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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARLENE BUENO ZOLA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – a questão das políticas públicas/sociais em relação à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARLENE BUENO ZOLA

CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES – a questão das políticas públicas/sociais em relação

à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARLENE BUENO ZOLA

CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES – a questão das políticas públicas/sociais em relação

à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

Tese apresentada à Comissão Julgadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Doutor em Serviço Social, sob a

orientação da Profª. Drª. Marta Silva

Campos.

SÃO PAULO

2011

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BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________

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Às crianças e aos jovens por representarem a inspiração e

a esperança de uma sociedade mais justa e fraterna.

Ao Sergio e às crianças, Marcelo, Roberta e Luara,

pela cumplicidade da convivência familiar feliz.

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais, in memoriam. À minha mãe, Francisca, pela determinação e

empreendedorismo, e ao Nego, pelos fortes princípios éticos e valorização do

estudo.

À minha orientadora, professora doutora Marta Silva Campos, que compartilhou sua

amizade, sabedoria e confiança durante todo o processo percorrido.

À professora doutora Maria Lúcia Carvalho da Silva, pelo aprendizado, estímulo e as

preciosas sugestões no processo de qualificação.

À professora doutora Maria Liduina de Oliveira e Silva, pelas valiosas sugestões

dadas no processo de qualificação.

À professora doutora Myrian Veras Baptista, incentivadora desta realização.

Às professoras doutoras, Maria Carmelita Yasbeck, Maria Lúcia Martinelli, Raquel

Raichelis Degenszajn, pela acolhida no Programa de Pós-graduação em Serviço

Social e pelos aprendizados obtidos, nesse processo de formação.

A todos os parceiros do Projeto de Cooperação Internacional das cidades de Milão,

Nantes, Bellavista, Soriano, São Bernardo do Campo e à Associazione Amici dei

Bambini (Aibi), pelas informações, impressões e vivência durante este período.

Especial agradecimento ao prefeito à época, no Município de São Bernardo do

Campo, William Dib, e a todos os amigos e funcionários da Fundação Criança de

São Bernardo do Campo, pelo compartilhamento e compromisso durante esta

trajetória.

À Comunidade Europeia que, por intermédio do Programa URB-AL possibilitou as

condições objetivas para a realização desta pesquisa de cooperação internacional.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela

concessão da bolsa parcial de Doutorado, determinante para a consecução deste

trabalho.

Ao Sergio e às crianças, Marcelo e Roberta, pela compreensão das ausências, pelo

estímulo e carinho.

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RESUMO

ZOLA, Marlene Bueno. Convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes – a questão das políticas públicas/sociais em relação à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades. 2011.

A convivência familiar e a comunitária e a centralidade da família nas políticas públicas/sociais são temas atuais, em âmbito internacional. Respondendo à exigência de seu debate, esta tese tem por objeto de análise as diferentes conformações dos sistemas de proteção social a partir da inter-relação da família com o Estado. Parte da hipótese de que essas políticas não incorporam, em seu desenho e implantação, a devida atenção às muitas transformações, de modo geral, constatadas nas famílias, comprometendo a cobertura adequada, em termos da proteção social de seus membros, especialmente das crianças e dos adolescentes. Para verificar esse fato, os objetivos da pesquisa concentram-se em distinguir as determinações de natureza estrutural e do cotidiano que afetam as famílias, em conjunto com as respostas institucionais configuradas no bojo da política social. O processo metodológico fundamenta-se na análise sócio-histórica das abordagens conceituais sobre família, Estado e proteção social e na compreensão das determinações presentes, desde o reconhecimento da questão social à concretização da decisão política, inicialmente expressa em normatizações, até a sua efetivação, em benefícios e serviços públicos. Compreendida no período de 2005 a 2010, tem como base empírica um estudo de âmbito internacional realizado nas cidades de São Bernardo do Campo, no Brasil; Bellavista, no Peru; Soriano, no Uruguai, pela América Latina. E Milão, na Itália, e Nantes, na França, pela Europa. A aproximação analítica sobre o perfil das famílias com demanda de proteção social permitiu constatar importantes proximidades e diferenças entre esses vários locais. Entre elas, a semelhança quanto à estrutura familiar, em que se destacam o padrão monoparental feminino e as dificuldades mais expressivas relacionadas a questões econômicas, educação dos filhos, insuficiência ou inadequação no geral quanto às políticas desenvolvidas. A análise comparada das cidades sócias possibilitou reconhecer expressões da questão social que conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional, e também de apoio familiar, tanto no plano da legislação como no dos benefícios, programas, projetos e serviços. O estudo confirma a prioridade conferida à criança e ao adolescente pelas diretrizes referentes ao conjunto de ações de proteção empreendidas nas cidades estudadas. Aponta assim a importância estratégica atribuída à família como a instância provedora de proteção social. De fato, as condições de intervenção pública distinguem-se. Entre elas, podem ser observadas três modalidades de abordagem da família: o familismo; as políticas implícitas de apoio familiar; e a adoção de uma política familiar explícita. Palavras-Chave: Família; Criança e adolescente; Convivência familiar e comunitária; Proteção social; Política familiar explícita e implícita; Familismo.

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ABSTRACT

ZOLA, Marlene Bueno. Familiar and communitarian living together of children and teenagers – the issue of public/social policies related to the family: study about their possibilities in different cities. 2011. The familiar and the communitarian living together and the centrality of the family in the public/social policies are current themes, in the international environment. In response to the demand of its debate, this thesis has for object the analysis of the different configurations of the social protection systems from the inter-relationship of the family with the State. It starts from the hypothesis that these policies do not incorporate, in their design and deployment, the due attention to the several transformations, in general, verified in the families, compromising the adequate coverage, in terms of social protection of their members, especially children and teenagers. To check out this fact, the research objective focuses in distinguishing the determinations of structural nature and the day-to-day which affect the families, together with the institutional responses configured amidst of the social policy. The methodological process is founded in the social-historical analysis of the conceptual approaches about families, State and social protection and in the understanding of the present determinations, from recognizing the Social Question to the materializing of the political decision, initially expressed in norms, until its effectuation, in public benefits and services. Comprehended between 2005 and 2010, has for empirical basis a study of international scope conducted in the cities of São Bernardo do Campo, in Brazil; Bellavista, in Peru; Soriano, in Uruguay, for Latin America; and Milan, in Italy, and Nantes in France, for Europe. The analytical approximation on the profile of the families with demand for social protection allowed verifying important proximities and differences among these several locations. Among them, the similarity of the familiar structure, in which the feminine single parent standard and the more expressive difficulties related to economical issues, children education, insufficiency or inadequacy in general of the policies developed are outstanding. The comparative analysis of the partner cities allowed for the recognition of expressions of the Social Question which lead children and teenagers to institutional protection, and also the familiar support, both in the legislation area and in the benefits, programs, projects and services. The study confirms the priority given to the child and the teenager by the guidelines related to the set of protection actions carried out by the cities studied. Therefore it points out the strategic importance attributed to the family as the designed providing instance of social protection. As a matter of fact, the public intervention conditions are distinct. Among them, three kinds of family approach may be observed: the familism; the implicit policies of family support; and the adoption of explicit familiar policy. Keywords: Family; Child and teenager; Familiar and communitarian living together; Social protection; Explicit and implicit familiar policy; Familism.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................

CAPÍTULO 1. A FAMÍLIA E A PROTEÇÃO SOCIAL: DO

ASSOCIATIVISMO AO INDIVIDUALISMO.......................................................

1.1 ORIGEM DA FAMÍLIA E DO PATRIARCALISMO: DIMENSÕES

SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA.................................................................

1.1.1 A família patriarcal brasileira..........................................................

1.1.2 A criança e a família europeia: a sociabilidade na idade média

e o reconhecimento do sentimento da criança e da família...............................

1.2 A INDIVIDUALIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES DA FAMÍLIA

MODERNA.........................................................................................................

1.2.1 A individualização e a afetividade da família moderna...................

1.2.2 A individualização dos membros familiares, a questão de gênero

e as transformações da família contemporânea................................................

1.2.2.1A interdependência do trabalho e a organização familiar

doméstica: uma difícil conciliação da família contemporânea...........................

CAPÍTULO 2. O ESTADO E PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA........................

2.1 QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS...................................

2.1.1 Questão social: causalidades e expressões na atualidade............

2.1.2 Políticas públicas: ação dos governos e inter-relações entre o

Estado e sociedade civil.....................................................................................

2.2 PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA: ORIGEM E FUNDAMENTOS.........

2.2.1 A Proteção Social no Brasil: o surgimento e a prevalência do

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Seguro Social.....................................................................................................

2.3 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO E OS

AVANÇOS DE DIREITOS DE CIDADANIA: UM PROCESSO EM

CONSTRUÇÃO..................................................................................................

2.3.1 O Sistema Único de Assistência Social (Suas): um novo marco

regulatório conceitual e gerencial......................................................................

CAPÍTULO 3. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE

CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NA

POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL CONTEMPORÂNEA........................................

3.1 O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES COMO POLÍTICA PÚBLICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL....

3.1.1 A institucionalização como política de proteção social a famílias

pobres: uma retrospectiva histórica...................................................................

3.1.2 A institucionalização como dialética do abandono e do poder

disciplinar: uma cultura instituída.......................................................................

3.2 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA: UM PRINCÍPIO E

UMA ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO SOCIAL A CRIANÇAS E

ADOLESCENTES..............................................................................................

3.3 A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:

DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE O LUGAR ATRIBUÍDO À FAMÍLIA

NA PROTEÇÃO SOCIAL...................................................................................

CAPÍTULO 4. UMA EXPERIÊNCIA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

PARA PROTEÇÃO SOCIAL DE CRIANÇAS, ADOLESCENTES E

FAMÍLIAS..........................................................................................................

4.1 O PROJETO DE COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA ENTRE

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LOCALIDADES DA AMÉRICA LATINA E EUROPA..........................................

4.1.1 O projeto comum: antecedentes, concepção, objetivos e

dinâmica.............................................................................................................

4.1.2 A metodologia da pesquisa: um estudo prático em análise

comparada.........................................................................................................

4.1.2.1 Breve caracterização das localidades da América Latina e

Europa parceiras do projeto de cooperação internacional.................................

4.2 EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL QUE CONDUZEM AO

ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES......................................

4.2.1 A frequência e a motivação do acolhimento institucional nas

cidades parceiras do projeto comum.................................................................

4.2.2 A família com demanda de proteção social especial: uma

aproximação empírica na cidade de São Bernardo do Campo.........................

4.2.2.1 A Fundação Criança de São Bernardo do Campo e o Centro

de Atendimento à Família (CAF): breve caracterização com antecedentes

históricos, objetivos e serviços...........................................................................

4.2.2.2 Perfil das famílias com demanda de proteção social: a

vulnerabilidade da família monoparental feminina em suas dimensões

objetivas e subjetivas.........................................................................................

4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA: UM ESTUDO COMPARADO EM DIFERENTES

LOCALIDADES..................................................................................................

4.3.1 A convivência de crianças, adolescentes e famílias: legislações,

serviços e benefícios de proteção social das cidades parceiras do projeto de

cooperação internacional...................................................................................

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4.3.2 A convivência familiar e comunitária: um direito da criança e do

adolescente e as diferentes regulações de políticas familiares nas cidades da

América Latina e Europa parceiras do projeto comum......................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

REFERÊNCIAS..................................................................................................

ANEXOS............................................................................................................

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Programação do I Encontro de Cooperação Internacional.................

Quadro 2. Programação do II Encontro de Cooperação Internacional................

Quadro 3. Perfil dos sujeitos classificados por localidade, conforme gênero,

graduação, atuação profissional e tipo de participação na pesquisa....................

Quadro 4. Motivação de acolhimento institucional por ordem de ocorrência nas

cidades parceiras do projeto comum....................................................................

Quadro 5. Perfil dos sujeitos da pesquisa, por idade, sexo, função, formação e

tempo na Instituição..............................................................................................

Quadro 6. Legislação sobre os direitos da convivência familiar e comunitária

de crianças e adolescentes por parceiro/país.......................................................

Quadro 7. Programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais básicos

para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro, segundo os objetivos.

Quadro 8. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de média

complexidade, para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro,

segundo os objetivos............................................................................................

Quadro 9. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de alta

complexidade, para os cuidados da criança e adolescente por parceiro,

segundo os objetivos............................................................................................

Quadro 10. Programas, projetos, serviços e benefícios públicos de combate à

pobreza de famílias, por parceiro, segundo os objetivos......................................

Quadro 11. Benefícios sociais de conciliação trabalho e família, por parceiro,

segundo os objetivos............................................................................................

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Dados e percentagem da população geral e de crianças e

adolescentes, por parceiro do projeto comum.....................................................

Tabela 2. Índice de desenvolvimento humano, taxa de mortalidade infantil e

taxa de analfabetismo, por parceiro do projeto comum.......................................

Tabela 3. Dados de domicílios sem esgoto, água encanada e coleta de lixo,

por parceiro do projeto comum............................................................................

Tabela 4. Frequência e percentagem de crianças e adolescentes em

acolhimento institucional, por parceiro do projeto comum...................................

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Distribuição percentual de adultos que buscam os serviços do CAF,

por gênero.............................................................................................................

Gráfico 2. Distribuição percentual dos adultos que frequentam os serviços do

CAF, por gênero....................................................................................................

Gráfico 3. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, por

estado civil.............................................................................................................

Gráfico 4. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, por faixa

etária......................................................................................................................

Gráfico 5. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme

prevalência de escolaridade..................................................................................

Gráfico 6. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme

relação de trabalho................................................................................................

Gráfico 7. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme

prevalência de renda.............................................................................................

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Aibi - Associazione Amici dei Bambini

BPC - Benefício de Prestação Continuada

CACJ - Centro de Atendimento a Criança e a Juventude

CAF - Centro de Atendimento à Família

Case - Centro de Atendimento às Medidas Socioeducativas

Caps - Centro de Apoio Psicossocial

Cepal - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CF - Constituição Federal

CIT - Centro de Iniciação ao Trabalho

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CMAS - Conselho Municipal de Assistência Social

CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social

Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Cras - Centro de Referência da Assistência Social

Creas - Centro de Referência Especializado de Assistência Social

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

Febem - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz

Fubem - Fundação Municipal do Bem-Estar do Menor

Funabem - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Idest - Instituto de Desenvolvimento Sustentável

Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LBA - Legião Brasileira de Assistência

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Loas - Lei Orgânica de Assistência Social

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome

MP - Ministério Público

NOB - Norma Operacional Básica

OIT - Organização Internacional do Trabalho

ONU - Organização das Nações Unidas

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Paefi - Serviço de Atendimento Especializado à Família e Indivíduo

Paif - Serviço de Atendimento Integral à Família

Pnad - Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PNCFC - Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

SAM Serviço de Assistência a Menores

SBC - São Bernardo do Campo

SEDH - Secretaria Nacional de Direitos Humanos

SNPDCA - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do

Adolescente

SGD - Sistema de Garantia de Direitos

Suas - Sistema Único de Assistência Social

Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância

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INTRODUÇÃO

As sociedades humanas, no decorrer da história, criam formas de proteção de

seus membros para a produção e reprodução da espécie. Nas sociedades

modernas, a proteção social dos indivíduos e da sociedade como um todo é

realizada pela combinação das funções da família, do trabalho e do Estado, que

exercem, entre si, poderes e produzem efeitos, conforme a dinâmica e as forças

sociais.

As transformações econômicas recentes que vêm impactando o mundo do

trabalho, com flexibilização de direitos trabalhistas, aumento de desemprego e

consequente crise geral do sistema de proteção social, fundado na sociedade

salarial, clamam medidas públicas reguladoras e de proteção por parte do Estado, e

apelam à solidariedade privada – à família como instância em particular.

Por sua vez, as transformações familiares, inseparáveis do massivo ingresso

da mulher no mundo do trabalho e da democratização das relações sociais,

provocam nova composição em sua institucionalidade, alteram a dinâmica interna e,

enfim, reforçam a naturalização da capacidade de proteção social da família.

Esses dois fatores provocam tensões estruturais que causam desequilíbrios

na dinâmica social e exigem novas intervenções públicas.

Nosso objeto de estudo foi escolhido de forma a compreender as

consequências daí advindas para a atenção à criança, ao adolescente e à família,

constituindo-se no reconhecimento da proteção social a partir da inter-relação de

dois dos seus pilares, a família e o Estado, numa interlocução analítica que tem por

base as literaturas brasileira e internacional em que a família é conduzida à

centralidade das políticas públicas sociais, aclamada enquanto lugar ideal de

socialização e desenvolvimento integral dos indivíduos, em especial crianças e

adolescentes.

O princípio do direito à convivência familiar e comunitária tem como

contraponto a tradição histórica da prática do acolhimento institucional como medida

de proteção social pública destinada a crianças e adolescentes pobres, construída

pela ideologia fundada na incapacidade da família em prover proteção e educação

para seus filhos.

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A motivação pelo tema da pesquisa surgiu a partir da constatação das

dificuldades em garantir o direito à convivência de crianças, adolescentes e famílias

com demanda de proteção social atendidas pela Fundação Criança de São

Bernardo do Campo (SP), nos anos de 2005 a 2008, período em que dirigi a

fundação no município. Com acesso ao serviço de acolhimento institucional,

crianças e adolescentes eram encaminhados pelo Sistema de Garantia de Direitos,

como medida de proteção, com pedido de apoio às famílias para retorno familiar.

Tratava-se de crianças e adolescentes em situação de rua, vítimas de

violência doméstica, abuso e exploração sexual, com várias deficiências,

adolescentes com abuso do uso de drogas e iniciantes no tráfico, dentre outras

situações. Afastam-se gradativamente da convivência familiar e as respostas

institucionais mostram-se insuficientes para romper o ciclo de inclusão/exclusão,

representado pelo ingresso reiterado e reproduzido circularmente do acolhimento

institucional - retorno às famílias - saída de novo para as ruas. Um fenômeno que

expõe simultaneamente as vulnerabilidades e os desvios contidos no âmbito

doméstico e nas políticas públicas.

A busca da garantia do direito às convivências familiar e comunitária de

crianças e adolescentes vem produzindo estudos, fundamentados principalmente

em experiências alternativas aos cuidados parentais. São pesquisas sobre famílias

acolhedoras, adoção e também sobre o reordenamento do acolhimento institucional,

para torná-los mais personalizados, com a preservação dos vínculos familiares e

comunitários e também com estímulo ao protagonismo da criança e do adolescente

atendidos.

Analisamos as famílias das crianças com demanda de proteção social,

condição que possibilita melhor apreender a totalidade do processo dialético que

conduz à violação do direito social nos âmbitos doméstico e público. Não se trata de

analisar como substituir as famílias das crianças em situação de vulnerabilidade,

mas, sim, de distinguir as determinações que caracterizam as dificuldades familiares,

de natureza estrutural e do cotidiano, que devem ser transformadas em respostas

institucionais expressas em políticas públicas.

A Assistência Social, um dos tripés da Seguridade Social brasileira, com

reconhecidos avanços institucionais nas duas últimas décadas, coloca na atualidade

importante desafio no sentido de proporcionar resultados concretos, expressos em

programas, projetos e serviços. Assim sendo, o presente estudo tem como proposta

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a construção do projeto ético-político do Serviço Social, vinculado a um projeto

societário em favor da ampliação e da consolidação da cidadania.

Algumas perguntas orientaram esta pesquisa, que trabalhou como objeto a

família em sua complexidade. As representações e construções sociais sobre família

que caracterizam a ação das políticas públicas expressam a realidade da família na

atualidade? Quais as expressões da questão social presentes na família que

conduzem crianças ao acolhimento institucional? A convivência familiar e

comunitária é um direito apenas da criança e do adolescente ou é também da

família? Qual o lugar ocupado pela família na política social, em suas diversas

expressões, quando a ela é atribuída centralidade?

Como hipótese sugerimos que a convivência familiar demanda ações

coletivas mais diversificadas, para fortalecer sua capacidade de proteção econômica

e relacional, pois a atual política expõe sua insuficiência na compreensão do impacto

das transformações estruturais do segmento específico que atende e da sociedade.

Os objetivos da pesquisa, de natureza exploratória e explicativa,

concentraram-se na identificação das estruturas de apoio familiar, em diferentes

cidades, reconhecendo o movimento dialético de sua configuração que avança da

apreensão da questão social para a ação de intervenção pública.

As abordagens conceituais sobre família, questão social, política social e

institucionalização compuseram o embasamento teórico deste trabalho cuja análise

sócio-histórica possibilitou situar os acontecimentos no tempo e espaço, além do

reconhecimento de suas inter-relações e forças impulsoras. Essa forma de análise

também permitiu maior distanciamento das evidências familiares e construções

teóricas menos homogeneizantes da realidade social.

Qualificada no gênero de pesquisa prática, voltada à intervenção na realidade

social, conta com dois procedimentos distintos e complementares, para a coleta de

informações e análise, realizadas no período compreendido entre 2005 a 2010. Um

deles, o levantamento de campo para aproximação empírica do perfil das famílias

com demanda de proteção social e, o outro, por intermédio de pesquisa participante,

do tipo pesquisa-ação, realizada pela cooperação internacional entre cidades da

América Latina e Europa.

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A cooperação internacional1 inclui como localidades parceiras São Bernardo

do Campo, no Brasil, Bellavista, no Peru, e Soriano, no Uruguai, pela América

Latina; Milão, na Itália, e Nantes, na França, pela Europa. A pesquisa-ação tem

como fonte de informação a combinação de técnicas de interação de experiências

na forma de seminários, oficinas, visitas técnicas, preenchimento de formulários e

consulta documental. Seus informantes são considerados sujeitos significativos,

responsáveis institucionais pelos dados fornecidos de suas cidades e países,

embasados em fontes oficiais e abordagem classificada como informações sobre

fatos.

Os dados coletados possibilitam reconhecer dados populacionais e

socioeconômicos que caracterizam as cidades e sua situação nos respectivos

países; expressões da questão social que motivam o acolhimento institucional de

crianças e adolescentes; legislação específica de proteção especial à criança, ao

adolescente e às famílias; políticas públicas/sociais de apoio familiar desenvolvidas.

Em São Bernardo do Campo, o levantamento, realizado no Centro de

Atendimento à Família (CAF), da Fundação Criança, inclui técnicas de análise

documental, análise de fichas cadastrais das famílias atendidas e entrevistas com

seis sujeitos significativos, técnicos com conhecimento direto da realidade, que

desenvolvem os trabalhos com as famílias.

Como é comum no caso de análises comparativas, observa-se que os

contextos diferenciados dificultam a construção de parâmetros seguros de análise

entre as cidades, considerando a distância entre suas realidades.

A pesquisa oferece, entretanto, a possibilidade de reconhecer, nas cidades

sócias, a prevalência de questões bastante similares - embora variando em graus e

modalidades -, como conflitos familiares que avançam para a violência doméstica,

acompanhados de problemas de saúde dos pais; níveis de pobreza, situação de rua;

abuso e exploração sexual de crianças e, também, situações de orfandade ou

abandono, que conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional.

As políticas estudadas, definidas como os conteúdos concretos da decisão

política, são identificadas a partir de legislação específica, da inserção do tema na

1 Financiada pela União Europeia, por intermédio do programa URB-AL, tem o objetivo de estimular o intercâmbio de experiências entre os parceiros interessados em encontrar soluções compartilhadas para problemas comuns. O projeto comum, com antecedentes, concepção, objetivos e dinâmica é descrito no item 4.1.1 desta tese.

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agenda política, e também, no momento de sua operacionalização, por meio de

programas, projetos, serviços e benefícios.

Identificamos a precedência de algumas delas, focalizadas na criança e no

adolescente, para a proteção e o combate de violação de direitos sociais. Quando o

objeto é a família, contudo, as cidades pesquisadas demonstram incompletude e

também grande diversidade quanto à atribuição de seu lugar no sistema de proteção

social.

O levantamento das políticas de apoio familiar possibilita reconhecer a

diversificação de serviços, que distinguem as cidades em grau de cobertura de

políticas familiares. Entre as cidades sócias, detectam-se três modalidades de

abordagem da família: o familismo; as políticas implícitas de apoio familiar; e as

políticas familiares explícitas.

A organização da tese é estruturada em quatro capítulos. O Capítulo 1 aborda

a família e a proteção social. Sobre família, realizamos um estudo sócio-histórico em

que são correlacionados os aspectos estruturais e funcionais, com dimensões

aglutinadoras de ordens social, econômica, política e afetivo-relacional. Esses

fatores são considerados tendo-se em vista que vêm garantindo, ao longo do tempo,

a forma básica de organização social para a sobrevivência, produção e reprodução

da espécie humana.

São observadas as diferentes configurações de família, que não se esgotam

em seus tempos históricos, ou com o surgimento de novos modelos. Eles

demonstram, contudo, prevalência em alguns períodos, configurando-se como

fenômenos sociais expressivos e determinados pelas ordens política, econômica e

social.

O Capítulo 2 aborda o Estado e a proteção social pública, e nele são

analisadas as relações existentes entre a questão social e as políticas públicas,

elementos constitutivos do processo que caminha do reconhecimento das

expressões de desigualdade social para as ações interventivas do Estado.

Nesse capítulo, ainda são apresentadas as abordagens conceituais

complementares de vários autores sobre a questão social na atualidade,

identificando o impacto das questões estruturais econômicas, mas com importantes

avanços analíticos que possibilitam identificar também dimensões sociais, políticas,

culturais, psicológicas e administrativas. As expressões da questão social permitem

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identificar, além dos problemas econômicos, a fragilização dos vínculos familiares na

atualidade e a inadequação das intervenções públicas realizadas.

A proteção social pública é apreendida, neste estudo, em duas correntes de

pensamento. Uma, de caráter estrutural sócio-histórico, é baseada nas concepções

e modelos do Estado. A outra, com estudos mais recentes e construção teórica mais

escassa no Serviço Social, analisa a proteção social a partir dos resultados

concretos das decisões do Estado desenvolvidas pelos governos, expressa em

políticas públicas sociais.

O Capítulo 3 tem como tema a convivência familiar de crianças e

adolescentes e a centralidade da família na política social. Possibilita identificar as

inter-relações entre o Estado e a família para o cumprimento da proteção social de

indivíduos e sociedade, as concepções instituídas que fundamentam as políticas

públicas ou as suas ausências.

É realizada, nesse capítulo, a articulação entre os temas da convivência

familiar e da centralidade da família nas políticas públicas e conclui-se que a

convivência familiar é um direito que tem como objeto a criança. O aporte teórico

sobre institucionalização possibilita evidenciar a arraigada cultura do acolhimento

fundamentada na incapacidade familiar de proteção e educação de seus filhos e,

nessa perspectiva, as alternativas parentais substitutivas da família de origem

ganham destaque pela insuficiência de políticas de apoio familiar.

No Capítulo 4 é apresentada a experiência de cooperação internacional

realizada entre diferentes cidades da América Latina e Europa para a proteção

social de crianças, adolescentes e famílias, que, tanto pela diversidade como pela

similitude encontrada entre elas, possibilita, enfim, um quadro mais amplo para a

análise de maior qualidade das especificidades que podem assumir os sistemas de

proteção social voltados à criança, ao adolescente e à família, e da constância e

necessidade de algumas ações preponderantes encontradas no geral.

O capítulo tem como base a pesquisa empírica e possibilita o exame da

hipótese geral do estudo.

Encontramos, afinal, o grande mérito desta pesquisa, pela possibilidade de

contribuir para o reconhecimento dos desafios que se colocam em termos mundiais,

e não apenas nacionais, neste campo de análise e intervenção, permitindo uma

avaliação mais realista dos obstáculos e avanços que, em ambos os níveis,

encontramos entre nós, no país.

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CAPÍTULO 1. A FAMÍLIA E A PROTEÇÃO SOCIAL: DO

ASSOCIATIVISMO AO INDIVIDUALISMO

Todas as famílias felizes se assemelham;

mas cada família infeliz é infeliz a seu modo.

(Leon Tolstoi)

O tema da família conta, na atualidade, com vasta bibliografia e sob variadas

abordagens.

A pesquisa específica sobre o tema família e proteção social recebeu impulso

nas literaturas brasileira e internacional no decorrer da década de 80 quando passa

a ter centralidade nas políticas públicas sociais em âmbito mundial. (ACOSTA &

VITALE, 2002; CAMPOS, 2008, 2003; CAMPOS & MIOTO, 2006, 2003, 2002;

CARVALHO, 2002; FERRARI & KALOUSTIA, 2004; MARTIN, 1995; SARACENO,

2004, 2010; SARACENO & NALDINI, 2003)

Nesse plano, incentivadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), são

várias as tratativas legais reguladas e reguladoras da ação dos Estados, que

remetem à importância dos laços familiares para a proteção dos seus membros e

para suas funções de produção e reprodução social.2

No Brasil, segundo a legislação e os programas sociais hoje vigentes, as

políticas de proteção social têm como diretriz a matricialidade familiar e o

reconhecimento do direito fundamental à convivência familiar e comunitária. O

ordenamento jurídico-legal reconhece também a união estável entre homem e

mulher e a formação da família por qualquer dos pais e seus descendentes, com

direitos e deveres de caráter intergeracional, de proteção de seus membros. Este se

fundamenta numa concepção ampla de família, que reconhece as transformações

sociais contemporâneas, seu papel de proteção social básica aos seus membros e

institui o protagonismo familiar na mediação da ação pública.

2 A instituição, por essas agências, em 1984, do Ano Internacional da Família, foi uma iniciativa dentro de tal esforço.

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Para tratar de nosso tema, que exige a compreensão da diversidade dos

sistemas de proteção social, no tempo e no espaço, tornou-se essencial o

reconhecimento da variação, não só da estrutura concreta dessa proteção, como

das representações e construções sociais existentes, ou idealizadas, sobre família,

que fundamentam e expressam a ação das políticas públicas na sociedade

contemporânea.

Neste capítulo, realizamos um estudo sócio-histórico correlacionando

aspectos estruturais da família e sua função protetiva, distinguindo identidades e

transformações, que foram, ao longo do tempo, garantindo sua manutenção, como

forma de organização básica da sociedade para sobrevivência, produção e

reprodução da espécie humana.

São observadas diferentes configurações e dimensões: econômica, política,

relacional e afetiva, no âmbito das famílias. No início da história da humanidade, a

organização social nômade, coletivista e matrilinear. Depois, com a fixação das

comunidades territorialmente, o surgimento da propriedade privada e o

desenvolvimento do patriarcalismo como forma de organização social. E, enfim, a

nuclearização da família seguida de suas muitas transformações na

contemporaneidade.

Analisa-se a proteção social realizada pelas famílias organizadas

coletivamente, ou o que podemos chamar de sociabilidade da comunidade, com

funções econômicas e políticas; a realizada pelas famílias organizadas

nuclearmente, estimuladas economicamente pelo processo de industrialização

calcada na solidariedade entre os gêneros na afetividade entre seus membros, mais

recentemente, o avanço da individualização das famílias e de seus membros o que

impacta na sua capacidade de proteção social.

Partimos da ideia de que as transformações realizadas na organização e na

composição da família não se manifestam de forma linear ou universal. Irrompem em

decorrência dos movimentos da sociedade e afetam a esfera do cotidiano e a

totalidade da família interferindo na capacidade de proteção social por ela praticada.

Para compreender a origem e história da família, destacamos preliminarmente

suas dimensões política e econômica, conforme elaboradas conceitualmente por

Friedrich Engels, filósofo alemão, considerado, juntamente com Karl Marx, fundador

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do socialismo científico, a partir de seu livro a Origem da Família, da Propriedade

Privada e do Estado3.

Essas dimensões políticas e econômicas também serão observadas a seguir,

mediante estudos específicos desenvolvidos a partir da sociedade brasileira.

Apoiamo-nos no importante trabalho de Mariza Correa (1993), que questiona

os estudos prevalentes sobre esse tipo familiar, de patriarcado rural, indutor da

abordagem de homogeneização quanto à forma de organização social brasileira do

período colonial.

Tomamos como base o texto de Muriel Nazzari (2001), que analisa a

organização social da família paulista extensa, no período colonial, baseada no clã

familiar e seu decorrente exercício do patriarcalismo, especialmente através da

análise da vigência do costume do dote e seu significado econômico e social.

A contribuição de Philippe Ariès (1981), em História Social da Criança e da

Família, desenvolvida a partir de estudos das sociedades tradicionais europeias

também é tomada como apoio. Baseado na interpretação da vida familiar e social

das crianças, visíveis inclusive mediante estudos iconográficos, o autor defende três

teses centrais. A primeira, sobre a ausência do sentimento da infância e da família

na Idade Média; a segunda, sobre o surgimento da família envolta na grande massa

de socialização comunitária; e, a terceira, a nuclearização da família moderna, com

centralidade nos filhos, apoiada pelo fortalecimento da escola, enquanto

transmissora de conhecimentos e valores.

Sobre o processo de constituição e características da família moderna,

também são apresentados conceitos de Parsons (1980), Lasch (1999), Giddens

(2003), e Singly (2000), distinguindo, este último, o surgimento da família “moderna

2”. A família moderna 2, segundo o autor, não rompe com o modelo da família

moderna, caracterizado pela nuclearização e independência em relação à

modalidade extensa, mas acentua o processo interno de individualização e a

valorização da independência, baseada no respeito à autonomia de cada um dos

seus membros.

A democratização das relações e a contestação do patriarcalismo,

inseparáveis do acelerado ingresso da mulher no mundo do trabalho, provocam na

atualidade as transformações familiares e vários são os estudos que sinalizam essas

3 A primeira edição do livro é datada de 1884.

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determinações, para sua composição, dinâmica e proteção dos membros familiares.

(GIDDENS, 2003; CASTELLS, 2002; SARACENO, 2003, 2004; ESPING-

ANDERSEN, 2009)

Os tipos de famílias observados a partir dessa breve análise sócio-histórica,

não se esgotam em seus tempos, ou com o surgimento de novos modelos, mas, na

verdade, demonstram prevalência em alguns períodos, configurando-se como

fenômenos sociais datados, determinados pelas ordens política, econômica e social.

Permeados por valores patriarcais que atravessam os tempos, convivem com

um processo cada vez mais comum de individualização da família e aumento da

demanda por proteção social pública, apesar de ainda continuar a ser, simbolizados

no imaginário coletivo, a partir de visão funcionalista de um grupo privilegiado de

proteção social.

Para compreender a família em sua permanência e contínua transformação,

examinamos, inicialmente, diferentes e importantes abordagens teóricas.

1.1 ORIGEM DA FAMÍLIA E DO PATRIARCALISMO: DIMENSÕES

SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA

Segundo Engels (2009), a concepção sobre família, em meados de 1800,

concretizava-se na forma patriarcal baseada nos Cinco Livros de Moisés. À exceção

do reconhecimento da promiscuidade sexual existente nos tempos primitivos, os

valores fundados na visão da sagrada família não davam espaço para outros

padrões ou formas de organização familiar. O reconhecimento da existência de uma

teoria sobre a história da família, pelos ingleses, foi atribuído ao escocês John

Ferguson McLennan, em 1865, conforme Engels (2009).

A partir de estudos sobre povos primitivos, McLennan identificou duas formas

de casamentos e, em ambas, a centralidade de organização e reprodução da

espécie humana se dava a partir da descendência feminina. Relata a existência de

tribos que realizavam seus casamentos dentro do próprio convívio grupal e, outras, a

partir do rapto de mulheres de outras tribos.

Decorrente do desequilíbrio numérico entre os sexos, com menor número de

mulheres, nas tribos primitivas identificadas os vários homens compartilhavam a

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mesma mulher. Nessas formas de família, em que a paternidade era desconhecida,

as sociedades se organizavam predominantemente em torno da mãe e a linhagem

de parentesco reconhecida era a matrilinear.

Engels (2009) considera, ainda, decisivos para a compreensão da história da

família, os estudos de Lewis Henry Morgan, de 1871, realizados nos Estados

Unidos, sobre o sistema de parentesco dos índios iroqueses. Amplamente

reconhecido pela classificação da pré-história da humanidade, Morgan distingue três

épocas principais: o estado selvagem, período em que predomina a apropriação de

produtos da natureza; a barbárie, na qual surge a criação de gado e a agricultura,

por meio do trabalho humano, e a passagem à civilização, com a invenção da

escrita, da arte e da indústria. A análise desses estudos permite identificar

determinantes para o conhecimento da origem e das mudanças da família.

Dessa classificação pré-histórica da humanidade, cuja formulação custou a

Morgan cerca de 40 anos de pesquisa, conforme Engels (2009), distingue-se a

família como um elemento ativo, dinâmico, não ocorrendo o mesmo com o sistema

de parentesco, mais passivo e permanente. Considera, nessa fase da história

primitiva, a constituição de quatro formas de família: a consanguínea; a punaluana; a

sindiásmica e a monogâmica.

A consanguínea é considerada a primeira etapa de família, classificada pela

conjugalidade grupal, de vários maridos e mulheres entre si, não ocorrendo,

entretanto, o incesto entre pais e filhos. A punaluana, além da exclusão da

conjugalidade entre pais e filhos, também exclui a relação sexual entre os irmãos. A

limitação da reprodução consanguínea constitui a gens, como base da ordem social,

nesse período de vivência sexual coletiva e em decorrência do desconhecimento da

participação masculina na reprodução, a descendência é estabelecida pelo lado

materno. A matrilinearidade constituía a base da organização social (ENGELS,

2009).

A sindiásmica é constituída a partir da união por pares, de homens e

mulheres, que se formavam dentro dos grupos, determinados por relações principais

estabelecidas entre um e outro. Engels (2009) ressalta, nesse tipo de família, as

novas forças impulsoras da ordem social contemporânea, e as condições para as

alterações funcionais da família e sua dimensão socioeconômica.

A partir da união entre casais, é evidenciada a figura do verdadeiro pai e,

também, do surgimento de uma nova riqueza pertencente à família, com a

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introdução da agricultura, da criação do gado, de ferramentas e utensílios. Isso

possibilita a compreensão das determinações socioeconômicas da ruptura e

mudança do direito da gens materna, para a gens paterna. Constitui-se assim a

família monogâmica e, com ela, o patriarcado. Segundo Engels (2009), os

“objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a

procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele” (p.67).

Essa nova família monogâmica, que garante a herança dos bens aos filhos

legítimos instaura a nova ordem social, passa a ter o predomínio masculino, com o

indiscutível reconhecimento da paternidade dos filhos, seus herdeiros diretos,

importantes como força de trabalho e para que a família passe a ter sólidos vínculos

conjugais. É própria da passagem das sociedades para a civilização, segundo o

autor, centrada na descendência patrilinear (ENGELS, 2009).

Para Engels (2009), a família monogâmica não aparece na história pelo amor

sexual individual ou pelos vínculos de aliança, mas, sim, a partir da constituição do

patriarcalismo e de sua correlação com o início da propriedade privada, primeiro

antagonismo e a primeira opressão de classes, exercida do homem sobre a mulher.

Essa constatação feita por Engels (2009) baseia-se na análise de que nos

antigos lares coletivistas, com vários casais e seus filhos, a organização e os

cuidados dos membros familiares, confiada às mulheres, eram tão necessários e

coletivos, quanto a busca de alimentos, tarefa destinada aos homens. Com a família

individual monogâmica, o governo do lar perde o caráter de produção social e

transforma-se num serviço privado, que é acompanhado da opressão econômica da

mulher, submetida a relações de propriedade e poder do patriarca, que tem a posse

não apenas da propriedade, mas da família e dos empregados4.

4 O patriarcado é literalmente reconhecido como “o governo do pai”, um termo originalmente usado para descrever os sistemas sociais baseados na autoridade dos pais como chefes masculinos da unidade doméstica. Adquiriu, posteriormente, um sentido mais geral, especialmente em algumas teorias feministas, nas quais passou a significar a dominação masculina, em geral, que passa do proprietário da família na sua concepção original, para o provedor da família burguesa, mantendo a relação de dominação econômica. Ver Oxford Dictionary of Sociology e Narvaz e Koller (2006).

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1.1.1 A família patriarcal brasileira

O estudo da norte-americana Muriel Nazzari (2001), que identifica a

organização social em São Paulo, no período compreendido de 1600 a 1900, e

focalizado nas famílias que tinham posses, fundamenta as relações econômicas, de

propriedade e de poder existentes, organizadas a partir dos clãs familiares ou

famílias extensas.

A estrutura social e a familiar se confundiam e o poder do clã, com dimensões

sociais, econômicas e políticas, se fortalecia de acordo com sua representação

numérica. Ou seja, a quantidade de parentes, índios, escravos africanos, e o

casamento, indicavam a força do clã.

Conforme a autora, as famílias, representadas pelo patriarca, esposa, filhos,

outros parentes e escravos, dominavam o governo local, as atividades produtivas e

comerciais. Promoviam as grandes expedições, as bandeiras para escravização de

índios, e esta, juntamente com os casamentos, era a base da prosperidade e

aumento do patrimônio, constituída pela força de trabalho e poder.

A ligação da família com o desenvolvimento econômico era claro. O jovem

poderia iniciar seu patrimônio investindo num casamento em que a mulher era

acompanhada de dote, ou poderia se aventurar em uma bandeira (expedição para

escravização de índios). O casamento possibilitava a “formação de uma nova

empresa produtiva”, uma “aliança de negócios” não sendo, portanto, assunto privado

e sim de interesse coletivo, de caráter corporativo da família, instituído pela aliança

entre famílias. A mulher era o elo para essa união e todos os membros familiares

eram representados nesse interesse, sendo o dote da filha prioridade e um

investimento de aliança, entre as famílias de posse (Cf. NAZZARI, 2001).

Segundo a autora, o casamento era, assim, uma instituição para as famílias

com bens e não para os pobres, sem posses. Especificamente sobre a família com

posses do século XVII, ela destaca os poderes político e econômico existentes e a

função do casamento para ampliar e fortalecer o clã:

A família era a sociedade na São Paulo do século XVII, contudo o princípio organizador não era a pequena família nuclear, mas sim a ampla parentela, o clã familiar. O clã conduzia os negócios, travava as lutas, disputava o poder político e organizava as bandeiras. A

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família nuclear era a menor unidade de produção dentro do clã – como uma filial de uma empresa – estabelecida inicialmente com o dote trazido da esposa. (NAZZARI, 2001, p. 44).

O domínio na organização social e o desempenho de funções

socioeconômicas desenvolvidas pelas famílias patriarcais extensas dispensavam a

intervenção do Estado. A autora amplia a abrangência dessa autonomia dessas

famílias: “os paulistas desenvolveram grande sentimento de independência” e

isolamento das intervenções estatais, seja pelo fato da distância geográfica de

Salvador, capital administrativa do Brasil colonial até o século XVIII, como também

porque São Paulo “nada produzia de especial interesse para Portugal” (NAZZARI,

2001, p. 27).

É evidenciada, no Brasil-Colônia, a prevalência de estudos sobre a família

patriarcal, seja em, São Paulo, como é o caso deste de autoria de Murial Nazzari

(2001), como, também, os realizados por Gilberto Freire, no Nordeste (1933).

Mariza Correa (1993), em seu clássico trabalho analítico sobre a história das

formas de organização familiar no Brasil, questiona a homogeneização desse tipo de

organização familiar e das leituras sobre ela realizadas:

Iluminados por este padrão dominante,lemos nossa história a partir dele, como se nessa biografia de um personagem central se incorporassem todos os personagens centrais dos vários séculos, sempre os mesmos; como se todos os caminhos levassem natural e inexoravelmente ao caminho principal, o percorrido, e ele fosse um desdobramento também natural de uma circunstância dada, ou mesmo, um apanhado, das alternativas concretamente vividas. (CORREA, 1993, p.16).

A autora reconhece as construções teóricas existentes da nominada família

patriarcal brasileira, referenciada notoriamente nos estudos precursores de Gilberto

Freire sobre a sociedade pernambucana, dos engenhos de açúcar, e de Antonio

Cândido de Mello e Souza sobre as fazendas cafeeiras de São Paulo, e coloca em

questão se essa era a forma cotidiana de viver no período do Brasil colonial ou era o

modelo ideal dominante.

Identifica outras formas de família que conviviam nas vilas, como os

“pequenos artesãos”, os “agentes responsáveis de controle fiscal e produção”,

também os peões, que recebiam pela “paga de seu trabalho”, os pequenos

produtores rurais e participantes de outros tipos de produção econômica que não se

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limitavam ao engenho e à fazenda. E interroga sobre o modelo dominante concebido

de família patriarcal substituir outras formas de organização familiar da sociedade

brasileira. (CORREA, 1993, passim).

A padronização da família patriarcal como modelo, segundo a mesma autora,

possibilita a “ordem” social e não permite a visão dos que viviam em “desordem”,

apesar de comporem um integrado contraditório de senhor e escravo, de casa

grande e senzala (CORREA, 1993).

Mariza Correa (1993) sugere, nesse estudo, que outras releituras sejam

realizadas sobre a família patriarcal brasileira, que não se achatem as diferenças e

ignorem-se os distintos personagens, suas funções e as relações existentes.

A interpretação da organização social contida nos estudos sobre as famílias

brasileiras feitos por Mariza Correa (1993) coloca em evidência as dimensões

política e econômica. Apresenta fundamentos históricos e antropológicos da

observação e considera, em primeira análise, que a sociedade colonial brasileira,

fora da casa grande, e de seu entorno, é caracterizada como “sem história”.

A autora ressalta, entretanto, que apesar das evidências econômica e política

dos grupos de parentesco na sociedade brasileira colonial, vivia-se num período em

que a produção e circulação de mercadorias produzidas no Brasil eram dirigidas

pelo Estado português, e os valores morais pela Igreja católica (CORREA, 1993).

As famílias, representadas pelos grandes proprietários de terra, utilizavam

suas influências econômica e política e eram fortalecidas, no Brasil, pelo poder

estatal vigente. Apesar dos diferentes locais e métodos utilizados pelas autoras para

analisar o poder das famílias extensas, ou clãs patriarcais, tanto as famílias

paulistas, como as do Nordeste, figuram na época colonial, como o poder dominante

local, responsável por homogeneizar o modelo cultural da organização familiar da

época.

Conforme analisa Faleiros (2007), a burocracia do Estado colonial brasileiro

controlava os mecanismos de coleta de impostos, de distribuição de terras e de

favores, de forma conivente com as chamadas oligarquias rurais, representadas

pelas famílias patriarcais. Os patriarcas das famílias de posse, além da função de

patrão, eram os responsáveis pela lei, pela política e, na ausência do Estado,

favoreciam a manutenção do poder, a partir do exercício do poder populista sobre as

classes subalternas.

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Míriam Leite (1984), ao analisar a condição feminina no Rio de Janeiro do

século XIX, a partir da documentação da literatura de viagem, apresenta formas

diferentes de família e de convívio, tendo como prevalência para sua organização, a

relação de poder e de trabalho.

Sobre as famílias escravas e sua forma de convivência, destaca o

coletivismo, determinado pelas condições de violência e servidão. Na venda dos

escravos, raramente eram considerados os sentimentos de família ou laços de

parentesco:

{...} infelizmente, quando se vendem escravos, raramente se tomam em consideração os laços de parentesco, arrancados a seus pais, a seus filhos, esses infortunados explodem às vezes em gritos dolorosos, mas, em geral, o negro demonstra nestas circunstâncias uma tal indiferença ou um tal domínio sobre os seus sentimentos, ainda mais espantosos e inexplicáveis quando comparados à dedicação que revelam mais tarde por aqueles a que estão ligados pelo sangue. (RUGENDAS, 1821, apud LEITE, 1984, p.37).

O casamento legítimo não era permitido, aos escravos, por seus senhores,

sendo considerado prejudicial, no futuro, para a venda, em separado, de cada um

deles. Assim, era estimulada a forma associativa de organização, no interesse das

famílias de posse (BURMEINSTER, 1850, apud LEITE, 1984).

Ribeyrolles (1858), segundo cita Míriam Leite (1984), também se referindo às

famílias de escravos, trabalhadoras nas fazendas brasileiras de café, descreve a

forma coletiva de convivência e classifica como “ninhadas” sem esperanças, e não

famílias, apesar de reconhecer as fazendas como polo principal de desenvolvimento

no período colonial:

O verdadeiro estabelecimento colonial do Brasil é a fazenda de café. É aí que se concentram as atividades, as ambições, os capitais, que se encontram as melhores terras, as oficinas mais completas e os mais amplos edifícios {...} Os negros da fazenda, casados ou não, habitam compartimentos alinhados em filas ou por grupos, os quais à noite, após a ceia são fechados pelo feitor {...} O amo dá-lhe a casa, a camisa, o feijão e o milho. A fome não penetra na senzala. Nela não se morre de inanição como em White Capel ou Westminster. Mas não existem famílias: há ninhadas. Nas senzalas dos negros, nunca avistei uma flor. Não moram nelas as esperanças e as recordações. [...] (LEITE, 1984, p. 54-55).

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A autoridade patriarcal e a solidariedade da família extensa também podem

ser observadas, nesse período:

O filho, embora barbado, só raras vezes toma a liberdade de acender um cigarro na presença do pai, sem que este dê licença. Os pais tratam sempre os filhos e a si próprios na terceira pessoa e às vezes até por senhor e senhora e isso em todas as classes sociais, o que não impede que o sentimento da família se ache neles desenvolvido em alto grau. Quando um parente está na miséria, todos os membros da família acodem em seu auxílio. É raro encontrar-se uma família que não conserve como hóspede, durante semanas, meses e até anos, algum parente pobre e não lhe dê tudo de que necessita, sem que haja quem não ache esse procedimento muito natural. {...}. (LAMBERG, 1887, apud LEITE, 1984, p. 62).

A solidariedade da família extensa e o poder da economia, do trabalho e de

práticas de dominação, característicos das famílias patriarcais do meio rural

brasileiro, contribuíram, assim, para a proteção social realizada no grupo familiar.

A função de proteção social realizada no meio rural, pela sociabilidade de

famílias extensas ou da comunidade, no período colonial, pode ser observada

também em artigo intitulado Maternidade Negada, de Renato Venâncio (2008). Ao

discorrer sobre os efeitos do processo de urbanização, em contraposição à vida

existente nas áreas rurais, o autor destaca a sociabilidade das comunidades em

acolher crianças, seja como agregado ou filho de criação, reduzindo os

desequilíbrios sociais, tão acentuados nas cidades. Em suas palavras:

No campo, espaço de transformações lentas, o abandono raramente ocorria {...} vários enjeitados acabavam sendo adotadas como “filhos de criação” ou agregados por famílias {...}, na cidade, o ritmo acelerado das transformações provocava desequilíbrios. Não havia casas para acolher todos os forasteiros, não havia mercado de trabalho livre suficientemente desenvolvido para absorver quem precisava sobreviver à custa do próprio suor. A cidade agregava os pobres e não sabia o que fazer com eles. (VENÂNCIO, 2008, p. 190).

