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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP William Ruotti O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: OS DOCUMENTOS OFICIAIS E A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE CARAPICUÍBA DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

William Ruotti

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: OS DOCUMENTOS OFICIAIS

E A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR DA

REDE ESTADUAL DE ENSINO DE CARAPICUÍBA

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

São Paulo

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

William Ruotti

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: OS DOCUMENTOS OFICIAIS

E A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR DA

REDE ESTADUAL DE ENSINO DE CARAPICUÍBA

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Doutor em Língua Portuguesa sob a

orientação do Prof. Dr. João Hilton Sayeg de

Siqueira.

São Paulo

2016

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

____________________________________________

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Dedico esta tese a todos que, de alguma forma,

contribuíram para sua realização.

Dedico, especialmente, aos meus filhos,

Felipe Lorenzo,

Ana Luiza e

Julia Mariana,

pela alegria despretensiosa e ingênua, e

à minha esposa,

Edilene,

pelo amor, carinho e força de sempre.

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AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, o imprescindível apoio financeiro;

ao Professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira, a amizade e o profissionalismo com que

conduziu todas as orientações;

à Professora Doutora Lilian Maria Ghiuro Passarelli e ao Professor Doutor Rodrigo Maia

Theodoro dos Santos , pelos pertinentes apontamentos e contribuições;

aos professores do programa de estudos pós-graduados em Língua Portuguesa, em especial ao

professor doutor Luis Antonio Ferreira e às professoras doutoras Jeni da Silva Turazza, Neusa

Maria Oliveira Barbosa Bastos, Sueli Cristina Marquesi e Vanda Maria Elias, pelos

indescritíveis momentos de sabedoria e aprendizagem;

à professora doutora Denize Elena Garcia da Silva, da UNB, pelos importantes e valiosos

esclarecimentos sobre Análise do Discurso Crítica (V SIMELP – Lecce, Italia);

aos meus alunos do curso de Letras da FALC – Faculdade da Aldeia de Carapicuíba, pelo

aprendizado do dia-a-dia;

aos meus colegas PCNP do NPE da Diretoria de Carapicuíba, pelas discussões acaloradas e troca

de experiências;

à Edilene, o apoio, a compreensão e o amor incondicional de todos os momentos.

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RESUMO

Nesta tese, inserida na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa,

do Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa da PUC-SP, investigo as

relações estabelecidas entre a SEE-SP e seu discurso institucional e os potenciais reflexos

na atuação do professor de Língua Portuguesa que leciona nas escolas estaduais do

município de Carapicuíba. O objetivo da pesquisa é identificar e discutir a estrutura de

poder estabelecida pela SEE-SP, por meio de seus documentos oficiais, na constituição

do discurso pedagógico em torno da atuação desse professor. Sendo assim, desenvolvo

este estudo à luz da Análise de Discurso Crítica (ADC), na vertente proposta por

Fairclough (2003, 2008, 2010) e do Realismo Crítico (RC), a partir do que apresenta

Resende e Ramalho (2009) e Bhaskar (1998). A análise centrou-se nos documentos que

fazem parte do percurso do professor como profissional: as portarias do INEP/MEC que

determinam a avaliação do ENADE e o que se espera do futuro professor formado em

Letras; os recortes feitos nos Editais para ingresso na rede estadual de ensino de São

Paulo, traçando um comparativo entre os concursos de 1998, 2003, 2010 e 2014, pós LDB

de 1996, identificando o perfil e os conhecimentos necessários ao professor formado e

candidato a ingresso; o Currículo do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa, as

Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP, as orientações sobre a AAP e, por fim,

as Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado de São Paulo – 2015-2018,

reguladores da atuação do professor em sala de aula. Pensar nesses momentos na

construção do discurso pedagógico do professor é muito importante considerando que

nesse processo, particular e individual, o professor confronta o que lhe é posto pela

Secretaria e as vivências que traz consigo, fundamentando sua maneira de ser, de

representar e de agir no mundo. Os resultados nos mostraram a necessidade dessas

reflexões sobre os textos institucionais que orientam sua atuação em sala de aula façam,

cada vez mais, parte das discussões realizadas pelos professores de Língua Portuguesa

em diferentes momentos de formação, sejam nas ATPC ou mesmo em O.T. centralizadas,

no sentido de elucidar e tornar claro o processo de ensino e aprendizagem, evitando que

esse se torne um reflexo de uma simples causalidade mecânica.

Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica e educação; Ensino e aprendizagem de

Língua Portuguesa; Construção do discurso pedagógico e os documentos oficiais da SEE-

SP.

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ABSTRACT

In this thesis, part of the line of research Reading, Writing and English Language

Teaching, the Program of Postgraduate Studies in Portuguese at PUC-SP, I investigate

the relations between the SEE-SP and its institutional discourse and the potential impacts

on acting teacher of Portuguese who teaches in the public schools of the city of

Carapicuíba. The objective of the research is to identify and discuss the power structure

established by SEE-SP, through its official documents, in the constitution of pedagogical

discourse around the performance of this teacher. Thus, I develop this study in the light

of Critical Discourse Analysis (CDA), the side proposed by Fairclough (2003, 2008,

2010) and Critical Realism (RC), from what has Resende and Ramalho (2009) and

Bhaskar (1998). The analysis focused on documents that are part of the teacher as a

career: the portarias do INEP / MEC that determine the evaluation of ENADE and what

is expected of the future teacher, graduated in Letters; the clippings of notices to join the

state system of São Paulo teaching by drawing a comparison between the 1998 contests,

in 2003, 2010 and 2014, 1996 LDB post in which establish the profile and knowledge

necessary for the teacher formed and ticket seeker ; Currículo do Estado de São Paulo de

Língua Portuguesa, the Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP, guidance on

the AAP and, finally, the Diretrizes Norteadoras da política Educacional do Estado de

São Paulo - 2015-2018, the actions of regulators teacher in the classroom. Think of these

moments in the construction of pedagogic discourse of the teacher is very important

considering that in this process, particular and individual, the teacher confronts what is

put by the Secretariat and the experiences that brings with it, basing their way of being,

of representing and acting in the world. The results showed us the need for reflection on

the institutional texts on education make increasingly part of the discussions held by the

Portuguese Language teachers at different times of training, in order to elucidate and

clarify a simple mechanical causality that the teaching process and learning can become.

Keywords: Critical Discourse Analysis and education; Teaching and learning of

Portuguese; Construction of pedagogic discourse and the official documents of SEE-SP.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 09

CAPÍTULO 1

A ESTRUTURA DA EDUCAÇÃO ESTADUAL PAULISTA: OS DOCUMENTOS

OFICIAIS, AS AVALIAÇÕES EXTERNAS E A ATUAÇÃO DO PROFESSOR

1.1 AS DIFERENTES DIMENSÕES DA GESTÃO.......................................................17

1.2 AS AVALIAÇÕES EXTERNAS..............................................................................22

1.2.1 PISA.........................................................................................................23

1.2.2 SAEB.......................................................................................................26

1.2.3 SARESP...................................................................................................31

1.3 A EDUCAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL: A APLICAÇÃO DA AVALIAÇÃO DA

APRENDIZAGEM EM PROCESSO (AAP).............................................................36

1.3.1 Avaliação da Aprendizagem em processo................................................36

1.3.2 O Plano de Intervenção Pedagógica (PIP)................................................38

CAPÍTULO 2

A ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA E O REALISMO CRÍTICO:

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.1 A IMPORTÂNCIA DO CONTEXTO.......................................................................42

2.1.1 Contexto como modelo mental.................................................................45

2.1.2 A função do contexto................................................................................47

2.2 A ADC ......................................................................................................................51

2.3 A ADC E O REALISMO CRÍTICO..........................................................................73

2.4 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE ...........................................................................78

CAPÍTULO 3

A SEE-SP E O PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA: DAS EXIGÊNCIAS

A ATUAÇÃO

3.1 O MUNICÍPIO E AS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS..................................85

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3.2 O FORMANDO: O EXAME NACIONAL DE DESEMPENHO DOS

ESTUDANTES – ENADE............................................................................................103

3.2.1 As avaliações do ENADE: 2011 e 2014...................................................103

3.3 O FORMADO: OS CONCURSOS PÚBLICOS PARA PROFESSOR DA

EDUCAÇÃO BÁSICA II..............................................................................................110

3.3.1 Concurso Público para PEB II – 1998.......................................................111

3.3.2 Concurso Público para PEB II – 2003........................................................115

3.3.3 Concurso Público para PEB II – 2010.......................................................122

3.3.4 Concurso Público para PEB II – 2013........................................................133

3.4 O PROFESSOR EM ATUAÇÃO: O CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO

E OUTROS DOCUMENTOS........................................................................................139

3.4.1 O Currículo do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa.........................140

3.4.2 As Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP e a Plataforma “Foco

Aprendizagem”..............................................................................................................148

3.4.3 Avaliação da Aprendizagem em Processo e Plano de Intervenção

Pedagógica.....................................................................................................................155

3.4.5 Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado de São Paulo –

2015-2018......................................................................................................................156

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................167

REFERÊNCIAS...........................................................................................................171

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INTRODUÇÃO

O objetivo geral desta tese é identificar e discutir a estrutura de poder estabelecida pela

SEE-SP, por meio de seus documentos oficiais, no processo de constituição e construção

do discurso pedagógico referente ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa nas

escolas da rede pública estadual. Para alcança-lo, traço os seguintes objetivos específicos:

Analisar o discurso dos documentos oficiais utilizados pela SEE-SP como base de

seu sistema de ensino;

Identificar o discurso presente nos textos organizados a partir dos dados obtidos

com a aplicação da avaliação do SARESP e o diálogo desses com o PISA e com

o SAEB;

Analisar a constituição do discurso pedagógico comparando o que os documentos

oficiais estabelecem como exigências ao professor de Língua Portuguesa, em

diferentes momentos que antecedem a entrada desse professor em sala de aula e a

efetiva interação com o aluno.

Desde 2009, ao assumir a função de Professor Coordenador de Núcleo Pedagógico

(PCNP), na área de Língua Portuguesa, na Diretoria de Ensino da Região de Carapicuíba,

tanto ao participar ou conduzir discussões sobre o ensino e aprendizagem da língua,

chamou-me a atenção a grande heterogeneidade dos grupos de professores. Essa, por sua

vez, instaura-se a partir das diferentes formações acadêmicas, do tempo de magistério,

das experiências escolares bem ou mal sucedidas, das posturas relacionadas ao que é ser

professor de Português, entre outras. Além disso, mesmo havendo uma convergência no

âmbito teórico sobre a ação pedagógica, principalmente no que tangem as suas

particularidades e suas temáticas, na prática, o que transparece é um pessimismo geral,

por parte desses professores.

As situações de interação a que me refiro acima fazem parte, principalmente, das

atividades desenvolvidas nas Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) realizadas

nas escolas e das Orientações Técnicas (OT) realizadas na Diretoria de Ensino (DE). Nas

ATPC, o responsável pela orientação são os Professores Coordenadores (PC) das escolas,

ficando a cargo deles organizar a formação dos professores na Unidade Escolar (UE) e

orientar sua atuação. A formação centralizada na DE é atribuição do PCNP que, nas

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Orientações Técnicas, a partir das demandas da Secretaria Estadual da Educação (SEE-

SP), convoca os professores Língua Portuguesa e Professores Coordenadores, para

estudos, discussões, organização de materiais, alinhamento de posturas, planejamento de

plano de ações1.

A partir do contato estabelecido entre PCNP, PC e Professores de Língua Portuguesa, o

trabalho de formação e acompanhamento realizado em Língua Portuguesa, estrutura-se

em três momentos:

Orientações Técnicas/ Grupos

Focais - DE

Plano de Ação –

NPE Língua Portuguesa Reuniões Pedagógicas (ATPC)

Acompanhamento das aulas de

Língua Portuguesa por amostragem/

Visita às escolas

O desenvolvimento das ações de formação e acompanhamento obedece ao seguinte

percurso: a DE convoca os professores de Língua Portuguesa (e em alguns casos o PC

para acompanhá-los) para OT com o objetivo trabalhar com os grupos a maneira como a

SEE-SP compreende e disciplina diferentes temas como Sequências Didáticas,

Estratégias de Leitura e Produção Textual Escrita, Ensino de Gramática, Avaliações

Externas, por exemplo. Nas ATPC, o professor participante da OT (multiplicador) deve

socializar com a equipe escolar as discussões, atividades e encaminhamentos, cabendo ao

PC permitir essa interação na UE e, consequentemente, o diálogo entre o discurso oficial

e a realidade escolar. Por fim, o acompanhamento das aulas de Língua Portuguesa visa

verificar se todo esse trabalho chegou a sala de aula e de que maneira isso aconteceu.

Compreendendo, como defende Fairclough (1992; 2010), a necessidade de um ponto de

vista crítico da educação e da escolarização, com a aproximação crítica ao estudo da

linguagem, neste trabalho optei por realizar a análise a partir da observação dos dois

1 As atribuições do PC e do PCNP são definidas pela Resolução SE nº 75, de 30-12-2014, que dispõe sobre a função gratificada do Professor Coordenador.

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primeiros momentos/eventos: Orientações Técnicas e ATPC. Tanto nas OT quanto nas

ATPC chama muito minha atenção os comentários dos professores, grande parte por meio

de falas de tom negativo ao se referirem à situação no qual se encontram. Falas como “...

isso é bonito na teoria, mas na prática...”, “já tentei de tudo, não consigo fazer isso”,

“não temos materiais... faltam até dicionários na escola...”, “a Secretaria fala que eu

tenho que usar a tecnologia, mas dos 20 computadores na sala do ‘Acessa’2, só 3

funcionam...”, são recorrentes. Eles também se mostram temerosos e/ou mesmo

completamente com dúvidas só em pensar em possíveis mudanças. Algo ressaltado com

frequência por eles é a existência de fossos entre o que se discute como teoria, o

apresentado e normatizado pelos textos institucionais (neste casso, textos normativos da

SEE-SP) e a prática “real” em sala de aula.

Outro ponto importante é o de que os professores, embora conheçam os conteúdos e

algumas formas (estratégias) para conduzirem o trabalho pedagógico e demonstrem –

pelo menos ao descreverem a maneira como compreendem a atuação do professor em

sala – certa segurança para assumirem seu papel frente a 30, 35 alunos, eles não

conseguem, por algum motivo, fazer com que isso reflita para eles e para seus alunos

momentos entendidos como significativos: a impressão é que nada acontece em sala de

aula. Os índices de avaliações externas e os resultados das avaliações internas mostram

uma grande parcela de alunos que não desenvolveram (e não desenvolvem?!) as

competências e habilidades esperadas em cada etapa. As expectativas de aprendizagem

não são alcançadas.

Os documentos oficiais da SEE-SP visam disciplinar diferentes assuntos referentes à

gestão do trabalho escolar. Isso implica um problema: termos, por exemplo, um único

texto com a pretensão de abarcar todas as especificidades de todas as regiões do Estado.

O universo aqui recortado compreende as escolas públicas estaduais de São Paulo, mais

especificamente, as escolas da cidade de Carapicuíba, jurisdicionadas à Diretoria de

Ensino da Região de Carapicuíba, uma das 91 Diretorias de Ensino da SEE-SP. Segundo

a Secretaria, no Estado, são quase de 4,5 milhões de alunos3, sendo que desses, temos em

2 A professora fez referência ao “Programa Acessa Escola”, programa da SEE-SP que tem por objetivo promover a inclusão digital e social dos alunos, professores e funcionários da escola pública estadual – Resolução SE nº 17, de 31-3-2015. 3 Dados do Censo Escolar 2012. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/327.pdf. Acesso em 11 dez. 2013.

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Carapicuíba 62.240 alunos matriculados na Rede Publica Estadual em 2014 (ciclo Inicial,

Intermediário e Final do Ensino Fundamental e Ensino Médio): são 21.736 nos anos finais

do Ensino Fundamental e 17.880 matriculados no Ensino Médio4, distribuídos em 68

escolas.

Além dos documentos oficiais, temos os dados obtidos com a prova do Sistema de

Avaliação de Rendimento do Estado de São Paulo, SARESP. Nesse sistema, os alunos

são diferenciados a partir do seu desempenho, considerando o grau de proficiência

apresentado – categorias Abaixo do Básico, Básico, Adequado e Avançado. Esses dados

subsidiavam uma agenda de trabalho estabelecido pela SEE-SP entre 2011 até o ano de

2014, estabelecendo como foco de ação a figura das escolas prioritárias: uma escola era

considerada prioritária por possuir maior vulnerabilidade, tanto no aspecto

socioeconômico, como nos de infraestrutura e de aprendizagem5. Em se tratando da

proficiência dos alunos em Língua Portuguesa, admitia-se os seguintes padrões: essas

escolas necessitariam de um olhar diferenciado se apresentassem em Língua Portuguesa

37% dos alunos ao final do Ensino Fundamental (9º ano) e/ou 54% dos alunos, ao final

do Ensino Médio, com níveis de proficiência Abaixo do básico – o que significa dizer que

a SEE-SP considerava “normal” que toda essa quantidade de alunos demonstrassem

“domínio insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o

ano/série escolar” em que se encontravam (SÃO PAULO, 2012). Essas porcentagens

foram definidas de forma arbitrária pela própria Secretaria. Percebemos, assim, a

complexidade da situação. Agora, em 2015, não se fala em priorizar a escola, mas em

priorizar o aluno.

A cada ano letivo, a cada ação proposta pela Secretaria, tem-se uma crescente tentativa

em aproximar as avaliações externas do Sistema de Avaliação da Educação Básica

(SAEB) e do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA - Programme for

International Student Assessment). Mais especificamente em relação ao SAEB e seu

objetivo de produzir informações a respeito da realidade educacional brasileira, a

Resolução SE 41, de 31-7-2014, esclarece que:

4 Dados fornecidos pelo CIE CAR – Centro de Informações Educacionais e Gestão da Rede Escolar da Diretoria de Ensino da Região de Carapicuíba. Data base 18/02/2014. 5 Notícias – SEE-SP. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/foco-em-escolas-vulneraveis-esta-entre-as-acoes-para-colocar-a-educacao-de-sao-paulo-entre-as-melhores-do-mundo. Acesso em 28.02.2012

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esse instrumento de avaliação externa viabiliza, para cada rede de

ensino, a possibilidade de comparação entre os resultados do SARESP

e aqueles obtidos por meio de avaliações nacionais, como o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB, incluindo a

Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB e a Avaliação

Nacional do Rendimento Escolar – ANRESC/Prova Brasil.

Isso significa dizer que há uma tentativa de estabelecer um diálogo, considerando os

formatos e a métrica (escala de proficiência) utilizados, entre os instrumentos de avaliação

Estadual, Federal e Internacional.

A essas avaliações acrescento as ações fomentadas a partir da criação da Avaliação da

Aprendizagem em Processo (AAP), composta de dois instrumentos: a prova, com o

objetivo de diagnosticar a aprendizagem dos alunos, e o material de apoio, como subsídio

para a tomada de decisões. Como fui um dos Professores Coordenadores que participaram

da elaboração da 1º edição da AAP de Língua Portuguesa para o 6º ano do Ensino

Fundamental e para o 1º ano do Ensino Médio, junto a Coordenadoria de Estudos e

Normas Pedagógicas (CENP), posso dizer que o objetivo primeiro dessa ação em 2011

(2º semestre) pautava-se pelo diagnóstico, onde se enfatizava, por parte da SEE-SP, um

afastamento do SAEB e SARESP. A ideia defendida era de uma avaliação que

“fornecesse uma resposta rápida para os professores e com isso pudessem, de certa

forma, reprogramar as ações este ano [2011]”, resultando, nos anos subsequentes “a

elaboração de um banco de itens para que os próprios professores possam escolher as

questões que eles gostariam que fossem colocadas para efeito de avaliação” – essa fala

pertence ao Prof. Dr. João Cardoso Palma Filho, na Videoconferência realizada no dia

22/08/2011, momento em que ocupava a função de Secretário Adjunto da SEE-SP. Hoje,

na 9ª edição, a AAP assumiu alguns caminhos diferentes que serão abordados no capítulo

1 e 3.

O estudo aqui proposto pode, além de contribuir para a compreensão de questões que

afetam diretamente a atuação do professor, iniciar um trabalho de desnaturalização das

representações aceitas como pertencentes ao senso comum: nas últimas décadas, tronou-

se normal desconfiar da capacidade do professor em lecionar sua disciplina. Questões

em que se discutem o que é “ser um professor de qualidade”, “uma aula interessante e

com qualidade”, “ter o domínio dos conhecimentos específicos” entre outras, fazem parte

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do nosso dia a dia. Por outro lado, temos a SEE-SP, partindo dessa pretensa “incapacidade

profissional”: há a institucionalização de políticas desconsiderando as especificidades do

professor e suas necessidades profissionais. Diante disso, pretendo responder às seguintes

perguntas de pesquisa:

a) Qual papel os diferentes documentos oficiais pretendem assumir na construção da

prática discursiva e social do professor de Língua Portuguesa, particularmente da

rede pública estadual de Carapicuíba?

b) De que forma são apresentados os dados obtidos com a prova do SARESP ao

professor e a maneira como esses resultados são recebidos? Qual o diálogo

estabelecido entre esses resultados, o Currículo do Estado de São Paulo e o perfil

do PEB-II esperado e desejado pela SEE-SP?

c) Quais recursos a SEE-SP utiliza para construir estruturas de poder para a atuação

do professor de Língua Portuguesa?

Entendo que uma investigação crítica deve esclarecer a forma como as desigualdades são

expressas, sinalizadas, constituídas e legitimadas pelo uso do discurso. Dessa forma,

analiso os documentos oficiais da SEE-SP, os dados e documentos sobre as avaliações

externas, e os documentos orientadores para a atuação do professor para o ensino e

aprendizagem da Língua Portuguesa. Noto, com essas análises, a perspectiva de um tom

impositivo, ou mesmo a busca por um discurso hegemônico que regule as relações

escolares.

A tese, além desta introdução e das considerações finais, compreende 3 capítulos. No

Capítulo 1 – A ESTRUTURA DA EDUCAÇÃO ESTADUAL PAULISTA: OS

DOCUMENTOS OFICIAIS, AS AVALIAÇÕES EXTERNAS E A ATUAÇÃO DO

PROFESSOR–, apresento como a SEE-SP organiza a gestão escolar a partir do que é

definido pelo Decreto nº 57.571, de 2.12.2011, que institui o Programa “Educação –

Compromisso de São Paulo”. Em seguida, trato das Avaliações Externas PISA, SAEB e

SARESP identificando a forma como a Secretaria estabelece o diálogo entre elas,

utilizando-as como o principal subsídio para a proposta de ações pedagógicas em Língua

Portuguesa. Encerro o capítulo tecendo comentários sobre a Avaliação da Aprendizagem

em Processo (AAP) e a relação com o Plano de Intervenção Pedagógica (PIP).

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No Capítulo 2 – A ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA E O REALISMO CRÍTICO -,

trato dos estudos realizados pela Análise Crítica do Discurso e pelo Realismo Crítico.

Apresento, inicialmente, o que propõe Van Dijk (2012) sobre o conceito de contexto

(modelos de contexto) e a relação entre contexto e discurso, abordando a maneira como

essa relação permite e condiciona a produção e compreensão dos textos. Em seguida,

enfoco noções preliminares da ADC e do RC, destacando os pontos essenciais para

análise dos fenômenos envolvidos na relação entre linguagem e sociedade, definindo as

categorias para análise dos documentos oficiais. Para subsidiar nossa discussão, utilizo o

que nos traz Chouliaraki e Fairclough (1999), Fairclough (1992, 2001, 2003, 2010), Pedro

(2001), Ramalho e Resende (2011), Resende (2009), Bloomaert (2005), Bhaskar (1998),

Resende e Pereira (2010), Rogers (2004), Rogers e Wetzel (2013).

No Capítulo 3 – A SEE-SP E O PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA: DAS

EXIGÊNCIAS A ATUAÇÃO –, situo, primeiramente, os professores de Língua

Portuguesa de Carapicuíba, caracterizando o contexto no qual as escolas públicas

estaduais de Carapicuíba estão inseridas. Em seguida, analiso as exigências para o

exercício profissional desses professores estabelecidas pelos documentos oficiais do

Ministério da Educação – MEC e da SEE-SP. Divido esse percurso em três momentos: o

professor formando, o professor formado/ingressante e o professor em atuação. No

primeiro, analiso as portarias INEP referentes ao ENADE 2011 e 2014. Em seguida, os

Editais para os Concursos Públicos SEE-SP para professor de Língua Portuguesa dos anos

de 1998, 2003, 2010 e 2014, ressaltando as mudanças nas exigências após a LDB de 1996.

Por fim, analiso o Currículo do Estado de São Paulo da área de Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias - LCT (2009), as Matriz de Referência para a Avaliação SARESP, as

orientações a respeito da Avaliação da Aprendizagem em Processo – AAP e o Plano de

Intervenção Pedagógico, concluo discutindo sobre o que a SEE-SP espera desses

professores com considerações a respeito das Diretrizes Norteadoras da Política

Educacional do Estado de São Paulo – 2015-2018.

Nas CONSIDERAÇÕES FINAIS, teço algumas reflexões sobre o percurso da pesquisa e

os resultados obtidos. Entender a estrutura de poder relacionada ao discurso pedagógico

sobre o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa pode possibilitar uma mudança de

postura, ou mesmo um diálogo mais claro e uma consciência crítica de todo o processo,

considerando as instituições, os cenários, os eventos, as normas estabelecidas, os

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participantes e, consequentemente, a própria construção dos sujeitos ideológicos e

discursivos.

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CAPÍTULO 1

A ESTRUTURA DA EDUCAÇÃO ESTADUAL PAULISTA: OS

DOCUMENTOS OFICIAIS, AS AVALIAÇÕES EXTERNAS E A

ATUAÇÃO DO PROFESSOR

Neste capítulo, apresento, primeiramente, as diferentes dimensões da gestão escolar,

analisando, particularmente, a “gestão pedagógica” e a de “resultados educacionais do

ensino e aprendizagem”, de acordo com o que é definido pelo Decreto nº 57.571, de

2.12.2011, que institui o Programa Educação – Compromisso de São Paulo. Em seguida,

discorro sobre os instrumentos de avaliação externa utilizados pela SEE-SP para planejar

e fundamentar ações que focalizam o desenvolvimento da proficiência em Língua

Portuguesa. Por fim, trato da Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP) e da

utilização dos dados obtidos para a construção e execução do Plano de Intervenção

Pedagógica (PIP).

1.1 As diferentes dimensões da gestão

O governo do Estado, por meio do decreto nº 57.571, de 2 de dezembro de 2011, institui

o programa “Educação – Compromisso de São Paulo”, com “a finalidade de promover

amplamente a educação de qualidade na rede pública estadual de ensino e a valorização

de seus profissionais” (art. 1º). Esse documento está articulado com o decreto nº 57.141,

de 18 de julho de 2011 que trata da reorganização da SEE-SP, definindo o campo

funcional, os princípios organizacionais, a estrutura básica de funcionamento, as

atribuições de todas as unidades que compõe a Secretaria da Educação e, principalmente,

as competências dos atores envolvidos, desde o Secretário da Educação, Dirigentes

Regionais de Ensino até Diretores de Escola.

No decreto nº 57.571/11, dentre outros, chamam a atenção dois pontos que o fundamenta:

[...] a necessidade de serem implementadas políticas

educacionais voltadas à continuidade dos processos de melhoria da

educação pública paulista, nos seus vários níveis e modalidades, em

especial no que se refere à diminuição do abandono e da evasão

de alunos do ensino médio;

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[...] a importância da gestão educacional eficiente e eficaz, com ênfase

na aprendizagem dos alunos da educação básica.

Esses pontos estão ligados diretamente ao que a SEE-SP busca e o que ela espera das 91

diretorias em se tratando de gestão educacional. Notamos a preocupação em atender os

vários níveis e modalidades de ensino, além de focar numa gestão “eficiente e eficaz”,

enfatizando a “aprendizagem dos alunos”. Estabelece-se uma relação entre frequência,

abandono/evasão/rendimento e o fluxo escolar, medido pela taxa média de aprovação dos

alunos em cada etapa da escolarização, por meio das informações compiladas pelo Censo

Escolar.

O artigo 2º do Decreto nº 57.571 define, como base para o desenvolvimento desse

Programa, cinco diretrizes:

I - valorização da carreira do magistério e das demais carreiras dos demais

profissionais da educação, com foco na aprendizagem do aluno,

inclusive mediante o emprego de regimes especiais de trabalho, na forma da lei;

II - melhoria da atratividade e da qualidade do ensino médio, por meio da

organização de cursos ou valendo-se de instituições de ensino de

referência, observada a legislação vigente;

III - atendimento prioritário às unidades escolares cujos alunos apresentem

resultados acadêmicos insatisfatórios, demonstrados por meio do Sistema de

Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - SARESP, visando

garantir-lhes igualdade de condições de acesso e permanência na escola; [grifo

nosso]

IV - emprego de tecnologias educacionais nos processos de ensino-

aprendizagem;

V - mobilização permanente dos profissionais da educação, alunos, famílias e

sociedade em torno da meta comum de melhoria do processo de ensino-

aprendizagem e valorização dos profissionais da educação escolar pública

estadual.

Dessas diretrizes, gostaria de ressaltar a terceira, pois é justamente ela que orienta grande

parte das ações diretamente relacionadas ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa

como mostro no decorrer deste capítulo. Para operacionalizar o que estabelece o Decreto

supra, a SEE-SP juntamente com a Secretaria de Gestão Pública criam o Plano de Ação

Participativo – PAP, entendido como:

um instrumento de gestão escolar cujo objetivo é auxiliar as escolas

prioritárias da rede pública estadual de ensino a diagnosticar problemas

críticos dentro da governabilidade da própria escola e, a partir daí,

construir um plano de ação para superar ou mitigar cada um desses

problemas.

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Com o PAP, o objetivo da SEE-SP é oferecer uma metodologia para auxiliar o diagnóstico

dos “problemas que afetam o cotidiano da escola e a propor ações para superá-los”,

ressaltando que o intuito é “auxiliar as escolas da rede pública de São Paulo na garantia

das condições institucionais mais favoráveis ao alcance dos resultados, particularmente

os relacionados com a aprendizagem dos seus alunos” (SÃO PAULO, 2012a, p.9). A

SEE-SP entende que, dessa forma, é possível identificar pontos fracos e fortes na

condução dos trabalhos na escola.

Esse instrumento é composto de um tutorial de dois volumes: o primeiro, intitulado “Guia

de elaboração”, tem o objetivo de explicar detalhadamente quais são as partes e como

utilizar o instrumento; já o segundo, “Apoio ao diagnóstico e à formulação de ações”,

orienta o preenchimento do instrumento. De acordo com “Tutorial do Plano de Ação

Participativo”, busca-se “disseminar uma nova cultura de gestão, democrática,

participativa e orientada ao alcance de resultados” (op. cit., p.5). O segundo volume (SÃO

PAULO, 2012b, p.7) inicia orientando que

O presente diagnóstico e plano de ação deve ser preenchido e construído

da forma mais colaborativa possível (respeitando o contexto de cada

escola), preferencialmente envolvendo a Comunidade Escolar

(Funcionários, Professores, Equipe Gestora, Alunos e Pais) e deve ser

aprovado pelo Conselho da Escola.

O tutorial é composto de três partes: “Parte I – Diagnóstico e formulação de ações”, com

objetivo de orientar, a partir de um roteiro, a identificação de possíveis ações para

resolução de problemas recorrentes no cotidiano escolar; “Parte II – Plano de Ação

Consolidado”, estabelecendo características de “um bom plano de ação” (coerência,

sequência, flexibilidade, precisão e objetividade); “Parte 3 – Painel de acompanhamento

do Plano de Ação”, retomando pontos como o acompanhamento, análise e avaliação dos

planos elaborados.

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Segundo estabelece a SEE-SP, essas partes devem ser pensadas para todas as 5 dimensões

definidas pelo Programa. Das cinco dimensões da gestão6, o que nos interessa são os

aspectos relacionados a “Gestão Pedagógica” e também a “Gestão de Resultados

Educacionais do Ensino e Aprendizagem”.

Para análise da dimensão “Gestão Pedagógica”, são apresentados os seguintes pontos:

Planejamento Escolar

Proposta Pedagógica e Plano de Gestão definidos e conhecidos por todos

Currículo Oficial

Planejamento das aulas articuladas entre si, com Proposta Pedagógica e Currículo

Professor Coordenador

Formas variadas e transparentes de avaliação dos alunos

Dificuldades de ensino (professores) e de aprendizagem (alunos)

Recuperação

Utilização dos recursos pedagógicos e tecnológicos

Respeito às diferenças individuais e à promoção da diversidade

Funcionamento da ATPC

Percebemos a preocupação em ressaltar o planejamento e a organização de todo o

processo escolar. Para Fusari (2008, p.47), “a ausência de um processo de planejamento

de ensino nas escolas, aliado às demais dificuldades enfrentadas pelos docentes do seu

trabalho, tem levado a uma contínua improvisação pedagógica das aulas”. Alguns

professores demonstraram nas Orientações Técnicas realizadas na Diretoria de Ensino de

Carapicuíba que basta ter um conhecimento “amplo” da disciplina para entrar em uma

sala e ministrar a uma aula: “leciono na mesma série há vários anos... já sei como fazer”

(fala de uma professora em um dos encontros realizados).

O documento nos diz que o objetivo de pensar essa dimensão consiste na avaliação do

trabalho pedagógico realizado na escola, pontuando a:

6 Segundo o “Plano de Ação Participativo” (2012) são cinco as Dimensões Escolares de Gestão: Pedagógica, Participativa, dos Recursos Humanos, dos Recursos Físicos e Financeiros, de Resultados Educacionais do Ensino e da Aprendizagem.

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atualização e enriquecimento do seu currículo, pela adoção de processos

criativos e inovadores, implementação de medidas pedagógicas que

levem em conta os resultados de avaliação dos alunos e a atuação dos

professores articulada à Proposta Pedagógica e com as necessidades de

melhoria do rendimento escolar. (SÃO PAULO, 2012b, p.9)

A nossa leitura dessa orientação, naturalmente, é compreender que há diferentes formas

que o professor de Língua Portuguesa a recebe. Esse professor relaciona os

conhecimentos que possui à maneira como ele próprio desenvolve seu trabalho, tudo a

partir do que é estabelecido pelo Currículo do Estado de São Paulo (2009). Além disso,

ao tratar dos resultados da avaliação dos alunos e sua atuação, juntamente aos diferentes

instrumentos utilizados por ele durante o ano letivo, esse professor aciona o que sabe das

avaliações externas – PISA, SAEB, SARESP – hoje tão citadas e tomadas como bases

em qualquer planejamento escolar na Rede Pública Estadual. Além disso, ao falar no

diagnóstico, temos a Avaliação da Aprendizagem em Processo – AAP aplicada desde

2011. Esses apontamentos perpassam por todos os pontos elencados para a “Gestão

Pedagógica”.

Temos, assim, o diálogo com a “Dimensão Escolar da Gestão de Resultados Educacionais

do Ensino e da Aprendizagem” que nos apresenta com relevante:

Avaliação do rendimento escolar

Taxas de aprovação e de retenção

Acompanhamento dos resultados da Escola

Análise dos resultados das diversas avaliações internas e externas

Em cada um dos pontos das Dimensões, são apresentadas orientações sobre a maneira

como devem ser pensados e registrados, culminando num formulário de diagnóstico/ação

com os seguintes pontos: Prioridade, Diagnóstico – Nível de Importância e Nível de

Satisfação, os Fatos, os Problemas, os Objetivos, os Resultados Desejados, o Indicador

e, por fim, a Ação a ser tomada.

Temos um ambiente em que o diagnóstico assume grande parte do foco desses

documentos. As atividades de coleta, analise, discussão de dados e, consequente,

planejamento e registro de planos, permeiam as ações dos últimos anos da SEE-SP.

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Algumas das falas presentes nas O.T. tanto de professores de Língua Portuguesa quando

de professores coordenadores questionam esse foco: “temos muitas avaliações”, “pra que

tantas provas”, “...é tanta burocracia, tantas planilhas, tantos planos... na prática é bem

diferente”, “é SARESP, é SAEB, é Prova Brasil... o que fazer com tantos dados?, entre

outras. Segue a explanação sobre essas questões.

1.2 As avaliações externas

As avaliações externas assumem hoje um dos principais instrumentos utilizados para a

coleta de informações com o objetivo de pensar e repensar a prática educativa em todos

os seus aspectos. A ideia presente em vários documentos e falas é a de que o foco deve

ser o aluno: todas as ações devem convergir para o atendimento desse aluno

integralmente. Identificando existir uma lógica de desenvolvimento dos sistemas de

educação, Bauer (2010) entende que a preocupação com os índices e a qualidade dos

serviços educacionais, além da necessidade de gerir os recursos disponíveis para a

educação de forma eficaz, resultam na valorização das “informações obtidas por meio da

aplicação de testes aos alunos como suporte à tomada de decisões na área educacional”

(p. 323).

Luckesi (2006) aponta para uma tendência da prática educativa direcionada ao que chama

de “pedagogia do exame”, polarizada pelas provas e exames. A partir do que o autor

discute, questionamos até que ponto esse foco torna-se benéfico pedagogicamente, se

realmente auxiliam a aprendizagem. No mesmo sentido, o autor questiona o seu aspecto

psicológico, perguntando o que se quer com esse tipo de pensamento, talvez numa clara

intenção de “desenvolver personalidades submissas” (p.26). Luckesi ainda aponta para o

caráter sociológico, “útil para processos de seletividade social”.

Essa valorização reflete a produção de diferentes textos orientadores, principalmente no

âmbito pedagógico. O documento descrito acima “Educação – Compromisso de São

Paulo” mostra isso ao estabelecer uma dimensão que se ocupa da gestão pedagógica e da

avaliação. Retomando Bauer (2010, p. 324), ela nos diz que:

Mediante essa racionalização e controle, o gerenciamento deixa de ser

realizado no âmbito de estruturas burocráticas para ser orientado pelos

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resultados obtidos por meio de indicadores de performance e do

cumprimento de objetivos previamente determinados pelos centros

decisores do governo. A avaliação de programas e sistemas

educacionais começa a exercer a função de controle sobre os serviços

educacionais e prestação de contas tanto ao Estado quanto à sociedade.

Pelo que apresenta a autora, as dimensões e gerenciamento do sistema educacional usam

os resultados da avaliação para embasar decisões e políticas públicas em educação.

Há uma tendência em alinhar os diferentes instrumentos. Diante disso, é importante

caracterizarmos as seguintes avaliações: o PISA (Programme for International Student

Assessment), desenvolvido e coordenado pela OCDE (Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico); o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica),

conduzido pelo MEC (Ministério da Educação); e o SARESP (Sistema de Avaliação de

Rendimento Escolar de São Paulo), conduzido pela SEE-SP.

Não pretendo discutir especificidades dessas avaliações. Conhecer como são constituídos

esses instrumentos auxiliam a entender a forma como esses influenciam a construção do

discurso institucional da SEE-SP e, consequentemente, configurando-se como “ponto de

partida” para a construção do discurso/atuação do professor. A seguir discorremos sobre

as características das Avaliações Externas em questão.

1.2.1 PISA

Desde 2000, com o objetivo de produzir indicadores que possibilitem a discussão sobre a

qualidade na educação, o PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – é

uma avaliação comparada aplicada a estudantes de 15 anos, de diferentes países.

Aplicada a cada 3 anos, o PISA observa as competências de Leitura, Matemática e

Ciências, além de coletar informações que possibilitem a elaboração de indicadores

contextuais, relacionando: desempenho dos alunos, variáveis demográficas,

socioeconômicas e educacionais. Em cada edição, é dado ênfase a uma das áreas.

De acordo com a Matriz de Avaliação de Leitura, o foco é o letramento em leitura

entendido como “a capacidade de compreender, utilizar, refletir e se envolver com textos

escritos, com a função de alcançar uma meta, desenvolver seu conhecimento e potencial,

e participar da sociedade”. Dessa forma, a “representação do domínio da leitura” por meio

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da avaliação estrutura-se a partir de três características: a Situação (contexto), o Texto e

os Aspectos.

Ao tratar da Situação ou Contexto, o PISA distingue quatro tipos de situações

considerando o propósito de elaboração do texto: o pessoal, atendendo aos interesses

individuais dos indivíduos; o público, utilizados para que o indivíduo participe de

atividades mais amplas da sociedade; o educacional, textos produzidos no ambiente

educacional com propósito instrucional; e o ocupacional, associados ao local de trabalho,

o “ler para fazer”.

