, animadores

e professores obtiveram em sua formação acadêmica e profissional algumas limitações e

dificuldades para lidar com as reais necessidades da população, com reflexo direto no

encaminhamento do processo ensino-aprendizagem.

Seguindo essa lógica, muito provável também os processos e as práticas

relacionadas ao ensinar e ao aprender, nos CC, para além das dificuldades no lidar com

diferentes níveis de aprendizagem, de conhecimentos e saberes, os formadores

3Animadores são alfabetizadores e professores. Com a reconfiguração do Plano de Estudo da

Alfabetização e Educação de Adultos e da formação de alfabetizadores para trabalhar com o referido Plano e nos Estudos nos Círculos de Cultura, os conceitos de ensinar e aprender na EJA também foram

revistos. Os alfabetizadores que, anteriormente, tinham como tarefa ensinar a Língua Portuguesa,

Matemática e Ciências Integradas (História, Geografia e Ciências Naturais) nas 1ª e 2ª fases passaram a

trabalhar com mais uma fase, a 3ª. Nessa reconfiguração também foram incorporadas outras ações,

atividades e tarefas de animação e desenvolvimento cultural e socio-comunitário – temas transversais –.

Entendeu-se que seria mais condizente com a realidade concreta do contexto cabo-verdiano substituir o

nome de alfabetizador por animador. Isto é, professores que trabalham com jovens, adultos. Os

animadores também necessitam frequentar os cursos de formação de professores para lecionar nesse

nível.

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encontravam-se também inadequadamente instrumentalizados para responderem de

modo consistente às questões de natureza científica, didática e pedagógica no processo

formativo dos próprios animadores(as) e professores(as),sobretudo pela restritiva

formação acadêmica e profissional.

Tal cenário atribui-se primeiramente à compreensão que se tinha sobre a

proposta de alfabetização, sugerida por Paulo Freire, como desarticulada, reducionista e,

na maioria das vezes, mal interpretada em sua verdadeira dimensão, essência e

amplitude, sobretudo em seu contexto histórico, político, cultural e social. Em segundo

lugar, porque a maioria dos formadores e animadores que utilizavam a proposta de

Paulo Freire (1994) não teve acesso aos livros dele, mas apenas a alguns fragmentos de

textos. E, como terceiro fator, porque a formação se realizava em fases, sem se

constituir em um processo, com base em estudo de temas e palavras geradoras que se

efetivava pela transmissão de informações superficiais, distante de uma abordagem

aprofundada, o que resultou em restrita fundamentação teórica, particularmente no que

diz respeito aos aspectos linguístico-discursivos.

Apesar de reconhecer que muito se conseguiu fazer em nível de educação e

formação de jovens e adultos, após a independência e, particularmente, após a Segunda

República, destacando a tomada de consciência da necessidade de mudança e de

transformação em dimensões da vida e do desenvolvimento humano dos cabo-

verdianos, compreendo que ainda falta muito por fazer, em razão das marcas de

fragilidade e debilidade não apenas em nível de conhecimentos linguísticos, mas

também em virtude da rentabilidade e exequibilidade dos projetos, currículos e

programas que valorizam a cultura europeia, em detrimento de uma educação e

formação que responda à realidade concreta da identidade cultural, social e política do

povo das ilhas de Cabo Verde.

Como parte da equipe de formadores, que além de realizar a formação,

prosseguia com aulas do ensino básico e secundário, minhas indagações foram

constituindo-se em latência, a ponto de me interessar por questões ligadas à formação de

professores (que lecionam no ensino básico e secundário) e de animadores (que

lecionam CC). Ambos – professores (as) e animadores (as) – passaram pelas mesmas

instituições de formação (IP e ISE hoje, universidades) e, por conseguinte, pelos

mesmos currículos e programas de formação para o exercício da docência.

Todavia, ressalto algumas diferenças de ordem metodológica que existem no

ensino e na aprendizagem de crianças e de adultos, e consequentemente essas devem ser

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consideradas no momento da preparação e da realização da formação de professores e

animadores. Apesar de ambos terem passado pelo Instituto Pedagógico voltado à

formação de professores para lecionar no ensino básico, preconiza-se a que os

animadores devam ter outros componentes próprios na sua formação, que se encontram

explicitados nos respectivos planos de estudo para a Educação e Formação de Jovens e

Adultos. Refiro-me aos conteúdos, aos métodos e às técnicas específicas para trabalhar

com jovens e adultos, que já trazem práticas e experiências pessoais, de vida

profissional, econômica, política, social e cultural.

Esses componentes, porém, ainda hoje, fazem falta nos currículos da formação

de alguns professores que estão trabalhando na formação de Jovens e Adultos e podem

ser observados facilmente, principalmente quando participo de reuniões de preparação

metodológica e de atividades de planejamento de aulas, quando assisto às aulas

desenvolvidas por um animador ou um professor. Os mesmos problemas de domínio e

apropriação de conteúdos específicos podem ser constatados em nível do ensino e da

aprendizagem de jovens e adultos e das crianças.

Pode-se observar que nem toda a ação de formação oferecida aos animadores

surtiu o efeito desejado e mostrou-se condizente com as reais necessidades e possíveis

expectativas dos estudantes.

Como exemplo, podemos citar a forma como se ensinava e se aprendia a língua

portuguesa, em muitos casos, ainda na atualidade, com base nas “tradicionais” cópias,

ditados, leituras e interpretação de texto e regras gramaticais. Os “erros” cometidos são

riscados por cima e/ou ignorados; por vezes, critica-se dizendo que, isso não é

“português”, que talvez fosse Crioulo! Não se faz um trabalho de análise do que se

considera “erro”, as suas causas e as consequências, assim como não se consideram as

possíveis soluções para ultrapassá-los.

O caminho mais fácil, do ponto de vista do professor, tendencialmente foi e,

ainda tem sido, a “punição”, pela atribuição de notas numa escola de 0 a 20 valores, ou

seja, “mau”, “medíocre” – nota de 0 a 9 valores – e, suficiente – nota de 9,5 a 12,5

valores, e, por fim, bom e muito bom – nota de 13,5 a 20 valores. Nas escolas, a língua

ensinada e valorizada ainda é a modalidade escrita e, por se tratar de alfabetização, são

ensinados e aprendidos, por meio de repetição e memorização de sílabas e palavras que,

por sua vez, se constituem em frases e/ou texto.

O desconhecimento, assim como, os desencontros que ocorrem no cotidiano

escolar com os processos e as práticas de ensino de línguas e linguagem podem

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representar em risco para o desenvolvimento da competência comunicativa que envolve

capacidades, habilidades e destrezas em saber ouvir, falar, ler, escrever, interpretar e,

sobretudo, compreender e apropriar a diversidade de gêneros textuais; aspectos que

qualquer língua exige para o sujeito se comunicar em contextos e situações

diferenciadas.

Ressalto também, que a situação da formação de docentes que ensinam línguas

em Cabo Verde é preocupante, uma vez que, são esses profissionais, os responsáveis

para ensinar línguas aos usuários do Crioulo, que precisam aprender não a língua

materna – o Crioulo – mas, sim, a língua portuguesa, que também não é a língua do

cotidiano das escolas. O que se quer enfatizar, é que a Língua Portuguesa é a única, até

o momento, utilizada para ler e escrever, mas, no entanto, para falar vale-se da Língua

“Crioulo” em todos os lugares, inclusive nas instituições de ensino. Assinala-se, assim,

a questão de que nas instituições do ensino básico ao superior ( mais especificamente na

sala de aula), a comunicação escrita e a leitura somente podem ser efetivadas em Língua

Portuguesa

Nesse sentido, entendemos como fundamental questionar o currículo para a

formação de professores na área de línguas, linguagem e comunicação.

Objetivando a busca de outras estratégias, metodologias, abordagens e formas de

ensinar a aprender, que alguns convênios foram efetivados, como o caso da Cooperação

com o “Institut pour le Développement et l’Educacion des Adultes”, (IDEA), de

Genebra, na Suíça, cujo Diretor, o Professor Doutor António Faundez, esteve em Cabo

Verde acompanhando os processos, as práticas e os resultados do ensino e da

aprendizagem em diversas escolas do país, particularmente nos Círculos de Cultura da

Alfabetização e Formação de Jovens e Adultos.

Na ocasião constatou que um dos grandes e mais complexos problemas do

ensino básico em Cabo Verde, é o ensino de línguas e a formação de professores e

animadores que atuam nesse nível. Dos aspectos verificados em salas de aula e em

Círculos de Cultura do ensino básico (1°. ao 6°. ano de escolaridade) e ensino

secundário recorrente (1°. ciclo – 7°. e 8°. anos de escolaridade), apontou a questão do

ensino da língua e linguagem como uma das problemáticas, sérias e urgentes a serem

repensadas.

Assim sendo, o convênio estabelecido entre o IDEA e o Ministério da Educação

– DGEFA (Direção Geral de Educação e Formação de Adultos) – propôs um

cronograma de trabalho a ser desenvolvido concomitantemente pelas duas instituições.

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Dois objetivos foram tidos como fundamentais: a formação de formadores e de

animadores em Estudos Avançados em Educação – ensino de língua e linguagem;

reestruturação e ressignificação dos currículos, planos de estudos e programas de

educação e formação de Jovens e Adultos, tanto no básico como no secundário (e

ensino recorrente), em Cabo Verde.

A inclusão do ensino secundário foi justificada pelo fato de os alunos

enfrentarem sérios problemas de aprendizagem, em várias disciplinas, particularmente

nas ciências exatas. Uma das razões dessa dificuldade está subjacente à própria

abordagem metodológica do ensino e da aprendizagem da língua portuguesa,

considerando que na sala de aula, durante o processo do ensinar e do aprender, os

alunos se comunicam em “Crioulo”, a língua falada em Cabo Verde, conforme já citado

anteriormente.

Os processos e as práticas de ensinar a aprender língua, linguagem e

comunicação - Crioulo – (língua materna dos cabo-verdianos) no cotidiano das escolas

foram objetos de pesquisa no Mestrado. E, nessa pesquisa propus-me discutir a

formação de professores e o trabalho docente em Cabo Verde.

No decorrer dessas observações, percebi também dificuldades na interpretação

de textos matemáticos devido às limitações na apropriação dos mecanismos linguísticos

e discursivos que potencializam a comunicação em suas diferentes modalidades e, por

vezes, em diversos contextos, níveis e situações da vida.

A própria formação da equipe pedagógica4, via de regra, não dimensiona o grau

de questões requeridas no processo do ensinar e do aprender. Por consequência, os

resultados têm demonstrado baixos níveis de apropriação da relação ensino-

aprendizagem, assim como, no que se refere à construção de conhecimentos necessários

ao domínio das línguas e de outras aprendizagens.

Assim sendo, e evidenciando a complexidade e a multidimensionalidade do

processo de ensinar, de aprender e de apropriação da língua para se comunicar, uma

nova proposta de formação de formadores e educadores foi sugerida, cuja abordagem

tem como alicerce a Pedagogia do Texto (PdT). No dizer de Mugrabi e Faundez,

A Pedagogia do Texto poderia ser definida como um conjunto de

princípios pedagógicos cuja base teórica é construída pelas ideias mais convincentes, para nós, de diferentes ciências, dentre as quais, se

encontram a linguística (linguística textual), a psicologia

4 Equipe pedagógica são professores que desempenham as funções de coordenadores de disciplinas, de

coordenação pedagógica e se ocupam por realizar com os docentes a preparação metodológica.

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(sociointeracionista), a pedagogia e a didática. Além disso, essa

abordagem toma em consideração os conhecimentos mais avançados

de disciplinas a aprender e a ensinar, assim como as pesquisas pertinentes. (MUGRABI; FAUNDEZ, 1999).

O objetivo da PdT é propor um ensino-aprendizagem eficaz que permita aos

participantes dos processos educativos se apropriarem qualitativamente de

conhecimentos necessários para compreender e, se possível, transformar a realidade

natural e sócio-histórica, de maneira a se desenvolverem enquanto seres humanos.

É nesta linha de pensamento que, o então Diretor Geral da Educação de Jovens e

Adultos do Ministério da Educação e Desporto, António Carlos Lopes da Silva, pediu

que eu coordenasse o projeto denominado “Pedagogia do Texto”. A experiência foi

realizada em duas ilhas do país: Santiago, nos concelhos5 da Praia, Santa Catarina e São

Miguel e em São Vicente, cidade de Mindelo. As ações, atividades e tarefas

desenvolvidas em Cabo Verde giraram em torno de cursos de formação de formadores,

em nível de Estudos Avançados, realizados dentro e fora do País.

Este projeto foi financiado e durou 4 (quatro) anos, ou seja, abrangeu o período

de 2002 a 2006. Participaram dele, além da equipe de Cabo Verde, formadores,

educadores, professores e monitores do Brasil, Haiti, Colômbia, Equador, Guatemala,

El Salvador, Congo, Benin e Moçambique, que estavam envolvidos com a experiência

do referido projeto.

Durante esse curso, foi elaborado um projeto para a formação de formadores em

nível de especialização e pós-graduação, primeiro com a Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES) e, depois, com a PUCSP, no Programa Educação: Currículo –

em nível de Especialização e Mestrado.

A pesquisa sobre o problema do processo de ensinar e aprender línguas permitiu

ainda observar e compreender algumas implicações didático-pedagógicas da formação

inicial e continuada de professores (equipe pedagógica), os processos, as práticas e os

resultados da relação ensino-aprendizagem.

Questionou-se também, o modo como os estudantes interagem com as

formações realizadas ao longo desses anos, e o quanto têm contribuído ou não para a

5 Em todas as ilhas existem pequenas cidades. E, cada cidade tem um prefeito, responsável por um

conjunto de comunidades que formam Concelhos. Exemplo da cidade de Assomada, concelho de Santa

Catarina. Cidade da Praia que é a Capital do país tem um conjunto de pequenas comunidades (concelhos)

que são geridas por um Presidente da Câmara (no Brasil, é o prefeito da cidade de São Paulo, por

exemplo).

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qualificação de professores, educadores e gestores, resultando em ressignificação do

trabalho docente e reconfiguração dos diversos conteúdos de formação, com vistas à

melhoria da qualidade de ensino e do sistema educacional em Cabo Verde.

Entendo que uma tese que tenha como tema de pesquisa, a formação inicial e

continuada de professores, educadores e gestores, seja de grande interesse para o

sistema educacional, contribuindo com análises, reflexões críticas e alternativas de

formação possíveis de serem experimentadas, praticadas e questionadas para as futuras

ações de formação de agentes educacionais em Cabo Verde.

Segue-se com o questionamento do tema da pesquisa para melhor situar e

delimitar o nosso campo e foco de estudo.

Questionando sobre o tema da pesquisa

Para uma compreensão mais alargada proposição da pesquisa é que apresento

pontos problematizadores do tema em questão, qual seja, “a formação de professores e

trabalho docente em Cabo Verde: articulação teoria-prática, enfatizando a formação

inicial e a continuada.”

Interessa-me compreender como processar essas reflexões e análise e como estas

poderão ser revistas, renovadas, atualizadas e configuradas considerando as concepções

epistemológicas e psicopedagógicas advindas dos discursos científicos e didáticos

subjacentes a diferentes premissas educativas e formativas. O que se propõe é discutir,

refletir e redigir a tese de doutorado que tem como propósito maior, conhecer e

compreender a formação de professores e o trabalho docente em Cabo Verde.

Apesar de considerar que a formação de professores em Cabo Verde teve

avanços e ganhos significativos nos últimos 38 anos, período compreendido entre a

independência do país até a presente data, esses avanços vêm sendo reconhecidos por

muitos, como é o caso realçado pelo anterior Ministro da Educação da Primeira

República, Corsino Tolentino6, ao dizer que não conhece um único país que tenha feito

tanto progresso em educação como Cabo Verde, em tão pouco tempo, conforme matéria

do Jornal A Semana (2012, p.11).

Tal afirmação pode estar vinculada ao fato de que nesses 38 anos da

independência do país, que contava com 63,1% de população analfabeta, hoje conta

6 A qualidade do ensino em Cabo Verde está longe do que seria desejável, conforme citado no Jornal A

Semana, 2012,p.11.

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com menos de 21% da população, dos 15 aos 49 anos de idade - faixa etária sugerida

para campanhas de alfabetização e Educação de Jovens e Adultos no país. Esses

avanços no campo da Educação podem ser também, frutos dos esforços conjuntos de

diversas instituições de educação e de formação, com destaque para o papel

preponderante do Instituto Pedagógico (IP), hoje Instituto Universitário da Educação

(IUE), do Instituto Superior da Educação (ISE) – hoje Universidades de Cabo Verde

(Uni-CV), entre outros, voltadas à formação de professores e à equipe técnico-

pedagógica, nos últimos anos.

Acredito que grande parte dos professores das escolas básicas e secundárias do

país tem ou está em busca de uma formação superior que dê sentido ao seu trabalho

educativo, o que representa em melhoria considerável na formação dos profissionais da

educação.

No entanto, vale a pena indagar sobre a formação inicial e continuada em Cabo

Verde, em suas premissas, fundamentos, objetivos, desafios e perspectivas. Busco,

nessa pesquisa, compreender quais as proposições do governo em relação a esta matéria,

uma vez que, as diretrizes emanadas pelo Ministério da Educação estão surtindo efeito,

tanto na formação de professores, quanto no trabalho docente, na ação da equipe

pedagógica, na aprendizagem de conhecimentos por parte dos alunos e,

consequentemente, no incentivo à requalificação das atividades e ações no cotidiano

escolar.

Pareceu-me de extrema importância e de grande interesse para o país refletir,

quando se lê o artigo do Ministro Corsino Tolentino que diz reconhecer apesar dos

avanços e progressos na educação em Cabo Verde, que a qualidade do ensino está longe

do que seria desejável. Seguem alguns registros enfatizados por ele: necessidade que o

país tem de promover o domínio da língua portuguesa; que o Governo tem de

reconhecer o esforço dos pais; que só uma percentagem pequena de jovens conseguirá

emprego em Cabo Verde; que as universidades cabo-verdianas ou se consolidam ou se

extinguem, enfatizando que neste momento, nenhuma universidade de Cabo Verde

forma alunos competitivos para o mercado mundial. (JORNAL A SEMANA, 2012,

p.11).

Na mesma linha de pensamento, o Ministro da Educação da Segunda República,

José Luís Livramento, afirma que a qualidade de ensino está cada vez pior em Cabo

Verde, alertando que o modelo da Universidade Pública, adotado “não serve”.

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Pensar que os professores são pilares do sistema; priorizar o ensino

básico e secundário, questionando sobre que ensino para Cabo Verde

e as ineficiências do sistema de ensino; e, o baixo nível de ensino e aprendizagem nas disciplinas de matemática, ciências e tecnologia.

(JORNAL A SEMANA, 2012, p.12).

Do mesmo modo, João Silvestre Alvarenga, pesquisador da área de educação e

formação, destaca em matéria do Jornal A Semana (2012, p.10), dois problemas da

educação e formação: a falta de qualidade e o aprofundamento das desigualdades pré-

existentes em Cabo Verde.

Nesta perspectiva, faz-se premente refletir sobre quais as implicações

epistemológicas, didáticas e psicopedagógicas das formações realizadas em contextos

educativos diferenciados, em Cabo Verde, podem “desestabilizar” os avanços e a

credibilidade do trabalho docente. A presente tese pretende discutir e trazer algumas

reflexões críticas que possam promover debates e outros questionamentos para

dignificar as políticas públicas direcionadas à educação e formação no país.

Todavia, faz sentido que esta temática aborde alguns aspectos inerentes “à

historiografia da formação de professores em Cabo Verde”, em cujo foco, neste

trabalho, é a formação inicial e continuada de professores em contextos e situações de

aceleradas mudanças.

Faz-se necessário identificar quais outros aspectos estão atrelados aos currículos,

aos programas e aos planos de estudo relacionados com o sistema educacional e,

sobretudo, com o trabalho docente. O que se quer enfatizar é a organização para atender

a essas questões e, como a formação de professores poderá contribuir para o

entendimento dialógico e a mudança de comportamento, atitudes e valores, de forma

exequível, considerando a justiça social e a cidadania ativa, aspetos que também são

parte do desenvolvimento, da vida e da ação humana.

Cabo Verde é hoje um país que recebe povos de diversos países do mundo,

particularmente, da China e da África. Escolhem Cabo Verde para trabalhar em várias

áreas e domínios públicos e privados, (em empresas, turismo, comércio, etc.). Observo

uma ampla diversidade linguístico-cultural e social que, no meu entender, poderia ser

um campo fértil de formação e de pesquisa. Mas, nessa pesquisa, limito-me à formação

de professores, ao trabalho docente e à articulação teoria-prática, focalizados na

formação inicial e continuada.

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Justificando o tema, o contexto e a questão de pesquisa, este estudo tem o intuito

de compreender, aprofundadamente, os pontos anteriormente considerados e, apresenta

como desdobramento, as seguintes interrogações:

a) como a educação e a formação de professores em Cabo Verde podem

contribuir para o entendimento, reconhecimento e diálogo sobre os diferentes

questionamentos referentes à configuração e à organização do currículo e

dos planos de estudo e ao desenvolvimento dos processos e das práticas de

trabalho docente?

b) a formação de professores e o trabalho docente têm contribuído para a

produção de sequências didáticas7e sua ressignificação por meio da

transposição didática8 de conhecimentos em processos de articulação teoria-

prática?

c) a articulação teoria-prática tem contribuído para proporcionar a

reconfiguração dos currículos e planos de estudo utilizados para a formação

do próprio docente e para que estes possam dinamizar e aperfeiçoar suas

ações, atividades e tarefas educativas em contextos diversificados?

d) Como a formação de professores e o trabalho docente contribuem para a

melhoria do sistema educativo cabo-verdiano?

As questões, conforme o meu entendimento, justificam e conduzem a uma ampla

reflexão crítica com vistas ao debate sobre a formação de professores na

contemporaneidade. E, como não poderia deixar de ser, as constatações, as indagações,

os questionamentos e as reflexões em construção sintetizam a justificativa e

contextualizam o objeto, o problema e os objetivos da presente pesquisa.

7 A sequência didática consiste num conjunto de atividades ordenadas estruturadas e articuladas para a

realização, entre si, de certos objetivos educacionais que têm um princípio e um fim conhecido, tanto

pelos professores como pelos alunos. Dolz; Schneuwly (2004, p.97) definem a sequência didática como sendo um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero

textual oral ou escrito. A sequência didática tem como finalidade ajudar o aluno a dominar melhor um

gênero de texto, permitindo-lhe, assim, a escrever ou falar de maneira mais adequada numa dada situação

de comunicação. (ZABALZA, 1998, p.18). 8A transposição didática consiste em colocar na prática aquilo que constitui conhecimento e saberes

expressos numa sequência didática, articulando os aspectos teóricos às questões da realidade concreta do

contexto, do cotidiano das escolas, dos alunos e da sociedade educativa e formativa contemporânea. A

transposição didática consiste na relação e na articulação teoria-prática. É por meio da transposição

didática que se dá significado aos conhecimentos ensinados e aprendidos. (TAVARES, 2006, p.135).

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Pretendo deixar explícito, alguns elementos que possam permitir a busca da sua

pertinência cultural, social e econômica para os professores, em Cabo Verde, e que, nos

próximos capítulos, iremos aprofundar.

A relevância do tema pode ser muito importante para o país, não apenas pela

emergência na necessidade de indagar mais sobre os enfoques, os paradigmas e as

abordagens sugeridas para a formação de docentes, mas pela preciosidade que é o

trabalho docente em contexto de mudança e transformação, que se vive em muitos

países. É imperativo que Cabo Verde se comunique e interaja com o mundo

“globalizado”, na “contemporaneidade”.

Objetivando a metodologia da pesquisa

Os objetivos e as metodologias que proponho utilizar para esta pesquisa

possibilitam construir uma reflexão permanente e sistemática não apenas de uma visão

macro, mas também de uma perspectiva micro, evidenciando os aspectos da vida

educativa e de formação em Cabo Verde.

Atendendo às preocupações e valorizando o estudo focado em reflexão sobre a

formação de professores, em suas diferentes dimensões e complexidades, defino como

objetivo da pesquisa: Compreender a formação inicial e continuada de professores em

Cabo Verde em contexto de mudanças.

Para operacionalizar e efetivar o objetivo da pesquisa proponho como

metodologia de trabalho trazer à discussão alguns embasamentos e referencial teórico

que se assentam em dois aspectos essenciais: o estudo bibliográfico e a análise

documental. Para dar prosseguimento à metodologia adotada foram realizados

levantamento e análise historiográfica, cuja natureza e dimensões ressaltaram alguns

princípios orientadores subjacentes à verificação, organização, sistematização e análise

de diferentes fontes de informação e de conhecimentos que conduzem à compreensão da

situação da formação de professores no país em articulação com o mundo

contemporâneo.

O arcabouço teórico constitui-se num vaivém permanente e sistemático nos

textos diferenciados e disponíveis, o que nos permite aproximar do que Karel Kosik

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(1997, p.13) menciona [“a coisa em si não se manifesta imediatamente ao homem. Para

chegar à sua compreensão é necessário fazer não só,certo esforço, mas um détour 9 ”].

Neste sentido, o meu discurso prosseguirá numa perspectiva analítica e dialética,

com base em autores e obras significativos, ao longo desse estudo documental. A

Constituição da República, o Programa e os Planos Estratégicos do Governo10, as

Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação para a formação de professores, as

leis e os regulamentos, os relatórios, entre outros documentos constituem, também,

fontes fundamentais para esse trabalho.

O estudo bibliográfico, ao contemplar diferentes obras, de autores conceituados

constitui-se em base teórica importante para fundamentar os conceitos e as concepções

utilizados na formação inicial e continuada de professores. O conjunto de autores e

obras, entre as quais, a de Chizzotti (2008) permite atribuir maior consistência,

significado e compreensão do processo de formação de professores, a articulação teoria-

prática e como as formações têm contribuído para o desenvolvimento da competência

intelectual, científica e tecnológica dos profissionais docentes, partindo das diretrizes

consignadas no país e para o futuro da educação e formação em contextos de mudança e

transformação em Cabo Verde.

Para ampliar e aprofundar o estudo busca-se consolidar a pesquisa com alguns

textos que orientam o pensamento e a ação do professor em contextos educativos,

realçando a relação teoria-prática. Busca-se ainda o aporte teórico, marco conceitual,

considerando o currículo e questões relacionadas não só à identidade linguística-cultural

em Cabo Verde, realçado por Veiga (2004) e Duarte (2003), mas também, associadas ao

que diz Menezes (2009, p.202), “(...) a formação de professores pode ser construída de

maneira a contemplar as necessidades dos seus agentes sociais e atender à função básica

do processo de ensino-aprendizagem (...).”

Entre as fontes consultadas, destacam-se as diferentes diretrizes emanadas do

governo (currículos, programas e planos de estudos), suas premissas, princípios e

fundamentos referentes à formação de professores, educadores e gestores, articulando e

integrando a relação teoria-prática no trabalho docente em contexto de mudanças. Sendo

assim, os pressupostos teóricos que fundamentam a construção textual relacionam-se

com algumas abordagens que se atrelam:

9‘Detour entendido aqui como um movimento, um vaivém em busca da construção de conhecimento que

aproxima da realidade concreta e possível de ser socializado e partilhado em outras vivencias

educacionais e formativas. 10 Plano Estratégico do Governo de Cabo Verde para 2012-2016.

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a) às especificidades de Cabo Verde, sobre as quais destacamos documentos

oficiais do Governo – Lei de Bases do Sistema Educativo n. 103/III/90, de 29 de

dezembro; Grandes Opções do Plano (GOP 2002-2005); Plano Nacional de Educação

para todos (PN – EPT) – 2003 a 2010; Plano Estratégico da Educação (PEE) 2003-

2013; Programa do Governo VIII Legislatura 2011-2016. Algumas dissertações, teses e

obras publicadas pelos autores cabo-verdianos serão consideradas nesse estudo. Alguns

manuais que os professores usam nas escolas básicas e secundárias, e materiais

impressos utilizados na formação de professores, educadores e gestores, jornais e

revistas especializadas e outras fontes que informam e formam sobre o assunto poderão

também ser analisados;

b) a autores que discutem e refletem sobre os conceitos e as concepções da

formação de professores, sobre os desafios da formação de professores para

ressignificação e a requalificação do trabalho docente na contemporaneidade, em

contexto de mudanças e transformações, são importantes para a análise e a reflexão

crítica na construção da nossa pesquisa. Com base em Queluz e Alonso (2003), por

exemplo, são considerados textos que buscam compreender o processo de formação e se

dispõem a enfrentar novos desafios do trabalho docente. Sacristán (1999), por sua vez,

também com a obra “Poderes instáveis em educação”, propõe reflexões que nos

conduzem a apreciações sobre o significado da relação teoria-prática na atividade

docente, entre outros autores.

Isto posto, a tese em questão apresenta a seguinte estruturação:

Na Introdução é apresentado o percurso da autora, articulando a trajetória

individual, social, acadêmico e profissional. Acresce-se com a justificativa, o objeto de

estudo, o objetivo e a metodologia da pesquisa, com destaque para a pertinência da

temática e as motivações que direcionaram a este estudo.

No primeiro capítulo discuto a Educação em Cabo Verde, contextualizo o campo

de estudo, destacando dois aspectos para o seu entendimento: a situação geográfica,

social e cultural de Cabo Verde e uma breve história da educação em Cabo Verde.

O segundo capítulo, por sua vez apresenta a construção do referencial e

pressupostos teóricos que orientam a fundamentação da pesquisa. Prossegue-se com

questionamentos a respeito da formação de professores e o trabalho docente, partindo de

reflexões teóricas e destacando alguns conceitos e concepções subjacentes à formação

de professores em contexto de mudanças e transformação, aspectos presentes na

contemporaneidade.

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No terceiro capítulo, considera-se especificamente, a formação de professores

em Cabo Verde, tomando por base as políticas públicas direcionadas à formação inicial

e continuadas dos professores. Completa-se com algumas reflexões sobre como os

currículos, os programas e os planos de estudo de formação se articulam na relação

teoria-prática.

No quarto capítulo, apresenta-se a análise da pesquisa. Essa análise é traçada

considerando-se as relações entre a formação de professores, o trabalho docente e a

articulação teoria-prática no contexto cabo-verdiano, à luz das políticas públicas do

Governo de Cabo Verde. Faz-se breve menção sobre as discussões relacionadas às

modalidades da formação presencial (P), semipresencial (SP) e a distância (AD).

A questão das “competências” está no foco da formação, nas políticas públicas

entendida em Cabo Verde, como forma de renovar e inovar os currículos, os programas

e os planos de estudo para a formação, favorecendo na dinâmica da organização e da

gestão dos cursos de formação. O texto desse capítulo discute também aspectos alusivos

à estrutura e à organização do sistema educacional no país.

Por último, as considerações apresentam contribuições assinalando perspectivas

e desafios do sistema educacional cabo-verdiano, com repercussão em possível

reorganização das diretrizes do Ministério da Educação e políticas públicas direcionadas

à formação de professores e à ressignificação do trabalho docente, para, em última

instância, dinamizar e fortalecer a apropriação de conhecimentos, em suas diferentes e

múltiplas dimensões nas atividades e tarefas da articulação teoria-prática.

A seguir, apresenta-se o primeiro capítulo sobre a Educação em Cabo Verde,

contextualizando o campo de pesquisa e trazendo reflexões sobre princípios,

perspectivas e desafios do Governo e do Ministério da Educação.

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CAPÍTULO 1

EDUCAÇÃO EM CABO VERDE

1.1. Contextualizando o campo de estudo

O presente capítulo contempla breve historiografia sobre a Educação em Cabo

Verde, mediante a apresentação de resenha que contextualiza o país no mundo,

destacando sua origem, formação e, principalmente, alguns elementos sócio-históricos e

culturais que possibilitam maior entendimento e compreensão do tema em discussão

nesta tese.

Cabo Verde tornou-se um país livre e independente, nação soberana e laica, em

1975: uma República. Por conta disso, o seu novo símbolo, a sua bandeira, também foi

construída. A Figura 1 representa a bandeira e o símbolo da República de Cabo Verde.

Figura 1. Símbolo e Bandeira da República de Cabo Verde

Fonte:

https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chromeinstant&rlz=1C1OPRB_enBR589BR589&ion=1&es

pv=2&ie=UTF-8#q=SIMBOLO%20E%20BANDEIRA%20DE%20CABO%20VERE

Este capítulo se constrói sobre os pressupostos históricos que contribuíram para

alavancar a Educação em Cabo Verde e criar uma nova condição para o

desenvolvimento intelectual do povo das ilhas.

Para tanto, recorre-se a autores, documentos oficiais do Governo, alguns

escritos, entre outros, que nos orientam no desenvolvimento e construção dessa

temática, na tentativa de compreender os possíveis impactos que a formação de

professores em Cabo Verde tem exercido ou não, no processo de construção do trabalho

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docente. E, por conseguinte, de que maneira essa formação articula a relação teoria-

prática, promovendo o crescimento consciente dos estudantes, por meio da atividade de

ensinar e de aprender, e, ao mesmo tempo possibilitando o desenvolvimento da

autonomia, da liberdade, da mudança e transformação do indivíduo, em suas múltiplas e

diferenciadas dimensões da vida humana.

1.1.1. Cabo Verde, origem e formação: situação sócio-histórica, política e cultural

Cabo Verde é um país de origem vulcânica, constituído por dez ilhas e cinco ilhéus,

com um total de 4033 km2 de superfície, situado cerca de,455 km da costa Ocidental da

África, no Oceano Atlântico. Geograficamente, as ilhas estão localizadas na

encruzilhada de três continentes11: Europa, África e Américas e se agrupam em:

a) Ilhas situadas mais a Sotavento: Santiago, Maio, Fogo, Brava, ilhéus desabitados

de Santa Maria (junto à cidade da Praia), Lis Carneiro, Sapado, Grande e de

Cima.

b) Ilhas situadas mais a Barlavento: Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São

Nicolau, Sal e Boa Vista; e ilhéus desabitados – dos Pássaros (São Vicente),

Branco e Raso.

Figura 2. Mapa de Cabo Verde e sua localização em contexto africano

Fonte:

https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chromeinstant&rlz=1C1OPRB_enBR589BR589&ion=1&espv=2&ie=

UTF-8#q=MAPA%20DAS%20ILHAS%20DE%20CABO%20VERDE

11Outras informações, como Mapa Mundo, podem orientar no posicionamento e a localização geográfica

de Cabo Verde em relação aos contextos europeu, africano e oceânico.

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Oficialmente, admite-se que as ilhas de Cabo Verde tenham sido encontradas

pelos portugueses durante duas viagens sucessivas entre 1460 e 1462. Por volta de

1462, foi instalado nas ilhas de Santiago o primeiro núcleo populacional.

Ainda hoje, questiona-se sobre a real situação: Cabo Verde foi descoberto ou

achado pelos portugueses? Cabo Verde foi descoberto ou achado apenas pelos

portugueses e/ou pelos brancos europeus? Cabo Verde foi povoado pelos brancos

europeus ou apenas pelos portugueses, além dos negros da costa da África? Quem

realmente colonizou Cabo Verde foram os portugueses e/ou os brancos europeus? Não é

nossa intenção responder a essas questões, mas, tão somente indagar sobre aspectos que

dizem respeito à história e cultura do povo cabo-verdiano e, que talvez possam ser

objeto de reflexão crítica em outras oportunidades.

Importa conhecer e compreender tais questões, precisamente porque de alguma

forma, constituem em elementos a dimensionar, principalmente, o cotidiano das escolas

no qual se observam diversidades linguísticas, tanto do ponto de vista das diferenças

dialetais, que interferem nos discursos dos usuários da língua cabo-verdiana – o Crioulo

– como do ponto de vista dos estudantes da língua oficial - o Português.

Todavia, algumas opiniões e/ou argumentos dizem que Cabo Verde já existia

quando os portugueses ali chegaram. Se for assim, foi “achado ou encontrado”, visto

que são ilhas que estavam espalhadas no mar, talvez tenham sido vistas por navegadores

de outras paragens do mundo, europeus que não eram necessariamente apenas

portugueses. Senão, vejamos

À chegada dos marinheiros portugueses, na segunda metade do século XV, Cabo Verde, no dizer de alguns historiadores, encontrava-se

desabitado. As terras então achadas não só eram pequenas como

também não tinham recursos no subsolo e as suas condições agrícolas eram muito reduzidas. (VEIGA, 2002, p.5).

Outros dizem que foram os portugueses, em suas primeiras viagens de caminhos

marítimos para a Índia, que avistaram pela primeira vez um “Cabo”. Esse “Cabo” se

tratava de Cabo Verde. No entanto, alguns escritos na literatura cabo-verdiana narram e

“confirmam” que Cabo Verde foi descoberto pelos portugueses durante as viagens de

caminhos marítimos para a Índia.

Tudo leva crer que esta tese seria a mais adequada, não só pelo fato de que o

país foi colonizado durante 500 anos pelos portugueses, como também, o próprio

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Marquês de Pombal traz algumas descrições dizendo que “(...) em 1757, confiou a

administração dessas ilhas à Companhia de Grã Pará e Maranhão, numa experiência que

durou vinte anos, tendo em jogo o comércio de escravos (...)”. Tal menção induz a

considerar que Portugal tenha se declarado como o descobridor de Cabo Verde.

A capital de Cabo Verde, de início foi instalada na Ribeira Grande, hoje antiga

Cidade Velha, da qual provém o próprio nome (Ilha de Santiago) que, em 1652, foi

transferida da Vila de Ribeira Grande para um local mais defensável militarmente, na

Praia, atual cidade da Praia, a capital do país. (FORTES, 2006, p.10).

A Ilha de Santiago, por exemplo, particularmente a Cidade de Ribeira Grande

funcionou dos séculos XV ao século XVII, como espécie de placa giratória de tráfico de

escravos. Os negros eram capturados em grande número, na costa Ocidental da África;

em seguida, eram trazidos para a Ribeira Grande onde eram ladinizados (aprendizagem

dos rudimentos da língua e da religião) e, depois, exportados em situações desumanas e

degradantes, tanto para a Europa (sobretudo para os portos de Sevilha e de Lisboa),

como para as Américas, principalmente do Sul.

Apesar de, no século XVI, a economia escravocrata ter alcançado o seu auge, o

seu declínio teve início nas primeiras décadas do século XVII; o sistema somente foi

banido de Cabo Verde, na segunda metade do século XIX. O fim do sistema

escravocrata permitiu um desenvolvimento mais voltado para os exíguos recursos que o

meio proporcionava (agricultura, criação de gado e pesca); todavia, o sistema de

dominação colonial continuou sendo praticado marcado por barbáries, a começar pela

negação de elementares direitos sociais, políticos e culturais à população subjugada.

(FORTES, 2006, p.10).

Fernandes (2002, p.36) assinala que o fato de nunca terem existido em Cabo

Verde, grandes latifúndios, os escravos foram destinados, prioritariamente à exportação

ou aos serviços domésticos. Ao aportarem nas ilhas, eles eram ladinizados, tornado-se

aptos para a venda ou para uso caseiro. Essa vocação doméstica da escravatura local

estaria na base de duplo assenhoreamento: do trabalho escravo e da própria escrava.

Ao se referir sobre “a crioulização da sociedade no submundo da colonização”,

Fernandes (2002) afirma:

Desde a carta régia de 1472, num quadro de sistemáticas violações de todas as medidas decorrentes, o colonizador branco transformou-se de

vassalo a rival do rei. Tendo como ancoradouro humano o negro-

africano, ele converteu-se em autentico “contrafator” da Coroa, não

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parando nem de navegar, nem de procriar, fazendo surgir tanto em

economia como em etnia uma nova realidade, porém, no bojo dessa

realidade aparentemente sua, ele iria experimentar importantes reveses pessoais e institucionais, de que a crioulização, processo pela qual os

traços originários perdem preponderância em relação aos localmente

adquiridos, constitui uma das mais contundentes expressões. Ela recobriu praticamente todas as esferas da vida social, obrigando

grupos transplantados a um permanente exercício de reajuste.

(FERNANDES, 2002, p.34).

No entanto, nesse processo de “ladinização” e de “crioulização”, constatou-se

que os escravos negros, para fugirem das amargas torturas dos patrões, inventaram

sinais e símbolos para se comunicar e se defender de algumas atrocidades dos

poderosos, de então.

A língua que os cabo-verdianos utilizam “o crioulo” tem origem nesse esforço

dos escravos em se comunicar entre eles. É nessa discussão que Veiga (2002, p.5-6)

considera que a língua - o Crioulo de Cabo Verde – é um dos elementos socioculturais

mais nobres emergidos dessa humanização e cultura islenha, por vezes, fruto de férteis

reencontros e, por outras, resultante de confrontos marcados pela defesa da dignidade.

(VEIGA, 2002, p.5-6).

O autor afirma ainda que, curiosamente, a escravidão, que é sofrimento e

negação da dignidade humana, gerou um elemento patrimonial de que não só nos

orgulhamos como também nos dignifica. A língua cabo-verdiana é deste modo, a nossa

bandeira cultural e um dos elementos mais significativos do nosso cartão da identidade.

(VEIGA, 2002, p.5-6).

Neste sentido, pode-se dizer que a situação linguística em Cabo Verde se

caracteriza pela presença de duas línguas: o Crioulo e a Língua Portuguesa. Enquanto a

portuguesa é oficial e utilizada no ensino, na literatura, na mídia e nas situações formais

de comunicação, o Crioulo é a língua de comunicação na família, língua de tradições

orais, principal suporte musical, isto é, língua da oralidade e das situações informais de

comunicação. (TAVARES, 2006, p.17)

Interessa assinalar que o estatuto da língua cabo-verdiana - o Crioulo –, hoje,

tem possibilitado a escrita e publicação de vários livros, artigos e textos de gêneros

diversificados na língua cotidiana dos cabo-verdianos, ou seja, na língua nativa, a

materna. E, por conseguinte, esses gêneros de textos estão sendo escritos em diferentes

dialetos, utilizados para se estabelecer a intercomunicação nas ilhas.

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Todas essas questões contribuíram para repensar o homem e a mulher cabo-

verdianos em sua verdadeira essência e dimensão, valorizando por um lado, a língua

materna dos cabo-verdianos e, por outro, a conscientização de políticas públicas

direcionadas à educação e à formação; de que é possível alfabetizar o povo na sua

própria língua e que essa língua pode servir para ensinar e aprender conhecimentos, em

diferentes níveis e âmbitos de complexidade.

No dizer de Veiga (2004), a situação linguística que se vive no país permite que

a língua portuguesa seja considerada como língua de prestígio e o Crioulo de Cabo

Verde, sempre tenha estatuto de menoridade, chegando mesmo o seu uso a ser

considerado desprestigiado.

Mas, como se constituiu o Crioulo de Cabo Verde? Segundo alguns

pesquisadores (historiadores e linguistas), o Crioulo de Cabo Verde resultou do

povoamento das ilhas, com o processo de colonização portuguesa. Outros dizem, ainda

que o Crioulo resultou da miscigenação entre as línguas africanas (dos escravos

oriundos da Costa Ocidental da África) e línguas europeias (dos brancos europeus

oriundos de diversos países da Europa), na tentativa de comunicação entre os negros e

os seus senhorios brancos,dando origem ao que se nomina de Pidgin. Com a evolução, o

Pidgin deu origem à língua, que hoje, é designada por Crioulo de Cabo Verde ou

Crioulo cabo-verdiano.

Interessa realçar que esse processo de miscigenação entre os brancos europeus e

negros da costa africana fez com que emergisse o povo cabo-verdiano. E a pidginização,

que se acredita, presente na formação do Crioulo de Cabo Verde, é aprofundada no

texto de Brito12(2003, p.97-98), intitulado “A interdisciplinaridade no ensino superior

em Cabo Verde”.

Esse autor considera que o tráfico e o comércio de escravos requeriam a

chamada “ladinização” de muitos deles, para poderem servir de amas, mordomos,

cozinheiros e outras funções de trabalho braçal. Outra questão abordada é que a

multiplicidade de etnias africanas entre os escravos confinados provocou troca ímpar de

experiências e a formação paulatina de um sentimento de solidariedade e da capacidade

de transmissão de ideias e de pensamentos por processos não verbais, ou por uso na

12 Disponível em:www.uninove.br/PDFs/.../eccos/eccos_v5n1/eccosv5n1_jorgebrito.pdfde

BRITO, J.S. A transdisciplinaridade no ensino superior em Cabo Verde. Revista EccoS, São

Paulo, n.1, v.5, p. 95-113, jun. 2003. Acesso em: 26 set. 2014. [Brito, J.S. é Professor Catedrático e Vice-

Reitor da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde].

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comunicação verbal de onomatopeias e metáforas sugestivas e, assim, nasce o Pidgin e,

mais tarde, o Crioulo. (BRITO, 2003, p.97-98).

Pensar Cabo Verde em seus aspectos históricos, sociais, culturais e econômicos

remete-nos a considerar sua reestruturação e reorganização em cinco períodos

constitutivos de Nação, como República soberana, livre, independente que hoje

vivemos:

1º. - do achamento /descoberta das ilhas à independência do País;

2º. - da Primeira República - que vai da independência de África Portuguesa,

destacando a da Guiné-Bissau e Cabo Verde, pelo então, Partido Africano para a

Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC);

3º. - da Primeira República, - que vai do Partido único no poder (PAIGC), à Segunda

República, o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV),

considerado a democrática;

4º. - período em que se processou a abertura política para a participação de mais

partidos políticos no desenvolvimento do País, no qual o Movimento Para a Democracia

(MPD) assumiu o poder no país por meio de eleições livres e democráticas;

5º. - do pluripartidarismo, em que mais de 3 (três) partidos políticos emergiram no país -

contribuindo de alguma forma, para a consolidação da democracia e o desenvolvimento

do país.

Nesses períodos e processos de desenvolvimento histórico, político, social,

cultural, econômico etc., grandes foram os desafios para mudanças e transformação

tanto em nível das leis, regulamentos, projetos, programas e currículos que interferiram

de forma significativa, na educação e formação no país.

1.2. População cabo-verdiana: demografia e mobilidade

1.2.1. Povoamento das ilhas

É bom lembrar que quando os brancos europeus atravessaram o Atlântico, em

busca de caminhos marítimos para as Índias, avistaram um “cabo” com aves de rapina e

marinhas, bem como pequenas vegetações. Escritos informam que Cabo Verde não

tinha ninguém quando lá chegaram os primeiros navegadores europeus, mas o clima

parecia “ameno”, agradável e propício para a prática de agricultura, criação de gados e,

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sobretudo, para ser um entreposto comercial entre as Américas e a Europa, ou seja, para

outros países além-atlântico.

Alguns escritos informam que dadas às características climáticas, os brancos

europeus tiveram muitas dificuldades em se adaptar ao país. E, por isso, foram buscar

na costa africana, pessoas, ou seja, negros, que pudessem trabalhar a terra e servissem

os senhores que, por força da coroa portuguesa, teriam que ficar no país para sua

exploração, assim como aconteceu em outros países africanos, nomeadamente a África

portuguesa (Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau).

Os europeus, nas suas viagens em busca de mares e terras, - caminhos marítimos

para a Índia- e, principalmente pela costa africana, trouxeram negros, começando, deste

modo, o povoamento de Cabo Verde que, por sinal, pela sua posição geográfica e

climática, rapidamente se transformou em uma poderosa rota para comércio de escravos

entre os continentes – Europa e América. Nesta senda, foi necessário povoar o país, e,

pela via da miscigenação, como referida anteriormente, os escravos foram “preparados”

ao processo de “ladinização”, ou seja, a eles foram ensinados os primeiros rudimentos: a

educação.

Dessa forma, o país foi se constituindo e sendo povoado, a partir de 1462, por

negros da costa africana e brancos europeus. Hoje podemos constatar que, em todas as

ilhas, a população aumentou apesar de, em Cabo Verde, existir uma acentuada migração

populacional enfatizando a mobilidade entre as ilhas.

1.2.2. Evolução e estrutura da população de Cabo Verde

A população cabo-verdiana cresceu nos últimos 38 anos, em um ritmo diferente

dos períodos intercensitários. Com efeito, a taxa de crescimento médio anual que na

década de 1980 foi de 1,5%, aumentou para 2,4% na década seguinte, para decrescer

entre 2000 e 2010 e atingir um nível de 1,2%.

Segundo os dados do Censo de 2010, a população cabo-verdiana era de 491.875

pessoas residentes (incluindo os sem abrigos) em todo o território nacional. A quase

totalidade (98,5%) destas pessoas estava presente com seus respectivos agregados no

momento censitário.

A população residente, resultante de uma mestiçagem entre colonos europeus e

escravos africanos que se fundiram num só povo, o Crioulo, a língua materna dos cabo-

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verdianos representa segundo estimativas do Instituto Nacional de Estatística de Cabo

Verde, cerca de 480.000 habitantes em 2006 numa proporção de 48% homens / 52%

mulheres. Concentrando-se essencialmente nos meios urbanos (55% da população),

Santiago é a ilha mais populosa, com mais de 50% dos habitantes, seguindo de São

Vicente (15%) e Santos Antão (11%). Esta população está instalada numa área de 4.033

km², o que resulta numa densidade populacional média de 119 hab./km².

A população cabo-verdiana é marcadamente jovem na sua faixa etária, com 40%

dos efetivos entre os 0-14 anos (estimativa 2005) e apenas 6% acima dos 65 anos. A

média de idade da população cabo-verdiana está por volta dos 24 anos.

A esperança média de vida, que em 1975 rondava os 63 anos, atinge, em 2003,

os 71 anos (67 para homens; 75 para as mulheres). A taxa de mortalidade infantil, que

em 1975 rondava os 1100/00 nascimentos vivos, representava, em 2004, um valor de

200/00 (440/00) em 1990; 260/00 em 2000, valor inferior às taxas de outros países de

categoria de rendimento semelhante.

A taxa de crescimento da população, dependente dos fluxos migratórios, situou-

se, no decénio 1990-2000, cerca de 2,4%, valor que se manteve constante até 2005. Daí

em diante, prevê-se que a mesma estabilize em torno dos 1,9%. Os agregados

familiares, em 2006, eram constituídos, em média, por 4,9 membros (5 no meio rural e

4,5 no meio urbano).

1.2.3. Evolução demográfica e imigração populacional em Cabo Verde

Devido à escassez de recursos naturais e à pobreza econômica da terra cabo-

verdiana (solos pobres, seca prolongada, etc...) desde cedo, a imigração se converteu na

única saída para o povo destas ilhas, de tal forma que grande parte da população de

primeira geração deslocou-se para o estrangeiro.

O fenômeno imigratório cabo-verdiano envolve um número significativo de

núcleos espalhados, com maior incidência, em 3 (três) continentes: África, Europa e

América do Norte. Se, do ponto de vista absoluto, o conjunto das populações de origem

cabo-verdiana no exterior é relativamente reduzido, por outro,quando comparado com

outras grandes diásporas mundiais, a dimensão é relativa (superior à população

residente no próprio país) com grau de dispersão que denota atenção.

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Contudo, também no âmbito das estratégias de consolidação política e

econômica do império colonial português, os cabo-verdianos assumiram um papel

relevante. Na Guiné foram utilizados como mão-de-obra, criando condições para a

posterior instalação de colonos. Em São Tomé e Príncipe e Angola de 1940 a 1950,

constituíram parte significativa da mão-de-obra que, desde o terceiro quartel do século

XIX, permitiu a instalação das plantações, sobretudo de café.

Finalmente, o maior nível de escolarização dos cabo-verdianos permitiu a que

esse contingente integrasse na condição de funcionários, o sistema de serviços públicos

e administração colonial portuguesa, nos atuais PALOP.

Se a imigração cabo-verdiana para os países da África assumiu um caráter

forçado; para os Estados Unidos da América (EUA), iniciada em fins do século XVII,

relacionou - se com a passagem dos baleeiros americanos pelos portos do arquipélago,

de tal forma que, os cabo-verdianos imigrados nesses baleeiros para os EUA fixaram-se

em New Bedford, entre outras cidades, para desenvolver atividades industriais e

agrícolas.

As restrições impostas à imigração para os EUA levaram à pesquisa de novos

destinos, com destaque para a Europa Ocidental, onde os elevados níveis de crescimento

do pós-guerra justificavam o recrutamento de mão-de-obra estrangeira. Portugal serviu

de plataforma giratória para outros países como Holanda (Rotterdam) e, mais tarde,

França, Luxemburgo, Itália e Suíça. A Espanha tornou-se também, no início dos anos

70, um destino para os cabo-verdianos ao fixarem-se na zona mineira de Léon, Madrid e

Galiza.

