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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Tatiana de Fátima Domingues Bruno A Função Educativa do Serviço Social: Espaço de “Educar-a-Ação” MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Tatiana de Fátima Domingues Bruno

A Função Educativa do Serviço Social: Espaço de “Educar-a-Ação”

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Tatiana de Fátima Domingues Bruno

A Função Educativa do Serviço Social: Espaço de “Educar-a-Ação”

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, como exigência parcial para a

obtenção do título de Mestre sob a

orientação da Professora Doutora Maria

Carmelita Yazbek.

SÃO PAULO

2009

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Banca Examinadora

_________________________________________________

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Para Bruno, companheiro de alma.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço esta Força – Mãe, gestadora contínua, que me sustenta, ampara, acolhe e

nutre em todas as dimensões do meu viver.

Aos meus pais, meus primeiros mestres, amigos que preenchem a minha vida de

admiração e gratidão.

Ao Bruno pela paciência, compreensão, apoio e estímulo neste processo que com

sua presença afetiva torna minha caminhada leve e preenchida de amor.

À CAPES – Coordenadoria para Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior

pela concessão da bolsa de mestrado, sem a qual este estudo seria inviabilizado.

À Carmelita Yazbek, querida e amiga, obrigada pelo seu acolhimento, carinho e

dedicação nos momentos de orientação. Obrigada por ter aprendido tanto com você

e por me permitir voar.

Ao Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da PUC-SP pela

contribuição generosa do corpo docente e discente na perspectiva da construção de

uma pedagogia emancipatória.

À Prefeitura de Santo André, na Secretaria de Inclusão Social pelo acolhimento e

disponibilidade para a pesquisa.

Aos assistentes sociais participantes do grupo focal pela real contribuição e entrega

ao processo de investigação.

À banca de qualificação: Professora Maria Lúcia Martinelli, Professora Isaura Isoldi

Castanho e Oliveira e Priscila Cardoso pelas contribuições valiosas que

direcionaram este trabalho.

À equipe do “Diagnóstico dos Municípios de Diadema e Mogi das Cruzes” do IEE –

Instituto de Estudos Especiais da PUC-SP.

À mim mesma por sempre ter tido coragem de bancar os meus sonhos.

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RESUMO

Esta dissertação trata da compreensão da função educativa do Serviço Social em

sua atuação no PAIF – Programa de Atenção Integral às Famílias no município de

Santo André.

Partiu do entendimento das pedagogias, estudo desenvolvido por Abreu (2002) no

âmbito do Serviço Social e da contextualização do Serviço Social como profissão

instituída para amenizar os conflitos entre capital e trabalho, contextualizando-a

desde sua gênese aos dias atuais.

O estudo remeteu a organização da cultura em suas diferentes manifestações na

qual o assistente social também é inserido, entendendo o seu trabalho com

importante característica na organização e manifestação da cultura. Entretanto, a

intencionalidade da ação profissional determina se o profissional é um intelectual

orgânico comprometido com as classes subalternas ou se está comprometido com

os interesses do bloco dominante, apreendendo ainda, o movimento contraditório

existente nestas mediações.

Esta pesquisa teve por base a análise de dados primários e secundários, coletados

por mais de um instrumento de investigação, como entrevista semi estruturada com

as gestoras do PAIF em Santo André e grupo focal com os assistentes sociais

envolvidos no programa, além de pesquisa bibliográfica e documental.

Pode-se concluir que o processo educativo/pedagógico é desvendado no cotidiano

profissional como manifestação das apreensões ético-politicas e teórico-

metodológicas pelo profissional em sua relação com o projeto ético-político eleito

pela categoria profissional. Mais do que educar o outro, o que se aponta é um

espaço de Educar-a-Ação profissional continuamente pelo assistente social.

Palavras – Chaves: Serviço Social, educativo, pedagogias, socioeducativo.

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ABSTRACT

This discourse is about the understanding of the Social Service educational function

in your performance in PAIF - Programa de Atenção Integral às Famílias in Santo

André municipal district.

From the understanding of the pedagogies, study developed by Abreu (2002) in the

Social Service ambit and contextualization of the Social Service as profession

instituted to ease the conflicts between capital and work, contextualizing, from your

genesis to the current days.

The study sent the organization of the culture in your different manifestations in

which the social assistant is also inserted, understanding your work with important

characteristic in the organization and manifestation of the culture. However, the

intentionality of the professional action is determined if the professional is an organic

intellectual committed with the subordinate classes or it is committed with the

interests of the dominant block, still apprehending, the existent contradictory

movement in these mediations.

This survey had for base the analysis of primary and secondary data, collected for

more than an investigation instrument, as interview semi-structured with the

managers of PAIF in Santo André and focal group with the social assistant involved

in the program, besides bibliographical and survey documental.

It can be ended that the educational process / pedagogic it is unmasked in the daily

professional as manifestation of the apprehensions ethical-politicize and theoretical-

methodological for the professional with your relation with the ethical-political project

chosen by the professional category. More than to educate the other, which points is

continually a space of professional Educate-to-action for the social worker.

Key words: Social Service, educational, pedagogies and social education.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 9

1. Temática Abordada ............................................................................................ 10

2. Referencial Teórico e Procedimentos Metodológicos ................................. 15

3.Estrutura da Dissertação ................................................................... 19

Capítulo I

O Serviço Social e o educativo, o socioeducativo e as pedagogias: entendendo

conceitos ................................................................................................................. 21

1.1 Educativo e Socioeducativo ............................................................................. 30

Capítulo II

O PAIF em Santo André ......................................................................................... 42

2.1 Programa de Renda Mínima de Santo André – Família Cidadã ...................... 44

2.2 Programa de Atenção Integral a Família – PAIF Santo André ................. 46

Capítulo III

Função Educativa do Serviço Social: Espaço de Educar-a-Ação ...................... 59

3.1 Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Programas de

Transferência de Renda ......................................................................................... 74

3.2. Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Grupos

Socioeducativos .............................................................................................. 78

3.3 Expressões da Função Educativa/Pedagógica na Política de

Assistência Social de Santo André ..................................................... 87

Considerações Finais

Quando o Fim é o Recomeço de um Novo Ciclo ................................................. 90

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INTRODUÇÃO

“Não seja o de hoje Não suspires por ontens...

Não queira ser o de manhã. Faze-te sem limites no tempo.

Vê a tua vida em todas as origens. Em todas as existências.

Em todas as mortes. E sabes que será assim para sempre.”

Cecília Meireles

A minha trajetória profissional marcou fatalmente o meu interesse pelo tema

em questão. O Serviço Social é uma profissão que me inquieta pelo enorme desafio

em que se apresenta cotidianamente. Já no período de estágio na graduação, atuei

no Programa Fortalecendo a Família - PFF em São Paulo, com a proposta de

acompanhar famílias através de grupos socioeducativos. Trabalho instigante, tema

tão pouco estudado em sala de aula... Socioquê?? Muitos questionavam.

O PFF era um programa de atendimento a famílias através de grupos

socioeducativos. A proposta era, além do atendimento direto a 13.000 famílias, a

construção de uma metodologia de atendimento. Muitos altos e baixos percorreram

um ano e meio deste estágio, porém o considero impar no aprendizado que me

proporcionou e motivou a construção do meu Trabalho de Conclusão de Curso:

―Existe contribuição do assistente social na construção da autonomia do seu

usuário? – Um recorte do Programa Fortalecendo a Família‖, defendido em junho de

2004.

Como assistente social, continuei a trabalhar com grupos socioeducativos de

famílias no Programa de Assistência Social a Família - PROASF da Prefeitura de

São Paulo. Período de muitas dificuldades, pois as certezas que tinha como

estudante parecia desaparecer ao peso de minha responsabilidade como

profissional e da precarização do serviço governamental ofertado.

Em 2005, iniciei no Cedeca Interlagos, trabalho com adolescentes em

cumprimento de Medidas Socioeducativas em meio aberto. Novamente o termo

socioeducativo estava presente em meu cotidiano profissional e questionava o que

de fato poderia traduzir tal expressão, principalmente num trabalho tão contraditório

e ambíguo como o realizado com adolescentes em conflito com a lei.

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Período após, assumi a coordenação do Programa Ação Família na mesma

instituição. Novo programa de atenção a família da Prefeitura de São Paulo, o Ação

Família trazia a figura do Agente de Proteção Social que é um agente comunitário

responsável por visitar as famílias atendidas e verificar suas condições de vida e

vulnerabilidades. Entretanto, os Agentes de Proteção Social não possuíam formação

em qualquer área e enfrentavam situações precárias nas comunidades em que

viviam se assemelhando em muito a realidade das famílias quais atendiam. Este fato

causou uma identificação paralisante e o trabalho ficou muito aquém do esperado.

Enquanto assistente social e coordenadora do Programa, decidi fazer atendimento

individual com cada Agente de Proteção Social e ali verifiquei situações de

drogadição, violência sexual, questões psiquiátricas e médicas, precarização

financeira, situações graves de habitação, etc., enfrentadas pelos Agentes e fiz

diversos encaminhamentos, acompanhamentos, entendendo que os Agentes eram

usuários em potencial, apesar da exigência de um trabalho profissional sobre eles.

O exercício profissional no papel de gestora ampliou perspectivas e pontos de

vista, modificando o meu olhar. O desejo de entender questões do meu cotidiano

profissional fez-me pleitear o Mestrado de Serviço Social na PUC-SP em 2006 e

assim retomar minha vida acadêmica.

Novo olhar, velhas perguntas! Ainda angustia-me o tal trabalho

socioeducativo... Para quê serve? Como deve ser feito? Qual a contribuição do

Serviço Social neste espaço?

E é com estas inquietudes que a pesquisa em questão foi realizada,

mediação entre realidade e teoria, na busca de traduções, aproximações, deste

movimento dinâmico.

1. TEMÁTICA ABORDADA

Entre o modismo e a necessidade, o assistente social é frequentemente

chamado a realizar trabalhos educativos. Com o advento do SUAS – Sistema Único

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de Assistência Social1, que traz em suas propostas a centralidade da família e a

necessidade do trabalho socioeducativo nas instâncias municipais, a expansão dos

programas de transferência monetária que também trazem forte apelo ao

acompanhamento socioeducativo do beneficiário com vistas à sua autonomia. Os

grupos de acompanhamento vêm se multiplicando e muitas indagações giram em

torno da questão.

O ―tal‖ socioeducativo é expressão muito usada e debatida na atualidade.

assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais e educadores

em geral são contratados para efetivar o ―tal‖ socioeducativo em seu cotidiano

profissional. Fato é que, poucos se atrevem a esclarecer o que venha a ser o

trabalho socioeducativo, quais conteúdos ele abrange e para quais objetivos se

destina.

Entre visões generalistas que consideram tudo socioeducativo (palestras,

conversas, cursos e até a forma de recepcionar a população, de escutá-la e de

encaminhá-la) a visões mais restritas que adotam metodologias como a de grupo

operativo, de Pichon Rivière ou a pedagogia da autonomia de Paulo Freire, os

atendimentos acontecem muitas vezes de forma espontaneístas.

O Serviço Social vem no decorrer da história buscando respostas às

demandas da sociedade. A profissão se instituiu no Brasil na década de 40 como um

dos mecanismos existentes para amenizar o conflito existente entre capital e

trabalho. As propostas de intervenção neste período têm o objetivo de adequação e

enquadramento do usuário, marcadas pela ideologia da Igreja. Já neste período, o

assistente social tem características educativas em sua ação profissional, como nos

aponta Magalhães:

“O problema das massas proletárias era de “educação”. As elites

deviam conduzir as massas, transformando-as em cidadãos, isto é,

ao nível cultural. (...) Surge neste contexto a institucionalização do

Serviço Social, como profissão marcada por esta perspectiva

aristocrática de educação. Propõe a formação de quadros de

profissionais, “agentes funcionais” responsáveis pelo controle e

direção dos programas de assistência social. O objeto central de

1 O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência

Social e tem como pressuposto a Política Nacional de Assistência Social – PNAS que objetiva a construção

coletiva do redesenho da política através da sua implementação.

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trabalho consiste nas camadas “pauperizadas” e marginalizadas da

sociedade. O ato de assistir essas “massas pobres” e incultas tem

como intenção promover ajustamentos sociais, evitar focos de

conflitos que ameaçam o equilíbrio da sociedade” (1981: 46)

As ações profissionais já contavam com um viés educativo desde sua gênese

com o objetivo de adequar a população evitando conflitos sociais. As primeiras

manifestações originárias no seio da Igreja tinham o compromisso da ―ajuda‖,

explicitando viés assistencialista caritativo. Além do atendimento individualizado -

utilizado prioritariamente para ―diagnosticar‖ o problema -, existiam também os

grupos de operários, grupos de mães ou clube de mães, ambos com um forte

vínculo com a Ação Católica.

Já a partir da década de 50, surgem os grupos de profissionais envolvidos

nas propostas de Desenvolvimento de Comunidade – DC linha de trabalho tão

explorada no Serviço Social neste período. Em todos estes grupos, foi grande a

contribuição e a organização por parte dos assistentes sociais que buscavam

melhoria nas condições de vida da população, além de uma adequação moral da

família e do trabalhador.

De lá para cá, mudanças ocorreram, principalmente as que marcam o

movimento de Reconceituação no âmago da profissão e que propõem o

materialismo histórico dialético como base teórica do Serviço Social, buscando

romper com o conservadorismo e sua vertente teórica positivista, e tendo ainda, a

fenomenologia que por fim se apresenta como uma nova roupagem deste

pensamento conservador.

Neste período, estratégias de ação positivistas que adotam o tripé ―indivíduo,

família e comunidade‖ e estratégias com bases nas matrizes norte-americanas

pautadas no ―diagnóstico‖ são fortemente questionadas e a partir da busca de

ruptura sob influências do novo referencial teórico marxista, dá-se espaço para uma

nova ação educativa, a ―educação popular‖. A educação popular ganha espaço na

academia, influenciada prioritariamente por Paulo Freire como uma estratégia de

construir junto com as classes subalternas, possibilidades de autonomia e

consciência política. Busca romper com a visão fragmentária e de cunho moral das

ações educativas ligadas aos grupos já existentes.

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Em entrevista para a Revista Serviço Social e Sociedade, Paulo Freire é

questionado se há assistentes sociais nos grupos de educação popular,

coordenados por ele na PUC-SP e ele responde:

“Sim, sim. Eu não diria que em todos estes grupos, em todos não,

mas em grande medida tenho visto os assistentes sociais trabalhando

no campo da alfabetização e da pós-alfabetização, no serviço social

especifico, na ação comunitária, etc., quer dizer há uma boa presença

de assistentes sociais nesse conjunto de equipes com os quais estou

trabalhando.” (1980: 72)

Não apenas no trabalho coordenado pelo Professor Freire, mas em outros

tantos pelo Brasil, há um envolvimento dos assistentes sociais com a educação

popular, neste momento embrionário, com características messiânicas,

vanguardistas, entendendo a educação popular como um chamado.

“É fundamental ter clara a posição do chamado “educador popular”.

Colocar-se a serviço das classes subalternas, não assumindo a

direção e o controle do processo educativo, é uma premissa que

merece destaque." (MAGALHÃES, 1981:48)

Durante toda a década de 80, a educação popular aconteceu nas periferias

das cidades, nas associações de bairro, nos sindicatos, igrejas e se mesclava entre

as propostas interventivas institucionais e voluntarismo profissional. Ações estas,

engrossadas pelo momento áureo dos movimentos populares por conquista de

direitos básicos como saúde, educação, moradia.

É, porém, na década de 90 que o termo socioeducativo passa a ser usado e

mais amplamente debatido com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente

– ECA. Lei esta que rompe com o caráter punitivo do antigo Código de Menores e

propõe Medidas Socioeducativas para adolescentes que estão em conflito com a lei.

Entretanto, o conteúdo das ações socioeducativas não está explicitado na lei, que

apresenta apenas grifos para que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários dos adolescentes.

Neste mesmo decênio, as políticas de Garantia de Renda Mínima surgem no

país. O pioneiro no âmbito federal é o Bolsa Escola que garante apenas o repasse

do subsídio financeiro às crianças selecionadas em idade escolar e com freqüência

assídua na escola, como uma forma de cercear a evasão. Em 1995, em âmbito

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municipal surge o Programa Municipal de Garantia de Renda Familiar Mínima –

PMGRFM de Campinas que traz como proposta além do repasse financeiro, o

acompanhamento socioeducativo às famílias beneficiárias. Esta experiência foi

divulgada e multiplicada em todo o país, pois trazia em si um caráter inovador da

junção do repasse financeiro com o acompanhamento socioeducativo através de

grupos mensais coordenados por uma dupla de técnicos: um assistente social e um

psicólogo.

Os municípios elaboram e implementam programas de transferência de renda

quando em 2003, com a posse do presidente Luis Inácio Lula da Silva, intensificam-

se as discussões em torno de um Sistema Único de Assistência Social - SUAS

garantindo comando único nas ações e eliminação da sobreposição e pulverização

de ações.

Em 2004 é regulamentado o SUAS que tem a função de organizar em todo o

território nacional as ações socioassistenciais, definindo e organizando a Política

Nacional de Assistência Social – PNAS/2004, aprovada pelo Conselho Nacional de

Assistência Social2.

Desde então, estados e municípios vem empenhando esforços para a

implementação do SUAS, onde as ações de assistência social passam a ser

organizadas em Proteção Social Básica e Proteção Social Especial.

A Proteção Social Especial tem por objetivos prover atenções

socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco

pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos,

abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas

socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras.

Já a Proteção Social Básica tem como objetivos prevenir situações de risco,

por meio do desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de

vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de

vulnerabilidade social, decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário

ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e/ou fragilização de vínculos

afetivos — relacionais e de pertencimento social. O Programa de Atenção Integral à

2 Por meio da resolução N° 145/2004.

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Família – PAIF é o principal programa da proteção social básica e acontece dentro

do espaço do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS.

O PAIF tem por objetivo contribuir para a prevenção de situações de risco de

indivíduos e famílias, busca propiciar o fortalecimento de vínculos familiares e

comunitários e o favorecimento do convívio familiar. Parte do reconhecimento do

protagonismo das famílias, fomentando-o e promovendo potencialidades e

aquisições destas.

As atividades oferecidas pelo PAIF vão desde atendimentos individuais e

visitadas domiciliares a grupos socioeducativos, reflexivos, de convivência, de

geração de renda.

Por se consolidar como num espaço impar para a atuação do assistente

social e o exercício de atividades educativas ou socioeducativas com a população

usuária, o PAIF desenvolvido pelo município de Santo André – SP foi escolhido

como espaço para esta pesquisa.

O objetivo desta pesquisa é compreender qual a função educativa existe no

trabalho do assistente social no Programa de Atenção Integral a Família – PAIF e

como esta é evidenciada no cotidiano profissional.

2. REFERENCIAL TEÓRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

“Escolher um método significa, em outras palavras, optar

por uma trajetória teórica que deverá auxiliar na compreensão do

movimento de um objeto de estudo situado concreta e

materialmente na realidade.” (SILVA, 2000:28)

Para o desenvolvimento da pesquisa é fundamental que seja estabelecido

previamente o referencial teórico-metodológico, bem como explicitar o método que

orienta a produção do conhecimento. A metodologia desta pesquisa está pautada na

dialética de Marx, tradição teórica esta que parte da realidade como dado

fundamental para a reflexão num movimento constante e ininterrupto.

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“A razão não constrói, mas reconstrói o real e a sua dinâmica,

apanhando todas as mediações possíveis que também possuem uma

existência concreta e material. Os homens são para Marx, seres

ativos, porém não como Hegel os concebia; eles fazem história sob

determinadas condições sendo, ao mesmo tempo, sujeito o objeto do

mesmo processo. Esta unidade-diversa permite a transformação e a

auto-educação simultânea dos homens e da própria realidade,

expressando um movimento dialético ininterrupto que,

necessariamente, unifica, mas não identifica o pensamento e a

realidade. A ontologia materialista é acompanhada, então, por uma

nova articulação lógica que não supervaloriza a razão, mas a

considera como parte importante de um processo indivisível com o

mundo material. A totalidade, edificada neste contexto, é sempre

parcial, pois o pensamento não é capaz de captar exatamente o

movimento da realidade.” (SILVA, 2000:30)

A realidade é, portanto, dado fundamental para a construção do

conhecimento, porém, é dinâmica e o pensamento humano, por sua vez, não é

capaz de acompanhar o movimento do real em sua totalidade. Entretanto, sendo o

homem sujeito e objeto de sua história, particular e coletiva, a reflexão crítica

subtraída do movimento da realidade é a possibilidade de construção de novas

alternativas que reafirmem a ação-sujeito do homem. Neste sentido, o cotidiano não

é descolado da teoria, mesmo quando esta é e, sempre será, inacabada para

responder a todos os questionamentos posto na cotidianidade. Faz parte do

processo histórico, a participação coletiva na construção do conhecimento onde as

inquietações são trazidas à tona, na incessante busca de respostas.

O método, mais do que instrumentais e regras, é o movimento da teoria, o

alicerce daquilo que se quer sistematizar e devolver para a realidade. É o caminho

escolhido para a pesquisa, a seta que aponta a visão de homem, de mundo e de

sociedade como pressuposto fundamental para análise.

É necessário e, não menos importante, instrumentos e técnicas para a coleta

de dados. Neste sentido, a escolha que se estabelece é que esta pesquisa tenha

caráter qualitativo. Isso porque o interesse posto pelos objetivos da investigação é

identificar e conhecer a função educativa existente no trabalho do assistente social e

como esta é evidenciada no cotidiano profissional a partir de experiências com o

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PAIF. O interesse da pesquisa é apreender uma característica do modo de ser do

Serviço Social.

(...) tanto a realidade quanto a relação humana são qualitativos.

Implicam em sons, aromas, cores, arte, poesia, linguagem, os quais

só podem ser alcançados pela mediação do sujeito e

predominantemente de modo qualitativo, pois demandam atribuição

de significados. Tal tarefa apenas o sujeito é capaz de realizar, pois

significados se constroem a partir da experiência. (MARTINELLI,

2006:11)

O desafio posto é à luz dos conceitos teóricos levantados, penetrar a

realidade destes profissionais e poder reconstruir idéias, conceitos, entendendo as

condições objetivas e subjetivas que estes dispõem para a execução de seu

trabalho.

O universo da pesquisa é o Programa de Atenção Integral à Família – PAIF

desenvolvido nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS do município

de Santo André. Os sujeitos da pesquisa são os assistentes sociais que atuam como

técnicos ou gestores do programa. Desta forma, delimita-se uma amostra

probabilística intencional.

A Prefeitura de Santo André conta com 4 CRAS implantados que são

desenvolvidos em sistema de co-gestão em parceria com Organizações Não

Governamentais. Ao todo são 16 assistentes sociais, servidores públicos e

contratados, envolvidos com o trabalho.

O PAIF em Santo André atende prioritariamente as famílias que se

encontram em situação de risco pessoal e social e, as que não cumprem as

condicionalidades dos Programas de Transferência de Renda Bolsa Família e Renda

Cidadã.

A investigação junto aos sujeitos se deu através de entrevistas semi-

estruturadas com roteiro pré-definido e utilização de gravador para a reprodução fiel

do conteúdo, realizadas com as duas gestoras do programas, assistentes sociais. A

escolha da entrevista é justificada porque “além de permitir captar melhor o que as

pessoas pensam e sabem, observam também a sua postura corporal, a tonalidade

da voz, os silêncios, etc.” (MARSIGLIA 1999: 27).

