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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Paula Eschholz Ribeiro Brofman ASPECTOS SINTÁTICO, SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO DO ICMS- IMPORTAÇÃO: Análise das alterações promovidas pela EC 33/2001 MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Paula Eschholz Ribeiro Brofman

ASPECTOS SINTÁTICO, SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO DO ICMS-

IMPORTAÇÃO: Análise das alterações promovidas pela EC 33/2001

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

São Paulo

2014

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Paula Eschholz Ribeiro Brofman

ASPECTOS SINTÁTICO, SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO DO ICMS-

IMPORTAÇÃO: Análise das alterações promovidas pela EC 33/2001

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como

exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em

Direito Tributário, pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Fabiana

Del Padre Tomé.

São Paulo

2014

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________

Fabiana Del Padre Tomé

_______________________________

_______________________________

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Aos que me mostraram que minha casa é onde

minha felicidade está.

Aos meus pais, Suely e Paulo, minha irmã Mariana,

meu namorado Bruno, minha avó Elinor e os sempre

presente vô João e bisa Alda.

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AGRADECIMENTOS

Meu pai, inspirado em algum pensador que não sei ao certo qual, sempre me dizia:

“Ninguém é tão bom, quanto todos nós juntos”. E foi sabendo disso que deixei Curitiba para

enfrentar a cidade grande onde encontrei pessoas que fizeram dessa longa caminhada uma

estrada agradável e florida. É hora de agradecer....

Assim, agradeço a minha família que, mesmo longe, nunca deixou me sentir sozinha.

Ao meu namorado que me estendeu tantas vezes a mão, quase que me puxando e não me

dando opção de não seguir em frente. Ao Hércules, pelo amor mais puro. Aos amigos que se

tornaram minha família; especialmente aquele que certa vez me fez uma pergunta que se

tornou o objeto de estudo desse trabalho.

Aos professores que tive a honra de ter em meu caminho, que dividiram comigo um

pouco de seu conhecimento, cedendo-me um pouco de seu tempo, seja durante as aulas, seja

naqueles 10 minutos iniciais ou finais para esclarecer uma dúvida.

Ao Professor Paulo de Barros Carvalho e sua incansável busca pelo conhecimento, à

Professora Fabiana Del Padre Tomé, pela paciência e imensa ajuda na orientação deste

trabalho, ao professor Robson de Maia Lins, Clarice Araújo Von Oertzen, Tácio Lacerda

Gama, Maria Helena Diniz, Charles William McNaughton, Jean Paolo Simei e Silva, Aurora

Tomazini de Carvalho, Lucas de Britto Machado, Fernando Favacho, que cruzaram meu

caminho deixando um pouco do que sabem e levando de mim uma eterna gratidão.

A todos que acreditaram em mim e que me deram força e coragem para que eu

pudesse chegar até aqui. O meu muito obrigada, com a mão estendida e o coração aberto.

Como já dizia Tom Jobim: “É impossível ser feliz sozinho...”.

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RESUMO

BROFMAN, Paula E. Ribeiro. "Aspectos sintático, semântico e pragmático do ICMS-

importação: análise das alterações promovidas pela EC 33/2001". São Paulo, 2014. 143p.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-graduação em Direito, PUC, São Paulo.

A Emenda Constitucional nº 33, de 12 de dezembro de 2001 alterou a redação do art. 155, §

2º, inciso IX, alínea a, da Constituição Federal de 1988. Não é novidade o empenho dos

Estados e Distrito Federal em tributar toda e qualquer entrada de bens e mercadorias no país.

Faltava-lhes, no entanto, uma aprovação constitucional para isso. Foi então, que a Emenda

Constitucional nº 33 modificou o arquétipo constitucional do ICMS, a fim de fazê-lo incidir

sobre toda e qualquer entrada de bens ou mercadorias em território nacional. Tais mudanças

trouxeram calorosos debates na doutrina do Direito Tributário, que viu a criação de um novo

imposto, sob as vestes do ICMS, ingressar no universo jurídico por meio de Emenda à

Constituição. É cediço que o poder constituinte derivado não é totalmente livre para modificar

o texto constitucional ao seu bel-prazer, há parâmetros estabelecidos pelo poder originário

que devem ser respeitados, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade. Diante disto,

este trabalho pretende realizar uma análise sintática, semântica e pragmática da exação, a fim

de demonstrar as principais mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001, as

diretrizes originais marginalizadas e a consequência dessas alterações no ICMS-Importação.

Palavras-chave: Sintaxe. Semântica. Pragmática. ICMS-importação. Emenda Constitucional

nº 33. Mercadoria. Não-Cumulatividade. Sujeito Passivo. Inconstitucionalidade.

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ABSTRACT

BROFMAN, Paula E. Ribeiro. "The sintax, semantics and pragmatics aspects of import-

ICMS: analysis of changes provides by brazilian Constitutional Amendment n.

33/2001". São Paulo, 2014. 143 p. Dissertation (Master in Law) - Post-graduation in Law

Program, PUC, São Paulo.

Constitutional Amendment No. 33, dated December 12, 2001 changed the wording of art.

155, § 2, section IX, paragraph a, of the Brazilian Federal Constitution of 1988.

Unsurprisingly the commitment of the states and the Federal District for all tax and any entry

of goods and commodities in the country. They lacked, however, a constitutional approval for

this. It was then that the Constitutional Amendment 33 modified the constitutional archetype

of ICMS in order to make it focus on any entry of goods or merchandise in the country. These

changes resulted in heated debates on the doctrine of the Tax Law, which saw the creation of

a new tax, in the guise of ICMS, enter the legal world through an Amendment to the

Constitution. Is that musty derived constituent power is not fully free to modify the

constitution to their own pleasure, there are parameters set by the original power that must be

respected, otherwise it would incur unconstitutional. Thus, this paper intends to perform a

syntactic, semantic and pragmatic analysis of the exaction in order to demonstrate the main

changes brought about by Constitutional Amendment No. 33, 2001, marginalized original

guidelines and the consequent alterations to the unconstitutionality of the import-ICMS.

Keywords : Syntax. Semantics. Pragmatics. import-ICMS. Constitutional Amendment No. 33.

Merchandise. Non-cumulative. Liabilities subject. Unconstitutional.

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NOÇOES INTRODUTÓRIAS .................................................................................................

PARTE I - ANÁLISE SINTÁTICA

1.1 O PAPEL DA ANÁLISE SINTÁTICA NO ESTUDO DO ICMS-IMPORTAÇÃO...........

1.2 A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA......................................................

1.3 A INTRODUÇÃO DO ICM NO ORDENAMENTO JURÍDICO .......................................

1.4 A EMENDA CONSTITUCIONAL 23/1983........................................................................

1.5 O ICMS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.............................................................................

1.6 O ICMS-IMPORTAÇÃO ANTES E DEPOIS DA EC 33/2001 ..........................................

1.6.1 Definição dos Contribuintes do ICMS-importação ....................................................

1.6.1.1 A Importação por conta própria ..............................................................................

1.6.1.2 A Importação por conta e ordem .............................................................................

1.6.1.3 A Importação por encomenda .................................................................................

1.7 A EMENDA CONSTITUCIONAL 33 .................................................................................

1.7.1 O Princípio Federativo ...............................................................................................

1.7.1.1 O Princípio da Territorialidade ...............................................................................

1.7.2 A Competência Tributária .........................................................................................

1.7.3 O Princípio da Não-cumulatividade...........................................................................

1.7.3.1 A não incidência de IPI e ICMS na importação de bens para uso próprio:

violação ao Princípio da Não-Cumulatividade.....................................................................

1.8 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EC 33/2001: PODER CONSTITUINTE E

PODER DERIVADO...................................................................................................................

PARTE II - ANÁLISE SEMÂNTICA

2.1 A IMPORTÂNCIA ANÁLISE SEMÂNTICA NO ESTUDO DA NORMA ......................

2.2 SOBRE AS DEFINIÇÕES....................................................................................................

2.3 O ICMS-IMPORTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .............................

2.4 CONCEITO JURÍDICO DO TERMO “OPERAÇÕES” PARA FIM DO ICMS ...............

2.5 CONCEPÇÃO JURÍDICA DO TERMO “CIRCULAÇÃO” ..............................................

2.6 O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE “MERCADORIA”..............................................

2.6.1 Análise do vocábulo “bem”, trazido pela EC 33 ........................................................

2.7 O USO DA PALAVRA “ESTABELECIMENTO” COMO AFIRMADOR DA

ATIVIDADE ECONÔMICA ANTES DA EC 33/2001..............................................................

2.8 DEFINIÇÃO SEMÂNTICA DE “CONTRIBUINTE”..........................................................

2.9 CONCEITO DO TERMO “IMPORTAR”: ICMS X II .........................................................

2.10 DUAS HIPÓTESE TRIBUTÁRIAS DISTINTAS SOB A MESMA DENOMINAÇÃO...

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PARTE 3 - ANÁLISE PRAGMÁTICA

3.1 O ALCANCE DA ANÁLISE PRAGMÁTICA ....................................................................

3.2 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS QUANTO AOS TERMOS NUCLEARES

DO ICMS-IMPORTAÇÃO .........................................................................................................

3.3 DEFINIÇÃO DO CRITÉRIO PESSOAL PELO STF - LEGITIMIDADE ATIVA .............

3.4 JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA ANTES DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS

PELA EC 33/2001.............................................................................................................. ..........

3.5 POSIÇÃO ATUAL DO STF QUANTO À INCIDÊNCIA DO ICMS-IMPORTAÇÃO ......

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Até o advento da Emenda Constitucional (EC) nº 33, de 2001, todas as tentativas de

tributar toda e qualquer importação por meio do ICMS foram rechaçadas pelo Supremo

Tribunal Federal. Ficou consolidada a posição de não-incidência do ICMS sobre as

importações realizadas por pessoas físicas ou jurídicas que não fossem contribuintes habituais

da exação e que importassem bem para uso próprio. Parecia uma posição acertada do

Judiciário.

No entanto, quando sobreveio a EC 33, em 11 de dezembro de 2001, dando nova

redação ao art. 155, § 2º, inciso IX, “a”, da Constituição Federal, passou-se a consignar que o

ICMS incide:

(...) sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física

ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que

seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o

imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do

destinatário da mercadoria, bem ou serviço (grifo nosso).

Logo, com a nova redação, a pessoa física que vier a importar bens para uso próprio,

ainda que sem caráter de habitualidade e sem exercer o comércio terá que pagar ICMS.

Por meio de Emenda à Constituição, o Poder Constituinte Reformador ampliou a

hipótese de incidência do ICMS, marginalizando importantes princípios e ignorando o caráter

predominantemente comercial da exação, como era antes do advento da EC 33/2001. Essas

alterações foram mais tarde confirmadas com a promulgação da Lei Complementar 114/2002.

Nitidamente tratou-se de uma postura política do Governo, que se viu perdendo uma

questão na Suprema Corte e resolveu, assim, alterar o texto constitucional, visando afastar o

entendimento pacificado pelo STF de que o ICMS não alcançaria as pessoas físicas ou

jurídicas que não fossem contribuintes do imposto.

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O presente trabalho tem por finalidade analisar tais mudanças sob o ponto de vista

sintático, semântico e pragmático da norma, a fim de demonstrar as alterações nos elementos

intranormativos, bem como na conotação e na denotação da norma, e por fim na aplicação

dela pelos nossos tribunais, para que, então, se confirme a inconstitucionalidade dessas

alterações na forma como foram realizadas, bem como nos efeitos provocados.

Buscar-se-á analisar o ICMS desde sua inserção no texto constitucional, assim como

as mudanças sofridas ao longo dos anos, a fim de demonstrar que as alterações provocadas

pela EC 33/2001 mudaram radicalmente a essência do imposto, preservada desde seu

surgimento na Constituição Federal de 1967 até 2001, quando uma manobra radical no texto

do ICMS o descaracterizou para fazê-lo incidir sobre toda e qualquer entrada de bem ou

mercadoria no território nacional; manobra esta realizada pelo Poder Constituinte Derivado

que, para atender à ânsia arrecadatória dos Estados e Distrito Federal, atropelou diretrizes

fundamentais estabelecidas pelo Constituinte Originário.