Estima-se que entre 1963-1973, mais de 100.000 cabo-verdianos tenham

deixado o seu País. Os principais destinos da imigração para os Estados Unidos

(Boston, New Bedford); Portugal (Lisboa, Setúbal, Porto e Faro); Holanda; Angola e

Senegal.

Hoje, observa-se que há um retorno à África, ou seja, movimento principalmente

para Angola, em busca de emprego em diversas áreas. Nota-se, também, que existem

alguns convênios para os estudantes realizarem os seus estudos superiores nas

universidades africanas, pois durante muitos anos, os destinos eram Portugal, França,

União Soviética (atual Rússia), Bulgária, Cuba, entre outros países.

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1.3. Refletindo sobre a Educação em Cabo Verde

Pode-se falar da educação em Cabo Verde, a partir do século XVI, momento em

que o país se organizou um pouco mais - após a descoberta e, sobretudo por conta do

povoamento das ilhas. Com a exposição sobre a História da Educação em Cabo Verde,

promovida pela Universidade de Cabo Verde, cidade da Praia, Biblioteca Nacional, de

15 a 22 de Junho de 2010, com apoio da Cooperação Portuguesa, comemorando os 35

anos da independência do país, foi possível recolher algumas informações pertinentes a

subsidiar na discussão e compreensão da Educação em Cabo Verde desde o período da

colonização portuguesa até a presente data.

Os alicerces do sistema educacional emergiram com os primórdios da educação

religiosa. As primeiras escolas de instituição pública laica se situavam na cidade da

Praia, na ilha de Santiago e na ilha da Brava. No entanto, a difusão e a organização do

ensino elementar, público e particular, só se consolidaram no século XIX. O primeiro

Liceu da Praia e de Cabo Verde foi em 1860. Destaca-se, também, na História da

Educação de Cabo Verde a criação do Seminário-Liceu na Ribeira Brava, ilha de São

Nicolau, em 1866.

A partir de 1910, nota-se uma decadência do “Templo do Saber” com a extinção

do Seminário-Liceu em 1917. O projeto de educação era eminentemente republicano e o

primeiro ordenamento do ensino foi em 1917, assistido pelo Liceu Nacional de Cabo

Verde (1917-26), pelo Infante D. Henrique (1926-38), por Gil Eanes (até 1974), em

Mindelo. Estes foram considerados locais de cultura em que revistas acadêmicas e

literárias (Claridade, Lantuna, Kultura, etc.) fluíram para o desenvolvimento dos meios

letrados, de então.

Nessa época, era uma educação regrada pelo colonialismo português. Carvalho,

2007, p.8 recorrendo a León (1991) afirma que a educação colonial, pautada pela

trilogia “conhecer, adaptar e assimilar”, que, segundo Gomes (1996, p.155) reproduzia,

de forma acentuada as assimetrias e as desigualdades observadas nas escolas

metropolitanas. Como expressa Antoine León (1991), “em termos de estatuto, o

colonizado é o proletário do colonizador, isto é o proletário dos proletários dos

europeus.”

O período de 1955-1970 sinalizou uma mudança de paradigma, ou seja,

momentos por meio dos quais a formação vocacional começou a ser valorizada,

principalmente, nas primeiras modalidades do ensino profissional desenvolvidas na

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Escola Industrial e Comercial de Mindelo, mediante a criação do ensino técnico público

e privado. Em relação ao percurso de edificação do ensino no Liceu, na capital, a seção

do departamento do Liceu Gil Eanes na Praia, em 1955 foi transformada em liceu

autônomo, em 1960. O mesmo aconteceu com o Liceu Adriano Moreira, entre outros,

no período de 1962 a 1975.

O roteiro do painel da exposição sobre a história da educação em Cabo Verde ao

expressar, entre aspas, a “Educação no Mundo que o Português Criou”, destaca a

“liberdade dentro da ordem” dos Skols, de Mindelo e a legitimação do Império pela

Mocidade Portuguesa, nos manuais “onde apenas e, obrigatoriamente se estudam temas

portuguesas”, conforme referido por Duarte (2003).

A primeira escola primária do arquipélago, chamada Escola Central (atualmente

conhecida por Escola Grande), durante muito tempo foi a única escola primária na

cidade da Praia. Somente a partir da década de 1960 é que começaram a ser erigidas

outras instalações para o ensino primário, em outros bairros ao entorno do Plateau13 e,

em outras localidades da ilha.

Praia também foi o primeiro sítio, em Cabo Verde no qual foi instituído o ensino

secundário, com a criação do Liceu Nacional, em 1861. No entanto, as autoridades

portuguesas não estavam interessadas em implantar o ensino secundário em Cabo Verde

e o Liceu foi desativado por dificuldades de manutenção, passando o ensino secundário

a ser, posteriormente, tarefa do Seminário de Ribeira Brava e, mais tarde, do Liceu em

Mindelo.

Só em 1960, é que Praia voltaria a ter ensino secundário, primeiro instalado num

edifício em frente à Praça 12 de Setembro, e, depois, em edifício próprio. Com a

massificação do ensino, em Cabo Verde, na década de 1990, vários edifícios dedicados

ao ensino foram construídos em Cabo Verde e Praia contava, em 2006, com 94 liceus

(ensino secundário) e com mais de 304 escolas do Ensino Básico.

Talvez, em função desse aumento do número de escolas, se possa trazer a

público que a ruptura com o ensino colonial fez com que a educação passasse a ser um

instrumento de transformação das relações sociais e de reconversão das mentalidades e,

por outro lado, a consagração do direito de todos à educação e à cultura.

É nesta busca por transformação que foram criadas as bases do “Sistema

Educativo”, e que a Educação pré-escolar passou a ser enquadrada nos objetivos de

13 Centro da cidade da Praia.

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proteção à infância. A partir de 1990, a escolaridade universal e obrigatória em Cabo

Verde era de 6 anos e, a partir de 2010, passou a ser de 8 anos. Há perspectivas de

avanço até o 12º. ano.

Num percurso de 38 anos, a partir da independência, Cabo Verde propôs um

ensino secundário modernizado, com formação complementar profissionalizante

valorizada segundo a Lei de Base do Sistema Educativo, de 2010. Essa Lei rompeu com

o estabelecido mediante a proposta de um paradigma programado para a aquisição de

conhecimentos técnico-científicos e a obtenção de uma especialização adequada.

Tratando-se da Alfabetização de Adultos, iniciada após a independência, esta

teve caráter de promoção sociocultural. De 1995 a 2005, o objetivo foi garantir o

desenvolvimento pessoal e social. De 2005 a 2010, a alfabetização e a educação de

adultos se inserem em um contexto mais amplo, ou seja, na aprendizagem ao longo da

vida.

Concernente às novas tecnologias de educação, o país passou a contar com uma

Rádio Educativa desde 1975, desenvolvendo programas de formação e informação

cujos conteúdos se relacionam com a educação e a formação.

A formação de professores iniciou-se com a Escola do Magistério Primário,

posteriormente, substituída pelo Instituto Pedagógico (IP) incumbido de formar

professores para atuar no ensino básico, realizando formação inicial e continuada e,

sobretudo, no exercício de função docente. Discutiremos, posteriormente, em capítulos

específicos, a questão da formação de professores em Cabo Verde.

Interessa destacar também, o papel e as ações sociais (ICASE) que vêm

promovendo programas socioeducativos, desde 1983, favorecendo os estudantes com

transportes, cantinas escolares, pagamento de mensalidade, concedendo alguma bolsa de

estudo e distribuindo, de igual modo, materiais escolares e de saúde escolar para a

população mais carente e/ ou pobre e a refeição para as crianças.

Um dos lemas proposto pelo Ministério da Educação que prossegue ainda hoje

é: “agarra o momento e constrói o futuro”. Esse, por sua vez, constitui um dos desafios

voltado ao combate do analfabetismo de retorno e à promoção dos valores da cidadania

e da cultural digital.

Ao construir a historiografia sobre a Educação em Cabo Verde, vale questionar

os desafios e as perspectivas contemporâneas que o Governo vem discutindo para os

próximos anos para a educação no país, com o intuito de promover mudanças e

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transformações nos homens e nas mulheres, em suas diferentes fases da vida cultural,

ética, moral, cívica, social, econômica, política, etc.

1.3.1. Educação em Cabo Verde: desafios e perspectivas

Cabo Verde por se constituir um país jovem, proclamado como nação livre,

independente e soberana há 38 anos, considerado democrático, ainda carrega marcas da

colonização portuguesa retratada em preocupações e constrangimentos em diversos

níveis e áreas, questões impulsionadoras aos pressupostos fundamentais para o

desenvolvimento humano no país.

Quanto à educação, a acentuada e deficiente falta de infraestrutura e condições

técnicas, pedagógicas e de gestão para a formação de quadros do pessoal e de recursos,

constituem-se em um dos principais vetores do desenvolvimento econômico do país.

Em se tratando das condições econômicas, financeiras, materiais e,

particularmente questões relacionadas com currículos, programas, plano de estudos, e,

sobretudo, de conteúdos que são incorporados nos manuais para ensinar e aprender, nas

instituições de educação e de formação, estas continuam sendo desafio para a renovação

e inovação educativa e formativa que se pretende para as gerações contemporâneas e

futuras.

Nos anos após a independência nacional, o governo, preocupado em fazer

caminhar e desenvolver o país utilizou medidas e leis que regulam e definem

mecanismos e estratégias para propor uma educação de qualidade que as novas gerações

exigem. A educação de qualidade entendida aqui, a aquela que educa, forma, muda e

transforma o indivíduo na vida e para a vida. Aquela que capacita o indivíduo para

interagir e intercomunicar em grupo, coletivo e socialmente com o mundo acadêmico,

profissional, e, sobretudo de ciências e tecnologias contemporâneas.

Em Cabo Verde, o Governo investiu de forma “massiva” na educação,

principalmente em campanhas de alfabetização de “massa”, casa-a-casa, realizadas

pelos alfabetizadores, voluntários, militares e ativistas sociais, ONGs, etc. Esse

investimento constituiu a “pedra de toque” para que os cabo-verdianos se

conscientizassem e fizessem com que o próprio governo descobrisse os próximos

passos, com maior veemência, segurança e abnegação para a educação, a formação e o

desenvolvimento humano.

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Realçamos algumas fases que constituíram a evolução da Educação e

Alfabetização de Jovens e Adultos, em Cabo Verde. Pesquisas realizadas em

documentos oficiais do Governo relatam que a Igreja Católica e as famílias se

encarregavam de ensinar a ler e a escrever, tanto em espaços religiosos, quanto na casa

das pessoas, de modo a que pudessem ler e participar nas cerimônias Sagradas. Isso se

deve ao fato de que as famílias não tinham condições econômicas e financeiras de

matricular seus filhos, mesmo nas poucas e distantes escolas existentes na época.

Registros contam que a educação básica de adultos iniciou na década de 60. O

Boletim Oficial n. 5, de 29 de Janeiro de 1966, despachado pelo Governador Leão

Rosário do Sarmento Monteiro, determinou e autorizou o funcionamento nos anos

letivos de 1965 - 1966, dos cursos de Educação de Adultos nos Concelhos/ilhas de Boa

Vista, Brava, Maio, Praia, Santa Catarina, São Nicolau, Ribeira Grande, Tarrafal de

Santiago e São Vicente.

Destacamos, a seguir, algumas etapas e períodos nos quais foram desenvolvidos

a Educação e a alfabetização:

1ª. etapa: período da independência nacional 1975 – o ensino estava voltado para

as crianças mais privilegiadas, significando que grande parte das crianças encontrava-se

fora do sistema educacional. Os adultos não estavam contemplados no sistema de

ensino. A taxa de analfabetismo era superior a 60% e, mais da metade, do sexo

feminino.

2ª. etapa: período pós-independência – a sociedade cabo-verdiana passa por

grandes transformações econômicas, sociais, culturais e políticas. A prioridade do

governo é a educação básica de crianças e adolescentes, jovens e adultos. O ensino

primário passou a ser “obrigatório” e de 4 anos. À essa altura, foram organizadas,por

voluntários ( estudantes e militares), as primeiras campanhas de alfabetização para

Jovens e Adultos. Parecia ser urgente e necessário aumentar a participação de toda a

população na luta contra o subdesenvolvimento e, esta era uma das formas mais eficazes

para promover a melhoria de competências educativas das pessoas.

O objetivo da campanha nacional de alfabetização era diminuir “rapidamente” a

taxa de analfabetismo. Como não havia manuais didáticos específicos para adultos,

foram utilizados os mesmos do ensino primário das crianças,assim como, os mesmos

métodos e as técnicas, ou seja, o processo de alfabetização orientado pelo método

silábico com utilização de cartilha.

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As lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas em função das

características fonéticas com a função de remeter aos padrões silábicos (a leitura era

feita por meio de “soletração”). Essas sílabas eram memorizadas e serviam para formar

palavras como, por exemplo, nome das pessoas (Antão, Bento, Carlos, André, etc.).

Percebe-se que o objetivo da primeira etapa da alfabetização era aprender a ler e

escrever os nomes das pessoas e as duas operações mais simples: adição e subtração.

3ª. etapa: período de 1976 a 1982 – considera-se o período da institucionalização

da educação e a alfabetização de adultos. Foi criado o Departamento da Educação

Extraescolar (DEEE) que dependia da Direção Geral da Educação. Nesse período foram

produzidos materiais didáticos e os primeiros manuais próprios para o público adulto

denominado “Nu Djunta Mo14.” Os métodos utilizados para ensinar a ler e a escrever

eram baseados nas propostas de Paulo Freire.

4ª. etapa: período de 1983 a 1987. Nesse período, o manual “Nu Djunta Mo” foi

substituído por outro denominado “Dja Djiga Ora15”, com apoio do Instituto de Ação

Cultural, Instituto Paulo Freire. Foi realizada a primeira ação de formação para

coordenadores e alfabetizadores em Cabo Verde para trabalhar em todas as ilhas e

concelhos do país. Os métodos utilizados eram voltados para a conscientização das

pessoas, e a pedagogia subjacente era construir, nessas práticas, um novo entendimento

sobre a relação entre a problemática educacional e a problematização social, antes

apontada como causa da pobreza, da marginalização, do analfabetismo, da

desestruturação social e da desigualdade.

Essas possibilidades permitiram que se refletisse de forma crítica e científica, a

alfabetização, a relação entre o educando adulto e a sua identidade, seus problemas e as

condições de superá-las. Neste âmbito surge o conceito de alfabetização científica. Daí a

emergência de uma profunda reflexão sobre as diversas e múltiplas dimensões da vida

humana: política, social, cultural, ética, estética, religiosa, implicadas a um forte

comprometimento entre o educador e o educando, cujas premissas embutem a visão de

Freire, qual seja, “A leitura do mundo precede a leitura da palavra.”

Essa evolução vem ocorrendo em virtude de parcerias estabelecidas entre as

várias instituições, como a Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), o

Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), o Instituto da Condição Feminina

(ICF), hoje Instituto de Igualdade e Equidade de Gênero (ICIEG), entre outras

14 Juntemos as mãos 15 Chegou a hora.

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instituições estatais e privadas, como empresas, e, sobretudo, as ONGs que se

disponibilizaram desenvolver estratégias para a educação e formação humana que

pudessem contribuir para o desenvolvimento pessoal, social e cultural do povo das

ilhas.

A parceria e a participação das instituições do Estado, das instituições privadas e

das ONGs incidiram em recursos técnicos, financeiros e, particularmente, nos aspectos

didáticos e pedagógicos. É importante destacar ainda, o papel preponderante dos

sindicatos e das organizações políticas e religiosas na dignificação e qualificação dos

profissionais da educação, sobretudo no que concerne à formação de alfabetizadores

respondendo, deste modo, às diversas necessidades e expectativas humanas no país.

5ª. etapa: período de 1987 a 1980 – em que a DEEE foi substituída por uma

Direção Geral e o subsistema de educação de adultos tornou-se autônomo. Assim,

surgiram os primeiros manuais elaborados pelos autores cabo-verdianos, utilizados já

nos anos letivos de 1997 e 1998.

A Educação Básica de Adultos (EBA) até 1994, era realizada em duas fases,

sendo a 1ª e a 2ª, num período letivo de 9 meses,cada, equivalendo a 4 anos de

escolaridade básica primária. Isso porque, a partir de 1991, o regime pluralista

democrático implicou a emergência de maior responsabilidade, participação das

populações em todas as dimensões da vida pública e a cultura letrada tornou-se cada vez

mais exigente.

6ª fase: período de 1995 a 1999 – foi implementada nova estratégia, com base

em novos objetivos, parte das orientações do governo. A faixa etária priorizada foi de

15 a 35 anos de idade. Uma equipe móvel de formação de formadores de adultos foi

criada em 1998, assim como foi criada legalmente a 3ª. fase de educação de Jovens e

Adultos, que completaria o ciclo de 6 anos de escolaridade básica “obrigatória”,

experiência piloto nas ilhas de São Vicente, Sal e cidade da Praia situada na ilha de

Santiago. Os resultados permitiram que no ano seguinte se generalizasse, para todo o

país, a 3ª. fase de alfabetização e educação de adultos, completando deste modo, as 1ª.,

2ª. e 3ª. fases, correspondentes aos 6 anos de escolaridade básica – “obrigatória”.

Foi instituída nessa época, a orientação de que a formação profissional e o

sistema geral de aprendizagem em centros específicos, como empresas ou serviços,

teriam como base parcerias e acordos, com protocolos produzidos e celebrados entre os

diversos departamentos e setores do Estado, assim como, pelo setor privado interessado

nos processos formativos de jovens e adultos. Essas parcerias fizeram com que nesse

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período, fossem alfabetizadas 40.999 pessoas na 1ª. fase e 28.925 na 2ª. fase; a taxa de

analfabetismo baixou para 30%, e a alfabetização e educação de adultos deixaram de ser

vistas como fenômenos de campanha, para serem consideradas parte de um processo

permanente e integrado no próprio processo de desenvolvimento sociocomunitário.

A partir de 1995, foram desenvolvidas atividades de animação comunitária para

consolidar as famílias e comunidades na mudança e transformação de suas práticas

cotidianas, envolvendo mais de 120.000 pessoas, e formação profissional básica com

mais de 6.000 pessoas. Tais atividades tinham como objetivos a inserção de Jovens e

Adultos no mundo de trabalho e a promoção social e cultural, por meio de criação e

desenvolvimento de bibliotecas fixas e móveis, com mais de 25 mil pessoas inscritas e

170.000 requisições de livros.

Para assegurar o acompanhamento e a reorientação didático - pedagógica das

atividades de alfabetização nesse período, foram organizados dois cursos de formação

em exercício de animadores - formação continuada. Esses cursos tiveram como objetivo

a operacionalização e configuração do Plano Curricular (PC) concebidos em duas

dimensões: desenvolvimento de aulas para Jovens e Adultos nos Círculos de Cultura e

microprojetos de formação profissional. Eles têm hoje uma carreira própria integrada no

Estatuto Pessoal Docente.

A partir de 1999, nova proposta de abordagem emergiu “Pedagogia do Texto”

(PdT), a qual permitiu uma melhor interpretação, entendimento, compreensão e

articulação com a proposta de Paulo Freire, utilizada já a algum tempo. Para a utilização

dessa abordagem – PdT -, nos Círculos de Cultura, duas condições foram necessárias: a)

formação de formadores, coordenadores, orientadores pedagógicos, animadores, (estes

em exercício de suas funções docentes), formação essa que ocorreu tanto no país, como

no estrangeiro; b) pesquisas e produção de materiais didáticos e pedagógicos (planos de

estudos para ensino de língua, ciências e matemática na educação básico).

A formação baseou-se na busca de métodos e de técnicas, bem como de algumas

abordagens que implicariam e orientariam estudos mais avançados em nível dos

programas e currículos, tanto da educação, quanto para a formação de professores no

país. Dessa formação, o novo Plano de Estudo elaborado (para ensinar e aprender

línguas, ciências e matemática) foi experimentado em três concelhos do país – São

Vicente, Santa Catarina e cidade da Praia.

Entendeu-se ser necessário introduzir mais uma fase, a 4ª. , que corresponde ao

7º. e 8º. anos de escolaridade, 1º. ciclo do ensino secundário. Essa fase visou agregar e

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articular de forma estruturada, organizada os temas e conteúdos das diversas disciplinas,

de modo a permitir a sua operacionalização em cursos de formação presencial,

semipresencial e a distância. Os cursos foram direcionados aos técnicos da Direção

Geral da Alfabetização e Educação de Adultos (DGAEA) - diretores, delegados,

coordenadores dos Concelhos, coordenadores de disciplinas, orientadores pedagógicos,

animadores, professores, tutores e o público em geral, dependendo de cada curso e da

área subjacente - e realizados graças à parceria e financiamento da Cooperação

Espanhola.

Entretanto, em 1979, a população de Cabo Verde atingiu o patamar de 275.613

habitantes, a maioria analfabeta. Outros registros apontavam para uma taxa de 63.1%, e

relatos em textos não oficiais contavam que a taxa de analfabetos na época da

independência era de 75%, da população residente. Isso se explica, talvez, por falta de

escolas em todos os níveis de ensino e a distância a percorrer para ter acesso e

frequência às mesmas, aliado ao fato de muitas pessoas não terem possibilidades

econômicas para frequentar o ensino secundário e superior nos principais centros

urbanos. Os filhos das famílias que tinham recurso econômico e financeiro puderam

formar-se dentro e fora do país.

Analisando alguns dados estatísticos apresentados pelo INE (Instituto Nacional

de Estatística), vemos que apontam ainda para a diminuição de 12% de 1990 para 2000.

Na faixa etária dos 15 aos 35 anos, a taxa de analfabetismo passou de 19% para 7,6%, e

os resultados apresentados mostraram não existir grande disparidade entre os sexos. O

analfabetismo foi muito mais elevado entre as mulheres, exceto na faixa etária dos 15

aos 35 aos, onde a diferença foi só de 1,3%. Esses dados fizeram com que o Estado

focalizasse as propostas e ações de alfabetização nas mulheres acima dos 35 anos.

Para responder a essa exigência, a DGAEA, instituição vocacionada para

trabalhar com Jovens e Adultos, passou a desenvolver ações voltadas para a educação e

formação de pessoas na faixa etária dos 15 a 35 anos, considerando as suas expectativas

e necessidades imediatas, a médio e em longo prazo, uma vez identificada nesta faixa

etária, maior contingente de analfabetos, resultantes de desistência e/ou abandono do

ensino formal.

Hoje, podemos contar com avanço significativo tanto em termos de

infraestrutura, quanto de recursos destinados aos que pretendem estudar, mesmo com a

consciência de que, parte significativa de pessoas não dispõem de condições para

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participar desse bem precioso, que é estudar, por razões sobejamente conhecidas -

econômicas e financeiras.

Os objetivos e as perspectivas institucionais propostas são: promover a inclusão

social, integrando a pessoa na vida ativa, a nível pessoal, familiar e profissional,

desenvolvendo capacidades, habilidades, competências cognitivas, científicas, técnicas,

profissionais, em diferentes domínios e áreas de conhecimento, de modo a que possam

interagir e dialogar em contextos diferenciados da vida.

Todavia, os objetivos e as perspectivas da educação nos parecem bastante

complexos e profundos porque antes da independência não existiam e nem faziam parte

do sistema, da estrutura organizativa da educação, as escolas de jardins-de-infância.

Mesmo que existissem não eram acessíveis a toda população. Somente um grupo

reduzido de pessoas tinha acesso e condições de frequentar jardins, creches e escolas.

De igual modo, um grupo reduzido da população se interessava em estudar visto que, as

condições e recursos econômicos eram precários e até inexistentes.

Lembramos que a educação básica elementar, que era de quatro anos, também

não acessível a todas as crianças e o ensino secundário se restringia a um número

reduzido de alunos. No corpo docente, para o básico e o secundário, apenas 19% se

consideravam ter formação adequada para o exercício da atividade docente.

Nos anos após a independência, o país esteve voltado para o trabalho da

reconstrução nacional, realizando reformas paulatinas em todos os níveis, contextos e

planos de desenvolvimento econômico, social, cultural, político, ético, entre outros. Ao

nível da educação e formação para o desenvolvimento cultural e intelectual foram

disseminados os alicerces para a estruturação e configuração de um “sistema

educativo”, condizente com o contexto cabo-verdiano e mundial.

Assim sendo, na década de 90 foi apresentada a primeira Lei de Bases do

Sistema Educativo-LBSE-CV, (Lei n. 103/III/90, de 29 de dezembro de 1990), com

objetivos pertinentes e necessários para uma política educativa e formativa, de então.

Na LBSE- CV estão expressos objetivos e desafios que norteiam as políticas

públicas para a educação e para a formação, contemplando os princípios orientadores da

ação educativa. Destaca-se a formação de professores como uma das estratégias

fundamentais e prioritárias para dinamizar o ensino em Cabo Verde.

Em 1975, Cabo Verde tinha cerca de 1.274 professores, sendo que 13,1% tinham

formação para exercer a docência. Desses, 90 (noventa) docentes foram diplomados

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pela Escola de Magistério Primário (EMP),o que representava 7,2% e três habilitados

com o Curso de Habilitação Professores de Posto Escolar.

O corpo docente de professores com formação específica e adequada para o

exercício da atividade de docência aumentou para 86,4% e, com isso, a taxa de transição

dos alunos do básico para o secundário passou de 70,7%, em 2001, para 82,9% em

2008/2009, ou seja, a média de 93,4% taxa da situação transição real.

O Instituto Pedagógico de Cabo Verde (IPCV), herdeiro da Escola de Magistério

Primário (EMP), e hoje Instituto Universitário de Educação (IUE), tem contribuído de

maneira significativa, abrindo e alargando os seus estabelecimentos de formação para as

cidades de Assomada - Santa Catarina - na Ilha de Santiago, para atender às ilhas do Sul

do País e Mindelo - ilha de São Vicente e as ilhas do Norte do país – perfazendo um

total de três escolas de formação de professores, em nível do básico em Cabo Verde,

com propostas e projetos renovados e inovadores.

Para tornar mais consistente e pertinente a ação educativa no país, foi preciso

reconfigurar e ressignificar os objetivos da escola de formação de professores de nível

superior, de modo a promover a equidade e a qualidade da educação básica, por meio de

ofertas formativas de qualidade, capazes de assegurar aos cidadãos cabo-verdianos a

igualdade de oportunidades de sucesso em um mundo cada vez mais globalizado.

Se,em 1975, Cabo Verde contava com 33 Escolas do Ensino Básico e 2 Escolas

do Ensino Secundário, uma situado ao sul, na ilha de Santiago, cidade da Praia, capital

do país – a do Adriano Moreira -, e outra situada ao norte, na Ilha de São Vicente,

cidade de Mindelo – a do Gil Eanes – e a ilha do Sal, acolhendo uma outra escola

anexada ao da cidade da Praia que lecionava até o 5º. ano do ensino secundário, ou seja,

o 10º. ano de escolaridade; hoje, conforme já referido, a situação é bem diferente.

O Quadro 1 explicita dados relativos ao corpo discente, corpo docente e

infraestrutura de acolhimento.

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Quadro 1. Professores formados e alunos, do ensino básico ao secundário, distribuídos

por salas, ano letivo 1984 – 1985.

Nível

n. de

alunos

Professores

n.de estabelecimentos

de ensino

n. de

salas de

aula

Regime de

utilização

de sala

Dupla Tripla

Total % de

habilitados

EBE 47.744 1.58

8

14,9% 436 759 291

EBC 8.932 261 7,6% 15 140 140

ES 4.644 170 *37,6% 3 São Vicente, Praia e

Sal

--

*formação específica

Fonte: Cabo Verde e a Educação: ganhos e desafios. Ministério da Educação e Desporto, jun. 2010, p.7.

Este quadro se consubstancia e se estrutura na reconfiguração dos níveis, etapas

e âmbitos do “Sistema Educativo” de Cabo Verde. Passamos a ilustrar, a seguir, no

Organograma16 , do Ministério da Educação e Desporto de Cabo Verde e que o Anuário

de 2013, da referida instituição, apresenta em suas primeiras páginas.

16Ministério da Educação e Desporto e Ministério da Juventude, Emprego e Desenvolvimento dos

Recursos Humanos. Plano de Ação Setorial (2012) Formação Profissional Ensino Técnico e Emprego.

Disponível em:http://www.iefp.cv/images/stories/PLANO_accao_SECTORIAL_2012.pdf. Acesso em:

21 jun. 2013.

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Figura 3. Organograma do “Sistema Educativo” cabo-verdiano

Fonte: Anuário de 2013. Ministério da Educação de Cabo Verde, 2013.

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A Figura 3 representa o Organograma do “Sistema Educativo” cabo-verdiano e

permite compreender a estrutura e a organização educacional no país, definidas no

Anuário de 2013, conceitos voltados à orientação e delimitação do campo, do âmbito,

do nível e da etapa de desenvolvimento.

As políticas públicas para a educação e formação do sistema educacional em

Cabo Verde se definem como sendo uma realidade complexa que integra, a partir de

finalidades comuns, um conjunto diverso de instituições, recursos e pessoas.

Um sistema educacional, como qualquer outro sistema, é um conjunto

organizado de elementos cuja ordenação vem das normas que estabelecem a sua

finalidade, bem como uma série de possibilidades e limitações de ações autônomas em

cada um dos seus elementos. Um sistema educacional pode ser considerado um

subsistema social, integrado conjuntamente com os outros subsistemas (familiar,

ócio/consumo, trabalho ou vida ativa) que prestam importantes serviços para os/as

cidadãos/as.

Por outro lado, de acordo com a caracterização proposta pela UNESCO, em um

sistema educativo podemos distinguir os seguintes elementos: o produto, a entrada, os

recursos, as limitações, as estratégias e o controle. (GOVERNO DE CABO

VERDE. Desenho Curricular de Educação e Formação Geral de Adultos, Ministério da

Educação e Ensino Superior, DGEFA. Cabo Verde, abril de 2008, p.10, em

conformidade ao documento da UNESCO, 1979).

É preciso lembrar que os instrumentos que um sistema utiliza para definir os

seus recursos e limitações podem ser, segundo Lundgren (1992, p.113, citado em

GOVERNO DE CABO VERDE. Desenho Curricular de Educação e Formação Geral de

Adultos, Ministério da Educação e Ensino Superior, DGEFA. Cabo Verde, Abril de

2008), de ordem legal, e comportam uma organização econômica, um sistema de

direção e um sistema de regulação-avaliação. Estes instrumentos indicam as condições

de acesso, as condições de saída e as operações que podem ser realizadas no interior do

sistema.

Em um sistema educacional é possível distinguir três níveis: político,

administrativo e técnico. Estes três níveis podem ser combinados de formas diferentes,

tendo como resultado, diferentes tipos de sistema educacional. Sendo assim, um sistema

educacional é uma realidade complexa, constituída por elementos de diversas naturezas,

que interagem entre si, gerando situações educativas diferentes.

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Neste sentido, é preciso reconhecer que em toda a situação educativa não existe

uma única possibilidade de atuação do sistema. Os sistemas educacionais, pelas suas

próprias características, nunca são determinados e totalmente fechados.

D’Hainaut (p.56), enfatizando as ideias de Katz e Morgan (1974) citado no

documento do Governo de Cabo Verde intitulado: “Desenho Curricular de Educação e

Formação Geral de Adultos”, Ministério da Educação e Ensino Superior (2008) recorda que na

realidade, um sistema educacional nunca é exatamente idêntico à forma como foi

definido, nem idêntico ao sistema tal como o vêm seus usuários. Desta forma, ocorre

sempre uma tensão entre três visões diferentes dos sistemas educacionais: o sistema

educacional ideal, o sistema educacional real e o sistema educacional percebido, cujas

discrepâncias atuam como motor das mudanças futuras.17

O Quadro 2 que segue, explicita a estrutura do sistema de ensino em Cabo Verde

e os avanços registrados no país, no nível da educação e da formação, de 1975 a 2010.

Quadro 2. Evolução da estrutura do “Sistema Educativo” – números de jardins e

escolas18

Subsistemas 1975/1976 1990/1991 2000/2001 2009/2010

Educação Pré-

Escolar

203 384 499

Ensino básico 33 370 420 422

Ensino secundário 2 8 29 45

Ensino médio 2 3 3

Ensino superior 1* 4 10

*Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário (Bacharel)

Fonte: Cabo Verde e a Educação: ganhos e desafios. Elaborado pelo Ministério da Educação e Desporto,

jun. 2010, p.7.

O referido Anuário de 2013, elaborado pelo Ministério da Educação e Desporto

de Cabo Verde, apresenta algumas definições que passamos a registrar para melhor

articular as nossas reflexões e discussões nos próximos capítulos, que tratam da

formação de professores em Cabo Verde, destacando a inicial e a continuada.

Destacam-se os ensinos:

17 Curso para formação de professores (monitoras do jardim, professores, coordenadores pedagógicos e de

disciplinas, orientadores pedagógicos, diretores e gestores das escolas, animadores, entre outros) sobre o

Desenho Curricular para formação geral de pessoas adultas. Cabo Verde, 2008, p.1. 18 Idem. p.7

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a) Pré-Escolar é definido como a primeira etapa da educação básica no processo de

educação, devendo favorecer a formação e o desenvolvimento equilibrado da

criança. Destina-se, segundo a Lei de Bases, a crianças com idade compreendida

entre 3 a 5 anos e é ministrada em estabelecimentos da Educação Pré-escolar,

públicos ou privados.

b) Ensino Básico é universal, “obrigatório” e “gratuito” e tem uma duração de 6

anos, dividida em 3 fases de 2 anos cada. Destina-se a crianças com idade de 6 a

11 anos, embora o estado garantisse a obrigatoriedade de frequência a todas as

crianças na idade compreendida entre os 6 e os 15 anos e pode ser cumprido

tanto em escolas públicas quanto em escolas privadas.

c) Ensino Secundário, com duração de 6 anos letivos, divide-se em 3 ciclos de

ensino, tendo a particularidade de, a partir do 3º. ciclo, estar vocacionado para a

vida ativa (cursos técnicos) ou para prosseguimentos de estudo (via geral).

Destinam-se aos jovens com idade de 12 a 17 anos; no ensino público, mesmo

considerando a limitação de recursos, é permitida a frequência de jovens na

idade entre 12 e 20 anos. Esta etapa de ensino pode ser cumprida tanto em

escolas públicas quanto em escolas privadas.

Na “Lei de Base do Sistema Educativo cabo-verdiano”, a Escola é definida

como sendo uma comunidade educativa específica e como um órgão de educação

formal, onde a educação se realiza. Ela distingue-se das outras comunidades educativas

pela sua intencionalidade e pela organização que resulta desta mesma intencionalidade.

É uma congregação ou reunião voluntária de um grupo profissional com funções

pedagógicas e um grupo de indivíduos “imaturos”, em todos ou em alguns aspectos do

seu desenvolvimento pessoal, tendo como primeira tarefa o instruir e o educar e, como

segunda, o aprender e o se educar.

No Anuário (2010-2011, p. 17)19, a população escolarizável é definida em

função dos limites de idade e, por isso é constituída por pessoas de 6 a 11 anos no

Ensino Básico, e 12 a 17 anos, no Ensino Secundário. A população escolar (aluno) é

todo o indivíduo que se matriculou e frequenta os estabelecimentos ensino/ escola.

O discurso do governo, em 2010 incidiu, sobretudo, nos esforços que se

traduzem na oferta de ensino com igual acesso, na construção, remodelação e

19 Anuário da Educação 2010- 2011 - Direção Geral de Planejamento, Orçamento e Gestão. Serviço de

Estudos, Planejamento e Cooperação. Praia, set. 2011.

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equipamentos na formação de professores mais motivados e competentes, numa revisão

curricular, na implementação do programa “Mundu Novu”, na implementação de

Unidades Formativas, estabelecendo assim, a ponte com a formação profissional,

mediante instalação de salas de aulas com recursos e que sirvam também para a

orientação vocacional, no alargamento e diversificação dos apoios sócio - educativos.20

O mês de setembro é considerado o mês da Educação, em Cabo Verde, por ser o

mês de regresso às aulas, em que todo o país volta-se para enfrentar novos desafios. A

então, Senhora Ministra da Educação, Vera Duarte, diz que “do pré-escolar à educação

de adultos, passando pelo básico e pelo secundário, até o superior, o ensino está a

enfrentar e a vencer os desafios inerentes ao processo transformacional em curso no

país.” Ela pede e propõe um lema bastante interessante para o período letivo de 2009-

2010: Agarra o momento e constrói o teu futuro.

Do ponto de vista institucional, a Ministra da Educação destacou no Relatório

como um dos Objetivos do Milênio, a promoção da igualdade de gênero e a autonomia

das mulheres. Este Relatório foi publicado pelo Instituto da Condição Feminina, com

informações interessantes sobre dados recolhidos, sistematizados e analisados que

propõem viabilizar o aprofundamento do debate sobre essa problemática, assim como

os elementos considerados fundamentais ao desenvolvimento sustentável do país.

Entre os objetivos estavam: contribuir para a elaboração do Primeiro Relatório

Global de Seguimento da Organização Mundial para o Desenvolvimento (OMD),

previsto para 2005, assim como, facilitar a inserção adequada desta problemática nas

estratégias de redução da pobreza. O que se pretendia com o desenvolvimento desses

objetivos era eliminar a disparidade entre os sexos, no ensino primário e secundário, se

possível até 2005, e em todos os níveis de ensino, até 2015.

Parece-nos interessante rever alguns dados que orientam a nossa compreensão

sobre a situação profissional dos professores, uma vez que nos permite visualizar, com

bastante clareza, as relações de gênero no mercado de emprego. Em 2001, no Ensino

Básico, 64,5% dos professores eram mulheres, enquanto no Ensino Secundário 41,0% e

no Ensino Superior 30,6%, o que indica que, no corpo docente, as qualificações

profissionais mais altas, e, portanto os melhores salários eram usufruídos pelos homens.

Outro fato a assinalar é que apesar do elevado número de mulheres docentes, os

cargos de direção, na esfera local eram desempenhados por homens. Do total de 17

20 Palavras da Ministra da Educação de Cabo Verde, Vera Duarte. Jornal Comunicar: administração

pública. Governo de Cabo Verde. Editorial., n.6, p.2, set. 2009.

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Delegados de Educação, 5 eram mulheres (29,4 %), enquanto de 194 gestores do Ensino

Básico, 24 eram mulheres, o que representa 12,4-%.

No Ensino Secundário, de um total de 27 diretores, 4 eram mulheres (14,8%).

No Ensino Superior, do total de 5 instituições, 2 eram dirigidas por mulheres (40%). Na

Educação Básica de Adultos, de 17 coordenadores, 3 (17,6%) eram do sexo feminino.

Quanto ao vínculo de trabalho, verificamos a presença majoritária das mulheres

na administração pública, mas, no setor empresarial do Estado, a presença masculina era

superior. O relatório indica também existir mais mulheres que trabalhavam em

empreendimentos familiares do que homens, o que as colocava em situação de

dependência. Todavia, o Anuário da Educação21 trouxe informações relevantes e interessantes

acerca da evolução da educação em Cabo Verde. Uma análise até certo ponto comparativa,

acerca dos dados disponibilizados, ajuda a compreender a educação no país.

O mundo contemporâneo tem se deparado com vários desafios advindos das

profundas e rápidas transformações sociais, econômicas, políticas e inter-relacionais,

não estando Cabo Verde imune a tais mudanças e transformações. Essas, por sua vez,

assentam - se em novos paradigmas societários, notadamente na transição de sociedades

agrícolas e/ou industriais para as sociedades do conhecimento e de novas tecnologias,

revelando a dicotomia entre as mutabilidades societárias, a adaptação dos valores e as

medidas políticas.

Nesse processo, algumas decisões foram tomadas para o fortalecimento e

desenvolvimento da educação no país, entre elas:

- generalizar o ensino nas escolas, de matérias versando sobre a educação para a

cidadania, com a realização de palestras e encontros subordinados aos temas que,

estimulem a cultura da paz e da tolerância, o envolvimento de atores escolares e não

escolares, incluindo líderes comunitários e familiares dos alunos, bem como, avaliar o

seu grau de impacto;

- melhorar as condições nas escolas para o desenvolvimento de política favorecedora da

fruição da atividade lúdica e cultural e da prática da atividade física e desportiva,

enquanto fatores de excelência para a convivência social em contexto de vivência

coletiva;

- reforçar as estruturas vocacionadas para o trabalho social com os alunos nas escolas,

apoiar o desenvolvimento e a ação das associações de alunos e de pais e encarregados

21Anuário da Educação 2009/2010, publicado pelo Ministério da Educação e Desporto por meio da

Direção Geral de Planejamento, Orçamento e Gestão Serviço de Estudos, Planejamento e Cooperação, em

dezembro de 2010.

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de educação, promovendo a vivência democrática e a sua efetiva participação na gestão

dos assuntos escolares e aproximar as escolas das comunidades onde estão inseridas;

- desenvolver a comunicação nas escolas por meio da criação de rádios-escola e boletins

informativos e da divulgação da Rádio Educativa e do Site do MEES, de experiências

positivas realizadas nas escolas para a construção de uma cultura de paz;

- promover o reforço da autoridade dos órgãos de direção das escolas, do corpo docente

e das estruturas auxiliares e reforçar a exigência no cumprimento dos regulamentos

escolares, tanto pelos alunos como pelos professores, com especial ênfase para as

disciplinas.

Na dimensão “formação de professores”, também foram destacados alguns

aspectos pertinentes para garantir maior relevância à ação educativa e formativa no

cotidiano das escolas. São os seguintes:

- adotar um código deontológico para os professores no sentido de regulamentar a sua

conduta dentro e fora dos estabelecimentos de ensino e reforçar a sua responsabilidade

no processo de educação dos alunos;

- desenvolver a formação dos docentes na gestão de conflitos, bem como de todos os

profissionais de educação, dos pais e alunos em matéria de não-violência e convivência

escolar e garantir o apoio jurídico e judicial às vítimas da violência física e verbal em

contexto escolar ou com ele relacionado.

Em relação à segurança e desenvolvimento pessoal e social destacam-se os

seguintes aspectos:

- desenvolver, em dimensão nacional, o Programa Escola Segura, visando garantir

níveis mais elevados de segurança a toda a comunidade escolar;

- criar um Observatório Nacional da Violência Escolar.

Entende-se que esses objetivos perpassam o que os projetos, programas e

currículos expressam para o trabalho de ensinar e aprender e, sobretudo, para a

formação da equipe educativa e formativa.22 E, por isso mesmo, são apresentados

alguns questionamentos pela incongruência com a realidade cotidiana do professor e da

escola, uma vez que, a formação da equipe pedagógica e de gestão da escola encontra-se

subsidiada e atrelada às orientações e recomendações propostas pelo governo.

Será que os conteúdos programáticos emitidos pela Rádio Educativa de Cabo

Verde têm contribuído de alguma forma, para atenuar as situações adversas em

22 Delegados, diretores, coordenadores, gestores, professores, monitores, psicólogos, pedagogos, entre

outros.

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formação dos agentes educacionais e ressignificar o trabalho educativo no cotidiano das

escolas? Será que, reforçando a autoridade dos órgãos de direção das escolas se

possibilitará a reconfiguração e a ressignificação do trabalho educativo, de modo a

acompanhar as rápidas mudanças e transformações contemporâneas?

Não seria mais congruente apostar numa nova e diferenciada abordagem,

estratégias, metodologias e pressupostos teórico-prática científicos, didáticos, artísticos

e tecnológicos, que estejam articulados e possibilitem dialogar, inter-relacionar,

intercomunicar com os questionamentos e as indagações do mundo contemporâneo?

Referimos a questões de natureza étnico-racial, de gênero, de identidade sexual entre

outros aspetos que constituem a realidade cabo-verdiana, hoje. Como resolver estes

problemas?

Será que o problema relaciona-se à responsabilidade dos professores no trabalho

educativo com os alunos, ou à exequibilidade e qualidade dos componentes curriculares

utilizados na formação de professores? A nossa preocupação incide sobre os programas

e currículos estáticos, rígidos, regrados que estão sendo utilizados para a formação de

professores, que muitas vezes dificultam a articulação e a relação teoria-prática.

Aprofundaremos essa matéria nos próximos capítulos.

Acreditamos que, pela educação e pela formação poderemos orientar e sugerir

caminhos e encontrar respostas para solucionar as diversas situações decorrentes das

deficiências e limitações advindas das diretrizes do governo no que concerne às

políticas públicas da educação e, sobretudo das incongruências das instituições do

Estado, sobre as políticas públicas para a formação em desenvolvimento no país.

1.4. Educação a distância em Cabo Verde: emergência e desafios

Pode-se dizer que a educação a distância, em Cabo Verde, começou com a Rádio

Educativa, em 1975, resultado do interesse conjunto de vários Ministérios. O projeto da

Rádio Educativa e Rural em Cabo Verde visava estabelecer a comunicação com as

populações das periferias e do mundo rural. A missão da UNESCO, em Cabo Verde,

(1976-1979) permitiu que fossem desenvolvidos projetos com vistas à

operacionalização de um sistema de rádio, em dimensão nacional, com a apresentação

de programas educativos voltados ao desenvolvimento do país.

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Os governos da França e da RFA (República Federal Alemã) apoiaram o projeto

o que ganhou nova dinâmica. Os primeiros equipamentos, bem como uma rede de 5

(cinco) emissoras foram instaladas na cidade Praia (Monti Txota). Técnicos de vários

ministérios foram preparados para a produção de programas educativos e formativos,

com transmissão para todo o país. De 1980 a 1984 foram elaborados programas

educativos abordando temas relacionados com saúde, planejamento familiar, proteção

das crianças, alfabetização, o mundo rural e cooperativo.

Esses programas eram divulgados em língua portuguesa ou em crioulo,

conforme o grupo populacional destinado. Os programas eram elaborados por diversos

setores e serviços mediante trabalho de comunicação, interação e parceria. Destacamos

o papel preponderante da OMCV, importantíssimo no desenvolvimento integral das

mulheres por meio de alfabetização, educação e formação, em suas diversas dimensões

da vida cotidiana.

De 1985 a 1988 foi lançada uma experiência de ensino a distância voltada à

formação de professores do Ensino Básico, representando 88% da população docente.

Cursos de Psicologia, Pedagogia, Técnicas de Redação e Gramática de Português

constavam desse programa de formação inicial e continuada, elaborado e emitido pela

equipe de professores e “especialistas no conteúdo”, destacados para trabalhar na Rádio

Educativa.

Entre 1992 e 1993, o projeto sub-regional “Instrução Radiofónica Intercativa

para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa” – IRI/PALOP teve origem, com

base na “Conferência Mundial sobre a Educação Para Todos” realizada em Jomtien, em

março de 1990, seguido do Seminário Regional de Ensino a Distância, em Arusha

(Tanzânia). Depois de uma série de consultas, Cabo Verde foi escolhido para coordenar

as atividades sub-regionais de pesquisa e desenvolvimento do projeto.

Começaram as atividades preliminares do projeto em 1992, sendo esta uma fase

de transição na qual procedeu à produção e à testagem/experiência das lições de rádio

para alunos de 3ª. classe (3º. ano de escolaridade), na disciplina de Matemática. Os

materiais produzidos foram testados em Cabo Verde e Moçambique.

Mais tarde, a Direção Geral de Alfabetização e Educação de Adultos deu início a

um projeto de educação de adultos, com a utilização da metodologia ECCA, baseada

numa combinação entre aulas radiofônicas, material impresso escrito preparado para o

prosseguimento das aulas e sessões presenciais de tutoria, de forma a potencializar o

sistema de aprendizagem.

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Foi um projeto que surgiu na sequência de uma experiência piloto, na área do

curso de “Manipulação de Alimentos”, curso esse, realizado para 510 pessoas da ilha do

Sal e da ilha de Santiago, na cidade da Praia, São Domingos, Santa Catarina e Tarrafal,

avaliado com sucesso pelos 504 participantes.

Essa experiência com o curso de Manipulação de Alimentos, pelo sistema de

educação a distância, de base radiofônica, articulada com sessões presenciais de tutoria

e materiais impressos, permitiu criar cursos diversificados, dando oportunidades de

formação a jovens, adultos, profissionais de diferentes áreas e, particularmente a

professores de todos os concelhos do país.

Por exemplo, uma experiência com a educação a distância foi realizada ao

nível do ensino recorrente23, iniciada nos anos 2008 - 2010, organizada de forma

autônoma no que diz respeito à condição de acesso, currículo, programas, avaliação

etc. Essa experiência teve como objetivo flexibilizar e adaptar o ritmo de

aprendizagem à disponibilidade, aos conhecimentos e às experiências dos Jovens e

Adultos. O programa do ensino recorrente foi semelhante ao do ensino secundário, do

sistema formal. Englobou o 7º. e 8º. anos do ensino secundário e funcionou com

assessoria técnica e pedagógica das Escolas Secundárias nos diferentes concelhos.

Surgiu como resposta à solicitação dos formandos que terminaram a 3ª. fase da EBA e

ficaram sem possibilidades de prosseguir os estudos, por várias razões. Começou

como experiência piloto nos concelhos da Praia, S. Domingos e S. Vicente.Hoje,

quase todos os Centros dos Concelhos, com o apoio das Delegações do MED,

elaboraram o Ensino Recorrente.

Segundo Tavares (2006, p.19), o Ensino Recorrente (ER) é aquele que

corresponde à vertente da educação de adultos, que de uma forma organizada e

segundo, um plano de estudo, conduz à obtenção de um grau e à atribuição de um

diploma ou certificado, equivalente ao conferido pelo ensino regular. Através desta

modalidade especial de ensino, presencial ou a distância, é assegurada uma nova

oportunidade de acesso à escolaridade aos que dela não usufruíram na idade própria,

aos que abandonaram precocemente o sistema educacional e aos que o procuraram por

razões de promoção cultural ou profissional.

23Corresponde à vertente da educação de adultos que, de uma forma organizada e segundo um plano de

estudo, conduz à obtenção de um grau e à atribuição de um diploma ou certificado, equivalente ao

conferido pelo ensino regular. Visa proporcionar aos jovens e adultos que abandonaram os estudos

precocemente uma oportunidade de acesso à escolaridade

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O ER organiza-se de forma autônoma no que diz respeito às condições de

acesso, currículos, programas, avaliação, etc., tendo em vista a possibilidade de

adaptação a diferentes grupos, bem como às experiências pessoais e profissionais e

conhecimentos adquiridos ao longo da vida.

A população que frequenta os cursos do ER é essencialmente constituída por

adultos que abandonaram precocemente o sistema escolar e que a ele regressaram anos

mais tarde e, ainda, por jovens que deixaram, entre outros motivos, os cursos noturnos.

O ER por unidade capitalizável é uma modalidade que se caracteriza pela flexibilidade

e adaptabilidade dos ritmos de aprendizagem à disponibilidade, aos conhecimentos e

às experiências dos jovens e adultos.

O público-alvo desse nível de ensino tornou-se muito heterogêneo: além dos

finalistas da 3ª. fase da EBA, contempla adolescentes e jovens, ex-alunos das Escolas

Secundárias públicas que perderam o direito à frequência por uma razão ou outra, e

por pessoas que tinham interrompido a sua atividade acadêmica.

1.5. O Programa de Governo para a Educação em Cabo Verde: discurso,

propostas, desafios e perspectivas

A proposta do Governo é de que será necessário resgatar a autoridade dos

núcleos que constituem a base da sociedade e espaços de socialização (a família, a

escola e a comunidade), a assunção da responsabilidade social de todos os

intervenientes deste processo, que são as instituições públicas, as ONGs, as famílias,

as confissões religiosas, as comunidades, os jovens e o setor privado. A finalidade do

Governo é reverter a tendência e instituir campanhas de informação que promovam

ações educativas e, talvez formativas versando sobre todos os aspectos conexos com a

cidadania, com o objetivo de cultivar e buscar o bem comum e o bom relacionamento

entre as pessoas, e, sobretudo inovar e renovar o sistema de ensino e formação no país.

Quais seriam os desafios e perspectivas do governo com relação à educação,

para os próximos tempos? O olhar com prudência, para o Programa do Governo24

(PG) em relação à educação no país, considerando os desafios atuais e emergentes,

remete-nos a repensar o posicionamento dos diversos setores e autores que discutem e

24CABO VERDE. Programa do Governo. VIII Legislatura 2011- 2016. Desafios atuais e emergentes.

Publicado no Boletim Oficial, n.16, I Série. República de Cabo Verde, 9 mai. 2011.