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Foram entrevistadas a responsável pelo setor de Proteção Social Básica e a

Diretora do Departamento de Assistência Social. A receptividade para com o tema

foi muito boa e as questões do roteiro (que propositalmente fazia o entrevistado

responder quase que a mesma pergunta por diferentes possibilidades) trouxeram

novas inquietações tanto na pesquisadora, como nas entrevistadas que por ora

paravam e observavam para elaborar situações tão cotidianas, que por vezes

passam despercebidas do processo reflexivo.

Outra opção metodológica foi a realização de grupo focal. O grupo focal

permite ao pesquisador observar a interação dos indivíduos em determinado tema,

conhecendo as semelhança e as diferenças entre as opiniões e experiências

expressas.

A escolha dos grupos focais é justificada porque “(...) são fundamentalmente

uma maneira de ouvir as pessoas e apreender com elas. Grupos focais criam linhas

de comunicação... um amplo processo de comunicação que conecta os mundos do

pesquisador e dos participantes.” (MORGAN in Berthoud, 2004:44).

O objetivo deste instrumento é de captar as diferentes opiniões acerca do

tema e como o conjunto de trabalhadores assistentes sociais daquele espaço

compreendem a questão apresentada e como a observam no cotidiano.

“Segundo Powell e Single (1996, p.449), um grupo focal „é um

conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para

discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de

sua experiência pessoal‟ Kitzinger (1994, p.103) diz que o grupo é

focalizado, no sentido de que envolve algum tipo de atividade coletiva

– como assistir um filme e conversar sobre ele, examinar um texto

sobre algum assunto, ou debater um conjunto particular de questões.”

(GATTI, 2005: 7)

Para o aquecimento, foi dado ao grupo um papel com a questão: Você acha

que o Serviço Social tem uma questão educativa no seu cotidiano? Por quê?

Antes, porém, foi esclarecido ao grupo o objetivo daquele encontro e o que

seria um grupo focal, enfatizando que o objetivo não era criar consensos, mas

averiguar as diferentes opiniões. Também foram explicitado os objetivos da pesquisa

e o papel da pesquisadora naquele momento, que não era o de realizar uma

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entrevista coletiva e sim prioritariamente ouvir e acolher ao grupo, fazendo

intervenções pontuais.

O grupo, que iniciou tenso, foi se soltando pouco a pouco e chegou a

momentos de discussões calorosas. Entretanto, como é comum do ser humano, que

socialmente constantemente busca aprovações externas, houve vários movimentos

espontâneos de tentar criar consenso ou de confirmar qual seria a opinião do grupo

entre seus participantes

O encontro terminou com o compromisso da pesquisadora de apresentar os

resultados da pesquisa para aquele coletivo e com relatos do quanto estes

momentos são importante na vida profissional, pois, é em espaços como estes que

podemos elaborar o cotidiano, adicionando a este a reflexão crítica.

Pelo encontro ter ocorrido logo após o segundo turno do processo eleitoral

para prefeito (2008), em que, o resultado apresentava a perda da atual gestão do

Partido dos Trabalhadores, muitos participantes ao final do encontro relatavam o

cansaço, a apreensão quanto ao futuro e a vontade de distanciar o seu trabalho

destes incômodos políticos. Este movimento revelou também, a relação de confiança

que se estabeleceu entre a pesquisadora e os sujeitos pesquisados. E, este fato,

pode ou não ter influenciado a coleta de dados.

Fez parte também da coleta de dados a análise de documentos que

direcionaram o trabalho destes profissionais, pesquisas em sites tanto da prefeitura

de Santo André, quanto do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome

- MDS e pesquisa bibliográfica.

3. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Esta dissertação está divida em três capítulos mais as considerações finais da

pesquisadora. O primeiro capítulo discorre sobre o alicerce teórico buscado pela

pesquisadora para a discussão do tema. Fortemente marcado pelo estudo das

pedagogias de Abreu (2002), este capítulo não traz apenas as considerações

teóricas construídas pela categoria, mas o entendimento da pesquisa sobre estas e

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sua definição sobre o termo socioeducativo, tão empobrecido e esvaziado de

significado.

O segundo capítulo aborda o cenário em que a pesquisa foi realizada que é o

município de Santo André na Secretaria Municipal de Inclusão Social. Discorre sobre

as características do município e o caminho de construção até o PAIF, trilhado por

esta secretaria.

O terceiro e último capítulo traz uma análise profunda do material coletado

através do grupo focal e das entrevistas à luz da teoria já disseminada. Trata-se do

condensamento das descobertas realizadas pela pesquisadora em seu processo de

aproximação ao objeto de estudo.

As considerações finais buscam não o encerramento do tema, mas o inicío de

um novo ciclo onde há a possibilidade do encaminhamento das questões prementes

para o debate profissional.

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CAPÍTULO I

O SERVIÇO SOCIAL E O EDUCATIVO, O SOCIOEDUCATIVO E AS PEDAGOGIAS:

ENTENDENDO CONCEITOS

Com sua gênese marcada pela implantação do sistema capitalista na

sociedade atual, o Serviço Social nasce como profissão que tem o desafio de

amenizar as tensões criadas entre o capital e o trabalho. Sofre em seu início grande

influência da igreja católica e da moral cristã, já que as primeiras ações ocorriam no

âmbito da igreja com o intuito caritativo de ―ajudar‖ os pobres e miseráveis. A história

do Serviço Social como profissão e suas bases de origem, nos auxiliam a

compreendê-lo em seu movimento de construção histórica, desvendando seu modo

de ser.

Desta forma, o Serviço Social constituí-se como profissão que tem nas

expressões da questão social3 a matéria-prima para o trabalho profissional. É

através da questão social que as demandas profissionais surgem na sociedade

capitalista. “A matéria-prima do trabalho do assistente social (ou da equipe

interprofissional em que se insere) encontra-se no âmbito da questão social em suas

múltiplas manifestações – saúde da mulher, relações de gênero, pobreza, habitação

popular, urbanização de favelas, etc. – tal como vivenciadas pelos indivíduos sociais

em suas relações sociais quotidianas, às quais respondem com ações, pensamentos

e sentimentos.” (IAMAMOTO 2003:100). É, portanto, profissão inscrita na divisão

sócio-técnica do trabalho, pois possui matéria-prima (expressões da questão social),

e, cria e produz serviços de utilidade social; atende a uma necessidade da

sociedade.

Todavia, o assistente social, apesar de se caracterizar como um profissional

liberal, vende sua força de trabalho para órgãos públicos e privados, por não deter

em si todos os meios para concretização de seu trabalho, tornando-se assim mais

um trabalhador assalariado.

3 “Questão Social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista

madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais

amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da

sociedade”. (IAMAMOTO, 2003:27)

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Como profissão, possuí Código de Ética (1993) que atualmente preconiza

valores voltados para a ―liberdade, a autonomia e a plena expansão dos indivíduos

sociais‖, assumindo posicionamento político a favor da equidade e da justiça social.

Os valores impressos num Código de Ética Profissional anunciam a proposta desta

profissão para a sociedade, os valores que sustenta e a intencionalidade de sua

ação.

“Esquematicamente, este projeto ético-político tem em seu núcleo o

reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade

concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre

alternativas concretas: daí um compromisso com a autonomia, a

emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais” (NETTO,

1999:104)

O Código de Ética do Assistente Social explicita um projeto ético-político

adotado pelos agentes profissionais, apontando a busca de uma homogeneidade na

forma de pensar e de ser da profissão. Os projetos profissionais constituem a auto-

imagem de uma profissão e existem porque cada profissão tem o seu papel social e

tem uma intencionalidade de ação. As profissões dentro da sociedade não se

constituem de forma neutra, sempre há uma intenção em sua função social, um

objetivo a ser alcançado. Desta forma, o projeto profissional é construído pelos

sujeitos coletivos e através deste, a categoria profissional elege “valores ético-

políticos e opções teórico-metodológicas em consonância com um projeto societário,

tendo por base a prática profissional dos sujeitos desta ação.” (CARDOSO,

1999:95).

Essa teleologia própria da profissão, nos revela um campo tencionado

por dois pólos: primeiro diz respeito à função social da profissão que é reproduzir

relações sociais4 tendo como um de seus mecanismos amenizar os conflitos

existentes entre o capital e o trabalho, conflitos marcados pelas diferenças de

classes e pelas desigualdades na distribuição da riqueza socialmente construída. O

outro pólo diz respeito ao projeto de profissão construído coletivamente que é

evidenciado entre outros elementos no Código de Ética profissional e aponta um

novo projeto societário diverso ao capitalismo. Desta forma, a profissão vive

4 “Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do processo social, a reprodução de

determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e de trabalhar, de

forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade.” (IAMAMOTO, 2001:72)

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contemporaneamente a contradição entre o objetivo de sua função social e o

objetivo de seu projeto profissional.

No entanto, é importante frisar que nem sempre foram estes valores adotados

pela profissão em seu percurso histórico. Já houve outros projetos profissionais que

evidenciavam outros valores e intencionalidades, voltados muitas vezes para a

neutralidade da ação e a adequação do homem na sociedade.

Abreu (2002) aponta que o Serviço Social tem uma história marcada por

perfis pedagógicos que imprimem uma prática educativa do assistente social no

desenvolvimento de sua intervenção profissional. Seguindo uma análise gramsciana,

a autora entende que as primeiras ações profissionais já eram ligadas a uma

pedagogia.

Entendendo a pedagogia para além da educação formal como uma forma de

expor a cultura, o modo de pensar e de agir, que forma uma ordem intelectual e

moral, uma hegemonia5 de determinada classe; a autora aponta perfis pedagógicos

que no processo histórico influenciaram o exercício do assistente social. Perfis estes,

marcados por “determinações históricas e configurações particulares da referida

prática que demarcam a mediação profissional em processos de organização da

cultura na dinâmica da sociedade.” (ABREU, 2002: 83). Os perfis pedagógicos

apontados por ela são: a pedagogia da ajuda, a pedagogia da participação e o

movimento de construção da pedagogia emancipatória.

Partindo do contexto norte-americano e europeu, onde os avanços da

indústria e dos meios de produção alteraram significativamente todas as formas de

ser da sociedade nas primeiras décadas do século XX, a autora desenvolve o

entendimento sobre a pedagogia da ajuda contextualizando-a num processo de

organização da cultura dominante onde a questão social é enxergada como questão

moral, reduzindo-a as manifestações individuais.

A intrínseca relação do Serviço Social com a Igreja faz com que a primeira

vertente filosófica da profissão se transforme num arranjo teórico doutrinário,

moralizador, compatível com a perspectiva conservadora que impregna as ações

educativas do assistente social neste inicio. Neste sentido, apesar de ter sido um

5 Segundo SIMIONATTO, Gramsci entende a hegemonia também “como “direção intelectual e moral”, afirma

que esta direção deve exercer-se no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o

consenso e de formar uma base social. Isso porque não há direção política sem consenso.” (1995: 43)

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avanço a valorização do aspecto técnico instrumental sob a orientação positivista,

importando o chamado ―Diagnóstico Social” de Mary Richmond6, as bases técnico-

cientifícas são centradas na dimensão individual na perspectiva da reforma moral e

reintegração social do indivíduo. Richmond desenvolve ainda, metodologias

interventivas como o Serviço Social de Caso. Este processo de teorização dos

métodos interventivos da profissão está diretamente relacionado ao cenário que

revelava abertura do mercado de trabalho para o assistente social, exigindo novo

padrão de profissionalização da ação.

O Serviço Social brasileiro importa a tecnologia norte-americana em sua

busca de profissionalizar sua prática, atendendo assim às novas demandas do

mercado de trabalho nacional.

―(...) considerando, sobretudo, o agravamento da questão social e as

exigências postas pelo novo padrão produtivo e de trabalho; vincula-

se, pois, à necessidade histórica de imprimir às referidas práticas um

cunho “educativo”, “ressocializador”, mediante inculcação de um novo

código de conduta individual, familiar e política do trabalhador e sua

família, adequado às necessidade de produção e reprodução social.”

(ABREU, 2002: 39-40)

A aplicação, entretanto, desta tecnologia no contexto brasileiro, aconteceu de

forma desconectada da realidade uma vez que o país não contava com um sistema

de seguridade social mínimo – base fundamental para a operacionalização da

―ajuda‖ psicossocial individualizada ao trabalhador – restando-lhe ações

fragmentadas e pontuais.

Outro ponto relevante são as ações vinculadas à Igreja, como por exemplo, a

Ação Católica que possuía trabalho junto aos operários com o objetivo de organizá-

los, quando não ―educá-los‖. Sob a roupagem da ―ajuda‖, o assistente social tinha

neste contexto a função concreta de manter a reprodução material e subjetiva da

força de trabalho dentro das condições impostas pelos altos índices de acumulação

do capital, imprimindo um conformismo nas classes subalternas com a difusão da

idéia de naturalização das desigualdades sociais como inerentes à pessoa humana.

6 O “Diagnóstico Social” é uma das primeiras formulações teóricas da profissão, de origem norte americana e

que trata da sistematização da prática profissional vinculada aos processos de diagnóstico e tratamento.

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A partir da década de 50, porém, intensifica-se na América Latina uma

aproximação à ideologia desenvolvimentista que marca uma mudança no cenário

econômico e político, impulsionando um novo perfil pedagógico: a pedagogia da

participação.

A ideologia desenvolvimentista “(...) envolve a proposta de crescimento

econômico acelerado, continuado e auto-sustentado. O problema central a resolver

constitui-se em superar o estágio transitório do subdesenvolvimento e do atraso.”

(IAMAMOTO, 2001: 340). Entendendo estes estágios como um período histórico

ainda não alcançados nos países ―em desenvolvimento‖, no caso o Brasil.

As experiências profissionais buscam neste período enfatizar a participação

popular e assumem com maior intensidade o Serviço Social de Grupo e o

Desenvolvimento de Comunidade – DC. Entretanto, a preocupação com a

participação popular não trouxe um rompimento com o Serviço Social tradicional e

com o entendimento da questão social como questão moral.

“Tais redefinições não significaram rompimento com a perspectiva

histórica, nem com a base conservadora de explicação da questão

social, que sustentam o Serviço Social em sua formulação

denominada tradicional. Mas, a reafirmam, aperfeiçoando-a, refinando

o cunho tecnicista positivista da intervenção profissional,

consubstanciado na tendência à naturalização da vida social e no seu

corolário, a psicologização das relações sociais, ao mesmo tempo em

que, contraditoriamente, apontam elementos para a superação.

(ABREU, 2002: 111)

O tradicionalismo assume nova roupagem assumindo a participação e o lócus

da comunidade como seus eixos centrais. Iniciam-se processos de ―integração‖ e

―promoção‖ sociais, e a ―ajuda‖ individualizada é pouco a pouco substituída pela

auto-ajuda ou ajuda mútua nos processos participacionistas; entendendo que

depende da ação/participação do trabalhador para que ele se desenvolva, saindo da

situação de dependência e do assistencialismo. Continua, porém, a sustentar a

cultura do conformismo para a força de trabalho, obedecendo assim, a ideologia

dominante e sua necessidade de exploração da mão de obra para aumento do

capital, ou seja, são estratégias utilizadas para a dominação e o controle social pelo

capital que buscam ocultar mecanismos autoritários, inibindo também a aproximação

da ameaça do comunismo naquele período.

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Importante frisar que os perfis pedagógicos assinalados como a pedagogia da

ajuda e a pedagogia da participação, compõem para Abreu perfis subalternizantes,

tendo a ideologização da assistência como ―assistência educativa‖. Ela aponta,

ainda, que, “tais estratégias pedagógicas tendem a dissimular as formas de

reprodução do trabalhador nos limites precários da política social” (2004:52). São

perfis consolidados e arraigados à prática profissional do assistente social,

reforçando sua função social de reproduzir material e subjetivamente a força de

trabalho neste contexto limítrofe, amenizando conflitos. Este processo só é possível

por meio da coerção e do consenso das classes subalternas, como aponta

Iamamoto:

“(...) Radicalizando uma característica de todas as demais profissões,

o assistente social aparece como o profissional da coerção e do

consenso, cuja ação recai no campo político.” (2000:42)

Os espaços de participação ora citados, são espaços eminentemente políticos

onde não apenas o assistente social, mas ele prioritariamente, exerce um poder

perante os usuários de seus serviços, freqüentemente induzindo à produção de

consensos. Entretanto, num movimento contraditório, estes espaços de participação

abrem também lacunas para a crítica à hegemonia construída pela classe dominante

e provocam união a outros movimentos que emergem no contexto nacional, como os

de militância política que surgiram no contexto de ditadura militar.

As décadas de 60 e 70 são marcadas pelo período de ditadura militar onde a

participação é fortemente regulada pelo Estado. Os programas de governo deste

período seguem os moldes desenvolvimentistas e apontam para a cultura de ―bem

estar social‖. Apesar do Estado de Bem Estar não ter sido implementado no Brasil,

acreditava-se que, seguindo o modelo europeu, o país se desenvolveria chegando

ao Estado de Bem Estar, trazendo ordem a nação e consolidação do projeto

capitalista.

No Serviço Social, este período é marcado também por uma heterogeneidade

do projeto profissional, quando um grupo de profissionais questiona criticamente as

bases teóricas e filosóficas adotadas até então, e propõe um rompimento com o

conservadorismo assumindo um posicionamento histórico-materialista. Este

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momento é denominado de ―Movimento de Reconceituação do Serviço Social‖ 7 e

conseqüentemente entra em consonância com a busca por um novo perfil

pedagógico.

Este movimento da profissão traz também, questionamento quanto ao método

utilizado até então, método este que fragmentava teoria e prática, em que os

instrumentos e técnicas tinham um caráter tecnicista, pondo em cheque o famoso

tríade ―Caso, Grupo e Comunidade‖ como nos aponta Neto:

“Para economizar tempo e espaço: do estudo Caso, Grupo e

Comunidade, o máximo que se pode extrair, em termos de

„estratégias de ação profissional‟ ou para „operacionalizar os

conhecimentos teóricos‟, é um conjunto de indicações referidas a

âmbitos de intervenção restritos e institucionalizados e nada mais.

Poderão ser arroladas técnicas, mais ou menos eficientes, conforme

cada âmbito; poderão ser formalizados processos ideais de

abordagem mais ou menos abrangentes em e para cada âmbito –

mas todos irredutíveis a um padrão unificado de procedimentos em

face da totalidade social que se revela em cada um deles” (Netto,

1984: 8)

A crítica se refere substancialmente ao distanciamento do processo de

formação profissional, em contemplar a operação histórico-crítica e prático-análitica,

enquadrando simplesmente procedimentos às necessidades imediatas da

intervenção profissional, sem conectá-los à totalidade social, à realidade em seu

movimento dialético e constante. O grande desafio é que o método para o Serviço

Social fosse resultado do domínio da teoria social crítica, intrinsecamente gestado

junto a esta, pondo abaixo todo e qualquer ―modelo de intervenção‖ pré-estabelecido

e desconectado da realidade.

É neste contexto, do Movimento de Reconceituação Profissional, que emerge

o terceiro perfil pedagógico apontado por Abreu, que é o movimento de construção

de uma pedagogia emancipatória pelas classes subalternas. Este movimento é em

sua gênese fortemente marcado pela Teologia da Libertação, movimento da Igreja

Católica que utiliza bases marxistas, porém, sem romper com o pensamento cristão.

7Para aprofundamento da questão consultar: NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social : uma análise do

Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1994.

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Entende-se que a autora aponta esta pedagogia como um movimento de

construção por representar uma contra hegemonia à cultura dominante, marcando

um campo tencionado politicamente entre caminhos de avanços e retrocessos.

“Ancorados, predominantemente, no viés marxista da Teologia da

Libertação e desta com as formulações pedagógicas de Paulo Freire

– aporte identificado por vários estudos no conjunto dos processos de

luta na América Latina – setores da categoria dos assistentes sociais

conseguem fazer avançar os esforços profissionais de vinculação ao

movimento de construção de uma pedagogia emancipatória pelas

classes subalternas” (ABREU 2002:131)

As Comunidades Eclesiais de Base são uma das expressões concretas deste

perfil pedagógico e representam ―uma ampla rede de organização, conscientização

e politização das bases” (Wanderley in Abreu 2002:112) num período em que a

participação popular foi efetivamente acolhida por alguns movimentos dentro da

Igreja, uma vez que, a democracia era característica distante da realidade social do

país.

Evidente que este movimento contra hegemônico não foi algo isolado. Uniu-

se às experiências da revolução cubana e dos movimentos sociais da América

Latina que buscavam transformações político-culturais e mudanças estruturais e

econômicas na perspectiva emancipatória das classes subalternas. É a busca por

uma nova concepção de mundo, homem e sociedade; é o questionamento radical da

estrutura social imposta, mesmo que as respostas para estas questões, neste

momento, ainda careçam de amadurecimento.

Este perfil pedagógico, entretanto, também apresenta distorções em seu

desenvolvimento no meio profissional, segundo Abreu. O primeiro ponto refere-se

ao superdimencionamento da participação popular na construção do projeto

profissional do Serviço Social, o que levou a profissão a certo pragmatismo.

Distanciou-se das referências teóricas originais, utilizando do marxismo sem recorrer

às fontes originais de Marx e, entendendo que apenas o compromisso ideológico

com as classes subalternas seria a possibilidade da conquista da unidade com o

referencial teórico supracitado.

Um segundo ponto a ser considerado, refere-se ao messianismo profissional,

que a autora aponta como “um descompasso entre os avanços no campo político-

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ideológico, sobretudo no que se refere à intencionalidade da prática profissional e à

efetiva análise das condições objetivas dessa mesma prática.” (ABREU, 2002:148) É

a marca idealista do Serviço Social que enxerga o exercício profissional como uma

militância antiburguesa e capaz por si só da transformação social, desconectado das

reais possibilidades impostas pela realidade e desconsiderando que a transformação

será realizada por toda a sociedade e não apenas por uma profissão.

A educação popular, tendo como um dos moldes o freiriano, é multiplicada na

prática também dos assistentes sociais, iniciando pela educação de adultos com o

intuito de aumentar o nível intelectual e cultural das massas, aumentando assim, seu

grau de organização e de possibilidades de construção de uma cultura que lhes diga

respeito. Importante frisar que Paulo Freire foi um precursor da educação popular e

abriu caminho importante para tais práticas, entretanto, não foi o único a trabalhar

tais estratégias, visto que o Serviço Social teve também influências latino-

americanas como Natálio Kisnerman.

As décadas de 80 e 90 são marcadas para a profissão pela implementação

do currículo mínimo para as faculdades de Serviço Social, além das reformulações

dos códigos de ética em 19868 e 1993 e a lei que regulamenta a profissão, também

em 1993, ambos os instrumentos que buscam apontar uma hegemonia do projeto

profissional adotado:

“Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão,

elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os

seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e

práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos

profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de

seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições

sociais, privadas e públicas (entre estas, também e destacadamente com o

Estado, ao qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos

estatutos profissionais). (Netto, 2000:95)

Os três perfis pedagógicos: a pedagogia da ajuda, a pedagogia da

participação e o movimento de construção da pedagogia emancipatória;

desenvolvidos por Abreu, se caracterizam como pontos de análise para a

8 O Código de Ética de 1986 foi um marco importante para a profissão por apontar uma com o conservadorismo.

Entretanto, ele comete um equívoco ao firmar o compromisso profissional com uma classe social (a

trabalhadora) e não com valores éticos a serem sustentados e perseguidos. Este movimento pode fatalmente

dividir a sociedade entre bons e maus e, por este motivo ele foi reformulado em 1993 expressando compromisso

com valores como liberdade, democracia e autonomia à serem impressos na ação profissional.