Essa revisão do passado da proteção social – notadamente quanto à

distribuição de sua responsabilidade pelas várias instâncias da sociedade - sugere

que aquela destinada aos membros da família, em especial às crianças, aconteciam

com apoios mais coletivizados. As organizações sociais coletivas desempenhavam

função social, com compartilhamento de cuidados aos seus membros.

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Além da referência às formas de sociabilidade presentes nas coletividades já

ressaltadas – as tribos primitivas e as famílias patriarcais brasileiras – é necessário

referir, ainda, à sua força na sociedade medieval e pré-industrial europeia.

1.1.2 A criança e a família europeia: a sociabilidade na idade média e o

reconhecimento do sentimento da criança e da família

Para o período compreendido entre a Idade Média e a época contemporânea,

destaca-se o conhecido estudo de Philippe Ariès (1981). Trabalhando na França, em

análise iconográfica da criança e da família ocidental, considera que o sentimento de

família não era reconhecido na Idade Média, como é na atualidade.

O autor distingue a existência da linhagem e da família, concepção que

conduz a sentimentos e valores diferentes dos da família moderna e

contemporânea. Tanto a linhagem como a família são fundamentadas na

consanguinidade, envolvendo, a primeira, todos os descendentes de um mesmo

ancestral, aglutinados pelo valor dos poderes econômico e social. Como família,

distingue as que conviviam em coabitação, com prevalência de agrupamentos

ampliados em torno de pais e filhos, ou mesmo, com a moradia comum de vários

casais. Em suas palavras:

A família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família conjugal moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de um mesmo ancestral. {...} A família, ou mesnie, embora não se estendesse a toda a linhagem, compreendia, entre os membros que residiam juntos, vários elementos, e, às vezes, vários casais, que viviam numa propriedade que eles se haviam recusado a dividir, segundo um tipo de posse chamado frereche ou fraternitas. A frereche agrupava em torno dos pais os filhos que não tinham bens próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. (Ib.,1981, p.211).

Áries (1981) atribui o fortalecimento da linhagem à menor presença do

Estado, apresentando ela um refluxo, um movimento inverso, quando da presença

acentuada daquele. No caso do Estado forte, mesmo em época de guerra, as

pessoas sentem-se mais seguras em optar por uma vida mais independente dos

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vínculos com a linhagem. Ao contrário, a solidariedade da linhagem se desenvolve

como consequência da necessidade de proteção, com o enfraquecimento do

Estado. Seu campo de referência é o da análise do poder e declínio do Estado

franco5. Observa que oscilações na procura e na forma de proteção familiar

ocorreram, nesse período, sendo a família um refúgio, diante de ameaças e

necessidades:

Na realidade, a família é o primeiro refúgio em que o indivíduo ameaçado se protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado. Mas assim que as instituições políticas lhe oferecem garantias suficientes, ele se esquiva da opressão da família e os laços de sangue se afrouxam. A história da linhagem é uma sucessão de contrações e distensões, cujo ritmo sofre as modificações da ordem política. (DUBY apud ARIÈS, 1981, p. 213).

Até o século XII, na Europa, os bens dos cônjuges não estavam fundidos e

administrados pelo marido; homens e mulheres geriam separadamente seus bens.

Essa indivisibilidade dos bens, quase sempre estendida aos filhos, gerava a

agregação prolongada nas casas dos pais. As famílias de posses, com seus

ascendentes e descendentes, permaneciam à espera da divisão dos bens e essa

tendência de indivisibilidade da família deu origem às teorias tradicionalistas da

família patriarcal (Ib., 1981).

O mesmo não ocorria nas famílias camponesas. Essas famílias viveram

menos intensamente esse estreitamento dos laços de sangue ou da linhagem. Com

o enfraquecimento do Estado, a tutela dos “senhores” era quem possibilitava a

proteção social. Mais do que a família sem posse: “A comunidade aldeã teria sido

para os camponeses o que a linhagem foi para os nobres” (ARIÈS, 1981, p. 212).

A partir dessas considerações, é possível observar a distinção de funções e

proteções realizadas pelas famílias com posses e pelas famílias pobres, na Idade

Média. As primeiras assumem funções sociais, econômicas e políticas e tendo como

referência as famílias pobres, estas dependiam do Estado ou, na sua ausência, das

famílias organizadas coletivamente, ou ao que podemos chamar de sociabilidade da

comunidade. A linhagem e a transmissão de propriedade eram fortalecidas nas

5 Os francos eram povos que na época medieval ocuparam a maior parte da Europa central e norte da Itália. Carlos Magno foi o mais famoso dos representantes do Estado franco e governou a dinastia carolíngia por 43 anos, de 771 a 814. Para mais informações sobre o Estado franco, ver a História da Civilização Ocidental, de autoria de Edward Burns (1981).

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famílias de posse, diferentemente das desapossadas, que dependiam do trabalho e

da proteção social das coletividades.

O autor questiona o conceito de família patriarcal extensa e considera que a

convivência conjunta não ultrapassava duas gerações. Sua distinção refere-se ao

conceito de família relacionado à coabitação e à intimidade, sendo o sentimento de

família “ligado à casa, ao governo da casa e à vida na casa” (ARIÈS, 1981, p. 213).

Ele atribui a concepção de família patriarcal à idealização de moralistas, sendo a

exceção aliada ao enfraquecimento do Estado, em que a solidariedade da linhagem,

ou para os pobres, a sociabilidade da comunidade, favorecem a ajuda mútua

cotidiana:

Não acredito que a família extensa (composta de várias gerações ou vários grupos colaterais) jamais tenha existido, a não ser na imaginação dos moralistas como Alberti, na Florença do século XV, ou como os sociólogos tradicionalistas franceses do século XIX, e exceto em certas épocas de insegurança, quando a linhagem devia substituir o poder público enfraquecido {...} Esta família antiga tinha por missão – sentida por todos – a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua cotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher isolados não podiam sobreviver, e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. (Id., 1981, p.10-11).

Segundo Áries (1981), não existia, antes do século XVII, o sentimento da

família e da criança como o reconhecido na atualidade. Não que não existisse, mas

era reconhecido discretamente e não exaltado como o valor de linhagem ou da

sociabilidade.

Era fora da família que as trocas afetivas, as interações sociais, ocorriam. Um

meio composto de vizinhos, criados, senhores, crianças, idosos, homens, mulheres.

Não se tratava de uma multidão anônima, eram personagens, que não eram

estranhos uns aos outros. Era como se a vida fosse vivida em público e, a ação

comunitária, a responsável pela socialização. Conforme o autor, “é como se todos

tivessem saído de casa, em vez de ficar dentro dela: há cenas de ruas e de

mercados, de jogos e de ofícios, de armas ou de aulas, de igrejas ou de suplícios”

(Id., p. 272).

As ruas, as praças, eram pontos de encontro. A densidade social não permitia

o isolamento e a sociabilidade existente diluía as famílias conjugais. Nas grandes

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casas e salões, se dava a função pública e as pequenas casas não preenchiam

funções sociais (Id.,1981).

A ausência do sentimento de família e da criança reconhecida pelo autor

fundamenta-se na omissão de representação específica das famílias e crianças na

arte medieval pelos artistas. Não que a falta de sentimento da infância significasse

que as “crianças fossem descuidadas, abandonadas ou desprezadas”, mas sim,

pela inexistência da distinção entre particularidades adultas e infantis. A passagem

da fase infantil para a adulta, para as que a ela sobreviviam, era muito rápida para o

apego, assim que saíam dos cuidados básicos de sobrevivência, já se confundiam

com o mundo adulto e nele eram socializadas. Segundo o autor, sobre a proteção e

socialização das crianças:

A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude. (ARIÈS, 1981, p.10).

A aprendizagem não se dava na família, mas pela convivência com outros

adultos. Tão logo, após a primeira infância, em torno de 6 a 7 anos, a criança era

separada da sua família para a iniciação do processo de aprendizagem, o que se

dava nas casas de outras famílias. Prática, esta, difundida em todos os níveis

sociais, baseava-se no apoio comunitário do novo ambiente para a transmissão de

conhecimentos e valores. A sociedade cuidava da criança e não a família. Sobre a

aprendizagem:

Até o meio do século XVII, tendia-se a considerar como término da primeira infância a idade de 5-6 anos, quando o menino deixava sua mãe, sua ama ou suas criadas. {...} Era através do serviço doméstico que o mestre transmitia a uma criança, não o seu filho, mas ao filho de outro homem, a bagagem de conhecimentos, a experiência prática e o valor humano que pudesse possuir {...} As pessoas não conservavam as próprias crianças em casa: enviavam-nas a outras famílias, com ou sem contrato, para que com elas morassem e começassem suas vidas, ou, nesse novo ambiente, aprendessem as maneiras de um cavaleiro ou um oficio {...}. (ARIÈS, 1981, passim).

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A ascensão do sentimento da família é um processo que se observa com o

fortalecimento do poder paterno, com a importância da religião e com o valor

atribuído à criança e à sua formação. (Id. 1981).

No século XVI ocorre o enfraquecimento da linhagem e o fortalecimento,

legalmente reconhecido, da autoridade do marido sobre a mulher e os filhos:

{...} a mulher casada torna-se uma incapaz, e todos os atos que faz sem ser autorizada pelo marido ou pela justiça tornam-se radicalmente nulos. {...} a legislação real se empenhou em reforçar o poder paterno no que concerne ao casamento dos filhos. (PELOT, 1955 apud ÁRIES, 1981, p. 214).

As imagens sobre família, consonantes às das crianças, se intensificam. O

casamento que, até então, era reconhecido como contrato passa a ter visibilidade,

sendo retratado em cerimônias religiosas e igualmente valorizadas as celebrações

de batismo, atribuindo-se mérito à família conjugal. A família passa a se organizar

em torno da criança e o surgimento da escola, apesar de não reconhecida ou

generalizada de início, possibilita mais proximidade dos filhos com as famílias e com

o sentimento de família, presente na família moderna:

A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma aproximação da família e das crianças, do sentimento de família e de infância, outrora separados. A família concentrou-se em torno da criança {...} Os tratados de educação do século XVII insistem nos deveres dos pais relativos à escolha do colégio e do preceptor {...} O clima sentimental era agora completamente diferente, mais próximo do nosso, como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo em que a escola, ou, ao menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola. (Ib., 1981, p.232).

A aproximação da criança, o sentimento de família, a preocupação com a

educação das crianças, foi transformando a sociedade. A ascensão individual e

moral da família é considerada originalmente como um fenômeno burguês. A

nobreza e o povo mantiveram por algum tempo a sociabilidade, da linhagem e da

comunidade (Ib., 1981).

A valorização das crianças e a constituição e o forte desenvolvimento das

relações intrafamiliares vão gerando a intimidade e a identidade da família moderna.

Esta, que por sua vez, assume também o papel de transmissora de valores, com a

ajuda da escola, preparando individualmente as novas gerações para a ascensão

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social. Vai sendo retraída a sociabilidade, a dimensão política da linhagem e

expandindo-se a privacidade, a base relacional interna, a afetividade, a

individualização da família.

1.2 A INDIVIDUALIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES DA FAMÍLIA

MODERNA

A individualização é apontada por vários autores como importante

determinação para as transformações existentes na família, com início em seu

processo de nuclearização e depois em seus avanços na atualidade (BECK, 2010;

NOGUEIRA, 2008; SINGLY, 2000/7; LASCH, 1999).

Os termos individualização e individuação são empregados para descrever as

transformações ocorridas na família, iniciadas com o estímulo do processo de

industrialização, ora como sinônimos, ora com distinção.

Lasch (1999) utiliza o termo individuação. Originalmente utilizado na obra de

Carl Jung, o termo individuação é um de seus conceitos centrais para explicar o

processo de ampliação de consciência do indivíduo e avanço de sua subjetivação e

individualidade6.

Marco Aurélio Nogueira (2008) define a expressão individualização como o

“processo de progressiva liberação dos indivíduos dos condicionamentos e

orientações derivados dos grupos e das tradições socialmente instituídas” (p. 130).

Considera que a individualização se faz acompanhar tanto da individualidade, que

possibilita a construção do eu, com autonomia, crescimento, como do individualismo,

com posturas competitivas e comportamentos possessivos.

Singly (2000/7) atribui duas dimensões ao processo de individuação

atualmente existente na família, que possibilita aos seus membros o sentimento de

liberdade: a autonomia e a independência. A independência é principalmente

analisada em sua perspectiva econômica, em que o indivíduo, graças aos seus

recursos pessoais, depende cada vez menos dos outros. E a autonomia é o

conhecimento do mundo em que se insere.

6 Para aprofundamento sobre o tema, ver Teorias da Personalidade (CLONINGER, 2009).

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Beck (2010) considera individualização um conceito sobrevalorizado e mal

compreendido. Distingue duas concepções contidas no emprego conceitual de

individualização, que podem justificar o uso de palavras diferentes e explicar o

processo de transformação das famílias. Uma dimensão refere-se a “uma mudança

imanente em termos de consciência e posicionamento de pessoas”, de âmbito

individual. E a outra, no âmbito das relações com a sociedade, representando “o

início de um novo modo de socialização, como um tipo de ‘transformação formal’ ou

‘categorial’ no relacionamento entre indivíduo e sociedade” (Ib., 2010, p. 189).

Segundo o mesmo autor, a equiparação de individualização com individuação

é insuficiente, para a apreensão do fenômeno de mudanças atualmente existentes,

dentro e fora da família. E indica, no conceito de individualização três momentos,

que ocorrem em condições objetivas e subjetivas da vida pessoal, que caminha da

libertação, para o desencantamento e depois para uma nova forma de

reintegração:

{...} desprendimento em relação à formação e vínculos sociais estabelecidos historicamente, no sentido de contextos de domínio e provimento (“dimensão de libertação”), perda de seguranças tradicionais, com relação às formas sabidas de atuação, crenças e normas de direcionamento (“dimensão de desencantamento”) e – com o que o sentido do conceito se converte em seu contrário – uma nova forma de enquadramento social (“dimensão do controle e da reintegração”). (BECK, 2010, p. 190).

Esse processo, representado em escala ampliada na sociedade atual, é

observado originalmente com a nuclearização das famílias, em sua autonomia, das

tradições fundadas no patriarcalismo da família extensa, com a liberação dos filhos

da autoridade dos pais, constituindo novas famílias, por meio do casamento. Depois,

com o processo no âmbito dessa nova família constituída. Além da individualização

da família, também, a individualização na família.

Padronizamos, neste trabalho, o uso do termo individualização pela sua

amplitude e identificamos em seu processo a base afetivo-relacional.

Reconhecemos a consolidação da família nuclear e suas novas configurações na

atualidade, indissociável do ingresso no mundo do trabalho e a maior autonomia da

mulher nas sociedades. Condição, entretanto, que evidencia a necessidade de

novos equilíbrios societários para a reprodução social.

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1.2.1 A individualização e a afetividade da família moderna

A revolução industrial e seu desenvolvimento, introduzindo mudanças

profundas no sistema produtivo e acompanhando-se, no plano social, de

transformações de costumes e valores morais, influíram poderosamente na

morfologia e relações das famílias. Para dizer de forma direta, possibilitou a

prevalência da família moderna nuclear.

O aumento do emprego industrial e o consequente crescimento da

urbanização promoveram o declínio das unidades de produção doméstica e das

famílias extensas empregadoras e provocou a nuclearização das famílias de forma

ampla (LASCH, 1999; PARSONS,1980; SARACENO & NALDINI, 2003).

Identificado na Europa do século XVIII, inicialmente entre a burguesia, o

processo de nuclearização na família, conforme Ariès (1981) pode ser observado

pela mudança arquitetônica das residências, com independência dos cômodos e não

mais a construção de apenas grandes salas comuns, possibilitava mais privacidade

aos membros familiares. Um movimento de preservação da intimidade e de

moralização da sociedade, captado pelo autor, que altera significativamente a

dinâmica e as atribuições familiares. A “família deixou de ser apenas uma instituição

de direito privado para a transmissão dos bens e do nome, e assumiu uma função

moral e espiritual, passando a formar os corpos e as almas” (ARIÈS, 1981, p. 277),

tornando-se a família determinante para cuidar e socializar seus membros.

Período histórico, em que se inicia o processo de industrialização na Europa,

parece caracterizar uma determinação essencial e marco divisório para o surgimento

ou fortalecimento da família moderna conjugal. Comenta ARIÈS (op. cit.) que, nesse

momento, o crescimento do sentimento de família e sua concentração em torno do

bem-estar e futuro das crianças, com a ajuda da educação e moralização dos

costumes, conduziram ao fortalecimento da intimidade, num afastamento do anterior

gosto pela multidão.

Essa nominada família moderna nuclear, cuja constituição seguiu pelos

séculos XIX e XX, na qual os cônjuges vão habitar uma nova casa, ou mesmo outra

cidade, afastando-se de suas famílias de origem, proporcionou mais liberdade e

individualidade dos padrões de conduta. Em busca de autonomia, sem dependência

da família extensa, cada nova família formada era capaz de definir suas prioridades

e valores, fundada na dependência e apoio recíprocos entre o casal e os filhos.

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Talcott Parsons (1980) analisando a sociedade norte-americana dos anos de

1950, apreende o mesmo fenômeno da família, como uma unidade residencial, que

atenua a relação com a família extensa, sem, entretanto, eliminá-la. A maior

independência da família conjugal e a diminuição da importância das unidades de

parentesco são atribuídas, pelo autor, à autonomia econômica e à “transferência de

uma variedade de funções da família a outras estruturas da sociedade” (Ib.,1980, p.

49).

Considera que a família perde suas funções nos “níveis macroscópicos”. Não

se ocupa, com poucas exceções, da produção econômica, do sistema de poder

político, da integração social mais ampla. Os Estados, as empresas, as

universidades preenchem estes papéis e a família participa apenas individualmente.

Essa redução de atividades possibilita mais especificidade e aprimoramento das

funções vitais da família (Ib.,1980).

Conceituando a família e seu funcionamento como uma conexão inter-

relacional, sugere, a essa família, as funções essenciais da socialização das

crianças pelos adultos e, com isso, a estabilização das personalidades adultas,

configurado a família num sistema harmônico e facilitador do equilíbrio social. Em

suas palavras:

{...} primera, la socialización primaria de los hijos para que puedan hacerse en verdad miembros de la sociedad em la que han nacido; segunda, la estabilización de las personalidades adultas de los integrantes de la sociedad. La combinación de estos dos imperativos funcionales explica por qué, en el caso “normal” es cierto que todo adulto es miembro de una familia nuclear y que todos los ninõs deben iniciar su proceso de socialización en una familia nuclear. (PARSONS, 1980, p. 56) 7.

E atribui, o autor, funções sociais aos gêneros que atuam de forma solidária e

complementar. Compete à atuação masculina a esfera pública do trabalho e, à

feminina, a esfera privada do lar e dos cuidados com os filhos:

7 Primeiro, a socialização primária das crianças, para que possam ser membros verdadeiramente da sociedade em que nasceram, e, em segundo lugar, a estabilização das personalidades adultas dos membros da sociedade. A combinação destes dois requisitos funcionais explica que, no "normal" é verdade que todo adulto é um membro de uma família nuclear e todas as crianças devem iniciar o seu processo de socialização em uma família nuclear. (Tradução nossa do espanhol para o português.)

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A família “moderna” nuclear é uma unidade solidária, um sistema baseado no princípio comunalista, sendo “que a responsabilidade principal para este apoio recai sobre o membro masculino adulto da família nuclear” pai exemplar e trabalhador. Cabe à mulher casada a responsabilidade pelo cuidado dos filhos e pelos assuntos internos da família. (Ib.,1980, p. 52-55).

Entre as consequências da nuclearização familiar, estão a constituição de

novas relações internas. Agnes Heller (1987) com vasta produção intelectual sobre a

vida cotidiana, expressa como, com o processo de industrialização, se efetivaram a

distinção do trabalho do mundo externo, em relação à família, e o consequente

valor, desta última, como espaço de convivência, de intimidade, afetividade e

construção do ser:

A família permanece sendo a única forma de comunidade real é a “casa”, o “porto seguro” do indivíduo. No mundo externo, ninguém tem piedade do outro, ninguém se interessa pela personalidade do outro e é dentro da família que cada um deseja receber atenção, respeito e o reconhecimento da própria personalidade. O termo “casa”, não significa mais apenas o local de moradia, a cidade, ou o país de nascimento, “casa” é agora muito mais que isto, é sinônimo e família. Assim, a família torna-se a esfera íntima da existência, o local exclusivo onde se pode exprimir a própria emoção e agrega-se aos outros. O local onde se pode relaxar em conjunto, o local enfim onde se pode desfrutar a sensação de pertencer. Representa, ainda, o lugar onde se pode refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo, expandir a agressividade reprimida, exercitar o próprio autocontrole, repreender e vencer o outro. (Ib.,1987, p.10)

Os vínculos de pertencimento e afetivo foram naturalmente fortalecidos pelo

isolamento conjugal e a família passa, assim, a se configurar como um espaço de

privacidade, proteção, de abrigo contra os males externos a ela.

Lasch (1999) compartilha da mesma percepção que Heller (1987), ao analisar

a dinâmica interna da família e sua correlação com a “cultura de sentimentos”. Uma

concepção interpretada como necessária, para que os americanos do século XX

contivessem a ambivalência das emoções provocada pela nova ordem industrial.

Um mundo exterior, segundo o autor, insensível e dominado por mecanismos

impessoais de mercado (LASCH,1999, passim).

A competência dos membros da família moderna é também analisada por

Single (2000), que reconhece nos adultos a função de colaborar para o interesse

coletivo do grupo, principalmente para o desenvolvimento e bem-estar dos filhos.

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Tomada como referência, segundo o autor, “nos discursos sobre a idade de ouro da

família”, é um grupo de convivência regulado pelo amor e afeição. Distinguem-se as

funções de gênero, em que o marido deve se consagrar pelo trabalho e, a mulher,

se ocupar de tornar os filhos e o marido felizes, se realizando de “forma mediada,

através do sucesso do marido e dos filhos, para o qual ela contribui na sombra” (Id.,

2000, p.15-16).

Heller (1987), considerando esse período histórico, também distingue que o

“dever da mulher consistia em oferecer apoio e compaixão ao marido e pai,

restituindo-lhe a autoestima perdida” (p.10).

Essa visão tradicional que atribui funções discriminadas aos gêneros no

âmbito da família nuclear, além da necessária solidariedade interna, encerra uma

dimensão econômica de dependência, privada e pública, que é alertada por Marta

Campos e Regina Mioto (2003):

{...} o grupo familiar aparece com dupla face, a de uma unidade econômica com dependentes e ‘chefes de família’ que redistribuem renda e a de unidade ‘doadora de cuidados’, também a partir de redistribuição interna. Nele, a da mulher-mãe se espera que seja a principal provedora de cuidados para seus membros, mantendo-se economicamente dependente de seu marido. Assim supõe-se, por um lado, as responsabilidades do ‘chefe de família’ com o sustento, e por outro, as da mulher com o cuidado (p.169).

É dessa forma que, no âmbito privado, gera-se a dependência dos filhos e da

mulher ao homem provedor. Também o âmbito público é calcado na dependência do

trabalho familiar desenvolvido pela mulher. Compete a ela dar a sustentação para a

organização interna da casa, desempenhando os chamados afazeres domésticos,

que incluem os cuidados dos membros familiares, com a garantia da harmonia e do

equilíbrio interno, capaz de produzir o bem-estar e reproduzir a sociedade vigente.

Christopher Lasch (1999) coloca em questão a ideia da dedicação exclusiva

da mulher à maternidade e ao lar e defende que essa separação radical entre a vida

doméstica e o mundo do trabalho é uma invenção do século XX. Fundamenta-se em

estudos da classe média americana do final do século XIX, início do XX, em que as

mulheres não possuíam atividades remuneradas, mas, por meio de ação voluntária

e cívica, sustentaram uma gama de serviços, como creches, hospitais, bibliotecas,

entre outras ações de interesse público.

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Atribui, o mesmo autor, a propagação da imagem abstrata da família

moderna, tida como tradicional, pela ideologia cultuada pelo sistema de

comunicação, com destaque aos seriados de televisão, novidade na época, e não

pelos fatos existentes. A exceção é considerada por Lasch (1999) com o

crescimento dos subúrbios americanos, nas décadas de 1940 e 50, o que contribuiu

para o isolamento dos casais e filhos, por uma opção de liberdade que colocava à

distância tudo o que não fosse passível de escolha – trabalho, família extensa e

sociabilidade forçada:

Nos subúrbios, muito mais do que na cidade, as mulheres se tornaram mães e donas de casa em tempo integral. A chamada família tradicional, onde o marido sai para trabalhar e a esposa fica em casa com as crianças, nada tinha de tradicional. Tratava-se de uma inovação de meados do século XX, produto de uma crescente impaciência com as obrigações e imposições externas, da equação da liberdade com escolha e de eventos mundiais tumultuosos que fizeram com que o sonho de um refúgio privado nos subúrbios fosse cada vez mais sedutor. {...} Os empregados domésticos, a família extensa, os amigos e vizinhos que funcionavam como uma rede de apoio informal – todos foram excluídos do lar suburbano da classe média, com uma consequência de que as donas de casa se viram como proprietárias únicas, livres para organizar tudo que queriam (p. 123).

Saraceno e Naldini (2003) consideram a forte interdependência do mercado e

família e, essa determinação, para a existência das duas figuras complementares

criadas pela industrialização: o operário e a dona de casa, que não se constituíram,

entretanto, tão claramente de forma simultânea. A imagem da dona de casa foi

desenvolvida “mais lentamente, mantendo por muito tempo uma mistura de traços

de trabalhadora irregular, precária ou ao domicílio” (p. 50).

A industrialização, apesar de favorecer a individualização do núcleo familiar,

mantém a solidariedade econômica como forte elemento aglutinador. As divisões de

despesa, de alojamento, de preparo de alimento coletivo, de soma de rendimentos,

de cuidados familiares é o que possibilita a sobrevivência. Em algumas situações de

famílias operárias, embora com trabalhadores e rendimentos individuais, ainda nos

dias atuais, os rendimentos de várias fontes se constituem como uma “bolsa

comum”, muitas vezes administrada pela dona de casa, como um direito do conjunto

da família (SARACENO & NALDINI, 2003, p.246).

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Anthony Giddens (2003) ressalta o surgimento do valor do afeto com a

privatização da família. Considera que a unidade familiar é baseada em

“comunicação emocional” ou “intimidade emocional” e destaca três situações que

dão base afetiva à família: “os relacionamentos sexuais e de amor, os

relacionamentos pais-filhos e também a amizade” (p.70).

Utiliza-se da ideia de “relacionamento puro” para análise desses laços de

intimidade e dos processos de confiança existentes na relação, com recompensas

mútuas e apoios decorrentes do relacionamento, em que a franqueza é condição

essencial, seja em relação ao casal e, destes, na relação com os filhos. Em suas

palavras:

Designo por isso um relacionamento baseado na comunicação emocional, em que as recompensas derivadas de tal comunicação são a principal base para a continuação do relacionamento. {...} Depende de processos de confiança ativa – a abertura de si mesmo para o outro. Franqueza é condição básica para a intimidade. (Ib., 2003, p. 70).

Outra importante contribuição do autor, para o reconhecimento da afetividade,

é a correlação realizada do bom relacionamento com a democracia pública, a qual

intitula de “democracia das emoções” e fundamenta seus atributos: É preciso “ter um

ideal, se estabelecer entre iguais”, cada parte tem iguais direitos e obrigações e um

bom relacionamento é “isento de poder arbitrário, coerção e violência”8. “A conversa,

ou diálogo, é o que basicamente faz o relacionamento funcionar” (Ib., p.71).

Extensivo aos relacionamentos entre pais e filhos, a autoridade, como na

democracia, é baseada no interesse de todos, operando, entretanto, a partir do

princípio de igualdade, do diálogo, da confiança. (Ib., p.72).

As reflexões do autor sobre o relacionamento puro fundamentado na

confiança e no respeito mútuo apontam que, nesse espaço de intimidade familiar,

não comporta o sentimento de exploração, de desigualdade, opressão e, como

numa democracia ou num relacionamento baseado na cultura democrática, existem

direitos e deveres mutuamente cultivados e acordados.

Esses valores interferem diretamente no cotidiano da dinâmica conjugal e

familiar e possibilitam interpretar a tendência atual pelo qual passa a família,

8 Grifo nosso.

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destacadamente quanto às mudanças na perspectiva de gênero e à maior

participação da mulher na vida pública econômica.

1.2.2 A individualização dos membros familiares, a questão de gênero e

as transformações da família contemporânea

Anthony Giddens (2003) traz contribuição significativa para a compreensão

das transformações que vêm ocorrendo na família, em ritmo acelerado, nos últimos

anos, ao apontar a existência de uma nova base relacional no âmbito da família e ao

correlacioná-la com a democracia pública. O século XX é considerado como um

marco de intenso debate da questão democrática (SANTOS & AVRITZER, 2002;

BOBBIO, 2002; TOURAINE, 1996). Em defesa da democratização e de avanços de

cidadania, a organização e os movimentos da sociedade também avançam para a

construção de uma cultura mais democrática, no campo das relações sociais e

pessoais.

Os conflitos culturais passam a direcionar a ação dos movimentos sociais.

São os movimentos das mulheres, dos ambientalistas, dos jovens, dos negros, dos

homossexuais, que lutam por direitos individuais e sociais.9 E a visibilidade

democrática propaga os valores que, a partir do recurso democrático do diálogo e da

negociação, vai se entranhado no tecido social e as mudanças sociais vão

ocorrendo, sendo questionados os valores autoritários da sociedade.

O processo de nuclearização das famílias, da mesma forma que gera a

privacidade, espontaneidade, o apoio, a solidariedade, expõe suas incoerências

internas. Contradições que, dialeticamente, vão configurando mudanças na dinâmica

familiar e criam as condições para a construção de novas individualidades. A mulher

reivindica um processo pessoal de desenvolvimento não lhe bastando “crescer em

um mundo que fazia poucas exigências à inteligência” (LASCH, 1999, p. 126).

9 Para mais conhecimento sobre movimentos sociais ver: CARVALHO SILVA, Maria Lúcia. (Org.) Movimentos sociais em estudo e debate. São Paulo: NEMOS–PUC, n. 1, 1996 e, da mesma autora, Movimentos sociais na contemporaneidade. São Paulo: NEMOS–PUC, n. 2, 1997.

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Alexandra Kollontai (1978) em sua expressiva obra, A Nova mulher e a Moral

Sexual, ressalta o desenvolvimento da industrialização e do sistema capitalista para

a instituição da nova consciência e a individualização da mulher.

Contrariamente a Talcott Parsons (1980), ao considerar, na família moderna,

que a inserção da mulher no mercado de trabalho é tendência pontual, específica de

algumas mulheres solteiras, Kollontai (1978), em seu livro produzido em 1918, já

sinaliza que era nessa mesma realidade cotidiana que surgia a individualidade da

mulher10.

Em relação direta com o grau de desenvolvimento histórico do capitalismo, a

“nova mulher” surge do aumento quantitativo da força de trabalho e para adaptação

a esse novo cotidiano, a mulher vai se transformando psicologicamente. Tem que

mudar os valores morais “de passividade, submissão, doçura” incutidos, durante

séculos, como virtudes femininas, para “firmeza, decisão e energia”, necessidades

da nova ordem social. A maior consciência do papel de sujeição da mulher dentro

das relações de trabalho e das relações familiares, e, diante das contradições, gera

a independência. “Desperta o espírito de protesto e educa a vontade. Tudo isso

contribui para que se desenvolva e fortaleça a individualidade da mulher” (Ib., p.14-

17).

Não sem conflito com as velhas concepções, ainda enraizadas, que a

prendem e na busca do novo, “as heroínas contemporâneas têm que lutar contra um

inimigo que apresenta duas frentes: o mundo exterior e as suas próprias tendências,

herdadas de suas mães a avós” (Ib., p. 21). A nova mulher, entretanto, deixa de ser

“somente eco, instrumento e apêndice do marido” e afirma sua personalidade na

dureza do trabalho, nas dificuldades de conciliar a maternidade, nos desencontros

do amor. (Ib., p. 94).

10 Kollontai (1978) apoia suas considerações, além da prática do cotidiano, na análise de personagens da literatura e ressalta o estudo psicossociológico de Grete Meisel-Hess sobre a crise sexual. E sobre a formação da individualidade da mulher, forjadas pelas mudanças socioeconômicas e psicológicas, a autora sintetiza seu conceito de nova mulher, não sem apontar a necessidade de ações públicas para o apoio a reprodução social. Conceituando a nova mulher: “Esta é a mulher moderna: a autodisciplina, em vez de um sentimentalismo exagerado; a apreciação da liberdade e da independência, em vez de submissão e de falta de personalidade; a afirmação de sua individualidade e não os estúpidos esforços para se identificar com o homem amado; a afirmação do direito a gozar dos prazeres terrenos e não a máscara hipócrita da “pureza”, e finalmente, a subordinação das aventuras do amor a um lugar secundário da vida. Diante de nos temos, não uma fêmea nem uma sombra do homem mais sim uma mulher-individualidade” (p. 98).

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A concepção tradicional representada na família nuclear, com pai provedor e

mulher dona de casa, em que a realização da mulher se dá a partir dos resultados

obtidos pelo marido e filhos, passa a ser insuficiente para a manutenção da relação

conjugal. É uma relação, conforme já citado por Giddens (2003), que se fundamenta

nos laços de confiança, com recompensas mútuas. O rompimento da confiança e do

respeito mútuo provoca crises e rupturas de relacionamentos ocasionando

transformações na família atual.

Castells (2002) atribui as transformações na família contemporânea à

contestação do patriarcalismo, caracterizado, pelo autor, não na acepção da tradição

do patriarca, mas, sim, pela “autoridade, imposta institucionalmente, do homem

sobre a mulher e filhos no âmbito familiar” (p. 169) de natureza cultural, com valores

estabelecidos e reproduzidos, histórica e socialmente.

O autor considera um processo irreversível na atualidade, acelerado pela

confluência de quatro elementos contributivos ocorridos:

Sugiro a hipótese de que o motivo tem por base a combinação de quatro elementos: primeiro a transformação da economia e do mercado de trabalho associada à abertura de oportunidades para as mulheres (...) segundo lugar, vêm as transformações tecnológicas ocorridas na biologia, farmacologia e medicina, proporcionando controle cada vez maior sobre a gravidez e a reprodução humanas (...) terceiro (...) consequência dos movimentos sociais da década de 60 (...) o quarto elemento a induzir o desafio ao patriarcalismo é a rápida difusão de ideias em uma cultura globalizada, em um mundo interligado por onde pessoas e experiências passam e se misturam, tecendo rapidamente uma imensa colcha de retalhos formada por vozes femininas, estendendo-se sobre quase todo planeta. (CASTELLS, 2002, p.171-172).

Também atribuída, a democratização das relações, à constatação da

exaustão do patriarcalismo - entendida esta como o enfraquecimento do modelo

familiar centrado na autoridade do provedor masculino - provoca implicações na

estrutura e nas relações familiares.

Pode-se citar, dentre outros, alguns indicadores que vêm atestando essa

transformação da morfologia das famílias em quase todas as sociedades na

atualidade: o aumento de número de divórcios ou separações; o aumento de filhos

fora do casamento; casamentos em idade mais tardia; permanência de filhos com

mais idade na casa dos pais; o nascimento de filhos com idade mais avançada da

mulher. Esses fatores, por sua vez, vão configurando diversas formas de

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organização familiar, como famílias nucleares, extensas, unipessoais,

monoparentais, reconstituídas depois do divórcio, casais homoafetivos.

As mudanças na sociedade sugerem a François de Singly (2000), ao analisar

a sociedade francesa e os países ocidentais, a designação das famílias atuais, com

o termo de “modernas 2”. É uma geração de mulheres socializadas e, como suas

mães, “dependentes e heterônimas”, mas que, na atualidade, valorizam a

“independência e a autonomia”. Não existe uma ruptura completa com a família

“moderna 1”, pois também são pautadas na afetividade e na intimidade, mas

reivindicam principalmente a independência econômica e a autonomia, entendida

como maior conhecimento do mundo, elementos que possibilitam a representação

de liberdade e individualidade (SINGLY, 2000, p. 18).

Distingue, ainda, o autor, que a família moderna 1 é centrada na afetividade e

na autonomia da família extensa, a partir da “construção de uma lógica de grupo”. E

a família moderna 2, além de acentuar a lógica do amor entre seus membros, pois

seu “elemento central não é mais o grupo reunido, mas os membros que a

compõem”, busca a individualização de cada um dos membros familiares.

Caracterizada como busca de conciliação que permita na família ser “livre junto”, no

concernente à relação conjugal e, também, nas negociações das necessidades dos

filhos (SINGLY, 2000, p. 15-16).

A família pautada no fortalecimento do eu de cada um de seus membros é

centrada na base relacional, no diálogo, na reciprocidade, na negociação, na

afetividade e na vinculação de seus membros. Não mais no poder autoritário

instituído, mas no reconhecimento das relações democráticas também presentes no

cotidiano e no valor atribuído a essas relações.

Bader Sawaia (2003) defende que a principal força que explica a permanência

da família na história da humanidade é o valor afetivo. Um afeto qualificado, não “o

poder travestido de amor”, manipulador ou a intimidade opressiva, sufocadora,

realizada a partir da “exigência de relação emocional em tempo integral”, mas sim a

que possibilita reciprocidade, o desejo comum. A família deve ser capaz de

“potencializar o desejo de construir em conjunto a liberdade e a felicidade” (p. 44-

45).

A autora fundamenta-se na concepção de afetividade espinosana,

reconhecida na célebre e complexa definição de afetos como sendo: “as afecções

do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou

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refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções”. E afetividade

compreendida pelas emoções alegres e tristes. Faz parte da capacidade do corpo

humano afetar, ser afetado, reter essas afecções, e existe mais ou menos potência,

baseada nos bons ou maus encontros. Quando o corpo é afetado de modo a

aumentar sua potência, ele apresenta alegria; em seu contrário, a infelicidade

(SPINOZA, 2009, p.98).

A base relacional em suas interações gera vínculos e tensões, encerra

consensos e dissensos e expõe felicidades e sofrimentos, quando, diante desses

últimos, pode exigir reajustamentos sociais, o que contribui para entender as novas

formas de organização do núcleo familiar.

Donati (2008) caracteriza bem os arranjos familiares contemporâneos quando

defende que “a família é definida como entrelaçamento de cursos de vida

individuais, de indivíduos que se agregam e se desagregam com maior

contingência” (p. 63). De outra forma, mas reconhecendo o mesmo fenômeno a

partir do olhar sobre o cotidiano familiar, Szymanski (2002) nomina de família

vivida, a que se constrói pelas vicissitudes da vida e que difere “quanto a estrutura,

história, modos de comunicação e expressão de emoções” (p. 26).

Essa família, também chamada de pós-moderna relacional, por Donati

(2008), evidencia sua força e sua fraqueza. Sua força, segundo o autor, está em sua

manutenção. Apesar de todas as transformações, as famílias continuam a se

formar, fundadas na afetividade, na solidariedade, na sobrevivência, na proteção e

desenvolvimento de seus membros. Essa é a força da família, que emerge de

tensões, se reaglutina e reestrutura suas redes relacionais.

E sua fraqueza, também decorrente de suas transformações e em seu

primeiro sinal de transição, como já apontado, encontra-se na forte inserção da

mulher no mercado de trabalho, fato que altera as funções consideradas

naturalizadas e instituídas, mas de difícil conciliação. A interdependência do trabalho

e a organização familiar doméstica devem ser analisadas, por seu impacto na

produção e reprodução social, com demanda na atualidade de proteção social.

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1.2.2.1 A interdependência do trabalho e a organização familiar

doméstica: uma difícil conciliação da família contemporânea

A interdependência do trabalho e a organização familiar podem ser bem

observadas pela dificuldade da família, em especial da mulher, em conciliar o

trabalho familiar com o trabalho remunerado e manter a base relacional familiar em

equilíbrio.

Esse descompasso coloca em evidência, além de desigualdades entre os

gêneros, o forte comprometimento com a produção e reprodução social,

demandando mudanças culturais e a regulação do Estado para apoiar a proteção

social de indivíduos e sociedade.

Tendo como referência Bruschini et al. (2008) fundamentada na linha

marxista, a família é um grupo social voltado à reprodução da força de trabalho a

partir da distinção das funções de gênero, no qual, os “membros do sexo feminino se

encarregariam da produção de valores de uso na esfera privada, cabendo aos

homens a produção de valores de troca, por meio da venda de sua força de trabalho

no mercado” (p. 64).

Nessa perspectiva, a família, representada pela mulher, assume a função

mediadora entre o mercado de consumo e o trabalho, quando possibilita ao

trabalhador “a reposição de suas forças para o trabalho produtivo”, por meio dos

cuidados e afazeres domésticos. E, num segundo plano, também as “tarefas da

formação da nova geração de trabalhadores para a sociedade”, com a procriação e

reprodução da espécie (BRUSCHINI et al., 2008, p.64-65).

Engels, em documento escrito em conjunto com Marx, em 1846, já afirma que

“a primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a

procriação dos filhos” (Ib., 2009, p.67).

A presença da mulher no mercado de trabalho representa a articulação entre

estas duas frentes, o trabalho produtivo e o reprodutivo, sendo, este último, até

então naturalizado e fortalecido11 pelo mercado, Estado e, também, pelos meios de

comunicação, mantendo-se oculto por longo tempo, também, nas estatísticas

oficiais.

11 Esta ideologia vem sendo fortalecida em Parsons (1980) e denunciada em Campos e Mioto (2003); Lasch (1999); Saraceno e Naldini (2003) e Bruschini et al. (2008).

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Em 1992, as pesquisas oficiais brasileiras, principalmente a Pesquisa

Nacional de Amostragem Domiciliar (Pnad), produzida pela Fundação Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passam a captar como um trabalho os

afazeres domésticos e, a partir de 2001, realizam a medição do tempo utilizado

segundo os respondentes da pesquisa.

A definição de afazeres domésticos pelo IBGE (1992) apud Bruschini et al.

(2008) é dividida em quatro eixos e apreende as atividades realizadas no âmbito

familiar:

- arrumar ou limpar toda ou parte da moradia; - cozinhar ou preparar alimentos, passar roupa, lavar roupa ou louça, utilizando ou não aparelhos eletrodomésticos para executar estas tarefas para si ou para outro(s) morador(es); - orientar ou dirigir trabalhadores domésticos na execução das tarefas domésticas; - cuidar de filhos ou menores moradores. (Ib., 2008, p. 70).

A abrangência conceitual do IBGE não abarca as atividades relacionais,

públicas e privadas, realizadas para manter a rede de solidariedade de parentesco,

de vizinhança e de serviços, também, salvo atualizações, não identifica cuidados

com outros membros familiares, como idosos, pessoas com deficiência, ou doentes.

Em trabalho anterior de Bruschini (1990, apud BRUSCHINI et al., 2008) já era

apresentada uma definição mais ampla de trabalho doméstico. Agrupando as

diversas atividades realizadas em cinco blocos, reconhece as tarefas que são

realizadas na moradia, como limpeza e arrumação; alimentação e higiene pessoal,

tanto da casa como de seus moradores; a prestação de serviços de cuidados físico

e psicológico aos familiares, inclusive acompanhamento de atividades escolares;

administração da unidade doméstica, como pagamento de contas, compras diversas

para a casa e família; e, também, a manutenção da rede de parentesco e amizades

que resultam em contatos que favorecem as redes de solidariedade e de

convivência. (Ib., 2008, p. 70-71) Este último também é apontado por outros autores

como determinante para a proteção social de famílias e indivíduos. (SARTI, 2002)

Saraceno e Naldini (2003) analisam a interdependência entre o

funcionamento do mercado de trabalho e a organização familiar na sociedade

contemporânea a partir de quatro diferentes abordagens, as quais contribuem para

compreender a dinâmica familiar e a estratificação social de gênero. Consideram o

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trabalho doméstico familiar, a divisão do trabalho na família e no sistema de

emprego, tempo de trabalho e tempo da família e a economia da família12, todos

temas articulados que evidenciam a dinâmica familiar e a difícil conciliação entre

trabalho profissional e família, destacadamente para a mulher, por que implica a

combinação dessas duas dimensões, seja pelo entrosamento como pela

sobreposição.

Ao avaliarem, na realidade europeia, os afazeres familiares, definem como

um trabalho contínuo, meticuloso e diversificado, necessário à criação, manutenção

e reprodução da família. Geralmente realizado pelas mulheres, em sua qualidade de

mães e esposas, o trabalho familiar, segundo as mesmas autoras, envolve cinco

grandes eixos de ação: os afazeres e a organização da casa; os cuidados com os

membros familiares; o trabalho ligado ao consumo e à transformação; e a

manutenção das bases relacional, pública e privada. Representam:

{...} todos os trabalhos necessários hoje em dia à reprodução e criação quotidiana da família e dos indivíduos que compõem: desde o trabalho doméstico em sentido estrito, ao trabalho de cuidados a familiares não autossuficientes por razões de idade ou invalidez, ao trabalho de consumo, que não compreende apenas a compra e eventual transformação de bens, mas também o trabalho necessário para utilizar adequadamente os serviços públicos e privados que hoje constituem uma parte importante dos recursos familiares, até ao trabalho de relação. Este último refere-se à atividade (sic) de criação e manutenção de relações, de comunicação dentro da família, entre esta e a rede parental, bem como entre a família ou cada um dos seus membros e o sistema de serviços. (Ib., 2003, p. 276-7).

Bruschini et al. (2008) considera, a partir de análises empírica e teórica, a

existência de “assimetria sexual” nessas atividades familiares. Algumas atividades

são mais compartilhadas, como pagamento de contas ou orientação escolar de

filhos, outras têm tendência a ser mais específicas, como, por exemplo, os serviços

ligados ao reparo e à manutenção da casa, que são mais peculiares do gênero

masculino e, contrariamente, as atividades de lavar e passar, mais restritas à esfera

feminina (Ib., 2008, p.72).

Destaca o debate que distingue as atividades ligadas ao “trabalho doméstico”,

das atividades de “cuidado com a família”, sendo estas últimas, na atualidade, mais

12 Grifo nosso.

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compartilhadas, embora não equilibradas entre os gêneros e com influência de idade

e socialização de gênero:

Em geral os maridos se envolvem pouco com as tarefas de limpeza e arrumação, concentrando-se mais naquelas relacionadas aos/às filhos/as. Acompanham o dever de casa, levam e/ou buscam na escola, alimentam, dão banho e trocam roupas e fraldas, embora esse comportamento não seja predominante. (BRUSCHINI et al., 2008, p. 80).

Saraceno e Naldini (2003) destacam a substituição do termo “trabalho

doméstico” por “trabalho familiar”, na Itália, como forma de incluir todos as atividades

necessárias à criação e reprodução da família, de natureza material e também

simbólica, na medida em que, além dos serviços domésticos, o trabalho familiar

exige relações, cuidados e tratamento individualizados.

A divisão do trabalho na família e no sistema de emprego é analisada por

Saraceno e Naldini (2003) a partir da correlação entre a oferta de trabalho e as

necessidades próprias da família, influenciadas pelas diferentes fases do ciclo de

vida de seus membros e pelos modelos culturais atribuídos aos gêneros feminino e

masculino.

O período de maior “plenitude” da presença masculina no trabalho é

equivalente ao de maior plenitude da mulher no trabalho familiar, observadas “pelo

menos nas fases mais exigentes da formação da família: existência de filhos

pequenos, em idade pré-escolar e escolar” (SARACENO & NALDINI, 2003, p. 263).

Apesar da domesticidade das mulheres não ser notada em tempo integral, da

existência de diferenças entre cidades e países, observa-se a “trabalhadora de

regresso” após o crescimento dos filhos e a trabalhadora em part-time, reforçando a

interdependência entre funcionamento do mercado e a organização familiar na

busca de combinação do trabalho profissional e do familiar.

Enquanto, para os homens, a forma de participação no mercado de trabalho

depende das demandas e das qualificações para o desempenho das funções,

inclusive valorizando e considerando mais responsável o homem que constitui

família, para as mulheres, especialmente as casadas, a participação no trabalho

remunerado decorre de estratégias de tempo para a conciliação com o trabalho

familiar, desempenhando trabalhos com tempos mais curtos e mais próximos da

casa. (cf. SARACENO & NALDINI, 2003)

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Sobre o uso do tempo com os afazeres domésticos e sua classificação por

gênero, na realidade brasileira, conforme dados da Pnad-IBGE de 2002, apenas

16,4% do gênero feminino declarou que não cuidava de afazeres domésticos, contra

83,6% do masculino. E considerando o número médio de horas semanais dedicado

aos afazeres domésticos, o tempo investido pelas mulheres representou 27,2 horas

e, o dos homens, 10,6 horas, o que reitera o maior tempo gasto pelas mulheres com

os afazeres domésticos. (PNAD, 2002 apud BRUSCHINI et al., 2008, p. 123-134)

Tendo como referência o número médio de horas produtivas, por gênero,

ocorre inversão, embora se mantendo muito próxima a participação feminina no

mercado de trabalho. Os homens, incluídas as horas de deslocamento, utilizam em

média 49,0 horas semanais com o trabalho produtivo, contra 43,0 horas gastas

pelas mulheres. Essas informações confirmam a conciliação de trabalho familiar,

prioritariamente realizado pela mulher (Id., 2008, p.144).

Entretanto, se considerado o tempo total gasto com o trabalho produtivo e

com o trabalho familiar, observa-se que as mulheres trabalham em média mais, com

63,6 horas, e os homens, pelo mesmo período, trabalham 58,6 horas. (PNAD, 2002,

apud BRUSCHINI et al., 2008)

Situação que se mantém, segundo as informações de 2008, pois, ao se

conjugarem as informações referentes às horas de trabalho dedicadas ao trabalho

familiar com aquelas destinadas à jornada exercida no mercado de trabalho

produtivo, constata-se que, apesar da jornada semanal média das mulheres, no

mercado de trabalho, ser inferior à dos homens, 34,8 contra 42,7 horas, ao

computar-se o trabalho realizado na esfera familiar, a jornada média semanal total

das mulheres alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a dos homens,

com 52,3 horas.