Falar em Texto engloba pensar na utilização de diferentes tipos e formatos. O PISA os

agrupa em 4 classificações: Meio, com a distinção entre textos impressos e textos digitais;

Ambiente, relacionado a possibilidade ou não de alteração dos textos, entendendo os

textos como de Autoria e Baseados em Mensagem; Formatos, classificados em textos

contínuos, não-contínuos, combinados e múltiplos; e Tipos, o descritivo, o narrativo, o

expositivo, o argumentativo, o prescritivo ou instrutivo e o interativo.

Referente aos Aspectos, “estratégias mentais, propósitos ou aproximações que o leitor

utiliza para interagir com o(s) texto(s)” são quatro: localizar e recuperar informação,

integrar e interagir, refletir e analisar e o complexo. Esse último combina e depende dos

anteriores. Quanto a escala de proficiência em leitura, é dividida em 7 níveis tendo como

base princípios estatísticos, com descrições de conhecimentos e habilidades atribuídas a

cada nível. Esses níveis apresentam os seguintes limites inferiores de pontos, 1b – 262,

1a – 335, 2 – 407, 3 – 480, 4 – 553, 5 – 626, 6 – 698.

Além do trabalho que o professor deve realizar para desenvolver no aluno esses

conhecimentos, se verificarmos tanto o questionário do estudante quanto o questionário

da escola, temos alguns indícios da imagem que se espera construir do professor. Essa

imagem está relacionada:

Ausência de professores;

Avaliações preparadas pelos professores: formais, informais, frequência de

aplicação;

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Uso dos resultados das avaliações dos alunos para avaliar a eficácia dos

professores;

Fatores que afetam o aprendizado, como: baixa expectativa com relação aos

alunos, mal relacionamento, não identificação das necessidades individuais dos

alunos, desrespeito entre alunos e professores, atitudes severas, falta de incentivo

aos alunos entre outros;

Monitoramento da pratica dos professores por meio de Língua Portuguesa, por

meio de revisão de planos de aulas, ferramentas de avaliação, observação das

aulas;

Preocupação com as metas de ensino da escola;

Diálogo entre professores e equipe gestora.

Além desses, no questionário do estudante, as questões 35, 36 e 37 nos chamam a atenção

por buscar a maneira como o aluno representa as aulas de Língua Portuguesa,

principalmente atividades de leitura. As questões apresentam os seguintes pontos:

Questão 35 Questão 36 Questão 37

a) Os alunos escutam o que o

professor diz

b) Há muito barulho e agitação

c) O professor deve esperar

muito tempo para que os alunos

se acalmem

d) Os alunos não conseguem

trabalhar bem

e) Os alunos só começam a

trabalhar muito depois do início

da aula

a) O professor pede para os

alunos exemplificarem o sentido

de um texto

b) O professor faz questões

difíceis para que os alunos

pensem e entendam melhor o

texto

c) O professor dá aos alunos

tempo suficiente para pensarem

nas respostas

d) O professor recomenda aos

alunos a leitura de um livro ou de

um autor

e) O professor estimula os alunos

a expressarem sua opinião sobre

um texto

f) O professor ajuda a fazer a

ligação entre as histórias que os

alunos leem e suas vidas

g) O professor mostra aos alunos

como as informações dos textos

fundamentam-se naquilo que já

conhecemos

a) Antes de começar, o professor

explica o que espera dos alunos

b) O professor verifica se os

alunos estão concentrados

durante uma atividade de leitura

c) O professor comenta o

trabalho dos alunos quando eles

terminam a atividade de leitura

d) Antes de começar, o professor

explica aos alunos como o

trabalho será avaliado

e) O professor pergunta aos

alunos se todos entenderam

como fazer a atividade de leitura

f) O professor dá nota ao

trabalho dos alunos

g) O professor dá aos alunos

oportunidade de fazerem

perguntas sobre a atividade de

leitura

h) O professor faz perguntas que

motivam os alunos a

participarem ativamente

i) Assim que os estudantes

terminam a atividade de leitura,

o professor diz se foram bem ou

não.

Adaptado do “Programa Internacional de Avaliação dos Alunos: resultados nacionais – Pisa 2009. (INEP,

2012)

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Segundo Schleicher (2012), ao analisar os dados do PISA, ele define 3 pontos essenciais

ao professor para o alinhamento de ações:

Fazer inovações pedagógicas e/ou organizacionais de seu trabalho;

Melhorar seu próprio desempenho e o desempenho de seus colegas;

Perseguir oportunidades para o aperfeiçoamento profissional que levem ao

fortalecimento de suas práticas pedagógicas.

A avaliação do PISA, por sua vez, produz indicadores para discutir a qualidade da

educação. Um dos propósitos é justamente orientar o trabalho realizado pelos diferentes

atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Percebemos, dessa forma, que

as avaliações externas aqui no Brasil, sejam no âmbito federal ou estadual, seguem essa

lógica buscando estabelecer, de uma forma cada vez mais clara, o diálogo entre esses

instrumentos, mesmo que, a princípio, pareçam diferentes por apresentarem, por

exemplo, métrica e nomenclaturas diferentes.

1.2.2 SAEB

O SAEB, Sistema de Avaliação da Educação Básica, é um instrumento do Ministério da

Educação para avaliar a Educação Básica no Brasil. É composto pela Avaliação Nacional

da Educação Básica (ANEB), pela Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

(ANRESC) e pela Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Dos três, o ANEB e o

ARESC (Prova Brasil), aplicados bianualmente, envolvem o 9º ano do Ensino

Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio. Uma das diferenças entre os dois está no caráter

metodológico: enquanto o primeiro é amostra, o segundo é censitário. A ANA avalia os

alunos do 3º ano do Ensino Fundamental (Ciclo de Alfabetização).

O documento produzido sobre o SAEB (BRASIL, 2008a), estrutura-se em 5 partes:

As avaliações da Educação Básica;

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB;

As matrizes de referência do Sistema Nacional;

Língua Portuguesa;

Matemática.

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Na primeira parte, nota-se a preocupação em estabelecer o diálogo entre todas as

avaliações de responsabilidade do INEP/MEC: o PISA, o ENEM, o ENCCEJA, a

Provinha Brasil com o SAEB. Aqui é explicitado os dois objetivos principais do SAEB

(BRASIL, 2008a, p.8):

a. contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, redução de

desigualdades e democratização da gestão do ensino público;

b. buscar o desenvolvimento de uma cultura avaliativa que estimule o

controle social sobre os processos e resultados do ensino.

A segunda parte traz uma retomada histórica do cenário educacional brasileiro de 1985

até 2005, apresentando elementos que justificam diferentes momentos de aplicação do

SAEB. Esse texto culmina na “Prova Brasil e o direito ao aprendizado”, enfatizando que,

até um determinado momento, direito à educação significou o “direito à matrícula”,

diferentemente de hoje, “direito ao aprendizado”. Deixa claro não ser a escola a única

responsável por insucessos, mas coloca que ela “deve responder majoritariamente pelo

eventual fracasso de seus alunos no aprendizado de competências cognitivas” (op. cit.,

p.11).

Além disso, diz ser o Estado responsável em definir “uma maneira de verificar se esse

direito está garantido para cada um dos alunos”, justificando, assim, o SAEB. O

documento apresenta sua preocupação: “se o aprendizado da leitura é um direito, é

necessário definir operacionalmente o que é saber ler para uma criança de 11 anos ou um

jovem de 14” (op. cit., p.12), considerando que, um bom resultado na Prova Brasil

associa-se ao grau de proficiência demonstrado pelo aluno. Para compreender a visão da

avaliação, é importante citarmos o seguinte trecho:

Como a escala usada para registrar a nota dos alunos de quarta

série/quinto ano é a mesma utilizada para alunos de oitava série/nono

ano, espera-se, naturalmente, que a proficiência dos alunos da quarta

série/quinto ano esteja situada em níveis mais baixos que a proficiência

dos da oitava série/ nono ano. Isso parece lógico na medida em que os

alunos da quarta série/ quinto ano devem ter desenvolvido menos

competências leitoras que os alunos da oitava série/ nono ano.

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Para que essa ideia não caia numa regra a ser seguida fielmente, o que não seria viável

visto que a proposta gira em torno da “necessidade de se apreender e analisar toda a

diversidade e especificidades das escolas brasileiras”, o documento identifica a

necessidade da “interpretação pedagógica dos níveis da escala”. Somente a partir dessa,

é que a Prova Brasil pode influenciar o ensino de forma mais decisiva.

O documento aborda a maneira como os resultados podem ser utilizados, desde a mais

simples, com a comparação da média da escola com o que se espera dos alunos em cada

ano/série, até considerar a porcentagem de alunos de um mesmo ano/série nos diferentes

níveis. Sobre esses níveis temos (Língua Portuguesa):

No Ensino Fundamental: 9 níveis, pontuação de 0 a 350;

No Ensino Médio: 8 níveis, pontuação de 225 a 425.

Quanto às matrizes de referência, o documento nos diz (BRASIL, 2008, p. 17):

A realização de uma avaliação de sistema com amplitude nacional, para

ser efetiva, exige a construção de uma matriz de referência que dê

transparência e legitimidade ao processo de avaliação, informando aos

interessados o que será avaliado. De acordo com os pressupostos

teóricos que norteiam os instrumentos de avaliação, a Matriz de

Referência é o referencial curricular do que será avaliado em cada

disciplina e série, informando as competências e habilidades esperadas

dos alunos.

As matrizes, tendo por base os Parâmetros Curriculares Nacionais, assumem sua

importância, principalmente por orientar a construção dos itens de avaliação e,

consequentemente, possibilitar a análise por parte dos professores do desempenho de seus

alunos, subsidiando, assim, intervenções necessárias.

A partir do diálogo entre conhecimentos, competências e habilidades, cada matriz de

referência apresenta tópicos ou temas com descritores que indicam as habilidades das

disciplinas foco da Avaliação. O documento define descritor como “uma associação entre

conteúdos curriculares e operações mentais desenvolvidas pelo aluno, que traduzem

certas competências e habilidades” (BRASIL, 2008, p. 18).

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Referente à avaliação de Língua Portuguesa e seu ensino, o documento retoma os PCN,

onde esse ensino deve estar voltado para a função social da língua. O documento (op.cit.,

p.19) ressalta que essa visão

é requisito básico para que a pessoa ingresse no mundo letrado, para

que possa construir seu processo de cidadania e, ainda, para que consiga

se integrar à sociedade de forma ativa e a mais autônoma possível.

Assim, o aluno

precisa dominar habilidades que o capacitem a viver em sociedade,

atuando, de maneira adequada e relevante, nas mais diversas situações

sociais de comunicação. Para tanto, o aluno precisa saber interagir

verbalmente, isto é, precisa ser capaz de compreender e participar de

um diálogo ou de uma conversa, de produzir textos escritos, dos

diversos gêneros que circulam socialmente.

Esse tópico do documento destaca os conceitos de texto, gênero do discurso, tipos

textuais, além dos diferentes usos da língua. São esses pontos que subsidiam pensar nas

matrizes e a construção dos itens. Disso, temos 6 tópicos com 21 descritores (8ª série/ 9º

ano):

Tópico I – Procedimentos de leitura

o Localizar informações explícitas em um texto

o Inferir o sentido de uma palavra ou expressão

o Inferir uma informação implícita em um texto

o Identificar o tema de um texto

o Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato

Tópico II – Implicações do Suporte, do Gênero e/ou Enunciador na Compreensão

do Texto

o Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas,

quadrinhos, foto etc.).

o Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros

Tópico III – Relação entre Textos

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o Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de

textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele

foi produzido e daquelas em que será recebido

o Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao

mesmo fato ou ao mesmo tema

Tópico IV – Coerência e Coesão no Processamento de Texto

o Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou

substituições que contribuem para a continuidade de um texto

o Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a

narrativa

o Estabelecer relação causa/conseqüência entre partes e elementos do

o Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por

conjunções, advérbios etc

o Identificar a tese de um texto

o Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-

la

o Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto

Tópico V – Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido

o Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados

o Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras

notações

o Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada

palavra ou expressão

o Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos

ortográficos e/ou morfossintáticos

Tópico VI – Variação Linguística

o Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor

de um texto

A seguir, apresento o que a SEE-SP criou como sistema de avaliação externa e como ela

se estrutura.

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1.2.3 SARESP

Instituído pela Resolução SE nº 27, de 29 de março de 1996, o Sistema de Avaliação de

Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP busca subsidiar a SEE-SP nas

tomadas de decisão relativas à política educacional do Estado. Segundo Bitar (1998), a

sua aplicação oferece indicadores que subsidiem a tomada de decisões da escola e dos

próprios professores. A autora (op. cit., p.11) nos diz:

Cabe esclarecer, ainda, que o SARESP busca fornecer a cada escola em

particular informações específicas sobre o desempenho de seus próprios

alunos, apontando seus ganhos e dificuldades, bem como os aspectos

curriculares que exigem maior atenção. Essa característica tem sua

origem na tentativa de se garantir que cada escola possa reconhecer-se

nos resultados das avaliações realizadas no âmbito do SARESP e,

assim, fazer melhor uso deles.

É ressaltado também pela Resolução SE nº 27/1998 algumas considerações como:

A necessidade de articular o SARESP com os outros Sistemas de Avaliação,

principalmente o SAEB;

A recuperação do padrão de qualidade do ensino no Estado de São Paulo;

O processo de tomada de decisões por meio de “resultados avaliativos

cientificamente apurados”;

A divulgação a sociedade e a comunidade educacional o desempenho do sistema

de ensino;

O acompanhamento dos resultados e sua utilização por parte dos órgãos centrais

e das Unidades Escolares.

Nota-se que a avaliação é vista como um instrumento a serviço da qualidade da Educação

(Bitar, 1998). Tanto o SARESP quanto a Prova Brasil foram “idealizadas para produzir

informações sobre o ensino da rede pública”, porém, o SARESP tem, como principal

propósito, “obter indicadores educacionais que possam subsidiar a elaboração de

propostas de intervenção técnico-pedagógica no sistema de ensino, visando melhorar a

sua qualidade e corrigir eventuais distorções detectadas” (MENEZES-FILHO; RIBEIRO,

2009, p.174).

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Com o objetivo de tornar mais clara a relação entre o SARESP e o Currículo, a SEE-SP

criou um documento básico. Esse documento, as “Matrizes de Referência para Avaliação

SARESP”, apresenta a seguinte estrutura:

Apresentação

SARESP: Matrizes de Referência para a Avaliação

o As referências da avaliação

o Habilidades

o Conteúdos

o Competências Cognitivas

Matrizes de Referência para a Avaliação em Língua Portuguesa

Matrizes de Referência para a Avaliação em Matemática

Matrizes de Referência para a Avaliação em Ciências (Ensino Fundamental) e

Biologia, Física e Química (Ensino Médio)

Matrizes de Referência para a Avaliação em Geografia e História

Na apresentação, a SEE-SP deixa clara a função da avaliação, bem como enfatiza a coleta

e a sistematização de dados que possam vir a ser utilizados pelas escolas e suas equipes

no planejamento e planificação de ações para o ensino e aprendizagem. Além disso,

admite que, mesmo sendo o SARESP um instrumento instituído em 1996, com a

Resolução SE nº 27, de 29.03.1996, somente nos anos de 2007 e 2008 muitos pontos

foram revistos e modificados, sendo introduzidos ao SARESP e implementado. Um dos

mais significativo foi a criação de uma base curricular comum. Segundo o documento das

“Matrizes” (SÃO PAULO, 2009, p.8):

A rede pública de ensino do estado de São Paulo, em 2007, não tinha

um currículo claramente definido para a educação básica. Se as

reformas educacionais havidas no Brasil na década de 1990

propuseram, para esse nível da educação, parâmetros e diretrizes gerais

devidamente consolidados pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, de 1996, também delegaram que esses parâmetros

e diretrizes fossem desenvolvidos na forma de currículo pelos sistemas

de ensino e em projetos pedagógicos nas escolas de todo o Brasil.

Entretanto, nem todos os sistemas de ensino fizeram a necessária

mediação, em razão do que, em diversos sistemas, cada escola passo a

desenvolver sua proposta pedagógica a partir de um currículo

presumido, muitas vezes inspirado nos livros didáticos.

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Dessa situação, a SEE-SP concluiu que

Houve então a necessidade de se diagnosticar criticamente a existência

dos muitos currículos, implícitos ou não, praticados nas escolas da rede

estadual, e de se tornar uma firmem decisão em favor do

estabelecimento de um currículo mínimo e comum a todas as escolas,

de forma explícita, para todo o sistema, em cujo contorno e definição

deveriam estar configuradas e indicadas as bases dos conhecimentos e

das competências e habilidades a serem efetivamente desenvolvidas

pelos alunos na escola e, com elas, a indicação das expectativas de

aprendizagem para cada série/ano e ciclo, possíveis de serem avaliadas

ao fim de cada um deles, com transparência e eficácia.

Desse olhar, o currículo das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio

foram reestruturados pela Secretaria a partir dos seguintes princípios: “cultura é currículo,

currículo referido a competências, currículo que tem como prioridade a competência

leitora e escritora, currículo que articula as competências para aprender, currículo

contextualizado no mundo do trabalho” (SÃO PAULO, 2009, p. 9). A tentativa é de

operacionalizar esse conceito de currículo com o de avaliação.

Em seguida, o documento trata de explicar o que entende por “matrizes de referência”,

definindo o próprio conceito de “referência” e de “matriz”. A esses relaciona-se os

conceitos de “habilidades”, “conteúdos” e “competências cognitivas” (op. cit., p.10-16).

Disso, o documento apresenta a seguinte figura:

Fonte: Matriz de Referência SARESP

A figura apresenta como vértices os três aspectos fundamentais da Matriz em questão. O

lado esquerdo representa a “Escala de Proficiência”, a partir da relação entre o domínio

de conteúdos e habilidades alcançados, permitindo, assim, inferir a respeito dos “Níveis

de Desempenho”. O lado direito explicita o objetivo do SARESP: verificar a relação entre

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os conteúdos e as competências. Ou seja, “verificar se os professores estão ensinando (os

conteúdos esperados para os anos escolares avaliados) e os alunos aprendendo (isto é,

com que nível de proficiência dominam as competências avaliadas)” (SÃO PAULO,

2009, p.12). Na parte inferior, temos os componentes curriculares e áreas do

conhecimento foco da Avaliação.

Outro ponto tratado pelo documento do SARESP são os grupos de competências

avaliadas nas provas e as funções valorizadas: a de observar, realizar e compreender. A

seguinte figura é apresentada pelo documento:

Fonte: Matriz de Referência SARESP

Sobre a figura, o documento explica que (SÃO PAULO, 2009, p.16):

Os vértices do triângulo indicam os grupos de competências avaliadas

e os esquemas cognitivos que lhes correspondem. No lado esquerdo,

apresenta-se a função realizar, proceder bem em face de um objetivo ou

problema, que implica a relação entre os esquemas dos Grupos III e II.

No lado direito, apresenta-se a função – compreender – que implica a

relação entre os esquemas dos Grupos III e I. no lado inferior, apresenta-

se a função observar, que implica entre os esquemas dos Grupos I e II.

Esses grupos, desde 2008, têm norteado as ações para o ensino e aprendizagem da Língua

Portuguesa. Indo desde o mais “simples”, por ser considerado essencial para a

estruturação do conhecimento (Grupo I), passando pelo grupo caracterizados por

capacidades do aluno realizar procedimentos necessários a tomada de decisões (Grupo II)

até chegar ao grupo de competências que possibilitarão ao indivíduo/aluno o

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planejamento e escolha de estratégias para resolução de problemas ou realização de

tarefas com alto grau de complexidade (Grupo III).

O documento utiliza o termo “Competências de Sujeito” para agrupar essas reflexões.

Quanto a disciplina propriamente dita, ele a divide em temas. Dessa forma, em situações

de leitura em Língua Portuguesa, estabelece os seguintes “Temas”:

Tema 1 – Reconstrução das condições de produção e recepção de textos;

Tema 2 – Reconstrução dos sentidos do texto;

Tema 3 – Reconstrução da textualidade;

Tema 4 – Reconstrução da intertextualidade e relação entre textos;

Tema 5 – Reflexão sobre os usos da língua falada e escrita;

Tema 6 – Compreensão de textos literários

Ao propor a Matriz de Referência de Língua Portuguesa, o documento relaciona as

“Competências de Sujeito” e as “Competências de área” com o objetivo de que o

professor tenha não apenas uma visão ampla das expectativas de aprendizagem, mas,

além disso, uma noção do grau de complexidade de cada habilidade proposta. Podemos

exemplificar com o recorte abaixo retirado da Matriz do 9º ano do Ensino Fundamental:

Fonte: Matriz de Referência SARESP

As habilidades descritas acima pertencem ao tema “Reconstrução da textualidade”. Pelo

que apresentamos, podemos dizer que para o aluno desenvolver/apresentar as habilidades

18 e 19, do Grupo III, que exigem um conhecimento mais aprofundado da língua, é

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necessário que consiga “observar”, por exemplo, a localização de informações explícitas

em um texto (habilidade H13, referente a localização de argumentos utilizados pelo autor

para defesa da tese), “realizar” estabelecendo relações entre segmentos de um texto

(H15), para que possa ter condições de inferir a própria tese de um texto (demonstrando

determinado grau de consciência, compreensão e aprofundamento conceitual de que trata

o tema 3).

Nessa seção, o foco foi mostrar alguns aspectos que o sistema educacional da Rede

Pública estadual estabelece como base. A seguir, teço alguns comentários sobre os

desdobramentos das diretrizes estabelecidas por esse documento.

1.3 A aplicação da Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP) e o Plano de

Intervenção Pedagógico (PIP)

No segundo semestre de 2011, com o objetivo de proporcionar a obtenção de dados locais

sobre o desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática, a SEE-SP institui

a Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP), avaliação que, com base no Currículo

Oficial do Estado de São Paulo e nas Matrizes de Referência para o SARESP, tem o

objetivo de direcionar as ações do professor durante o ano escolar.

1.3.1 Avaliação de Aprendizagem em Processo

As práticas envolvendo o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa tem o SARESP

como um dos principais instrumentos norteadores. As ações formativas abordaram, ao

longo desses anos, 2011-2015, momentos de reflexão e definição de posturas a partir da

análise dos resultados obtidos com a aplicação do SARESP. As formações centralizadas,

na Diretoria de Ensino, e descentralizadas, nas ATPC nas escolas, tiveram como objetivo

ampliar os conceitos referentes a elaboração, aplicação, coleta e análise de dados, tendo

como foco o planejamento de Planos de Intervenção Pedagógica e sua operacionalização

nas Unidades Escolares.

Em 2011, com bases nos resultados do SARESP 2010, a SEE-SP definiu alguns critérios

que permitiram o acompanhamento e a formação junto as escolas consideradas

prioritárias. Segundo a SEE-SP, a escola era considerada prioritária em Língua

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Portuguesa se apresentasse a taxa de alunos “Abaixo do Básico” ≥37% (9º ano do Ensino

Fundamental) e ≥54% (3º ano do Ensino Médio).

Juntamente a esse posicionamento, cria-se a Avaliação da Aprendizagem em Processo –

AAP, aplicadas semestralmente, com o objetivo de ser mais um instrumento para auxiliar

o trabalho do professor. A Prova de Língua Portuguesa é composta de questões para o

diagnóstico de habilidades de leitura (Prova Objetiva – 10 questões) e habilidades de

escrita (Produção Textual Escrita). Na 1ª edição (2011) as AAP foram aplicadas ao 6º ano

do Ensino Fundamental II e o 1º ano do Ensino Médio. Em 2012, houve a ampliação para

o 7º ano do Ensino Fundamental II e para o 2º ano do Ensino Médio. A intenção era que

esse instrumento de avaliação diagnóstica seja utilizado pelas 91 Diretorias de Ensino.

Nas demais edições, 2ª a 8ª, todas as séries passaram a realizar as provas. Após 8 edições,

em 2016, a proposta é de que as AAP sejam aplicadas bimestralmente contemplando

conteúdos e habilidades dos bimestres.

Segundo o documento orientador da AAP,

Essa ação, fundamentada no Currículo do Estado de São Paulo, tem

como objetivo fornecer indicadores qualitativos do processo de

aprendizagem do educando, a partir de habilidades prescritas no

Currículo. Dialoga com as habilidades contidas no SARESP, SAEB,

ENEM e tem se mostrado bem avaliada pelos educadores da rede

estadual. Propõe o acompanhamento da aprendizagem das turmas e do

aluno de forma individualizada, por meio de um instrumento de caráter

diagnóstico. Objetiva apoiar e subsidiar os professores de Língua

Portuguesa e de Matemática que atuam nos Anos Finais do Ensino

Fundamental e no Ensino Médio da Rede Estadual de São Paulo, na

elaboração de estratégias para reverter desempenhos insatisfatórios,

inclusive em processos de recuperação.

O objetivo segundo a SEE-SP é de constituir a AAP como um instrumento com o qual o

professor possa utilizar o seu resultado para subsidiar seu trabalho em sala de aula. Esse

trabalho deve ser planejado e organizado em um Plano de Intervenção Pedagógica,

visando atender não apenas os alunos que apresentaram dificuldades, mas os alunos que

já desenvolveram a habilidade foco do item de avaliação da prova. Cada item (questão)

possui 4 alternativas, uma correta e três distratores: a análise dos motivos pelos quais

determinado aluno assinalou, por exemplo, a alternativa “a” e não a “b”, a “c” e não a “d”

é que darão, segundo os princípios que norteiam a AAP, esses subsídios para sua atuação

nas aulas de Língua Portuguesa.

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Em seu site, a SEE-SP, sobre a AAP coloca que

Os índices extraídos são utilizados pela Educação para produzir

orientações aos educadores, desenvolver programas e projetos que

atuem nas dificuldades dos alunos. Nas escolas, os educadores recebem

o manual “Comentários e Recomendações Pedagógicas”, desenvolvido

por especialistas da Pasta, que contém sugestões de trabalho para cada

etapa da escolaridade.

O próprio site ainda informa que o objetivo é “identificar o desempenho dos alunos por

meio das competências e habilidades trabalhadas no Currículo Oficial do Estado de São

Paulo”.

Sobre esses “Comentários e Recomendações Pedagógicas”, o documento da AAP 2012

ressaltando o seu papel em “apoiar o trabalho do professor em sala de aula e também

subsidiar a elaboração de plano de ação dos processos de recuperação”, aponta que:

Estes materiais contêm em sua estrutura: as matrizes de referência

elaboradas para esta ação, as questões comentadas, a habilidade testada

em cada uma das questões, recomendações pedagógicas, indicações de

outros materiais impressos ou disponíveis na internet, referências

bibliográficas e outros referenciais utilizados na elaboração dos

instrumentos.

Pelo que é apresentado, acredita-se que, logo após essa avaliação, os professores teriam

condições de analisarem os indicadores e realizarem inferências sobre os resultados

obtidos. Essa confirmação (ou não) dessas inferências somente poderá ocorrer com o

diálogo com o aluno, em momentos de devolutiva a ele sobre seu desempenho na

avaliação, focando não a quantidade de acertos, mas buscando compreender os motivos

que o levaram a assinalar uma e não outra alternativa, ou mesmo como compreendeu a

questão, como acionou os conhecimentos prévios etc.

1.3.2 O Plano de Intervenção Pedagógica (PIP)

Falar em ações de intervenção desenvolvidas pelo professor não é novo. Estaremos, aqui,

apresentando o que orienta o documento “Orientações para o acompanhamento da

intervenção pedagógica”, de 2014, elaborado pela Coordenadoria de Gestão da Educação

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Básica – CGEB, que trata do planejamento, registro e execução de ações que facilitem,

no decorrer dos conteúdos curriculares, o processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com o documento, o Plano de Intervenção Pedagógica tem como foco

“planejar intervenções pedagógicas especialmente propostas para que sejam criadas

condições que facilitem os processos de ensino e de aprendizagem, no decorrer do

desenvolvimento dos conteúdos curriculares, garantindo, inclusive, sua progressão” (p.

8). A construção do Plano deve ser coletiva, a partir dos dados fornecidos pela AAP, pelo

SARESP, além das avaliações internas realizadas pelo professor. O documento fala em

“corresponsabilidade entre os atores” (p.10). Os professores são orientados a

“sistematizar o planejamento de atividades” utilizando o seguinte quadro:

Fonte: “Orientações para o acompanhamento da intervenção pedagógica”

Para preenchimento do “Plano”, deve-se partir da porcentagem de alunos que ainda não

dominam determinada habilidade (dados obtidos com a AAP), sendo importante levantar

as ações, projetos, sequências didáticas que contribuam pontualmente para a aquisição de

determinados conhecimentos. O documento ressalta que “para a realização do plano, é

preciso que o grupo estabeleça metas e prazos exequíveis, com porcentagem de alunos

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que passarão a dominar o conteúdo e demonstrarão ter desenvolvido a habilidade, após o

período determinado para as atividades propostas” (p.11).

Para essa atividade, o documento alerta que

Todos os que lidam, direta ou indiretamente, com o processo

pedagógico devem estar mobilizados para analisar, debater e ajustar as

estratégias de atuação, para, coletivamente, chegarem à solução dos

problemas e ao atendimento das demandas. Equipes escolares e alunos

comprometidos com o desenvolvimento de projetos temáticos, por

exemplo, são bons indicadores de possibilidades de encaminhamentos

para melhores desempenhos em situações de avaliação, tanto

processuais como externas.

Além disso, estabelece que um dos principais momentos para a troca de experiências e

para o planejamento de intervenções de caráter pedagógico é a ATPC, assumindo um

papel fundamental, justamente por colaborar, segunda a SEE-SP, com o processo de

transformação de práticas, sendo priorizado não apenas o planejamento em si, mas o

acompanhamento de ações propostas e resultados alcançados.

Considerações sobre o capítulo

As discussões propostas nessas três seções permitem colocar em destaque a relação entre

a maneira como está estruturada a SEE-SP e a maneira como as ações de ensino e

aprendizagem de Língua Portuguesa são pensadas e constituídas.

A SEE-SP, na busca por uma homogeneidade em seu sistema educacional, produz

documentos que reestruturam e determinam os caminhos a serem seguidos,

principalmente, quanto a Gestão Pedagógica, envolvendo a gestão da sala de aula com o

professor assumindo papel central, e também a Gestão de Resultados Educacionais do

Ensino e Aprendizagem, com a construção do diálogo entre diferentes instrumentos de

avaliação externa de caráter sistêmico (PISA, SAEB, SARESP), a AAP (embora seja uma

avaliação externa, assume um caráter individual, diretamente relacionado ao desempenho

individual do aluno), o PIP – Plano de Intervenção Pedagógica e as avaliações internas.

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Sobre esses apontamentos, existem diferenças de concepções, de pontos de vistas, nos

interesses etc. Temos, assim, de um lado textos que pretendem controlar o sistema

educacional e a atuação de seus atores, como, de outro, temos a forma como esses textos

são recebidos. E aí está o professor de Língua Portuguesa: a forma como atua, as escolhas

que faz, a maneira como representa a realidade posta em sua frente, identificando-se e

agindo. A seguir buscamos elementos que nos ajudem a clarear essas relações veladas e,

de certa forma, confusas sobre quem é e como age esse professor.

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CAPÍTULO 2

A ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA E O REALISMO CRÍTICO:

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, apresento os pressupostos teóricos que permitirão as reflexões sobre o

discurso pedagógico do professor de Língua Portuguesa. Primeiramente, apresento as

discussões realizadas por Van Dijk (2012) sobre o conceito de contexto. Em seguida,

apresento a proposta teórica e metodológica a partir do posicionamento dos estudos

críticos do discurso: os pontos basilares da Análise Crítica do Discurso e o diálogo

estabelecido com os pressupostos teóricos do Realismo Crítico. Ao final deste capítulo,

estabeleço as categorias de análise para leitura crítica dos documentos oficiais,

concluindo justificando a escolha da ADC e RC como subsídio a este estudo.

2.1 A importância do contexto

O contexto assume um papel essencial para compreendermos os diferentes usos da língua,

nas mais diversas manifestações. Jackobon (1974), com as funções da linguagem, já

apresentava a importância do contexto para o ato comunicativo. Para ele, tanto ao nível

dos sons da fala quanto ao nível semântico encontramos “variantes contextuais e

significações situacionais”, onde os constituintes de um contexto possuiriam um estatuto

de contiguidade, de proximidade. Jackobon (op. cit., p.123) entende que o contexto de

uma mensagem deve ser “apreensível pelo destinatário.

Essa percepção é ampliada. Benveniste (2005b) admite que na enunciação devem-se

considerar, além do próprio ato e os instrumentos de sua realização, as situações em que

esse ato é realizado. Entende, assim, que o aparelho formal da enunciação é, então, o

mecanismo utilizado para o emprego da linguagem. Nesse quadro formal de realização,

o locutor apropria-se desse mecanismo e enuncia a sua posição, servindo-se da língua

para influenciar de algum modo o comportamento do alocutário (BENVENISTE, 2005b,

p.86), quem fala e para quem fala.

Segundo o autor (op. cit., p.286), a subjetividade caracteriza-se por essa capacidade do

locutor se propor como sujeito e manifestar-se no exercício da língua. Dessa forma,

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notamos que os pronomes pessoais são o ponto de apoio para que a subjetividade seja

revelada, acrescidos, naturalmente, de noções temporais e espaciais. O locutor, consciente

de si mesmo, dialoga pressupondo o outro, ambos representados pela relação eu-tu.

Benveniste explica que esses termos não devem ser tomados como figuras, mas como

formas linguísticas que indicam a “pessoa”. Para ele, “uma língua sem expressão da

pessoa é inconcebível” (BENVENISTE, 2005b, p.287)

Podemos agregar a essas reflexões ao que Van Dijk (2012) discute sobre os diferentes

usos da palavra contexto. Em geral, os usos da expressão contexto feitos no dia a dia

implicam que algo está relacionado a uma situação, condições, circunstâncias ou mesmo

“pano de fundo”. Sentimos a necessidade, ao fazer referência a algum acontecimento, de

uma fala ou mesmo de explicar uma determinada ação ou atitude, estabelecendo relações

com as “condições e consequências que constituem o seu entorno” (p.19). O autor ainda

aponta que os contextos assumem diferentes tamanhos, podendo ser mais ou menos micro

ou macro, considerando que o “texto e fala não são apenas constituintes (ou mesmo

produtos) de seus contextos, mas também resultam ser constitutivos de seus contextos”

(p.19). Não há como compreender adequadamente a complexidade dos fenômenos sem

compreender seu contexto.

A proposta de Van Dijk (2012) é discutir uma teoria do contexto que possa ser utilizado

amplamente. São apresentados 19 pressupostos que embasam esse posicionamento.

Desses, discutimos a seguir o que consideramos relevante a nossa proposta.

A princípio é colocado por ele que “os contextos são constructos subjetivos dos

participantes”, “os contextos são experiências únicas”, “os contextos são modelos

mentais” e “os contextos são um tipo específico de modelo da experiência”. Esses 4

pressupostos nos mostram que os contextos não são propriedades objetivas das situações,

sejam elas quais forem, mas sim “constructos dos participantes”, únicos, a partir das

percepções, representações, opiniões, emoções, conhecimentos que os participantes

possuem e acionam sobre determinada situação em curso. Essa busca por elementos que

auxiliem e permitam a construção de sentidos, por terem seu caráter subjetivo, é explicada

segundo modelos mentais. Van Dijk (op. cit., p.35) afirma que “esses modelos

representam as propriedades relevantes do entorno comunicativo na memória episódica

(autobiográfica) e vão controlando passo a passo os processos de produção e compreensão

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do discurso”. Esses modelos estão relacionados às situações e aos entornos da vida diária

dos participantes: esses “modelos da experiência” representam não apenas “a própria

pessoa e o entorno dos seres humanos conscientes, mas também controla as ações que

vão realizando, de modo que elas sejam relevantes na situação corrente” (VAN DIJK,

2012, p. 35).

Van Dijk (op. cit.) também nos diz que os contextos, como “bases sociais” e “dinâmicos”,

“controlam a produção e compreensão do discurso”. Segundo ele, os contextos são

construídos a cada nova situação comunicativa, sendo atualizados e adaptados de acordo

com as especificidades da própria situação. É, dessa forma, que os contextos controlam

as estruturas discursivas e as interpretações do discurso. No caso do professor de Língua

Portuguesa, a partir do que é apresentado sobre Carapicuíba, dependendo do momento no

qual está inserido e da maneira como ele representa o que está em seu entorno, irá

construir uma imagem do que é ser professor de português, ou seja, se falamos em um

município com vários problemas sociais, e esse professor leciona numa escola que

atendem alunos de uma área de alta vulnerabilidade, isso influencia a postura e a maneira

como atua em sala de aula. O objetivo aqui não é ressaltar se é uma postura positiva ou

negativa, certa ou errada, visto que pensar assim acaba sendo subjetivo e dependerá do

que estabelecemos como referencial; o relevante é compreender que esse contexto

histórico-social tem o seu papel na atuação do professor.

Nesse caminho, para Van Dijk (op. cit., p.37) “com frequência, os contextos são

amplamente planejados”:

planejar e antecipar o conhecimento de contextos são duas coisas

possíveis, porque a partir de esquemas e categorias gerais de contextos

(compartilhados culturalmente) constroem-se contextos específicos e

porque as pessoas têm lembranças acumuladas de eventos

comunicativos semelhantes ocorridos no passado

Para entender, representar e atualizar situações sociais os participantes necessitam

compreender o contexto também como esquemas. Esses, por sua vez, possuem base

cultural e categorias compartilhadas como Tempo, Lugar, Participantes, Propósitos, entre

outros.

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2.1.1 Contexto como modelo mental

Como exposto acima, entendemos como Van Dijk (2012, p.87) que os contextos são

“constructos dos participantes, subjetivos embora socialmente fundamentados, a respeito

das propriedades que para eles são relevantes em tal situação”. Dessa forma, esses

modelos de contexto são vistos como “um tipo especial de modelos da experiência do dia

a dia, representado na memória episódica dos participantes do discurso”, indo além de

uma simples atividade de processamento do discurso. Isso implica a maneira como,

narrando os mesmos acontecimentos, os participantes de um evento o fazem de diferentes

maneiras. Segundo Van Dijk (op. cit., p.92):

os usuários da língua, além de falar sobre eventos, também precisam

modelar a si próprios e a outros aspectos da situação comunicativa em

que estão envolvidos no momento. Desse modo, os modelos de

contextos se tornam a interface crucial entre os modelos mentais e os

discursos sobre esses eventos.

Utilizamos as nossas experiências pessoais, os conhecimentos armazenados em nossa

memória episódica, seja para produzir seja para compreender diferentes textos e

discursos. Um dos pontos importantes, em diferentes situações de interação é, justamente,

a busca e a ativação dos modelos mentais que possuímos: é esse processo que auxiliará a

construção de sentidos e seus desdobramentos.

Para Van Dijk (2012), há uma relação entre os modelos mentais pessoais presentes na

memória episódica e o conhecimento geral presente na memória social. Se estivermos

numa Orientação Técnica, na Diretoria de Ensino, com os professores de Língua

Portuguesa discutindo sobre como trabalhar os conteúdos gramaticais no 7º ano, por

exemplo, com o decorrer do encontro, com os momentos de reflexão propostos (breves

leituras, atividades de análise, socialização de situações propostas, troca de experiências)

vamos construindo ou atualizando um complexo modelo mental referente a essa prática

em sala de aula. Além disso, cada professor acionará modelos associados a suas

realidades, a suas escolas – os alunos e as necessidades que apresentam, as relações

interpessoais estabelecidas entre ele e os alunos, as diferenças existentes entre os 7º anos

que leciona, as “cobranças” da equipe gestora de sua escola, as exigências do Currículo

do Estado de São Paulo, entre outras.

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Assim, concordamos com o autor sobre os contextos (VAN DIJK, 2012, p. 107):

os contextos são um tipo especial de modelo mental da experiência

cotidiana (...) e que, da mesma forma que os modelos mais gerais de

experiência ou interação organizam o modo como adaptamos nossas

ações à situação social ou ao entorno, os modelos de contexto

organizam os modos como nosso discurso é estruturado e adaptado

estrategicamente à situação comunicativa global.

Da necessidade de detalhar melhor o funcionamento dos modelos de contextos, a seguir

apresentamos algumas das categorias que constituem esses modelos. Há necessidade de

verificar como os participantes analisam representam os entornos e as situações sociais

em geral. As categorias são: (i) Ambiente: Tempo/Período, Espaço/Lugar/Entorno, (ii)

Participantes, (iii) O Eu-mesmo, (iv) Ações/Eventos comunicativos ou de outra natureza

(op. cit., p.113-114).