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compreensão da função educativa existente no trabalho do assistente social e como

esta é evidenciada no cotidiano profissional a partir de experiências dos assistentes

sociais no PAIF. Faz-se, entretanto, necessário, entendermos a relação educativo e

socioeducativo no exercício profissional.

1.1 – Educativo e socioeducativo

Partindo do pressuposto já desenvolvido, entende-se que toda ação

profissional contém em si um perfil pedagógico e que por isso possui características

educativas. Na perspectiva gramsciana a ação educativa se situa no âmbito de sua

análise dos intelectuais. Gramsci considera todos os homens como intelectuais,

como se segue:

“Para Gramsci (1977:15-16), porém, „em qualquer trabalho físico; mesmo no

mais mecânico e degradado existe um mínimo de qualificação técnica, isto é,

um mínimo de atividade intelectual criadora‟. Neste sentido, „todos os homens

são intelectuais, mas nem todos desempenham na sociedade a função de

intelectuais‟, ou seja, não existe atividade humana da qual se possa excluir

toda a intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo

sapiens.” (SIMIONATTO, 1995: 57)

Para ele todo trabalho contém em si um conhecimento aplicado e desta forma

todos os homens são intelectuais, o que não quer dizer que todos desempenhem tal

função socialmente. Entretanto, define-se como intelectual a função social imediata,

não considerando a totalidade da ação que, por mais que não utilize do

conhecimento cientifico ou intelectual, utiliza-se do conhecimento construído para tal

ação e apreendido coletivamente.

“Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais, faz-se referência,

na realidade, tão somente à imediata função social da categoria profissional

dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso

maior da atividade profissional específica, se na elaboração intelectual ou se

no esforço muscular-nervoso.” (GRAMSCI, 1979: 06)

Gramsci dividiu os intelectuais em duas categorias: intelectuais orgânicos e

intelectuais tradicionais. Os intelectuais orgânicos são originários dos grupos sociais

essenciais (burguesia e proletariado), os quais ―[...] (nascem) no terreno originário de

uma função essencial no mundo da produção econômica, (tais grupos criam) para si,

ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que

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lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo

econômico, mas também no social e no político [...]” (GRAMSCI, 1979: 03). O

intelectual orgânico tem a função de trazer homogeneidade à classe qual se filia e

de contribuir na luta pela direção social e cultural desta classe, é orgânico pela

proximidade e organicidade9 com que se relaciona com a classe e possuí papel

fundamentalmente político.

Os intelectuais tradicionais já preexistiam “[...] como representantes de uma

continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais

complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas” (GRAMSCI,

1979:03), tendo como representantes maior os eclesiásticos. Todo o grupo que

pretende assumir papel dominante socialmente, se embrenha numa luta pela

assimilação e conquista ―ideológica‖ dos intelectuais tradicionais. De acordo com

Simionatto (1995) é comum atrelar a figura do Intelectual Tradicional como sendo

conservador, o que nem sempre é verdadeiro.

O papel do intelectual traz um conteúdo eminentemente educativo, pois

trabalha no âmbito da cultura, na difusão do conhecimento e do saber com vistas à

consolidação de um projeto da classe fundamental qual se vincula.

“O intelectual exerce funções de direção econômica, social e cultural

que se expressam tanto nos níveis de elaboração como de difusão do

saber da classe que representa. O papel do intelectual é o de

investigar, educar, organizar a hegemonia e a coerção e, ainda

homogeneizar a consciência de classe.” (IAMAMOTO, 2000: 44)

Neste sentido, pode-se também pensar no assistente social como um

intelectual orgânico que tenha um compromisso, e uma identificação – muitas vezes

de origem – com as classes subalternas. Claro que existem intelectuais orgânicos

voltados aos interesses das classes dominantes, segundo a análise gramsciana,

isso porque o intelectual pode ter valores que o vincule às classes dominantes,

9 “A concepção de organicidade é inerente à formação mesma das suas competências e das funções que

desenvolvem no interior do modo de produção capitalista, inclusive o encaminhamento das lutas junto às

classes a que está vinculado. Estar vinculado organicamente a uma classe não significa agir de fora,

externamente, de maneira mecânica. Significa, sim, participar efetivamente de um projeto junto às classes

fundamentais: burguesia e proletariado.” (SIMIONATTO, 1995: 58-59)

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neste sentido sua ação será a de criar hegemonia para a manutenção destas

classes.

Entretanto, o intelectual orgânico quando comprometido com as camadas

subalternas, quando vinculado a valores democráticos e emancipatórios é, um

profissional que manifesta o caráter político em sua ação, que está constantemente

persuadindo, organizando idéias e pessoas com vistas à transformação social. Não

é o intelectual em si que irá gerar a transformação, mas a sua participação política e

a sua capacidade de articulação social.

O trabalho do assistente social é polarizado pelos interesses das

classes fundamentais, contribuindo para a homogeneidade do projeto destas

classes:

“O profissional de Serviço Social é aqui, também considerado na sua

condição de intelectual. Para caracterizá-lo busca suporte em

Gramsci, para quem esta categoria não se constitui um grupo

autônomo e independente das classes fundamentais; ao contrário tem

o papel de dar-lhes homogeneidade e consciência de sua função, isto

é, de contribuir na luta pela direção social e cultural dessas classes

na sociedade. Trata-se do „organizador, dirigente e técnico‟ que

coloca a sua capacidade a serviço da criação de condições favoráveis

à organização da própria classe a que se encontra vinculado.”

(CARVALHO e IAMAMOTO, 2001:87)

Entender o assistente social como um intelectual é compreender que o seu

trabalho profissional se dá no campo político-ideológico como apontado por

Iamamoto:

“Seu trabalho situa-se predominantemente no campo político-

ideológico: o profissional é requerido a exercer funções de controle

social e de reprodução da ideologia dominante junto aos segmentos

subalternos, sendo seu campo de trabalho atravessado por tensões e

interesses de classes. A possibilidade de redirecionar o sentido de

suas ações para rumos sociais distintos daqueles esperados por seus

empregadores – como, por exemplo, nos rumos na construção da

cidadania para todos; da efetivação de direitos sociais, civis, políticos;

da formação de uma cultura pública democrática e da consolidação

da esfera pública – deriva do próprio caráter contraditório das

relações sociais que estruturam a sociedade burguesa. Nelas

encontram interesses sociais distintos e antagônicos, que se refratam

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no terreno institucional, definindo forças sociopolíticas em lutas para

construir a hegemonias, definir consensos de classe e estabelecer

formas de controle social a elas vinculadas.” (IAMAMOTO, 2003, 98)

O lugar social da profissão, no campo político-ideológico, com o papel de

amenizar os conflitos entre o capital e o trabalho através coerção e da reprodução

da cultura dominante, confere ao assistente social a posição de intelectual na

sociedade. Entretanto, entender o movimento contraditório de seu trabalho

profissional, que pode também utilizar de sua relativa autonomia (IAMAMOTO, 2003)

para redirecionar sua ação para ações democrática e que fortaleçam as classes

subalternas tornando-se imprescindível a compreensão do caráter político da

profissão.

“Os assistentes sociais ao realizarem suas funções profissionais, seja

ao nível de Secretárias de Governo, dos bairros, das instâncias de

organização e mobilização da população, das organizações não-

governamentais (ONGs), exercem a função de um educador político;

um educador comprometido com a política democrática ou um

educador envolvido com os “donos do poder””. (IAMAMOTO,

2003:79)

Traz, o assistente social, de forma marcada e expressiva a sua função como

um educador que tem grandes chances de ser moralizador, controlador,

disciplinador ou um educador comprometido com a luta democrática e com seu

projeto ético-político profissional.

Gramsci no desenvolvimento de sua análise, também se dedicou a entender a

educação, não apenas a educação formal que também é alvo de seus estudos, mas,

e principalmente, a educação popular tendo o partido político primazia como agente

operacionalizador desta ação educativa. Educação esta oposta às características da

educação burguesa que propõe processos educativos com vistas para a

manutenção e ampliação do capitalismo disseminando valores individualistas,

consumistas e de propriedade. Fala-se de uma educação que proponha

fundamentalmente processos críticos, de reconstrução histórica, prático e

participativo; “um processo educativo antiautoritário, essencialmente aberto e

criativo.” (NOSELLA, 2002: 89)

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“Trata-se como se vê, de uma educação essencialmente prática e

historicista que rompe com as concepções metafísicas e abstratas,

pois não existe um “ordenador” fora das práticas humanas nem

mesmo uma relação independente da relação como o homem; como

também não é concebível o indivíduo humano fora da sua classe

social ou fora da luta entre as classes. É no interior das lutas, na

forma que modernamente se desenvolvem, que acontece o processo

educativo do novo cidadão. Por ser um processo de classe e,

portanto, social, o novo educador coletivo é o Partido que, visível ou

invisivelmente, faz os diagnósticos, organiza as atividades educativas,

levanta prioridades e avalia resultados.” (NOSELLA, 2002: 89)

Evidente que o momento histórico, apontava para Gramsci o partido político

com real possibilidade de construir uma nova sociedade, para ele, os intelectuais

desempenham a sua função no partido político. Os partidos políticos possuem papel

importante no âmbito da política e também apontam influência na organização da

educação e da cultura na sociedade.

Com forte vínculo junto aos movimentos sindicais e populares, os partidos

vêm sofrendo nos últimos tempos as mudanças que afetaram significativamente

estes movimentos. A reestruturação produtiva que alargou ferozmente o

desemprego em massa e gerou por conseqüência o enfraquecimento dos

movimentos sindicais, somada a privatização do Estado, a desarticulação dos

movimentos sociais, a desproteção social e a expansão do mercado financeiro;

trouxeram aos partidos políticos um readequamento na ação e no discurso ora

assemelhando-se entre si (independente de posição política), ora defendendo

proposta simplórias e inviabilizadas, dada a complexidade da sociedade atual.

Desta forma, outros atores tomam o campo educativo com vistas à

transformação social. Pode-se aqui mencionar os Conselhos de Direito, de peso e

real importância na regulação da política social hoje, na luta por direitos e no

controle do Estado, pode-se falar de organizações do terceiro setor comprometidas

com a luta democrática, os Movimentos dos Sem Terra nas áreas rurais e dos Sem

Teto nos centros urbanos que bravamente sobrevivem ao caos. Todavia, diante do

foco desta dissertação, um ator importante na operacionalização da ação educativa

defendida por Gramsci é o projeto ético-político profissional eleito pela categoria dos

assistentes sociais. No entanto,

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―[...] a cruzada antidemocrática do grande capital, expressa na cultura

do neoliberalismo (que, entre nós, é conduzida por setores político-

partidários que se dizem vinculados a um projeto social societário

socialdemocrata) é uma ameaça real ao projeto profissional do

Serviço Social.” (NETTO, 2000: 107)

Não se defende aqui o projeto profissional como uma entidade de vida

própria, mas como a direção social e política para onde aponta a profissão. Evidente

que a ação educativa seja efetuada pelos agentes profissionais em seu cotidiano,

ocupando muitas vezes espaços contraditórios, com condições objetivas bastante

limitadas.

Nos últimos anos, o assistente social vem sendo requisitado para

operacionalizar a ação educativa em seu exercício profissional através de trabalhos

tidos como ―socioeducativos‖. São trabalhos de acompanhamento a famílias,

adolescentes, jovens e idosos que, prioritariamente, através de grupos, desenvolve

atividades na ótica do reconhecimento do direito e do exercício da cidadania.

Quanto ao termo socioeducativo passa a ser amplamente divulgado a partir

da década de 90 com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que extingue o

antigo Código de Menores e passa a trabalhar com o adolescente autor de ato

infracional através de Medidas Socioeducativas. O ECA explicita quais são as

Medidas Socioeducativas (advertência, obrigação de reparar o dano; prestação de

serviço à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação), mas, não

aponta como estas ações devem ser desenvolvidas. Devem, no entanto, ter por

objetivo o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, conforme preconiza a

lei.

Apesar de ganhar nova conotação, buscando eliminar o caráter estritamente

punitivo da legislação, as Medidas Socioeducativas inevitavelmente ainda trazem em

si a adequação do adolescente autor de ato infracional ao meio social em que vive.

“Um segundo aspecto refere-se à própria nominação – também

ambígua – do termo socioeducativo quando associado aos programas

de transferência de renda. O termo socioeducativo é o mesmo que

rege medidas legais junto aos adolescentes em conflito com a lei.

Ressalte-se com esta identificação que o termo é identificado com um

contexto que se vincula à noção de problema e de norma. Essa

terminologia é construída no campo da normatização.” (Vitalle, 2008)

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A tentativa de unir o termo educação ao velho termo social traz a idéia de

uma educação socializadora para aqueles que dela precisam e assim podemos

entender que se trata de uma forma velada de adequação social.

Fato é que o termo socioeducativo está banalizado e é utilizado sem

ressalvas, como se seu significado já fosse compartilhado por todos. Nos textos que

fazem uso do termo socioeducativo na atuação com grupos, socioeducativo não é

conceituado, destrinchado; mas utilizado como pressuposto de um entendimento

comum.

Considerando as polêmicas em questão e após exaustiva pesquisa em busca

de conceituar o termo, partiu-se para a pesquisa de campo no intuito de verificar o

que os agentes profissionais entendem por socioeducativo e como este acontece em

seu cotidiano.

Atentando-se para a proposta do grupo focal, onde cartões disparadores com

um tema para discussão eram sorteados, chegou inevitavelmente à vez de discutir o

tema: ―Socioeducativo é...‖.

Ao se deparar com a questão, o grupo fez longo silêncio, os integrantes se

entreolharam, um deles começou a assobiar, para fugir da discussão. O silêncio

começou a pesar até que uma participante exclamou em alto e bom tom:

“Gente é um social educativo! (risos)”

O grupo descontraiu, todos riram com a obviedade da colocação da colega. E

encorajada por esta, outra participante se manifestou:

“Tudo que envolve o educativo e o social é difícil de explicar porque

não tem receita, é processo. São relações, interações e não tem

receita.”

Quando a participante menciona que não há receita, ela faz uma junção em

explicitar o que é o socioeducativo com a forma de como este se operacionaliza.

Falar de relações, interações, desperta a reflexão sobre a importante participação do

Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais10:

10

Para CARVALHO e IAMAMOTO a definição de relações sociais compreende: “[...] cabe reafirmar que a

reprodução das relações sociais não restringe a reprodução da força viva de trabalho e dos meios objetivos de

produção (instrumentos de produção e matérias- primas). A noção de reprodução engloba-os, enquanto

elementos substanciais do processo de trabalho, mas também, os ultrapassa. Não se trata apenas da reprodução

material no seu sentido amplo, englobando produção, consumo, distribuição e troca de mercadorias. Refere-se

à reprodução das forças produtivas e das relações de produção na sua globalidade, envolvendo também a

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“Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da

totalidade do processo social, a reprodução de determinado modo de

vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e

de trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em

sociedade.” (IAMAMOTO & CARVALHO, 2001: 72)

Para o Serviço Social o trabalho socioeducativo é uma mediação profissional

que tem como pano de fundo a participação no processo de reprodução das

relações sociais, sem dúvida, envolvendo o campo minado de forças, como aponta

CARVALHO e IAMAMOTO:

“Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos

que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital

como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela

mediação de seu oposto. Participa tantos dos mecanismos de

dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma

atividade, da resposta as necessidades de sobrevivência da classe

trabalhadora e da reprodução do antagonismo, nesses interesses

sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da

história.” (2001:75)

Este movimento revela a totalidade do exercício do trabalho do assistente

social que envolve também as atividades socioeducativas. E mesmo que estas

atividades sejam realizadas também por outras disciplinas profissionais, como a

psicologia, a pedagogia e as ciências sociais, também implicam este caráter de

reprodução das relações sociais, principalmente no que tange os trabalhos da

política de assistência social, como é o caso do PAIF.

Aquecidos pelas colocações anteriores, o grupo focal estabelece uma

discussão a respeito do socioeducativo, relatada a seguir:

“– Eu penso no grupo, mas eu também penso no individual. Eu penso

em todas as possibilidades de intervenção que é reflexivo, que você

vai além do que a pessoa está te pedindo. O porquê você está nesta

condição? E fazer uma análise de sociedade com ela num

atendimento individual, o que é possível. Agora os frutos de um

trabalho socioeducativo individual e grupal são diferentes. O grupo ele

é muito mais efetivo, proporciona um crescimento das pessoas do

reprodução da produção espiritual, isto é, das formas de consciência social jurídicas, religiosas, artísticas ou

filosóficas, através das quais se toma consciência das mudanças ocorridas nas condições materiais de

produção”.

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grupo, eu acredito muito mais no grupal do que no individual, mas ele

é possível no individual.”

“– Eu concordo. Neste sentido, de que o socioeducativo intenciona a

sua intervenção, seja no atendimento individual ou de grupo.”

“– Tudo é educativo! Ele pode ser educativo para te alienar, te manter

onde está ou para provocar transformação.”

“– Sim. Para mim todas as ações, intervenções podem ser

socioeducativas. Agora quando você fala de função educativa você

fala de raiz, como este profissional se reconhece. Você se reconhece

como educador? Se você se reconhece como um educador você terá

uma função educativa, agora dificilmente quem não se reconhece

como educador exercerá uma função educativa. Entende a diferença

de socioeducativo para mim? Socioeducativo é a intervenção em si

que pode ser individual, pode ser coletivo.”

Diante das colocações dos participantes, percebe-se que a nomenclatura

educativo, socioeducativo se misturam, tornado-se sinônimos muitas vezes e, refere-

se a um modo de intervenção profissional para estes assistentes sociais. Um deles

explicita a necessidade do profissional se reconhecer um educador e menciona que

o socioeducativo intenciona a ação profissional.

As gestoras entrevistadas também seguiram uma linha de raciocínio parecida

em sua explanação, quando questionadas sobre o que é o socioeducativo:

“[...] o termo socioeducativo seria ações, estratégias, dinâmicas que

você utiliza para desenvolver um trabalho com as famílias de forma

participativa, onde as pessoas se sintam não como aquele grupo em

que eu vou para ouvir alguém falar, isso é uma palestra, em alguns

momento você tem conteúdos e você vai levar os conteúdos. Mas, o

socioeducativo ele tem uma das atribuições importante a serem

feitas, de você poder proporcionar que as pessoas sintam no grupo

como espaço onde elas constroem o conhecimento a partir de coisas

que elas têm, potencialidades que elas têm e não onde eu só estou te

passando conhecimento. Acho que seria isso.”

“Proporcionar a reflexão, por exemplo, da sua vida familiar, a partir

desta reflexão as questões que podem ser modificadas, que questões

são próprias de mudança de comportamento da própria família, que

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questões são próprias de uma estrutura que precisa ser apoiada,

recursos que essas famílias têm que acessar para anunciar seus

acessos de direitos, fortalecimento de repasses financeiros, pensar o

quanto as pessoas e famílias, crianças e adolescentes, estão nesta

situação por conta de uma estrutura opressora, do quanto você pode

transformar estas relações no seu cotidiano, fortalecendo essas

pessoas, lutando pelos seus direitos, participando ativamente, sendo

propositivos dentro das escolas, tendo uma postura de

questionamento: porque que as crianças são ruins? Porque as

crianças não querem ir para a escola? É as famílias que são

negligentes, entendeu? Eu acho que este é um objetivo

importantíssimo, a família entender que ela não é negligente, ela é

fruto de um processo de exclusão permanente e, que ela tem sim,

uma série de questões de que ela precisa mexer, mas que é próprio

do processo que ela esta vivendo.”

Também definem o socioeducativo como uma intervenção profissional, uma

ação. Entretanto, não se trata de qualquer ação, mas de uma ação crítica, reflexiva e

que possa fomentar mudanças, possa ampliar a percepção dos usuários para um

entendimento mais totalizante da realidade em que estão inseridos. O usuário torna-

se, peça fundamental de participação e construção do atendimento qual está

inserido, seja grupal ou individual. Trata-se de uma intervenção que é construída

com o outro a partir do conhecimento trazido pelo usuário (sua realidade, suas

relações, suas estratégias de vida) e do acúmulo do assistente social:

“[...]. eu acho que para o Serviço Social principalmente você utiliza de

conhecimentos, de educação popular que você tem, da psicologia,

em fim, de vários conhecimentos que na nossa formação a gente

adquire para poder proporcionar espaços onde o conhecimento seja

construído a partir do teu conhecimento e a partir do conhecimento e

potencialidades que as pessoas trazem nas suas vivências no dia-a-

dia.”

Entende-se que o nome ―socioeducativo‖ foi ganhando peso na tentativa de

diferenciá-la da educação formal ou até mesmo da alfabetização para adultos. Tem

força de se definir como social antes de mesmo de se definir como educativa para

explicitar de ante mão o campo no qual estabelece relação, que é o social.

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“Eu acho que socioeducativo é conseguir o processo de reflexão, de

crítica permanente da pessoa. Por isso que é educativo, mas é social,

são pro social, para todos os aspectos que eu quero levar o

educativo, outra forma, novas formas de ver e se relacionar para

todos os aspectos da vida daquela pessoa. Eu acho que tem essa

amplitude o socioeducativo. Talvez deva ter determinações teóricas

um pouco mais concreta, eu tô falando um pouco do meu ponto de

vista.”

Mal sabe a colega que o tema carece e muito de produções teóricas e por

este motivo é interessante observar que sua conceituação para esta pesquisa

necessitou do processo de investigação de campo, da interação da pesquisadora

com os sujeitos pesquisados, para coletivamente construir o que será o

socioeducativo. Parece que a unidade teoria-prática prevaleceu neste caminho.

Não se quer, todavia, elaborar um conceito que se configure como verdade

absoluta e rígida do que é o trabalho socioeducativo. Entendendo também, que cada

vez mais se trata de uma atividade interdisciplinar e complexa. O foco desta

pesquisa, porém, é buscar no cotidiano o socioeducativo desenvolvido pelos

assistentes sociais, é olhar para estas atividades com o olhar do Serviço Social, a

luz de suas produções teóricas e de seu projeto ético-político profissional. O

momento atual torna esta investigação fundamental dado o advento do SUAS e da

abertura de um espaço de trabalho para os assistentes sociais no PAIF.

No SUAS o acompanhamento socioeducativo às famílias passa a integrar as

ações do assistente social no contexto da política de assistência social nos territórios

através do PAIF. Muitas vezes este acompanhamento se refere a ações junto às

famílias que não estão cumprindo as condicionalidades dos programas de

transferência de renda e/ou famílias que estejam em situações de risco.

Em um dos documentos do MDS sobre o desenvolvimento do SUAS11, a

atividade socioeducativa é abordada exclusivamente em grupo e é definida como

“No Grupo Socioeducativo (GSE). Enfatiza-se a difusão de

informação e a articulação com a comunidade. O GSE trabalha temas

básicos e atividades de interesse das famílias promovendo a

informação e o empoderamento das famílias para a superação de

problemas, bem como mobilizando para ações de interface

11

“Orientações para o acompanhamento das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no âmbito do

Sistema Único de Assistência Social – SUAS . Versão preliminar.”