A pesquisa empírica13 realizada por Bruschini et al. (2008) reafirma que, nas

famílias de baixa renda, as mulheres abrem mão de oportunidades de

desenvolvimento profissional para dedicar-se ao cuidado dos filhos ou recorrem à

ajuda, muitas vezes, de amigos ou família extensa, para essa necessidade, pela

insuficiência de serviços públicos. Na busca de conciliação do tempo entre trabalho

13 A pesquisa intitulada Articulação Trabalho e Família: Famílias Urbanas de Baixa Renda e Políticas de Apoio às Trabalhadoras teve como público-alvo famílias urbanas de baixa renda, moradoras da cidade de São Paulo (SP) e por objetivo principal analisar a administração das dificuldades e dos conflitos que surgem na vida cotidiana de mulheres que trabalham fora de casa. (BRUSCHINI, et al., 2008)

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familiar e remunerado, possuem carreiras descontínuas, priorizam trabalhos de

menor qualificação, na sua maioria informais, e, nas famílias com duplo provedor,

seu salário é considerado como “ajuda financeira” ao domicílio (Ib., 2008, p. 93).

Com relação à economia da família, Saraceno e Naldini (2003) destacam seu

papel redistributivo de cuidados e de rendimentos, responsável por reforçar a

solidariedade interna e pela determinação do “nível de vida” familiar, o que se pode

observar pela medição de acesso ao rendimento e consumo, a partir do conjunto

familiar.

O trabalho familiar possibilita identificar uma dimensão econômica não

contabilizada e um sistema de gênero na família, essencial à sua manutenção e

reprodução, compartilhado desigualmente entre seus membros. Decorre daí que,

embora tenha importância essencial para a sociedade contemporânea, o trabalho

familiar, diferentemente da produção, que gera bens ou lucros, se constitui de

tarefas ligadas à reprodução social, consumidas individualmente, sem rendimentos

ou valor.

De caráter mais estrutural, a conciliação entre trabalho e família, para homens

ou mulheres, deve avançar em seu reconhecimento e em formas de proteção social.

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CAPÍTULO 2. O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA

A política é sempre uma combinação dialética de vontade e circunstâncias:

os sujeitos que agem não estão inteiramente livres

das circunstâncias em que agem.

(NOGUEIRA, 2008, p.98)

Este capítulo tem por objetivo identificar as relações existentes entre o

Estado, a questão social e as políticas públicas. Distingue o surgimento, as

características e abordagens conceituais sobre a proteção social pública, sua

correlação com a dinâmica e as forças sociais e a capacidade de integração social,

consideradas como determinantes para compreensão de sua origem, suas

diferenças e transformações.

Possui como base analítica os conceitos de questão social e políticas

públicas, elementos constitutivos do processo que caminha da causalidade para as

ações interventivas do Estado em relação às suas várias expressões, conforme,

também, os tipos de Estado e de poder existentes.

É realizada uma análise panorâmica das origens e trajetória da proteção

social pública, do seguro social ao Welfare State, tendo a Europa como precursora

e, no Brasil, do surgimento do seguro social ao reconhecimento do Sistema de

Seguridade Social. Resultante, este último, de amplo processo de democratização

do País.

Aponta-se a crise mundial do sistema de proteção social na sua forma de

seguro social, decorrente das transformações econômicas e do mundo do trabalho

e, em paralelo, a ascendência do processo de democratização e a busca de

avanços dos direitos sociais no Brasil e em países da América Latina. São dois

movimentos diferentes, que colocam a família em evidência pela expectativa de sua

capacidade de solidariedade interna.

Apresentamos contribuições teórico-conceituais que contribuem para o

reconhecimento e embasamento do debate atual sobre a questão social e suas

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expressões, que nos permitem identificar abordagens complementares, com

identidade sobre o impacto das questões estruturais econômicas, mas com

importantes avanços analíticos sobre outras dimensões - sociais, culturais e

psicológicas.

Vários são os autores que contribuem com os aportes teórico e conceitual

sobre o tema proteção social pública, apreendida, neste estudo, em duas correntes

de pensamento.

Uma linha de estudo, de caráter mais estrutural sobre as concepções do

Estado, com análises de caráter sócio-histórico sobre os movimentos sociais e

políticos, determinações presentes nos modelos de proteção social pública

praticada. Citamos, dentre outros, Marshall (1967a) e Esping-Andersen (1991), com

estudos baseados na realidade europeia, e Fernando Filgueira (1997) em análise

comparada da América Latina. E apoiamo-nos em contribuições de autores

brasileiros - Faleiros (2007), Behring e Boschetti (2009), Campos (2011), Jaccoud

(2009), Sposati (2001/9), Yasbeck (2008/10).

A outra corrente de pesquisa, com estudos mais recentes e construção

teórica mais escassa no Serviço Social, analisa a proteção social a partir dos

resultados concretos das decisões do Estado, desenvolvidas pelos governos,

expressa em políticas públicas. Tomamos como base textos de Draibe (2001) Frey

(2000), Souza (2006), que contribuem para a compreensão das dimensões políticas

e administrativas das políticas públicas.

O presente capítulo possibilita aporte teórico para a compreensão das

determinações presentes, desde o reconhecimento da questão social, não

perceptível na totalidade pelos diferentes agentes envolvidos, à configuração do

processo, que avança para a concretização da decisão política, inicialmente com a

inserção na agenda política, expressa em normatizações, até sua efetiva

implementação, com sistemas gerenciais e acesso à população. É um processo

complexo, que envolve forças sociais, políticas e técnicas, envoltas em uma

dinâmica social de múltiplas determinações, objetivas e subjetivas, acelerado pela

democratização das relações.

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2.1 QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Estudar a proteção social pública requer reconhecer os processos

contraditórios que afetam e imprimem dinâmica nas forças da sociedade e que

demandam a ação reguladora do Estado. Reconhecer as determinações da questão

social e a heterogeneidade de suas expressões possibilita a construção de políticas

públicas mais adequadas e avanços societários direcionados à cidadania e à

redução das desigualdades sociais.

A proposta, neste tópico, é apresentar abordagens conceituais sobre a

questão social identificando causas e manifestações, bem como as políticas

públicas, existentes ou não, que são as formas desenvolvidas pelos governos para

atuar com o tema.

2.1.1 Questão social: causalidades e expressões na atualidade

A questão social é conceituada por Marilda Iamamoto (2004) como decorrente

da constituição das relações sociais, sendo o valor de uso do trabalho nas

sociedades capitalistas, com interesses e as oportunidades distintas, o responsável

pela produção e reprodução das desigualdades sociais, que, por sua vez, se

metamorfoseiam histórica e socialmente, expondo novas formas e expressões. É um

conceito que possui dimensão de totalidade e decorre dos processos sociais

contraditórios que afetam a sociedade e interferem no cotidiano dos indivíduos.

Sobre a questão social, conforme a autora:

{...} é indissociável das configurações assumidas pelo trabalho e encontra-se necessariamente situada em uma arena de disputas entre projetos societários, informados por distintos interesses de classe, acerca de concepções e propostas para a condução das políticas econômicas e sociais. {...} constitutiva das relações sociais capitalistas, é apreendida como expressão ampliada das desigualdades sociais {...}. Sua produção/reprodução assume perfis e expressões historicamente particulares na cena contemporânea. (IAMAMOTO, 2004 b, p.10)

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E da mesma autora, sobre as várias expressões da questão social na

atualidade e a necessidade da regulação, pelo Estado, das desigualdades sociais

produzidas pela falta de acesso a bens e direitos de cidadania:

Na atualidade, a “questão social” diz respeito ao conjunto multifacetado das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. A “questão social” expressa desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização (2004a, p.17).

As expressões multidimensionais da questão social na atualidade têm sido

objeto de estudos de vários autores, em âmbitos nacional e internacional. Com

abordagens e nomenclaturas diferentes dos fenômenos existentes, derivam das

desigualdades sociais e ampliam o conceito de pobreza para outras dimensões.

(PAUGAM, 2003; CASTEL, 2007; SAWAIA, 2008; MARTINS, 2008; ESPING-

ANDERSEN, 2009)

Robert Castel (2007), tendo como referência a França, caracteriza a questão

social na atualidade como decorrente das transformações no mundo do trabalho,

com a desagregação da sociedade salarial e da perda do emprego protegido ou do

status de empregado que o trabalhador tem na sociedade. O desemprego e o

processo de precarização do trabalho, com flexibilização de contratos, ocasiona

perdas de proteção social e tem gerado, segundo o autor, três constatações

relevantes e geradoras da questão social. A desestabilização dos estáveis,

instalação na precariedade e o aumento dos sobrantes, aqueles que não

conseguem se integrar na sociedade. Considera que “a desagregação das

proteções que foram progressivamente ligadas ao trabalho que explica a retomada

da vulnerabilidade de massas e, no final do percurso, a exclusão” (Ib., 2007, p. 35).

Alerta o autor, entretanto, para o uso indiscriminado da terminologia Exclusão

Social usada na atualidade. Sua aplicabilidade heterogênea expressa imprecisão

analítica e é incapaz de distinguir os processos dos fatores causadores do fenômeno

analisado. Atribui, ao excluído, o termo de “desafiliado”, ou seja, pessoa cuja

“trajetória é feita de uma série de rupturas em relação aos estados de equilíbrio

anteriores mais ou menos estáveis, ou instáveis” (CASTEL, 2007, p. 24).

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Na mesma linha de questionar o conceito de exclusão social, José de Souza

Martins (2009) analisando a sociedade brasileira, considera seu uso inapropriado e

defende que as situações denunciadas como de exclusão social revelam, na

realidade, problemas com a inclusão. “{...} chamam de exclusão social aquilo que

constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão

precária e instável, marginal” (p. 26). Exemplifica com casos de exploração sexual

de meninas, exploração de trabalhadores, também atividades ilegais relacionadas

com o tráfico de drogas e reafirma que são problemas decorrentes da inclusão

econômica inadequada e não de exclusão.

A necessidade do uso da palavra exclusão para expressar a questão social

desvenda, entretanto, a incapacidade ou a incerteza existente, na atualidade, sobre

a abrangência explicativa da palavra pobreza, ou pobre. A dimensão do tema da

exclusão social, apesar do seu reconhecido fetichismo, “revela coisas que já

estavam lá e não éramos capazes de perceber” (Ib., 2009, p.28).

A apreensão dessa nova significação trata-se de uma nova consciência sobre

a nossa sociedade. Conforme o autor, a lógica da exclusão tem como atributo a

inclusão; faz parte da dinâmica da sociedade na busca de seus reequilíbrios; o

problema existente está na forma da inclusão realizada e esta tem se tornado mais

perceptível apenas nos últimos anos. E atribui a percepção aos padrões atuais de

desenvolvimento econômico, que vêm produzindo uma população sobrante, não

apenas transitória, com poucas chances e formas inadequadas de inclusão. Os

longos períodos de passagem da exclusão para a inclusão estão se transformando

em modo de vida de um grande número de pessoas (Ib., 2009, p.33).

Martins (2009) atribui como forma de expressar a questão social as várias

formas de inclusão, re-inclusão ou ajuste social, presentes na sociedade atual, que

ocorrem de forma paralela e marginal. É uma sociedade que se inclui em trabalhos

precários, se ajusta na economia em vários graus e formas, lícitas ou ilícitas e altera

o conceito de pobreza anteriormente reconhecido. Em suas palavras:

Este processo que nós chamamos de exclusão não cria mais os pobres que nós conhecíamos e reconhecíamos até outro dia. Ele cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político {...} Já não é o mundo dos pobres, porque as pessoas são reincluídas economicamente, em vários graus e de diferentes modos,

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que no fundo comprometem radicalmente sua condição humana. (Ib., 2009, p.34).

Serge Paugam (2003; 2008) tendo como referência a sociedade francesa,

fundamenta a dimensão de desqualificação social como uma nova expressão da

questão social na atualidade, geradora de um processo de expulsão gradativa de

pessoas do mercado de trabalho e avanço para o enfraquecimento e a ruptura dos

vínculos sociais.

Seu conceito valoriza o caráter dinâmico e multidimensional da pobreza e,

também, o status social estigmatizado atribuído ao pobre que demanda serviços de

assistência social. Três são as causas identificadas pelo autor, para a demanda

expressiva, na atualidade, de serviços de assistência social. A degradação do

mercado de trabalho, a fragilidade dos vínculos familiares e comunitários e a

inadequação das intervenções públicas realizadas14. (Ib., 2008, p.71)

Sobre a tipologia dos usuários da assistência social, distingue três categorias

analíticas, assim denominadas: os fragilizados, que se beneficiam da intervenção

pública pontualmente, os assistidos, contrariamente aos anteriores, possuem

relação de dependência dos serviços públicos e os marginais, aqueles que “não

dispõem de rendas ligadas ou derivadas de um emprego regular, tampouco de

subsídios assistenciais regulares” (Ib., 2003, p.63-64).

Facetas de uma mesma causa, decorrente de processos sociais

contraditórios constitutivos da organização social, ou de problemas decorrentes da

forma de inclusão social utilizada, os contornos da pobreza avançam do pauperismo

presente na Europa do século XIX para outras expressões, além da econômica,

também a cultural, a psicológica e perpassam pelo mundo coletivo da sociedade e

pelo mundo privado da família.

Uma nova expressão da questão social perceptível na atualidade apresentada

por Esping-Andersen (2009) é a mudança estrutural da família e da sociedade, a

partir do lugar ocupado, nela, pela mulher. Determinante para a compreensão desta

tese e presente em seus capítulos, um dos mais importantes desafios das

sociedades deste século é compreender as mudanças da dinâmica familiar e agir,

para a prevenção e proteção de seus membros.

14 Grifo nosso.

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Vários são os autores que apontam, em decorrência das mudanças na

família, a fragilização de sua capacidade de proteção. (PAUGAM, 2003; CASTELLS,

2002; SINGLY, 2000). De forma desenvolvida, a questão é observada em Esping-

Andersen (2009) quando assinala que a “revolução feminina confronta os nossos

modelos de proteção social com desafios sérios {...} e justifica-se pelo fato de afetar

profundamente o funcionamento de um de seus grandes pilares: a família” (p. 42).

A família, historicamente, tem se colocado como um dos eixos de proteção

social existentes na sociedade. Na sociedade capitalista, é a combinação da família,

do mercado e do Estado que sustenta a proteção social dos indivíduos e suas crises

exercem efeitos entre si. (ESPING-ANDERSEN, 2009)

A crise da sociedade salarial existente acentua a pobreza e a crise da família

impacta cumulativamente a capacidade de proteção social aos membros familiares.

Nas palavras do autor:

. O “colapso” da família vai se dando à medida que as mulheres se retiram das funções que lhes eram tradicionalmente atribuídas e que as gerações deixam de coabitar sob o mesmo teto. As sociedades contemporâneas são assim confrontadas com problemas de crises acumuladas, já que nem o mercado nem a família são capazes de responder de forma adequada às suas necessidades sociais. (Ib., 2009, p. 42).

A “revolução feminina”, inconclusa e irreversível, é um fenômeno de várias

ramificações sociais, que impacta a sociedade e a família. A alteração do lugar da

mulher na sociedade, principalmente pela sua maciça entrada no mercado de

trabalho e o aumento da instabilidade conjugal, transforma o modelo de família

tradicional apoiada nas funções de pai, mãe e filhos, e sobrecarrega as funções

familiares, como o cuidado das crianças e idosos.

Estudar e propor intervenções na questão social, nos dias de hoje, vai além

de reconhecer a pobreza pela falta de acesso às necessidades básicas de

alimentação ou renda, de desvantagens resultantes de deficiências, desqualificação

ou falta de acesso ao trabalho. Há expressões da questão social na atualidade que

impactam suas estruturas e alteram o tecido social. São as transformações do

mundo do trabalho e da família que provocam a expansão de riscos e exigem a ação

reguladora do Estado.

As respostas à questão social configuram formas de proteção social, que,

desenvolvidas pelo Estado, se caracterizam como políticas públicas, de caráter

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social, direcionadas a alterar uma realidade, em resposta a demandas, pressões e

prioridades presentes na sociedade. Pedem o reconhecimento das causalidades da

questão social e da heterogeneidade de situações evitando que intervenções

inadequadas resultem em forma de inclusão-excluída, e se transformem em novas

expressões da questão social.

2.1.2 Políticas públicas: ação dos governos e inter-relações entre o

Estado e a sociedade civil

A fundamentação teórica para estudos sobre política pública é ainda

considerada escassa. Datam, nos Estados Unidos, dos anos 50; na Europa, dos

anos 70; e, no Brasil, mais recentemente. Nominada como policy science, sua área

do conhecimento é multidisciplinar, embora observe-se a prevalência de abordagens

nas áreas das ciências políticas e administrativas gerenciais (FREY, 2000; SOUZA,

2006; RICO, 1998; BARREIRA & CARVALHO, 2001).

São três os principais fatores destacados por Celina Souza (2006) que

contribuíram para dar mais visibilidade aos estudos sobre política pública na

atualidade. O primeiro, a adoção de políticas restritivas de gasto público; o segundo,

relacionado ao primeiro, pela revisão do papel dos governos; e o terceiro, mais

relacionado aos países de democracia recente, como é o caso do Brasil e da

América Latina, pela necessidade de reconhecer como impulsionar as políticas

públicas direcionadas ao desenvolvimento econômico e social.

Na área do Serviço Social, observa-se o uso alternado das terminologias

política pública e política social, ora como sinônimos, ora como distinção. Potyara

Pereira (2008) considera a política social como uma “espécie do gênero política

pública” (p. 92). A espécie política social, uma classificação ou especialização que

se subordina ou deriva do gênero da política pública. A política pública, de caráter

mais geral, possui outras espécies, como, por exemplo, política econômica.

Marta Campos (2011), de outra forma, também atribui a dimensão mais

abrangente às políticas públicas, que, por sua vez, se subdividem em áreas,

podendo ser social, econômica, ou outras. Amplia o conceito quando imprime ação e

responsabilidade às políticas. Situa a política pública na esfera do Estado, da ação

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executiva dos governos e a política social trabalha nessa esfera, com as estratégias

de proteção social. Em suas palavras:

A expressão “políticas públicas” deve ser entendida no sentido das “estratégias governamentais” relacionadas às várias áreas de sua atuação.É, portanto, conotativa do investimento dos governos em áreas tanto econômicas como sociais, de grande efeito na sociedade, incluindo, por ex., transportes, produção agrícola, impostos, etc. Por “política social” designamos aquelas estratégias mais diretamente ligadas ao sistema de proteção social strictu sensu: Seguridade Social com seu tripé: saúde, previdência social e assistência social {...} (Ib., 2011, p.119).

Duas linhas de estudos sobre política pública ou política social também

podem ser observadas. A linha americana dá ênfase para a análise da ação dos

governos e a tradição europeia age como um desdobramento dos estudos de

Estado e de suas instituições, no caso desta última, os governos (SOUZA, 2006).

No Serviço Social, observam-se os dois eixos de pesquisas, um de caráter

técnico mais específico e outro político; embora interligados, possuem distinção de

referencial analítico. Um deles privilegia a materialidade, a ação executiva e a

avaliação das políticas sociais dos governos a partir do uso de técnicas de

planejamento e administração. Tem como base de estudos o reconhecimento dos

ciclos gerenciais da política pública e a análise de sua eficiência, eficácia e

efetividade. (RICO, 1998; BARREIRA & CARVALHO, 2001)

O outro, direcionado a questões analíticas estruturais, privilegia o

reconhecimento de processos políticos para a construção de projetos societário e

profissional ético-políticos e tem, na política pública, o instrumento para a

intermediação e alcance de cidadania. (NETTO, 1999; SPOSATI, 2002; IAMAMOTO,

2004; FALEIROS, 2007; YASBECK, 2008/9; CAMPOS, 2011)

A instituição das políticas públicas na área de Assistência Social se coloca

como um desafio do Serviço Social brasileiro na década de 199015 e nos dias atuais.

Um processo que tem como tema norteador, nos debates da categoria, das

universidades e extensivo à sociedade, a construção do projeto ético-político

profissional. Várias são as contribuições a essa causa inspiradas na tradição

marxista e na ruptura com o conservadorismo, que historicamente vem permeando a

15 Deveu-se ao reconhecimento da Assistência Social enquanto política pública na Constituição Brasileira de 1988 e, depois, sua operacionalização a partir de leis ordinárias, tema que será descrito no Item 2.3 deste capítulo.

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trajetória da profissão do serviço social no Brasil. (NETTO, 1999; IAMAMOTO, 2004;

YASBECK, 2009)

As diretrizes do projeto ético-político profissional são claramente expressadas

por José Paulo Netto (1999).

{...} ele envolve uma série de componentes distintos: uma imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas, práticas, etc. {...} este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero, {...} ele se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais {...}. Do ponto de vista estritamente profissional, o projeto implica o compromisso com competência. (Ib., 1999 p.7, 15-16).

O referencial gramsciano de Estado, sociedade e hegemonia é um importante

marco interpretativo ao reconhecimento dos complexos processos que antecedem a

formulação das políticas públicas, com várias inter-relações e mediações

necessárias para a definição de prioridades e inserção na agenda política.

Características próprias das sociedades democráticas, nas quais é mais

dilatada a socialização da política, a teoria de “Estado Ampliado”, defendida por

Gramsci, considera uma ampliação dialética do “Estado Restrito” de Marx. Esse,

afinado com o momento sócio-histórico, considera o Estado como expressão da

classe dominante e coercitivo para o cumprimento de suas funções e interesses. Por

sua vez, o conceito de Estado Ampliado de Gramsci, não elimina essa interpretação,

mas alarga a presença da sociedade e dos seus movimentos no interior da

superestrutura do Estado. (COUTINHO,1985).

O conceito de Estado Ampliado surge da concepção gramsciniana de

sociedade civil. Enquanto em Marx e Engels, a sociedade civil designa “o conjunto

das relações econômicas capitalistas”, em Gramsci são distintas duas esferas que

compõem a sociedade e ambas influem no Estado. A denominada “sociedade

política” e a “sociedade civil”, esta última, representada pelo “conjunto das

instituições responsáveis pela elaboração e/difusão de valores simbólicos, de

ideologias {...}” inclui os partidos políticos, as igrejas, os sindicatos, os meios de

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comunicação, os movimentos sociais organizados, dentre outros espaços

participativos que também interferem no Estado e em suas decisões, na forma direta

ou indireta, construindo novas hegemonias e avanços societários. (COUTINHO,

1985, p. 60)16

Hegemonia17 é definida como a capacidade de direção intelectual e moral das

classes sociais, políticas, econômicas, para a construção de maioria. É a conjugação

de poder e consenso, construído a partir de mediações, esta possível, em uma

sociedade democrática. Na expressão de Carlos Nelson Coutinho (1989),

hegemonia, segundo Gramsci significa “a formação de uma vontade coletiva, de um

conjunto de valores que move um sujeito coletivo e se torna, através de sua ação,

um fenômeno objetivo da realidade social” (p. 16), configurada em seu tempo e a

partir de forças sociais existentes.

Para melhor distinção da política pública, inter-relações existentes e

demarcação conceitual, tem se convencionado apontar as diferentes dimensões da

política, embora imbricadas com objetos e características diferentes.

Potyara Pereira (2008) distingue dois principais significados da política, a

política clássica e a política pública. A política clássica é a “base institucional da

atividade política”. É relacionada aos temas clássicos do processo político-eleitoral,

como partido político, parlamento, votação, governabilidade. E política pública, cuja

marca definidora “é o fato de ser pública {de todos}. {...} têm como uma de suas

principais funções a concretização de direitos de cidadania conquistados pela

sociedade e amparados pela lei” (Ib., 2008, p.101).

A literatura inglesa adota três dimensões da política, ao caracterizar os

estudos da policy science. A polity, para designar as instituições políticas, refere-se

ao ordenamento do sistema político e à estrutura institucional político-administrativa.

A politics, para denominar os processos políticos, a dinâmica do relacionamento

político para a tomada de decisões, frequentemente de caráter conflituoso, diante

dos interesses e objetivos. A policy, para nomear a política pública, considerada a

materialidade das decisões políticas para implementação dos programas de governo

(cf. FREY, 2000, p. 216-217). 16 Para melhor compreensão do conceito de Gramsci sobre sociedade civil e Estado ver Carlos Nelson Coutinho (1985) em A Dualidade de Poderes: Introdução à Teoria Marxista de Estado e Revolução. Também, Norberto Bobbio (1999) em Ensaios sobre Gramsci e o Conceito de Sociedade Civil. 17Para mais conhecimento sobre o conceito de hegemonia na área de serviço social, ver Ivete Simionatto (1999) em Gramsci: Sua Teoria, Incidência no Brasil, Influência no Serviço Social.

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O ciclo constitutivo da política pública em seus vários estágios de

planejamento e execução é uma tipologia amplamente utilizada para o

acompanhamento e definição de técnicas necessárias ao seu êxito. Suas divisões,

correlacionadas com etapas de planejamento, possuem pequenas alterações de

nomenclatura, sendo comuns três etapas distintas: a formulação, a implementação

e a avaliação da política pública (DRAIBE, 2001; FREY, 2000; SOUZA, 2006).

Sônia Draibe (2001) ressalta, na instituição das políticas públicas, as etapas

de formulação e implementação, que antecedem o estabelecimento das rotinas

expressas em programas, projetos, serviços. Relaciona, também, a importância de

planejar a formulação e implementação das políticas públicas, a partir da

identificação de fatores facilitadores ou de obstáculos, classificados, pela autora,

como “matrizes político-institucionais”, caracterizados pelas estratégias e mediações

Para maior clareza da correlação técnico-política nas políticas públicas,

identificamos uma etapa preliminar à formulação, que é a de construção da agenda

política, compondo quatro etapas do ciclo constitutivo da política pública. Tendo

como referência Draibe (2001) e Zola (2005), caracterizamos a seguir as quatro

etapas que compõem a constituição da política pública:

1. A construção da agenda política é a introdução de um tema ou demanda da

agenda social no cenário político. O tema adquire visibilidade, relevância e

torna-se prioridade pública, passando a fazer parte da vontade da política.

Numa sociedade democrática pressupõe estratégias de articulação e

mobilização social, articulação de forças diversas (do poder, do saber e do

fazer)18, existência de teses sobre o tema, a construção de consensos e de

prioridades. A metodologia participativa é uma técnica cada vez mais adotada

para a percepção, definição de problemas e de intervenção; mobilização das

18 Entendemos as várias forças do poder, do saber e do fazer, presentes e necessárias ao desenvolvimento das políticas públicas sociais. Todas têm poder, mas atribuímos ao conceito de poder, a capacidade de decisão ligada às questões estruturais políticas, econômicas. As forças do saber são as forças do conhecimento, do entendimento e da compreensão do tema, da capacidade de solução técnica para o assunto. As forças do fazer devem ter o saber, entretanto, nem sempre os possui. Nem sempre as pessoas que formulam são as mesmas que executam e nem sempre os executores participam de todo o processo. Demanda, então, aos executores, a formação, compreensão e apropriação do saber. A falta desses atributos compromete as forças responsáveis pelo fazer e a consecução dos objetivos da política pública. Portanto, são forças que participativamente devem se compromissar na construção da agenda política.

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forças sociais de apoio e de conflitos e consequente inclusão na agenda

política.

2. A formulação é a etapa caracterizada pelo planejamento e definição das

condições objetivas para a implementação. É considerada a etapa de

pesquisa sobre o assunto e seus usuários, quando são definidas as diretrizes

da política, suas demandas, seus objetivos, metas, recursos físicos, humanos

e materiais necessários e estratégias de implementação. Nesta etapa, deve

ser dimensionada a intencionalidade para atingir o conceito substancial da

política que, considerando sua função pública, comporá as informações a

serem submetidas para autorização legislativa e orçamentária.

3. A implementação trata de como as políticas passam de diretivas de

planejamento e administração para a prática, para a execução. Draibe intitula

de “anatomia do processo geral da implementação” (2001 p. 30) e aponta a

constituição de sistemas e subsistemas, sendo: sistema gerencial e decisório,

processos de divulgação e informação, de seleção de implementadores e

beneficiários, de capacitação, de sistemas logísticos e operacionais,

financiamento e gasto, provisão de recursos materiais e processos de

monitoramento e avaliação.

4. A avaliação pressupõe um acompanhamento e o julgamento, que devem

ocorrer nas várias etapas do ciclo da política pública. A avaliação é uma

medida de comparação entre a situação problema e os resultados alcançados

em suas várias etapas.

Essas considerações, acompanhadas da prática desenvolvida, possibilitam

sustentar o conceito de que política pública, da espécie social, ao equivalente da

expressão inglesa policy, é definida como os conteúdos concretos da decisão

política, representadas por um conjunto de ações ou normas de iniciativa

governamental, que asseguram os direitos sociais. Têm sua execução realizada por

meio de programas, projetos e serviços; são regulamentadas ou desenvolvidas pelo

Poder Executivo ou em parceria com setores da sociedade civil; demandam

legislações e orçamento; são direcionadas a alterar uma realidade, em resposta a

demandas, pressões e prioridades da sociedade.

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2.2 PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA: ORIGEM E FUNDAMENTOS

As famílias, as ordens religiosas e a comunidade eram nas sociedades pré-

fabris as responsáveis pela proteção social, tanto na forma de garantir a

sobrevivência pelo sistema de trabalho19, como na proteção direta de seus membros

ou na modalidade do exercício de solidariedade tradicional aos pobres (JACCOUD,

2009; MARSHALL, 1967a).

A pobreza era considerada como um fato social e não um problema social e

o trabalho como o valor e o princípio estruturante da organização social. Nas

sociedades pré-capitalistas, as iniciativas públicas, noticiadas como precursoras de

proteção social, foram as legislações inglesas. O Estatuto dos Trabalhadores (1349)

e o Estatuto dos Artesãos (1563), apesar de voltados ao trabalhador, direcionavam

não os direitos relativos ao trabalho, mas, sim, a obediência aos trabalhos e às

condições oferecidas e eram indutivas ao exercício laboral para a garantia da ordem

social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).

A Lei dos Pobres Elizabetanas (1531 e 1601) e a Nova Lei dos Pobres (1834),

por sua vez, tinham “o intuito de manter a ordem e punir a vagabundagem”. As

legislações sociais eram restritivas e agiam na intersecção da assistência e do

trabalho forçado. Disciplinavam o trabalho aos pobres com capacidades físicas,

considerado como condição da benemerência e recuperação sem, entretanto,

garantir seus direitos quanto ao trabalho realizado. Na maioria dos casos o

reconhecimento, a paga do trabalho, era a alimentação para sua sobrevivência

(BEHRING & BOSCHETTI, 2009 p. 48).

A indigência era a pobreza aparente, observada pela ação pública e esta,

tratada negativamente e centrada na incapacidade pessoal, marcava os indivíduos e

suas famílias para toda a vida. Conforme Marshall (1967a), a partir de depoimento

do funcionário da época, o status atribuído ao indigente distinguia três aspectos: a

perda da reputação, o isolamento em asilos e a cassação do direito de votar.

A origem da concepção de proteção social pública é atribuída, por vários

estudiosos do tema, ao avanço do processo de industrialização e às contradições

entre o capital e o trabalho existentes na Europa do século XIX. Diante do risco dos

19 Para aprofundamento sobre os sistemas de trabalho pré-fabril, consultar Leo Huberman (1970), em História da Riqueza do Homem.

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trabalhadores e suas famílias enfrentarem doenças, velhice, desemprego ou morte,

nos primórdios da industrialização, num mercado de trabalho competitivo e ainda

instável, se reconheceu e evidenciou na sociedade o fenômeno do chamado

pauperismo, enquanto questão social (JACCOUD, 2009; YASBEK, 2008).

Provocada pela opressão do capital sobre o trabalho, da carga horária

extenuante, da exploração da mão de obra de crianças, mulheres, idosos e do

enriquecimento cada vez maior dos intermediários, a questão social clamava pela

necessidade de intervenção. Sobre os desdobramentos, ou respostas à questão

social, Behring e Boschetti (2009), apontam as políticas sociais como forma de

proteção social:

As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento - em geral setorizadas e fragmentadas – à expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho. (Ib., 2009, p.51).

Sobre proteção social, Luciana Jaccoud (2009) define como “um conjunto de

iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e

benefícios sociais visando a enfrentar situações de risco social ou de privações

sociais” (p. 58).

A proteção social, conforme Carmelita Yasbeck (2010),é uma “intervenção do

Estado no processo de reprodução e distribuição da riqueza, para garantir o bem-

estar dos cidadãos” (p. 4).

Aldaíza Sposati (2010) ressalta o “caráter preservacionista” no conceito de

proteção social que supõe “tomar a defesa de algo, impedir sua destruição” e aponta

duas dimensões à proteção social, a “noção de segurança social” e a de “direitos

sociais”. Considera a segurança como uma “exigência antropológica do indivíduo” e

as políticas sociais como ferramentas usadas pelas sociedades para assegurarem a

proteção e os direitos sociais de seus membros (p. 21). O que possibilita atribuir, às

políticas sociais, o caráter desmercantilizado de sua função pública.

O liberalismo é a corrente de pensamento econômico predominante de

meados do século XIX até a terceira década do século XX. Alimentado

principalmente pelos pensamentos de Adam Smith, tem como eixo estruturante o

funcionamento do livre mercado e deste, regulando as relações econômicas e

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sociais, para a produção dos bens comuns a serem acessados. O trabalho e o

desejo natural das pessoas melhorarem suas condições de vida, “maximizaria o

bem-estar coletivo”, baseado no estímulo da liberdade e da competitividade.

Nessa perspectiva, é o mercado livre, com sua “mão invisível”, que regula as

relações econômicas e sociais para a produção do bem comum a ser adquirido. E,

ao Estado, compete “proteger o direito à vida, à liberdade individual e os direitos de

segurança e propriedade” (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 56).

As questões estruturais, as diferenças de oportunidades e de condições

existentes entre os indivíduos não são reconhecidas nessa concepção. A sociedade

e o mercado produzem os serviços, o bem comum e a proteção social, a serem

adquiridos no mercado e sua obtenção é uma responsabilidade pessoal, de prover o

bem-estar próprio e de sua família. A visão centrada no indivíduo ofusca a visão de

totalidade e o poder da maioria dirige a ação pública do Estado para seus interesses

pessoais, ou seja, o interesse do capital.

O final do século XIX enfrentou um forte período de depressão no mundo

industrializado e o decorrente desemprego em massa acarretou, conforme Marshall

(1967a), um novo sentimento em relação às políticas sociais. O conceito tradicional

atribuía a causa da pobreza, à “fraqueza moral” dos indivíduos em sua incapacidade

para o trabalho. O desemprego em massa descortinava outra realidade. As causas

deixavam de ser pessoais e como inerentes do sistema econômico, e para serem

vistas de forma coletiva, não mais personalizada na incapacidade pessoal.

A exploração dos trabalhadores, as denúncias de acidentes de trabalho20, o

forte desemprego, a miserabilidade da população, põem em questão a eficácia do

livre mercado para prover o bem-estar social e insere na pauta pública o tema da

proteção social e do papel regulador do Estado na dinâmica existente entre

sociedade e mercado. As palavras de Mashall (1967a) evidenciam a conjuntura e o

movimento social existentes na Inglaterra do século XIX e a inserção na agenda

política da necessidade de construção de novos consensos sociais:

{...} a altivez da Inglaterra era atacada de todas as direções. Suas cidades estavam produzindo jovens incapazes de lutar por ela, havia trabalhadores em suas indústrias reduzidos a condições às quais somente um Dickens podia fazer justiça, um terço de seus habitantes

20 Segundo Marshall (1967a), na época, circulou relatório produzido por autoridades militares inglesas sobre o expressivo número de recrutas jovens que participaram da guerra na África do Sul rejeitados por condições físicas e médicas.

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vivia numa pobreza absoluta ou à beira da mesma, e as favelas de suas cidades eram uma calamidade pública. O efeito combinado dessas descobertas foi suficientemente grande para mudar a atmosfera política e para criar possibilidades de uma ação renovada e mais resoluta. {...} O reconhecimento da necessidade de tal reavaliação e as tentativas feitas para preencher tal necessidade perturbaram profundamente o pensamento político da época e deixaram sua marca na plataforma dos partidos políticos. É notável como, com frequência, se encontravam as palavras “socialista” e “socialismo” nos discursos e escritos daqueles anos. (Ib., 1967, p. 32).

As leis trabalhistas foram os primeiros direitos sociais normatizados pelo

Estado. No formato de seguro social, com substituição de renda em momentos de

perda da capacidade para o trabalho decorrente de acidentes de trabalho, de

doenças e velhice, foi instituído, inicialmente na Alemanha, em 1883, por Otto Von

Bismarck.

Inspirado nas caixas de mutualidade, de poupança e previdência, observada

em iniciativas de trabalhadores do século XIX, para garantia da organização e fundo

de greve, a forma de seguro social fundamenta-se na contribuição de empregados e

empregadores, com a mediação e, em algumas situações, com a contribuição do

Estado (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).

Marshall (1967a) destaca, com a inovação do seguro social compulsório,

aspectos relevantes a serem considerados: “Provocava uma nova espécie de

interferência nos negócios da indústria, um novo tipo de relação entre o cidadão e o

Governo, e novos problemas de finanças e administração” (p. 58).

Sobre a relação de cidadania, sesta modalidade de seguro social, observa-se

uma nova relação de cidadania, “uma espécie de relação contratual entre o

segurado e o Estado” que atribui um direito obtido a partir da contribuição realizada

pelo trabalhador. Embora mantido de forma tripartite, também com a contribuição do

empregador e Estado, provoca efeitos e acentuada distinção entre seguro social e

assistência social. Sendo reforçado, nesta última, o sentimento de inferioridade e

vergonha e, no primeiro, o de direito social (MARSHALL, 1967a, p. 60).

O reconhecimento de direito, da proteção social regulada pelo Estado, ocorre

de forma gradual e diferenciada entre os países e, a partir dos seus movimentos, da

dinâmica e força da luta social. Pierson (1991) reconhece essa variação de proteção

social presente nos seguros sociais dos países europeus, logo após sua origem na

Alemanha e propagação por todo o continente:

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- entre 1883 e 1914, todos os países europeus implantaram um sistema estatal de compensação de renda para os trabalhadores na forma de seguros; - no mesmo período, 11 dos 13 países europeus introduziram seguro-saúde e 9 legislaram sobre pensão aos idosos; - em 1920, 9 países tinham alguma forma de proteção ao desempregado. (PIERSON, 1991 apud BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 67)

No período entre as duas guerras mundiais, apesar das diferenças de

métodos, a proteção social pública foi realizada. Suas dimensões foram ampliadas

em diversos países europeus, após a 2a Guerra Mundial, inspirada nas ideias

keynesianas sobre a necessidade de mais intervenção do Estado para regulação

das relações econômicas e sociais (BEHRING & BOSCHETTI, 2009; YASBEK,

2008; MARSHALL, 1967a).

John Maynard Keynes, em seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da

Moeda, publicado em 1936, preocupado com a crise econômica de 1929 e os

períodos de recessão, defende a intervenção estatal na economia. O objetivo é

evitar e intervir nos momentos de crise por meio de uma política fiscal, que tenha a

função de reativar o mercado e garantir o equilíbrio econômico.

Articulado ao conceito fordista, de provocar produção em grande escala para

o consumo em massa, atribuía ao Estado o poder de intervir na relação entre o

capital versus trabalho a partir da política salarial e controle de preços, controle da

política fiscal, distribuição de subsídios, oferta de créditos compatibilizada com

políticas de juros e políticas sociais (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).

O Plano Beveridge (1942) na Inglaterra, fundamentado nos princípios do

keynesianismo e fordismo, é o precursor do sistema ampliado de proteção social

britânico e de vários outros países europeus. O intitulado Welfare State tem sua

referência conceitual centrada em três eixos de responsabilidade estatal. Ou seja,

visa assegurar o pleno emprego a partir da regulação da economia, possibilitar a

universalidade de acesso a serviços sociais básicos como a saúde, a educação, a

segurança social, a habitação, e a existência de uma rede de segurança social de

serviços de assistência social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).

A ideia de Estado de Bem-Estar Social materializada consistiu na fusão de

várias medidas de proteção social e o Plano de Beveridge propôs-se a ser um

“seguro contributivo, compulsório e universal” padronizando os benefícios

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necessários à falta de renda e às contingências decorridas de um período pós-

guerra e de luta pela sobrevivência (MARSHALL, 1967a, p.100).

A interdependência entre contribuições e benefícios expressava o sentimento

de rejeição ao teste de meios21 e de dependência da assistência social, existente na

época e atribuía o conceito de direito à proteção social. Marshall (1967) sustenta, a

partir do Plano de Beveridge, o conceito de Welfare State como contributivo.

Diferentemente da contribuição individual do seguro social, fundamenta-se na

contribuição coletiva, no “assumir coletivo de riscos”, uma decisão da sociedade

investindo em proteções ou seguranças em relação a riscos identificados e

presentes na sociedade. “Aí é que está a questão; é a sociedade que concede os

direitos, e essa mesma sociedade pode ligá-los a contribuições ou não, conforme lhe

aprouver” (Ib., 1967a, p.100-101).

A reunião de riscos, identificada pela sociedade, aos seus membros,

fundamenta o pacto construído de seguro social coletivo, ou de proteção social

pública. E a contribuição realizada pode ser compreendida a partir dos impostos

pagos. Essa conjugação configura a semelhança da ação contributiva do seguro

social individual para o seguro coletivo e atribui-se, assim, o reconhecimento de

direito, status de cidadão e não de benemerência ou assistencialismo. Essa é uma

importante tese, a ser aprofundada nos dias de hoje, sobre a proteção social

contributiva ou não contributiva, haja vista que existe a tributação de impostos e a

contribuição ou taxação de todos, reconhecidas as capacidades para sua

contribuição ou aquisições de bens de consumo.

Na atualidade brasileira, a proteção social contributiva é entendida, pelos

especialistas, como a forma do seguro social. Ligada aos benefícios da previdência

social, essa forma de proteção é pré-paga individualmente pelo trabalhador que

pode usufruir dos direitos de seus benefícios. O termo proteção social não

contributiva é usado quando não se exige pagamento específico para o recebimento

do serviço, no caso de políticas públicas sociais, como saúde e assistência social

(SPOSATI, 2009; BRASIL, 2008/9).

Essa visão de proteção social tem como base comparativa a perspectiva

bismarckiana do seguro social. Em se adotando a perspectiva beveridgeana,

21 O teste de meios, ou seja, a comprovação da composição de renda familiar para recebimento de apoio pelas famílias desempregadas gerou, na Inglaterra, o sentimento de distribuição de “esmolas” a quem recebia o seguro-desemprego. Ver Marshall (1967).

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referenciada na contribuição coletiva para riscos pactuados socialmente, pode-se

defender seu caráter contributivo, a partir da distinção do gênero da contribuição

realizada, ou seja, a contribuição social securitária, de caráter coletivo e, no caso

de sua particularização, a espécie contribuição previdenciária. Ambas

consideradas contributivas e pactuadas como direito de cidadão pela sociedade.

As diferentes práticas e o caráter sócio-histórico e político da proteção social

são apontadas por Esping-Andersen (1991), em seus estudos amplamente

reconhecidos e classificados, a partir da análise em diferentes países, em três tipos

de sistemas. O tipo liberal, representado por políticas mais focalizadas nos pobres e

com a forte presença de iniciativas privadas é identificado nos Estados Unidos da

América (EUA), Canadá e Austrália. O conservador-corporativista, no qual a

prevalência da proteção social é realizada pelo trabalho e pelo seguro social

contributivo e o status de trabalhador, a exemplo da França, Alemanha e Itália, e o

social-democrata, em que ocorre maior cobertura social pública, por meio de

serviços universalizados e desmercantilizados extensivos à classe média e, segundo

o autor, característicos dos países escandinavos.

O mesmo autor ressalta que o Welfare State é a quebra da hegemonia

econômica liberal em sua capacidade de regulação social e representa, mais do que

o incremento das políticas sociais, também, “um esforço de reconstrução econômica,

moral e política” dos países ao promoverem a proteção social pública. Os valores de

justiça social e de direitos de cidadania avançam, de acordo com as determinações

capazes da configuração da “integração social” pactuada (Ib., 1995, p.73).

Essa dimensão de integração nacional nas questões sociais pode ser também

observada nas considerações de Bauman (2008) como condição de avanços das

políticas sociais na proteção da sociedade e de seus membros. Em suas palavras,

identificamos as determinações conjugadas que contribuíram para a existência do

Estado de Bem-Estar Social:

Algumas pessoas disseram que o aparecimento do Estado de bem-estar social foi um triunfo das intenções éticas, recolocando-as entre os princípios constitutivos da sociedade moderna civilizada. Outras disseram que sua introdução foi resultado da prolongada luta travada pelos sindicatos e partidos trabalhistas ao exigir seguros coletivos do Estado para garantir o sustento, ameaçado pelo curso desigual e errático do desenvolvimento capitalista. Outros analistas ainda enfatizaram o desejo do sistema político de desarmar a dissensão e evitar a possível rebelião contra tal ameaça. Todas essas

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explicações têm um tom de credibilidade, mas cada uma delas apreende parte da verdade. Nenhum dos fatores mencionados seria capaz de carregar sozinho o peso do Estado de bem-estar social por conta própria; na verdade, foi a comunhão deles que pavimentou o caminho para sua criação e assegurou um apoio quase universal para suas provisões, além de uma disponibilidade similarmente universal para dividir seus custos. (BAUMAN, 2008, p. 99)

Marta Campos (2011) corrobora com essas considerações atribuindo-as à

amplitude de forças sociais, econômicas e políticas presentes na sociedade

europeia, para sustentar a proteção social nos considerados “30 anos gloriosos”. Em

suas palavras:

Na verdade, foi precisamente o conjunto articulado de todas as forças a dar lugar e solidez ao chamado “Welfarestate”, que se desenvolveu em cerca de dezesseis países europeus, durante os chamados “30 anos gloriosos”. Isto ocorreu de forma benéfica econômica e socialmente, criando simultaneamente riqueza e bom padrão de vida para a população, num regime de trabalho e produção de massa. (Ib., 2011, p.121)

A partir dessas análises, é possível reconhecer o surgimento e a sustentação

da proteção social pública a partir dos movimentos e equilíbrios das forças

existentes na sociedade, em seu tempo e espaço, tendo como protagonistas, na

sociedade capitalista, famílias, mercado e Estado. O surgimento das políticas

públicas sociais decorre de conflitos, desequilíbrios e demandas sociais e sua

inclusão na agenda política se dá a partir de acordos configurados na sociedade e

expressos em um conjunto de iniciativas reguladas ou executadas pelo Estado com

o objetivo da prover serviços e benefícios sociais voltados aos seus membros,

quando diante de situações de risco ou de contingências, pessoais ou estruturais.

Sua sustentação também provém da dinâmica dessas forças contidas na sociedade

que impactam entre si.

Não se trata de reconhecer o Estado como neutro, voltado ao bem comum.

Mas um Estado representativo das diversidades da dinâmica social e de suas

fragilidades e potências. Um Estado que, ao avançar na democratização, é

representativo da correlação de forças e dos movimentos sociais existentes na

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sociedade22, capaz assim de avançar ou mesmo de retroceder na construção de

políticas sociais.

2.2.1 A Proteção Social no Brasil: o surgimento e a prevalência do

Seguro Social

O Brasil, com industrialização tardia, comparativamente ao seu surgimento na

Europa, e o poder controlado pelas oligarquias rurais, tem seus direitos sociais

orientados, de forma sistemática, pela regulação do Estado, a partir da década de

193023. Anteriormente a esse período, em 22 de junho de 1835, foi criado o

Montepio Geral dos Servidores do Estado, uma entidade privada, baseada no

sistema do mutualismo dos seguros coletivos. Segundo Sergio Martins (1997), essa

iniciativa contém os institutos jurídicos que dão os fundamentos para a edição da Lei

Eloi Chaves, em 1923, primeira normatização pública que institui a Caixa de

Aposentadorias e Pensões para a categoria dos ferroviários.

Considerados, na época, como trabalhadores estratégicos, após os

ferroviários, a legislação em 1926 foi estendida aos empregados portuários e

sucessivamente outras categorias foram se inserindo no modelo bismarquiano de

proteção social. Num contexto de corporativismo24, característico da história

brasileira para conciliação de interesses ou cooptação de oposição, a proteção

social, na forma de seguro, demarcou a seletividade de setores e direcionou

algumas poucas conquistas sociais na área do funcionalismo público, anterior aos

anos de 1930. (BEHRING & BOSCHETTI, 2009; FALEIROS, 2007)

22 Consideramos aqui o conceito gramsciano de Estado, o conceito de “guerra de posições”. Para melhor compreensão, ver Carlos Nelson Coutinho, em Dualidade de Poderes: Introdução à Teoria Marxista de Estado e Revolução, 1985. 23 Vários são os autores que desenvolvem o histórico da proteção social no Brasil. Para aprofundar-se, ver: FALEIROS, Vicente. A política social do estado capitalista. 2007; BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. 2007; BALERA, Wagner . Sistema de seguridade social. (2009); COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira, 2010. 24 Vicente Faleiros (2007) define corporativismo como “um mecanismo de legitimação do poder das classes dominantes, não pela institucionalização de conflitos, mas por intermédio de instrumentos de consenso, de conciliação de classes e de cooptação de forças de oposição” (p. 111).

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Vicente Faleiros (2007) aponta o corporativismo e, depois dos anos de 1930,

o populismo25, como característicos da Previdência Social no Brasil, peculiaridade

também extensiva à política praticada na latino-américa. Tanto o corporativismo

como o populismo são utilizados para cooptar e integrar as classes subalternas,

esvaziando reivindicações e relações coletivas, transformando-as em relações

individualizadas, pessoais, com o Estado, para atenção de interesses imediatos. O

corporativismo e o populismo são procedimentos, ou estratégias, utilizados pelas

classes dominantes para enfrentar crises e dar respostas simbólicas e imediatas às

classes subalternas e garantir a autoridade. Em suas palavras:

O corporativismo é um mecanismo e legitimação do poder das classes dominantes, não pela institucionalização dos conflitos, mas por intermédio de instrumentos de consensos, de conciliação de classe e de cooptação de forças de oposição. {...} O populismo é um movimento de integração controlada das classes subalternas para certos benefícios sociais, mobilizando-as em torno de consignas ambíguas e imprecisas que apelam aos seus sentimentos e interesses imediatos. Essa mobilização contribui para o esvaziamento das relações de classe, transformando-as em relações pessoais dos indivíduos com o Estado (Ib., 2007, p.111-112).