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dialogam, sobre qual “conhecimento importam e comportam” a educação e a formação

da sociedade cabo-verdiana hoje.

Nessa busca e desafios compreendem também, a necessidade de discussões que

possibilitam não apenas o aprimoramento, o aprofundamento e o entendimento sobre a

coerência e a exequibilidade dos sistemas atuais de ensino, sobretudo, o delineamento

de quais as estratégias, metodologias, enfoques, abordagens e procedimentos que

poderiam articular, como coadjuvantes no processo de interação com os novos saberes

e as novas práticas necessárias e indispensáveis para a operacionalização do programa

do governo no contexto contemporâneo.

Sabendo que o objetivo do PG é a criação de uma sociedade do conhecimento,

com uma força laboral competente e capacitada, capaz de competir com os melhores

no mundo e, destacando as ações a serem realizadas pelo Governo, reforça-se a

necessidade de se decidir sobre a tipologia da formação que se pode proporcionar aos

professores para reconfigurar e ressignificar o trabalho docente no contexto escolar.

A proposta do governo sobre a educação visa, prioritariamente, melhorar o

sistema educacional nacional, do pré-escolar ao universitário e destaca alguns aspectos

considerados pertinentes para o período 2011-2016. São eles 25:

-consolidar o sistema integrado de educação - formação - emprego para responder às

necessidades estratégicas do país;

-facilitar o acesso universal ao ensino pré-escolar, básico e secundário;

- criar as condições para estender o ensino obrigatório até ao 12º. ano de escolaridade;

fazer evoluir o ensino secundário para a promoção de saídas profissionais, sem excluir

o acesso direto ao Ensino Universitário;

- adequar o conteúdo do ensino às exigências dos novos tempos, com ênfase em

disciplinas chave e na informática, dotando os formandos de competências essenciais

aos mercados de trabalho, marcado cada vez mais, por tecnologias sofisticadas de

informação e comunicação;

- responder às necessidades estratégicas do país, por meio do desenvolvimento de

cursos profissionalizantes de curta duração, possibilitando maior integração dos jovens

no mercado de trabalho;

- regular o sistema do Ensino Superior, garantindo a qualidade e a relevância das

formações;

25 In: Programa do Governo de Cabo Verde. 2011, p. 9-10.

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- formular e desenvolver um sistema de acreditação e de controle de qualidade

estruturado e robusto para o ensino técnico e universitário;

- atribuir bolsas de estudo aos estudantes com maiores dificuldades financeiras e aos

estudantes de mérito;

- viabilizar o acesso ao crédito para a formação superior; desenvolver o ensino a

distância nas universidades, estabelecimentos de ensino técnico e centros de treino e

formação profissional em redes nacionais e internacionais;

- facilitar a aprendizagem ao longo da vida e implementar programas para o “aprender

fazendo” e a formação em exercício;

- apoiar a investigação científica e a articulação entre a indústria, escolas técnicas e

universidades;

- incentivar o desenvolvimento das competências essenciais para a agenda de

transformação; investir em programas que visem mobilizar os cabo-verdianos

qualificados na diáspora para o desenvolvimento do país;

- formular uma política nacional para a ciência, a tecnologia e a inovação.

No que diz respeito à capacitação, investir em recursos substanciais no sistema

educacional, com foco na criação e desenvolvimento de habilidades necessárias para a

nova economia e incutir a atitude do empreendedorismo na sociedade cabo-verdiana.

Nota-se também investimento no pré-escolar, no primário, no secundário, na formação

profissional e no ensino universitário, em programas de concessão de bolsas de estudo,

de donativos e refeições quentes em algumas escolas para estudantes mais

necessitados. Este último é considerado de grande importância uma vez que existem

crianças que saem de casa sem poder comer.

O investimento na modernização da maneira como as pessoas aprendem, por

meio da introdução do “Mundu Novu” (mundo novo), um programa que visa a

capacitação da sociedade para a inovação, notadamente, por meio do desenvolvimento

de conteúdos interativos em todos os níveis de ensino, da distribuição de

computadores (150 mil) nas escolas para alunos e professores, permitindo a inclusão

tecnológica com coesão social, o empreendedorismo do setor privado, a promoção das

acessibilidades e conectividades das TICs nas escolas e na sociedade.

O desenvolvimento da infraestrutura das redes e da competitividade nacional na

exportação das TIC pode dignificar a imagem e o desenvolvimento de competências em

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várias áreas e domínios de conhecimento da vida e, sobretudo da facilidade do acesso

das escolas à Internet e aos novos métodos de aprendizagem.

Importa destacar que os investimos na criação da Universidade de Cabo Verde e

o favorecimento da criação e aumento de um bom número de universidades privadas

pode também, de igual modo, intensificar o desenvolvimento da pesquisa e da

requalificação das instituições privadas e estatais.

Segundo o Programa do Governo, o resultado dessas políticas públicas foi a

ampliação da cidadania, a melhoria sensível da qualidade de vida dos cabo-verdianos e

a classificação de Cabo Verde como um dos países com melhor Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) da África. (GOVERNO DE CABO VERDE.

Programa do Governo. VIII Legislatura 2011- 2016, p.16-17).

Outro aspecto relevante que o governo propõe para a melhoria da educação em

Cabo Verde expressa - se na visão e nos objetivos estratégicos e no quadro

programático para o desenvolvimento tecnológico cuja missão é trabalhar com base na

promoção do desenvolvimento tecnológico através da promoção da inovação e da

utilização das tecnologias; da criação de condições para facilitar o ensino da ciência,

tecnologia e engenharia nas nossas escolas; da introdução do uso das tecnologias no

nosso sistema de ensino, como o programa “Mundu Novu”; e ao incentivar a adoção das

tecnologias, garantindo excelente infraestrutura de telecomunicações (Internet, por

exemplo).

Para o Governo tais proposituras constituem-se em esforços para a

transformação de uma “sociedade do conhecimento”, na qual a aprendizagem e o

desenvolvimento das habilidades são enfatizados. (GOVERNO DE CABO VERDE.

Programa do Governo. VIII Legislatura 2011- 2016).

Assim sendo, os programas de desenvolvimento de habilidades para melhorar as

competências da população e para criar uma força laboral capaz de competir com os

melhores no mundo, nas áreas selecionadas pelo próprio governo, exige o introduzir de

melhorias no sistema de ensino, sobretudo, formação voltada aos professores que

exercem a docência e que deverão operacionalizá-la nas instituições educativas e

formativas.

Reconhece-se que os governos da pós-independência lideraram um esforço

nacional de democratização do ensino, começando com as instituições de ensino

primário e secundário.

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Na última década, avançou-se de forma significativa ao criar estabelecimentos

de ensino secundário em todos os municípios, com várias instituições de formação

técnica e profissional, incluindo a universidade estatal, superando os avanços também

importantes das instituições de ensino privadas, desde a educação primária até ao ensino

superior.

Com o crescimento notável das universidades privadas, nos últimos cinco anos,

o país conta atualmente, com mais de dez universidades.

Considerando Tardif e Lessard (2011),

[...] a escolarização supõe, historicamente, a edificação e a

institucionalização de um novo campo de trabalho, a docência escolar

no seio da quais os modos de socializar e de educação anteriores serão

ou remodelados, abolidos, adaptados ou transformados em função dos dispositivos próprios do trabalho dos professores na escola. (TARDIF;

LESSARD, 2011, p.7).

Permitimos olhar a formação de professores como uma ação e uma atividade

complexa que exige a adoção de postura interdisciplinar, tendo em vista a

multidimensionalidade das interações da atividade humana, no acesso e na apropriação

da cultura científica, no desenvolvimento tecnológico, na mobilização de redes de

informação e comunicação (internet, multimídias, entre outras) na facilitação, na

partilha e socialização de recursos, na mediação e na transformação da realidade

concreta, onde os sujeitos poderão se interagir e estabelecer relações constantes de

mudanças do ambiente no qual estão inseridos e no mundo.

Contudo, o processo de formação concebido, em alguns casos, encontra-se

amplamente defasado da realidade educativa e, muitas vezes, desarticulado não só pelas

necessidades e expectativas individuais e coletivas que evidenciam a ação educativa,

mas também pelas demandas e exigências do mundo de trabalho.

Acreditamos que a busca pelo entendimento de questões como: “mundialização -

globalização”, “sociedade de conhecimento”, “aldeia global”, “educação poderosa”,

“formação poderosa”, entre tantas outras denominações, se torne ponto fundamental

para a compreensão da contemporaneidade. Precisamente, por serem termos e conceitos

ambíguos e polissêmicos, ainda pouco claros na sua verdadeira essência, dimensão e

complexidade, podem estar impregnados de (pré) conceitos que comprometam o

processo construtivo da educação e formação. Essa imprecisão e o uso de forma abusiva

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desses conceitos e/ou termos podem estar na base de algumas incongruências no

construir, no fazer e no ser docente.

Destacamos que a “rivalidade” e a “revolução contemporânea” que (de) marcam

as fronteiras da comunicação permitindo a partilha, a socialização de informações,

conhecimentos, vivências, práticas e experiências que ocorrem de forma rápida em

contextos e situações diversificadas exigem a adoção de outra postura diante dos

conhecimentos e saberes necessários para o mundo de trabalho. Essas e outras questões

podem desencadear nos educadores e formadores, por vezes, perplexidade, inércia, até

mesmo indiferença, ainda mais quando deles são requeridas respostas que envolvem

tomada de decisões,sobretudo a respeito de questões pertinentes e urgentes da

educação e formação que precisam estar condizentes com a vida, o mundo das artes, das

ciências, das tecnologias e do trabalho.

Burbules e Torres (2004) apud Tardif e Lessard (2011, p.202) afirmam que na

atualidade, está posto que os computadores e as novas tecnologias são recursos

importantes para o trabalho, a política, a educação e a vida social, e que as pessoas que

desejam participar da vida pública e cultural do futuro deverão ter acesso ao

computador e conhecimento sobre ele.

Como dito anteriormente, não basta usar o computador para obter informações,

mas é preciso saber geri-lo de modo a que essas informações possam constituir-se em

aprendizagem de conhecimentos úteis e necessários à vida e ao trabalho. Sobre as novas

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), alguns estudiosos dessa matéria,

interpelam, dizendo que vêm favorecendo e fortalecendo cada vez mais, o consumismo

exacerbado, e o mundo se defrontar com a instabilidade e provisoriedade do “saber”, do

“conhecimento”, pois as verdades científicas perderam seu valor absoluto na

compreensão e interpretação de diversos fenômenos.

Acredita-se que formar professores na contemporaneidade é e pode possibilitar a

que suas práticas docentes criem mecanismos de potencialização e desenvolvimento das

capacidades intelectuais.

O capítulo que segue, busca discutir alguns conceitos e concepções sobre a

formação de professores e trabalho docente que permitem potencializar a articulação

teoria-prática, tanto da formação inicial e continuada, como no ser, no fazer e no

construir a docência.

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CAPÍTULO 2

Formação de professores e trabalho docente:

articulação teoria-prática

Discutir sobre a formação de professores no mundo contemporâneo é sempre um

espaço e uma oportunidade de reflexão crítica sobre as possibilidades, as

potencialidades, as debilidades e as limitações humanas em seus múltiplos e

diferenciados contextos e situações de mudanças e transformações.

Compreendendo que a marca de uma boa educação, de uma boa formação, de

uma boa escola, de um bom ensino, de uma boa aprendizagem, passa necessariamente,

pela qualidade e consistência da formação inicial e continuada oferecida e

disponibilizada aos professores e à equipe técnica e pedagógica da escola para inovar e

renovar o trabalho dos professores e desenvolver o ensino e a aprendizagem dos alunos,

e dos próprios professores em seu ser e no seu fazer a docência.

Neste contexto é que o trabalho, em questão, visa a uma reflexão crítica sobre as

políticas públicas de formação inicial e continuada na contemporaneidade e objetiva

compreender como as políticas públicas e as diretrizes do governo, para a formação de

professores (equipe pedagógica) têm contribuído para a ressignificação e a

requalificação da formação em Cabo Verde.

Reconhecemos que qualquer ação educativa e formativa começa com a vida, se

faz e se reconstrói na vida e termina com a vida. A incompletude do trabalho docente

acontece em razão da “multidiferencialidade” e da “multidimensionalidade”, aspectos

que caracterizam o ser humano. E, por isso mesmo, as contribuições e interações entre

essas variáveis são também, de natureza complexa e, por conseguinte, exigem o saber

aprender a ser, o saber aprender a estar e o posicionar-se na vida acadêmica, profissional

e no mundo de trabalho; principalmente, porque o ser humano é marcado e

condicionado pelas implicações históricas, sociais, culturais, políticas, econômicas,

espirituais, éticas, estéticas e pelas relações de interações que estabelece com a natureza.

Assim sendo, toda a ação educativa e formativa precisa interagir de forma

cuidada e pensada com a natureza, com o contexto e com o ambiente complexo como, o

caso da formação de professores, na contemporaneidade, que exige e aponta

“caminhos” e “descaminhos”, incluindo nesta dimensão, as questões relacionadas às

TICs acenando para diferenciadas fronteiras e interconexões.

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2.1. Marco teórico - construindo o referencial

2.1.1. Buscando conceitos e concepções sobre a formação e formação de professores

O nosso referencial teórico se constitui por meio de alguns debates, análises e

reflexões sobre os processos e as práticas de produção de conhecimentos e saberes no

âmbito da formação de professores, na atualidade.

Em nosso entender, a construção dos conceitos pressupõe também saber o que

são conceitos. Segundo Campenhoudt e Quivy (1998, p.121-122), a conceptualização é

mais do que uma simples definição ou convenção terminológica. É uma construção

abstrata que visa dar conta do real. Para isso, não retém todos os aspectos da realidade

em questão, mas somente o que exprime o essencial dessa realidade, do ponto de vista

do investigador. Trata-se, portanto de uma construção-seleção.

O autor, ao construir um conceito consiste primeiro em determinar as dimensões

que o constituem, através das quais dá conta do real. No trabalho de investigação, a

construção não é pura especulação. O seu objetivo é conduzir-nos ao real e confrontar-

nos com ele. Existem duas maneiras de construir um conceito. Cada uma delas

corresponde a um nível diferente de conceptualização. Uma é indutiva, e produz

“conceitos operatórios isolados”; a outra é dedutiva e cria “conceitos sistemáticos”. O

conceito operatório isolado (COI) é um conceito construído empiricamente, a partir de

observações diretas ou de informações reunidas por outros. (CAMPENHOUDT;

QUIVY, 1998 p.123).

Compreende-se, que neste caso, o conceito sistêmico não é induzido pela

experiência; é construído por raciocínio abstrato – dedução, analogia, oposição,

implicação, etc. -, ainda que se inspire forçosamente no comportamento dos objetos

reais e nos conhecimentos anteriormente adquiridos acerca destes objetos. Na maior

parte dos casos, este trabalho abstrato articula-se com o outro quadro de pensamento

mais geral, a que chamamos de paradigma. (CAMPENHOUDT; QUIVY, 1998 p.125).

A busca da construção de conceitos e concepções nos parece ser um processo de

aprendizagem em movimento, que só pode ser reconstituído num percurso, numa

caminhada de leituras, de pesquisas e de muita dedicação. Paulo Freire tratava em sua

obra, “Pedagogia da Esperança” que “(...) ninguém caminha sem aprender a caminhar,

sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho

por causa do qual a gente se pôs a caminhar.” (1994, p.155). É sob essa perspectiva que

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buscamos compreender os diferentes conceitos e concepções sobre a formação e a

formação de professores para ressignificar a ação docente no cotidiano das escolas.

2.1.2. Conceito e concepção sobre formação

O capítulo 1 do livro de García (1999) apresenta a estrutura conceitual da

formação de professores destacando: conceito de formação, formação de professores,

princípios da formação de professores, orientações conceituais para formação de

professores, teorias sobre a mudança dos professores, entre outros.

Para definição do conceito de “formação”, García cruza fronteiras, evidenciando

diferentes autores que argumentam e justificam posições consistentes em matéria de

formação. Na França e Itália, tal conceito é utilizado para referir-se à educação,

preparação, ensino dos professores. Em países da área anglófona prefere-se o termo

educação (Teacher Education), ou o de treino (Teacher Training), mas que para ele,

tanto em linguagem comum como técnica, entende-se formação de professores.

Três tendências são destacadas para definir o conceito formação. A primeira diz

respeito da impossibilidade de utilizar o conceito formação como conceito de linguagem

técnica em educação, devido à tradição filosófica que lhe é subjacente. Considerando

sua origem histórica e as implicações metafísicas que lhes são próprias, o conceito

encontra-se “difuso” e com diversas significações que se torna impossível dele fazer uso

adequado,até mesmo por desvirtuamentos ideológicos. (GARCÍA, 1999, p.18).

Entretanto, os que assumem esta posição postulam que a formação diz respeito a

dimensões que não podem ser investigadas, e por isso recusam a sua utilização.

A segunda tendência caracterizada é a de utilizar o conceito formação para

identificar conceitos múltiplos e, por vezes, contraditórios. A formação não se limita,

enquanto conceito, a um campo especificamente profissional, mas refere-se às múltiplas

dimensões. A terceira tendência considera a formação não como um conceito geral que

engloba a educação e o ensino, nem ao menos subordinado a estes; considera-se a

educação como uma ação realizada a partir do exterior para contribuir ao

desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos, referindo-se geralmente a sujeitos não

adultos.

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Berbaum (1982) citado em García (1999) propõe que se utilize o conceito de

“formação” quando referente à ação com adultos, uma vez que se trata de ação que se

destina à aquisição de saberes e de “saber-fazer”, mais do que de “saber-ser”; é mais

formal quanto à sua organização.

Em muitas reflexões nota-se que ao se buscar os conceitos “educação” e

“formação”, são atribuídas dimensões e amplitudes a cada um deles, fazendo-se

compreender que a educação valoriza mais a aquisição dos saberes. No entanto,

observa-se que tanto a “educação” quanto a “formação” precisam desenvolver

capacidades e habilidades próprias à aquisição dos “saberes”, do “saber-fazer” e do

“saber-ser” e “estar. ”

Os domínios dos saberes encontram-se implícitos e explícitos, em qualquer ação,

atividade e tarefa de educação e de formação, quer em trabalhos com crianças,

adolescentes, como em trabalhos com Jovens e Adultos. O que fica evidente é que em

cada nível, etapa, fase, série, ciclo e âmbito (idade, faixa etária, condições, contextos),

exige organização e gestão planejada delineando o que pode ser ensinado e o que pode

ser aprendido.

O texto de García evidencia que a formação pode ser entendida mediante sua

função social de transmissão de saberes, de saber-fazer ou do saber ser e ao papel que

exerce em relação ao sistema socioeconômico ou à cultura dominante. No entanto, é

possível também entender a formação como um processo de desenvolvimento e

estruturação da pessoa que se realiza com base nos aspectos,da maturação interna e o

das possibilidades de aprendizagem e de experiências dos sujeitos.

A formação como instituição é compreendida quando referida à estrutura

organizacional que planifica e desenvolve as atividades, e, por conseguinte, pode adotar

diferentes aspectos, conforme o ponto de vista do objeto (a formação que se oferece; a

formação que se organiza exteriormente ao sujeito), ou do ponto de vista do sujeito (a

formação que se ativa como iniciativa pessoal). (GARCÍA, 1999, p.19).

Isto posto, compreende-se que o conceito de formação é suscetível de múltiplas

perspectivas. Tomando por base alguns textos de García (1999),valendo-se das

contribuições de Zabalza (1994, p.201), tem-se que a formação é referida como o

processo de desenvolvimento que o sujeito humano percorre até atingir um estado de

“plenitude” pessoal, (...) à medida que inclui problemas relativos aos fins e/ou modelos

a alcançar, aos conteúdos e experiências a assumir, às interações sujeito-meio (social,

cultural e axiológico) e aos estímulos relacionados a esse processo.

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Nessa construção, García (1999) explicita que “formar-se nada mais é senão um

trabalho sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e procurado, realizado por

meios que são oferecidos ou que o próprio indivíduo procura”. Entende-se que a

formação, desde a didática, diz respeito ao processo que o indivíduo percorre na procura

da sua identidade plena, de acordo com alguns princípios e a realidade sociocultural.

O conceito de formação explicita-se em três dimensões, a saber: autoformação -

formação em que o indivíduo participa de forma independente e tendo sob o seu próprio

controle os objetivos, os processos, os instrumentos e os resultados da própria

formação; heteroformação - formação que se organiza e se desenvolve “a partir de

fora”, por especialista, sem que seja comprometida a personalidade do sujeito que

participa; interformação – formação definida como a ação educativa que ocorre entre os

futuros professores ou entre professores, em fase de atualização de conhecimentos.

(GARCÍA, 1999, p.20).

Nesta linha de pensamento, diferencia-se a formação geral, da formação

especializada, consideradas fundamentais e significativas para delinear o currículo da

formação de professores. A formação geral considera três dimensões: conhecimento

inicial, moral e estética; a formação especializada, relacionada está mais com a

formação profissional, como preparação ou capacitação para desenvolver atividades

laborais. (GARCÍA, 1999, p.20).

Mas, um conceito importante na teoria da formação é o de ação formativa,

atividade formativa ou ações de formação. García (1999) retoma Berbaum (1982)

afirmando que uma ação de formação corresponde a um conjunto de condutas, de

interações entre formadores e formandos que pode ter múltiplas finalidades explícitas

ou não, e em relação às quais existe uma intencionalidade de mudança. (GARCÍA,

1999, p.21).

Toda formação, segundo nosso entendimento, precisa provocar a mudança;

sendo assim, o elemento mudança é a questão fundamental da formação. Nesse caso, a

formação deve e pode possibilitar a mudança e a transformação consciente dos seres

humanos para garantir a interação de forma ativa e o desenvolvimento pessoal e social,

integral e global. Importa saber e compreender como os currículos, os programas e os

planos de estudos podem contribuir com os seus componentes e configurações para que

as mudanças e transformações ocorram de forma consistente, sejam exequíveis e

viabilizem a praticidade em contextos e situações diferenciadas.

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Assim, é importante lembrar que uma das particularidades das ações de

formação é que esta se desenvolve em contexto específico, com determinada

organização material e certas regras de funcionamento. Nessa estrutura, o formador,

sozinho ou com os outros, em processo de formação, escolhe os meios, os métodos, os

objetivos específicos e as formas de avaliação.

Por conta dessas particularidades, García (1999) recorre a Zabalza, 1990 e a De

La Torre (1992) para afirmar que algumas teorias da formação entendem que a

estruturação do conhecimento dos indivíduos, a partir dos conteúdos, permite a que

sejam capazes de aprender a aprender; que a formação destina-se ao desenvolvimento

das faculdades psíquicas dos sujeitos e dos seus processos intelectuais; entendem

também que a teoria da formação é categorial, segundo a qual o processo de formação é

concebido como processo dialético, que se efetiva por meio de três etapas de reflexão: a

primeira consiste num tratamento intuitivo e prático das coisas; a segunda consiste no

distanciamento da realidade para poder captar e compreender; e a terceira, para

compreender o sentido das coisas.

Afirma-se também que cada disciplina possibilita ao sujeito, não apenas

conhecimentos específicos, mas também, códigos e uma linguagem possível para

explicar e compreender a realidade, além de algumas estruturas próprias do pensamento

e do desenvolvimento cognitivo. Trata-se, segundo García (1999) de,

[...] teoria dialogística da formação, com a qual o importante é a

autorrealização pessoal do indivíduo para a sua liberdade como pessoa; e teoria da formação técnica que procura responder à situação

da sociedade real, alheando-se do humanismo e defendendo que

através da formação o indivíduo aprende continuamente. (GARCÍA,

1999, p. 21).

As discussões e reflexões críticas disseminadas por diferentes olhares mostram

que conceituar a “formação” não é fácil, não só pelo conceito em si, mas, por conta da

sua dimensão e complexidade. Em primeiro lugar, a formação, como realidade

conceitual, não se identifica e nem se dilui em outros conceitos também utilizados, tais

como: educação, ensino, treinamento, etc. Em segundo lugar, o conceito formação

inclui a dimensão pessoal de desenvolvimento humano global, aspecto a ser levado em

conta, tendo em vista outras concepções eminentemente técnicas e, em terceiro lugar, o

conceito formação relaciona-se com a capacidade de formação, assim como, com a

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vontade de formação. O que se quer afirmar é que o indivíduo, a pessoa, em última

instância, é o responsável pela ativação e desenvolvimento dos processos formativos.

(GARCÍA, 1999, p.22).

As considerações acima elencadas esclarecem que o conceito de formação é

muito mais do que educar, ensinar e treinar. A sua abrangência e complexidade

orientam-nos para a compreensão de que os processos, as práticas de ações de formação

precisam contemplar, de forma explícita, a essência do ato de “educar, ensinar e treinar”

para então, poder desenvolver ações de formação que possibilitem mudanças e

transformações.

Por sua vez, essas mudanças e transformações implicam fazer de forma,

permanente e sistemática um “détour” em diferentes dimensões, processos, práticas da

estruturação, organização, preparação, operacionalização e concretização da formação

que se consolidam e se consubstanciam em contextos e situações diferenciadas do

cotidiano da escola, do professor, do estudante e do mundo de trabalho.

Por que é preciso mudar e transformar? Entende-se que por meio dessas, produz-

se conhecimentos e saberes inovadores e renovadores que permitem compreender e

desenvolver a vida humana na interação com o ecossistema e com o mundo. Essa

caminhada em movimentos de ir e vir, em múltiplas e diferenciadas dimensões da vida e

da ação humana, constitui um verdadeiro “détour”. O “détour” a que nos referimos, traz

consigo possibilidades de reviravoltas no âmbito da educação e formação dos cidadãos

e, por conseguinte, exige que estes contribuam para a renovação e inovação.

Os termos renovação e inovação implicam que estes sejam compreendidos em

seus contextos,dimensões e complexidades. O dicionário26, ao referir-se à inovação

destaca que é “o ato ou efeito de inovar ou de renovação.” Se assim for, as mudanças

são interessantes quando provocam a inovação, porque promovem atitudes inovadoras,

produzem novos conhecimentos e saberes. Neste contexto, a inovação pode ser pessoal

e em grupo, ou seja, é um processo social; a introdução de algo novo pressupõe ideias,

abordagens, enfoques, métodos, técnicas e ou dispositivo, entre outros.

Dessa forma, introduzir algo novo é vital para que se efetive a inovação,

podendo esta ser inédita ou não. A inovação exige que se lide com o desconhecido e que

26 UNIVERSIDADE INTERATIVA. Inovação e Criatividade. Disponível em:

<http://fesppr.br/~sandro/Gestao%20de%20Projetos%20e%20da%20Inovacao/Criatividade/Inova%C3%

A7%C3%A3o_e_criatividade.pdf>

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sejam experimentadas abordagens diferentes e multidisciplinares, colidindo com o

status quo, o que certamente, “provoca” o que está posto.

A inovação é, antes de tudo, uma atitude de quem inova. É a capacidade de se

imaginar o que ainda não existe, de adotar uma novidade, de questionar o que lhe é

dado, o instituído e também de questionar os hábitos instalados. A inovação é a atitude

de instituir coisas novas - processos, produtos, ideias e/ou serviços.

Archibald27 explicita a seguinte fórmula representativa da inovação: Inovação =

ideia + ação + produtividade. A invenção é a criação do novo. Pode ser um novo

produto ou uma nova forma de produzir. Uma inovação é a aplicação de uma invenção,

como por exemplo, as novas tecnologias de informação e comunicação.

Em qualquer ação, a pessoa ou a organização precisa estar motivada para a

geração de ideias e, consequentemente para a inovação. A inovação está em vários

campos: o tecnológico, que é o mais aparente e o mais citado, no campo social, no

campo organizacional e no campo comercial. Em cada campo ela atua de maneira

específica, gerando novas oportunidades, novas maneiras de fazer as coisas.

Por sua vez, a renovação tem origem no vocábulo latino renovatĭo. O termo está

associado à ação e ao efeito de renovar (tornar algo no seu estado inicial e deixá-lo

como novo, restabelecer algo que se tinha interrompido, substituir uma coisa velha por

outra nova, da mesma categoria ou natureza, substituir algo).Por exemplo, quando se

investe dinheiro para a renovação dos equipamentos de informática numa instituição de

formação, quando de atribui um novo visual a uma escola, pintando-a, arrumando e

consertando as carteiras, mesas e bancos, o quadro, etc., como exemplo, modificar a

imagem do ambiente, do espaço e das condições educativas e formativas. Só assim

poderemos falar de mudanças e transformações.

As inovações e renovações nos parecem significativas nas convivências e

experiências das interações, podendo ser úteis e indispensáveis para viabilizar ou

despertar interesses conscientes, criando oportunidades para apropriação e

desenvolvimento de capacidades, em nível de ações e atividades que potencializam

mudanças e transformam a realidade, por meio da formação e autoformação humana.

27Disponível em:

https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome=instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-

8#q=conceito+de+renova%C3%A7%C3%A3o.

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Entende-se a extensão do significado e da importância da qualidade de educação

e formação à medida que se considera os fundamentos, a amplitude e a dimensão dos

conceitos e concepções da formação e, sobretudo da formação de professores.

2.1.3. Conceitos e concepções sobre a formação de professores

Em alguns países do mundo, a definição da formação de professores está

imbuída de vários significados e denominações, dependendo do uso, do contexto, da

situação de comunicação e da realidade educativa e formativa. Subjacentes à concepção

da formação e formação de professores estão os intervenientes dos processos, das

práticas e dos resultados de uma avaliação processual que incorporam o ato de educar e

formar seres humanos para o desenvolvimento, para viver de modo equilibrado,

responsável e equitativo na contemporaneidade e no mundo do trabalho.

A partir dessa perspectiva, conceituar e definir a formação de professores,

entendendo que, em muitos países, essa denominação é comum para desempenhar

papéis diversificados dentro da mesma instituição educativa e/ou de formação, torna-se

ilusória e, por vezes, contraditória. Compreendemos que a formação de professores,

hoje, precisa desmistificar o sentido equivocado de algumas ‘nomenclaturas’ para que

os conhecimentos, os saberes e as práticas possam abarcar as reais dimensões do

trabalho docente.

Alguns teóricos procuram conceituar a formação de professores pontuando

noções diferenciadas para as ações dela decorrente. A primeira ideia a respeito da

formação de professores é da necessidade de se ter domínio adequado da técnica, da arte

e da ciência, ou seja, considerando o desenvolvimento desses quesitos como,

competência profissional. A segunda, é que a formação de professores não é recente.

Assim sendo, para maior compreensão e clareza da definição de formação de

professores, encontramos alguns autores que desenvolvem pesquisas nesta temática.

Todavia, retomamos García (1999), sem descartar outros estudiosos, pelo fato de trazer

uma concepção de formação de professores que embute uma visão mais atualizada e

contextualizada no campo da nossa pesquisa.

Compreendemos que a formação de professores relaciona-se à

profissionalização dos sujeitos encarregados de educar as novas gerações. A formação

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de professores representa encontro entre pessoas adultas, interação entre formador e

formando, com a intenção de mudança desenvolvida num contexto organizado e

institucional, mais ou menos delimitado. (GARCÍA, 1999, p.22).

A definição de formação de professores proposta por García (1999, p.26)

incorpora, de modo contundente, as tendências e princípios subjacentes ao próprio

trabalho docente. O autor afirma que,

A formação de professores é a área de conhecimentos, investigação e

de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os

professores – em formação ou em exercício – se implicam

individualmente ou em equipa, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos,

competências e disposições, e que lhes permite intervir

profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e

da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem. (GARCÍA, 1999, p.26).

Para compreender melhor e construir com consistência e qualidade a formação,

implicado está em conhecer e aprofundar alguns princípios fundamentais, para além da

visão tradicional de formação de professores, como explicita García.

O primeiro princípio é conceber a formação de professores como um contínuo,

ou seja, como um processo que, ainda que constituído por fases claramente

diferenciadas pelo seu conteúdo curricular, deverá manter alguns princípios éticos,

didáticos e pedagógicos comuns, independentemente do nível da formação de

professores a que se refere.

O segundo princípio consiste na necessidade de integrar a formação de

professores em processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular. Aqui, a

formação de professores deve ser analisada em relação ao desenvolvimento curricular e

concebida como uma estratégia para facilitar a melhoria do ensino. Nesse sentido, a

formação e a mudança devem ser pensadas conjuntamente.

O terceiro princípio salienta a necessidade de ligar os processos de formação de

professores com o desenvolvimento organizacional da escola.

O quarto princípio tem a ver com a necessidade de articulação, interação entre a

formação de professores vinculada aos conteúdos propriamente acadêmicos e

disciplinares e a formação pedagógica específica. Importa aqui o “conhecimento da

didática do conteúdo”.

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O quinto princípio aborda a necessidade de integração teoria-prática na

formação de professores, destacando o estudo do processo de construção da teoria, a

partir de posições centradas, sobretudo na prática.

O sexto princípio considera a necessidade de procurar o isomorfismo entre a

formação recebida pelo professor e o tipo de educação que, posteriormente lhe será

proposta a desenvolver.

No sétimo princípio destaca-se a individualização como elemento integrante de

qualquer programa de formação de professores.

E, no oitavo princípio, a necessidade de adotar uma perspectiva que saliente a

importância da indagação e o desenvolvimento do conhecimento, a partir do trabalho de

reflexão dos próprios professores, o que pode implicar que os docentes sejam

entendidos não como consumidores de conhecimento, mas como sujeitos capazes de

gerar conhecimento e de valorizar o conhecimento desenvolvido por outros. (GARCÍA,

1999, p.29-30).

Para aprofundar, aperfeiçoar e compreender de forma consistente o conceito da

formação, de formação de professores e os seus princípios, García (1999, p.30)

apresenta algumas “orientações conceituais”, acreditando que estas, mesclam diferentes

estruturas que se relacionam à escola, ao currículo, à inovação e ao ensino.

O conceito de “orientações” pressupõe um conjunto de ideias sobre as metas da

formação de professores e dos meios para alcançá-las. Do ponto de vista ideal, a

orientação conceitual inclui uma concepção de ensino, de aprendizagem e uma teoria

sobre o aprender a ensinar. Tais concepções servem de orientação das atividades

práticas da formação de professores, como: a planificação do programa, o

desenvolvimento dos cursos, o ensino, a supervisão e avaliação.As orientações

conceituais não se excluem mutuamente, tendo em vista “o ‘desenho curricular’, podem

e realmente coexistem em um mesmo programa.” (GARCÍA, 1999, p.30-31).

A formação de professores é um vasto campo de conhecimento de investigação e

de intervenção, pelo fato de se tornar cada vez mais complexa no mundo acadêmico,

profissional e do trabalho na contemporaneidade.

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2.2 Trabalho e trabalho docente na contemporaneidade

Historicamente, o trabalho docente tem incidido quase que, exclusivamente em

ensinar os conteúdos, exigindo dos alunos memorizá-los, independentemente se o

conteúdo de aprendizagem interessa ou não. A obrigatoriedade de aprender também foi

incluindo regras rígidas e, por vezes, acompanhadas de aplicação de sanções, diante de

algum possível erro por parte dos alunos, em matérias, como: ditado, redação,

matemática, geometria, geografia, etc., transmitidas pelo (a) professor(a), gerando mal-

estar e “medo” na relação professor- aluno.

No exercício da docência, a relação professor – aluno tendencialmente foi

marcada pelo distanciamento, pela presença de uma autoridade “máxima” – “o

professor” – “mestre”, considerado pelos pais, como um “deus”, que tudo podia e tudo

devia dizer e fazer. Era uma relação de autoritarismo pressupondo a noção de

propriedade, o dono da escola e, consequentemente, o dono do saber. Em muitas

comunidades os pais e as mães concordavam e até mandavam presentes quando sabiam

que o filho havia sido castigado pelo(a) professor(a), pelo fato de ‘ter errado’ em

alguma matéria. A educação se desenhava como severa e rigorosa. O aluno tinha como

dever “arquivar” e “armazenar” o que se referia ao ensino, para depois responder na

prova e/ou exame.

Em ambientes educativos, ainda hoje, são observadas algumas marcas, ou

indícios de violência na escola, tanto por parte de alunos, quanto por professores.

Muitos estudiosos atribuem responsabilidades ao insucesso, ao fracasso que leva à

evasão escolar à forma como são estabelecidas as relações professor – aluno no

cotidiano das escolas.

Em países cuja colonização traz marcas contundentes das desigualdades sociais

e de oportunidades, assim como ao acesso a diferentes recursos, por conta das

disparidades geográficas e da escassez e/ou inexistência de recursos materiais,

econômico-financeiros, o trabalho do professor é impactante para as mais diferentes

comunidades. Tanto é que, outrora, no exercício da função docente ocorriam situações

tipificadas em termos de interações sociais, visto que os papéis do professor e do aluno

eram claramente distintos – o professor determinava e o aluno cumpria; o professor

perguntava e o aluno respondia – não se discutia. O espaço educativo não era para o

aluno refletir, apenas para responder às questões solicitadas e, com a expectativa de

respostas padronizadas pelo professor.

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Hoje, constatamos que o trabalho docente configura-se diferentemente de outros

tempos. Interessa pensar como o trabalho docente se diferencia dos outros trabalhos.

Interessa pensar em que o trabalho docente contribui para requalificação da pessoa

humana em suas diferentes atividades, tarefas e dimensões da vida acadêmica e

profissional. Todavia, ainda persistem ambiguidades na concepção do trabalho docente,

passíveis de alguns desvirtuamentos na sua compreensão e efetivação no cotidiano das

escolas.

Sob esta perspectiva, a nossa pretensão é compreender como as concepções, os

pressupostos e fundamentos sobre o trabalho docente podem servir para atenuar e

desmistificar especificamente, o trabalho docente em contexto de mudança; buscar o

entendimento de quais os conhecimentos e saberes que o docente necessita para a

requalificação profissional e ressignificar a sua prática didática e pedagógica no

cotidiano das escolas.

Interessa aqui dizer que o conceito de Trabalho Docente foi introduzido pela

Organização Internacional do Trabalho - OIT, em 1999, visando garantir a todas as

pessoas oportunidades de emprego produtivo, em condições de liberdade, equidade,

segurança e dignidade. Segundo a OIT, o trabalho docente tem como finalidade divulgar

e ampliar, no âmbito acadêmico-jurídico, as discussões acerca do tema.

Entretanto, algumas políticas públicas revertidas em ações corroboram com a

estratégia de conceber o trabalho como o vetor de inclusão social e desenvolvimento.

Neste caso, a promoção do trabalho docente deve visar não apenas a identificação de

meios para geração de ocupação e renda, mas também, de estímulo a que as ocupações

se desenvolvam em condições tais, que representem em meios efetivos de alcance de

condições dignas de vida.

O conceito do trabalho é fundamental para a construção de uma sociedade mais

justa -, o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente. Sua

efetividade pode condicionar a uma atenção especial para setores que gerem mais

empregos e ao embasamento em mecanismos - públicos e da organização social - que

permitam melhor distribuição das riquezas e melhor qualidade da ocupação ofertada.

Um dos principais diferenciais do conceito de trabalho docente é a

multidimensionalidade, ou seja, o conceito de trabalho docente acrescenta, à dimensão

econômica, representada pelo conceito de um emprego de qualidade, novas dimensões

de caráter normativo, de segurança e de participação e representação. Em qualquer

aspecto, o Trabalho Docente está “umbilicalmente” relacionado à dignidade humana e é

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reconhecido como o direito a um trabalho adequadamente remunerado, exercido em

condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir vida digna aos

trabalhadores e sua família, cujos direitos fundamentais são respeitados.

A complexidade do trabalho docente é discutida por Tardif e Lessard (2011) no

livro intitulado “O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como

profissão de interações humanas”. Nessa discussão, Feldmann (2009) no livro intitulado

“Formação de Professores e Escola na Contemporaneidade” e Nóvoa (2006), em

“Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo”, contribuem também

com discussões para o entendimento e compreensão do trabalho docente em contexto de

mudanças e transformações.

Tardif e Lessard (2011) destacam cinco aspectos que fundamentam a abordagem

do trabalho docente como um trabalho interativo: primeiro, o status crescente que os

ofícios e as profissões humanas interativas vêm adquirindo na organização

socioeconômica do trabalho; segundo, a docência na relação com a organização;

terceiro, os modelos de trabalho docente impostos pela organização industrial; quarto a

necessidade de vincular a questão da profissionalização do ensino com a da análise do

trabalho docente; e quinto destaca os postulados que justificam a abordagem e a

importância da interação humana na análise da docência. (TARDIF; LESSARD, 2011,

p.15).Essas especificações podem servir de base para reforçar a nossa busca para a

conceituação do trabalho docente, a fim de superar as ambivalências e perplexidades

que se travam na atualidade em relação ao trabalho do professor.

A compreensão da complexidade e das exigências do trabalho docente, na

contemporaneidade representa preocupação, principalmente, para os que atuam e

interagem nesse campo, e por isso mesmo, exige cuidado e ponderação. A abrangência

conceitual do trabalho envolve reconfigurações e ao mesmo tempo, contradições

reforçadas pela globalização, incorporação de novas tecnologias de informação e

comunicação, necessidade de mão – de - obra qualificada, entre tantos outros quesitos.

Por outro lado, Feldmann (2009) assinala que o ofício docente tem sido

compreendido, muitas vezes, apenas pela via da dimensão técnica, e reforça a

concepção de que o professor não pode ser entendido à margem de sua condição

humana. Não se pode discutir a ação do professor na escola apenas pelo seu caráter

instrumental, desconsiderando-se a importância da sua identidade pessoal e profissional

no processo educativo. Discutir a ação de professores na contemporaneidade é refletir

sobre as suas intenções, crenças e valores, também sobre as condições concretas de

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realização de seu trabalho que influenciam fortemente as suas práticas cotidianas na

escola. (FELDMANN, 2009, p.78).

Nesta linha de pensamento, estudos e reflexões sobre o trabalho vêm dando

alguma contribuição para não só dignificar o trabalho humano, mas, sobretudo para uma

maior compreensão, ressignificação e requalificação do trabalho docente.

As contribuições de Tardif e Lessard (2011) destacam questões da atualidade do

trabalho docente, diferenciando os campos de atuação e de interação do trabalho

humano. Para esses autores, o trabalho material foi considerado o arquétipo do trabalho

humano e, mais amplamente, da atividade humana, definida de acordo com as

orientações teóricas, como práxis ou atividade produtiva.

No dizer de pensadores tanto marxistas quanto funcionalistas e liberais,

passando por psicólogos, engenheiros do trabalho e estudiosos de ergonomia, os

modelos teóricos do trabalho foram deslocados da esfera das atividades humanas para

enfatizar a matéria e os artefatos técnicos. Segundo a visão marxista e as abordagens

críticas (Escola de Frankfurt, neomarxismo, etc.), a sociologia do trabalho tentou definir

a identidade e a ação dos atores sociais pelo status ocupado no sistema produtivo de

bens materiais, esse mesmo caracterizado por critérios como, a modernização, a divisão

do trabalho, a especialização e a racionalização. (TARDIF; LESSARD, 2011, p.15).

Portanto, o fato de se estar envolvido por relações sociais de produção é que

permitia definir o trabalhador e, mais do que isso, o cidadão. Essas relações sociais de

produção, por sua vez, eram vistas como o coração da sociedade e, o trabalho produtivo,

como o setor social essencial, aquele pelo qual se garantiam ao mesmo tempo, a

produção econômica da sociedade e seu desenvolvimento material. Na verdade, é ainda

a mesma visão que está na base, hoje, das ideologias desenvolvimentistas e neoliberais.

Os modelos clássicos de trabalho procedem substancialmente de cinco

postulados, enfatizados por Coster, Pichault e Touraine (1998, p.16) e são agrupados de

seguinte forma: primeiro, o trabalho industrial produtor de bens materiais é o paradigma

do trabalho; segundo, esse paradigma estende sua hegemonia teórica e prática às demais

atividades humanas; terceiro, os agentes sociais se definem por suas posições no sistema

produtivo; quarta, as posições centrais são ocupadas pelos detentores (capitalistas) e os

produtores (operários) de riquezas materiais; quinto, o sistema produtivo é o coração da

sociedade e das relações sociais. (COSTER; PICHAULT; TOURAINE, 1998, p.16).

Neste contexto, o ser humano é definido ontologicamente, como um ser do

dever; o trabalho - subentendido o trabalho produtor de bens materiais - é o primeiro

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dos deveres, o meio, por excelência, de cumprimento dos outros deveres; a noção de

dever está estritamente associada ao princípio de responsabilidade (ou liberdade)

individual, responsabilidade para consigo e para com os seus, no presente e no futuro; a

responsabilidade individual leva a adoção de comportamento racional, envolvendo o

esforço, o trabalho, a previsão e a economia; assim, a realização do indivíduo consiste

em encontrar seu justo lugar na sociedade, porém a partir da assunção de uma função e

do desenvolvimento de papéis precisos ligados ao trabalho. (TARDIF, LESSARD,

2011, p.16).

Consideramos, nesta esfera, quatro teses sobre o trabalho docente: primeira, a

cinquenta anos, a categoria dos trabalhadores produtores de bens materiais encontra-se

em “queda livre”, em todas as sociedades modernas avançadas, não formando mais o

protótipo, nem mesmo da classe assalariada e laboriosa e, acima de tudo, não

constituindo mais o principal vetor da produção e da transformação dessas sociedades;

segunda, a existência de grupos que criam e controlam o conhecimento teórico, técnico

e prático necessário às decisões, às inovações, ao planejamento das mudanças sociais e

à gestão do crescimento cognitivo e tecnológico (...) ainda mais por estarmos em uma

sociedade da informação e do conhecimento.(TARDIF;LESSARD,2011,p.18-19).Essas

novas ocupações são centradas em processos de produção, gestão, manipulação e

armazenamento dos conhecimentos. (...) Adaptada a esta nova economia, estaria

surgindo progressivamente a "sociedade cognitiva" (Comissão Europeia, 1995), a que

os anglo-saxões chamam The Knowledge Society (...); terceira, é que as novas atividades

trabalhistas estão relacionadas historicamente às profissões e aos profissionais que são

representantes típicos dos novos grupos de especialistas na gestão dos problemas

econômicos e sociais, com auxílio de conhecimentos fornecidos pelas ciências naturais

e sociais.

O crescimento das profissões e também das semiprofissões está claramente

ligado, em diversos setores econômicos e sociais, ao imponente crescimento dos

conhecimentos formais, das informações abstratas e das tecnologias que exigem

formação extensa e de alto nível. Os autores, em questão, compreendem que um

trabalho assim pressupõe implicitamente, integração de conhecimentos formais na

esfera da gestão social, uma vez que os debates atuais sobre a profissionalização do

ensino devem ser relacionados a essas orientações gerais, na evolução das profissões e

das atividades burocráticas "racionais”.

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E, por fim, a quarta tese, considera que entre as transformações em curso, parece

essencial observar o crescente status de que gozam na organização socioeconômica, nas

sociedades modernas avançadas, os ofícios e profissões que têm seres humanos como

“objeto de trabalho.” (TARDIF; LESSARD, 2011, p.17).

Assim sendo, essas ocupações se referem ao que chamamos aqui, de trabalho

interativo, cuja característica essencial é destacar nesta relação, no quadro da

organização (escola, hospitais, serviços sociais, prisões, etc.), um trabalhador e um ser

humano que se utiliza seus serviços. (MAHEUR; BIEN-AIMÉ, 1996, p.19).

Neste contexto, ao conceituar o trabalho docente para possibilitar a sua análise e

compreensão, somos atraídos a fazer uma reflexão histórica a respeito das definições e

do contexto do trabalho humano, para então, caracterizar a concretude do trabalho

docente. Reforçamos a menção dos autores ao destacar a importância por compreender

que as pessoas não são um meio ou uma finalidade do trabalho, mas a “matéria-prima”

do processo do trabalho interativo e o desafio primeiro das atividades dos trabalhadores.

(MAHEUR; BIEN-AIMÉ, 1996, p.19).

Assim sendo, o trabalho interativo mostra-se um dos principais vetores de

transformação da organização socioeconômica das sociedades modernas avançadas (...)

considerando-se as tendências atuais, caracterizadas pela globalização das economias,

dos intercâmbios e das comunicações e pela desestruturação/reestruturação das práticas

e das formas do trabalho. (TARDIF; LESSARD, 2011, p.19-20).

São aspectos que precisam ser elucidados a permitir que se enxergue melhor o

que evidenciam os pesquisadores do trabalho docente e da formação de professores. É,

portanto, imperativo que o estudo da docência se situe no contexto mais amplo da

análise do trabalho dos professores e, mais alargadamente, do trabalho escolar.

É possível afirmar que a escola e o ensino têm sido historicamente influenciados

e assim continuam, por modelos de gestão e de execução do trabalho oriundos

diretamente do contexto industrial e de outras organizações econômicas hegemônicas.

Alguns autores afirmam que é praticamente impossível compreender o que os

professores realmente fazem, sem ao mesmo tempo, interrogar-se e elucidar os modelos

de gestão e de realização de seu trabalho.

Diversos países, influenciados pelas novas tecnologias de informação e

comunicação vem implantando novos modelos educativos e formativos, tanto para a

formação de professores quanto para o desenvolvimento do trabalho docente, sem ao

menos compreender, de forma contextualizada, as necessidades, as expectativas e as

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implicações e o significado dessas abordagens, no processo de transformação e de

mudança consciente, tanto para a atividade docente, quanto para o mundo do trabalho.

Parece-nos ainda evidente na reflexão e na análise crítica sobre o trabalho

docente, que os autores debatem questões implicadas na estruturação de um trabalho

material, de um trabalho cognitivo, de um trabalho sobre o outro e um trabalho com e

para o outro, e, por conseguinte acrescentamos um trabalho sobre o “Eu”.

Neste caso, é importante questionar de que forma “a formação pessoal” e “a

autoformação” podem colaborar e, sobretudo contribuir para “o trabalho do outro”,

“sobre o outro”, “com o outro” e “para o outro”, de modo a torná-lo dignificante. Para

tal questionamento, Tardif e Lessard (2011, p.31-32) explicitam a existência de

diferentes campos e naturezas de “trabalho”, destacando três aspectos. Assim é que

assinalam em primeiro, o trabalho material como processo que funciona segundo uma

rotina materialmente sistematizada, no qual se fazem presentes instrumentos e

tecnologias materiais, como: cadeias de montagem, equipamentos, artefatos,

mecanismos, sistemas, instalações, máquinas, bombas, etc. Pode-se afirmar que ensinar

é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos? A

impregnação do trabalho pelo "objeto humano" merece ser problematizada por estar no

centro do trabalho docente.

O segundo trabalho, o cognitivo é um trabalho sobre os símbolos que remete a

processos cognitivos baseados em informações, conhecimentos, concepções, ideias, etc.,

ligado a atividades como: observação, compreensão, interpretação,análise e criação

intelectual, cuja ação principal consiste na gestão, manipulação e no processo

significativo de informações, de dados simbólicos.Todo o trabalho humano consiste em

manipular informações, construir uma representação de seu próprio trabalho antes de e a

fim de executá-lo. Todavia, os trabalhadores intelectuais não fazem mais que utilizar

informações.

A terceira menção refere-se ao trabalho sobre o outro e o trabalho sobre e com

os seres humanos, que permite, antes de tudo, o estabelecimento de relações entre

pessoas, com todas as sutilezas que caracterizam as relações humanas.Esse trabalho

sobre o humano evoca atividades como instruir, supervisar, servir, ajudar, entreter,

divertir, curar, cuidar, controlar, etc. Tais atividades se desdobram segundo modalidades

complexas e intervêm na linguagem, na afetividade e personalidade.

Tardif e Lessard (2011),em seus estudos, vão além dos modelos de trabalho e

enfocam a importância da docência como trabalho interativo e ao seu objeto humano, ou

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seja, um trabalho de reflexão sistemática e constante sobre suas próprias atuações

envolvendo questões de ordem epistemológica, cognitiva, psicopedagógica, afetiva,

intercomunicações e interações,em diferentes dimensões.

Todavia, compreende-se que trabalhar não é exclusivamente transformar um

objeto em alguma outra coisa, em outro objeto, mas é envolver-se, ao mesmo tempo,

numa práxis fundamental na qual o trabalhador também é transformado por seu

trabalho. Em termos sociológicos, dir-se-á que o trabalho modifica profundamente a

identidade do trabalhador: o ser humano torna-se aquilo que ele faz. O agir, quer dizer, a

práxis, deixa então de ser uma simples categoria que exprime as possibilidades do

sujeito humano de intervir no mundo para tornar-se a categoria central por meio da qual

o sujeito realiza sua verdadeira humanidade.