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intersetoriais. Poderá se constituir em um espaço de discussão de

potencialidades e projetos das famílias, articulado com o trabalho

comunitário. Todas as famílias serão convidadas ao GSE, tendo

prioridade aquelas em descumprimento de condicionalidades. A

participação não é obrigatória (obrigatório é o cumprimento das

condicionalidades). Haverá pelo menos um GSE, em funcionamento

contínuo, em cada território, dependendo do número de famílias

atendidas.” (2006: 55)

Esta definição do trabalho socioeducativo é bastante reducionista. Primeiro

porque privilegia apenas a difusão da informação e a articulação com a comunidade

como conteúdo do trabalho socioeducativo. Segundo, porque possuí foco no

resultado e não no processo, ou seja, no cumprimento das condicionalidades e no

empoderamento das famílias. Estes resultados podem ou não acontecer como

expressão de um processo marcado por inúmeras mediações.

No entanto, o espaço do PAIF configura-se para o assistente social como um

espaço privilegiado de ação, inclusive no exercício de atividades socioeducativa e

onde novas investigações e propostas metodológicas podem ser feitas.

Atualmente, devido ao arraígamento da expressão socioeducativo no

cotidiano profissional, é difícil substituir esta expressão por outra. E sendo assim,

cabe uma elucidação quanto ao conteúdo da expressão, afinando entendimentos.

Em resumo, o socioeducativo se caracteriza como uma intervenção

profissional que tem como campo de atuação as relações sociais em seu processo

reprodução; trata-se de uma atividade que prioriza o processo coletivo, que pode

utilizar-se de metodologias próprias, entretanto, deverá pautar-se fundamentalmente

em processos críticos, de reconstrução histórica, prático e participativo; que

proponha espaços democráticos, essencialmente abertos e criativos.

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CAPÍTULO II

O PAIF EM SANTO ANDRÉ

Localizado na região conhecida como o Grande ABC, região Metropolitana de

São Paulo, Santo André é uma cidade que se destaca pelas ações inovadoras na

área da assistência social.

O Grande ABC é composto por sete municípios sendo Santo André, São

Bernardo do Campo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da

Serra. A denominação ABC vem pelas iniciais de Santo André, São Bernardo e São

Caetano, municípios expressivos na região.

Banhada pela represa Billings e pelo rio Tamanduateí, a região possui

814km², sendo metade do território tomado por áreas de mananciais. Na época do

Brasil colonial, a região serviu de passagem para as tropas da colônia portuguesa.

Posteriormente, seu início é marcado, no século XVI, pelo povoado da Vila de Santo

André de Borda do Campo, hoje cidade de Santo André.

Muito tempo depois, a região toma destaque como um dos maiores pólos

industriais do Brasil, nas décadas de 60 e 70, por abrigar metalúrgicas

automobilísticas, o que dinamizou a economia local. O grande número de

trabalhadores, impulsionou também os movimentos sindicais que tomaram grandes

proporções neste período.

Com uma área territorial de 174 Km² e uma população acima de 648 mil

habitantes, Santo André possuí sua economia ainda focada na indústria, porém com

considerável abertura nas últimas décadas para o setor de serviços. Possuí grande

parte do seu território protegido por áreas de mananciais, sendo 56% do território

total.

A história de Santo André caminha junto à história nacional, ganhando

destaque pela economia marcada pela presença crescente no período

desenvolvimentista de indústrias na região. A economia local trouxe singularidade

para o modo de ser da população andreense, assim como do Grande ABC, com a

movimentação dos movimentos sindical nas décadas de 60-70. Essa movimentação

trouxe repercussão nacional até os dias atuais como aponta Cywinski:

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“As histórias da região do ABC e da cidade de Santo André se

cruzam e se singularizam pelo desenvolvimento industrial e também

pelo papel significativo que tiveram nos últimos 25 anos, o movimento

sindical e os movimentos sociais da região, influenciando

significativamente nos rumos políticos e sociais do país. Na década

de 1980, nas primeiras eleições pós-ditadura, os municípios de

Diadema, São Bernardo do Campo e Santo André elegeram prefeitos

do Partido dos Trabalhadores. Em 1996, 5 dos 7 municípios do

Grande ABC – Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema,

Mauá e Ribeirão Pires – tinham prefeitos e prefeita do PT. E na

década de 2000, por duas vezes – em 2002 e 2006 – Luis Inácio Lula

da Silva, ex-líder sindical e um dos fundadores do PT, é eleito

presidente da república.” (2007: 58)

O primeiro prefeito eleito no município foi do Partido dos Trabalhadores, e

influenciado pelo movimento sindical e pelos movimentos sociais, Santo André abre

uma militância política e uma característica de gestão pública, marcada

principalmente pela gestão do prefeito Celso Daniel, assassinado em 2000.

Na década de 1990, o município passa a perder economicamente, espelhado

na crise nacional. É neste período que as indústrias fogem da região metropolitana

de São Paulo para o interior, além do ―encolhimento‖ da mão de obra devido à

reestruturação e modernização tecnológica dos meios produtivos. A situação social

se agrava em Santo André, marcada principalmente pelo alto índice de desemprego.

Se o ABC se configurava como a ―terra prometida‖ atraindo trabalhadores do Brasil

inteiro em busca de bons empregos, essa característica vai pouco a pouco se

distanciando da realidade enfrentada pela região.

“Segundo dados da Fundação SEADE/1997, 4%, aproximadamente

7.200 famílias de Santo André, configuravam grupos com renda

média mensal de 1,65 salários mínimos e com 5,17 membros por

família o que apenas lhes permitia uma renda mensal média per

capita inferior a 1/3 do salário mínimo, valor insuficiente – segundo a

Organização Mundial de Saúde (OMS) – para cobrir as necessidades

básicas da vida de uma pessoa. Esse condicionante situa a família

em condições de indigência.” (Cywinski, 2007: 64)

A autora aponta ainda, que a situação de risco social destas famílias agravou-

se, uma vez que 1/3 dos membros desses grupos familiares tinham de 0 a 19 anos,

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além do que, esses grupos familiares encontravam-se em territórios de favelas e nos

loteamentos irregulares do município.

Os dados estatísticos apontam que os decênios de 90 e 2000 foram

marcantes no agravamento da vulnerabilidade social de famílias no município de

Santo André, impulsionado entre outros fatores, pelo desemprego em massa. A

pesquisa de Cywinski revela que na década de 1990 o IBGE – Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística apontou Santo André com um crescimento abaixo da taxa da

região do Grande ABC. Entretanto, dados da prefeitura local, informam que o

município “apresentou um padrão de crescimento populacional caracterizado pela

perda da população nas áreas mais consolidadas da cidade e ampliação da

população nas regiões periféricas.12” (2007: 65)

Diante deste contexto, em 1997 o Prefeito Celso Daniel assume a gestão de

Santo André e, num conjunto de esforços com as lideranças políticas locais

(sociedade civil e poder público), busca a implementação de políticas públicas

voltadas para a proteção social, o exercício da cidadania e a inclusão de segmentos

populacionais distante do acesso a bens e serviços.

Uma importante estratégia de intervenção é o Programa de Renda Mínima de

Santo André – Família Cidadã que se discorrerá a seguir.

2.1 – Programa de Renda Mínima de Santo André – Família Cidadã

Santo André se apresenta como o segundo município do Brasil a implantar

um Programa de Transferência de Renda em 1998 com o Programa de Renda

Mínima de Santo André – Família Cidadã (PRMSA-FC), ação inovadora que tinha

como proposta o trabalho intersecretarial dentro do território de atuação.

Este programa estava vinculado ao Programa de Urbanização Integral de

Favelas, configurando ações integradas de cunho intersecretarial em determinado

12

“[ ...] Em 1997, a cidade tinha 138 núcleos de favela, com aproximadamente 120 mil moradores, ou o

correspondente a 18,5% da população do município.” (Cywinski, 2007: 65-66)

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45

território, ou seja, além da transferência de renda, o programa pautava ações

voltadas para a habitação, saúde, educação e desenvolvimento local.

“Além da transferência de renda às famílias e do apoio a

escolarização dos filhos e adolescentes, o PRM trabalha individual e

coletivamente com as famílias, conectando-as a uma série de

serviços e oportunidades decorrentes de ações públicas que estariam

sob responsabilidade de várias secretarias de governo

(Desenvolvimento Econômico e Geração de Renda, Habitação e

Desenvolvimento Urbano e Educação, Saúde, Cidadania e Ação

Social, Cultura e Participação Social). As ações juntos as famílias

seriam desenvolvidas de maneira integrada entre várias áreas da

administração e implementadas nos locais/territórios de moradia das

famílias.” (Cywinski, 2007: 72)

As ações do PRMSA-FC marcam a Política de Assistência Social no

município que busca ações intersecretariais e integradas, partindo de um território de

ação. O PRMSA-FC partia de um território, onde as ações eram concentradas com

vistas a uma mudança significativa. Inicialmente o programa adentrou a favela de

Sacadura Cabral, território marcado por vulnerabilidade e risco13, atendendo 105

13

Por vulnerabilidade entende-se“um somatório de situações de precariedade, para além das precárias

condições socioeconômicas (como indicadores de renda e escolaridade ruins) presentes em certos setores

censitários. São considerados como elementos relevantes no entendimento da privação social aspectos como a

composição demográfica das famílias aí residentes, a exposição à situação de riscos variados (como altas

incidências de certos agravos à saúde, gravidez precoce, exposição à morte violenta, etc.) precárias condições

gerais de vida e outros indicadores”. (Centro de Estudos da Metrópole, 2004:12). Nesse universo entende-se

“que a vulnerabilidade implica em susceptibilidade à exploração; restrição à liberdade; redução da autonomia

e da autodeterminação; redução de capacidades; fragilização de laços de convivência; ruptura de vínculos e

outras tantas situações que aumentam a probabilidade de um resultado negativo na presença de risco”.

(Yazbek, 2008)

A noção de risco ganha particular relevância no pensamento europeu, no contexto de mundialização de

economia que traz consigo a globalização do risco societal “que se associa a um aumento da pobreza e das

desigualdades sociais pela emergência ou amplificação de situações de risco social, através de processos por

vezes muito complexos de ruptura dos equilíbrios sociais à escala local. O desemprego cíclico, os empregos

precários e mal pagos, a insegurança social, a informalização do mercado de trabalho, o trabalho infantil, a

sob exploração das mulheres e dos idosos, as várias discriminações do trabalho, as migrações forçadas de

famílias à procura de ocupação, a marginalização dos pobres e dos que sofrem incapacidade para trabalhar, a

criminalização da droga, da miséria e da revolta, o renascimento dos racismos e da intolerância são apenas

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famílias daquele núcleo. Pouco a pouco o PRMSA-FC foi se ampliando chegando a

atender 1000 famílias em alguns territórios demarcados.

“Inicialmente, a gente já tinha uma experiência em Santo André de

trabalho com famílias a partir do Renda Mínima. Tínhamos uma

experiência que inclusive foi acompanhada pela equipe do IEE, na

época em que Mercedes Cywinski era secretária. Onde a gente

situava um trabalho de acompanhamento familiar dentro dos núcleos

onde estava o projeto Santo André Mais Igual, com 1000 famílias que

estavam incluídas nos programas de transferência de renda era feito

o trabalho de acompanhamento familiar. Então, esta foi a experiência

inicial do trabalho com famílias aqui na cidade de Santo André. Nós

vínhamos atuando com este programa na medida em que entravamos

nos núcleos habitacionais e era uma ação integrada com outras

secretarias, ela tinha esta lógica da intersetorialidade, e as nossas

equipes, elas trabalhavam em duplas com estagiários no

acompanhamento de famílias.” – Gestora 1 da Secretaria de Inclusão

Social de Santo André.

Em 2005 inicia-se o processo de implementação do SUAS em todo o Brasil.

Este processo trouxe mudanças significativas na política de assistência social dos

municípios, tanto na quantidade de beneficiários quanto na padronização dos

serviços. Assim nos relata a gestora entrevistada:

“[...]. esta experiência de acompanhamento familiar a partir de 1000 famílias,

a partir de um lugar fechado, ele acabou se desconstruindo, porque aí nós

passamos a atender as famílias na cidade toda, nossa meta era universalizar

para o conjunto de família que tivesse no corte do instituto PNAD e aí a gente

começou a se perguntar como é que nós vamos fazer o acompanhamento

familiar, ele vai ser dentro, então, dos territórios, na lógica já dos CRAS.”

(Gestora 1)

A lógica a ser seguida preconizada pelo Governo Federal era de

acompanhamento as famílias a partir dos CRAS através do PAIF, programa qual

concentra a observação desta pesquisa.

2.2 – Programa de Atenção Integral a Família – PAIF Santo André

alguns dos Sinai .do sistema econômico em que vivemos, o capitalismo globalizado.” (Hespanha e

Carapinheiro,2002:13)

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O Programa de Atenção Integral a Família – PAIF é o principal serviço de

Proteção Social Básica14, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS

e foi criado em 18 de abril de 2004 (Portaria nº 78) pelo Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS como uma reconfiguração do

Plano Nacional de Atendimento Integrado à Família (PNAIF) implantado no ano

anterior. Tornou-se ação continuada da assistência social, passando a integrar a

rede de serviços financiada pelo Governo Federal (conforme Decreto 5.085/2004).

Dentro da proposta do SUAS, o espaço para o desenvolvimento do PAIF são

os CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, um serviço de assistência

social descentralizado, caracterizado como porta de entrada para a Proteção Social

Básica em regiões de alta vulnerabilidade social e risco, referenciando cerca de 5 mil

famílias por região. Nestes moldes, o PAIF absorve pressupostos do SUAS em sua

execução e desenvolvimento, dos quais se destacam a matricialidade sociofamiliar e

a territorialização.

Como matricialidade sociofamiliar compreende a ação voltada para a família,

não no sentido de responsabilizá-la por sua situação de vulnerabilidade negando

assim a ação do Estado, mas compreendendo-a como um núcleo social básico de

acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social. Preconiza a

defesa do direito à convivência familiar, na proteção de assistência social, superando

o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de

rendimento per capita e a entendendo como núcleo afetivo, vinculado por laços

consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e

mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero.

Desta forma, a concepção do PAIF objetiva retomar a família – entendida e

acolhida em seus mais diferentes arranjos - como unidade básica de possibilidades

de superação de vulnerabilidades sociais, a todos os seus demandantes, de

variados níveis de proteção social.

14

Segundo a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, a proteção social básica tem por objetivos

prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades, e o fortalecimento de vínculos

familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da

pobreza ou privação, como a ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros e,

ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social, como discriminações etárias,

étnicas, de gênero, por deficiências, dentre outras. PNAS2004.

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Já o princípio da territorialização significa o reconhecimento da presença de

múltiplos fatores sociais e econômicos no território em que esta família está inserida,

e, que a levam a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social. Mais que

um espaço geográfico, no território estão impressos as relações, a dinâmica, a

cultura, o modo de ser, os conflitos, as disputas dos indivíduos e famílias. Não se

trata de um conceito a mais, mas de conhecer o território e seus movimentos

multifacetados no cotidiano, no desenvolvimento do serviço público. Do ponto de

vista da gestão, a territorialização busca eliminar fragmentações e pulverizações dos

serviços, tornando-se um importante instrumento.

Os princípios de matricialidade sociofamiliar e território, entre outros, moldam

a atuação do PAIF nos CRAS, programa este de conteúdo substancial da Política

Nacional de Assistência Social.

De acordo com o Guia CRAS15, são pautadas algumas diretrizes

metodológicas para a execução e desenvolvimento do PAIF, tais quais:

1. Articular o conhecimento da realidade das famílias com o

planejamento do trabalho;

2. Potencializar a rede de serviços e o acesso aos direitos;

3. Valorizar as famílias em sua diversidade, valores, cultura,

com sua história, trajetórias, problemas, demandas e potencialidades;

4. Potencializar a função de proteção e de socialização da

família e da comunidade;

5. Adotar metodologias participativas e dialógicas de

trabalho com as famílias;

Seguindo estas diretrizes, cada município elabora suas estratégias de

atendimento de acordo com as particularidades dadas pela realidade regional.

Todos os municípios brasileiros receberam tais orientações, além de

formações e capacitações de gestores para a implementação da Proteção Social

Básica e do PAIF.

Cabe ainda destacar, que o SUAS preconiza uma equipe mínima16 para atuar

junto aos CRAS no desenvolvimento do PAIF que conta de forma imprescindível

15

Documento elaborado pelo MDS para orientar a implantação da Proteção Social Básica nos municípios.

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com assistentes sociais. Este novo espaço de trabalho que surge para a categoria,

impulsiona a uma reflexão sobre a atuação dos assistentes sociais e, de acordo com

suas diretrizes, o PAIF torna-se um campo privilegiado de atuação profissional.

Outro dado importante é a alteração na dinâmica que o SUAS trouxe para a

política de assistência social dos municípios, como relata a gestora de Santo André:

―Na época da implantação do PAIF em Santo André, nós, então,

vivíamos naquele momento, uma situação de ampliação – e acho que

isso não foi só em Santo André, mas a nível nacional – nós tínhamos

um momento de ampliação dos programas de transferência de renda

de forma significativa e nós passamos de 1000 famílias que a gente

acompanhava, para cerca de 18.000 famílias.‖ (Gestora um)

Trata se de uma ampliação em 18 vezes o número de beneficiários dos

programas de transferência de renda em Santo André o que é muito significativo.

Apesar do Governo Federal, encaminhar o cartão magnético diretamente para a

casa do usuário; é o município quem tem que cadastrar os usuários, acompanhar o

cumprimento das condicionalidades pelas famílias, além de elaborar proposta de

acompanhamento sistemático de casos específicos, referenciando estas famílias aos

CRAS. Todo este trabalho implica uma logística muito grande que requer um número

suficiente de profissionais, além de espaço e recursos materiais.

No entanto, Santo André, assim como outros municípios enfrenta dificuldade

para a contratação de pessoal com o recurso repassado pelo Governo Federal, o

que causa inevitavelmente impactos no trabalho desenvolvido.

“Num primeiro momento, financeiramente, utilizar o recurso do PAIF

tinha uma série de limitações e entre essas, a principal – e acho que

isso é um desafio – a questão de não contratar equipe técnica usando

recurso federal. Isso daria um gasto a todos os municípios, eu

acredito, porque você passava a ter um subsídio de co-financiamento

para ampliar as equipes técnicas. Então, nós pensamos que se de um

16

De acordo com a Norma Operacional do SUAS – NOB RH (2006) a composição e equipe mínima de

referencia no CRAS é :

Município Famílias Referenciadas Técnicos de Nível Superior Técnicos de Nível Médio

Pequeno Porte I Até 2.500 2 (um assistente social e um

psicólogo)

2

Pequeno Porte II Até 3.500 3 (dois assistentes sociais e

um psicólogo)

3

Médio e Grande Porte,

Metrópoles e DF

Até 5.000 4 (dois assistentes sociais e

dois psicólogo)

4

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50

lado a gente não tinha como montar tantos CRAS quantos

necessários na cidade e contratar quantas equipes fixas fossem

necessárias, por outro lado nós entendíamos que este recurso podia

potencializar um trabalho com famílias nestas regiões.” (Gestora 1)

Com o objetivo de resolver este impasse, a secretaria assume o modelo de

co-gestão no município, em que é estabelecido uma parceria com Organizações Não

Governamentais – ONGs para a contratação de profissionais e execução do serviço:

“[...] em cada CRAS tem servidor direto da prefeitura e equipe

contratada pela organização parceira e com uma direção que quem

dá a coordenação, quem define as diretrizes deste trabalho é sempre

necessariamente os servidores. Então, em tudo a gente está mais na

frente pra definir, decidir sempre com os servidores que a gente

considera os gestores do serviço e a equipe contratada vai

acompanhar, vai executando também. Mas, para não perder o foco

mesmo, o servidor que está lá no CRAS não perder o foco de que a

ação é responsabilidade nossa, de que aquela porta aberta é uma

responsabilidade pública municipal. Isso exige um jogo de cintura.”

(Gestora 2)

Evidente que este arranjo traz conflitos, principalmente na construção da

identidade do serviço ofertado, já que nem sempre ONG e poder público possuem

os mesmos princípios e valores. Além disso, a PNAS preconiza que o serviço seja

―público estatal‖ e diante de uma co-gestão este principio pode ficar ameaçado.

Os CRAS e o PAIF são serviços da Secretaria de Inclusão Social que tem o

Departamento de Assistência Social – DAS, que conta com as equipes de Proteção

Social Básica e Proteção Social Especial, além do programa Santo André Mais Igual.

No Setor de Proteção Social Básica está a coordenação dos CRAS no

município, bem como, de todas as ações e serviços da proteção social básica.

Atualmente o município conta com 4 CRAS nas áreas de maior vulnerabilidade

sendo:

CRAS Centro, responsável também pelo cadastramento

das famílias nos Programas de Transferência de Renda;

CRAS Cidade São Jorge;

CRAS Vila Luzita;

CRAS Recreio da Borda do Campo.

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Estão envolvidos no trabalho 16 assistentes sociais entre concursados e

contratados pelas ONGs, na ocasião da pesquisa.

A seguir, a gestora relata como está a estrutura do PAIF em Santo André:

“Como é que a gente vem trabalhando na lógica do PAIF? Nós temos

uma equipe de acolhida, esta equipe tem sido a responsável também

por fazer toda a relação com o território, o diagnóstico, a mapeação.

A gente tem conseguido trabalhar, não ainda de uma forma ideal,

mas estamos avançados, na articulação dos atores, desde as

organizações não governamentais como governamentais, uma equipe

local que tem realizado encontros mensais. E com as famílias a gente

vem atuando, principalmente as atividades do PAIF, elas foram

ficando no primeiro momento da entrada da equipe fixa no CRAS e,

do referenciamento das famílias. Nós priorizamos fazer um caminho

que naquele momento a gente achava importantíssimo, mas que por

um lado ele foi um desafio para as nossas equipes que era de

priorizar o referenciamento nos CRAS das famílias em situação de

risco, entendendo que as famílias em situação de risco precisavam

estar acompanhadas pelo CREAS dentro das especificidades de

risco, mas que elas moram no território e seria importante que elas ali

no território tivessem um apoio, um fortalecimento dos seus acessos,

principalmente no envolvimento das atividades socioeducativas, essa

foi a forma como a gente foi conduzindo. Ao fazer isso, levou para a

equipe dos CRAS um momento de muita dificuldade porque de

repente eles se viram com situações de muita complexidade, e aí a

gente precisou inclusive de um processo de reavaliar... peraí, né!?

Nós não queremos que a equipe do CRAS se debruce sobre as

especificidades porque isso continua no CREAS, mas isso mexeu

com a equipe, porque a equipe de repente teve que lidar com

algumas situações que eles até então, não vivenciavam em sua rotina

cotidiana, de alguns riscos que apareciam.”

Pelo fato de Santo André possuir uma história na assistência social marcada

por ações intersecretariais e integradas, o PAIF já em seu início tem uma equipe

territorial do Programa Santo André Mais Igual17 que conta com representantes de

17 Segundo a Prefeitura de Santo André “o Programa Santo André Mais Igual consiste na aplicação conjunta e

simultânea, num mesmo território da cidade, de 19 programas sociais voltados à inclusão social, os quais são

gerenciados de forma descentralizada e participativa, favorecendo a complementaridade das ações e permitindo

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outras pastas, como saúde, educação, habitação, para discutir e encaminhar

questões locais. Este aspecto é um avanço, comparando a outros municípios que

primeiro concentram esforços no atendimento dos CRAS para então inserir ações

em rede e, que muitas vezes tem grande dificuldade de contar com representantes

de o próprio poder público.