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NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Inicialmente achamos relevante partir da negação do caráter absoluto e objetivo de

conceitos como universo, conhecimento, verdade e realidade. Adotamos a posição de que o

conhecimento somente se opera mediante construção linguística. Como leciona Paulo de

Barros Carvalho: “conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados

sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições

descritivas ou indicativas”1.

Temos assim que, conhecimento, realidade e verdade ocorrem no contexto da língua,

como bem defende Fabiana Del Padre Tomé:

Aquilo que nos vem por meio dos sentidos e que chamamos realidade é dado bruto,

que se torna real apenas no contexto da língua, única criadora da realidade. Algo se

torna real apenas dentro do processo linguístico, quando esse algo é compreendido

pelos intelectos em conversação autêntica2.

Logo, o real é apenas aquilo que se insere nos limites da linguagem humana. É a

linguagem que cria a realidade, o que significa dizer que só conhecemos aquilo que

construímos por meio da linguagem. No âmbito jurídico, essa linguagem recebe uma

denominação específica, a chamada linguagem competente. É somente por meio dela que se

constitui a realidade jurídica, uma vez que os acontecimentos físicos naturais se perdem no

tempo e no espaço se não forem vertidos em linguagem. Um evento não tem relevância

nenhuma, o que vale para o mundo jurídico são os fatos. Esses sim adentram aos autos

processuais, por sua característica de enunciados que declaram a ocorrência de um evento.

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3 ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 93. 2 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2011/2012, p. 37.

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Não deixando de lado, nesse contexto, a prova como suporte fundamental à constituição do

fato jurídico.

Indo além da ideia de que a linguagem constitui a realidade, nos deparamos com a

questão dos Sistemas de Referência, isso porque tenta-se aqui traçar uma brevíssima

introdução que nos leva do dado bruto ao conhecimento, para então justificar a metodologia

aplicada neste trabalho. Seguindo em frente, temos que não existe conhecimento sem um

Sistema de Referência. Após serem trazidos para a realidade, por meio da linguagem, os

objetos precisam ser colocados em um Sistema de Referência para que adquiram um

significado. Para Goffredo Telles Júnior, o Sistema de Referência consiste no universo

cognitivo do sujeito. Para ele, o ser humano “(...) possui um conjunto ordenado de

conhecimento, uma estrutura cultural, que é seu próprio sistema de referência, em razão do

qual atribui a sua significação às realidades do mundo”3.

O primeiro passo que podemos dar em direção ao conhecimento é estabelecer aquilo

que pretendemos conhecer. Para que possamos conhecer qualquer objeto, é fundamental

realizarmos cortes que delimitem a experiência, indicando os limites da atividade

cognoscitiva.

Tudo aquilo que nos chega aos sentidos é limitado; não importa a imensa gama de

sons que ‘exista’ no mundo natural, aos nossos ouvidos chegam apenas sete oitavas;

igualmente, sem o apelo a maquinário avançado, nossos olhos não percebem a luz emitida a certas frequências, nem nos permitem olhar em todas as direções, ver mais

distante do que alguns quilômetros ou coisas menores do que alguns milímetros4.

Já dizia Pontes de Miranda “Viver é recortar o mundo”5. A realidade é complexa,

infinita, ao passo que nossas mentes são limitadas, por isso, para que tenhamos condições de

3 TELLES JÚNIOR, Goffredo. O Direito Quântico. 6 ed. São Paulo: Max Limonad, 1985, p.289. 4 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. 2012. 195 pp. Dissertação

(Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/S, São Paulo, Set. 2012. p. 23. 5 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O Problema Fundamental do Conhecimento. Porto Alegre:

Globo, 1937, p.27.

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nos aproximar de um objeto é necessário “colocar entre parênteses metódicos a multidão de

dados que nos aparece para isolar os objetos da experiência (...)”6.

Os chamados cortes metodológicos são realizados mediante um processo de abstração,

no qual o sujeito cosgnoscente renuncia partes do todo, aproximando-se apenas dos aspectos

do objeto que pretende conhecer. À primeira vista, os cortes aparecem como uma limitação

que a condição humana apresenta, no entanto sua fundamentalidade se nota quando nos

deparamos com a complexidade do mundo. As abstrações são, pois, necessárias para que

possamos nos aproximar do objeto que pretendemos conhecer. Muitas vezes fazemos isso

sem nem ao menos nos dar conta.

Realizamos assim, constantes incisões epistemológicas, o que significa que ao

criarmos, por meio de corte, o nosso objeto de conhecimento, não estamos modificando o

dado físico, apenas realizando uma delimitação no campo da experiência.

(...) infinitos recortes podem ser feitos sobre a mesma base empírica e esta

permanece sempre a mesma. Sentados numa praia, abstraímos para fins

cognoscitivos, o mar, as pedras, os coqueiros da areia, as nuvens do céu, as ondas do mar, as folhas, o caule, a raiz e o coco do coqueiro, mas tudo continua intacto, de

modo que se outra pessoa ali sentar, pode fazer outra abstração. Esta é mais uma

prova de que o isolamento cognoscitivo é sempre proposital7.

O mundo como tal é de impossível absorção, pela sua infinitude. Para que possamos

apreender um objeto, é necessário transformá-lo de objeto material (objeto em sentido amplo)

em objeto formal (objeto em sentido estrito). Conhecemos, por exemplo, uma mesa apenas

em seu sentido formal, posto que em sentido material, a mesa possui uma infinidade de

características que a mente humana jamais será capaz de captar em sua totalidade.

6 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência

Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. 2012. 195 pp. Dissertação

(Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, São Paulo, Set. 2012. p. 23. 7 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: O Constructivismo Lógico-Semântico. 2

ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 42.

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Lourival Vilanova leciona que o objeto do conhecimento é um descontínuo

homogêneo construído a partir do contínuo heterogêneo, que é o real. Ou seja, o objeto do

conhecimento é criado por meio de um corte gnosiológico no real, o que significa que

realizamos delimitações a partir da nossa percepção de mundo.

Aurora Tomazini de Carvalho ensina;

A delimitação do conceito do objeto marca os limites da experiência cognoscitiva. O

cientista encontra-se preso às suas demarcações sob pena de não compreender aquilo

que pretende, pois como enuncia Kelsen, uma teoria pura quer única e

exclusivamente conhecer seu próprio objeto e nada mais além dele. O problema, muitas vezes, é identificar precisamente aquilo que se pretende conhecer, dizer, por

exemplo, onde termina a política e começa o direito, onde começa o direito e

termina a sociologia e começa a história, etc. Uma das maiores dificuldades

daqueles que se propõe a fazer Ciência é especificar estes limites e se manter neles,

restringindo seu campo de análise apenas ao seu objeto, justamente porque isto é, na

verdade, uma construção8.

Nesse contexto, Fabiana Del Padre Tomé9 ressalta o método como o meio escolhido

pelo sujeito do conhecimento para aproximar-se do objeto por ele delimitado. O método, sem

dúvida, reduz as dificuldades de se apreender um objeto, principalmente quando se trata de

um objeto cultural, como é o caso do direito positivo. Destaca-se aqui a relevância do

constructivismo lógico-semântico como método de trabalho hermenêutico, que visa analisar

os termos do discurso do direito positivo, a fim de conferir-lhes firmeza, por meio da redução

das ambiguidades e vaguidades.

No Brasil, Lourival Vilanova foi o pioneiro desse instrumento de trabalho que

chamamos de Constructivismo Lógico-Semântico, atribuindo inclusive essa denominação ao

método. Vilanova partiu de uma postura constructivista10

, agregando-lhe o adjetivo “lógico-

semântico”. Questionou-se o porquê da ausência da dimensão pragmática na denominação. E

8 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: O Constructivismo Lógico-Semântico. 2

ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 42. 9 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o Constructivismo Lógico-Semântico. In: Vilém Flusser e Juristas – Comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson

Carneiro. São Paulo: Noeses, 2009, p. 322. 10 O termo constructivismo está ligado à ideia de que sempre haverá intervenção do sujeito na formação do

objeto. Contrapõe-se à corrente descritivista, que defende via processo de assimilação de formas.

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três são as razões que podem justificar tal ausência: a primeira é a desnecessidade da menção

expressa ao plano pragmático, uma vez que ele seria plano imprescindível na configuração do

projeto semiótico, logo a menção às dimensões sintáticas e semânticas implicariam

automaticamente à pragmática; outra razão seria a dificuldade das cogitações pragmáticas, já

que esse é o tempo da criação textual; e por fim, devido à grande extensão que ficaria o nome.

O Direito Positivo, como um elemento cultural, comporta inúmeras posições

cognoscentes, o que destaca ainda mais a importância do método, posto que a ânsia

discricionária de oferecer a maior quantidade possível de informação, acaba por impedir o

conhecimento. O Constructivismo Lógico-Semântico oferece importante papel de oferecer

instrumentos teóricos capazes de possibilitar uma melhor compreensão e operacionalização da

experiência jurídica.

Essa concepção implica abandonar a ideia de uma Ciência do Direito meramente

descritiva de um objeto dado, em visão ingenuamente imparcial e não valorativa. As

normas não são dadas, de antemão, no ordenamento, mas dependem de uma

atividade construtivista, em que se atribui sentido ao texto da lei11.

Assim, nota-se um importante traço do Constructivismo Lógico-Semântico: o cientista

efetivamente constrói os sentidos normativos. Essa construção, no entanto, não se dá ao bel-

prazer do cientista do direito, posto que por meio dessa metodologia busca-se amarrar as

ideias, definir os termos importantes, a fim de conferir firmeza ao discurso. Essa amarração se

dá tanto no plano lógico como no plano semântico. Ou seja, pelo Constructivismo Lógico-

Semântico, inicialmente se definem as premissas e os sentidos dos termos, para então buscar

um discurso responsável. Ressalta-se, todavia, que não há uma marginalização do plano

pragmático, até mesmo porque dissociá-lo dos planos lógico e semântico é impossível. O

método, no entanto, nos permite por meio de abstrações, analisar os planos destacando um ou

11 TOMÉ. Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o Constructivismo Lógico-Semântico. In: Vilém Flusser e Juristas

– Comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson

Carneiro. São Paulo: Noeses, 2009, p. 325.

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outro aspecto. O que ele pretende é reduzir os complexos linguísticos a elementos básicos, a

fim de facilitar a compreensão de seu significado. O caminho é decompor, desarticular,

analisar, para então, ir em direção ao objeto, a fim de extrair sua máxima potencialidade.

Buscando desenvolver um trabalho sob as bases do Constructivismo Lógico-

Semântico, aproximamos-nos da Semiótica, para podermos construir um sentido, por meio da

análise dos planos sintático (que tem a lógica como forte instrumento), semântico e

pragmático.

Autores como Paulo de Barros Carvalho, Charles Peirce e Charles Morris distinguem

os três planos de investigação da seguinte forma: i) sintático; ii) semântico e iii) pragmático.

O plano sintático é o plano onde se estudam os vínculos que se estabelecem entre os signos

dentro de um discurso, ou seja, a relação que os signos mantêm entre si. O objeto do plano

semântico, por sua vez, é a relação do signo com a realidade que ele exprime, ou seja, trata os

significados. Por fim, no plano pragmático, os olhos se voltam para a relação dos signos com

seus utentes de linguagem, o que significa que é examinada a forma como os emissores e os

destinatários lidam com o signo no contexto comunicacional.

Analogicamente, temos que a sintaxe da língua portuguesa estuda a relação das

palavras na frase, e das frases no discurso. A semântica ocupa-se do significado dessas

palavras e frases. E a pragmática analisa o modo como as pessoas utilizam essas palavras e

frases na realização da comunicação.