Desses, assume papel central dos modelos de contexto o “Eu-mesmo” que se caracteriza

pelos papéis comunicativos (estrutura de participação), tipos de papéis sociais, relações

entre os participantes, crenças e conhecimentos compartilhados e sociais, intenções e

objetivos. Para o autor, os modelos de contexto são egocêntricos, o que organiza as

“relações entre o Eu (no papel de Falante, Receptor ou outro) e outros participantes”

(p.114). Além disso, isso também é aplicada a outras categorias contextuais: o “aqui”,

referente ao lugar em que se está; o “conhecimento”, levando em consideração o que se

sabe de determinado momento; e os “objetivos”, focalizando nas “pretensões” nesse e

desse momento.

Sobre a formação dos modelos de contexto, compartilhamos com o autor a ideia de que

esses modelos não podem ser construídos do zero ou somente quando há o início de uma

fala, mas tratam-se de modelos de experiência em andamento. Isso significa dizer que,

antes de qualquer evento comunicativo, “grande parte do modelo de contexto já está

pronto”, considerando o ambiente (tempo e lugares presentes), os participantes de

determinado momento com seus papeis sociais e seus conhecimentos, ações sociais em

curso.

Ainda segundo o autor:

À medida que o modelo da experiência vai sendo executado, então um

participante pode formar o desejo de que outros participantes da

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situação saibam, acreditem ou façam algo, e que tal estado de coisas

possa ou deva ser transformado em realidade pelo discurso e não por

outras formas de interação. É nesse ponto que o modelo de contexto

será construído (especificado, adaptado) como um caso especial do

modelo de experiência, de modo tal que as categorias de participantes

envolvam as dos falantes e receptores, entre outros, e que a ação em

curso, a ser planejada e controlada, seja verbal em vez de não verbal

(VAN DIJK, 2012, p.145).

Isso mostra que, enquanto interagimos, somos cientes de quem somos, do que estamos

tratando e o porquê. Há um grau de controle por parte dos modelos de contextos sobre o

processo de produção e construção do discurso, considerando desde o controle sobre o

conhecimento geral quanto estruturas linguísticas.

2.1.2 A função do contexto

Entendemos aqui que a principal função do contexto está em permitir e condicionar a

produção e a compreensão dos textos, orais e escritos. O que é importante destacar é a

maneira como são possíveis as relações entre contexto e discurso: o foco é compreender

como discurso é controlado por estruturas contextuais e, por outro lado, como as próprias

construções discursivas influenciam os modelos de contextos dos participantes de um

evento. Vale também ressaltar que essas relações são complexas e variáveis, isso pois,

sendo o contexto definido em termos de modelos mentais, e, como foi dito, são modelos

individuais, que dependem da maneira como o indivíduo representa o seu entorno, se

pensarmos um professor de Língua Portuguesa, numa determinada escola de Carapicuíba,

que ministre aulas no 9º ano do Ensino Fundamental, a imagem que construiu do 9º A é

diferente da que construiu do 9º B e assim sucessivamente. Embora haja uma

representação macro dos contextos relacionados aos 9º anos, temos uma construção

mental micro das classes por parte desse professor.

Na prática, percebemos que, ao analisarmos determinado evento, não podemos restringir

nosso olhar utilizando apenas algumas variáveis, ou mesmo achar que existem “variáveis

chaves” para explicar determinado evento. Isso implica atentar-nos a generalização de

determinadas variáveis, onde não se considera a existência de uma variedade e

complexidade de influências combinadas. Segundo Van Dijk (2012, p.164):

O problema crucial é como estudar formas de influência contextual

combinadas e complexas, e como fazê-lo de maneira qualitativa, isto é,

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mediante uma análise de discurso detalhada, e não da maneira

estatística habitual – por exemplo, por meio de uma análise fatorial,

para a qual não temos, para começar, dados quantitativos suficientes.

Um exemplo citado por Van Dijk (2012) é, justamente, o do professor em sala de aula.

Para ele, pensar na forma como o professor leciona e o que o influencia sugere pensar que

um “professor ensina de modo muito diferente do outro, dependendo da disciplina, da

cultura, da audiência, e assim por diante” (p.163).

No processo de construção de sentidos, as identificações ao longo do evento

comunicativo podem mudar: um interlocutor representa, a si mesmo e a seus

interlocutores, a partir de várias categorias sociais ao mesmo tempo. A situação

comunicativa é “representada subjetivamente de uma forma complexa, na qual cada

variedade das propriedades sociais pode ter saliência maior ou menor numa dada

situação” (op. cit., p. 164), ora uma é mais relevante, ora outra.

Dito isso, podemos dizer que há um controle e esse não se dá por meio de algum fato

social objetivo, mas o modo subjetivo como os participantes de um evento compreendem

ou constroem esse fato social. Não se está aqui afirmando não existir condições materiais,

porém essas condições influenciam o discurso se interpretadas, representadas,

vivenciadas pelos usuários da língua. Sobre isso, Van Dijk (2012, p.170) nos diz:

Tenho defendido repetidamente que, pelo fato de podermos interpretar

a situação comunicativa de maneiras diferentes, os usuários da língua

também falam de maneiras diferentes, mesmo estando na mesma

situação objetiva e enquadrando-se nos mesmos parâmetros sociais. Ou

seja, a maneira como concebo as relações entre situação e discurso não

é determinista, mas (inter)subjetiva e interpretativa.

A esse posicionamento, o autor associa a constatação de que os modelos de contexto, por

não serem construídos a partir do zero, podem assumir a existência de uma série de

estratégias que automatizam parte das representações, como, por exemplo, as identidades

pessoais e sociais dos participantes. Isso explica, segundo Van Dijk, que algumas

identidades sociais são mais ou menos relevantes, enquanto outras não. Pontos como a

influência do contexto, o condicionamento, o controle, são importantes para

identificarmos o que temos na prática. Por exemplo, um traço discursivo pode ser

explicado se pensarmos tanto numa condição específica quanto na relação dessa com

outras condições. Van Dijk (op. cit.) discute que o termo adequado para explicar essa

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situação não a “influência” do contexto em determinado evento, para ele isso não é

suficiente. O que se tem é um conjunto de condições, uma cadeia complexa de relações

condicionais. Trazendo para nossa discussão, falar em influência reduz a relação entre

eventos e contexto: pensando assim, podemos dizer que não é pelo fato de um professor

lecionar numa escola em Carapicuíba, que isso será determinante em sua atuação

profissional. Temos condições, as mais diversas, que devem ser consideradas para

entender as diferentes realidades presentes nas escolas estaduais do município.

O autor propõe a ideia de “Controle”. Dessa forma, o contexto é definido tanto em termos

cognitivos (modelos mentais e processos mentais) como em termos sociais ou societais

(exigências relacionadas a práticas sociais convencionadas por um grupo). Na afirmação

de Van Dijk “A ‘controla’ B quando A é uma condição necessária de B”.

Para Van Dijk (2012, p.181):

Ao passo que o conhecimento é uma condição necessária a qualquer

discurso e o ambiente é uma condição necessária ou altamente provável

(os participantes cientes do tempo e do lugar), as categorias do

participante (papeis e identidades) podem ter um controle variável.

Esse controle variável está relacionado a variantes como gênero, etnia, classe, etc. que,

dependendo da situação, podem assumir um controle mais ou menos forte, elas não são

incluídas necessariamente a todos os estágios dos modelos de contexto, podendo ficar em

segundo plano. Naturalmente, fica claro que isso depende, dentre outros, das intenções,

da maneira como a situação em questão é representada, do foco dado a determinada

explanação e análise, e assim por diante. Referente aos termos “controle” ou

“condicionamento”, Van Dijk (2012) diz que esse controle faz parte do processo da

produção do discurso e também da interação discursiva. Essa maneira de entender essa

noção cobre, segundo ele, os complexos processos e interações sociocognitivos

envolvidos na construção, nos usos e na adaptação estratégica, passo a passo dos

contextos de modelos.

Uma outra noção importante para embasarmos nossas reflexões sobre as relações

estabelecidas entre contexto e discurso é a de estilo. Percebemos que o estilo, como uma

propriedade específica do uso da língua ou do discurso, é controlada pelo contexto. Van

Dijk (2012, p. 204) nos mostra que

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a natureza contextual do estilo é definida não só em termos de escolha

intencional entre opções variáveis, mas também em termos de várias

funções que têm em comum um caráter de distinção: unicidade,

originalidade, identificação, assim por diante.

Ao tratar o estilo, não podemos reduzi-lo em função da audiência, do público-alvo, mas

devemos compreende-lo também como “indicial”, como, por exemplo, relacionado a

identidade do próprio grupo, das referências que possuem. Isso significa dizer ser

necessário ter “consciência” de quem são, a quem estão se dirigindo, construindo um

modelo de seus interlocutores, como parte de seu modelo da situação comunicativa em

questão.

Pensando na forma como o contexto é “colocado em prática”, associamos as diferentes

formas de controle do contexto no discurso. Para tal, como aponta Van Dijk (2012), temos

diferentes níveis: o gramatical, envolvendo a fonologia, a sintaxe e o léxico; os

“subjacentes”, como o do significado, da ação e interação; os “interníveis”, como o

retórico; além de superestruturas como a argumentativa e a narrativa. É necessário

identificar a forma como os diferentes aspectos do contexto são indicados ou

“codificados” em um texto, seja ele oral, escrito ou multimodal. Para o autor (VAN DIJK,

2012, p.297), numa teoria de contexto:

Produzir e compreender o texto e a fala adequada e estrategicamente,

de um modo geral e de um modo inserido na situação, pressupõe que os

participantes sejam capazes de analisar, compreender e representar as

situações sociais, tanto individualmente como pelas normas de um

grupo ou comunidade. Nesse sentido, a compreensão contextual do

discurso é parte inerente da compreensão das vidas e experiências

diárias das pessoas e de como elas conseguem agir adequadamente em

qualquer situação social.

Concordando com o autor sobre a capacidade dos participantes em “analisar,

compreender e representar” os mais diferentes eventos sociais as situações sociais, bem

como refletir sobre sua atuação, abordaremos, no Capítulo 3, o papel do contexto na

construção do discurso pedagógico, considerando os modelos de contexto importante no

processo de análise e explicação de condições sociais e de interação complexas.

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2.2 A Análise de Discurso Crítica – ADC

Os estudos da ADC fundamentam-se na concepção da linguagem como prática social e

como instrumento de poder (WODAK, 2005). Os conceitos de “discurso”, de

“hegemonia” e de “ideologia” são essenciais ao que ela se propõe: a articulação entre

análises linguísticas e a tentativa de uma explicação cada vez mais pormenorizada da

realidade social. Resende (2009, p.12), no mesmo caminho, sobre esse posicionamento

ressalta:

partindo da identificação de problemas sociais com facetas discursivas,

o objetivo é desvelar discursos que servem de suporte a estruturas de

dominação ou que limitam a capacidade de transformação dessas

estruturas, por isso a ADC requer atenção tanto ao uso da linguagem

quanto à estruturação da ação social.

Neste trabalho, justamente pensando nas relações estabelecidas entre os discursos sobre

a atuação do professor de Língua Portuguesa, entendemos que esses agem diretamente na

construção do discurso desse professor, na maneira como pensa sua aula, até o momento

de interação com seu aluno. Até que ponto o Currículo do Estado de São Paulo, com a

defesa de uma base curricular comum, é vista como uma imposição ou limitador da

prática docente? Questão que será retomada mais adiante.

A seguir, apresentaremos os pressupostos teóricos da ADC, revisitando alguns autores e

examinando, brevemente, pontos defendidos por eles.

Fairclough

Aqui revisitaremos o primeiramente o que Fairclough (2008) propõe como Teoria Social

do Discurso. O autor discute o conceito de discurso entendendo esse como tridimensional,

relacionando texto, prática discursiva e prática social. O discurso, assim, assume-se não

como uma atividade meramente individual ou reflexo de variáveis, mas como forma de

ação social, “um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo

e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação” (op. cit., p.

91). Além disso, a estrutura social restringe e molda o discurso, em sentido amplo e em

todos os níveis (op. cit., p.91):

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o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da

estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem:

suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades

e instituições que lhe são subjacentes

Entendendo o discurso como uma prática, temos, segundo Fairclough (2008), uma forma

de representar, significar e construir o mundo. Sobre esses os efeitos constitutivos do

discurso, temos 3 aspectos:

A construção de identidades e dos posicionamentos do sujeito;

A construção das relações sociais entre as pessoas;

A construção de sistemas de conhecimento e crença.

Isso significa dizer que há maneiras diferentes para as identidades sociais estabelecerem-

se no discurso, para as relações sociais serem representadas e negociadas entre os

interlocutores no discurso e para os textos referenciarem e explicarem o mundo e seus

processos, identidades e relações. Fairclough (op. cit., p.92) cita o seguinte exemplo:

As identidades de professores e alunos e as relações entre elas, que estão

no centro de um sistema de educação, dependem da consistência e da

durabilidade de padrões de fala no interior e no exterior dessas relações

para sua reprodução. Porém, elas estão abertas a transformações que

podem originar-se parcialmente no discurso: na fala da sala de aula, do

parquinho, da sala dos professores, do debate educacional, e assim por

diante.

Fairclough ressalta a importância de considerar a relação entre discurso e estrutura social

como dialética, na tentativa de evitar equívocos como o de compreender o discurso como

“mero reflexo de uma realidade social mais profunda” e mesmo, de uma forma idealizada,

como “fonte do social”. Analogamente ao exemplo utilizado pelo autor (p.93) sobre a

relação entre pais e filhos na família, no nosso caso, podemos estender para as relações

no âmbito escolar – aluno-aluno, professor-aluno, professor-professor, professor-equipe

gestora, equipe escolar-Secretaria de Educação etc.: a constituição do discurso social não

se origina de “um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas”, sua sustentação está numa

prática social “firmemente enraizada em estruturas sociais materiais e concretas”.

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Como proposta para a análise, Fairclough (2008) apresenta a concepção tridimensional

do discurso representado abaixo7:

TEXTO

PRÁTICA DISCURSIVA

(produção, distribuição, consumo)

PRÁTICA SOCIAL

De acordo com Fairclough o discurso é entendido como o conjunto das seguintes

dimensões: texto, compreendendo o vocabulário, a gramática, a coesão, a estrutura

textual, além da “força dos enunciados” (atos de fala), da coerência e da intertextualidade;

prática discursiva, envolvendo os processos de produção, distribuição e consumo textual,

onde esses variam de acordo com fatores sociais; prática social, com dois conceitos

principais, o de ideologia e o de hegemonia.

Dessa forma, Fairclough (op. cit., p.126-127) discute a mudança discursiva considerando

a necessidade de “entender os processos de mudança como ocorrem nos eventos

discursivos” e de definir uma “orientação relativa à maneira como os processos de

articulação afetam as ordens do discurso”. Isso está associado, dentro dos eventos

discursivos, as origens e as motivações frente às convenções estabelecidas entre os

produtores e os intérpretes (conhecimento compartilhado entre os interlocutores).

Concordamos com a constatação do autor ao dizer que as possibilidades apresentadas

num evento comunicativo são complexas, considerando seus efeitos como cumulativos.

Para Fairclough (op. cit., p.128):

7 Retirado de: FAIRCLOUGH (2008, p.101):

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À medida que os produtores e os intérpretes combinam convenções

discursivas, códigos e elementos de maneira nova em eventos

discursivos inovadores estão, sem dúvida, produzindo cumulativamente

mudanças estruturais nas ordens de discurso: estão desarticulando

ordens do discurso existentes e rearticulando novas ordens do discurso,

novas hegemonias discursivas. Tais mudanças estruturais podem afetar

apenas a ordem de discurso ‘local’ de uma instituição, ou podem

transcender as instituições e afetar a ordem do discurso societária.

Em se tratando do que é produzido no âmbito escolar sobre o ensino de Língua

Portuguesa, pensar, por exemplo, nas ATPC (Escola) ou nas Orientações Técnicas

centralizadas (Diretoria de Ensino), a partir do que os envolvidos apresentam, discutem,

refletem, sugerem etc., temos a possibilidade de pensar em mudanças, não apenas na sala

de aula, na própria escola, mais especificamente nas escolas jurisdicionadas pela Diretoria

de Ensino, como também propiciar uma mudança em procedimentos atitudinais ou

metodológicos no próprio sistema de ensino do Estado de São Paulo.

No processo de mudança nas ordens do discurso, Fairclough (2008, p.247) discute três

tendências de mudança discursiva: a democratização, a comodificação e a tecnologização

do discurso:

As duas primeiras referem-se a mudanças efetivas nas práticas de

discurso, enquanto a terceira sugere que a intervenção consciente nas

práticas discursivas é um fator cada vez mais importante na produção

da mudança.

Quanto a democratização do discurso, Fairclough (op. cit.) a analisa a partir de cinco

áreas: (1) relações entre línguas e dialetos, (2) acesso ao discurso de prestígio, (3)

eliminação de marcadores explícitos de poder em relações desiguais, (4) tendência a

informalidade das línguas e (5) mudanças referentes ao gênero – masculino e feminino.

Neste trabalho, interessa-nos fazer referência a terceira e quarta áreas. Respectivamente,

sobre os marcadores explícitos, associamos, a princípio, às falas da SEE-SP em que essa

se coloca como “parceira” do professor, como por exemplo “aprender junto com os

professores”, “a equipe aprendente” e outras expressões ressaltando a possibilidade de

mudança ao que está estabelecido por uma orientação institucional ou qualquer outro

documento. Temos uma eliminação aparente das assimetrias de poder entre a SEE-SP e

os professores.

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Já referente a tendência de informalidade, identificamos que, decorrente desse processo

de eliminação de marcas linguísticas hierarquicas, associadas aos participantes de eventos

comunicativos, temos a manifestação da informalidade. O próprio conceito de

“mediação”, tão presente hoje na esfera pedagógica, é um exemplo disso: os

interlocutores da SEE-SP mediando os atos e dizeres dessa com os professores e a

comunidade escolar em geral.

A comodificação é o processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo

propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para

venda, vêm não obstante a ser organizadas e definidos em termos e produção, distribuição

e consumo de mercadorias” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 255). Poderíamos realizar a

seguinte aproximação: a escola assumindo o papel de produzir “mercadorias úteis” para

a produção de outras mercadorias (força de trabalho). Sabemos que na educação básica,

principalmente no Ensino Médio, essa discussão está presente.

O professor em sua atuação sente os efeitos da comodificação, embora não a nomeie

assim. O que Fairclough (2008, p.256) nos apresenta a construção de um aluno (aprendiz)

que assume um papel passivo frente a competências e habilidades trabalhadas com eles

(Fairclough usa o termo “treinar”), envolvendo “metas” e “perfis”. Isso se opõe,

contraditoriamente, a construção de uma postura ativa desse aluno, como consumidor,

“clientes conscientes de suas necessidades”. Fairclough (op.cit., p.257) explana, embora

ressaltando o caráter democrático do conceito, que as habilidades

São atributos apreciados dos indivíduos, estes diferem em tipos e em

graus de habilidade, e está aberto a cada um aperfeiçoar as habilidades

ou acrescentar novas habilidades. [...] Por outro lado, o conceito de

habilidade tem implicações normativas, passivas e objetificadoras:

todos os indivíduos adquirem elementos de um repertório social comum

de habilidades, por meio de procedimentos de treinamento

institucionalizados e supondo-se que as habilidades sejam transferíveis

a contextos, a ocasiões e a usuários de um modo que deixa pouco espaço

à individualidade.

No capítulo que segue retomaremos essa discussão, porém, cabe questionarmos: a

educação estadual paulista, em seus documentos oficiais, direciona o trabalho de ensino

e aprendizagem com o desenvolvimento de competências e habilidades? O professor, em

sua atuação, é consciente da atividade que realiza e qual o seu propósito, a partir de uma

visão ampla de todo esse processo?

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A tecnologização do discurso pode ser compreendida como o emprego do discurso como

tecnologia, consideradas “recursos ou conjunto de instrumentos que podem ser usados

para perseguir uma variedade ampla de estratégias em muitos e diversos contextos”

(2008, p. 264), estabelecendo ligações muito próximas entre conhecimento sobre a

linguagem e poder. Essas tecnologias (p.265):

São planejadas e aperfeiçoadas com base nos efeitos antecipados

mesmo nos mais apurados detalhes de escolhas linguísticas no

vocabulário, na gramática, na entonação, na organização do diálogo,

entre outros, como também a expressão facial, o gesto, a postura e os

movimentos corporais. Elas produzem mudança discursiva mediante

um planejamento consciente. Isso implica acesso de parte dos

tecnólogos ao conhecimento sobre a linguagem, o discurso e a semiose

e ainda ao conhecimento psicológico e sociológico.

Ao acessarmos o site da SEE-SP, notamos esse planejamento. Por exemplo, na primeira

página são colocadas chamadas para assuntos como o trabalho com o “Currículo do

Estado de São Paulo” ou o Programa “Educação – Compromisso de São Paulo”

associando aos textos verbais, fotos de alunos sorrindo, com materiais em mãos. Sabemos

que essas construções não são por acaso, são planejadas pensando justamente nos

possíveis interlocutores desses textos. Nesse ponto, percebemos a utilização do que

Fairclough (2008, p.265) nomeia como “personalização sintética”, termo que se refere “a

simulação de aspectos de significado interpessoal alicerçada no cálculo estratégico de

efeitos”.

Uma outra questão é colocada pelo autor: a construção do “eu” na sociedade

contemporânea. Ele a explica a partir da convergência entre democratização e

comodificação. Essa, por sua vez, revela duas características: a primeira relacionada a

maneira como essas tendências influenciam a construção da

subjetividade/individualidade pelo discurso e, em segundo, a busca por um “eu” mais

autônomo e automotivado. Essas têm em comum “uma orientação para um ‘eu’

autodirecionado”, o que significa dizer, por exemplo, que o professor, da forma como seu

papel e atuação são colocadas a ele, caracteriza-se por possuir uma capacidade e uma

vontade de escolher o que fazer e como fazer, em determinado grau de autonomia.

Acreditamos que questões como “seguir ou não o Currículo”, “que habilidades e

conteúdos trabalhar”, entre outras, estão aqui presentes, embora, como apresenta

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Fairclough (2008, p.269), e concordamos com ele, o impacto dessas tendências “sobre as

diversas ordens de discurso mais locais e institucionais é variável”, ou seja, temos

diferentes graus de democratização e de comodificação.

Segundo o autor (op. cit., p.270):

A importância atual dessas tendências parece corresponder não apenas

aos modelos de autoimagem que elas implicitamente projetam, mas

também a um estado ou condição particular da ordem de discurso

societária na sociedade contemporânea que torna possível a projeção de

novos modelos.

Nisso temos, segundo ele, uma fragmentação de normas e convenções discursivas que

afetam tanto instituições como domínios sociais. Essa fragmentação representa um

colapso, “uma perda de eficácia” das ordens do discurso mais locais, envolvendo:

(i) Variação maior na prática discursiva;

(ii) previsibilidade menor para os participantes em qualquer evento do

discurso, e uma necessidade consequente de negociar;

(iii) permeabilidade maior a tipos do discurso que provêm do exterior

do domínio em questão e às tendências gerais.

Fairclough aponta que essa fragmentação é um “relaxamento do regulamento da prática

discursiva”. Fairclough (2003) usa o termo “new capitalism” para referenciar as

mudanças das últimas décadas, não apenas quanto ao aspecto econômico, mas polítco,

educacional, produção artística, entre outros. A questão gira em torno de como essas

transformações influenciaram nossas vidas.

Resumindo, o que Fairclough apresenta são interpretações em termos de unilinearidade,

de luta hegemônica e de fragmentação. A primeira implica um modelo de discurso onde

há um “código” da prática discursiva, com a prática seguindo as normas ou mesmo a

noção de que os códigos, em partes, são estruturados externamente por tecnologias

discursivas. A segunda envolve uma prática discursiva como articulação. A terceira

entendida como a definição de um modelo com base na negociação.

Em Fairclough (2003), o autor reforça sua defesa de que a linguagem é parte irredutível

da vida social, interconectada com outros elementos da própria vida social, não

significando uma redução de uma na outra. Um dos problemas colocados por ele é a

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incerteza de como analisar os materiais linguísticos. Para o autor, qualquer análise de

texto com o objetivo de ser significativa deve possuir questões teóricas sobre o discurso,

além disso, nenhum entendimento real dos efeitos sociais do discurso será possível sem

a preocupação sobre o que acontece quando as pessoas falam ou escrevem. A análise

textual compreende a análise linguística e a análise interdiscursiva, entendendo os textos

a partir dos diferentes discursos, gêneros e estilos.

Como elementos de eventos sociais, os textos têm efeitos causais por provocarem

mudanças no conhecimento que temos das coisas, em nossas crenças, atitudes, formas de

agir e assim por diante, isso a curto prazo. A longo prazo temos, por exemplo, a

construção de identidades. Fairclough (2003, p.8) entende que

Their effects can include changes in the material world, such as changes

in urban design, or the architecture and design of particular types of

building. In sim, texts have causal effects upon, and contribute to

changes in, people (beliefs, attitudes, etc.), actions, social relations, and

the material world. It would make little sense to focus on language in

new capitalism if we didn’t think that texts have causal effects on this

sort, and effects on social change (based on this) these effects are

mediated by meaning-making.

Conforme a citação, concordamos com o autor de que o significado é construído, entendo

que essa construção depende de vários fatores contextuais, o que inclui “a realidade social

como está”, “quem a está construindo” etc.

Pedro et alli

A obra, dividida em duas partes, Dimensões teóricas e metodológicas e Dimensões de

aplicação, tem início com o texto de Emília Pedro em que pretende discutir aspectos

sobre a teoria, método e análise da ADC. Dos 11 capítulos que compõe a obra,

realizaremos o recorte de pontos relevantes para esta pesquisa presentes em 4 deles:

Capítulo 1, de Emília Pedro; o Capítulo 2, de Gunther Kress; o Capítulo 3, de Norman

Fairclough; e o Capítulo 5, de Theo van Leeuven.

No primeiro artigo, de Emília Pedro, um dos pontos abordados gira em torno do termo

discurso, sua caracterização e dificuldade de defini-lo. A partir dos autores citados por

ela, diz que na abordagem do discurso na ADC, o contexto tem papel fundamental. Uma

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diferença está na maneira como a ADC conceitualiza o sujeito: “não como um agente

processual com graus relativos de autonomia, mas como sujeito construído por e

construindo os processos discursivos a partir da sua natureza de actor ideológico”

(PEDRO, 1997, p.20).

Segundo a autora, os linguistas críticos entendem que os diferentes usos linguísticos

pressupõem compreensões específicas e, diante disso, as próprias variações linguísticas

expressam as diferenças sociais existentes. Um ponto entre os linguistas críticos e os

analistas do discurso crítico que não os aproxima está ao falarmos na relação entre

contextos sociais e o uso linguístico: a autora pontua que na ADC (ibid., p.21):

encontramos um processo analítico que julga os seres humanos a partir

da sua socialização, e as subjectividades humanas e o uso linguístico

como expressão de uma produção realizada em contextos sociais e

culturais, orientados por formas ideológicas e desigualdades sociais.

Disso, Pedro coloca que as subjetividades humanas e o uso linguístico são produzidos em

contextos sociais e culturais onde predominam formas ideológicas e desigualdades

sociais. Há um afastamento da ideia de neutralidade das estruturas sociais. Esse

posicionamento crítico também, segundo ela, é compartilhado por Fairclough e outras

abordagens da ADC.

Pedro (op. cit.) também pontua os objetivos e as finalidades da ADC. São diversas e

distintas as preocupações, indo desde reprodução do sexismo e do racismo, passando

pelas relações de poder e de dominação, o papel da mídia e da política, entre outros; a

ADC visa “dar conta quer da estrutura interna quer da organização global dos textos”

(p.23). Segundo Kress (apud Pedro, 1997, p. 24) “os praticantes da ACD têm, de forma

explícita ou implícita, o objectivo político mais vasto de questionar as formas dos textos,

os processos de produção desses textos e os processos de leitura, juntamente com as

estruturas de poder que deram azo a esses textos”, o que está relacionado a atuação do

analista crítico do discurso na produção de “mudanças não apenas nas práticas

discursivas, mas, também, nas práticas e estruturas sociopolíticas que apoiam as práticas

discursivas” (p.24). Um dos objetivos da ADC frisado por Pedro (p.25) é o de análise e

discussão sobre o papel do discurso na (re)produção da dominação, entendida como

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o exercício do poder social por elites, instituições ou grupos que resulta

em desigualdade social, onde estão incluídas a desigualdade política, a

desigualdade cultural e a que deriva da diferenciação e discriminação

de classe, de raça, de sexo e de características étnicas.

Segundo ela, os analistas querem saber “quais as estruturas, estratégias ou outras

propriedades do texto, (...) da interação verbal, ou dos acontecimentos comunicativos em

geral, que desempenham um papel nestes modos de reprodução” (PEDRO, 1997, p.25).

Deixa-se claro o caráter multidisciplinar, baseando-se em critérios de observação,

descrição e explicação, além de aspectos relacionados a eficácia e a relevância e sua

contribuição para mudança.

Ao abordar a problematização teórica da ADC, Pedro (op.cit.) afirma que o linguístico é

considerado no interior social, porém não se deve retirar a importância dos outros

aspectos do discurso, psicológico, cognitivo e de processamento do discurso. É assim

fundamental para a ADC “a compreensão da construção social e psicológica dos

indivíduos e, portanto, uma teorização dos sujeitos sociais e das subjetividades” (p.27).

Isso leva a determinação de critérios que “dão corpo ao trabalho” da ADC.

A partir disso, a autora nos leva a refletir sobre a questão da hegemonia, na relação entre

dominação e controle, em como os “dominados” aceitam essa dominação. Para ela, as

relações entre poder e dominação estão organizadas e institucionalizadas, existindo uma

hierarquia de poder onde “alguns membros de grupos e de organizações dominantes

assumem um papel especial no planejamento, na tomada de decisões e no controlo das

relações e processos da activação do poder”. Pedro nomeia esse grupo a partir de Van

Dijk como “elites de poder”, caracterizados por “terem um acesso particular ao discurso”.

Embora esclareça que o termo “elites” justifica-se a partir das discussões sobre o poder

simbólico de Bourdieu.

Outro ponto importante são os aspectos metodológicos e, consequentemente, a definição

de categorias de análise. Ao trazer essas discussões para seu texto, Pedro (op.cit., p.30)

coloca a diferença entre abordagens particulares da ADC. Um dos conceitos que permeia

essas abordagens é o da escolha: segundo Kress (apud PEDRO,1997, p.31)

é a categoria que melhor capta e reflete, por um lado, graus de poder e

controlo, patentes numa interação e, por outro lado, graus e

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características potenciais da ação que estão ao dispor dos participantes,

em interacções linguísticas, faladas ou escritas.

É justamente a compreensão desse conceito que possibilitará analisar as questões

referentes ao poder, a maneira de agir (individual ou institucionalizada) e de representar

as experiências no mundo, a estruturação do texto e sua manifestação (oral ou escrita; a

língua utilizada; elementos de outras linguagens utilizadas), o propósito do ato

comunicativo em si, entre outros.

Ainda sobre as categorias de análise, Pedro (1997, p.33) continua citando Kress para

quem existem quatro formas envolvidas: a categoria textual do gênero, a pressuposição

enquanto estratégia retórica, a categoria lexical da lexicalização e a categoria sintática

da ordem das palavras. Assim, por exemplo, a categoria do gênero explica as formas

convencionalizadas e convencionalmente disponíveis, utilizadas em ocasiões sociais,

assumindo papel importante na organização dos participantes sociais, não deixando de

lado as finalidades e as intenções dessas formas; a categoria lexical centra sua reflexão

na noção de linguagem como conjunto de nomes para objetos, baseados no senso comum,

não se esquecendo que da influência do controle; a categoria sintática relacionada ao

“modo como todos os aspectos da forma estão sujeitos aos efeitos das forças sociais e do

modo como os fatores sociais exercem os seus efeitos na gramática” (p.34). Além dessas,

a autora comenta sobre os papéis desempenhados pelos atores sociais nas situações

discursivas, categorias relacionadas a um nível micro de análise das formas textuais, além

de chamar atenção para propriedades textuais de caráter ideológico, como “traços de

vocabulário e metáforas, traços gramaticais, pressuposições e implicaturas, convenções

de delicadeza, sistemas de tomada de vez, estrutura genérica, ou estilo” (p.35). O projeto

da ADC, defende a autora, não se reduz apenas as relações de poder entre classes sociais

e na produção econômica como apresenta alguns estudiosos.

Igualmente a outros autores, Pedro (op. cit.) aponta limitações do projeto da ADC e

problemas e desenvolvimentos futuros. Sobre essas limitações, a autora identifica que

essas críticas negativas estão basicamente na dificuldade de articulação entre “modelos

de análise sociopolítica e cultural”, “modelos de análise linguística e semiótica” e

“conceitos vindos de diferentes teorias já elaboradas [...] de raiz e posicionamentos

conceptuais diferenciados” (p.40-41).

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Quanto a problemas, Pedro (1997) apresenta dois: em primeiro, o grau de dependência

em relação a outras disciplinas ou teorias sociais; em segundo, a produção crítica de textos

e práticas sociais que possam ir além da “óbvia desigualdade”. Fazendo referência a

Kress, Pedro compartilha da ideia de que se deve “atender à produção dos recursos

representacionais pelo sujeito, à transformação efectuada por esse sujeito e ao poder

transformador que o mesmo sujeito exerce no e sobre o mundo”, isso pois se alterou e

altera-se, a cada nova maneira de interagir no mundo, a própria relação com o texto e o

discurso.

Nesse caminho, Kress (1997), diante dessas reflexões, vê um caminho para uma teoria

social da linguagem onde será possível construir estudos que discutam não apenas o elo

entre homem e sociedade, mas fazer desse o centro dessa teoria. Para tal, apresenta

considerações como a de que “a linguagem não está só envolvida na produção e

reprodução de outras práticas sociais, mas é, ela própria, produzida e reproduzida por

práticas linguísticas, bem como por outras práticas e categorias sociais” (p.55). Além

disso, os recursos linguísticos “são produtos de interações de utentes linguísticos

socialmente formados e posicionados, actuando em estruturas de poder” (p.67), a forma

linguística e a grande quantidade de recursos apresentam traços da ação e atuação de

poder.

Diante disso, segundo ele, “a linguagem é um, e apenas um, dos muitos modos de

comunicação, tendo sido até agora o mais valorizado e, por isso mesmo, o mais estudado

e teorizado” (KRESS, 1997, p.71).

Nessa obra de Emília Pedro, o artigo de Fairclough (1997) discute as relações entre

discurso, mudança e hegemonia. Ele centra sua explanação no conceito de

tecnologização do discurso, entendido como “um modo marcadamente contemporâneo

de política e planejamento linguísticos” (p.77), utilizada como um recurso para orientação

e controle das diferentes mudanças, principalmente na atualidade. Ela é caracterizada

pela: “investigação das práticas discursivas de organizações e instituições sociais”,

“reformulação dessas práticas de acordo com estratégias e objetivos específicos” e

“formação do pessoal das instituições nestas práticas reformuladas”.

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O poder é entendido por Fairclough (1997) a partir do conceito de hegemonia, onde a

hegemonia e a luta hegemônica são formadas nas práticas discursivas das instituições e

organizações. Fairclough (op.cit., p.78) defende que

Este modo de política e planejamento linguístico não deverá ser

investigado apenas ao nível “macro” da formação e aplicação prática

das políticas, devendo o seu estudo recorrer, igualmente, a um método

crítico de análise do discurso susceptível de revelar a forma como a

tecnologização do discurso é recebida e interiorizada por aqueles que

lhe estão sujeitos, através de diferentes formas de adaptação e

resistência que, por sua vez, dão origem a combinações híbridas de

práticas discursivas existentes e impostas.

Fica claro a preocupação em considerar os interlocutores de determinado evento

comunicativo.

Em seu artigo, ao tratar da relação entre discurso e hegemonia, Fairclough (1997) a

explica a partir do que apresenta Gramsci. Segundo Fairclough, são estabelecidas duas

relações: (a) a prática discursiva na interação oral e escrita assumidas pela prática

hegemônica e pela luta hegemônica; (b) entendendo que o discurso é uma esfera da

hegemonia, a hegemonia de uma classe ou grupo sobre a sociedade dependerá de como

as práticas discursivas e ordens do discurso são moldadas.

Referente a primeira relação, Fairclough ressalta que o oral e o escrito são indissociáveis.

Isso está ligado ao “exercício, reprodução e negociação das relações de poder”,

consequentemente aos processos ideológicos e luta ideológica. Esse caráter ideológico é

compreendido como um conjunto específico de convenções discursivas associadas a

determinadas crenças e conhecimentos específicos, “posições específicas para cada tipo

de sujeito social que participa nessa prática [...] e relações específicas entre categorias de

participantes” (p.80).

Na segunda relação, estabelece que o discurso é um elemento da hegemonia e a

hegemonia de um grupo sobre a própria sociedade (ou parte dela) depende da “capacidade

de moldar práticas discursivas e ordens de discurso”. Fairclough (op. cit., p.81) observa

que

A hegemonia de uma classe ou grupo sobre uma ordem de discurso é

constituída por um equilíbrio, mais ou menos estável, entre as práticas

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discursivas que a compõem; o equilíbrio pode perder-se e, no discurso

da luta hegemônica, dar lugar à reestruturação dessas práticas.

Em se tratando da prática do professor de Língua Portuguesa, podemos apontar um

conflito existente sobre a forma de como atuar em sala de aula: um indício, na tentativa

de realizar seu papel na escola, ou mesmo defini-lo com maior segurança, o professor

lança mão de diferentes estratégias para que o aluno desenvolva competências e

habilidades ao longo de uma série e consequentemente, ao longo de um ciclo (Resolução

SE 53, de 2-10-2014).

Fairclough (1997) também retoma a concepção de discurso vista de maneira

tridimensional: o texto linguístico, oral ou escrito; a prática discursiva, com aspectos

relacionados a produção e a construção de sentidos do texto; e a prática sociocultural

envolvida. Segundo Fairclough (op. cit., p. 83), faz parte do método de análise do discurso

a descrição linguística do texto linguístico, a interpretação das relações

entre os processos discursivos (produtivos e interpretativos) e o texto e,

por fim, a explicação da relação entre os processos discursivos e os

processos sociais.

O autor enfatiza a ligação entre a prática sociocultural e o texto, com a mediação da

prática discursiva. Aqui o autor considera que a produção e a interpretação de um texto

depende da prática sociocultural cujo discurso faz parte, sendo assim, “a natureza da

prática discursiva da produção textual molda o texto, deixando “vestígios” nas

características superficiais” (op. cit., p. 84). É justamente a natureza da prática discursiva

que determinará a maneira como essas características serão interpretadas. Dessa forma, o

autor apresenta três dimensões da análise do discurso: (a) a descrição (análise textual);

(b) a Interpretação (análise processual); e (c) Explicação (análise social).

Em seguida, discute a tecnologização do discurso entendida por Fairclough (op. cit., p.89)

como

Um processo de intervenção na esfera das práticas discursivas, que visa

construir uma nova hegemonia na ordem de discurso da instituição ou

organização à qual se aplica, inscrevendo-se numa luta mais

generalizada para impor hegemonias reestruturadas as práticas e

culturas institucionais [compreendendo] uma tentativa de elaborar uma

nova síntese entre prática discursiva, a prática sociocultural e os textos.

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Isso está relacionado a um processo de reformulação de práticas discursivas existentes

em determinada instituição, considerando a eficácia dessas práticas, tanto em termos das

operações de organização, da interação com o público-alvo ou mesmo o resultado obtido

na construção da imagem de determinada instituição. Essa abordagem centra-se na ideia

de formação de capacidades descontextualizadas, o que significa dizer que a

tecnologização “é uma forma de apressar a uniformização de práticas e adequa-se a

noções de autonomia pessoal, pois considera-se que cada indivíduo é detentor de uma

diversidade de capacidades susceptíveis de reformulação e aperfeiçoamento”

(FAIRCLOUGH, 1997, p.99).

No artigo de Leeuween (1997), um ponto central é a discussão entorno dos atores sociais:

sobre a maneira como podem ser representados e que escolhas são feitas ao referir-se a

esses atores. Segundo o autor, nas representações, os atores poder assumir papéis ativos

ou passivos. Sobre isso nos diz que (op.cit., p.187):

A ativação ocorre quando os atores sociais são representados como

forças ativas e dinâmicas numa atividade, e a passivação quando são

representados com <<submetendo-se>> à atividade, ou como <<sendo

receptores dela>>.