Vale a pena ressaltar então, que a docência é um trabalho cujo objeto não é

constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas, com pessoas

capazes de iniciativa e dotadas de capacidade de resistir ou de participar da ação dos

professores.

O fato de trabalhar com seres humanos, não é um fenômeno insignificante ou

periférico na análise da atividade docente: trata-se, pelo contrário, do âmago das

relações interativas entre os trabalhadores e os “trabalhados”' que irradia sobre todas as

outras funções e dimensões. A docência como um trabalho composto e flexível, deve

ser pensada e analisada no que realmente são e fazem os professores no cotidiano das

escolas.

Considerando os modelos de trabalho explicitados, a docência é vista também

como trabalho de codificação, uma vez se tratar de um trabalho cujo desenvolvimento é

agendado em conformidade com programas, avaliações e, em sentido global com os

diferentes padrões e mecanismos que direcionam o andamento dos alunos no sistema

escolar, executado normalmente dentro de um quadro organizacional relativamente

estável e uniforme; vista por esse ângulo, a docência aparece como uma atividade

instrumental controlada e formalizada.

O ensino aparece, assim, regido por uma "racionalidade", ou seja, pela utilização

circunstancial e eficaz de diversos conhecimentos, competências e regras de

funcionamento com a ajuda das quais, os docentes e demais agentes escolares controlam

seu ambiente de trabalho e planejam suas ações profissionais. Sua identidade

profissional é definida pelo papel que exerce e o status que possui na organização do

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trabalho; a docência enquanto trabalho, comporta diversas ambiguidades,diversos

elementos "informais", indeterminados, incertezas e imprevistos.

Em suma, o que se pode chamar de aspectos "variáveis" que permitem uma boa

margem de manobra aos professores, tanto para interpretar como para realizar sua

tarefa, principalmente em relação às atividades de aprendizagem em classe é a

utilização de técnicas pedagógicas. Faz parte do trabalho docente, ensinar de certa

maneira, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regulamentos,

pelo programa, pelo planejamento, pela lição, etc. Enfim, é agir dentro de um ambiente

complexo e, por isso, impossível de controlar inteiramente, pois, simultaneamente

ocorrem inúmeras intercorrências, em diferentes níveis de realidade como: físico,

biológico, psicológico, simbólico, individual, social, etc.

Neste caso, a organização escolar, na qual o trabalho é desenvolvido, não se

constitui em um mundo fechado; esta participa de um contexto social global, no qual

está inscrita. Esse contexto social não é uma abstração sociológica, nem um horizonte

longínquo ou situado "fora" da escola. Pelo contrário, tal contexto social está tanto

"dentro", quanto "fora" da escola, é ao mesmo tempo, individual e coletivo.

Como exemplo, tem-se que a escola comporta alunos que são, como todos nós,

seres socializados que trazem consigo para a classe a carga de suas múltiplas pertenças:

origem socioeconômica, capital cultural, sexo, identidade linguística e étnica, etc. Este

contexto social exprime-se também, pela identidade dos diferentes agentes escolares -

inclusive os professores, obviamente - nunca totalmente determinados pela organização

escolar, já que participam de outras organizações sociais, como: famílias, sindicatos,

igrejas, movimentos associativos voluntários, partidos políticos, universidades,

associações profissionais, etc. (TARDIF; LESSARD, 2011, p.43).

Expressa- se neste amplo contexto, a ideia de “saber ensinar”, e por isso, é

preciso considerar que o trabalho dos professores possui aspectos formais e aspectos

informais, e que se trata, portanto, ao mesmo tempo, de um trabalho flexível e

codificado, controlado e autônomo, determinado e contingencial, entre tantos outros

aspectos. Consequentemente é absolutamente necessário estudá-lo sob duplo ponto de

vista, se quisermos compreender a natureza particular dessa atividade. Subjacente a

esses modelos, os autores destacam três dimensões de análise que acentuam e discutem

o trabalho docente, a saber: o trabalho como atividade, o trabalho como status, a

docência como experiência. O trabalho como atividade consiste em agir num

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determinado contexto em função de um objetivo, em que se atua sobre um material

qualquer para transformá-lo através do uso de utensílios e técnicas.

No mesmo sentido, ensinar é agir na classe e na escola em função da

aprendizagem e da socialização dos alunos, atuando sobre sua capacidade de aprender,

para educá-los e instruí-los por meio de programas, métodos, livros, exercícios, normas,

etc. e, por isso mesmo, em outras palavras, pode-se privilegiar, conforme o caso, os

aspectos organizacionais ou os aspectos dinâmicos da atividade docente. Em suma,

compreendemos que o trabalho docente ocorre permanentemente, em situações e

contextos de intercomunicação, de interação e de inter-relação, diferenciadas e

diversificadas.

Considerando a dimensão e a complexidade do trabalho docente, importa

questionar qual o lugar da docência diante das mudanças e transformações

contemporâneas. Feldmann (2009) explicita afirmando que os professores, em seu

ambiente de trabalho, lidam com questões de natureza ética, afetiva, política, social,

ideológica e cultural. Dessa forma, em colaboração mútua, podem criar possibilidades

de recriar os conhecimentos necessários a uma prática inclusiva, considerando a

diversidade e a multiculturalidade, presentes nos cotidianos escolares. (FELDMANN,

2009, p.78). Significa respeitar a multiplicidade de culturas, valores, gêneros e classes

sociais presentes nas relações institucionais e pedagógicas que envolvem o processo de

ensinar e aprender, daí tornar-se imperativo o ofício de ser professor, consubstanciado

no trabalho docente.

Os conhecimentos que apenas a formação inicial oferece aos formadores,

educadores e professores não abarca a amplitude do trabalho docente. Porém, por meio

de um projeto de formação continuada consistente vislumbra-se a possibilidade do

desenvolvimento e da concretização desses saberes, conhecimentos e práticas da vida

contemporânea.

Passamos, a seguir, a refletir alguns aspectos concernentes à formação inicial e

continuada, com base em conceitos e concepções postulados por diferentes autores.

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2.3. Formação inicial e continuada na contemporaneidade

Para conceituar a formação inicial e continuada de professores na

contemporaneidade retomamos García (1999), Nóvoa (2006) e Feldmann (2009) que

trazem contribuições pertinentes para esse entendimento.

Nóvoa (2006) evidencia dois aspectos fundamentais que precisam ser

repensados e estudados: os desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo

e a educação e formação ao longo da vida, que podem reorientar no aprimoramento da

dimensão do trabalho do professor. Subjacentes a essas questões encontram-se dois

impasses vivenciados pelos que atuam no campo da Educação: a) a crise de identidade

da escola; e, b) os desafios da crise identitária na concepção e na prática da atividade

profissional.

Sobre essa preocupação, Feldmann (2009) explicita que:

[...] escrever sobre formação de professores e contemporaneidade nos convida e reviver as inquietudes e as perplexidades na busca de

significados do que é ser professor no mundo de hoje. Professor,

sujeito histórico que professa saberes, valores, atitudes, compartilha relações e, junto como o outro, elabora a interpretação e a

reinterpretação acerca do mundo construindo pessoas ao efetivar a

construção de si mesmo. (FELDMANN, 2009, p.9).

A nossa percepção é entender como os sujeitos têm sido compreendidos,

enquanto educadores e formadores; entender qual currículo, qual professor e qual

escola, hoje, têm condições de abarcar as múltiplas e contínuas inquietudes e

perplexidades que a contemporaneidade nos impõe; entender ainda, as implicações a

todos os envolvidos com a educação, quando se olha para dentro da escola e para a

própria formação, sobretudo em relação ao preparo para a ação didática e pedagógica.

Que caminhos possibilitam espaços e condições de participação nos desafios do

cotidiano das escolas, a fim de podermos beneficiar, partilhar e socializar saberes e

conhecimentos concretos e necessários e fundamentais à vida do professor na escola,

que todos nós almejamos?

Nesse emaranhado de significações e de culturas presentes no cotidiano escolar,

o professor encontra-se, muitas vezes, inseguro, com incertezas diante do seu papel e da

própria função social da escola e do trabalho docente a ser realizado. (FELDMANN,

2009, p.77).

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Assim sendo, a organização e a gestão da formação inicial e continuada de

professores sugere algumas orientações norteadoras à atividade docente. Em contexto

de mudanças e nos processos de reestruturação, de reorganização e de gestão da

formação, dois aspectos destacam-se como sendo de extrema importância: a formação

inicial e a formação continuada aos professores e a toda a equipe da escola.

Tendo em vista a complexidade da docência, inúmeros questionamentos se

apresentam.Por exemplo:como organizar e compreender a formação inicial e a

formação continuada? ; como, com quê e para quê e onde ocorre?; que currículo poderia

servir para ressignificar e requalificar a profissão docente?; os componentes curriculares

contemplam conteúdos que podem contribuir para a dignificação da formação de

professores, ressignificação do trabalho docente em contextos de mudanças,na

atualidade?

2.3.1. Formação inicial e continuada: discussões, reflexões e análise sobre a prática

Compreendemos a formação inicial, como aquela que capacita, potencializa e

habilita os professores profissionalmente, no desenvolvimento de suas ações, atividades,

tarefas no contexto do seu trabalho. A formação inicial comporta conhecimentos e

saberes de natureza e dos âmbitos social, científico, cognitivo, epistemológico, didático,

pedagógico, assim como, culturais, englobando questões de ordem ética, estética, moral

e cívica. A utilização desses componentes de forma adequada e assertiva permitem que

os professores desenvolvam melhor e com maior dinamismo suas capacidades que

consubstanciam a apropriação de competências necessárias e indispensáveis ao

exercício do trabalho docente.

A formação inicial pressupõe capacidades intelectuais e científicas

consubstanciadas em habilidades e destrezas de acionar, selecionar, produzir, organizar

e estruturar os recursos disponíveis, intelectuais e científicos necessários à consecução

de procedimentos ligados à transposição didática e pedagógica no cotidiano das escolas,

contribuindo deste modo, para mudar e transformar intervenientes, processos e práticas

formativas, dando maior significado e congruência aos sistemas educacionais.

Alguns autores são de opinião de que o professor forma-se dentro e fora da

escola. Interessa compreender, como o professor se forma nesses contextos para tornar-

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se um profissional que inova e renova os ambientes educativos, a partir de reflexões e

análise crítica sobre a sua própria prática.

Em se tratando da formação continuada, Nóvoa (2006, p.7) reforça que para o

aprimoramento e a ressignificação do trabalho docente, o desafio é a formação centrada

nas práticas e na análise das práticas. O autor considera que a formação do professor é,

por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica, porém há

um déficit de práticas, de reflexão sobre as práticas, a respeito do trabalhar sobre as

práticas, de saber como fazer.

É impactante considerar que há professores que têm genuinamente vontade de

fazer de outro modo e não sabem como. Têm o corpo e a cabeça repletos de teorias, de

questões ligadas aos fundamentos da docência, no entanto, não sabem como transformar

esse arcabouço teórico em práticas, em práticas coerentes e consistentes. Reforça-se

mais uma vez a importância da formação continuada centrada nas práticas e na análise

dessas práticas.

A formação continuada é também aquela que permite com que o professor se

encontre, consiga estabelecer analogias, dialogar, interagir, fazendo articular

conhecimentos e saberes apreendidos na formação inicial com os considerados no

processo de formação continuada;dessa forma possibilita-se ao professor identificar

suas fragilidades e necessidades, ao mesmo tempo, mobilizar suportes teórico-práticos

para aperfeiçoar a sua ação educativa na sala de aula e em outros ambientes de educação

e formação.

A formação continuada, portanto necessita contagiar o professor em direção a

um movimento espiral, de vaivém sintonizado com o presente e o futuro. Este

movimento contempla reconsiderar o que já se tem incorporado para então, assimilar

novos aprendizados que permitam novos olhares e (re)construções. Neste contexto,

frisamos como fundamental para a formação, a valorização da heterogeneidade, da

multidimensionalidade e da multiculturalidade dos sujeitos.

Referimo-nos aos conhecimentos e saberes apreendidos da realidade social,

econômica, espiritual, estética, ética, moral e cívica, ou seja, a historicidade dos

conhecimentos (re)constituídos que permitem orientar o campo de atuação profissional,

permitindo adequação às situações complexas, assim como,o desenvolvimento

continuado e sistemático de participação no equacionamento dos problemas e das

práticas educativas.

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A formação continuada necessita dar condições de o professor racionalizar e

gerenciar de forma refletida, crítica e consciente, as suas capacidades superiores para

concretizar os conhecimentos adquiridos e apropriados em sua formação inicial,

considerando contextos e situações diversificadas, a heterogeneidade de necessidades,

expectativas e das interações humanas, ou seja, professor, alunos, conhecimentos e

saberes, contextos e situações de extra e (inter) comunicação a serem considerados nas

decisões por ações flexíveis, permanentes e sistemáticas.

A formação continuada, via de regra, efetiva-se com os professores em

exercício, em serviço e tem entre seus objetivos, o de aprimorar os conhecimentos e

saberes apreendidos na formação inicial, sobretudo com o intuito de estabelecer a

articulação teoria e prática.

D’Água e Neto (2012) afirmam que,

[...] a formação continuada pode ser compreendida como aquela que

acontece após a formação inicial, como forma de repor conhecimentos

que não foram suficientemente trabalhadas, ou ainda tendo um caráter de atualização, de “reciclagem”, de repertório de conhecimentos

superados, aperfeiçoados e aprofundamento. (D’ÁGUA; NETO, 2012,

p.125).

Importa saber, discernir e compreender o real valor e importância da formação

inicial e continuada. Percebe-se que se situam na compreensão da profunda revolução

do universo do conhecimento, potencializado pela explosão tecnológica, com alterações

significativas nas relações interpessoais, nos processos formativos e nos contextos

institucionais do trabalho docente. Diferentemente, de contextos dinâmicos, a formação

docente tem sido comumente organizada de forma burocrática e estática e, em muitos

momentos, configurada como imobilizadora e incapacitante para o profissional.

As ações tendem a ficar muito mais no plano ideológico do que voltadas para a

realidade escolar, que continua atrelada a modelos inibidores de mudança. (...) as

questões assim expostas, ressaltam que a formação dos profissionais da educação esteve

sempre sujeita a uma série de demarcações, até mesmo, a nomenclaturas, fomentando as

relações de poder reproduzidas nas escolas. A homogeneidade, a padronização, a

linearidade e a reprodução em série na instituição escolar respondiam aos modelos

predeterminados pelos grupos hegemônicos, em nome do progresso social.

(FELDMANN, 2009, p.192).

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A formação de professores explicita-se em formar na ação, em ação e para a

ação. Qualquer ação pressupõe um conjunto de atividades, que se operacionaliza ou se

desdobra em um conjunto diversificado de consecução de tarefas. Tarefas essas que

possibilitam o desenvolvimento de competências e capacidades cognitivas superiores,

formando consciência e transformando a realidade concreta.

O processo de desenvolvimento das capacidades cognitivas pode ser aquele a

ajudar o indivíduo a libertar-se, a aprender a utilizar o raciocínio lógico e o pensamento

crítico, buscando mecanismos e pressupostos metodológicos, técnicos e teórico-práticos

de aprendizagem de conhecimentos úteis e necessários à vida do docente e do estudante.

2.3.2. Formação de professores e trabalho docente: articulação teoria-prática

A pesquisa iniciada pelo estudo bibliográfico e análise documental traz para a

nossa discussão, conhecimentos em diferentes áreas e domínios das ciências (educação

– a didática e a pedagógica –, sociologia, psicologia, história, etc.).

Estudos sobre a articulação teoria-prática e questões implicadas na formação do

professor e trabalho docente são considerados, neste primeiro momento, a partir das

contribuições de Sacristán (1999). Com base nas produções do referido autor,

construímos o nosso referencial teórico procurando articular e convergir nossos olhares

numa perspectiva interdisciplinar e multidisciplinar com vistas ao aprofundamento e

aprimoramento do nosso objeto de estudo. Assim sendo, buscamos a compreensão e o

entendimento sobre como a articulação teoria-prática pode contribuir para a

concretização, consolidação e ressignificação dos conhecimentos e conteúdos a serem

ensinados e aprendidos em contextos e cotidianos educativos e formativos.

Sacristán (1999) é um dos autores a nos ajudar a desenvolver o diálogo e a

compreender a ação e a atividade educativa na contemporaneidade, no contexto escolar.

No capítulo 1, do seu livro “Poderes instáveis em educação” é discutida a relação teoria

e prática. Para tanto, autor parte de uma questão: “O que move a ação educativa?” Para

analisar essa problemática, destaca dois aspectos fundamentais: a racionalidade possível

na pós-modernidade e a relação teoria-prática. A discussão propicia subsídios que

favorecem a percepção e a compreensão de como se pode articular a teoria e a prática e

qual o significado desta relação na formação de professores e no trabalho docente.

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Da leitura do texto, podemos captar que esta relação constitui a unidade, que

reconfigura a formação de professores, sua ação, atuação, interação e articulação, tanto

no nível processual quanto no nível da prática e de resultados.

Entretanto, é preciso compreender e trazer à discussão outros elementos como a

relação entre pensamento, teoria e ação, atividades do pensamento e a prática que

podem consubstanciar e concretizar numa reflexão objetivada em pessoas e processos

que concomitantemente contribuem para que se movam os fenômenos da relação que

vincula aspirações sociais compartilhadas. Estamos nos referindo a práticas

profissionais e institucionais concretizadas, tanto do ponto de vista epistemológico,

quanto didático e pedagógico, constituintes do trabalho docente em contexto de

mudanças e transformação.

Todavia, parece-nos interessante pensar nesta relação, evidenciando dois

públicos ou duas realidades: a teoria vista a partir da prática e a prática vista a partir da

teoria. A dualidade focada por Sacristán (1999) destaca ainda, o problema específico

sobre a relação entre o pensar e o fazer.

O autor considera que na educação, como ocorre em outros âmbitos do

pensamento e da ação, existem interesses relacionados com a explicação de como se

movem os fenômenos vinculados a esta área, ou como podemos fazer com que esses se

movam na direção adequada para satisfazer nossas aspirações.

A educação ultrapassa o âmbito da discussão entre especialistas da reflexão

epistemológica e da profissão docente, pois está implícito, de alguma forma, em todo

aquele que intui a educação, ser ela um motor de transformação pessoal, cultural,

econômica ou de progresso em geral. (SACRISTÁN, 1999, p.17).

A educação pertence à essência do ser humano, estabelecendo pontes entre o que

se crê e a realidade que se deseja. Constata-se essa preocupação na história do

pensamento, com destaque a que a educação permite desenvolver um trabalho

disciplinador do conhecimento (no sentido de formar disciplinas científicas).

(SACRISTÁN, 1999, p.17).

Assim, para compreender a educação na relação com o conhecimento, torna-se

necessário considerar também, as dimensões explicativas e normativas que concedem

ao conhecimento disciplinar sobre a educação correspondências ao saber do porque as

coisas são, como são e ao saber como convém que se tornem, para atingir determinadas

finalidades.

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Sob esta visão, Sacristán (1999) considera a relação teoria-prática como a

abordagem correta para penetrar nessa implicada interação entre o que sabemos sobre

algo e as formas de fazer as coisas para que se assemelhem aos resultados que

consideramos aceitáveis e desejáveis. É uma forma de penetração declaratória de

“entender o que se move”, porque se faz e como se faz, ou seja, representa indagar

acerca “do que move a educação”.

As reformas educacionais (a mudança racionalmente orientada), a formação do

corpo docente, a melhoria da prática, a superação das decapagens entre o que nos rodeia

e o que acreditamos que é factível à própria regeneração das tradições, do pensamento e

da pesquisa parecem estar abastecidos dessa fé, princípio fecundante da relação entre a

teoria e a prática, na teoria crítica, no pensamento comprometido, etc. (SACRISTÁN,

1999, p.17).

Participa também nesta discussão, a relação entre o conhecimento e o saber agir

sobre e na educação. O problema da relação entre o conhecer e o agir na educação,

talvez seja o tema central de todo o pensamento para explicar porque a educação se

desenvolve tal como realmente o fazemos e porque tem sido assim, no mundo das

relações contextuais, institucionais, culturais, pessoais, ideais e usos práticos. Neste

caso, interessa saber como a formação de professores pode colaborar no movimento

dialético implicado no fazer docente.

Sacristán (1999) considera ainda que,

[...] elucidar o problema das relações entre teoria e prática

constitui um esforço para obter uma teoria explicativa do como,

do por que, e do para que da prática educativa, que deveria

explicar os processos de elaboração e de desenvolvimento do

pensamento sobre a educação e dos possíveis papéis que

desempenha. (SACRISTÁN, 1999, p.17).

Percebe-se que é uma tarefa inacabável, da qual precisamos compreender e

enxergar a incompletude e inconclusividade dos processos e das práticas da formação de

professores, que por sua vez, exige trabalho contínuo, sistemático e permanente.

Assim, a relação teoria-prática também é questionada por outros autores, na

medida que, considera-se que nem a teoria, nem a prática, nem a relação teoria-prática

serão para nós, o que acreditávamos que eram.Três aspectos interessantes são

apresentados para compreensão dessa relação:

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1º.- estamos diante de um tema transdisciplinar que afeta diferentes “territórios” de

especulação e diferentes meios profissionais;

2º.- ao propor este tema consiste em reduzi-lo ao terreno das relações e dos

desencontros entre dois tipos de agentes, teorias e práticas, em seus respectivos

contextos, como se a relação entre ideias e práticas não afetasse outros setores ou

agentes sociais e, não só aos que têm como ocupação profissional, a especulação sobre

educação ou as práticas para desenvolvê-la institucionalmente;

3º.- a suposição (de que a teoria introduz-se racionalmente na prática e a de que essa

operação envolve a relação de dois tipos de “atores”) é a de dar certa e desejável a

conveniência da relação teoria-prática.(SACRISTÁN, 1999, p.20).

A discussão teoria-prática chama a atenção para dois públicos e duas realidades:

a teoria vista a partir dos práticos e a prática vista a partir dos teóricos - desencontros e

incompreensões. Para desvendar essa questão é preciso diferenciar a teoria da prática,

desmistificando que a teoria é o que fazem os filósofos, os pensadores, e os

pesquisadores da educação e, a prática é o que fazem os professores.

Todavia, segundo Sacristán (1999,p.20), “[…] o conteúdo da confrontação

teoria-prática é delimitado a partir das percepções das relações entre “os teóricos” e “os

práticos”, em contextos respectivos, nos quais uns e outros se desenvolvem e

trabalham”. Mas, percebe-se que essa relação e articulação é complexa, mesmo porque,

“nem os práticos são donos ou criadores de toda a prática, nem os teóricos são donos de

todo conhecimento que orienta a educação.”

A discussão que se apresenta tem a ver com o que o autor chama de divórcio

profissional e que seguramente, é um caminho inconveniente para a prática e para a

teoria (para os práticos e para os teóricos). Esse divórcio é apreciado de maneira

diferente entre os profissionais da educação. Implica reflexões de caráter

epistemológico e científico que envolve autores sociais, acadêmicos e profissionais da

área, para desmembrar e vincular, agregando e fazendo dialogar a teoria e a prática.

É importante pensar que a partir da teoria, manifesta-se em algumas ocasiões, a

atitude epistemológica que sustenta que o trabalho da ciência é buscar as leis gerais que

necessariamente teriam que romper com a experiência cotidiana ou com o particular que

caracteriza a prática, pois enquanto esta se refere ao singular, ao factual, ao ideológico,

a teoria aspira à generalidade da explicação nomotética.

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Sacristán (1999) denomina por “teoria”, a sistematização organizada de

conhecimentos – corpus teórico – que compõe um campo disciplinar determinado, seja

considerado, ou não, como ciência. (SACRISTÁN, 1999, p.25).

No plano da atividade de ação, de intervenção e de articulação didático-

pedagógica esta separação das duas concepções, subjacentes à renovação e inovação dos

componentes curriculares não parece fazer muito sentido. Até porque, o processo de

ensinar e de aprender não ocorre nessa linearidade de um pensar e o outro fazer. A

laicidade do pensamento não favorece muito essa coordenação linear. Ela se constitui,

se (des)constrói e se (re)constitui num vaivém,em busca de saberes, conhecimentos e

práticas permanentes e constantes, cujas fronteiras não são muitos regradas,acontecendo

de forma livre e espontânea.

O pensamento para expressar a realidade concreta precisa de um trabalho

consciente das múltiplas e diferenciadas dimensões do desenvolvimento e da ação

humana; o aprender a pensar é também um processo, uma prática a ser incentivada e

dinamizada, entendendo que,

[...] a relação entre pensamento e ação em educação para projetá-la

nos termos mais básicos não afeta só o que os “pensadores” e os “práticos” produzem, por antonomásia, os docentes, mas é também

um problema cultural que exige um tratamento amplo que contemple

as relações entre o subjetivo e o social de todos os agentes que

intervêm na principal determinação da experiência prática. (SACRISTÁN, 1999, p.20).

O autor propõe que se pense como princípio geral, que se entenda a participação

de agentes que “transportam ideias à prática”; são todos aqueles que têm poder de

decisão em educação e contribuem com a experiência educativa, indo desde os

responsáveis pela política educacional, legitimadores parlamentares, sindicatos ou

outros agrupamentos de professores como, organizações, os professores

individualmente considerados formadores de professores, os formadores de opinião

sobre a educação, as associações de pais, os pais em cada escola, cada família, os

técnicos, os especialistas, até os estudantes. Se a operacionalidade ou a autoria sobre a

prática está repartida, a relação entre conhecimento e prática terá tantos agentes quanto

haja nessa divisão. (SACRISTÁN, 1999, p.21).

Talvez seja necessária a aproximação entre os práticos e teóricos por meio de

reflexões numa perspectiva dialética, articulando a interação da própria teoria e prática,

para ressignificação do trabalho docente. Todavia, Sacristán (1999) salienta ser

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necessário compreender o que ocorre na educação, uma vez que pode ser objeto de

tríplice perspectiva.

A aproximação entre os teóricos e os práticos pode estar vinculada e traduzida

no que Pacheco (2005, p.158) designa de estratégia transdisciplinar, estratégia

interdisciplinar e estratégia disciplinar. Sob a estratégia transdisciplinar, o componente

curricular não é da responsabilidade de um professor ou de uma disciplina, atravessando

todos os saberes e passando por todas as situações vividas na escola. Por isso,

concretiza-se por meio de plano que abrange o trabalho a se realizado nas diversas

disciplinas e áreas do currículo, em cujas formações transdisciplinares previstas,

focalizam três aspectos fundamentais: formação pessoal e social, valorização da

dimensão humana do trabalho, e língua materna.

A estratégia interdisciplinar, por sua vez, ao substituir a Área-escola pela Área

de Projeto faz torná-la também um componente obrigatório do currículo em todos os

ciclos. Tem o objetivo de envolver os alunos na concepção, realização e avaliação de

projetos, permitindo-lhe articular saberes de diversas áreas disciplinares em torno de

temas de pesquisa ou de intervenção. E, a estratégia disciplinar: “(…) a atividade que

para ser desenvolvida necessita contar com o apoio de um tempo semanal para sessões

de informação e de debate que, entre outros, pode assumir o formato de assembleia de

turma.” (SACRISTÁN, 1999, p.158).

Compreendendo, e talvez, apropriando-se dessas estratégias, conceitos e

definições poder-se-ia desenvolvê-las em atividades de ensinar e aprender

conhecimentos diversificados que orientam para a articulação teoria-prática, no fazer e

construir a docência. Tal movimento precisa levar em conta os objetivos do ensino

básico – educar, integrar, formar para a cidadania. São simultaneamente simples de

definir e muito difíceis de concretizar (…), com efeito, a formação para a cidadania

permite viver, experimentar e aprender em cada instante da vida escolar, sendo a

educação cívica um dos eixos que dá sentido à integração e à utilização social dos

saberes e do conhecimento. (SACRISTÁN, 1999, p.156).

Mas, o que este objetivo tem a ver com a nossa discussão teórica? Quando a

relação teoria-prática é compreendida sob a perspectiva da polidisciplinaridade, que

explicita os vários momentos em que as disciplinas de formação se articulam para o

objetivo comum, ela poderá ser consolidada em contextos diversificados, com maior

eficácia. Carvalho (1996) utiliza os termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade,

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intradisciplinaridade e transdisciplinaridade, como forma de buscar conteúdos e

abordagens diversificadas para a multidimensionalidade de objetos do conhecimento.

As propostas de Pacheco e Carvalho configuram-se e concretizam-se por meio

da interdisciplinaridade metodológico-prática, evidenciando o cerne da articulação

teoria-prática e, por isso, constituindo enfoque de caris científico. Entende-se como

primordiais o diálogo e a comunicação intensificada e aprofundada entre as diferentes

áreas curriculares – a multidisciplinaridade – envolvendo diferentes enfoques e

abordagens – métodos, técnicas, estratégias, recursos, etc. para que sejam efetivadas

parcerias, socialização, articulação e, sobretudo produção de conhecimento apurado e

consistente, que se pretende e precisa ensinar e aprender; germe da possibilidade da

reconfiguração e requalificação da relação teoria-prática, em situações e contextos

diferenciados e diversificados da ação educativa e formativa.

Nesta discussão, vale a pena rever e clarificar os conceitos sobre a relação

teoria-prática propostos por Sacristán (1999) ao considerar como questões-chave: “a

ação”, “o agir”, “a prática pedagógica” e “o agente pedagógico”. Tais conceitos estão

intimamente ligados ao trabalho docente em seus processos e práticas de ensinar,

aprender e apropriar de conhecimentos significativos para a vida acadêmica e

profissional.

No dizer de Sacristán (1999), o termo “ação" pode ser destacado ou descrito,

pois tudo aquilo pelo qual poderia ser definida já contém em si, o sentido de “ser ação”;

qualquer verbo que utilizássemos para fazê-lo contém uma atividade – o definir, já é

uma ação. A ação evidencia alguma potencialidade ou faculdade da qual dispomos e por

meio da qual nos expressamos. A ação consiste em exercer faculdades, empregar uma

força capaz de produzir certo efeito; executar; passar do projeto à realização. Por meio

da ação interfere-se consciente e voluntariamente no percurso normal das coisas,

condicionando seu decorrer. A ação tem significado de atividade presente no processo

de desenvolvimento, é então, processo e resultado do fazer.

Por sua vez, o “agir para” é tomar a iniciativa, começar, conduzir, governar, pôr

algo em movimento, motivo para que algo novo comece. Agimos de acordo com o que

somos e pelo o que fazemos, é possível identificar o que somos. O professor age como

pessoa e suas ações profissionais o constituem. É nessa ação e nesse agir que se pode

explicitar a articulação teoria-prática. Nesse caso, o agente pedagógico que é o

professor, quando exerce sua função, é um ser humano que age, e, esse papel não pode

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ser entendido à margem da condição humana, por mais técnico que se queira, seja esse

ofício.

Por meio das ações realizadas em educação, os professores manifestam e

transformam o que acontece no mundo. O autor considera que este princípio está

assimilado no senso comum, mas não tem sido estudado de modo aprofundado. Tendo

em vista o caráter pessoal da ação, é preciso compreendê-la em relação às ações de

outros seres humanos, em um triplo sentido que para nós se reconfigura no

entendimento, no diálogo e na relação teoria-prática.

Nesse processo destacam-se o triplo sentido das ações dos seres humanos, ou

seja:

a) por um lado, a ação se efetiva em interação com os outros. É social porque se dá

em uma conjugação de atividades correspondentes a vários sujeitos que são ao

mesmo tempo, agentes e pacientes que se influenciam mutuamente. Isso significa

que a ação de um agente sobre outro ser humano não é independente daquela

sobre quem se atue. Os envolvimentos psicossociais das ações nos sinalizam que

existe todo um ambiente de cultura intersubjetiva que é fruto e contexto das

iniciativas dos sujeitos.

b) em outro sentido, enquanto os seres humanos compartilham entre si propriedades

que assemelham alguns indivíduos com outros e que os diferenciam de outros

grupos, ou enquanto exercem ações com propósitos parecidos podemos entender

determinadas ações como próprias de certos grupos coletivos, segundo gênero,

idade, etnia, grupo social ou profissional, etc. Está implícito aqui, que os seres

humanos é que fazem a educação e se formam também nesse estilo de ação

compartilhada.

c) em outro sentido, significa dizer que a ação é a expressão do sujeito que a

empreende, a partir de certa cultura subjetiva que se introduz nas redes da cultura

intersubjetiva. A ação pedagógica não pode ser analisada somente sob o ponto de

vista instrumental, sem considerar os envolvimentos do sujeito – professor – e as

consequências que tem para sua subjetividade que intervirá e se expressará em

ações seguintes. Os professores expressam-se como pessoas em suas ações,

mostrando-se como sujeitos, que graças a essas mesmas ações, vão se

construindo como docente. O caráter pessoal da ação educativa impõe condições

ao conhecimento sobre a educação, na esperança de que em seu domínio se possa

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obter certo controle, e é também o que condiciona os métodos e as técnicas para

alcançar o saber.

Podemos entender a ação como empresa coletiva, como movimento social que

congrega as vontades dos indivíduos que compõem uma sociedade ou grupo social

empreendendo um movimento ou ação conjunta. (SACRISTÁN, 1999, p.31-32).

As indagações sobre a integração e a articulação dos currículos, programas e

planos de estudos que as instituições de formação oferecem para a formação de

professores devem sintonizar e vincular a relação teoria-prática a fim de que o trabalho

docente tenha significado no cotidiano das escolas. Talvez seja um dos caminhos para

minimizar os diversos problemas educacionais e formativos que vem ocorrendo, de

forma acelerada, em contextos, níveis e âmbitos diferenciados cujas respostas, muitas

vezes ainda são insignificantes pela dimensão e o rumo que esses problemas

educacionais estão tomando na situação atual.

Questiona-se também sobre o que os professores sabem sobre o currículo e

como esse saber pode orientar a articulação teoria-prática no exercício da docência? O

que os professores precisam saber a fim de se apropriarem das diferentes possibilidades

que o currículo oferece e fazer as devidas e significativas articulações teoria-prática em

contextos educativos e formativos?É o que tentaremos debater a seguir.

2.3.3. Currículo, formação de professores e trabalho docente: articulação teoria- prática

Os estudos sobre currículo, a formação de professores e o trabalho docente

apontam diversos questionamentos relacionados à sua própria constituição,

componentes, estratégias, propostas metodológicas, enfoques e abordagens, tanto no

que diz respeito à formação de professores, quanto ao trabalho docente desenvolvido no

cotidiano das escolas.

As diretrizes e os parâmetros curriculares apresentam um conjunto de

pressupostos, mas, por vezes, esses não se articulam aos contextos em que estão sendo

utilizados, para, em última instância, formar cidadãos conscientes, comprometidos com

o desenvolvimento equitativo das pessoas e que possam interagir em contextos

acadêmicos e profissionais.

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As escolas buscam respostas de como ensinar diferentes conhecimentos e

conteúdos cuja aprendizagem por parte dos alunos não acontece de modo a que se possa

apropriar de conhecimentos necessários e indispensáveis para interação entre a vida

acadêmica e profissional.

Pesquisas demonstram que o termo “currículo” foi dicionarizado pela primeira

vez, em 1663, com o sentido de curso, em especial um curso regular de estudos em uma

escola ou universidade, sentido que se impõe no vocabulário educacional. A definição

do dicionário torna evidente que, por volta da metade do século XIX, o uso comum da

palavra, significando apenas um curso de estudos, estava relativamente estabelecido e

era aplicado rotineiramente não só às disciplinas estudadas nas escolas politécnicas e

nas universidades, mas também, aos níveis pré-universitários de instrução. (PACHECO,

2006, p.29).

O que se pretende é fazer do currículo um pensamento que aborde seriamente as

questões da prática, não ignorando as seguintes deliberações curriculares, segundo

Pacheco (2006, p.41):

Questões epistemológicas - contemplam o que se deve contar como

conhecimento? Como saber fazer? Devemos tomar uma posição comportamental e uma

posição que divida o conhecimento e o saber fazer em áreas cognitivas, afetivas e

psicomotoras, ou precisamos de imagem menos redutora e mais integradora do

conhecimento e da mente, uma imagem que saliente o conhecimento como processo?

Questões políticas - saber quem deve controlar a seleção e distribuição do

conhecimento? Por meio de que instituições?

Questões econômicas - conhecer como o controlo do conhecimento é ligado à

distribuição existente e desigual de poder, bens e serviços na sociedade?

Questões ideológicas - saber qual é o conhecimento de maior valor? A quem

pertence esse conhecimento?

Questões técnicas - saber como se pode colocar o conhecimento curricular ao

alcance dos alunos?

Questão estética - saber como ligamos o conhecimento curricular à biografia e

às ideias pessoais do aluno? Em que medida agimos “com astúcia” como construtores

do currículo e professores ao fazê-lo? De uma forma coerente e justa em termos

educacionais? Que noções de conduta moral e de comunidade servem de suporte ao

modo como os alunos e professores são tratados?

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107

Questão histórica - implica conhecer quais tradições já existem neste campo que

permitem responder a estas questões? De que outros recursos são necessários para ir

além do que está posto?

Compreendendo a essência desses elementos, sua articulação e integração no

desenvolvimento do currículo, e, particularmente nos processos e práticas de ensinar a

aprender, entendemos também, que ensinar apenas pela teoria da teoria, ou apenas por

meio da prática pela prática, restringe-se a apropriação de conhecimentos e saberes

operacionais; faz-se necessário relacionar essas questões à vida pessoal, acadêmica,

profissional e do trabalho.

Apesar da complexidade e da diversidade do pensamento curricular, as práticas

curriculares têm demonstrado incongruências que dificultam a articulação teoria-prática.

Ainda, segundo Pacheco (2006), o currículo é um projeto de formação (envolvendo

conteúdos, valores/atitudes e experiências), cuja construção se faz a partir de uma

multiplicidade de práticas inter-relacionadas por meio de deliberações tomadas nos

contextos social, econômico, cultural (também político e ideológico).

Tal perspectiva contempla a concepção de currículo como um plano de ação

pedagógica, ou como um produto que se destina à obtenção de resultados de

aprendizagem, organizados no âmbito da escola, pressupondo um processo que envolve

três momentos principais: elaboração, implantação e avaliação, conjugados com base a

uma racionalização dos meios, em função dos objetivos e dos resultados, originando a

chamada “consciência tecnológica” ou “racionalidade técnica”. (PACHECO, 2006,

p.43).

Decorrem dessa conceituação, implicações no nível da praticidade do próprio

currículo, uma vez que,

[...] sob acepção alargada, o desenvolvimento curricular define-se

como um processo dinâmico e contínuo que engloba diferentes fases,

desde a justificação do currículo até à sua avaliação e passando necessariamente pelos momentos de concepção - elaboração e de

implementação. (PACHECO, 2006, p.45).

Sinteticamente, o desenvolvimento curricular identificar-se-ia com a construção

do plano curricular, tendo presente o contexto e justificação que o suportam, bem como,

as condições da sua execução. Segue-se com a fase da implementação dos planos e

programas na situação concreta de ensino e, concomitantemente, o processo de

avaliação da respectiva execução. Este movimento pode ser traduzido no que se

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constitui uma ponte entre a intenção e a realidade, ou melhor, entre o projeto

socioeducativo (política pedagógica) e o projeto didático.

A concepção do currículo da formação de docentes, como um das matrizes que

orienta a atividade educativa é considerada por Menezes (2009),

[...] como um conjunto de ações educativas que ocorrem num

determinado contexto, associadas à própria identidade da escola, [...]

que refletem o projeto político-pedagógico da escola, sua organização,

funcionamento e papel, e que sofrem influência de tudo o que nela acontece explícito ou não. (MENEZES, 2009, p.201).

Com base a essa definição de currículo, pode estar implícito o que Feldmann

(2009, p. 80) nos alerta, ao afirmar ser preciso “(...) formar pessoas com pensamento

autônomo, que sejam fiéis aos seus sonhos, respeitem a pluralidade e a diversidade e

intervenham de forma científica e crítica nos destinos da sociedade.”

O desenvolvimento do currículo tendencialmente, inicia-se pela proposta formal,

genericamente denominada currículo prescrito ou currículo oficial ou currículo escrito:

é o currículo sancionado pela administração central, vinculado a uma estrutura

organizacional escolar. O currículo apresentado aos professores por mediadores

curriculares, principalmente manuais e livros de texto, representa condição na qual os

professores não trabalham diretamente com o currículo oficial.

No âmbito do projeto educativo (político-pedagógico) da escola, com a inclusão

do plano de formação, o currículo é programado em grupo, e planificado

individualmente, pelos professores, não deixando de ser um currículo moldado ou

percebido, porque equivale a:

[…] uma representação mental, o que foi oficialmente aprovado para a

instituição e a aprendizagem não é, necessariamente, o que as várias

pessoas e grupos interessados tomam mentalmente como sendo o currículo. Os pais diferem largamente no que pensam que as escolas

ensinam e diferem talvez ainda mais nas suas reações ao que

percepcionam. Indubitavelmente, estas percepções geram mudanças

[…] as percepções mais importantes são, provavelmente, as dos professores. (FELDMANN, 2009, p. 51).

Percebe-se que alguns elementos constituintes do currículo precisam ser

interpretados e compreendidos em seus contextos múltiplos. Pacheco (2006, p.51-52)

elenca modalidades de currículo, quais sejam: currículo real, currículo em ação,

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currículo como atividade de sala de aula, currículo operacional, currículo realizado,

currículo experiencial, currículo observado, currículo oculto e currículo avaliado.

As diversificadas dimensões e acepções dos estudos curriculares só poderão ser

compreendidas e apropriadas em situações de usos diferenciados dos processos e

práticas educativas e formativas. Mais especificamente, estão envolvidos estudos sobre

as teorias dos desenhos curriculares, do desenvolvimento e da praticidade do próprio

currículo e sua desmistificação com relação ao programa, ao planejamento –

transposição didática de conhecimentos -, dos próprios processos e práticas e da

avaliação de ações de educação e de formação, em múltiplos e diferentes contextos e

situações.

Ao entendimento de tais definições incluem-se também questionamentos

relacionados às conexões com as relações de poder. As indagações que se seguem, são

exemplos que, de alguma forma, podem orientar a articulação entre as diretrizes

nacionais sobre as políticas públicas curriculares e a formação.

Em estudos e desenvolvimento curriculares interessa saber como as formas da

divisão da sociedade afetam o currículo? Como a forma de organização do currículo

processa o conhecimento e de que forma as pessoas contribuem para reproduzir esta

divisão? Qual conhecimento – de quem – é privilegiado no currículo? Quais os grupos

se beneficiam e quais são prejudicados pela forma como o currículo está organizado?

Como se formam oposições e resistências ao Currículo Oficial? Esses são alguns dos

questionamentos levantados por Sacristán e Gómez (1998).

Para esses autores, a análise dos livros-texto, nos aproxima da realidade

educativa, do que os documentos oficiais que regulam e prescrevem o currículo. Os

planos reais dos professores nos aproximariam mais do que os livros-texto. Pode-se

apreender o processo em diferentes modelos ou representações, pontos de apoio na

investigação curricular. Os mais concretos são: currículo como compêndio de conteúdos

ordenados nas disposições administrativas – os documentos curriculares (na Espanha, os

chamados mínimos curriculares e, mais recentemente, o Plano Curricular Base). É o

currículo prescrito e regulado, realçado como os livros-texto, os guias didáticos ou

materiais diversos que o elaboram ou planejam. É o currículo criado para ser consumido

pelos professores/as e alunos/as. As programações ou planos que as escolas fazem. O

currículo no contexto de práticas organizativas. O conjunto de tarefas de aprendizagem

que os alunos/as realizam, das quais extraem a experiência educativa real, que podem

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ser analisadas nos cadernos e na interação da aula e que são, em parte, reguladas pelos

planos ou programações dos professores (as) – é o chamado currículo em ação.

Este nível de análise associado à concepção de currículo e desenvolvimento

curricular é o conteúdo real da prática educativa, porque é onde o saber e a cultura

adquirem sentido na interação e no trabalho cotidiano. O que os professores exigem em

seus exames ou avaliações, como o exigem e como o valorizam.

Para entendimento mais aprofundado, Pacheco (2006) afirma que,

O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do

ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito,

contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes [...] o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente,

atitudes, comportamentos, valores e orientações [...]. (PACHECO,

2006, p.138).

No entanto, é consenso entre os autores, de que dois professores com as mesmas

diretrizes curriculares ou manejando um mesmo material didático, não ensinam

exatamente a mesma coisa em suas classes. As diferenças indicam que há fatores

intervenientes peculiares em cada fase da representação do currículo, não podendo ser

analisado o currículo somente do ponto de vista dos documentos legais ou orientações

que a administração elabora, nos moldes que uma editora de livros-texto faz do

conhecimento e dos objetivos educacionais, por exemplo. Um retrato mais real do que é

a prática nos é fornecido pelos planos, que as equipes de professores (as) elaboram

numa escola ou os que estes professores (as) fazem em suas aulas para seus alunos (as).

(PACHECO, 2006, p.139).

A realidade concreta do currículo é o resultado das interações em todos seus

elementos e processos, ou seja, no âmbito de decisões políticas e administrativas – o

currículo prescrito e regulamentado: práticas de desenvolvimento, de modelos em

matérias, guias, etc.; o currículo planejado para professores e alunos, prática de controle

interno e externo; o currículo avaliado; o currículo organizado: práticas organizativas

no contexto de uma escola; o currículo em ação: reelaboração na prática -

transformação no pensamento e no plano dos professores e nas tarefas acadêmicas.

(PACHECO, 2006, p.139).

A concepção da palavra curriculum, enquanto preocupação de organização e

método, necessita ser compreendida no sentido mais ampliado, de que nada está pronto,

acabado, e de que o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo

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terminado. A ideia é que o homem não nasce inteligente, mas também não é passivo em

relação ao meio, isto é, ele responde aos estímulos externos agindo sobre eles para

construir e organizar o seu próprio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada. O

conhecimento constitui-se pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o

simbolismo humano, com o mundo das relações sociais. (HAMILTON, 1992, p. 33-51).

A ação pedagógica, como afirma Pacheco (2006) recorrendo a Repusseau (1972,

p.39), não pode ser concebida sem que se leve em consideração as principais intenções

do pedagogo que está envolvido em uma relação com o outro. É muito importante a

forma de sentir a profissão porque os sentimentos, despertados pela sua prática, têm

forte relação com o que queremos fazer com ela. (SACRISTÁN, 1999, p.46).

Todavia, para melhor operacionalizar a articulação teoria-prática, Sacristán

(1999) destaca três componentes básicos que caminham entrelaçados: a atividade do

sujeito para executar as ações; para querer fazê-las; e, para pensar sobre elas. A

interação sobre essa triangulação pressupõe entender o comportamento humano, com

todas as suas contradições e coerências, e, por decorrência, considerar que as ações da

educação e do ensino, em particular, envolvem compreensão e pensamento como algo

indissociável.

Destacamos que a teoria aparece integrada com a prática pela ação, e a relação

entre ambas não poderá ser compreendida sem entendê-las em um quadro mais amplo,

no qual há um componente dinâmico que contempla a intenção e a direção das ações.

Este estudo bibliográfico permitiu-nos compreender a dimensão e a

complexidade do que é o estar, o ser e o construir-se como docente, ainda mais, em um

tempo no qual se fazem presentes rápidas mudanças e transformações.

O capítulo que segue discute a formação de professores em Cabo Verde. Nessa

discussão, tratamos de alguns aspectos históricos da formação no país, algumas

instituições de ensino que contribuíram e/ou contribuem para a formação de professores,

bem como, alguns desafios propostos pela “Agenda Estratégia do Governo” para a

formação de professores, a requalificação do trabalho docente e a ressignificação da

relação teoria-prática, em contextos e situações de educação e formação.

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CAPÍTULO 3

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

EM CABO VERDE

Cabo Verde é um país que viveu por 500 anos, sob o jugo do colonialismo

português, com a presença e a ação do colonizador marcada por massacres, fome,

miséria, ou seja, por escravatura total, com escassez de recursos de todos os níveis,

âmbitos e natureza, aliada ao sofrimento advindo da seca, resultado de prolongadas

estiagens e ausência de chuvas, influenciada pelos ventos alísios e condicionada pela

sua própria localização geográfica.

Por se tratar de um país que vive de importação e, por conseguinte, tudo o que

precisa para consumir, praticamente é importado, torna-se importante registrar que,

mesmo assim, conseguiu avançar de forma significativa em diferentes domínios e

dimensões, particularmente, no que concerne à educação, à formação e ao

desenvolvimento humano. Alguns estudos indicam, conforme relatado em capítulos

anteriores, que praticamente 75% da população residente em Cabo Verde, em 1975,

época que se consolidou a independência do país, era analfabeta. Pesquisas recentes

indicam redução ainda maior, para uma taxa de 12% de analfabetos,assim como

assinalam que grande maioria da população,atualmente, não dispõe de condições de

participação nos estudos.

Muito embora sejam reconhecidas as fragilidades e debilidades governamentais

que entravam a prosperidade do país, entende-se que existem aspectos fundamentais a

serem repensados como: infraestrutura, transporte público, água, saneamento básico,

educação para a saúde e alimentação e, sobretudo a formação humana, considerada um

dos pilares para consubstanciar e dignificar o povo, não apenas das ilhas do país, mas

também, os imigrantes que contribuem com as suas remessas para o desenvolvimento

de Cabo Verde.

Um trabalho mais consistente e equilibrado em relação à consciência das pessoas

poderia ser desenvolvido para redimensionar a balança comercial em aspectos

socioeconômicos, principalmente, no que tange ao desenvolvimento do turismo,

considerado fonte de riqueza para os cabo-verdianos.

No capítulo anterior pudemos constatar e descrever alguns dos desafios e

perspectivas do Governo para educação em Cabo Verde, assim como, para a formação

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de professores. Neste capítulo, apresenta-se processo de busca de concepções e bases

epistemológicas que assentam e fundamentam a formação de professores e o trabalho

docente e a articulação teoria-prática, em Cabo Verde.

A relação teoria-prática integra-se a este texto, com o intuito de compreender

como as instituições de formação em Cabo Verde constroem e operacionalizam a

formação inicial e continuada de professores, segundo as diretrizes do governo e as

políticas públicas vigentes.

Acreditamos que o estudo documental pode permitir a apropriação e a

compreensão de como a formação inicial e continuada de professores em Cabo Verde

vem contribuindo para requalificar o trabalho docente e ressignificar a ação do professor

no cotidiano das escolas.

Ao tratar da qualificação do trabalho docente, consideramos não só da

consistência dos conteúdos curriculares voltados à formação, mas também, das

condições e dos meios para exercer a docência. Essas condições relacionam-se com a

configuração das ações e tarefas subjacentes ao próprio currículo utilizado para formar

professores.

Referimo-nos ainda, às capacidades de interpretação e compreensão do currículo

e de aplicação em processos e práticas de ensino-aprendizagem dos estudantes.

Destacam-se também, os esforços que os professores necessitam desenvolver para

participar do processo de reconstrução da aprendizagem de conhecimentos

fundamentais que os permitem interagir e comunicar em contextos variados, incluindo,

o acadêmico, o social, o profissional e, até mesmo, o pessoal.

Acreditamos que a requalificação se constrói paulatinamente, num processo do

fazer, do estar e de ser docente, uma vez que também compreendemos que a

interpretação de diversidades de mensagens e comunicações que o mundo nos

disponibiliza, orienta-nos para a condição de ser e viver humanamente, em interação

com o ambiente e o mundo acadêmico e profissional.

Por conseguinte, questionamos propostas de renovar e inovar o trabalho do

professor. Nosso propósito de estudo volta-se particularmente à busca do entendimento

da articulação entre o acadêmico e o profissional, entre a teoria e a prática, de modo a

consignar a consistência do currículo, a configuração dos conhecimentos e conteúdos da

formação de professores, em Cabo Verde.

Deste modo, a construção deste quarto capítulo baseia-se na análise de

documentos disponíveis em Cabo Verde, englobando políticas públicas destinadas à

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formação inicial e continuada de professores na contemporaneidade e diretrizes e leis

que regulam o sistema de educação e de formação, em Cabo Verde.

Nossas discussões tomam como referência, os planos estratégicos do Governo

para as políticas públicas de formação de recursos humanos no país, evidenciando

elementos eminentemente relacionados com a formação de professores, com destaque

para os princípios, os propósitos, os desafios e as perspectivas de futuro do trabalho

docente no país.