Aplicando esta técnica ao direito positivo, o estudo de seu plano sintático, que tem a

Lógica como forte instrumento, permite conhecer as relações estruturais do sistema

e de sua unidade, a norma jurídica. O ingresso no seu plano semântico possibilita a

análise dos conteúdos significativos atribuídos aos símbolos positivados. É nele que

lidamos com os problemas de vaguidade, ambiguidade e carga valorativa das

palavras e que estabelecemos a ponte que liga a linguagem normativa à conduta

intersubjetiva que ela regula. E as investidas de ordem pragmática permitem

observar o modo como os sujeitos utilizam-se da linguagem jurídica para implantar

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17

certos valores almejados socialmente. É nele que se investiga o manuseio dos textos

pelos tribunais, bem como as questões de criação e aplicação de normas jurídicas12.

Nunca é demais lembrar que a separação da investigação em três planos é apenas para

fins de análise. Buscamos realizar cortes no objeto material, a fim de extrairmos a maior

quantidade de informações. Evidentemente que os planos coexistem e são indissociáveis, no

que separá-los absolutamente é impossível. A separação realizada nesse trabalho, buscará

destacar os aspectos principais dos ângulos sintático, semântico e pragmático, no entanto, por

inúmeras vezes, um se fará presente na esfera do outro.

Antes de seguirmos para a análise do art. 155, § 2º, inciso IX, alínea a, da Constituição

Federal de 1988, é interessante destacar a importância de analisar a norma sob esse viés

Semiótico. O uso da Semiótica nos permite construir um sentido analiticamente, partindo de

três planos de investigação, que embora mantenham evidente contato, focam em aspectos

distintos. O ângulo sintático tem a importância de conduzir o estudo para uma análise

estrutural da norma. O semântico irá analisar os aspectos conceituais (de conteúdo). Por fim,

caberá ao pragmático o estudo do uso da linguagem jurídica.

Pode-se dizer que se tratam de três pontos de vista sobre o mesmo objeto, a fim de que

possamos extrair o máximo de informações possível. No presente estudo, alguns temas que

julgo importante para tratar a pragmática isoladamente foram reservados, outros, no entanto,

trarão a jurisprudência tão logo for tratado a fim de demonstrar como nossos tribunais vêm

entendendo o tema.

12 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: O Constructivismo Lógico-Semântico.

2 ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 165-166.

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18

PARTE 1 - ANÁLISE SINTÁTICA

1.1 O PAPEL DA ANÁLISE SINTÁTICA NO ESTUDO DO ICMS-IMPORTAÇÃO

A sintaxe, entendida como o estudo das relações dos signos entre eles, é a parte mais

desenvolvida dos ramos da Semiótica.

Ao estudar a sintática, ignoram-se as dimensões semânticas e pragmáticas da semiose,

o que não significa que tais planos se excluam, sendo separados apenas para fins didáticos.

Faz-se um corte metodológico, como ensina Paulo de Barros Carvalho, a fim de se aproximar

do objeto de estudo e superar as limitações próprias da condição humana. A concepção de

sintaxe elaborada por Charles Morris omite as demais dimensões, semântica e pragmática, a

fim de priorizar a estrutura lógico-gramatical da linguagem. Evidentemente que neste trabalho

as dimensões não irão aparecer em sua pureza, uma vez que por vezes elas se mesclam a fim

de dar clareza ao assunto em questão. A separação existe para que se possa conhecer as

particularidades de cada uma, no entanto a realidade é una, e muitas vezes se faz necessário

mostrá-la em sua completude de aspectos.

Defende Charles Morris que;

Neste tipo de consideração, uma “língua” (isto é Lsin) é qualquer conjunto de coisas

relacionadas consoante dois tipos de regras: regras de formação, que determinam

combinações permissivelmente independentes de membros do conjunto (chamando

essas combinações proposições), e regras de transformação, que determinam as

proposições que podem ser obtidas de outras proposições13.

13 MORRIS, Chales. Fundamentos da Teoria dos Signos. São Paulo: EDUSP, 1978, p.17.

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19

Clarice von Oertzen de Araújo, sobre a sintaxe, afirma que:

Situam-se no domínio da sintaxe as relações formais que os signos mantém entre si

bem como as regras de combinação que permitem a construção correta de estrutura

sígnica mais complexas ou sintagmas. As regras sintáticas, estando próximas do

cálculo, foram definidas como o domínio das implicações, em três diferentes

acepções: a) estudo da estrutura formal dos signos; b) regras de combinação para a geração de signos compostos; c) as relações formais dos signos entre si14.

Os signos linguísticos são utilizados segundo regras convenientemente estabelecidas e

que devem ser respeitadas visando, principalmente, a possibilidade de o emissor formular a

mensagem que pretende transmitir, bem como a possibilidade de o receptor decodificar essa

mensagem, apreendendo seu conteúdo e realizando de fato a comunicação. Deve-se ressaltar

segundo premissa de Paulo de Barros Carvalho15

, baseado nos ensinamentos de Lourival

Vilanova, as regras jurídicas são sintaticamente homogêneas e semanticamente heterogêneas.

No Direito, a análise sintática tem como um de seus objetos o estudo da

constitucionalidade das leis, uma vez que analisar a constitucionalidade ou

inconstitucionalidade de um preceito nada mais é do que observar a sua relação dentro do

ordenamento. O campo de investigação da sintaxe, nesse sentido, é a relação da lei com o seu

fundamento de validade, observando o agente competente para sua emissão, bem como o

procedimento adotado. Nota-se que nada mais é do que uma relação de um signo com outro

signo.

No caso em tela será, pois, analisada a constitucionalidade da Emenda Constitucional

n° 33, ou seja, essa Emenda será confrontada com a Constituição Federal, com o escopo de

demonstrar que as alterações - da forma como foram realizadas -, foram indevidas, uma vez

que extrapolaram os limites materiais do veículo utilizado, bem como foram de encontro com

um princípio constitucional, orientador do ICMS, o princípio da não-cumulatividade.

14 ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 167. 15 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3 ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 9.

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20

Nesse sentido, Clarice von Oerzten de Araújo sustenta:

Na Ciência do Direito os aspectos sintáticos abrangem, por exemplo, a premissa da

homogeneidade lógica da estrutura das normas jurídicas, as relações entre as normas

primárias e secundárias, as relações de coordenação e subordinação entre as normas,

o problema do fundamento de validade conforme concebido por Kelsen, o

procedimento de imunização condicional, e os procedimentos adequados de

produção normativa. Todos os exemplos têm em comum o aspecto formal16.

Complementando,

Do ponto de vista sintático, a validade das normas do direito é considerada pelo

positivismo como o correto encadeamento entre normas de diferentes graus

hierárquicos. A questão da validade das normas implica a investigação das relações

hierárquicas entre normas superiores e inferiores. Mesmo nos casos em que uma

norma superior não determine o conteúdo de uma norma inferior, o que é

denominado por Kelsen de perspectiva dinâmica da ordem jurídica, as relações

apresentam o seu caráter hierárquico. A questão das fontes do direito e da produção

de normas jurídicas em um dado ordenamento apresenta, portanto, um expressivo

valor sintático17.

Logo, passamos a analisar o ICMS-Importação, sob o ângulo sintático, demonstramos

os elementos que o compõe, bem como os princípios que o norteiam, desde a sua inserção na

ordem jurídica brasileira, até os dias atuais.

1.2 A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

O professor Paulo de Barros Carvalho, inspirado nas lições de Alfredo Augusto

Becker e Geraldo Ataliba, ao observar algumas propriedades eleitas pelo legislador para

delimitação de hipóteses e consequentes das regras que instituem tributos, notou que havia

repetição de alguns componentes. Foi então que ele apresentou a regra-matriz de incidência

16 ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 169. 17 Idem.

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21

tributária. Em sua tese de doutoramento, Paulo de Barros apresentou os componentes da

norma jurídica tributária, os quais foram demonstrados de forma mais bem segmentada com a

edição do livro Curso de Direito Tributário. Foi a partir destes estudos que o nome regra

matriz de incidência tributária foi consolidado como sinônimo de norma tributária em sentido

estrito e um desenho formal foi demonstrado e recepcionado como referência, sendo utilizado

em centenas de obras especializadas, configurando um verdadeiro marco na Teoria Geral do

Direito Tributário18

.

Ao examinarmos diversas normas, é possível perceber uma constante. O legislador

quando seleciona as propriedades dos fatos e das relações jurídicas utiliza sempre os mesmos

critérios, percebidos quando, ao fazermos uma abstração lógica, conseguimos separar

expressões genéricas designativas do fato e da relação, presentes em qualquer norma jurídica

que se estude.

Se considerarmos que toda classe delineada pela hipótese converge para um

acontecimento, caracterizado por ser um ponto no tempo e no espaço, temos que ela

necessariamente deve se referir: (i) às propriedades de ação nuclear deste acontecimento; (ii)

ao local; e (iii) ao momento de ocorrência. Elementos sem os quais torna-se impossível a

identificá-la com precisão.

O mesmo ocorre se tivermos em mente que toda classe delineada pelo consequente

indica uma relação onde se tem um sujeito obrigado, proibido ou permitido a fazer ou deixar

de fazer algo frente a outro sujeito. Neste caso, necessariamente, vamos encontrar

propriedades que identifiquem: (i) os dois sujeitos envolvidos: ativo e passivo; e (ii) o objeto

da relação, ou seja, aquilo que vincula um sujeito ao outro. Estes são, então, os elementos que

nos possibilitam exibir um esquema padrão, já que toda construção normativa, para que tenha

sentido, requer como conteúdo mínimo tais elementos significativos.

18 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: O Constructivismo Lógico-Semântico.

2 ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 371-372.

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22

Existem dois grupos de normas: aquelas produzidas para incidir, e outras que nascem

como resultado da incidência. As primeiras são as ditas normas gerais e abstratas, nas quais

podemos perceber a classe dos fatos, delimitada pela hipótese, e das relações, delimitada

pelo consequente. As normas produzidas como resultado da incidência de outras normas,

por sua vez, são denominadas normas individuais e concretas. Seu antecedente e

consequente abarcam apenas um elemento: o fato jurídico e a relação jurídica objetivados.

Em ambas as normas é possível encontrar elementos identificativos de um evento e de uma

relação entre sujeitos, o que os diferencia é que nas normas gerais e abstratas estas

referências delimitam um conceito conotativo, ao passo que nas normas individuais e

concretas elas demarcam um conceito denotativo.

Aurora Tomazini de Carvalho leciona que:

(...) o descritor de uma norma do tipo geral e abstrata não traz a descrição de um

acontecimento especificamente determinado, alude a uma classe de eventos, na qual

se encaixam infinitas ocorrências concretas. Da mesma forma, o consequente não

traz a prescrição de uma relação intersubjetiva especificadamente determinada e individualizada, alude uma classe de vínculos intersubjetivos, na qual se encaixam

infinitas relações entre sujeitos19.

Logo temos que, para que possamos construir os conceitos conotativos destas normas,

é preciso que tenhamos, no antecedente: (i) um critério material (que irá delinear um

comportamento/ação pessoal); (ii) um critério temporal (que irá condicionar a ação no tempo)

e (iii) um critério espacial (identificador do espaço da ação). E no consequente: (iv) um

critério pessoal (identificador dos sujeitos ativo e passivo da relação); e (v) um critério

prestacional (qualificador do objeto da prestação).

Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho: “a conjunção destes dados indicativos nos

oferece a possibilidade de exibir, na plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma padrão,

19 CARVALHO. Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: O Constructivismo Lógico-Semântico.

2 ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 374.

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23

preenchido com os requisitos significativos necessários e suficientes para o impacto jurídico

da exação”20

.