Essas discussões inserem-se no que o autor considera como “parte de uma questão mais

vasta”: “como é que as práticas sociais se transformam em discursos acerca dessas

mesmas práticas sociais” (op. cit., p.172). Para ele, temos meios de realizar essas

transformações, sendo importante atentar-se a maneira como é que nós a fazemos em

“contextos institucionais específicos que têm relações específicas com as práticas sociais

e das quais produzem representações”.

Leeuween demonstra algumas categorias que propõe para serem utilizadas na análise

textual, esquematizando as diferentes formas de representação no que chama de Rede de

Sistemas, dividido em fenômenos de “Exclusão” e de “Inclusão”. A figura a seguir,

mostra essa rede, com a representação dos atores sociais no discurso:

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Fonte: LEEUWEN, 1997, p.219

O nosso objetivo não e explicitar, neste momento, todas essas possíveis ocorrências, mas

compreender que há diferentes maneiras dos atores sociais serem representados no

discurso. Essa rede de sistemas envolve muitas coisas, desde aspetos léxico-gramaticais

até discursivos, entre outros citados pelo autor. Ainda segundo ele, há uma consistência

linguística nessa rede de sistemas que envolve, inicialmente, três tipos de transformação:

o apagamento, envolvendo a voz passiva/ativa, processos de nominalização e

adjetivação; a reestruturação, envolvendo a transitividade; e a substituição, considerando

aspectos da estrutura do grupo nominal (referenciação). Em seguida, há aspectos lexicais,

principalmente relacionados a estrutura morfológica, chegando, por fim, na parte

relacionada a várias formas de metáfora e metonímia. Leeuwen (1997, p. 216) ressalta

que

As fronteiras podem ser deliberadamente tênues, com o intuito de

alcançar efeitos representacionais específicos, e os actores podem, por

exemplo, ser não só classificados como também funcionalizados.

Nestes casos, no entanto, as categorias permanecem úteis para tornar

explícito como é que os atores sociais são representados.

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Fica claro, pelo que apresenta o autor, que as escolhas não enrijecem os recursos

utilizados na representação dos atores sociais no discurso. São a partir desses “vestígios”

presentes no texto que a maior parte da representação é atribuída.

Resende e Ramalho

Em sua obra, Resende e Ramalho (2011) retoma as ideias defendidas pela ADC, desde o

resgate de noções importantes para sua proposta científica, passando pela discussão dos

motivos que a fazem ser uma vertente crítica para o estudo da linguagem, pelo

esclarecimento dos procedimentos teórico-metodológicos para a realização de pesquisas

quantitativas, até a discussão do processo de análise textual.

As autoras iniciam retomando três noções fundamentais a ADC: discurso, poder e

ideologia. Entendendo que na ADC o campo de investigação é heterogêneo, instável e

aberto, retomam, a partir de Fairclough, o conceito de discurso, de forma abstrata, como

o momento irredutível da prática social e, de forma mais concreta, como um modo

particular de representar nossa experiência no mundo. Ainda salientam que no fluxo de

nossa vida diária estão envolvidos ação e interação, relações sociais, pessoas, mundo

material e discurso.

Quanto ao “poder como hegemonia”, trazem para discussão Fairclough (2003) ao dizerem

que “a relação linguagem-sociedade é interna e dialética”, onde a “linguagem constitui-

se socialmente” apresentando “consequências e efeitos sociais, políticos, cognitivos,

morais e materiais” (RESENDE; RAMALHO, 2011).

Sobre a ideologia, elas apresentam o diálogo entre a ADC e a abordagem crítica de

Tompson (2002), onde o conceito de ideologia é inerentemente negativo, sendo “uma das

formas de assegurar temporariamente a hegemonia pela disseminação de uma

representação particular de mundo como se fosse a única possível e legítima” (op. cit.,

p.25). As autoras trazem e explicam os cinco modos gerais de operação da ideologia de

Thompson: a Legitimação (quando as relações de dominação tidas como legítimas), a

Dissimulação (quando as relações de dominação são ocultadas/negadas), a Unificação

(com a construção de uma identidade coletiva), a Fragmentação (com a segmentação de

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grupos ou indivíduos que ameassem o grupo dominante) e a Reificação (retratação de

uma situação transitória em permananente/natural).

Em seguida, tratam da postura crítica da ADC nos estudos da linguagem, discutindo

pontos como o que caracteriza a crítica, dialogando com o Realismo Crítico (RC), o texto

como evento discursivo, passando pelos conceitos de práticas sociais, ordens do discurso

e os significados do discurso – acional, representacional e identificacional. O diálogo

entre ADC e RC trataremos no próximo tópico.

Concordando com Fairclough (2003) de que a linguagem é parte integrante e irredutível

da linguagem, as autoras apresentam a relação entre níveis da vida social e níveis de

linguagem. No primeiro, nível mais abstrato, temos a “estrutura social” em que a

linguagem é vista como sistema semiótico. Em seguida, temos as “práticas sociais” em

que a linguagem se assume como ordens do discurso, entendida como “as combinações

particulares de gêneros, discursos e estilos” (p.41). E, por fim, o nível mais concreto, o

dos “eventos sociais” onde o principal material é o texto (mas não o único). Disso, as

autoras entendem que

O objeto de estudo da ADC não é a linguagem como estrutura (sistema

semiótico), tampouco apenas como evento (texto), mas também como

prática social, ou seja, análises discursivas críticas privilegiam o

espaço das ordens do discurso como espaço de geração de

conhecimento sobre o funcionamento social da linguagem. É claro que

para tanto investigam as instanciações materializadas em textos

concretos, isto é, têm como material analítico as concretizações do

potencial do sistema semiótico em eventos discursivos situados. (p.41)

Tendo como fundamental a relação interna estabelecida entre linguagem-sociedade, onde

o discurso é constitutivo e constituído socialmente, Resende e Ramalho (2001) tecem

algumas considerações sobre as redes de ordens do discurso. Segundo elas, é necessário

reconhecer essas redes como um sistema, o que significa dizer que elas possuem “um

potencial semiótico estruturado que possibilita e regula nossas ações discursivas, tal como

as práticas sociais possibilitam e regulam nossas ações sociais”(p.45).

Ainda segundo o que elas apresentam, há um sistema de redes de ordem do discurso de

natureza discursiva com os seguintes estratos: os gêneros, os discursos e os estilos, modos

relativamente estáveis de agir, representar e identificar discursivamente. A semiose,

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assim, possui dupla estrutura: rede de opções do sistema semiótico e rede de opções do

sistema social da linguagem. Desses apontamentos, discutem os significados do discurso.

Bloomaert

Bloomaert (2005) estabelece algumas discussões sobre o discurso: a relação entre texto e

contexto, entre linguagem e desigualdade, escolha e determinação, história e processo,

ideologia e identidade. Primeiramente, coloca-se a questão do poder e o que ele

representa. Diferentemente do que possa ser dito, o autor entende que a ADC não deve

estruturar-se numa análise que apenas reaja contra o poder, mas consista num lugar onde

possam ser consideradas aproximações críticas com aproximações que criticam o poder.

Segundo Blommaert (op. cit., p. 1), o estudo “deve ser uma análise dos efeitos do poder,

das consequências desse poder, do que o poder faz às pessoas, grupos e sociedades e de

como ocorre esse impacto”. Ele deixa claro que um profundo efeito do poder é a

desigualdade, ou seja, como o poder diferencia e seleciona, inclui e exclui. O foco do

autor (p. 2) gira em torno de

como a linguagem é um ingrediente do processo de poder, resultando

em e sustentado por formas de desigualdade e como o discurso pode ser

ou tornar-se um justificável objeto de análise, crucial para um

entendimento dos aspectos amplos das relações de poder.

Blommaert (2005) entende que deva existir um ponto de partida no desenvolvimento de

uma ciência crítica da linguagem. Para tal, define cinco princípios que norteiam as

análises. O primeiro considera o papel da linguagem/língua na sociedade, focalizando o

que o uso da linguagem/língua significa para seus usuários, tanto quanto ao grau de

importância que diferentes grupos dão a língua, o que fazem de investimentos (busca por

leituras, outras formas de uso, etc.) e, nesse caminho, pensar no que a língua faz por eles

ou o que eles fazem com a língua.

O segundo princípio trata da linguagem operando diferentemente em diferentes

ambientes, havendo a necessidade de contextualizá-la, estabelecendo as relações de

utilização e propósitos particulares, além das condições no qual opera. O autor fala em

“modelo” (podemos relacionar ao que Van Dijk (2012) nos apresenta sobre o contexto

como modelo mental). Como terceiro princípio nos apresenta que a linguagem/língua são

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formas contextualizadas densamente e atuais, ela ocorre na sociedade: o autor traz para

reflexão as variações e seus significados sociais.

O quarto princípio trata dos repertórios que os usuários da língua devem possuir para

engajarem-se na comunicação em si: transitar entre os repertórios armazenados

(conhecimentos prévios) permite pensar em um outro ponto, o de que as pessoas não estão

inteiramente livres enquanto participantes de eventos comunicativos. O quinto princípio,

o autor nos diz que os eventos comunicativos são influenciados pela estrutura do sistema

do mundo: deve ser considerado as relações estabelecidas entre as diferentes sociedades

e os efeitos dessas relações nos repertórios dos usuários da língua e seu potencial para

construir as vozes.

Para Blommaert (2005), esses princípios juntamente a outros aspectos metodológicos e

técnicos-analíticos devem ser capazes de identificarem a manifestação da linguagem e da

língua na sociedade tanto no que se refere aos aspectos formais quanto ao ambiente social,

simultaneamente, na tentativa de evitar uma descontinuidade na percepção e analise do

fenômeno. O autor ressalta que a ADC não é a única perspectiva crítica dos estudos da

linguagem.

Para a ADC, o discurso é um fenômeno social. A sua busca é melhorar a fundamentação

teórica-social da análise do discurso e na forma como o discurso situa-se na sociedade.

Isso se relaciona a superação do chamado determinismo estruturalista, em que em outras

palavras significa dizer que a ADC discute, ao tratar os eventos comunicativos, as

maneiras do participante representar o mundo ao seu redor, agir e constituir-se como tal

(modo de ser); a relação entre ação comunicativa e processo social. Discute-se a relação

entre estrutura e agência, entendendo essa última como a capacidade do indivíduo agir de

acordo com sua vontade.

Bloomaert diz que, em geral, a ADC está centrada na questão do poder e, especialmente,

no poder reproduzido institucionalmente, identificando e analisando a opacidade e a

transparência das relações de dominação, aspectos relacionados a discriminação, ao poder

e controle manifestados pela linguagem, onde o discurso é socialmente constituído bem

como socialmente condicionado (op. cit., p.25). Concordamos com o autor de que o

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discurso é um instrumento de poder muito importante na sociedade contemporânea. Para

o autor, a ADC:

focuses its critique on the intersection of language/discourse/speech and

social structure. It is in uncovering ways in which social structure

relates to discourse patterns (in the form of power relations, ideological

effects, and so forth), and in treating these relations as problematic, that

researchers in CDA situate the critical dimension of their work. It is not

enough to uncover the social dimensions of language use. These

dimensions are the object of moral and political evaluation, and

analysing them should have effects in society: empowering the

powerless, giving voices to the voiceless, exposing power abuse, and

mobilising people to remedy social wrongs.

Em Fairclough (1992), temos um modelo de como a ADC pode realizar-se na prática com

o esboço de uma estrutura tridimensional para conceber e analisar o discurso: o discurso

como texto, o discurso como prática discursiva e o discurso como prática social. Essas

dimensões poderiam ser vistas progressivamente como: descrição, com foco nas

características linguístico-textuais do material a ser analisado; interpretação, dizendo

respeito ao caminho que os participantes de um evento chegariam ao entendimento do

discurso, acionando os seus próprios recursos cognitivos, sociais e ideológicos,

armazenados e constituídos; e a explicação, com base na teoria social, revelar as bases

ideológicas para determinado procedimento de interpretação. Para Bloomaert (2005, p.

30), Fairclough identifica assim processos hegemônicos como a democratização, a

mercantilização e a tecnologização do discurso: o discurso é visto em termos de processos

de hegemonia e mudanças na hegemonia.

Bloomaert (2005) discute as potencialidades e limitações da ADC. Para o autor, o aspecto

metodológico passa pela imprecisão de muitos conceitos e pela possível falta de clareza

de análise nos modelos da ADC. Outro ponto está em possíveis interpretações

tendenciosas do discurso, pelo fato de não considerar as diferentes maneiras que um texto

pode ser lido, ou em quais circunstâncias sociais ele foi produzido e consumido.

Segundo Schegloff (apud BLOOMMAERT, 2005), há uma tendência dos analistas em

projetar seus próprios vieses e preconceitos, introduzindo dados para confirma-los. Isso

resulta em padrões estáveis de relações de poder, baseados no senso comum social e

político, projetados, em seguida, sobre e para o discurso. Para Slembrouck (apud

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BLOOMMAERT, 2005), há um perigo de uma redução sócio-teórica, o que gera um

problema importante para a ADC: o problema da reflexividade. De acordo com essas

reflexões:

The participant is pushed out of the analysis, so to speak, as soon as the

explanatory phase of the analysis is entered. To the extent that CDA

aspires to the empowerment of subjects through critical analysis, this is

a serious problem, the more since, as many critics claim, CDA tends to

project specific (and often analytically unmotivated) interpretations

onto discourse data. Less than careful CDA may thus result, not in an

empowered subject speaking with a more audible voice, but in a

stentorian analyst’s voice. (Bloommaert, 2005, p. 33)

Mesmo apresentando esses pontos, Bloommaert defende que a ADC permite um maior

diálogo entre a análise linguística e outros aspectos sócio-científicos, utilizando estes

problemas – lacunas – como espaços de interdisciplinaridade. Para ele, a ADC reage

contra o que chama de “mundanisation of discourse”, ou seja, a redução de tudo para um

“discurso normal”, sem considerar as especificidades de cada um deles. Esse

posicionamento visa “quebrar a velha ideia de que um pedaço de discurso tem apenas

uma função e um sentido” (p. 34).

Resumindo, o autor sintetiza três problemas principais:

a) O viés linguístico na ADC: a impressão que se tem sobre a existência de apenas

uma teoria da linguagem que ofereça bons resultados para converter a

investigação em linguística crítica, nesse caso a Linguística Sistêmico Funcional.

Outro ponto colocado é o da restrição do espaço de análise do discurso codificado

linguisticamente (explícito) e organizado textualmente, sem considerar aspectos

relacionados “de onde ele vem, para onde ele vai”, considerando o discurso na e

pela linguagem;

b) O encerramento para tipos particulares de sociedades: o autor critica o fato dos

estudos de ADC restringirem-se às sociedades do Primeiro Mundo. Ele se

questiona o que é essa “modernidade tardia” e como age e influencia regiões e

realidades completamente diferentes dos países europeus e EUA.

c) O encerramento de um período de tempo específico: ausência do senso de história;

para ele o horizonte histórico-geográfico da ADC é muito restrito. Em suas

palavras: “uma análise crítica do discurso necessariamente precisa transcender a

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história presente e endereçada na e pela linguagem”, na tentativa de “evitar olhar

os sintomas para também expor suas causas” (p.37).

2.3 A ADC e o Realismo Crítico

Segundo Resende (2009), é importante estabelecer um diálogo entre o Realismo Crítico

e a Análise de Discurso Crítica. Para a autora, com a heterogeneidade de abordagens,

temos uma concordância em certos princípios de análise, questões, desenvolvimento

metodológico, todos com uma característica em comum: a interdisciplinaridade.

Assumimos, junto com ela também a filiação à abordagem de Fairclough. Resende (op.

cit., p.12) nos diz que as pesquisas discursivas devem estar “baseadas na identificação de

problemas sociais parcialmente discursivos que possam ser investigados por meio de

análise situada de texto”, além de assumir uma posição explícita em face os problemas

sociais, na tentativa de “desvelar discursos que servem de suporte a estruturas de

dominação ou que limitam a capacidade de transformação dessas estruturas, por isso a

ADC requer atenção tanto ao uso da linguagem quanto à estruturação da ação social”.

Nesse cenário, notamos que a vida social é cada vez mais mediada pelos textos.

Dessa forma, a autora apresenta alguns pontos para discussão. A teoria do Realismo

Crítico embasa as discussões em ADC em três aspectos:

a estratificação da realidade social;

a vida social como sistema aberto;

o modelo transformacional da relação entre estrutura e ação social.

Resende cita Bhaskar para explanar sobre a respeito da estratificação do mundo social.

Segundo ele, temos três estratos da realidade: o potencial, o realizado e o empírico. O

domínio potencial refere-se ao que se quer que exista, envolvendo as estruturas e poderes

dos elementos sociais. Já o domínio do realizado refere-se ao que acontece quando esses

poderes são ativados. O domínio do empírico é o domínio da experiência, da própria

observação, representado, por exemplo, com a pergunta: “o que realmente observamos

nas estruturas, das possibilidades, do que é realizado e manifestado ao nosso redor?”.

Resende (op. cit., p.21-22) constata que:

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a distinção entre os domínios do realizado e do empírico, por sua vez,

implica que nem tudo o que é concretizado em eventos é captado em

nossa experiência. Assim a relação entre potencial, realizado e empírico

é de contingente e conteúdo, em que o domínio potencial é maior que o

do realizado, que por sua vez é maior que o do empírico.

Explicando melhor, esses estratos podem ser sintetizados da seguinte forma:

Domínio do potencial – refere-se ao que quer que exista; refere-se às estruturas e

poderes dos elementos sociais;

Domínio do Realizado – refere-se ao que acontece quando esses poderes são

ativados;

Domínio do Empírico – domínio da experiência, da observação – é aquilo que nós

efetivamente observamos dos efeitos das estruturas, das potencialidades e das

realizações.

Dessa forma, podemos considerar: o domínio do potencial e do realizado pertencem a

dimensão ontológica da realidade social, isto é, “que nem tudo o que poderia acontecer

em função das estruturas internas dos objetos sociais acontece de fato, pois há

contingências contextuais que podem bloquear mecanismos” (op. cit., p.21). Podemos

complementar com a ideia de Collier (apud RESENDE , 2009) de que poder fazer não é

sinônimo de fazer. Já o empírico pertence a dimensão epistemológica, baseada no nosso

conhecimento sobre a realidade. Essas relações implicam que “nem tudo o que é

concretizado em eventos é captado pela nossa experiência”.

Um ponto importante das discussões promovidas por Resende (2009, p.24) é a relação de

causalidade entre práticas sociais e textos, isso por existir efeitos causais identificáveis

nos textos e, em contrapartida, a existência de causas sociais na construção de textos.

Juntamente a essas relações, há o conceito das representações discursivas, sendo essas

responsáveis por “acarretar diferentes modos de legitimação de ações e de identificação

de atores sociais”.

Ao tratar da concepção entre sociedade e pessoas, Bhaskar (1998, p.36) entende que

pessoas não criam a sociedade, ela sempre preexistiu e é uma condição necessária para

suas atividades. Para o autor, a sociedade deve ser vista como um conjunto de estruturas,

práticas e convenções os quais os indivíduos reproduzem ou transformam, mas que sem

ela esses não poderiam existir. Bhaskar (op.cit., p.36) propõe o seguinte modelo:

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75

Sociedade

Socialização reprodução/transformação

Indivíduos

Figura: Modelo transformacional da conexão sociedade/pessoa

Segundo Bhaskar (1998), a sociedade fornece condições necessárias para as ações

humanas intencionais e essa, por sua vez, é uma condição necessária para a sociedade.

Além disso, segundo ele, a sociedade é apenas presente na ação humana, mas a ação

humana sempre expressa e utiliza uma ou outra forma social.

Resende (2009, p.78), a partir do que apresenta Bhaskar, diz que “como as estruturas

sociais são concebidas como coerção de atividade, devem também ser concebidas como

recurso para a atividade, o que implica o caráter recursivo da vida social: agentes

reproduzem e transformam as estruturas que utilizam (e que os constrangem) em suas

atividades”. O modelo apresentado acima, ela chama de “modelo transformacional da

atividade social”. Com base nele, ela propõe:

Bloqueio da satisfação da necessidade

Estrutura

Recurso/ constrangimento Reprodução/transformação

Ação

Alguns meios para a

remoção desse bloqueio

Necessidade

Figura: Implicação epistemológica do Modelo Transformacional da Atividade Social

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76

O movimento descendente representa a dependência da ação humana de regras e recursos

da estrutura social: ela é, ao mesmo tempo, facilitadora, por permitir determinada ação, e

constrangedora, por regular condutas. Já o movimento ascendente representa “o

acionamento de regras e recursos de estruturas sociais por atores sociais pode resultar em

reprodução ou transformação de tal estrutura. Isso gera efeitos imprevisíveis (ver

RAMALHO; RESENDE, 2011).

Resende (2009, p.28) conclui que

A concepção realista crítica da relação entre estrutura e ação, então,

enfatiza que as estruturas sociais são condição necessária e pré-

existente à agência intencional, mas também que elas existem apenas

em virtude da agência. Nessa concepção, então, as estruturas sociais são

tanto condição como resultado da agência humana, que ao mesmo

tempo as reproduz e transforma. [...] as estruturas são sempre prévias,

isto é, embora na agência seja potencialmente possível transformar

estruturas (e não apenas reproduzi-las), as estruturas com as quais um

ator social lida hoje foram conformadas em ações anteriores de atores

que o antecederam.

Dessas proposições, temos as práticas sociais juntamente com o conceito de posição

assumindo papel mediador entre as estruturas sociais e a ação social, como um ponto de

contato entre elas. O modelo de Bhaskar e a relação com a perspectiva da vida social

como um sistema aberto, mesmo que atividades sejam restringidas pelas estruturas, é uma

“restrição parcial” por apresentar caminhos para a mudança social (RESENDE, 2009,

p.30). Os atores sociais, assim, possuem certa autonomia em sua atuação social: embora

tenha sua ação restringida pela estrutura, pode, naturalmente, transformar a essas e às

relações sociais.

Sendo assim, Resende (op.cit.) identifica o continuum de abstração e concretude entre

estruturas, práticas e eventos. Sobre esses últimos, podem produzir mudança social ao

confrontar expectativas presentes em práticas sociais estruturadas; do mesmo modo, os

textos como eventos sociais podem transgredir a ordem do discurso produzindo mudanças

quanto a formas de mediação (seleção de gêneros discursivos), a questões discursivas

como público-alvo e condições de produção, por exemplo, e também quanto ao estilo,

entendido como identificação face a realidade.

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Além do Modelo transformacional da atividade social, no diálogo entre o Realismo

Crítico e a Análise de Discurso Crítica, a autora discute outros dois tópicos relevantes: a

estratificação da realidade social e as dimensões transitiva e intransitiva do

conhecimento.

Sobre a estratificação da realidade social, o foco é discutir a redução da realidade ao

empírico. Entendendo que a RC se baseia na distinção entre o que é ontológico e o que

epistemológico, retoma o que Bhaskar chama de “falácia epistêmica”, isto é, a pretensão

de estudar o mundo real de uma forma objetiva, considerando que para tal

necessariamente há a passagem pelo “filtro das nossas experiências”, além de conceber o

mundo apenas a partir do que experienciamos. Há uma redução de “o que é” a “o que

sabemos sobre” (RESENDE, 2009).

Como proposto pelo RC, a distinção entre o potencial e o realizado é compreender que

nem tudo o que poderia acontecer acontece de fato, devido à vários fatores referentes a

um dado momento. Dessa forma, nota-se que “ a emergência de eventos realizados pode

ser explicada com base na causação”, ou seja, os eventos não são um modelo de sucessão

regulares, mas há uma dependência da identificação de mecanismos causais e das

condições que o ativaram ou bloquearam (RESENDE, 2009, p.71). É justamente isso que

permite dizer que eventos sociais não podem ser previstos. Assim, as implicações

epistemológicas propostas pelo RC configuram-se da seguinte maneira (op.cit., p.72):

(i) o que se realiza em eventos e o que podemos observar do mundo

social não esgotam o que existe, uma vez que há poderes causais

subjacentes às estruturas; (ii) isso não significa que não seja possível

gerar conhecimento sobre aquilo que não podemos observar

empiricamente, já que podemos, com base no conhecimento sobre as

práticas, fazer abstrações sobre os poderes causais ativados/bloqueados

em um dado evento; (iii) como a vida social é um sistema aberto, aquilo

que acontece não esgota o que poderia ter acontecido, pois pode haver

poderes causais latentes; (iv) toda a explanação social é falível e

passível de ser superada, pois as estruturas não são transparentes à

razão.

As dimensões transitiva e intransitiva do conhecimento trazem o pressuposto de que o

mundo não deve ser reduzido a nosso conhecimento sobre ele, onde a realidade independe

relativamente desse nosso conhecimento. Sobre isso Resende (op. cit,, p.73) nos diz que

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A dimensão intransitiva do conhecimento é sua dimensão ontológica –

das coisas que há no mundo – e a dimensão transitiva é epistemológica

no sentido que se refere às teorias que construímos sobre o mundo

(natural ou social) e por meio das quais podemos gerar conhecimento

sobre sua dimensão intransitiva.

Isso justifica, segundo a autora, a relação dialética entre linguagem e sociedade na ADC,

“aspectos discursivos de práticas sociais, como representações discursivas de eventos e

práticas, podem ser efeitos causais na sociedade; podem, por exemplo, legitimar certos

modos de ação ou ser utilizadas como base para construções identitárias” (RESENDE,

2009, p.75).

Existem um diálogo possível entre RC e ADC: para a primeira, a relevância do discurso

sobre os objetos sociais não é meramente discursivo, as “pesquisas em ADC estão

primariamente interessadas nas representações discursivas, sem perder de vista a

relevância dos momentos não discursivos das práticas sociais para a crítica explanatória

do papel do momento discursivo das práticas” (op. cit., p,80). Ao assumir o foco na

relação entre linguagem e sociedade, o discurso é influenciado “pelas estruturas/práticas

como influencia a manutenção ou transformação”.

2.4 As categorias de análise

Segundo Fairclough (2004), os textos não são meros efeitos de estruturas linguísticas ou

de ordens do discurso, há outros efeitos de outras estruturas sociais e práticas sociais.

Diante dessa dificuldade em se separar os fatores que moldam os textos, o autor relaciona

os conceitos de gênero, discurso e estilo buscando justamente aprofundar essas reflexões

sobre o texto, prática discursiva e prática social. Em Fairclough (2003) esses três

conceitos definem três caminhos essenciais para problematizar a prática social. Temos,

assim, o que define, respectivamente, como significado acional, representacional e

identificacional.

O significado acional está relacionado a idéia de que cada prática social produz e utiliza

gêneros discursivos particulares, articulando estilos e discursos de forma relativamente

estável dentro de um determinado contexto social, histórico e cultural (RESENDE;

RAMALHO, 2006). O conceito principal aqui é o de gênero.

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A análise de um texto em termos de gênero (FAIRCLOUGH, 2003; RESENDE;

RAMALHO, 2006) tem o objetivo de “examinar como um texto figura na (inter)ação

social e como contribui para ela em eventos sociais concretos” (RESENDE; RAMALHO,

2006, p.62). Os gêneros são definidos pelas práticas sociais. Uma mudança nas formas de

ação e interação propicia também a recombinação de gêneros já existentes.

O significado representacional do texto está relacionado ao conceito de discurso como

forma de representação de aspectos do mundo (FAIRCLOUGH, 2003). Diferentes

discursos são diferentes perspectivas de mundo, com diferentes relações estabelecidas

entre as pessoas e o mundo, dependendo de suas posições e das relações estabelecidas.

Nas palavras de Resende e Ramalho (2006, p.70-71):

Os diferentes discursos não apenas representam o mundo “concreto”,

mas também projetam possibilidades diferentes da “realidade”, ou seja,

relacionam-se a projetos de mudança do mundo de acordo com

perspectivas particulares. As relações estabelecidas entre diferentes

discursos podem ser de diversos tipos, a exemplo das relações

estabelecidas entre pessoas – discursos podem complementar-se ou

podem competir um com o outro, em relações de dominação – , porque

os discursos constituem parte do recurso utilizado por atores sociais

para se relacionarem, cooperando, competindo, dominando.

Os discursos também podem variar em estabilidade e escala: em contextos sócio-

históricos definidos eles podem apresentar alto grau de compartilhamento e repetição,

variar de representações localizadas a representações globais. Um mesmo texto pode

assumir diferentes discursos e a articulação entre os discursos ocorre por meio da

cooperação ou competição de um discurso com o outro. Do mesmo modo, um mesmo

aspecto do mundo pode ser representado por meio de diferentes discursos.

No significado identificacional o foco está no estilo. Para Resende e Ramalho (2006)

“estilos constituem o aspecto discursivo de identidades, ou seja, relacionam-se à

identificação de atores sociais em textos” (p.76). Dois conceitos principais aqui são os de

identidade e diferença. Esses conceitos estão relacionados às maneiras como a sociedade

produz e utiliza classificações.

Como o estilo está relacionado à identidade, à maneira de ser do indivíduo – como ele

fala, escreve, vê as coisas, constrói-se como ser, etc. – refletir sobre esse significado é

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considerar o modo como os indivíduos identificam eles mesmos e são identificados pelos

outros (processo de identificação).

O estilo (FAIRCLOUGH, 2003) é realizado, em parte, por características lingüísticas.

Essas características podem ser, no texto escrito, por exemplo, o vocabulário e as

metáforas utilizadas, os advérbios de intensidade, e até o uso de expressões as quais o

individuo esteja acostumado ou “viciado” ao escrever (vícios de linguagem). Ramalho &

Resende (2011, p.49) esquematizam da seguinte maneira as relações entre os significados

do discurso:

Significado Representacional

Significado Identificacional Significado Acional

Dessas observações, concorda-se com Resende e Ramalho (2006) que uma discussão

relevante é a relação estabelecida entre estrutura e ação do ponto de vista da liberdade

relativa do sujeito. Isso implica a distinção entre dois conceitos, o de “agentes primários”

e o de “agentes incorporados”. Baseados na discussão de Fairclough (2003) as autoras

escrevem:

Em sua experiência no mundo, as pessoas são posicionadas

involuntariamente como agentes primários pelo modo como nascem e

sobre o qual são impossibilitadas, inicialmente, de operar escolhas –

isso inclui as noções de gênero e classe social. A capacidade dos agentes

sociais transformarem sua condição nesse posicionamento primário

depende de sua reflexividade para se transformarem em agentes

incorporados, capazes de agir coletivamente e de atuar na mudança

social (RESENDE; RAMALHO, 2006, p.79)

Destaca-se, assim, três categorias relacionadas ao significado identificacional: a

avaliação, manifestada por meio de afirmações avaliativas, sobre o que é ou não relevante;

Discurso

GênerosEstilos

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a modalidade, relacionada a maneira como as pessoas se comprometem com suas

afirmações; e a metáfora, responsável por realçar ou mesmo encobrir aspectos que

representam ou referenciam.

Fairclough (2008) nos ensina que não há um esquema fixo para fazer análise de discurso,

pelo fato das pessoas abordarem-na de diferentes maneiras, considerando as

especificidades do projeto em questão e de acordo com as visões do discurso que

possuem. Porém, segundo ele, os dados, a análise e os resultados, são itens principais

(p.275). Fairclough (2003), organiza um checklist para análise textual, onde resume em

formas de questões principais discutidos por ele, envolvendo eventos sociais, gêneros,

discursos e estilos. O autor deixa claro que a análise textual é apenas uma das

preocupações em todo o processo de investigação. Esse checklist é sumarizado

considerando:

Eventos sociais

Estrutura genérica

Diferença

Intertextualidade

Presunção

Relações semânticas/ gramaticais entre períodos e orações

Trocas, funções da fala, modo gramatical

Interdiscursividade

Representação de eventos/ atores sociais

Estilo/ Identificação

Modalidade

Avaliação

Fairclough sugere perguntas para nortear as reflexões sobre principais questões tratadas

por um texto. Em seguida estabelece o que chama de um “breve manifesto” com o

objetivo de estabelecer questões que possibilitem o entendimento de que a pesquisa social

crítica é o melhor caminho para compreender a maneira como as sociedades trabalham e

produzem efeitos benéficos e prejudiciais, e como os efeitos prejudiciais podem ser

suavizados, mas não eliminados (FAIRCLOUGH, 2003, p.202-203). Cada prática social

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é uma articulação de diversos elementos sociais dentro de uma “configuração estável,

sempre incluindo o discurso” (p.205). Essas práticas incluem os seguintes elementos:

Atividades, Sujeitos e suas relações, Instrumentos, Objetos, Tempo e lugar, Formas de

consciência, Valores, Discurso. A ADC é justamente a análise das relações dialéticas

entre discurso e outros elementos das práticas sociais, sendo importante pensar em como

o discurso figura dentro dos processos de mudança, nas mudanças nas relações entre

discurso e outros elementos mais amplos de semiose dentro de redes de práticas.

Sendo a ADC baseada a partir de uma visão de semiose como elemento irredutível de

todos os processos sociais materiais, em que a vida social assume-se como redes

interconectadas de práticas sociais de diferentes tipos, Fairclough (op. cit.), a partir do

que Baskar (1996) desenvolve como crítica exploratória, identifica como foco a análise

do discurso e da semiose nos seguintes aspectos: (i) análise estrutura: a ordem do discurso

e (ii) análise textual/interacional – ambas análises interdiscursivas, linguísticas e

semióticas. Segundo o autor (BASKAR apud FAIRCLOUGH 2003, p.209):

O objetivo aqui é entender como o problema surge e como ele está

enraizado na maneira como a vida social está organizada, centrando-se

nos obstáculos que impedem sua resolução – sobre o que faz com que

seja mais ou menos intratável.

O foco dado por Fairclough (2003, p.209-210) é a análise linguística dos textos, embora

discuta questões como o hibridismo nos gêneros, nos discursos e nos estilos, além das

relacionadas a cadeia de gêneros. Pensar a ADC dessa forma privilegia que essa seja vista

como “método”. Esse, por sua vez, retoma o que propõe Chouliaraki & Fairclough (1999)

como arcabouço teórico para possibilitar investigações mais aprofundadas dos

mecanismos discursivos: 1) a percepção do problema social; 2) a identificação de

obstáculos para que o problema seja superado; a investigação da função do problema na

prática; a investigação de possíveis métodos de ultrapassar os obstáculos; 5) a reflexão

sobre a análise.

Considerações sobre o capítulo

Neste capítulo, discuti pontos importantes para analisar as relações entre os discursos que

se apresentam para a construção do discurso do professor de Língua Portuguesa, sua

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forma de agir, representar o mundo e identificar-se nele. Tecemos, a princípio,

considerações sobre a ADC e a concepção de linguagem como prática social e

instrumento de poder. Em seguida, o diálogo possível entre ADC e RC, explorando a

ideia de extratificação social e os domínios do potencial, do realizado e do empírico na

visão do mundo social como sistema aberto. Por fim, estabelecemos categorias para

analisar os documentos oficiais relacionados as expectativas/exigências quanto a

formação, ao ingresso e a permanência do professor de Língua Portuguesa no sistema

estadual de ensino de São Paulo.

Analiso, a seguir, documentos e textos institucionais relacionados a construção discursiva

do professor de Língua Portuguesa. Parto da caracterização do município de Carapicuíba

onde se encontram as escolas em que o professor, foco deste trabalho, leciona. Em

seguida, estabeleço três momentos de reflexão quanto a relação entre o discurso

institucional e o professor. O primeiro, o professor recém-formado e o que o ENADE

apresenta como exigências a esse profissional. O segundo, trato das exigências dos

Concursos Públicos da SEE-SP (1998, 2003, 2010 e 2013), como forma de acesso para

lecionar na rede pública estadual. Por fim, a instituição do Currículo do Estado de São

Paulo (2009) até as Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado de São

Paulo – 2015-2018 e a relação estabelecida com o professor já em exercício. Entendo

como Ramalho e Resende (2011) que categorias analíticas são “formas e significados

textuais associados a maneiras particulares de representar, de (inter)agir e de identificar-

se em práticas sociais situadas”, sendo, por meio delas, possível “analisar textos buscando

mapear conexões ente o discurso e o não discursivo, tendo em vista seus efeitos sociais”

(p.112-113).

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Dito isso, o desenvolvimento da Tese, proposto e explicitado até aqui, é representado pelo

esquema abaixo.

O ensino de língua portuguesa: os documentos oficiais e a construção do discurso pedagógico

do professor da rede estadual de ensino de Carapicuíba

O problema de pesquisa (social) faz referência a atuação do professor de Língua Portuguesa, mais

especificamente, o que é exigido desse para que esse professor seja autorizado a lecionar na Rede Pública

Estadual de São Paulo, exigência essa recebida de diferentes maneiras por parte desse professor.

Sendo o objetivo geral verificar a estrutura de poder presente na constituição do discurso pedagógico

estabelecida pelos documentos oficiais para o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa na Rede

Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, podemos considerar alguns obstáculos a serem identificados

para uma possível superação do problema:

(a) Análise da conjuntura: analisar o contexto no qual os professores de Língua Portuguesa fazem

parte, nesse caso, rede estadual de ensino da cidade de Carapicuíba, região metropolitana da

cidade de São Paulo, com sua história e especificidades;

(b) Análise da prática particular: analisar a situação desse professor, focalizando três momentos pelo

qual deve passar – como formando, como recém-formado/formado e como professor já em

atuação; identificar nesses discursos o que esse professor deve demonstrar para ser autorizado a

lecionar nas escolas públicas estaduais de São Paulo;

(c) Análise de discurso: analisar o discurso institucional, a partir dos significados acional,

representacional e identificacional.

Em se tratando do problema na prática, investigar até que ponto a organização de todo o processo descrito

aqui, presentes nos documentos oficiais, mantém certo grau de naturalização das etapas apresentadas,

desde o professor como recém-formado no curso de Letras, como candidato a lecionar na rede pública

estadual e como professor em exercício na rede. Defino, assim, as seguintes questões para esta pesquisa:

a) Qual o papel os diferentes documentos oficiais pretendem assumir na construção da prática

discursiva e social do professor de Língua Portuguesa, particularmente da rede pública estadual

de Carapicuíba?

b) De que forma são apresentados os dados obtidos com a prova do SARESP ao professor e a

maneira como esses resultados são recebidos? Qual o diálogo estabelecido entre esses

resultados, o Currículo do Estado de São Paulo e o perfil do PEB-II esperado e desejado pela

SEE-SP?

c) Quais recursos a SEE-SP utiliza para construir estruturas de poder para a atuação do professor

de Língua Portuguesa?

Diante dos obstáculos identificados, apontar possíveis caminhos para uma maior consciência do que é

apresentado pelos documentos oficiais e a relação desses com a prática do professor.

Refletir criticamente sobre a as análises realizadas, compreendendo os desdobramentos deste trabalho

para pesquisas futuras, principalmente quanto a gestão pedagógica e formação de professores de Língua

Portuguesa.

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85

CAPÍTULO 3

A SEE-SP E O PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA: DAS

EXIGÊNCIAS A ATUAÇÃO

Neste capítulo, pretendo discutir, partir da caracterização do espaço onde atua esse

professor, município de Carapicuíba, a estrutura de poder que, por meio de documentos

oficiais, a SEE-SP orienta e disciplina o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa.

Considero que esse professor, antes de ser submetido a qualquer seleção para ingressar

na rede pública estadual paulista, formou-se e, para tal, passou por um curso de graduação

regulamentado pelo Ministério da Educação - MEC. Assim, após apresentar elementos

que possibilitem delinear o contexto do qual os professores fazem parte (Van Dijk, 2012),

discorro sobre as exigências definidas pelo MEC ao professor de Língua Portuguesa,

principalmente com a aplicação do ENADE 2011 e 2014. Em seguida, apresento as

exigências da SEE-SP àqueles que pretendem lecionar na rede estadual, organizadas pelos

Concursos Públicos da SEE-SP, estabelecendo uma comparação entre o que é

apresentado pelos Editais dos anos de 1998, 2003, 2010 e 2014. Na seção seguinte,

analiso a forma como é pensada e definida a atuação do professor a partir do que

estabelece os textos presentes nos seguintes documentos: Currículo do Estado de São

Paulo da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias - LCT (2009), as Matriz de

Referência para a Avaliação SARESP e a Plataforma Foco Aprendizagem, os documentos

norteadores da AAP e do PIP e, em seguida, o que definem as Diretrizes Norteadoras da

Política Educacional do Estado de São Paulo – 2015-2018, particularmente a primeira e

quarta diretrizes.

3.1 O município de Carapicuíba e as Escolas Públicas Estaduais

Carapicuíba é um dos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo. Tendo sua

origem com a vinda de Martin Afonso de Sousa ao Brasil e sua chegada em São Vicente,

é uma das doze aldeias fundadas pelo padre José de Anchieta. Com o Sistema de

Concessão de Sesmarias, aplicado pelo Governo Português desde 1530, com o objetivo

de facilitar o aproveitamento das terras brasileiras, Carapicuíba “nasce” com a Carta de

Sesmaria de 12 de Outubro de 1580.