A Figura 4 que segue, refere-se a uma estrutura que focaliza os principais

desafios propostos na “Agenda Estratégia do Governo, na 8ª. Legislatura.”; comporta o

trabalho articulado que os diferentes Ministérios devem e precisam realizar nos

próximos anos. Sublinhamos ainda, na Figura 4, a formação de recursos humanos como

elemento essencial para o desenvolvimento do país.

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Figura 4. Resumo da “Agenda Estratégia do Governo de Cabo Verde” para 2011-

201628

Fonte: Plano Estratégico do Governo de Cabo Verde. Programa de Governo de Cabo Verde, 8ª

Legislatura, p.23, 2011-2016.

28 In: Plano Estratégico do Governo de Cabo Verde de 2011-2016.

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116

O Ministério de Educação e Ensino Superior tem como missão a formação e a

valorização dos recursos humanos. Nesse sentido, ele é a “pedra angular” na

operacionalização e consolidação dos conteúdos constantes dessa rede de atividades

sugeridas pelo Governo.

O âmbito do “sistema educativo” abrange o conjunto das instituições de

educação que funcionam sob a dependência do Estado e, como é obvio, sob a

supervisão do Governo, assim como, as iniciativas educacionais levadas a efeito por

outras entidades. É delegada a competência de coordenação e supervisão de toda

política educacional e do funcionamento dos respectivos sistemas de competência dos

departamentos governamentais, responsáveis pelas áreas da Educação, Formação e do

Ensino Superior.

Da Figura 4, percebe-se que são destacados alguns aspectos centrais que poderão

servir de base para a busca de paradigmas, enfoques, modelos ou de estratégias e

metodologias diferenciadas, com o fim de possibilitar repensar e reconstruir projetos,

programas, currículos e planos de estudos voltados à formação de formadores, para

então, reorientar, ressignificar e potencializar a capacidade educativa e formativa no

país.

Quando nos referimos aos projetos, programas, currículos e planos de estudo,

valemo-nos ao que as instituições e escolas utilizam como conceitos, termos,

nomenclaturas, em diferentes contextos e situações do desenvolvimento de educação e

da formação, e em conformidade às questões epistemológicas, científicas e técnicas.

Retomando a Figura 4, nota-se o destaque de objetivos que poderão dinamizar as

políticas públicas de gestão econômica e administrativa, assim como, estratégias e ações

em torno ao desenvolvimento sustentável, talvez, equitativo de Cabo Verde. Um dos

objetivos centrais é construir uma economia dinâmica e inovadora, como prosperidade

para todos. Desse objetivo, assinalamos alguns pontos demarcatórios que se associam

ao discurso governamental, como continuar a construir uma nação inclusiva, justa e

próspera, com oportunidades para todos. Essa afirmativa possibilita algumas leituras e

visões de âmbito integrador, até certo ponto, articulador de como o Governo propõe

dialogar e fazer caminhar o país.

Um dos pontos importantes que interessa à nossa pesquisa é a formação de

recursos humanos, expressa também, na Figura 4, qual seja, promover o

desenvolvimento social, um dos cernes da Agenda do Governo. Nossa reflexão caminha

com base em duas leituras sobre os itens destacados na representação da Figura 4:

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Primeiro propósito - do ponto de vista macro, trata-se de um Programa do

Governo para um país que necessita reorganizar, repensar e conscientizar-se das suas

convicções, sobre os seus projetos, programas e planos de intervenção que possam

responder às necessidades políticas, econômicas, culturais, sociais, de infraestrutura e

formativas; redesenhar, discutir e apresentar propostas e perspectivas aos desafios que

reorientem a concretização do macro objetivo consignado no Plano do Governo e na

própria “Agenda Estratégia” do país.

Os objetivos que comportam a Figura 4 referem-se à dimensão nacional, mas

entendemos que necessitam ser compartilhados internacionalmente, mediante recursos

econômicos e financeiros para a sua efetivação, já que o país depende das remessas dos

imigrantes e do turismo, além da importação de quase tudo que consome, para

sobreviver. O estabelecimento de parcerias e de convênios pode ser importante para a

formação e desenvolvimento humano e do país.

Segundo propósito - do pondo de vista micro, pode-se compreender também,

que os objetivos traçados relacionam-se com o plano da educação e de formação dos

diferentes agentes, destinatários e beneficiários da Agenda; apesar de que, pela

interpretação inicial, não se consegue visualizar de forma clara, onde e como as

políticas públicas direcionadas para a educação e formação estão evidenciadas e se

veiculam.

Acreditando que o trabalho do professor está em “tudo” e em “todo o lugar”, do

conteúdo da Figura 4, é possível pensar no destaque e na concretização da formação dos

recursos humanos. A materialização desse propósito depende da interpretação, da

compreensão e do entendimento que se apreende da realidade concreta, ou seja, das

necessidades e expectativas do contexto das ilhas e do seu povo.

É significativo ressaltar, que pela análise feita do Programa do Governo pode-se

inferir de que este contempla uma visão macro – já que se trata de um Programa que

leva em conta também o nível da mobilização de recursos que podem contribuir para a

viabilização, exequibilidade e consecução dos projetos. Entende-se que o programa

expressa também, o ambiente econômico e financeiro para alavancar as ações próprias

de governo.

Neste contexto, buscar financiamento e parcerias para o desenvolvimento e

operacionalização dos objetivos em questão, é de extrema importância, já que a

formação de recursos humanos em diferentes cursos e áreas, tendencialmente se faz fora

do país. As recentes universidades cabo-verdianas, em processo de pesquisa, vêm

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construindo cursos a serem ofertados em futuro próximo; no entanto, na atualidade,

encontram-se desprovidas de infraestrutura e ferramentas em diversos níveis e âmbitos

para a consecução dos referidos cursos.

Considerando que um dos objetivos propostos pelo Governo é “capacitar os

recursos humanos”, percebemos que as políticas públicas advindas do Ministério da

Educação e do Ensino Superior, para “construir e fazer” educação e formação,

englobando toda a sua complexidade e dimensões, do infantil à universidade, são

responsáveis diretas ao desenvolvimento da formação de recursos humanos. Para

melhor esclarecer como essas práticas foram se desenvolvendo ao longo dos tempos,

apresentamos, a seguir, alguns aspectos do registro histórico referente à formação no

país.

3.1. Formação intelectual em Cabo Verde: alguns registros históricos

Como mencionado anteriormente, a educação e a formação em Cabo Verde

emergiram das condições econômicas, sociais e históricas da colonização portuguesa.

Os intelectuais mais conhecidos em Cabo Verde fizeram os seus percursos de formação

superior em Portugal.

Entretanto, a história disponibiliza algumas informações que nos permitem

compreender mais sobre a formação desses intelectuais cabo-verdianos. O Seminário-

Liceu da Ilha de São Nicolau, no vale da Ribeira Brava, foi considerado Patrimônio

Histórico Nacional por ter ajudado na formação da cultura e da intelectualidade

nacional. Figuras como Baltasar Lopes da Silva, João Lopes, Aurélio Gonçalves e

Juvenal Cabral, pai de Amílcar Cabral foram destacadas nessa instituição de formação

eclesiástica. Junto a ela, o Orfanato do Caleijão, na mesma ilha, gerido pelas Irmãs do

Amor de Deus, que viria desenvolver papel igualmente importante, no que diz respeito à

educação de meninas e jovens adolescentes de todas as ilhas.

O Seminário-Liceu foi criado pelo Decreto de 3 de setembro de 1866. Serviu

para a formação do clero nessa época, mas também para o ensino escolar e secundário

da ilha. No séc. XIX era a Igreja Católica responsável por formar e instruir os homens,

mas Cabo Verde, em 1866, tinha poucos clérigos e os que existiam não tinham

conhecimentos profundos. A igreja assumia a função de formar jovens para a vida

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eclesiástica e que pretendessem seguir estudos acadêmicos superiores ou receber uma

formação literária e científica. Surgia assim esta instituição de louvor inquestionável,

graças aos esforços incessantes do seu fundador, D. José Alves Feijó, 29º. Bispo de

Cabo Verde.Nele ensinaram grandes nomes da história da ilha como, Monsenhor

António José de Oliveira Bouças, autor dos Almanaques Luso Africanos de Revista

Cultura “A Esperança” e ,por lá passaram ilustres figuras da cultura cabo-verdiana já

referida.

Segundo o texto da revista Fragata, hoje o edifício do Seminário subsiste e nele

reside desde 1979, o pároco Frei João Antônio Araújo, membro dos Capuchinhos. Ele

trabalhou em missões em Portugal e nos Estados Unidos, mas foi na paróquia de Nossa

Senhora do Rosário e da Lapa, que veio assentar raízes na sua terra natal, a fim de

contribuir para o desenvolvimento da educação e da cidadania na Ribeira Brava, na ilha

de São Nicolau,Cabo Verde.

Ciente do valor que o Seminário teve na formação de intelectuais, não só para

Cabo Verde, mas para todas as colônias portuguesas, Frei João garante que de lá saíram

os precursores da independência de Cabo Verde. Frei João diz que se Cabo Verde se

tornou independente, em parte, foi graças ao Seminário porque os pais de Amílcar

Cabral (um dos maiores líderes da independência da África Portuguesa), de Aristides

Pereira (primeiro Presidente da República de Cabo Verde após a proclamação da

independência, em 1975) e de outros que passaram por este Seminário. Foram

funcionários da colônia portuguesa e puderam dar escolas aos filhos. Fizeram o que,

hoje,se reconhece para que Cabo Verde fosse independente. Assim, a ilha de São

Nicolau, desde longa data, desempenhou papel significativo para que Cabo Verde fosse

independente. Esse Seminário serviu não só para formar sacerdotes, mas também

intelectuais.

Como era sonho dos cabo-verdianos, os Capuchinos gostariam de ver o

Seminário transformado num polo universitário, já que o edifício estava pronto e tinha

todas as condições para tal e era demasiado grande para albergar somente a residência

do pároco.

Com a Independência Nacional começaram a surgir novas instituições de

formação superior. O Quadro 3 apresenta as escolas, instituições, universidades com

campus, em algumas ilhas de Cabo Verde. Os dados mostram que a aderência de

estudantes já é significativa, pelo número de inscritos por sexo, atendendo às condições

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econômicas e financeiras dos cabo-verdianos; reafirma-se porém, que o acesso ao

ensino superior foi limitado à grande parte da população mais carente.

Quadro 3. Alunos matriculados por ano de estudos e sexo, segundo as instituições de

formação29

Fonte: Anuário Estatístico do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Inovação referente ao período 2011-2012. p.71-86.

É importante destacar as instituições de formação de professores que vêm se

desenvolvendo desde a independência de Cabo Verde. Na década de 80, o país contava

com três instituições de formação: Escola do Magistério Primário (EMP), que formava

professores que atuavam na educação básica, lecionando do 1º. ao 4º. ano de

escolaridade básica; Direção Geral de Alfabetização e Educação de Adultos (DGAEA)

que formava alfabetizadores e animadores para atuar em programas e projetos de

alfabetização e educação básica de Jovens a Adultos, articulando a formação acadêmica

e a formação profissional e o Instituto Superior da Educação (ISE) que formava

professores para atuar no ensino secundário (lecionando do 1º. ao 7º. Ano, nos Liceus).

O Quadro 3 evidencia que os avanços, em número, são importantes não só para a

educação, ensino e formação, elevando o nível da competência humana, mas também,

29 Alunos matriculados por ano de estudos e sexo, segundo as instituições de formação. 2011-2012.

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para o desenvolvimento do país. No entanto, pergunta-se quais as políticas de formação

inicial e continuada que as referidas instituições estão disponibilizando aos estudantes,

de modo a contribuir para a requalificação do trabalho docente, para a ressignificação de

suas práticas e atividades educativas e formativas e, por decorrência, promovendo o

desenvolvimento, a mudança e a transformação da realidade concreta do país?

Buscamos responder a essa questão, a partir do trabalho realizado nas escolas e

instituições de formação de professores, que a seguir apresentamos.

3.1.1. Da Escola do Magistério Primário (EMP) ao Instituto Pedagógico (IP) e ao Instituto

Universitário de Educação (IUE)

A primeira Instituição/Escola de Formação de professores denominava-se Escola

de Magistério Primário e formava Professores de Posto30. Esta veio a ser substituída em

1986, pelo Instituto Pedagógico (IP) que deu continuidade na formação de professores

para atuar no ensino básico integrado, antes de 4 anos e, depois de 6 anos de

escolaridade básica.

O Instituto Pedagógico (IP) era uma Escola de Formação de Professores do

Ensino Básico Integrado (EFPEBI). Foi criado ao abrigo do Decreto-Regulamentar n.

12/94 de 29 de dezembro de 1994 e, nos termos dos Decretos n. 26/92 de 22 de

fevereiro de 1992 e n.18/88, de 9 de maio, oferecendo cursos com a duração de 3 anos,

com entrada para os indivíduos habilitados do 3º. ano do curso Geral dos Liceus (antigo

5º. ano), o atual 10º. ano de escolaridade.

O IP fazia a formação inicial, formação em exercício de professores, nas

modalidades presencial, semipresencial e a distância. O Plano de Estudos, comum e

único para todos os professores que dele participavam, contava com as seguintes

disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Integradas (Ciências Naturais,

Geografia e História), Expressões (Físico-motora, Dramática, Visual-Plástica e

Musical), Ciências de Educação, Temas de Atualidade, Gestão e Administração Escolar,

Prática Pedagógica e a Monografia (trabalho do fim de curso).

Os professores que estudaram as disciplinas acima referidas no IP e que

concluíram o curso deviam estar aptos para lecionar quatro áreas disciplinares: Língua

30 Sobre o Professor de Posto, antes da independência de Cabo Verde, as escolas eram designadas por

Posto Escolar n. 1, n. 2, assim sucessivamente. Também, os Professor eram numerados por Posto n.1, n.2,

etc. nomenclatura apenas para escolas e professores do Ensino Básico, Escola Primária.

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Portuguesa, Matemática, Ciências Integradas e Expressões (educação plástica, educação

musical/dramática e educação física); disciplinas lecionadas nas 3 (três) fases do ensino

básico, ou seja, do 1º. ao 6º. ano de escolaridade.

Em relação a essas áreas disciplinares,os professores em formação, no 3º. ano do

curso realizavam o estágio pedagógico obrigatório, numa turma, sob a orientação de

professores de cada disciplina, e concomitantemente elaboravam monografia sobre

determinado tema ou questão para posteriormente ser apresentado e defendido perante

uma banca examinadora, a fim de obter o certificado final, o qual permitia exercer a

docência no ensino básico.

As áreas disciplinares referidas constituíam o Plano Curricular do Ensino Básico

que o Ministério da Educação e Desporto propôs como Projeto de Renovação do Ensino

Básico, aprovado nos termos do artigo 70, da Lei n. 103/III/90, de 29 de dezembro,

Gabinete do Ministro, Portaria n. 53/93.

O curso de formação no IP contava com um total de 2124 horas letivas (1.º e 2º.

anos do Curso) mais 1(um) ano de Regência de uma turma (3º. ano do curso), sob

acompanhamento e orientação de um(a) professor(a). No ano letivo 2004-2005, o

Gabinete de Supervisão e Coordenação do Instituto Pedagógico submeteu à senhora

Ministra da Educação e Valorização dos Recursos Humanos (MEVRH), um conjunto de

orientações gerais que constituíam o eixo de intervenção e oferta formativa, que

incorporava além da formação de professores do EBI, cursos para Monitores de

Infância. O modelo proposto, por um lado, deu continuidade às experiências iniciadas

nos domínios da formação de professores e monitores de infância,com o intuito de

avaliar e sistematizar as informações, de modo a adequar cada vez mais, as propostas

curriculares aos diferentes grupos de beneficiários; posteriormente, os dados de

avaliação deveriam fornecer elementos de orientação para a extensão e generalização

das experiências.

Por outro lado, a prioridade era a formação de docentes em exercício, sem

qualificação suficiente, uma vez que prevalecia significativo contingente de pessoal não

qualificado. Considerando as necessidades e a capacidade de absorção do sistema, a

preocupação seria a de estabilizar a oferta em termos quantitativos e garantir uma

distribuição equitativa das vagas, de forma a contribuir para a redução das disparidades

(inter e intra) ilhas dos concelhos. Outra modalidade sugerida, foi a formação

presencial, o IP propôs-se aperfeiçoar o modelo de formação a distância iniciada em

2003-2004, pela EFPEB da cidade de Mindelo, na Ilha de São Vicente estendendo-o a

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outros conselhos, interior da ilha de Santiago, e, preparando formadores das três

escolas.

A formação a distância foi objeto de intervenção com base em projeto

desenvolvido em parceria com a Direção da Rádio e Novas Tecnologias Educativas. O

desenvolvimento e expansão de oportunidades da oferta de curso de formação de

professores, animadores, educadores e monitoras de infância foi organizado no período

2004 – 2005, conforme os itens apontados nos Quadros que seguem:

Quadro 4. Distribuição das vagas por Escolas31

Escolas Cursos Total de vagas

Assomada32 Formação inicial e em exercício

34

Praia

Curso complementar de

FEPROF

Curso de Monitores de

Infância

68

70

Total Professores e Monitores 172

Total geral 310 Fonte: Documento Relato da Escola de Formação de Professores do Ensino Básico. Curso

Complementar de Formação Científica e Pedagógica para Professores da primeira FASE/SERPROF.

Quadro 5. Informações sobre os cursos33

Cursos Perfil de entrada Início Duração

Curso de

Monitores de

Infância

- 6º. ano de escolaridade ou equivalente. - Dois anos consecutivos de serviço efetivo

em jardim-de-infância.

Outubro

2004

2

semestres

Formação inicial

em exercício34

- 10º. de escolaridade ou equivalente - Três anos consecutivos de serviço efetivo na

docência

- Classificação de desempenho igual ou superior a bom, nos 3 últimos anos

Outubro

de 2005

5

semestres

Curso

complementar de FEPROF

- Diploma da 1ª. fase da FEPROF + 10º.

escolaridade

- Três anos consecutivos de serviço efetivo na docência

- Classificação de desempenho igual ou

superior a bom, nos 3(três) últimos anos.

Outubro

2005

4

semestres

Fonte: Documento Relato da Escola de Formação de Professores do Ensino Básico. Curso de

Complementar de Formação Científica e Pedagógica para Professores da primeira FASE/SERPROF.

31 Proposta elaborada pela Presidente do Instituto Pedagógico (IP), Dra. Antonieta Lopes, apresentada à

Senhora Ministra da Educação e Valorização dos Recursos Humanos, Praia, 19 de Agosto de 2004. 32 Cidade do interior da Ilha de Santiago situada em Santa Catarina. 33 Idem 34 Professores que têm uma turma de alunos, lecionando sem qualificação para o efeito.

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As informações demostram que a partir de 2005 teve início um processo mais

reflexivo sobre o perfil do pessoal docente, assim como sobre a formação de professores

e monitores para atuar tanto nos jardins-de-infância quanto nas escolas básicas. Percebe-

se também, que esta reflexão põe em evidência, professores e monitores que estavam

exercendo a docência sem qualificação, isto é, sem formação pedagógica e didática que

pudesse lhes dar suporte no ser e na construção da docência.

O Ministério da Educação e Desporto (MED) responde ainda pela Educação e

Formação de Jovens e Adultos (EFJA). Instituição com papel relevante no país, tanto na

esfera da alfabetização (de adolescentes, jovens e adultos) quanto na esfera da formação

de alfabetizadores, animadores e professores e seus formadores. A referida instituição

passou da Direção Geral de Alfabetização de Adultos (DGAEA), para Direção Geral de

Educação Formação de Adultos (DGEFA), por conta dos objetivos e propósitos para os

quais estava incumbida, especificamente no campo das atividades educativas e

formativas. Atualmente, é um Serviço de Educação e Formação de Adultos (SEFA).

Esta instituição tem dado grande contribuição, principalmente no desenvolvimento da

formação presencial, semipresencial e a distância, em todo o país.

3.1.2. Da Direção da Educação Extraescolar (DEEE) à Direção Geral de Educação e

Formação de Adultos (DGEFA)

A segunda Instituição de alfabetização, educação, formação desenvolve-se em

um subsistema de educação e de formação de adultos, em articulação com o sistema de

ensino e de formação, constituindo um dos eixos estratégicos do Programa do Governo.

Impõe a necessidade de amplo e profundo acordo permanente entre os parceiros

sociais com vista a salvaguardar a coerência entre as políticas de educação, formação e

emprego e a mobilização do esforço nacional, na valorização do capital humano, na

reorientação do sistema de educação e formação para áreas prioritárias do

desenvolvimento e na promoção de uma política global de inclusão e solidariedade

social.

O Projeto de Lei de 2007 que regula a Educação e Formação de Adultos em

Cabo Verde, condizente à Constituição da República, no Capítulo I, das disposições

gerais, do n.2, do artigo 203 menciona a importância das atividades educativas e

formativas desenvolvidas em Cabo Verde destinadas aos Jovens e Adultos. Para efeito,

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é necessário que as instituições públicas ou privadas promovam e realizem ações de

autoformação e autoaprendizagem e que tenham por finalidade adquirir, atualizar e

completar ou ampliar as suas capacidades e seus conhecimentos para o desenvolvimento

pessoal, social ou profissional.

Para conhecer os limites e a abrangência dessa disposição, no preâmbulo do

referido projeto consta a definição da educação e formação de adultos, a relação entre a

educação formal, não formal e informal, a relação entre a formação acadêmica e a

formação profissional, as modalidades de ensino, os centros de educação e formação de

adultos, pois, definem-se as opções e os princípios básicos que informam e configuram

o sistema de educação e formação de adultos. Nesse documento, a definição da

educação e formação de adultos é expressa do seguinte modo:

1. Um conjunto de instituições, processos e recursos orientados a facilitar a

aprendizagem formal ou não formal e informal dos adultos, graças aos quais as

pessoas que o meio social envolvente considera adultas, desenvolvem as suas

capacidades, enriquecem os seus conhecimentos, as suas competências técnicas

e profissionais ou as reorientam a fim de atenderem às suas próprias

necessidades e às da sociedade.

2. A educação e a formação de adultos compreendem a educação ao longo da vida,

educação formal, não formal e toda a gama de oportunidades de educação

informal e ocasional existente numa sociedade educativa multicultural, na qual

se reconhecem os enfoques teóricos e os baseados na prática. (GOVERNO DE

CABO VERDE. Projeto de Lei do Governo de Cabo Verde, 2007, p.4).

Nos capítulos anteriores referíamos a cargos de delegados, diretores, gestores,

coordenadores, coordenadores de disciplinas, coordenadores pedagógicos, orientadores

pedagógicos, monitoras e educadores de infância, animadores, professores, entre outros,

que apesar de nos discursos cotidianos das instituições de educação e de formação

serem apenas envolvidos os professores, é preciso estender a “formação de professores”

a toda a equipe diretiva e pedagógica da escola, concomitantemente aos professores que

exercem a docência.

Esses cargos são ocupados e atribuídos aos professores, mas para que esses

professores exerçam tais funções com conhecimento, com segurança e autonomia,

precisam ser preparados para cada uma dessas áreas de intervenção.É imprescindível

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preparação e planejamento para garantir funcionalidade e resultados no cumprimento

dessas funções.

Atualmente na EJA, o que se evidencia é a “Aprendizagem e Formação

Profissional” para fomentar e assegurar o autoemprego. Para isso, o governo de Cabo

Verde destaca no Capítulo II, do artigo 6, p.6,do Projeto de Lei de 2007, dois aspectos

importantes:

a) a aprendizagem e as ações de formação profissional são organizadas na

perspectiva de capacitação de Jovens e Adultos para o exercício de uma

profissão e de luta contra pobreza e exclusão social.

b) a formação profissional e o sistema geral de aprendizagem desenvolvem-se em

centros específicos, empresas ou serviços, com base em acordos e protocolos

celebrados entre os diversos departamentos estatais e não estatais interessados

no processo formativo, cabendo ao governo estabelecer a coordenação e o

desenvolvimento das ações formativas através do competente organismo.

Para efeito, propõe-se a realização da formação socioprofissional e sociocultural

por meio de cursos a distância, enquanto modalidade especial e sociocultural, a partir

dos locais de trabalho e o oferecimento de oportunidades de aprendizagem para Jovens

e Adultos à procura de emprego, por meio de abordagens pedagógicas inovadoras que

permitem uma experiência de ensino-aprendizagem adequada às características dos

participantes e às demandas de conhecimento e atividades profissionais.

Se essa formação considerar a modalidade a distância terá de construir e

desenvolver a formação técnica e tecnológica de formadores com qualidade e

consistência, em razão dessas ações exigirem ofertas e produtos de qualidade que

tenham vínculos e articulação com a realidade concreta, tanto na dimensão das escolas e

instituições educativas e formativas, quanto na dimensão das exigências do mercado e

do mundo de trabalho, em seus diferentes setores e serviços.

Os documentos do Governo propõem algumas medidas que podem dignificar as

atividades de educação e de formação. O Projeto de Lei de 2007, no seu artigo 11

explicita um currículo voltado aos respectivos níveis de formação destinada aos adultos.

O currículo para esse nível se define e se equipara ao proposto para a consecução do

título final correspondente ao ensino básico e secundário, mas o seu desenvolvimento

comporta peculiaridades. Nesta linha de pensamento, a formação de adultos inclui

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competências laborais previstas para a formação profissional e técnica que permitirão ao

sujeito alcançar a titulação correspondente.

Que conhecimentos, saberes e destrezas precisam ser contemplados nos

currículos e nos programas de formação de professores e técnicos para compreender e

apropriar das áreas sociocultural e técnico-profissional, as aspirações do mercado de

trabalho contemporâneo?

Para formação de professores que atuam na EJA, em Cabo Verde foi elaborado

novo Desenho Curricular, aprovado pelo Governo para a Formação Geral de Adultos.

Esse desenho é considerado único nas vertentes profissionais e acadêmicas e se baseia

no desenvolvimento das competências-chave (CC), que os organismos internacionais

identificam como sendo essenciais para a “aprendizagem permanente”, ou seja, no

entender de alguns autores, trata-se de “aprendizagem e formação continuada” e, por

outros, “aprendizagem ao longo da vida”, entre várias terminologias e acepções.

O documento informa que para promover o desenvolvimento da pesquisa e

capacitação de professores impõe potenciar os conhecimentos, o intercâmbio de

experiências e programas de cooperação, na área de educação e formação com as

instituições nacionais e internacionais; potenciar o desenvolvimento, a elaboração e

publicação de materiais específicos para educação e formação; impulsionar a formação

em novas tecnologias de informações e comunicação aplicada ao ensino, à

aprendizagem, com implicações didáticas e pedagógicas em todos os níveis e âmbitos e

educação e formação.

A fim de compreender as convergências e divergências no processo de formação

de professores, segue o Quadro 6 que apresenta a estrutura das disciplinas para a

Educação Básica Integrada aos Adultos, lecionadas nas três fases (do 1º. ao 6º. ano de

escolaridade) e sobre elas são realizadas as atividades de formação de animadores.

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Quadro 6 . Disciplinas estudadas no ensino básico de Jovens e Adultos, em Cabo

Verde 1ª. fase

(1º. e 2º. anos

de

escolaridade)

2ª fase

(3º. e 4º. anos de

escolaridade)

3ª. fase

(5º. e 6º. anos de

escolaridade)

Outras atividades

Língua portuguesa

Matemática

Língua portuguesa

Matemática

Ciências Integradas

Língua portuguesa

Matemática

Ciências Integradas

Atividades de animação e

desenvolvimento

sociocultural e comunitário.

Fonte: Plano Curricular da Educação Básica de Adultos (Educação para Todos). Direção Geral de

Educação de Adultos (DGAEA), Cabo Verde, maio. 1999.

Aos animadores e professores que atuam EJA são acrescentados na sua

formação continuada outra disciplina, denominada de “Métodos e Técnicas de

Educação de Adultos”, que trazem todo o conhecimento relacionado com a andragogia35

em nível das ciências da educação para a educação e a formação de jovens e adultos. Os

cursos de formação se basearam na definição de conceitos e concepções de adultos, nos

métodos e nas técnicas de educação de adultos, na produção de materiais didáticos e

pedagógicos na elaboração de planos de aulas, etc.

Os animadores e professores que passaram ainda por outra formação que os

vincularam ao Estatuto do Pessoal Docente regulamentado pelo Ministério da

Educação. Esta formação era equivalente ao realizado pelo Instituo Pedagógico (IP) que

referimos nas páginas anteriores. Tanto é que existem alguns animadores que

anteciparam a sua formação fazendo o curso do IP e outros que fizeram o curso de

formação exercício promovida pela Direção Geral de Alfabetizados e Educação de

Adultos (DGAEA).

Assim como os professores que passaram pelo mesmo processo de formação em

exercício de trabalho docente. Significa dizer que para atuar em nível de EJA ou em

nível do Básico com crianças e adolescentes precisa ser capacitada a fim de

complementar em aspectos específicos da área de atuação.

35 Segundo García (1999), a teoria da aprendizagem do adulto que com maior frequência se tem

comentado em relação à aprendizagem dos professores parece ser a “andragogia”, proposto por Knowles,

e definida como “a arte e a ciência de ajudar os adultos a aprender”. (Knowles, 1984, p.12,citado em

TAVARES,2001, p.15) diferenciou mesmo a Andragogia da Pedagogia, sendo a primeira a ciência da

educação dos adultos, enquanto a segunda seria a dos sujeitos não adultos.

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O Capítulo IV, do artigo 18, do Pessoal Docente do Decreto-Lei, esclarece que,

os que atuam na área de educação e formação de adultos deverão possuir um título

específico ou uma capacitação adequada ao grau de ensino que ministra e aos requisitos

estabelecidos, de acordo com o Estatuto do Pessoal Docente. Valorizam-se aqueles que

tenham formações complementares no domínio da educação e formação de adultos,

assim como experiências profissionais.

Na EJA, os professores ou animadores que atuam no Ensino Recorrente

equivalente ao 1º. ciclo do secundário (7º. e 8º. anos de escolaridade) receberam as

mesmas formações daqueles que fazem curso em nível de bacharel no ISE ou de

licenciatura na universidade e se especializaram na disciplina que pretendem lecionar.

A seguir, considerando as questões implicadas no desenvolvimento de ações

destinadas à formação realizada nas escolas, instituições de educação e formação,

passamos a discutir os componentes da formação universitária em Cabo Verde.

3.1.3. Do Instituto Superior da Educação (ISE) às Universidades de Cabo Verde

Universidade de Cabo Verde (Uni-CV)

O Instituto Superior da Educação (ISE) foi criado e aprovado pelo Decreto-Lei

de 2 de outubro 1990. O artigo 31 menciona que se encarregava de Formar Professores

do Ensino Secundário, nível de Bacharel. Os professores para lecionar no Ensino

Secundário (do 7º. ao 12º. ano de escolaridade) faziam a formação superior nas

universidades ou escolas no estrangeiro, caso desejassem, completariam a licenciatura.

Da grade curricular do ISE constavam disciplinas que eram lecionadas no ensino

secundário, e os professores escolhiam o curso para se especializar de acordo com a

disciplina pretendida para ministrar na sala de aula. A seleção para participar do curso

no ensino superior era por meio de provas de seleção, que incidia sobre a disciplina

nuclear com a qual o estudante iria se especializar e uma prova em língua portuguesa.

Ao final eram selecionados os estudantes que obtiveram maior nota na avaliação e de

acordo com o número e a disponibilidade de turmas que se pretendia constituir.

A instituição oferecia cursos nas seguintes áreas curriculares: línguas

portuguesa, francesa e inglesa; história, ciências naturais, geografia, matemática, físico-

química, etc. Mais tarde, foram incorporados outros componentes na grade a fim de

atualizar e adaptar o currículo aos contextos e situações de cada momento histórico.

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Para além das disciplinas mencionadas, todos os estudantes/professores teriam

que participar das disciplinas comuns aos cursos, uma vez que iriam exercer a docência

e, por conseguinte precisavam de suporte didático e pedagógico para planejamento de

aulas, e procederem a respectiva transposição didática com os seus alunos. Assim

sendo, são disciplinas comuns: metodologia de trabalho científico, história e filosofia da

educação, novas tecnologias de educação, sociologia da educação, psicologia de

aprendizagem e do ensino, formação pessoal e social, introdução ao desenvolvimento

curricular e introdução à gestão escolar.

Para conclusão do curso, todos os estudantes/professores ao passarem por

avaliação final deveriam obter nota superior a 10 valores (numa escala de 0 a 20

valores) e realizar o estágio pedagógico, no terceiro ano do curso. Neste estágio

pedagógico, o estudante terá uma turma para exercer a docência e concomitante deverá

elaborar monografia a ser apresentada e defendida a uma banca examinadora.

Significa dizer que, até o ano 2000 a licenciatura se fazia em instituições do

ensino superior no estrangeiro, uma vez que a primeira universidade de Cabo Verde se

concretizou no ano letivo 2000/2001. Referimo-nos à Universidade Jean Piaget. Esta

universidade de cunho privado, só aceita alunos com recursos financeiros para custear

as despesas inerentes à própria formação. Nessa universidade formam-se professores em

diferentes áreas. À título de exemplo, na grade curricular do complemento licenciatura

em Ciências da Educação, Práxis Educativa, Variante de Direção Pedagógica e

Administração Escolar constam as seguintes disciplinas: métodos e técnicas de pesquisa

em educação, teoria da comunicação, teoria do desenvolvimento curricular,

administração escolar, paradigmas da educação, informática aplicada, abordagens

interculturais, organização e gestão de currículos, técnicas de animação sociocultural,

gestão de projetos, técnicas de liderança e dinâmica de grupos, atelier de orientação

sócio-escolar, e atelier de desenvolvimento de competências sociais.

Nessa universidade se formam professores em diferentes áreas. À título de

exemplo, na grade curricular do complemento licenciatura em Ciências da Educação,

Práxis Educativa, Variante de Direção Pedagógica e Administração Escolar, constam as

seguintes disciplinas: métodos e técnicas de pesquisa em educação, teoria da

comunicação, teoria do desenvolvimento curricular, administração escolar, paradigmas

da educação, informática aplicada, abordagens interculturais, organização e gestão de

currículos, técnicas de animação sociocultural, gestão de projetos, técnicas de liderança

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e dinâmica de grupos, atelier de orientação sócio-escolar, e atelier de desenvolvimento

de competências sociais.

Neste curso, também os estudantes precisam realizar o Estágio de Licenciatura,

em uma instituição/escola e concomitantemente elaborar a Memória de Licenciatura,

apresentada e defendida perante uma banca examinadora. O acesso a esta universidade é

livre, desde que o estudante tenha o 12º. ano de escolaridade e, assim, concorra a

qualquer curso, tendo no seu certificado o registro do cumprimento das disciplinas

nucleares exigidas pelo curso que escolher.

O Instituto Superior da Educação (ISE) deu lugar à primeira Universidade

Pública de Cabo Verde (Uni-CV) publicada no artigo 3.º, Decreto-Lei n. 53/2006, de 20

de novembro de 2006 - Boletim Oficial n. 33, I Série. Esta universidade constitui-se em

centro de difusão e promoção da cultura, ciência e tecnologia, articulando o estudo e a

pesquisa, de modo a potencializar o desenvolvimento humano, como fator estratégico

do desenvolvimento sustentável do país.

O Decreto-lei confere à Uni-CV a responsabilidade de promover o

desenvolvimento humano na sua integralidade, ressaltando as dimensões científicas,

técnica, ética, social e cultural e, tendo por paradigma a busca incessante de padrões

elevados de qualidade. Neste sentido, fomenta atividades de investigação fundamental e

aplicada que visem contribuir, de forma criadora o desenvolvimento do país e promover

a capacidade empreendedora da sociedade cabo-verdiana, contribuindo para a

capacitação dos recursos humanos nas áreas prioritárias do país.

As áreas que a universidade se propõe desenvolver relacionam-se a: prestar

serviços diversificados à comunidade, numa perspectiva de valorização recíproca;

desenvolver o intercâmbio científico, técnico e cultural com instituições de pesquisa e

de ensino superior, nacionais e estrangeiras; contribuir para o desenvolvimento da

cooperação internacional e para a aproximação entre os povos, designadamente nos

domínios da educação e do conhecimento, da ciência e da tecnologia; contribuir para a

modernização do “sistema educativo” de Cabo Verde, em todos níveis, designadamente

através da pesquisa, adoção e disseminação de novas metodologias de ensino e de

promoção do conhecimento, com ênfase nas Tecnologias de Informação e

Conhecimento (TIC).

Essas áreas instigam a reflexão aprofundada sobre a formação oferecida pelas

universidades de Cabo Verde permitindo repensar os cursos voltados para formação de

professores que atuam nas escolas, nos círculos de cultura da EJA e nas escolas infantis.

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132

Em qualquer das universidades, o perfil de acesso é o 12º. ano de escolaridade.

O curso de graduação tem a duração de 4 (quatro) anos. O perfil de saída é a

licenciatura. Para quem já entra com o curso de bacharelato, a duração é de 2 (dois)

anos, que complementam com a licenciatura.

Os Planos de Estudo dos Cursos de Graduação e Complementos em Pós-

Graduação36, para além do ensino organizam a investigação científica em torno de

grandes áreas técnicas e científicas, designadamente: Ciências Exatas, Tecnologias e

Engenharias; Ciências da Natureza, da Vida e do Ambiente; Ciências Humanas, Sociais

e Artes; Ciências Exatas (Matemática, Física e Química); Ciências Biológicas, Biologia

Marinha e Saúde; Geografia e Ciências da Terra; Informática, Multimídia e Tecnologias

da Comunicação; Línguas e Literaturas; Educação e Artes; Gestão Administrativa e

Financeira; Estatística Descritiva, entre outras.

Também destacam outras, voltadas mais para as áreas de ciências humanas e

sociais - em áreas científicas e em áreas do conhecimento. São disciplinas que também

fazem parte do currículo/plano de estudo do 2º. ciclo (9º. e 10º.) e 3º. ciclo (11º. e 12º.)

aos alunos do ensino secundário.

Essas áreas são importantes para formar professores precisamente, porque dão

possibilidades de trabalhar tanto no básico, quanto no secundário com maior destreza

intelectual, científica e técnico profissional.

Para as áreas relacionadas às ciências da educação, o currículo utilizado para

formar “formadores” contempla as seguintes disciplinas: Desenvolvimento Pessoal e

Social; Planejamento e Gestão da Educação; Educação e Formação; Introdução às

Ciências da Educação; História da Educação; Políticas Educativas; Psicologia da

Educação; Sociologia da Educação; Filosofia da Educação; Gênero e Identidade;

Paradigmas e Práticas de Investigação em Educação; Teoria e Desenvolvimento

Curricular; Administração Educacional e Escolar; Tecnologia Educativa; Direitos

Humanos e Cidadania; Gestão e Avaliação de Projetos em Educação e Formação;

Teorias e Práticas de Avaliação; Necessidades Educativas Especiais; Educação, Saúde e

Sexualidade; Estatística da Educação; Educação Multicultural; Currículo,

Conhecimento e Competências; Organização e Gestão Curricular; Ética e Deontologia

em Educação; “Problemas Educativos” – Estudo de Caso; Metodologia do Ensino de

Desenvolvimento Pessoal e Social; Gênero e Educação; Psicologia Social e das

36http://www.unicv.edu.cv/images/stories/catlogodoscursosgraduao2011-12.pdf. www.unicv.edu.cv.

Acesso em: 18 out. 2013.

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133

Relações Interpessoais; Escola, Sociedade e Família; Desenvolvimento Vocacional e

Orientação para a Carreira e Estágio Pedagógico.

Dessa forma, algumas disciplinas “temáticas” são apresentadas também nos

planos e estudadas em forma de seminários. Destacam-se: Desenvolvimento Pessoal e

Social; Modelos e Práticas de Gestão Escolar; “Direito Educativo”; Psicossociologia

das Organizações; Gestão Escolar estudo de caso; Gestão dos Recursos Humanos;

Análise de indicadores - Estudo de Caso; Avaliação Institucional; Planejamento

Estratégico; Responsabilidade Social e Governação; Planejamento e Gestão da

Educação - Estudo de Caso.

Algumas dessas áreas disciplinares além de constar dos cursos de graduação, de

complemento de licenciatura, também estão configuradas nos cursos de pós-graduação,

dependendo dos cursos escolhidos pelos estudantes.

Uma das mudanças decorrentes do processo da inovação e renovação refere-se

às “ofertas formativas”, precisamente, na formação superior de toda equipe da escola

(delegados(as), diretores(as), gestores(as), coordenadores(as), orientadores

pedagógicos) e, particularmente de animadores que estão ou desejam trabalhar no EJA.

O curso das ciências da educação oferece disciplinas afins e incorporam ainda outras

que precisam ser estudados para equacionar e requalificar a docência na EJA.

Além das disciplinas apontadas anteriormente, destacam-se: Educação e

Formação em Diferentes Contextos; Projetos Educativos - Estudo de Caso; Educação,

Animação e Formação; Modelos de Concepção, Gestão e Avaliação de Dispositivos de

Formação; Projetos de Formação - Estudo de Caso; Práticas de Concepção, Gestão e

Avaliação de Dispositivos de Formação; Educação, Sociedade e Cultura; Estágio

Pedagógico; Seminário I (Educação); Seminário II (Formação); Educação e

Desenvolvimento Sustentável; Estratégias e Estilos de Aprendizagem; Educação a

Distância (e-learning e b-learning); “Concepção e Utilização de Materiais Educativos”;

Modelos e Práticas de Supervisão; Sistemas de Informação em Educação e Formação;

“Desenvolvimento de Materiais Educativos”; Comunicação e Mediação na Formação;

Educação de Adultos; Antropologia Cultural; Sociologia Contemporânea; Metodologias

de Investigação; Epistemologia das Ciências Sociais, etc.

Resumidamente, dos planos de estudo dos cursos de Graduação destacam ainda

cursos em Ciências da Educação e Ciências Sociais; Línguas, Literaturas e Culturas –

Estudos Cabo-verdianos e Portugueses; Línguas, Literaturas e Culturas – Estudos

Ingleses; Línguas, Literaturas e Culturas – Estudos Franceses; Filosofia; História;

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134

Jornalismo e Ciências Biológicas. Tais disciplinas ajudam e orientam no fortalecimento

da capacidade formativa dos docentes em suas ações, atividades e tarefas no cotidiano

escolar.

Os cursos são finalizados com a realização de estágios técnicos, científicos,

pedagógicos e elaboração de monografias e dissertações que, de igual modo são

apresentadas e defendidas, perante banca examinadora.

A Universidade de Santiago (US) embora seja uma universidade recente já

oferece cursos de Pós-graduação. Esses cursos, segundo consta em alguns documentos

oficiais, correspondem ao sistema de educação continuada, em que a pesquisa científica

constitui-se em requisito essencial. Destinada aos graduados (licenciados),tem entre

seus objetivos, possibilitar ao estudante aprofundamento do saber a que possa alcançar

elevada competência científica e profissional. As universidades são instituições com

potencialidades para criar o ambiente e os recursos necessários para a realização da livre

pesquisa científica.

Essa universidade, ciente da importância da formação continuada para a vida

acadêmica e profissional do povo cabo-verdiano, tem o intuito de brevemente implantar

cursos de pós-graduação, nas mais variadas áreas do conhecimento, possibilitando o

desenvolvimento da cultura universitária nacional.

Nessa universidade, ainda é possível realizar Cursos de Estudos Superiores

Profissionais (CESP); conta com professores qualificados, selecionados mediante

análise rigorosa da formação acadêmica e experiência profissional. Os currículos

destinam-se a preparar o futuro técnico para os desafios do mercado de trabalho,

abrangendo o componente prático, voltado para a técnica profissional e inserção direta

no mercado de trabalho.

Os CESPs têm a duração menor, comparativamente à da formação universitária

clássica; a mensalidade é mais reduzida, garantindo créditos de algumas unidades

curriculares nas licenciaturas da mesma área, o que permite, mais facilmente ingressar

no mundo laboral e continuar os estudos.

Outra área interessante oferecida pela Universidade de Santiago Norte, em Cabo

Verde é o curso superior em nível da Educação de Infância. Antes as educadoras de

infância eram professoras do ensino básico e faziam cursos de formação para iniciar o

seu trabalho como monitora, sem que tivessem a qualificação adequada e formação

sólida a permitir desenvolver o trabalho com maior autonomia e segurança.

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135

Algumas orientações surgem à medida que são desenvolvidas ações de formação

de professores em geral, animadores que trabalham com Jovens e Adultos e educadores

que trabalham nos jardins infantis, ao lado de seus programas de estágios, completadas

por ações de acompanhamento, orientação didática e pedagógica realizadas em

diferentes instituições de educação, ensino e formação.

Essas atividades permitiram visualizar com maior clareza e consistência a

necessidade de o governo repensar alguns aspectos, principalmente os relacionados às

inovações e renovações na esfera das políticas públicas voltadas para a educação e

formação de recursos humanos. O intuito é o de dignificar a qualidade de ações

desenvolvidas pelos agentes educacionais,mas também,dinamizar os espaços, ambientes

e contextos nos quais ocorrem o trabalho educativo e formativo.

Será que o documento Estratégico do Governo é um instrumento que serve para

melhorar as práticas educativas e formativas no país? Os conteúdos desse documento

respondem as reais e concretas necessidades e expectativas do contexto atual e da

realizada concreta dos cabo-verdianos?

O Quadro 7 que segue, evidencia que entre 2011 e 2012 houve avanços

significativos em relação à formação de professores em Cabo Verde, pelo fato se de ter

aumentado o contingente de profissionais com titulação (doutorado e mestrado).

Quadro 7. Professores por habilitação literária segundo a instituição de formação e

distribuição percentual, em 2011-201237

Instituição Nível

Universidade de

Santiago (US)

Doutorado Mestrado Pós-Graduado

Licenciado Bacharel Total

8 (6,8%) 56 (50,4) 24 (20,5%) 26

(22,2%)

- 117

Universidade Intercontinental de

Cabo Verde (ÚNICA)

3 (4,5%) 13 (19,4%)

- 51 (76,1) - 67

Universidade Lusófona

Baltasar Lopes da Silva (ULBLS)

9 (9%) 33 (32%) 25 (25%) 32 (34%) - 99

Instituto Superior de

Ciências Jurídicas e Sociais (ISCJS)

10

(11,0%)

52

(57,1%)

8 (8,8%) 21

(23,1%)

91

Mindelo Escola

Internacional de Arte

(M_EIA)

1 (10%) 4 (40%) - 5 (50%) - 10

37 Construído com os dados do Anuário Estatístico do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Inovação

referente ao período 2011-2012. p.71-86.

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136

Instituto Superior de

Ciências Económicas e

Empresariais (ISCEE)

3 (1,8%) 74

(45,1%)

52 (31,7%) 35 (21,3) - 164

Universidade do

Mindelo (Uni-

Mindelo)

10

(10,9%)

34

(37,0%)

- 48

(52,2%)

- 92

Universidade Jean Piaget de Cabo Verde

(Uni-Piaget)

16 (8,0%) 80 (40,0%)

- 103 (51,5%)

1 (0,1%) 200

Universidade Pública

de Cabo Verde (Uni-CV)

51

(10,7%)

267

(56,1%)

10 (0,0%) 157

(33,0%)

1 (0,2%) 476

Fonte: Anuário Estatístico do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Inovação referente ao período

2011- 2012. p.71- 86.

Das nove universidades, constatamos que a maioria dos professores tem a

titulação de Mestre; representa melhoria significativa uma vez que as instituições

tinham em seu quadro docente prioritariamente professores com a formação em nível de

bacharelato e licenciatura. Percebemos ter havido aumento significativo de professores

com a formação no nível de doutorado e, acreditamos na elevação desse patamar, uma

vez que esses dados deste estudo contemplam até o ano 2012.

A Agenda Estratégia do Governo 2011-2016 poderá favorecer o crescimento do

contingente de formação de professores e graus e níveis, que servirão para requalificar o

trabalho dos docentes no país. Daí ser pertinente discutir as propostas da Agenda

Estratégia do Governo 2011-2016, concernentes à formação de professores.

3.2. Estratégia do Governo (2011-2016) e as políticas públicas para a formação de

professores em Cabo Verde

As políticas públicas para a educação e formação registradas na Agenda

Estratégia do Governo informam e orientam sobre a funcionalidade do país em seus

diferentes aspectos de desenvolvimento. Nela estão expressas as linhas mestras que

delineiam e conduzem as ações do país. O Governo atribuiu a essa proposição o título

“Criando as Habilidades para o Século XXI”.

Nesse documento e sobre esta matéria o Governo destaca como propósito a

criação de uma sociedade do conhecimento com uma força laboral competente e

capacitada, capaz de competir com os melhores profissionais do mundo. Nesse

documento, o discurso não é apenas a formação baseada em competências e habilidades,

mas é, sobretudo, uma formação que permite desenvolver competências e capacidades

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137

sociais que podem gerar uma sociedade de conhecimento que potencializa os seres

humanos a interconectar com o mundo, em suas variadas e complexas necessidades,

expectativas e desafios.

Para a concretização desses objetivos o Governo propõe, entre outros, ações a

serem desenvolvidas na esfera da educação e formação. Esses objetivos constituem-se

na “pedra de toque”, para construção de uma análise e reflexão crítica sobre a formação

de professores na contemporaneidade, em Cabo Verde.

O grande objetivo proposto pelo Governo é melhorar o Sistema Educativo

Nacional, do Pré-escolar ao Universitário. Parece-nos importante tal propositura

porque um dos primeiros passos para reestruturar, reorganizar e contextualizar toda a

ação, todo conjunto de atividades e tarefas da educação e da formação no país, exige

pensar a consistência que o sistema necessita ter para poder educar, formar, mudar e

transformar o ser humano, aspectos fundamentais para a criação de uma sociedade do

conhecimento.

Potencializar o ser humano para dialogar de forma apropriada e produtiva com o

mundo contemporâneo é uma necessidade imprescindível e urgente. Referimo-nos à

natureza do diálogo, de tal modo, que proporcione respostas essenciais relacionadas às

dimensões e perplexidades que o constitui, consubstanciando-se no desenvolvimento

sustentável e integral da vida humana e para a vida. A pergunta é como se pode

melhorar o sistema educacional nacional? Tal questão evidencia outro objetivo expresso

na Agenda Estratégia do Estado que é consolidar o sistema integrado de educação-

formação-emprego para responder às necessidades estratégicas do país.

Compreendendo que o “sistema educativo” vigente precisa ser consolidado,

concretizado e percebido, contrariamente a um sistema estático, fechado e regrado,

permitindo assim, a possibilidade de agregar algo ou de incorporar elementos

contundentes para ajudar na busca de novas possibilidades e renovadas formas de

dialogar e compreender o mundo de conhecimentos em todos os aspectos da interação

humana e, sobretudo, das ciências e tecnologias.

Observando o Quadro 8, percebemos o aumento significativo de pessoas com

formação superior no país, em 2013. Os dados de 2011- 2012 indicam aumento

significativo do número de universidades e instituições de formação superior e,

principalmente, a percentagem dos diferentes níveis e graus acadêmicos.

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138

Quadro 8. Alunos matriculados por sexo, segundo o grau de formação 38

Fonte: Anuário Estatístico, dados de 2011-2012. Praia, abr. 2013

O Quadro 8 assinala que o país avançou significativamente, em relação à

formação. Significa dizer, que se considerarmos que, em 1975 não existiam condições

para realizar a formação superior, os dados do Quadro 8 evidenciam outro cenário de

formação abrangendo os níveis de graduação e pós-graduação.

Esse avanço deve-se às políticas públicas voltadas à requalificação dos

profissionais da educação, incluindo algumas renovações e inovações em relação à

reestruturação, incorporação de outros elementos, que o próprio sistema precisa, para

que o pessoal docente tenha condições reais de desenvolvimento de sua carreira, por

meio da formação inicial e continuada e, sobretudo pelas perspectivas de melhoria, em

nível de currículo.

A Lei de Bases que regula o “sistema educativo” de Cabo Verde incorporou as

modalidades essenciais de ensino relacionadas com a educação especial, a educação

para crianças sobre dotadas e o ensino a distância. O atual “sistema educativo”

encontra-se estruturado do seguinte modo: Ensino Básico; Ensino Superior; Ensino a

Distância; Formação Profissional; Educação Especial e Educação Extraescolar.