A regra matriz de incidência são as normas padrão de incidência, ou seja aquelas que

são construídas para serem aplicadas em casos concretos. Aurora Tomazini de Carvalho

demonstra de forma bastante clara que:

Na expressão ‘regra-matriz de incidência’ emprega-se o termo ‘regra’ como

sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete,

alcançada a partir do contato com os textos legislados. O termo ‘matriz’ é utilizado

para significar que tal construção serve como modelo padrão sintático-semântico a produção da linguagem jurídica concreta. E ‘de incidência’, porque se referem a

normas produzidas para serem aplicadas21.

Assim, analisando os estudos de Paulo de Barros Carvalho, é possível notar que todas

as normas padrões de incidência, considerando os diversos ramos do direito, apresentam a

mesma estrutura sintática, sendo os conteúdos mínimos de significação da hipótese e dos

consequentes compostos pelo mesmos critérios, que nos permite construir uma estrutura

padrão, que vem a ser a regra-matriz de incidência.

Temos, então, que a regra-matriz de incidência se tem o seguinte arquétipo:

H

(hipótese)

Regra-matriz

de incidência

C

(Conseqüência)

20 CARVALHO. Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6 ed. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 81. 21 CARVALHO. Aurora Tomazini de Curso de Teoria Geral do Direito. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 376.

Critério Material (verbo + complemento)

Critério Temporal

Critério Espacial

Critério Pessoal Sujeito ativo +

sujeito passivo

Critério Prestacional

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24

A exposição desse esquema tem sua importância no fato de que seu preenchimento

nos possibilita construir qualquer norma padrão de incidência. Como advoga Jean Paolo

Simei e Silva: “A regra-modelo ou regra-matriz adrede referida versa sobre esquema lógico-

semântico, que revela conteúdo normativo, sendo utilizado na construção de quaisquer

normas jurídicas em sentido estrito”22

.

Buscando nos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, concluímos, então que a

regra matriz de incidência pode ser assim definida;

Ora, a regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, uma norma de

conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os

fatos descritos na hipótese, deve-ser a conseqüência, e esta, por sua vez

prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o

dever-ser modalizado23

.

A fim de demonstrar as alterações na estrutura no ICMS e questionarmos a validade

dessas alterações, estudaremos a regra-matriz do ICMS desde a sua inserção no ordenamento

jurídico, ainda sob a nomenclatura de ICM.

1.3 A INTRODUÇÃO DO ICM NO ORDENAMENTO JURÍDICO

O desenho inaugural do ICM foi trazido por norma introduzida pela Emenda

Constitucional nº 18, de 1/12/1965 (art. 12). Essa norma foi mantida pela Constituição de

22 SILVA, Jean Paolo Simei. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, PUC-SP/Faculdade de

Direito, 2011, p. 55. 23 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.410.

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25

1967, em seu art. 24, II e pela Emenda Constitucional nº 1/69, em seu art. 23, II nos seguintes

termos:

Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores,

industriais e comerciantes, impostos que não será cumulativos e dos quais se

abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

O critério material, segundo Geraldo Ataliba, é o aspecto mais complexo da hipótese

de incidência, uma vez que contém a designação de todos os dados de ordem objetiva, ou

seja, é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à hipótese de incidência. O

autor destaca que “este aspecto dá, por assim dizer, a verdadeira consistência da hipótese de

incidência. Contém a indicação de sua substância essencial, que é o que de mais importante e

decisivo há na sua configuração24

”.

No que tange à norma supra descrita e valendo-se dos ensinamentos do Mestre

Geraldo Ataliba, concluímos que o critério material do ICM era realizar “operações relativas à

circulação de mercadorias”.

O critério espacial, definido por Ataliba25

como a indicação de circunstâncias de lugar,

contidas explícita ou implicitamente na hipótese de incidência, relevantes para a configuração

do fato imponível, no caso do ICM acaba por coincidir com o território do ente tributante,

ressaltando ser essa hipótese mera opção do legislador, e não uma vinculação obrigatória.

Logo, o critério espacial do ICM na Constituição de 67 era o território dos respectivos

Estados instituidores e do Distrito Federal.

Como critério temporal, tem-se a saída das mercadorias dos estabelecimentos

vendedores. Marcelo Viana Salomão26

afirma que o critério temporal diz respeito ao

momento em que a legislação considera que o fato imponível foi consumado. Jean Paolo

24 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.106. 25 Ibidem, p. 104. 26 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 39.

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26

Simei e Silva afirma que “temos no critério temporal elementos apontados pelo legislador

constitucional como o momento em que se reputará ocorrido o fato descrito de forma abstrata

no antecedente da norma”27

.

Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, assim o descreve:

Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de

indicações, contidas no suposto da regra e que nos oferecem elementos para saber,

com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o

liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto - o pagamento

de certa prestação pecuniária28.

O legislador infraconstitucional poderia optar por uma data, como fez no caso dos

impostos que incidem sobre a propriedade ou, então, escolher um acontecimento determinável

no tempo, como foi feito no ICM. Nada impediria que ele optasse pelo momento da entrada

da mercadoria, por exemplo.

Quanto aos critérios contidos no consequente da norma temos: o critério pessoal e o

critério quantitativo, sabendo-se que o critério pessoal trata dos sujeitos ativo e passivo da

relação jurídico-tributária. O sujeito passivo é aquele que ocupa a posição de devedor na

relação tributária obrigacional. Assim, na leitura da norma retrotranscrita tal aspecto foi

expressamente delineado, podendo ser portanto contribuintes do ICM os industriais,

produtores e comerciantes. Logo, a natureza jurídica do promotor da operação deveria,

obrigatoriamente, corresponder a um produtor, um comerciante ou um industrial, ninguém

mais, por impedimento constitucional, poderia ser constrangido a pagar este tributo. Com

relação ao sujeito ativo, ou seja, aquele que ocupa o lugar de credor na relação tributária, têm-

se os Estados e o Distrito Federal.

27 SILVA, Jean Paolo Simei e. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC – SP. São Paulo: PUC-SP/

Faculdade de Direito, 2011, p. 72. 28 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 327.

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27

Diante disso, Marcelo Viana Salomão ensina que “geralmente preenchem este pólo da

relação tributária as pessoas políticas de direito constitucional interno, ou seja, quem tem

competência tributária. Contudo, tal posto pode ser ocupado também por pessoas privadas que

tenham capacidade tributária29

”.

Por fim, o critério quantitativo é composto por dois elementos: a base de cálculo e a

alíquota. A base econômica, segundo Hugo de Brito Machado é a “expressão econômica do

fato gerador do tributo”30

. Quando a lei institui um tributo, ela deve fazer referência a uma

realidade economicamente quantificável, sobre a qual será aplicada a alíquota resultando no

valor do tributo devido. É, pois, a valoração econômica do critério material, que no imposto

em tela é o valor da operação.

A alíquota, por sua vez, é vinculada à base de cálculo para se aferir o valor da dívida

tributária. Isoladamente é mero elemento aritmético, geralmente expresso em porcentagem,

ou seja, trata-se, segundo os matemáticos, da parte ou da quantidade que está contida em

outra, em número exato de vezes. A alíquota é, assim, a relação existente entre a expressão

quantitativa do fato gerador e o valor do tributo correspondente. Costuma-se dizer que a

alíquota é o percentual que, aplicado sobre a base de cálculo, nos indica o valor do imposto

devido. No desenho do ICM, na Constituição de 1967, as alíquotas são as várias porcentagens

previstas nas legislações competentes.

29 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.40. 30 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 135.

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28

1.4 A EMENDA CONSTITUCIONAL 23/1983

A Emenda Constitucional nº 23, de 1º de dezembro de 1983, introduziu pela primeira

vez no texto constitucional a expressão “entrada de mercadorias e bens importados do

exterior” ligada ao ICM. Antes dela, apenas algumas disposições infraconstitucionais faziam

menção à “entrada de mercadoria no estabelecimento do importador”. Tal previsão permitia à

alguns fiscos estaduais cobrarem ICM na entrada em estabelecimento dos importadores, tanto

sobre mercadorias, como sobre qualquer bem.

Apenas a título de curiosidade, a Emenda Constitucional 23/1983 foi o veículo

introdutor, no ordenamento constitucional vigente à época (Constituição Federal

1967/1969), do imposto de importação estadual (ICM na importação), sobre

mercadorias e bens destinados a consumo ou ativo fixo31.

Os contribuintes, no entanto, discordavam veementemente dessa cobrança, alegando

que a “entrada” era apenas o critério temporal da norma de incidência do ICM, o que não abre

a possibilidade de tributação. O critério material, como propunha a Constituição de 1967, era

a “realização de operações”, ou seja e existência de um negócio jurídico. Nessa situação, a

operação mercantil ocorria em outro país, o que não permitia que um Estado-membro da

federação brasileira cobrasse a exação. O núcleo da regra matriz era uma ação ocorrida em

território nacional. A “entrada”, como pretendiam tributar, tratava apenas de indicar o critério

temporal, no caso, de uma ação que nem ao menos havia ocorrido em terras nacionais, o fato

imponível do ICM não estava sob a competência dos Estados brasileiros. Um segundo

argumento apresentado pelos contribuintes foi que se ainda que possível se tributar a

“entrada”, deveria se considerar apenas a entrada de mercadorias, jamais de bens.

31 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. rev. amp. até a EC 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2009, p.60.

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29

O Judiciário entrou na questão e, liderado pelo Supremo Tribunal Federal, decidiu a

favor dos contribuintes, mas apenas no sentido de que somente a importação de mercadorias

por comerciante, industrial ou produtor poderiam ser tributadas pelo ICM, ao entrarem no

estabelecimento do importador.

A Emenda Constitucional 23 foi, sem dúvida, uma tentativa dos Estados de

aumentarem sua arrecadação, porém sem o devido cuidado e cautela que deve ter qualquer

mudança no texto constitucional. Infelizmente ela foi aprovada e alterou a Constituição

vigente, acrescentando ao art.23, o § 11, nos seguintes termos:

§ 11. O imposto a que se refere o item II incidirá também, sobre a entrada, em

estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do

exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou

ativo fixo do estabelecimento.

Foi então a partir desse momento, que qualquer importação realizada por produtores,

industriais e comerciantes, quer fossem mercadorias, quer fossem bens para o ativo

permanente ou consumo próprio, passaram a ser alvo de incidência do ICM. Os Estados se

aproveitaram da locução ‘incidirá também’ para tributarem mais que apenas a circulação de

mercadorias, alcançando toda e qualquer entrada de produto estrangeiro em território

nacional.

Vale destacar que a Emenda Constitucional 23 deixou expresso em seu texto que

apenas os comerciantes, produtores e industriais poderiam figurar como sujeito passivo do

ICM. Essa informação posta aqui parece óbvia, mas é de suma importância que seja aqui

destacada para as mudanças que serão demonstradas mais à frente deste estudo.

Antes do advento da Emenda Constitucional 23/1983 os Estados, com base na

legislação ordinária, tentaram (em vão) tributar, a título de ICM, ainda que a

descoberto de previsão constitucional, as importações efetuadas por produtores,

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30

industriais e comerciantes. Com esta Emenda Constitucional viabilizou-se a

pretensão dos Estados, sempre ávidos a aumentar suas receitas32.

1.5 O ICMS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Após tratar das principais mudanças ocorridas no desenho do ICM, desde sua inserção

no texto constitucional, chegamos ao ponto de estudar a atual previsão deste imposto na

Constituição de 1988.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as

operações e as prestações se iniciem no exterior.

Da leitura da referida exação, assim como está na Carta Magna, é possível concluir

que se trata de um imposto sobre “operações” relativas à “circulação de mercadorias”, assim

como era o ICM das constituições pretéritas. “O Constituinte manteve a mesma hipótese

tributária do ICM”33

.

Marcelo Viana Salomão34

chama atenção para o fato de que a manutenção ou não da

essência do ICM ser peça chave no estudo do ICMS, uma vez que por meio da análise do

ICM é possível perceber se existe ou não uma relação de continuidade entre as regras

constitucionais do ICM e do ICMS.