Um aspecto bastante ousado desta gestão é a opção de atender nos CRAS,

através dos grupos socioeducativos, prioritariamente as famílias em condição de

risco acompanhadas pelo CREAS. Um dado de realidade que pouco a pouco vem

se manifestando é que Proteção Social Básica e Proteção Social Especial não são

separadas sistematicamente no cotidiano das famílias atendidas e nos territórios de

atuação. Então naquele momento, a equipe entendeu que apesar da família ser

acompanhada pelo CREAS, ela estava referenciada pelo CRAS em seu local de

moradia e necessitava deste suporte local.

Este caminho trouxe aos profissionais muita angústia e um questionamento

do seu papel enquanto CRAS, como se segue no diálogo do grupo focal:

“ – Essa discussão de CRAS e CREAS precisa acontecer. Aumentar

a equipe do CREAS é urgente porque a gente que é CRAS é porta

aberta e você pega todo o tipo de demanda, muitas situações de

violação de direito. Estamos atendendo as demandas do CREAS

também. É arriscar demais a equipe que está no território, o trabalho

que vem acontecendo lá, porque são situações de risco, violência,

ameaça de morte. E a equipe fica lá...”

“ – É que a nossa origem de CRAS a gente começou atendendo

famílias em risco. Mesmo que não fosse, o serviço é porta aberta,

mas começamos assim.

“ – Mas, neste processo a gente vem aprendendo muito. O que ficou

escancarado para mim numa capacitação: „vocês são centro de

REFERÊNCIA, não são centro de ATENDIMENTO‟. Isso mudou

muito para mim, compreender melhor. E é um processo que está em

construção mesmo. A gente tem que ter a santa paciência.”

um diagnóstico mais preciso e uma leitura mais global das famílias atendidas, de forma a alcançar uma maior

eficácia e efetividade no conjunto das políticas desenvolvidas visando alavancar um padrão de inclusão digno

para essas comunidades.”

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Há uma especificidade para o atendimento de risco e violência. A

preocupação da profissional aponta para o CRAS como um serviço que está no

território e que os profissionais se tornam inevitavelmente conhecidos da

comunidade. Se há uma situação de ameaça de morte e a família busca acolhida no

CRAS, a comunidade possivelmente saberá que ela foi atendida por aquela equipe

de referencia e, desta forma, é o profissional quem fica em situação vulnerável no

território.

Outra questão que se levanta é a respeito da especificidade do atendimento

do assistente social nos CRAS. Se a história ―condenava‖ o profissional a ações

assistencialistas como a distribuição de cestas básicas, remédios, hortenses e

próteses; com a implementação do SUAS estas ações se tornam cada vez mais

pontuais ou inexistentes. Uma hipótese para tal fenômeno é a ampliação dos

Programas de Transferência de Renda em nível nacional. Entretanto, existem novas

ações a serem realizadas como o atendimento as violências, violações de direito,

situações de risco que exigem do profissional um olhar e uma atuação voltados para

estas questões, o que pode mexer inclusive com a formação do assistente social:

“[...] eu acho que também a gente não pode no trabalho do dia-a-dia

dos CRAS e do PAIF ficar muito preocupada em ter uma formação

(especifica) porque, não sei se é por conta da nossa realidade, o fato

é que começar com grupos de risco levou a uma angústia das

equipes que todo mundo tinha que ter formação para trabalhar... eu

tenho, então, que ter grupos de trabalho terapêutico, por exemplo,

então, é algo assim de buscar, de fortalecer a formação de nossas

equipes no trabalho de acompanhamento familiar. Mas, eu acho que

a nossa formação já nos proporciona espaços de reflexão e de troca

e de construção do conhecimento, e só isso, se a gente fizer um

trabalho integrado aos grupos, não de superioridade, de quem olha

de cima, mas de quem está junto com aquele grupo e que acredita

que aquele grupo tem uma potencialidade, que acredita...porque eu

acho que a gente tem alguns pré julgamentos : “ah! “essas mães que

tem os filhos na rua são mães que não querem participar do grupo”

ou “são mães que não vão achar saída para estas situações” né? E

quando você começa a vivenciar uma experiência com estas famílias,

você observar que tem muitas potencialidades adormecidas.”(Gestora

1)

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De fato a profissão tem um novo cenário que exige a construção de novas

respostas. O SUAS passa a ser operacionalizado e o contato eminente com a

realidade traz descobertas e desafios, anteriormente inimagináveis. Todavia, o que

se aponta cotidianamente é a urgência dos assistentes sociais romperem com o

tradicionalismo, criando um caráter investigativo em sua ação, distanciando-se de

respostas prontas ou conhecidas e receitas interventivas.

“Eu acho que o PAIF ele tem uma potencialidade muito forte de que

se você estiver despojada e romper com o tradicional. Se você ficar a

tarde toda dentro do CRAS, esperando que a família venha,

atendimento individual... Eu acho que a gente ainda, neste

momento, não sei ainda dimensionar qual é, mas ainda tem um

conflito, você fica nos CRAS, você espera as pessoas vir te procurar

ou você entra no território e começa a atuar lá dentro, ver onde as

pessoas estão, reconhecendo seus espaços, reconhecendo suas

potencialidades?” (Gestora 1)

Configurar-se como um serviço de porta aberta emerge uma polêmica ainda

não solucionada na política de Assistência Social: o CRAS nos remete a um Plantão

Social dos tempos de outrora? A PNAS preconiza que o Plantão Social fique no

CREAS como Proteção Social Especial, entretanto, quando surgir um caso de risco

no CRAS de uma família já referenciada, este não deve atender? E se atender,

como resguardar a equipe local?

O caminho que se aponta é de construção, entendendo a realidade de cada

município. Entretanto, para o Serviço Social, aponta-se um momento de se

aprofundar em questões que anteriormente eram consideradas específicas de

alguns assistentes sociais apenas. A violência, o risco social e a violação de direitos

fazem parte do dia a dia dos CRAS e se faz necessário o entendimento destas

questões que muitas vezes ficavam num segundo plano profissional, já que as

condições objetivas e materiais das famílias eram as que tomavam grande parte do

atendimento. Hoje, a ampliação dos Programas de Transferência de Renda – PTR

dinamizou os territórios ampliando o leque de demanda dos CRAS. Instala-se uma

nova cultura, onde a família já não questiona mais a cesta básica, mas busca

informações de como se inserir nos PTR e faz parte do atendimento do CRAS

colocar estes programas na ótica do direito e da cidadania.

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Por não se tratar de uma política universal, é evidente que os profissionais

ainda se deparam com situações degradantes, onde a necessidade financeira e

material é urgente. Todavia, este cenário vem mudando pouco a pouco, abrindo

espaço para novas demandas.

Apesar de em sua fala a gestora considerar que todo o assistente social pela

sua formação possui condições de proporcionar espaços reflexivos e de construção

do conhecimento junto com as famílias, é interessante observar as condições

objetivas que os profissionais têm para tanto, inclusive questionando como esta

abordagem pode ser feita no território, com a atuação fundamental da equipe do

CREAS e resguardo da equipe local. Também cabe questionar a demanda imposta

ao CRAS que vem de outras instâncias governamentais e que diante de uma equipe

reduzida, impõem dificuldades para a realização de um trabalho continuado:

― – Nós trabalhamos com a bola da vez. Por exemplo: a bola da vez

agora é o Pró-Jovem, pára tudo e vamos fazer todos os cadastros do

Pró-Jovem. Não tem continuidade...”

“ – A gente pouco discute e pouco planeja, é tudo no emergencial,

mesmo. O que eu vejo é isso, é pouco conversando e as atividades

acabam sendo individualizadas, mesmo.”

“ – Não há trabalho periódico. Não é um trabalho que tem

metodologia, que é sistematizado. São trabalhos pontuais, uma coisa

contínua não tem.”

Romper com o tradicional no serviço dos CRAS impõe aos

profissionais uma atuação crítica, reflexiva, de construção em parceria com o usuário

de espaços de participação e de alternativas, mas, impõe também um novo modelo

de gestão que abra espaço para um trabalho planejado, sistematizado e avaliado

continuamente, com equipes suficientes para a realização do trabalho e que paute

momentos de supervisão e de formação, respaldando assim, o trabalho de campo.

“Esse encontro mensal que a gente faz é nosso, gestão com a

equipe, é mais para garantir planejamento do trabalho, não deixa de

ser uma capacitação. Mas, este outro, mais formal é com a Profª.

Mercedes, são seis meses de supervisão e capacitação que ela está

concluindo agora em outubro. Esta sim tem a característica de

capacitação e ela é muito legal. Vale a pena investir em trazer uma

pessoa, no nosso caso a Mercedes tem sido excelente, mas, uma

pessoa para ajudar as equipes a fazer esta reflexão, para refletir

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sobre o trabalho. Mesmo que a gente pare para ler um texto, ter uma

pessoa com este objetivo especifico é diferente, é um investimento

que vale a pena.”(Gestora 2)

Construir espaços de capacitação, supervisão e planejamento levanta

a perspectiva de romper com a ótica do imediatismo e obter um elo entre trabalho

de campo e gestão, com seus avanços e especificidades, garantindo condições de

trabalho compatíveis com os objetivos a serem perseguidos pelas equipes. Evidente

que estas dificuldades não são exclusivas de Santo André, mas revela um momento

nacional da política de assistência social.

Atualmente o PAIF em Santo André está concentrando esforços em

ações coletivas, em formar grupos socioeducativos:

―E um passo que a gente está agora com mais dedicação são as

questões mais grupais, mais de fortalecimento destas famílias não só

no atendimento individual, na liberação de benefícios, na inserção de

programas, mas o que o PAIF propõe como diretriz maior: as

atividades grupais, proporcionar uma convivência mais grupal e

comunitária...” (Gestora 2)

Todos os CRAS do município estão organizando os grupos

socioeducativos, além disso, contam com o programa Pró-Jovem Adolescente, a

acolhida – o atendimento individual ou grupal para orientação, encaminhamentos e

contra-referência; porta de entrada para o contra turno escolar do município (as

inscrições e triagem para vagas são realizadas nos CRAS) e oficinas para a

comunidade com o objetivo de geração de renda.

“Nós temos pouco tempo de trabalho, nós fizemos sim o exercício de

ir para o trabalho coletivo, os grupos socioeducativos e nós estamos

até com formação voltado para este tema. Só que tem diversas

coisas no meio do caminho, estamos com uma equipe super

reduzida. A gente tem feito este trabalho de rede, claro que precisa

avançar, precisa ampliar, mas já fizemos reuniões com a saúde, com

a educação.” (participante Grupo Focal)

Não se pode negar o esforço do município para a implementação do

SUAS, na busca constante de responder demandas, avançar na proposta da PNAS

e superar as dificuldades objetivas.

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Um sujeito fundamental neste processo, mesmo que a distância, é o MDS

com publicações, orientações e capacitações para os municípios:

“Nós estamos num momento usando como referência muito

fortemente a Política de Assistência Social, o SUAS, a forma como

está organizado, o porquê da centralidade na família, o porquê da

importância do território, o porquê da importância da análise das

informações, dos dados de realidade daquela região, quais são as

situações de risco, formas de buscar conhecimento com as outras

secretarias.” (Gestora 1)

“A gente tem pegado mais textos do próprio governo federal que vem

falando do SUAS, sobre o PAIF, sobre os CRAS. Recentemente a

gente retomou, até como processo de construção mesmo, o texto

sobre o PAIF. Porque a gente começou a avaliar: Tudo bem, nós

avançamos várias ações, mas é isso, a gente avança, avança,

avança, mas a demanda... A porta aberta na comunidade trás tantas

demandas que espera aí, vamos retomar aqui quais são as diretrizes

maiores que a gente quer perseguir com este trabalho. Tem uma

porta aberta, tem um público que demanda o tempo todo, mas tem

diretrizes que eu também quero imprimir neste trabalho. Então, é um

texto sobre o PAIF... de vez em quando a gente vai lá à NOB-RH,

NOB-SUAS, até porque o governo federal tem produzido textos de

muita qualidade, qualidade técnica, de escrita, os documentos do

SUAS, NOB-RH, sobre o PAIF, outros assuntos, é legal. É uma

produção muito legal, nunca o governo federal produziu tantos textos

com tanto peso, tanta qualidade que te ajude a refletir e num curto

espaço de tempo. Então, o que a gente mais tem utilizado de material

teórico são os textos do governo federal. “ (Gestora 2)

O material desenvolvido pelo MDS é rico e aponta diretrizes para o

trabalho. Entretanto, trata os temas de forma conceitual e genérica, até porque a

realidade do Brasil é bastante diversa e cada região possui suas particularidades

que surgirão, evidentemente, no trabalho. Os municípios também possuem

responsabilidade crítica diante do material ofertado; de munir o MDS com uma

análise crítica da realidade em que vivem, aprofundando pontos que são discorridos

genericamente e que só obtêm sentido quando entrecruzados com vidas, territórios

e relações.

Outro ponto, refere-se ao papel profissional do Serviço Social e da

Psicologia nestes espaços, o conhecimento competente de sua área de atuação é

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elemento fundamental para que a discussão interdisciplinar ocorra. Neste sentido, a

evolução da política de assistência social nos aponta um cenário complexo que

exige formação profissional continuada e um movimento incessante em busca da

unidade teoria e prática.

Todavia, estes profissionais observam este momento com bastante

otimismo:

“A minha leitura é que enquanto profissional de Serviço Social a

gente está vivendo um momento áureo, para a assistência social um

momento histórico. Como a gente viveu momentos no Serviço Social,

acho que estamos vivendo um agora. Daqui há 10, 20 anos é que a

gente vai dizer o quanto este momento é promissor e está marcando

a história do Serviço Social. É de fato implementado os serviços como

política, conhecidos e implementados. Vai demorar ainda um tempo,

mas de fato a profissão ganha, os profissionais, ganham , o publico à

que ela se destina ganha e este momento para mim, vai ficar como

um momento histórico. É o Serviço Social antes do SUAS /PAIF e o

Serviço Social pós este momento.” (Gestora 2)

Este é o momento em que a ―prima pobre‖ da seguridade social assume as

rédeas na construção de uma nova história, marcada pelo embate político e pelo

enfrentamento de reais dificuldades. Um novo momento para a assistência social se

aponta, entrecruzando num momento impar para o Serviço Social que é desafiado a

ir além do assistencialismo, construindo uma nova forma de ser e uma nova cultura

para a profissão.

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CAPÍTULO III

FUNÇÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL: ESPAÇO DE EDUCAR-A-AÇÃO

“Estar vivo é estar em conflito permanente, produzindo dúvidas, certezas questionáveis.

Estar vivo é assumir a educação do sonho do cotidiano. Para permanecer vivo,

educando a paixão, desejos de vida e morte,

é preciso educar o medo e a coragem.” Madalena Freire

Durante o caminho desta pesquisa, muitas foram as dúvidas, inquietações e

questionamentos. O que se iniciou como certeza, pouco a pouco foi se

desconstruindo, tornando-se poeira e dúvida e o que iniciou nebuloso e obscuro,

devagar foi tomando tônus de lucidez.

Para o grupo focal a discussão sobre a função educativa do Serviço Social foi

polêmica e enriquecida do debate. Observa-se que o tema apesar de aparentar ter

entendimento tácito, no decorrer do diálogo as diferenças foram emergindo. Parecia

se tratar do ―calcanhar de Aquiles‖ para o Serviço Social, como um aspecto da

profissão que implica processos e desdobramentos:

“É uma das funções da profissão mais difícil, porque compreende um

processo. Eu entendo que esta função equivale ao projeto ético-

político profissional... é difícil porque precisa caminhar junto com o

projeto ético político da profissão que é tratar da questão social

mesmo. Então, como tratar com a população que a gente atende que,

tem uma visão tão complicada – todos nós temos – por causa da

mídia e uma série de coisas e, vem sempre com uma questão mais

emergencial, são famílias de baixa renda. Então, é uma questão difícil

compreender o porquê está nesta situação. Eu coloco a questão

educativa nesta dimensão, eu não vejo só como uma questão de

organização da população, atividades, ajuda individual ou em grupo,

não é só isso, se reportando ao nosso projeto eu vejo algo a mais a

ser contemplado.” (Participante Grupo Focal)

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60

Nesta colocação, a profissional faz referência à cultura dominante que

busca suas formas de hegemonia através da mídia e de seus intelectuais; cultura

esta da qual todos nós sofremos alguma influência inevitavelmente. Aponta o projeto

ético-político profissional como uma diretriz mestra para a manifestação desta

dimensão educativa e, sendo assim, coloca a função educativa para além da ajuda

individual e coletiva.

Retomando Abreu, observamos que as pedagogias, trabalhadas e

detalhadas no primeiro capítulo desta dissertação, são categorias históricas para

análise da cultura e da função educativa do Serviço Social. Entretanto, nas últimas

décadas, estas pedagogias vêm se metamorfoseando, sofrendo significativas

alterações que afetam a vida produtiva e a sociedade capitalista como um todo. Em

especial, a pedagogia da ajuda e da participação, pedagogias estas envolvidas com

o movimento de hegemonia da classe dominante, foram influenciadas pelo projeto

neoliberal, sustentado como solução para a crise do capital:

“As bases sócio-históricas da função pedagógica do assistente social

na sociedade brasileira vêm sendo tensionadas, a partir dos anos 90,

pelas estratégias político culturais acionadas pelas classes

fundamentais na luta pela hegemonia no país – luta esta travada nos

marcos da crise estrutural do sistema capitalista, instaurada nas três

últimas décadas deste século. O entendimento de fundo é que a

referida crise traduz o esgotamento em termos mundiais do padrão

fordista/keynesiano de produção e regulação estatal – isto é, do

padrão societário instaurado sob o chamado Estado de Bem – Estar –

cujas saídas neoliberais forjadas pelo capital, inflexionam

profundamente o ordenamento capitalista mundial, mediante

alterações na divisão internacional do trabalho, na configuração dos

Estados nacionais, nos processos produtivos e de trabalho, no

mercado, no consumo, nas relações entre classes sociais e entre

estas o Estado e o mercado, ou seja, no conjunto da vida social em

todo mundo e em cada formação particular. Essas alterações

colocam a necessidade do estabelecimento de um novo equilíbrio de

forças, sob hegemonia de certas classes, em que se insere a

organização/reorganização da cultura, a partir de determinado

princípio educativo.”(ABREU, 2002:163)

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Com a crise do padrão fordista/keynesiano, na busca de artimanhas mais

sutis, o toyotismo18 toma espaço nos meios de produção e na organização político

cultural. O toyotismo acumula técnicas diferenciadas para a gestão da força de

trabalho e organização da produção pautadas nos programas de controle de

qualidade, na participação do trabalhador como responsável pelo sucesso /

insucesso da empresa, na flexibilização dos contratos de trabalho. Toda esta

tecnologia faz parte de uma ampla reestruturação produtiva, tecnológica e política,

segundo Abreu.

Neste caminho de análise, retomando a fala da assistente social, participante

do grupo focal que, menciona a função educativa como ―uma das funções da

profissão mais difíceis, porque compreende um processo” e porque a população

atendida chega com ―uma visão tão complicada – todos nós temos – por causa da

mídia e uma série de coisas‖, pode-se entender que esta visão ―complicada‖ está

relacionada com a crise cultural qual vivemos na sociedade atual, marcada pelos

desdobramentos da crise do capital.

“[...] sem ainda a consolidação de um novo equilíbrio de forças, ou

seja, de um novo compromisso social, base de uma nova cultura –

nova sociabilidade – instaura-se então, hoje, uma crise cultural. Para

Bihr (1998:163), a crise cultural traduz-se na „crise do sentido‟, ou

seja, revela-se na „incapacidade própria das sociedades capitalistas

desenvolvidas, de propor/impor a seus membros uma ordem

significante‟. A saber, um conjunto de referências estável e coerente,

no qual e pelo qual eles possam ao mesmo tempo construir sua

identidade, comunicar-se e participar da práxis social, em síntese, dar

sentido à sua existência tanto individual quanto coletiva.” (ABREU

2002:170)

Pelos moldes que se compactua a sociedade atual, há uma busca de sentido

à vida cotidiana. O individualismo e o consumismo, valores soberanos das classes

dominantes, são pouco a pouco esvaziados de sentido e questionados por parte da

população. O forte consumismo, com o acirramento da pobreza e da desigualdade, é

inviabilizado financeiramente por grande parte da população que não tem acesso a

bens e serviços. O individualismo vem sendo questionado por valores como

solidariedade e ajuda mútua. Desta forma, fica instaurada uma crise cultural do

18

Processos de produção inspirados nas experiências da fábrica japonesa Toyota.

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sentido e do significado para os membros da sociedade atual e, com o acirramento

do neoliberalismo, aponta-se para um novo ordenamento dessa cultura, tendo “como

princípio educativo fundante, a obtenção de um „novo‟ conformismo em que as

estratégias participacionistas no âmbito da produção e da reprodução social e o

movimento de autonomação/ auto-ativação do processo produtivo e individualização

das relações de trabalho constituem os vetores principais‖(ABREU, 2002:175).

Trata-se da ideologia...

“[...] do colaboracionismo e cooperação entre classes fundada na

retórica da superação dos antagonismos entre capital e trabalho –

base do estabelecimento de novas relações sociais. Restaura-se o

mercado como instância mediadora societal insuperável e instaura-se

a tese do Estado mínimo como única alternativa e forma para a

democracia (Netto,1993), ao mesmo tempo em que a ordem do

capital é apontada como único horizonte societário e a tecnologia

como sujeito privilegiado da história.” (ABREU, 2002:175)

E seguindo a análise, a profissional diz: “É difícil (para o usuário)

compreender o porquê está nesta situação (de vulnerabilidade)”. Aqui se questiona

até que ponto os usuários que chegam aos assistentes sociais querem saber o

porquê enfrentam tal situação? E se pensarmos na crise cultural mencionada e na

inflexão para um novo ordenamento cultural, pautado também no modo de produção

toyotista, em que se imprime nos membros da sociedade o peso da

responsabilidade pelos sucessos e fracassos (individuais e coletivos), tanto usuário

como profissional são influenciados de alguma forma por este movimento e,

inevitavelmente, se responsabilizam por este processo. Um se responsabiliza por se

encontrar em situação de miserabilidade, outro por não obter solução concreta e

imediata para esta questão.

Neste caminho, outra participante faz sua intervenção no grupo focal:

“É uma das funções mais importantes da profissão, mas essa função

socioeducativa dentro da assistência social é bastante difícil, pelo

menos é o que eu sinto hoje em relação à implantação do SUAS e

dos CRAS e, até mesmo pela necessidade das famílias que chegam

e toda a limitação que nós temos. A questão educativa fica num

segundo plano, nós temos um objetivo, mas e a família que chega?

Mas, é uma função importantíssima que a gente não pode jamais

perder.”

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Esta profissional também traz um conteúdo de dificuldade e limitação no

exercício da função educativa do assistente social, no entanto a considera de

extrema importância.