Para reconfigurar e reestruturar melhor os quadros do pessoal docente dos

estabelecimentos de educação ou de ensino, foi estabelecido o Decreto Legislativo n. 2,

do Estatuto do Pessoal Docente, publicado em 2004, no seu capítulo V, artigo 16, na Lei

que organiza os quadros de educação pré-escolar, ensino básico e educação básica de

adultos, o quadro para o ensino secundário, e quadros complementares que integram o

pessoal que responde às necessidades não permanentes ou não previsíveis dos

38 Alunos matriculados em Cabo Verde por graus e níveis, destacando ambos os sexos: Masculino e

Feminino (MF) e Feminino (F). In: Anuário Estatístico, dados de 2011-20012. Praia, abr. 2013. Acesso

em: 26 set. 2014.

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estabelecimentos de educação e ensino, nomeadamente, substituição temporária de

docentes do quadro do concelho e da escola e apoio às atividades, para as quais o

pessoal disponível mostra-se insuficiente.

O Estatuto do Pessoal Docente, em seu artigo 38 reorganiza as carreiras dos

professores profissionalizados integrando e reconfigurando outros cargos explicitados

no Quadro 9, conforme segue.

Quadro 9. Estrutura e organização de carreiras do Pessoal Docente, segundo os níveis39

I. Nível de

educação pré-

escolar

II. Nível de ensino

básico

III. Nível de ensino

secundário

IV. Nível de

educação básica de

adultos

a) Educador de

Infância Adjunto

b) Educador de

Infância

c) Educador de

Infância de Primeira

d) Educador de

Infância Principal

a) Professor de

Ensino Básico

b) Professor do

Ensino Básico de Primeira;

c) Professor do Ensino Básico

Principal

d) Professor do Ensino Básico

Superior

a) Professor do Ensino

Secundário Adjunto

- Mestre de Oficina

Qualificado, Animador de Educação Física e

Desportiva

- Animador de

Educação Artística

b) Professor do Ensino Secundário

c) Professor do Ensino Secundário de

Primeira

d) Professor do Ensino

Secundário Principal

a) Animador em

Educação de Adultos

b) Animador em

Educação de Adultos de Primeira

c) Animador em Educação de Adultos

Principal

d) Animador em Educação de Adultos

Superior

Fonte: Dados pesquisados no documento Decreto-Lei de 2004, artigo 38, n. 2, do Estatuto do Pessoal Docente de Cabo Verde. Informações organizadas pela autora.

Tal reconfiguração tem contribuído para que as instituições do ensino superior se

reestruturem e adotem uma postura diferenciada diante de questionamentos e problemas

curriculares, sobretudo em relação aos conhecimentos a serem incorporados nos

currículos para formar professores, instrumentos e ferramentas de formação e que

permitem contextualizá-los às necessidades e desafios da contemporaneidade.

Reconhecemos os frequentes estudos que têm contribuído para reestruturar cada

vez mais, o estatuto pessoal docente e sua formação, buscando instrumentos e

39 Dados pesquisados no documento Decreto-Lei de 2004, Artigo 38, n. 2 do Estatuto do Pessoal Docente

de Cabo Verde. Iinformações organizadas pela autora.

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instituições superiores que contribuem para elevar o nível da qualidade de formação

oferecida, dignificando a imagem e a ação docente no país.

Neste sentido, o esforço de integração no sistema do Ensino Superior reflete-se

na preocupação expressa pelos Institutos Superiores por desenvolver linhas de

investigação próprias (nos termos estatutários) e a nível institucional, no enquadramento

legal pela Direção de Ciência e Tecnologia, Direção Geral do Ensino Superior e

Ciência.

Até 2010 o país contava com as seguintes instituições de ensino superior:

Instituto Superior de Educação (ISE) que se funde em Universidade de Cabo Verde

(Uni-CV); Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar (ISECMAR); Instituto

Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA); Instituto Nacional de

Administração e Gestão (INAG); Universidade Jean Piaget (Uni-Piaget); Instituto

Superior de Ciências Econômicas e Empresariais (ISCEE); Instituto de Ensino Superior

Isidoro Graça – IESIG.

Para seguimento, reconhecimento, revalidação e certificação das formações,

existe a Comissão Nacional de Equivalência que, por meio da Direção Geral do Ensino

Superior e Ciência é a entidade responsável pelo reconhecimento de graus e diplomas,

do ensino superior obtidos em instituições de ensino superior estrangeiras. A Lei de

Base do Ensino Superior cabo-verdiano reconhece os seguintes graus acadêmicos e

diplomas: a) Bacharelato, b) Licenciatura, c) Mestrado e d) Doutorado.

Os objetivos estratégicos do período 2000-2010 considerando sua natureza, o

ensino superior e a investigação científica, têm contribuído de forma decisiva para o

encaminhamento de soluções aos problemas causados pelas grandes mudanças operadas

no mundo moderno, cumprindo a sua missão de educar, formar e promover a

investigação,oferecendo serviços de qualidade à comunidade e possibilitando o

desenvolvimento de todo o “sistema educativo”. Em 2013 foi publicado o novo Estatuto

de Carreira do Pessoal Docente e Investigador. Este Estatuto, no seu ponto 1, Artigo 40

e 41 apresenta e acrescenta à estrutura, outros cargos que dizem respeito ao desempenho

de diferentes níveis em formação de professores e sua carreira docente.

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Quadro 10. Organização do novo Estatuto de Carreira do Pessoal Docente e Investigador40

Pessoal docente e

investigador41

Pessoal docente da pré-

escolar

Pessoal docente

animador

Pessoal docente da pré-escolar

Pessoal docente do ensino básico

Pessoal docente do ensino secundário

Pessoal docente do ensino superior e investigador

Educador de infância

Educador de infância de primeira

Educador de infância principal.

Educação Básica de

Adultos

Ensino Recorrente

(Secundário)

Formação a Distância

Formação Profissional

Animação Comunitária

Fonte: Dados pesquisados no Boletim Oficial de Cabo Verde, 2013, ponto 1, artigo 40 e 41. Elaborado

pela autora.

Essa reorganização permite, por um lado, rever os salários do corpo docente,

prover as instituições de educação e de formação, de infraestrutura, equipamentos,

instrumentos e ferramentas técnicas e tecnológicas, fundamentais e indispensáveis ao

bom funcionamento do ensino e formação no país. Por outro lado, possibilita a gestão

equitativa das instituições, dos espaços e ambientes educativos e formativos e, por

conseguinte, requalifica o corpo docente e reconfigura o currículo da formação inicial e

continuada de professores, animadores e educadores em Cabo Verde.

O fato de o Programa do Governo afirmar que a formação de professores em

relação ao proposto para o sistema de ensino ter de produzir pessoal capacitado em

condições de alterar para melhor, a visão nacional de Educação, assim como o

enquadramento da formação de professores, dos diversos níveis de ensino, exige o

estabelecimento de programas que garantam informações atualizadas sobre o mercado

laboral, por meio dos quais seja possível delinear estratégias para a reorganização da

formação. Questiona-se, como as escolas e as instituições de formação superior

organizarão e desenvolverão a formação inicial e continuada de professores,

educadores, animadores e pessoal técnico, levando em conta a nova configuração

sugerida no Boletim Oficial de Cabo Verde (BO), artigos 42 a 45, sintetizado no

Quadro 11, conforme segue:

40 Dados de 2013, pesquisados no Boletim Oficial de Cabo Verde, ponto 1 e artigo 40 e 41. Dados

organizados pela autora. 41 Investigador , nesse contexto, é o mesmo que pesquisador.

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Quadro 11. Organização do perfil e cargo do pessoal, por níveis de formação42

Pessoal docente

de educação

pré-escolar

Pessoal

docente do

ensino básico

Pessoal docente

do ensino

secundário

Pessoal docente do

ensino superior e

pesquisador

Pessoas de

inspeção de

fiscalização

Educador de infância

Educador de infância de

primeira

Educador de infância

principal

Professora de ensino básico

Professor de ensino básico

de primeira

Professor de ensino básico

principal

Professor de ensino secundário

Professor de ensino secundário

de primeira

Professor de ensino secundário

principal

Assistente de graduado

Professor auxiliar

Professor

Associados

Professor titular

Inspetor ou auditor

níveis I, II e

III

Inspetor

sénior ou

auditor sénior níveis

I, II e III

Fonte: Dados pesquisados Boletim Oficial de Cabo Verde, artigos 42 a 45, 2013.

Em relação a todos esses cargos, questiona-se sobre a organização e estruturação

curricular, e, por decorrência, os conteúdos e conhecimentos necessários a serem

construídos para formar esse pessoal docente, a fim de exercer com qualidade,

consistência e significado o trabalho, em contextos e situações diferenciadas. A

docência exige que os conteúdos e conhecimentos tenham implicações nas mudanças e

transformações da realidade concreta dos estudantes, dos docentes, da escola como

ambiente e espaço social, do país e dos seres humanos no mundo contemporâneo.

Com relação ao ensino e formação na educação extraescolar, o artigo 13°. do BO

apresenta as modalidades que integram o subsistema processando-as em três dimensões

diferentes: a) a integração do ensino presencial e a distância; b) integração de uma

formação para a realização pessoal, a cidadania ativa e a formação para o emprego; e c)

a integração de uma cultura popular, com uma cultura científica, humanística, artística e

laboral.

Nessas dimensões está implicada a existência de oferta de formação a distância

para a educação e formação de adultos visando introduzir grande flexibilidade no

subsistema, o que permitirá acionar os escassos recursos disponíveis para a produção

direta dos suportes didáticos, a formação dos docentes e impulsionar a pesquisa e a

inovação.

As atividades que se desenvolvem de forma presencial terão como finalidade a

orientação do processo de aprendizagem e o fomento da capacitação da 42 Dados de 2013, pesquisados no Boletim Oficial de Cabo Verde, artigos 42 e 45. O quadro que se

apresenta foi estruturado e organizado pela autora .

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autoaprendizagem pessoal e de promoção da sociedade da aprendizagem. Nessa linha de

reflexão, o capítulo IV, do artigo 19 explicita a formação e a investigação dos docentes

destacados para trabalhar nessa modalidade, tendo em vista a qualificação dos mesmos

para ministrar a formação específica,com qualidade nesse subsistema de ensino, e

assim, fomentar a pesquisa nessa matéria, o serviço competente do departamento

governamental da área de educação e formação.

Para operacionalização dessas ações a Agenda Estratégia do Governo afirma ser

necessário e fundamental potencializar os conhecimentos, o intercâmbio de experiências

e programas de cooperação nas áreas de educação e formação com instituições

nacionais e internacionais; impulsionar a investigação e a inovação educativa, em

especial, nos Centros de Educação e Formação de Adultos autorizados; potencializar o

desenvolvimento, a elaboração e a publicação de materiais específicos para a educação

e formação; impulsionar a formação nas novas tecnologias de informação e

comunicação aplicadas ao ensino, assim como o uso didático das mesmas; promover a

colaboração com as universidades para a formação dos agentes educacionais designados

para a educação e formação de adultos e a sua participação na investigação; avaliar os

programas e ações; obter dados estatísticos e realizar estudos que permitam dispor de

informações atualizadas e permanentes destinadas a reorganizar o subsistema e

planificar seu desenvolvimento e coordenação. (BO, capítulo IV, artigo 19).

Os cursos de formação continuada foram e são interessantes uma vez que são

procurados pelos próprios educadores, animadores monitoras e professores. Mas,

também, os professores são chamados e solicitados, e, por vezes, selecionados de

acordo com o cargo e trabalho que desempenham e/ou ocupam na instituição ou escola,

a participar de formações para atualizar, aprofundar e aperfeiçoar a sua ação e

intervenção e, sobretudo no trabalho de articulação teoria-prática.

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144

3.3. Projetos e programas de formação: parcerias e convênios

Grande parte dos programas e projetos educativos e formativos concretizados

em Cabo Verde, conforme referido, foi realizado por meio de convênios e parcerias com

diferentes instituições nacionais e internacionais.

Referimo-nos aos projetos e programas de formação continuada,cujas

modalidades foram presenciais, semipresenciais e a distância. Essas modalidades foram

assumidas pelo Ministério da Educação e desenvolvidas pela Direção Geral da

Educação e Formação de Adultos (DGEFA) e Instituto Pedagógico (IP), atual Instituto

Universitário da Educação (IUE). São destinadas a educadores, monitoras de infância,

professores, animadores e toda a equipe da escola.

Segue o Quadro 12, que resume alguns cursos promovidos pela DGEFA e

disponibilizados a diferentes públicos, principalmente à comunidade educativa.

Quadro 12. Cursos realizados pela DGEFA43

Caráter social44

(para público

em geral)

Caráter Profissionalizante45 Formação de

professores46

1. Alcoolismo

2. Animação do tempo livre

3. Educação ambiental

4. Educação na circulação

rodoviária

5. Escola da família

6.Estratégia de luta contra exclusão social

7.Manipulação de alimentos

1. Espanhol I e II

2. Excel iniciação

3. Francês Turístico

4. Francês para a venda e

atendimento ao público

5. Guia Turístico

6. Informática básica

7. Inglês turístico

8. Inglês para venda e

atendimento ao público

9. Recepcionista

10. Word Básico

11. Word Avançado

1. Convivência na

Escola

2. Desenho Curricular

Baseado em

Competências

2. Ensino Baseado em

Competências

3. Avaliação das

Competências

Fonte: Desenho Curricular de Educação e Formação Geral de Adultos, Ministério da Educação e Ensino

Superior, DGEFA, abril de 2008.

43 In: Desenho Curricular de Formação Geral de Pessoas Adultas. ME –DGEFA.Cabo Verde, 2008. 44A todos os educadores, monitoras de infância, professores, animadores, equipe de gestão e

administração da escola. 45 Idem 46Idem.

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145

Praticamente todos esses cursos foram financiados pelo Governo de Canárias,

pela presidência do Governo, Direção Geral de Relações com África - Cooperación

Canária. Essa cooperação consistiu de três momentos fundamentais de formação-ação,

a saber: formação de formadores; produção de material impresso; produção e emissão

de aulas radiofônicas; sessão de tutoria e avaliação.

A produção de material impresso consistiu na elaboração de manual didático-

pedagógico permitindo formar e orientar os participantes do curso no processo de sua

formação inicial e continuada. Para realização desses cursos, os professores formadores

desenvolveram a formação continuada dentro e fora do país.

Os cursos que nos pareceram significativos para análise foram sobretudo, os de

natureza e âmbito teórico, acadêmico e profissional. Eram complexos não só pela

qualidade e consistência exigida, mas também pelas limitações de alguns professores

em seu acompanhamento.Os aspectos epistemológicos discutidos foram de extrema

importância para a consolidação da relação teoria-prática, precisamente pela fusão de

algumas “disciplinas”, caso de ciências naturais e sociais, geografia e história,

organizadas em um único curso de formação – Guia turístico.Explicitando brevemente

sobre o curso “Guia Turístico”, consideramos que se trata de um curso que traz

conhecimentos e saberes relacionados aos aspectos históricos, geográficos, ambientais,

culturais, econômicos e sociais do país. Mostra para o mundo o produto interno e sua

promoção para o desenvolvimento turístico do país.

Os cursos de “línguas - francês, inglês, espanhol” visam proporcionar aos

participantes o desenvolvimento e a melhoria de práticas e capacidade comunicativa, no

trabalho docente, por um lado, valendo-se do uso de línguas de forma interativa, e por

outro, potencializar a apropriação de instrumentos e ferramentas linguístico-

comunicativas em suas diferenciadas e diversificadas estruturas, organização,

mecanismos e dimensões de línguas e linguagem, em seus aspectos teórico-práticos da

utilidade e do uso, preparando os participantes para estabelecerem comunicação com o

mundo.

O curso de “Convivência na escola” visa preparar os professores e toda a equipe

da escola no conhecimento de alguns saberes relacionados com a boa convivência,

aspectos psicossociais, cognitivos e interventivos que assegurem e orientam os

comportamentos, valores e atitudes na escola. Particularmente, possibilitar o

aperfeiçoamento no desenvolvimento de estratégias, metodologias, abordagens e

práticas de relações positivas no meio acadêmico, envolvendo toda a comunidade para

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146

que se possa manter senão, consolidar e fortalecer a qualidade de colaboração e

participação no ensino e na aprendizagem e, sobretudo na utilidade e no uso de bens

educativos e formativos que comuns.

O curso “Desenho curricular baseado em competências”objetiva a formação de

formadores no aprofundamento de conhecimentos sobre o “sistema educativo”, aspectos

relacionados com os conceitos e concepções sobre a educação e formação, currículo,

conceitos, natureza, características, seleção e organização de conteúdos;

desenvolvimento curricular e orientações metodológicas, avaliação das aprendizagens;

sistema de acreditação, validação, certificação e avaliação.

Também foram experimentados alguns cursos semipresenciais para alunos do

ensino secundário recorrente, cuja tutoria foi feita pelos respectivos professores das

disciplinas. Os títulos dos cursos foram “Como comunico e Convivendo com os

números”.

A adoção de estratégias e a opção por modalidades de formação continuada de

professores vieram para minimizar e suprir as dificuldades e as limitações surgidas ao

longo do trabalho docente, que, por vezes, não permitiram ao professor saber o que

fazer, não compreender como fazer e em que momento e contexto educativo

desenvolver determinadas ações e tarefas.

As formações foram estruturadas e organizadas por meio de cursos que

permitiram ressignificar a prática pedagógica e andragógica47 no contexto educativo. É

certo, que a formação continuada ainda não se estendeu a todos os professores, mas é

imperioso pensar numa modalidade para além da semipresencial, que possa incorporar

gradativamente, professores que tenham acesso ao conhecimento e saber necessários

para desenvolver a sua prática.

Outro aspecto interessante da formação realizada nos finais de 2013 tem a ver

com o programa “Mundu Novu”, mencionado anteriormente. O programa “Mundu

Novu” é considerado outro conceito revolucionário que promete dinamizar todo o setor

da Educação, por meio do projeto “Konecta” que cria “hotspots” de Internet gratuito nas

escolas, universidades e espaços públicos, facilitando e democratizando o acesso ao

conhecimento on-line. O programa visa ainda melhor a qualidade do ensino e da

aprendizagem, dos processos de administração de gestão, pela simplificação e

47Entende-se por andragogia as abordagens cujas metodologias e estratégias de ensino e da aprendizagem,

da educação e da formação estão voltadas para jovens e adultos.

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147

automatização, sobretudo, motivar e aumentar significativamente o nível de

conhecimento, promovendo a equidade social.

Em 2010, um grupo inicial de professores se formou no referido programa e,

este, por sua vez, multiplicou para os outros professores. Essa formação tem ajudado

alguns professores no trabalho docente, principalmente no uso racional das tecnologias

de informação e comunicação. A formação foi desenvolvida de forma presencial,

utilizando um manual didático com conteúdos e atividades a serem desenvolvidos pelos

participantes seguido da respectiva avaliação.

Apesar de serem selecionados alguns professores para participar no curso, os

participantes que nunca tiveram acesso ao computador apresentam dificuldades para,

num período de 2h00, realizarem um curso, que depois não poderão continuar por falta

de acesso a TIC. Como resolver essa situação, uma vez que grande parte das escolas

básicas e secundárias não tem acesso ao computador e, se existir, apenas um (1) é para o

serviço administrativo (caso não esteja em pleno funcionamento).

Outra experiência de muita importância tem a ver com a deslocação de mais ou

menos 50 (cinquenta) professores ao Brasil para intercâmbio de formação. Essa

formação é uma oportunidade de construção de conhecimentos, saberes e práticas

relacionadas às ações, atividades, tarefas docentes em contexto contemporâneo.

É também um trabalho de formação continuada que se vem realizando em nível

do Ministério da Educação, no sentido de pré - estabelecer uma política pública mais

ampla, de modo a que toda a equipe da escola tenha o mínimo de conhecimentos para

atuar em situações de gestão administrativa, organizativa, pedagógica, didática em

aspectos educativos e formativos nas escolas cabo-verdianas.

É importante frisar que a responsabilidade de acesso das instituições de ensino,

educação e formação superior deve prosseguir na consecução de seus objetivos. A

abrangência, a complexidade e a profundidade do ensino superior assentam-se no

desenvolvimento da capacidade de concepção de objetivos próprios do ensino superior;

objetivos esses voltados para inovação, investigação, análise crítica e de decisão.

O Governo de Cabo Verde, neste caso, evidencia algumas políticas públicas que

precisam ser objetivas e concretizadas pelas universidades, escolas e instituições do

ensino superior. Esses desafios chamam a atenção dessas instituições a ações que

precisam e devem desenvolver, como:

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148

a) formar quadros nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção

em sectores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade cabo-

verdiana, e colaborar na sua formação contínua;

b) estimular o pensamento reflexivo, a criação cultural, o desenvolvimento do

espírito científico e a capacidade empreendedora;

c) incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a criação e difusão da cultura, e, desse

modo, aumentar a capacidade de compreensão e transformação das condições de

existência e de realização do homem na sociedade e no mundo em que vive;

d) promover a divulgação de conhecimentos científicos, culturais e técnicos que

constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de

publicações ou de outras formas de comunicação;

e) estimular o conhecimento e análise dos problemas nacionais e do mundo de

hoje, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação

de reciprocidade;

f) estimular e apoiar a formação cultural técnica e profissional dos cidadãos pela

promoção de formas adequadas de extensão cultural;

g) encorajar a busca permanente de aperfeiçoamento intelectual, cultural, técnico

e profissional, favorecendo a integração e aplicação dos conhecimentos que vão sendo

adquiridos ao longo das gerações, na perspectiva de educação e de desenvolvimento de

competências ao longo da vida;

h) contribuir para a modernização do “sistema educativo” a todos os níveis,

designadamente através da promoção do conhecimento e da pesquisa, adoção e

disseminação de novas metodologias de ensino.

São aspectos interessantes e, até certo ponto, importantes para auxiliar na

construção dos currículos de ensino, educação e formação em todos os níveis e âmbitos

da vida acadêmica e profissional, quanto bem discutido, interpretado, compreendido e

apropriado, esses desafios institucionais auxiliam na configuração de diferentes

programas e projetos de formação de educadores e de formadores.

Mas, por outro lado, parece necessário questionar como esses propósitos se

traduzem na prática de formação de professores, educadores, animadores que atuam no

cotidiano das escolas do infantil ao secundário e quem pode possibilitar essa tradução

concreta à realidade da sala de aula? Que condições os professores possuem para

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estarem abertos a agregar esses desafios às práticas de educação e formação? Quais os

programas, projetos e planos de ação e atividades estão sendo operacionalizados para

que o país tenha pessoas nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em

setores acadêmicos e profissionais e para a participação no desenvolvimento da

sociedade cabo-verdiana, e colaborar na sua formação contínua?

Diante desses novos pressupostos e desafios, o Governo propõe alguns

princípios orientadores que regulam e operacionalizam a formação de docentes tanto do

ponto de vista inicial quanto da continuada.

O primeiro princípio diz que a formação do pessoal docente obedece, no plano

institucional, aos seguintes princípios orientadores para a formação inicial e continuada:

A formação inicial é institucionalizada como passo fundamental da formação do

docente. Ela deve ser integrada, quer nos planos científico, técnico e pedagógico, quer

no de articulação teórico-prática. A formação continuada de docentes deve permitir o

aprofundamento e a atualização de conhecimentos e competências profissionais. Nesse

caso, a formação inicial e a formação continuada devem ser atualizadas de modo a

adotar aos docentes as novas técnicas e à evolução da sociedade, das ciências, das

tecnologias e da pedagogia. Para sua operacionalização, os métodos e os conteúdos de

formação deverão estar em constante renovação, permitindo a contínua atualização de

conhecimento e de atitudes.

O segundo princípio menciona que o processo de formação de docentes está

sujeito a um sistema de avaliação referenciado aos objetivos, aos métodos e seus

resultados ou concretizações, com vista à sua atualização permanente. Nesse sentido,

questionamentos foram fluindo a fim de saber como se pode operacionalizar a

concepção sobre a formação para o exercício da docência de modo a responder que

currículos, programas e projetos possam contribuir para o desenvolvimento e

aproximar-se das políticas públicas sugeridas pelo Governo para a formação de

professores em Cabo Verde.

3.4. Formação continuada: algumas práticas e ocorrências

A formação continuada é sempre uma atividade complexa e compreende muitas

dificuldades e limitações em Cabo Verde. Entre as razões estão as de ordem

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150

econômica, financeira e geográfica, uma vez que o país é constituída por ilhas e, cujo

transporte é feito por via área ou marítima.

Encontramos dois livros interessantes que descrevem a formação de professores

realizada com a participação de alguns professores do CPLP. Esses livros foram

organizados por Serrasina e Portela e outros cujos títulos são: 1. Formação contínua:

textos de enquadramento e alguns exemplos materiais; 2. Formação contínua: relatos e

reflexões. Esses livros foram publicados em 2011, pela Escola Superior de Educação,

Instituto Politécnico de Lisboa.

Nesses livros encontram-se reunidos diversos tipos de texto e documentos

produzidos no âmbito do Projeto Qualificação dos Professores em Países Lusófonos. O

objetivo do projeto foi dotar a Instituição de Ensino Superior (IES) de competências que

permitisse desenvolver programa de formação continuada (FC) de professores para o

ensino básico, de qualidade e culturalmente específico, em países onde o português é a

língua de ensino.

Para a realização dessa formação, a metodologia mais utilizada foi a de

seminários, rede de aprendizagem on-line onde todos os materiais científicos e

pedagógicos desenvolvidos foram disponibilizados. O livro teve como anexo,um CD

reunindo os textos do projeto e o programa de Qualificação de Professores em Países

Lusófonos. Esses programas foram desenvolvidos com base nos seminários realizados

dentro e fora do país, conforme segue:

1º Seminário – Lisboa/Viana do Castelo - de 21 de Abril a 15 de Maio 2009

2º Seminário – Cabo Verde, Cidade da Praia – de 8 a 21 de Maio de 2010

3º Seminário – Maputo – de 9 a 15 de Setembro de 2011

O programa de formação foi organizado em textos, cujos títulos são

apresentados no quadro que segue:

Quadro 13. Configuração dos títulos dos textos do projeto48

Qualificação de

professores em

países lusófonos

Sumário

Área da

Qualidade na

Educação e

Área do

Ensino da

Matemática

Área do

Ensino das

Ciências

Área de

Tecnologias

de

Informação e

Textos das

conferências

realizadas

nos

48 Dados recolhidos do artigo de CARVALHO, Odete.Formação contínua: relatos e reflexões. In:

SERRASINA, L.; PORTELA, J. (Org.). Formação contínua: textos de enquadramento e alguns

exemplos materiais. Lisboa:Escola Superior de Educação,Instituto Politécnico de Lisboa, 2011.

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151

executivo e

quadro lógico

desenvolvimento Comunicação Seminários

Fonte: Dados coletados do artigo “Formação contínua: reflexões e práticas”, do livro “Formação

contínua: textos de enquadramento e alguns exemplos materiais. Lisboa: ESE/IPL, 2011.

Nessa formação foram enfatizados elementos como: a lógica da intervenção; os

indicadores objetivamente verificáveis (IV); as fontes e os meios de verificação (FMV)

e as respectivas condições para sua operacionalização. Em cada um desses elementos se

propõem objetivos gerais e específicos a serem seguidos, os resultados esperados e as

atividades a serem desenvolvidas.

A formação se organizou por módulos que abrangeram quatro áreas, a saber:

Qualidade da Educação e Desenvolvimento (QED); Ensino das Ciências (EC); Ensino

da Matemática (EM), Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). As áreas foram

estruturadas em módulos de formação simples, e trabalháveis localmente, com dois ou

três objetivos e explicitação teórica fundamentada em algumas obras como Formação

reflexiva de professores de Alarcão (2011); e a Formação reflexiva de professores:

ideias e práticas, de Zeichner (1993).

Atualmente, está em estudo dois documentos importantes para ressignificar a

formação de professores e trabalho docente, são eles: Plano Curricular de Novo Ciclo de

Estudos 2012-2014 do Instituto Universitário da Educação (IUE) e Desenho Curricular

para a Formação Geral de Pessoas Adultos da Direção Geral de Educação e Formação

de Adultos (DGEFA) de 2010.

Talvez seja uma das respostas ou ainda a vontade política de veicular e de

reconfigurar a formação de toda a equipe da escola, desde o básico ao secundário, isto é:

professores, educadores, animadores, monitores, gestores, coordenadores, diretores,

entre outros. Ambos estão sob a supervisão do Ministério do Ensino Superior Ciências e

Inovação e do Ministério da Educação e Desportos.

O IUE oferece cursos relacionados com a Língua Portuguesa e Estudos Cabo-

verdianos, História e Geografia, Matemática, Educação Artística. Esses cursos também

são para e de complemento de licenciatura em Ensino e têm os seguintes objetivos:

capacitar professores para o Ensino (Básico) em diversas variantes; superar as carências

dos docentes em áreas específicas; formar profissionais com consciência crítica da

realidade sociocultural, do “sistema educativo” e da docência, tendo em conta os

princípios éticos e deontológicos da profissão; facultar a ampliação de conhecimentos

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científicos, culturais, pedagógicos e didáticos; munir os professores de

ferramentas/capacidades didático-pedagógicas específicas; desenvolver a capacidade de

comunicação e expressão, de análise, de reflexão e espírito crítico; desenvolver

habilidades para a investigação científica e produção de conhecimentos.

Constitui, ainda, objetivos, perfil de competências gerais e específicas: exercer

uma prática pedagógica norteada pelos princípios da construção e busca incessante de

conhecimentos, na perspectiva do sucesso do ensino e da aprendizagem; analisar,

produzir e avaliar criticamente materiais didático-pedagógicos, possibilitando o estreito

diálogo entre a pesquisa e o ensino; adotar uma atitude crítica e proativa no domínio do

“Sistema Educativo” de Cabo Verde; estabelecer a interdisciplinaridade e a

transdisciplinaridade, gerindo as fronteiras entre diferentes áreas do conhecimento;

dominar as concepções metodológicas que orientam o trabalho da investigação e a

análise; desenvolver a pesquisa, a produção do conhecimento e a sua difusão, não só no

âmbito acadêmico, mas também, no plano social; intervir numa sociedade em mudança,

fortemente afetada pelos conflitos e contradições da modernidade.

Segundo o Plano Curricular da IUE (2014, p.10)49o curso de Licenciatura em

Ensino visa formar profissionais com competências para assumir as tarefas inerentes à

docência no Ensino, integrando os saberes científicos das Ciências de Educação, da

Pedagogia e das áreas de especialização. Pretende-se que o licenciado seja um

profissional cuja prática deva ancorar-se na indissolubilidade entre o ensino e a

pesquisa, de modo a que, no pleno exercício da profissão, supere a tradicional dicotomia

entre o profissional que investiga e o profissional que ensina, entre o profissional que

produz e o que consome o conhecimento.

Tendo em conta estes pressupostos associados às competências e habilidades a

serem construídas ao longo do curso, o formando deverá ter um perfil profissional que o

capacite nos objetivos e competências acima referidas. Segue um exemplo de estatística

da formação de professores realizado em duas ilhas de Cabo Verde: Ilha de Santiago,

cidade da Praia e Ilha do Sal. Na cidade da Praia foi feita na Escola Hermínia Cardoso,

cujas informações seguem:

49. Conforme Grade curricular, 2012- 2013, p. 19; 2.2, p. 25; distribuição das áreas curriculares 2.3, p. 27.

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153

Quadro 14. Cursos de formação de professores em exercício, realizados por IUE, ano

letivo 2012-201350 cursos Matemática Língua Portuguesa e

Estudos Cabo-

verdianos

História e Geografia Educação

Artística

total

Ano/

Local

1ºano

Praia

1ºano

Sal 2ºano

Praia

1ºano

Praia

1ºano

Sal 2ºano

Praia

1ºano

Praia 1ºano

Sal

2ºan

o

Prai

a

ano

2ºan

o

Prai

a

n. de

alunos

21 17 53 23 31 71 Não

abriu

28 51 Não

abri

u

31 326

Fonte: Instituto Universitário de Educação Cabo Verde (IUE), 2013.

Um dos aspectos a ser destacado na realização da formação inicial e continuada

de professores e educadores, no ano letivo 2012- 2013,relaciona- se com a

generalização dos novos manuais, programas e guias do Ensino Básico e a formação de

professores.

Reconhecendo as fragilidades de formação continuada em Cabo Verde que

sempre foi e é algo de muito questionamento e de pesquisa e, sobretudo as debilidades

de articulação teoria-prática no exercício da docência, foram revistos os curriculares, os

programas, os planos de estudo de formação de professores e do ensino aprendizagem

do infantil ao secundário.

Assim sendo, em 2005, o Ministério da Educação delegou à Direção Geral do

Ensino Básico e Secundário (DGEBS) e à Direção Geral de Educação e Formação de

Adultos (DGEFA) a procederem a revisão curricular, a elaboração de manuais,

brochuras, guias, materiais didáticos que pudessem responder ao novo desenho

curricular de formação geral de pessoas adultas.

Esta incumbência foi delegada também aos técnicos MED por meio de um

despacho ministerial, de 23 de março de 2006. Os técnicos integrantes são de diferentes

setores e departamentos do Ministério da Educação e Desporto. As atribuições para o

efeito foram as seguintes: reorganização curricular; produção de materiais didáticos;

formação de professores/as, educadores e animadores; avaliação das aprendizagens dos

alunos.

50 Ibidem.

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154

A referida autorização está relacionada a diversas intervenções sobre o modelo

da formação inicial e continuada de professores tanto ao nível da consistência,

qualidade, exequibilidade ao contexto e situações de mudanças e transformações

técnicas e tecnológicas, quanto aos processos e práticas de ensinar a prender no

cotidiano das escolas e, sobretudo aos resultados das avaliações cuja quantidade não

coaduna com a qualidade.

Carvalho (2011) descreve no seu relatório, formação contínua no texto de

enquadramento alguns exemplos sobre o processo da revisão curricular do básico e

secundário em Cabo Verde. Diz ela que esse processo se organizou em seis etapas, a

saber: elaboração de versão preliminar do Documento Orientador da Revisão Curricular

(DORC) – de Julho a Setembro de 2005; auscultação e recolha de subsídios para

validação do DORC – Fevereiro a Agosto de 2006; envolvimento das instituições de

formação e constituição das equipes disciplinares de Fevereiro de 2007 a Setembro de

2008; capacitação dos orientadores e das equipes disciplinares de Dezembro 2005 a

Fevereiro de 2008; revisão e elaboração dos programas – Novembro; pré-

experimentação dos planos de estudos e materiais didáticos e sua aprovação e

publicação de estudos do EB e ES.

Os dados que seguem ajudaram na revisão curricular tanto em nível do básico

quanto do secundário.

Quadro 15. Professores com formação e resultados do ensino básico e secundário,

período letivo 2007 - 201051

Ensino básico Ensino secundário

Total de

Professores

Professores com

formação

Total de

Professores

Professores com

formação

2971 2733 92,0% 2971 2733 92,2%

Resultados do ano letivo 2009/2010 (Outputs)

Ensino Básico

Resultados do ano letivo 2009/2010 (Outputs)

Ensino Secundário

Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono

51 Dados recolhidos do capítulo de CARVALHO, Odete.Formação contínua: relatos e reflexões. In:

SERRASINA, L.; PORTELA, J. (Org.). Formação contínua: textos de enquadramento e alguns

exemplos materiais. Lisboa:Escola Superior de Educação,Instituto Politécnico de Lisboa, 2011. Quadro

reorganizado pela autora.

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155

87,8% 10,5% 1,7% 67,3% 24,9% 7,8%

Fonte: Dados coletados no artigo “Formação contínua: reflexões e práticas”, do livro “Formação

contínua: textos de enquadramento e alguns exemplos materiais Lisboa, 2011.

A autora considera que todo este trabalho foi realizado em condições precárias52

e descreve algumas das condições como sendo: programas sem a validade científica e

pedagógica pretendida; materiais de apoio aos alunos não totalmente elaborados;

professores experimentadores não suficientemente capacitados sobre aspectos

inovadores adotados na revisão curricular, nomeadamente a pedagogia da integração,

conteúdos e metodologias relativos às temáticas transversais (direitos humanos e

cidadania, sustentabilidade ambiental, prevenção do HIV/SIDA e outras DST...).

Essas limitações e dificuldades fizeram com que a pré-experiência fosse feita

apenas em duas ilhas (Santiago e São Vicente), conforme mostra o quadro que segue:

Quadro 16. Escolas e professores do ensino básico selecionados para participação da

pré-experiência com planos de estudos e materiais didáticos.

Ilhas Concelhos Escolas Professores

Santiago

Praia

Escola n. 18/ Várzea 2

Escola SOS 2

Santa Catarina Ribeira da Barca 2

Polo n. 2 Assomada 2

São Miguel Veneza 2

São Vicente

São Vicente

Salesiana 1

Valentina L. Silva 2

São Pedro 1

Total

2 4 8 14

Fonte: Dados coletados no Livro SERRASINA,L.; PORTELA,J.(Org.).Formação contínua: textos de enquadramento e alguns exemplos materiais. Lisboa: ESE/ Instituto Politécnico de Lisboa, 2011.

52 Termos utilizados pela autora. Idem

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156

Quadro 17. Escolas e professores do ensino secundário selecionados para participação

da pré-experiência com planos de estudos e materiais didáticos

Ilhas Concelhos Escolas Turmas Professores

Santiago

Praia Abílio Duarte*53

2 22

São

Domingos

Eugénio

Tavares

2 22

São

Vicente

São

Vicente

Salesiana 2 22

2 3 3 6 66

Fonte: Dados coletados no Livro SERRASINA, L.; PORTELA, J.(Org.).Formação contínua: textos de

enquadramento e alguns exemplos materiais. Lisboa: ESE/ Instituto Politécnico de Lisboa, 2011.

Os princípios que nortearam a elaboração do documento estratégico do Governo

de Cabo Verde que realçam o currículo, a formação de professores e o processo de

ensinar a aprender são os seguintes: pertinência social; sustentabilidade; qualidade;

equidade; flexibilidade e adaptabilidade. Dessas expressões, a qualidade e a equidade

foram enfatizadas pelo fato de que se vivem situações de desigualdades sociais – gênero

e identidade, e, sobretudo as questões de natureza externas e internas.

Os aspectos externos têm a ver com as condições para o exercício da docência,

isto é, o apetrechamento das escolas com mobiliário e equipamentos, o material

didático, a adequação dos orçamentos das escolas e o apoio dos pais e da comunidade.

Os aspectos internos têm a ver com os processos de liderança das escolas, o pessoal

docente, não docente e os alunos, o tempo de ensino, e os métodos de ensino, segundo

Carvalho (2011, p.141) citado em Serrasina e Portela, 2011.

Aspectos que são interessantes da leitura desse processo de revisão curricular

estão relacionados com a opção do Documento Orientado da Revisão Curricular pela

Pedagogia da Integração, fundamentada em abordagem por competência (APC). A

competência a que se refere relaciona-se ao que entendem Gérard e Roegiers (1993)

citados em García (1999) como sendo um conjunto integrado de capacidades que

53 Interrompida, logo após um ano. Ação de capacitação aos professores, por incompatibilidade de

horários.

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permitem, de maneira espontânea – aprender uma situação e responder a ela com

relativa pertinência.

A justificação por opção a APC está na evolução recente da teoria e prática

pedagógicas, face à incapacidade dos “sistemas educativos” acompanharem o mundo

em transformação acelerada, em que importa assegurar o desenvolvimento de

competências básicas necessárias para aprender a aprender permanentemente ao longo

da vida, conforme Carvalho (2011, p.141) citado em Serrasina; Portela, 2011.

A educação ao longo da vida, na opinião de alguns, vem substituir a velha ideia

de que a educação recebida nos primeiros anos é uma educação para toda a vida, quer

dizer uma educação que já nos capacitava para sermos adultos e poderia durar para

sempre. A pergunta é saber se será mesmo que essa definição irá dar conta do processo

complexo que é ensinar e aprender conhecimentos significativos da vida e para vida

contemporânea e, para o mundo de trabalho?

Senão vejamos, a fundamentação da opção pela pedagogia de integração. A

autora realça: os desafios da atualidade marcada pelo triplo desafio da qualidade e

acessibilidade das informações, da necessidade de dar sentido às aprendizagens e da

necessidade de eficácia interna, eficiência e equidade do “sistema educativo”. A

formação continuada de professores realizada em 2010 em que 216 agentes

educacionais participaram para implementação do novo DC tem como desafio maior a

APC na construção de competências básicas da profissão docente, segundo Carvalho

(2011, p.143) citado em Serrasina; Portela, 2011.

Os manuais escolares foram feitos para experiências e segue a avaliação por

meio da pedagogia da integração, entendida como forma de organizar o processo de

ensino de modo a dar sentido a mesma, muitas vezes constituídas por saberes que o

aluno não consegue reinvestir nas situações da vida cotidiana ou da vida profissional.

Alguns desses saberes da vida cotidiana e profissional estão embutidos em

transversais, mas que na verdade são configurados em conteúdos relacionados com a

gestão administrativa e atividades didáticas e pedagógicas das e nas escolas. São eles os

seguintes elementos: Informatização; Alimentação e Saúde Escolar; reflexão sobre

violência baseada no gênero (VBG); Novos manuais; Estatística da Educação; Educação

Ambiental e Eficiência Energética.

Temas esses que os docentes e não docentes precisam e poderiam ser formados

para uma eficiente e exequível gestão das atividades da escola em toda a sua natureza e

dimensão. E também, como meio de proporcionar aos alunos, principalmente, aos

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menos favorecidos ocasiões para integrarem os conhecimentos, as capacidades, as

atitudes, os valores em situações complexas ou situações problemas. E se materializa na

revisão dos programas, organizados em torno de competências básicas definidas para o

efeito.

Tem-se ciência que toda a organização curricular é tão difícil quanto complexa:

requer a aplicação do que sabemos da natureza do conhecimento, do crescimento e do

desenvolvimento da infância e da aprendizagem. À medida que as bases teóricas são

incorporadas contraditoriamente, a tarefa da organização do currículo torna-se difícil e

menos coerente ao desconsiderar múltiplas e necessárias questões.

Ao considerarmos a planificação do currículo como uma “engenharia

educacional” tomamos ciência do quão problemático é adotar o método e postura

científica. O currículo contemporâneo é muito mais do que um conjunto de experiências

educativas, que uma estrutura de ensino e de formação oferece aos seus alunos. Trata-se

de um trabalho continuado, sistemático e permanente que envolve a investigação e a

teoria curricular. É necessário que nesse arcabouço teórico sejam incorporadas os

elementos circunstanciais; para isso, que se tenha ciência de que as circunstâncias não

ocorrem por acaso, mas sim porque são sistematicamente construídas. A persistência

dos estilos da prática é, em parte, o resultado da construção de circunstâncias

persistentes, conforme mencionado em Goodson, 2003, p.79, citado no documento

Governo de Cabo Verde54.

Algumas reflexões críticas feitas ainda em torno da formação baseada em

competências, da formação baseada em conhecimento e da formação baseada em

produção de conhecimentos são consideradas nos gêneros de textos (orais e escritos),

fundamentais para ensinar e aprender conhecimentos científicos e não científicos; um

dos pontos - chave de acesso ao século XXI. Neste sentido, semelhanças e diferenças

poderão ser notados entre o currículo de educação básica integrada (EBI – ES) formal e

do básico secundário e ensino secundário recorrente – de Jovens e Adultos, em Cabo

Verde.

Segue a título de exemplo, a nova reconfiguração do desenho curricular para

educação e formação geral de pessoas adultas em Cabo Verde – básico secundário e

ensino secundário recorrente.

54 GOVERNO DE CABO VERDE. Desenho Curricular de Educação e Formação Geral de Adultos,

produzido pelo Ministério da Educação e Desporto de Cabo Verde. Direção Geral de Educação e

Formação de Pessoas Adultas, abril de 2008.

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Quadro 18. Desenho curricular para educação e formação geral de pessoas adultas55

Competências básicas Áreas curriculares Ensino/formação Horas Créditos

Atuar autonomamente

Usar ferramentas interativamente

Interatuar em grupos heterogêneos

Laboral

Comunicação

(línguas e culturas)

Conhecimento

(natureza e

tecnologia)

Cidadania (ética e

sociedade)

Emprego (formação

e emprego)

Ensino 5 5

Trabalho individual 10 20

Tutoria 5 5

Trabalho de grupo 5 5

Trabalho

comunitário

5 5

Formação

profissional

5 5

TOTAL 30 40

Fonte: Dados coletados no livro branco intitulado Desenho Curricular para Educação e Formação Geral

de Pessoas Adultas. Cabo Verde, Ministério da Educação, 2008.

Os cursos de formação se desenvolvem por meio de módulos e tem como

fundamento o desenvolvimento de competências. A formação de tutores,

coordenadores, orientadores, gestores, diretores, animadores e educadores foram

realizados com base nesse novo modelo. Isto é, a temática e conteúdos de ensino e

formação foram elaboradas de acordo com essa nova proposta, ou seja, baseada em

competências. É no âmbito das competências básicas e de acordo com cada área

curricular que se propõem competências e habilidades a desenvolver e os respectivos

critérios de avaliação de conhecimentos.

É pensando no fato de que a escola constitui-se em um espaço e ambiente para

construir conhecimentos e saberes, e que nem a escola e nem o professor podem ser

substituídos, e que devido à emergência da ressignificação e requalificação profissional

de quem faz a formação, discussões, debates, diálogos, aprofundamento e

aperfeiçoamento cultural, crescimento pessoal e social, promoção e desenvolvimento

científico, intelectual, econômico e tecnológico, é que compreendemos ser necessária a

formação permanente e sistemática de professores.

Outro aspecto importante para expandir o campo de entendimento sobre o

trabalho docente no cotidiano das escolas foi a participação no II Fórum dos Professores

55 GOVERNO DE CABO VERDE.Ministério da Educação e Desporto.Direção Geral de Educação e

Formação de Pessoas Adultas. Grupo de trabalho. Cabo Verde, abril de 2008.

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Católicos de Cabo Verde que ocorreu de 15-16 de Fevereiro de 2014 na Cidade da Praia

sobre o tema: “A Escola e a Família: uma aliança necessária, professores e pais unidos

na educação da nova geração”.

Esse Fórum aconteceu no âmbito da comemoração do XX Aniversário da

Associação dos Professores Católicos de Cabo Verde (APC-CV). Os debates e as

reflexões críticas realizadas de acordo com os temas que constituíram os painéis

apresentados, também fizeram com que tivesse possibilidades de compreender um

pouco mais, sobre as preocupações dos professores em querer melhorar as suas ações,

atividades e tarefas docentes, em todos os níveis de ensino – infantil ao superior.

Entretanto, olhando as condições em que algumas escolas se encontram e como

os professores estão se organizando para exercer a docência, permitiram que colocasse a

referida pergunta.

Todavia, entende-se que os preceitos, os desafios e as perspectivas colocadas

pelo Estado de Cabo Verde devem poder compreender que a escola, o professor, os pais

e encarregados da educação, as comunidades e, particularmente, a sociedade em geral,

que a praticidade e o desenvolvimento de todo o processo de educação de formação

precisam estar abertos às novas tendências, necessidades e expectativas. E, sobretudo,

os avanços em todos os níveis e camadas sociais forçados pelas tecnologias e

comunicação e, que colocadas nas mãos de todos e todas, instrumentos e ferramentas

pelas quais precisam ser geridas, administradas e utilizadas num exercício constante e

permanente de sabedoria e da inteligência racional.

Para o efeito, todos e todas precisam se informar, formar e formar-se para que

possam potencializar os necessários e indispensáveis conhecimentos úteis e credíveis à

vida e para vida. Ou seja, precisam ser ensinados para aprender a utilizar os recursos

disponíveis com a devida equidade, inteligência e sabedoria.

Deste modo, tanto o professor quanto os pais têm a tarefa de aprender a conviver

com as mudanças e transformações de toda a natureza, nível e âmbito sociais, culturais

econômicos, políticos e espirituais. Os painéis apresentados e os debates realizados em

torno dos textos e das colocações dos participantes permitiram visualizar que, com

muita frequência, os pais e os professores discutem, expressando seus sentidos,

emoções e angustias por não estarem sabendo “ser mãe/pai”, “ser professor/professora”.

A questão é saber se tiveram momentos e espaços em que poderiam e deveriam

questionar o porquê? Compreender o que está subjacente a essas dificuldades e

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limitações em serem bons pais e bons professores, ou ainda, perguntar-se se na verdade

existem bons pais e bons professores.

Entretanto, compreendemos que “ser bons pais” e “bons professores” jamais e

nunca foi, nem é e nem será uma tarefa fácil. Tudo precisa de informação, de

conhecimentos, de comunicação, de experiências e práticas, isto é em exercício do “ser

algo” – mãe, pai, professor/a. A formação inicial por si só não dá conta daquilo que se

possa considerar serem bons pais e bons professores. Ela precisa apreender em exercício

da ação, de atividades e de tarefas do “SER” e não do “Estar professor”. O “Estar”

professor dá ideia de estar estacionado, estagnado, estabilizado, parado, etc.

Mas o “SER” de que falamos, se constrói num trabalho de questionar sempre

sobre tudo que faz, diz e pensa. Num trabalho de análise e de reflexão sobre a prática do

“SER”, do ser algo. Significa então dizer que o “ser melhor” se constitui e se

consubstancia no exercício permanente e continuado de experiências, de práticas de

trabalhos de conhecer e conhecer-se num trabalho de interação, de articulação, de

partilha, de socialização, sobretudo, de um trabalho continuado de análise e reflexão

sobre o exercício da prática diária, que surge do processo de ser algo – pai, mãe,

professor educador.

Será que é nesse contexto que se pode pensar e/ou refletir sobre a educação e

formação ao longo da vida, que tanto se pede hoje e questionado por alguns? Em nosso

entender, acreditamos que ser bom, ou melhor, é um exercício que se dá ao longo da

vida, começa com a vida e continua. Por isso, pode-se considerar ser um bom professor,

aquele/a que nunca abandona seus alunos, que acompanha, segue, orienta, ajuda, e faz

questão que eles aprendam e aprendam para a vida em todos os estágios, etapas, em

todas as suas dimensões, natureza, gênero e níveis de vida pessoal, familiar, grupal,

social – acadêmico e profissional.

O professor precisa procurar participar e colaborar na sua formação e se formar

sempre para que saiba com muita equidade, inteligência e sabedoria, ensinar os seus

estudantes para aprender conhecimentos.Os currículos precisam poder preparar os

educadores, professores e animadores em questões históricas, científicas,

epistemológicas, culturais, sociais, econômicas, políticas, para desenvolver o seu “ser

professor/a”, ou seja, o trabalho docente, em contexto de mudança e transformação.

É fundamental, ainda, formar-se em nível das ciências da educação que

potencializa questões didáticas, pedagógicas para a significativa preparação de um

planejamento de sua atividade docente. E, importante será também a produção de

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recursos condizentes com os temas e conteúdos da aprendizagem, e, principalmente,

pensar os mecanismos e estratégias metodológicas de desenvolvimento dos processos

de ensino e da aprendizagem de modo a que o professor possa organizar os processos de

avaliação formativa e formadora tanto do próprio trabalho, dos seus estudantes e de toda

a temática e conteúdo, e recursos produzidos para reconfigurar, dinamizar e

ressignificar a ação educativa.

Nos parágrafos anteriores referimos que em Cabo Verde, se valoriza mais a

formação continuada, aquela que se “baseia em competências”, que também foi

conceptualização, segundo a proposta de modelos de formação utilizados em alguns

países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) e que Cabo Verde

adotou como fundamental para formar educadores, monitores, animadores e professores

– toda a equipe da escola -.

Alguns dos temas e conteúdos que constituíram os módulos de formação foram

estruturados e organizados em materiais impressos, como é o caso dos cursos

presenciais, semipresencial e a distância que a Direção Geral de Educação e Formação

de Adultos realizou, e, outros foram publicados em cadernos pedagógicos, brochuras e

organizados em livros.

A concretização foi consolidada por meio de um conjunto de atividades de

aplicação muito prática já preparadas para facilitar a discussão e participação ativa dos

formandos. Por outro lado, foram também, realizadas olimpíadas de matemática no

desenvolvimento curricular, buscando saber quais as lições que daí decorre para a

formação continuada dos professores em Cabo Verde.

Os módulos que constituíram a área de formação, supervisão pedagógica e

currículo foram: refletir sobre a prática; tornar-se professor reflexivo; a planificação; a

violência e a escola; o professor e a ação reflexiva; as inovações pedagógicas; a

avaliação e os processos de ensino e de aprendizagem e o portfólio como instrumento de

autorregulação da aprendizagem.