É notório que os principais termos que permeavam o ICM, tais como “operação”,

“circulação”, “mercadoria” continuam em destaque na atual regra do ICMS. O Constituinte de

1988 também quis que se tratasse de uma exação que incidisse sobre “operações relativas à

circulação de mercadoria”, tal como pretendia o Constituinte de 1967.

32 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. rev. amp. até a EC 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 60. 33 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 45. 34 Idem.

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31

Logo, aquilo que foi estudado acerca do ICM passa também a ser válido para o ICMS,

o que para Salomão “esta conclusão é uma das bases deste estudo”35

.

A regra matriz de incidência tributária do ICMS, foi ampliada quando o constituinte

incluiu como hipótese de incidência do imposto a prestação de serviços de transporte

interestadual, intermunicipal e de comunicação. Agora, além da hipótese já prevista pelo

ICM, o imposto passou a incidir sobre serviços, anteriormente tributados apenas pelos

Municípios.

O ICM ganhou um “S” e tornou-se um tributo com mais de uma hipótese de

incidência. Jean Paolo Simei e Silva36

destaca que o ICMS constitucionalmente previsto não

se refere a um único imposto, mas sim a cinco impostos diferentes, cada um com uma

materialidade própria, no entanto com um núcleo comum que impõe a obediência de regras

comuns aos diversos ICMS. Roque Antonio Carrazza coaduna deste entendimento:

A sigla ‘ICMS’ alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber: a) imposto

sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de

algum modo compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transportes interestadual e intermunicipal; c)

o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação,

circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e

gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre extração, circulação, distribuição

ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de

incidência de bases de cálculo diferentes. Há, pois, pelo menos cinco núcleos

distintos de incidência do ICMS37.

Ao mesmo tempo, Marcelo Viana Salomão destaca também que;

Atualmente o ICMS trata-se de imposto que incide sobre as operações mercantis que

tenham por consequência a mudança de titularidade da mercadoria em questão, bem

como sobre a prestações de alguns serviços determinados. O que nos leva a concluir

que a grande alteração foi a outorga de competência impositiva aos Estados para, por intermédio dele, também tributar a prestação de alguns serviços38.

35 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 46. 36 SILVA, Jean Paolo Simei e. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC/SP/Faculdade de

Direito, 2011. 37 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 34. 38 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 47.

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32

Tal alteração, contudo, não modificou a essência do ICM, apenas incluiu outras

possibilidades de incidência do imposto, o que nos leva a ter dois impostos sob a mesma

denominação, já que cada um tem seu aspecto material e sua base de cálculo próprios.

Prova disso é que serviço, segundo seus maiores estudiosos, é uma atividade

humana realizada para outra pessoa, sem o caráter de subordinação, porém com

valoração econômica, regulada pelo direito privado, ou seja, absolutamente diferente

de realizar uma operação mercantil39.

Os princípios e as regras do ICM não foram modificados com a criação do ICMS, e

até mesmo a hipótese subsequente passou a ser disciplinada por tais regras e princípios. Vale

dizer que atualmente estamos diante de dois impostos distintos que, no entanto, sujeitam-se às

mesmas regras, e assim sendo:

Buscando uma forma de melhor elucidar esta ampliação da hipótese tributária

mantenedora da estrutura antes existente, imaginemos a seguinte figura: o ICM era

um prédio de três andares, com uma entrada, uma saída, portas, janelas, divisões e

escadas próprias. Com o advento da Carta de 1988, os Constituintes construíram

mais um andar neste prédio, sem, contudo, derrubar nenhuma parede, fechar

nenhuma porta ou janela, sem alterar nenhuma divisão, sem interromper nenhuma escada e, principalmente, sem alterar os alicerces já existentes. Ou seja, obviamente

o prédio foi ampliado, pois se acrescentou um andar; os três andares originais,

porém foram integralmente mantidos. Vale dizer, para se chegar ao quarto andar

necessariamente terá que ser utilizada a mesma entrada e a mesma escada existente

antes de sua construção. Nome do prédio: ICMS. Nome dos dois primeiros andares:

regras estruturais. Nome do terceiro andar: ICM. Nome do quarto andar: Imposto

sobre serviços de transportes Interestaduais e Intermunicipais e de Comunicação40.

Nessa esteira advoga Geraldo Ataliba: “o preceito constitucional fixador dessa ‘regra

matriz’ impositiva é, em tudo e por tudo, igual ao da Constituição anterior, salvo o acréscimo

de serviços, a este estudo impertinente”41

.

Ao concluir pela recepção dos alicerces do ICM, temos que a materialidade do ICMS

manteve-se idêntica à do ICM, bem como manteve-se a legislação materialmente compatível

39 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 47. 40 Ibidem. p. 47-48. 41 ATALIBA, Geraldo. ICMS – não incidência na ativação de bens de fabricação própria. Revista de Direito

Tributário, São Paulo, n. 63, p. 194, set. 1993.

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33

com a nova Carta aplicada anteriormente. A recepção, seja da legislação complementar, seja

da ordinária referente ao ICM é uma fato inquestionável.

A regra matriz de incidência tributária do atual ICMS não parece sofrer grande

celeuma para ser descoberta, uma vez que esta se manteve tal e qual queria o Constituinte

anterior, lembrando que trabalharemos aqui apenas com a incidência do tributo sobre as

operações relativas à circulação de mercadorias.

No entanto, a análise da sujeição passiva do ICMS requer maior cuidado, uma vez que

o Constituinte de 1988 excluiu do inciso II, do art. 155, da CF/88, as palavras produtores,

industriais e comerciantes, o que não significa que sua dedução não seja evidente.

Como já analisamos, a estrutura do ICM foi integralmente mantida quando foi

elaborado o ICMS, razão que nos leva a afirmar com convicção que também foram mantidos

os sujeitos passivos da obrigação tributária. Logo, continuam podendo figurar no pólo passivo

da relação jurídico-tributária os produtores, os industriais e os comerciantes. A regra que

estabelecia esta condição na Constituição anterior não encontra obstáculos em nenhuma regra

exposta na Carta de 1988, o que nos comprova mais uma vez que houve total recepção das

regras e princípios do ICM.

Para Marcelo Viana Salomão,

É fundamental, todavia, anotar que também se chega à conclusão de quem são os

sujeitos passivos fazendo uso da interpretação sistemática, pois como o constituinte de

1988 empregou novamente o termo mercadoria para definir o critério material da hipótese tributária do ICMS sobre operações mercantis, e como o que caracteriza esse

termo é a ‘natureza de promotor da operação que a tem por objeto e a destinação que

a ela dá seu titular’, só podem figurar no pólo passivo desta relação tributária os

industriais, os produtores e os comerciantes, pois só eles produzem para vender com

lucro, ou compram para revender tendo em mira ganhos financeiros42.

Concluímos, assim, que o ICM sofreu uma alteração para atingir também serviços, no

entanto nada foi modificado quanto as suas regras e princípios. O ICMS passou a ser

42 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 52.

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34

aplicado, quanto às operações mercantis, nos mesmos termos que na Constituição anterior,

mantendo intacta sua essência e princípios basilares.

Assim, argumenta José Eduardo Soares de Melo: “Tratando-se de repetição da

materialidade expressa no antigo texto constitucional (art. 23, II da CF/67), continuou sendo

aplicável a legislação complementar anterior (Decreto-Lei nº 406, de 31.12.68), por força do

art. 34 § 5º do ADCT, ‘verbis43

’44

.

1.6 O ICMS-IMPORTAÇÃO45

ANTES E DEPOIS DA EC 33/2001

O art. 155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal, segundo a redação dada pelo

constituinte de 1988, estabelecia que:

IX – incidirá também [o ICMS]:

a) sobre a entrada de mercadoria importada no exterior, ainda quando se tratar de

bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o

estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço.

Nessa esteira, a regra matriz do ICMS podia ser vislumbrada sob o seguinte arquétipo:

a. Critério Material: realizar operações relativas à circulação de mercadorias

importadas do exterior, bem como os serviços prestados no exterior;

b. Critério Espacial: território dos respectivos Estados instituidores e do Distrito

Federal;

43 Art. 34, § 5º do ADCT: vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §§ 3º e 4º. 44 MELO. José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 11. 45 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009,

p.756.

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35

c. Critério Temporal: a entrada de mercadoria importada do exterior e o término do

serviço prestado no exterior;

d. Critério Pessoal:

d.1. Sujeito Ativo: Estados e Distrito Federal onde estiver situado o estabelecimento

destinatário da mercadoria ou do serviço;

d.2. Sujeito Passivo: produtores, industriais e comerciantes;

e. Critério Quantitativo:

e.1. Base de Cálculo: valor da operação;

e.2. Alíquota: várias porcentagens previstas nas legislações competentes.

Com a EC 33/2001, a redação do art. 155, § 2º, a, IX, da Constituição Federal sofreu

significativa alteração, notada, principalmente na aplicabilidade do artigo em questão. Assim,

o referido dispositivo passou a ter a seguinte redação:

XI – incidirá também [o ICMS]:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física ou

jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua

finalidade, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao

Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento destinatário da

mercadoria ou do serviço.

Com a atual redação do artigo em questão, a regra matriz passou a ter o seguinte

desenho:

a. Critério Material: realizar operações relativas à circulação de bens e mercadorias

importadas do exterior;

b. Critério Espacial: território dos respectivos Estados instituidores e do Distrito

Federal, bem como o término do serviço realizado no exterior;

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36

c. Critério Temporal: a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior,

qualquer que seja a sua finalidade;

d. Critério Pessoal:

d.1. Sujeito Ativo: Estados e Distrito Federal, onde estiver localizado o domicílio ou o

estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço;

d.2. Sujeito Passivo: pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual

do imposto;

e. Critério Quantitativo:

e.1. Base de Cálculo: valor da operação;

e.2. Alíquota: várias porcentagens previstas nas legislações competentes.

Diante das duas regras matriz de incidência tributária, é possível notar que as

principais mudanças ocorreram nos âmbitos dos critérios material e pessoal do ICMS. É

dominante entre os juristas que o ICMS só pode ser exigido de quem efetue operações

mercantis em caráter habitual, sendo que (antes da EC 33/2001) a incidência do tributo era

sobre bens destinados ao consumo ou ativo fixo. Após a EC 33/2001, qualquer tipo de bem

passou a ser atingido pelo ICMS, fulminando o critério material do tributo. Se antes o ICMS

recaía sobre operações de circulação de mercadorias vindas do exterior, agora recai também

sobre os bens de mesma procedência, havendo, indiscutivelmente, alargamento da incidência

do imposto. Ao utilizar a expressão “qualquer que seja sua finalidade”, que qualifica o bem

ou a mercadoria, o constituinte derivado encerra por desconsiderar que apenas os negócios de

natureza mercantil fossem tributados pelo ICMS. A partir de 2001, o ICMS verifica se há

apenas o “ato de importar”, pois as demais características caíram por terra.

No que tange ao critério pessoal, a EC 33/2001 tirou aquele que praticava atos de

mercancia com habitualidade de cena, para que o sujeito passivo do tributo passasse a ser

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37

qualquer ente que adquira bens do estrangeiro, mesmo que não se configure um negócio

mercantil. Se antes a única condita capaz de ensejar a cobrança da exação era 'realizar

operações relativas à circulação de mercadorias, mesmo que provenientes do exterior', agora

toda pessoa que traga algo do exterior, mesmo que seja uma peça de roupa, irá configurar no

pólo passivo da obrigação tributária, devendo arcar com o seu dever jurídico de pagar o

tributo.

1.6.1 Definição dos contribuintes do ICMS-importação

Não há grande celeuma em torno da definição do sujeito ativo competente para exigir

o ICMS sobre a importação de mercadorias. A própria Constituição Federal define que o

tributo é devido “ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do

destinatário da mercadoria, bem ou serviço”.