Interessante contrapor a fala destas duas profissionais com a fala da gestora

do programa, verificando as diferentes expectativas impressas no discurso. As

técnicas expressam o peso da dificuldade de modificar valores e a limitação

profissional nesta ação. Já a gestora fala de como entende esta ação educativa e

como ela tem a função de oferecer novas possibilidades para as famílias:

“[...] o trabalho educativo ele tem por objetivo que as famílias possam

retomar os seus projetos de vida, mas que você possa também,

oferecer uma cesta de possibilidades que facilitem para que as

pessoas acessem seus projetos que estão esquecidos justamente por

não vislumbrar saída.” (Gestora 1)

A gestora espera que o técnico assistente social ao realizar sua função

educativa dentro dos CRAS , possa ―oferecer um cesta de possibilidades‖ para os

usuários facilitando assim seus acessos. Evidente que se trata de uma visão

bastante ambiciosa e é importante o entendimento do movimento contraditório desta

ação. Se por um lado há concretamente as dificuldades apontadas pelas

profissionais, por outro, há a possibilidade de construir alternativas. Talvez a ―cesta

de possibilidades‖ e a paralisação diante da dificuldade e da limitação, possam ser

substituídos pelo processo de atendimento que configura diversos desdobramentos

e em meio a uma cultura contrária e imposta, o profissional possa entender de forma

crítica o seu trabalho neste espaço e fomentar com o usuário a construção de saídas

individuais e coletivas.

Um dos integrantes do grupo focal discordou do discurso de dificuldade e

limitação das duas primeiras colegas e discorreu:

“Independente de como a família chega o que muda é como a gente

responde a esta forma de como ela chega. Ela não tem a obrigação

de entender toda a política de assistência, ela está numa situação

que a levou buscar determinado serviço que ela sabe que existe ou

que pode existir. Ela pode ter algum direito, às vezes nem sabe se

tem. As formulações anteriores a esta formulação de política eram

muito paternalistas, assistencialistas, de dependência. Aí é que entra

o projeto ético-político, com valores de autonomia, de cidadania, etc.

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Até o processo entre aspas de “dar” (alguma coisa). Você deu, a

pessoa retorna e cada vez que ela retorna, ela vai compreendendo

que pode dar passos outros e acessar outros caminhos, pode ter

outras oportunidade e você também aprende coisas com isso. E é

processo, porque não é via de mão única, é mão dupla e faz

compreender, inclusive, a dimensão do nosso trabalho que está além

da intervenção em si. A própria demanda, a realidade, a questão

social está nos ensinando a também dar passos que supere este

entrave inicial, este impacto inicial do dou ou não dou, faço ou não

faço, isso é meu papel, isso não é. Principalmente, quando a gente

faz isso junto, supera junto, eu enquanto profissional, você enquanto

cidadão. É neste sentido que é um processo.” (participante grupo

focal)

Interessante observar como os profissionais apresentam dificuldades de

compreender o movimento de contradição e buscam ―verdades‖ acerca do que é

esta função educativa analisando apenas uma ou outra dimensão da questão,

separadamente.

O grupo seguiu em debate, alguns integrantes entendiam o processo como

importante, mas difícil e limitado, como já apontado; outros como uma função

possível e expressa em todas as relações profissionais mediada por processos e por

mudanças. Neste caminho, outra integrante retrucou a fala do colega:

“Mas, aí você está falando de uma situação. Eu estou falando de uma

coisa macro, da nossa função também mantenedora da situação das

pessoas, exatamente neste caso, a gente trabalha para o governo,

que vem de uma política neoliberal, é neste sentido que eu estou

tratando. Como num trabalho socioeducativo, a gente vai caminhando

no sentido das famílias compreenderem que a pobreza é uma coisa

desta estrutura?” (participante grupo focal)

As questões macros são cenários onde o cotidiano se expressa. A

contextualização histórica da sociedade atual e a crise contemporânea são

elementos importantes para analisar, entender e encaminhar o cotidiano profissional,

um aspecto não pode ser separado do outro de forma estanque como ―coisas

macros‖ e ―coisas micros‖. Ambos os aspectos se entrecruzam e um dá sentido ao

outro.

No método marxiano totalidade e contradição são categorias

importantíssimas. Não apenas categorias para a análise especifica de um tema,

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mas, categorias ontológicas e sociais que explicam a forma de ser do homem na

realidade, na historicidade do tempo. Totalidade entendida aqui não como a soma

das partes, e sim como a possibilidade de olhar o todo e as partes apreendendo as

múltiplas mediações e relações entre si. Contradição entendida não apenas como

negação, mas como o movimento dialético e dinâmico que contem em si a negação

e afirmação concomitantemente. Este método não é preconizado por Marx como um

método de pesquisa e análise de dados apenas; é fundamentalmente um método de

compreensão da realidade.

Desta forma, observa-se na discussão do grupo focal que estas categorias

não são relevadas como partes inerentes da realidade. O movimento contraditório

das relações sociais e da própria função social do assistente social é substituído

pelo significado imediato que o cotidiano tem para estes profissionais, ou seja, o que

é expressivo: a forma de realizar um atendimento versus a contextualização social

marcada pelo neoliberalismo. E, mesmo com entendimentos em que se defendem

pontos divergentes, o grupo foi capaz de elencar aspectos importantes de um

mesmo processo.

A discussão toma volume, um dos integrantes discorda que para falar

da função educativa se use o termo socioeducativo e segue o diálogo:

“ Mas, não é o trabalho socioeducativo, é a função educativa do

profissional a questão! A função educativa do profissional é mais

ampla que o trabalho socioeducativo em si.

“ O que ela trouxe é interessante que é a função do profissional de

manter as pessoas na pobreza, onde a gente está colocado dentro

deste sistema. E aí eu penso que só pelo viés da função

socioeducativa nossa...”

“ Não é função socioeducativa, é função educativa!!!”

“ Socioeducativa, educativa... é a mesma coisa.”

“ Não, não, não! Não é. Quando eu penso em socioeducativo, eu

penso nas atividades, nos grupos. A função educativa, eu penso, é

como a função do professor, é claro que ele tem uma função

educativa. Mas, quando se fala em Serviço Social, não se pensa em

função educativa, se pensa em assistência! Quando se fala de um

médico, se pensa na função médica, de saúde, quando se pensa no

professor se pensa na função educativa. Mas, no nosso papel,

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quando fala em função socioeducativa está linkando com o grupo

socioeducativo, com a atividade em si. Já função educativa é mais

ampla, é assim: Para quê você existe enquanto profissional? Aí que

está! É por isso que não é a mesma coisa.”

Este diálogo nos remete ao entendimento das pedagogias. Como já

trabalhado no primeiro capítulo, o termo socioeducativo é banalizado no contexto

profissional e utilizado como sinônimo de educativo e, há concordância com o

assistente social que define socioeducativo como a intervenção em si. Já o principio

educativo está relacionado à função, a forma de ser da profissão e remete a uma

pedagogia. Se considerarmos o compromisso assumido pela categoria profissional e

expresso no projeto ético-politico em sustentar e defender valores emancipatórios,

temos uma proximidade ao movimento de construção de uma pedagogia

emancipatória.

O movimento de construção de uma pedagogia emancipatória também sofreu

um redimensionamento, segundo Abreu. Atualmente esta via sofre influências de

duas tendências:

“Uma tendência circunscreve os compromissos profissionais com as

lutas das classes subalternas no âmbito da defesa dos direitos civis,

sociais e políticos, da democracia e justiça social, portanto, nos

limites das conquistam que consubstanciaram a experiência do

chamado Estado de Bem Estar, muitas vezes apresentadas como o

fim último da intervenção profissional. A outra tendência estabelece o

compromisso profissional com as lutas das classes subalternas no

sentido da superação da ordem burguesa e construção de uma nova

sociedade – a socialista – a qual supõe a ultrapassagem das lutas no

campo dos direitos, nos limites da chamada democracia burguesa.”

(ABREU, 2002:206)

É imperativo que a categoria profissional reconheça o seu vínculo com o

movimento de construção de uma pedagogia emancipatória e dentro desta

dimensão possa apreender o movimento que há entre as duas tendências citadas

por Abreu. A luta por direitos políticos, civis e humanos, por democracia e equidade

social é importantíssima no contexto atual, todavia, é imprescindível que haja a

superação da acomodação de construir um ―Estado de Bem Estar‖, apenas, para a

visualização e a luta para a construção de uma nova sociabilidade.

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Na pesquisa de campo observou-se que a realidade é fortemente esgarçada

pelo acirramento da desigualdade social e a obtenção de ―alguns‖ direitos satisfeitos,

já satisfaz também o agente profissional. Todavia, é nos desdobramentos do

discurso e da ação que a categoria pode não perder de vista a perspectiva de

construção de outra sociabilidade, aspecto apontado também pelo projeto

profissional. Sociabilidade esta que será construída coletivamente, em conjunto com

os diferentes atores da sociedade e não apenas por uma profissão.

E neste sentido, qual é a função educativa/pedagógica do assistente social?

“[...] a função pedagógica do assistente social vincula-se a

capacitação, mobilização e participação populares, mediante

fundamentalmente, processos de reflexão, identificação de

necessidades, formulação de demandas, controle das ações do

Estado de forma qualificada, organizada e crítica. Nesse processo,

cabe a esse profissional, dentre outras atribuições, viabilizar o

„acesso às informações que possam contribuir para o entendimento

do funcionamento da máquina pública, dos procedimentos

administrativos, da legislação pertinente, das instâncias de decisão do

planejamento urbano, etc.‟(Marco, 2000:158). Fundamentalmente a

intervenção do assistente social, numa perspectiva emancipatória,

volta-se para o rompimento de práticas identificadas com a cultura

tuteladora/clientelista da relação entre Estado e sociedade,

contribuindo para o surgimento de uma nova e superior cultura.”

(ABREU, 2002: 216)

O entendimento da função educativa/pedagógica do assistente social numa

perspectiva emancipatória, pressupõe uma visão crítica da realidade, dos processos

de trabalho, considerando o projeto profissional como valores necessários para

intencionalizar sua ação. É função educativa/pedagógica marcada por processos e

pelo cotidiano, pela consideração das condições objetivas e subjetivas para a

intervenção profissional. Indica um profissional que tenha um compromisso com a

disseminação de informações para a população usuária sobre os desdobramentos

da intervenção profissional e principalmente sobre o conjunto de fatores que

interferem nesta intervenção, como a máquina pública, a legislação vigente, os

mecanismos e espaços de participação, a leitura da realidade, questões econômicas

e sociais, entre outros. O processo de disseminação da informação é um processo

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eminentemente político e que fatalmente aponta uma intencionalidade da ação.

Disseminar informação para quê e por quê?

“[...] porque nós assistentes sociais temos uma característica de levar

informação para a população e eu acho que a informação por si só,

sendo de qualidade, ela tem um caráter educativo. Porque a gente

percebe que esta população que não teve acesso a uma educação

formal e está aleijado de vários outros acessos econômicos, culturais,

a informação já ajuda num processo educativo se ela for de

qualidade, se ela for bem direcionada às necessidades dessa

população. E acho também que o caráter de nossas atividades, o

trabalho grupal, o contato de assistente social com as famílias

também deve ter este enfoque de levar informação para os usuários

poderem repensar os próprios conhecimentos, as informações que

recebem, eles podem fazer a leitura crítica sobre as informações que

recebem, são verdadeiras? Não são? Servem? Não servem?... Que

informações servem ou não serve para eles? Eu acho que o contato

do profissional assistente social com a população usuária deve ter

esse caráter educativo também, é informativo, é acesso aos serviços,

mas é educativo também. É informativo, de acesso aos serviços, mas

educativo também no sentido de proporcionar informações com

qualidade, direcionada para as necessidades da população.” (Gestora

2)

A gestora de Santo André entende a função educativa com a perspectiva de

disseminar informações voltadas para os interesses das classes subalternas. No

processo de construção de uma pedagogia emancipatória, disseminar a informação

é também colocar-se fundamentalmente como um intelectual orgânico,

comprometido com a organização das classes subalternas, identificando suas

necessidades e formulando demandas, conforme apontado no primeiro capítulo

desta dissertação.

“Na nossa própria fala, na nossa postura, a gente já demonstra para

o usuário aquilo que você acredita a respeito da emancipação, da

autonomia dele e desta forma, eu acredito, que já é uma função

educativa. Claro que é um trabalho de formiguinha. As pessoas que

nos procuram falam: olha eu só vim aqui porque não teve jeito,

porque eu estou precisando mesmo. Então, demonstra o quanto ela

tem vergonha de fazer uso da assistência, vergonha de ser pobre.”

(participante grupo focal)

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69

Compreender o trabalho do assistente social na perspectiva da construção da

pedagogia emancipatória é apreender os movimentos da realidade entre condições

objetivas e subjetivas e usar da relativa autonomia para realizar intervenções que

favoreçam a organização dos usuários e fortaleçam suas lutas. É pautar o

atendimento na ótica do direito e não do favor e da ajuda como a profissional

explicita. Se o usuário se sente constrangido de utilizar tal serviço, faz parte das

atribuições profissionais esclarecer que este serviço não é caridade, nem

benemerência, tornando-se cada vez maior o número de usuários destes serviços

devido aos rumos que a sociedade atual vem tomando, aprofundando as

desigualdades sociais.

“Se o assistente social entende a função educativa como parte do seu

ser, como raiz, ela se expressa em todas as suas atividades. A

função não é um instrumento, uma técnica: „agora eu vou fazer um

atendimento educativo, agora não, vou usar de outra técnica‟, não é

isso. Quando está na raiz, ela é na forma como você se coloca, se

relaciona, numa reunião de coordenação aparece, não se camufla

porque está inerente a sua ação. Esta função educativa ela se

expressa no fazer, se expressa nas opções que você faz. Infelizmente

o nosso volume de trabalho faz com que muitas vezes você tenha

que atender em toque de caixa, isso sim limita, impossibilita qualquer

intervenção socioeducativa. Limita de você sentar e refletir com a

pessoa na situação que ela se encontra, como ela se encontra.”

(participantes Grupo Focal)

Este participante traz em sua fala as condições objetivas e subjetivas do

trabalho do assistente social. Explicita que a função educativa deve ser entendida

como raiz, como parte da consciência do assistente social enquanto profissional e

assim, esta será expressa em todas as suas atividades. Entretanto, há também as

condições objetivas que é o modo de ser da profissão e, de forma mais explicita,

representa também a função social do assistente social na sociedade de amenizar

os conflitos entre capital e trabalho. Revela também as condições de trabalho que

os profissionais enfrentam atualmente: o reconhecimento social deste trabalho, o

volume de trabalho ao qual os assistentes sociais são submetidos, a obrigação de

responder prontamente as mais diversas demandas, além da precariedade das

formas de contratação dos assistentes sociais que recebem cada vez salários mais

baixos.

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Entende-se que as condições objetivas e as condições subjetivas

apresentadas ao assistente social no seu trabalho cotidiano são uma unidade

diversa do trabalho profissional. Unidade porque não há condições objetivas sem

condições subjetivas e por vezes esta unidade diversa se manifesta de forma

contraditória, até porque, a dinâmica da realidade traz avanços e retrocessos ao

trabalho profissional. Nem sempre as melhores condições objetivas garantem um

resultado satisfatório para o trabalho, isso se torna um paradoxo, pois estamos

acostumados a apreender as questões que se dão apenas no imediato. Perceber os

aspectos subjetivos que envolvem a ação profissional é um exercício que depende

também da correlação de forças políticas imersas no contexto profissional.

São condições objetivas os eventos e as circunstâncias sociais e históricas

que determinam a direção social na atuação profissional. Determinação esta, que

ultrapassa a intenção, vontade ou consciência dos profissionais.

“Isso supõe, como diretriz de trabalho, considerar a profissão sob dois

ângulos, não dissociáveis entre si, como duas expressões do mesmo

fenômeno: como realidade vivida e representada na e pela

consciência de seus agentes profissionais expressa pelo discurso

teórico-ideológico sobre o exercício profissional; a atuação

profissional como atividade socialmente determinada pelas

circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à

prática profissional, o que condiciona e mesmo ultrapassa a vontade

e/ou consciência de seus agentes individuais. (IAMAMOTO, 2001:73)

Temos como exemplo de condições objetivas a ideologia neoliberal

dominante, as formas de reprodução e manifestação da questão social gerando

novas demandas, a precarização do trabalho do assistente social em seus diversos

aspectos desencadeado pela precarização do trabalho, o modo de inserção da

profissão no capitalismo monopolista e suas relações, ou seja, a forma como a

profissão se consolidou, atendendo contraditoriamente aos interesses do capital e

do trabalho. Neste ponto compreendemos o modo de ser da profissão; sua

identidade e sua construção histórica.

“Portanto, essa profissão traz consigo duas dimensões: uma

„objetiva‟, modo de ser, e outra „subjetiva‟ modo de pensar, que estão

intrinsecamente ligadas, interligadas, pois traz nessa relação uma

contradição de complementaridade, uma unidade contraditória, sendo

indissociáveis. Estas dimensões é que possibilitam desvelar o

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significado social do Serviço Social, caracterizando e imprimindo

direção à prática profissional. A 1a define o modo de inserção da

profissão na sociedade, na sua relação com as classes sociais,

destas com o Estado e o conjunto da sociedade, ou seja, como forma

de enfrentamento da questão social. A 2a

, define o „modo de pensar‟,

ou seja, o conteúdo teórico-metodológico, ético-político que informa

esta prática. Tal processo constitutivo do caráter técnico da profissão,

atribuindo ao mesmo tempo a dimensão política inerente a esta

prática.” (CARDOSO, 1999: 42)

O grande desafio que se dá no cotidiano profissional do assistente social é

reconhecer as condições objetivas existentes e não paralisar nelas.

“Eu acho que outro desafio também é como é que as nossas equipes

se repensam na forma de ser relacionar com as pessoas, com as

famílias; o olhar dessas pessoas, o enxergar as suas potencialidades,

o trabalhar o reconhecimento das lideranças, o não olhar só os

problemas, olhar de cima, mas para envolver-se na dinâmica dos

bairros, Então, este eu acho que é um desafio muito grande, porque

nós temos uma história, né!? E quando a gente pensa qual é a

dimensão educativa do trabalho do assistente social hoje na política

de assistência social, eu acho que nós ainda temos uma história de

relação com as pessoas que ainda é uma relação muito do „eu sei o

que é melhor para você‟ e‟ te digo o que é melhor‟ ou „você depende

de mim para te incluir em programas e benefícios‟. Mas, falta uma

proximidade de reconhecimento das pessoas enquanto pessoas que

tem autonomia, que vivem em situação de risco, mas a gente rotula

as pessoas, a gente acha que as pessoas não tem saída, não tem

resposta e quando a gente vai avaliar a situação que as pessoas

estão no dia-a-dia a gente percebe o quanto elas estão aí, o quanto

as pessoas são solidárias umas com as outras, como elas criam

redes, quanta potencialidade tem no território.” (Gestora 1)

Como apontado pela Gestora, é reconhecer que temos uma história, uma

função social, mas que podemos usar de nossa ―relativa autonomia‖ (IAMAMOTO,

2003) para construir novas possibilidades nestes espaços, construir a pedagogia

emancipatória num movimento de conquista e ação. Pressupõe o rompimento com o

conservadorismo, com outras pedagogias como a da ajuda, onde se entende a

relação entre assistente social e usuário como uma relação de ajuda e a pedagogia

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da participação que pauta a participação por ela mesma, marcando a democracia

burguesa, desvinculada de um caráter político.

“A relativa autonomia que dispõe o assistente social decorre da

natureza mesma desse tipo de especialização do trabalho – atua

junto a indivíduos sociais – e não com coisas inerte dispondo de uma

interferência, pela prestação de serviços sociais, na reprodução

material e social da força de trabalho.” (IAMAMOTO, 2003:98)

Ou seja, é o assistente social quem conhece a vida e a dinâmica dos

usuários, se relaciona com estes. Em um atendimento individual ou coletivo é o

assistente social o facilitador da intervenção, podendo intencionáliza-la para os

interesses que quiser, é desta relativa autonomia que Iamamoto trata.

Neste sentido, ao pensarmos na função educativa/pedagógica do assistente

social, imediatamente visualizamos o trabalho deste profissional junto às classes

subalternas de informação e formação, como se o profissional fosse ―educar‖ a

população usuária de seus serviços. Porém, com o desenvolvimento desta pesquisa,

compreende-se que disseminar a informação, bem como organizar os interesses e

as necessidades das classes subalternas traduz-se em um aspecto importante da

função educativa/pedagógica. Outro aspecto desta mesma função está relacionado

com a capacidade profissional de educar a sua própria ação através da análise

crítica, do entendimento do movimento contraditório da realidade, da reflexão entre

condições objetivas e subjetivas, da apreensão dos valores perseguidos pelo projeto

ético-político profissional.

A função educativa do assistente social expressa à construção de uma

pedagogia emancipatória e um espaço de educar-a-ação profissional junto ao

movimento de lutas e conquistas das classes subalternas, dos usuários de seus

serviços.

“[...] coloca-se a necessidade de uma capacitação profissional

permanente, adequada às exigências de um trabalho crítico, coerente

e consequente face à perspectiva histórica do citado movimento. Este

trabalho supõe a criação/recriação de modalidades interventivas

correlatas a estas exigências, como construção coletiva, da qual

participam os demais sujeitos envolvidos. Neste sentido, a profissão

busca responder aos compromissos com os interesses e

necessidades das classes subalternas na destruição da cultura

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73

dominante e construção de uma nova cultura, mediante atuação

profissional qualificada teórica, técnica e, principalmente, ético-

política.” (ABREU, 2002:220)

Quando o assistente social se coloca de forma alienada a este processo ele

simplesmente reproduz discursos institucionais, seja da igreja, da instituição que o

contratou ou do bloco dominante. Perde a característica crítica de sua intervenção,

distância-se dos movimentos que buscam a transformação desta sociabilidade e não

se capacita profissionalmente. É engolido pelas demandas institucionais, buscando

respostas imediatas, tornando o produto do seu trabalho motivo de desmotivação e

frustração, distante dos valores eleitos pela categoria profissional.

Neste processo, é fundamental a capacitação profissional como forma

de despertar o profissional para a reflexão crítica e para acompanhar as produções

da categoria, tanto teórico-técnico como ético-político.

“Assim, as exigências quanto à capacitação profissional apresentam-

se numa dupla dimensão: a de contribuir para a mobilização,

capacitação e fortalecimento da participação de segmentos da

referida classe na construção de alternativas de lutas, em face de

seus interesses e necessidades de subsistência e sua contribuição

como sujeito político na formação da classe para si; e a de produzir e

socializar conhecimentos sobre manifestações da questão social em

torno das quais se articulam e se dinamizam formas de lutas,

contribuindo para o desvendamento das contradições e tendências do

movimento social, a estas se antecipando com propostas e

alternativas de intervenção.” (ABREU, 2002:220)

Capacitação como forma de elucidar sobre quais interesses este profissional

tem legitimado em seu exercício profissional. Muito mais do que ―educar‖ o outro, a

preocupação do assistente social deve se voltar para educar-a-ação profissional,

num processo de formação continua e na perspectiva de construção da pedagogia

da emancipação.

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74

3.1 – Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Programas de

Transferência de Renda

A Garantia de Renda Mínima para famílias em situação de extrema pobreza é

idéia defendida desde o inicio do século XX. No Brasil, quem inseriu a discussão no

senado foi o Senador Eduardo Suplicy. O primeiro projeto de lei foi aprovado em

1991 que preconizava um projeto de Garantia de Renda Mínima para pessoas e

famílias com renda mensal inferior a aproximadamente R$ 400,00 (valores da

época). Este projeto não chegou a ser implementado, entretanto, outras ações de

transferência de renda monetária de nível municipal e estadual foram pouco a pouco

tomando o cenário nacional.