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Após muitos episódios dessa história, é relevante pontuarmos a forma como essa região,

pertencente até 1965 ao município de Barueri, estruturou-se. É interessante notar que no

momento da redação da Lei nº 8.092, de 28 de Fevereiro de 1964, onde Dispõe sobre

Quadro Territorial, Administrativo e Judiciário do Estado e o município é criado,

estamos às vésperas do Golpe Militar de 1964 (31 de março). Grande parte das Escolas

Estaduais surge após esse momento, das necessidades político-econômicas do país: basta

lembrarmos o “Milagre econômico brasileiro”, as mudanças impulsionadas pelo ciclo de

industrialização e suas necessidades, principalmente de mão de obra qualificada. Uma

maior quantidade de pessoas com conhecimentos de leitura, escrita e cálculos

matemáticos tornou-se necessário. Temos aqui o que Saviani (2003) chama de

pedagógica produtivista e, consequentemente, sua forma de orientação oficial no Brasil,

a pedagogia tecnicista.

Com sua emancipação em 1965, semelhante a outros municípios da região metropolitana,

observa-se um processo de urbanização caracterizado pelo crescimento desordenado.

Para Singer (1973), embora muitos associem esse fenômeno ao crescimento da

população e, com isso, o consequente aumento da demanda por serviços urbanos, o que

se tem é o que chama de uma “demanda solvável”, ou seja, uma demanda por aquilo que

se pode pagar, onde o crescimento se dá não em função da população, mas em função da

renda. O autor exemplifica:

Uma família que chega a São Paulo sem que algum de seus membros

possa empregar-se e que não dispõe de qualquer outra fonte de renda

não pode sequer demandar uma habitação, constituindo no máximo

uma carga para a assistência social, quando não é acolhida por parentes

ou amigos, como acontece na maioria das vezes. Quando uma família,

no entanto, passa a usufruir uma renda que utiliza para se alojar,

comprar um automóvel etc., então, sim, ela contribui para avolumar a

demanda por serviços urbanos.

Referente a essa renda, Singer (op.cit.) diz que em algum ponto da economia ela foi

gerada, seja informalmente ou não, de modo que o volume de recursos da economia

urbana também cresceu.

De acordo com dados comparados pelo NEPO/UNICAMP (Núcleo de Estudos de

População) e a partir do que apresenta os censos demográficos e projeção populacional

(IBGE e SEADE), temos sobre Carapicuíba:

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Gráfico 1 – Aumento populacional

Nota-se que houve um grande aumento populacional nas décadas de 70, 80, 90 e primeira

metade da 1ª década do ano 2000: esse aumento, respectivamente, foi de 236,4%, 97,3%,

62% e 45,2%. Entre os anos de 2007 e 2010 foi registrada uma queda no crescimento de

5%, mas que, com base na estimativa populacional para 2014, essa porcentagem de

crescimento é retomada.

Juntamente a esses dados, Carapicuíba é o município da Grande São Paulo, na região

Oeste com a maior densidade demografia8: são 10.698,32 habitantes/km2. Da região

temos: Osasco (10.264,80 hab./ km2), Jandira (6.207,76 hab./ km2),Barueri (3.665,21

hab./ km2), Itapevi (2.428,88 hab./ km2), Cotia (620,81 hab./ km2).

Sobre esse aumento, identificando Carapicuíba como uma área de atração populacional

na década de 80, Cunha (1987) chama atenção para uma característica fundamental nesse

processo: a proximidade com a Capital. Cunha (op. cit., p. 11) nos afirma que:

De fato, em todas as correntes migratórias consideradas, os municípios

ou são limítrofes ou encontram-se muito próximos. Pode-se tomar

como exemplo fluxos com destino a áreas de atração populacional.

Assim, a maior parte dos imigrantes de Carapicuíba provêm de

municípios muito próximos como Osasco, São Paulo, Barueri e Jandira

8 Fonte: IBGE 2010

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

400000

450000

1970 1980 1991 2000 2007 2010 2014

Ano

Habitantes

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Há uma extrapolação dos limites de São Paulo, a partir da década de 70. Isso apresentou

dois extremos: um grupo de cidades que se beneficiaram, o que proporcionou um

importante crescimento e a consolidação como grandes centros, como por exemplo

Guarulhos, São Bernardo e Osasco; outro, com um grupo de municípios localizados nas

proximidades da Capital e caracterizada pela industrialização incipiente, com menor

desenvolvimento urbano, configurando-se como uma “cidade dormitório”, como é o caso

de Carapicuíba.

Sobre o crescimento demográfico da Grande São Paulo, Singer (1973) constata que:

O rápido crescimento demográfico da Grande São Paulo é consequência

da amplitude do desempenho estrutural do País e do fato de

efetivamente a acumulação se processa em grande escala dentro dos

limites. Em comparação com outras cidades, é provável que uma

proporção maior dos migrantes que acorrem à área metropolitana de

fato de que as correntes migratórias cobrem, em geral, distâncias curtas.

Dos 8 403 444 migrantes que residem no Estado de São Paulo, em 1970,

5 373 965 (isto é, 64%) provinham do próprio Estado e 888 615 (10,5%)

do vizinho Estado de Minas Gerais. A incapacidade (econômica e

social) de os migrantes brasileiros abarcarem o conjunto do território na

sua busca de trabalho, na verdade, limita o crescimento populacional da

Grande São Paulo, permitindo a ocorrência de diferenciais no nível de

emprego entre as várias regiões do País. Desse ponto de vista, o

crescimento, o crescimento da população paulistana ainda seria maior

do que é se a mobilidade espacial da força de trabalho fosse perfeita.

Um ponto colocado por Singer (op. cit.) é o aumento da força de trabalho que aumenta

mais do que a oferta de empregos, gerando um volume crescente de desemprego e

subemprego. Essa situação leva a informalidade. Embora não haja um estudo específico

da informalidade no município de Carapicuíba, segundo o Censo 2010 do IBGE são

aproximadamente 24 mil trabalhadores sem carteira assinada.

Temos em Carapicuíba, um desenvolvimento às avessas: ela passa de uma região

industrial promissora, principalmente como distrito, a partir de 1945, a um município que,

a partir de 1965 com sua emancipação, recebeu cada vez mais pessoas. Assim, temos:

Antes de 1965:

o Estação de ferro Sorocabana – caminho utilizado para o escoamento

da produção da região de Sorocaba; criação da Estação Sylviania

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(1926); Construção de um desembarcadouro de gado destinado ao

abate;

o Matadouro do Km 21;

o Porto de areia - exploração iniciada na década de 40 do século XIX;

o Sociedade Anônima Indústrias Kenworthy – Fiação Sul Americana.

Após 1965 até 2001:

o COHAB – conjunto de apartamentos inaugurado na cidade em 1972;

o Aumento populacional;

o O “lixão”.

Após 2001

o Rodoanel Mário Covas

o CDHU

o Invasões – áreas livres

o Ensino Superior na cidade

Pelo apresentado acima, podemos sobre o município em diferentes momentos

1º momento – a partir da fundação da Aldeia Jesuítica, com a doação das terras a

Companhia de Jesus por Afonso Sardinha (1580), passando por momentos como de

expansão a partir do final do século XIX, como caminho para escoamento da produção

de algodão da região de Sorocaba, além da construção pela família Kenworthy de uma

tecelagem, sucedida pela Fiação Sul Americana, primeira indústria de grande porte na

cidade e que gerou muitos empregos nessa época. Em 1928, Carapicuíba já era um

Distrito Policial e, nas décadas seguintes, essa região era vista como promissora, com

clima favorável e terras que propiciavam também um desenvolvimento agrícola. Há uma

produção emergente, seja com a indústria de transformação do algodão, seja com o

“Matadouro do Km 21”, responsável pelo fornecimento de carne bovina, ou mesmo com

a extração de areia às margens do Rio Tietê.

2º momento – a emancipação do município e uma organização frágil, que não

atendeu as demandas do crescimento populacional, muito menos em consolidar uma

“imagem positiva” do município nas décadas de 70, 80 e 90. Um ponto a ser salientado é

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a inauguração das habitações da COHAB em 1972 – conjunto habitacional que, mesmo

tendo sido construído no município de Carapicuíba, pertence ainda cidade de São Paulo.

Segundo Constantino (2007, p.17), essas habitações fazem parte da política habitacional

da Companhia Metropolitana da Habitação (COHAB-SP), “uma sociedade anônima

mista, cujo controle acionário pertence à Prefeitura do Município de São Paulo (99% das

ações)”. Outro ponto que marca o município é o surgimento do “lixão”, utilizado de 1978

a 2001 (23 anos), bem no centro da cidade. Ela teve origem a partir de uma vala de 5

metros de profundidade originada com a mudança da calha do Rio Tietê: começaram a

ser depositados todo o lixo do município e de municípios vizinhos. Segundo a Prefeitura

Municipal de Carapicuíba, “até o fechamento da área de 130 mil metros quadrados, o

local suportou uma camada de 12 metros de altura acima do nível do solo”. O lixão era

visto por quem quisesse, seja chegando de trem a cidade ou o esperando na plataforma da

estação, na passando pela avenida principal, atravessando a cidade. Associados a essa

realidade, uma grande quantidade de pessoas que tinham o “lixão” como fonte de renda.

3º momento – o fechamento do “lixão” em 2001 e a inauguração do trecho oeste

do Rodoanel em 2002, dentre outras, iniciaram uma mudança lenta da imagem degradada

do município. Há um movimento contra a estagnação das décadas anteriores. Tem-se o

estabelecimento de indústrias no município, constituindo um Parque Industrial, a

construção de um heliporto, de uma FATEC e duas Faculdades Privadas. Porém, muito

ainda se nota as heranças deixadas pelos primeiros 40 anos de emancipação: com vários

problemas sociais, estruturais e com muitas regiões de grande vulnerabilidade.

Uma situação de vulnerabilidade, segundo a Fundação SEADE (2006), está associada a

condição de pobreza, onde “a classificação de indivíduos e famílias segundo suas

condições de vida tende a ser realizada por meio da negação, ou seja, são pobres aqueles

que, por exemplo, não dispõe de uma renda mínima necessária à subsistência ou têm

atendimento deficiente de suas necessidades básicas” (p. 5). A grande parcela das famílias

do município tem renda per capita até 2 salários mínimos, aproximadamente: de acordo

com a amostragem realizada pelo Censo 2010, aproximadamente 12% da população tem

renda per capita de até ¼ do salário mínimo e 35% com renda per capita entre ¼ e ½

salário mínimo.

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Um dos índices que podemos utilizar agregar a caracterização do município é o IDH

(Índice de Desenvolvimento Humano). De acordo com os documentos do PNUD

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), disponíveis no endereço

eletrônico do órgão, o IDH:

é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões

básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. O

objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro

indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que

considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. (...) o

IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar de ampliar a

perspectiva sobre o desenvolvimento humano, não abrange nem esgota

todos os aspectos de desenvolvimento.

Em se tratando do desenvolvimento dos municípios, esse índice é identificado pelo IDHM

(Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). Sobre esse índice:

O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global -

longevidade, educação e renda, mas vai além: adequa a metodologia

global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores

nacionais. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores

levados em conta no IDHM são mais adequados para avaliar o

desenvolvimento dos municípios brasileiros.

Esses dados nos permitem refletir, confrontando com diferentes momentos do município,

sobre a maneira como ele se constituiu e se constitui como tal. Comparando os IDHM de

1991, 2000 e 2010, temos:

Fonte: PNUD, Ipea e FJP

De acordo com esses dados, o município de Carapicuíba, em 20 anos, passa de um IDHM

baixo (0,519 em 1991), para um IDHM médio (0,644 em 2000) e, por fim, um IDHM

considerado alto (0,749 em 2010). Analisando, particularmente o IDHM Educação, o

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município apresenta as seguintes características: em 1991, o município apresentava um

IDHM muito baixo (0,276), passando para um IDHM baixo (0,508) em 2000, chegando

atualmente, 2010, com um IDHM médio em Educação (0,693).

Já o fluxo escolar, ou seja, a presença dos alunos na escola em Carapicuíba:

Fonte: PNUD, Ipea e FJP

Quanto aos níveis de escolaridade:

Fonte: PNUD, Ipea e FJP

Cabe aqui também verificarmos o que nos diz o IPVS – Índice Paulista de

Vulnerabilidade Social – indicador que, segundo o SEADE (2006, p.9), permite uma

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visão mais detalhada das condições do município, como “identificação e localização

espacial das áreas que abrigam segmentos populacionais mais vulneráveis à pobreza”.

São seis os grupos ou tipos de áreas que constituem o IPVS:

Grupo 1 – Nenhuma vulnerabilidade

Grupo 2 – Vulnerabilidade Muito Baixa

Grupo 3 – Vulnerabilidade Baixa

Grupo 4 – Vulnerabilidade Média

Grupo 5 – Vulnerabilidade Alta

Grupo 6 – Vulnerabilidade Muito Alta

De acordo com essa classificação, os municípios são classificados em cinco grupos

(SEADE, 2006, p. 13-14):

Áreas predominantemente Ricas

Áreas predominantemente de Classe Média

Áreas em transição para a Classe Média

Áreas predominantemente Pobres

Áreas predominantemente Pobres com características Rurais

Carapicuíba encontra-se numa Área predominantemente Pobre, com população residente

em áreas classificadas como vulneráveis à pobreza. No município, encontramos,

principalmente, três áreas de concentração. Segundo o SEADE, elas são descritas como:

Grupo 4 – Vulnerabilidade Média: composto pelos setores que

apresentam níveis médios na dimensão socioeconômica, estando em

quarto lugar na escala em termos de renda e escolaridade do responsável

pelo domicílio. Nesses setores, concentram-se famílias jovens, com

forte presença de chefes jovens (com menos de 30 anos) e de crianças

pequenas.

Grupo 5 – Vulnerabilidade Alta: engloba os setores censitários que

possuem as piores condições na dimensão socioeconômica (baixa),

estando entre os dois grupos em que os chefes de domicílios

apresentam, em média, os níveis mais baixos de renda e escolaridade.

Concentra famílias mais velhas, com menor presença de crianças

pequenas.

Grupo 6 – Vulnerabilidade Muito Alta: o segundo dos dois piores

grupos em termos da dimensão socioeconômica (baixa), com grande

concentração de famílias jovens. A combinação entre chefes jovens,

com baixos níveis de renda e de escolaridade e presença significativa

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de crianças pequenas permite inferir ser este o grupo de maior

vulnerabilidade à pobreza.

É um município de vários contrastes. Além desses Grupos destacados acima, segundo a

versão de 2010 do IPVS tem-se:

Renda domiciliar média de R$ 1.964,00, onde 18% dos domicílios não

ultrapassava meio salário mínimo per capita;

A idade média dos chefes de família era de 44 anos, com 16,5% do total com idade

inferior a 30 anos;

Das mulheres responsáveis pelo domicílio 16,4% tinham menos de 30 anos;

As crianças com menos de 6 anos equivalia a 9,1% da população total.

Quanto as características dos grupos do IPVS, indicando situações de maior ou menor

vulnerabilidade, temos:

Resumindo, temos num extremo 1% da população em local de baixíssima

vulnerabilidade, com rendimento médio de R$10.393,00 e, nesses locais, apenas em 1,2%

a renda per capita não ultrapassava meio salário mínimo; e, noutro extremo, 5,8% em

local de vulnerabilidade muito alta, com rendimento nominal médio dos domicílios de R$

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1.226,00, onde 36,4% possui renda per capita não ultrapassando meio salário mínimo.

Somando, temos, segundo os últimos dados (2010) uma melhora significativa em

comparação aos demais anos: 56,4% da população nos níveis baixa, muito baixa e

baixíssima vulnerabilidade; enquanto o restante, 43,6% nos níveis de média, alta e muito

alta vulnerabilidade.

Quanto às escolas e os seguimentos que atendem, a cidade de Carapicuíba possui 68

escolas estaduais atendendo os Ciclos de Alfabetização, Intermediário e Final do Ensino

Fundamental e Ensino Médio9. As escolas municipais atendem, prioritariamente, a

Educação Infantil; apenas 6 escolas atendem o Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano.

A primeira escola estadual de Carapicuíba é inaugurada em 1935. A grande maioria das

escolas foram construídas a partir da 2ª metade da década de 70, concomitantemente com

o crescimento populacional já comentado.

Essa é a realidade que espera o professor de Língua Portuguesa. Esse professor formou-

se, prestou concurso, ingressou nos quadros do magistério estadual paulista, assumiu suas

aulas e está em plena atuação. A partir do cenário descrito, entendemos como Van Dijk

(2012) que pensar o contexto como uma mera influência seria uma redução desse

conceito. Grosseiramente, poderíamos dizer que o professor de Língua Portuguesa, ao

lecionar nas escolas de Carapicuíba seria influenciado por toda sua história e problemas

surgidos com o passar dos anos.

Pode-se dizer também que a atuação do professor e a maneira como constrói diferentes

formas de interação está baseado em como ele identifica e representa o contexto. Van

Dijk (op. cit.) nos ensina que os contextos são modelos mentais que controlam, passo a

passo, os processos de produção e compreensão do discurso, ou seja, a cada nova situação

comunicativa, a cada nova experiência, o contexto é construído, atualizado ou mesmo

adaptado de acordo com as especificidades das próprias situações. Assim, o professor de

Carapicuíba, quanto maior o conhecimento que tem da história do município, das

9 Resolução SE nº 53, de 2-10-2014 – Dispõe sobre a reorganização do Ensino Fundamental em Regime de Progressão Continuada e sobre os mecanismos de Apoio Escolar aos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio das escolas estaduais. São três ciclos: Alfabetização (1º ao 3º ano), Intermediário (4º ao 6º ano) e Final (7º ao 9º ano).

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dificuldades pelas quais passam seus alunos, os pais e familiares desses, ou mesmo a

escola no qual leciona – com alta taxa de criminalidade, diferentes graus de

vulnerabilidade, carência de serviços, entre outros – posiciona-se de forma positiva ou

negativa diante do seu entorno.

É justamente a sua própria representação que controla, de certa forma, as ações que

realiza. Entendendo o contexto como “modelo mental da experiência cotidiana”, o

professor, ao longo de suas interações, organiza o modo como ele adapta a sua maneira

de agir, organizando os modos como estrutura seu discurso. Segundo Fairclough (2008),

o discurso, entendido como forma de ação social, permite ao indivíduo agir sobre o

mundo e sobre os outros. O professor, além de agir, representa todo o seu entorno,

possibilitando a ele colocar-se e posicionar-se como sujeito.

Em Carapicuíba, as escolas localizam-se em áreas com diferentes graus de

vulnerabilidade. Como já esboçado nesta seção, temos escolas em locais muito

fragilizados, atendidas precariamente pelo poder público. Além disso, a própria história

da cidade traz um ranço de todo um processo de urbanização caótico, sem planejamento.

O que é mais emblemático em tudo isso é o famoso “lixão de Carapicuíba”, próximo do

rio Tiête, as margens da linha do trem, bem no centro da cidade. Mesmo desativado em

2001, ainda colabora para uma imagem negativa do município e de tudo que há nele. Van

Dijk (2012) nos aponta que são experiências pessoais armazenadas responsáveis pela

construção dos modelos de contexto.

Diante do exposto, observemos algumas fotos:

Imagem 1

Catadores no antigo lixão de Carapicuíba – 1998

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Imagem 2

Precariedade no atendimento - Saneamento Básico

Imagem 3

Periferia de Carapicuíba – Jd. Tonato

Imagem 4

COHAB

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Além do aspecto visual, compreendendo, a partir de Van Dijk (2012), a construção e

importância do contexto, observemos também algumas notícias veiculadas por jornais

impressos e pela internet sobre o município:

Notícia 1

Fonte: Folha de São Paulo/2008

Notícia 2

Fonte: Jnotícias.com.br/2009

Notícia 3

Fonte: JusBrasil/2012

Notícia 4

Fonte: Globo.com/2012

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99

Notícia 5

Fonte: UOL notícias/2015

Notícia 6

Fonte: Estadão/2015

Notícia 7

Fonte: R7 noticias/2015

Notícia 8

Fonte: G1 – Globo.com/2014

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100

Notícia 9

Fonte: Portal Brasil/2015

Podemos ainda selecionar o que é dito do município em programas jornalísticos:

Fonte: UOL/BAND

Fonte: UOL/BAND

Fonte: UOL/BAND

Desse pequeno recorte, alguns possíveis questionamentos: “o que imagina um professor

ao saber que lecionará em Carapicuíba?”. Ou mesmo: “Que alunos, que comunidade

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escolar, que problemas/dificuldades terá ao lecionar numa de suas escolas?”. Além disso:

“o que já se ouviu falar dessa cidade ou dessa escola?”, “será que, havendo dificuldades,

essas serão apenas pedagógicas?”, “E a minha integridade física?”... São algumas

questões que permeiam mesmo àqueles professores que residem no município.

O professor aciona os modelos que estão associados à sua realidade. Ele, por sua vez,

como qualquer usuário da língua, organizará seu discurso, seus textos e suas práticas

sociais a partir desses elementos. Temos uma complexa cadeia de relações que será

fundamental para o processo de produção do discurso e da interação discursiva. O recorte

feito aborda temas os mais diversos como a violência, a falta de infraestrutura do

município, os problemas de moradia e saneamento básico, a intolerância, entre outros que

podemos facilmente identificar. O contexto construído estará pautado na seleção de

imagens e textos que o próprio professor teve acesso.

Disso, uma questão: o que diz o Governo do Estado ao professor de Língua Portuguesa

das escolas públicas estaduais de Carapicuíba?

Para a construção de seu discurso, as ações sociais do professor são reguladas e

direcionadas pelas suas práticas sociais. Isso é possível dizer entendendo que há um

potencial de significados resultado das combinações de gêneros, discursos e estilos

(estratos da ordem do discurso).

Resende (2009), ao discutir o Modelo Transformacional da Atividade Social, fala do

“conceito de posições” como mediador entre relações sociais e atividades, permitindo

focalizar simultaneamente a ação individual e as práticas sociais estruturadas. Aqui temos

o professor em sua individualidade, representando, identificando-se e agindo na realidade

em que está inserido. A autora alerta que todo esse processo não é livre de conflitos: isso

explicaria os diferentes posicionamentos e pontos de vista de como compreender e

operacionalizar todos os textos institucionais sobre a atuação do professor. A SEE-SP

dialoga com esse professor por meio dos documentos oficiais que produz. Esses

documentos, por sua vez, tem a pretensão de abarcar todas as especificidades contextuais,

todas as realidades. As ações da SEE-SP assumem, como demonstrado a seguir, a

necessidade e o desejo de mudança, marcadamente defendido por ela, na postura do

professor, na maneira como conduz o processo de ensino e aprendizagem.

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102

De acordo com Resende (2009, p.78), a partir da proposta do Modelo Transformacional

(BASKAR, 1989), pensar em mudança social implica

identificar necessidades não satisfeitas de atores sociais envolvidos nas

práticas estudadas, mecanismos que possivelmente bloqueiam a

satisfação dessas necessidades, em termos das estruturações sociais, e

modos potenciais dos aspectos estruturais considerados problemáticos.

Para isso, precisamos identificar não só as necessidades, mas também o que é colocado

pela SEE-SP ao professor, para identificarmos, com base no que é exigido e oferecido, se

essas necessidades são ou não satisfeitas e em que medida isso acontece. Segundo

Fairclough (2010, p.41) a instituição, no nosso caso a SEE-SP, facilita e restringe a ação

social de seus membros:

Ela proporciona um frame para ação, sem o qual ele não poderia agir,

mas ela assim restringe a ação dentro do frame. Além disso, cada frame

institucional inclui formulações e simbolizações de um conjunto

particular de representações ideológicas: caminhos particulares de

conversa são baseados sobre ‘modos de ver’ particular.

Mais especificamente sobre o professor Fairclough (op. cit., p.42) diz que

Para tornar-se um professor, ele deve conhecer as normas

discursivas e ideológicas as quais a escola fixa para aquela

posição de sujeito – aprenda a falar como um professor e ver as

coisas (ou seja, coisas como aprender e ensinar) como um

professor (não havendo um processo mecanicamente

determinista).

Em todo esse processo, notamos momentos bem distintos quanto ao percurso desse

professor: o primeiro como formando, etapa essa regulada pelo MEC e pela avaliação do

ENADE; o segundo como formado e candidato/ingressante como professor da SEE-SP,

etapa regulada principalmente pelo que é definido pelos Editais dos Concursos; e, por

fim, como professor já atuante, momento regulado por documentos como o Currículo do

Estado de São Paulo, as Matrizes de Referência para o SARESP, algumas resoluções, a

AAP e suas recomendações pedagógicas, além do Plano de Intervenção Pedagógica.

Temos, assim, um diálogo que se constrói entre a voz institucional, SEE-SP e a forma

como estrutura seu discurso, com esse professor de Língua Portuguesa da rede pública

estadual do município de Carapicuíba.

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103

A seguir, discutimos esses três momentos: o professor formando, o professor formado e

o professor em atuação.

3.1 O formando: o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE

O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) é um dos três componentes

(avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes) do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), definido pela a Lei nº 10.861,

de 14 de abril de 2004. A Lei, no art. 5º, define que

§ 1o O ENADE aferirá o desempenho dos estudantes em relação aos

conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do

respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às

exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas

competências para compreender temas exteriores ao âmbito

específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e

a outras áreas do conhecimento.(grifo nosso)

De acordo com a Portaria nº 188, de 12 de julho de 2011, o Exame estrutura-se em dois

componentes: o primeiro, “Formação Geral”, com foco nas “competências, habilidades e

conhecimentos gerais desenvolvidos pelos estudantes no seu repertório, de forma a

facilitar a compreensão de temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão e à

realidade brasileira e mundial”; o segundo, “Componente de Conhecimento Específico”,

focalizando “a especificidade de cada Área, no domínio dos conhecimentos e habilidades

esperadas para o perfil profissional”.

3.2.1 As avaliações do ENADE: 2011 e 2014

Selecionamos para análise mais detalhada as Portarias do INEP, nº 222, de 26 de julho de

2011 e nº 258, de 02 de junho de 2014 que tratam do componente específico da área de

Letras. O motivo dessa seleção é compreender o que é esperado do futuro professor de

Língua Portuguesa, os conhecimentos que deve possuir, o perfil que deve ser construído

ao longo de sua graduação para que possa exercer seu papel na escola.

Ambos documentos disciplinam o que define a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004,

sendo 1 dos 3 componentes que compõe o SINAES. Os outros componentes envolvidos

são a avaliação das instituições de ensino e dos cursos. O ENADE, segundo o INEP, tem

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104

o “objetivo de aferir o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos

programáticos previstos”, nesse caso, para o curso de Letras, “e das competências e

habilidades em sua formação”.

As portarias configuram-se como documentos da administração pública. Segundo

Berlotto (2002) portaria é um documento “diplomático dispositivo de correspondência”,

ou seja, que configura a existência de um ato e seu cumprimento, nesse caso, o Exame.

Segundo a autora (op. cit., p.79), a portaria é o “ato pelo qual as autoridades competentes

determinam providências de caráter administrativo, impõem normas, definem situações

funcionais, aplicam penalidades disciplinares e atos semelhantes, com base em atos

dispositivos exarados em jurisdições superiores”. É composta de 3 partes: Protocolo

Inicial (Portaria, número, data, titulação), Texto (exposição, dispositivo) e Protocolo

Final (subscrição). Podemos identificar, basicamente, propósitos relacionados (i) às

instituições de ensino e (ii) aos formandos do curso de Letras (esses, foco dessa análise).

O art. 4º de ambas portarias definem os objetivos do componente específico, embora as

redações sejam diferentes:

Portaria nº 222/11 Portaria nº 258/14

I - avaliar o desempenho em termos de

competências e habilidades essenciais à atuação

como cidadão e profissional crítico, criativo e

ético;

I - avaliar o processo de formação do estudante de

Letras, tendo em vista as competências e

habilidades específicas requeridas para atuação na

área, quer como bacharel, quer como licenciado

em Letras;

II - avaliar a aquisição, o desenvolvimento e o

aprofundamento de competências e habilidades

para:

a) analisar diferentes linguagens, em especial a

verbal, nas modalidades oral e escrita;

b) compreender e analisar manifestações culturais

e artísticas, especialmente as literárias;

c) comunicar-se em língua portuguesa,

interpretando e produzindo discursos em diferentes

modalidades e em diferentes situações

sociolinguísticas;

d) compreender e analisar a organização e o

funcionamento dos vários componentes

linguísticos, bem como sua estrutura e processos;

e) refletir sobre os processos de compreensão

leitora;

f) analisar e compreender os processos de

produção de textos, nas modalidades oral e escrita;

g) ler e produzir textos adequados a diferentes

situações discursivas;

h) analisar criticamente os conteúdos referentes a

estudos linguísticos e literários e à formação

profissional;

II - auxiliar na formulação de políticas de

aperfeiçoamento do processo de formação do

estudante.

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105

i) abordar criticamente as perspectivas teóricas

adotadas nas investigações linguísticas e literárias;

j) compreender a formação profissional como

processo contínuo, autônomo e permanente, à luz

da dinâmica do mercado de trabalho e das

inovações tecnológicas.

Nota-se que a preocupação da portaria nº 258/14, no item II, é de pensar em políticas de

formação do estudante, relacionada mais diretamente com a estrutura do curso e,

consequentemente, o público-alvo são as instituições de ensino. Diferentemente da

portaria nº222/11, onde o foco é o formando de Letras, deixando claro a esse o que o

Exame pretende verificar referente a sua formação.

Os demais artigos apresentam outras diferenças:

ampliação (desdobramento) dos elementos que compõe o perfil profissional –

art.5º;

ampliação das competências e habilidades avaliadas – art.6º;

embora com redação diferente, o art. 7º que trata dos componentes curriculares,

temos:

o quanto aos Estudos Linguísticos: é acrescentado ENADE 2014 a “variação

linguística”, porém não fica claro onde se enquadraria “os processos de

leitura e produção de textos” do ENADE 2011;

o quanto aos Estudos Literários: os conteúdos são ampliados, porém é

retirado o parágrafo único que definia autores e obras, base para as

questões de literatura;

o quanto à Formação do Profissional: os 5 pontos da portaria de 2011 são

englobados em 2 para o ENADE 2014 (teorias e métodos de ensino e

aprendizagem de língua e Literatura e tecnologias da informação e da

comunicação).

Os documentos, segundo discute Fairclough (2003), orientam as reflexões sobre a

diferença primeiro ao reconhece-la: admite-se no país uma grande quantidade de

instituições que oferecem o curso de Letras, com características completamente diferentes

(o tipo de aluno, as especificidades da região, a estrutura da instituição, a organização da

grade de disciplinas, as propostas dos cursos – PPC, entre outros). Em segundo, por se

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tratarem de portarias, ao assumir sua função de normatizarem a aplicação do ENADE

2011 e 2014, buscando um foco em comum referente a formação do profissional de

Letras. No entanto, sabemos do caráter punitivo construído a partir do ENADE se os

formandos não apresentarem desempenho ≥ a 3, o que acarretaria identificarmos, em

terceiro, uma acentuação da própria diferença: as instituições têm autonomia para

organizar seus cursos, porém, cabe a elas atentarem-se se as suas propostas enquadram-

se, por exemplo, no que é esperado de seus alunos como formação geral e específica.

Ao verificarmos as relações intertextuais, temos as vozes do governo federal, do

Ministério da Educação, por meio do INEP, autarquia federal vinculada ao MEC, na dos

respectivos presidentes nos anos de 2011 e 2014. As duas portarias estabelecem uma

relação intertextual, identificado as suas semelhanças e diferenças.

No início de cada uma delas são apresentadas as bases para as duas portarias:

a portaria INEP nº222/11

... tendo em vista a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004; a Portaria Normativa nº 40, de 12 de

dezembro de 2007, em sua atual redação; a Portaria Normativa nº 8, de 15 de abril de 2011, e

considerando as definições estabelecidas pela Comissão Assessora de Área de Letras, nomeada

pela Portaria Inep nº 155, de 21 de junho de 2011

a portaria INEP nº 258/2014

...tendo em vista a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004; a Portaria Normativa nº 40, de 12 de

dezembro de 2007, em sua atual redação; a Portaria Normativa nº 8, de 14 de março de 2014,

atualizada, e considerando as definições estabelecidas pela Comissão Assessora de Área de

Letras, nomeada pela Portaria Inep nº 12, de 10 de janeiro de 2014.

A Lei nº 10.861/04 institui o SINAES e, ao ser citada, traz para as portarias analisadas

todas as providências e normatizações já estabelecidas em 2014, como a própria criação

do ENADE, as obrigatoriedades e sanções a que estão sujeitas as Instituições de Ensino

Superior. A Portaria Normativa nº 40/2007 que institui o e-MEC e dispõe, por exemplo,

das orientações para os processos de credenciamento e autorização de cursos. Já os outros

textos, embora com conteúdo diferente tratam dos mesmos assuntos: a portaria nº 8/2011

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e nº 8/2014 tratam dos cursos que serão avaliados bem como das orientações/obrigações

das IES e dos estudantes; as portarias INEP nº 155/11 e nº 12/14 designam os professores

para compor as Comissões Assessoras.

Nos art. 5º e 6º, os documentos deixam claro o que é bom ou desejável ao definir o perfil

profissional e as competências e habilidades dos estudantes de Letras. Fairclough (2003)

chama isso de presunções valorativas. Essas são desencadeadas no texto a partir da

própria redação dos artigos: ao dizer que o Exame “terá como referência o seguinte perfil

profissional”, podemos entender que, após os anos em que cursou a graduação, o aluno

deveria ter construído o “seu perfil como profissional de Letras”, desenvolvendo

competências como a “intercultural”, “linguística e discursiva”, ou mesmo ser capaz de

compreender o que envolve a “formação profissional”. O artigo 6º deixa isso mais claro

ao utilizar principalmente o verbo “desenvolveu”, no pretérito perfeito do indicativo, para

definir o que os estudantes deveriam ser capazes de realizar ao término de seu curso.

Nos textos, a relação de adição é predominante entre os períodos e as orações. Pela própria

característica do gênero e do propósito comunicativo que assume, normatizando o Exame,

os artigos são justapostos organizando-se num crescente cumulativo de informações e

exigências.O texto utiliza como recurso de coesão a reiteração do mesmo item lexical

(FAVERO, 2009) “a prova do ENADE 2011” ou “a prova do ENADE 2014”; a portaria

de 2014 é praticamente a mesma de 2011, alterados apenas os conteúdos (itens) de alguns

artigos.

O texto apresenta a predominância do modo declarativo. Pensando na recepção da

portaria, identificando como público-alvo o formando de Letras e a IES, entendemos ser

possível realizar a seguinte aproximação com o texto escrito. A troca de atividades ou de

conhecimento irá depender, no caso das portarias, do que elas motivarão. Se pensarmos

no formando, ao ter acesso a portaria, haverá, a princípio, uma troca de conhecimento: o

aluno pode não saber o que se espera dele como profissional nem o que deveria ter

desenvolvido como competência e habilidade. Em seguida, pode haver uma troca de

atividade, direcionada frequentemente por ações não-textuais (FAIRCLOUGH, 2003), o

que o levaria a rever o que estudou durante o curso, as vivências e experiências que

acumulou etc. Quanto a IES, o que se vê é uma preocupação que envolve a troca de

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atividades: a instituição focará em ações, como as relacionadas ao “preparo dos alunos”,

se possuem condições para conseguirem um resultado satisfatório no Exame etc.

Os textos em análise associam-se ao discurso sobre as IES e os cursos de Licenciatura. O

ENADE, já no início do texto é caracterizado como “parte integrante do Sistema Nacional

de Avaliação da Educação Superior (SINAES)”, está inserido nas discussões sobre a

qualidade do Ensino Superior, as responsabilidades das IES bem como seus méritos e

valores, resultando na autorização para seu funcionamento. O item II, do art. 4 da Portaria

nº258/2014 deixa claro que o ENADE auxilia na “formulação de políticas públicas de

aperfeiçoamento do estudante”, porém esse aperfeiçoamento refere-se a própria regulação

das IES.

Ao definir no art. 5º o “perfil do profissional” de Letras e no art. 6° o que deve ser capaz

de realizar a partir das competências e habilidades desenvolvidas, temos a referência a

outro discurso ideologicamente relevante: a formação e profissionalização do professor.

Para Dozier, Johnston e Rogers (2006), o desenvolvimento do professor compreende os

aspectos conceituais, práticos e relacionais: frequentemente preocupa-se muito com as

habilidades técnicas e a atuação em sala limita-se a essas. Os autores (op. cit., p.153)

enfatizam o aspecto relacional:

The desire to understand the learner and the ability to create situations

in which the learner will be successful requires caring and respect. The

teachers must develop a sense of themselves and their student, and a

relationship of care. The relationship between teacher and student is

what mediates the ways in which the student understands the teacher’s

interactions.

O desenvolvimento dessas reflexões não está claro na redação das portarias, nem na que

trata da formação geral encontramos referência: a ênfase está no aspecto teórico-prático,

deixando de lado as relações professor e aluno. Não se considera, por exemplo, as 400

horas mínimas de estágio supervisionado (Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de

2002).

Outro discurso presente é o do uso das tecnologias educacionais. O item VII, do art. 6º

estabelece que o formando deve apresentar as competências e habilidades necessárias

para “utilizar as tecnologias para a pesquisa e ensino na sua prática profissional”. Gomes

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(2011) discute a importância da escola e, principalmente, do professor no trabalho com o

letramento digital, com a utilização do universo digital para desenvolver competências e

habilidades de leitura e de produção de textos. Sobre isso, o autor nos diz (p.14)

O letramento digital, que pode ser entendido como conjunto de práticas

socialmente organizadas que fazem uso de sistemas simbólicos e da

tecnologia para atuar com propósitos específicos em contextos

específicos, já vem ocorrendo espontaneamente em diversas

comunidades de prática, mas os usos ainda são, em sua maioria,

voltados para as formas hegemônicas de pensar e de participar, o que

deixa de fora a leitura crítica e a alteridade. Constroem-se identidades

globalizadas que repercutem ideias alheias, quase sempre alienadas e

voltadas ao consumo.

Para o autor, os professores dever estar capacitados para fazer com que os alunos não

sejam apenas “consumidores de informações”, mas produtores críticos e conscientes de

conteúdos no ambiente digital. Consequentemente, isso aciona um ponto problemático

desse trabalho: a falta de estrutura. Não adianta dizer que os alunos cada vez mais têm

acesso a tecnologia com seus smartphones, se de acordo com o art. 2º da Lei nº 12.730,

de 11 de outubro de 2007, regulamentada pelo Decreto nº 52.625, de 15 de janeiro de

2008 proíbe o seu uso pelos alunos das escolas do sistema estadual de ensino, entendendo

que “a interferência do telefone celular nas práticas educativas” prejudica o aprendizado

e socialização do aluno. A discussão gira em torno dos espaços para que o professor

oriente a leitura e produção de textos dos diferentes gêneros digitais.

Os eventos a que as portarias se referem são a realização dos ENADE 2011 e 2014 para

os estudantes formandos do curso de Letras. Em tratando do significado representacional,

analisando os elementos que estruturam as orações, notamos que quanto aos participantes

e aos processos temos: referente ao INEP, há um processo, representado pelo verbo

“resolve”; referente ao ENADE 2014, os processos de “avaliar”, “auxiliar”, “tomará” (no

sentido de assumir), “terá”; quanto ao estudante, os processos de “refletir”, “dominar”,

“atuar”, “compreender”, “analisar”, “utilizar”. Quanto às circunstâncias, podemos

considerar três: o modo como o exame se apresentará, “30 (trinta) questões, sendo 3 (três)

discursivas e 27 (vinte e sete) de múltipla escolha”; o tempo de prova, “duração total de

4 (quatro) horas”; e o lugar onde se todos se inserem, “a realidade brasileira e mundial”.

Outro ponto refere-se aos elementos de um evento social excluídos e incluídos,

identificando dos incluídos o mais saliente. Para Fairclough (2003, p.135-136) elementos

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de um evento social: formas de atividade, os participantes, as relações sociais, os objetos,

os significados, os tempos e lugares, além das linguagens utilizadas. Dessa forma, é

relevante compararmos as duas portarias e identificarmos o que foi excluído, como por

exemplo, os autores e obras base para as questões de estudos literários, as explicações

sobre os perfis presentes na portaria 222/11 e retiradas da portaria 258/14, a exclusão do

item II, do art. 4º da portaria 222/11; a inclusão de alguns itens, como é o caso do item II,

do art. 4º, excluído e inserido outro, evidenciando outro posicionamento. Salienta-se, a

todo o instante o ENADE e seu papel institucional de avaliação do Sistema de Ensino

Superior. Cabe ressaltar que as relações professor-aluno são excluídas dos documentos.