Luciano Garcia Miguel expõe da seguinte maneira:

O sujeito ativo titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária pode ser:

(i) pessoas jurídicas de direito público, investidas de capacidade política, dotadas de

poder legislativo e habilitadas a inovar a ordem jurídica pela edição de normas; (ii)

pessoas jurídicas de direito público, sem competência tributária, mas credenciada à

titularidade de direitos subjetivos; (iii) pessoas jurídicas de direito privado que

exercitam funções de grande interesse para o desenvolvimento de finalidades

públicas (entidades paraestatais); (iv) pessoa física que, em determinado momento,

desempenhe atividade exclusiva e de real interesse público46.

Quando tratamos do ICMS-importação, temos que a definição do sujeito ativo está

intimamente ligada à figura do sujeito passivo, este já de não tão óbvia dedução. Será sujeito

passivo - pelo sistema tributário brasileiro -, aquele que desencadear ou produzir a hipótese de

46 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas Operações de Importação. São Paulo: Noeses, 2013,

p.138.

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38

incidência, ou ainda aquele que tiver relação pessoal e direta com a materialidade, como prega

o art. 121, Parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional.

A referência daquele que pode ser o sujeito passivo da obrigação tributária é sempre

definida constitucionalmente, não podendo a lei escolher ao seu bel-prazer o contribuinte da

exação. A Constituição não define expressamente quem será o sujeito passivo, mas reporta-se

genericamente a eventos ou a bens que funcionam como limites à discricionariedade e

arbitrariedade do legislador infraconstitucional.

A determinação do sujeito passivo da relação jurídica tributária é, assim, realizada

pelo próprio texto constitucional, em decorrência da distribuição das competências

tributárias, o que deve ser obedecido pela pessoa política quando, ao exercer a

competência, edita a lei instituidora do tributo47.

Temos assim, à partir de Jean Paolo Simei e Silva que:

Dessa forma, fixou o legislador constituinte, aos Estados e Distrito Federal,

competência tributária para legislar sobre o ICMS-importação, conferindo a estes a

sujeição ativa, portando, portadores do direito subjetivo de cobrar a referida exação,

especificando, ainda, o sujeito passivo identificado no texto constitucional como

destinatário da mercadoria48.

Nesse mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza argumenta que: “Na importação, a

Constituição Federal estabelece que a entrada física da mercadoria é decisiva para identificar

o estabelecimento juridicamente qualificado como contribuinte do ICMS-importação (art. 155

§ 2º, IX, “a”, e XII, “d”, da CF)”49

.

Logo, com relação à operação de importação, temos que o sujeito passivo, em regra,

será a pessoa física ou jurídica que promove a importação, ou seja, o sujeito passivo será

47 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas Operações de Importação. São Paulo: Noeses, 2013,

p.141. 48 SILVA. Jean Paolo Simei e. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC-SP/ Faculdade de

Direito, 2001, p. 75. Jean Paolo Simei e Silva chama a atenção para o grande celeuma que existia ate 2004 acerca da sujeição passiva do ICMS-importação, por conta do julgamento do Recurso Extraordinário 396.859-

RJ, pois, tendo como critério temporal o desembaraço aduaneiro, pairava dúvida sobre se a concretização da

relação jurídica ensejadora dar-se-ia por ocasião do despacho aduaneiro. 49 CARRAZZA. Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 76.

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39

aquele que introduzir a mercadoria importada no mercado interno. Não se pretende discutir

nesse tópico a constitucionalidade de se tributar pessoas físicas ou jurídicas que importem

bens para uso próprio sem caráter de habitualidade. A intenção é mostrar que após a redação

dada ao art. 155, § 2º, IX, “a”, pela EC 33/2001, por via de regra o sujeito passivo é o

importador.

A questão controversa ao se tratar de sujeito passivo se dá quando o importador estiver

estabelecido em Estado diverso daquele em que ocorreu o desembaraço aduaneiro. Sobre o

tema, Paulo de Barros Carvalho defende:

Não interessa, para fins jurídico-tributários, o local onde se dá o desembaraço

aduaneiro, pois o ICMS-importação não cabe ao Estado onde ocorreu o ato físico de

entrada no território nacional, mas àquele onde se localiza o sujeito passivo do

tributo, destinatário da operação importadora50.

De fato, o local em que ocorreu o desembaraço aduaneiro não deve ser relevante, uma

vez que se assim fosse alguns Estados jamais iriam arrecadar este tributo, simplesmente

porque em seu território é impossível que ocorra este desembaraço. A norma constitucional

evidentemente privilegia o destinatário da mercadoria para definir o sujeito passivo do ICMS-

importação.

EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ART. 155, §2º,

IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSTO SOBRE

CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇOS – ICMS.

OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO. ESTADO APTO AO

RECOLHIMENTO. LOCALIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO

DESTINATÁRIO, INDEPENDENTEMENTE DO LOCAL DO

DESEMBARAÇO ADUANEIRO. ANÁLISE DE MATÉRIA

FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO

STF. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no

sentido de que o sujeito ativo do ICMS é o Estado-membro para o

qual, efetivamente, destinou-se a mercadoria importada,

independentemente do local do desembaraço aduaneiro. 2. Agravo

regimental a que se nega provimento.

50 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008a, p. 677.

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40

(Supremo Tribunal Federal. RE 460.118 AgR-segundo/MG. Segundo

Ag. Reg no Recurso Extraordinário. Rel. Min. Teori Zavascki. Jul.

18/02/2014. Órgão Julgador: Segunda Turma)

Definido que o sujeito passivo é a figura do destinatário da mercadoria, outra questão

retorna à berlinda, uma vez que a legislação previu diferentes formas para a operacionalização

da importação: (i) a importação por conta própria; (ii) a importação por conta e ordem; e (iii)

a importação por encomenda. Passamos à elas.

1.6.1.1 A Importação por conta própria

A importação por conta própria ocorre quando o próprio contribuinte é quem realiza

os atos materiais de importação, se encarregando de providenciar a nacionalização dos bens e

o despacho aduaneiro.

Nessa modalidade, a figura do importador e do destinatário se confundem, não

gerando qualquer problema para se identificar quem é o sujeito ativo. Como foi demonstrado,

o local em que ocorre o desembaraço aduaneiro é indiferente para se chegar ao critério

pessoal, sendo relevante apenas para o critério temporal. Portanto, quando se trata de

importação por conta própria basta perquirir onde está situado o adquirente-importador, ou

seja, o sujeito passivo da relação para se chegar a unidade federativa que figurará no pólo

ativo.

Na importação direta, toda a operação é promovida pelo próprio destinatário final

dos bens ou das mercadorias, sem qualquer intermediação legítima de pessoas.

Assim, não resta dúvida de que o ICMS, no caso, será devido à Unidade Federada

onde se situar o estabelecimento da entrada física dos mesmos51.

51 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.77.

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41

1.6.1.2 A Importação por conta e ordem

Tendo em vista as dificuldades para a realização de importações diretas, é de

comum conhecimento a demora em se conseguir um despacho aduaneiro quando se é um

cidadão comum, no que muitos optam em adquirir mercadorias por meio de empresas

qualificadas, então denominadas tradings52

. As modalidades de importação por terceiros são:

(i) importação por conta e ordem; e (ii) importação por encomenda.

Estas modalidades há muito tempo geram debates e conflitos de competência entre os

Estados, que disputam a sujeição ativa do ICMS, principalmente nos casos em que o

adquirente e o importador não se encontram localizados na mesma unidade federativa.

A doutrina tem se inclinado para a tese de que o sujeito ativo competente é aquele

onde está situado o domicílio do importador da mercadoria.

Caso a importação tenha sido feita para terceiros, mediante contratação de revenda

do bem importado, é desnecessário o ingresso físico da mercadoria no estabelecimento do importador, podendo esta ser diretamente remetida ao adquirente

interno. Neste caso, temos duas operações: uma de importação; outra interna. E,

sendo o destino jurídico do produto importado o critério de determinação do sujeito

ativo, este permanece inalterado em face de negócios jurídicos posteriores53.

Deve-se considerar, no entanto, que muito embora a importação por conta e ordem e a

importação por encomenda tenham a presença de dois sujeitos interessados na operação como

elemento comum, elas são juridicamente distintas.

Fernando Aurélio Zilveti, Carlos Eduardo Costa Toro e Maurício Barros definem a

importação por conta e ordem como sendo:

52 As “Trading Companies” são empresas que realizam operações de comércio exterior. Devem ser constituídas sob a forma de sociedade por ações (anônima), e ter um capital mínimo. Exige-se, ainda, o registro na Receita

Federal do Brasil (RFB) e o Certificado de Registro Especial, concedido, em conjunto, pela Secex/Decex, e pela

Superintendência Regional da Receita Federal do Estado em que estiver localizada. 53 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008a, p. 677.

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42

(...) o serviço prestado por um pessoa jurídica importadora – a importadora por

conta e ordem – que, contratada por outra pessoa jurídica – a adquirente -,

providencia o despacho de importação, em seu nome, das mercadorias de interesse

da adquirente, em razão de contrato previamente firmado nos termos do art. 1º da

Instrução Normativa SRF nº 225 de 18 de outubro de 2002, e art. 12, I, parágrafo 1º,

da Instrução Normativa SRF nº 247, de 21 de novembro de 200254.

Tem-se, assim, que na importação por conta e ordem ocorre uma prestação de

serviço. É a importadora (Trading Company) que irá realizar, em seu nome, o despacho

aduaneiro da mercadoria, assim como efetuará, como contribuinte, o recolhimento dos

tributos devidos, no entanto com recursos fornecidos pela adquirente, ou seja, a empresa que

contratar os serviços da importadora irá fornecer recursos para que a Trading pague os

tributos incidentes, sendo responsável solidária pelo pagamento das exações.

Nesse sentido advoga Luciano Garcia Miguel:

Vale dizer que é a contratante quem pactua a compra e venda internacional, quem

tem capacidade econômico-financeiro para arcar com os preços dos produtos

importados e que presta recursos, para que a trading company possa recolher, em

seu nome, os tributos incidentes na importação. Portanto, para todos os efeitos

fiscais, a importadora de fato e de direito é aquela que contrata os serviços55.

Feito o desembaraço aduaneiro, a Trading deverá emitir nota fiscal de entrada de

mercadoria; apresentar registro fiscal e contábil da operação, demonstrando que os bens

adquiridos são de propriedade da adquirente, e expedir nota fiscal de saída em nome da

adquirente.

Logo temos que, embora haja participação de interposta pessoa, a aquisição da

mercadoria é feita pela importadora, o que nos leva ao fato de que o sujeito ativo competente

para cobrar o ICMS-importação incidente sobre a operação é a unidade federativa onde está

situado o domicílio da importadora, não importando onde está situada a adquirente, tampouco

onde foi realizado o desembaraço aduaneiro.

54 ZILVETI, Fernando Aurélio; TORO, Carlos Eduardo Costa M.A.; BARROS, Mauricio. O ICMS na Operações de Importação por Conta e Ordem. In: SANTI, Marcos Diniz de; ZILVETI, Fernando Aurélio

(Coords.). Direito Tributário: Tributação Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 53-54. 55 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas Operações de Importação. São Paulo: Noeses, 2013,

p.154.

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43

(...) para fins de exigência e local de recolhimento do ICMS/importação, também

deve ser considerado o estabelecimento da empresa que efetuou a importação, ou

seja, a pessoa que promoveu o ingresso (jurídico) no território nacional. O fato de a

“Trading” – que realiza a importação de mercadorias “por encomenda”, ou “por

conta e ordem de terceiros”- se encontrar localizada em unidade da federação

distinta daquele onde se situa o estabelecimento destinatário (comprador da

mercadoria), não tem importância jurídica, uma vez que permanece a competência

do Estado onde se situa o importador (no caso, a “Trading”)56.