Entendemos que esses módulos são interessantes porque podem auxiliar os

professores na organização e na gestão dos processos de ensinar a aprender

conhecimentos, bem como na melhoria de algumas atitudes, valores presentes na

vivência e convivência educativa e formativa.

Os princípios gerais que nortearam a elaboração do plano de formação

continuada de professores buscaram a adequação da formação as necessidades da

sociedade, a participação do professor no processo de formação; a formação baseada

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nas necessidades dos professores; a formação a partir da realidade dos professores; o

saber científico e pedagógico; a experimentação e reflexão e, a formação integrada e

sequencial, bem como o papel dos formados na consolidação e no aprofundamento

desses conhecimentos e práticas.

Um dos primeiros módulos da formação continuada a ser concretizada foi a

Planificação. Este módulo pretendeu levar o docente a compreender a importância da

planificação para a optimização dos processos de ensino e de aprendizagem, por um

lado, e por outro, levar o professor a desenvolver alguns dos seus conhecimentos sobre

cada um dos planos mais utilizados em educação, bem como compreender as

possibilidades de articulação entre os vários tipos de planos educativos.

Conforme citado anteriormente, toda a formação continuada baseou-se

desenvolvimento de competências. Por isso mesmo, em todos os módulos se destacam

as competências a desenvolver. O módulo, Planificação das competências a desenvolver

foram as seguintes: desenvolvimento das habilidades de planificação (principalmente no

que concerne aos planos de curto prazo); integração dos diversos planos, com vista à

realização de uma planificação mais cuidada, integrando atividades a serem

desenvolvidas mais a médio/longo prazos. A formação neste módulo durou 2 a 4 horas.

Os temas foram fundamentados em questões sobre a eficiência e eficácia do

professor, considerando que o ensino deve antes ser considerado em relação a um

professor determinado, lidando com determinados alunos, num determinado ambiente,

enquanto procura determinadas metas de ensino.

Doravante os termos eficácia e eficiência estão mais relacionados com questões

de empreendedorismo, a justiça, a exatidão e padronização, entre outros. Num trabalho

de formação continuada de professores, no exercício da docência não nos parece tão

fácil medir a rapidez e lucro do que se ensina e do que se aprende, com muita facilidade.

Compreende-se aqui que a educação não deveria ser entendida apenas sob o

ponto de vista econômico, custo-benefício, o lucro imediato. Compreende-se que é um

trabalho mais complexo, duradouro, expresso no que se quer implementar que é

“educação e formação ao longo da vida”, mas que acrescenta “para a vida” acadêmica e

profissional, isto é o mundo de trabalho, conhecimentos, ciências e tecnologias da e na

contemporaneidade.

Alguns autores serviram de referência para definir e clarificar conceitos nesse

módulo, como Damião (1996, p.68) mencionado em Serrasina e Portela (2011) ao

considerar que planificar é organizar as nossas ações para melhorar a competência, o

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nosso objetivo é refletir sobre a nossa ação, prevendo os elementos das competências

para efetivação. Sobre essa base se estabelece modelo com quatro etapas fundamentais

para o processo de planejamento.

Praticamente em todas as áreas e módulos são propostos os conceitos e as

competências a serem desenvolvidas e adquiridos. Os professores formados

estabelecerão o modo como irão providenciar aos alunos a informação adequada sobre

os conceitos e as competências em aquisição e considerarão as necessidades relativas a

materiais de apoio.

De igual modo propuseram-se os módulos, as competências, os conceitos que os

alunos deverão adquirir de forma articulada com as aprendizagens anteriores e, sempre

numa perspectiva de integração de diferentes componentes curriculares. Por último,

sugeriu-se que determinassem os dispositivos e os procedimentos de avaliação e

regulação.

Os documentos mostraram que para concluir este módulo foram feitos algumas

discussões sobre para quem e por que planificar: aluno, escola, professor, sociedade. No

final, foi organizado um trabalho de análise e reflexão sobre a classificação de objetivos

– gerais e metas ou finalidades educativas, gerais e específicos, de disciplina, também

foram tema de formação contínua. Estas foram realizadas de forma integrada e

articuladas aos demais módulos.

O segundo módulo foi sobre “Violência e a escola”, teve como objetivo de

formação dotar os formandos sobre algumas noções de competência relativas à escola,

para que possam desenvolver e poderem agir no combate à violência na sua escola.

Assim sendo, levar o docente a conhecer e aprender a conviver ou a viver juntos como

forma de superação identificando os principais tipos de competência escolar e

analisando algumas •competências para sua superação.

As competências a desenvolver neste módulo têm a ver com reconhecimento do

trabalho colaborativo (interação entre a escola e comunidade) para superação da

competência na escola; dinamização de ações de sensibilização para toda a comunidade

educativa e construção de um conjunto de medidas a serem implementadas na sua

escola, para minorar a competência existente na mesma.

Este módulo também constitui um dos cursos realizados pela DGEFA no âmbito

do projeto ECCA- Canárias -. O curso intitula-se “Convivência na escola”. Um curso

abrangente com temas e conteúdos importantes para a formação de professores. O curso

que possibilita desenvolver competências em vários domínios e áreas do saber –

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destacando comportamentos, atitudes, valores educativos e formativos a serem

dinamizados, aprofundados e aperfeiçoados entre professores, entre alunos e

professores, entre alunos, entre a escola e comunidade acadêmicas – docentes e não

docentes – intensificando a relação e a articulação escola, família e sociedade.

O curso proporciona a professores e alunos, e toda a equipe da escola a

possibilidade de melhorar, mudando e transformando sua ação, sua intervenção humana,

na natureza e no ambiente. O curso foi também organizado por módulo, mas sua

operacionalização foi semipresencial, ou seja, articula e integra material impresso, aulas

radiofônicas e sessões de tutoria.

O terceiro módulo da formação contínua foi sobre a temática “O Professor e a

ação reflexiva”. Esta visava essencialmente desenvolver e aprofundar algumas

competências para a intensificação da competência (individual e com os pares, nos

grupos de coordenação e na aula).

Esse módulo se propõe desenvolver as seguintes competências: criar hábitos de

reflexão diária antes, durante e após o desenvolvimento da aula; instigar os estudantes a

desenvolverem uma autorreflexão sobre o seu desempenho na aula; promover a partilha

de experiências, como meio para a reflexão, nas reuniões de coordenação, com vista a

recolha de contribuições que possam ajudar a minimizar algumas dificuldades. No

desenvolvimento dessas competências destacou-se a reflexão educativa, política,

epistemológica e interdisciplinar, e a reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão

sobre a reflexão na ação.

Este módulo de formação pretende proporcionar aos formandos os

conhecimentos necessários para que possam compreender o que são inovações

pedagógicas, qual a sua importância no exercício das suas práticas e sensibilizá-los para

a integração (gradual), no exercício da docência, em atividades e sugestões de tarefas

integradoras.

O módulo “Avaliação e os processos de ensino e da aprendizagem” possibilitam

os formandos aprofundar os seus conhecimentos sobre os vários tipos e modalidades de

avaliação, seus objetivos e funções, bem como conhecer alguns instrumentos de

avaliação. Este módulo propôs-se a desenvolver competências da necessidade de

recorrer a práticas de avaliação alternativas às somativas, fomentado um

acompanhamento gradual das aprendizagens e dificuldades dos estudantes,

direcionando os docentes para uma prática mais consistente das competências e da

elaboração de atividades remediadoras.

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Essas práticas poderiam ser aprofundadas em conteúdos como as funções da

avaliação os tipos ou modalidades de avaliação, identificando e compreendendo o que

se pode avaliar os instrumentos de avaliação e algumas dificuldades e limitações

decorrentes destes processos.

O módulo “O portfólio como instrumento de autorregulação da aprendizagem”

surge na sequência do módulo sobre as inovações pedagógicas. Neste módulo se propõe

desenvolver competências em dinamização das práticas letivas e como meio para a

reflexão em educação. E, por conseguinte, também, desenvolver as principais

competências para a construção de um e-portfólio.

Os conteúdos do módulo foram os seguintes: inserção ao novo mundo de

conhecimento tecnológico e a descoberta de novas dimensões de outras áreas

científicas; economiza o tempo e facilita o acesso às informações a qualquer hora e em

qualquer lugar; levar a um intercâmbio de ideias, informações e conhecimentos que nos

levam a uma melhor integração e interação na sociedade e no mundo; e, estímulo a

transformação da nossa sociedade.

Estes aspectos permitem estar sempre em sintonia para com a atualização e

acompanhamento das mudanças tecnológicas a cada dia independentemente da

reordenação nas relações entre o espaço a temporalidade (local, regional, nacional,

global).

Os participantes foram professores que estavam fazendo a formação em

exercício, que lecionam do 1º. ao 9º. ano, do ensino básico e secundário. A metodologia

utilizada foi aplicação de práticas proativas, utilização de ferramentas das TIC para o

ensino e a aprendizagem; elaboração de portfólios; aplicação de questionários sobre os

conhecimentos em nível dos conteúdos aprendidos.

O Ensino da Matemática (EM) constitui outra área, cujos módulos de formação

contínua desenvolvidos são os seguintes: comparação entre dois procedimentos de

construção geométrica - instrumentos euclidianos e software geogebra - ; conceitos

básicos da teoria dos conjuntos. Um dos aspectos interessantes da formação contínua

incidiu sobre a gênese da matemática, o histórico das olimpíadas de matemática em

concomitante os comentários que surgem nesse domínio de conhecimento.

A definição, a concepção e construção de portfólio também foi objeto de

formação. Este instrumento é uma ferramenta importante para o formando acompanhar

a sua formação. Por meio de portfólio o formando pode avaliar e autoavaliar o que sabe,

o que não sabe e pode ainda saber, procurar saber e como aprender o que não sabe. O

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portfólio compreendido como um conjunto de documentos (trabalhos de pesquisa,

fotografias, trabalhos escritos, desenhos, exercícios, provas etc.), reunidos, por exemplo,

num dossiê, acompanhados de uma reflexão do autor e organizados tendo em conta os

objetivos que se pretendem atingir/desenvolver.

Sendo assim, o portfólio consiste em essência,de uma pasta individual na qual

são selecionados os trabalhos realizados pelo(a) aluno(a), no decorrer dos seus estudos

de uma disciplina, de um curso, ou mesmo durante alguns anos, como ao longo de um

ciclo de estudos. Pode ser uma oportunidade para selecionar todos os passos

preconizados pelo (a) aluno(a) ao longo da sua trajetória de aprendizagem.

Um portfólio permite construir, entre outros objetivos, o perfil acadêmico e/ou

profissional – professor, formador – do(a) aluno(a), refletindo sobre o ritmo e a direção

de seu crescimento, os temas de seu interesse, suas dificuldades e limitações e o

potencial a ser desenvolvido. Portfólio é uma área pessoal, podendo também pertencer a

uma instituição ou empresa, onde se pode disponibilizar qualquer tipo de informação.

Para além da área de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), nos

finais de 2013 foi realizado mais um curso de formação em exercício de professores.

Esta foi realizada graças ao Programa MUNDU NOVU proposto pelo Governo de Cabo

Verde. É uma ação da formação continuada de professores que atuam no ensino

secundário, proposto pelo Ministério de Educação e Ensino Superior (MEES) foi um

Programa de Formação em Tecnologias de Informação e Comunicação ao serviço do

ensino em Cabo Verde denominado - Mundu Novu.

O Governo diz que, por Excelência na Educação, o Programa “Mundu Novu” se

consubstancia na instalação de infraestruturas e equipamentos tecnológicos nas

comunidades educativas, na extensão da conectividade a todas as escolas, na

disponibilização on-line de serviços e de conteúdos de interesse educacional, no

desenvolvimento de um Portal para a Educação com espaços formatados para alunos,

professores e encarregados de Educação, e na generalização de um sistema de gestão

escolar inteligente com matrículas e certificados on-line. (GOVERNO DE CABO

VERDE. Programa do Governo, 2011-2016, p.41)

Este curso foi financiado pelo Programa IntelEnsino e tem como objetivo ajudar

a desenvolver as habilidades de pensamento crítico que os educadores necessitam para

colocarem em prática todo o seu potencial. A iniciação IntelEducação consiste em

vários programas destinados ao ensino de níveis básicos, médio e superior, assim como

a educação comunitária.

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O curso também foi organizado e operacionalizado em módulos de formação.

Cerca de doze módulos foram desenvolvidos neste Programa, a saber: desenvolver as

habilidades do século XXI; aprender informática básica e internet; estimular o

pensamento crítico e a colaboração; descobrir o processamento de texto; aplicar

processamento de texto; descobrir o multimídia; aplicar a multimídia; descobrir as

folhas de cálculo; aplicar folhas de cálculo; desenvolver abordagens do século XXI;

planificar e executar o seu plano de ação; rever e compartilhar o seu plano de ação.

O curso incide sobre o desenvolvimento de competências que ajudam a

desenvolver as habilidades de pensamento crítico que os educadores necessitam para

porem em prática todo o seu potencial. O curso foi realizado em Novembro de 2013. Os

participantes do curso foram professores de todas as áreas disciplinares, cujas formações

são de bacharel, licenciatura, mestrados e de cursos técnico profissional. O curso durou

15 dias e decorreu durante duas horas diárias perfazendo um todo de 30 horas.

O material utilizado no curso foi um manual disponibilizado aos professores

contendo os temas, conteúdos e atividades a serem realizadas do longo da formação.

Avaliação foi feita por meio de atividades e tarefas em grupo e apresentação de um

plano de ação no final do curso.

Os relatórios trazem opiniões de alguns professores, participantes do curso.

Entenderam que o mesmo poderia ser realizado em outro momento, nas férias, e ou em

horários diferentes por apresentar conteúdos complexos que constituíram os módulos. O

tempo era insuficiente para ensinar, aprender e desenvolver competências e atividades.

E, por outro lado muitos professores participantes do curso nunca utilizaram o

computador e nem tiveram acesso ao computador pelo menos durante o curso. Na

escola onde trabalham não existe computador e sequer têm em suas casas.

Um dos aspectos interessantes é que foram juntando numa mesma sala de

formação, professores que sabem manipular muito bem as novas TIC, e professores que

nada sabem utilizar o computador. Essa mistura de professores facilitou por um lado a

interação e a articulação, num trabalho de interajuda, por outro, os professores que têm

o domínio do computador não puderem apreender algo novo que pudessem permitir

avançar um pouco mais em TIC.

Os professores que participaram pela primeira vez precisavam de uma formação

inicial. A formação ocorreu como se todos conhecessem e dominassem o TIC do

mesmo jeito. E, os que foram pela primeira vez e que precisavam receber ajudas e

orientação não puderam tê-la de maneira coerente e, por conseguinte, tiveram pouco

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tempo e disponibilidade para aprender a usar o computador na ótica do utilizador, ou

seja, questões básicas.

Por isso, um trabalho de formação inicial e continuada deverá ser organizado de

modo a permitir que os participantes que nunca passaram para um curso (inicial)

daquela natureza pudessem adquirir conhecimentos, saberes e práticas básicas e os que

tiveram esses conhecimentos e puderem aprofundar naqueles conhecimentos e práticas

que já possuem e desenvolver e aperfeiçoar outras em outros domínios. Do mesmo

modo poder-se-ia organizar manuais, textos e materiais que servissem para os

participantes que irão fazer a formação inicial e para os que irão fazer a continuada.

Talvez fosse mais proveitoso para que os participantes pudessem sentir-se mais

desafiados na análise de informações, na colaboração e na comunicação de ideias

fundamentadas em conhecimentos, utilizando um conjunto de tecnologias, levando

esses conhecimentos à sala de aula, aos seus alunos que serão os beneficiários mais

importantes.

O que propõe o Governo para o novo milênio pressupõe um novo currículo para

todos os níveis de ensino e uma nova proposta de conteúdo para a formação de toda a

equipe da escola. Necessário será ainda, para que se possa responder ao que o próprio

Governo na sua Agenda Estratégia que é “regular o sistema do ensino superior,

garantindo a qualidade e a relevância das formações; formular e implementar um

sistema de acreditação e de controlo de qualidade estruturado e robusto para o ensino

técnico e universitário”.

Uma das possibilidades também apontada é viabilizar o acesso ao crédito para

formação superior e profissional; desenvolver o ensino à distância nas universidades,

estabelecimentos de ensino técnico e centros de treino e formação profissional em redes

nacionais e internacionais; facilitar a aprendizagem ao longo da vida e implementar

programas para o “aprender fazendo” e a formação em exercício; apoiar a investigação

científica e a articulação entre a empresa e a indústria, escolas técnicas e universidades;

criar um fundo para a formação industrial.

Pareceu-nos pertinente um currículo diferenciado que possa não só formar

professores e técnicos, mas também para formalização de estágios de acesso, formações

internas e aprendizagem em exercício para incentivar o desenvolvimento das

competências essenciais para a agenda de transformação. Neste sentido o programa

estratégico propõe investir em programas que visem trazer para ilhas, cabo-verdianos

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quadros qualificados na diáspora, por períodos de curta e longa duração (GOVERNO

DE CABO VERDE. Programa do Governo 2011-2016, p.13).

A pergunta e compreender como essa nova configuração do Estatuto Pessoal

docente poderão possibilitar a avalanche de professores animadores e educadores

potencializando-os, requalificando-os para um trabalho docente mais dignificante e

ressignificante tanto nos aspectos de formação quando na ação e tarefas de articulação

teoria-prática no cotidiano das escolas?

O capítulo permitiu construir um entendimento sobre os avanços tidos na

formação de professores por um lado, e por outro visualizar as fragilidades, as

debilidades dessa formação no trabalho docente, e, sobretudo na articulação teoria-

prática. Entendemos ser processo complexo, mas gratificante que constitui uma

oportunidade de promovermos diálogo entre a formação inicial e continuada de

professores e trabalho docente em Cabo Verde, versando sua relação e articulação

teoria-prática.

Tentamos construir por meio de alguns documentos oficiais do Governo, das

diretrizes e das políticas públicas direcionadas para a formação de professores, que

tivemos acesso, bem como alguns planos de estudos, programas, projetos, currículos,

relatórios, planos de aulas, um painel que nos permitiu ampliar e aprofundar o nosso

conhecimento de como está sendo planejada e desenvolvida a relação e articulação

teoria-prática. Para o efeito passamos a análise da nossa pesquisa, que tem como

referência tais documentos, considerados por um crivo de estudo intensivo e

aprofundado.

A análise da pesquisa, que a seguir apresentamos, procura atender aos objetivos

anteriormente definidos. Por meio dessa análise procedemos a algumas reflexões

críticas no sentido de favorecer a coerência e a integração dos fundamentos teóricos

com alguns eixos implícitos na pesquisa. Os eixos construídos permitem o

aprofundamento da nossa análise, acrescida da menção de alguns desafios e

perspectivas do Governo concernentes às políticas públicas e diretrizes direcionadas à

formação de professores em Cabo Verde, na contemporaneidade.

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171

CAPÍTULO 4

ANÁLISE DA PESQUISA

Nesse capítulo, construímos a nossa análise com base nas reflexões sobre as

políticas públicas de formação de professores em Cabo Verde. Retomaremos alguns

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aspectos que entendemos ser pertinentes e que poderão contribuir para algumas

mudanças e transformações na educação e na formação de professores em Cabo Verde.

Nessa análise, trazemos também alguns relatos de práticas e experiências de

formação inicial e continuada desenvolvidas no âmbito de alguns programas de

parcerias e convênios com o Governo, sob a orientação do Ministério da Educação e

Ensino Superior,em Cabo Verde.

Destacamos alguns eixos de análise que nos orientam a perceber como essas

políticas e diretrizes estão estruturadas e organizadas de modo a possibilitar uma

funcionalidade, de forma responsável para o “sistema educativo”, realçando a formação

de professores, o trabalho docente e a articulação teoria-prática.

Os eixos, que a seguir destacamos, têm a ver com o problema e os objetivos da

pesquisa, anteriormente definido, e alguns resultados conseguidos durante o estudo. São

eles:

a) Formação de professores em Cabo Verde: elemento fundamental para

desenvolver a educação, ensino, aprendizagem e produção de novos de

conhecimentos e saberes múltiplos e diferenciados;

b) Currículo e formação de professores: qualidade e consistência da formação

inicial e continuada na contemporaneidade;

c) Trabalho docente: funcionalidade e exequibilidade na relação e articulação

teoria-prática no cotidiano das escolas em contextos de mudanças e

transformação.

Mediante esses eixos de análise tencionamos desenvolver o diálogo, o

entendimento e a compreensão de alguns avanços verificados na esfera da educação e

formação em Cabo Verde, bem como, as modalidades de formação e sua articulação

com os contextos e situações reais e concretas do cotidiano das instituições de ensino,

educação e formação.

Os eixos podem também possibilitar uma visão mais clara e ampliada das

debilidades, fragilidades e incongruências que o estudo bibliográfico e análise

documental puderam demonstrar.

Da análise, pudemos perceber algumas perspectivas e desafios que Cabo Verde

precisa enfrentar e, por conseguinte, buscar com muita dedicação, alternativas

significativas e congruentes com a realidade concreta, principalmente com intensa

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persistência, para fazer prosperar o país no que concerne à formação e ao

desenvolvimento humano, na atualidade.

Os eixos de análise, como referido anteriormente, foram selecionados de acordo

com o problema, os objetivos, inicialmente definidos e as metodologias propostas para a

pesquisa.

4.1. Eixo 1. Formação de professores em Cabo Verde: elemento fundamental para

desenvolver o ensino, a aprendizagem e apropriação de conhecimentos e saberes

múltiplos e diferenciados

Nesse primeiro eixo apresentamos, de forma geral, os diferentes aspectos que

entendemos como importantes para a análise e reflexão crítica. Nessa discussão

evidenciamos nossa compreensão a respeito das formações que vêm sendo realizadas

em Cabo Verde, sua dinâmica e implicações e, particularmente, das constatações

obtidas no decorrer das leituras dos documentos oficiais e relatórios nos quais os

professores, educadores e animadores se posicionam perante o que as instituições

educativas e formativas nominam por “formação de qualidade.”

O estudo evidencia que a formação de professores em Cabo Verde, de acordo

com os documentos oficiais do governo, se estrutura e organiza preponderantemente,

em função da formação inicial. No entanto, algumas experiências voltadas à formação

continuada vêm sendo realizadas há algum tempo, por diferentes instituições de

formação no país.

A formação inicial é realizada em instituições de ensino privada e do estado. Ela

pode acontecer dentro e fora do país, dependendo das possibilidades econômicas e

financeiras dos formandos e das condições exigidas pela instituição que oferece a

formação; alguns documentos mostram que a formação inicial e continuada podem ser

realizadas, atualmente, por meio da modalidade presencial, semipresencial e/ou ainda, a

distância.

Entretanto, existem constrangimentos, debilidades e dificuldades de ordem

estrutural, conjuntural, político, econômico, administração, de gestão e, sobretudo de

ordem cultural e financeira que vem limitando, de certa forma, o entendimento sobre o

educar, ensinar, formar, mudar e transformar. Mesmo assim, tenciona-se proporcionar o

desenvolvimento integral do humano e da mulher em sua convivência com a sociedade

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com e em todas as suas dimensões e complexidades da vida e ação. Tais limitações têm

dificultado a incorporação da relação, articulação e intercomunicação entre as atividades

acadêmica e profissional com o mundo de trabalho.

A nossa preocupação em valorizar o estudo focado em reflexões e análises sobre

as práticas das práticas do contexto da educação e formação, enfatizando alguns

aspectos do cotidiano das escolas e, particularmente do exercício do trabalho docente

levou-nos anteriormente, a definir como objetivo da pesquisa, compreender a formação

inicial e continuada de professores em Cabo Verde em contexto de mudanças.

Essa preocupação deve-se ao fato de que qualquer ação na esfera da educação e

da formação, constitui-se em operação desafiante, de busca permanente e sistemática de

novos desafios, de novas práticas e de novos conhecimentos e saberes, em resposta à

complexidade de “formar e se formar”. Deparamo-nos, no entanto, que nem sempre são

ofertados cursos de formação inicial, formação continuada, ou ainda, de especialização

e de formação profissional e/ou técnica.

Quando o professor completa um ciclo de formação, tende a se considerar como

preparado para enfrentar a sala de aula.No entanto, quando se concretiza a docência, já

o contexto não é, certamente o idealizado – não é possível adotar determinada

metodologia e estratégia, não é o mesmo público, as exigências são múltiplas e

diferenciadas, os métodos, as técnicas e as tecnologias são questionáveis, o ambiente, o

espaço, o clima e a cultura da escola são obscuros, existem regras, leis, regulamentos

que aparentemente são inatingíveis – não se pode modificar, “é preciso apenas que seja

cumprido o proposto – ; as ferramentas e os instrumentos de trabalho docente, por

vezes, não se coadunam com o entendimento de um currículo, um plano de estudo, de

um programa ou de um projeto político - pedagógico de uma instituição educativa e

formativa.

Diante do exposto, resta-nos perguntar: que tipo de educação e formação se faz

necessária para atender às essas preocupações e complexidades e que permita cada um a

se instrumentalizar para o enfrentamento dos novos desafios? O mundo contemporâneo

exige e pede de nós uma reflexão desapaixonada sobre as práticas do professor, em

contextos diferenciados e, principalmente em questões relacionadas com os processos

de ensinar e de aprender. Nóvoa (2007) já afirmava que,

[...] o desafio é a formação mais centrada nas práticas e na análise das

práticas. A formação do professor é, por vezes, excessivamente

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teórica, outras vezes excessivamente metodológica, mas há um déficit

de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas,

de saber como fazer. É desesperante ver certos professores que têm genuinamente uma enorme vontade de fazer de outro modo e não

sabem como. (NÓVOA, 2007, p. 14).

Tais desafios nos fizeram constituir e pensar sobre o nosso problema de pesquisa,

questionando sobre qual o impacto das políticas públicas e das diretrizes do Governo

em matéria de formação inicial e continuada, sob tutela do Ministério da Educação, que

é exercido no processo de formação de professores, no trabalho docente, na ação da

equipe pedagógica, mais especificamente, no desenvolvimento da articulação da relação

teoria-prática?

Os efeitos esperados e desejados das políticas públicas e das diretrizes do

governo que se desenvolvem e se constroem em processos e nas práticas de ensinar a

aprender conhecimentos e saberes, tanto em aspectos educativos, quanto em aspectos

formativos são limitados, fazendo com que os professores se sintam fragilizados e com

dificuldades para enfrentar os diversos níveis e âmbitos de suas ações docentes.

Tomando por base o levantamento efetuado nos documentos oficiais

disponíveis, os relatos, as experiências constatadas e questões do estudo bibliográfico, é

que destacamos, a seguir, algumas das dificuldades e condições restritivas presentes no

campo da educação e formação:

a) fragilidade e debilidade das políticas e diretrizes do governo com relação à

formação continuada de professores que poderiam fortalecer na reorganização e

requalificação do trabalho docente e da articulação teoria-prática;

b) os projetos, programas, currículos e planos de estudos colocados à disposição

das escolas, muitas vezes, estão e são desarticulados do contexto histórico,

político, social, econômico, cultural e da realidade científica atual e concreta;

c) existe alguma inconsistência e incongruência da formação de professores,

principalmente, a formação continuada que poderia dar acesso e oportunidade de

os professores atualizarem seus conhecimentos e práticas acadêmicas e

profissionais;

d) alguns relatórios descrevem a inexistência e ou a inadequação de recursos

necessários e fundamentais para o desenvolvimento do trabalho docente.

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Referimo-nos aos mais tradicionais – quadro negro, carteiras, mesas e bancos,

condições mínimas para se desenvolver o processo de ensinar a prender;

e) limitações e ausência de pesquisas sobre as práticas de sala de aula que

possibilitariam a observação e verificação do desenvolvimento da articulação

teoria-prática. Essas pesquisas poderiam contribuir e subsidiar de alguma forma,

na reconfiguração dos currículos e programas, tanto da formação dos próprios

professores quanto ao planejamento de suas aulas, visando o aprimoramento e a

ressignificação da própria prática; ou seja, tornar a ação educativa e formativa

mais dinâmica, renovada e inovada.

f) alguns relatórios mostram que reuniões de coordenação e planejamento didático-

pedagógico se transformam em uma listagem de conteúdos a serem ensinados e

aprendidos sem que se questione “como” e “para que”;

g) de igual modo, os professores reclamam pela ausência ou inadequação das

visitas de acompanhamento e orientação didática e pedagógica, em suas práticas

na sala de aula; particularmente, aqueles que depois do estágio sentiram e viram

consolidadas a sua “independência dependente”. Mais claramente, o que se quer

dizer é que terminado o estágio, o professor é conduzido para a sala de aula para

trabalhar com seus alunos sozinho, independente, sem o orientador do estágio.

Mas, o que se sugere é que, mesmo depois do estágio, o professor poderia ainda

continuar a ser acompanhado (“dependente”) até desenvolver a sua prática

pedagógica de forma mais autônoma.

h) Na eventualidade da ocorrência de visitas, a periodicidade e a duração destas

assemelham-se às de uma supervisão e/ou controle administrativo, distante de

uma situação promotora de uma real gestão didática e pedagógica em que

deveriam ser analisados os conhecimentos e conteúdos desenvolvidos, bem

como a relação ensino-aprendizagem com seus desdobramentos e

questionamentos.

No fórum realizado pela Associação de Professores Católicos (APC) as mesmas

preocupações foram levantadas pelos professores, diretores, delegados, coordenadores,

animadores, educadores e orientadores.

É importante pensar que quando a própria equipe da escola discute

profundamente seus problemas e preocupações, na tentativa de oferecer um ensino e

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boa educação para os seus alunos, por decorrência, assinala como imprescindível o

estabelecimento de condições necessárias para alterar o quadro crítico que se encontra o

país, sobretudo no que diz respeito à formação, e às capacidades requeridas ao fazer

docente, em Cabo Verde.

Sendo assim, consideremos o discurso de alguns professores sobre suas

formações e seus trabalhos em salas de aula e relatos em documentos.

a) “[...] É notável a insegurança, fragilidade, as dúvidas no trabalho de

elaboração de sequências didáticas e/ou planejamento de conteúdo bem como

sua transposição didático-pedagógica em salas de aula com os alunos que

precisam aprender conhecimentos. Referem a transposição didática de

conhecimentos a ser ensinados que são explicitados nos currículos, programas,

planos de estudos, ou seja, os conceitos, as concepções científicas,

epistemológicas e pedagógicas”;

c) “[...] são diferenciadas as dificuldades na interpretação e no manejo dos

currículos, programas colocados à disposição dos professores”;

d) “[...] existe ampla falta de matérias mínimas para o professor desenvolver suas

aulas, ou seja, salas de aulas vazias, trabalho entre quatro paredes, com um

quadro que mal se pode ler o que está escrito ou o que escreve, e, carteiras,

cadeiras e mesas estragadas, entre outros aspectos”;

e) “[...] ausência da intervenção do Ministério da Educação em busca de soluções

alternativas para minimizar os problemas evidenciados pela equipe da escola,

sobre a funcionalidade da ação de maneira equitativa e eficiente dos

professores e do ambiente e espaço educativo”;

f) “[...] formação inicial e o estágio pedagógico são insuficientes e inadequados

para desenvolver a docência, por vezes, desarticulados a teoria e prática da

realidade concreta”;

g) “[...] formação continuada, pouco ou nunca é feita. Quando se faz se

desconhece os mecanismos e o perfil de seleção de quem participa e não

participa, e, quando acontece é defasada do contexto da prática escolar. Em

fim, os professores reclamam de muita teoria e pouca prática, alegando que – já

não sabemos ensinar mais”;

h) “[...] a formação ou encontro promovido pela instituição responsável, só

acontece em alguns momentos ou esporadicamente. E, por outro lado, quando é

feito, o que se denota é um “bombardeamento” de teoria, que em nada contribui

para dignificação da prática.”56

56 Discurso de um dos participantes do Fórum 2013.

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À título de exemplo, perguntam: o que sabemos fazer com uma turma

heterogênea (estudantes com necessidades especiais, que se desconhece a presença dos

pais ou encarregados da educação, que são usuários de drogas, álcool, etc.?) O que

sabemos fazer com estudantes de culturas, hábitos, preferência sexual diferenciados,

entre outros aspectos da vida social, cultural e econômica?

Já dizia Nóvoa (2007) que “os professores têm o corpo e a cabeça cheios de

teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como aquilo tudo se transforma

em prática, como aquilo tudo se organiza numa prática coerente. Por isso, tenho

defendido, há muitos anos, a necessidade de uma formação centrada nas práticas e na

análise dessas práticas”. (NÓVOA, 2007, p.14).

Com base nesse entendimento, precisamos de instituições, escolas, professores e

alunos mais fortes e competentes, mais acadêmicos, mais profissionais, precisamos

também ter um aparato organizacional, estrutural, econômico administrativo e de gestão

que funcione em todas as suas amplitudes e dimensões, com melhores condições e

perspectivas, tanto para equacionar os problemas educacionais, quanto para formar

formadores de professores para atuar em níveis e âmbitos diferenciados.

Outra questão em destaque é a mobilização de ferramentas e os instrumentos de

ensino, educação e formação que funcionem e que estejam disponíveis para que a

dinâmica de trabalho da formação seja renovada e inovada, no interior das políticas

públicas e as diretrizes. Do contrário, continuaremos com dificuldades em atender, por

exemplo, a educação especial com subsídios que permitam a inclusão daqueles que

abandonaram o sistema e/ou que se encontram fora do sistema.

Nesse primeiro eixo de análise apresentamos, de maneira geral, os diferentes

aspectos considerados pertinentes à discussão para melhor compreensão da dinâmica

dos processos formativos realizados no país e suas implicações. No segundo eixo, a

nossa análise enfoca a necessidade de retomar o currículo como instrumento e

ferramenta em construção permanente, que agrega paulatinamente, outros saberes e

conhecimentos que emergem de técnicas e tecnologias inovadoras, a possibilitar

integração e articulação entre a formação inicial e continuada, e, por decorrência,

promovendo requalificação do trabalho do professor, desenvolvimento de sua didática,

criatividade e dinamicidade em seu fazer.

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4.2. Eixo 2. Currículo e formação de professores: qualidade e consistência da

formação inicial e continuada na contemporaneidade

No decorrer do nosso texto, ao discutir também sobre alguns aspectos implícitos

e expressos nas bibliografias e nos documentos, entendemos proporcionar elementos

orientadores em direção a respostas ao nosso problema central de pesquisa.

A análise pode ser de fácil entendimento, se feita por meio de questionamentos e

reflexões. Por isso mesmo, esse eixo apresenta questionamentos que nos permitem

caminhar em busca de elementos possíveis e de alternativas para a melhoria da

educação e formação em Cabo Verde.

É imprescindível que currículos, projetos, programas e planos de estudo da

formação de professores sejam reestudados sob a lógica de questões e exigências da

atualidade até certo ponto, necessário para que as instâncias do acadêmico e do

profissional se articulem e dialoguem.

Das modalidades de formação inicial e continuada que vêm sendo realizadas em

Cabo Verde - a presencial, semipresencial e a distância -, interessa refletir sobre as

implicações epistemológicas, didáticas e psicopedagógicas que se fazem sentir em

contextos e situações diversificadas e diferenciadas, incluindo a situação geográfica do

país. Implicações essas, que em vários momentos do nosso estudo percebemos como

“perturbadoras” para garantir avanços e credibilidade do trabalho docente nas ilhas e

conselhos.

Como esses problemas foram interpretados e partilhados, socializados e

solucionados entre a instituição responsável pelo desenvolvimento dessas modalidades

de formação e os participantes estudantes? As tecnologias, os materiais impressos, a

metodologia de avaliação, a gestão do espaço e do tempo, o perfil do estudante

professor, como foram percebidos e considerados na organização, na estrutura e no

desenvolvimento, por parte dos estudantes da formação inicial e por aqueles estudantes,

já professores, agora, no processo de formação continuada?

Será que com base no espírito científico e didático-pedagógico, sob os quais o

curso foi pensado, as avaliações e certificações foram bem consignadas, responderam ao

concebido?; foram desenvolvidas considerando a realidade e contexto social da

educação,o cotidiano das escolas?

Certamente que não temos condições de abarcar todas essas questões, entretanto,

tencionamos, sim, por meio dessas reflexões, proporcionar espaços e ambientes de

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pesquisas sistemáticas e continuadas, visando melhorar a qualidade da educação e da

formação de professores.

Do estudo documental percebemos também, que em Cabo Verde, nos últimos

anos foram realizadas diversas ações, atividades e tarefas voltadas à formação de

professores, técnicos, animadores e educadores de infância, com a parceria e convênios

de várias instituições nacionais e internacionais.

Dessas, destacamos as ações de a) acompanhamento, o apoio, a orientação

didática e pedagógica feitos aos jardins-infantis, às escolas básicas e secundárias e aos

círculos de cultura da EJA; b) a elaboração de novos currículos e programas de

formação inicial, em exercício e continuado dos agentes educacionais e formativos; c) a

realização da avaliação dos formandos e desses programas.

É interessante constatar que em alguns discursos atuais, não é apenas a preocupação

de formar professores, mas, a formação de professores para serem docentes

pesquisadores. Parece-nos uma renovação que a Agenda Estratégia do Governo para

2016 fez emergir sobre a formação e o trabalho docente; afirmamos o termo renovação,

uma vez que os professores, tradicionalmente têm sido ‘preparados’ para ensinar,

sobretudo os conteúdos das disciplinas que lhes forem incumbidos.

Atualmente, o desafio apresentado na Agenda amplia-se na medida que, não se

trata de “apenas” exercer a docência, mas, sobretudo “ser docente pesquisador”, o que

pressupõe para esta condição, uma construção permanente e continuada. Se isso se

concretizar na prática, trará outra dimensão à ação dos docentes. Uma ação que implica

olhar para dentro do espaço e do ambiente educativo, um olhar de observador crítico

sobre as condições do fazer e do construir-se como docente, e, principalmente, descobrir

as necessidades educativas e formativas em seus próprios ambientes educativos. E,

quiçá se torne viável buscar caminhos alternativos para mudanças de abordagem e de

paradigmas de trabalho, de ação formadora e formativa.

A sala de aula é, e pode ser, transformada em espaço propício à pesquisa-ação. É

lugar onde o trabalho docente se transforma e muda de acordo com contextos, condição,

entre as quais, imprescindível ao desenvolvimento da prática da pesquisa-ação-reflexão,

em exercício da atividade docência.

O fato de o Programa do Governo expressar que a formação de professores,

diante do sistema de ensino proposto, terá de produzir condições ao desenvolvimento de

pessoas capazes de pensar não só sob a ótica do ‘local’, mas sim, sob a ótica de nação,

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que como um todo, necessita melhorar a formação de seus professores, nos diversos

níveis de ensino,implicado está a consideração da reconfiguração do trabalho docente.

Em Cabo Verde, muito embora, a formação continuada foi e é uma atividade

complexa, repleta de dificuldades e limitações, as razões subjacentes podem estar

alicerçadas à própria condição humana do país, cujo principal recurso econômico é o

turismo, associado às questões econômicas, financeiras e de ordem geográfica, esta

última, - constituída por ilhas -, cujo transporte é exclusivamente feito por via área ou

marítima.

Das leituras efetuadas, percebemos, por um lado, que algumas mudanças e

transformações ocorridas foram e são respostas às diretrizes publicadas nos documentos

oficiais do Governo, por outro, para buscar subsídios que contribuam para a extensão e

alargamento do ensino básico de 6 para 9 anos e, posteriormente, para 12 anos de

escolaridade, conforme propõe a Agenda Estratégia do Governo para 2016.

Exemplificamos, assinalando a experiência da extensão de 6 anos para 9 anos de

escolaridade básica, em curso, em duas ilhas do país e a experiência do ensino de

línguas – o Crioulo.

As atividades de formação, de acompanhamento às escolas e aos círculos de

cultura trouxeram à tona as dificuldades, limitações, barreiras e, sobretudo lacunas do

percurso formativo do pessoal docente e da equipe da escola. Podemos entender

também, o que a falta de uma formação sólida e eficaz faz no trabalho docente,

principalmente, na funcionalidade de todo o processo de ensino, e de gestão nas aulas e

das escolas.

Outra questão que denota atenção, constatada em nossa pesquisa, é a carência de

materiais didáticos e o vazio que o planejamento dos professores apresenta, assim como

a inatividade em termos do uso de recursos naturais e ambientes que serviriam para

dinamizar, enriquecer e fortalecer o trabalho docente.

É sabido que os problemas de formação são complexos. O próprio conceito e a

concepção da formação embutem uma natureza subjetiva. Vários autores buscam definir

e conceituar a formação e a formação de professores. No estudo bibliográfico

consideramos autores como: Tardif, García, Sacristán, entre outros, com seus pontos de

vista, definições e concepções. Da revisão de literatura, percebemos que as concepções

e conceitos a respeito de “formação” e “formação de professores” são importantes para

compreender que estas contemplam e se constituem por meio da educação, ao longo da

vida, pelo processo de ensinar e aprender conhecimentos e saberes que propiciam

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espaços ao diálogo, discussão de ideias e articulação e relação entre o acadêmico e o

profissional. Referimo-nos ao mundo de ciência, da técnica, da tecnologia e do trabalho,

que exigem formação permanente e continuada para “estar”, “ser” e “se constituir”

permanentemente, para com a natureza e o mundo.

Da formação de professores percebemos que o ensino de línguas constitui-se em

uma das maiores dificuldades. Frequentes questões são levantadas sobre o ensino da

língua e sua implicação em relação aos processos de ensinar e aprender. Algumas

escolas e instituições de educação e de formação ensinam a língua portuguesa aos

usuários de língua materna - Crioulo – como se estivessem ensinando ao usuário da

língua portuguesa.

Com base a esse eixo, currículo e formação de professores, qualidade e

consistência da formação inicial e continuada, entende-se ser oportuno considerar, mais

detalhadamente, as questões do Crioulo e o ensino de línguas. Percebemos como

coerente analisar essa problemática que vem dificultando e/ou limitando os estudantes

na aprendizagem e apropriação de conhecimentos na relação com o currículo de

formação de professores que ensinam línguas.

O fato de a formação inicial e a formação continuada de professores serem

estandardizadas e voltadas a atender, sobretudo as demandas de outro contexto como

Portugal, por exemplo, obstaculiza a apropriação de conteúdos e sua aplicabilidade e

funcionalidade, tanto na formação e o trabalho docente, quanto no cotidiano das escolas,

junto aos seus estudantes. Apesar de reconhecer as condições históricas reais de Cabo

Verde e, ao mesmo tempo, reconhecer a necessidade de interconectar e intercomunicar

com o mundo contemporâneo, parece-nos importante enfatizar e entender que se trata

de um país independente, assim como, dependente de importação de quase tudo que

consome.

Um dos problemas referidos em capítulos anteriores é a forma como são

ensinadas as línguas aos estudantes que, diariamente só falam o Crioulo, mas tem a

língua portuguesa como a língua de ensino e da aprendizagem de conhecimentos na

escola. Trata-se de um dos problemas mais sérios que a educação e formação enfrentam

hoje, em Cabo Verde.

A verdade é que o Crioulo que se pensava ser apenas uma língua oral, já vinha

sendo escrito, desde séculos passados, com olhares diferenciados no século XIX.

Existem textos – poesia, versos entoados -, com muita qualidade e significado, relatando

aspectos culturais, políticos, econômicos vividos na época da colonização. Hoje, é

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preciso compreender porque ela se tornou língua de comunicação oral e escrita, de

utilização formal.

A experiência que decorre do ensino básico em algumas escolas do país, com o

ensino do Crioulo confirma o quanto essa língua dispõe de recursos discursivos,

linguísticos e comunicativos para ser ensinada e aprendida como qualquer outra língua.

Ela pode e tem condições científicas e epistemológicas para ser estudada e apropriada

em seu aspecto de língua como conhecimento e de comunicação, e como instrumento de

ensino e aprendizagem de conhecimentos em disciplinas como: matemática, física

química, biologia, etc.

É interessante como só agora as políticas públicas direcionadas para a educação

e formação percebem o quanto o ensino da língua poderia ter avançado no domínio

linguístico, se tivesse valorizado as pesquisas desenvolvidas, em prol de contribuições à

comunicação formal.

Na década de oitenta, a Direção Geral de Alfabetização e Educação de Adultos,

propôs a experiência em três conselhos do país, desenvolvendo um projeto de

alfabetização bilíngue, que podia perfeitamente continuar no campo de pesquisa e o

ensino do Crioulo, não apenas na educação básica, mas, em todos os níveis de ensino.

Nessa busca de orientações e alternativas sobre o ensino do Crioulo continuamos

trazendo outros questionamentos e reflexões, ainda mais, quando se trata de currículos,

programas e planos de estudo para formar professores que ensinam línguas (crioulo,

português, francês, inglês e espanhol), que, por vezes, ignora-se que Cabo Verde é um

país no qual a língua portuguesa hoje, é utilizada praticamente,e apenas na comunicação

escrita, e, no cotidiano da comunicação os cabo-verdianos utilizam a língua crioula.

Bronckart (1999) afirma ser importante perceber que para ensinar e aprender

qualquer língua é preciso ter e desenvolver: a competência linguística ou gramatical; a

competência textual e discursiva; a competência semiótica; a competência estratégica; a

competência literária; e a competência sociolinguística. Para ele, só uma formação

sólida e de amplitude formação-ação-pesquisa-ação poderão proporcionar a articulação

e a relação teoria prática.

Os professores que se formaram em língua, literatura e cultura cabo-verdiana

estão ensinando a língua têm essa formação consolidada? Para o ensino do Crioulo, os

professores precisam desenvolver algumas competências específicas, assim como em

todas as línguas que fazem parte do currículo da formação em línguas.

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Reconhecemos as convicções da grande maioria, de que a universidade não é

para quem quer, mas sim para quem pode e tem condições; no entanto, interessa lembrar

que nenhum país avança se não tiver pessoas com qualificações acadêmicas e

profissionais para exercer determinados cargos e funções, que só a formação

universitária pode oferecer.

São muitas situações e preocupações que ocorrem no dia-a-dia nas salas de aula,

na educação básica, secundário e universidade. A situação linguística, por exemplo, tem

deixado marcas e lacunas, muitas vezes, de difícil solução. É fundamental exercitar um

trabalho reflexivo e de análise sobre os mecanismos, os instrumentos, os processos e as

práticas de ensinar, aprender e produzir conhecimentos em e sobre línguas, em Cabo

Verde.

É fácil detectar que toda a construção do pensamento e do raciocínio lógico do

cabo-verdiano é feita em Crioulo, na língua da sua identidade cultural e social. Reforça-

se a concepção de que o ensinar e o aprender a língua implica sempre em tomar

consciência de que a língua por si só já é um conhecimento, e como conhecimento,

precisa ser vista como instrumento e ferramenta de ensino e da aprendizagem de outros

conhecimentos e saberes. Isto é, utilizar a língua para ensinar a própria língua é utilizar

a língua para ensinar e aprender as outras ciências.

De 1975 até o momento da consolidação da independência de Cabo Verde,

avanços significativos já foram dados. O ano letivo 2013-2014 foi e será importante

para o ensino básico, como anteriormente referido, tendo em vista o início de trabalho

para o desenvolvimento de uma educação bilíngue.

Em outros países, por exemplo, o Brasil, o Acordo Ortográfico da Língua

Portuguesa está quase 100% implantado e segue avançando nos demais países. O

acordo busca unificar a ortografia entre os membros da Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa (CPLP). No mês de maio foi discutido, em Cabo Verde o projeto do

Vocabulário Ortográfico Comum (VOC) que consolida tanto o léxico comum, quanto as

especificidades de cada país de língua oficial portuguesa57.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é um tratado multilateral destinado

a unificar o uso do idioma português nos países da CPLP; foi assinado em dezembro de

1990 por representantes de Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique,

57 Disponível em: http://asemana.sapo.cv/spip.php?article101461&ak=1. Acesso em: 22 de setembro de

2014.

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Portugal e São Tomé e Príncipe. Em setembro de 2009, aconteceu a adesão oficial de

Timor Leste. (JORNAL A SEMANA, 14 jul. 2014).

Esse passo é muito importante para Cabo Verde. Por um lado, possibilita pensar

em novos programas de estudo sobre a língua, e, por outro, no desenvolvimento da

competência comunicação dos estudantes, permitindo, o que cotidianamente, se diz que

em Português “nos entendemos”, trazendo também, novas percepções sobre o ALUPEC

– Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana (o Crioulo) e, sobretudo

na busca de estratégias para ensinar e aprender a comunicar em Crioulo, em todas as

suas dimensões e complexidades.

Tudo leva a crer que as instituições de ensino já estão atrasadas no que concerne

ao ensino da língua Crioula, mesmo em relação à Guiné Bissau, cujo Crioulo falado é

parecido com o de Cabo Verde. É interessante notar que artigos de diferentes natureza e

âmbitos – didático, pedagógico e científico – podem ser acessados em Crioulo, assim

como, encontrar publicações em sites, livros, jornais e revistas oficiais de Cabo Verde e

de outros países.

Outro fato que nos fez alargar um pouco mais, sobre o ensino da língua Crioula

é que o dia 21 de fevereiro segundo a UNESCO se celebra o dia Internacional da Língua

Materna. O texto publicado foi traduzido na integra para o Crioulo de Cabo Verde.

Passamos a citar parte desse texto, com a tradução explicitada na nota de rodapé.

Mensajen di Diretora-Jeral di UNESCO58 linguas lokal na sidadania

global: enfoki na siensia, 21 di Fevereru di 2014. Kel li e 14º anu ki

UNESCO ku ses parseru, sa ta selebra Dia Internasional di Lingua

Maternu. Na mundu interu, dja nu organiza konferensias, konsertus, seminarius i otus atividadi pa realsa inportansia di diversidadi

linguistiku i di multilingismu.59.

São razões que nos levam a acreditar que, uma formação inicial consistente e

sólida proposta aos professores que ensinam línguas e, particularmente o Crioulo

permite que se aprenda a comunicar por escrito e oralmente. Por outro lado, pode servir

58 In:BOKOVA, Irina. Traduson di Marsianu nha Ida padri Nikulau Ferera. Disponível em:

www.facebook.com/marcianormoreira) fonti (na ingles).

Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002262/226238E.pdf 59 Mensagem da Diretora Geral de UNESCO: Línguas locais na cidadania global: enfoque na ciência, 21

de fevereiro de 2014. Este é o 14º ano que a UNESCO com os seus parceiros celebram o dia Internacional

da Língua Materna. No mundo inteiro, já foi organizado conferências, consertos, seminários e outras

atividades para realçar a importância da diversidade linguística e do multilíngue.[traduzido pela autora da

tese].

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para o professor dimensionar quando o aluno está estabelecendo comunicação em

português e quando está comunicando em Crioulo.

Significa que quando um professor pega um currículo, um plano de estudo ou

ainda um planejamento para ensinar as disciplina em Língua Portuguesa, ele ensino a

disciplina da Língua Portuguesa não ensina a disciplina em Crioulo, sem que tenha

qualificação para o efeito. Portanto, não continuar a ensinar a disciplina da Língua

Portuguesa em Crioulo.

Não é fácil, mas é preciso ter a coragem, dignidade e responsabilidade científica

e linguística para perceber o relato de uma das aulas de físico-química. Nessa aula se

observou que o processo e prática de ensino essa disciplina eram feitos em Crioulo,

apensar dos conteúdos estarem escrito num manual didático em língua portuguesa.

Seria diferente se o professor dessa área tivesse a formação nessa língua e

pudesse ensiná-la com muita confiança, convicção e consistência e, sobretudo com

muita segurança e autonomia, porque recebeu formação nesse nível de comunicação

(oral e escrita), domínio Crioulo, para ensinar a físico-química em Crioulo.

Em vez de o professor ensinar a físico-química utilizando o Crioulo justificando

que os estudantes participam mais e aprendem melhor, e de ensiná-la com medo se

chegar a Inspeção Geral do Ministério da Educação e criticá-lo, poderia receber a

formação e ensinar a disciplina em Crioulo, com vontade plena, porque tem domínio

dessa língua, tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita.

Se bem analisado o Estatuto Pessoal Docente em Cabo Verde, descrito no

Capítulo III, do seu artigo 7°, diz que a formação do pessoal docente se desenvolve de

acordo com os princípios orientadores constantes do n. 1, do artigo 55, da Lei n.

103/III/90, de 29 de dezembro de 1990. Nessa Lei, em seu Artigo 8° se expressa a

concepção da formação do pessoal docente dizendo que compreende a formação inicial

e a formação contínua previstas, respectivamente, nos n. 2 e 3 do artigo 56 e no artigo

59, da Lei de Bases do Sistema Educativo.