O esvaziamento das relações de classe, a dominação das classes

subalternas, nesse período, também são ressaltadas por Behring e Boschetti (2009),

que atribui o reconhecimento político da questão social, apesar da existência do

pauperismo, após o final da escravidão, apenas a partir das primeiras lutas dos

trabalhadores e iniciativas de legislação trabalhistas. Conforme Behring e Boschetti

(2009):

Não houve no Brasil escravista do século XIX uma radicalização das lutas operárias, sua constituição em classe para si, com partidos e organizações fortes. A questão social já existente de natureza capitalista, com manifestações objetivas de pauperismo e iniqüidade, em especial após o fim da escravidão e com imensa dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do trabalho, só se colocou como questão política a partir da primeira década do século XX, com as primeiras lutas dos trabalhadores e as primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho (p. 78).

25 O mesmo autor conceitua populismo como “um movimento de integração controlada das classes subalternas para certos benefícios sociais, mobilizando-as em torno de consignas ambíguas e imprecisas que apelam aos seus sentimentos e interesses imediatos” (FALEIROS, 2007, p. 112).

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A Revolução de 30, ou a ampla coalização de forças, comandada por Getúlio

Vargas, que assume a presidência por 15 anos, com a derrubada do então

presidente Washington Luís, institui uma nova fase na política brasileira e, a partir

daí, é considerado marco de implantação da proteção social pública brasileira. É

criado, em 1930, o Ministério da Educação e da Saúde Pública e, em 1931, o

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e são institucionalizadas várias

conquistas trabalhistas e sociais26, no decorrer da década.

Destaca-se a implantação da Carteira Profissional de Trabalho, em 1932,

símbolo do status de trabalhador, num país marcadamente agrícola. A Constituição

de 1934, consagra os direitos do seguro social previdenciário, o seguro contra a

velhice, invalidez e acidentes de trabalho, todos decretados pela Constituição de

1937 (FALEIROS, 2007; BEHRING & BOSCHETTI, 2009).

A implantação dos seguros sociais aos trabalhadores não ocorreu de forma

universalizada para todas as categorias profissionais, mesmo após sua edição

constitucional. A gradualidade, a fragmentação, a dualidade de atenção são

características do processo brasileiro de implementação das políticas sociais

públicas, na forma de seguro social. (FALEIROS, 2007; YASBECK, 2008). A

dualidade da atenção que distingue os trabalhadores formais da indústria, com

direito ao seguro social, dos trabalhadores sem registro em carteira e direitos sociais

assegurados pode ser observada nos dados do ano de 1948, apresentados por

Faleiros (2007) e representados por uma cobertura de proteção social para apenas

18% da população brasileira.

Em 1940, foi fixado o salário-mínimo e estabelecida uma renda considerada

mínima, ao trabalhador do País, para garantia de um padrão básico de subsistência

e em 1o de maio de 1943 foi instituída a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),

normatização que reuniu a legislação trabalhista existentes na época, as quais estão

em vigor até os dias de hoje.

O seguro social brasileiro, com cobertura limitada ao trabalhador com

contribuição previdenciária, acompanhado de incipientes e fragmentadas políticas

sociais, ao longo de décadas, excluiu os grupos sociais não participantes do

mercado formal de trabalho e manteve a assistência social como prática caritativa.

26 Para detalhamento cronológico das conquistas sociais, ver Vicente Faleiros (2007,p.149-150).

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A institucionalização da assistência social pública deu-se em 1942, com a

criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), assumida pela então primeira-

dama do País, Darci Vargas, inicialmente para atender as famílias dos

expedicionários brasileiros em combate na 2a Guerra Mundial e depois para o

atendimento à maternidade e à infância, iniciando a ação de parceria com entidades

assistenciais fundadas na benemerência e na filantropia (cf. YASBECK, 2008).

A clara ação de populismo com busca de legitimar a ação governamental é

identificada e o pensamento dominante, durante anos, dirigiu o assistencialismo

paternalista com ausência de ação planejada e efetiva direcionada à questão social.

Sonia Draibe (2003), ao caracterizar a baixa cobertura e o conservadorismo

do modelo de proteção social brasileiro construído entre 1930 até próximo dos anos

de 1970, e depois percorrendo por todo o período do regime militar, destaca a

concepção desenvolvimentista e meritocrática existente da política social brasileira,

atuando a partir da relação com o mercado.

Com êxito para o crescimento da industrialização, o desenvolvimentismo

impulsionado nos anos de 1950 por sua principal expressão, o Plano de Metas do

Presidente Jucelino Kubitschek e o célebre lema, Cinquenta Anos em Cinco,

provocou processos acelerados de urbanização, sem planejamento, e deixou à

margem segmentos sociais que não se inseriram no mercado formal de trabalho,

além de produzir fortes desigualdades regionais.

A visão considerada modernizadora e desenvolvimentista seguiu, no Brasil,

percorrendo todo o período de ditadura militar, com início em 1964 e prosseguiu por

21 anos, sendo responsável pelo período denominado de “milagre brasileiro”.

Insuficiente para o desenvolvimento global do País e com proteção social fundada

no acesso seletivo aos serviços sociais, como saúde, educação e a assistência

social, realizada de forma residual, por intermédio de entidades religiosas e da

sociedade civil, produziu uma das mais desiguais estruturas sociais. Conforme

Draibe (2002), o Brasil, pelo histórico de desenvolvimento e de proteção social,

considerado seletivo e meritocrático, apresenta, na atualidade, uma extensa agenda

de mudanças para a democratização de oportunidades e de equidade social. Em

suas palavras:

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O Brasil trouxe para o novo século as duas principais marcas da situação social que experimentou praticamente durante toda a segunda metade do século XX: uma das mais desiguais estruturas sociais entre países de médio e alto desenvolvimento econômico e um sistema de proteção social incompleto, frágil, incapaz de produzir melhoras na eqüidade e de efetivamente proteger e atender os cidadãos nas suas necessidades sociais básicas. É ainda ampla a agenda de mudanças a ser percorrida pelo sistema, na busca de democratização das oportunidades e de ampliação da justiça social. (p.2).

Fernando Filgueira (1997) reitera esse diagnóstico da situação brasileira, feita

por Sonia Draibe (2002), fundamentado em estudos datados das décadas de 1970 e

80 sobre as formas de proteção social de diversos países da América Latina,

comparativamente aos sistemas de proteção europeus. Distingue três tipos de

proteção social baseados no alcance das intervenções governamentais sobre as

populações classificados conforme destacado a seguir:

1. Universalismo estratificado: característica dos países em que o alcance

da proteção social é estendido a quase toda a população. É o caso do Chile,

da Argentina e do Uruguai, com ação pública voltada à maioria de sua

população, com cobertura de seguro social, serviços de saúde e educação

primária e secundária. Segundo o autor, esses países, assim tipificados,

coincidem com a classificação de Mesa Lago, para o enquadramento dos

países pioneiros em oferecer proteção social aos seus membros. Nessa

classificação, o Brasil também se colocava como pioneiro na oferta de

proteção social, entretanto, pelas desigualdades regionais observadas no

período analisado por Filgueira (1997), a situação brasileira é classificada no

tipo 2 a seguir.

2. Regime dual: com cobertura parcial de proteção social, são

classificados neste tipo o Brasil e o México. Segundo o autor, as estatísticas

desses países demonstram que a educação primária é praticamente

universalizada e a cobertura de saúde estratificada. A proteção social social

é apoiada no trabalho, mas possui o problema da heterogeneidade regional,

nos níveis de desenvolvimento econômico e social, ou seja, locais bem

desenvolvidos e regiões marcadas pela exclusão.

3. Regime excludente: nesta classificação, são definidos os países com

prestação de serviços públicos restritos a pequena parte da população. São

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assim enquadrados a Bolívia, Equador, Nicarágua, Guatemala, Honduras, El

Salvador e República Dominicana. O autor correlaciona esses países ao que

Peter Evans (1992) classifica como característica de Estados predadores.

A maioria da população encontra-se na economia informal e na agricultura.

São caracterizados pela alta heterogeneidade da estrutura social, que se

reflete na distribuição da riqueza nacional entre os setores urbano e rural e

entre o centro urbano e o periférico.

O regime dual existente no Brasil foi indutor do crescimento das

desigualdades sociais e regionais. Bernardo Kliksberg (2001), assessor da

Organização das Nações Unidas (ONU), descrevendo os produtos concretos como

“a forma de fazer economia que a América Latina escolheu nos anos recentes”,

recorre a Ricardo French Davis quando este afirma: “O resultado é uma forte

instabilidade do emprego e da produção, uma maior diferenciação entre ricos e

pobres e um crescimento médio modesto: apenas 3% neste decênio, e com uma

profunda desigualdade” (Ib., 2001, p.22).

A heterogeneidade regional de desenvolvimentos econômico e social, a

prevalência da proteção social contributiva realizada por meio do seguro social ao

trabalhador formal, a informalidade ocupacional com rendimentos mais baixos e a

falta de oportunidades e de inserção social de segmentos sociais mais

vulnerabilizados demonstram a incompletude de proteção social brasileira que

durante anos teve em suas raízes concepções ora corporativa, populista e

assistencialista, ora desenvolvimentista e liberal em relação às políticas sociais.

Essa forma insuficiente e privilegiada de proteção social pública é fator da

existência de controvérsias entre os estudiosos do tema, sobre a existência de um

Sistema de Proteção Social brasileiro, anterior à promulgação da Constituição

Federal (CF) de 1988, período em que se constitui um novo pacto de integração

social.

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2.3 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO E OS AVANÇOS

DE DIREITOS DE CIDADANIA: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

A CF de 1988, resultante de amplo processo participativo pela

democratização do País, insere um capítulo específico destinado à Seguridade

Social, em seu título referente à ordem social e nos artigos 104 a 204 estabelece

sua abrangência e diretrizes. No art. 194 define sua composição e os direitos

assegurados: “A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de iniciativas

dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, CF, 1998, p.153).

O Estado brasileiro, durante o regime militar, caracterizou-se de forma

totalitária e apresentava como principal característica, a centralização financeira e a

administrativa. Apesar de dispersas e fragmentadas, as políticas e ações eram

gerenciadas em nível central. No “tipo de Estado vigente durante a ditadura militar,

{...} estados e municípios eram agentes da expansão do Estado e da execução local

de políticas centralmente formuladas” (ARRETCHE, 1999, p.3).

A também chamada de Constituição Cidadã constitui um novo marco legal

de integração social na realidade brasileira e é ampliada a proposta de cobertura do

sistema de proteção social e de direitos da população. As dimensões de cidadania e

descentralização, consideradas como princípios democráticos formais e substanciais

aos avanços societários, têm centralidade na nova Constituição.27

A cidadania, um conceito sócio-histórico, com significados variados conforme

seu tempo e espaço, desde os primórdios é embasada nos direitos e deveres

regulados dentro de uma coletividade. A base conceitual, presente no novo pacto

social brasileiro, expressa as três dimensões clássicas de cidadania apontadas por

Marshall (1967b), a civil, a política e a social.

A dimensão civil, composta dos direitos necessários à liberdade individual

como, “liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à

27 Segundo Bobbio, et al. (2002), a teoria da democracia contemporânea tem convencionado falar em democracia formal e democracia substancial, em virtude da distinção de conceitos ou da forma de aplicação do termo, que possui significados diferentes. São reconhecidas as duas formas distintas do termo para compreensão do que seja democracia. A democracia formal é classificada como um conjunto de meios, métodos, procedimentos, regras de comportamento e a democracia substancial como ideais, valores, fins que ela dispõe para garantia de direitos aos cidadãos. (ZOLA, 2005, p.32)

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propriedade e a concluir contratos válidos e o direito à justiça”; a política, entendida

como “o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um

organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal

organismo”. E a social refere-se “ao mínimo de bem-estar econômico e segurança,

ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser

civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade” (Ib., 1967, p. 63-

64).

Segundo Sergio Martins (1997), tendo como referência o estudo das

Constituições brasileiras, a nova Carta Magna inova, ao inserir a Seguridade Social

na ordem social e não na ordem econômica, onde até então a previdência social

disciplinava o direito do trabalho, e amplia o contrato social considerando as

contingências e necessidades básicas enfrentadas por indivíduos ao prever suas

necessidades básicas e de suas famílias. Conceituando a Seguridade Social, na

perspectiva dos seus direitos, nas palavras do autor:

O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (Ib., 1997, p.38).

A Previdência Social, já existente na forma de seguro social contributivo para

as restrições da vida produtiva, como a invalidez, velhice, tempo de trabalho e

segurança para a família, no caso de morte, passa a compor, com a saúde e a

assistência social, o sistema de proteção social brasileiro. A Saúde, com acesso

público universal, regida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a Assistência Social,

acessível a todos os que dela necessitarem. Também é na CF/1988 que a Educação

é prevista com acesso universalizado dos serviços públicos à população.

Inspirada nas diretrizes do Welfare State europeu, a proteção social brasileira

reconhece a todos o direito à Saúde e Educação e, de forma inovadora, a

Assistência Social é reconhecida enquanto política pública, um direito do cidadão e

um dever do Estado, a quem dela necessitar. É ressaltada a seguir, uma síntese

representativa das novas diretrizes constitucionais, realizada por Luciana Jaccoud

(2009):

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Como resultado das determinações constitucionais e suas regulamentações, a proteção social no Brasil sofreu radicais alterações, entre as quais cabe destacar: (i) a instituição da Seguridade Social como sistema básico de proteção social articulando e integrando as políticas de seguro social, assistência social e saúde; (ii) o reconhecimento da obrigação do Estado em prestar serviços de saúde de forma universal, pública e gratuita, em todos os níveis de complexidade, por meio da instituição do Sistema Único de Saúde – SUS; (iii) o reconhecimento da assistência social como política pública instituindo o direito de acesso aos serviços pelas populações necessitadas e o direito a uma renda de solidariedade aos idosos e portadores de deficiência em situação de extrema pobreza; (iv) extensão dos direitos previdenciários com estabelecimento do salário-mínimo como valor mínimo e garantia de irredutibilidade do benefícios; (v) a extensão dos direitos previdenciários rurais com redução do limite de idade, inclusão do direito à trabalhadora rural, o reconhecimento do direito à aposentadoria apoiado em uma transferência de solidariedade ao trabalhador familiar; (vi) o reconhecimento do seguro desemprego como direito social do trabalhador a uma provisão temporária de renda em situação de perda circunstancial de emprego (p.63).

A Carta constitucional trouxe duas ideias força para organização e gestão das

políticas sociais: a descentralização administrativa e a participação popular, como

forma de exercício da democracia direta por meio de conselhos paritários

representativos da área governamental e da sociedade civil. Em resposta à

centralização e ao autoritarismo exercido pelo governo militar, “a descentralização

foi reconhecida como estratégia de democratização” e a participação popular como

controle social (JOVCHELOVITCH, 1997, p. 91).

A descentralização reaviva o princípio federativo brasileiro e demanda a

cooperação administrativa entre os entes federados, União, Estado e Municípios,

atribuindo competências complementares e transferindo um conjunto significativo de

atribuições da esfera do governo central para a gestão aos níveis estadual e

municipal. Marta Arretche (1999) alerta para os elementos de heterogeneidade

existentes em Estados e municípios, os “atributos estruturais dos governos locais e

requisitos institucionais das políticas” (p. 22) passam a ser decisivos para o sucesso

da descentralização dos serviços e devem ser previstos no reordenamento

institucional do Sistema de Proteção Social brasileiro.

A gestão foi um dos primeiros desafios do “federalismo cooperativo” a ser

considerado para colocação em prática dos princípios constitucionais, fato, este,

“que impõe um desafio de magnitude, que é o de enfrentar as profundas

desigualdades que marcam os entes federados” (JACCOUD, 2009, p.76).

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Também os “marcos regulatórios excessivamente genéricos” demandavam,

na área de Assistência Social, normatizações mais específicas para orientação de

conceitos e implementação do sistema gerencial (BRASIL- 2008, p.16).

Enquanto o Brasil avança na construção de direitos sociais, a partir da

organização e dos movimentos da sociedade, no final dos anos 70 e nos 80,

evidencia-se mundialmente o colapso econômico decorrente de mudanças

tecnológicas, reestruturação produtiva, flexibilidade nos processos de trabalho,

desemprego e crise na proteção social, fundamentada na sociedade salarial.

A reestruturação econômica mundial afeta os países desenvolvidos e traça

indicativos aos países periféricos em desenvolvimento. O movimento neoliberal

mundial avança para a América Latina, com a adesão às diretrizes do Consenso de

Washington28, na década de 1990. É nesse duplo movimento, o de luta pela

democratização e avanços de direitos sociais pactuados pela CF/1988, e o do

impacto neoliberal, que faz recuar o mercado e o Estado, é que o Brasil avança na

implantação do sistema de proteção social, até então fragmentado, reconhecido

enquanto seguro social, com políticas sociais seletivas e a assistência social

realizada de forma pontual e assistencialista.

Sobre a capacidade atual da proteção social brasileira, Jaccoud (2009)

identifica três correntes de pensamento. A primeira considera que o sistema de

proteção é ineficiente e tem acentuado o quadro de pobreza pela falta de focalização

nos pobres. É uma tendência que apresenta propostas de reforma do sistema de

proteção, destacadamente, quanto à revisão de benefícios previdenciários e da

universalidade das políticas básicas de saúde e educação, realocando os gastos

públicos para a focalização nos pobres (Ib., 2009).

O segundo eixo de estudos vem apontando a insuficiência do sistema de

proteção social, denunciando seu progressivo desmantelamento, tendo como

referência as conquistas constitucionais impactadas pela influência do

neoliberalismo. E a terceira convergência de pesquisadores compreende o sistema

de proteção social brasileiro, como sendo progressivamente construído a partir do 28 O Consenso de Washington foi um conjunto de medidas básicas de disciplina fiscal e redução de gastos públicos que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1989, para promover o ajustamento macroeconômico dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades. Constituíram diretrizes para o pagamento da Dívida Externa e sua autocrítica e abolição da padronização pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) foi alterada apenas em 2005. (Ver: BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos, 1994.

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pacto constitucional, debate que é compartilhado pela autora e em suas palavras,

sobre esta terceira tendência e conquistas decorrentes:

{...} a demanda por reformas democráticas do Estado Brasileiro, por redução de desigualdades sociais e por afirmação de direitos sociais incorporadas pela Constituição de 1988, foi capaz de conformar mudanças substantivas no sistema brasileiro de proteção. Entre elas destacam-se a nova legislação da previdência rural; a vinculação dos benefícios de seguridade social ao salário-mínimo; a implantação do SUS; e a instituição dos benefícios assistenciais não contributivos. {...} A queda da pobreza observada nos últimos 20 anos ocorreu apesar do aumento do desemprego e a queda da renda média do trabalho {...} (JACCOUD, 2009, p.74).

Sobre a correlação e o impacto do neoliberalismo nas políticas sociais no

Brasil e na América Latina, Aldaíza Sposati (2002) considera que se trata de uma

análise bem mais complexa do que a afirmação sobre o desmanche ou

desregulamentação de políticas sociais como reconhecido nos países

desenvolvidos, e que, ao seu contrário, as políticas sociais latino-americanas, como

também já apontamos, apenas reconhecem novas formas de regulação e proteção

social nas últimas décadas do século XX.

Segundo a autora, ao construir um conceito de regulação social tardia,

diferente do de regulação neoliberal, apresenta seus fundamentos vinculados a

“democracia e cidadania” e deve ser “descentrado da noção de pleno emprego ou

de garantia de trabalho formal a todos”. Trata-se de uma forma de proteção social

que “se afasta da universalização dos direitos trabalhistas e se aproxima da

conquista de direitos humanos ainda que de forma incipiente” (Ib., 2002, p.1).

Reconhece a autora o impacto do neoliberalismo nos países de regulação

social tardia, “com baixo reconhecimento histórico de direitos sociais” que recebe o

reforço de cultura privatista e liberal e promove a “distância na relação entre política

social e direito social”, o que pode ser observado pelo descompasso da elaboração

das leis com as práticas executadas pela burocracia pública, esta com “tradição

autoritária e tecnocrática {...} não possui a cultura de direitos e cidadania”

(SPOSATI, 2002, p. 6).

Aldaíza Sposati (2009) é assertiva, ao fundamentar o modelo de proteção

social brasileiro e seu processo de implantação enquanto política pública a ser

instituído: “Ter um modelo brasileiro de proteção social não significa que ele já exista

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ou esteja pronto, mas que é uma construção que exige muito esforço de mudanças”

(p. 17).

E propõe, a autora, três eixos de mudanças, inter-relacionados e imbricados

na área da assistência social para concretizar o modelo de proteção social.

A primeira mudança, do âmbito da responsabilização pública, nas três

esferas de governo da Federação, União, Estados e Municípios, é o rompimento

com a cultura assistencialista e a transformação em cultura do direito, da cidadania,

do dever do Estado. É necessário que cada ente governamental tenha um plano de

ação e que atue com a participação da sociedade civil, por intermédio de conselhos

paritários, para deliberação sobre as prioridades sociais. A segunda mudança,

relacionada à primeira, evidencia a ação planejada do Estado, não mais

fragmentada e reativa, realizada a partir da demanda, como até então, mas, sim,

proativa. A terceira mudança refere-se ao relacionamento com o usuário dos

serviços, tendo a centralidade na família (cf. SPOSATI, 2009).

Assegurar a proteção social em um de seus pilares, a Assistência Social, até

então fragmentada e residual, é um desafio que significa transformar princípios em

resultados concretos, com todo o impacto da dinâmica social. A inserção na agenda

política deu-se com a promulgação da CF/1988 e o seu reconhecimento enquanto

política pública. As diretrizes para sua operacionalização são previstas na Lei

Orgânica de Assistência Social (Loas) de 1993 e legislação que a sucedeu. Mas os

avanços nas políticas públicas implica a instituição de um sistema gerencial público

qualificado e o reconhecimento das expressões da questão social. Não a partir da

focalização com respostas reativas oriundas das demandas, mas, sim, planificadas e

inseridas num projeto societário de desenvolvimentos pessoal e social.

Pressupõe instituir uma estrutura pública capaz de planejar e concretizar

políticas públicas e não práticas assistencialistas, direcionadas à redução de

desigualdades sociais e aos avanços de cidadania, nas três esferas de governo da

Federação brasileira. E cabe observar a arena de negociação das políticas públicas,

expressão da dinâmica e correlação de forças sociais, com dimensões técnica e

política, de caráter planejado e preventivo, e não apenas reparador, e capaz de

realizar a proteção social pública.

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2.3.1 O Sistema Único de Assistência Social (Suas): um novo marco

regulatório conceitual e gerencial

É consenso entre os estudiosos da área de Assistência Social os avanços

ocorridos nas duas últimas décadas após o reconhecimento da Assistência Social

enquanto política pública (YASBECK, 2008a; SPOSATI, 2009; JACCOUD, 2009;

ZOLA, 2010).

No que tange à sua efetivação, a base social democrática da CF/1988, a

Loas/1093, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS-2004) e a Norma

Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas-2005) são

os marcos legal e conceitual para a instituição do sistema descentralizado

participativo e único da Assistência Social.

Denominado Sistema Único de Assistência Social (Suas), propõe quatro eixos

de ação. Reitera a descentralização político-administrativa fundada no pacto

federativo, o controle social das ações na área de assistência social e a precedência

pública da condução enquanto política pública. Amplia para um quarto eixo, de

implementação de benefícios, programas, projetos e serviços, com centralidade da

política pública na família. Conforme disposto:

I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socioterritoriais locais; II- Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III- Precedência da responsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência Social em cada esfera de governo; IV- Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos. (BRASIL, 2005, p. 32-33)

Seus objetivos contêm as estratégias de organização e as diretrizes da rede

socioassistencial embasadas em dois princípios organizativos: a territorialização e a

matricialidade familiar. O primeiro, voltado à redução das desigualdades

socioterritoriais e construção de referência da Assistência Social, enquanto política

pública, em locais prioritários; o segundo, baseado no estímulo à capacidade de

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proteção familiar, como forma de reduzir a fragmentação de atendimento (BRASIL,

2004).

As formas de proteção social direcionada a famílias, crianças, adolescentes,

idosos, pessoas com deficiência ou indivíduos em situação de vulnerabilidade e

risco social são hierarquizadas e também definidas as formas de proteção básica e

proteção especial de média e alta complexidades a serem prestadas por meio de

uma rede socioassistencial, prevendo, para sua consecução, a articulação e a

intersetorialidade com outras políticas sociais.

Apresenta-se, a seguir, a base conceitual da rede socioassistencial, conforme

prevista no SUAS, tendo a família como núcleo de intervenção (BRASIL, 2005).

A proteção social básica é de caráter preventivo e inclusivo, direcionada ao

atendimento de famílias e indivíduos que vivem em situação de vulnerabilidade

social decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização dos vínculos afetivos –

relacionais e de pertencimento social. A proteção de média complexidade é

destinada as famílias e indivíduos em situação de contingência com direitos

violados, sem, entretanto, o rompimento dos vínculos familiares e comunitários. E a

proteção social de alta complexidade é dirigida a famílias e indivíduos com vínculos

familiares e comunitários fragilizados ou rompidos e que necessitam de atendimento

fora do núcleo familiar.

A rede de proteção socioassistencial é concebida como um conjunto

integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, configurada em dois eixos:

1. Serviços, Programas e Projetos; 2. Benefícios.

Os serviços, programas e projetos de proteção social básica tem como

unidade pública de referência os Centros de Referência de Assistência Social

(Cras), principal porta de entrada do Suas e também conta com uma rede de

retaguarda de serviços públicos e/ou privados. O Cras, com base territorial em áreas

de vulnerabilidade social, executa serviços de proteção social básica a partir da

atenção integral às famílias; organiza e coordena a rede de serviços

socioassistenciais, como os Centros de Convivência para Idosos; Serviços para

crianças de 0 a 6 anos, que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares, do

direito de brincar, dos direitos das crianças; Serviços socioeducativos para crianças

e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos e de incentivo ao protagonismo juvenil,

Centros de Informação e de educação para o trabalho, voltado para jovens e

adultos.

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Os benefícios, também classificados para a garantia de proteção social

básica, são divididos em Benefícios de Prestação Continuada (BPC), Benefícios

Eventuais conforme diretrizes da Loas, e também Programas de Transferência de

Renda. O BPC é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência

e ao idoso com idade acima de 65 anos, que comprovem não possuir meios de

prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Quanto aos

benefícios eventuais, são direcionados ao pagamento de auxílio, por natalidade ou

morte, às famílias cuja renda mensal per capta seja inferior a um quarto do salário-

mínimo.

Os programas de Transferência de Renda, apesar de algumas iniciativas

regionais e locais, têm, no Programa Bolsa-Família29 abrangência nacional e são

direcionados a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. Esse

programa governamental é um dos principais instrumentos de enfrentamento à

pobreza no Brasil e, para melhor dimensionamento, passou a cobrir cerca de 11

milhões de famílias, no ano de 200730. Os benefícios auferidos pelo programa são

de três tipos, “o básico, variável e variável vinculado ao jovem”, podendo ser

cumulativo, de acordo com a renda e composição familiar. As famílias em extrema

pobreza recebem o básico e o complementar, conforme o número de filhos. Se

forem crianças, o valor engloba até três e, no caso dos jovens, no máximo dois

(CUNHA, 2009, p. 336).

Considerado um programa com condicionalidades31 para o acesso à

cidadania, tem a abordagem assistencial na família e a prioridade de intervenção e

29 O programa criado pela Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004, unifica os programas de transferência de renda iniciados em 2001 em esfera nacional e tem como centralidade as famílias. Seu recorte é socioeconômico e tem como prioridade a garantia de direitos de crianças e adolescentes, observadas algumas condicionalidades para o acompanhamento de sua educação e saúde, pelos pais. Para mais informações: <http://www.portaltransparencia.gov.br/curso_bolsafamilia>. 30 Dados divulgados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) revelam que o Programa Bolsa-Família atende cerca de 45 milhões de pessoas, sendo um a cada quatro brasileiros beneficiado, com metade dessa população localizada na Região Nordeste do País. (Estadão.com.br/Nacional - Política, 10 fev. 2008) 31 Conforme dados do MDS, são condicionalidades na área da educação a matrícula na escola das crianças e adolescentes com idades de 6 a 15 anos; a frequência escolar de no mínimo 85%, informando a impossibilidade do comparecimento com a devida justificativa; informação de mudança de escola para a garantia do efetivo acompanhamento da frequência escolar. Na área da saúde, as gestantes e nutrizes devem inscrever-se no pré-natal e seguir o padrão de acompanhamento; participar das atividades educativas sobre aleitamento materno e alimentação saudável; os responsáveis pelas crianças menores de 7 anos devem garantir a vacinação e o acompanhamento do estado nutricional.

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garantia de direitos à saúde e educação da criança e do adolescente (CUNHA,

2009).

Os serviços, programas, projetos de proteção social especial de média

complexidade tem como unidade pública de referência os Centros de Referência

Especializados de Assistência Social (Creas), que ofertam serviços especializados e

continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos.

As unidades públicas podem ter abrangência local ou regional e demandam

uma rede de retaguarda de serviços públicos e/ou privados, com coordenação

extensiva à rede de serviços de alta complexidade. Os trabalhos propostos aos

Creas, também centrados na família, visam evitar o rompimento dos vínculos

familiares e comunitários e têm como especialidade a atuação nos casos de

violência doméstica, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto pelo

adolescente, vigilância do trabalho infantil, dentre outras situações de violação de

direitos, para as quais necessita de ações intersetoriais, especialmente com o Poder

Judiciário, Ministério Público, os Conselhos Tutelares e outros órgãos do Sistema de

Garantia de Direitos (BRASIL, 2005).

Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são realizados

em espaços de acolhimento institucional públicos ou privados e garantem a proteção

com oferta de moradia, alimentação, higienização a indivíduos em situação de

ameaça que são retirados do núcleo familiar (Ib., 2005).

Para dimensionar a implantação do novo ordenamento previsto no Suas, em

julho de 2010, 99,4% dos municípios brasileiros já estavam habilitados em um dos

níveis de gestão do sistema e todos os Estados comprometidos com a instalação

dos sistemas locais e regionais de assistência social (MDS-2010). No Estado de São

Paulo, é registrada a existência de 721 Cras e 113 Creas32, unidades públicas

estatais previstas como referência da nova institucionalidade da Assistência Social

(ZOLA, 2010).

Também é a partir da NOB/Suas (BRASIL, 2005; 2008a) que a forma de

proteção social prevista pela assistência social distingue um conjunto de seguranças

interligadas direcionadas ao desenvolvimento de cidadania e agrupadas em cinco

eixos, “segurança de acolhida; segurança social de renda; segurança de convívio ou

vivência familiar, comunitária e social; segurança de desenvolvimento de autonomia

32 Os dados quantitativos apresentados têm como fonte de informação o PMAS/WEB-2010, um sistema de informação da Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social.

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individual, familiar e social e segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais”

(BRASIL, 2005, p. 90).

Além das formas de proteção social previstas pela Política de Assistência

Social, o sistema apresenta mecanismos de planejamento da política pública na

forma de vigilância social e de defesas social e institucional, como medida de

prevenção das situações de vulnerabilidade e de controle institucional.

A vigilância social propõe o planejamento qualificado dos serviços na forma

de sistematização de informações, elaboração de pesquisas e construção de

indicadores, em âmbitos territorial, local e regional, previsto como um sistema

“responsável por detectar e informar as características e dimensões das situações

de precarização, que vulnerabilizam e trazem riscos e danos aos cidadãos, a sua

autonomia, à socialização e ao convívio familiar” (BRASIL, 2005, p. 93).

As defesas social e institucional são concebidas como forma ativa de garantia

da proteções básica e especial ao usuário, com princípios, valores e estruturas

institucionais que assegurem a Assistência Social enquanto direito e dever do

Estado. Conforme previsto na PNAS/2004:

• Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatórios e coercitivos.

• Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviço com reduzida espera e de acordo com a necessidade.

• Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão, sobretudo àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de limitações físicas.

• Direito do usuário ao protagonismo e manifestação de seus interesses.

• Direito do usuário à oferta qualificada de serviço. • Direito de convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2005, p.

40)

O sistema prevê, também, tipos, níveis de gestão dos serviços públicos,

requisitos para descentralização de responsabilidades e cofinanciamento federativo.

Uma intrincada forma de pactuação, com a definição de instrumentos de gestão,

deliberação sobre os critérios de responsabilização, de partilha e transferência de

recursos realizada entre os governos federal, estaduais e municipais (NOB/SUAS,

2005).

A arquitetura que permite a organização dos serviços assistenciais em todo o

território nacional completa o dinâmico processo, reconhecido legalmente, em

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201133, e expõe os desafios para a construção de políticas públicas no campo dos

direitos de cidadania, na realidade brasileira. Fundamentada durante décadas na

proteção social previdenciária, construída de forma populista, liberal e com muita

desigualdade social, demanda avançar da retórica do direito, reconhecido pelo

processo de democratização, para a construção de políticas públicas adequadas.

Este capítulo possibilita identificar as correlações existentes entre o Estado e

a questão social para a definição de proteção social expressa em políticas públicas

sociais, suas crises e transformações, determinadas pela dinâmica social, conforme

tempo e espaço.

A crise mundial do sistema de proteção social, na sua forma de seguro social,

decorrente das transformações econômicas e do mundo do trabalho e a

ascendência do processo de democratização e busca de avanços por direitos

sociais no Brasil são dois movimentos diferentes, que colocam na família a

expectativa de proteção.

Para essa consecução, demanda a adequação das políticas sociais, capazes

de potencializar a família em suas capacidades e dificuldades de solidariedade

interna o que nos conduz, no Capítulo 3, ao estudo sobre as inter-relações entre

Estado e família para a realização de proteção social.

33 O Suas foi criado em 15 de julho de 2005, por meio de resolução do Conselho Nacional e Assistência Social (CNAS) e sancionado pela Lei federal 12.435, de 6 de julho de 2011.

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CAPÍTULO 3. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE

CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA

NA POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL CONTEMPORÂNEA

Vários milhares de crianças e adolescentes estão, neste exato momento, circulando

pelas ruas e por diversas instituições de assistência e proteção, apesar de terem pais e

diversos parentes.

Alguns serão reconduzidos aos seus lares; outros, se sobreviverem à vida nas ruas,

serão encaminhados a abrigos [acolhimento institucional], i

nstituições de privação de liberdade,clínicas de desintoxicação e outros tipos de

instituição e poderão

nunca retornar às suas famílias.

(RIZZINI, 2006, p. 17)

Neste capítulo, realizamos um estudo sobre as inter-relações entre Estado e

família para o cumprimento da proteção social de indivíduos e sociedade, tendo

como perspectiva de análise o lugar atribuído à família pelo Estado.

Historicamente, a prática do acolhimento institucional é utilizada na realidade

brasileira como medida de proteção social a famílias pobres, fundamentada na

ideologia construída da sua incapacidade de prover proteção, educação e do

consequente abandono de seus filhos.

Para uma retrospectiva histórica sobre o acolhimento institucional, tomamos

como base, dentre outros, os estudos realizados por Maria Luiza Marcílio (2011)

sobre crianças abandonadas no Brasil e as políticas públicas adotadas, tendo a roda

dos expostos como precursora, e Irene Rizzini (2006/8) com sua importante

contribuição para o reconhecimento da prática e legitimação da institucionalização, a

partir da aliança entre o sistema de Justiça e a Assistência Social.

A corrente teórica francesa sobre Análise Institucional, dos anos 60, contribui

para a reflexão sobre o processo dialético, que historicamente vem sustentando e

reproduzindo a cultura do acolhimento, retirando filhos de famílias pobres e

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encaminhando-os para instituições e, também, para outras famílias, como forma de

proteção social. Apoiamo-nos, para a análise do processo da institucionalização, em

Foucault (2001), Lapassade (1977), Guilhon Albuquerque (1981), e Marlene Guirado

(1987,1997).

A convivência familiar e comunitária, contrapondo-se ao acolhimento

institucional, é um tema atual, no debate acadêmico e na formulação de políticas

públicas em âmbito internacional (RIZZINI, 2006; FAVERO; VITALE & BAPTISTA,

2008; BRASIL, 1988/1990/2004/2009; ONU,1989).

Um direito com reconhecimento naturalizado, pessoal e socialmente, na

medida em que as pessoas nascem, crescem em uma família e constituem novas

famílias responsáveis pela reprodução da espécie e proteção de seus membros.

Entretanto, se tão naturalizado o papel social da família, porque falar ou editar

reiteradas tratativas legais sobre o direito à convivência familiar e comunitária de

crianças e adolescentes?

O descumprimento desse direito é a resposta imediata que justifica a

recorrência do tema e expõe questões contidas na esfera privada da família, em

suas dificuldades para o cumprimento dessa pertinência e na esfera pública, com

respostas insuficientes ou inadequadas, embasadas em expectativas familiares,

construída na naturalização e responsabilização da família, como instância de

reprodução social.

A complexificação da família, enquanto objeto de análise e de intervenção

pelo Estado e o reconhecimento conceitual de políticas públicas enquanto conteúdos

concretos regulamentados ou executados pelo Estado conduziram-nos à análise de

várias legislações, que fundamentam, na atualidade, a matricialidade familiar e a

convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2004/5/6/9).

Tomamos como base analítica as contribuições teóricas de Marta Campos e

Regina Mioto (2003) sobre a classificação das abordagens de intervenção baseadas

na família do provedor masculino, no familismo e na família do Estado de Bem-Estar

Social de orientação social-democrática.

A importante contribuição de Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) é,

também, tomada como referência e nos permite distinguir três diferentes tendências

de políticas familiares praticadas na Europa: as de apoio aos cuidados familiares; as

de conciliação de trabalho e família; e as de combate à pobreza, direcionadas a

crianças e famílias.

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O presente capítulo possibilita reconhecer que a família, nos sistemas de

proteção social, não é uma inovação, entretanto, diferentes objetos e lugares lhe são

atribuídos, mesmo quando é proclamada sua centralidade nas políticas públicas

sociais.

3.1 O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES COMO POLÍTICA PÚBLICA DE PROTEÇÃO SOCIAL

A já observada incompletude da proteção social brasileira que durante anos

se dirigiu por concepções populistas, assistencialistas, desenvolvimentistas e

liberais, na área da infância e juventude pobre, pratica a institucionalização

fundamentada na incapacidade familiar de garantir a proteção e educação de seus

filhos.

É apresentada, a seguir, uma breve retrospectiva histórica sobre a forma de

proteção social a famílias pobres, acompanhada da base analítica dos conceitos de

institucionalização e abandono. Considerados como elementos constitutivos do

processo dialético que tem direcionado ao longo da história as práticas públicas, até

sua recente revisão, quando da instituição da Seguridade Social brasileira, orienta a

centralidade das políticas sociais na família e nas convivências familiar e

comunitária.

3.1.1 A institucionalização como política de proteção social a famílias

pobres: uma retrospectiva histórica

A história sobre a infância e adolescência com demanda de proteção social,

no Brasil, mostra que as políticas públicas dirigidas para essa área priorizaram a

retirada de crianças das famílias, em contraposição às políticas de restabelecimento

e fortalecimento dos vínculos familiares (BRASIL, 1984/2004/6; VENÂNCIO, 2004;

RIZZINI, 2006; PRIORE, 2008; FAVERO; VITALE & BAPTISTA, 2008; MARCÍLIO,

2011).

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Realizada na forma de acolhimento institucional em casas da roda, casas de

expostos, asilos, albergues, orfanatos, abrigos, denominados conforme a época, e

também remetidas a outras famílias interessadas na educação das crianças, que se

dava pelo apelo cristão, como mão de obra complementar, ou a partir de repasse de

ajuda financeira. Essa modalidade de família acolhedora, já oficialmente

reconhecida no período do Brasil colonial, era custeada até os 7 anos de idade da

criança, momento em que era esperada posterior permanência no lar adotivo

(VENÂNCIO, 2004).

Os registros históricos remetem à origem das formas de proteção social à

criança, em 1693, quando um representante público do Rio de Janeiro, escreve uma

carta a Portugal pedindo para criar “casas para expostos”, com o fundamento de que

crianças eram comidas nas ruas por ratos e cachorros. A partir daí, existem dados

sobre a implantação de “casas dos expostos”, uma na Bahia, em 1726, por iniciativa

de João Aguiar, e outra no Rio de Janeiro, em 1738, por Romão Marcos Duarte

(BRASIL, 1984).

A tradição herdada de Portugal, fundada na caridade cristã, era acompanhada

da roda dos expostos34, ambas criadas pela conjugação de esforços da sociedade,

da igreja e da nobreza para atender aos abandonados e pobres (VENÂNCIO, 2004;

MARCILIO, 2011).

A roda dos expostos era administrada pelas Santas Casas de Misericórdia,

com subvenção das Câmaras Municipais. A partir de 1828, com a aprovação da Lei

dos Municípios, a Assembleia Legislativa provincial, não mais a Câmara, passa a ser

responsável pelo repasse de subsídios às Santas Casas de Misericórdia

(MARCILIO, 2011).

Para ilustrar os fundamentos em apoio à implantação das rodas dos expostos

existentes à época, bem como o julgamento para o abandono de crianças, Maria

Luiza Marcilio (2011) registra transcrição de arquivos da Ata de Mesa da Santa Casa

de Misericórdia da Bahia, datada de 21 de julho de 1844, rememorando o feito:

{...} evitar-se o horror e deshumanidade que então praticavão com alguns recem-nascidos, as ingratas e desamorozas mães, desassistindo-os de si, e considerando-as a expor as crianças em vários lugares imundos com a sombra da noite, e de quando amanhecia o dia se achavão mortas, e algumas devoradas pelos

34 A Roda dos Expostos era uma espécie de ‘roleta’, com uma abertura que unia a rua ao espaço interno da Santa Casa de Misericórdia, onde eram depositadas crianças abandonadas.

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cães e outros animais, com laztimoso sentimento da piedade catholica, por se perderem aquelas almas pela falta de Sacramento do baptismo (sic) (p.60).

Também eram financiadas pelas Câmaras Municipais as “famílias criadeiras”,

certificadas pelos párocos locais, conforme descrição de Renato Venâncio (2004):

{...} todo aquele que encontrasse um recém-nascido na rua ou que o recebesse diretamente dos seus respectivos pais deveria recolher a criança e batizá-la. O pároco redigiria então um certificado explicando que o enjeitado estava residindo no domicílio da pessoa que o acolhera e que por ela era bem tratado. Uma vez com o documento, era possível solicitar ajuda financeira ao presidente da câmara, que julgava o pedido muitas vezes baseado em critérios de amizade ou de clientelismo inscrevendo, caso o mesmo fosse concedido, o nome da criança no Livro de matrícula dos expostos (p.190-191).

Renato Venâncio (2004) realiza importante estudo sobre os motivos que

conduzem as crianças a lares substitutos ou ao abandono, no período colonial

brasileiro, fundamentado em bilhetes deixados pelas mães. Coloca em questão a

interpretação oficial sobre o caráter “desalmado e egoísta” das mães que

abandonam os filhos. Reconhece as situações que sugerem o abandono como

forma de encobrir filhos ilegítimos e defende a tese da existência dessa prática,

como uma forma paradoxal de se proteger a criança”, pelas mães (p. 211).

Motivadas pela pobreza, a socialização dos filhos ocorria pela circulação35

entre a rede de vizinhança e da parentela e também pelo uso das alternativas

públicas. Segundo Venâncio (2004):

Meninos e meninas circulam de lar em lar, de casebre em casebre, de senzala em senzala, estabelecendo relações de “parentesco espiritual, via compadrio, ou informais, como no caso de “filhos de criação” {...} o envio do filho à casa dos expostos consistia em expediente provisório até elas {as mães} recuperarem plenamente a saúde. {...} o abandono podia representar um verdadeiro gesto de ternura. Talvez a evidência mais surpreendente disso seja os casos em que escravas enjeitam o próprio filho, na esperança de que ele fosse considerado livre {...}. (passim)

Irene Rizzini (2008), sobre a ideologia jurídica reinante no final dos anos de

1800, no Brasil, defende que o objetivo do acolhimento institucional era intervir sobre

35 A circulação de crianças pobres é também analisada por Cláudia Fonseca (2006).

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o abandono moral de crianças e adolescentes e “retirar da família os filhos que a ela

não se submetiam” (p. 121). Para isso, era necessário mudar a tradição do poder

familiar sobre os filhos, questionar sua autoridade e capacidade de educação, de

transmissão de valores morais e de proteção. Segundo a autora:

A estratégia consistia em mudar a mentalidade; mostrar que a família era passível de punição e que, ao cometer atrocidades contra as crianças, comprometia a moralidade de seus filhos e, consequentemente, o futuro do país. Portanto, o filho não era propriedade exclusiva da família; a paternidade era um direito que poderia ser suspenso ou cassado. (Id., 2008, p.121).

Atribuir ao Estado a função de tutela sobre a criança possibilitou a base

conceitual e as condições objetivas para a criação do Juízo de Menores, tendo Mello

Mattos como o primeiro juiz de menores e a instituição, em 1927, do Código de

Menores, baseado na tutela e na repressão de abandonados e delinquentes.

A proteção social pública e o poder disciplinar sobre crianças adolescentes e

famílias passam a ser institucionalmente reconhecidos nesse período e, segundo

Passetti (2008), é uma marco de mudança em que “a caridade misericordiosa e

privada praticada prioritariamente por instituições religiosas {...} cede lugar às ações

governamentais” (p.350).

As ações governamentais são concebidas a partir da aliança entre a Justiça e

a Assistência, complementarmente ajustada para o controle da ação social e da

proteção, da infância e da sociedade (RIZZINI, 2008). Sobre a base conceitual,

aliança assistencial e repressora, da união entre Justiça e Assistência presentes no

Código de Menores, nas palavras da autora:

{...} concebida como um desdobramento do amplo movimento filantrópico e moralizador instituído a partir da lógica da nova ordem política, econômica e social da era industrial capitalista. {...} Pelo lado da Justiça, buscou-se definir suas funções de cunho social, repudiando-se seu caráter estritamente punitivo-repressivo; o que foi feito através da aproximação com os promotores da filantropia, aproveitando-se de seu acesso ao segmento de pobres e necessitados, sobre o qual era preciso intervir. Por sua vez, os representantes da ação filantrópica viam nos promotores da Justiça a solução para dar conta da evidência crescente de periculosidade da população pobre que lhe cabia assistir (p.124-125).

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Conforme o Decreto 17.943-a, de 12 de outubro de 1927, em seu art. 1o: “O

menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18

annos (sic) de idade, será submettido (sic) pela autoridade competente ás (sic)

medidas de assistência e protecção (sic) contidas neste Codigo (sic)” (BRASIL,

1927).

Em sua origem, a Justiça de Menores brasileira tem como foco a:

infância pobre que não era contida por uma família considerada habilitada a educar seus filhos, de acordo com os padrões de moralidade vigentes. Os filhos dos pobres que se encaixavam nesta definição, portanto passíveis de intervenção judiciária, passaram a ser identificados como ‘menores’. (RIZZINI, 2008 p. 130).

Essa concepção se fortalece e amplia as formas de acolhimento institucional

com a criação do Serviço de Assistência a Menores (SAM), pelo Decreto-Lei 3.799,

de 5 de novembro de 1941, subordinado ao ministro da Justiça e Negócios Interiores

e articulado com o Juízo de Menores do Distrito Federal, conforme se observa no

art. 2o de suas finalidades:

a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares; b) proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e delinqüentes; c) abrigar os menores, à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, afim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento sômato-psíquico, até o seu desligamento; e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos; f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas. (BRASIL,1941)

Segue-se a concepção institucional com a criação da Fundação Nacional do

Menor (Funabem) pela Lei 4.513, de 1o de dezembro de 1964, e se mantém no

Código de Menores de 1979, como se observa no art. 9o que regulamenta como

serão criadas as entidades de assistência e proteção “segundo as diretrizes da

Política Nacional do Bem-Estar do Menor, e terão centros especializados destinados

à recepção, triagem e observação, e à permanência de menores” (BRASIL, 1979).

O assistencialismo e o autoritarismo, ao longo dos anos, foram consolidando

a ideologia e a forma de acolhimento para proteção de crianças e adolescentes,

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realizadas de forma direta ou em parceria com a sociedade civil, baseados na

desqualificação e incapacidade das famílias pobres, que promoviam cuidados e

educação para os filhos de forma irresponsável, levando-os ao abandono físico e

moral. A pobreza, a fome e os valores morais conduziam ao acolhimento nas

instituições e não a políticas públicas que fortalecessem a capacidade familiar para o

sustento ou para reforço de sua capacidade de provisão de cuidados parentais.

As mudanças paradigmáticas ocorrem pós CF/1988, com a implementação do

Sistema de Seguridade Social brasileiro e avançam nos anos de 1990, com a

instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece a

condição de sujeito de direitos em desenvolvimento a crianças e adolescentes e

propõe medidas de apoio familiar em contraposição à retirada da família. Um

processo em construção na sociedade brasileira.

3.1.2 A institucionalização como dialética do abandono e do poder

disciplinar: uma cultura instituída

A corrente teórica francesa dos anos 60 sobre a Análise Institucional contribui

para a reflexão conceitual sobre a política de proteção à criança realizada a partir do

afastamento da sua convivência familiar e da guarda feita pelo Estado, bem como

para a compreensão de sua sustentação ideológica na incapacidade da família

pobre de educar e proteger seus filhos.

Tendo a antipsiquiatria36 à sua frente, mas também extensivo aos

asilos,orfanatos, conventos, os estudos de Georges Lapassade (1977), Guilhon

Albuquerque (1981) e Marlene Guirado (1987, 1997) contribuem para evidenciar a

institucionalização da cultura do acolhimento.

Georges Lapassade (1977), em seu livro, Grupos, Organizações e

Instituições, permite analisar a realidade social a partir dos conceitos de instituição,

instituído e instituinte, elementos constitutivos do processo de institucionalização.

36 Movimento que questiona a psiquiatria tradicional e a noção de doença mental. As obras de Michel Foucault inspiram as grandes transformações no modelo manicomial de tratamento ao doente mental. A Itália foi precursora do processo de desinstitucionalização com fechamento de hospitais psiquiátricos tendo à sua dianteira Franco Basaglia, diretor do Hospital Psiquiátrico na cidade de Trieste, na década de 1970.

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Por instituição, considera ele três níveis ou instâncias da realidade social. O

primeiro nível é o grupo, tido como base da organização social, o que mais se

aproxima do cotidiano. São exemplos, a família, o trabalho, a escola e, nesses

grupos, estão expressas marcas institucionalizadas de papéis sociais, de

normatizações, que possibilitam manter as rotinas e a reprodução da instituição.