Corrobora desse entendimento Roque Antonio Carrazza:

É certo que a modalidade de importação “por conta e ordem” afasta o contato entre

exportadores (estrangeiros) e tradings, na fase de negociação do contrato de compra

e venda internacional. É igualmente certo, porém, que tal circunstancia não tem

força jurídica bastante para retirar da trading a condição de “estabelecimento destinatário” das mercadorias, no qual estas ingressam originalmente, para daí

seguirem, na operação subsequente, para o estabelecimento do adquirente final57

.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal tem o seguinte posicionamento:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO.

RAZÕES DE AGRAVO DISSOCIADAS DO QUADRO EXAMINADO.

INÉPCIA.

1. É inepto o recurso de agravo que narra quadro incompatível com as premissas

fáticas assentadas na inicial, no acórdão recorrido e nas razões de recurso extraordinário. Possibilidade de erro material considerada, consistente na indicação

do Estado do Espírito Santo como local de importação dos bens, enquanto a inicial,

o acórdão recorrido e o recurso extraordinário falam no Estado de São Paulo.

CONSTITUCIONAL. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE

MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE

TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. ICMS.

IMPORTAÇÃO. SUJEIÇÃO ATIVA. REAL DESTINATÁRIO JURÍDICO DA

OPERAÇÃO. ART. 155, § 2º, IX, A DA CONSTITUIÇÃO. OPERAÇÃO DE

IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA VERSUS OPERAÇÃO DE IMPORTAÇÃO

POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS. CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA

DADA AO QUADRO FÁTICO COERENTE. RECURSO AO QUAL SE NEGA

PROVIMENTO.

2. Nos termos de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, o sujeito ativo

do ICMS devido nas operações de importação é o ente federado em que localizado o

real destinatário jurídico da mercadoria. Quadro fático em que evidenciado o Estado

de Minas Gerais como sede do estabelecimento recipiente da mercadoria. Agravo

regimental ao qual se nega provimento. (grifo nosso)

(RE 445544 AgR / MG - MINAS GERAIS. AG. REG. NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento:

23/03/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma).

Resta-nos definido, assim, que nos casos de importação por conta e ordem de

terceiros, a legitimidade ativa cabe ao Estado onde estiver localizada a empresa importadora,

56 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p.63. 57 CARRAZZA. Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.77.

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44

não sendo relevante, para fins de capacidade tributária ativa, se a mercadoria ou bem terá

como destino Estado diverso.

1.6.1.3 A Importação por encomenda

Na modalidade importação por encomenda, por sua vez, é o importador que irá

adquirir mercadorias do exterior com seus próprios recursos, promovendo o desembaraço

aduaneiro, tendo em vista a venda futura das mercadorias já nacionalizadas a uma empresa

encomendante, em face de contrato previamente firmado.

Em síntese, na importação por encomenda, uma empresa (encomendante) contrata a

trading para que esta efetue, com recursos próprios, a aquisição de mercadorias

diretamente do vendedor-exportador, com o compromisso de, uma vez ultimada a

importação, revendê-las à própria encomendante58.

Sob o angulo jurídico-fiscal a importação por encomenda é considerada uma

importação por conta própria, o que significa que na importação por encomenda o sujeito

passivo é o mesmo da importação por conta própria, ou seja, o destinatário em ambas é o

importador, como ficou demonstrado em jurisprudência do STF no tópico anterior.

Diversamente da modalidade de importação por conta e ordem, em que existe uma

única operação de circulação de mercadoria, havendo, portanto, um único fato

jurídico tributário passível de incidência do ICMS, qual seja, a importação de

mercadoria ou bem, na importação por encomenda a importadora nacionaliza a

mercadoria, promovendo o recolhimento dos tributos incidentes com o advento da

importação, realizando, ato contínuo, a saída da mercadoria para o encomendante,

dando azo a nova incidência do ICMS, agora na modalidade de circulação de

mercadoria nacional59.

58 CARRAZZA. Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.78. 59 SILVA. Jean Paolo Simei e. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC-SP/ Faculdade de

Direito, 2001, p. 78.

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45

Vale ressaltar que no que tange à diferenciação existente entre as três espécies de

importação, que em 21/2/2006 foi publicada a Lei 11.281, cujo art. 11 prevê que “a

importação promovida por pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior

para revenda à encomendante predeterminado não configura importação por conta e ordem de

terceiros”.

Nessa esteira,

Restou ratificado, pois, que no caso de importação por conta e ordem, a sociedade

importadora é prestadora de serviço ao adquirente da mercadoria, enquanto na

importação por encomenda, o importador é o próprio adquirente da mercadoria em

decorrência da operação mercantil, que será posteriormente revendida a terceiros60.

Restou, assim, demonstrado que a importação por conta e ordem de terceiros e a

importação por encomenda se tratam de duas situações distintas. No entanto, no que tange à

sujeição ativa, ambas convergem para o fato de ser a empresa importadora o sujeito passivo

da exação, o que incorre em assumir como sujeito ativo o Estado onde se situa o importador,

no caso a Trading Company.

1.7 A EMENDA CONSTITUCIONAL 33

Toda discussão travada neste trabalho advém das alterações provocadas pelo art. 2º da

Emenda Constitucional 33, de dezembro de 2001. No soar de sua existência, é apenas uma

Emenda à Constituição, prevista e autorizada por nosso ordenamento. No entanto, numa

segunda vista essa finalidade parece ter sido extrapolada. A leitura criteriosa de suas

modificações nos geram muitas dúvidas e questionamentos. A função de realizar

60 ZOTELLI, Valeria. ICMS nas Importações: Local de Recolhimento. In. ICMS – questões atuais. Coord.

Elizabeth Nazar Carrazza. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 79.

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modificações pontuais na Constituição Federal parece dar espaço a um novo poder, poder este

derivado e ilimitado. Ao que advoga Luiz Alberto Pereira Filho no caso a EC 33/2001

“atingiu, frontalmente, diversos critérios da regra matriz da mencionada exação, acabando por

criar um imposto sobre importações de bens, de competência estadual”61

.

A Emenda Constitucional surgiu a fim de facilitar os processos de mudanças na

Constituição, antes extremamente marcados por violência, revoluções e até mesmo guerras

civis, entre aqueles que clamavam por mudança e os que pretendiam mantê-la.

No Brasil, a emenda constitucional é uma modificação no texto da Constituição

brasileira que deve ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em

votação nominal, por três quintos dos votos dos membros de cada casa legislativa. Elas estão

autorizadas no artigo 60 da Carta, e são a forma legítima e secundária de alterar as

disposições constitucionais vigentes.

Levantam-se aqui, temas relacionados ao tópico da Emenda Constitucional. Até aonde

vai a competência da Emenda Constitucional? Há limites? Poderia o poder constituinte

derivado ter alterado a alínea a, inciso IX, § 2º, do art. 155, da Constituição Federal, a fim de

determinar que o ICMS passe a incidir sobre a importação de bem ou de mercadoria, mesmo

quando realizada por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte habitual do ICMS?

Assim, se manifesta Luiz Alberto Pereira Filho sobre a emenda em questão, na parte

que alcança o ICMS na importações:

(...) a voracidade arrecadatória do Fisco, no entanto, ficou insatisfeita com a

interpretação conferida pelo STF - a nosso ver, corretíssima - para a questão da

incidência do ICMS na importações, motivou o trabalho dos representantes dos órgãos fiscais no sentido de pressionar o Poder Legislativo, a fim de aprovar uma

Emenda Constitucional que estabelecesse a competência dos Estados para tributar,

pelo ICMS, todas as importações de bens62.

61 PEREIRA FILHO, Luiz Alberto. A Inconstitucionalidade do ICMS nas Importações (Análise da EC 33/01).

In: ICMS – Questões Polêmicas. Curitiba: Juruá, 2009, p.217. 62 PEREIRA FILHO, Luiz Alberto. A Inconstitucionalidade do ICMS nas Importações (Análise da EC 33/01).

In: ICMS – Questões Polêmicas. Curitiba: Juruá, 2009, p.216-217.

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Ao que temos no art. 60, § 4º da CF, traz que “não será objeto de deliberação a

proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto,

secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias

individuais”.

Logo, disso observamos que o constituinte derivado não pode arranhar, macular,

diminuir, sacrificar nem mesmo minimamente os pontos considerados fundamentais. Acaso

haja descumprimento de tais preceitos, as Emendas à Constituição podem ser declaradas

inconstitucionais, por ferirem aquelas partes consideradas pelo poder originário como

“cláusulas pétreas”. É, pois, permitido aos tribunais atuarem em proteção do contribuinte,

garantindo a satisfação dos princípios constitucionais tributários, bem como defendendo os

direitos de garantias individuais do contribuinte.

Com efeito, se é certo – como estamos convencidos – de que a referida emenda leva

à instituição de um verdadeiro ‘imposto estadual sobre a importação de produtos

estrangeiros’, então parece inexorável o extravasamento de competência por ela

perpetrado.

A discriminação dos impostos possíveis de serem cobrados pela União, Estados e

Municípios é atributo próprio e exclusivo do constituinte originário, que, assim,

exauriu-se como a promulgação da Constituição de 1988, já que diz respeito

diretamente aos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, protegidos pelo art. 60 § 4º, IV63.

1.7.1 O Princípio Federativo

Consta no Art. 1º, da CF que o Brasil é uma Federação. A partir de tal afirmação, os

juristas extraíram grande carga significativa, inclusive tributária.

63 BOTTALLO, Eduardo. ICMS – A Importação de Bens e a EC nº 33/01. Repertório de Jurisprudência IOB, n.

11, v. I, jun. 2003, p. 393.

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48

Aqueles que buscam um conceito definitivo, universal e inalterável de Federação

supõem, erroneamente, que ela, aqui e alhures, tem forma única, geométrica, recortada de

acordo com um molde inflexível. Olvidam-se de que Federação é apenas uma forma de

Estado, um sistema de composição de forças, interesses e objetivos que podem variar, no

tempo e no espaço, de acordo com as características, necessidades e sentimentos de cada

povo. Assim, é possível dizer que Federação é uma associação, uma união institucional de

Estados, que dá lugar a um novo Estado, diverso do que dele participam. Nela os Estados

Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas

prerrogativas em benefício da União. A mais relevante delas é a soberania.

Soberania é a faculdade que, num dado ordenamento jurídico, aparece como suprema.

Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontestável, que não reconhece,

acima de si, nenhum outro poder. Atualmente, o Estado é a única instituição soberana, pois é

ele que detém a faculdade de reconhecer outros ordenamentos e de disciplinar as relações com

eles, seja em posição de igualdade, seja em posição de ascendência, seja até, em posição de

franco antagonismo.

A soberania como qualidade jurídica do imperium é apanágio exclusivo do Estado. Se

ele não tivesse um efetivo predomínio sobre as pessoas que o compõe, deixaria de ser Estado,

o que nos remete ao fato de que a soberania é inerente à própria natureza do Estado,

Suas características são: una, originária, indivisível e inalienável. Una, porque

exclusiva, já que, num mesmo Estado, não podem habitar duas ou mais soberanias.

Originária, porque ela tem sua própria fonte e, destarte, não se apoia, direta ou indiretamente,

em ordenamentos superiores ou anteriores, que a estabelecem ou podem modificá-la ou ab-

rogá-la. Indivisível porque, fracionada, desaparece. E inalienável, porque o Estado não pode

renunciar; não, pelo menos, em circunstâncias totalmente desvantajosas.

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Nessa linha, temos que o traço distintivo do Estado é a soberania, entendida como

poder supremo autônomo e originário. O Estado distingue-se das demais pessoas pela

soberania que lhe é inerente. Só ele detém a faculdade de se autodeterminar, demarcando seu

campo de atuação.

Para o Direito, o Estado nada mais é do que o ordenamento jurídico, originário e

soberano de um povo, estabelecido num dado território. Este ordenamento é originário,

porque não depende nem deriva de nenhum outro, e soberano, porque é superior a qualquer

pessoa ou instituição que nele viva ou exista. O poder que rege o Estado denomina-se governo

e se resolve numa faculdade de comando a que a coletividade deva obedecer.