O evento em questão, o ENADE, é representado de forma abstrata/generalizada

(FAIRCLOUGH, 2003), por representar de um lado a “qualidade do curso de Letras” e,

por outro, estendê-lo a todos os cursos de Letras do território nacional.

Os estudantes de Letras são identificados como indivíduos que, ao concluírem seus cursos

de Licenciatura, devem apresentar-se como profissionais aptos a realizarem suas

atribuições como professores de Língua Portuguesa, detentores dos conhecimentos

pertinente a área (art. 5º, 6º e 7º).

O Exame e as exigências são vistos como positivas, visto que o estudante, para

desenvolver suas atividades satisfatoriamente deve demonstrar seus conhecimentos

técnicos adquiridos durante sua graduação, bem como ter desenvolvido competências e

habilidades que o permitam atuar como profissional de Letras.

3.3 O formado: os concursos públicos para Professor da Educação Básica II

Analisada as portarias INEP que tratam do ENADE, definindo o que se espera do

formando de Letras, ou seja, os conhecimentos, competências e habilidades que devem

possuir para serem considerados aptos a lecionar, analisamos agora as exigências do

governo paulista para autorizar que professor faça parte de sua rede de ensino.

Selecionamos aqui os Editais dos Concursos Públicos para Professor de Educação Básica

II dos anos de 1998, 2003, 2010 e 2013. Estabelecido uma comparação entre elas, o

objetivo é compreender quem deve ser esse professor aos olhos da SEE-SP.

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A escolha dos quatro últimos editais para professores de Língua Portuguesa foi feita por

virem após a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB). Entendemos que a partir

da LDB, juntamente com a publicação dos PCN e outros documentos, temos o início de

uma mudança na maneira como é compreendido o ensino de Língua Portuguesa,

exigindo, consequentemente, uma mudança na postura do professor. O recorte realizado

nos Editais restringe-se ao que se refere a parte pedagógica/formativa do professor de

Língua Portuguesa.

3.3.1 Concurso Público para PEB II – 1998

O concurso de PEB II do ano de 1998 é o primeiro da SEE-SP após a LDB de 1996. As

orientações para esse concurso foram estabelecidas pelas Instruções Especiais SE nº 1, de

18 de junho de 1998. Esse documento possui a seguinte estrutura:

I – Dos vencimentos

II – Dos requisitos mínimos de titulação

III – Das condições para inscrição

IV – Das inscrições

V – Das Provas e Títulos

VI – Da realização das provas

VII – Do julgamento e avaliação das provas

VIII – Dos resultados das provas

IX – Dos documentos comprobatórios de inscrição

X – Dos títulos e sua avaliação

XI – Da classificação

XII – Dos recursos

XIII – Da homologação

ANEXO I

ANEXO II

Programas e bibliografias para o concurso público para provimento de cargos de

Professor Educação Básica II

O que nos interessa é a última parte que está relacionada a formação do professor. Não é

definido pelas Instruções nem o perfil, nem competências e habilidades, nem

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conhecimentos os candidatos devem possuir: são definidos apenas o “Programa’ e as

“Bibliografia”. Temos assim, os “Conhecimentos Gerais em Educação” e os específicos

de cada disciplina.

Quanto aos “conhecimentos gerais”, temos:

Um Programa com 6 itens e a uma Bibliografia que, embora o texto da Instrução

não faça uma distinção, ela compreende livros, publicações institucionais e textos

legais (federal e estadual). Identificamos a seguir:

I – Sociedade brasileira e educação

AMARO (1990), BARROSO (1990), DERTOUZOS (?), NÓVOA (1996)

II – Fundamentos de Currículo

BRASIL (1997), CASTORINA, FERREIRO e LERNER (1995), CHERVEL

(1990), DIETZCH (1989), GARDNER (1994), GERALDI (1994), PENIN

(1996), SILVA (1993)

III – Planejamento e Gestão Educacional

CARNOY (1992), DIMENSTEIN (1998), HORA (1994), LIBÃNEO (1992),

MAIA e OYAFUSO (1998), MELLO (1994), MENESES (1998), SÃO PAULO

(1997a, 1997B, 1998), SOUZA (1989)

IV – Avaliação Educacional

ANDRÉ (1990), DAVIS e ESPÓSITO (1990), HOFFMAN (1991), LUCKESI

(1996), SILVA & DAVIS (1993)

V – A Educação no Estado de São Paulo

SÃO PAULO (1997a, 1997B, 1998)

VI – Legislação

Legislação Federal

Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 -

Parecer de nº 3/97 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais

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Parecer CNE/CEB n°5/97 - Proposta de regulamentação da lei nº 9.394/96

Legislação Estadual

Deliberação CEE 09/97 - Institui, no Sistema de Ensino do Estado de São

Paulo o regime de progressão continuada no Ensino Fundamental

Indicação CEE 08/97 – Regime de progressão continuada (anexada à

Deliberação CEE 09/97)

Deliberação CEE 10/97 - Fixa normas para elaboração do regime dos

estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio

Indicação CEE 09/97 - Diretrizes para elaboração de regimento das escolas

no Estado de São Paulo

Resolução SE nº 49 de 3 de março de 1998 dispõe sobre normas

complementares referentes a organização escolar e dá providências e correlatas

Instrução conjunta CENP/ COGSP/ CEI, publicada no D.O.E. de 13.2.98

seção 1, p. 14 - Organização Curricular - Progressão Continuada

Comunicado SE de 22.3.95 - Diretrizes Educacionais para o Estado de São

Pau1o, no período de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 1998.

A SEE-SP não define o perfil desse professor. Esse perfil é pressuposto pelo programa e

pelas bibliografias. O professor, para lecionar, deve apresentar conhecimentos sobre

Currículo, Avaliação, Planejamento, do próprio sistema educacional paulista, por

exemplo. Pelos textos definidos nessa parte, algo que nos chama a atenção é a ênfase dada

ao tema “Progressão Continuada”, presente no item “Legislação”. Entendemos que os

documentos presentes nesse item representam, principalmente com a “Legislação

Estadual”, as preocupações da SEE-SP.

Quanto aos “conhecimentos específicos”, temos

Um Programa com 5 Itens e suas respectivas temáticas (como dito anteriormente,

não há separação entre livro e publicação institucional):

I – A Língua Portuguesa na perspectiva tradicional

Gramática Normativa

Gramática Histórica

II – A Língua Portuguesa na perspectiva linguística

Som/ Fonema

Morfema e alomorfia

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Processos Sintáticos

Propriedades semânticas das palavras, das orações e do enunciado

III – Literatura

História literária

Teoria da literatura

A literatura infantil e juvenil na escola

Obras literárias

IV – Linguagem e ensino

Linguagem: uso e função

Discurso e texto

Língua oral e língua escrita

Variação linguística e norma

Gramática e criatividade

Leitura e produção de texto

V – O ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio

O concurso estabelece como base 5 publicações institucionais: Brasil (1997), Castilho

(1978), São Paulo (1993a, 1993b, 1994). Uma opção questionável do concurso é indicar

para a leitura o PCN de Língua Portuguesa que trata da 1ª a 4ª série do Ensino

Fundamental, sendo que a atuação do professor, foco do concurso, é de 5ª a 8ª série do

Ensino Fundamental e Ensino Médio. Podemos dizer a partir da bibliografia base para

avaliar os conhecimentos específicos, pouco da “nova postura” frente aos estudos de

linguagem, presentes inclusive na bibliografia dos PCN é trazida para o concurso, temos,

apenas as reflexões de Koch (1989) e Koch e Travaglia (1990) sobre coesão e coerência,

Kleiman (1987) sobre as reflexões sobre as relações entre texto e leitor, por exemplo.

Questões como a noção de gênero ou a organização de sequências presentes no PCN, não

são elencadas como temas necessários.

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3.3.2 Concurso Público para PEB II – 2003

Em 6 de setembro de 2003 é publicado no D.O.E. o “Edital de abertura de inscrição” para

o concurso de PEB II estruturado como descrito a seguir. O principal propósito desse

edital é divulgar o concurso para seleção de professores para atuarem na SEE-SP. Esse

texto apresenta como estrutura:

A. Disposições preliminares

B. Relações das agências do BANESPA autorizadas

C. Instruções Especiais nº1/2003

I - Dos vencimentos

II – Dos requisitos para o provimento

III – Das condições para provimento do cargo

IV – Das inscrições

V – Da prova e dos títulos

VI – Realização da prova

VII – Da avaliação da prova

VIII – Dos títulos e sua avaliação

IX – Da classificação

X – Dos Recursos

XI – Da homologação

XII – Das disposições gerais

D. Perfil, Temário e bibliografia

Perfil profissional

Formação básica do professor (Temário e Bibliografia)

Formação básica do professor (Temário e Bibliografia)

O que nos interessa, novamente, é a maneira como a SEE-SP fala ao professor sobre o

que se espera dele ao entrar em sala de aula de uma escola pública estadual. Cabe lembrar

que estamos na primeira metade da primeira década do ano 2000. Nesse caminho, temos

Delors (1997) caracterizando o que identifica como “os 4 pilares da educação” – aprender

a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Para ele,

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Somos levados, portanto, a revalorizar as dimensões ética e cultural da

educação e, nesse sentido, a fornecer os recursos para que cada um

venha a compreender o outro em sua especificidade, além de

compreender o mundo em sua busca caótica de certa unidade; mas,

previamente, convém começar pela compreensão de si mesmo em uma

espécie de viagem interior, permeada pela aquisição de conhecimentos,

pela meditação e pelo exercício da autocrítica. (DELORS, 1997, p.15)

Disso, o autor entende que a educação básica se configura como “uma preparação para

vida e o melhor momento para aprender a aprender” (op. cit., p.127). Os professores

assumem papel determinante na formação de atitudes.

Segundo Saviani (2013) é um momento é introduzido nas escolas a “pedagogia das

competências” na tentativa de “ajustar o perfil dos indivíduos, como trabalhadores e como

cidadãos, ao tipo de sociedade decorrente da reorganização do processo produtivo”

(p.438). Nessa maneira forma de pensar, o professor é considerado como “prestador de

serviço, os que aprendem como clientes e a educação como produto que pode ser

produzido com qualidade variável” (p.440). Saviani conclui que

Para que esse produto se revista de alta qualidade, lança-se mão do

“método da qualidade total”, que, tendo em vista a satisfação dos

clientes, engaja na tarefa de todos os participantes do processo

conjugando suas ações, melhorando continuamente suas formas de

organização, seus procedimentos e seus produtos.

O nosso foco, nesse documento, é o item D. Percebemos que, diferentemente do concurso

anterior, esse, além do “Programa” e da “Bibliografia”, define o “Perfil” esperado do

professor.

O professor é visto como “gestor do processo de ensinar e aprender” e também como

“integrante da equipe escolar” compartilhando “da construção coletiva de uma escola

pública de qualidade” e atuando “na gestão da escola” (p.70). É descrito em cada um dos

itens o que compete ao professor.

O Temário é organizado da seguinte maneira: 3 temas centrais relacionados a sua

“Formação Geral” e 4 a sua “Formação Específica”, cada um com seus respectivos

conteúdos. Os temas são:

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Formação Geral do Professor

o Educação Escolar: desafios e compromissos

o Gestão escolar e qualidade do ensino

o Gestão do processo de ensino e aprendizagem

Formação Específica – Língua Portuguesa

o Linguagem, interlocução e dialogismo

o Variação Linguística, Norma e Ensino da Língua

o Práticas de Leitura e de Produção de Texto

o Literatura

Podemos dizer que essa organização se dá com o propósito de esclarecer, mas, ao mesmo

tempo, de determinar parâmetros sobre o que é necessário para ser um professor. O

documento (p.70) explica que o conjunto de temas apresentado

constitui-se em referencial para avaliar o candidato em relação aos

conhecimentos específicos da área, sua aplicação didática e

metodológica nas práticas de linguagem em sala de aula, bem como dos

fundamentos que estruturam o trabalho com Língua Portuguesa no

desenvolvimento do currículo da Educação Básica.

Falar das diferenças é compreender o caráter de negociação ativo e continuo das

diferenças de significado vinculadas a construção da interação (FAIRCLOUGH, 2003).

O autor salienta ainda que essas “normas de interação” são interpretadas diferentemente

pelos atores sociais: considerar as diferenças é essencial para a interação social. Além

disso, Fairclough (op. cit, p.41) associa ao poder um aspecto relacional, ou seja, com a

capacidade de garantir resultados onde esses dependem das ações de outros.

No caso da seção analisada do Edital, a SEE-SP tem essa consciência, a princípio, ao

apresentar ao candidato o que espera dele como profissional, bem como do que precisa

saber para ir bem na prova de seleção. Percebemos que a SEE-SP, por conhecer a

heterogeneidade de formação dos candidatos, estabelece, por meio dessa seção, um

diálogo deixando claro o perfil, o programa e a bibliografia, exercendo seu poder de

controle, numa tentativa de precaver-se quanto ao resultado do certame: a posterior

classificação desses professores seguiu critérios pré-estabelecidos, “pré-negociados”.

Isso significa dizer que o melhor classificado será aquele que soube atender as

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expectativas da Secretaria e que, consequentemente, atenderá melhor o aluno da rede

pública estadual.

As bibliografias trazem justamente as vozes incluídas que subsidiam o discurso da SEE-

SP no documento.

Na parte geral, temos a diferenciação entre: Referencias legais, Publicações institucionais

e Livros e Artigos. No primeiro temos a voz da União e do Governo Estadual que, dentre

vários pontos importantes, identifica preocupações sobre: o professor e o regime de

trabalho, com a Lei 10.261/68 e a Lei Complementar nº 444/85; a Educação de Jovens e

Adultos, com a Deliberação CEE nº 9/2000, Indicação CEE nº 11/2000 e Parecer

CNE/CEB nº 11/2000; a estruturação de Ensino Médio, a educação de alunos com

necessidades especiais etc.

Em seguida, a União e o Governo Estadual estão presentes nas Publicações Institucionais

com os PCN (Introdução de 5ª a 8ª série e Temas transversais), e com as publicações da

CENP e da FDE, tratando desde a escolha de livros didáticos, recuperação escolar, a

educação por competências, até orientações sobre planejamento e gestão escolar.

Com os Livros/Artigos são incluídas as vozes de Morin (2001) para tratar da “educação

do futuro”, com o “saber planetário”, Perrenoud (2000a, 2000b) sobre o ensino por

competências, Rios (2001) e Luck (2000) sobre a “docência de qualidade” e a “formação

docente e profissional com Imberon (2000) entre outros.

Na parte específica, temos, por exemplo, o que nos ensina Bakhtin (2001) sobre gêneros

discursivos, uma das bases utilizadas para a construção dos PCN de Língua Portuguesa

do Ensino Fundamental e Médio (BRASIL 1998; 2001). A noção de letramento também

está presente na voz de (SOARES, 1998), onde explica o termo a partir do termo em

inglês, literacy, e as implicações dos “níveis de letramento”. Dentre outras vozes, está

presente a voz de Fiorin (2002; 2003) onde trata da linguagem humana e das línguas,

discutindo a postura diante dos fenômenos linguísticos e, consequentemente, princípios

de análise linguística.

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Ao apresentar o Perfil, identificamos uma “presunção valorativa”. Segundo Fairclough

(2003, p.172), ela corresponde uma forma de avaliação implícita, sem marcadores

textuais transparentes, sendo a avaliação uma categoria que representa apreciações ou

perspectivas do autor do texto sobre aspectos do mundo, sobre o que é bom ou desejável.

Dos aspectos do perfil do profissional apresentados, a SEE-SP apresenta suas

expectativas quanto ao candidato, onde ele deve ser “responsável”:

* pela condução do processo de ensinar e aprender, capaz de realizar

um ensino de boa qualidade que resulte em aprendizagens significativas

e bem sucedidas, permitindo a inclusão de jovens e adolescentes no

mundo da cultura, da ciência, da arte e do trabalho;

* pelo desenvolvimento de valores, de atitudes e do sentido de justiça,

essenciais ao convívio social, solidário e ético, ao aprimoramento

pessoal e à valorização da vida;

* pela docência de componentes curriculares do ciclo II do ensino

fundamental e do ensino médio

A SEE-SP espera que esse professor, ao ser parte integrante da equipe escolar, colabora

para a construção de uma escola de qualidade:

* estimulando e consolidando uma escola cidadã, participativa e

inclusiva;

* formulando e implementando a proposta pedagógica;

* articulando a integração escola-família-comunidade, de modo a

favorecer o fortalecimento dessa parceria;

* incentivando o engajamento dos alunos e da escola em projetos ou

ações de relevância social;

* participando de todos os momentos de trabalho coletivo, em especial

os HTPCs, Conselhos de Classe/Série, Conselho de Escola e APM;

* analisando sistematicamente os resultados obtidos nos processos

internos e externos de avaliação com vistas à consecução das metas

coletivamente estabelecidas;

* acompanhando e avaliando os projetos desenvolvidos pela escola e os

seus impactos no desempenho escolar dos alunos;

* participando de ações de formação continuada que visem ao

aperfeiçoamento profissional.

Há predominância de relações aditivas. Verificamos isso, no “Perfil do Profissional”, ao

se elencar as responsabilidades do professor, ou descrever a atuação professor como

integrante da equipe escolar; e também nos temários referentes a “formação básica” e a

“formação específica”. Embora não tenhamos marcas gramaticais, como as conjunções,

o que deixaria explicito outras relações, percebemos uma relação de causa-razão e

também uma relação de condicionalidade: a primeira, entendendo que o produtor do texto

é a SEE-SP, o fato de apresentar esse o item “D” explica-se pela sua intenção de buscarem

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profissionais que atuem como estabelecido e com os conhecimentos vistos como

“essenciais” a essa atuação na rede pública estadual. A segunda, a condicional, gira em

torno do seguinte ponto: se o candidato não demonstrar, por meio da avaliação, a

capacidade de atuação e conhecimentos solicitados, ele não será selecionado para exercer

o papel de professor estadual.

O item “D” aqui analisado apresenta a predominância do modo declarativo. Identificando

que o público-alvo do texto são os candidatos a docência, a troca de atividades ou de

conhecimento depende das ações que motivarão. Existe um momento de troca de

conhecimento, onde o candidato fica sabendo o que é exigido dele – perfil e

conhecimentos. Isso levará a ações como: confrontar se todos aqueles pontos

estabelecidos pelo edital já é desenvolvido por ele como prática ou mesmo se terá

capacidade de fazê-lo, bem como o que deverá fazer para tal; estudar e conhecer a postura

teórica dos autores e obras selecionadas como base para a avaliação; construir

representações do que é fazer parte do quadro de professores da rede pública estadual, a

partir dos documentos legais e publicações institucionais elencadas. Essas ações assumem

um caráter individual, de interpretações particulares: nas relações causais entre textos e

práticas sociais, um conceito central presente é o das relações discursivas, visto que,

segundo Resende (2009, p. 24), “diferentes representações de práticas e eventos podem

acarretar diferentes modos de legitimação de ações e de identificação de atores sociais”.

A autora ainda ressalta alguns aspectos como “a seleção de determinados discursos para

a interpretação de eventos, que pode implicar a legitimação de ações particulares;

configurar modos de conduta, como procedimentos organizacionais específicos; resultar

na inculcação desses discursos na construção de identidades; influenciar a construção de

estratégias de ação” (p.24).

Segundo Fairclough (2003), os discursos são formas de representar o mundo. Tem-se,

assim, que diferentes discursos são diferentes perspectivas sobre o mundo, estando

associadas a diferentes relações que as pessoas têm do mundo: essas relações “dependem

de suas posições no mundo, de suas identidades pessoais e sociais construídas, além das

relações sociais estabelecidas com outras pessoas” (p.124). No documento, o próprio

temário nos apresenta a articulação de vários discursos.

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A “Formação básica do professor”, dividido em 3 temas “Educação escolar: desafios e

compromissos”, “Gestão escolar e qualidade de ensino” e “Gestão do processo de ensino

e de aprendizagem”,

A “Formação específica do professor”, traz 4 temas sobre o ensino e aprendizagem da

Língua Portuguesa: “Linguagem, interlocução e dialogismo”, “Variação Linguística,

norma e ensino da língua”, “Práticas de leitura e de produção de textos” e “Literatura.

Essas partes do documento estão relacionadas diretamente a prova de seleção, um dos

eventos sociais do edital. Como dito anteriormente, a perspectiva representacional possui

três tipos de elementos os processos, os participantes e as circunstâncias. No item, temos

vários processos relacionados ao candidato a professor, como:

Quanto a sua responsabilidade como gestor do processo de ensino e

aprendizagem: “capaz de realizar”, “trabalha”, “conhece”, “demonstra”,

“elabora”, “organiza”, “implementa”, “desenvolve”;

Quanto a sua posição na equipe escolar: “compartilha”, “estimulando”,

“formulando”, “articulando”, “incentivando”, “participando”, “analisando”,

“acompanhando”, “participando”.

As circunstâncias estão relacionadas diretamente a escola, com ênfase a sala de aula e aos

espaços de discussão coletiva. O professor de Língua Portuguesa insere-se num universo

em que é exigido a interação não apenas dele com o aluno, mas com os outros professores,

equipe gestoras, funcionários, pais, comunidade. Isso está claro ao ser definido o perfil

desse professor: na “integração escola-família-comunidade”, nos “momentos de trabalho

coletivo, em especial HTPCs, Conselhos de Classe/Série, Conselho de Escola e APM”,

no “engajamento dos alunos e da escola em projetos ou ações de relevância social”, por

exemplo.

Fairclough (2003), retoma Bernstein (1990) ao associar, de uma forma ampla, a

representação de eventos sociais como recontextualização, onde um evento social é

incorporado dentro do contexto de outro evento social, sendo recontextualizado. Isso

implica a existência de princípios como presença, abstração, organização e adições. O

que nos chama a atenção é o caráter de abstração/generalização apresentado pelo

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documento. Temos o evento concreto que é a seleção e consequente exercício do

professor na rede pública estadual. Porém, o texto – perfil e temas – são generalizados a

todos, independente da sua formação, do seu percurso profissional, todos devem

apresentar determinadas características para serem considerados “aptos” para lecionar nas

escolas estaduais de São Paulo.

Quanto a representação do tempo e do espaço, fica claro no próprio edital a atuação do

professor no Estado de São Paulo, numa das 91 Diretorias de Ensino. Em relação ao

tempo, a própria data da publicação – 6 de setembro de 2003 – , a validade do concurso

de 2 anos, “contados a partir da publicação de sua homologação, prorrogável uma vez por

igual período”, ou seja, considerando que o resultado será homologado em 2004, sua

validade passa a ser até o ano de 2006, prorrogável até 2008, de acordo com as

necessidades da SEE-SP. Estamos, assim falando em um Concurso para professor que

representou as preocupações da primeira década do século XXI na contratação de

professores efetivos para a Rede, identificando a essa condição benefícios aos alunos, aos

professore e a educação como um todo.

Não se esquecendo que o processo de identificação é complexo, relacionada, em grande

parte, a relação e distinção entre aspectos de identificação pessoais e sociais, tentamos

identificar o que este documento nos traz. O edital nos apresenta a postura da SEE-SP na

seleção dos professores, normatizando, estabelecendo formas de atuação e conhecimentos

esperados dos professores.

A partir do que está presente no documento e pelo que foi exposto por nós, a SEE-SP

constrói como desejável na atuação do Professor de Língua Portuguesa com base no que

apresenta no item “D”, relacionando esse com a sua atuação na escola. O indesejável é

constituído por qualquer alteração desse cenário.

3.3.3 Concurso Público para PEB II – 2010

Após 7 anos houve um novo concurso ingresso no quadro do magistério paulista. É

importante frisar que muitas mudanças ocorreram nesse período entre 2003 e 2010,

principalmente a construção e implementação do Currículo do Estado de São Paulo pela

SEE-SP. Além disso, conceitos e discussões apresentadas pelos PCN como o ensino de

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Língua Portuguesa na perspectiva dos gêneros textuais, e consequentemente questões

sobre o “tratamento didático dos conteúdos” como estratégias para a leitura e produção

de textos, os estudos sobre a estrutura da língua (análise linguística), a própria

organização dos conteúdos (sequência didática) já, em 2010, foram amplamente

discutidas. Sobre essa última, o próprio PCN (BRASIL, 1997, p. 36) nos diz que

Ao invés de organizar o ensino em unidades formatadas em texto,

tópicos de gramática e redação, fechadas em si mesmas de maneira

desarticulada, as atividades propostas no ambiente escolar devem

considerar as especificidades de cada uma das práticas de linguagem

em função da articulação que estabelecem entre si.

Quanto às avaliações externas, do primeiro SARESP em 1996, passando pelo primeiro

PISA em 2000, bem como pelos diferentes formatos do SAEB desde 1990, considerando

o momento desse concurso para professores da SEE-SP, 2010, muitas alterações

ocorreram e muitas concepções foram consolidadas. Segundo Maria Inês Fini, Assessora

de Currículo e Avaliação da Secretaria, em Videoconferência realizada em 2/07/2009, a

definição clara do Currículo está intimamente ligada a um aprimoramento do sistema de

avaliação. Para a professora é nesse momento em que chega ao Brasil uma “cultura de

avaliação”, havendo um movimento para articular o sistema estadual (SARESP) com o

sistema nacional e internacional: o foco dessas são as competências e habilidades, numa

“aliança entre currículo e avaliação”.

Considerando essas especificidades, tecemos alguns comentários sobre a parte específica

relacionada ao professor de Língua Portuguesa no edital para seleção de PEB II – 2010.

Diferentemente dos concursos anteriores, a SEE-SP publica a Resolução SE nº 9, de 27-

1-2010 que, a partir do que compete ao “Comitê Gestor para elaboração de provas”10,

define os perfis, competências, habilidades e bibliografia para o esse concurso de

ingresso. Essa resolução apresenta no “Anexo” todas essas informações organizadas em

duas partes: a primeira, o perfil dos PEB II (foco do nosso interesse) e a segunda, o perfil

dos professores dos professores de Educação Especial.

10 Comitê este criado pela Resolução SE nº 69, de 1-10-2009, com “a finalidade de propor critérios

e parâmetros para a elaboração de provas de concursos públicos para provimento de cargos ou de

processos seletivos, para preenchimento de funções-atividades, dos integrantes do Quadro do

Magistério da Secretaria de Estado da Educação, bem como para as avaliações que visem à

promoção na respectiva carreira”.

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No perfil profissional dos PEB II, temos:

1.1 Parte Geral comum a todas as áreas

1.1.1 O perfil

1.1.2 Habilidades do professor

1.1.3 Bibliografia da parte geral

1.1.4 Documentos para Parte Geral

1.1.5 Legislação Básica

Na segunda seção, define o “perfil desejado para o professor de Língua Portuguesa”,

temos uma breve introdução do que é “ensinar português” e o que essa atividade envolve.

Em seguida, é apresentado: o “perfil”, as “habilidades”, a “bibliografia” e os “documentos

para Língua Portuguesa”. O Edital de abertura de inscrições, publicado no Diário Oficial

do dia 21.01.2010, nas “Disposições preliminares” define no item 5:

5. As indicações de Bibliografia e Temário constam da Resolução SE

80/2009, publicada no Diário Oficial do Estado de 04/11/2009 e

posteriores retificações.

É justamente uma das “posteriores retificações” que orientou esse concurso.

Como os documentos já analisados, percebemos que a diferença entre os professores é

reconhecida: justificamos isso principalmente pelo caráter seletivo de qualquer concurso.

Nesse caso, a SEE-SP reconhece as diferentes formações e posturas dos docentes,

realizando, assim, esse processo para o ingresso no quadro do magistério estadual

paulista. Há uma acentuação da diferença, admitindo-se que há professores capacitados

assumirem o que a Secretaria exige enquanto outros não. Além disso, fica clara a

normatização e a relação de poder no qual a Secretaria se coloca diante desses

professores/candidatos. A Instrução SE nº 1/2009 deixa explicita essa relação de poder

SEE-SP e professor-candidato ao especificar, por exemplo, no título “VI – Da prova” ao

tratar das etapas onde a “Primeira etapa” e a “Terceira etapa” assumem o caráter

eliminatório:

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1. O concurso será realizado em três etapas sucessivas:

Primeira etapa – Prova Objetiva, de caráter eliminatório e

classificatório;

Segunda etapa – Avaliação de Títulos, de caráter classificatório;

Terceira etapa – Curso Específico de Formação, com prova de aptidão,

de caráter eliminatório.

No item 2 do mesmo título, a SEE-SP estabelece os critérios para a primeira etapa

reforçando o aspecto normativo e de poder definindo que

A Primeira Etapa, consistirá de 1(uma) prova sobre a Formação Básica

do Professor e sobre a Formação Específica do Professor, para cada

disciplina objeto do concurso, versando sobre o Perfil, Temário e a

Bibliografia de Referência, constantes na Resolução SE Nº 80/2009,

que faz parte integrante destas Instruções Especiais, disciplinadoras do

concurso;

2.1 a prova, de caráter eliminatório, será constituída por 80 (oitenta)

questões objetivas;

2.2 a prova será avaliada na escala de 0 (zero) a 80 (oitenta) pontos,

valendo 1,0 (um) ponto cada questão;

2.3 será considerado aprovado, o candidato que obtiver nota igual ou

superior a 40 (quarenta) pontos.

Ou seja, professores-candidatos que obtiverem uma quantidade de acertos inferior a 40,

não prosseguirá no processo de seleção. Quanto a terceira etapa, o título XI, “Do curso

de formação específica”, a Instrução, no item 6, deixa claro que

Ao término do curso de formação, o candidato que tiver participado de

pelo menos 75% das atividades propostas fará uma prova de aptidão, de

caráter eliminatório:

6.1 – o candidato aprovado estará apto a participar de sessão de escolha

de vaga e conseqüente nomeação;

6.2 – o candidato não aprovado – não apto, será ELIMINADO do

certame.

6.3 – os candidatos que não participarem de, no mínimo, 75% das

atividades do curso serão desclassificados do certame.

Consequentemente ao que foi exposto, notamos que há a aceitação desses aspectos

apontados aqui por parte do professor-candidato que, com o propósito de integrar o

quadro do magistério e ser um Professor da Educação Básica II da Rede Pública Estadual

de São Paulo, aceita essas normatizações, legitimando, de certa forma, as relações de

poder.

A voz da SEE-SP é constituída a partir de outra voz fora da própria instituição. A ideia

que se tem é de que a Secretaria nada mais segue o que está estabelecido pelo senso

comum sobre a “cultura geral e profissional”, os “conhecimentos sobre a dimensão

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cultural, social, política e econômica da educação”, os “conhecimentos pedagógicos” e

os “conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos”. O caráter cultural inclui as

manifestações classificadas como eruditas e de massa, trazendo para o texto os diferentes

sujeitos que representam uma ou outra manifestação no “mundo contemporâneo”. Ao

referir-se a uma cultura profissional, traz as diferentes vozes que representam a atuação

do professor em sala de aula, porém, não qualquer postura ou ideia, mas as que se alinham

com a visão da própria SEE-SP.

As bibliografias trazem justamente as vozes incluídas que subsidiam o discurso da SEE-

SP no documento. Considerando o distanciamento já comentado entre o Concurso

anterior de 2003 e este, de 2010, é importante elencarmos algumas inclusões.

2003 2010

ABRANCHES, Mônica. Colegiado

Escolar: espaço de participação da

comunidade. (Capítulos 1, 4 e conclusões).

São Paulo: Cortez, 2003.

AQUINO, Júlio Groppa (org.). A desordem

na relação professor- aluno: indisciplina,

moralidade e conhecimento. In: Indisciplina

na escola: alternativas teóricas e práticas.

São Paulo: Summus, 1996.

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos

em escola reflexiva. (Capítulos 1, 2 e 4). São

Paulo: Cortez, 2003.

ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre.

Petrópolis: Vozes, 2000.

CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos,

violência e cotidiano escolar. In: Reinventar

a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 137-

166

CHALITA, Gabriel B. I. O poder de fogo da

educação. In: Revista Fapesp, edição 85,

março 2003.

COSTA, Antônio Carlos Gomes da.

Presença da pedagogia: teoria e prática da

ação socioeducativa. (Capítulos II, V e X).

São Paulo: Global, 1999.

FRANCO, Creso, FERNANDES, Cláudia e

BONAMINO, Alícia. Avaliação na escola e

avaliação da educação: possibilidades e

desafios. In CANDAU, Vera Maria(org.).

Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes,

2001. p. 167-188.

1. ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a

educação: epistemologia e didática. Piracicaba: Unimep,

2001.

2. BEAUDOIN, M.-N.; TAYLOR, M. Bullying e

desrespeito: como acabar com essa cultura na escola.

Porto Alegre: Artmed, 2006.

3. CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Sistemas

Nacionais de Avaliação e de Informações Educacionais.

São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.14, n. 1, p.121-

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<http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v14n01/v14n01-

13.pdf> Acesso em: 26 jan. 2010.

4. CHRISPINO, Álvaro. Gestão do conflito escolar: da

classificação dos conflitos aos modelos de mediação.

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 15, n.

54, p. 11-28, jan./mar. 2007. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/

a02v1554.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2010.

5. COLL, César et al. O construtivismo na sala de aula.

São Paulo: Ática, 2006.

6. CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São

Paulo: Cortez, 2002.

7. DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a

descobrir. Disponível em:

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/

texto/ue000009.pdf> Acesso em: 26 jan. 2010.

8. HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do

conhecimento: educação na era da insegurança. Porto

Alegre: Artmed, 2003.

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127

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e

mudança na educação: os projetos de

trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente

e profissional. São Paulo: Cortez, 2000.

LÜCK, Heloísa. Indicadores para qualidade

na gestão escolar e ensino. In: Revista

Gestão em Rede nº 25,

novembro/dezembro, 2000. p. 15-18.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da

aprendizagem escolar. (Capítulos II a V).

São Paulo: Cortez,1997.

MORAN, José Manuel, MASSETO,

Marcos T., BEHRENS, Marilda Aparecida.

Novas tecnologias e mediação pedagógica.

Campinas: Papirus, 2000.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários

à educa- ção do futuro. São Paulo: Cortez,

UNESCO, 2000.

PERRENOUD, Phillipe. Dez novas

competências para ensinar (Capítulos 1 a 5).

Porto Alegre: Artmed, 2000.

PERRENOUD, Phillipe. Pedagogia

diferenciada: das intenções à ação.

(Capítulos 1, 3 e 4). Porto Alegre: Artmed,

2000.

RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e

ensinar: por uma docência da melhor

qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.

SZIMANSK, Heloísa. A relação

família/escola: desafios e perspectivas.

Brasília: Plano, 2000.

SOUSA, Sandra M. Zákia Lian. A avaliação

na organização do ensino em ciclos. In: USP

Fala sobre Educação. São Paulo: FEUSP,

2000. p. 34-43.

TAILLE, Yves de L. A indisciplina e o

sentimento de vergonha. In: AQUINO, Júlio

Groppa (org.). Indisciplina na escola:

Alternativas teóricas e práticas. São Paulo:

Summus, 1996.

9. HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas

do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2001.

10. LERNER, Délia. Ler e escrever na escola: o real, o

possível, o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

11. MARZANO, Robert J.; PICKERING, Debra J.;

POLLOCK, Jane E. O ensino que funciona: estratégias

baseadas em evidências para melhorar o desempenho dos

alunos. Porto Alegre: Artmed, 2008.

12. PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para

ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

13. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação

profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

14. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da

Aprendizagem: práticas de mudança: por uma praxis

transformadora. São Paulo: Libertad, 2003.

15. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como

ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Notamos, logo de início, que apenas “As dez competências para ensinar”, de Phillipe

Perrenoud é mantida. Quanto aos tópicos, a partir das obras, temos:

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ruotti.pdf · do Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa da PUC-SP, ... 3.4.3 Avaliação da Aprendizagem

128

Concurso de 2003 Concurso de 2010

As relações sociais na escola

Avaliação e Indicadores

Atuação do professor/ formação profissional

Reflexões sobre Educação/ concepções teóricas

As relações sociais na escola

Avaliação e Indicadores

A atuação do professor/ formação profissional

Reflexões sobre Educação/ concepções teóricas

Leitura e escrita na Escola

Embora haja uma seleção de outras obras/autores, as temáticas são basicamente as

mesmas. Naturalmente, devemos considerar (o que não é foco neste momento) as visões

e posicionamentos de cada autor/obra. Contudo, o que nos chama a atenção no concurso

de 2010 é a inclusão da obra de Délia Lerner sobre a “Leitura e escrita na Escola”. Essa

escolha dialoga com o Currículo do Estado de São Paulo quando estabelece com um dos

“princípios para um currículo comprometido com o seu tempo” que deve ser priorizado

“a competência da leitura e da escrita” para todas as disciplinas/áreas (SÃO PAULO,

2010, p.14), entendendo que “os atos de leitura e de produção de textos ultrapassam os

limites da escola, especialmente os da aprendizagem em língua materna, configurando-se

como pré-requisitos para todas as disciplinas escolares” (p.15). Assim, o documento do

Currículo dialoga com o professor dizendo que

Por esse caráter essencial da competência de leitura e de escrita para a

aprendizagem dos conteúdos curriculares de todas as áreas e

disciplinas, a responsabilidade por sua aprendizagem e avaliação cabe

a todos os professores, que devem transformar seu trabalho em

oportunidades nas quais os alunos possam aprender e consigam

consolidar o uso da Língua Portuguesa e das outras linguagens e

códigos que fazem parte da cultura, bem como das formas de

comunicação em cada uma delas (SÃO PAULO, 2010, p.17)

Outro ponto interessante é a escolha realizada sobre as “Relações sociais na escola”. Em

2003, a preocupação está voltada às relações estabelecidas entre professores e alunos,

com Aquino (2003), com questões relacionadas às atitudes desses alunos em sala,

principalmente quanto a indisciplina (TAILLE, 2003) e a violência na escola (CANDAU,

2001). Associado a esses temas, temos a preocupação com as relações entre a escola e a

comunidade (ABRANCHES, 2003; SZIMANSK, 2000).

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129

Já em 2010, o foco dessas relações está mais efetivamente voltado em como conduzir e

mediar os conflitos escolares. Um importante tema escolhido para o concurso foi o

Bullying, com a obra de Beaudoin & Taylor (2006). A SEE-SP em 2010, com a Resolução

SE nº 19, de 12-2-2010, institui o “Sistema de Proteção Escolar” que, dentre outras

funções, deve coordenar

o planejamento e a execução de ações destinadas à prevenção, mediação

e resolução de conflitos no ambiente escolar, com o objetivo de proteger

a integridade física e patrimonial de alunos, funcionários e servidores,

assim como dos equipamentos e mobiliários que integram a rede

estadual de ensino, além da divulgação do conhecimento de técnicas de

Defesa Civil para proteção da comunidade escolar.

A esse tema temos também o “Manual de proteção escolar e promoção da cidadania”, de

2009, que explicita o caráter do professor como mediador/gestor de situações contrárias

a “uma convivência pacífica e democrática” além de “práticas efetivas de resolução de

conflitos”.

Quanto a parte específica, é importante realizarmos a mesma comparação. Dessa forma,

temos:

2003 2010

ABAURRE, M. B. M., FIAD, R. S. e MAYRINK-

SABINSON, M. L. T. Cenas de aquisição da

escrita: o sujeito e o trabalho com o texto.

Campinas: ALB e Mercado de Letras, 2001.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

BOSI, A. História concisa da literatura brasileira.

São Paulo: Cultrix, 1997.

BRASIL. MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E

CULTURA. Parâmetros Curriculares de Língua

Portuguesa - 3o e 4o ciclos. Brasília: MEC / SEF,

1998.

BRASIL. MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E

CULTURA. Parâmetros Curriculares Nacionais -

Ensino Médio. Brasília: MEC / SEMTEC, 2002. p.

123-199.

BRASIL. MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E

CULTURA. PCN+ Ensino Médio: Orientações

Educacionais Complementares aos Parâmetros

Curriculares Nacionais / Linguagens e Códigos e

1. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.

São Paulo: Martins Fontes, 2003.

2. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura

brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

3. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade.

10. ed. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2008.

4. COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a

ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Artmed,

2002.

5. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma

introdução. São Paulo: Martins, 2006.

6. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança

social. Brasília: UNB, 2008.

7. KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos

cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 2005.

8. KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a

construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,

2008.

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ruotti.pdf · do Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa da PUC-SP, ... 3.4.3 Avaliação da Aprendizagem

130

suas Tecnologias. Brasília: MEC / SEMTEC,

2002.