Nessa esfera é que se dá a mediatização dos indivíduos com a Instituição mais

ampla, ou seja, o Estado, considerado como de terceiro nível.

O segundo nível da sociedade, Lapassade (1977) denomina de organização.

Por organização entende um nível formalizado, com regimentos, normas jurídicas,

legislação, em que se situa a burocracia em sua mais ampla dimensão, não apenas

administrativa, mas enquanto relação de poder, seja numa empresa, ou na relação

política. Segundo o autor, é a burocracia que possibilita “a organização da

separação”, em que determinados grupos são excluídos da decisão, e apenas

participam da execução.

A instituição, ou o terceiro nível do sistema social, como já dito, é por ele

considerado o Estado, responsável por disciplinar a conduta social das organizações

e dos grupos. A instituição nem sempre é localizável, mas é a instituição o que é

instituído. Tendo como referência as significações de Lapassade (1977), o espaço

de acolhimento de crianças e adolescentes é a organização. O que nele é instituído,

ou em outra linguagem, o que ele representa e nele é emblemático e simbolizado, a

partir da cultura arraigada, é a instituição do acolhimento. Forma de proteção frente

à, pretensa e também instituída, incapacidade familiar em realizar proteção de seus

filhos. A institucionalização é a ideologia.

Além do conceito de instituição, com sua expressão mais ampla que é o

Estado e suas mediatizações, seja no cotidiano a partir dos grupos, ou das

organizações formalizadas, o conceito de instituído é a condição da instituição.

Sendo instituído o que está estabelecido, arraigado, cristalizado. É o

homogeneizado, o totalizante, o que é sintetizado. A incapacidade de famílias

pobres em cuidar de seus filhos é o pensamento instituído que vem fundamentando

a criação das políticas públicas.

O pensamento dialético evidencia a antítese, o heterogêneo, o diferente, o

que não é o instituído. O autor denomina para esse movimento o conceito de

instituinte. O instituinte é o que possibilita a mudança na instituição, o que abala, faz

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pulsar e permite o novo. É o capaz da promoção das transformações institucionais, a

partir de todas as forças que contém (LAPASSADE, 1977).

Marlene Guirado (1997), com importantes contribuições para a análise

institucional, acrescenta, à definição de instituição, as dimensões de legitimação

processada a partir da repetição e, sua naturalização, justificada e criada a partir de

demandas e necessidades sociais:

{...} um conjunto de práticas que se repetem e que, enquanto se repetem, legitimam-se; sendo a legitimação uma espécie de naturalização daquilo que é instituído. Em algum momento da história e para dar conta de certas necessidades e urgências sociais, os homens foram se organizando de determinada forma, e essa forma de organização ou de relação vai-se perpetuando; são as instituições {...} (p. 144).

Guilhon Albuquerque (1978) define instituição a partir dos elementos que a

estruturam. Distingue o objeto institucional, o âmbito da ação institucional e os

atores institucionais.

Por objeto institucional considera “aquilo sobre cuja propriedade a instituição

reivindica o monopólio da legitimidade” e justifica a partir da base psicanalítica, como

Lapassade (1977) que o objeto institucional não é material, pois é impalpável. Essa

característica imaterial possibilita o “processo de desapropriação dos indivíduos ou

de outras instituições, no que se concerne ao objeto em questão” (cf. GUILHON,

1978, p.70).

Fundamenta a desapropriação do objeto a partir de sua polarização e

oposição, ex.: saúde/doença, normal/patológico. Referente à instituição do

acolhimento e a desapropriação/apropriação do objeto, entre as instituições família e

Estado justifica-se perante o abandono/acolhimento, diante da violência/proteção, a

família incapaz/instituição ou família capaz, contraposições que reforçam e

legitimam a existência do acolhimento, seja na forma institucional ou familiar,

também considerada como outra modalidade de instituição.

O âmbito da ação institucional, segundo o autor, é sustentado nessa

polarização pelas relações sociais. São elas que sustentam a propriedade e a

guarda do objeto, e os atores institucionais são centrais para o entendimento da

estrutura da instituição. Por atores institucionais, ele distingue o mandante, a

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clientela e o público, o contexto institucional e todas as inter-relações existentes

entre os diversos atores (GUILHON, 1978).

Não apenas os mandantes e agentes institucionais repetem e legitimam a

culpabilização da incapacidade familiar, também a clientela, no nosso caso a família,

institui sua incapacidade de cuidar dos filhos gerados pelos sentimentos de culpa e

vergonha.

A relação de poder para legitimação da prática e do papel institucional sobre o

objeto, aqui destacada por Guilhon (1978), é tão bem sintetizada por Guirado (1987):

Sua contribuição fundamental {Guilhon} é a de fazer pensar a instituição como conjunto de práticas sociais que se reproduzem e se legitimam, num exercício incessante de poder; um poder entre agentes, dos agentes com a clientela; um poder na apropriação de um certo tipo de relação como própria, como característica de uma determinada instituição (p. 69).

A ideologia do acolhimento institucional e sua ação de proteção, em

contraposição à rejeição e à culpabilização da incapacidade familiar,

destacadamente da mãe, têm oferecido a sustentação e a reprodução das práticas

públicas e sociais. Na atualidade, em escala internacional, é colocada em questão

sua incapacidade de assegurar vínculos sociais à criança e, em sua contraposição

às convivências familiar e comunitária, é valorizada como essencial para a

humanização e socialização de crianças e adolescentes.

3.2 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA: UM PRINCÍPIO E UMA

ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO SOCIAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada em 1989 por

193 países é, segundo o The United Nations Children's Fund (Unicef) (s/d), o

instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Fundamentada na

Doutrina de Proteção Integral, prevê em seu preâmbulo o direito à convivência

familiar e comunitária de crianças e adolescentes, reconhecendo a família “como

grupo fundamental da sociedade {...} que a criança, para o pleno e harmonioso

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desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família em um

ambiente de felicidade, amor e compreensão” (ONU, 1989, art.27, item 2).

A convenção atribui aos Estados Partes competência para proporcionar as

condições para o desempenho das funções de proteção, quando a família for

desprovida de recursos para tal. Segundo a convenção:

Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com as possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança. Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação. (ONU, 1989, art.27, itens 2 e 3)

Na CF/1988 brasileira a família é reconhecida como a base da organização

social, sendo definida sua forma de organização, dotada de solidariedade interna,

marcada inclusive por direitos e deveres de caráter intergeracional e tendo como

absoluta prioridade a criança e o adolescente, aos quais é assegurado o direito à

convivência familiar e comunitária:

A família é a base da sociedade. {...} Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher {...}. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes {...} É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade {direitos sociais e convivência familiar e comunitária}. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 2008, CF/1988, arts. 226, 227 e 229).

No Brasil, além do que consta em sua Lei Magna, a CF/1988, foi promulgada

a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o ECA e define a responsabilidade

da família, da comunidade e do poder público em garantir, com absoluta prioridade,

os direitos à infância e adolescência, prevendo como um direito fundamental o

direito à convivência familiar e comunitária.

No ECA, está explícito o direito da criança à convivência com a família,

prioritariamente na de origem e, em caso de excepcionalidade, numa substituta. Aos

adultos são definidas responsabilidades com os filhos, de proteção e educação,

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sujeitas, inclusive, ao cumprimento de determinações judiciais, adequadas ao

interesse da criança e do adolescente:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes {...} Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (BRASIL, ECA, 1990, arts.19 e 22)

Apesar do grande avanço jurídico-institucional expresso na legislação

específica e da existência de vários estudos em que são reconhecidos os avanços

das políticas públicas direcionadas à infância e juventude, nas duas últimas décadas

(VOLPI, 1999; ZOLA, 2005; RIZZINI, 2006), concernente ao direito à convivência

familiar e comunitária, o marco situacional demonstra que crianças e adolescentes,

via de regra, pertencentes a famílias pobres, permanecem em despersonalizadas

instituições ou são negligenciadas em situação de rua.

O Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes realizado

pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e publicado em 2004, aponta

um universo de cerca de 20 mil abrigados, sendo que 86,7% deles possuem famílias

e a permanência nas instituições de mais de 1/3 dessas crianças brasileiras é de

dois a cinco anos. Apenas 11,30% das crianças não possuem família ou têm família

desaparecida e a pobreza, representada por 24,1% das situações, aparece como o

principal motivo do acolhimento institucional. O abandono vem a seguir, com 18,8%,

a violência doméstica, com 11,6%, a dependência química dos pais, com 11,3%, e a

orfandade representa apenas 5,2%.

A Primeira Pesquisa Censitária Nacional sobre Crianças e Adolescentes em

Situação de Rua37 lançada em março de 2011, identificou 23.973 crianças e

adolescentes em situação de rua. Desse total, 60,5% têm contato com familiares,

52,2% dormem na casa da família, e 47,2% está nas ruas de um a cinco anos. Os

meninos são a maioria, com 71,8% dos pesquisados e a faixa etária mais comum,

com 45,13%, é a de 12 e 15 anos.

37 A pesquisa realizada em 75 cidades do País, abrangendo capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes é de autoria do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA) com a parceria do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idest).

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Os principais motivos que levam as crianças e adolescentes para as ruas são

brigas verbais com pais e irmãos, 32,2%, violência doméstica, 30,6% e alcoolismo e

drogas, 30,4%. Apesar do expressivo número nas ruas, em decorrência de violência

familiar, 55,5% avalia como bom ou muito bom o relacionamento em família, contra

21,8%, que considera como ruim ou péssimo e 46,3% destinam parte, ou a

totalidade, dos recursos arrecadados com pequenos trabalhos ou esmolas, para as

famílias.

As duas pesquisas comprovam o descompasso entre as diretrizes da política

pública expressa na legislação e a capacidade operacional em dar respostas para

assegurar a proteção e a convivência familiar e comunitária à crianças, adolescentes

e famílias com demanda de proteção social especial. Elas possibilitam visualizar três

principais indicadores que afetam e comprometem a convivência familiar e

comunitária: a pobreza, a violência intra-familiar e a inadequação de políticas

públicas quanto à capacidade de prevenção ou mesmo de reparação da situação,

ainda marcadas pela institucionalização do conceito da incapacidade familiar.

Ambas as pesquisas expressam violação de direitos da criança e do

adolescente e sugerem a inexistência, ou insuficiência, de políticas públicas sociais

de apoio familiar.

A promulgação do Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito

de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), em

2006, é um avanço empreendido com relação ao tema e também a nova Lei de

Adoção, 12.010, de 3 de agosto de 2009, que “dispõe sobre o aperfeiçoamento da

sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as

crianças e adolescentes” (BRASIL, 2006/9, p. 1).

Elaborado a partir de um amplo processo participativo, o PNCFC traça

diretrizes, reafirma os marcos legal e conceitual, planifica ações e controle de

resultados visando “romper com a cultura da institucionalização de crianças e

adolescentes e fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos

vínculos familiares e comunitários” (BRASIL, 2006, p. 14).

O PNCFC “reconhece e preconiza a família, enquanto estrutura vital, lugar

essencial à humanização e à socialização da criança e do adolescente, espaço ideal

e privilegiado para o desenvolvimento integral dos indivíduos” e, também, as

mudanças nas configurações familiares presentes na atualidade. Avança na

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conceituação legal de família e propõe “ultrapassar a ênfase na estrutura familiar

para enfatizar a capacidade da família” (BRASIL, 2006, p. 16-24).

Sobre a capacidade familiar, o PNCFC fundamenta-se em vários autores, que

afirmam ser a família o melhor lugar para a socialização e o desenvolvimento dos

filhos, desde seus primeiros anos de vida, fase em que a dependência e a

consequente proteção têm centralidade, estendendo-se pela adolescência, quando

são estabelecidos novos relacionamentos e referenciais determinantes para a

construção de identidade adulta. Conforme disposto:

Desde o seu nascimento, a família é o principal núcleo de socialização da criança. Dada a sua situação de vulnerabilidade e imaturidade, seus primeiros anos de vida são marcados pela dependência do ambiente e daqueles que dela cuidam. A relação com seus pais, ou substitutos, é fundamental para sua constituição como sujeito, desenvolvimento afetivo e aquisições próprias a esta faixa etária. {...} {apesar do relacionamento entre os pares sobrepor a família na fase da adolescência} A família permanece, todavia, como uma referência importante nesse momento em que o adolescente movimenta-se do desconhecido ao conhecido, do novo ao familiar, vivenciando a alternância entre independência e dependência, característica dessa etapa. (BRASIL, 2006, p. 27).

Sobre a estrutura familiar, o referido plano problematiza a definição legal de

família, com base atual na família nuclear (pais e filhos) e propõe uma definição

sócio-antropológica mais ampliada, considerando a família como um grupo de

pessoas unidas pela consanguinidade dos vínculos conjugais, pelas relações de

aliança ou parentesco entre os cônjuges e de afinidade. Considera parentes afins

os consanguíneos de um cônjuge ou companheiro(a) em relação com o outro

cônjuge ou companheiro(a)38. Propõe o conceito de família extensa:

{...} a definição legal não supre a necessidade de se compreender a complexidade e riqueza dos vínculos familiares e comunitários que podem ser mobilizados nas diversas frentes de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Para tal, torna-se necessária uma definição mais ampla de “família”, com base sócio-antropológica. A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade. (BRASIL, 2006, p. 25).

38 Ver relações de parentesco por laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade in: SIMÕES, Carlos. Curso do direito do serviço social. São Paulo: Cortez. 2009.

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Distingue quatro tipos de famílias, além da rede comunitária de afinidade,

considerada estratégica para possibilitar a convivência familiar e comunitária. São

reconhecidas: a família de origem, ou natural, já prevista constitucionalmente; a

extensa ou ampliada; a acolhedora e a substituta.

A família de origem ou natural é compreendida pela união estável entre o

homem e a mulher e, também, pela comunidade formada por qualquer dos pais e

seus descendentes. A família de origem tem precedência em relação às demais e

são previstas medidas voltadas à sua inclusão em programas de auxílio e proteção

sociofamiliar, contemplando, dentre outras, as dimensões de superação de

vulnerabilidades sociais decorrentes da pobreza e privação, fortalecimento dos

vínculos familiares, acesso a informação para suprir demandas diversas e inclusão

na rede pública e sociocomunitária (BRASIL, 2006).

Por família extensa ou ampliada, é vista aquela que se estende para além da

unidade de pais e filhos ou da unidade conjugal. São considerados membros da

família extensa, os avós, os tios, os irmãos, os primos, parentes com os quais a

criança ou o adolescente convivem e mantêm vínculos de afinidade e afetividade

(BRASIL, 2006/9).

A família acolhedora é caracterizada por pessoa ou casal cadastrado no

programa de acolhimento familiar, definido como um serviço de proteção social

alternativo e preferencial em relação ao acolhimento institucional. Acionada quando

da necessidade do afastamento da criança ou adolescente de seu convívio de

origem, não impede, entretanto, o exercício do direito de visitas pelos pais, conforme

decisão judicial. É embasada na excepcionalidade e na provisoriedade da guarda

oficial da criança, por períodos definidos, revisados pela autoridade judiciária,

semestralmente, para permitir decisões e medidas quanto à reintegração familiar ou

colocação em família substituta. O acolhimento familiar é estimulado por meio de

assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios (BRASIL, 2009).

Embora a família acolhedora, conforme já dito, fosse oficialmente reconhecida

no período do Brasil colonial e uma prática bastante antiga em vários países

europeus, trata-se, na atualidade, de uma modalidade nova de serviço, defendida

em nossa realidade para evitar a institucionalização, o abandono e melhorar a

proteção e a preservação de vínculos familiares de crianças e adolescentes.

Como fonte e concretização inicial dessa medida, vários são os estudos

existentes e, apesar da heterogeneidade das experiências, consideram essa prática

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como uma forma de proteção social, não apenas à criança, mas também de apoio à

família de origem (DIAS, 2009; VALENTE, 2008; BAPTISTA, 2006; RIZZINI, 2006).

Na dissertação de mestrado, Walkyria Dias (2009) analisa a experiência

desenvolvida pela Prefeitura da Cidade de São Paulo e aborda a convivência da

criança na relação com a família de origem, com a acolhedora e entre ambas.

Conclui que os novos vínculos firmados não comprometem os vínculos de origem e

constituem-se, inclusive, como uma nova relação de afeto, tanto para a criança

como para sua família.

Janete Valente (2008) tem como objeto empírico um programa da Prefeitura

do Município de Campinas, intitulado Sapeca, que atende crianças e adolescentes

vítimas de violência doméstica. Realiza inclusão em famílias acolhedoras e, durante

o processo de acompanhamento, desenvolve trabalho com as famílias de origem a

partir da articulação com a rede de serviços local, visando o retorno familiar.

Considera como uma medida de apoio familiar e defende que “a família tem

problemas, mas é também ela que tem a solução” (p.18). E conceitua a família

acolhedora a partir de sua capacidade de proteção:

É aquela que voluntariamente tem a função de acolher em seu espaço familiar, pelo tempo que for necessário, a criança e/ou o adolescente que, para ser protegido, foi retirado de sua família, respeitando sua identidade e sua história, oferecendo-lhe todos os cuidados básicos mais afeto, amor, orientação, favorecendo seu desenvolvimento integral e sua inserção familiar, assegurando-lhe a convivência familiar e comunitária. (Id., p. 56).

Raquel Baptista (2006) analisa experiências de acolhimento familiar

realizadas em seis estados brasileiros e verifica que a prática é bastante

diversificada. Existe falta de apoio institucional e de retaguarda de outros serviços,

para o êxito da iniciativa. Identifica, dentre outras necessidades, maior clareza de

alternativas para o acolhimento de adolescentes, de seleção e profissionalização

dos acolhedores, mais investimento na família de origem e formas de subsídios ao

serviço. Constata que pode ser considerada uma alternativa à institucionalização

para algumas crianças e adolescentes quando se pensa no seu caráter provisório e

transitório.

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Irene Rizzini (2006) cita as práticas populares de acolhimento familiar informal

e defende essa modalidade como prática de política pública, para evitar o

acolhimento institucional de crianças e adolescentes:

{...} nos interessa definir e discutir o conceito revestido de formalidade, ou seja, o acolhimento familiar como uma modalidade de atendimento destinado a crianças e adolescentes que, por algum motivo, precisam ser afastados de sua família, em caráter provisório e excepcional, e são inseridos no seio de outra família, que é preparada e acompanhada como parte de uma proposta de política pública (p. 59).

A família substituta é considerada a que substitui, em adoção, a família

natural, extensa e acolhedora. É uma medida outorgada em caráter excepcional e

irrevogável, por decisão judicial, o que equipara a condição legal da criança adotada

à de um filho, em seus direitos e deveres. Os postulantes a tornarem-se família

substituta devem ser maiores de 18 anos, independentemente do estado civil, desde

que sejam, pelo menos, 16 anos mais velhos do que o adotado. A adoção será

precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, acompanhada de

um estágio de convivência (BRASIL, 2009).

A rede social de apoio, diferentemente da família de domicílio ou da família

legalmente constituída, caracteriza-se por pessoas com vínculos de afetividade e

consideração para com crianças e adolescentes, nem sempre com presenças

constantes, mas que possibilitam cuidados e proteção. São relações de

apadrinhamento, amizade, vizinhança, e contribuem para o fortalecimento de

vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 2006).

O PNCFC mantém a medida de proteção à criança e ao adolescente em

acolhimento institucional, considerada excepcional e provisória, e sobre ela tem

precedência o acolhimento familiar. Prevê seu reordenamento e considera como

índice de sucesso a reintegração à família de origem ou a colocação em família

substituta. É definido o tempo máximo de dois anos para a permanência em

unidades de acolhimento, ou em família acolhedora, com revisão semestral

(BRASIL, 2009). Desta forma, é estabelecido à criança o direito a ter uma família,

com precedência da biológica.

Com o objetivo de disciplinar o controle de execução da medida protetiva de

acolhimento institucional, ou familiar, bem como o da situação jurídica das crianças e

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adolescentes assim submetidas, a Corregedoria Nacional de Justiça expediu a

Instrução Normativa 02/2010, que dá base a uma ação interinstitucional dos Poderes

Judiciário e Executivo, intitulada audiências concentradas. Uma metodologia

participativa com previsão semestral, inova na agilização, na inter-

complementaridade institucional, e, também, em elaboração de planos individuais de

atendimento à criança.

Na primeira fase, ocorrida no Estado de São Paulo, de julho a agosto de

2011, com ampla mobilização e efetiva participação da rede de atendimento,

aconteceram 2.400 audiências concentradas, em um universo39 de 13.369 crianças

e adolescentes acolhidos no Estado. Instrumentadas por estudos de caso e planos

individuais de atendimento, contaram, nesta etapa, com a participação de 2.968

crianças e adolescentes. Desse número, 586 retornaram à família de origem ou

natural, 231 foram colocadas em família acolhedora ou substituta, para 208 foram

constituídos processos de destituição do poder familiar e 1.943 permaneceram em

acolhimento institucional. Expressivos foram os resultados obtidos na primeira etapa

das audiências concentradas, com revisão de 34,54% das situações de crianças e

adolescentes inseridos em programas de acolhimento institucional (MELO, 2010).

As audiências concentradas para revisão da situação de crianças acolhidas

no Estado de São Paulo, fundamentaram-se no alargamento conceitual de família,

proposto pelo PNCFC e pela Lei federal de Adoção, 12.010, que possibilitam ampliar

alternativas de convivência familiar e comunitária, tendo como objeto de análise e de

intervenção a criança e o adolescente.

Abalizada no valor das relações familiares, em contraposição ao abandono

pela ruptura ou estreitamento de vínculos provocados pela institucionalização, o

retorno à família de origem tem precedência sobre as demais formas de acolhimento

familiar, com 19,74% das situações. Observa-se, contudo, pelos dados, que em

14,79% das inclusões são adotadas alternativas à família de origem e, deste

número, 7% são instituídos processos para a destituição do poder familiar.

Um significativo número estabelece à criança o direito de ter uma família,

entretanto, em se considerando o debate teórico realizado anteriormente, sobre o

processo de institucionalização, não basta reduzir ou eliminar o ato de colocação de

39 Dados preliminares do Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, realizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

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crianças em instituição pública. Outros indicadores são necessários para identificar

as ações de apoio familiar desenvolvidas, para considerar a mudança

paradigmática.

A convivência familiar e comunitária tem por objeto a criança e o adolescente

e a questão que se coloca é se as políticas públicas existentes e seus operadores

realmente priorizam o fortalecimento das famílias de origem ou substituem o

acolhimento institucional pelo familiar, nas várias modalidades de guarda e adoção.

São, as políticas públicas existentes, capazes de realizar o apoio sociofamiliar e

interromper o ciclo vicioso do acolhimento, retorno familiar, situações de rua de

crianças e adolescentes? Ou, em nome do princípio da convivência familiar, será

remetido às famílias, seja de origem ou substituta, funções públicas para as quais

são incapazes de seu cumprimento?

São questões que ainda demandam respostas e a instituição de planos de

atendimento individualizado às famílias pode contribuir para esse monitoramento.

Planos em que, além da reparação das situações que fragilizam a convivência

familiar, exigem-se ações preventivas ao esgotamento dessa capacidade familiar, ou

seja, políticas explícitas à família. São apresentados a seguir as diretrizes e os

fundamentos da política de assistência social brasileira, que propõe a matricialidade

da família em suas políticas sociais, com processo de implementação ainda

incipiente em nossa realidade e pendente de melhor interpretação sobre as

expectativas e ação pública.

3.3 A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:

DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE O LUGAR ATRIBUÍDO À FAMÍLIA NA

PROTEÇÃO SOCIAL

No Brasil, segundo a legislação e os programas sociais hoje vigentes, as

políticas de proteção social têm como diretriz a matricialidade familiar e, como já

dito, o reconhecimento do direito fundamental aos indivíduos, à convivência familiar

e comunitária.

A PNAS (BRASIL, 2004) considera a família como “espaço privilegiado e

insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus

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membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida” (p. 41). A

matricialidade significa que a ação pública para proteção dos indivíduos tem como

eixo nuclear a expectativa de diversas funcionalidades familiares mediadas pelas

famílias entre seus membros e a coletividade. Conforme a política de assistência

social:

• a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social; • a defesa do direito à convivência familiar, na proteção de Assistência Social, supera o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento per capita e a entende como núcleo afetivo, vinculado por laços consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero; • a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na proteção de seus idosos e portadores de deficiência; • o fortalecimento de possibilidades de convívio, educação e proteção social, na própria família, não restringe as responsabilidades públicas de proteção social para com os indivíduos e a sociedade. (BRASIL, 2005, p. 86).

A forma de operacionalização desses princípios é ainda um processo e um

debate em aberto. Descrita no marco regulatório gerencial do Suas, possui

arcabouço definido, uma Rede de Serviços Socioassistenciais referenciada nos Cras

e Creas, respectivamente, pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à

Família (Paif) e o Serviço de Atendimento Especializado à Família e Indivíduo (Paefi)

e tipificação de serviços.

Sobre o lugar ocupado pela família nos sistemas de proteção social,

especialmente na atualidade, Claude Martin (1995) atribui à crise de proteção social

realizada pelo mercado e também pelo Estado, que trouxe de novo “à ribalta

mecanismos tradicionais de integração social” (p. 54).

Considera que a partilha de responsabilidades está na ordem do dia e tendo

como referência os países europeus, interpreta a presença da família e, também, de

outras formas de sociabilidade e de entre-ajudas estimuladas pelas políticas

públicas, como forma de enfrentar a crise econômica dos sistemas de proteção

social:

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A necessidade de encontrar uma solução para a crise financeira do regime de protecção (sic) social é tamanha que, em muitos países europeus, se encara a hipótese de remeter para a família, ou para as redes de integração primária, um certo número de serviços e de encargos que anteriormente eram, em parte, cobertos por despesas públicas. {...} A sociabilidade, a entre-ajuda, o apoio dos conhecidos ou a amizade dos parentes transformam-se, assim, em novas perspectivas para as políticas públicas. (MARTIN, 1995, p. 55-62).

Martin (1995) defende que a solidariedade familiar e a proteção social pública

devem funcionar em complementaridade e não em substituição a outras formas de

proteção pública, realizadas pelo mercado e pelo Estado. Alega que, na ausência do

trabalho, principal fonte de socialização secundária, os laços de família são

determinantes para evitar o isolamento e a vulnerabilidade relacional, também

considerado como fator de risco se não decorrente de escolhas pessoais. Segundo

o autor, deve-se contar ao menos, com as “pessoas chegadas para não se resvalar

para a exclusão, a dependência e a indignidade” (p.59).

O foco sobre a família, pela política pública, não é um fato isolado e nem

inovador. (MARSHALL, 1967a; CAMPOS & MIOTO, 2003; CAMPOS, 2004) A

estratégia de intervenção na família como unidade e forma de potencializar os

efeitos entre seus membros já era observada na Lei dos Pobres inglesa, para fins de

cálculo financeiro e organização do serviço, por considerar que na família estavam

as condições que haviam conduzido à pobreza (MARSHALL, 1967a).

Marshall (apud CAMPOS, 2004) fundamenta-se nas instruções inglesas de

1912, consideradas como preventivas e humanizadoras, quando estabelece um total

de auxílio destinado a famílias com crianças, baseado em um padrão financeiro

“com o qual se pode esperar que a mulher eduque sua família” (p. 4).

Martin (1995) reconhece também que a tendência da centralidade na família

para a proteção social aos seus membros, transfere atribuições e sobrecarrega,

destacadamente à mulher, e correlaciona com expressão de Giovanni Sgritta, sobre

a situação italiana:

A transferência de responsabilidade social do setor público para as famílias implica inevitavelmente um aumento do grau de exploração do trabalho familiar e, consequentemente, das tarefas e dos serviços desempenhados pelas mulheres no seio da família. (SGRITTA apud MARTIN, 1995, p.62)

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Marta Campos (2003/4) e Regina Mioto (2003) fundamentam o fato de que a

família sempre teve um lugar no sistema de proteção social, diferenciando-se

conforme os tipos de sistemas. Desenvolvem três propostas analíticas classificadas

como: “a família do provedor masculino, o ‘familismo’ e a família no Estado de Bem-

Estar Social de orientação social-democrática” (p.165).

A família do provedor masculino é a perspectiva tradicional de proteção social

realizada a partir da família nuclear. Tendo por base dois eixos, o seguro social

público para a cobertura dos riscos do curso de vida, nascimento de filhos, doenças,

velhice, morte e a existência de solidariedade familiar, baseada nas trocas internas e

apoios de gênero.

Nessa perspectiva conservadora, o status de trabalhador atribuído ao

provedor masculino possibilita a cobertura dos direitos sociais aos filhos e à esposa,

sendo um pressuposto a existência da solidariedade familiar entre gêneros e

gerações. Campos e Mioto (2003) consideram essa modalidade de cobertura de

renda e de direitos sociais, aos dependentes do homem, como de “direitos

derivados” e não de primeira classe.

O crédito da proteção social é atribuído ao mercado e ao Estado, sendo

desconsiderada ou naturalizada a responsabilização da função de provedora de

cuidados desenvolvida pela família, no caso pela mulher, em suas funções de

reprodução social e de provisão e de manutenção do cotidiano e do próprio grupo

familiar.

Marta Campos (2004) analisa a existência de uma tendência do Estado em

não perceber as limitações econômicas e sociais da família, posto sua colocação de

“instância tão ‘naturalmente’ responsável pela reprodução social” (p. 6).

Paradoxalmente, nessas situações, se atribui papel importante à proteção social da

família, sem, entretanto, em nossa opinião, desenvolver políticas para o

fortalecimento familiar, derivando daí, em alguns sistemas de proteção social, a

marca do familismo.

O familismo é analisado por Campos e Mioto (2003) na perspectiva da baixa

oferta de serviços pelo Estado, tendo as famílias, “a responsabilidade principal pelo

bem-estar social” (p. 170). O foco da ação pública é na família e diferentemente de

um sistema “pró-família”, o familismo tende a se pautar pelo modelo familiar

tradicional e demanda de seus membros solidariedade, funções protetoras femininas

e a sua naturalização como instância responsável pela reprodução social.

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Nos sistemas de proteção social de orientação social-democrática, a

centralidade da ação pública não é na família e sim nos direitos dos indivíduos,

sendo responsabilidade do Estado a universalização dos serviços. Possibilita maior

equidade de oportunidades e a “oferta de serviços de apoio aos encargos familiares

constitui alternativa clara, favorecendo uma política de liberação do trabalho

feminino para o mercado” (CAMPOS & MIOTO, 2003, p. 174). Pauta-se

principalmente pela prevenção, evitando o esgotamento da capacidade familiar.

Característico dos países escandinavos, avançou do modelo do provedor

masculino para o padrão atual de família, com dois provedores fortalecidos pela

ampliação da provisão de cuidados à criança, licenças de trabalho para cada um dos

pais, sendo a família um espaço de pertencimento e não uma instituição para

provisão de deveres. Conforme Pruzan (apud CAMPOS & MIOTO; 2003) sobre as

características da família dinamarquesa:

O objetivo do casal é a relação entre os envolvidos, e não institucional; os elementos de união desse casal são vínculos emocionais e não de empenho e deveres entre eles; a unidade do casal é derivada de um acordo entre indivíduos autônomos e que provêm a si mesmos e não de uma instituição que satisfaz funções e regras sociais. Os papéis e os deveres sociais dividem-se entre as duas pessoas, baseados no interesse e na competência e não no sexo (p.175).

Marta Campos e Regina Mioto (2003) sustentam, após a aproximação

analítica das formas de intervenção pública realizada com a legislação brasileira, em

especial as de proteção social, que a orientação brasileira é familista e vem sendo

incrementada pelo “discurso de recuperação de valores éticos-morais, que estariam

supostamente perdidos na sociedade, e em prol da convivência familiar e

comunitária” (p. 181).

Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) ampliam o conceito da ação

pública para o fortalecimento das atribuições familiares quando introduzem a

nomenclatura política familiar. Ao analisar diversas formas de políticas familiares na

Europa, consideram o conceito de política familiar como indefinido, mas usado para

designar medidas legislativas, subsídios e serviços destinados a melhorar as

condições familiares.

Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) analisam as diferenças de políticas

familiares praticadas na Europa e consideram que poucos são os países que

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desenvolvem uma política familiar “explícita”. Por essa classificação, é entendido

“um conjunto de programas de política social intencionalmente destinado a alcançar

finalidades específicas relacionadas com o bem-estar familiar” e não contribuições

“implícitas”, como política de apoio a rendimentos, que também contribuem com a

família e, conforme classificação anterior, são voltados ao combate da pobreza

(p.338).

Destacam a França, a Bélgica e Luxemburgo, como países que realmente

possuem uma “política social explícita” direcionada às famílias, abalizadas na

conjugação de três indicadores de apoio familiar: a referência ao estímulo

demográfico, decorrente do declínio de fecundidade observada, aos custos para o

cuidado dos filhos e ao desenvolvimento de ações que possibilitam a paridade entre

os sexos, visando à conciliação de cuidados familiares e trabalho remunerado (Id.,

2003).

Contrariamente, classificam os países do sul da Europa, a Itália, Grécia,

Espanha e Portugal, como fundamentados no modelo das solidariedades ou

obrigações familiares intergeracionais, condição em que o Estado desenvolve

subsidiariamente a proteção social. A classificação do modelo cultural baseado nas

“solidariedades familiares e de parentesco”, conforme as autoras:

{...} baseia-se na assunção de que o sistema-família funciona nas solidariedades (e obrigações) familiares e intergeracionais ao longo de todo o ciclo de vida e na idéia de que as tarefas de reprodução social e de prestação de cuidados cabem de modo quase exclusivo à família (às mulheres presentes na rede familiar e de parentesco) e só de modo subsidiário ao Estado. (SARACENO & NALDINI, 2003, p. 341).

Esse modelo baseado na cultura de valores tradicionais não possui política

familiar explícita, apresenta alto grau de fragmentação de política social e por longo

tempo não desenvolveu políticas de conciliação de trabalho e família.

Os avanços dos estudos sobre proteção social, em meados dos anos 80, é o

que possibilita o reconhecimento da família e sua correlação com políticas públicas,

segundo Saraceno e Naldini (2003). Análises anteriores, centradas no Estado, não

davam visibilidade a uma parcela grande de proteção social desenvolvida pela área

privada da família, naturalizada pela visão funcional intergeracional e de gênero.

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O aumento das famílias de dois provedores, ou seja, com o maior acesso da

mulher ao mundo do trabalho, aumentaram o interesse e as reflexões sobre o

trabalho de prestação de cuidados familiares e tem possibilitado releituras sobre a

evolução e as demandas de políticas sociais (Id., 2003).

Abordando a proteção social de uma perspectiva fundamentada na relação

tripartite de Estado-Mercado-Trabalhador, a Organização Internacional do Trabalho

(OIT) dispõe sobre formas de padrão e a proteção do trabalho para melhorar as

oportunidades de emprego/renda para mulheres e homens e também, em sua

agenda, está inserida a temática do trabalho familiar. Bruschini et al. (2008) faz uma

revisão das várias convenções e recomendações da OIT, com temas referentes à

proteção da jornada de trabalho, à discriminação e igualdade entre os gêneros,

proteção à maternidade, responsabilidades familiares, além de outras temáticas.

Ressaltamos, aqui, que, desde sua origem, a OIT demonstra em seus

tratados a preocupação com a proteção da maternidade da mulher. Na atualidade,

com consignações revisadas, mantém e amplia esse direito. É determinando um

mínimo de período para a licença remunerada, disciplinando condições para as

mães e bebês em amamentação, prevê proteção à saúde das mulheres empregadas

e, igualmente, a proteção ao emprego contra a demissão.

Depois da década de 1960, também incorpora a temática referente às

responsabilidades familiares e, em 1981, com a Convenção 156 e a Recomendação

165, ao contrário da anterior, mais voltada à garantia dos direitos das mulheres,

define a igualdade e a responsabilidade de gênero, em relação aos filhos ou outros

membros dependentes da família:

Esta Convenção aplica-se a homens e mulheres com responsabilidades com relação a seus filhos dependentes, quando estas responsabilidades restringem a possibilidade de se prepararem para uma atividade econômica e nela ingressar, participar ou progredir; {...} aplicar-se-ão também a homens e mulheres com responsabilidades com relação a outros membros de sua família imediata que manifestamente precisam de seus cuidados ou apoio {...}. (OIT, 1981, Convenção 156, art.1o)

Em seus artigos 4o e 5o, propõe que sejam tomadas as medidas compatíveis

com as possibilidades e responsabilidades nacionais dos Estados Membros, para

que se estabeleçam condições de conciliação de encargos familiares, ao

trabalhador, em igualdade de oportunidades e de tratamento aos gêneros, com co-

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responsabilidade social do empregador e da área governamental, como pode

constatar:

- dar condições a trabalhadores com encargos de família de exercer seu direito à livre escolha de emprego e levar em consideração suas necessidades nos termos e condições de emprego e de seguridade social. - levar em consideração, no planejamento comunitário, as necessidades de trabalhadores com encargos de família e desenvolver ou promover serviços comunitários, públicos ou privados, como serviços e meios de assistência á infância e família. (OIT, 1981, Convenção 156, arts. 4o e 5o)

Cabe destacar que a Convenção 156 “Sobre a igualdade de oportunidades e

de tratamento para homens e mulheres trabalhadores: trabalhadores com encargos

de família" não teve a adesão do Brasil. Conforme documento da OIT-Brasil40, várias

tratativas estão sendo realizadas para ratificar a Convenção que demanda acordo

entre as forças envolvidas e autorização legislativa para consecução.

Reconhecer as inter-relações entre Estado e família significa entender o

movimento das forças e interesses sociais existentes e, também, as concepções

instituídas que fundamentam as políticas públicas ou suas ausências.

O modelo bismarckiano de proteção social, baseado no mercado e na

legislação trabalhista, foi construtor e conformador da nuclearização das famílias e

da clara distinção da funcionalidade existente entre seus membros e entre os

gêneros. Apesar da igualdade de acesso da mulher ao mercado de trabalho e do

reconhecimento das transformações familiares, a perspectiva baseada na

solidariedade dos cuidados familiares está presente no ideário social e nas

legislações familistas que a esse fim se destinam.

A presença da família nos sistemas de proteção social não é uma inovação.

Analisá-la, hoje, possibilita, entretanto, observar diferentes concepções que

determinam graduações díspares da intervenção pública e contribuem para a

formulação de políticas públicas sociais mais expressivas das demandas e da

possibilidade de avanços societários.

40 Pode-se aprofundar no texto 139 da OIT-Brasil: A Abordagem da OIT sobre a Promoção da Igualdade de Oportunidades e Tratamento no Mundo do Trabalho. Brasília, em 8 de março de 2010. Disponível em:<www.oitbrasil.org.br/topic/gender/doc/08_marco_2010_ texto_139pdf>.

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CAPÍTULO 4. UMA EXPERIÊNCIA DE COOPERAÇÃO

INTERNACIONAL PARA PROTEÇÃO SOCIAL DE CRIANÇAS,

ADOLESCENTES E FAMÍLIAS

Sendo a família o núcleo fundamental da sociedade e

o ambiente natural para o crescimento, o bem-estar e a proteção das crianças,

os esforços devem-se voltar primariamente para possibilitar

que uma criança permaneça no seio da família ou

retorne aos cuidados dos pais ou, quando apropriado,

de parentes próximos.

Ao Estado, cabe a responsabilidade de assegurar que as famílias

tenham acesso aos meios necessários de apoio

em sua função de

prestadoras de cuidados.

(ONU, 2009, II-3, p. 3)

Este capítulo apresenta os estudos sobre a pesquisa de campo realizada

entre cidades sócias da América Latina e Europa com o objetivo de identificar

políticas públicas desenvolvidas para a garantia das convivências familiar e

comunitária de crianças, adolescentes e famílias, em situação de vulnerabilidade

social.

A cooperação internacional teve como participantes governamentais a cidade

de Milão, na Itália, e Nantes, na França, pela Europa. E pela América Latina,

Bellavista, no Peru, e Soriano, no Uruguai, sob a coordenação da cidade de São

Bernardo do Campo, no Brasil, desenvolvida por intermédio da Fundação Criança de

São Bernardo do Campo. Também teve a parceria da Associazione Amici dei

Bambini (Aibi), organização não governamental que opera, desde 1986, na Itália,

com filiais em 32 países no mundo, dentre eles, o Brasil, a França e o Peru.

Política Pública é definida como os conteúdos concretos da decisão política e

representada por um conjunto de ações, programas, projetos, serviços ou normas de

iniciativa governamental, que assegura direitos sociais. Nesta análise, consideramos

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a legislação, os benefícios e os serviços específicos de proteção social à criança, ao

adolescente e suas famílias, ou seja, é articulado o direito de convivência familiar da

criança com a existência de políticas públicas de apoio às capacidades familiares

para a proteção de seus filhos.

Classificada no gênero de pesquisa prática, a metodologia adotada à luz do

estudo teórico sobre família, Estado e proteção social, utiliza-se da pesquisa

documental, pesquisa participante do tipo pesquisa-ação e outras técnicas de

levantamento de dados, como entrevistas, questionários, documentos oficiais e

também o intercâmbio presencial em seminários, oficinas, visitas técnicas, capazes

da troca e construção de conhecimentos (DEMO, 1995; SILVA, 1986; THIOLLENT,

1984).

São apresentados, neste capítulo, a constituição, a dinâmica e os objetivos do

projeto comum, considerado como uma forma de governança indutora da construção

de políticas públicas, haja vista sua capacidade de inserir nas agendas políticas

locais temas estratégicos. Em seguida, a metodologia da pesquisa desenvolvida, os

sujeitos da pesquisa e os dados coletados, acompanhados de análise comparada.

Os dados permitem uma breve caracterização socioeconômica das

localidades parceiras, o reconhecimento das expressões da questão social que

conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional, o perfil de famílias

com demanda de proteção social, e políticas públicas desenvolvidas de apoio à

convivência de crianças, adolescentes e famílias, em situação de vulnerabilidade.

Conclui com a confirmação da hipótese de que a convivência familiar de

crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social é uma questão de

políticas públicas direcionadas à proteção social da família que, na atualidade, em

decorrência das transformações estruturais, demanda ações coletivas mais

diversificadas para fortalecer sua capacidade de proteção econômica e relacional.

4.1 O PROJETO DE COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA ENTRE

LOCALIDADES DA AMÉRICA LATINA E EUROPA

4.1.1 O projeto comum: antecedentes, concepção, objetivos e dinâmica

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O projeto de cooperação internacional, originalmente intitulado: Os Pobres

Negligenciados pela Pobreza: Situações de Abrigamento e Desabrigamento de

Crianças e Adolescentes foi proposto por ocasião da Conferência Internacional da

Rede 10 de Enfrentamento à Pobreza Urbana41 do Programa URB-AL, realizada na

cidade de São Paulo, em setembro de 2005.

O URB-AL é um programa da União Europeia que tem o objetivo de

desenvolver redes temáticas42 de cooperação descentralizada entre governos locais,

regionais e sociedade civil, da América Latina e Europa, visando ao intercâmbio de

experiências entre os parceiros interessados em encontrar soluções compartilhadas,

para problemas comuns (SÃO PAULO, 2005).

Um processo de articulação, local e global, que pode ser classificado,

conforme denominado por Ilse Scherer-Warren (2006) como “novas formas de

governança na organização em rede”43, realizada a partir da “identificação de

sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum, os quais

definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e

transformadas” (p. 113).

A cooperação internacional sempre fortemente mais realizada no âmbito dos

Estados nacionais, com o programa URB-AL, possibilita a organização e a

transferência de recursos para a troca de conhecimentos diretamente para as

cidades. E, além da descentralização, o aporte inovador da URB-AL é “a

substituição do conceito tradicional de ‘transferência de ideias, conhecimento e

41 A Rede 10 - Luta Contra a Pobreza Urbana foi coordenada pela Prefeitura do Município de São Paulo com funcionamento de 2002 a 2005; fez parte da segunda fase do Programa URB-AL e contou com 140 sócios, sendo 108 governos locais ou regionais, e 32 externos, compostos por agências de cooperação e instituições da sociedade civil. Ao todo, estavam envolvidos 24 países, dos quais 17 eram da América Latina, a saber: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Equador, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela; e 7 da União Europeia: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Itália e Portugal. Disponível em: < www.prefeitura.sp.gov.br/urbal/pt/.../documento_final>. 42 O programa URB-AL já teve a finalização de duas fases do projeto. A primeira fase ocorreu de dezembro 1995 a fevereiro de 1998 e abordou oito grandes temas: 1. Drogas e cidade; 2. Conservação dos contextos histórica urbanos; 3. A democracia na cidade; 4. A cidade como promotora de desenvolvimento econômico; 5. Políticas sociais urbanas; 6. Meio ambiente urbano; 7. Gestão e controle da urbanização; 8. Controle da mobilidade urbana. A segunda fase foi de dezembro de 2000 a abril 2006, teve a inclusão de cinco novos temas: 9. Financiamento local e o orçamento participativo; 10. A luta contra a pobreza urbana; 11. Habitações na cidade; 12. Promoção das mulheres nas instâncias de decisão locais; 13. Cidade e sociedade da informação; e 14. Segurança cidadã na cidade. 43 A autora nomina o conceito teórico, de rede de movimento social, uma ocorrência da atualidade, manifesta em formas de organização da sociedade por atores privados e também públicos (SCHERER-WARREN, 2006).

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experiências’ pela premissa de ‘intercâmbio mútuos de ideias, conhecimento e

experiências entre todos os atores’” (URB-AL, 2004, p.5).

Os projetos comuns, derivados dos temas centrais da Rede, para sua

organização devem possuir de 5 a 15 parceiros e ter na composição dos membros a

proporcionalidade geográfica de 40% da Europa e 60% da América Latina. A

coordenação é realizada por uma municipalidade, considerado como sócio de pleno

direito, observada a proporcionalidade de cinco sócios de pleno direito, para a de um

sócio externo, como é classificado o membro não governamental (SÃO PAULO,

2005; ZOLA, 2008b).

Quanto à classificação, os projetos são enquadrados como do tipo A, para

aqueles voltados à realização de estudos, e do tipo B, só possível depois do

primeiro, para os direcionados à intervenção local. Possuem financiamento, de até

no máximo dois anos para execução e os recursos são repassados, diretamente

para a cidade coordenadora. (SÃO PAULO, 2005; ZOLA, 2008b).

O projeto de cooperação, proposto nas Conferências Internacionais da Rede

Temática são aprovados pelo programa URB-AL, conforme aderência temática,

inovação e aplicabilidade em outras coletividades. São valorizadas as ações

participativas e o modelo replicado localmente de articulação em rede, “promovendo

para isto a melhoria das políticas públicas e a extensão e consolidação de práticas

de governabilidade democrática” (URB-AL, 2004, p. 6).

Coordenado pelo Município de São Bernardo do Campo (SP), Brasil, por

intermédio da Fundação Criança, é caracterizado como um projeto de estudos e

teve a adesão, pela América Latina, de Bellavista, no Peru, Soriano, no Uruguai, e,

pela Europa, a cidade de Milão, na Itália, e Nantes, na França. A Aibi é o parceiro

não governamental (ZOLA, 2008b).

Realizado de janeiro de 2007 a junho de 2008, o projeto comum

fundamentou-se na troca de experiências sobre as políticas públicas desenvolvidas

para a garantia da convivência familiar e comunitária de crianças, adolescentes e

famílias, em situação de vulnerabilidade social. Seus principais objetivos e produtos

são destacados a seguir:

• Identificar as legislações existentes nas cidades sócias; • Identificar a rede de serviços de proteção social das cidades

sócias; • Identificar e realizar o intercâmbio de best practices em dois

Encontros Internacionais;

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• Instrumentar os atores envolvidos para articulação da Rede Local de Serviços;

• Desenvolver um site; • Editar uma revista/livro com os resultados. (ZOLA, 2008b, p. 10).

A metodologia de trabalho comum contou com comunicação virtual realizada

durante todo o projeto, acompanhada de dois encontros internacionais com cinco

dias de duração cada, envolvendo diretamente cerca de 400 participantes, em

seminários, oficinas e visitas técnicas. Cada localidade também realizou um

encontro com sua rede de serviços de proteção social visando à replicabilidade da

experiência e a construção de uma rede local.

O primeiro encontro internacional, ocorrido em São Bernardo do Campo (SP),

Brasil, deu-se de 10 a 14 de setembro de 2007 e, o segundo, em Milão, Itália, de 12

a 16 de maio de 2008. Os seminários internacionais, com 8 horas de duração, foram

abertos aos interessados e as oficinas e visitas técnicas contaram com a presença

de três representantes por parceiro do projeto. As cidades que promoveram os

encontros internacionais ampliaram o convite para alguns especialistas ou

convidados estratégicos, como técnicos, gestores, juiz da Vara da Infância e

Juventude, dentre outros, totalizando a participação de 25 membros por oficina. As

visitas técnicas foram realizadas em serviços de proteção social a crianças,

adolescentes e famílias.

O seminário de abertura, realizado no dia 11 de setembro de 2007, no

município de São Bernardo do Campo, teve como tema “O Direito à Convivência

Familiar e Comunitária e contou com o apoio da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP), representada no seminário pela Profa. Dra. Marta Campos e

da Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam - Centro de Estudos e Pesquisas de

Administração Municipal.

Por escopo, o seminário articulou as temáticas da pobreza e do abandono, o

papel da família e das políticas públicas para a proteção social de crianças e

adolescentes. Foi apresentada a legislação de proteção social dos países membros,

além da exposição do diagnóstico situacional e dos serviços existentes nas cidades

parceiras da Europa e América Latina. Contou com uma análise comparativa das

experiências relatadas, realizada pelas debatedoras, Maria do Carmo Meirelles, pela

América Latina, e Isa Guará, pela Europa.

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As oficinas, realizadas nos dias 12 e 13 de setembro, foram gravadas e

posteriormente transcritas as fitas. As visitas técnicas ocorreram nos dias 10 e 14 de

setembro, nos serviços da Fundação Criança de São Bernardo do Campo ou da

rede municipal de serviços voltados ao acolhimento institucional de criança, de apoio

sociofamiliar, em centros da criança e juventude, e no programa de atenção à

situação de rua. Todas as atividades contaram com tradução nos idiomas português,

espanhol, italiano e francês.

A seguir, no Quadro 1, é apresentada a agenda de trabalho do seminário, das

oficinas e das visitas técnicas realizadas.