No Brasil, as ações pioneiras foram dos municípios de Campinas, Ribeirão

Preto e Santos e do Programa Bolsa Escola no Distrito Federal 1995, programas

estes que já preconizavam a transferência monetária diretamente às famílias

juntamente com a articulação de políticas educacionais.

Os Programas de Transferência de Renda constituem-se em ferramentas

importantes “para a diminuição da indigência, da pobreza e da desigualdade no país,

conforme vem indicando estudos recentes em relação aos quais dois aspectos

precisam ser considerados. Um primeiro seria o significado real, mesmo de caráter

imediato, que esses programas representam para as famílias beneficiárias, ao

permitir a aquisição ou ampliação de uma renda, inexistente ou insignificante,

proveniente do trabalho, até porque o mercado de trabalho, no Brasil, é por demais

excludente, não permitindo o acesso de grande parte da população. Nesse sentido,

esses programas, para muitas famílias, são a única possibilidade de uma renda,

mesmo que muito baixa. Por outro lado, esses programas podem propiciar

condições progressivas, mesmo que, a longo prazo, de inclusão de futuras gerações

formadas pelas crianças e adolescentes das famílias beneficiárias que são

requisitadas a freqüentar escola, postos de saúde, sair da rua ou do trabalho penoso

e degradante, podendo, portanto, elevar o número de anos de escolaridade do futuro

trabalhador brasileiro.” (Silva, 2008)

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75

Em 2003 os PTR foram unificados pelo programa Bolsa Família e atualmente

fazem parte da política de assistência social, sendo suas ações descentralizadas e

as famílias referenciadas pelos Serviços de Proteção Social, principalmente nos

CRAS.

Nos municípios da Grande São Paulo, grande parte das famílias

acompanhadas pelo PAIF são beneficiárias do programa Bolsa Família através de

grupos socioeducativos. Além disso, é na esfera do município que a gestão do

programa acontece no que tange a administração e organização dos cadastros, a

disseminação de informações a respeito dos critérios de elegibilidade e o

acompanhamento da contrapartida social.

O Programa Bolsa Família possui significativo papel atualmente no Brasil e

segundo pesquisa recente, em 2006 o programa atendeu 11.120.363 famílias o que

corresponde a 99,2%19 de atendimento das famílias pobres do país e cobrindo

99,93% dos municípios brasileiros20.

Apesar de ainda apontar polêmicas, como um valor de repasse baixo, os

critérios de elegibilidade e as condicionalidades sociais, o Bolsa Família sem dúvida

dinamizou a realidade dos territórios brasileiros.

Desta forma, tanto o Bolsa Família como outros PTR de esfera estadual e

municipal são espaços de ação do assistente social, seja nas secretarias de

governo, seja nos CRAS o que envolve inevitavelmente uma ação educativa/

pedagógica.

Seja a forma de conduzir um cadastro, de orientar as famílias quanto os

critérios de elegibilidade do programa e das condicionalidades, seja na condução de

atividades grupais, evidencia a ação educativa/pedagógica do assistente social e a

qual pedagogia esta está vinculado.

O primeiro fator a ser considerado revela que de forma macro estes

programas podem estar vinculados a uma perspectiva emancipatória buscando a

superação da pobreza e o rompimento de seu ciclo vicioso para futuras gerações

através de condicionalidades que priorizam a permanência de crianças na escola, ao

invés de estarem submetidas a trabalhos degradantes. Todavia, é necessário não

19

Segundo dados da PNAD 2001/IBGE 20

Dados preliminares da pesquisa realizada pelo Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas

Direcionadas à Pobreza – GAEPP, uma cooperação entre as universidades PUC-SP, UFMA e PUC-RS.

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76

perder de vista a cultura do conformismo que gradativamente vai se instalando e que

aponta uma perspectiva de manutenção das famílias e indivíduos ao seu estado de

pobreza, garantindo-lhes o mínimo para a subsistência, possuindo caráter

compensatório e de alivio imediato, sem uma perspectiva de superação.

Este universo deve ser analisado criticamente, observando as reais condições

que dispõem as famílias para o cumprimento das condicionalidades sociais, como a

disponibilidade de uma política educacional efetiva e real atenção do Sistema Único

de Saúde para as necessidades desta população.

Outro ponto crítico e que está diretamente relacionado aos assistentes sociais

é a seletividade das famílias para os referidos programas. O grupo focal trouxe

considerações sobre este ponto:

“Em todos estes anos de formada, eu passei por muitas crises.

Porque a gente tem aquela fase de negar o imediato, de negar o

concreto, a ajuda material, mas é necessário. Nossa, profissão, nosso

papel também estão relacionado a isso, à sobrevivência, ao imediato.

Mas, nem por isso você vai ficar só nele. E esta função educativa é

processual, é construção e desconstrução. Junto às famílias que a

gente atende, algumas questões estão muito cristalizadas. Então as

pessoas chegam até a gente com idéias que só com o tempo, só com

a convivência você pode ir quebrando, algumas questões culturais.

Querendo ou não, a gente lida com critérios socioeconômicos, o

nosso atendimento também é baseado nisso. Então, você pega uma

família que saiu do Bolsa Família por conta da per capta ser superior

e você tem que trabalhar com uma série de coisas, inclusive com

você mesma, para você poder colocar para aquela pessoa o porquê

ela foi excluída do programa. É sempre um conflito porque na

verdade quando você vai explicar a situação, como é que você diz

que tem gente mais desgraçada do que ela? Falando o português

claro. R$ 121,0021

já está fora!” (participante Grupo Focal)

Este papel profissional de selecionar a pobreza faz parte da história do

Serviço Social. E se em tempos de outrora ele era um aspecto que garantia poder ao

profissional perante o usuário, hoje ele é motivo de constrangimento profissional.

Quando a assistente social aponta que nestas situações ela tem que trabalhar

inclusive com ela mesma, significa que esta ação pesa profissionalmente porque

21

A participante faz referência à per capta do Programa Bolsa Família no ano de 2008 que era de R$ 120,00

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vem na contramão do que a categoria prega para si, sendo muitas vezes uma ação

de exclusão, de negação de acesso que, numa contextualização mais ampla é

premente, uma vez que muitas famílias ainda se encontram em situação de pobreza

mesmo com uma per capita um pouco acima do que o preconizado pelo programa.

Até porque o valor ofertado pelo Programa, em si analisando como uma categoria

isolada, não é capaz de configurar o enfrentamento da situação real vivida pela

família.

“A gente nem acredita nisso, mas tem que fazer. Você tem trabalhar

com a pessoa e com você. Você tem que trabalhar outras questões

com ela, a questão dos direitos... aí ela diz: „dona eu tô precisando,

eu preciso‟ . E você tem que trabalhar todas estas questões com ela.

Então, eu acredito que o nosso papel é educativo, mas é junto com a

pessoa, é junto com quem você atende. E é muito difícil você quebrar

esta questão cultural que nossa profissão tem até hoje.” (participante

Grupo Focal)

Aqui a profissional expressa a real importância de reconhecer o usuário

também como sujeito. Se por um lado ele é objeto de um sistema que depende de

uma massa miserável para sua persistência, por outro, o usuário é sujeito da ação e

possui um arsenal de ―meios de sobrevivência‖ que construiu ao longo de sua

trajetória. Não que se negue a ótica do direito e a perspectiva de uma redistribuição

de renda de fato. Entretanto, qualquer ação educativa/pedagógica, principalmente

configurada dentro do movimento de construção de uma pedagogia emancipatória,

deve desenvolver-se junto com o usuário, reconhecido como sujeito e, somando

esforços a outros movimentos da sociedade para uma luta cada vez mais coletiva.

“Esta perspectiva interventiva coloca para os assistentes sociais

novas e desafiadoras demandas, sobretudo configurando-se que, em

relação aos referidos programas de renda mínima articulados à

educação, o avanço do processo de construção da prática

profissional – numa perspectiva emancipatória – defronta-se com o

velho e agora revigorado fantasma da seletividade/elegibilidade. O

desafio que se coloca para os assistentes sociais é o de fortalecer via

prática político-profissional, processos concretos de luta, de

articulação de forças, no sentido de ampliar cada vez mais a

incorporação de vastos segmentos e de suas necessidades nas

políticas estatais, processos esses vinculados às lutas direcionadas

para criar/recriar alternativas de política econômica que, de fato,

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garantam condições de trabalho e salários dignos para vastos

segmentos das classes subalternas, como base da autonomia

financeira no atendimento de suas necessidades básicas de

subsistência.” (ABREU, 2002: 218)

O desafio é que o profissional não paralise diante deste novo conformismo

social, resumindo sua ação aos critérios dos Programas de Transferência de Renda.

É necessária uma análise crítica e ampla que reconheça o caráter coletivo da luta

por uma redistribuição de renda e por critérios que de fato atendam as necessidades

das populações empobrecidas, não como um socorro imediato e pontual, mas como

uma possibilidade de superação, rompendo ciclos geracionais e articulado a outras

políticas públicas e a um Sistema de Proteção Social.

Uma estratégia que pode potencializar politicamente a população usuária são

os grupos socioeducativos, ponto que se discorre a seguir.

3.2 – Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Grupos

Socioeducativos

Os grupos socioeducativos ganham destaque atualmente na Política de

Assistência Social que preconiza atividades grupais com as famílias referenciadas

pelos CRAS através do PAIF. Fatalmente, os grupos são planejados e conduzidos

por assistentes sociais em parceria com psicólogos e com estagiários de ambas as

áreas. Todavia, o assistente social busca referencias em outras disciplinas para a

condução dos grupos socioeducativos, mesmo com a profissão possuindo uma

história marcada por este tipo de intervenção.

O Serviço Social tem um histórico de trabalho com grupos e as primeiras

sistematizações apontam a metodologia ainda pautada no ―Diagnóstico Social‖ que,

mesmo em grupo, caracterizava-se pelo olhar individual, na perspectiva da reforma

moral e reintegração social do indivíduo.

“Natálio Kisnerman (1977), analisando a fase inicial do Serviço Social

de Grupo, refere-se várias vezes à “tendência” individualista com que

era utilizado o Serviço Social de Grupo e diz [que] nesta fase o

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método centra-se no indivíduo e não no grupo como um todo”.

(CAVALCANTE, 1979:61)

É realizado, neste período, um diagnóstico preliminar do ―cliente‖ na fase em

que antecede a sua inserção no grupo. Após análise deste diagnóstico, o ―cliente‖ é

encaminhado para um grupo de tratamento. O tratamento consiste no alcance pelo

―cliente‖ de metas estabelecidas pelo assistente social, com base em seu

diagnóstico.

“Afirma que de acordo com a natureza do diagnóstico, o assistente

social ao trabalhar com um grupo deve escolher um tratamento. Este

requer um planejamento que implica na adoção de um certo tipo de

grupo, seja este recreativo, de aprendizagem, de trabalho terapêutico,

ou outro. Conseqüentemente adota uma estrutura para a ação:

autocrática, paternalista, permissiva, participativa. Selecionará;

técnicas de condução, de motivação, de entrevista, bem como a

forma de determinação do momento oportuno para ataque do

problema, tipo de ajuda que a instituição pode facilitar, etc.”

(RODRIGUES, 1979:18)

No entanto, esta forma interventiva com grupos passa a ser questionada pela

profissão por considerá-la restritiva e isolada da realidade social. Abriu-se assim,

espaço para concepções de grupo partindo de uma visão desenvolvimentista, onde

o assistente social se distancia do aspecto terapêutico, assumindo o

Desenvolvimento de Comunidade em sua atuação com grupos, como aponta

Rodrigues:

“Falar em grupo de tratamento significa limitar e empobrecer a

intervenção psico-social do Serviço Social, ou ainda, produzir uma

teoria alienada da realidade concreta de atuação dos profissionais.

Significa sonegar o Serviço Social toda uma área de atuação

desenvolvimentista, que lhe é fundamental, isto é, atingir uma

clientela já integrada para sua maior expansão e participação na

construção da sociedade.” (RODRIGUES, 1979: 23)

O apelo posto pelos grupos no âmbito do Desenvolvimento de Comunidade –

DC era o da participação. O ―cliente‖ era chamado à participação através dos grupos

para assim construir compromisso e engajamento nas questões que atinge sua

comunidade, buscando soluções.

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80

“Em geral, para o desenvolvimento da participação, utiliza-se de

sessões grupais contínuas, mas espaçadas. Não existe um tempo

fixo de duração. O grupo se mantém junto enquanto perdura a

necessidade de participação naquele programa ou atividade. Se

extingue na medida em que o programa não exige mais a

participação ou os membros do grupo amadurecem e desejam outros

níveis de participação.” (RODRIGUES, 1979:33)

Neste momento, as técnicas de intervenções nos grupos não são claramente

sistematizadas e explicitadas. Reforça-se a importância de atuação nas

comunidades e os grupos ganham flexibilidade na sua formação, tempo e

sistemática de encontros. O fundamental objetivo a ser perseguido pelo assistente

social, bem como pelos membros do grupo é a participação.

Na década de 80, já há apontamentos sobre a crise de DC, devido a uma

influência da educação popular.

“(...) nessa situação de crise de DC, parece estar emergindo uma

tendência de apropriação de DC por Educação Popular, desde que

ambos os processos fundamentam-se numa pedagogia centrada na

participação de grupos, estratos sociais e comunidades, e visam

contribuir à transformação da realidade social. (GONÇALVES,

1981:58)

Na educação popular, porém, os grupos se misturam as outras formas de

atuação junto às classes subalternas, como a educação para adultos, e, são

aglutinados aos movimentos sociais. Distancia-se cada vez mais de procedimentos

teórico-metodológicos uma vez que estes, são considerados “destinados a

preestabelecer ou induzir de cima para baixo os modos de atuar da população”

(GONÇALVES, 1981:66).

Aos poucos, a discussão teórico-metodológica sobre grupos vai se

distanciando da atuação dos assistentes sociais e das universidades. A discussão é

completamente esvaziada das universidades com o último currículo disciplinar do

curso de Serviço Social.

“Na história do Serviço Social tinha sim um trabalho socioeducativo

mas dentro de caixinhas, grupo, comunidade, assim. Não tinha o

socioeducativo de grupo que nós temos hoje. Entretanto, na

faculdade, nós estudamos os textos sobre grupo e trabalho com

comunidade da década de 60, não tem nada atual. E buscamos fazer

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uma leitura destes textos com o olhar de hoje, uma leitura crítica.”

(participante Grupo Focal)

Este ―buraco‖ teórico-metodológico foi sendo preenchido pelos profissionais

com ações pautadas em outras disciplinas, muitas vezes de caráter terapêutico e

ahistórico, desconsiderando bases teóricas substanciais e coerentes com o projeto

ético-politico profissional. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social

questionou as ações profissionais de ordem conservadora e tradicional ligadas a

manutenção da ordem vigente. Com a crítica, as ações grupais se esvaziaram,

engrossando os movimentos sociais das décadas de 70/80 e a profissão se

distanciou de criar novas tecnologias, pautadas numa perspectiva emancipatória de

intervenção coletiva, grupal.

O grupo focal ―esquenta‖ a discussão deste aspecto da profissão, no diálogo

a seguir:

“ O Movimento de Reconceituação jogou a água da bacia com o

bebê dentro, foi tudo embora, tinha coisas interessantes que você

acabou perdendo. Então, a gente tem que pegar textos lá de trás e

fazer uma releitura. Entender os instrumentos e em que perspectiva

eles foram construídos para adequar hoje. A Yolanda Guerra diz que

tudo que está ao nosso redor é instrumento, mas qual a nossa

intencionalidade? Como é que eu intenciono o instrumento para que

ele cumpra o fim que eu pré-estabeleci? Porque a gente não pode re-

intencionalizar alguns instrumentos que são importantes para a nossa

atuação? Porque a gente teve que jogar tudo fora? Muita coisa é o

que a gente está fazendo hoje aqui. Não tem problema que foi a Mary

Richmond que criou, um exemplo, só que eu estou utilizando com

outra intencionalidade. “

“ Discordo. Tem coisas que não dá para a gente utilizar hoje. Essa

coisa do diagnóstico, do tratamento, não dá. É muito funcionalista.”

“ Tem coisas que são funcionalistas sim, mas, que a gente tem que

usar. Às vezes é necessário fazer um diagnóstico, para implantar um

projeto, entender um território, avaliar. E isso é funcionalista. Mas,

nem tudo que é funcionalista é ruim.”

“ Discordo. Porque aí você coloca a questão social no saco e

começa a individualizar tudo.”

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82

“ Mas, e o SUAS, não foi construído com bases no SUS? Quer

modelo mais funcionalista que este?”

“ OK! Uma coisa é fazer um diagnóstico de uma região, um projeto,

outra coisa é pegar um indivíduo e fazer um diagnóstico dele para

adequá-lo”.

“ Mas, eu não tô falando disso!!”

“ Eu também não!!”

“ Agora eu não acho que só porque é funcionalista a gente tem que

mudar as palavras, não é mais diagnóstico, é relatório agora.”

“ Mas, a Mary Richmond traz a questão do diagnóstico e tratamento

no atendimento individual. Tem um viés terapêutico.”

“ Não é disso que eu estou falando. Eu estou falando de intencionar

os instrumentos que você usa.”

“ Mas, este diagnóstico na Mary Richmond não tem nem como eu

intencionar...”

“ Nem fiz esta defesa!”

“ Esquece a Mary, mas um projeto por exemplo é funcional. Você faz

um diagnóstico, fala dos seus recursos, já prevê as suas metas. E a

gente faz isso. A instituição é funcionalista, o departamento de

Assistência é funcionalista e ponto final. E como nós, que somos

dialéticos, agimos aqui? Esta é a contradição, como é a sua função

educativa dentro de uma instituição fatalmente funcionalista? Esta é a

grande contradição!”

Observa-se o quanto a discussão foi calorosa e embebida da polêmica ainda

não resolvida no meio profissional. Os profissionais se perdem na busca de

responder as questões profissionais cotidianas. Ou seja, em sua rotina, o assistente

social, faz grupos socioeducativos, visitas domiciliares, relatórios, projetos,

diagnóstico institucional, entre outras tarefas. E qual é o alicerce teórico destas

atividades? Como isso se encaminha no meio profissional?

Fatalmente há um distanciamento da teoria à prática cotidiana,

principalmente quando os profissionais insistem em intencionalizar algo

profundamente tradicional como o ―Diagnóstico Social‖. Na verdade, a profissão tem

se esquecido ao longo destes últimos anos de sistematizar o cotidiano e produzir

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conhecimento acerca dos instrumentos e técnicas utilizados pelos assistentes

sociais à luz de uma teoria crítica.

Encontrar um referencial teórico que tratasse do grupo em consonância com o

referencial teórico trabalhado nesta pesquisa não foi tarefa simples visto que grande

parte dos autores que discorrem sobre grupo o trata de forma terapêutica e

ahistórica. Matín-Baró, psicólogo social de El Salvador, usou referenciais marxistas

para escrever sobre grupos, explicitando a sua experiência de luta política junto à

população mais pobre de seu país. Martins (2006) faz uma síntese do pensamento

de Baró, para ele grupo é:

“uma estrutura de vínculos e relações entre pessoas que canaliza em

cada circunstância suas necessidades individuais e/ou interesses

coletivos. Ressalta ainda que um grupo é uma estrutura social: uma

realidade total, um conjunto que não pode ser reduzido à soma de

seus membros. A totalidade do grupo supõe alguns vínculos entre os

indivíduos, uma relação de interdependência que é a que estabelece

o caráter de estrutura e faz das pessoas membros. Assim, segundo o

autor, um grupo constitui um canal de necessidades e interesses em

uma situação e circunstância específica, afirmando com isso o caráter

concreto, histórico de cada grupo.” (MARTINS, 2006:03)

Para que haja grupo é necessária a construção do vínculo entre as pessoas

que se agrupam. As pessoas são atraídas para um grupo por interesses individuais

ou coletivos ou a soma destes dois. O grupo deve ser enxergado em sua totalidade:

a expressão subjetiva dos membros e a sua estrutura social que, está diretamente

relacionada à estrutura maior de nossa sociedade. Possuí dimensão histórica, que é

a concretude do grupo que se constituí no território ao qual pertence, além de uma

dimensão ideológica objetiva, criada por uma realidade social e que tem peso na

organização da vida das pessoas.

“Un grupo es, en primer lugar, una estructura social. El grupo es uma

realidad total, un conjunto que no puede ser reducido a la suma de sus

constitutivos. Una família és más que un hombre, una mujer y um niño; um

batallón es más que un centenar de hombres armados; esse más viene dado

em ambos casos por los conjuntos que formam, las totalidades que

contituyen. La totalidade del grupo supone unos vínculos entre los individuos ,

uma relación de interdependência que es la que estabelece el carácter de

estrutura y hace de las personas miembros. Se habla de uma estructura

social primeiro porque, como ya se ha indicado, condición essencial para la

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existencia de um grupo és la participacion de vários individuos ; pero el

carácter social de la estructura grupal radica precisamente em que surge

como produto de la referencia mutua y necessitante de sus miembros y/o

de sus acciones.” (Martín-Baró, 1999:206)

O grupo constitui-se como uma manifestação da realidade total na qual está

inserido. No grupo as manifestações da questão social que atingem seus membros

emergem em suas múltiplas expressões. É entendido também como um espaço

eminentemente contraditório e sofre as determinações econômicas, institucionais e

ideológicas da sociedade qual está inserido. Ao mesmo tempo, observando o poder

que o grupo dispõe diante de outros grupos sociais, ele pode construir estratégias de

resistência a estes determinantes sociais, numa ação contra-hegemônica.

“Esta concepción del grupo nos lleva a examinar los fenómenos

grupales al interir de la historia de una forma dialéctica. De ahí que

los principales parâmetros para el análisis de un sean tres: (1) la

identidad del grupo, es decir, la definiciín de lo que es y lê caracteriza

como tal frente a outros grupos; (2) el poder que se dispone el grupo

em sus relaciones com los demás grupos más la significacion social

de lo que produce esa actividad grupal.” (Martín-Baró, 1999: 208)

Identidade, poder e atividade grupal são os três aspectos apontados por

Martín-Baró para a análise de grupos. São aspectos imbricados entre si na relação

concreta dos grupos e que podem identificar o tipo de grupo constituído (primários,

funcionais ou estruturais22).

Esta concepção de grupo, por suas bases teóricas, está em consonância com

o movimento de construção de uma pedagogia emancipatória e mais do que isto, em

consonância com o projeto político profissional.

Vale relevar que o trabalho com grupos é eminentemente indisciplinar,

entretanto, para se construir a interdisciplinaridade é fundamental que o profissional

assistente social tenha domínio e competência em sua disciplina de atuação.

“A interdisciplinaridade é construída através de discussão e diálogo

entre as disciplinas que compõem o trabalho. É necessário observar as

22

Resumidamente, para Martín-Baró o grupo primário refere-se ao pequeno grupo onde os vínculos existentes

são interpessoais, dotado basicamente de características pessoais e existem para a satisfação das necessidades

básicas. Por grupos funcionais entende-se um grupo que têm um vínculo social, seu poder é ainda relativamente

pequeno, mas atua na capacitação e na satisfação das necessidades do coletivo. E por grupo estruturais, entende-

se uma identidade grupal marcada pelos interesses objetivos da comunidade total, qual pertence, possuí maior

poder e atuam na satisfação dos interesses de uma determinada classe social, na luta de classe.