CÂMARA JR., J. M. Estrutura da língua

portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2002.

CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira

(volume único). Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.

CASTILHO, A. T. A língua falada no ensino de

português. São Paulo: Contexto, 1998.

CHIAPPINI, L. e CITELLI, A. (coord.). Outras

linguagens na escola: publicidade, cinema e TV,

rádio, jogos, informá- tica. São Paulo: Cortez,

2000.

CUNHA, C. e CINTRA l. Nova gramática do

português. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FIORIN, J. L. (org.). Introdução à lingüística I:

Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.

FIORIN, J. L. (org.). Introdução à lingüística II:

Princí- pios de análise. São Paulo: Contexto, 2003.

GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo:

Martins Fontes, 2002.

GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

ILARI, R. Introdução ao estudo do léxico:

brincando com as palavras. São Paulo: Contexto,

2002.

ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com

a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.

KLEIMAN, A. B. Texto e leitor. Campinas:

Pontes, 1997.

KOCH, I. V. O texto e a construção de sentidos.

São Paulo: Contexto, 1997.

LAJOLO, M. Literatura: leitores e leitura. São

Paulo: Moderna, 2001.

MARCUSCHI, L. C. Da fala para a escrita:

atividades de retextualização. São Paulo: Cortez,

2001.

MOISÉS, M. A Literatura portuguesa. São Paulo:

Cultrix, 1997.

MESERANI, S. O intertexto escolar: sobre leitura,

aula e redação. São Paulo: Cortez, 1995.

9. MARCUSCHI, Luiz Antônio: da fala para a

escrita: atividades de retextualização. São Paulo:

Cortez, 2007.

10. MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à

estilística: a expressividade na Língua Portuguesa.

São Paulo: EDUSP, 2008.

11. MOISES, Massaud. A literatura portuguesa.

São Paulo: Cultrix, 2008.

12. NOLL, Volker. O português brasileiro:

formação e contrastes. São Paulo: Globo, 2008.

13. SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros orais e

escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras,

2004.

14. SOUZA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o

lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense,

1995.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ruotti.pdf · do Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa da PUC-SP, ... 3.4.3 Avaliação da Aprendizagem

131

PAULINO, G., WALTY, I., F., M. N., CURY, M.

Z. Tipos de texto, modos de leitura. Belo

Horizonte: Formato, 2001.

POSSENTI, S. Discurso, estilo e subjetividade.

São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Temos uma diminuição das obras, porém 6 ainda permanecem: Literatura (BOSI, 2001;

MOISÉS, 1997;2008), Gêneros discursivos (BAKHTIN, 2003), Ensino de leitura

(KLEIMAN, 1997/2005; KOCH, 1997/2008) e Oralidade/Escrita (MARCUSCHI,

2001/2007). As demais obras foram modificadas, mas, antes de pontuarmos aspectos

relevantes nessas alterações, apresentamos a seguinte comparação temática:

2003 2010*

Literatura

Ensino de leitura

Estrutura da Língua Portuguesa

Gêneros discursivos

Oralidade e escrita

Aspectos discursivos do texto

Literatura

Ensino de leitura

Estrutura da Língua Portuguesa

Gêneros discursivos

Oralidade e escrita

Aspectos discursivos do texto

*A Resolução que estamos analisando não apresenta um temário como o Edital de 2003. Conseguimos

identificar os diferentes discursos por meio do que é apresentado na parte introdutória de cada item, na

descrição do perfil, nas habilidades elencadas e na associação que nos é permitido fazer com a bibliografia.

A estrutura é a mesma. O que caracteriza a diferença são as escolhas teóricas realizadas

com as obras. Fica clara a ênfase na leitura ainda está presente, inclusive com a inclusão

de Souza (1995), tratando de aspectos relacionados a recepção, o que nos traz a reflexão

em torno do que nos apresenta Jackobson (1974) e, por exemplo, Benveniste (2005b) e a

Teoria da Enunciação. Juntamente a essas questões relacionadas ao contato com o texto

e os processos a ele associados, a escolha de Fairclough (2008) traz para a formação em

língua os pressupostos da Análise de Discurso Crítica, particularmente referente a

abordagem discursiva: o Modelo tridimensional do discurso, as relações entre discurso,

poder e hegemonia, o discurso como um dos elementos de semiose, os significados do

discurso, além da concepção de linguagem como prática social.

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132

Realizando uma aproximação do que é exigido do professor de Língua Portuguesa no

Concurso com o Currículo de Língua Portuguesa, ao tratar da concepção de texto, ele nos

diz que (SÃO PAULO, 2010, p.34)

O estudo do texto terá ainda como premissa sua inserção em dada

situação de comunicação – podendo, dessa forma, ser entendido como

sinônimo de enunciado. Ele não será visto como objeto portador de

sentido em si mesmo, mas como uma tessitura que, inserida em

contextos mais amplos, materializa as trocas comunicativas. Esse

resultado não deve ser analisado apenas como uma organização de

frases e palavras, mas como forma de representação de valores, tensões

e desejos de indivíduos, inseridos em diversos contextos sociais, em um

momento histórico determinado.

Quando trata da estrutura da língua, também temos uma mudança grande: em 2003 essas

reflexões estão pautadas em Câmara (2002), Cunha e Cintra (2001); já em 2010, em

NOLL (2008), coloca-se em discussão o Português brasileiro – PB e suas especificidades

além da tradição estruturalista trazida por Mattoso Câmara e a rigidez da Gramática

Normativa de Celso Cunha.

O posicionamento relacionado ao ensino da Língua Portuguesa é acrescido com as

discussões trazidas por Schneuwly (2008), na perspectiva dos gêneros textuais e

organização das atividades por meio de Sequências Didáticas.

Como dito na análise do edital anterior, temos novamente a presença da “presunção

valorativa”. Na parte geral, a Resolução 9/2010 ressalta que

É importante que, independentemente da etapa da escolaridade em que

o futuro professor vai atuar, ele tenha uma visão global sobre esta

temática, aprofundando seus conhecimentos sobre as especificidades da

faixa etária e das práticas dos diferentes grupos sociais com a qual vai

trabalhar.

Aqui, além de confirmar que se trata de um professor-candidato, “futuro professor”, é

desejável que ele tenha uma “visão global” do que é e quais as especificidades ao trabalhar

com crianças, com jovens e com adultos, destacando, inclusive, a questão das práticas

sociais de determinados grupos.

Como peculiar ao propósito comunicativo do documento em questão, há predominância

de relações aditivas (como no edital 2003, analisado no item anterior). Neste documento

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133

de 2010, porém, introduzindo cada uma das partes, geral e específica/disciplinas, há um

pequeno texto que tece comentários sobre o que envolve o professor e os conhecimentos

que deve possuir, de maneira ampla, e o que é e o que está envolvido no ato de “ensinar

português”. Há predominância do infinitivo tanto na apresentação do perfil, quanto nas

habilidades que o professor de Língua Portuguesa deve apresentar.

O professor deve assumir um papel ativo no processo de ensino e aprendizagem: é

justamente ele quem planeja e executa as ações fazendo com que o processo aconteça.

Segundo a Resolução nº 9, é cabe a ele, por exemplo, “identificar e justificar” estratégias

de ensino, uso de materiais didáticos, a escolha de diferentes métodos de ensino e de

leitura, “analisar criticamente” textos e obras literárias, entre outros.

3.3.4 Concurso Público para PEB II – 2013

A Resolução SE nº 52, de 15/08/2013, difere da Resolução SE nº 9: ela, além de ser

utilizada como base para o concurso de 2013 também será utilizado para qualquer outro

concurso ou processos realizados pela SEE-SP. O próprio título deixa claro esse

propósito, definindo que a Resolução

Dispõe sobre os perfis, competências e habilidades requeridos dos

Profissionais da Educação da rede estadual de ensino, os referenciais

bibliográficos e de legislação, que fundamentam e orientam a

organização de exames, concursos e processos seletivos, e dá

providências correlatas

A Resolução explicita a necessidade do professor dominar certos conhecimentos para que

possa exercer sua profissão. O artigo 2º, em sua redação, define:

Artigo 2º - Os requisitos acadêmicos e os atributos requeridos para o

exercício de todo profissional da educação implicam, obrigatoriamente,

o domínio: I - das competências, das habilidades, dos referencias

bibliográficos e de legislação de Educador e de Docente (ANEXO A);

e II - das competências, das habilidades, dos referencias bibliográficos

e de legislação das respectivas especificidades do cargo ou função

objeto do exame, concurso ou processo seletivo (ANEXOS B, C, D e

E).

Dessa forma, a Resolução possui a seguinte estrutura:

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134

Especificamente, o “Anexo A” apresenta:

Quanto ao “Anexo D”, particularmente referente ao Professor de Língua Portuguesa,

temos:

Resolução SE nº 52/2013

Anexo A

Educador

Docente

Anexo B

Supervisor de Ensino

Diretor de Escola

Anexo C PEB I

Anexo D PEB II

Língua Portuguesa

Demais disciplinas

Anexo A

Educador

Perfil

CompetêncaisEducação Nacional

Relação Educação/ Sociedade

Sistema de Ensino Público de São Paulo

Escola

Currículo escolar,

planejamento e avaliação

Relação Escola e Comunidade

Bibliografia

Legislação

Docente

Perfil

CompetênciasEdcuação Nacional

Sistema de Ensino Público de São Paulo

Escola

Sala de AulaBibliografia

Legislação

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135

Pelo que nos é apresentado, além de docente, o professor deve-se colocar-se no papel de

“Educador”. Ao exigir essa postura, coloca-se em questão que educador e professor não

são sinônimos. Pelo que a própria redação da Resolução, deixa-se claro que exige uma

visão ampla do que é fazer parte de todo esse processo. Educador, dessa forma, como

definido por esse documento:

implica conhecimento dos elementos sócio históricos, políticos e

culturais que interferem na construção da escola que temos e

desenvolvimento de processos políticos e educativos direcionados à

construção da escola que queremos: centrada no ensino

contextualizado, na transversalidade dos conteúdos escolares

referenciados no conhecimento da realidade, do projeto de educação

nacional, do sistema educativo, da escola como instituição, das

diferentes tendências pedagógicas, de ensino e de aprendizagem, de

desenvolvimento humano, em seus aspectos físicos, cognitivos,

afetivos e socioculturais. Nessa perspectiva, espera-se que o educador

se expresse por meio de práticas que atendam às demandas da sociedade

brasileira, do sistema de ensino e do diálogo entre educadores nos

diferentes níveis do sistema (entre educador e aluno no âmbito da escola

e entre educador e comunidade).

Diferentemente das exigências dos outros concursos, esse deixa claro ao professor que

pretende ingressar na rede pública estadual a necessidade de compreender e problematizar

a realidade escolar, preocupando-se com questões que envolvem a escola e a sociedade e

maneira macro, como principalmente a sua função social, a comunidade local atendida,

refletindo sobre temas como a relação Educação-Sociedade, o Sistema de Ensino Público

de São Paulo, a Escola e o desenvolvimento do Currículo Escolar (Planejamento e

Avaliação), até as relações estabelecidas entre a Escola e a Comunidade.

Quanto ao professor assumir-se como docente, a Resolução nº 52/2013 nos diz que o

professor deve ser o mediador no processo de ensino e aprendizagem, compreendendo e

articulando “dimensão técnica”, caracterizada pelo “conhecimento dos conteúdos a serem

PEB IILíngua

Portuguesa

Perfil

Competências e Habilidades

Bibliografia

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136

ensinados e os recursos metodológicos para desenvolvê-los com rigor e compreensão dos

seus significados em contextos diversos, referentes aos universos da cultura, do trabalho,

do meio ambiente, da arte, da ciência e da tecnologia”, e “dimensão política”,

caracterizada pelo “compromisso público com a educação escolar, decorrente da

compreensão dos aspectos históricos, filosóficos, sociológicos, psicológicos e

econômicos que envolvem a educação e o ensino”, ambas não se esquecendo da

importância da relação professor e aluno. É importante ressaltar que na definição das

competências, é focalizado a “Sala de Aula” com 11 competências necessárias a atuação

do professor.

No “Anexo D” da Resolução, é apresentado o perfil do professor de Língua Portuguesa;

O professor de língua portuguesa atua com respeito à variedade

linguística própria do aluno, fazendo ampliar a palavra que garante a

relação eu outro. Constrói com o aluno, saberes, fazeres e significados,

que os levem a compartilhar conhecimentos da língua e da literatura,

vivenciar experiências tanto da dimensão social, quanto das

singularidades do eu e da convivência, firmada no compromisso da

autonomia. Pauta-se na teoria e prática, com intencionalidade na

construção dos saberes linguísticos.

São exigidos que esse professor apresente, nesse momento, 19 habilidades distribuídas

em 10 competências. Essas competências vão desde reflexões sobre o fenômeno

linguístico e literário nas “dimensões discursiva, semântica, gramatical, textual e

pragmática”, às múltiplas possibilidades de construção de sentidos, às relações

intertextuais, até questões metodológicas e didáticas sobre o ensino da língua como

“refletir sobre a prática docente, articulando dialogicamente os sujeitos envolvidos, os

materiais pedagógicos, as metodologias adequadas e os procedimentos de avaliação”,

“Saber criar situações didáticas, envolvendo a língua, a literatura e todos os tipos de

linguagem, que favoreçam a autonomia, a liberdade e a sensibilidade do aluno”, ou

mesmo “Reconhecer e respeitar a existência de variedades linguísticas não remetendo à

atitude preconceituosa e discriminatória”. Percebemos que pontos, antes a cargo da

percepção do professor e da maneira como esse realizava as leituras presentes na

bibliografia, são explicitadas pelo documento.

Como realizado na seção anterior, podemos comparar é relevante compararmos as

escolhas bibliográficas, alterações e inclusões, para esse concurso. Considerando que em

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137

2013 é feita a distinção entre “educador” e “docente”, há, além de alterações, muitas

inclusões. Porém, é significante pontuarmos que alguns temas são colocados e que nesse

momento, 2013, são algumas das preocupações da secretaria. Temos, assim, por exemplo,

a educação inclusiva assumindo um espaço considerável, com Carvalho (2005) e Brasil

(2013). Além disso, outras questões sociais como as Relações Étnico-Raciais (BRASIL,

2004), as pessoas transexuais e travestis (SÂO PAULO, 2010), o jovem e sua sexualidade

(ABROMOVAY, CASTRO;SILVA, 2013), os Direitos Humanos e Educação (BRASIL,

2012), até a retomada dos PCN-Temas Transversais (BRASIL, 1998).

Outra preocupação é que o professor saiba trabalhar o ensino por meio do

desenvolvimento de competências e habilidades. Segundo a Resolução, esse professor

deve, por exemplo:

- Propiciar aprendizagem significativa para os alunos, levando

em conta suas experiências, valores e conhecimentos prévios e

tomando-os como ponto de partida para a introdução de novos

conteúdos.

- Apropriar-se dos diferentes componentes que organizam os

planos de ensino dos professores nas disciplinas nas diferentes

etapas para sua elaboração, execução e avaliação.

- Compreender o ensino da linguagem, associado a todos os

conteúdos disciplinares em todas as séries, exercitando a

competência de leitura/compreensão de textos e expressão

escrita.

- Desenvolver competências lógico-discursivas que

instrumentalizem o estudante com vistas à autonomia intelectual,

de modo que possa, gradualmente, desenvolver a consciência

crítica e aprender a pensar por conta própria.

- Conhecer e adotar diversas formas de avaliação da

aprendizagem dos alunos por meio de estratégias e instrumentos

diversificados e utilizar a análise dos resultados para reorganizar

as propostas de trabalho na escola e na sala de aula.

Quanto a parte específica do professor de Língua Portuguesa, não temos alterações

consideráveis quanto a bibliografia.

2010 2013

1. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.

São Paulo: Martins Fontes, 2003.

2. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura

brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

3. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 10.

ed. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2008.

BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do

português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6.

ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

BASSO, Renato; ILARI, Rodolfo. O português da

gente. São Paulo: Contexto, 2006.

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138

4. COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a

ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Artmed,

2002.

5. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma

introdução. São Paulo: Martins, 2006.

6. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança

social. Brasília: UNB, 2008.

7. KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos

cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 2005.

8. KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a

construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,

2008.

9. MARCUSCHI, Luiz Antônio: da fala para a

escrita: atividades de retextualização. São Paulo:

Cortez, 2007.

10. MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à

estilística: a expressividade na Língua Portuguesa.

São Paulo: EDUSP, 2008.

11. MOISES, Massaud. A literatura portuguesa.

São Paulo: Cultrix, 2008.

12. NOLL, Volker. O português brasileiro:

formação e contrastes. São Paulo: Globo, 2008.

13. SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros orais e

escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras,

2004.

14. SOUZA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o lado

oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 12.

ed. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2011.

KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos

cognitivos da leitura. 12. ed. Campinas: Pontes,

2008.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a

construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,

2007.

MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à

estilística: a expressividade na Língua Portuguesa.

4. ed. rev., São Paulo: EDUSP, 2008.

MOISES, Massaud. A literatura portuguesa. 37. ed.

São Paulo: Cultrix, 2009.

SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros orais e

escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras,

2004.

Fica claro, como dissemos, a relação entre as obras selecionadas e a definição do papel

desse professor e o que se espera dele.

Temos em todos esses Editais e documentos a eles relacionados, o seu autor, a SEE-SP,

comprometendo-se junto aos seus interlocutores (professores) em termos de obrigação e

necessidade, ou seja, modalidade deôntica (Fairclough, 2003). Embora as marcas de

modalização, verbos e advérbios, não sejam muito recorrentes, notamos que a partir da

redação do artigo 2º, ao falar em “requisitos” e “domínio” de competências e habilidades

descritas, já está colocado ao professor a intenção da Secretaria, a ação dessa sobre ele.

Segundo o que nos apresenta Fairclough (op. cit.) sobre níveis de compromisso presentes

nas diferentes maneiras de modalização, a Secretaria requer do professor um alto grau de

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139

compromisso, o que implica justamente a autorização ou não de pertencer ao quadro do

magistério estadual paulista.

Nessas seções, o propósito foi realizar uma comparação entre os documentos relacionados

ao ingresso de professores na rede pública estadual de São Paulo de 1998 a 2013, todos

eles após a Lei de Diretrizes e Bases – Lei nº 9.394, de 20.12.1996 e os Parâmetros

Curriculares Nacionais. Percebemos que as mudanças definidas pela Lei e as orientações

teórico-metodológicas fizeram-se presentes oficialmente em São Paulo a partir do

Concurso de 2010 e ampliadas com o de 2013. Essas, por sua vez, estão intimamente

relacionadas a criação do Currículo do Estado de São Paulo e as exigências para sua

implementação. A seguir, tecemos alguns comentários sobre o Currículo de Língua

Portuguesa e documentos que são veiculados pela SEE-SP na orientação do trabalho

pedagógico do professor de Língua Portuguesa após seu ingresso como PEB-II.

3.4 O professor em atuação: o Currículo do Estado de São Paulo e outros

documentos

Ao assumir, presume-se que o professor de Língua Portuguesa possua uma bagagem

teórica que o permita desenvolver sua prática docente. Os momentos descritos acima são,

a partir do que se costuma compreender a respeito da formação do professor de Língua

Portuguesa, “o eixo”, “a base”, “o necessário” ou até mesmo “o mínimo” para que alguém

se assuma como professor e atue como tal. Em outras palavras: cursa-se a graduação,

orientada pelo que regula os documentos oficiais do MEC, percurso esse que deve

culminar na construção de determinado perfil profissional; esse licenciado, por sua vez,

para lecionar na rede pública estadual, precisa prestar concurso público para ingressar

nessa rede e lecionar suas aulas de Língua Portuguesa, demonstrando que se adéqua às

exigências determinadas pela SEE-SP – perfil, habilidades e conhecimento técnico;

passada essa etapa, esse professor ingressa na Rede Pública e, consequentemente, a

preocupação da SEE-SP passa a ser a maneira como esse professor irá desenvolver seu

trabalho, como ele irá atuar. Para isso, a Secretaria utiliza-se de documentos para orientar

esse professor, sendo o Currículo do Estado de São Paulo o centro para a articulação do

diálogo SEE-SP – PROFESSOR.

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140

3.4.1 O Currículo do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa

O documento da área de Linguagens e Códigos é estruturado da seguinte maneira: inicia-

se com a “Carta do Secretário”, direcionada aos professores e gestores, seguida de uma

carta da coordenadora geral na época da criação do Currículo. Ambas as cartas

estruturam-se em torno do seguinte tema: a importância do documento na melhoria do

ensino nas escolas públicas paulistas.

Em seguida, temos o documento em si estruturado em três grandes tópicos, a

“Apresentação do Currículo do Estado de São Paulo” e “A concepção do ensino na área

de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias” e os Currículos dos componentes

curriculares – Língua Portuguesa, LEM, Arte e Educação Física.

O primeiro tópico, a “Apresentação do Currículo do Estado de São Paulo” é subdivido

em dois subtópicos intitulados “Uma educação à altura dos desafios contemporâneos” e

“Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo”. O primeiro caracteriza o

século XXI e o que é necessário para viver nele, identificando a “complexidade da vida

cultural em suas dimensões sociais, econômicas e políticas”, o avanço tecnológico e a

“multiplicidade de linguagens e códigos no cotidiano” (SÃO PAULO, 2010, p.10),

identificando o currículo como aquele dá sentido para a escola. No segundo, para

discorrer sobre o “currículo comprometido com o seu tempo”, são estabelecidos outros

subtópicos, num total de seis: “uma escola que também aprende”, o currículo como

espaço de cultura’, “as competências como referência”, “prioridade para a competência

da leitura e da escrita”, “Articulação das competências para aprender” e a “Articulação

com o mundo do trabalho”.

Para desenvolver o subtópico “Articulação com o mundo do trabalho”, o texto é

estruturado em 5 partes a saber: “Compreensão dos significados das ciências, das letras e

das artes”, “A relação entre teoria e prática em cada disciplina do Currículo”, “As relações

entre educação e tecnologia”, “A prioridade para o contexto do trabalho”, “o contexto do

trabalho no Ensino Médio”.

O segundo tópico, “A concepção do ensino na área de Linguagens, Códigos e sua

Tecnologias”, é feita uma breve introdução sintetizando o motivo das três disciplinas

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141

fazerem parte de um mesmo documento. Os demais são os propriamente os currículos de

cada componente.

Feito isso, temos, logo a seguir o “Currículo de Língua Portuguesa” constituído em 4

partes:

1ª O ensino de Língua Portuguesa: breve histórico

2ª Fundamentos para o ensino de Língua Portuguesa

3ª Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental (Ciclo II) e o Ensino Médio

4º Quadro de conteúdos e habilidades em Língua Portuguesa

Temos, assim, o seguinte esquema do trecho selecionado:

Acima, identificamos a topicalização do texto utilizando-se dos tópicos e subtópicos

explicitados pelos títulos e subtítulos presentes no texto. Porém, segundo aponta

Cavalcante (2012), isso não é um fator essencial visto que a inter-relaçao entre tópico

central e os subtópicos é também assinalada linguisticamente. Dessa forma, como dito

Currículo do Estado de São

Paulo - LCT

Apresentação do Currículo do

Estado de São Paulo

A concepção do ensino na área de Linguagens, Códigos e suas

tecnologias

CURRÍCULO DE LÍNGUA

PORTUGUESA

Currículo de LEM Currículo de ArteCurrículo de

Educação Física

CURRÍCULO DE LÍNGUA

PORTUGUESA

O ensino de Língua Portuguesa: breve

histórico

Fundamentos para o ensino de Língua

Portuguesa

Língua Portuguesa para o Ensino

Fundamental (Ciclo II) e o Ensino Médio

Quadro de conteúdos e habilidades em Língua Portuguesa

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142

anteriormente, recortamos a parte intitulada “Currículo de Língua Portuguesa” e suas

quatro partes para análise.

Em “O ensino de Língua Portuguesa: breve histórico”, podemos reconhecer o tópico

central a partir do próprio subtítulo. O texto inicia com ideias mais gerais sobre o ato de

conhecer e como pode ser entendido o conhecimento, sendo esse ato e tudo que ele

implica um desencadeador de possíveis transformações. Em seguida, traça um percurso

cronológico, brevemente descrito, a partir do século XVIII, citando a Reforma de Pombal,

passando pelo século XIX, enfatizando o surgimento da disciplina “Português” e a

“tradição da Gramática, da Retórica e da Poética”, mantida, segundo o documento, até a

metade do século XX.

Outros momentos são comentados brevemente: as décadas de 1950 e 1960 e a

democratização do ensino; a influência dos estudos da Linguística, a partir da década de

1970; uma explicação sobre o Currículo e os documentos oficiais que o precederam; e,

por fim, o último subtópico relacionando os PCN e a “proposta para a disciplina de Língua

Portuguesa”.

Vejamos o esquema abaixo:

O ensino de Língua Portguesa:

breve histórico

O ato de conhecer

Aspectos históricos: século XVIII - XIX, tradição da

Gramática, da Poética e da Retórica, democratização

do ensino

Os Estudos de Linguística -

década de 1970

Rumos atuais -documentos (PCN e PCN+)

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143

No subtítulo seguinte, “Fundamentos para o ensino de Língua Portuguesa”, temos um

texto centrado no trabalho na disciplina de Língua Portuguesa, postulando dois caminhos:

“a) no conjunto de regras que nos leva a produzir frases para, a partir daí, chegarmos aos

enunciados concretos;” e “b) nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e

seguem regras específicas que permitem a comunicação” (SÃO PAULO, 2010, p.29);

finalizado por uma síntese sobre os conceitos-base para o ensino da língua e sua presença

no documento. Desses dois subtópicos, apresentados de maneira linear, temos o seu

desenvolvimento com a explicação e exemplificação das “regras” e, em seguida, um

subtópico que discute o aspecto social-pragmático nas atividades de Língua Portuguesa,

abordando conceitos como o de letramento, gênero e tipo textual, todos direcionando para

o conceito de discurso.

Para falar da “Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental (Ciclo II) e o Ensino

Médio”, temos a seguinte ordenação: “a organização dos conteúdos básicos para o Ensino

Fundamental (Ciclo II)”, onde temos a organização bimestral por eixo de conteúdos e,

em seguida, a explicação desses eixos; “a organização dos conteúdos básicos para o

Ensino Médio”, com a definição de quatro grandes campos de estudo e as respectivas

explicações; “a metodologia de ensino-aprendizagem dos conteúdos básicos”, com o que

define como “premissas” para a organização dos bimestres e dos conteúdos no Ensino

Fundamental e Médio; “os subsídios para a implantação do Currículo proposto”; e “a

organização das grades curriculares (série/ano por bimestre): conteúdos associados e

habilidades”.

Feito isso, após as “Referências” apresentadas pelo documento, é vinculado a ele o

“Quadro de conteúdos e habilidades em Língua Portuguesa”, estruturado da seguinte

maneira: cada bimestre possui duas partes, uma para os “Conteúdos” e outra para as

“Habilidades”, isso para todas as séries/ anos do Ensino Fundamental (Ciclo II) e para o

Ensino Médio.

Pensar nas relações intertextuais presentes em um texto é o que possibilita a construção

de seu sentido. Segundo o que nos apresenta Koch (2012, p.140),

a produção de linguagem constitui uma atividade altamente complexa

de construção de sentidos, que se realiza não apenas com base nos

elementos linguísticos selecionados e sua forma de organização, mas

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que requer dos interlocutores mobilização de um vasto conjunto de

saberes, de ordem sociocognitiva, cultural, histórica, enfim, de todo o

contexto, da forma como é atualmente conceituado, vem como a sua

reconstrução no momento da interação verbal

Essa mobilização acontece no documento: percebemos que para construí-lo outros textos

são utilizados. Logo no início, ao comentar sobre o histórico do ensino de Língua

Portuguesa, faz referência ao Marquês de Pombal e sua Reforma e, mais particularmente,

ao “Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e do Maranhão,

enquanto sua majestade não mandar o contrário”, de 1757. No decorrer do texto, as

referências aos PCN de Língua Portuguesa, tanto do Ensino Fundamental, de 1997,

quanto do Ensino Médio de 1998 e 2006.

Temos ainda nesse momento, a alusão ao ensino na época do Império, e início da

República onde Programa do Colégio D. Pedro II era tomado como referência para o

ensino do Português, com “a tradição da Gramática, da Retórica e da Poética” (SÃO

PAULO, 2010, p. 28). Há também a forma como são referenciadas os diferentes

momentos da escolarização no Ensino Fundamental, como o uso de expressões como “5ª

série/6º ano”, “6ª série/7º ano”, aludindo a lei 11.274/2006 e a Deliberação CEE 73/2008,

sobre o ensino de 9 anos.

A SEE-SP traz para o texto do Currículo de Língua Portuguesa o que os PCN tratam e

defendem como ensino de língua: ao conceituar texto e discurso, enunciação, tipo e

gênero textual, o documento postula um ensino de língua que os considere. Os próprios

PCN já defendiam desde 1997 o ensino a partir dos gêneros textuais, uma visão sócio-

pragmática desse ensino, além da ênfase não nos conteúdos, mas nas competências e

habilidades que os indivíduos devem desenvolver nos diferentes momentos da Educação

Básica. Vejamos o que o PCN de Língua Portuguesa (p.21) nos diz:

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das

intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos

discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros

são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas

relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura.

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145

Koch (2012, p.137) aponta que na organização de um texto, “dele fazem parte outros

textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que ele retoma, a

que alude ou aos quais se opõe”.

Entendendo que todo o contexto está envolvido na construção e reconstrução de sentido

e na interação estabelecida por esse texto, o uso de avaliações externas como instrumento

para garantir a qualidade na educação, também estão presentes: avaliar por competências

e habilidades e não apenas por conteúdos está muito presente na 1ª década do século XXI.

Exames como o ENEM, SAEB e a Prova Brasil, baseados no PISA (Programme for

International Student Assessment), dialogam com o Currículo, se entendermos o

SARESP como instrumento que verifica o rendimento escolar dos alunos nas escolas

públicas estaduais de São Paulo. Temos na Resolução SE 72, de 4.7.2012 a confirmação

dessas relações

esse instrumento de avaliação externa viabiliza, para cada rede de

ensino, a possibilidade de comparação entre os resultados do SARESP

e aqueles obtidos por meio de avaliações nacionais, como o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB e a Prova Brasil.

Entendemos que uma das formas para que o diálogo se realize entre a SEE-SP e os

professores de Língua Portuguesa é, justamente, por meio dos documentos oficiais

produzidos. Retomamos a ideia de que o texto é o lugar de interação entre os sujeitos

sociais, o que significa dizer que o Currículo de Língua Portuguesa se configura como

um espaço onde, dialogicamente, há o contato entre eles. Nesse ponto, traremos para

nossa análise a noção de currículo para, em seguida, a partir da análise do conhecimento

prévio, conhecimento compartilhado e inferências possíveis, fatores de coerência, e da

informatividade, intencionalidade e aceitabilidade, fatores de contexto (KOCH, 2012),

compreendermos melhor o que espera a SEE-SP alcançar.

Não há uma definição única a respeito do que vem a ser currículo. Inúmeras são as

definições e as maneiras de identifica-lo. Silva (2005) discute as chamadas teorias do

currículo, entendendo que conhecer essas teorias leva a reflexão sobre para que serve o

currículo e a qual a política pedagógica por trás de sua elaboração. Dessa forma, temos:

as teorias tradicionais, enfatizando o ensino, aprendizagem e avaliação, a metodologia e

a organização, o planejamento, a eficiência e os objetivos; as teorias críticas, enfatizando

a ideologia e o poder, a reprodução cultural e social, as relações sociais de produção, o

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146

currículo oculto, a emancipação e a resistência; e as teorias pós-críticas, enfatizando a

identidade, alteridade e diferença, o saber e o poder, aspectos relacionados ao gênero,

raça, etnia, sexualidade e o multiculturalismo. O autor ainda nos diz ainda que as terias

tradicionais consideram-se neutras, as teorias críticas contestam essa neutralidade e as

teorias pós-críticas baseiam-se, principalmente, na diversidade e na construção de

identidades.

Embora o nosso trabalho aqui não seja enquadrar o documento aqui analisado pertencente

a uma dessas teorias, pensar sobre os elementos que são apresentados pelo Currículo pode

nos auxiliar a compreender a visão que se tem sobre o ensino de língua materna e sua

função. Na redação do documento (SÃO PAULO, 2010, p.9), temos:

A educação tem de estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide

com a construção da identidade, da autonomia e da liberdade. Não há

liberdade sem possibilidade de escolhas. Escolhas pressupõem um

repertório e um quadro de referências que só podem ser garantidos se

houver acesso a um amplo conhecimento, assegurado por uma

educação geral, articuladora e que transite entre o local e o global.

Além disso, sobre a aula, o documento (p.40) considera que

Promover uma aula baseada no conceito de gênero textual permite o

desenvolvimento da identidade cidadã de nossos alunos, mas exige

considerar a língua portuguesa como uma atividade humana, um meio,

por excelência, de existir no mundo.

Percebemos a tentativa do Currículo identificar-se com a teoria pós-crítica. Ambas

citações mostram a preocupação com a construção da identidade e da alteridade, entendo

que o homem, tido como ser social, interage e é interdependente do outro . Em outros

trechos, referências ao multiculturalismo, às diferenças.

Moreira (1997, p.11) identifica que

O currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes

sociedades tanto para desenvolver os processos de conservação,

transformação e renovação dos conhecimentos historicamente

acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo

valores tidos como desejáveis.

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Para o autor, a importância desses processos está na discussão sobre como compreender

o currículo, nos seus desdobramentos e na sua efetiva realização na escola, na sala de

aula. Moreira (1995), a partir dos postulados de Giroux, entende necessárias ao currículo

propriedades emancipatórias, ou seja, o currículo não como “um conjunto de conteúdos

e métodos a serem aprendidos pelo aluno/a, mas sim como um esforço na introdução a

um determinado modo de vida” (p.9). Seria, então, da interação entre professores, alunos

e textos, o currículo em uso, que os alunos organizariam seus sentimentos de identidade,

valor e possibilidades (apud Aronowitz e Giroux, 1991).

Sacristán (2000, p.26) apresenta o currículo como “o cruzamento de práticas diferentes e

se converte em configurador, por sua vez, de tudo o que podemos denominar como pratica

pedagógica nas aulas e nas escolas”. Ele explica que essa prática é algo que reflete uma

realidade estabelecida, por exemplo, por comportamentos didáticos, políticos,

administrativos e, até mesmo, econômicos. Além disso, estão por traz pressupostos,

teorias, crenças, valores que caracterizam o currículo.

Nessa problematização sobre o currículo, identificado também como “um instrumento

privilegiado de construção de identidades e subjetividades” (MOREIRA, 1997, p.11), há

presença de três conceitos: o currículo formal, compreendido pelos planos e propostas; o

currículo em ação, com a preocupação com o que de fato acontece nas escolas e nas salas

de aula; e o currículo oculto, onde temos regras e normas que não são explicitadas, mas

assumem um espaço muito grande nas salas de aula. Moreira (op. cit., p.15) discute que

é no currículo o lugar onde “desenvolvem-se representações, codificadas de forma

complexa nos documentos, a partir de interesses, disputas e alianças, e decodificadas nas

escolas, também de modo complexo, pelos indivíduos nelas presentes”. Frente a isso, na

tentativa de compreender o diálogo estabelecido entre a SEE-SP e os professores de

Língua Portuguesa a partir do Currículo de Língua Portuguesa, não seria essa maneira

de recepção, com a decodificação e construção de sentidos, “de modo complexo”, um dos

fatores que contribuem para a falta de entendimento entre esses sujeitos?

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3.4.2 As Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP e a Plataforma “Foco

Aprendizagem”

Como já foi explicitado, as “Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP” é um

documento que surge num momento em que, segundo a Secretaria, há a consolidação do

Currículo do Estado de São Paulo e, consequentemente, uma vinculação maior entre esses

dois documentos. Essas referências estruturam-se a partir da definição “do que os alunos

devem minimamente aprender em cada área do conhecimento, em cada etapa de

escolarização” (SÃO PAULO, 2009, p.9).

Fica claro que o foco dos documentos está no desenvolvimento das competências e que

o professor deve propiciar que isso aconteça: ele deve conduzir esse processo. Nesse

contexto, as avaliações externas configuram-se, hoje, como um dos indicadores para que

o professor possa, relacionando a outros fatores, planejar e organizar suas aulas,

estabelecer sequências de atividades, critérios de avaliações para que o aluno demonstre

as habilidades esperadas para determinada série. As Matrizes de Referência (op. cit., p.14)

colocam o professor como personagem fundamental no processo de ensino e

aprendizagem, onde

o que se verifica é o quanto as habilidades dos alunos, desenvolvidas ao

longo do ano letivo, no cotidiano da classe e segundo as diversas

situações propostas pelo professor, puderam aplicar-se na situação de

exame. Sobretudo no caso de uma avaliação externa, em que tantos

outros fatores estão presentes, favorecendo ou prejudicando o

desempenho do aluno. Trata-se de uma situação de comparação, em

condições equivalentes, e que, por isso mesmo, põe em jogo um

conjunto de saberes, nos quais o aspecto cognitivo (que está sendo

avaliado) deve considerar tantos outros (tempo, expectativas,

habilidades de leitura e cálculo, atenção, concentração etc.).

Ao professor cabe compreender o que lhe diz esse documento e utilizá-lo. Em outro

ponto, define-se claramente ao professor, a partir da relação entre Currículo e SARESP,

que

É necessário destacar ainda que muitas competências e habilidades

indicadas na Proposta Curricular, embora importantes para o

desenvolvimento dos alunos e para o trabalho em sala de aula, não

foram incluídas nas Matrizes, pois não são passíveis de ser avaliadas

em instrumentos formais de provas realizadas em larga escala, como é

o Saresp. Devem, entretanto, fazer parte do trabalho de avaliação

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formativa contínua, realizado pelos professores. (SÃO PAULO, 2009,

p.20)

Todo o ano, os resultados dessa avaliação são divulgados por meio de “Boletim de

resultados” de cada escola, comparando-se o desempenho dos alunos da própria escola

com os demais alunos das outras escolas da mesma Diretoria de Ensino, das demais

diretorias de ensino, até com a rede municipal. Nesse boletim, são apresentados:

A participação dos alunos por série

As médias do SARESP

As médias do SAEB e da Prova Brasil

Os Níveis de Proficiência (Classificação e descrição)

Encaminhamento Pedagógico

Distribuição Percentual dos alunos nos pontos da escala de proficiência e nos

níveis de proficiência (Língua Portuguesa)

Quando a secretária estabelece a atuação do professor e a utilização dos dados do

SARESP para embasar sua atuação em sala de aula, o boletim é justamente o documento

que deve se basear para tal. Deve atentar-se que a Avaliação do SARESP é aplicado no

2º, 3º, 5º, 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio.

Assim, levando em consideração o que o documento das Matrizes apresenta, o professor,

aqui, pode ter diferentes olhares como ponto de partida: ele pode iniciar realizando uma

comparação entre os resultados do SARESP e os resultados do SAEB e da Prova Brasil,

verificando a relação entre as médias, considerando como cada avaliação se constrói

como instrumento. Nesse caso, temos a seguinte relação de equivalência entre os níveis

de proficiência:

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150

SARESP

ABAIXO DO BÁSICO

BÁSICO

ADEQUADO

AVANÇADO

SAEB/Prova Brasil

NÍVEL 1

NÍVEL 2

NÍVEL 3

NÍVEL 4

NÍVEL 5

NÍVEL 6

NÍVEL 7

NÍVEL 8

Para exemplificar o que queremos dizer, utilizaremos o que nos traz o “Boletim da

Escola”11. Se observarmos os dados referente ao 9ª ano do Ensino Fundamental, temos as

seguintes médias em Língua Portuguesa:

Fonte: SARESP 2014

Segundo o SAEB e a Prova Brasil o 9º ano apresenta: 238,7 (Escolas Estaduais do Brasil)

e 240,7 (Escolas Estaduais de São Paulo).

Colocando-se na posição de professor dessa escola: observando os resultados,

identificamos os seguintes dados do SARESP: 231,7 (Rede Estadual), 228,0 (Diretoria

de Ensino) e 227,6 (Escola).

De acordo com a Escala de Proficiência utilizada pelo SAEB, as médias enquadram-se

no intervalo referente ao Nível 2. Segundo essa escala, avaliação de Língua Portuguesa

do SAEB 2013 (BRASIL, 2013, p.8), nesse nível estão os alunos que são “provavelmente

capazes” de

11 Os boletins sobre o desempenho das escolas estão disponíveis no site do SARESP 2014, no endereço http://saresp.fde.sp.gov.br/2014/ .