Quadro 1. Programação do I Encontro de Cooperação Internacional 10 de setembro de 2007 Abertura do I Encontro de Cooperação Internacional Visitas técnicas a programas de proteção social do Município de São Bernardo do Campo 11 de setembro de 2007 Programação do I Seminário de Cooperação Internacional 8:00 – 9:00 Café da manhã. Credenciamento dos participantes 9:00 – 9:40 Abertura oficial - prefeito do Município de São Bernardo do Campo: Dr. William Dib e autoridades locais 9:40 – 11:40 Conferências A situação da pobreza e do abandono - conferencista: Luca Chiaramella, AiBi-Itália O papel da família e da rede de proteção social - conferencista: Profa. Dra. Marta Campos, PUC-SP Coordenação: Marlene Bueno Zola, diretora presidente da Fundação Criança de São Bernardo. 11:40 – 12:00 Situação da legislação específica nas cidades / países membros - expositor: Prof. Marcelo Moreira Neumann, Universidade Mackenzie-SP 12:00- 13:30 - Almoço 13:30 – 14:00 - Apresentação cultural de crianças / adolescentes da Fundação Criança 14:00 – 15:30 - Mesa de debate com as experiências práticas das cidades parceiras da Europa - expositores: Brigitte Rabault, Nantes/França. Monica Dragone, Milão/Itália Debatedora: Isa Guará -Instituto Camargo Correa – Projeto Abrigar Coordenação: Anna Bonizzi, da AiBi 15:30 – 15:50 Intervalo para Café 15:50 – 17:30 - Mesa de debate com as experiências práticas das cidades parceiras da América Latina, expositores: Marlene Bueno Zola, São Bernardo do Campo / Brasil; José Luis Perazza, director de Asuntos Sociales, secretário de Soriano/Uruguai; Juan Sotomayor, prefeito de Bellavista /Peru Debatedora: Maria do Carmo Meirelles - Cepam Coordenação: Carolina do Rocio Klomfahs – Fundação Criança SBC. 17:30 - Apresentação cultural de adolescentes da Secretaria de Educação e Cultura de SBC. Encerramento 12 de setembro de 2007 Oficina técnica: Legislações específicas das cidades parceiras para a proteção social de crianças e adolescentes Oficina técnica: A situação dos abrigos e alternativas ao abrigamento a criança e adolescente nas cidades sócias 13 de setembro de 2007 Oficina técnica: A convivência familiar e comunitária nas cidades sócias Oficina técnica: Questões administrativas e o desenvolvimento do projeto comum 14 de setembro de 2007 Visitas técnica e turística Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo, 2007.

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O II Seminário de Encerramento foi realizado no dia 14 de maio de 2008, na

cidade de Milão, na Itália. Com o tema O Direito à Convivência Familiar e

Comunitária, contou com o apoio da Universidade Católica do Sagrado Coração de

Milão que foi representada pela professora Eugenia Scabini, proferindo a palestra,

As Políticas de Proteção Social e o Papel da Família.

O escopo do seminário baseou-se na importância das redes de serviços e de

compromisso social para assegurar às crianças e aos adolescentes o direito à

convivência familiar e comunitária. Na atualidade, várias são as abordagens e o

referencial teórico de rede (CAMPOS, 2004; JUNQUEIRA, 2002; INOJOSA, 2001).

O encontro contou com a presença da Profa. Marta Campos proferindo a palestra A

Convivência Familiar e Redes Sociais.

O seminário abordou as redes públicas das cidades sociais, destacou as best

pratices, consideradas como diferencial de cada cidade ou país parceiro. Foram

apresentados o Plano Brasileiro de Convivência Familiar e Comunitária e a Rede

Social de São Bernardo do Campo, o Programa de Seguro Social a crianças e

mulheres grávidas e a Rede Social de Soriano, o Programa de Defensoria Municipal

da Criança e do Adolescente e a Rede Social de Bellavista. E, pela Europa, a Itália,

pioneira no tema da desinstitucionalização, apresentou o Programa de Famílias

Substitutas e a Rede Social de Milão. A França apresentou as políticas públicas

desenvolvidas de Proteção Judiciária e Administrativa de crianças e adolescentes,

acompanhada da Rede Social de Nantes.

As oficinas foram realizadas nos dias 13 e 15 de maio com a presença de

convidados especialistas. As visitas técnicas ocorreram no dia 16 de maio em

serviços conveniados com a Prefeitura de Milão, de forte tradição de trabalho

realizado em parceria com a sociedade civil. Foram visitados alguns tipos de

acolhimento institucional, intitulados comunidades educativas, acolhimento de mães

com filhos, moradia social para famílias e adolescentes, programa de inclusão

produtiva para jovens e um serviço em ambiente hospitalar, com uma nova

modalidade da roda dos expostos. Uma incubadora térmica acoplada a um cilindro

giratório, com a função de acolhimento de criança, localizado na cidade de Milão.

Todas as atividades contaram com tradução nos vários idiomas dos países sócios

do projeto.

A seguir, no Quadro 2, a agenda de trabalho do II Seminário, das oficinas e

visitas técnicas realizadas.

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Quadro 2. Programação do II Encontro de Cooperação Internacional

12 de maio de 2008- Abertura do I Encontro de Cooperação Internacional 14 de maio de 2008- II Seminário de Cooperação Internacional. 09:40 – 10:30 Abertura Oficial Mariolina Moioli, assessora da Família, Escola e Política Social do Município de Milão. Maria Grazia Cavenaghi Smith, representante da Comunidade Europeia - Programa Urbal Marlene Bueno Zola, diretora presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo – Cidade Coordenadora - Brasil Marco Grifini, presidente da AiBi – Associazione Amici dei Bambini 10:30 – 12:30 Conferências A criança e o adolescente fora da família: emergência humanitária do abandono - Marco Griffini, presidente da Aibi – Associazione Amici dei Bambini Milão - Itália. A convivência familiar e redes sociais - Profª. Drª.Marta Silva Campos, professora de Política Social e coordenadora do Núcleo de Estudos de Família da PUC-SP – Brasil As políticas de proteção social e o papel da família - Prof.ª Eugenia Scabini - professora da Psicologia Social da Família da Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão. Coordenação: Marco Grandi, Escritório de Cooperação Internacional da Comune di Milano 14h00 – 15h50 Mesa de Debates com Experiências da América Latina. O plano brasileiro de convivência familiar e comunitária e a rede social de São Bernardo do Campo – Brasil, Expositora: Profª Marlene Bueno Zola – Brasil Programa de seguro social a crianças e mulheres grávidas e a rede social de Soriano – Uruguai, expositor José Luis Perazza, director de Asuntos Sociales de Soriano - Uruguai Programa de Defensoria Municipal da Criança e do Adolescente e a Rede Social de Bellavista – Peru, expositor: Juan Sotomayor Garcia – prefeito de Bellavista – Peru Coordenação: Carolina Klomfahs - Fundação Criança de São Bernardo do Campo - Brasil 16h10 – 17h30 Mesa de Debates com Experiências da Europa. Programas de famílias substitutas e a rede social de Milão – Itália, Egidio Turetti, Giovane Daverio e Laura Morelli - Comuni di Milano - Itália Proteção judiciária e administrativa de crianças e adolescentes e a Rede Social de Nantes – França, Brigitte Rabault, Capo di Servizio D’azione educativa e di parentela Direzione Generale – Aggiunta Al Consiglio Generale de La Loire Atlantique – Nantes - Francia Coordenação: Carmela Madaffari, Direttore Centrale Famiglia, Scuola e Politiche sociali del Comune di Milano – Itália. 17h30 Encerramento. 13 de maio 2008 Oficina Técnica: Apresentação realizada pelos representantes da América Latina e Europa sobre as Redes Sociais Locais/afinação de conceitos Oficina Técnica: A rede social: estratégia para proteção social 15 de maio de 2008 Oficina Técnica: Construção do site do projeto comum Oficina Técnica: Temas administrativos e desdobramentos da cooperação internacional 16 de maio de 2008 - Visitas Técnicas Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo, 2008.

4.1.2 A metodologia da pesquisa: um estudo prático em análise

comparada

Classificada no gênero de pesquisa prática, a partir da referência de Pedro

Demo (1995) que assim nomina as pesquisas voltadas à intervenção na realidade

social e como pesquisa participante, representada pela pesquisa-ação, em que se

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considera a existência de uma relação dinâmica entre os sujeitos e o mundo real a

ser compreendido e, no caso, a ser transformado. (CHIZZOTTI, 2003/2006; SILVA,

1986; THIOLLENT, 1984)

Atualmente, existe concordância na área das ciências humanas e sociais,

sobre a insuficiência da apreensão e explicação de uma realidade apenas a partir da

frequência da ocorrência de um fenômeno, bem como, é questionada a neutralidade

do pesquisador, que se insere histórica e socialmente, tem juízos e valores de

análise e produz um conhecimento que se transforma numa explicação, num

discurso da realidade (CHIZZOTTI, 2003/2006; SILVA, 1986; THIOLLENT, 1984).

Nessa perspectiva, a pesquisa de campo realizada tem abordagem qualitativa

e análise comparada de seus resultados. A pesquisa qualitativa possui alguns

aspectos característicos, referentes à delimitação do problema, do pesquisador, dos

pesquisados. O problema não se limita ao levantamento de uma hipótese preliminar,

mas decorre de um processo indutivo, a partir da exploração dos contextos, dos

contatos participantes com o objeto e com os pesquisados, que conhecem e emitem

informação e juízo sobre o objeto. O pesquisador não é apenas relator, mas, sim,

um participante ativo e identificado com o problema. Sobre os pesquisados,

pressupõe-se a existência de um conhecimento prático e de representações

elaboradas sobre o objeto (CHIZZOTTI, 1991).

A opção pela pesquisa participante, do tipo pesquisa-ação, fundamenta-se no

reconhecimento de sua função estratégica para a construção de processos

cooperativos e emancipatórios, capazes de troca e construção de conhecimentos,

características desenhadas na metodologia e fins do projeto de cooperação

internacional. Possibilita a existência do compromisso teórico–prático, aliando o

conhecimento à mudança social, que também é apropriada pelos sujeitos da

pesquisa.

Michel Thiollent (1984) distingue pesquisa participante de pesquisa-ação.

Embora ambas sejam pesquisas participantes, a pesquisa-ação é centrada na ação

e não caracteriza todas as pesquisas participantes. Segundo o autor, diversos

estudiosos concebem a pesquisa participante, como técnica de observação, ao

passo que, na pesquisa-ação, pesquisador interage a partir de uma situação

planejada, direcionada à intervenção da situação-problema identificada, considerada

como estratégica para a organização, apropriação de conhecimento e intervenção

nas realidades prática e teórica.

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Na América Latina, essa forma de abordagem de pesquisa está associada à

visão emancipatória; faz parte de projetos com ação social ou de solução de

problemas coletivos; e é, sobretudo, considerada como uma “metodologia de

resolução de problemas de natureza informacional e técnico-organizacional {...}”

(THIOLLENT,1984, p. 85). fundamentada em pressupostos democráticos e

direcionada à construção da cidadania.

Pedro Demo (1995) não faz distinções entre pesquisa participante e pesquisa-

ação, pois classifica ambas pela existência do compromisso com a prática e pela

sua dimensão política, ao aliar conhecimento à mudança social. Considera a prática

parte integrante do processo científico, condição e possibilidade de testar a validade

da teoria e do conhecimento, ao mesmo tempo em que a própria pesquisa prática

produz a intervenção na realidade, o que possibilita a sustentação da metodologia

de pesquisa proposta nesta tese.

Trata-se de uma pesquisa direcionada à melhor compreensão e intervenção

na realidade social em que se insere; possibilita a conjugação da teoria e da prática;

e se articula com a proposta atual de construção do projeto ético-político do Serviço

Social, vinculado a um projeto societário que se “posiciona a favor da equidade e da

justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços

relativos às políticas e programas sociais; à ampliação e à consolidação da

cidadania {...}” (NETTO, J. P., 1999, p. 16).

A metodologia da pesquisa, além da pesquisa participante durante toda a

consecução do projeto comum, das informações fornecidas durante a dinâmica em

rede virtual com abrangência de 18 meses e presencial, realizada em dois encontros

internacionais, já descritos no tópico anterior, contou com dois procedimentos

distintos e complementares para a coleta de informações e análise.

O primeiro envolveu o levantamento de dados com questionários,

classificados, segundo Antonio Carlos Gil (2009), como auto-aplicados, estruturado

pela autora e, de forma consultiva, contou com a colaboração de técnicos da

Fundação Criança de São Bernardo do Campo e da Aibi, também responsáveis pelo

preenchimento do pré-teste. Foi enviado por escrito aos respondentes, membros das

localidades parceiras do projeto comum, acompanhado de normas orientadoras para

o preenchimento.

O segundo procedimento, que será apresentado no item 4.2.2. deste capítulo,

é um levantamento de campo para identificação das famílias em sua demanda de

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proteção social, realizado em um dos programas da Fundação Criança de São

Bernardo do Campo.

Quanto ao conteúdo do questionário, enviado aos parceiros da América

Latina e Europa, classificado como de abordagem sobre questões de fatos, foi

padronizado e respondido, pelos informantes, a partir de fontes oficiais, legislação e

institutos de pesquisa (GIL, 2009). Tiveram também apoio de técnicos da área, em

âmbito local, para o preenchimento, sendo assim classificados como informações de

autoridades públicas. Algumas dúvidas foram esclarecidas nos encontros

internacionais e, complementarmente, foram consultados sites oficiais das cidades44

e consulados dos países membros.

O questionário para o levantamento das informações foi dividido em quatro

temas e abordados e seguintes eixos de informação:

a) Identificação do município, dados populacionais e socioeconômicos;

b) Legislação específica de proteção especial à criança, ao adolescente e

às famílias;

c) Políticas públicas de proteção social direcionadas à criança, ao

adolescente e às famílias;

d) Informações complementares.

São considerados, como sujeitos da pesquisa, os representantes

institucionais que, diretamente, assinaram o contrato de parceria com a Comunidade

Europeia, ou por eles designados, considerados representantes das cidades sócias,

informantes ou expositores dos seminários internacionais.

Os informantes são as autoridades públicas, responsáveis institucionais pelos

dados fornecidos de suas cidades e países, no total de cinco sujeitos. Os

expositores são representantes governamentais das cidades/departamentos e

representes não governamentais, responsáveis pela exposição de fatos ou opiniões

sobre suas cidades nos seminários internacionais. Com função cumulativa em

algumas cidades, totalizam o número de 14 sujeitos significativos da pesquisa.

Os sujeitos são apresentados no Quadro 3, classificados por gênero,

graduação, representação institucional e tipo de participação na informação da

pesquisa.

44 Link de acesso a informações, ver o site elaborado a partir da parceria: http://urbalcrianca.org

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Quadro 3. Perfil dos sujeitos classificados por localidade, conforme gênero, graduação, atuação profissional e tipo de participação na pesquisa

Cidade /País

Sujeitos da Pesquisa

São Bernardo (SP)/Brasil Sujeito 1. Feminino, graduada em Psicologia, pós-graduada em Serviço Social, secretária municipal de políticas para infância e juventude, informante responsável, expositora. Sujeito 2. Feminino, graduada em Psicologia, diretora técnica, expositora. Sujeito 3. Masculino, graduado em Psicologia, pós-graduado em Serviço Social, consultor técnico, expositor.

Soriano/ Uruguai Sujeito 1. Masculino, graduado em Administração, secretário do Departamento de Assistência Social, informante responsável, expositor.

Bellavista/ Peru Sujeito 1. Masculino, graduado em Direito, prefeito, informante responsável e expositor.

Milão/Itália Sujeito 1. Feminino, graduada em Letras e Comunicação, assessora de relações internacionais, informante responsável, expositora. Sujeito 2. Masculino, graduado em Serviço Social, técnico municipal, expositor. Sujeito 3. Feminino, graduada em Serviço Social, técnica municipal, expositora. Sujeito 4. Masculino, professor, secretário municipal, expositor.

Nantes/França Sujeito 1. Feminino, graduada em Ciências Jurídicas, gerente de Departamento dos Serviços Sociais, expositora. Sujeito 2. Masculino, graduado em Engenharia, gerente responsável por relações internacionais, informante responsável.

Aibi Sujeito 1. Feminino, graduada em Ciências de Processos socioeducativos, gerente técnica, expositora. Sujeito 2. Masculino, graduado em Serviço Social, gerente técnico, expositor. Sujeito 3. Masculino, graduado em Ciências Sociais e Políticas, diretor presidente, expositor.

Fonte: Elaborado pela autora.

Conforme dados apresentados, seis dos sujeitos são do gênero feminino e

oito masculino. Apesar das atividades relacionadas a assistência e proteção social

ter prevalência feminina, 43% dos sujeitos são mulheres e 57% homens o que

demonstra a forte presença masculina em cargos mais especializados de gestão.

Todos os sujeitos possuem escolaridade superior, em sua maioria absoluta com

formação na área das ciências sociais e humanas.

Em todas as cidades/departamentos, os sujeitos são as autoridades

responsáveis pela área de proteção social pública, sendo a representação, na

cidade de Bellavista, realizada pelo prefeito, comando máximo municipal. Esse dado

sugere o valor institucional atribuído ao projeto comum de cooperação internacional

que durante todo o seu processo contou com a presença das autoridades locais, na

qualidade de informantes e de expositores nos encontros realizados.

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4.1.2.1 Breve caracterização das localidades da América Latina e

Europa parceiras do projeto de cooperação internacional

Os parceiros do projeto comum de cooperação internacional para proteção

social de crianças, adolescentes e suas famílias, da América Latina e Europa,

apresentam algumas similaridades e várias diferenças, apesar da identidade em

questionar as práticas institucionalizadas de proteção social e terem por perspectiva

o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, em

situação de vulnerabilidade social.

A França e o Uruguai possuem organização político-administrativa por

departamentos. Nantes é classificada como uma região metropolitana considerada a

sétima maior conurbação francesa. Soriano é classificado como região de 10a

grandeza populacional do Uruguai e tem Mercedes como sua cidade de maior porte.

As duas regiões são representadas no projeto comum pelos departamentos.

Bellavista é um distrito da cidade de Callao, na região metropolitana de Lima. São

Bernardo do Campo e Milão são representados por suas prefeituras.

Os dados coletados, com informações mais detalhadas, são apresentados

aqui numa breve caracterização, capaz de indicar a distinção de dados

populacionais e socioeconômicos que possibilitam reconhecer o porte e os aspectos

diferentes das condições e do desenvolvimento social dos parceiros.

A Tabela 1 contém dados numéricos e percentuais da população geral e da

população infanto-juvenil, dos sócios do projeto comum, referentes ao ano de 2007.

Tabela 1. Dados e percentagem da população geral e de crianças e adolescentes, por parceiro do projeto comum

Parceiros/País População total %

Total de crianças

%%

Total de adolescentes

%%

São Bernardo/Brasil 792.617 100

182.280 2

23,06 94.372

111,90

Soriano/Uruguai* 84.563 100

19.062 2

22,54 8.678

110,26

Bellavista/Peru 90.218 100

20.157 2

22,34 10.721

111,88

Milão/Itália 1.308.981 100

135.452 1

10,35 55.021

44,20

Nantes/França** 577.000 100

79.597 1

13,79 66.002

111,44

Fonte: Elaborada pela autora.*Região de Soriano. **Região metropolitana de Nantes

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Conforme indicam os dados da Tabela 1, os parceiros possuem portes

diferentes, se consideradas as diferenças populacionais, seja referente à população

total, como as específicas de crianças e adolescentes. Pela América Latina, Soriano

e Bellavista são de médio porte, e São Bernardo do Campo é um município de

grande porte. Milão é uma metrópole e Nantes é de grande porte45.

Ao analisar a população infanto-juvenil, São Bernardo é maior em números

absolutos, com 276.652, e a menor é Soriano, com 27.740 crianças e adolescentes.

São Bernardo possui também a maior população infanto-juvenil se comparada às

demais cidades, representada por 34,96% da população geral, sendo imediatamente

seguida por Bellavista, com 34,22%, ao passo que Milão representa a menor

população infanto-juvenil, com 14,55% do total populacional. A região metropolitana

de Nantes possui 25,23% da população de crianças e adolescentes e Soriano

32,80% da população geral.

Os dados populacionais apresentados reafirmam as características da

América Latina com população mais jovem que a europeia. E a cidade de Milão

destaca-se pela baixa reposição populacional, um traço destacado nas cidades com

alto grau de familismo na proteção social. Esping-Andersen (2009) ressalta o

paradoxo atual sobre os modelos de proteção social fundados em políticas

familistas, em que, em vez de estimular a família, tem impedido sua formação. O

trabalho feminino, a ausência de serviços públicos de cuidados infantis, a

permanência dos filhos com idade avançada morando com os pais, reduz os

casamentos e o nascimento de filhos. O autor compara a taxa de maternidade

francesa, próxima de 2, e a italiana, com 1,2 de taxa de reposição populacional.

Também são diferentes as características econômicas dos parceiros. São

Bernardo do Campo é uma cidade da Região Metropolitana de São Paulo,

considerada no ABC paulista como o quarto mercado consumidor. Sua economia

está baseada na indústria, especialmente no setor automobilístico, tendo em seu

território as maiores montadoras do País. Na atualidade, a economia crescente é no

setor comercial e de serviços, com a taxa de participação da população

economicamente ativa, sobre a população e idade ativa, de 63,5%.

45 A referência para comparação do porte das instituições parceiras é baseada na classificação do IBGE, sendo, entretanto, destacada, neste item, a grandeza populacional dos departamentos para seus países.

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Soriano tem na agricultura a principal atividade econômica e é o principal

produtor de cereais do país, com grande mercado agroindustrial destinado à

exportação de seus produtos. A pecuária é outra atividade importante da região,

além dos recursos naturais explorados pelo turismo. O Uruguai é o segundo menor

país e economicamente é um dos mais desenvolvidos da América do Sul.

Nantes é a sexta maior cidade da França, localizada ao norte do país, e

destaca-se por sua qualidade de vida, patrimônio cultural e gastronomia. É

considerada um polo de ensino, pesquisa e alta tecnologia e cerca de 90% da

população de ativos ocupados são assalariados, com aproximadamente 80% de

seus empregos formais privados, localizados no setor terciário.

Milão é a cidade com a maior renda per capta da Itália e com um custo de

vida entre os mais altos da Europa. Sua área metropolitana é uma das mais

articuladas e complexas da Europa, visto que lá vive e trabalha cerca de 6,5% da

população italiana, onde estão localizadas as principais atividades empresariais e

um sistema econômico que produz 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. É

sede das maiores empresas nacionais, internacionais e multinacionais. É o principal

polo financeiro do país, reconhecido, também, por suas atividades no âmbito da

moda e do design.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)46, que analisa três dimensões

básicas do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável medida pela

expectativa de vida; o conhecimento, medido pela taxa de alfabetização e

escolarização; e um nível de vida digno, considerado pela renda média existente,

possibilita identificar algumas similaridades entre as cidades sócias, com, entretanto,

acentuada diferença no quesito taxa de mortalidade infantil, como se observa na

Tabela 2.

46 Para aprofundamento, ver o Relatório do Desenvolvimento Humano 2004, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - 2004, em que são desmembrados os indicadores que compõem o IDH. O IDH varia de 0 a 1, sendo considerado como alto desenvolvimento humano, valor acima de 0,8; médio desenvolvimento humano, de 0,5 a 0,799; e baixo desenvolvimento humano, até 0,499. A fórmula para o cálculo pode ser observada na Nota Técnica 1, p. 258-259.

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Tabela 2. Índice de desenvolvimento humano, taxa de mortalidade infantil e taxa de analfabetismo, por parceiro do projeto comum

Parceiros /País IDH Mortalidade infantil Taxa de analfabetismo

São Bernardo/Brasil 0,834 12,45 4,98% Soriano/Uruguai 0,837 13,71 2,40% Bellavista/Peru 0,738 25,00 - Milão/Itália 0,940 2,80 0,4% Nantes/França 0,925 3,30 1,3% Fonte: Elaborada pela autora com dados de 2007.

Os dados da Tabela 2 permitem identificar que Bellavista, no Peru, é

classificada com IDH de médio desenvolvimento e os demais parceiros, apesar de

valores diferentes, têm desenvolvimento humano considerado alto. São Bernardo do

Campo apresenta um IDH de 0,834, tendo um desenvolvimento melhor do que a

média brasileira, de 0,792, classificada como de médio desenvolvimento.

A taxa de mortalidade infantil, outro indicador monitorado em escala mundial,

consiste no número de mortes de crianças de 0 a 5 anos de vida observadas

durante um ano, referidas ao número de mil nascidos vivos, no mesmo período. O

pior índice é observado em Bellavista, com 25,00 mil mortes por mil e o melhor

indicador de saúde infantil é o de Milão, com 2,80 por mil, seguido por Nantes, 3,30.

São Bernardo possui um índice de 12,45, melhor que o de Soriano, com 13,71

mortes em mil crianças nascidas vivas.

Considerado um indicador associado às condições de pobreza, pelas

condições de saneamento básico e de alimentação, para o mesmo período, São

Bernardo possui melhor resultado que o índice brasileiro, com uma taxa de

mortalidade infantil de 27,62. Classificada, portanto, sob o ponto de vista deste

indicador e do IDH, com melhor desenvolvimento do que a média nacional.

As condições de saneamento básico, apresentadas na Tabela 3, a seguir, é

outro indicador socioeconômico relacionado às condições de saúde e à qualidade de

vida que possibilita comparar as cidades sócias.

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Tabela 3. Dados de domicílios sem esgoto, água encanada e coleta de lixo, por parceiro do projeto comum

Parceiros /País Domicílios sem esgoto

Domicílios sem água encanada

Domicílios sem coleta de lixo

São Bernardo/Brasil 14,0% 2,0% 0,0% Soriano/Uruguai 4,2% 8,8% - Bellavista/Peru - - - Milão/Itália 0,4% 0,05% 0,0% Nantes/França* 0,0%** 0,0% 0,0% Fonte: Elaborada pela autora com dados de 2007. *Região metropolitana de Nantes ** 90% em saneamento coletivo e 10% autônomo, são admitidos, esses casos, em algumas áreas da periferia, desde que dentro das normas europeias.

Os dados disponíveis na Tabela 3 apontam Nantes com os melhores

indicadores de saneamento básico, na composição das três referências: coleta de

esgoto, água encanada e coleta e disposição final do lixo. São Bernardo do Campo

apresenta o maior índice de domicílios sem esgotamento sanitário, em relação às

demais cidades sócias, com 14,0%, entretanto, um dado qualitativamente superior à

média brasileira, com uma rede de esgoto de 55,2%, segundo dados da Pesquisa

Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE no ano de 2008. Milão

apresenta 0,4% de domicílios sem tratamento de esgoto, seguido de Soriano, com

4,2%.

O tratamento da água, outro elemento da composição sobre o saneamento

básico, mostra a cidade de Soriano com o pior índice, de 8,8%, e Nantes com o

melhor, tendo a totalidade dos domicílios com água tratada, seguido de Milão, com

0,05%, e São Bernardo, com 2,0%. Os dados referentes ao manejo dos resíduos

sólidos, que inclui coleta e destinação final do lixo e limpeza pública, têm cobertura

de 100% nas cidades de São Bernardo, Milão e Nantes. Os dados de Bellavista não

foram disponibilizados.

Quanto à escolaridade, o maior índice de analfabetismo, indicador associado

à extrema pobreza, é observado em São Bernardo do Campo, com 4,98%, e o

menor, em Milão, de 0,4%, seguido de Nantes, com índice de 1,3%. Soriano é o que

possui menor número de analfabetos, dos parceiros da América Latina, com 2,4%, e

não é disponibilizado esse indicador da cidade de Bellavista.

São Bernardo do Campo, apesar do maior índice de analfabetos dos

parceiros do projeto comum, possui indicador menor que a média brasileira, de

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11,1% para igual período. Segundo levantamento47 elaborado pela Comissão

Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) com base nas estimativas da

população de 15 anos ou mais em áreas urbanas da América Latina e do Caribe, o

Brasil possui a 9a maior taxa de analfabetismo da América Latina. Reduzir esse

indicador é um desafio brasileiro, que apesar de evolução apresentada48, demonstra

uma prioridade a ser enfrentada.

A breve caracterização permite distinguir diferenças demográficas e de

desenvolvimento socioeconômico das cidades parceiras, determinações que alteram

as demandas dos serviços em quantidades e tipologias, entretanto, mantém a

identidade em relação ao estudo da prática do acolhimento institucional da

população infanto-juvenil e de políticas de apoio à convivência familiar,

apresentadas a seguir.

4.2 EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL QUE CONDUZEM AO

ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

4.2.1 A frequência e a motivação do acolhimento institucional nas

cidades parceiras do projeto comum

Vários são os motivos que conduzem crianças e adolescente para o

acolhimento institucional. É tipificado49 como uma modalidade de proteção especial

de alta complexidade destinada a indivíduos e/ou famílias com vínculos familiares

rompidos ou fragilizados. Com caráter de excepcionalidade, para as crianças e

adolescentes, destinam-se a proteção de situações de risco pessoal e social, cujas

famílias ou responsáveis encontram-se, temporariamente, com impossibilidade de

fazê-lo (BRASIL, 2009b).

47 Jornal Folha de S. Paulo, de 28 set. 2007. 48 Tendo como referência a publicação do IBGE, Síntese de Indicadores Sociais de 2000, o Brasil, com taxa de analfabetismo de 20,10%, em 1991, passou para 13,60, no ano de 2000, e, conforme dados acima mencionados, para 11,1%, em 2007. 49 A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, recente na realidade brasileira, foi prevista pela Resolução 109, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de 11 de novembro de 2009. Publicada no Diário Oficial da União em 25 de novembro de 2009.

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Com recente prescrição na realidade brasileira, os serviços destinados à

criança e ao adolescente também são extensivos às que possuem deficiência; são

previstos acolhimento provisório para mulheres vitimas de violência doméstica,

acompanhadas ou não de seus filhos (BRASIL, 2009b).

Reconhecer a prática do acolhimento institucional conduziu-nos a investigar

seu dimensionamento e motivação nas instituições públicas parceiras da América

Latina e Europa.

A Tabela 4 possibilita identificar a frequência do acolhimento institucional de

crianças e adolescentes por parceiro.

Tabela 4. Frequência e percentagem de crianças e adolescentes em acolhimento institucional, por parceiro do projeto comum

Parceiro /País Total geral %

Total de criança

% Total de

adolescente %

São Bernardo/Brasil

224 100 135 60,28 89 39,72

Soriano/Uruguai 53 100

36 67,92 17

32,08

Bellavista/Peru 127 100

... ... ... ...

Milão/Itália 1.018 100

348 4,18 670

65,82

Nantes/França

1.218 100 826 67,82 392 32,18

Fonte: Elaborada pela autora com dados de 2007.

Os dados demonstram, em números absolutos, altos índices de acolhimento

institucional nas cidades europeias, especialmente na região metropolitana de

Nantes, comparativamente aos acolhimentos realizados na América Latina.

Apesar de menor número de crianças e adolescentes de Nantes,

comparativamente a São Bernardo, conforme dados da Tabela 2, observa-se, na

Tabela 4, mais de cinco vezes o número de vagas de acolhimento institucional de

Nantes em relação a São Bernardo. O mesmo pode ser observado

comparativamente às outras cidades da América Latina. Nantes possui mais vagas

de acolhimento, também proporcionalmente aos números absolutos de crianças e

adolescentes existentes na cidade de Milão.

A análise desse fato numérico indica a necessidade de aprofundamento sobre

as formas de acolhimento, mas suscita a existência de diferentes concepções que

envolvem o tema da institucionalização entre os sócios. Sugere, além do seu

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questionamento sobre a quebra dos vínculos familiares e comunitários para as

crianças, também, a necessidade de aprofundar dimensões econômicas e de

acesso à cidadania.

O acolhimento institucional nas cidades europeias, como se observa no

Quadro 9, posteriormente, representa a existência de uma especializada e

diversificada rede de serviços. Como, por exemplo, moradias para mães

adolescentes e filhos, mães adultas e filhos, comunidades terapêuticas, dentre

outras modalidades de serviços.

Nos parceiros da América Latina, inclusive pela ausência de diversificação,

estão computados como acolhimento institucional serviços públicos que

proporcionam a guarda de crianças e adolescentes desprotegidas dos pais.

No Brasil, a institucionalização dialeticamente fundada no abandono ou

incapacidade familiar de prover proteção de seus filhos, sintetiza múltiplas situações

não identificadas pelas políticas públicas e, por sua vez, atendida exclusivamente

por essa forma de acolhimento institucional. Nessa visão, encerra, além do

rompimento de vínculos familiares e comunitários e a falta de humanização presente

nesses espaços públicos, também, uma aspiração de direitos de cidadania em

relação a uma histórica ausência de proteção pública. Questionar o acolhimento

institucional possibilita, também, desvelar diferentes expressões de violação de

direitos sociais com demanda de proteções específicas.

Nos parceiros europeus, sugere pela quantidade de serviços existentes,

avanços na percepção sobre as situações presentes no acolhimento institucional. A

diversificação dos serviços incorpora o reconhecimento de direitos violados e, por

sua vez, pode manter a cultura institucional de proteção.

A dimensão econômica considerada nesse debate está relacionada aos

custos desses serviços para o Estado. Em países com maior cobertura de serviços

públicos, tendentes na atualidade à retração e ao declínio do compromisso estatal, a

terceirização ou as iniciativas familiares são consideradas. Martin (1995) alerta para

a solução encontrada por muitos países europeus para enfrentar a crise financeira

da proteção social proclamando o modelo do welfare mix, no qual é inserida a

família e outras formas de privatização da proteção social.

Outro indicador destacado na Tabela 4 é o grande número de adolescentes

acolhidos na cidade de Milão, com 65,82%, contra uma média de 35%, nas cidades

sócias, que, inversamente, possuem mais crianças em acolhimento do que

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adolescentes. O fato pode se justificar pelas situações de menores de idade

estrangeiros que se deslocam para Milão em busca de emprego e sobrevivência. O

que demanda também serviços mais diferenciados de proteção social.

Para melhor compreender as expressões da questão social que tem

conduzido crianças e adolescentes ao acolhimento institucional, nas diferentes

cidades, consultamos os parceiros do projeto comum e apresentamos, no Quadro 4,

as seis principais situações, conforme sua ordem de ocorrência.

Quadro 4.Motivação de acolhimento institucional por ordem de ocorrência nas cidades parceiras do projeto comum

Ordem São Bernardo

do Campo Soriano Bellavista Milão Nantes

1o Conflito familiar

Pobreza Deficiência ou transtorno de personalidade

Situação de rua de estrangeiros

Negligência

2o Negligência Mendicância Negligência Violência doméstica

Violência doméstica

3o Violência doméstica

Violência doméstica

Órfãos/ Abandonados

Abuso e exploração sexual

Abuso e exploração sexual

4o Situação de rua

Deficiência ou transtorno

de personalidad

e

Violência doméstica

Negligência Órfãos/

Abandonados

5o

Doença dos pais, inclusive

o uso de drogas

Situação de rua

Situação de rua Doença dos

pais, inclusive o uso de drogas

Pobreza

6o Órfãos/ Abandonados

Doença dos pais,

inclusive o uso de drogas

Pobreza Pobreza Doença dos

pais, inclusive o uso de drogas

Fonte: Elaborado pela autora.

Apesar da subjetividade da classificação das situações pelos informantes, na

medida em que não existe uma categorização conceitual delas, pode-se considerar

que, em graduações diferentes, a forma de acolhimento institucional é utilizada para

situações de conflito familiar que avançam para a violência doméstica; problemas de

saúde da criança, do adolescente ou da família; pobreza; situação de rua; abuso e

exploração sexual; e situações de orfandade e abandono.

Presente em todas as localidades, o acolhimento institucional por violência

doméstica é o que ocorre com mais freqüência. Em sequência, também apontado

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por todos os sócios, estão classificados os problemas de saúde, expressos em

doença dos pais, inclusive uso de drogas e deficiência ou transtorno de

personalidade da criança ou do adolescente.

À exceção da cidade de São Bernardo do Campo, a pobreza é apresentada

entre os seis principais motivos de acolhimento institucional para os demais

parceiros. Em Soriano, é indicada também a mendicância e as cidades europeias

destacam essa ocorrência entre a população imigrante. Fato já ressaltado na cidade

de Milão, expresso na Tabela 5, com alto índice de adolescentes estrangeiros, em

busca de trabalho, que são acolhidos institucionalmente.

A situação de rua, à exceção de Nantes, é apontada pelos demais parceiros

como motivação de acolhimento e sua ocorrência é atribuída, pelos informantes, à

violência doméstica, exploração sexual, ao trabalho infanto-juvenil e à pobreza.

O abandono e a orfandade são destacados como ocorrência por três dos

sócios: São Bernardo, Bellavista e Nantes, e o abuso e exploração sexual de

crianças e adolescentes pelos dois parceiros europeus.

Os motivos sintetizam, nos locais de acolhimento institucional, histórias e

dificuldades diversas e expõem a complexidade das violações de direitos sociais de

crianças, adolescentes e também de famílias. “A história-bagagem que a criança ou

o adolescente leva para o abrigo não é marcada apenas por experiências negativas”

(ELAGE, 2010). As famílias devem ser reconhecidas em suas dificuldades e

capacidades.

4.2.2 A família com demanda de proteção social especial: uma

aproximação empírica na cidade de São Bernardo do Campo

Reconhecer as famílias com demanda de proteção social especial conduziu-

nos a um levantamento de campo para identificar as famílias atendidas pela

Fundação Criança de São Bernardo do Campo, por intermédio de um de seus

programas, intitulado Centro de Atendimento à Família (CAF).

O estudo abrangeu dois procedimentos metodológicos complementares. O

primeiro, realizado a partir da tabulação das fichas cadastrais de 940 famílias

atendidas no segundo semestre de 2007, e, o segundo, por intermédio de reuniões e

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levantamentos sistematizados a partir de informações de seis sujeitos da pesquisa,

técnicos do CAF, com conhecimento direto da realidade (GIL, 2009).

Apresentamos uma breve caracterização da Fundação Criança de São

Bernardo do Campo e do CAF e, em seguida, o perfil das famílias atendidas por

esse serviço.

4.2.2.1 A Fundação Criança de São Bernardo do Campo e o Centro de

Atendimento à Família (CAF): breve caracterização com antecedentes históricos,

objetivos e serviços

A Fundação Criança de São Bernardo do Campo é entidade pública

municipal50 com a finalidade básica, conforme artigo 4o do seu estatuto, “o

desenvolvimento, a implantação, a execução e monitoramento de projetos,

programas e serviços de proteção social, sócio educativo e de desenvolvimento de

potencialidades de crianças e jovens que tenham seus direitos ameaçados ou

violados” (FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2008, Art. 4).

Concebida originalmente em 1974, como Fundação Municipal do Bem-Estar

do Menor (Fubem/SBC)51, para execução e coordenação da política municipal

dirigida aos menores de 18 anos, destacadamente, “os carentes, abandonados e

infratores” manteve até sua reestruturação, prioritariamente, os serviços ligados ao

sistema judiciário, de acolhimento institucional para proteção pessoal de crianças e o

acolhimento institucional para proteção social, realizado em “celinhas”52.

Com a cultura e a legislação vigentes na época, de tutela e de repressão53,

sinalizava, entretanto, a Fubem/SBC, uma inovação municipal expressiva de

prioridade pela criança existente na comunidade local54.

50 Criada pela Lei Municipal 4.683 de 26/11/1998, referenciada na Lei federal 8.069/1990, é vinculada à Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo. 51 Foi criada com fundamentos na Lei federal 4.513/1964, autorizativa da implantação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). 52 O acolhimento inicial do adolescente infrator, enquanto aguardava medida judicial era realizada em âmbito municipal e o acolhimento era feito em celinhas individualizadas, em condições insalubres e sem atividades socioeducativas. A derrubada física das celinhas foi um marco simbólico da mudança da Fubem, para a Fundação Criança de São Bernardo do Campo. Período em que também foram implantadas no Município de São Bernardo do Campo, as medidas socioeducativas em meio aberto. 53 Fundamentos do Código de Menores.

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A revisão dos estatutos, das diretrizes conceituais e mudança de nome da

Fubem/SBC, deu-se em 1998, após intenso processo de debate55, sendo então

instituída a Fundação Criança, pautada nas seguintes diretrizes conforme o artigo 5o

do seu Estatuto:

I - Assegurar, em face de suas condições peculiares de pessoa em desenvolvimento, proteção especial, priorizando os programas que visem à integração social; II – Possibilitar o monitoramento do desenvolvimento infanto-juvenil e a priorização da atenção às situações de vulnerabilidade social; III – Articular e integrar ações intra e intergovernamentais contando com parcerias de organizações da sociedade civil; IV – Contribuir para o fortalecimento da rede de serviços existente no município buscando a complementaridade e a otimização de suas ações; V – Garantir a condição de sujeito de direitos à criança e ao jovem, estimulando o protagonismo; VI – Desenvolver ações para o fortalecimento das famílias, reconhecendo a multicausalidade das situações de vulnerabilidade, avançando das ações de assistência para o empoderamento pessoal e familiar; VII – Modernizar a gestão e garantir a visibilidade democrática. (FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2008, Art. 5)

A Fundação Criança desenvolve programas e serviços56 de proteção social

básica e proteção social especial de média e alta complexidades. (BRASIL, 2005).

São Centros de Atendimento à Criança e à Juventude (CACJ); Centro de Iniciação

ao Trabalho (CIT); Usina Socioeducativa; Centro Integrado de Apoio e Defesa à

Infância e Juventude Dr. Emílio Jaldin Calderón; Centro de Convivência e

Acolhimento à Criança em situação de Rua - Espaço Andança; Centro de

Atendimento à Drogadicção – Espaço Novo Tempo; Centro de Atendimento às

Medidas Socioeducativas (Case); Espaços de Acolhimento Institucional, além do

Centro de Atendimento à Família (CAF). Realiza também Programas Intersetoriais

em Rede voltados à maior efetividade das intervenções com dimensões nas áreas

da saúde, educação, trabalho, habitação, justiça, dentre outras.

54 Poucas foram as cidades que instituíram políticas específicas para a infância e, também, a cidade foi pioneira em implantar, no ano de 1968, a Cidade da Criança, primeiro parque de diversões temático do País, criado e administrado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo. 55 Ver ZOLA, Marlene. A câmara do grande ABC e o movimento criança prioridade 1: Espaços democráticos e estratégicos à construção de políticas públicas para a Infância e Juventude. Tese (Mestrado) Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2005. 56 Os programas e serviços apresentados têm como base os existentes no período da realização da pesquisa e constam de forma detalhada no Anexo A.

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O CAF, objeto do nosso levantamento, é um serviço direcionado às famílias

com demanda de proteção social especial, decorrente de violações de direitos da

criança e do adolescente encaminhadas pelo Conselho Tutelar, Promotoria e Vara

da Infância e Juventude e, também, oriundas da demanda espontânea, de outros

serviços da rede socioassistencial municipal e de outros serviços da Fundação

Criança.

A história do CAF, implantado em 1992 com o nome de Centro de Apoio

Psicossocial (Caps), remonta às diretrizes da antiga Fubem. “Sua meta era de

sensibilizar a família, promovendo reflexão sobre o papel da mesma no processo

formativo de crianças e adolescentes”. Passou por transformações nesse período

com destaque, durante o ano 1996, para a implantação do serviço de terapia familiar

breve, metodologia fundamentada em dez sessões, que funcionou até 1998, período

em que foi reordenado, com mudança da denominação e do enfoque metodológico

(BOTARELLI, 2002).

Na atualidade, são seus usuários, famílias e filhos com ocorrência de

violência doméstica, situações de rua, uso abusivo de drogas pelo adolescente,

cumprimento de medida socioeducativa, crianças desaparecidas, dentre outras

situações que interferem e conflitam a dinâmica familiar e propiciam a circulação de

crianças e adolescentes nos programas de acolhimento e nas situações de rua.

Os trabalhos desenvolvidos pelo CAF têm como objetivo a transformação da

dinâmica familiar por meio de ações de apoio psicossocial e educativas, atingidas a

partir de ações de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e da

inclusão na rede socioassistencial municipal.

A metodologia de trabalho adotada pelo CAF combina várias abordagens

voltadas à proteção social das famílias relacionadas à segurança de acolhida e de

escuta qualificada, segurança de convívio, segurança de desenvolvimento de

autonomia e encaminhamento para inclusão de segurança social de renda,

conforme o caso.

Desenvolvem o pronto atendimento ou acolhimento, atendimento inicial,

construção do plano familiar de intervenção individualizado, grupo familiar

intergeracional, grupo de famílias - temático e de reflexão, visitas domiciliares e

encaminhamentos monitorados. Também são realizadas atividades intra programas

da rede de serviços da Fundação Criança e intersetoriais da rede municipal, como

se pode observar no Anexo A deste trabalho.

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Apresenta-se a seguir o perfil das famílias atendidas pelo CAF, com

dimensões objetivas e subjetivas.

4.2.2.2 Perfil das famílias com demanda de proteção social: a vulnerabilidade

da família monoparental feminina em suas dimensões objetivas e subjetivas

A pesquisa para identificação das famílias atendidas pelo CAF contou com

procedimentos metodológicos complementares. Foi realizada a tabulação das fichas

cadastrais de 940 famílias atendidas no segundo semestre de 2007, realizadas

reuniões e feitos levantamentos sistematizados com seis sujeitos significativos da

pesquisa, técnicos do CAF, representados por quatro psicólogos e dois assistentes

sociais.

O perfil dos técnicos do CAF pode ser observado no Quadro 5 apresentado a

seguir.

Quadro 5. Perfil dos sujeitos da pesquisa por idade, sexo, função, formação e tempo na instituição

Identificação Idade Gênero Função Formação Tempo na

instituição

Técnico A 30 anos Fem. Assistente técnica

Psicologia 7 anos

Técnico B 56 anos Fem. Educadora sênior

Psicologia 12 anos

Técnico C 62 anos Fem. Educadora sênior

Serviço Social 12 anos

Técnico D 39 anos Fem. Educadora sênior

Serviço Social 9 anos

Técnico E 58 anos Fem. Educadora sênior

Psicologia 3 anos

Técnico F 55 anos Fem. Educadora sênior

Psicologia 19 anos

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dados apresentados no Quadro 5 possibilitam reconhecer que são

profissionais do sexo feminino, com faixa etária entre 30 e 62 anos e possuem

reconhecida experiência profissional, com média de dez anos de vivência no

atendimento à famílias em situação de vulnerabilidade social.

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Sobre os resultados dos dados coletados, a partir dos prontuários das famílias

atendidas pelo CAF, são apresentados nos gráficos que se seguem adotando a

combinação das abordagens quanti-qualitativa, que possibilita reconhecer quem são

os usuários dos serviços por gênero, estado civil, faixa etária, escolaridade, relação

de trabalho e renda.

O Gráfico 1 possibilita identificar quem são os adultos que buscam os serviços do CAF, por gênero.

0

20

40

60

80

100

Gênero masculino Gênero feminino

Adulto que busca os serviços

Gráfico 1: Distribuição percentual de adultos que buscam os serviços do CAF, por gênero

Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.

Os dados coletados demonstram que 11,28% de pessoas que buscam os

serviços do CAF são do gênero masculino e 88,72% são pessoas do gênero

feminino, confirmando outros estudos que demonstram a presença majoritariamente

feminina nos serviços públicos e no cuidados dos filhos.

Esses indicadores se ampliam quando analisada a frequência nos serviços,

conforme apresentado no Gráfico 2.

0

20

40

60

80

100

Gênero masculino Gênero feminino

Adulto que frequenta osserviços

Gráfico 2: Distribuição percentual dos adultos que frequentam os serviços do CAF, por gênero

Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.

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Quando se refere à frequência nos serviços dos adultos distribuída por gênero

é ampliada um pouco mais a presença das mães nos serviços de proteção social

especial, sendo 89,62% pessoas do sexo feminino e 10,38% pessoas do sexo

masculino.

A majoritária presença feminina já é observada em outros programas de

proteção social57 e diferentemente de caracterizar os serviços como dirigidos à

mulher, evidencia a vulnerabilidade social existente.

Após a identificação da prevalência feminina, os dados e análise que se

seguem referem-se ao perfil dessas mulheres frequentadoras dos serviços do CAF.

O Gráfico 3 apresenta a distribuição percentual das mulheres frequentadoras

dos serviços por estado civil.

05

101520

2530

3540

Estado civil

Gráfico 3: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, por estado civil

Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo - CAF, 2007.

Quanto ao estado civil das mulheres que acompanham seus filhos nos

programas, identifica-se que apenas 33,62% delas são casadas ou têm vivência

marital. As demais, com exceção de 4,33% de fichas sem informação de estado civil,

22,51% são solteiras, 27,71% são separadas e 11,83% viúvas.

São informações obtidas que ratificam as transformações na estrutura familiar

contemporânea. A totalização dos dados expõe o expressivo número de 62,05% de

monoparentalidade feminina. Ou seja, de famílias atendidas onde convivem apenas

o provedor feminino e seus filhos menores de 18 anos, compartilhando o

relacionamento e a sobrevivência no mesmo domicílio e com uma única renda.

57 O Programa Renda Cidadã do governo do Estado de São Paulo, com atendimento a 118 mil famílias, tem 91,2% de mulheres como participantes (SEADS-CDS- 2010).

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Essa convergência já foi destacada pelo Censo Demográfico brasileiro de

2000, realizado pelo IBGE ao observar as formas de organização doméstica nas

várias classes sociais, ocasião em que constatou 24,9% dos domicílios, cujas

pessoas responsáveis são mulheres (BRASIL, 2002a).

A tendência de aumento da proporção de mulheres responsáveis pelo

domicílio é observada, em 2006, com 28,8%, segundo dados da Pesquisa Nacional

de Amostragem Domiciliar (PNAD-IBGE) apontadas na publicação Retrato das

Desigualdades de Gênero e Raça (BRASIL, 2008c), denominada pelos autores

como famílias chefiadas por mulheres.

Identificada por vários autores, a vulnerabilidade desse tipo de família, tem

como precursora a norte-americana Diane Pearce, em seu artigo publicado em 1978

na Urban and Social Change Review. Com o título de Feminização da Pobreza:

Mulher, Trabalho e Assistência Social, fundamenta o empobrecimento da família

com um único provedor, no caso a mulher e os filhos (NOVELLINO, 2004).

A monoparentalidade familiar expõe duas dimensões de vulnerabilidade, a

econômica e a do cuidado afetivo-relacional, posto se tratar de domicílio com um

único provedor, uma única carteira para o sustento de seus membros, acrescido da

dificuldade de conciliação de tempo para o convívio familiar.