Desde 1990, fala-se sistematicamente em uma política de desenvolvimento de

formação inicial e continuada para todos educadores, técnicos e os professores do

“sistema educativo”. O novo plano curricular que está em curso poderia perfeitamente

ser revisto particularmente, as disciplinas que constituem as áreas de línguas, literatura,

cultura e comunicação, e propor um plano de formação continuada. Seja os professores

que estão em exercício de funções serem acompanhados por meio de formação de

atualização e reciclagem.

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Para nós um currículo consistente que dê sentido e qualidade a formação inicial

e continuada será aquela que contempla os aspectos da atualidade contemporânea e

principalmente que responde as necessidades, perspectivas e desafios do país em

primeiro lugar, e fazendo que esses se comunicarem com o mundo. Um currículo que

contempla as especificidades, as diversidades dos seres humanos em seus diversos

momentos e situações: pessoal, familiar, acadêmico, profissional e no mundo de

ciências e tecnologias “globalizado” e “globalizante”. Só assim poderemos avançar um

pouco mais no que diz respeito a funcionalidade e adequação e articulação teoria-prática

que o trabalho docente exige.

Entendemos que uma formação continuada para além de comportar e aportar os

conhecimentos e conteúdos teóricos fundamentados em seus aspectos científicos dos

avanços da própria ciência e das tecnologias, precisa comportar os elementos práticos,

as experiências, as observações, os seguimentos didático-pedagógico, os encontros de

planejamento voltado para reflexão e análise crítica sobre a prática da prática da sala de

aula.

Esses processos poderão ainda ser concretizados por meio de atividades de

socialização, processos de partilha, seminários, fóruns, conferências, palestras e

comunicações para que a sociedade colabore e repense em quais e que contribuições e

subsídios seja ela individual, em grupo, em equipe e a coletividade privada ou do estado

poderão comparticipar.

O estágio também poderia ser reprogramado e reconfigurado de modo a servir

aos professores em ambientes de aprendizagem e espaços e oportunidades de se

formarem na prática de atividades docentes, na tarefa de fazer e de se constituírem-se

como docentes em exercício de funções, sempre com olhares em cursos de atualização e

aperfeiçoamento contínuo.

Nesse segundo eixo tínhamos como propósito analisar os aspectos constatado

sobre a formação inicial e continuado dando ênfase também a formação de professores

que ensinam línguas particularmente o Crioulo. Não é que entendemos que a formação

de professores em outras áreas não constitui também objeto de dificuldades,

constrangimento e barreira que dificultam ao desenvolvimento do trabalho docente e a

qualidade da articulação teoria prática, mas tão somente porque a língua é veiculo de

ensino e aprendizagem de todas as disciplinas e por isso mesmo, a formação em línguas

ela é uma das principais preocupações em nosso entender, neste momento no país.

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O terceiro eixo propõe analisar o trabalho docente e sua funcionalidade no

cotidiano das escolas, ambiente onde deve desenvolver a relação e articulação teoria-

prática para promover a produção de novos conhecimentos e possibilitar a mudança e

transformação dos seres humanos na contemporaneidade.

4.3. Eixo 3.Trabalho docente: funcionalidade na relação e articulação teoria-

prática no cotidiano das escolas em contextos de mudanças e transformação

No eixo dois discutimos alguns aspectos da relação teoria-prática que foram

constatados, tanto em documentos disponíveis, como em relatos resultantes de encontro

de professores em Cabo Verde, sobre a formação e o trabalho docente.

Nesse terceiro eixo, apresentamos alguns aspectos que os diferentes documentos

disponibilizados pelo governo consideram em relação ao exercício da docência, nas

escolas e nas instituições de ensino e formação.

Dos diferentes documentos analisados, observou-se que o estabelecimento da

articulação teoria-prática ainda encontra-se não consolidado, e por isso mesmo, não tem

contribuído incisivamente para o desenvolvimento de algumas competências,

habilidades e destrezas mencionadas na Agenda Estratégia do Governo de Cabo Verde.

A dinamização e a diversificação de atividades e tarefas, a mobilização de

recursos naturais e ambientais que poderiam auxiliar no desenvolvimento e na

articulação teoria-prática têm se mostrado incipientes em relação às expectativas de

promoção de espaços ao diálogo, de abertura de caminhos direcionados à

requalificação, tanto dos que se encontram em fase da formação inicial, quanto os que

se encontram na formação continuada, com o fim último de transformar

qualitativamente a prática educativa.

Apesar de o Estatuto Pessoal Docente de 1990 ter definido que a formação

inicial visa conferir a qualificação profissional para o exercício da função docente e a

formação contínua visa desenvolver e qualificar o pessoal docente e promover a eficácia

e a efetividade do “sistema educativo”, ainda há distanciamentos reais em prol da

articulação entre as necessidades organizacionais e sociais e os planos individuais de

carreira.

As narrativas dos professores ao registrarem as experiências e práticas de salas

de aula, evidenciam que no atual momento faz-se necessário retomar as discussões

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sobre a funcionalidade e a operacionalização das diferentes instâncias de formação.

Parece haver indícios de restrições de oportunidades e espaços, nos quais se possa

promover discussões de ideias, pontos de vista e questionamentos sobre as estratégias,

as metodologias,concepções teóricas que fundamentam a prática; quesitos que se

atrelam à objetivação da articulação teoria-prática no trabalho docente.

Do mesmo modo que a formação inicial é realizada nas instituições oficiais do

estado e/ ou particulares – universidades, institutos e escolas -, assim também, a

formação continuada poderia ser oferecida e realizada por essas instituições, com base

em planos, projetos claros precisos e conhecimentos motivadores, associados à prática.

Considerando as leituras efetuadas nos documentos oficiais, não nos parece

existir entendimento sobre a formação continuada, enquanto prática permanente e,

sobretudo a responsabilidade do Estado em proporcionar a formação continuada como

um plano de ação do Ministério da Educação que envolva conhecimentos, conteúdos

diversificados e consistência.

Embora, reconhecendo que a formação continuada pode, também, ser de

responsabilidade da própria pessoa, de acordo as possibilidades econômicas e

financeiras, com a área de interesse e do trabalho que realiza ou que pretende realizar, o

Governo tem por responsabilidade, também de disponibilizar aos professores, política

pública programada, que contemple um conjunto de instrumentos a propiciar a

formação continuada de docentes. Importa não deixar a mercê essa questão, ou seja,

diante de um determinado projeto, convênio ou parceria surgido,é preciso que se

considere os profissionais convidados,de modo a que esses sejam conhecedores da

realidade educacional do país, para que de fato, contribuam com proposições

condizentes a este contexto.

O que se quer enfatizar é que esses professores participem de modo incisivo da

construção do programa de formação. Uma vez conhecedores das necessidades,

fraquezas e dificuldades do professorado cabo- verdiano, que contribuam efetivamente,

no desenho, no desenvolvimento e na avaliação de políticas públicas de educação e

formação continuada.

Existem, na atualidade, inúmeras possibilidades no mercado de ciências e

tecnologias de informação e comunicação voltadas à realização da autoformação. Há

possibilidades de escolha da modalidade de que se interessa incluindo a consonância

com as necessidades, situações e contextos em que cada um se encontra. Tanto podemos

escolher pela realização da formação de modo presencial, semipresencial e/ ou ainda, a

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distância e, com base no acesso direto aos recursos disponíveis da TIC há

possibilidades de participação em palestras, seminários e cursos utilizando esses

recursos.

A explicação do Nóvoa quando diz que o professor precisa “formar e se formar”,

considerando que bom programa de formação continuada deve e precisa ajudar os

docentes fazer melhor os seus trabalhos, e por isso mesmo deve constituir-se em um

apoio pertinente à atividade docente, representar uma melhoria significativa da

competência e capacidade pedagógica. Diz ele que, infelizmente, muitos programas

constituem mais um fardo na vida já tão sobrecarregada dos professores.

Claro que um programa de formação, qualquer que seja, implica esforço e

trabalho do professor. Mas, esse esforço e esse trabalho devem ter um sentido

profissional evidente, devem constituir-se num referencial concreto de apoio ao

exercício docente. Compreendemos que o programa de formação continuada precisa

estar também, atrelado e organizado a partir dos problemas da escola e do seu projeto

político pedagógico. O tipo de programa considerado de formação-ação, no dizer de

Nóvoa formação faz-se na ação (e vice-versa).

Na construção do nosso referencial teórico pudemos perceber a colocação de

Nóvoa, Sacristán e García quando afirmam que a prática, por si só, não resolve nenhum

problema e que prática, por si só, não é formadora, precisamos também e, sobretudo

examinar conceitos, teorias, métodos, técnicas e tecnologias que devem ser mobilizados

no contexto concreto de uma reflexão profissional e não como elementos exteriores ao

trabalho escolar.

Significa dizer que um bom programa de formação continuada define-se por

processos de partilha, de diálogo profissional, de reflexão coletiva sobre práticas e

realidades escolares. Importa, por isso, recusar modelos “escolarizantes”, por vezes tão

do agrado de certos meios universitários ou de certos especialistas, em que os

professores são transformados em alunos e os conhecimentos são servidos numa

“dimensão teórica” sem qualquer contextualização, sem qualquer mobilização da

experiência e da reflexão dos próprios professores. Freire (2013, p.108) diz que é

pensando a própria prática, desvelando-a, com base em uma teoria que aprendo a pensar

e praticar melhor.

Neste caso concreto, o fazer a docência, o ser e o construir a docência implica o

desenvolvimento teórico-prático, numa relação de articulação da formação inicial e

continuada incorporando, quatro dimensões que Nóvoa (2007) afirma serem essenciais:

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a inserção na escola (mundo profissional); a relação com os alunos (e as comunidades

locais); a gestão pedagógica da sala de aula; e a organização do trabalho escolar. Talvez

fosse possível imaginar um novo currículo de formação de professores (inicial e

continuada) que tomasse como referência essas dimensões.

Quando se fez a formação continuada de professores animadores e educadores

de infância (equipe pedagógica da escola) em que se consideraram temas relacionados

com o desenvolvimento de competências numa perspectiva teórica destacando

problemáticas e conteúdos que têm a ver com: a convivência na escola, ensino baseado

em competência, avaliação das competências entre outros, foi muito interessante mais

faltou reflexões sobre a avaliação da aplicabilidade e dos resultados sobre essa

modalidade de formação a distância.

Seria de igual modo interessante questionar sobre o que se sabe e se espera dessa

formação no cotidiano das escolas, e do impacto ela na ação dos professores? Da leitura

feita muito pouco se pode deduzir. Alguns relatos contam que o curso foi muito teórico

e pouco ou nada trazia sobre a praticidade dos conteúdos não só pelo fato de a

modalidade de formação for a distância, mas, sobretudo porque não houve a partilha, a

socialização e oportunidade de os formadores e professores discutirem e dialogarem

sobre os conteúdos, parecia que era tudo “europeizado”.

Para além do curso a distância, exigiam-se recursos e ferramentas como,

materiais impressos, rádio, computador, e custo adicional em dinheiro, para pagar as

inscrições, que muitos não dispunham, e nem tinham possibilidade para consegui-los, e,

por conseguinte, não podiam participar. Assim também aconteceu com os cursos

estruturados e organizados por módulos, cujos temas e conteúdos estavam relacionados

com o professor reflexivo; a avaliação e os processos de ensino e da aprendizagem; o

portfólio, como instrumento de autorregulação da aprendizagem, etc.

Os documentos mencionam que, em ambas as formações, foram observados

distanciamentos entre a teoria e a prática. Portanto, sua funcionalidade no contexto da

escola era e é muito limitada. Talvez, se essas formações fossem mais centradas nas

práticas e na análise das práticas, os professores poderiam de alguma forma

experimentar a funcionalidade desses conhecimentos e conteúdos em atividades, tarefas

e dinâmicas no exercício docente.

Talvez por isso, também, Nóvoa (2006) considera que formação do professor é,

por vezes, excessivamente teórica, outras vezes, excessivamente metodológica, mas há

um déficit de práticas, no refletir sobre as práticas, no trabalhar sobre as práticas e no

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saber como fazer. É preocupante ver certos professores que têm genuinamente uma

enorme vontade de fazer de outro modo e não sabem como. Têm o corpo e a cabeça

cheios de teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como transformar em

prática, como se organiza uma prática coerente. Sendo assim, parece-nos interessante

questionar e entender quais são as perspectivas e os desafios do trabalho do professor,

hoje, e qual é a exata dimensão do ofício do educador.

Para nós, são questionamentos de difíceis respostas, senão um trabalho de

pesquisa, de análise e de reflexão sobre que professor vem fazendo o que ele precisa

hoje para mudar e transformar a sua ação docente? Quem são os estudantes de hoje, o

que eles querem e precisam hoje? Que políticas públicas poderão servir para dar conta

daquilo que a educação e a formação precisam e devem ser desenvolvido? O que a

sociedade precisa e espera que a educação e a formação façam para estabelecer diálogos

e comunicação com o mundo contemporâneo? Será que a educação e a formação terão e

poderão responder essas questões?

Não nos parece existir respostas para tudo que a sociedade e a escola precisam.

O que pode ser evidenciado é que um bom trabalho da educação e de formação poderá

orientar e fazer caminhar em busca de algumas respostas, que neste momento, as

instituições de ensino e formação são convocadas e convidadas a fazer, e disponibilizar

para todos.É urgente repensar sobre as novas e diferenciadas problemáticas, novos

conteúdos e as formas de operacionalizá-los em ações de formação inicial e continuada

de professores, animadores, educadores e técnicos.

Talvez buscando novos paradigmas e políticas de formação de docentes

pesquisadores, que sejam bem condizentes com a realidade contemporânea, partindo da

revisão currículos, pautados por estudos de natureza empírica, cotidiana, do senso

comum, que identifica e reconhece as experiências, as vivências e as práticas que

ocorrem em contextos e situações diferenciadas e, por conseguinte, buscar as bases

científicas e epistemológicas, em contextos e ambientes da dinâmica de estudantes e

professores para produção de conhecimentos.

A busca de que nos referimos deve ser permanente em qualquer área de

comunicação e de conhecimento, em que estejam implicados de maneira consciente, os

formadores e formandos, naquilo que possa servir para qualificação acadêmica e

profissional e proporcionar o aprofundamento e a intercomunicação de valores e

práticas adequadas com mundo de trabalho. Referimo-nos à aplicabilidade, à efetiva

congruência entre a formação, a prática do trabalho docente e o mundo de trabalho.

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Para o efeito, há necessidade de uma discussão e entendimento sobre algumas

expressões utilizadas frequentemente em práticas de formação como: competências,

contemporâneo e/ou contemporaneidade expressões essas que foram mencionadas ao

longo do texto. Importa explicitar o sentido da utilização, mesmo porque necessário

para serem apropriadas em seus aspectos, contextos e universo comunicativo, técnico e

tecnológico.

A banalização de algumas expressões e conceitos e a inadequação de seus usos

podem comprometer a funcionalidade e a apropriação em contextos diversos. Por

exemplo, em relação à definição do trabalho, por vezes, somos levados a entender que é

tudo aquilo que nos leva a ganhar dinheiro. Se a proposta de ganhos mostra-se distante

da expectativa, tende-se a responder: “eu não trabalho”.

A contemporaneidade preconiza a importância à competência no trabalho e na

capacidade de interagir e de se comunicar no mundo de hiperconsumo e de tecnologia,

permitindo perceber como devemos estar atentos aos problemas do mundo

contemporâneo. Colombo (2012) afirma que a definição desse conceito está associada

ao que o filósofo Giorgio Agamben (2009, p.62-62) menciona que o profissional

contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para ele perceber não

as luzes, mas o escuro. O sujeito contemporâneo é justamente, aquele que sabe ver essa

obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando apenas, nas trevas do presente.

(COLOMBO, 2012, p.24).

Em Cabo Verde, atualmente, os conceitos de competências e habilidades estão

presentes praticamente em todos os programas de formações realizados. Dicionários

explicitam a competência como: saber, aptidão, capacidade, proficiência, habilidade,

mestria, idoneidade, etc. Praticamente, toda ação de formação pensada e realizada

pretendem desenvolver competências dos professores, para ensinar bem e fazer com que

os alunos aprendam conhecimentos necessários, fundamentais para o exercício de suas

atividades e tarefas académicas e profissionais e, sobretudo integrar no mundo de

trabalho.

No trabalhar de ensinar bem o que precisa e que tem que ser ensinar exige

envolvimento e comprometimento com pesquisa e de se posicionar como pesquisador

consciente que vasculha conhecimentos e saberes de natureza epistemológica,

pedagógica, didática, arqueológica, psicológica, sociológica e, sobretudo o domínio de

técnicas e tecnologias de pesquisas contemporâneas.

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Entendendo a essência da pesquisa, aquela que possibilita voltar às origens,

reconstruir e reconstituir, conferir a historiografia do conhecimento em vista a sua

“multidimensionalidade” e “multidiferencialidade” e que focaliza a pessoa humana,

principalmente, quando se tratando do ser humano enquanto educando, estudante,

pesquisador e profissional. Se entendermos os processos e as práticas de educar e de

formar como uma arte de compor, de decompor e de recompor, compreenderemos

também que ser professor hoje é uma profissão, um trabalho, uma ação, uma atividade,

uma experiência e uma prática ininterruptas em permanente e constante debates e

discussões.

Para nós, o ser e o construir a docência é sempre uma questão contemporânea. O

professor que a sociedade deseja, pode ser aquele em cuja formação se faz se constrói,

se desconstrói e reconstrói por meio do desenvolvimento de competências. No caso de

Cabo Verde a competência é a questão central. Será que a definição e a concepção de

competência tem permitido o desenvolvimento de capacidades e habilidades,

intelectuais, científicas, didáticas e tecnológicas – acadêmicas e profissionais?

Em referência ao desenvolvimento que pode ocorrer por meio de teorias pela

prática da teoria, num processo e contexto de intercomunicação entre estudantes e

professores, fazendo dialogar o saber pesquisar e o ser pesquisador, que implicam

habilidades e destrezas em saber ouvir e escutar, saber comunicar e compreender e

apropriando-se de conteúdo do conhecimento em processo de produção, como preparar,

organizar a operacionalizar desse processo de modo a agir comunicativamente na

produção de outros conhecimentos em processos de formação para que haja interação na

relação teoria-prática?

Acreditamos que em Cabo Verde está na senda destes desafios, buscando

renovar os parâmetros de intervenção formativa, oferecendo novos modelos e práticas

de educação para os seus estudantes. Esses modelos e práticas foram sugeridos e estão

implicados nas diretrizes do governo em suas políticas públicas para formação e

requalificação do trabalho docente, trazendo à discussão experiências do cotidiano das

escolas, desenvolvendo práticas de reflexões críticas criando espaços e condições que

propiciem a intercomunicação e a relação teoria-prática, e, deste modo ressignificar a

ação docente em contextos de mudanças e transformações.

Muito embora, desconhecemos um programa estruturado e organizado destinado

a formação continuada de professores no país. O que se pode perceber, é que ao longo

dos anos vem se desenvolvendo uma política de acompanhamento, apoio e orientação

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pedagógica às monitoras de jardim-de-infância, aos animadores e aos professores que

lecionam do básico ao secundário.

É com base em alguns projetos e programas que se realizam a formação de

forma esporádica. Normalmente, estes projetos e programas são financiados por

organismos nacionais e internacionais, permitindo que diversas formações fossem

realizadas dentro e fora do país. Para além da formação, contemplam ainda, produção de

materiais para realização de diversas experiências em áreas de conhecimentos e saberes

diversificados.

Essas experiências têm ajudado de maneira significativa para dignificar e

melhorar as práticas dos educadores nos processos de ensinar e aprender e/ou ainda,

particularmente, na construção da melhoria do trabalho docente. O Anuário Estatístico

(2011/2012) informa sobre as instituições de formação e o nível de professores em Cabo

Verde, segundo habilitação literária e distribuição percentual. Pode-se constatar que das

nove instituições do ensino superior existem somente dois professores com já a

formação em nível do bacharel, a maioria tem a formação em nível de mestrado,

indicando já a Universidade Jean Piaget de Cabo Verde (Uni-Piaget), a primeira

Universidade privada sedeada em Cabo Verde, a realizar cursos de licenciatura e

complemento. Neste momento, essa universidade conta já com 16 professores

doutorado representado (8,0%). E, Universidade Pública de Cabo Verde (Uni-CV) a

primeira a realizar cursos de bacharel neste momento com o número de 51 professores

doutores, representado (10,7%). 60

Um país que em 2001 não se podia fazer mestrado nem doutorado. Quem

pretendesse fazer teria que viajar para estrangeiro para o efeito. Acreditamos que

atualmente existem muito mais mestres e doutores que estão lecionandos nas

universidades; dados esses que a Agenda Estratégia do Governo poderia Alencar até

2016, meta para seu cumprimento.

Reconhecemos também, que apesar de existir um déficit de professores com

formação em nível de Pós-doutorado, mas que estão em exercício de funções cerca de

1316 professores, distribuição segundo grau de formação e tipo de instituição contando

com 111 Doutorado, 616 Mestrado, 109 Pós-graduado, 478 Licenciados e 2 em

Bacharel.

60In: site do Ministério do Ensino Superior. Disponível em: www.mesci.gov.cv bem como no site da

Direção Geral do Ensino Superior. Disponível em: www.dges.gov.cv.

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Significa dizer que numa análise cuidada dos dados permitem-nos constatar que

mais de metade (55,2%) dos professores que leccionaram nas instituições superiores de

ensino em 2011/12 detinha o grau de mestrado ou de doutoramento. A Uni-CV, o ISCJS

e a US estão acima da média nacional, sendo a Universidade Intercontinental de Cabo

Verde (UNICA) a instituição com menor percentagem de mestres e doutores.

Se analisarmos a forma como se distribuem os professores pós-graduados

(mestres e doutores) pelas instituições, conclui-se que a Universidade de Cabo Verde,

durante o ano letivo em referência, absorveu 43,7% destes professores, seguida pela

Universidade Jean Piaget, com 13,2%, ISCEE (10,6%), US (9,2%), ISCJS (8,5%)

apresentando as restantes instituições um valor inferior a 7%.

Com relação às áreas curriculares selecionados para cursos de formação

semipresencial e à distância, dirigidos para todos os professores de todos os níveis e

graus de formação, devemos lembrar nessa análise, que alguns cursos foram emitidos

gratuitamente, outros foram e deveriam ser pagos por meio de inscrição inicial.

Alguns professores acompanharam pela rádio, portanto, não fizeram a inscrição.

Entenderam que acompanhar pela rádio seria o suficiente para aquisição dos

conhecimentos estudados ao longo do curso, quando não o acesso ao material impresso

era indispensável para o efeito até de certificação.

A geografia do país (constituído por ilhas) também fez com que a emissão de

programas radiofônicos não chegasse a todos os pontos do país. Alguns professores que

estavam inscritos para fazer o curso não puderam ouvir e acompanhar as aulas pela

rádio, e por isso mesmo tiveram algumas limitações na participação nas sessões de

tutoria.

Os tutores, apesar de terem recebido formação para orientar sessões de tutoria,

alguns não puderam desenvolvê-la convenientemente pelo fato de a formação deles em

alguns momentos, ter dado mais atenção à passagem de informações, e metodologia de

sessão de tutoria do que o trabalho sobre próprio tema e conteúdo do curso.

Os temas e conteúdos que considerados serem relevantes em termos de

conhecimento e articulação de conceitos e concepções foram muito fracos, uma vez que

exigiam algum trabalho de pesquisa, de estudo bibliográfico, que faziam parte da

referência, para estudar e aprender os conhecimentos apresentados no material

impresso.

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197

Grande parte de tutores e professores não tinha acesso à biblioteca, ao

computador e muito menos à internet, tampouco sabiam utilizá-los, pelas condições

geográficas, formativas mesmo, e outras institucionais, estruturas e organizativas.

Esses aspectos são fundamentais precisam ainda ser discutidos, para que os

cursos em desenvolvimento ou que venham a ser desenvolvido, nos próximos tempos,

não terem muitas dificuldades, como o acesso, a participação, e os recursos sejam

disponíveis em tempo real, bem como as condições para que deles possam usufruir

principalmente aqueles que trabalham em comunidades isoladas e que precisam

potencializar e dinamizar a sua atividade educativa.

Nesta lógica, formar professores intelectuais para lidar com conhecimentos, para

saber redimensionar e gerenciar as situações-problema que ocorrem na sociedade e

trazê-las para dentro do ambiente e contextos educativos e formativos a fim de serem

discutidos, percebe-se, ser ainda uma caminhada continuada e cheio de “pedregulho” na

qual precisamos endireitar, modificando-os, amolgando-os com cuidado e com

veemência para que possamos trilhá-lo.

Essa caminhada precisa de uma imersão conjunta e de forma refletida para ser

instituído e reconstruído a fim de inovar e reconverter a escola em comunidade de

aprendizagem e ou “sociedade de aprendizagem”.

Feldmann (2008) apresenta algumas pistas de reflexão, quando diz que

precisamos aprender a lidar com as inseguranças, as adversidades, entre outras,

decorrentes do processo educativo, que nos possa ajudar a refletir e tomar decisões

apropriadas e ajustadas ao contexto e situações que possam dignificar a figura do

professor, do aluno e da escola. Para ela, o processo de formação de professores

caminha junto com a produção da escola em construção por meio de ações coletivas,

desde a gestão, as práticas curriculares e as condições concretas de trabalho vivenciadas.

Entendemos que para tomar a escola como objeto de estudo atualmente é

necessário compreender a sua multidimensionalidade e complexidade, abordando-a

como comunidade e ou sociedade educativa, não apenas como organização, mas sim

como instituição que se faz na tensão dialética entre seus condicionantes endógenos e

exógenos, no cumprimento de seu significado social circunscrito na preparação e

socialização do conhecimento das gerações.

Percebemos que a preocupação de Nóvoa também pode estar implícita numa

ação da formação de professores que permite transpor na prática educativa, na sala de

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aula, aquilo que aprendemos no nosso percurso formativo, quer inicial e quer a

continuada.

Todavia, faz falta outros conhecimentos mais aperfeiçoados sobre a transposição

didática dos conhecimentos e saberes teóricos, ou seja, o saber fazer o planejamento

didático e pedagógico de temas/conteúdos a serem ensinados e aprendidos, de modo a

permitir que os alunos se apropriem da matéria de estudo.

Os relatos dizem que o plano de aulas também, às vezes, não comporta essa

maximização de conteúdos, por conta de modelos estandardizados e regrados que, em

muitos casos, em nada contribui para refinamento e interlocução teoria-prática.

Parte-se de princípio que professores em exercício de sua atividade docente

trazem consigo uma visão ampla de experiências, de vivências que os ajudem a

enxergar melhor a sua atividade docente e as incongruências dos conhecimentos

científicos teoricamente estudados na formação anterior e ou, num curso cujos

processos e práticas em contextos do cotidiano das escolas, em ambiente de interação

professor/aluno, aluno/aluno, e as condições em que ocorrem o ensino e a

aprendizagem.

Portanto, a capacidade que o professor possui para promover discussões,

partilhas e intercâmbios de práticas, experiências e convivências daquilo que apropriou

na formação inicialmente realizada. Pelo entendimento que se tem da formação,

acreditamos que a formação inicial se materializa e se consolida quando ela acontece

sistematicamente, ou seja, de forma continuada.

O currículo para formação e ensino a distância proposto pelo Governo, se

repensado, permite o desenvolvimento significativo e de participação dos profissionais

da educação do país. Mas parece-nos prudente discutir as inconveniências e as

desarticulações para que se possa agir no momento oportuno, de modo fazer convergir,

integrar e articular os docentes tanto na formação inicial e quanto no continuado

propiciando dinâmicas diferenciadas e de maior visibilidade do trabalho docente no

cotidiano das escolas.

Quando o governo propõe a “Criação de uma sociedade do conhecimento como força

laboral competente e capacitada, capaz de competir com os melhores no mundo”,

percebemos, que isso só será possível, por meio da educação e da formação de

professores para exercer a docência, principalmente no desenvolvimento acadêmico e

profissional.

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García (1999) afirma que o exercício do trabalho docente é uma atividade séria,

exigente e de grande responsabilidade. A formação de educadores precisa mudar de

ritmo, incorporando e articulando conhecimentos e conteúdos que permitem não só

desenvolver o campo científico, por meio de pesquisas, mas também possibilite o

desenvolvimento intelectual, didático, pedagógico, tecnológico, e, sobretudo,

aproveitando as contribuições de outras áreas da ciência que coabitam com a vida

humana, interagindo com o ambiente e a natureza diversificada. (GARCÍA, 1999, p.

26).

Compartilhando das ideias de Luck (2000) quando propõe a formação da equipe

gestores para desenvolver trabalhos de equipe, com a equipe e em equipe, avaliar

resultados, planejar e operacionalizar projetos político pedagógico da escola, promover

integração escola-comunidade, criar novas alternativas de gestão, realizar negociações,

mobilizar e manter mobilizados atores na realização das ações educacionais, estabelecer

unidade na diversidade, planejar e coordenar reuniões eficazes, articular interesses

diferentes são também preocupações que coloca as instituições educativas e de

formação. (LUCK, 2000, p.15).

Acreditamos que existe um entendimento de que a formação constitui um dos

meios mais poderosos e significativos e pelo qual se pode formar a consciência,

possibilitando o desenvolvimento humano de forma sustentável e, a diminuição das

desigualdades e disparidades geográficas e, por conseguinte, promovendo a equidade e

a justiça social e respeitando as diferenças e diversidades.

A educação é um projeto integrado e articulado de desenvolvimento humano e

social. Para efeito, na educação em geral, e na dos professores, em particular, deve-se

considerar as condições motivacionais e a identificação com os valores: a “educação do

querer fazer apropriadamente de uma maneira determinada” – educação da vontade -, de

como são construídos os ideais e as motivações dos agentes.

Entretanto, afirma Sacristán (1999) que,:

Os esquemas correspondentes às ações do professor não só se referem

ao contato com o estudante e ao cenário das aulas, mas também a qualquer tarefa profissional na escola ou fora dela (esboço do

currículo, organização da sala de aula, da escola, reuniões com os

pais, etc.). Os conhecimentos sobre todas essas possíveis ações são

muito mais amplos (...) uma vez que a tarefa pedagógica tem uma estrutura que compreende a perspectiva geral do trabalho educativo,

um modus operandi; em torno dela, podem ser associadas múltiplas

crenças e valorizações. (SACRISTÁN, 1999, p.54).

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O autor expressa que o conhecimento e tudo o que povoa de significados o

termo teoria não pode reduzir-se ao conhecimento científico, como pretendeu o

cientificismo positivista. Pensar, conhecer, ter crenças, raciocinar, refletir, são processos

que originam conteúdos, que têm a ver com acepções menos exigentes da teoria.

Assim, o contributo do professor formador é importante para minimizar as

diversas situações que acorrem dentro da escola e que os professores ficam intatos, sem

poder tomar nenhuma atitude por falta de conhecimentos e ferramentas pedagógicas e

didáticas.

Por vezes, os saberes poderão ser aplicados na resolução de diferentes situações-

problema que ocorrem no ambiente acadêmico, em que, a nossa postura e caminhada

acadêmica e profissional, pode contribuir de forma significativa para a atualização dos

currículos, programas, planos de estudos e, sobretudo do “sistema educativo”.

Nós consideramos que o entrosamento entre a formação inicial e continuada e o

trabalho docente como uma das potencialidades do desenvolvimento, significa que não

basta apenas conhecer, mas é preciso saber, não basta apenas conhecer e saber, mas é

necessário apropriar-se desse conhecimento, desse saber, isto é dominar esses saberes e

conhecimentos e práticas para fazer, construir e ser docência de forma consciente e

aproximar-se daquilo que constituiu desafios da educação, da formação que é a

produção de novos conhecimentos.

Refletindo sobre as formações oferecidas aos professores em Cabo Verde,

constatamos que foram introduzidos novos cursos, novas áreas e novas disciplinas, que

antes não se tinha acesso, e, por conseguinte a probabilidade de ter conhecimentos

diversificados e diferenciados era difícil, parecia quase impossível.

É bom frisar que até 2001 só existia uma única universidade, a de Jean Piaget,

uma universidade privada. Hoje podemos verificar um aumento significativo de

universidades sendo considerado, a Uni-CV a única pública em Cabo Verde. São mais

de 10 universidades de 2001-2013. É bom lembrar que apesar desse aumento, existem

alguns cursos que ainda não se pode fazer no país, reconhecendo que já se pode fazer o

curso de enfermagem. Mas, em nosso entender faltam recursos, instrumentos e

ferramentas para que esse curso tenha o perfil a consecução, a credibilidade e a

qualidade que se almeja possibilitando o desenvolvimento de novos exames e novas

pesquisas nessa área com que tanta falta faz ao país.

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201

Percebemos também, da nossa própria experiência e considerando a prática do

sistema de gestão e administração das escolas e universidades de Cabo Verde, não

existir nenhum ensino público gratuito, de forma os estudantes tenham acesso às

condições indispensáveis para estudar, sem pagar. O pagamento é um dos requisitos

fundamentais, condição primeira para se ter acesso à educação e à formação,

independente de estatuto social e situação econômico-financeira. Se o cidadão tem

dinheiro tem a oportunidade de se matricular em algum curso, do contrário, o acesso

parece ser impossível. Essa prática é verificada em todos os níveis de ensino, nas

instituições e escolas públicas do país.

Desconhece-se o número de estudantes e professores que são isentos do

pagamento da mensalidade nas instituições e escolas públicas, particularmente, aquelas

que, aparentemente, são voltadas à educação, ensino e formação pública de Cabo Verde.

Explícito está, apenas, se tratar de uma universidade aberta a todos. Mas, pública no que

diz respeito à isenção no pagamento da mensalidade, não parece ainda, ser o caso de

Cabo Verde.

Se quisermos ações educativas, de ensino, aprendizagem, pesquisa e produção

de novos conhecimentos que promovam o desenvolvimento científico, intelectual para o

desenvolvimento humano torna-se urgente desenvolver parcerias e convênios com as

diferentes escolas, instituições e empresas, nacionais e internacionais, pois são

imprescindíveis para a consecução dos projetos, agendas e programas de educação e da

formação no país.

CONSIDERAÇÕES

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202

A formação e a formação de professores são questões de forte impacto na

contemporaneidade. Aos professores, por vezes, são direcionadas exigências, impostas

tarefas e desferidas críticas de várias ordens. Vários autores buscam compreender as

razões sobre tais exigências e críticas,assim como buscam caracterizar e dimensionar o

trabalho docente, para então, conceituá-lo com maior aproximação da realidade e do que

se espera desse fazer.

Há ainda, os que entendem que os professores devem resolver todas as

situações-problema que ocorrem na vida cotidiana escolar. Diante da amplitude

conceitual e do fazer docente, surgem dificuldades na precisão do conceito de

“professor” e de “seus fazeres”.

A pesquisa sobre a formação de professores, trabalho docente e relação teoria-

prática nos permitiu compreender o porquê da não existência de uma única definição de

“formação docente”.Diferentes autores que discutem sobre a matéria e trazem de igual

modo, diversos argumentos para a construção dessa conceituação,uma vez que os

contextos, as situações e as condições do fazer docente são múltiplos e diferenciados.

A identidade do professor funde-se com elementos da subjetividade que cada um

carrega consigo, assim como, com o processo de construção e/ou de produção de novos

conhecimentos, fruto da concretude real do trabalho docente.

O debate sobre a formação de professores e o trabalho docente aponta para

profundas e complexas tensões, principalmente, no tempo presente quando os docentes

se sentem ameaçados pela incorporação de novas tecnologias de informação e de

comunicação. Isto porque, surgem situações nas quais alunos demonstram apropriação

no uso de novas tecnologias e, em contrapartida, o professor se vê limitado e/ou não

plenamente seguro tanto do ponto de vista do conhecimento das TICs, quanto do uso

dos instrumentos como ferramentas para produzir conhecimentos e apropriar-se deles

significativamente.

Os estudos sobre a formação de professor necessitam ser mais debatidos, e,

sobretudo, desmistificados e democratizados, sem perder de vista que a escola é um dos

espaços e ambientes insubstituíveis para a educação e a formação.Pesquisas

demonstram que as ações de professores e estudantes contribuem de forma contunde no

processo de formação e de construção identitária de ambos.

A escola é um ambiente propício para o desenvolvimento humano de forma

inquestionável, eficiente e sustentável, para produzir conhecimento e estabelecer

conexões entre o mundo acadêmico e o mundo do trabalho, na contemporaneidade.

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Não é por acaso, que García afirma que o professor se forma na escola, e que

tanto a formação inicial de professores, como a permanente, devem levar em conta a

reflexão epistemológica da prática, de modo que o aprender a ensinar seja realizado com

base a um processo no qual o conhecimento prático e teórico se integram em um

currículo orientado para a ação.

Um dos problemas enfrentados pela escola e pelos professores é a insegurança, o

medo e a desautorização em ações que dizem respeito à escola, aos estudantes e a

próprio processo de produção de conhecimento. Daí as incongruências do trabalho

docente no processo de ensinar e aprender, principalmente no que diz respeito à relação

teoria-prática, acrescidas das condições inadequadas, por vezes, precárias dos ambientes

escolares a que os professores são submetidos para o exercício de suas funções.

A formação, seja ela na perspectiva do nível, âmbito e/ou da natureza,

possibilita ao docente, maior precisão e entrosamento no que diz respeito à orientação,

ao aperfeiçoamento, ao crescimento individual/pessoal, coletivo e social e,

particularmente, ao estímulo no desenvolvimento de capacidades, entre as quais, a de

produzir e articular conhecimentos, com a viabilidade de relacioná-los às diversidades

de práticas e experiências disponíveis.

Durante a investigação documental e a revisão de literatura percebemos haver

grande vontade política por parte do governo, na promoção e no desenvolvimento da

educação no país, uma vez que ministérios e direções gerais e serviços de educação,

ensino e formação têm tido a incumbência de operacionalizar os objetivos expressos nos

planos de estudo, programas e currículos, cuja Agenda Estratégia para 2016 suscita

mudanças e transformações significativas, em todos os domínios e dimensões da vida da

República de Cabo Verde.

Os conteúdos dessa Agenda Estratégia expressam objetivos no sentido de

avançar no desenvolvimento da formação e a formação de professores, em particular,

mediante a proposição de critérios, orientações, condições, algumas objetivas e grande

parte, subjetivas, voltadas ao desenvolvimento intelectual dos que atuam no processo

educativo e formativo em Cabo Verde.

A nossa percepção sobre a formação inicial e continuada de professores na

contemporaneidade direciona-se na busca permanente e sistemática de conceitos e

concepções, alguns já expressos neste estudo, e, sobretudo de novas respostas para a

superação de situações adversas, presentes no cotidiano do trabalho do professor. O

intuito é dialogar a realidade concreta, e identificar quais conhecimentos poderiam ser

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ainda, agregados ao currículo de formação de professores, de modo a garantir o pleno

desenvolvimento do trabalho docente e a devida articulação teoria-prática.

Outro aspecto percebido é que toda a educação e formação pública em Cabo

Verde, desde os jardins-de-infância, passando pelas escolas básicas, secundárias e

superiores, é paga, via mensalidade instituída, embora em alguns casos, o estudo é

cobrado com base em valor irrisório. Apesar do consenso de que Cabo Verde é um país

jovem, com dificuldades econômicas, financeiras e fragilidades de recursos, mesmo

assim, ainda não tem conseguido proporcionar o ensino gratuito, particularmente para as

pessoas cujos recursos econômicos e financeiros são restritivos.

Um ponto de capital importância para o desenvolvimento humano e sustentável

de Cabo Verde seria possibilitar o acesso à educação e à formação a todos os cabo-

verdianos que a procuram, do ensino pré-escolar, básico ao secundário, gratuitamente.

Mesmo considerando que existem ainda, dificuldades no entendimento dessa

questão do acesso à educação e à formação nas instituições de ensino público, do pré-

escolar à universidade, faz-se necessário compreender como política pública, o acesso

às bolsas de estudo. O posicionamento ainda estreito com relação a esta questão associa-

se também, a outras políticas, como a referente ao salário mínimo, que ainda não

permite à maioria da população sobreviver dignamente, por conta das despesas com a

alimentação, água, saúde, transporte, etc.

Neste sentido, entendemos que a facilidade do acesso ao ensino necessita ser

estudada e reavaliada profundamente, não apenas do ponto de vista da gestão-

administrativa, mas, sobretudo na dimensão da revitalização e reconfiguração das

políticas públicas de educação e formação, “sob pena”, de aumentar o número de

excluídos, e, por decorrência, estabelecendo barreiras à continuidade da ação de formar

cidadãos para o futuro do país e da humanidade.

Uma das políticas públicas do Governo é “Criar as condições para estender o

ensino obrigatório até ao 12º. ano de escolaridade e fazer evoluir o ensino secundário

para a promoção de novos profissionais, sem excluir o acesso direto ao ensino

universitário”. Em nosso entendimento, o ensino obrigatório, em Cabo Verde, só será

consolidado se houver escolas públicas, gratuitas do ensino infantil ao secundário – 12º.

ano de escolaridade . Caso não, parece- nos difícil, ainda mais, se olharmos para a taxa

de desemprego no país e para a mensalidade exigida da educação infantil ao ensino

superior.

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Acreditamos na probabilidade de o Governo enfrentar essa perspectiva

desafiadora de possibilitar o ensino, de fato, obrigatório e gratuito. Do programa, consta

já “atribuir bolsas de estudo aos estudantes com maiores dificuldades financeiras e aos

estudantes de mérito”. Além do mais, também que se possa “adequar o conteúdo do

ensino às exigências dos novos tempos, com ênfase em disciplinas-chave e na

informática, dotando os formandos de capacidades essenciais a mercados de trabalho,

marcados cada vez mais por tecnologias sofisticadas de informação e comunicação”.

Destaca-se a nosso ver, outro aspecto, também de extrema importância, a EJA.

Entendemos ser necessário e útil redefinir os conceitos e as concepções subjacentes à

EJA, em Cabo Verde, uma vez que, por meio dessas readequações seja possível

compreender, de forma mais ampla, como são estruturadas, organizadas e realizadas as

ações de formação inicial e continuada, tanto para os educadores, quanto para os

animadores e professores.

A definição de conceitos e concepções orientará os modelos de nova

configuração dos currículos e planos de estudos, que em nosso entender seria

pertinentes para fazer avançar e EJA principalmente no campo da ciência, técnicas e

tecnologias, sobretudo quando se adote a modalidade de educação e formação

semipresencial e ou à distância, para jovens e adultos.

Compreender que a formação de professores é hoje, a pauta de discussão em

muitas instituições de educação e de formação, é uma das ações mais importantes para

promover o desenvolvimento de interações significativas entre os seres humanos e a

natureza, em suas diferenciadas atividades. É também, uma das ferramentas e

instrumentos poderosos, senão a principal alavanca, para formar, desenvolver, mudar e

transformar consciências.

Percebendo a escola como espaço e ambiente nos quais os sujeitos aprendem a

pensar de forma crítica, a organizar as suas ideias e seus pensamentos em busca de

novos conhecimentos e saberes, somos impelidos, sobretudo na contemporaneidade ao

diálogo aberto, em redes de comunicação, a interagir de forma diferenciada, localizada e

global, posicionamento que o mundo das TIC nos proporciona.

Hoje, os sistemas educacionais são objeto de constantes questionamentos e

indagações, considerando sua complexidade, natureza e amplitude, assim como, as

mutações e (inter) subjetividades a eles vinculadas, com destaque pelas exigências que

sua materialização e consolidação vêm evidenciando ao longo dos tempos. O sistema

educacional pode e deve ser compreendido e utilizado não só como um forte

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instrumento forte para melhoria da qualidade de educação, para o aprimoramento das

questões políticas, sociais, culturais, epistemológicas, tecnológicas, etc., mas também,

porque é nele e, por meio dele, que se formam indivíduos para atender ao mundo de

trabalho. Assim sendo, a sua construção, estruturação e organização dependem da

inovação e da renovação dos diferentes componentes que o constituem, caso seja dada

atenção, ênfase e consistência à formação humana, que pode potencializar o

desenvolvimento humano e, consequentemente do país.

Todavia, muitas críticas vêm emergindo pela forma regrada e rígida como os

diferentes programas, currículos e planos de estudos, instituídos pelo sistema

educacional em Cabo Verde, com a proposição de que sejam re-concebidos,

desconstruídos e reconstruídos. Talvez, seja por conta disso, que algumas diretrizes

emanadas pelo governo para a mudança educacional suscitam dilemas profundos,

considerando as dificuldades por estabelecer o acoplamento das políticas públicas com

os aportes teóricos adotados, razão pela qual, tem contribuído ainda não profundamente

para a formação e formação de professores.

Partindo dessas reflexões, e em busca de justificativa do objeto, do problema e

da pergunta de pesquisa, apreendemos também que as concepções e os conceitos sobre

currículos, programas e planos de estudos, emergidos dos sistemas educacionais,

preconizados pelas diretrizes do governo têm deixado à margem algumas questões

importantes e de interesse público, por vezes, interpretado erroneamente e que por esse

motivo, não são colocadas em prática.

Em nosso entendimento, deveriam ser considerados essenciais e pertinentes,

para a formação de professores para potencializar o trabalho docente, articular e fazer

dialogar a teoria e a prática. Referimo-nos à qualidade e à consistência da formação

inicial e continuada de professores, que vem sendo ministrada em diferentes instituições

educativas e formativas.

Notamos ainda, que muitas vezes, os componentes e os conteúdos dos

currículos, programas e planos de estudos, guias e manuais didáticos são reconstruídos e

mudados, ou se quiserem, são feitos alguns reajustes e /ou alterações, mas, em paralelo,

não são desenvolvidas ações específicas relacionadas à formação de professores, da

equipe técnica e de gestão da escola, para que possam ter oportunidade de questionar,

interpretar, compreender, explicar, argumentar e fazer a articulação e a respectiva

transposição didática no cotidiano das escolas; ou seja, que se dê a eles voz e

participação nessas mudanças e transformações.

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Talvez seja um dos motivos pelos quais as políticas públicas direcionadas à

formação dos profissionais da educação seja alvo de ampla contestação. O fato de a

contemporaneidade trazer, cada vez mais, questões éticas, raciais, de gênero, sexo,

etnias, numa rapidez incontrolável, grandes progressos científicos, tecnológicos que

facilitam as interações diversificadas entre os seres humanos, tem instigado a quebra e o

rompimento de fronteiras entre sujeitos, conhecimentos e os contextos.

Existem ainda diversas situações-problema que perpassam os projetos políticos e

pedagógicos, em diferentes instâncias escolares, envolvendo a sociedade e os sistemas

educacionais, e que não são apontados como questões a serem debatidas na atualidade.

Do mesmo modo, as necessidades e expectativas das novas gerações e a

projeção futura extravasam as possibilidades e as capacidades de resposta das

instituições educativas. Feldmann (2009, p.71) faz-nos lembrar de que formar

professores com qualidade social e compromisso político de transformação tem se

mostrado um grande desafio às pessoas que compreendem a educação como bem

universal, como espaço público, como um direito humano e social na construção da

identidade e no exercício de cidadania.

Por isso, acreditamos que todos os elementos que reconfiguram e reconstituem o

currículo da formação de técnicos e professores, necessitam incorporar componentes

que permitam o aperfeiçoamento da produção de conhecimentos técnicos e

tecnológicos, didáticos e pedagógicos, para garantir o desenvolvimento cultural e

econômico do homem social. Tais preocupações poderão constituir-se em bases para se

alcançar a articulação entre a educação básica e a formação profissional; estrutura esta a

ser adotada nos diferentes desenhos curriculares e no modo de definição dos itinerários

da educação e da formação.

Portanto, entendemos que a educação e a formação deverão fomentar a

aprendizagem de diferentes culturas, atualmente, em apoio à paz, aos direitos humanos,

às liberdades fundamentais, à democracia, à justiça, à coexistência e à diversidade,

valorizando e agregando os itinerários da formação, articulando e coordenando os

distintos módulos disponíveis nos desenhos curriculares, incorporando e valorizando as

experiências e práticas vivenciadas, pelos professores e estudantes.

O objetivo inicial do nosso trabalho não era e,nem é criticar as políticas públicas

e as diretrizes do governo direcionadas para a educação e formação. Mas era e é trazer à

luz da discussão, reflexões em aspectos pertinentes que podem estar dificultando ou

limitando o desenvolvimento humano, em razão das fragilidades advindas dos

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instrumentos e ferramentas utilizadas para produzir conhecimento em processo e

práticas de educação e da formação, por um lado, e por outro, a incompatibilidade

desses, na articulação da ralação teoria-prática no trabalho docente.

Fundamental é que o país crie algumas condições econômicas, financeiras e de

gestão de políticas de bolsas de estudos e de formação, dentro e fora do território

nacional a possibilitar apoio à educação, ao ensino, à formação e à pesquisa,

particularmente, aos estudantes sem recursos, garantindo acesso aos estudos.

Outro aspecto interessante seria o investimento no capital humano e financeiro

para formação professores de línguas, evidenciado o ensino e a aprendizagem do

Crioulo, língua de comunicação dos cabo-verdianos, e da valorização da identidade e da

cultura.

Devo dizer-vos que ao escrever esta tese, fizemos e sentimos que numa pesquisa

desta natureza, exige muita dedicação, que pressupõe um trabalho ético, estético, moral,

cívico, psicopedagógico, social e cultural e, sobretudo, um trabalho de ‘didatização da

didática’ e da ‘matematização pedagógica’ da pedagogia intelectual.

Devo dizer-vos ainda, que o respeito e a responsabilidade nortearam todo o

processo de construção do raciocino lógico, que consideramos imprescindível, no ser

acadêmico e profissional, quanto no ser e no construir-se como docente, com implicação

direta ao ser digno, responsável e comprometido com a ação educativa e formativa.

O estudo bibliográfico e a análise documental possibilitaram a consciência de

que as ações se consubstanciam num trabalho de investimento intelectual, técnico e

tecnológico que se materializam na articulação teoria-prática e, particularmente, num

trabalho continuado de reflexão e análise sobre o exercício de ser e construir a docência

pesquisando, ao mesmo tempo, que pesquisador da contemporaneidade.

Percebemos o quando é importante na produção do conhecimento profissional,

uma vez que a pesquisa implica dimensões da experiência, da reflexão e da formulação,

e que nada se fará, se não formos capazes de valorizar também a experiência dos

professores – a formação vivida .

Ao reconhecer que a experiência não é formadora por si só, fazendo-se

necessária a reflexão sobre a experiência – e, portanto, formação reflexiva.

Parafraseamos Nóvoa, afirmando que não há saber socialmente reconhecido se não

houver um esforço de formulação deste saber – e, neste caso, estamos perante a

necessidade de uma formação e produção que sistematize e dê visibilidade pública ao

conhecimento profissional do professor.

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209

A nossa intenção não é esgotar a discussão em matéria de formação e formação

de professores, mas tão somente reabrir outras portas, para outros questionamentos e

indagações nessa área da educação, currículo, ensino e formação de professores. E, por

isso mesmo, nos dispomos sempre, de forma continuada, e, tudo fazer para aprimorar

ainda mais, nossas práticas acadêmicas e profissionais; para promover políticas públicas

de educação e formação em um contexto que privilegie o estudar, o ensinar e o

reaprender a pesquisar, questões essas em muito, impostas pelos movimentos da

contemporaneidade.

Esta pesquisa nos permitiu intensificar a compreensão de quanto o trabalho

docente dignifica, requalifica e ressignifica a pessoa humana, em sua convivência,

experiência e prática acadêmica e profissional. E, por conseguinte, o quanto o indivíduo

educador, professor se torna pessoa, se constitui e se desenvolve como ser humano,

formando e se formando continuadamente, para saber comunicar com inteligência,

intelectualidade e responsabilidade no mundo da ciência, da técnica e da tecnologia.

Cremos nós, ter trazido algumas contribuições que talvez favoreçam a mudanças

e transformações, algumas concernentes a estratégias metodológicas da formação de

professores, do trabalho docente e da reorganização da gestão do sistema educacional

em Cabo Verde. Estende-se este estudo como possível caminho a propiciar o repensar

dos processos, das práticas e, sobretudo, dos valores que a ação educativa e formativa

pode contribuir para que os sujeitos sejam preparados na condição de profissionais,

devidamente qualificados, competentes e atuantes, de forma criativa e criadora,

interagindo, questionando e se posicionando permanentemente, no mundo acadêmico e

do trabalho.

REFERÊNCIAS

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