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151

• Reconhecer expressões características da linguagem (científica,

jornalística, etc.) e a relação entre expressão e seu referente em

reportagens e artigos de opinião;

• Inferir o efeito de sentido de expressão e opinião em crônicas e

reportagens.

• Localizar informações explícitas em fragmentos de romances e

crônicas.

• Identifi car tema e assunto em poemas e charges, relacionando

elementos verbais e não verbais.

• Reconhecer o sentido estabelecido pelo uso de expressões, de

pontuação, de conjunções em poemas, charges e fragmentos de

romances.

• Reconhecer relações de causa e consequência e características de

personagens em lendas e fábulas.

• Reconhecer recurso argumentativo em artigos de opinião.

• Inferir efeito de sentido de repetição de expressões em crônicas.

Já as médias apresentadas pelo SARESP, os 9º anos estão no Nível Básico. Segundo o

próprio boletim

Os alunos, nesse nível, demonstram domínio mínimo dos conteúdos,

das competências e das habilidades, mas possuem as estruturas

necessárias para interagir com a proposta curricular no ano/série

subsequente.

Se o professor cruzar essas informações mais o que estabelece o Currículo de Língua

Portuguesa, chegará a conclusão que os indicadores fornecidos tanto pelo SAEB quanto

pelo SARESP convergem, isso por indicar que as competências e habilidades cujos

alunos deveriam demonstram ao final do Ensino Fundamental, particularmente, no 9º ano,

não são apresentadas pelos mesmos.

Por serem avaliações em larga escala, o foco é avaliar o sistema e proporcionar reflexões

em busca de um diagnóstico e consequente tomada de decisão. Ainda realizando a leitura

do Boletim, ao professor é indicado que, estando os alunos no nível Básico, uma das ações

centrais é realizar o que chama de “Recuperação Contínua”.

Mas há uma questão: não houve alunos que apresentaram conhecimentos insuficientes ou

mesmo alunos que demonstraram domínio pleno? A esse questionamento o Boletim

apresenta ao professor:

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152

Fonte: SARESP 2014

E ainda sobre esses alunos:

Fonte: SARESP 2014

É apresentado ao professor os percentuais de alunos nos diferentes níveis de proficiência.

Nesse caso, notamos que os alunos dessa escola estão concentrados no nível Básico,

52,6%. Abaixo do básico, com desempenho insuficiente o boletim identifica que são

30,4% dos alunos. Apenas 16,3% dos alunos estão no nível Adequado e 0,7 no nível

Avançado.

Dessa forma, o professor deverá planejar suas ações considerando esses indicadores, ou

seja, deverá prever momentos em que os encaminhamentos pedagógicos devem permear

a recuperação intensiva, a recuperação contínua, o aprofundamento e o desafio. A

Resolução SE 53, de 2-10-2014, define a forma como isso poderá ocorrer e os papeis que

o professor deve assumir para garantir “a melhoria da qualidade da educação básica

somente se consolida mediante o desenvolvimento de um ensino que assegure efetiva

aprendizagem ao aluno”.

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Em 2015, visando a maior vínculo entre Currículo do Estado de São Paulo e SARESP, a

Secretaria desenvolveu uma ferramenta em que os dados das últimas edições do SARESP

(2012, 2013 e 2014) e as habilidades em Língua Portuguesa por série dialogam. Segundo

o documento orientador disponível na própria plataforma, a SEE-SP:

a plataforma Foco Aprendizagem foi idealizada com o objetivo geral de

disponibilizar, de maneira intuitiva e com fácil visualização,

informações detalhadas sobre estes dois elementos, representados nessa

ação pelos termos (i) proficiência escolar e (ii) fluxo escolar. Construída

em seu lançamento a partir de uma análise histórica dos microdados do

SARESP dos últimos três anos (2012-2014), a plataforma visa permitir

que os educadores da Rede Estadual de São Paulo possam ter ainda

maior foco e precisão nas tomadas de decisões pedagógicas, seja em

âmbito regional (Diretoria de Ensino) ou em nível de escola.

Fica claro que ao professor cabe ler e interpretar a plataforma para a organização de suas

aulas de Língua Portuguesa. O que interessa diretamente a ele é o módulo “Proficiência

Escolar”, isso porque as informações contidas na plataforma devem

Promover a reflexão e possibilitar a revisão da prática docente e das

ações de formação continuada em todas as disciplinas, em âmbito

regional (DE) e local (Escola), levando em consideração as principais

dificuldades que os alunos estão enfrentando.

Quanto a estrutura da plataforma, temos:

1) O “Itinerário de Aprendizagem” – dividido em Etapas 1, 2 e 3, respectivamente

agrupando: as “habilidades fundamentais que conferem as condições necessárias

para construção dos conceitos nas diferentes áreas do conhecimento”, as

“habilidades que se estruturam a partir das habilidades construídas na etapa

anterior, consolidando conceitos das diferentes áreas do conhecimento”, e as

“habilidades que se estruturam a partir das habilidades construídas nas etapas

anteriores, ampliando e/ou aprofundando conceitos das diferentes áreas do

conhecimento”;

2) O “Grau de Domínio” – definindo o grau Baixo, Médio e Alto das habilidades;

3) As “Fichas técnicas de cada habilidade” – mostrando dados que possibilitem a

análise comparativa das habilidades de leitura foco do SARESP.

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154

Para exemplificar, utilizaremos as informações referentes a mesma escola no qual

selecionamos o “Boletim”. A plataforma nos apresenta:

Fonte: Plataforma Foco Aprendizagem

Identificamos como habilidades a serem priorizadas as H17 e H32. De acordo com as

Matrizes de Referência do SARESP (2011), a habilidade H17 para o 9º ano faz parte do

Tema 3 – Reconstruindo a Textualidade, referente a Competência de Sujeito do Grupo II

(competências para realizar), onde a habilidade é “distinguir um fato da opinião

pressuposta ou subentendida em relação a esse mesmo fato, em segmentos descontínuos

de um texto”. Já a habilidade 32 faz parte do Tema 6 – Compreensão de textos literários,

referente a Competência de Sujeito do Grupo I (competências para observar), onde a

habilidade é “identificar uma interpretação adequada para determinado texto literário”.

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155

Das possíveis observações feitas a partir do “Boletim”, as informações aqui apresentadas

pela “Plataforma” exigem que o professor decida qual a melhor maneira de articular seu

trabalho, tendo como base, a princípio, essas habilidades que se apresentaram

“problemáticas” pelos alunos, da “Etapa 1” e com “Baixo” grau de domínio. Deve-se

considerar, também, como já esboçado, que há alunos com diferentes níveis de

proficiência, consequentemente, com diferentes graus de domínios das habilidades.

3.4.3 Avaliação da Aprendizagem em Processo e Plano de Intervenção Pedagógica

A atuação pedagógica do professor engloba, da maneira como a abordamos, diversos

elementos a serem considerados. O processo de ensino e aprendizagem configura-se, cada

vez mais, como um percurso muito complexo. Essa complexidade naturalmente não é de

hoje, porém, é colocado ao professor, no nosso caso ao de Língua Portuguesa, diferentes

textos que possibilitam muitas possibilidades de ação. Uma tentativa de focalizar essa

atuação está na aplicação, desde 2011, da Avaliação da Aprendizagem em Processo –

AAP.

As ações a partir da AAP têm a seguinte concepção: aplica-se uma prova de Língua

Portuguesa a todas as séries, de múltipla escolha, onde cada questão tem como objetivo

uma habilidade de leitura, ou da Matriz de Referência do SARESP ou alguma habilidade

adaptada do SAEB/ Prova Brasil. A partir dos dados obtidos com sua aplicação, a SEE-

SP entende que o professor tem dados mais pontuais, aluno por aluno, sobre o

desempenho em Leitura. Muitos acabam confundindo essa avaliação com uma avaliação

interna, o que é um equívoco.

Em 2015, a SEE-SP a otimizou o registro da AAP utilizando-se da Plataforma SED –

Secretaria Escolar Digital, com a compilação dos resultados das AAP 9º edição (2º

semestre). A partir da tabulação realizada, exige-se do professor faça o cruzamento de

diferentes informações, indicadores e conceitos, principalmente um trabalho de análise

dos distratores visando compreender os motivos que levaram o aluno a entender

determinado item de uma maneira e não de outra.

Tudo isso apresentado deve culminar, como dissemos, na ação e atuação do professor.

Essa, por sua vez, com o planejamento e execução do Plano de Intervenção Pedagógica.

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3.4.4 Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado de São Paulo – 2015-

2018

As Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado de São Paulo (2015-2018)

buscam definir os rumos da educação paulista para os próximos anos. Esse documento

dialoga diretamente com o que foi definido em 2011 com o Decreto 57.571/2011 que

instituiu o Programa “Educação – Compromisso de São Paulo”. O objetivo das diretrizes

para 2015-2018 é ampliar e continuar o que já havia sido pensado e definido pela SEE-

SP.

Esse documento é estruturado a partir do seguinte princípio “melhoria da qualidade com

igualdade e equidade para todos”. Dessa forma, estabelece 6 diretrizes com o objetivo de

nortear as ações neste período. São diretrizes:

1. Foco no desenvolvimento das competências e habilidades previstas no Currículo

Oficial do Estado de São Paulo.

2. Escola como foco prioritário da gestão central e regional

3. Ambiente escolar organizado para a aprendizagem – tempo, espaço, pessoas.

4. Formação continuada com foco na prática.

5. Coordenação e articulação com os municípios paulistas.

6. Coerência, consistência e estabilidade na comunicação para engajamento da rede

e da sociedade.

Todos esses, naturalmente, impactam na atuação do professor de Língua Portuguesa.

Particularmente, interessa-nos focalizar o primeiro e o quarto.

Segundo o documento, o princípio que norteará as ações até 2018 será o da “melhoria da

qualidade com igualdade e equidade para todos”. Assim, coloca que

A educação só pode ter qualidade se for para todos, todas as escolas e

todos os alunos. Igualdade de acesso a todos os benefícios que o ensino

público estadual tiver capacidade de oferecer é condição de qualquer

melhoria qualitativa.

Essa qualidade do qual o documento trata já faz parte dos textos institucionais da SEE-

SP. O Currículo do Estado de São Paulo (2012, p.8), em sua apresentação coloca que

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo propôs, em 2008, um

currículo básico para as escolas da rede estadual nos níveis de Ensino

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Fundamental (Ciclo II) e Ensino Médio. Com isso, pretendeu apoiar o

trabalho realizado nas escolas estaduais e contribuir para a melhoria da

qualidade das aprendizagens dos alunos.

Além disso, o próprio Currículo justifica essa busca pela qualidade fazendo referências a

presença do indivíduo no mundo, em seu dia a dia e a relação com o que defende como

qualidade na educação (op. cit., p.10):

Em um mundo no qual o conhecimento é usado de forma intensiva, o

diferencial está na qualidade da educação recebida. A qualidade do

convívio, assim como dos conhecimentos e das competências

constituídas na vida escolar, será determinante para a participação do

indivíduo em seu próprio grupo social e para que ele tome parte em

processos de crítica e renovação.

O indivíduo, assim, para a SEE-SP precisa de uma educação de qualidade para que tenha

qualidade na forma como conduz sua vida, sendo justamente dessa forma que uma

educação de qualidade pode evitar que diferenças sociais, culturais e econômicas “se

constituam em mais um fator de exclusão” (op. cit., p.11).

Para tal, o professor assume papel central e fundamental, onde são colocadas em jogo

suas características pessoais, profissionais e “a qualidade de suas mediações”. O

Currículo faz referência a LDB, principalmente apoiando-se no seu artigo 3º que

estabelece como um dos princípios a “garantia do padrão de qualidade” e no inciso IV,

do art. 35 em que “a compreensão dos fundamentos científico-metodológicos dos

processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”.

Para o Currículo (op. cit., p. 22)

A lei determina corretamente que a relação entre teoria e prática se dê

em cada disciplina do currículo, uma vez que boa parte dos problemas

de qualidade do ensino decorre da dificuldade em destacar a dimensão

prática do conhecimento, tornando-o verbalista e abstrato.

As Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP (SÃO PAULO, 2009), também fala

em qualidade, principalmente na do sistema estadual de ensino. Segundo o documento

(p.7):

muitas mudanças foram introduzidas ao Saresp, de maneira a torná-lo

cada vez mais adequado tecnicamente às características de um sistema

de avaliação em larga escala, que permita acompanhar a evolução da

qualidade do sistema estadual de ensino ao longo dos anos.

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158

O documento ainda relaciona a qualidade com o próprio SARESP, como uma avaliação

em larga escala, e o processo de ensino e aprendizagem (op. cit., p. 11), dizendo que

Por um lado, numa avaliação em larga escala como é o Saresp, em que

se avalia a evolução da qualidade do sistema público de ensino de São

Paulo, com a indicação das competências e habilidades básicas a serem

desenvolvidas pelos alunos, em cada etapa da escolarização, a todos os

atores internos do sistema de ensino e a toda a comunidade externa,

reafirma-se o compromisso da Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo de monitorar o desenvolvimento do plano de metas vinculado à

melhoria da qualidade da educação de maneira clara e objetiva, de tal

forma a promover os ajustes necessários para que os alunos tenham

acesso à construção dos conhecimentos a que têm direito.

Fica clara a relação que a SEE-SP pretende estabelecer entre o Currículo, o SARESP e o

processo de ensino e aprendizagem. O documento ressalta que o foco é o aluno e sua

escolarização, destacando no seu texto o direito que esse aluno tem direito “à construção

de conhecimentos”. A esse propósito, a 1ª diretriz, o “Foco no desenvolvimento das

competências e habilidades previstas no Currículo do Estado de São Paulo”, tem como

premissa:

Estabelecer critérios pertinentes e relevantes para a progressão da

aprendizagem, tais como: a natureza, as especificidades e o grau de

complexidade dos conteúdos; as possibilidades de aprendizagem dos

alunos; o tratamento didático, metodologia e procedimentos de ensino

e avaliação, os mecanismos de apoio, nas diferentes modalidades em

acordo com seus objetivos, tendo em vista as finalidades do projeto

educativo

Isso significa dizer que a SEE-SP se compromete em garantir igualdade no acesso ao

conhecimento por parte do aluno. O Currículo é o ponto central desse compromisso.

Dessa forma, faz parte do documento o que chama de “Linhas de ação” que, em outras

palavras, define ações que deverão ser tomadas ou fortalecidas para que tal propósito se

cumpra. A 1ª diretriz possui as seguintes “linhas de ação”:

* Resgatar a centralidade do currículo como articulador de atividades,

programas e recursos pedagógicos.

* Reafirmar a importância da progressão continuada para garantir que

todos os alunos aprendam ao longo do percurso escolar.

* Garantir a articulação entre currículo e avaliação, e o uso dos

resultados na reorientação da prática pedagógica.

* Resgatar a importância dos processos de acompanhamento da

aprendizagem dos alunos.

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* Garantir as atividades de reforço e a recuperação e materiais e

recursos de apoio ao seu desenvolvimento.

* Usar as TIC como recurso pedagógico auxiliar para desenvolver as

competências e habilidades previstas no currículo.

Essas, por sua vez, estão intimamente ligadas ao estabelece a Resolução SE nº 52/2013,

que estabelece os perfis, competências e habilidades requeridos aos profissionais da

Educação da rede estadual de ensino. Selecionamos, na tabela abaixo, alguns exemplos

competências e habilidades ligadas diretamente ás diretrizes.

Linhas de Ação Resolução nº52/2013

Resgatar a centralidade do currículo como

articulador de atividades, programas e recursos

pedagógicos.

Perfil do Educador

Currículo escolar, planejamento e avaliação

g) Compreender a abrangência e a importância das

orientações curriculares deste sistema de ensino,

tendo em vista a construção do currículo escolar

contextualizado e centralizado na aprendizagem do

aluno.

h) Conhecer e compreender princípios, métodos e

recursos educacionais como elementos de apoio

das ações educativas.

Perfil do Docente

Sistema do ensino público de São Paulo

a) Conhecer formas de atuação docente, situações

didáticas e seus elementos constitutivos para

adequá-los à aprendizagem do aluno no que se

refere aos conteúdos conceituais, atitudinais e

procedimentais, conforme os contextos locais, das

políticas e do currículo da Secretaria de Estado da

Educação de São Paulo, nas dimensões sala de aula

e escola.

Perfil do Professor de Língua Portuguesa

g) Refletir sobre a prática docente, articulando

dialogicamente os sujeitos envolvidos, os

materiais pedagógicos, as metodologias adequadas

e os procedimentos de avaliação.

g.1) Analisar criticamente propostas

curriculares de Língua e Literatura para a

Educação Básica, identificando os pressupostos

teóricos nos processos de ensino e de

aprendizagem de Língua Portuguesa, com base na

metodologia indicada no Currículo do Estado de

São Paulo para Língua Portuguesa.

* Reafirmar a importância da progressão

continuada para garantir que todos os alunos

aprendam ao longo do percurso escolar.

Perfil do Docente

Sala de Aula

e) Compreender os princípios da organização

curricular das diferentes áreas como norteadores

da organização de ensino centrado na progressão

continuada da aprendizagem.

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160

g) Estabelecer critérios pertinentes e relevantes

para a progressão da aprendizagem, tais como: a

natureza, as especificidades e o grau de

complexidade dos conteúdos; as possibilidades de

aprendizagem dos alunos; o tratamento didático,

metodologia e procedimentos de ensino e

avaliação, os mecanismos de apoio, nas diferentes

modalidades em acordo com seus objetivos, tendo

em vista as finalidades do projeto educativo.

* Garantir a articulação entre currículo e avaliação,

e o uso dos resultados na reorientação da prática

pedagógica.

Perfil do Educador

Sistema de Ensino Público de São Paulo

d) Conhecer e compreender os mecanismos

institucionais de organização, desenvolvimento e

avaliação do sistema de ensino.

e) Compreender os significados dos processos de

avaliação educacional, reconhecer alcances e

limites do uso de seus resultados, para análise e

reflexão do desempenho escolar nas avaliações

internas e externas, a fim de organizar e

reorganizar as propostas de trabalho.

Currículo escolar, planejamento e avaliação

c) Compreender e dispor-se à participação coletiva

e colaborativa na elaboração, desenvolvimento e

avaliação da proposta pedagógica, cooperando em

diferentes contextos escolares.

i) Participar nos espaços coletivos, visando à

reflexão e análise sobre as práticas educativas, para

o planejamento, acompanhamento, avaliação e

replanejamento do trabalho escolar.

Perfil do Docente

Sala de Aula

d) Apropriar-se dos diferentes componentes que

organizam os planos de ensino dos professores nas

disciplinas nas diferentes etapas para sua

elaboração, execução e avaliação.

g) Estabelecer critérios pertinentes e relevantes

para a progressão da aprendizagem, tais como: a

natureza, as especificidades e o grau de

complexidade dos conteúdos; as possibilidades de

aprendizagem dos alunos; o tratamento didático,

metodologia e procedimentos de ensino e

avaliação, os mecanismos de apoio, nas diferentes

modalidades em acordo com seus objetivos, tendo

em vista as finalidades do projeto educativo.

n) Conhecer e adotar diversas formas de avaliação

da aprendizagem dos alunos por meio de

estratégias e instrumentos diversificados e utilizar

a análise dos resultados para reorganizar as

propostas de trabalho na escola e na sala de aula.

* Resgatar a importância dos processos de

acompanhamento da aprendizagem dos alunos.

Perfil do Educador

d) Compreender os processos de desenvolvimento

da criança e do adolescente, da aprendizagem e

sociabilidade dos alunos, considerando as

dimensões cognitivas, afetivas e sociais e as

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161

relações com o contexto no qual se inserem as

instituições de ensino para atuar sobre tal contexto.

e) Compreender a natureza dos processos de

ensino e de aprendizagem que se articulam na

relação professor/ aluno, relação de comunicação

entre sujeitos que constroem conhecimento, sendo

capaz de reconhecer fatores socioeconômicos,

pedagógicos, do ambiente escolar que podem

causar impactos externos e internos que afetam o

aproveitamento do aluno na escola.

f) Desenvolver um ensino com foco na

aprendizagem do aluno com vistas a sua inserção

como sujeito na sua comunidade e na sociedade.

g) Compreender a abrangência e a importância das

orientações curriculares deste sistema de ensino,

tendo em vista a construção do currículo escolar

contextualizado e centralizado na aprendizagem do

aluno.

Perfil do Docente

Sistema de Ensino Público de São Paulo

a) Conhecer formas de atuação docente, situações

didáticas e seus elementos constitutivos para

adequá-los à aprendizagem do aluno no que se

refere aos conteúdos conceituais, atitudinais e

procedimentais, conforme os contextos locais, das

políticas e do currículo da Secretaria de Estado da

Educação de São Paulo, nas dimensões sala de aula

e escola.

Escola

a) Reconhecer e valorizar, em situações do

cotidiano escolar e em diferentes situações de

aprendizagem, os elementos que podem contribuir

para o desenvolvimento de relações de autonomia

e cooperação, entre alunos e aluno/profissional da

educação.

e) Refletir sobre o processo de ensino e de

aprendizagem, as ações didáticas e o processo

avaliativo, identificando pontos 14 que necessitam

mudanças e/ou reformulações.

Sala de Aula

a) Compreender e levar em conta as fases de

desenvolvimento cognitivo, social e afetivo da

criança, do jovem para organizar processos de

ensino e aprendizagem apropriados a cada fase de

desenvolvimento do educando.

b) Propiciar aprendizagem significativa para os

alunos, levando em conta suas experiências,

valores e conhecimentos prévios e tomando-os

como ponto de partida para a introdução de novos

conteúdos.

e) Compreender os princípios da organização

curricular das diferentes áreas como norteadores

da organização de ensino centrado na progressão

continuada da aprendizagem.

g) Estabelecer critérios pertinentes e relevantes

para a progressão da aprendizagem, tais como: a

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162

natureza, as especificidades e o grau de

complexidade dos conteúdos; as possibilidades de

aprendizagem dos alunos; o tratamento didático,

metodologia e procedimentos de ensino e

avaliação, os mecanismos de apoio, nas diferentes

modalidades em acordo com seus objetivos, tendo

em vista as finalidades do projeto educativo.

Perfil do Professor de Língua Portuguesa

e) Reconhecer os pressupostos teóricos que

embasam os conceitos fundantes da disciplina na

práxis didática dos processos de ensino e de

aprendizagem.

g) Refletir sobre a prática docente, articulando

dialogicamente os sujeitos envolvidos, os

materiais pedagógicos, as metodologias adequadas

e os procedimentos de avaliação.

g.1) Analisar criticamente propostas

curriculares de Língua e Literatura para a

Educação Básica, identificando os pressupostos

teóricos nos processos de ensino e de

aprendizagem de Língua Portuguesa, com base na

metodologia indicada no Currículo do Estado de

São Paulo para Língua Portuguesa.

g.2) Identificar a aplicação adequada de

diferentes experiências didáticas para solucionar

problemas de ensino e de aprendizagem de

produção de texto escrito na escola, justificando os

elementos relevantes e as estratégias utilizadas.

h) Reconhecer o ato didático como processo

dinâmico de investigação, intencionalidade e

criação.

h.1) Identificar e justificar o uso adequado

de diferentes teorias e métodos de leitura, em

análise de casos, para resolver problemas

relacionados ao ensino e à aprendizagem de leitura

na escola.

h.2) Identificar e justificar o uso de materiais

didáticos em diferentes experiências de ensino e de

aprendizagem de língua e literatura, reconhecendo

os elementos relevantes e as estratégias adequadas.

* Garantir as atividades de reforço e a recuperação

e materiais e recursos de apoio ao seu

desenvolvimento.

Perfil do Educador

Currículo escolar, planejamento e avaliação

i) Participar nos espaços coletivos, visando à

reflexão e análise sobre as práticas educativas, para

o planejamento, acompanhamento, avaliação e

replanejamento do trabalho escolar

Perfil do Docente

Sala de Aula

k) Saber planejar e desenvolver os trabalhos em

sala de aula, privilegiando rotinas que atendam às

necessidades dos alunos, tendo em vista a

diversidade, adequação, periodicidade das

atividades, organização do tempo/espaço e o

agrupamento dos alunos de modo a potencializar

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163

as aprendizagens dos diferentes conteúdos/áreas,

garantindo, sempre que possível, a abordagem dos

temas transversais pertinentes.

i) Empregar diferentes recursos e procedimentos

didáticos, ajustando-os às possibilidades e

dificuldades de aprendizagem dos alunos, sempre

levando em conta a natureza, as especificidades e

o grau de complexidade dos conteúdos.

n) Conhecer e adotar diversas formas de avaliação

da aprendizagem dos alunos por meio de

estratégias e instrumentos diversificados e utilizar

a análise dos resultados para reorganizar as

propostas de trabalho na escola e na sala de aula.

Perfil do Professor de Língua Portuguesa

i) Saber criar situações didáticas, envolvendo a

língua, a literatura e todos os tipos de linguagem,

que favoreçam a autonomia, a liberdade e a

sensibilidade do aluno.

i.1) Identificar e justificar estratégias de

ensino, em análise de casos, que favoreçam o

processo criativo e a autonomia do aluno.

* Usar as TIC como recurso pedagógico auxiliar

para desenvolver as competências e habilidades

previstas no currículo.

Perfil do Educador

Currículo escolar, planejamento e avaliação

h) Conhecer e compreender princípios, métodos e

recursos educacionais como 10 elementos de apoio

das ações educativas.

Perfil do Docente

Escola

d) Compreender as diferentes etapas de

planejamento como uma ação recursiva, flexível e

dinâmica.

e) Refletir sobre o processo de ensino e de

aprendizagem, as ações didáticas e o processo

avaliativo, identificando pontos 14 que necessitam

mudanças e/ou reformulações.

f) Implementar práticas educativas que levem em

conta as necessidades pessoais e sociais dos

alunos, os temas e demandas do mundo

contemporâneo e os objetivos da Proposta

Pedagógica.

Sala de aula

i) Empregar diferentes recursos e procedimentos

didáticos, ajustando-os às possibilidades e

dificuldades de aprendizagem dos alunos, sempre

levando em conta a natureza, as especificidades e

o grau de complexidade dos conteúdos.

j) Conhecer e utilizar recursos tecnológicos

relacionados às diferentes mídias e meios de

comunicação, valorizando-os como indispensáveis

à socialização de informações e à prática de

diálogo com o aluno.

Perfil do Professor de Língua Portuguesa

i) Saber criar situações didáticas, envolvendo a

língua, a literatura e todos os tipos de linguagem,

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164

que favoreçam a autonomia, a liberdade e a

sensibilidade do aluno.

Fonte: Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado de São Paulo/ Resolução SE nº52/2013

A resolução indica as competências e habilidades que o professor deve possuir. Isso

mostra que para cada uma das “linhas de ação” definidas pela SEE-SP há uma ou mais

competências e habilidades que o professor deve possuir para atuar em sala de aula.

Isso nos leva a 4ª diretriz, a “Formação continuada com foco na prática”. Essa apresenta

duas premissas a saber:

A formação continuada dos recursos docentes e técnicos da Secretaria

da Educação deve ter como referência perfis de competências dos

diferentes profissionais, de acordo com as demandas da gestão

pedagógica, do currículo e da gestão institucional.

E a segunda:

Na literatura pedagógica ensino e aprendizagem são sempre associados

para não separar o que é controlado pelo professor (ensino), com as

operações cognitivas e afetivas que acontecem com o aluno

(aprendizagem). Portanto, o professor precisa saber o conteúdo e saber

como se ensina esse conteúdo. Focar a formação na prática tem como

ponto de partida essa relação entre saber e saber ensinar bem como a

adoção de metodologias que facilitem a reflexão e a análise da própria

prática.

A primeira preocupa-se com os perfis dos profissionais da Secretária, devendo esses estar

de acordo com o que ela necessita. Já a segunda foca a questão referente as relações

estabelecidas entre teoria e prática, particularmente o caráter metodológico.

São definidos, assim, as seguintes “linhas de ação”:

* Traçar perfis de competências profissionais para orientar as ações de

formação continuada de professores, gestores e lideranças e para

subsidiar concursos, processos seletivos e avaliações de desempenho.

* Direcionar as ações de formação continuada para as necessidades da

gestão pedagógica:

- no fortalecimento e diversificação do currículo;

- no uso dos resultados de avaliação para reorientar a prática

pedagógica;

- na definição dos processos de recuperação da aprendizagem;

* Direcionar a formação de professores para apoiar a implementação de

protocolos de orientação da prática, de recursos didáticos e outros

procedimentos ou insumos da gestão pedagógica.

* Organizar bancos ou cadastros de experiências de formação de

professores, gestores e lideranças escolares.

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Essas, por sua vez, diferentamente da 1ª diretriz, estão voltadas diretamente a pontos que

a própria SEE-SP deve se atentar para que o professor de sua rede de ensino realize o que

se espera dele. Podemos notar que as “linhas de ação” propiciam uma autorreflexão da

própria Secretaria na maneira como se dirigirá ao professor. Sobre isso, podemos

recuperar o que Fairclough (2008, p. 264) nos diz: segundo ele “as sociedades modernas

são caracterizadas por uma tendência relacionada ao controle sobre partes cada vez

maiores da vida das pessoas”, sendo essa tendência operacionalizada pelas tecnologias do

discurso, “adotadas em locais institucionais específicos por agentes sociais designados”.

A SEE-SP demonstra isso com a primeira linha de ação citada acima, quando fala em

“traçar perfis de competências profissionais”.

As demais linhas de ação pretendem consolidar o controle da Secretaria para os próximos

anos, influenciando o processo de ensino e aprendizagem. Os documentos que analisamos

aqui demonstram o seu propósito em normatizar, homogeneizar e reduzir a diferença

presente no sistema de ensino estadual.

Considerações sobre o capítulo

Neste capítulo, partindo de considerações sobre o contexto e sua importância, caracterizei

o espaço em que os professores de Língua Portuguesa que lecionam nas escolas estaduais

do município de Carapicuíba encontram. Diante de todas as especificidades apresentadas,

os aspectos sociais, culturais, históricos e econômicos norteiam as diferentes maneiras

nas quais esse professor representa, identifica-se e consequentemente age como professor.

Aspectos esses que podem influenciar de diferentes maneiras sua atuação.

Espera-se que haja um diálogo entre esse caráter singular da atuação docente com o que

as instituições, mediadas pelos seus textos, determinam. Dessa forma, com a análise dos

documentos selecionados procurei compreender a estrutura criada em torno do professor

e seu funcionamento, entendendo haver nesse percurso momentos distintos: o professor

formando, o professor formado/candidato ao ingresso e o professor em atuação.

Diante desse quadro, procurei demonstrar a existência de um planejamento institucional

sobre esse percurso a que me refiro. Compartilho com Fairclough (2008) que isso

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estrategicamente permite a manutenção do poder, visto que as tecnologias discursivas,

como as chama, são planejadas e aperfeiçoadas de acordo com efeitos antecipados. O que

temos, como Fairclough (2010) nos ensina, é um processo de naturalização das coisas:

elas devem ser assim, e não de outro jeito. Coloca-se como natural e necessário todo esse

processo, todo esse percurso, porém as próprias instituições, o MEC e a SEE-SP,

esquecem-se, por exemplo, de considerar mais efetivamente as características locais, suas

necessidades e urgências, as diferenças existentes. Deixa-se a cargo do professor toda

essa articulação, sendo isso, considerado natural.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta tese, identifiquei e procurei descrever aspectos relacionados a estrutura que a SEE-

SP estabelece para que o professor de Língua Portuguesa possa assumir suas aulas e

lecionar na rede pública estadual. A investigação procurou reconhecer as bases do

discurso institucional e como ele se delineia durante o processo. Além disso, vi a

necessidade de apresentar, no recorte realizado, as diretrizes concebidas em 2011, com o

Decreto nº 57.571, de 2.12.2011, o Programa “Educação – Compromisso de São Paulo”

e, em 2015, a publicação das “Diretrizes Norteadoras da Política Educacional do Estado

de São Paulo – 2015-2018”, ambas verbalizando o compromisso da Secretaria com a

“melhoria da qualidade do ensino”.

O interesse em estudar o objeto de pesquisa surgiu da minha atuação como PCNP de

Língua Portuguesa desde 2009 na Diretoria de Ensino da Região de Carapicuíba. No

exercício da função de Professor Coordenador de Língua Portuguesa, no Núcleo

Pedagógico, chamou minha atenção aos propósitos estabelecidos pelos textos

institucionais: todos eles colocam o professor como figura central na busca pela qualidade

do ensino. Principalmente com a criação do Currículo do Estado de São Paulo,

considerado o principal documento para nortear o processo de ensino e aprendizagem,

era grande a preocupação quanto a sua implementação e consolidação; em outras

palavras, essa preocupação passou a inquietações sobre como o professor iria desenvolver

o Currículo na escola, se o faria tal qual idealizado pela SEE-SP.

O que se tem, então, são dois pontos: de um lado o Currículo do Estado de São Paulo,

com os conteúdos mínimos, as competências e as habilidades das quais o aluno deveria

conhecer e desenvolver em cada etapa do Ensino Fundamental e Médio e, do outro lado,

o professor, no nosso caso o de Língua Portuguesa, com seu arcabouço teórico, suas

experiências e vivências, suas representações e maneiras de agir construídas não apenas

a respeito do ensino de Língua Portuguesa, mas também no que se refere ao local da

escola em que lecionam, dos alunos que irá atender. Sobre a questão da localidade, vale

lembrar que as escolas da rede estadual de ensino são agrupadas em 91 diretorias

regionais, cada uma com suas particularidades e urgências.

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Diante do objetivo proposto e focalizando a realidade das escolas estaduais do município

de Carapicuíba, as questões de pesquisa fazem referência: aos documentos oficiais e o

papel que pretendem assumir frente ao professor de Língua Portuguesa, em particular ao

professor da rede estadual de Carapicuíba; a maneira como é estabelecido o diálogo entre

as avaliações de larga escala, o Currículo do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa

e o perfil do PEB-II exigido pela Secretaria da Educação; e aos recursos utilizados pela

Secretaria para viabilizar a atuação desse professor.

A partir do que foi apresentado no Capítulo 1, pode-se dizer que, com base no que é

definido pela 3ª diretriz do Decreto nº 57.571, duas dimensões são fundamentais para o

que pretende a SEE-SP, a “gestão pedagógica”, envolvendo vários pontos com foco no

Currículo, e a “gestão dos resultados educacionais do ensino e da aprendizagem”,

focalizando a relação entre os indicadores obtidos com as avaliações externas e internas

e ações definidas pelo professor a partir desses dados. Essas ações devem seguir o que

estabelece tanto o Currículo quanto as Matrizes de Referência para Avaliação SARESP.

Nessa perspectiva, as ações referentes ao ensino de Língua Portuguesa partem das

discussões e orientações realizadas sobre os resultados das avaliações do SARESP e do

SAEB e, pontualmente em cada escola, a cada semestre com a aplicação da AAP. Os

momentos de discussão desses dados e a maneira como ele deve ser conduzido são

considerados o “primeiro passo” para que se realize o planejamento de ações, a

construção dos Planos de Ensino Bimestrais e Planos de Intervenção Pedagógica ao longo

do ano letivo. Faz parte de todo esse trabalho, por exemplo, a análise do item de avaliação,

em que onde o professor analisa possíveis motivos que levaram os alunos acertarem ou

não uma questão, problematizando a questão e a habilidade requerida (análise dos

distratores).

No capítulo 2, para fundamentar a analise, realizei uma explanação às luzes da Análise

de Discurso Crítica e sua relação com o Realismo Crítico. Porém, antes de pontuar mais

detalhadamente sues pressupostos, vi a necessidade de discorrer sobre o contexto e seu

papel na construção do discurso. Para tal, apoie-me nos ensinamentos de Van Dijk (2012),

principalmente ao afirmar que os contextos são experiências únicas, subjetivas,

particulares a cada participante do processo de interação, ou seja, os contextos são

modelos mentais. Isso pode nos explicar a preocupação da Secretaria, ao veicular seus

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documentos, na maneira como os professores de Língua Portuguesa irão recebe-los,

representa-los e consequentemente agir a partir do que é posto a eles.

Admitindo-se que o contexto assume o papel de permitir e condicionar não apenas a

produção, mas também a compreensão de textos, revisitei os pressupostos da ADC a partir

de Fairclough (1997; 2003; 2008; 2010) e outros autores que desenvolvem trabalhos nessa

linha: Pedro (1997), Leewuwen (1997); Resende e Ramalho (2011); Bloommaert (2005).

Na proposta da ADC, por meio do modelo tridimensional do discurso e dos significados

da linguagem, pude reconhecer, interpretar e problematizar, além da estrutura dos

diferentes documentos, os modos de agir, representar e ser presentes e determinados pelas

portarias do MEC referentes ao ENADE, nos recortes dos Concursos Públicos da SEE-

SP, no Currículo do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa e nos demais documentos,

no envolvimento de diferentes eventos sociais, gêneros, discursos e estilos.

Em seguida, a partir da relação existente entre a ADC e o Realismo Crítico (Resende,

2009; Bhaskar, 1998), defendo o posicionamento de que pesquisas discursivas devem

estar baseadas na identificação de problemas sociais, buscando “desvelar discursos que

servem de suporte a estruturas de dominação ou que limitam a capacidade de

transformação dessas estruturas” (Resende, 2009, p.12). Isso permitiu refletir sobre o

discurso da SEE-SP e em que medida esse é suporte ou limitador das transformações na

atuação da própria Secretaria.

No Capítulo 3, parto do fato de que os documentos oficiais são pensados e construídos

desconsiderando as especificidades das diferentes regiões. Isso, por sua vez, possui duas

implicações: essas características não são consideradas por realmente não ser possível

abarcar todas essas realidades em um único documento, sendo necessários outros para

possíveis complementações, ou também, isso pode ser reflexo de um parcial ou completo

desconhecimento a quem esses documentos são dirigidos e de características locais da

própria rede estadual. Dessa forma, inicio caracterizando o espaço em que atua o

professor de Língua Portuguesa de Carapicuíba, pontuando as representações construídas

por esse professor ao dizer “vou dar aulas em Carapicuíba”, ou “vou dar aulas na escola

X, na Vila Menck/ Vila Dirce/ ‘Vila do Sapo’”, todos esses bairros de Carapicuíba.

Apresento um conjunto de elementos que constrói uma imagem de um município

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violento, carente, mal estruturado, além de um habitante envergonhado de residir ali:

visão preconceituosa e estigmatizada.

Há, sim, necessidades de várias ordens. Nesse caminho, temos a SEE-SP e suas

exigências ao professor, distantes de toda essa realidade. A partir do que Fairclough

(2010) nos diz sobre as instituições, facilitando e restringindo a ação social de seus

membros, analiso alguns documentos oficiais separando-os em três momentos dentro

percurso profissional do professor: o professor formando, o professor formado/candidato

e o professor em atuação.

Sobre as análises realizadas, cabe destacar, comparando as portarias do INEP, os Editais

dos Concursos da SEE-SP, o Currículo do Estado de São Paulo, os documentos sobre as

avaliações (SARESP e AAP) e as Diretrizes, que há uma grande distância em relação à

realidade. De um lado você tem um professor que se formou e ingressou na rede pública

estadual, apresentando perfis, competências e habilidades avaliados e mensurados por

provas (ENADE e de Seleção para PEB-II), do outro temos dados do SAEB e SARESP

que mostram alunos que chegam a etapas diferentes da escolarização básica com

conhecimentos inferiores àqueles que deveriam apresentar. Além disso, temos como

preocupação da SEE-SP, como definido pela 4ª Diretriz Norteadora para os próximos 4

anos, uma preocupação em definir “linhas de ação” buscando “direcionar a formação dos

professores” da rede na “implementação de protocolos de orientação prática, de recursos

didáticos e outros procedimentos”, com foco na atuação do professor em sala de aula. O

risco apresentado é se consolidar uma tendência em que se dissemine uma perspectiva de

mundo particular sobre a organização do trabalho pedagógico, como se ela fosse a única

possível, legítima e aceitável (cf. RAMALHO; RESENDE, 2011).

A pesquisa apresentada significa uma contribuição para compreender a forma como as

relações entre as instituições de ensino e o professor são conduzidas e mediadas, além de

trabalhos futuros que envolvam textos institucionais na área da educação. Espera-se que

a abordagem aqui proposta, tanto no enfoque teórico quanto metodológico, possa vir a

construir um instrumento relevante para mostrar como as estruturas sociais e de poder

determinam as propriedades do discurso e como esse, por sua vez, determina essas

mesmas estruturas: em grade parte das vezes, não se deixa claro os seus efeitos,

caracteristicamente opacos para os participantes.

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