Essa constatação da dupla e simultânea função solicitada à mulher é

destacada pelas técnicas do CAF e quatro são as questões mais expressivas de

dificuldades enfrentadas pelas famílias: as questões econômicas, a educação dos

filhos, a pobreza persistente, e a insuficiência ou inadequação das políticas públicas.

Com dificuldades que se imbricam, os problemas econômicos são

decorrentes do desemprego, da informalidade e dos baixos salários para prover a

proteção social com o mercado de trabalho. Na educação dos filhos, há dificuldades

em cuidar das crianças pequenas e conciliar o trabalho, o abandono da escola e o

envolvimento em situações de riscos pelos adolescentes, as dificuldades de

relacionamento e do exercício da autoridade familiar. As políticas públicas são

consideradas insuficientes ou inadequadas para a conciliação das demandas e do

apoio sociofamiliar, como a falta de creches, centros de convivência da juventude,

problemas com a saúde, provocando em algumas famílias a pobreza persistente e

os desequilíbrios familiares.

Conforme as expressões dos técnicos do CAF sobre as dificuldades

familiares:

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{sobre as dificuldades} Conseguir inclusão no mercado de trabalho, com rendimentos que possibilitem às famílias gerir suas necessidades sem necessitar de apoio financeiro do Estado; Conseguir, quando da inclusão no mercado de trabalho, conciliar a rotina profissional com o cuidado afetivo-relacional e com outras atenções, como, por exemplo, o acompanhamento das demandas escolares dos filhos. As duas dificuldades mencionadas, isoladamente ou ocorrendo ao mesmo tempo, nitidamente acarretam uma sobrecarga às funções e papéis familiares e, nas famílias atendidas, em que boa parte é chefiada por mulheres, acrescenta-se uma nítida sobrecarga de funções às mães, fator reforçado por variáveis sócio-históricas. (TÉCNICO A, CAF-2007) As famílias apresentam dificuldades de relacionamento familiar, de colocar regras e limites aos filhos e de melhorar as condições de vida {...} relatam que educar os filhos na época atual é muito difícil, e que perderam o controle da situação. (TÉCNICO F, CAF-2007) Famílias com pobreza persistente, momentaneamente em desequilíbrio {...} ausência de equipamentos que garantam cuidados na ausência dos pais, as creches, os centros da criança e juventude no período pós-escolar que garanta atividades sociais, culturais, esportivas e que evitem as drogas {uso e tráfico} o furto {...}. (TÉCNICO C, CAF-2007) As dificuldades referem-se, com relação à Educação, à falta de creches, de pré-escola, jornada ampliada, questões de saúde {...}. Ou seja, as dificuldades estão vinculadas à insuficiência de políticas públicas, que não atendem às necessidades das famílias. (TÉCNICO B, CAF-2007) Falta de recursos materiais, educação e saúde precária, descumprimento de leis que protegem crianças e adolescentes, ausência de um responsável em casa pela necessidade de trabalhar para sustentar a família. (TÉCNICO E, CAF-2007)

A monoparentalidade feminina é destacada na equipe técnica e a sobrecarga

da mulher com o acúmulo de várias funções sociais é considerada um motivo para o

seu adoecimento, entendido, pela técnica D, como a perda ou a dificuldade em

assegurar a qualidade das relações existentes no âmbito do grupo familiar:

A grande maioria das famílias atendidas pelo programa é de formação monoparental feminina, na qual a mulher desenvolve diversos papéis sociais: mulher, mãe, provedora, filha, vizinha, entre outros. A grande dificuldade que observo é o quanto esta mulher adoece, em menor ou maior grau, em seus papéis sociais, principalmente no de mãe e mulher. {...} Acredito que a grande dificuldade está em entender e garantir a qualidade nas relações. (TÉCNICO D, CAF- 2007).

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No Gráfico 4 identifica-se a faixa etária das mulheres atendidas pelo CAF.

0

5

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30

Entre 30 e 34anos

Entre 35 e 39anos

Entre 40 e 44anos

Entre 45 e 49anos

Faixas Etárias de maiorprevalência

Gráfico 4: Distribuição percentual das mulheres atendidas no CAF, por faixa etária

Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.

As mães atendidas estão na faixa etária entre 30 e 49 anos, uma prevalência

que representa 81,68%, do total das famílias. Sendo 15,87% entre 30 e 34 anos,

23,38% entre 35 e 39 anos, 25,40% entre 40 e 44 anos e 17,03% entre 45 e 49

anos.

O perfil etário com mais idade, cumulativo à monoparentalidade, pode-se

explicar pelas transformações de sua trajetória de vida, com separações ou viuvez.

Também pelas dificuldades de relacionamento intergeracionais, principalmente em

relação aos filhos adolescentes, expostos às situações de violência e com inserção

econômica marginal, no tráfico de drogas, o que se pode constatar pela expressão

apresentada a seguir:

{as mães} Apresentam muitas dificuldades em lidar com os filhos, principalmente, na adolescência. Fator também preocupante é em relação à vulnerabilidade social, as quais as crianças e os adolescentes estão expostos a violência, uso abusivo de substâncias psicoativas e envolvimento com o tráfico. (TÉCNICO F, CAF-2007)

O Gráfico 5 apresenta a distribuição das mulheres atendidas conforme a

escolaridade.

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80

Dados de escolaridade

Ensino fundamental incompleto

Ensino fundamental completo

Ensino médio

Gráfico 5: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme prevalência de escolaridade Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007

Quanto à prevalência de escolaridade, sobre os dados disponíveis, 59,64%

possuem o ensino fundamental incompleto, 15,01% o fundamental completo e

10,25% das mulheres têm o ensino médio. A maioria não possui adequada

escolaridade para acesso a trabalhos qualificados. Também é significativa a

porcentagem (25,26%) das mães, que frequentam os serviços, com mais de dez

anos de escolaridade. Os dados sugerem a dificuldade de conciliação do trabalho

familiar com o trabalho remunerado e o desenvolvimento de uma carreira

profissional.

O Gráfico 6 possibilita identificar informações referentes às relações de

trabalho das mulheres atendidas nos serviços do CAF.

051015202530

Relação de Trabalho

Gráfico 6: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme relação de trabalho Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007

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A precarização do trabalho e da provisão econômica familiar das mulheres é

observada pela pesquisa. O total de 11,43% de mulheres atendidas estão

desempregadas, 24,05% trabalham sem registro, 5,91% são autônomas e 11,96%

recebem renda social.

Com registro de trabalho, são identificadas apenas 18,27% das mulheres e

5,65% desenvolvem o trabalho não remunerado familiar, classificadas, no prontuário

do serviço, como do lar.

O Gráfico 7 possibilita identificar os rendimentos auferidos por meio do

trabalho das mulheres provedoras.

0

5

10

15

20

25

30

35

Até 1/2 salário mínimo

De 1/2 salário mínimo a 1 salário

mínimo

De 1 a 2 salário mínimo

Prevalência de rendas

Gráfico 7: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme prevalência de renda Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.

Quanto à prevalência da renda recebida, 18,90% das mulheres recebem até

1/2 salário-mínimo, 29,73% de 1/2 a 1 salário-mínimo e 27,03% de 1 a 2 salários-

mínimos.

São identificados os baixos salários recebidos pelas mulheres que frequentam

os serviços do CAF, entretanto, existe um número expressivo situado acima do corte

de renda dos programas de transferência de renda brasileiro58, dado que denota a

necessidade de distinção entre os conceitos de pobreza e vulnerabilidade ou risco

social, ao formular políticas de proteção social.

58 O Programa Bolsa-Família é dirigido à pobreza e extrema pobreza com corte de renda de ¼ de salário-mínimo per capta. Da mesma forma, com o mesmo corte de renda, é o critério do Beneficio de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência. Disponível em: <www.mds.gov.br>.

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Apesar da pobreza, entendida no enfoque monetário, potencializar as

situações de vulnerabilidade social, na medida em que impossibilita a aquisição de

bens e serviços necessários à manutenção e ao apoio aos membros familiares,

apenas o olhar dessa dimensão econômica é insuficiente para o enfrentamento de

questões oriundas de diversas situações de vulnerabilidade social.

Carla Bronzo (2009) faz distinção sobre os dois universos, os pobres e os

vulneráveis. Uma distinção importante para a elaboração das políticas públicas de

proteção social que amplia a dimensão econômica das necessidades básicas

insatisfeitas e avança para reconhecer as situações de vulnerabilidade e riscos

entendidas como processos de fragilização.

Conforme a autora, distinguindo os enfoques conceituais de pobreza e

vulnerabilidade:

{...} o enfoque monetário da pobreza e a perspectiva das necessidades básicas insatisfeitas, concentram-se nos resultados, enquanto a abordagem afinada com a concepção de vulnerabilidade orienta-se para os processos, examinando as estratégias que as famílias utilizam para lidar com os riscos e a queda de bem-estar. Vulnerabilidade articula-se com a ideia de risco {...}. (BRONZO, 2009, p. 172)

Segundo a autora (BRONZO, 2009), os riscos que podem colocar as famílias

em situação de vulnerabilidade se constituem mediante uma variedade de situações

determinadas por fatores endógenos e exógenos à família. São citados riscos da

natureza, da saúde, os ligados aos ciclos de vida, além dos riscos sociais, como

presença de gangues, crimes ou outras violências, e os econômicos, dentre outros,

cuja identificação pode tornar mais efetivas as respostas institucionais das políticas

públicas.

Além de privações de caráter objetivo, como falta de renda, bens e serviços,

as famílias pobres enfrentam outras carências ou rupturas durante a trajetória da

vida, com vários impactos psicossociais negativos, de caráter pessoal e social,

provocando baixa auto-estima, desesperança, dependência, resignação,

incapacidades, que dificultam o enfrentamento e superação das situações

vulneráveis (BRONZO, 2009; FÁVERO, VITALE & BAPTISTA, 2008).

Bader Sawaia (2008), numa perspectiva que não dicotomiza objetividade e

subjetividade, alerta para as dimensões subjetivas da família pobre e aponta a

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incompreensão das políticas públicas de proteção social sobre os pobres, como se

não tivessem necessidades psicológicas ou consideram “que a preocupação do

pobre é unicamente a sobrevivência e que não tem justificativa trabalhar a emoção

quando se passa fome” (Ib., 2008, p. 98).

A autora, fundamentada no pensamento de Espinosa (1957), questiona o

dualismo de corpo e mente e propõe que o sofrimento seja considerado como uma

categoria de análise, para o estudo da exclusão social. O sofrimento sentido

“empobrece e afunila o campo de experiências e percepções, bloqueando a

imaginação e a reflexão; torna as pessoas impotentes para a liberdade e felicidade”

(SAWAIA, 2003, p.46). A afetividade e o sofrimento devem ser qualificados como

ético-político e evitável do ponto de vista social. “Isto significa olhar a família que

sofre não a família de risco ou incapaz”. (Ib., 2003, p. 45).

A identificação das situações de vulnerabilidade ou risco no cotidiano das

famílias permite que as políticas públicas sejam mais efetivas, tanto para a detecção

das situações, quanto para o fortalecimento de respostas institucionais.

Segundo as técnicas do CAF, as mães atendidas demonstram sentimentos

ambivalentes quanto à capacidade de proteção social de seus filhos. São

sentimentos de impotência, de conformismo, de sofrimento, mas, também,

demonstram potência, para a busca de solução de problemas, diante de alternativas

de apoio familiar:

{...} as famílias se sentem impotentes e relatam que educar os filhos na época atual é muito difícil, e que perderam o controle da situação. (TÉCNICO F, CAF-2007). Essas mulheres carregam em seu histórico de vida, uma criação onde seus pais também não foram tão próximos e elas ‘sobreviveram’ à sua adolescência. Com isso acreditam que possam fazer o mesmo com os filhos {...} utilizam muito a frase ‘eu fiz ou faço de tudo é ele quem não obedece’. (TÉCNICO D, CAF-2007). {...} muitas {famílias} acreditam que fizeram tudo o que estava ao seu alcance; porém, com o trabalho realizado, percebem as dificuldades, pela insuficiência de programas voltados as demandas, seja na área da saúde, educação, assistência social e de trabalho. Os sentimentos demonstrados, são de desrespeito, de impotência, humilhação, entre outros, relacionados às buscas por solução do problema. (TÉCNICO B, CAF-2007). Na maior parte dos relatos das famílias atendidas, evidenciamos que elas (famílias) consideram, dentro de suas possibilidades, subsidiarem fatores de proteção ao envolvimento, dos filhos em

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situações de risco. A maior parte dos relatos das famílias assistidas aponta para a existência de relações de afeto, para o esforço dos pais ou responsáveis em conciliar a participação no mundo do trabalho com a construção de um diálogo. (TÉCNICO A, CAF- 2007). A maioria nem tem muita compreensão sobre como protegê-los, naquele momento estão fazendo o que podem pelos seus filhos ou então estão preocupados em alimentá-los que nem pensam se estão protegidos ou não. A maioria dos pais vem de situações semelhantes aos filhos e consideram que se sobreviveram seus filhos também o farão. (TÉCNICO E, CAF-2007). Muitas famílias foram despertadas em conhecer e ir em busca dos seus direitos e deveres a partir das reuniões do grupo de família e seus sentimento passam do abandono, para ‘preciso fazer alguma coisa, buscar ajuda, ir a luta’. (TÉCNICO C, CAF-2007).

O trabalho do CAF, com abordagem psicossocial, desenvolvido com as

famílias com demanda de proteção social, identifica a vulnerabilidade familiar em

três dimensões, a econômica, a afetivo-relacional e a inadequação das políticas

públicas, capazes de atender às diversificadas expressões sociais da atualidade. As

insuficiências das políticas públicas podem ser observadas pelas motivações que

conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional.

4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA: UM ESTUDO COMPARADO EM DIFERENTES LOCALIDADES

Os dados coletados sobre públicas existentes nas localidades/países sócios

do projeto comum são apresentados nos Quadros 6 a 11 deste capítulo. A legislação

específica de apoio à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes

está expressa no Quadro 6 e os serviços e benefícios de apoio familiar são

apresentados nos Quadros 7 a 11.

Os serviços e benefícios são apresentados e analisados em três eixos:

cuidados da criança e do adolescente; combate à pobreza e conciliação trabalho e

família, conforme referência distinguida por Chiara Saraceno (2003/10) sobre as

convergências dos estudos europeus na atualidade, na área das políticas familiares.

A disposição do apoio para os cuidados da criança e do adolescente é

desmembrada em três eixos, conforme o tipo de atendimento realizado. No primeiro,

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são apresentados os serviços e benefícios sociais básicos que possibilitam o

desenvolvimento e a proteção da criança e do adolescente; o segundo desenvolve

proteção social especializada, de média complexidade, decorrente de situações de

risco e fragilização de vínculos familiares; e o terceiro realiza proteção social

especializada de alta complexidade, com função restauradora de situações de

interrupção de vínculos familiares.

Adotamos o conceito de interrupção de vínculos familiares por considerar que

é decorrente de relações temporariamente abaladas e interrompidas, não existindo a

ruptura das relações, esta, de caráter inconciliável e com demanda de substituição

familiar. Nessa concepção, as formas de colocação de crianças e adolescentes em

famílias substitutas59, pela adoção, embora lhes possibilitem uma nova família, não

são consideradas, por divergir do objeto desta tese, baseada na família de origem,

muitas delas, com histórico de vulnerabilidades e rupturas não reconhecidas pelas

políticas públicas.

Os resultados dos dados coletados são acompanhados de análise comparada

e, a partir de seus conteúdos, é realizada uma composição analítica que possibilita

reconhecer nas cidades sócias da América Latina e Europa a precedência da

criança e do adolescente nas políticas públicas sociais, com diferentes

regulamentações de políticas familiares.

4.3.1 A convivência de crianças, adolescentes e famílias: legislações,

serviços e benefícios de proteção social das cidades parceiras do projeto de

cooperação internacional

O princípio da convivência familiar e comunitária é um direito previsto para as

crianças e adolescentes na legislação dos cinco países parceiros da América Latina

e Europa. Signatários da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada

em 1989, possuem outras leis específicas, conforme ilustrado no Quadro 6.

59 Embora não computada nos dados apresentados, por se tratar de política de substituição familiar, identificam-se nas cidades europeias parceiras, a modalidade legal de anonimato da maternidade biológica, nos hospitais. Na cidade de Milão, existe uma forma atualizada de Roda dos Expostos, em que a criança pode ser deixada na porta do hospital, em uma forma de incubadora térmica, preservadas a identidade de quem abandona e a proteção da criança.

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Quadro 6. Legislação sobre os direitos da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, por parceiro/país

Parceiro/País Legislação/normatização Título

São Bernardo do Campo - Brasil

- Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei federal 8069, de 13 de julho de 1990. -Resolução conjunta 1, de 13 de dezembro de 2006. Conanda-CNAS.

-Lei federal 12.010, de 3 de agosto de 2009.

-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

-Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). -Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. -Dispõe sobre a adoção.

Soriano - Uruguai

-Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 17.823, de 7 de setembro de 2004.

-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

-Código da Criança e do Adolescente.

Bellavista - Peru

-Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 27.337, de 21 de julho de 2000.

-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

-Código da Criança e do Adolescente.

Milão - Itália -Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 285, de 28 de agosto de 1997. -Lei 149, de 28 de março de 2001.

-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. -Promoção dos Direitos da Infância e Adolescência -Direito da Criança à Família

Nantes - França

-Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 2007-293 de 5 de março de 2007 (Arts. L.112-1; L.112-2 – L.112-4; 141-1; 142-2; 211-1 – 211-14; 212-1 – 212-2; 214-1 – 214-7; Titre II. du Livre II.; 242-1 – 242-4; 242-10 – 242-14- )

-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

-Código da Ação Social e da Família.

Fonte: Elaborado pela autora.

O Peru e o Uruguai possuem Códigos da Criança e do Adolescente similares

ao ECA brasileiro no que concerne ao direito da convivência familiar e comunitária.

A Itália também possui legislação característica para a promoção dos direitos da

Criança e do Adolescente e a França possui legislação específica inserida no

Código da Ação Social e da Família.

Entre os países latino-americanos o Brasil é o pioneiro a ter uma legislação

fundada na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, tratados como

sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento, com prioridade absoluta de

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tratamento pela família, sociedade e Estado60. O Estatuto brasileiro foi lançado em

1990, o peruano é datado do ano de 2000 e o uruguaio em 2004.

O código peruano distingue a prerrogativa de gênero sobre as

responsabilidades familiares. Em seu artigo 6o, da introdução, “reconhece que o

dever de cuidado das crianças e adolescentes se estende à mãe e à família do

mesmo”. No artigo 8o, do capítulo I, prevê o direito da criança à convivência familiar

no núcleo de origem ou, na impossibilidade, justificada apenas em condições

especiais, o direito a ter outra família para assegurar cuidados e desenvolvimento

adequado:

Cada criança e adolescente tem o direito de viver, crescer e se desenvolver dentro de sua família. Crianças e adolescentes que não têm família natural têm o direito de crescer em uma família. Crianças e adolescentes não podem ser separados de sua família natural, apenas em circunstâncias especiais, descritas na lei e com o único propósito de protegê-los. É dever dos pais assegurar que seus filhos recebam os cuidados necessários para o seu desenvolvimento adequado. (PERU- 2000, capítulo I, art. 9o) (tradução nossa).

Em consonância ao peruano, o código da criança e do adolescente uruguaio

reconhece, em seu artigo 12, a família de origem como o lugar mais adequado para

a proteção de seus filhos e, no caso de ausência ou separação, para o melhor

interesse da criança, o direito a ter uma família como prioridade ao acolhimento

institucional, sendo este previsto em situações temporárias:

A família é o fórum adequado para conseguir a proteção de seus filhos. Cada criança e adolescente tem o direito de viver e crescer junto com sua família e não podem ser separados dos pais por razões econômicas. Só pode ser separada de sua família quando, no seu melhor interesse e no âmbito de processo legal, as autoridades determinarem outro substituto para convivência. {...} Se a criança ou o adolescente não tem família, tem o direito de crescer em outra família de acolhimento ou outro grupo de parentalidade, que será selecionado de acordo com seu bem-estar. Apenas na ausência desta alternativa será considerada a colocação em instituição pública ou privada, com estadia transitória. (URUGUAI-2004, art. 12) (tradução nossa).

60 Para mais conhecimento sobre a doutrina de proteção integral, ver a publicação de Edson Sêda: A Proteção Integral: Um Relato Sobre o Cumprimento do Novo Direito da Criança e do Adolescente na América Latina (1995).

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A legislação brasileira e a italiana avançam nos procedimentos para a

operacionalização do direito à convivência familiar e comunitária como um direito da

criança. Ambas prevêem no texto legal a absoluta prioridade e apoio à família de

origem e distinguem outras formas familiares, na impossibilidade justificada da

primeira. A Itália, com a Lei federal 149, intitulada o “Direito da Criança a Uma

Família”, promulgada em 2001, prevê de forma pioneira o fechamento dos institutos

de acolhimento61, ao mesmo tempo em que propõe profunda reforma na

configuração da modalidade de acolhimento institucional, denominada, para esse

fim, como do “tipo familiar”:

Art. 1o. A criança tem o direito de ser criada e educada em suas famílias. As condições de pobreza dos pais ou pai, como o responsável legal, não pode ser um obstáculo ao exercício do direito de família da criança. Para esse fim, devem ser realizadas intervenções para o apoio e ajuda à família {...} As autoridades podem também promover a guarda em comunidades do tipo familiar, organizar cursos de formação e de aperfeiçoamento para assistentes sociais e formação e preparação para as famílias e as pessoas que querem ter filhos adotivos. {...}. Art.2o. A criança temporariamente privada do ambiente familiar, apesar das intervenções de apoio e assistência prestada, é atribuída a uma família, de preferência com filhos menores, ou uma única pessoa, capaz de prover o apoio, educação e relações afetivas de que ela precisa. {...} será permitida a inclusão da criança em uma comunidade do tipo familiar {...}. (ITÁLIA, 2001, arts.1o e 2o) (tradução nossa).

A legislação brasileira, com o PNCFC (2006) e a Lei de Adoção (2009)

reconhece a convivência familiar de crianças e adolescentes em quatro tipos de

famílias: a de origem, a extensa, a acolhedora, e a substituta e estabelece limites de

prazo para permanência em unidades públicas de acolhimento institucional,

conforme já especificado no Capítulo 3.

A França, por sua vez, dentre os países citados, é a que legisla de forma mais

explicita a garantia da convivência familiar à criança e ao adolescente com

prioridade estabelecida nas políticas familiares. Observado desde 1956, com edição

do Código da Família e Bem-Estar Social e suas várias adequações oriundas da

dinâmica social, tem ampla atualização na versão de 2007. Configurado em cinco

61 A referida legislação prevê o fechamento dos institutos de acolhimento até o dia 31 de dezembro de 2006. A Itália foi também precursora do fechamento de hospitais psiquiátricos, como medida de desistitucionalização, em 1978, pela Lei Basaglia, conhecida como a lei do fechamento dos manicômios.

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livros, apresenta detalhadamente os princípios, os tipos de benefícios e serviços, as

regulamentações e as formas de monitoramento das políticas públicas de atenção à

família.

Lenoir (1991, apud CAMPOS & MIOTO, 2003) atribui à existência de uma

política estatal específica para a família, na França, a uma consciência nacional

ocorrida no final do século XIX, sobre ao risco da reposição demográfica, decorrente

da elevada queda de natalidade, agenda política que se manteve nos anos que se

seguiram. Tendo a confluência de forças conservadoras e da visão republicana

defensora de direitos sociais, como diretos da mulher e da criança, o consenso deu-

se por uma política para a família, centrada nos cuidados da infância, “procedimento

que se apresentava com maior facilidade de aceitação política, e também

reconhecido como muito necessário” (CAMPOS & MIOTO, 2003, p.171).

Tendo como precedência absoluta a criança e o adolescente, pois a

abordagem legal tem perspectiva preventiva sobre as dificuldades parentais, a

legislação francesa vem se atualizando. São identificadas, no Código da Família e

Bem-Estar Social francês três áreas prioritárias de proteção: a prevenção perinatal,

a prevenção de dificuldades educativas dos pais, e vários subsídios e serviços de

apoio aos cuidados das crianças em âmbito familiar.

Importantes mudanças paradigmáticas ocorreram no ano de 2007, na

legislação francesa, e são sintetizadas, pela representante de Nantes, em três eixos

conceituais que direcionam a ação das políticas públicas na atualidade: “reforço da

prevenção, melhor conhecimento das crianças em perigo, diversificação das formas

de atendimento” (NANTES - Sujeito 1).

A seguir, nos Quadros 7 a 9, são apresentados os dados referentes aos

serviços e benefícios, das localidades parceiras da América Latina e Europa, de

apoio aos cuidados da criança e do adolescente, agrupadas a partir de seus

objetivos e o tipo de proteção social assegurada, conforme localidade.

No Quadro 7 são sistematizados os programas, projetos, serviços e

benefícios sociais básicos que possibilitam o desenvolvimento e a proteção da

criança e adolescente, capazes de contribuir com a capacidade de proteção familiar

e prevenir situações de risco pessoal e social.

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Quadro 7: Programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais básicos para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro, segundo os objetivos

Parceiro/País

Tipo de serviço

Objetivos/Público-alvo

São Bernardo do Campo/Brasil

-Creches.

-Pré-escolas.

-Espaços de convivência. -Preparação e iniciação para o trabalho. -Núcleo integrado de apoio à criança e a família. -Defensoria da criança e do adolescente.

-Possibilitar o desenvolvimento integral e a proteção de crianças na primeira infância. -Possibilitar o desenvolvimento integral de crianças de 4 a 6 anos na fase preparatória à escolarização. -Desenvolver atividades educativas, culturais, esportivas, em horário contrário ao escolar. -Preparar e inserir o adolescente no mundo do trabalho estimulando o protagonismo e ações de cidadania. -Possibilitar o desenvolvimento da primeira infância nas áreas da educação, saúde e assistência social.

-Possibilitar proteção integral por intermédio de profissionais especializados na informação dos direitos.

Soriano/Uruguai - Educação infantil.

-Centro de atenção Infamília (Caif).

-Professor comunitário.

-Espaços culturais e educacionais. -Observatório da Criança e do Adolescente

-Possibilitar o processo educativo e o desenvolvimento integral de crianças de 2 a 4 anos. -Possibilitar a melhoria dos cuidados e o estado nutricional da primeira infância desenvolvendo ações para a criança, a família e a gestante. -Intervir nas dificuldades de aprendizagem e repetência escolar de crianças e adolescentes com atividades no domicílio e nas escolas dirigidas às crianças e aos grupos familiares. -Desenvolver atividades culturais e educacionais nas comunidades periféricas. -Possibilitar o monitoramento de indicadores de desenvolvimento e proteção.

Bellavista/Peru - Oasis (creche).

-Oficinas educativas e culturais. - Defensoria da criança e do adolescente.

-Promotorias escolares.

-Possibilitar cuidados e alimentação à crianças em situação de vulnerabilidade tendo a mãe como prestadora de serviços voluntários. -Desenvolver atividades culturais e educacionais nas comunidades periféricas. -Possibilitar proteção integral às crianças e adolescentes por intermédio de profissionais especializados para informação e orientação dos direitos. -Fiscalizar e orientar os direitos da criança e do adolescente.

Milão/Itália - Escolas maternais.

-Centros diurnos para jovens. -Auxílio terceiro filho.

-Políticas de tempo.

-Possibilitar a proteção e o desenvolvimento integral de crianças de 3 a 6 anos de classes sociais mais pobres. -Desenvolver atividades educativas, culturais, esportivas e profissionalizantes. -Apoiar financeiramente famílias a partir do terceiro filho; programa desenvolvido nacionalmente. -Possibilitar atendimento personalizado às famílias, como guarda da criança diurna ou parcial, fins de semana, períodos de férias, etc.

Nantes/França -Escolas maternais.

-Assistente maternal.

-Possibilitar a proteção e o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de classes sociais mais pobres. -Possibilitar a proteção diurna à criança, realizado por mulheres cadastradas e remuneradas para o

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-Centros de convivência e oficinas culturais. -Subsídios para os cuidados familiares. -Subsídios diversos de apoio familiar à criança.

-Observatório da criança e do adolescente. -Políticas de tempo.

atendimento de 2 a 3 crianças. -Desenvolver atividades educativas, culturais, esportivas. -Apoiar financeiramente famílias que desenvolvem os cuidados familiares, na forma direta ou renúncia fiscal. - Possibilitar apoio familiar aos cuidados das crianças por meio de benefícios e renúncias fiscais diversos como: subsídio para habitação com prioridade à primeira infância; descontos nas taxas de frete ferroviário; alocações para despesas escolares, pagamento de mensalidade escolar, dentre outros. -Possibilitar o monitoramento de indicadores de desenvolvimento e proteção.

-Possibilitar atendimento personalizado às famílias, como guarda da criança diurna ou parcial, fins de semana, períodos de férias, etc.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dados classificados no Quadro 7 foram informados pelas cidades sócias.

Os serviços públicos sociais básicos para o apoio dos cuidados da criança e do

adolescente tiveram maior destaque nas exposições realizadas pelos parceiros de

São Bernardo e Soriano. Foi também valorizada em sua ação preventiva pela cidade

de Nantes.

Os dados obtidos não possibilitam análise quantitativa comparada, entretanto,

apesar de nomenclaturas, idades e tipos de serviços diferentes, observam-se dois

eixos comuns de apoio aos cuidados de crianças e adolescentes. O primeiro, na

forma de atendimento diurno para crianças, principalmente para a socialização e

proteção da primeira infância e, o segundo, como espaço de atividades arte-

educativas, culturais, esportivas e de iniciação ao trabalho para os adolescentes.

Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) corroboram com estudos que

apontam a diferenciada oferta de serviços públicos dos países europeus para os

cuidados de crianças. A Itália e França desenvolvem os serviços como forma de

oferecer oportunidades educacionais e reduzir as desigualdades sociais de crianças

pobres. Possuem cobertura e faixa etária diferentes dos serviços. O início e a

universalização da idade escolar na França é com 5 anos e na Itália com 6 anos. A

maior oferta de serviços públicos para crianças é realizada na França (Id., 2003).

A França ampliou os serviços públicos com a metodologia de Assistentes

Maternais, mulheres cadastradas, treinadas e pagas pelo Estado para oferecer

cuidado diário para 2 a 3 crianças, prática também realizada na Bélgica. O subsídio

financeiro repassado diretamente às famílias que cuidam de seus membros é outra

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modalidade empregada pela França, que desenvolve políticas explícitas de apoio

familiar. A Itália também apoia financeiramente famílias, a partir do terceiro filho.

Soriano possui uma ação integrada nacionalmente entre os órgãos públicos

das áreas de Educação, Desenvolvimento Social e o Instituto da Criança e do

Adolescente e possui dois programas voltados ao fortalecimento da escolaridade e à

proteção social, destacadamente da primeira infância. A pré-escola, articulada ao

serviço público, é realizada em centros de atenção à criança e à família. Esses

últimos são extensivos às gestantes e visam à melhoria dos cuidados familiares,

educativos e nutricionais da criança.

Outro programa de proteção básica destacado por Soriano, para os cuidados

da criança e do adolescente, é o de professores na comunidade. Destinado às

crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem e repetência escolar, é

também dirigido a comunidades escolares localizadas em regiões com indicadores

de alta vulnerabilidade social. São atividades no domicílio e nas escolas, dirigidas às

crianças e aos grupos familiares, para fortalecer os cuidados familiares.

A cobertura dos dois programas é alta, em âmbito nacional62. No ano de

2007, foram atendidas 334 escolas, 553 professores e 18 mil alunos com o

programa de professores na comunidade e, no ano de 2008, somaram 22.401

beneficiários no programa de apoio à primeira infância.

São Bernardo do Campo, no Brasil, tem, na faixa etária pré-escolar, 11,8% de

sua população63 e os serviços públicos municipais atendem 38% da população

infantil64. Uma percentagem de serviços públicos semelhante às existentes em

países do norte Europeu65, expressa significativa cobertura para redução de

desigualdades educacionais e apoio aos cuidados familiares, insuficientes,

entretanto, segundo a demanda apresentada pelas mães por proteção social.

A educação infantil brasileira tem recebido destaque no debate das políticas

públicas brasileiras, não como apoio à família ou à mulher trabalhadora, mas sim

reconhecida como primeira etapa da educação básica. Essa condição baseada no

direito da criança à política educacional é uma forma de possibilitar oportunidades

iguais ao desenvolvimento integral e tem possibilitado o aumento da qualidade dos

62Mais informações podem ser acessadas no site do Programa Infamilia: <www.infamilia.gub.uy>. 63 Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) Anísio Teixeira, 2000. 64 Dados da Secretaria Municipal de Educação referente ao primeiro semestre de 2008. 65 A Suécia apresenta 33%, a Alemanha do leste 36%, a Finlândia 56% de cobertura de serviços públicos nessa faixa etária (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996 apud SARACENO; NALDINI (2003).

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serviços, com a exigência de gestão, sob a responsabilidade dos órgãos públicos,

de educação municipal66. Entretanto, esse enfoque prioriza o acesso ao direito de

crianças com mais idade, sendo a cobertura do atendimento em creche

significativamente menor que a da pré-escola67.

É também observada, na cidade de São Bernardo do Campo, a oferta de

serviços integrados entre as áreas da educação, saúde e assistência social dirigidos

à primeira infância e à família. Apesar do Programa Bolsa-Família, acompanhar

indicadores de desenvolvimento nas áreas de educação, saúde e assistência social,

essa prática experimental observada em São Bernardo do Campo, e valorizada na

experiência uruguaia, não tem aderência na realidade brasileira.

As informações fornecidas por Bellavista não permitem identificar a forma da

oferta de educação infantil, entretanto, é destacado o serviço público na área de

assistência social que possibilita cuidados e alimentação às crianças em situação de

vulnerabilidade, tendo a mãe como prestadora de serviços voluntários e também

beneficiária dos serviços socioeducativos e nutricionais.

As políticas públicas direcionadas às crianças em faixa etária superior à

educação infantil e ao adolescente são desenvolvidas pelas cidades em espaços de

convivência com atividades educativas, culturais e esportivas. São Bernardo do

Campo destaca serviços voltados à preparação e inserção do adolescente no

mundo do trabalho, em atividades públicas de promoção da cidadania, com o

recebimento de recursos financeiros na forma de bolsa-auxílio68 e Bellavista o

programa de Promotores Escolares, como forma de fiscalização e orientação sobre

os direitos da criança e do adolescente.

As cidades europeias possuem uma modalidade inovadora e personalizada

de serviços de caráter preventivo, explicitamente dirigidos às famílias em períodos

de necessidades específicas. Denominadas como políticas de tempo, permitem o

atendimento de crianças em período diurno, noturno, parcial, em fins de semana,

período de férias, ou outros, conforme interesse da família. São transformações

66 A CF/1988 e a LDB determinam que a responsabilidade pela oferta de educação infantil é dos municípios. 67 Segundo o IBGE (2004) sobre os dados nacionais de educação infantil, 68% das crianças de 0 a 4 anos estavam inseridas na pré-escola e 12% de crianças de 0 a 3 anos, em creches. Dados de documentos da Secretaria Municipal de São Bernardo do Campo (2008) apontam cobertura da demanda por pré-escola e lista de espera no atendimento à creche. 68 Vários são os programas desenvolvidos pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo que podem ser observados no Anexo A e também em outras secretarias municipais.

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institucionais articuladas às trajetórias individualizadas da vida familiar que exigem

diversificadas formas de apoio.

Os dados contidos no Quadro 7 possibilitam identificar, nas cidades parceiras,

diversificadas formas de apoio aos cuidados familiares, tendo por perspectiva

prioritária a criança e o adolescente e as situações de pobreza nas cidades.

Além das formas já mencionadas de serviços públicos de apoio familiar,

destacam-se, também, o observatório da criança e do adolescente em Nantes e

Soriano e a defensoria da criança, em São Bernardo e Bellavista, que corroboram a

prioridade atribuída à criança e ao adolescente.

No Quadro 8, são classificados os programas, projetos e serviços de proteção

social especializado, de média complexidade, para o apoio à família, em seus

cuidados às crianças e aos adolescentes em situações de risco, com vínculos

familiares fragilizados. Também são distinguidos por localidade e objetivos,

acompanhados de análise comparada.

Quadro 8. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de média complexidade, para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro, segundo os objetivos

Parceiros/País

Políticas públicas

Objetivos/Público-alvo

São Bernardo do Campo/Brasil

-Programas especiais contra a violação de direitos da criança e do adolescente. -Tratamento ao uso abusivo de drogas. -Programa de fortalecimento de vínculos familiares.

-Padrinho legal.

-Possibilitar o atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual, trabalho infantil, busca de crianças desaparecidas, violência doméstica. -Realizar atendimento ambulatorial a crianças e adolescentes usuários de drogas. -Desenvolver ações de atendimento psicossocial, de inserção, acompanhamento e fortalecimento dos vínculos de famílias com demanda de serviços de proteção especial. -Proporcionar a geração de vínculos de afinidade a crianças acolhidas em instituição.

Soriano/Uruguai -Programas especiais

à vítimas de maus-tratos. -Conciliação familiar.

-Possibilitar atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil. - Possibilitar a realização de contato familiar de crianças em acolhimento institucional ou familiar.

Bellavista/Peru

-Programas especiais a vítimas de maus-tratos. -Apadrinhamento de crianças institucionalizadas.

-Possibilitar atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil. -Proporcionar a criação de vínculos de afinidade às crianças acolhidas em instituição.

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-Mediação e conciliação de direitos violados.

-Possibilitar a mediação e a conciliação de direitos violados no âmbito familiar.

Milão/Itália -Programas especiais contra a violação de direitos da criança e do adolescente. -Tratamento ao uso abusivo de drogas. -Assistente domiciliar. -Mediação familiar. -Associações de apoio familiar.

-Possibilitar o atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil. -Realizar atendimento ambulatorial às crianças e aos adolescentes usuários de drogas. -Desenvolver ações de apoio ao gerenciamento das rotinas domésticas, administração orçamentária, cuidados dos filhos visando ao fortalecimento de vínculos familiares. -Possibilitar à família a recuperação das capacidades genitoriais. -Possibilitam a mútua ajuda a cuidados da criança a partir de associações para a solução de problemáticas comuns.

Nantes/França -Programas especiais

contra a violação de direitos da criança e do adolescente. -Tratamento ao uso abusivo de drogas. -Assistente domiciliar.

-Mediação familiar

-Visitas de mediação familiar. -Associações de apoio familiar.

-Possibilitar o atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil, violência doméstica. -Realizar atendimento ambulatorial às crianças e adolescentes usuários de drogas. -Desenvolver ações de apoio ao gerenciamento das rotinas domésticas, administração orçamentária, cuidados dos filhos visando ao fortalecimento de vínculos familiares. -Desenvolver apoio psicossocial às famílias com conflitos familiares como ação preventiva ao acolhimento das crianças. -Possibilitar à família a recuperação das capacidades genitoriais. -Possibilitar a mútua ajuda a cuidados da criança a partir de associações para a solução de problemáticas comuns.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dados possibilitam reconhecer, nas cidades sócias, a presença e o

sentimento da complexidade de situações de vulnerabilidade social vivenciadas por

crianças e adolescentes e famílias. Em todas as cidades, são assinalados serviços

de atendimento e combate às piores formas de violação de direitos humanos,

destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual, trabalho infantil,

violência doméstica, ou problemas de saúde da criança ou responsável. Situações já

identificadas, neste estudo, pelas famílias em sua demanda de proteção social, com

dimensões estruturais e não apenas de âmbito doméstico.

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Além dos serviços dirigidos ao atendimento ou denúncia das situações, para

proteção das crianças, são também apontados apoios familiares. Desdobram-se

três principais tendências de caráter preventivo à separação de crianças de suas

famílias: atendimento público para o fortalecimento de vínculos familiares, na forma

de mediação de conflitos e de caráter psicossocial; atendimento público para a

restauração das capacidades genitoriais visando à desinstitucionalização de

crianças e tratamentos especializados na área da saúde.

A solidariedade da rede comunitária também é observada nas localidades

parceiras. Em São Bernardo do Campo e Bellavista, na forma de apadrinhamento

direto à criança acolhida em instituições para preservação de vínculos afetivos. Nas

cidades europeias, na modalidade de mútua ajuda de apoio familiar, uma prática

observada em ações preventivas e também para a restauração de vínculos

familiares.

Essa forma de solidariedade familiar existente nas cidades de Nantes e Milão

vem sendo apoiada pelo poder público em sua capacidade de cadastramento e

treinamento de famílias apoiadoras ao convívio e à guarda familiar.

A professora Eugenia Scabini (2008) conduziu uma pesquisa desse novo

fenômeno69 classificado de comunidades familiares, geralmente “constituídas por

casais casados com ou sem filhos, que pertencem a associações familiares e que

estabelecem regulamentos internos, vivendo um grande compartilhamento entre

família e comunidade” (p. 61).

As formas de intervenção pública relatadas preservam a convivência das

crianças em suas famílias.

No Quadro 9, são sintetizados os programas, projetos e serviços

categorizados como de proteção social especializada, de alta complexidade, com

função de proteção e também, restauração de situações em que os vínculos

familiares encontram-se interrompidos.

69 Estudos realizados por Eugenia Scabini (2008), docente do Curso de Psicologia Social da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, considera várias modalidades de ajuda comunitária, classificadas em comunidades familiares.

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Quadro 9. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de alta complexidade, para os cuidados da criança e adolescente por parceiro, segundo os objetivos

Parceiro/País

Políticas públicas

Objetivos/Público-alvo

São Bernardo do Campo/Brasil

- Acolhimento institucional.

-Acolhimento em casa de passagem.

-Acolhimento em unidade residencial.

-Acolhimento para crianças e adolescentes com deficiência. -Acolhimento para tratamento ao uso de drogas. -Moradia subsidiada para jovens.

-Acolhimento para mães e filhos.

-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços com até 20 vagas, com revisão da situação a cada 6 meses, com prazo máximo de 2 anos para o acolhimento. -Realizar o acolhimento de curtíssima duração, com plantão de 24 horas para recepção e diagnóstico preliminar da situação visando à reintegração familiar ou encaminhamento para acolhimento familiar ou institucional. -Possibilitar o acolhimento institucional, oferecido em casa-lar, com uma pessoa ou casal que trabalha como educador/cuidador residente prestando cuidados a um grupo de até 10 crianças/adolescentes. -Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio família e com necessidade de cuidados especializados.

-Realizar acolhimento de crianças e adolescentes com uso abusivo de drogas, afastados da família e com demanda de tratamento e proteção pessoal. -Possibilitar condições materiais na forma de bolsa moradia para jovens de 18 a 21 anos, sem condições de prover seu auto-sustento, para o estímulo da autonomia pessoal. -Possibilitar proteção para mães e filhos vítimas de violência doméstica.

Soriano/Uruguai -Acolhimento institucional.

-Acolhimento familiar.

-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços com até 20 vagas. -Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes, como medida de proteção, para famílias cadastradas e subsidiadas pelo Estado.

Bellavista/Peru -Acolhimento institucional.

-Acolhimento em casa de passagem.

-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços amplos administrados pelo governo nacional, divididos por idade, sem padrão de capacidade. -Realizar acolhimento de curta duração para diagnóstico da situação visando à reintegração familiar ou encaminhamento para acolhimento institucional, ou adoção.

Milão/Itália -Acolhimento em comunidade educativa.

-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços com até 12 vagas, com revisão da situação a cada 6 meses, com prazo máximo de 2 anos para o acolhimento.

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- Acolhimento em casa-família, ou comunidade familiar. - Guarda hetero-familiar.

-Acolhimento familiar.

-Acolhimento em casa de passagem. -Acolhimento para tratamento de uso de drogas. -Comunidades para mães com crianças. - Acolhimento mãe e filho. -Comunidades de famílias.

-Permitir o acolhimento familiar em moradias de casais com disponibilidade de acolher até no máximo 6 crianças, custeadas e com acompanhamento técnico realizado pelo Estado. -Realizar o acolhimento familiar para a proteção da criança temporariamente afastada da família e manter a relação com a família de origem. Nesta situação, são famílias que ajudam famílias na guarda temporária dos filhos e possuem apoio técnico especializado do Estado. -Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes, como medida de proteção, em famílias cadastradas, com subsídio de custeio para a realização dos serviços. São permitidas de 2 a 3 crianças por família. -Realizar acolhimento de curta duração, com plantão de 24 horas, para recepção, diagnóstico rápido visando a reintegração familiar ou encaminhamentos para outras formas de acolhimento. -Realizar acolhimento de crianças e adolescentes com uso abusivo de drogas, afastados da família e com demanda de tratamento e proteção pessoal. -Possibilitar medida de apoio a mães com seus filhos em instituições com a presença de educadores. -Possibilitar moradia em apartamentos sociais para a autonomia de mães com crianças. -Possibilitar co-habitação em apartamentos sociais para a proteção de famílias.

Nantes/França -Acolhimento institucional.

-Acolhimento em casa de passagem.

-Assistentes familiares.

- Acolhimento familiar.

-Lugar de vida.

-Centros maternais.

-Comunidade terapêutica para adolescente. -Comunidade terapêutica para mães e filhos.

-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Período de acolhimento de 2 a 4 anos. -Realizar acolhimento de curta duração, com plantão de 24 horas para recepção, diagnóstico rápido visando à reintegração familiar ou encaminhamentos para outras formas de acolhimento. - Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção, realizado por mulheres contratadas pelo Estado para o atendimento de 2 a 3 crianças. -Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes, como medida de proteção, por famílias cadastradas pelo Estado, com subsídio de custeio para a realização dos serviços. São permitidas de 2 a 3 crianças por família. - Possibilitar o acolhimento familiar de adolescentes com situações sociais de maior complexidade, tendo acompanhamento de serviços especializados desenvolvidos pelo Estado. - Possibilitar medida de acolhimento e proteção para mães com seus filhos. -Realizar acolhimento de adolescentes com uso abusivo de drogas, afastados da família e com demanda de tratamento e proteção pessoal. -Realizar acolhimento de mães com uso abusivo de drogas, acompanhadas de seus filhos para tratamento e proteção pessoal.

Fonte: Elaborado pela autora.

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Várias e diversificadas configurações de acolhimento para os cuidados de

crianças e adolescentes são observadas. A modalidade de acolhimento institucional

para a proteção social é reconhecida nas várias comunidades. Sua forma

desenvolvida isoladamente conduz à institucionalização, uma ruptura de vínculos

comunitários e afetivos, como já fundamentado no Capítulo 3. Entretanto, acoplada

a outras políticas de apoio familiar e preservadas a individualidade e as relações

familiares e comunitárias da criança pode, transitoriamente, desenvolver ações de

proteção e restauração de vínculos.

O reordenamento dos espaços de acolhimento institucional está presente nas

várias cidades, identificado pela redução de número de abrigados, à exceção de

Bellavista, que possui essa forma de proteção realizada em grandes instituições.

Nas cidades da América Latina, à exceção de São Bernardo do Campo, onde

ela ocorre, é observada menor oferta de serviços de acolhimento destinados a

atendimentos especializados, como tratamento ao uso de drogas, mães e filhos

vítimas de violência doméstica. Nota-se, entretanto, em São Bernardo do Campo,

diferentemente de Soriano, a inexistência do serviço de acolhimento familiar, uma

prática ainda incipiente na atualidade brasileira, apesar de estimulada na legislação.

Bellavista possui espaços de acolhimento em grandes instituições.

Nas cidades europeias, além de serviços de acolhimento especializados, é

observada diversidade de cuidados alternativos à proteção familiar. Guiado pelo

direito à convivência familiar, cuidado alternativo é um conceito proposto pela ONU e

indicado para situações em que a criança está privada de cuidados parentais. Cabe

nessa concepção a intervenção pública, determinada pelo melhor interesse da

criança, permanecendo o apoio à família de origem e o retorno às suas funções,

quando sanadas as causas geradoras do afastamento (Ib., 2009).

Os serviços europeus centrados em famílias acolhedoras com guarda

provisória permitem várias alternativas ao acolhimento institucional. E, além da

guarda para os cuidados em período integral, também existem projetos de guarda,

por algumas horas durante a semana, só nos fins de semana, e em horário noturno.

Na Itália, são observadas diversificadas formas de acolhimento centradas na

família ou no modelo familiar.

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Possuem o acolhimento do tipo familiar e também domiciliar. Esta última

modalidade é realizada por casais que podem abrigar em seus domicílios até seis

crianças, denominadas de casa-família ou comunidade familiar.

Apesar da similaridade dos serviços das cidades europeias, distinguem-se na

forma de gestão.

Nantes tem a presença estatal mais forte. O programa de assistentes

familiares, realizado por mulheres que prestam o acolhimento familiar de crianças, é

profissionalmente legalizado e financiado pelo Estado.

Em Milão, o Estado desenvolve a função reguladora, cabendo ao voluntariado

e às associações privadas a prevalência nas ações executivas, para as quais

recebem contribuição financeira para as despesas, não se configurando a

profissionalização e o recebimento de salário.

Serviços para o estímulo da autonomia de jovens e famílias são destacados

nas cidades de São Bernardo do Campo e Milão. A primeira, na forma de moradia

subsidiada para jovens e, a segunda, com apartamentos para jovens e também

mães acompanhadas de crianças.

No Quadro 10 são agrupados os programas, projetos, serviços e benefícios

destinados ao combate da pobreza de famílias, com crianças e adolescentes.

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Quadro 10. Programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais de combate a pobreza de famílias, por parceiro, segundo os objetivos

Parceiro/País

Serviços/Benefícios

Objetivos/Público-alvo

São Bernardo do Campo/ Brasil

-Programa Bolsa-Família (nacional); Renda Cidadã (estadual); Renda Mínima (municipal). -Benefício de Prestação Continuada (BPC).

-Inclusão produtiva para adultos. - Programas de Iniciação ao trabalho para adolescentes. - Sistema territorial de atenção à família.

-Transferência de renda para famílias pobres com condicionalidades de saúde e educação de crianças e adolescentes, reorganizado em 2004.

-Transferência mensal de 1 salário-mínimo ao idoso, com 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. -Possibilitar a qualificação profissional e inclusão produtiva em serviços públicos municipais. -Preparar e inserir o adolescente em serviços públicos municipais com ações de cidadania e recebimento de bolsa-aprendizagem. -Possibilitar referência territorial de assistência social (4 Cras).

Soriano/Uruguai -Plano Nacional de Atenção à Emergência Social (Panes). - Inclusão produtiva para adultos.

-Transferência de renda para famílias pobres com condicionalidades de saúde e educação para crianças e adolescentes, implantado em 2005. - Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho.

Bellavista/Peru -Programa Juntos.

-Inclusão produtiva.