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diferenças e as semelhanças que estes olhares encontram no decorrer

do processo, observar a visão de homem e de mundo de cada disciplina

e não homogeneizá-las, mas considerar as diferenças, convivendo com

estas e abrindo possibilidades para o novo. Neste aspecto torna-se

fundamental o profissional ser competente em sua especificidade para

poder explicitá-la e compartilhá-la com o grupo interdisciplinar de

trabalho, fomentando uma discussão.” (DOMINGUES, 2004:67)

E neste ponto é frágil a atuação dos assistentes sociais, pois pouco

discutem, sistematizam e refletem sobre suas técnicas de intervenção e sua

instrumentalidade, não construindo propostas para o diálogo com outras disciplinas.

Entretanto, os profissionais participantes do grupo focal reconhecem a

importância do trabalho do assistente social com grupos, revelado neste diálogo:

“ Grupo é troca, é fortalecimento, é convivência. Grupo é a

possibilidade de transformação.”

“ A coisa mais bonita que eu aprendi com grupo é como de fato você

aprende com o outro! Eu acho isso a coisa mais bonita!”

“ Grupo encontra caminho, tem autoria própria, como o grupo se

defende. Como grupo é forte, é forte mesmo! “

“ O Grupo se auto-fortalece, ele se reconhece. Um grupo é um grupo,

não é um amontoado de pessoas.”

Os profissionais revelam em sua fala que o grupo, apesar de ser inserido

numa cultura dominante, preenche o trabalho cotidiano do assistente social de

esperança, de aprendizado, de construção coletiva, potencializando o assistente

social como um facilitador, distanciando-o do papel de detentor do poder, tornando

mais leve o exercício profissional.

Todavia, cabe destacar que, de acordo com o referencial teórico preconizado,

grupo não é um amontoado de pessoas. Neste sentido, a PNAS atualmente

preconiza atividades grupais e não necessariamente a formação de grupos. As

atividades grupais têm um caráter pontual, ou seja, algumas pessoas se reúnem

para a execução de determinada tarefa: uma oficina profissionalizante, uma palestra

ou assistir um vídeo. Não se pode considerar tais ações como a formação de

grupos socioeducativo, pois não há constância, convivência e vínculo entre os

membros dos grupos.

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“ Os grupos socioeducativos eles só existem a partir do momento que

há a convivência, um período de convivência, criação de vínculos, etc.

As demais atividades grupais são ações grupais, mas não são grupos

socioeducativos. Saber disso em formação foi um alento para a gente,

pois estávamos sofrendo muitas pressões para montar os grupos

socioeducativos. E não é assim gente! Não dá para colocar tudo no

mesmo balaio!.”

“ A oficina não é um grupo socioeducativo, ela pode estar dentro de um

grupo socioeducativo, mas não é o grupo em si.”

“ O CRAS em que estou só tem ações pontuais. Não tem a

convivência, então não tem grupo socioeducativo, não cria objetivos

comuns.”

Santo André lida com a questão dos grupos com bastante lucidez,

diferentemente do que se observa em outros municípios. Este talvez seja um dos

resultados do processo de capacitação qual o município vem investindo.

Há uma pressão por parte dos gestores das diferentes esferas por atividades

grupais ou a formação de grupos. Apesar das atividades grupais de caráter pontual

terem importância como possibilidade de melhoria da qualidade de vida das famílias,

de fato, resultados substanciais só ocorrerão a partir da formação de grupos nos

territórios e que estes grupos não fiquem limitados ao tempo estabelecido pelos

programas assistenciais, mas possam criar vida própria.

“O CRAS em que eu atuo não conseguiu ainda organizar grupos

socioeducativos, iniciar o atendimento grupal. E eu falo isso com muito

pesar, muito pesar mesmo, porque o atendimento individual ele pesa na

prática, ele cansa.” (participante Grupo Focal)

Neste sentido, o investimento público deve focar na formação de grupos

socioeducativos e não apenas na execução de atividades grupais, o que implica

inclusive em garantir equipe profissional suficiente para atendimento de tal

demanda. Impõe inverter a ótica de resultado para a ótica da construção coletiva

mediada por processos.

Cabe ainda, ao assistente social apreender este espaço como privilegiado

para a construção de uma pedagogia emancipatória e desenvolver teórico-

metodológico e ético-político novos, conhecimentos para fomentar a discussão da

categoria profissional.

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3.3 – Expressões da Função Educativa/Pedagógica na Política de Assistência

Social de Santo André

O desenvolvimento desta pesquisa foi moldado pela política de assistência

social do município de Santo André, seus atores e sua forma de operacionalizar o

PAIF.

Santo André possui uma história, já apresentada no segundo capítulo desta

pesquisa, marcada pelos movimentos sindicais das décadas de 70/80 os quais

dinamizaram as relações políticas da cidade.

No que se refere à política de assistência social, é observado o compromisso

das gestoras entrevistadas em implantar o SUAS e garantir um serviço de qualidade

às famílias atendidas. Obviamente que ainda há pontos frágeis no processo,

principalmente no que diz respeito ao número reduzido de profissionais e as mais

diferentes demandas que sobrecarregam as equipes.

“Então, eu acho que a gente, enquanto, direção investiu muito de que

todos nós aqui, quer assistentes sociais, quer atendentes, quer

operacionais, quer motoristas; todos nós temos um papel educativo e

temos um papel de oferecer um serviço onde as pessoas se sintam

como pessoas portadoras de direito. Eu acho que tem um risco grande

em instituições tão duras que a gente encontra, principalmente no

serviço público... E se a gente não toma cuidado isso ocorre e, os

atendimentos acabam ficando de uma forma que acaba reforçando a

relação de que as pessoas são coitadas, que elas se sintam diminuídas

por estar precisando deste serviço.” (gestora 1)

A marca impressa é de um município que soube ousar e prova disto é iniciar o

atendimento dos grupos socioeducativos pelas famílias em situação de risco.

Estratégia marcada pela coragem de encarar os problemas e enfrentá-los, o que às

vezes é raro se comparado a outros municípios.

O ―tiro‖ que poderia sair pela culatra, trouxe a equipe técnica um

amadurecimento para discutir a profissão, a política de assistência social e suas

estratégias de atuação. O grupo focal refletiu o que é Santo André e, apesar da

dificuldade de encontrar argumentos para a discussão de temas tão polêmicos como

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o socioeducativo e a própria função educativa/pedagógica do assistente social, o

espaço do grupo foi preenchido pelo debate.

O que chama atenção neste processo é que a construção de uma pedagogia

emancipatória perpassa inclusive o modo de ser dos gestores e sua forma de

atuação. É fundamental que o gestor reconheça a função educativa/pedagógica de

sua atuação se distanciando da postura de um buracráta-administrador, construindo

uma análise crítica em seu cotidiano profissional:

“Eu acho que sim (que estou distante do processo educativo). Eu acho

porque assim, primeiro há alguns anos eu não atendo mai,; raramente,

uma situação ou outra, a população. Muito menos nos CRAS, na porta

aberta, não tenho mais este contato direto com a população. Então, eu

posso tentar garantir em algum documento ou posso tentar garantir no

trabalho que eu tenho com os técnicos, com as equipes que eu dirijo. A

contribuição que eu posso dar hoje é isso. Se eu acredito nesse caráter

educativo, no processo de reflexão, de opinião crítica, eu preciso

exercitar isso inclusive com os técnicos, com as equipes que eu

coordeno até para que elas possam realmente na prática exercitar isso

também. Então, na medida em que eu faço reuniões com os técnicos –

isso eu faço bastante – com as equipes, eu tenho que garantir que

estas reuniões tenham este caráter educativo também, que levem eles a

decisões, a reflexões, a se posicionar mais como atores no trabalho e

que eu não seja só uma mera repassadora: olha tem que ser feito isso,

isso e isso. Mas de atuar com a população eu me sinto um pouco

distante, não tenho mais acesso à população pela característica do meu

trabalho e nem a população tem mais acesso a mim.” (Gestora 2)

Nesta fala da gestora, o que aponta é que o espaço privilegiado para a ação

educativa do assistente social é o contato imediato com a população usuária.

Todavia, o gestor tem uma função educativa importante porque pode potencializar o

profissional assistente social para uma capacitação continuada, construindo com as

equipes processos que saiam do imediato e fomentar a reflexão crítica. Por não se

contaminar pela imediaticidade do cotidiano, o gestor tem um papel fundamental na

construção de mediações junto à equipe técnica.

Desta forma, o que se compreende é que, apesar do gestor assistente social

não ter o contato direto com a população, o seu trabalho pode ter foco para que esta

população tenha suas necessidades e demandas organizadas para a construção de

estratégias de enfrentamento. Este olhar transforma as relações ao passo que, o

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resultado é conseqüência do processo de construção coletiva e não o fim último da

ação.

É nesta perspectiva que se engrossa o movimento de construção de uma

pedagogia emancipatória, quando se distancia dos valores sustentados pelo bloco

dominante na busca por mediações refletidas, históricas e sustentadas pela

construção de um novo modo de ser e de uma nova sociabilidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

QUANDO O FIM É O RECOMEÇO DE UM NOVO CICLO

“Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!”

Mário Quintana

O caminho descoberto e para qual aponta esta pesquisa por vezes parece

inatingível. A cultura dominante, as formas de persuasão, as estratégias de

exploração da sociedade atual nos faz sentir pequenos e inexpressivos. Olhar para a

massa de usuários dos serviços do assistente social, massa esta que aumenta a

cada dia, multifacetada pelas manifestações da questão social; é sentir-se uma gota

solitária em meio ao oceano.

Entretanto, o desafio posto faz despertar para a coragem e a lucidez de

apreender que este sistema social e econômico está fadado ao caos, pois não é

capaz de sustentar o bem mais precioso do ser humano, acima de qualquer

consumo ou variante do marcado financeiro, que é a própria vida.

Que as milhares de gotas espalhadas pelo oceano possam se aglutinar, se

condensar e assim, mais do que acabar com o sentimento de solidão, possam

precipitar uma onda de transformação. São gotas os agentes profissionais que

comungam com o projeto ético-político profissional, os diferentes movimentos sociais

que sobrevivem bravamente, os sujeitos desta sociedade que lutam por direitos

humanos, civis e políticos e, mais do que isto, vislumbram outra forma de ser no

mundo.

O primeiro capítulo desta dissertação discorreu sobre as bases teóricas, não

apenas da pesquisa, mas, do Serviço Social. As pedagogias como forma de ser da

profissão, apontam que o exercício profissional é embebido do caráter educativo,

mesmo que o agente profissional não seja consciente deste aspecto. Entretanto,

mesmo que o exercício profissional possua um caráter educativo, nas diferentes

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formas de atuação do assistente social, não significa que este é desenvolvido numa

perspectiva emancipatória.

O termo socioeducativo, esvaziado de significado, foi dissecado na busca de

uma compreensão que atendesse à profissão. Ao final deste caminho investigativo

chega-se à conclusão que o trabalho socioeducativo é uma intervenção profissional

que tem como campo de ação as relações sociais em seu processo de reprodução e

pode contribuir de forma significativa para a organização das classes subalternas,

disseminação informação na direção do fortalecimento de uma nova e superior

cultura. Isso desde que rompa com o caráter disciplinador e conservador que tais

práticas vêm adquirindo no contexto profissional.

O trabalho socioeducativo de forma geral prioriza ações coletivas e utiliza-se

de metodologias próprias, entretanto deverá pautar-se fundamentalmente em

processos críticos, de reconstrução histórica que proponha espaços democráticos e

participativos, essencialmente abertos e criativos. Neste sentido, o caminho

apontado é de coerência teórica entre o trabalho socioeducativo e o projeto ético-

político do assistente social, eliminando ações espontaneístas e ecléticas.

O desafio, entretanto, refere-se a um número considerado de profissionais,

que mesmo não assumindo um debate claro, expressam no seu fazer profissional a

dificuldade de traduzir o referencial teórico adotado em instrumentos e técnicas de

ação. E desta forma, se estabelece uma busca desenfreada por ―dinâmicas‖,

―formulários‖, ―metodologias‖ e instrumentos de todos os tipos.

O Serviço Social é uma profissão de caráter eminentemente interventivo e

imersa num cenário complexo. O trabalho socioeducativo muitas vezes é preenchido

pelo imediato gerando uma busca por respostas, por metodologias e técnicas de

atendimento que tragam mais ―eficiência‖ aos serviços prestados. Toda esta

eficiência poderá muitas vezes ser traduzida em dados quantitativos e não

qualitativos; desconectados de uma reflexão teórica.

“Se não se captar o trabalho a partir de uma ontologia de raiz

materialista-histórico e a instrumentalidade do processo de trabalho

(Cf. Marx, 1985ª, 1994; Lukács, 1979), mas, também, se não se

aprender a natureza e o significado sócio-histórico da profissão

(Iamamoto, 1982), se não se compreender que a profissão envolve

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questões de saber e de poder (Faleiros, 1989, p.85) e sua

particularidade é o sincretismo (Netto, 1991), se não se considerar a

consciência como produto histórico do ser social no seu processo de

trabalho, se não se captar os processos de alienação do mundo

burguês, se não se ponderar sobre a interconexão de ambos na

intervenção profissional (Martinelli, 1989), então, a questão da

instrumentalidade do Serviço Social se reduzirá aos conteúdos, aos

repertórios e aos procedimentos técnicos-operativos da profissão, tal

como naquela concepção „técnico-intrumentalista‟... “ (GUERRA,

2004:112)

Diante da escolha teórica profissional, não é possível discutir

instrumentalidade, instrumentos e técnicas, como o trabalho socioeducativo,

reduzidos em si mesmos, de intenção imediata. A realidade torna urgente o debate

sobre instrumentalidade, pois os profissionais atuam no cotidiano construindo suas

estratégias de ação. Todavia, a perspectiva de totalidade e a coerência teórica são

alicerces fundamentais para tal discussão.

Cabe, ainda, na perspectiva do trabalho socioeducativo, a iniciativa e a

competência para dialogar com as diferentes disciplinas, já que, o socioeducativo é

eminentemente interdisciplinar e não se defende um debate endógeno do tema. O

diálogo competente com outras disciplinas visa o amadurecimento das bases

teóricas e da intencionalidade dessas ações.

Amadurecer é planejar o trabalho socioeducativo para além de um amontoado

de dinâmicas e construir junto com a população usuária um trabalho que tenha

significado para as classes subalternas, reconhecendo suas necessidades,

potencialidades e estratégias de vida.

Os processos de organização da cultura abrangem a totalidade da sociedade,

desenvolvendo-se historicamente intencionando as múltiplas relações político-

pedagógicas.

A pedagogia da ajuda e da participação são mais presentes no cotidiano

profissional do que se possa imaginar. Mescladas pelas mudanças atuais, que

incluem um incrível avanço tecnológico, apresentam-se de forma tácita no discurso e

na ação de assistentes sociais preocupados com a eficiência e eficácia de sua

atuação profissional.

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Segundo Abreu:

“As metamorfoses operadas nas pedagogias da “ajuda” e da

“participação” conformam uma reatualização da função pedagógica

tradicional do assistente social, na sociedade brasileira, referidas ao

ajustamento, integração e promoção sociais, mediante incorporação

de novos elementos e mediações que refuncionalizam essas

pedagogias no processo de organização da cultura a partir da

orientação neoliberal. Trata-se da função histórica de ocultamento

não só das dimensões econômicas e políticas da assistência no

processo de reprodução da força de trabalho e no exercício do

controle social, mas, fundamentalmente, como desdobramento

dessas dimensões, a dissimulada manutenção do trabalhador em

permanente estado de necessidade material e de dominação político-

ideológica.” (2002: 226)

Neste sentido, cabe questionar a intencionalidade da política de assistência

social que vem sendo implantada no país e, principalmente, o PAIF como o principal

programa de Proteção Social Básica. O que se observa no âmbito do PAIF e da

Proteção Social Básica é um disputa na busca de sentido e significado para a ação.

Se o CRAS é a porta de entrada para acesso a serviços assistências é, também,

onde as mais diversas manifestações da questão social se apresentam e como lidar

com esta complexidade?

Se por um lado o CRAS pode ser um mero ―balcão‖ de atendimentos , focado

no controle e enquadramento do usuário, por outro lado, ele possui potencialidades

para apoiar projetos emancipatórios, sendo um espaço da comunidade e com a

comunidade trilhar novos caminhos, pressionando gestores públicos para a

realidade em questão.

Seguindo esta direção, o segundo capitulo tratou de dimensionar o espaço da

pesquisa, o município de Santo André através da Secretaria Municipal de Inclusão

Social. Discorreu sobre a história do município sob o aspecto da assistência e as

diretrizes fundamentais do PAIF. Neste ponto, os assistentes sociais, sujeitos desta

pesquisa, já trouxeram sua contribuição dando vida, cor e sabor ao SUAS.

A Proteção Social Básica possui caráter preventivo para o não agravamento

das vulnerabilidades e riscos socais das famílias. Entretanto, os territórios de

abrangência dos CRAS estão submersos na degradação da vida e das relações

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sociais de forma acirrada, o que nos faz questionar qual ação preventiva é possível

realizar mediante o caos?

As condições objetivas impostas ao assistente social, configurando-o como

um trabalhador assalariado, mal remunerado, muitas vezes esquecido nos territórios

de atuação com as mais diferentes e complexas demandas, fazem com que, este

profissional tenha uma postura crítica tênue, sendo engolido pela cultura do

conformismo, reduzindo-se a um ―assistente de benefícios sociais‖.

Apesar da real importância do reconhecimento deste movimento, é

imprescindível que à luz do método marxiano se olhe para o assistente social não só

como objeto, mas, também como sujeito de sua ação e de sua história.

É nas mediações da contradição que a pedagogia da emancipação vem

sendo construída na perspectiva de uma nova sociabilidade. Sociabilidade esta que

não se sustente na exploração do trabalho, na exploração do meio ambiente

desprovida de qualquer consciência sustentável, no acirramento das desigualdades

sociais.

Trata-se, então, de seguir para além da luta por direitos e não estacionar na

ilusão da retomada de um ―Estado de Bem Estar Social‖.

[...] a luta por direitos recoloca-se, na atualidade, num fronte em que a

necessidade de resistência e enfrentamento das políticas econômico-

sociais de cunho neoliberais passa pela desmistificação da retórica

dominante. Esta retórica incorpora as conquistas constitucionais para

implementar medidas contrárias à perspectiva histórica das lutas

sociais das classes subalternas. Sob esta perspectiva, as referidas

conquistas colocam-se como um momento de um processo mais

amplo de superação da ordem do capital e da construção de uma

nova sociedade – a socialista” (ABREU, 2002:229)

Este processo envolve luta e conquista e não está restrito à profissão,

envolvendo outros atores da sociedade que se afinam pelos valores e objetivos de

transformação social.

Nesta perspectiva, insere-se o terceiro capítulo com a proposta que o

assistente social, mais do que ―educar‖ o usuário, possa educar-a-ação profissional

através de um continuo processo de capacitação, marcado pela leitura crítica da

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realidade e pelo reconhecimento do movimento contraditório impressos na totalidade

da ação profissional.

Trata-se da construção de uma práxis23 profissional que parte de referenciais

teóricos numa perspectiva intencional de transformação. É inerentemente ação

como práxis que é, e, fatalmente crítica por ser imbuída da totalidade, da

contradição, da historicidade e da mediação, elementos que a constitui.

Que o assistente social em seu cotidiano possa se aproximar de uma práxis

profissional, se distanciando assim da alienação profissional, impressa em um

pragmatismo acrítico.

É um caminho que não possui receitas prontas, mas, que aponta a

disponibilidade do profissional em sair da ―zona de conforto‖ reconhecendo e

nutrindo um seu papel altivo profissional que, deveria ser o de intelectual orgânico

com um compromisso assumido na organização da cultura, das necessidades e

demandas das classes subalternas.

23

“Etimologicamente Práxis, um termo grego, significa ação. Não se trata, porém, de uma ação ingênua,

arbitrária, espontânea, mas, sim de uma ação dotada de uma vontade, direcionada para uma finalidade,

imbuída de uma intencionalidade: trata-se de uma ação que parte de uma pré-figuração ideal do resultado que

deseja atingir.” MARTINELLI, 2007

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BRASIL. Norma Operacional Básica – NOB SUAS – Construindo as bases para a

implantação do Sistema Único de Assistência Social. Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate a Fome, 2005.

BRASIL. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-

RH/SUAS. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, 2007.

CÓDIGO de ética dos assistentes sociais. Conselho Federal de Serviço Social,

1993.

MARTINELLI, Maria Lúcia. Material de Apoio para a IX Sessão do Curso : Serviço

Social : identidade e contemporaneidade. Programa de Estudos pós

Graduados em Serviço Social, PUC-SP: 2007.

Documentos e Dados da Rede Internet

Prefeitura de Santo André. http://www.santoandre.sp.gov.br/

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. http://www.mds.gov.br

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Anexos

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Termo de Consentimento

Você está convidada (o) a participar de uma pesquisa com a aluna Tatiana de

Fátima Domingues Bruno, do Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço

Social. Esta pesquisa é parte integrante da dissertação de mestrado, que deverá ser

apresentada pela aluna referida como um dos requisitos para a titulação de mestre.

Sua participação consciente, voluntária e sincera é fundamental para o

desenvolvimento desta pesquisa.

Ao participar você deverá fornecer informações sobre alguns aspectos de sua vida

profissional e opiniões pessoais através de uma entrevista que será gravada. A

utilização do gravador tem por objetivo garantir a fidelidade das informações

fornecidas.

Em nenhum momento da pesquisa a sua identidade será revelada e todas as

informações fornecidas são sigilosas. Quando finalizada, esta dissertação se tornará

pública e mesmo assim, sua identidade continuará resguardada, garantindo assim

confidencialidade.

Atenciosamente,

Tatiana de Fátima Domingues Bruno

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Consentimento

Eu ........................................................................................................, declaro que li o

Termo de Consentimento e concordo em fornecer as informações solicitadas através

de entrevista e / grupo focal que serão gravados.

Diadema, _____/______/________

___________________________________________ Entrevistado

__________________________________________ Entrevistadora

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Roteiro de Entrevista

1. Onde e quando você se formou?

2. Você entende que o Serviço Social tem uma função educativa em seu

cotidiano? Por quê?

3. Você consegue evidenciar isso em sua prática? Como?

4. E no trabalho com grupos socioeducativos, como você enxerga o papel do

assistente social?

5. O que para você é um grupo?

6. Você poderia, por favor, definir o termo socioeducativo para o Serviço Social?

7. Por favor, fale de sua atuação com grupos socioeducativos no PAIF?

8. Em quê você acredita que o Serviço Social contribuí nos grupos

socioeducativos?

9. Você planeja os encontros dos grupos? Este planejamento está baseado em

quê?

10. Para você, qual o objetivo do trabalho socioeducativo com grupos de família?

11. Você recebeu em sua formação profissional capacitação para exercer este

trabalho?

12. Você entende que há uma relação entre teoria e prática na sua atuação com

grupos? Por quê?

13. Em qual teoria está baseado a sua atuação com grupos? Por quê?

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Roteiro Grupo Focal

1. Apresentação de cada um, quando e onde se formou, qual o trabalho que

exerce atualmente em Santo André.

Temas disparadores sorteados pelos participantes:

2. O que é o PAIF em Santo André?

3. O Serviço Social tem uma dimensão educativa? Como ela se expressa na

prática cotidiana?

4. Socioeducativo é.......

5. A história do Serviço Social e o trabalho socioeducativo.

6. A formação profissional e a função educativa do assistente social.

7. O significado dos grupos socioeducativos.