-Cozinhas populares.

-Transferência de renda para famílias pobres com condicionalidades de educação para as crianças e adolescentes, implantado em 2005. -Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho. -Possibilitar segurança alimentar de populações em extrema pobreza.

Milão/Itália -Reddito Minimo (RMI) ou minimo vitale. -Inclusão produtiva.

-Sistema territorial de atenção à família.

-Transferência de renda e de inserção de famílias pobres implantado em 1998. - Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho -Possibilitar referência territorial de assistência social (9 zonas descentralizadas).

Nantes/França -Renda Mínima de Inserção (RMI). -Inclusão produtiva.

-Transferência de renda para famílias pobres e inserção produtiva, implantado em 1988. -Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dados apresentados no Quadro 10 não permitem analisar a abrangência

dos programas de combate à pobreza das cidades sócias, possibilita, entretanto,

reconhecer que todos os parceiros realizam programas de combate à pobreza na

forma de transferência de renda para a população pobre e ou de extrema pobreza. A

França é a pioneira entre os países pesquisados, com implantação em 1988 e, os

mais recentes, Uruguai e Peru, ambos implantados em 2005.

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A erradicação da pobreza é um tema presente nas agendas públicas nacional

e internacional. A ONU70, tendo os países sócios como signatários, definiu como

meta para 2015 que o primeiro objetivo de desenvolvimento do milênio deve ser a

redução da pobreza e da fome.

Os programas de transferência de renda na América Latina são focalizados

na co-responsabilidade das famílias beneficiárias para os cuidados de alguns

aspectos de saúde e educação de seus filhos. Reconhecidas como

condicionalidades para participação e permanência no programa, no caso do

programa brasileiro Bolsa-Família, a contrapartida familiar na área da saúde ocorre

com o acompanhamento do pré-natal e vacinação das crianças e, na educação, com

a frequência das crianças na escola fundamental, com um mínimo de 85%. São

Bernardo do Campo possui programas de transferência de renda a famílias pobres

instituídos pelas esferas municipal, estadual e federal.

Considerado como uma forma também de acesso à cidadania, com

responsabilidade familiar no acompanhamento, a condicionalidade da frequência

escolar de crianças com idade acima de 6 anos, não assegura creche e pré-escola,

indicadores prioritários dos cuidados parentais e a equidade de desenvolvimento

cultural da criança.

Em Bellavista, o Programa Juntos é direcionado às famílias com filhos até 14

anos de idade e as condicionalidades exigidas são a prestação de cuidados infantis

nutricionais até os 3 anos de idade da criança e a garantia de educação para as

crianças acima de 3 anos de idade. A cidade também destaca políticas de combate

à fome como medida de segurança alimentar de populações em extrema pobreza. O

Programa Nacional de Atenção à Emergência Social uruguaio também é centrado

nas condicionalidades familiares de saúde e educação à criança.

A pobreza, na Europa, está relacionada prioritariamente à reestruturação

produtiva e às populações migrantes.

Em Milão, 13% da população é imigrada, proveniente de cerca de 90 países

(MILÃO - Sujeito 4). Castel (2007) atribui às transformações econômicas e à crise

da sociedade salarial, na atualidade, construída na base do trabalho e em suas

formas de proteção.

70 As Metas do Milênio foram definidas pela Assembleia Geral da ONU realizada em setembro de 2000 e relatórios de países signatários são monitorados pela comunidade internacional.

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Serge Paugam (2003) confere aos programas de transferência de renda

europeus (RMI) o papel de integrar os assistidos, mas podem também, com sua

focalização, contribuir para a construção de identidades negativas. Segundo o autor,

o enfoque do assistido corresponde a “um status social específico, inferior e

desvalorizado, que marca profundamente a identidade de todos os que vivem essa

experiência”. Quando mais frequente a pobreza e fundada estruturalmente, a

sociedade não discrimina os assistidos (Ib., 2003, p.45).

Os programas de transferência de renda são emergenciais necessárias,

possuem respostas imediatas, mas devem ter mais conexão com outras políticas

sociais estruturantes, eles, por si, são “essencialmente operações de reposição para

preparar para dias melhores” (CASTEL, 2007, p. 27).

Todas as cidades sócias também apontam a existência de programas de

inserção produtiva e profissionalização, formas de intervenção pública em nível local

para a inclusão econômica e adequação às novas exigências do mundo do trabalho.

A gestão das políticas de assistência social nas cidades de Milão e São

Bernardo do Campo é baseada no princípio da descentralização das ações. Milão é

dividida em 9 zonas de descentralização, São Bernardo do Campo possui

implantação recente de quatro Cras para referência territorial de populações em

situação de pobreza. Tem prioridade estabelecida na criança e no adolescente e a

centralidade para o desenvolvimento das políticas de assistência social na família, o

que se pode observar também na realidade milanesa.

O Quadro 11 apresenta benefícios públicos, de conciliação entre trabalho e

família, regulamentados nas localidades/países sócios.

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Quadro 11. Benefícios sociais de conciliação trabalho e família, por parceiro, segundo os objetivos

Parceiro/País

Benefícios

Objetivos/Público-alvo

São Bernardo do Campo/Brasil

-Licença-maternidade.

-Licença-paternidade.

-Creches

-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de beneficio previdenciário com 100% de remuneração (4 e 6 meses). -Permitir ao trabalhador o direito de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho, com remuneração (5 dias). -Possibilitar local para amamentação e auxílio financeiro até os 6 meses da criança.

Soriano/Uruguai -Licença-maternidade.

-Licença-paternidade.

-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de beneficio previdenciário com 100% de remuneração (84 dias). -Permitir ao trabalhador o direito de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho, com remuneração (2 dias).

Bellavista/Peru -Licença-maternidade.

-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de beneficio previdenciário com 100% de remuneração (90 dias).

Milão/Itália -Licença-maternidade

-Licença-paternidade.

-Licença parental.

-Licenças para cuidados de saúde dos filhos.

-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de benefício previdenciário com 80% de remuneração (5 meses). -Permitir ao trabalhador o benefício da proteção à maternidade em caso de morte ou doença grave da mãe. Algumas categorias profissionais possibilitam o direito de 3 dias ao pai, de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho. -Possibilitar à mãe ou ao pai tirar licença não remunerada de 6 meses, podendo ser gozada até a criança completar 8 anos de idade. Lei regional possibilita subsídio governamental (bônus bebê). -Possibilitar ao pai ou a mãe tirar licença não remunerada por período de tratamento de saúde de filhos com até a idade de 3 anos. Dos 3 aos 8 anos de idade, é concedida licença de 5 dias ao ano.

Nantes/França -Licença-maternidade.

-Licença-paternidade.

- Licença parental.

- Licenças para cuidados de saúde dos filhos.

-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de benefício previdenciário com 100% de remuneração. 16 semanas (1o filho) até 26 semanas (3o filho). -Permitir ao trabalhador o direito de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho, com remuneração (14 dias). -Possibilitar à mãe ou ao pai tirar licença não remunerada até os 3 anos da criança com o objetivo de se dedicar à sua educação. Durante esse período, tem o emprego garantido e subsídio governamental. - Possibilitar ao pai ou à mãe o tratamento de saúde dos filhos com a ampliação da licença parental não remunerada.

Fonte: Elaborado pela autora.

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Os direitos trabalhistas, orientados pelo seguro social, regulam as licenças de

trabalhadoras e trabalhadores em âmbito nacional71. A licença-maternidade é um

benefício social previdenciário de proteção às mães trabalhadoras e é um tema

presente desde a origem da OIT, em sua conferência inaugural, em 1919

(BRUSCHINI e al., 2008).

As cidades sociais possuem diferentes períodos de concessão e também de

regulação da remuneração desse direito social. Os mais longos períodos de licença-

maternidade são concedidos pela Itália, Brasil e França. A legislação de todos os

países afiança a estabilidade de emprego.

Na Itália, a duração da licença-maternidade é de cinco meses. No Brasil, são

assegurados de quatro a seis meses, sendo 180 dias para funcionárias da área

pública e de Empresas Cidadãs, da área privada72. Na França, a concessão é

variável, de 16 semanas para o primeiro filho até 26 semanas, para o terceiro filho.

No Peru e Uruguai, as licenças-maternidade se assemelham, sendo 90 dias para o

primeiro e 12 semanas, para o segundo.

À exceção da Itália, onde a remuneração da licença-maternidade é 80% do

valor salarial recebido, nos demais países é assegurado o provimento integral do

salário.

A licença-paternidade, que possibilita ao trabalhador o direito de ausentar-se

do serviço após o nascimento do filho, também é bastante diversificada no período e

de reconhecimento recente. A mais longa licença, de 14 dias, ocorre na França,

sendo atribuídos três dias pelo empregador e 11 dias pelo Estado. No caso de

nascimentos múltiplos, a licença é de 18 dias. No Brasil, a CF/1988 reconhece cinco

dias e no Uruguai é concedido o direito de dois dias aos pais. No Peru e na Itália,

essa modalidade não é destacada e na legislação italiana sua previsão ocorre como

alternativa à licença-maternidade, em caso de morte, adoecimento grave da mãe, ou

custódia única do pai.

As cidades europeias possuem licenças parentais, uma modalidade não

existente nas cidades da América Latina, parceiras do projeto comum. Motivadas

para a conciliação do trabalho remunerado com o trabalho de cuidados a familiares,

71 Algumas categorias profissionais, garantidos os acordos básicos, possuem mais conquistas que as regulamentadas nacionalmente pelas leis trabalhistas. 72 Lei 11.770/2008 prevê incentivos fiscais por meio do programa Empresa Cidadã para a prorrogação da licença-maternidade de 120 dias para 180 dias.

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destacadamente aos filhos, tem em sua concepção a equidade entre os gêneros,

quanto à oportunidade de cuidar dos filhos.

A licença parental foi introduzida em 1974 na Suécia e hoje é um direito

regulamentado nos vários países europeus, com aplicabilidade variada quanto ao

tempo de concessão e de remuneração (SARACENO & NALDINI, 2003).

Na França, a licença parental possibilita à mãe, ou ao pai, se afastar do

trabalho, sem remuneração e com o contrato em vigência, até os três anos da

criança para se dedicar à sua educação. É um direito opcional para trabalhadores de

ambos os sexos, com pelo menos um ano de tempo de serviço em empresas

públicas e privadas e o afastamento pode ser total ou parcial, período em que existe

um subsídio governamental. Em caso de doença ou deficiência grave da criança, a

licença parental pode ser prorrogada por um ano.

Na Itália, também dirigida a ambos os cônjuges, possibilita a concessão da

licença não remunerada de seis meses, podendo ser gozada até a criança completar

oito anos de idade. Com algumas pequenas variações de acréscimo do período, de

acordo com o número de filhos e com a monoparentalidade, feminina ou masculina,

se usufruída até os três anos da criança, é custeada em 30% do salário, pelos

órgãos governamentais, conforme a renda familiar.

A Itália também possui legislação que permite ao pai, ou à mãe, tirar licença

não remunerada por período de tratamento de saúde dos filhos com até a idade de 3

anos e dos 3 aos 8 anos de idade, é permitida a concessão de cinco dias ao ano,

para os cuidados parentais.

Atualmente, o avanço das medidas capazes de proporcionar maior vinculação

entre pais e filhos alimenta o debate sobre a licença parental que em alguns países

é também interpretada como licença-paternidade. Para a ilustração de sua

importância, temos, entre pais noruegueses, 90% que passam pelo menos três

meses junto com seus filhos recém-nascidos (CHEMIN, 2011).

Uma transição cultural em curso na Europa sobre as responsabilidades de

gênero, onde, apesar da prevalência dessa licença ser ainda um recurso adotado

pelas mães, cada vez mais vem sendo praticada e estimulada pelos pais. Citamos

os depoimentos do ministro norueguês da Infância, da Igualdade e da Coesão

Social, Audun Lysbakken, e do ministro da Justiça, Knut Storberget, que tiraram

respectivamente, quatro e três meses de licença, após o nascimento das filhas:

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Eu queria passar tempo com meu bebê e mostrar que o trabalho, por mais importante que seja, não justifica que se fuja das responsabilidades familiares {...} Estar em casa é preocupa-se ao mesmo tempo com pequenas e grandes coisas: saber quando o bebê comeu, conhecer seus hábitos, arrumar suas roupas e estar lá quando ele sorrir pela primeira vez. (LYSBAKKEN, 2011 apud CHEMIN, 2011, s/d)

Alguns anos atrás, essas licenças certamente teriam suscitado uma grande polêmica {...} Mas hoje é ao contrário: não tirá-las é que criaria uma controvérsia! Em vinte anos, as mentalidades mudaram completamente: os noruegueses acham normal que os pais passem tempo junto de seus filhos. Se queremos que as mulheres consigam a igualdade no mundo do trabalho, é necessário que as responsabilidades sejam mais bem divididas em casa. (STORBERGET, 2011 apud HEMIN, 2011, s/d)

A igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores e

trabalhadoras com responsabilidades familiares é objeto da Convenção 156 da OIT

e a licença parental é um importante instrumento para o apoio aos cuidados

familiares. Convenção que não tem o Brasil signatário, como já mencionado no

capítulo anterior, mas pode se constituir num importante instrumento de apoio aos

cuidados familiares.

As creches, os centros de convivência, a educação são formas de

desenvolvimento da criança e do adolescente, contribuição aos cuidados familiares

e também à conciliação do trabalho remunerado, cada vez mais naturalizado da

mulher.

4.3.2 A convivência familiar e comunitária: um direito da criança e do

adolescente e as diferentes regulações de políticas familiares nas cidades da

América Latina e Europa parceiras do projeto comum

A pesquisa sobre as políticas públicas nas cidades sócias do projeto comum,

como alcance de garantia da convivência familiar e comunitária de crianças e

adolescentes, nos permitiu a obtenção de muitas informações. Dados os diferentes

contextos, contudo, há necessidade de tratar com cuidado as dificuldades para se

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construir parâmetros comparativos a serem aplicados para análise dos resultados

das intervenções realizadas.

Eles possibilitam, entretanto, o reconhecimento de tendências e

possibilidades de políticas para o apoio aos cuidados das crianças, ao combate da

pobreza e à conciliação do trabalho e família, condições combinadas que permitem

constituir referências para o êxito das capacidades familiares e das intervenções

públicas.

A análise empírica das expressões da questão social que impactam as

famílias com demanda de proteção social possibilita identificar três dimensões de

natureza estrutural que demandam ação pública: problemas econômicos;

transformações familiares; e ausência ou inadequação de intervenções públicas.

Os problemas econômicos na Europa estão relacionados com as

transformações do mundo do trabalho, que têm conduzido à precarização do

trabalho, ao desemprego, e aumento das populações migrantes em busca de

ocupação. Na América Latina, eles decorrem da nova consciência social que tem

dado visibilidade às históricas situações de pobreza e aos ajustes sociais perversos,

adicionados a novas situações, decorrentes das mudanças do trabalho na

atualidade.

As transformações familiares, com o aumento da inserção feminina no mundo

produtivo, a redução do tempo doméstico, com mudanças nas composições

familiares, incluindo a baixa da natalidade (ou alterações significativas dela),

aumento de famílias monoparentais, dentre outras situações, conflitam a base

afetivo-relacional e a naturalizada capacidade funcional das famílias para os

cuidados de seus membros.

As políticas públicas, por sua vez, necessárias ao equilíbrio e à proteção

social, nem sempre são adequadas ou suficientes para intervirem nas diversificadas

manifestações da questão social.

A análise dos dados coletados possibilita reconhecer, nas cidades sócias, a

precedência de políticas públicas sociais enfocadas na criança e no adolescente

para a proteção e o combate de violações de direitos sociais, todavia, demonstram

incompletude e lugares diferentes quando a análise tem por objeto a família.

Observamos em todas as cidades sócias, além da adesão à Convenção

Internacional dos Direitos da Criança, a existência de Estatutos específicos e a

exceção da França, que possui um código exclusivo sobre políticas familiares, os

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demais parceiros disciplinam o direito à convivência familiar de crianças e

adolescentes, com primazia à família de origem, sem, entretanto, a existência de

arcabouço legal consolidado de políticas de apoio familiar.

O princípio da convivência familiar e comunitária, afiançada no direito da

criança e do adolescente e presente nas várias diretivas, encontram, nas cidades

parceiras, mecanismo para o monitoramento e o controle de direitos sociais, na

forma de observatório de indicadores ou de defensorias públicas.

As cidades possuem também, várias políticas de cuidados alternativos ao

acolhimento institucional, que possibilitam à criança o acesso à família, com

precedência a sua, mas, também, famílias acolhedoras, substitutas, comunidades

familiares. Esse direito fundamentado na família de origem, para além da retórica,

deve se expressar nos programas, projetos, serviços e benefícios, o que não é

comum em todas as cidades, com apoio aos cuidados familiares diversificados e

apreensão de significações distintas para suas construções.

Observa-se, ao analisar os serviços e benefícios públicos existentes nas

cidades, a determinação da regulação social tardia na América Latina, decorrente do

recente processo de democratização e com sistemas de proteção social

inconclusos. Nota-se, também, a falta de apreensão de algumas significações, de

ordem estrutural, que impactam a organização social.

As cidades europeias parceiras expressam o reconhecimento das mudanças

estruturais das famílias, em suas dificuldades de conciliação de cuidados de seus

membros, com o trabalho. Os benefícios de estímulo ao tempo de maior convivência

familiar realizado pelas licenças parentais, para homens e mulheres, e os serviços

públicos de compatibilidade às demandas de tempo específicas, como guarda de

criança em períodos parciais, noturnos ou de férias, tendem a possibilitar a

compatibilidade para a proteção social dos membros familiares.

São questões ainda não reconhecidas pelas cidades sócias da América

Latina. O Brasil não é signatário da Convenção da OIT 156 (1981) relativa à

igualdade de oportunidades e de tratamento para os trabalhadores de ambos os

sexos, com responsabilidades familiares.

A família é reconhecida em todas as cidades parceiras como importante

instância provedora de proteção social e considerada como estratégica para o êxito

das políticas públicas. No entanto, as condições de intervenção pública distinguem-

se entre os parceiros e podem ser observadas três modalidades de abordagens

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frente à família: o familismo; a existência de políticas implícitas de apoio familiar; e

políticas familiares explícitas.

Na acepção familista, o Estado transfere para as famílias a maior parte da

responsabilidade pelos cuidados e garantia de proteção social dos seus membros.

(CAMPOS & TEIXEIRA, 2010) O familismo se expressa em graduações diferentes,

conforme a desresponsabilização pública, quer pela omissão e, também, pelo

compartilhamento de metas ambiciosas, diante de situações adversas e de difícil

solução, com parcos investimentos. A desresponsabilização tem a marca neoliberal

da minimização do Estado, não reconhece questões estruturais e transfere

responsabilidades para respostas e soluções individuais ou centradas na

sociabilidade comunitária, que desoneram as ações públicas e remetem o insucesso

da ação à família.

As políticas implícitas são serviços que contribuem para as necessidades e

funções familiares, como enfrentamento à pobreza, outras dirigidas às crianças,

adolescentes, contudo, não se constituem como políticas de apoio dirigidas, com

planos estruturantes integrados e metas direcionadas especificamente para as

famílias.

As políticas familiares explícitas reconhecem as questões estruturais que

impactam a organização e a dinâmica familiar, constituem-se pela ação planejada.

Tem a centralidade estratégica na família, mas promove políticas públicas

articuladas e direcionadas aos objetivos a serem alcançados. Referenciada na

Europa, Saraceno e Naldini (2003) consideram três atributos às políticas familiares

explícitas: apoio aos custos dos filhos, a paridade entre os gêneros e o

reconhecimento dos índices demográficos que comprometem a reprodução social,

características de intervenção pública observadas na França.

A convivência familiar e comunitária da criança, entendida enquanto

contraponto ao acolhimento institucional, realizada para a proteção social de

crianças, permite expressar as três condições de apoio familiar enunciadas, como

ações de prevenção, de restauração de vínculos familiares e também alternativas de

cuidados parentais.

Observa-se o familismo quando a ação pública promove o retorno familiar de

crianças em condições insuficientes e em curto espaço de tempo para a solução da

persistente pobreza ou conflitos familiares, sem a mediação ou reconhecimento de

mudanças estruturais que provocam tensão na base relacional. As políticas

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implícitas, aquelas que contribuem parcialmente para a solução dos problemas,

como inclusão em programas de combate da pobreza e de apoio às crianças, sem

planos individualizados, para restauração ou prevenção da recorrência de situações

de risco.

E as políticas familiares explícitas, que mantém a ação estratégica na

capacidade de proteção familiar, como as anteriores, mas asseguram a dimensão da

totalidade estrutural e da diversidade de situações que impacta o cotidiano e a

capacidade de proteção familiar. Possibilita ações planejadas de prevenção, de

proteção e de restauração de vínculos familiares, o que antecede a substituição

familiar de crianças.

A conjugação de políticas, de proteção e desenvolvimento de crianças e

adolescentes, combate à pobreza e conciliação de trabalho e família, possibilitam a

construção de indicadores mais efetivos da capacidade de proteção social familiar

aos seus membros e a reprodução da sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema da proteção social de crianças e adolescentes instigou esta pesquisa

e possibilitou constatações de natureza teórica e ético-política, que contribuem

dentro do campo das políticas sociais. Foi analisado por meio da convivência

familiar e comunitária e do seu contraponto, observado em duas dimensões: nas

dificuldades das famílias e nas práticas públicas fundadas no acolhimento

institucional

Diferentemente de um tema circunscrito à esfera privada, a família como

forma de organização básica das sociedades, para a sobrevivência, produção e

reprodução da espécie humana, sofre determinações de ordens econômica, política

e cultural, que impactam a esfera do cotidiano e da totalidade e provocam

transformações na dinâmica interna e em suas configurações.

As transformações na organização e composição das famílias não ocorrem de

forma linear, nem são universais, mas demonstram prevalências ajustadas aos

movimentos societários. Uma dinâmica que possibilita, ao longo da história, a

presença das famílias nas sociedades, como um dos pilares responsáveis e

responsabilizados para o desempenho da proteção social.

No início da história da humanidade, é observada a proteção social realizada

pelas famílias organizadas coletivamente, ou o que podemos chamar de

sociabilidade da comunidade, com funções econômicas e políticas, o que se segue,

nas famílias fundadas no patriarcalismo feudal, e as extensas, que se constituem

como unidades produtivas.

A nuclearização das famílias, estimulada economicamente pelo processo de

industrialização, aproxima afetivamente os membros familiares que exercem a

proteção interna calcada na base relacional e na solidariedade entre os gêneros e

também gerações. Um período em que o sentimento e o modelo de família,

denominado de nuclear conjugal, têm seu ápice, baseados em sua capacidade de

atender da melhor forma às necessidades materiais e afetivas para os cuidados de

proteção de seus componentes, desempenhando funções de gênero bem definidas

entre os membros adultos.

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O avanço da individualização e o acelerado ingresso da mulher no mundo do

trabalho, com a democratização das relações e de conquistas de direitos individuais,

provocam na atualidade tensões na dinâmica interna da família de forma a gerar

reconfigurações. As famílias ficam menores e a monoparentalidade feminina é um

fenômeno que se acentua, com impactos sobre a base relacional e econômica.

Apesar do reconhecimento das transformações atuais no âmbito familiar, as

respostas institucionais vêm se mostrando insuficientes para o reequilíbrio

societário. O modelo tradicional e naturalizado de proteção familiar ainda está

presente nas representações sociais e nas expectativas que norteiam as políticas

públicas/sociais.

As transformações econômicas e do mundo do trabalho, apontadas para a

determinação da crise mundial dos sistemas de proteção social, anteriormente

assentados na sociedade salarial, e da ascendência do processo de

democratização, com a busca de avanços de direitos sociais nos países em

desenvolvimento, são dois movimentos distintos que recolocam a família em

evidência, pela expectativa de sua capacidade de solidariedade interna destinada à

proteção social.

Proclamam a família como o melhor lugar para a socialização, o

desenvolvimento afetivo e a constituição dos sujeitos. Sua capacidade de

desenvolver um conjunto de estratégias de sobrevivência, para melhor atender às

necessidades econômicas e afetivas, são as representações construídas sobre a

capacidade familiar de proteção de seus membros.

São expectativas que contribuem para justificar, na sua incapacidade, o

acolhimento institucional de crianças. Ao mesmo tempo, são as mesmas que

questionam, na atualidade, a capacidade da proteção pública realizada nesta

modalidade, por não possibilitar vínculos afetivos e relacionais. Uma dicotomia que

requer o equilíbrio de políticas sociais para o apoio e a prevenção de situações que

pressionam a família em suas bases econômica e relacional.

A análise comparada entre as cidades sócias, da América Latina e Europa,

possibilitou reconhecer expressões da questão social que impactam as famílias e

respostas institucionais para o fortalecimento de sua capacidade de proteção social.

As motivações que conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento

institucional têm prevalência nos conflitos familiares, que avançam para a violência

doméstica e são seguidas de ocorrências que envolvem muitos problemas: saúde

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dos pais, pobreza, situação de rua, abuso e exploração sexual de crianças. O

padrão da monoparentalidade feminina é uma das semelhanças identificadas nas

famílias atendidas, expressando demandas da ação pública referentes aos

problemas econômicos; aos cuidados familiares; e à ausência ou inadequação de

intervenções públicas.

A pesquisa realizada permitiu obter muitas informações sobre a legislação, os

benefícios, direitos trabalhistas, programas, projetos e serviços desenvolvidos pelas

cidades sócias. São ofertas diversificadas nas cidades, sendo, todavia, possível

apreender três tendências de políticas familiares destinadas aos cuidados das

crianças, ao combate da pobreza, e à conciliação do trabalho e família. Sua

conjugação permite constituir referências para o melhor êxito das capacidades

familiares e das intervenções públicas.

A regulação social tardia pode ser observada na comparação das políticas

sociais das cidades europeias com as praticadas nas cidades latino-americanas.

Com direitos sociais legalmente reconhecidos nas duas últimas décadas, as cidades

da América Latina apresentam menor diversificação e especialização de serviços e

têm na agenda a prioridade ao enfrentamento da pobreza. Trata-se de uma nova

consciência social, que vem dando visibilidade às históricas situações de pobreza e

aos ajustes sociais perversos em que pese ter levado a um desvio da maior parte do

investimento social para a focalização extremada no combate à pobreza

As cidades europeias, com problemas econômicos relacionados às

transformações e precarização do mundo do trabalho, e com o aumento das

populações migrantes em busca de ocupação, reestruturam a cobertura pública de

seus serviços e potencializam a ação das famílias para compor a proteção social.

Notam-se, entretanto, diferenças entre as cidades europeias referentes às formas de

gestão. Em Nantes, a presença estatal é forte e, em Milão, o Estado desenvolve a

função reguladora, cabendo ao voluntariado e às associações privadas a

prevalência nas ações executivas, com grande valor atribuído à proteção social

familiar.

A identificação de políticas de apoio à convivência familiar nas cidades

parceiras nos permite alegar que essa prerrogativa é um direito que tem como objeto

a criança, e não a família. Nota-se essa prioridade atribuída por estatutos legais

específicos; políticas sociais básicas e especializadas; condicionalidades familiares

de cuidados às crianças em políticas de combate à pobreza; várias alternativas de

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cuidados parentais para assegurar a convivência familiar, como um direito da

criança e do adolescente.

O investimento na criança, em todas as cidades, é considerado prioritário e

possibilita um bem coletivo ao desenvolvimento social. A qualidade desse

investimento tem dimensões de proteção e de desenvolvimentos físico, cognitivo e

cultural. O crescimento cultural de crianças e adolescentes é importante forma de

possibilitar igualdade de oportunidades sociais e os serviços de creche, pré-escola,

escolas em jornada integral ou em centros de convivência com atividades arte-

educativas, podem potencializar os resultados.

Quando a análise tem por objeto a família, o estudo reconheceu a importância

estratégica a ela atribuída como instância provedora de proteção social. São,

entretanto, diferentes as concepções que norteiam a ação pública e nos permitem

distinguir três disposições: o familismo; as políticas implícitas de apoio familiar; e as

políticas familiares explícitas.

O familismo é a situação em que o Estado transfere para as famílias a maior

parte da responsabilidade pelos cuidados dos seus membros, naturalizando sua

função de provedora de proteção social, obrigando-a direta ou indiretamente a

assumir tais cuidados em níveis extremados e irrealísticos para sua capacidade; as

políticas implícitas de apoio familiar aportam auxílios de diferentes naturezas para o

desempenho de suas responsabilidades familiares, mas possibilitam uma cobertura

parcial de serviços, na medida em que agem de maneira reparadora, não identificam

impactos de natureza estrutural e demandas personalizadas, e políticas familiares

explícitas, que se constituem pela ação planejada e intersetorial, estratégica, em

relação às questões estruturais e do cotidiano, expressas nas agendas política e

técnica.

As políticas sociais públicas de conciliação do trabalho e família, tendo a

licença parental em sua dianteira, são observadas apenas nas cidades europeias.

Podem representar, juntamente com as políticas de conciliação de tempo para

cuidados parentais, ajustes de horários de serviços públicos, importante iniciativa de

apoio aos cuidados parentais e de equidade entre os gêneros, medidas facilitadoras

de mais equilíbrio nas tensões internas da família.

A inserção na agenda política é a primeira etapa para o início da

implementação de políticas públicas e ocorre quando um tema ganha visibilidade e a

sociedade assume que deve fazer algo sobre ele. Acreditamos que a assinatura da

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Convenção 156 da OIT, pelo Brasil, pode-se configurar em importante instrumento

para a conciliação entre trabalho e família. Apesar de dirigida a famílias

trabalhadoras, possibilita a mudança cultural, ao inserir políticas para igualdade de

oportunidades entre os gêneros e o apoio às responsabilidades familiares.

Os cuidados familiares não podem se caracterizar apenas como estratégias

familiares, basicamente femininas, circunscritas à vida privada. As organizações

familiares, na atualidade, foram afetadas pelo movimento societário e, por sua vez,

também retornam à sociedade na forma de expressões da questão social.

Caracterizam-se como fenômenos sociológicos e exigem a integração social e a

regulação pública, como forma de proteção social, prevenção de violências diversas

e melhor desenvolvimento societário. Sua ausência é impeditiva do melhor

desenvolvimento infanto-juvenil e de conflitos na dinâmica interna familiar

Na realidade brasileira, este estudo é um incentivo à reflexão e à ação em

várias áreas de intervenção das políticas sociais, tais como a assistência social,

educação, saúde e trabalho. Articula-se com a proposta de construção do projeto

ético-político do Serviço Social, em um cenário em que são reconhecidas

oportunidades para avanços de direitos de cidadania, na perspectiva da existência

de uma sociedade mais justa e equitativa, social e economicamente.

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ANEXOS

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ANEXO A

FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

DIRETRIZES, PROGRAMAS E SERVIÇOS

Diretrizes básicas:

• Considerar a infância e a juventude como prioridade absoluta das políticas

públicas;

• Possibilitar o monitoramento do desenvolvimento infanto-juvenil e a

priorização da atenção às situações de vulnerabilidade social;

• Articular e integrar ações intra e inter-governamentais contando com parcerias

de organizações da sociedade civil;

• Contribuir para o fortalecimento da rede de serviços existentes no município

buscando a complementaridade e a otimização de suas ações;

• Garantir a condição de sujeito de direitos à criança e ao adolescente,

estimulando o protagonismo;

• Modernizar a gestão e garantir a visibilidade democrática.

Programas e Serviços:

• CASE - Centro de Atendimento às Medidas Sócio Educativas – Atendimento

aos adolescentes autores de ato infracional, com medida judicial sócio-educativa em

meio aberto, de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. É

realizado por educadores sociais a partir de grupos de vivência, atividades de arte-

educação e inclusão na rede de serviços. Realizou o atendimento de 720

adolescentes no ano de 2008.

• ABRIGOS: Raio de Sol e Arco-Iris – O programa Abrigos, instalado em duas

casas, localizadas em bairros com boa infra-estrutura, abriga em média 15 crianças

e adolescentes cada. Possibilita o acolhimento e a proteção de várias situações de

vulnerabilidade social. Segue os princípios da brevidade e excepcionalidade e, a

partir da história de vida e demandas dessas crianças e adolescentes, e seus

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familiares são realizadas inclusões na rede de atendimento para o fortalecimento e o

restabelecimento dos vínculos familiares, escolares e comunitários. No ano de 2008

realizou o atendimento de 91 crianças e/ou adolescentes.

• ESPAÇO ANDANÇA – Centro de Convivência e Acolhimento à Criança e

Juventude – Programa de atendimento e proteção à crianças/adolescentes e jovens

em situação de rua ou em trânsito no município de São Bernardo do Campo, ou

ainda, encaminhadas pelo poder judiciário. Com abordagem de rua realizada por

educadores sociais, o espaço oferece oficinas educativas e condições para a higiene

pessoal, alimentação e também o pernoite em sistema de casa de passagem. Para

os que se encontram em trânsito no município é realizado recambio para sua cidade

de origem, a partir de previa contatação com o Conselho Tutelar. Seus trabalhos são

orientados para o restabelecimento de vínculos, favorecendo o retorno familiar e

comunitário, visando também, mapeamento e erradicação de trabalho infantil nas

ruas. Foram realizados 639 atendimentos no ano de 2008.

• ESPAÇO NOVO TEMPO - Centro de Atendimento à Drogadicção – Oferece

às crianças e adolescentes, com diagnóstico de uso abusivo de substâncias

psicoativas, tratamento em regime de internação, como retaguarda de atendimento

ao CAPS AD Infantil, para situações de maior vulnerabilidade, com necessidade de

tempo maior de internação para tratamento. Integrado ao Plano Municipal de

Prevenção e Tratamento ao Uso Indevido de Drogas, realiza trabalho com

abordagem terapêutica, sócio-educativa e laborterápica, contando com atendimento

individual, grupos terapêuticos, atividades pedagógicas, artísticas e físicas. São

realizados atendimentos familiares e visita domiciliar. Para situações que objetivam

a proteção, diante de ameaça de morte, existem convênios com Comunidades

Terapêuticas, fora do município. Foram atendidos 129 crianças/adolescentes no ano

de 2008.

• CAF - Centro de Atendimento à Família – Direcionado às famílias em situação

de conflito familiar, têm por objetivo, além do pronto atendimento, ações de

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários realizadas em grupo ou

individualmente e inclusão na Rede Social municipal. Objetiva a transformação na

dinâmica familiar por meio de ações de apoio psico-social e educativas, mediadas

por equipe multidisciplinar. No ano de 2008 realizou 2484 atendimentos.

• Centro Integrado de Apoio e Defesa à Infância e Juventude “Dr. Emílio Jaldin

Calderón – Desenvolve serviços de Pronto Atendimento Familiar, Assistência

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Jurídica, Assistência Psico-social e Busca de Desaparecidos. Atua na atenção

psicológica as vítimas de violência doméstica e de abuso ou exploração sexual e na

defesa jurídica das várias formas ocorrências que coloquem crianças e adolescentes

em situação de risco. Conta em sua estrutura, com advogados, especializados na

causa da criança e adolescente, psicólogas e assistentes sociais, educadores

sociais e estagiários da área do direito e da psicologia.

O atendimento a crianças vítimas de violência doméstica e de abuso ou exploração

sexual é feito em parceria com a Organização não Governamental – Centro

Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância – (CRAMI), alocados nas

dependências do Centro Integrado. Foram realizados 1595 atendimentos no ano de

2008.

• CACJ - Centro de Atendimento a Criança e Juventude – Atende crianças e

adolescentes na faixa etária de 7 a 18 anos no horário inverso ao ensino formal.

Localizados em 07 bairros periféricos do município de São Bernardo do Campo,

possibilitam espaços de convivência e o desenvolvimento pessoal por meio de

atividades lúdicas, esportivas e culturais, realizadas por educadores sociais, que

atuam nas áreas de teatro, circo, música, dança, esporte, entre outras. Realizou

2080 atendimentos de ação continuada no ano de 2008.

• USINA SOCIOEDUCATIVA - Proporciona aos adolescentes/jovens a

aquisição de novos conhecimentos e vivências diferenciadas em oficinas de arte-

som-imagem. Desenvolve potencialidades, desperta talentos, melhora

oportunidades para inserção no mundo do trabalho. Estimula a autonomia e

ressignifica valores. Segue a premissa “do olhar transformador à transformação do

olhar”, do educador, do jovem da sociedade. No total, são 12 modalidades diferentes

de oficinas: canto-coral, flauta doce, violino, viola da gamba, viola de corda,

violoncelo, desenho animado, fotografia, cinema, vídeo, fanzine,

sonoplastia/mixagem/gravação. A Usina Socioeducativa oferece todos os materiais e

instrumentos necessários. As oficinas de viola da gamba, violoncelo, violino, viola de

corda e flauta doce integram um projeto de música barroca e formam a Orquestra de

Câmara da Usina da Fundação Criança de São Bernardo do Campo. Foram

realizados 550 atendimentos de ação continuada.

• CIT – Centro de Iniciação ao Trabalho – Possibilita a preparação e a iniciação

ao mundo do trabalho. Desenvolve ações de fortalecimento da escolaridade,

qualificação para o trabalho e formação cidadã, estimulando o protagonismo juvenil,

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na perspectiva da cidadania ativa, prevenindo situações de vulnerabilidade e

desenvolvendo potencialidades. Destacam-se no CIT os projetos Rotativo Cidadão e

Contando História, onde seus participantes recebem formação pessoal, profissional

e capacitação específica para as áreas de atuação. Além da parte formativa, o CIT

efetiva contatos com empresas e organizações da região, com vistas à inserção

profissional no mercado formal de trabalho.

• CONTANDO HISTÓRIA - Destinado a jovens do sexo feminino, na faixa-

etária entre 16 e 17 anos estimulando ações de cidadania e, prevenção às situações

de vulnerabilidade e gravidez precoce. Possui quatro eixos de ação: capacitação,

fortalecimento da escolaridade, ações de protagonismo e preparação e inclusão

para o trabalho. As jovens atuam, num período diário de 4 horas, como contadoras

de histórias e auxiliam em ações educativas dentro das Bibliotecas Públicas,

Bibliotecas Escolares Interativas das Escolas Municipais, Centros de Atendimento à

Criança e Juventude da Fundação Criança e outros espaços e recebem bolsa auxilio

financeiro e capacitação continuada. Foram atendidas 258 jovens no ano de 2008.

• ROTATIVO CIDADÃO - Destinado aos jovens de 18 a 21 anos de ambos os

sexos, tem por objetivo a educação e o ingresso dos jovens ao mundo do trabalho,

com estímulo à formação escolar, profissional e cidadã. Os participantes atuam na

organização do espaço urbano, a partir da prestação de serviços no sistema de

estacionamento público da cidade, coordenado pela Autarquia Rotativo São

Bernardo. Desenvolvem atividades por quatro horas diárias, recebem bolsa auxílio

financeiro, vale-transporte e seguro de vida e educação continuada. Foram

atendidos 606 jovens no ano de 2008.

• AÇÕES EM REDE – Articulação, local, regional e global direcionada ao

fortalecimento do compromisso social, troca de experiências e informações visando

a melhoria de atendimento à infância e juventude no município.

REDE CRIANÇA PRIORIDADE 1 - É uma rede de organizações e serviços da

administração municipal, da sociedade civil e de órgãos de defesa da criança e do

adolescente de São Bernardo do Campo. Expressa numa rede virtual, atua no

compromisso social e também como Observatório de Desenvolvimento Infanto-

Juvenil. www.prioridade1sbc.org.br.

MOVIMENTO REGIONAL CRIANÇA PRIORIDADE 1- Lançado em outubro

de 1997, abrange a organização da região do Grande ABC junto ao Consórcio

Intermunicipal e visa a articulação de setores governamentais e não governamentais

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num Pacto em Defesa a Criança e ao Adolescente do Grande ABC, destacadamente

os que encontram-se em situação de vulnerabilidade social. Realizam reuniões

mensais e foram produzidos 15 acordos regionais para construção de políticas

públicas, pesquisa, capacitações, destacadamente para atendimento a situações de

rua; violência doméstica; trabalho infantil; adolescente infrator, dentre outros.

PARCERIA COM A COMUNIDADE EUROPEIA POR INTERMÉDIO DA

REDE URB-AL. O projeto Comum de Cooperação Internacional para Proteção

Social de Crianças e Adolescentes, intitulado “Os pobres negligenciados pela

pobreza: situações de abrigamento e desabrigamento de crianças e adolescentes”,

Coordenado pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo, Brasil, têm como

parceiros pela América Latina: Bellavista no Peru; Soriano no Uruguai; Milão na

Itália; Nantes na França e a ONG AiBi. E pode ser acessado pelo endereço

eletrônico: www.urbalcrianca.org

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ANEXO B

Questionário – A

IDENTIFICAÇÃO

Identificando e caracterizando seu município

A.1. Informações sobre a população de seu município: Qual a população de seu município?

Qual a população masculina? Qual a população feminina? Qual população de 0 a 12 anos? Qual a população de 13 a 18 anos?

A.2. Informações sobre o desenvolvimento humano de seu município tendo como referencia o PNUD: Qual o Índice de Desenvolvimento Humano Nacional - IDH? ________________________________ Qual a Taxa de Mortalidade Infantil? ___________________________________________________ Qual a porcentagem de pessoas analfabetas? ___________________________________________ Qual a porcentagem de pessoas de 6 a 24 anos que estão na escola? ________________________ Qual o PIB per capta ($)? __________ Qual o índice de Desenvolvimento Humano Municipal? ____________________________________

Qual o índice de desemprego do município? ____________________________________________ A.3. Informações sobre as condições de Urbanização e de Saneamento Básico Municipal: Qual a taxa de urbanização? Qual a porcentagem de domicílios sem serviço sanitário exclusivo (esgoto)?

Qual a porcentagem de domicílios sem energia elétrica? Qual a porcentagem de domicílios sem água encanada? Qual a porcentagem de domicílios sem coleta de lixo?

A.4. Fontes de informação. Dados Populacionais: ______________________________________________________________ Índice de Desenvolvimento Humano: __________________________________________________ Dados sobre Urbanização e Saneamento: ______________________________________________ Instituição Governamental que proporcionou a informação: _________________________________ Nome do responsável pelas respostas _________________________________________________

País Membro:

Localidade:

Nº. de Habitantes:

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• Cargo / Função: ____________________________________________________________ Telefone / Fax / E-mail / Endereço: ____________________________________________________

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Questionário – B

Situação da pobreza no município e sua relação com a Infância e Adolescência

LEGISLAÇÃO

Identificando as legislações específicas de combate a pobreza e a garantia da proteção social

B.1. Quais Convenções e Tratados Internacionais sobre a infância e Adolescência seu país faz parte? Convenção Internacional dos direitos da criança / adolescentes Convenção de Haia Outros:

B.2. No seu país qual é o conceito etário de criança e de adolescente? Criança

Adolescentes

B.3. Existem leis específicas sobre combate da pobreza e a garantia de proteção social em seu país / região / município? Sim Não Quais?

Anexar as Leis do país/ região/ província/ Estado/ município que trata da questão B.4. Existem leis específicas sobre a proteção da infância e adolescência, em seu país / região / província / município? Sim Não Quais?

Anexar as Leis do país/ região/ província/ Estado/ município que trata da questão B.5. Nas leis relatadas o que é previsto sobre o combate a pobreza e a proteção social de crianças, adolescentes e seus familiares? B.6. Nas leis relatadas o que é previsto sobre o atendimento de crianças e adolescentes em abrigos?

B.7. Existem agências de adoção internacional em seu Município/Estado/País, respeitando os princípios da Convenção de Haia? Sim Não Se caso afirmativo responder: Que controle governamental é realizado nessas agências de adoção? B.8. Na legislação de seu Pais/estado/município é assegurada como prioridade a criança e ao adolescente a Convivência Familiar e Comunitária? Sim Não Como?

País Membro:

Localidade:

Nº. de Habitantes:

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B.9. Fontes de informação Instituição Governamental que proporcionou a informação:

Outras Fontes de Informação: Nome do responsável pelas respostas

• Cargo / Função:

• Telefone / Fax / E-mail / Endereço:

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ANEXO B

Questionário – C

POLÍTICAS SOCIAIS

Identificando as políticas públicas de combate à pobreza e de proteção social existentes no

seu município direcionadas à criança, ao adolescente e suas famílias.

C.1. Qual é o conceito de pobreza que é adotado no país? C.2. Que critério é adotado para o conceito de pobreza? ( ) Econômico ( ) Social ( ) Outros: C.3. Destaque as prioridades que estão sendo desenvolvidas atualmente no seu Município com o objetivo de combate a pobreza e de assegurar proteção social a crianças, adolescentes e seus familiares. C.4. Nomeie as programas/projetos de combate a pobreza e de garantia de proteção social direcionados a famílias, crianças e adolescentes: Público Alvo Executor: Atendimento mensal do município:

C.5. Quantos abrigos existem em seu município? Iniciativa Governamental: Iniciativa privada de cunho religioso:

Iniciativa privada: Outras formas: C.6. No seu município, quantas crianças e quantos adolescentes encontram-se em situação de abrigamento? Crianças: Feminino: Masculino: Adolescentes: Feminino: Masculino:

País Membro:

Localidade:

Nº. de Habitantes:

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C.7. Qual o tipo de abrigo, tempo de permanência, capacidade diária e faixa etária de atendimento?

Tipo Tempo de permanência

Capacidade Faixa etária

Abrigo provisório Casa lar (mãe

social)

Abrigo permanente Abrigos para

situação especial

Casa de passagem

Outros – Qual? C.8. Numere de 1 a 13 o grau de freqüência das situações que levam crianças e adolescentes ao abrigamento? Orfandade Doença dos responsáveis Abandono / negligência Violência doméstica Vivência de rua Mendicância Pobreza Exploração sexual Uso abusivo de drogas Proteção à vida - tráfico de drogas Ato infracional Deficiência física / mental Outros: ________________________ C. 9. O abrigado tem interação com a família, comunidade e outros segmentos da sociedade? Como? C.10. Quais órgãos podem encaminhar crianças e adolescentes para o abrigamento? Poder Judiciário Assistência Social (quando em situação de rua, violência física, fuga de casa) Familiares Comunidade Outros: _________________________ C.11. Qual a participação do Poder Judiciário nas situações de abrigamento? Poder de abrigamento Poder de desabrigamento Destituição ou suspensão do poder familiar Requisição de serviços complementares da rede de atendimento Acompanhamento dos abrigamentos.

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C.12. O Poder Judiciário tem equipe de profissionais ou órgão auxiliares para o desempenho de funções executivas? Sim Não

Se sim, quais profissionais ou órgãos auxiliares que existem? C.13. São realizadas ações/projetos para reintegração de crianças adolescentes nas Famílias de origem? Sim Não

Nome:

Objetivo:

Quem executa: Órgão Governamental Órgão privado de cunho religioso Órgão privado Outras formas: C.14. São realizadas ações/projetos para inclusão de crianças adolescentes em outras famílias? Sim Não Nome: Objetivo: Público Alvo Quem executa Órgão Governamental Órgão privado de cunho religioso Órgão privado Outras formas: C.15. Qual a Regulamentação existente? Adoção Guarda Tutela Outras: C.16. Existem outros projetos direcionados a assegurar a Convivência Familiar e Comunitária a crianças e adolescentes? Sim Não

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Nome Objetivo: Público Alvo Executor:

C.17. Em sua cidade existem crianças e adolescentes que estão em situação de rua (trabalhando/morando)? Sim Não Quantos? ___________________________ C.18. Numere por ordem de importância as situações que levam crianças e adolescentes às ruas? Orfandade Doença dos responsáveis Abandono / negligência Violência doméstica Mendicância Pobreza Trabalho infantil Exploração sexual Lazer Outros:_______________________ C.19. São realizadas ações/projetos específicos para atendimento a crianças e adolescentes em situações de rua? Sim Não Quais? ____________________________ Nome: Objetivos

Público Alvo

Executor :

C.20. Fontes de informação Instituição Governamental que proporcionou a informação:

Outras Fontes de Informação: Nome do responsável pelas respostas

• Cargo / Função: • Telefone / Fax / E-mail / Endereço:

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ANEXO B

Questionário – D

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

Identificando informações complementares sobre políticas públicas de proteção

social existentes no seu município direcionadas à criança, ao adolescente e suas

famílias.

LEGISLAÇÃO GERAL

1. Existem marcos históricos na legislação e no desenvolvimento da política de proteção social à criança e ao adolescente? Quais são e de quando são datados? 2. Até que idade se considera menoridade? No caso dos menores, até quando se dá a proteção social no país? 3. Qual a idade para a imputabilidade penal no país? 4. A partir de que idade existe o cumprimento da medida sócio educativa, pelo ato infracional praticado? 5. Qual é o conceito legal de família em seu país? É reconhecida a composição por qualquer um dos pais e seus descendentes? 6. É reconhecida legalmente a união estável, sem o casamento civil? Se sim, a partir de quantos anos de convivencia? 7. Quais as situações que levam à perda do poder familiar (pátrio poder)? 8. É permitido anonimato da maternidade biológica, mesmo quando o parto é realizado em hospitais públicos? 9. Há no país incentivo à maternidade? De que tipo e como funciona? 10. Está prevista na legislação a escuta do desejo da criança sobre abrigamento, saída e volta da família de origem, cessão em adoção, institucionalização e em casos de separação dos pais? A partir de que idade?

País Membro:

Localidade:

Nº. de Habitantes:

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11. Está previsto na legislação o direito da família, crianças e adolescentes à Defensoria Pública (defesa por advogado)? Em que casos?

ADOÇÃO

1. Quais as exigências para aqueles que querem adotar? Há diferenças entre os processos de adoção internacional e local? 2. Pode ser realizada a adoção por solteiros e / ou casais não unidos civilmente? 3. O processo de adoção depende de autoridade judicial? Há mais de um tipo de adoção? Quais?

ACOLHIDA

1. Quais os tipos existentes de acolhimento por família acolhedora / substituta? Há auxílio financeiro para as famílias acolhedoras / substitutas? Como funciona e qual é o valor (referência Euros)? 2. As famílias acolhedoras / substitutas são preparadas e acompanhadas para e durante o processo? Como? 3. Qual é a duração permitida para cada tipo de acolhimento?

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

1. Quais e como funciona a articulação entre os operadores do atendimento às demandas individuais e familiares e as autoridades judiciárias? 2. Em que casos está prevista a institucionalização de crianças e adolescentes e em quais tipos de instituição? 3. O que em geral, quais os critérios que definem a escolha das alternativas de adoção, acolhimento e institucionalização? E, qual poder instituído é definido?