Defende Renato Lopes Becho que:

(...) um dos pilares básicos do princípio federativo, sem o qual não teríamos uma

verdadeira Federação, é o sistema tributário nacional. Partindo do princípio

federativo, o sistema tributário foi criado com triplo significado: evitar os conflitos

de competência, limitar o poder de tributar e estabelecer normas gerais que submetam todos os entes federativos. Mas, além disso, ontologicamente, o sistema

tributário foi criado de forma a garantir receita tributária própria, privativa, para

cada um dos entes da Federação64.

Temos, assim, que um dos mais significativos efeitos do princípio federativo aplicado

à tributação tange à divisão de competência tributária entre União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, cada qual possui sua própria competência tributária. A própria Constituição

Federal se encarregou de dividir os tributos entre os entes federativos. Com relação aos

impostos, a Carta Magna dividiu expressamente sua materialidade.

Observa-se diante do que foi exposto pelo presente tópico, que não pode uma Emenda

Constitucional aniquilar nem a forma federativa do Estado, nem os direitos e garantias

individuais do contribuinte. Logo, ao considerarmos que um dos corolários do princípio

federativo é justamente a divisão de competência feita pela própria CF, parece-me absurdo

64 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 362.

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50

considerar a possibilidade de uma Emenda adentrar na competência dos Estados,

modificando, a ponto de descaracterizar, a estrutura do ICMS-importação.

A Constituição Federal, ao definir que o ICMS-importação seria um imposto de

competência estadual, se encarregou por si mesma de definir a materialidade deste imposto, a

qual seria realizar operações relativas à circulação de mercadorias importadas do exterior,

bem como os serviços prestados no exterior. Eis que em 2001, foi editada a EC 33, alterando

a materialidade do ICMS-importação para realização de operações relativas à circulação de

bens e mercadorias importadas do exterior. Ou seja, entre outras modificações, a EC 33,

incluiu na hipótese de incidência do ICMS-importação, a entrada de bens provenientes do

exterior. Ao considerarmos que a materialidade original do ICMS é incidir sobre operações

relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal e de comunicação, nota-se que não há sentido falar em bens

quando se trata de ICMS. A simples importação de produtos do exterior já é regulamentada

pelo Imposto de Importação, o que vem a confirmar que não há justificativa para a incidência

do ICMS-importação sobre qualquer mercadoria ou bem que entre no país proveniente do

exterior, uma vez que isso sufoca o caráter mercantil da exação. Tal situação recai na questão

da bitributação, melhor explicada a diante.

1.7.1.1 O Princípio da territorialidade

É relevante chamar a atenção para última parte da redação do art. 155, inciso II: “(...)

ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

Marcelo Salomão observa que: “Vislumbramos neste período mais uma das inúmeras

falhas redacionais dos nossos legisladores constitucionais, falhas estas até que admissíveis por

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51

parte deles, mas que devem ser corrigidas, sanadas pela exegese oferecida pelos estudiosos da

Ciência do Direito”65

.

Ainda segundo Marcelo Viana Salomão, a mácula consiste no fato de o legislador

considerar possível a “quase concretização” do fato jurídico tributário, o que é inaceitável. Ou

o fato ocorre ou não ocorre, a quase ocorrência equivale a não-ocorrência.

Desde os primórdios da figura do ICM, somente os fatos ocorridos dentro do limite

geográfico dos Estados é que podem ser tributados via ICMS. É o que determina o princípio

da territorialidade, o qual decorre diretamente do Princípio da Federação.

Vem a propósito reiterarmos que o critério adotado pela Constituição na partilha das

competências impositivas dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal foi,

além do material, o territorial. Noutros termos, levou em conta, para a solução dos

possíveis conflitos nesse campo, o âmbito de aplicação territorial das leis que criam

os impostos estaduais, municipais e distritais. Por conseguinte, as leis tributárias que

instituem tais gravames apenas têm voga sobre os fatos verificados no território da

ordem jurídica que as editou66.

Atenta-se para o fato de que não se deve confundir a territorialidade com o critério

espacial da regra matriz-tributária. Por territorialidade, devemos entender todo o espaço

geográfico onde a pessoa política instituidora do tributo tem competência. Ou seja, trata-se de

todo o território nacional, todo o território de cada um dos Estados e do Distrito Federal e de

cada um dos Municípios.

Assim determina Lucas Galvão de Britto, “(...) o princípio da territorialidade tem

aparecido como decorrência de uma limitação ‘real’ e incontornável da extensão da soberania,

o que empresta ares de obviedade ao conceito de territorialidade”67

.

Assim, no caso do ICMS não tem relevância em termos jurídico-tributários, onde o

procedimento que ensejará a incidência do ICMS teve início. Por exemplo, se um serviço de

65 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na Importação. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001, p.54. 66 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Tributário Constitucional. 26 ed., rev. ampl. e até a EC n.64/2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.132. 67 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência

Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. Set. 2012. 195 p. Dissertação

(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, Set. 2012.

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transporte for iniciado no exterior e tiver como ponto final uma cidade brasileira que faça

fronteira com outro país, este imposto não poderá ser exigido, uma vez que não houve

transporte intermunicipal ou interestadual, ou seja, para que haja incidência da exação, é

necessário que o transporte cruze alguma fronteira estadual ou municipal, dentro do território

nacional, independente de onde ele tenha se iniciado. A subsunção da norma ao fato se dá no

momento em que o transporte transpassar fronteiras interestaduais e intermunicipais, logo

trata-se de um fato único e não algo que possa ter início em um lugar e fim em outro.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado quando se trata de operações mercantis, pois os

Estados só têm capacidade para tributar fatos ocorridos dentro do seu território, não sendo

importante o que gerou os fatos tributáveis, nem tão-pouco onde eles tenham começado.

Nesse sentido, parece-nos difícil defender que uma operação, isto é, determinado

negócio jurídico, possa ocorrer em locais diferentes simultaneamente, in casu, em

países distintos. É que a operação só se materializa em certo momento; o que houve

antes dela não é operação, podem até ser atos preparatórios, mas nunca um negócio jurídico68.

Observamos assim que, quando um estabelecimento do exterior vende uma

mercadoria que terá como destino o Brasil, é lá, no país que realizou a venda, que em termos

tributários ocorreu a operação mercantil. Uma mesma operação, por sua vez, não pode ocorrer

em dois lugares ao mesmo tempo.

Evidentemente que a última parte do caput do art. 155, da Constituição Federal

(“...ainda que...”) é mais um erro redacional de nossos constituintes do que algo que gere

algum efeito jurídico quanto à aplicação do ICMS incidente sobre as operações relativas à

circulação de mercadorias. Equívoco facilmente sanado pela interpretação do exegeta, que

deve considerar que não há como uma operação se iniciar no exterior e finalizar em território

nacional. A operação é una, e ocorre no exterior, o que não nos vale de argumento para afastar

68 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na Importação. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001, p.54-55.

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a incidência do ICMS-importação, uma vez que o aspecto material tributável da exação é “a

entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que

não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, (...)”, como

prega a alínea a, do inciso IX, § 2º, do art. 155, da Constituição Federal vigente.

Logo, temos a entrada do bem ou da mercadoria em território nacional como o contato

do negócio jurídico travado no exterior com o território brasileiro, cumulativamente com a lei

que autoriza que esta etapa é adequada para fazer o lugar do tributo.

MANDADO DE SEGURANÇA A COMBATER DO EXIGÊNCIA DO ICMS,

QUANDO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO, SÚMULA 661, E. STF, BEM

ASSIM O IPI NA IMPORTACAO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS –

LICITUDE DE AMBAS AS TRIBUTAÇÕES - DENEGAÇÃO DO PEDIDO.

(...)

17. Pacífica a v. jurisprudência pátria, adiante em destaque, a correta exegese em

torno do art. 155, § 2º, inciso IX, Lei Maior, quanto ao momento hábil à cobrança do

ICMS, em relação a bens submetidos a importação e decorrente desembaraço

aduaneiro, no sentido de tal ocorrência a se verificar quando de sua entrada no Território Nacional.

(...)”

(AMS Apelação Cível – 176193. TRF3 00270278. Rel. Juiz Convocado Silva Neto.

Org. Julgador. Quarta Turma. Jul. 10.12.2009. Pub. E- DJF3 Judicial 1. Data.

09.03.2012, p. 343).

Em se tratando de territorialidade, vale destacar a temática do ISS sobre importação de

serviços, a fim de demonstrar de que forma ela se distingue da possibilidade de incidência do

ICMS na importações.

A intenção de se tributar o ISS nas importações é a mesma que leva à incidência do

ICMS na operações de importação: evitar que produtos importados recebam tratamento fiscal

privilegiado frente aos produzidos no país. Para tanto, sempre se buscou onerar as

importações tal e qual as operações internas.

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54

No entanto, Gustavo Brigagão69

enumera alguns argumentos defendendo a não

incidência do ISS sobre importação de serviços, entre eles, o autor traz a questão da

territorialidade onde;

A quarta e última razão é que serviços prestados no exterior não podem ser

considerados inseridos na competência dos municípios para fazer incidir o ISS. E,

chega-se a essa conclusão, não só pela jurisprudência do STJ que prevalecia até

recentemente e que consagrava o princípio da territorialidade (segundo o qual o ISS deve, em regra, ser recolhido em favor do município onde o serviço é prestado),

como também pelo precedente daquele mesmo Tribunal, segundo o qual não há

exportação se serviços nas situações em que ele é prestado em território nacional,

ainda que para beneficiário no exterior (Agravo Regimental no Resp 956.513,

ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 03.09.2009).

Ora, o vento há que soprar para ambos os lados. Se não há exportação de serviços

nesses casos, também não há que se falar em importação de serviços na situação

inversa, em que os serviços são prestados no exterior, mas os respectivos

beneficiários estão aqui localizados70.

Diante dessa situação outra questão nos salta aos olhos, como aponta Alfredo Augusto

Becker:

A evolução do Direito Tributário em todos os países; a criação dos mercados

comuns e das zonas de livre comércio; a tributação de bens existentes no estrangeiro

pelo imposto de transmissão causa mortis; os problemas no plano internacional, da

dupla imposição pelo imposto de renda, despertaram a atenção dos modernos

doutrinadores para a falsa ‘obviedade’ do fundamento da territorialidade da lei

tributária71.

O autor defende que a multiplicação dos problemas tributários internacionais tem

levado os doutrinadores a repensar e aprofundar os estudos sobre o fenômeno da eficácia

jurídica da lei tributária no espaço. Hodiernamente, existem alguns doutrinadores que negam

a obviedade do princípio da territorialidade, admitindo, em algumas situações a

extraterritorialidade da lei tributária, estudos e presunções que ainda estão em crescimento na

doutrina brasileira.

69 BRIGAGÃO, Gustavo. ISS não pode incidir sobre importação de serviços. 2012. Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-out-17/consultor-tributario-iss-nao-incidir-importacao-servicos. Acesso em 28

mai. 2014. 70 Idem. 71 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6 ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 301.

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55

Nessa esteira, Roque Antonio Carrazza defende que:

Todavia, pouco a pouco, o princípio da territorialidade, vem cedendo passo ao da

universalidade, que faz com que, em determinadas circunstâncias, a lei tributária

considere imponíveis fatos ocorridos em qualquer ponto do orbe. Tal se dá em face

do fenômeno da globalização, que interfere na própria noção clássica de soberania,

que vive uma crise (...)72.

1.7.2 A Competência Tributária

A delimitação das competências entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal é

decorrente do princípio federativo e da autonomia municipal e distrital. A Lei Maior ocupou-se

de elencar e distribuir as várias competências de cada uma das pessoas políticas. Entre nós, os

limites de toda competência estão perfeitamente traçados e bem articulados de tal sorte que para

qualquer atropelo, conflito ou desarmonia, a própria Carta Magna fornece os remédios jurídicos.

Nesse sentido é que se afirma que as pessoas políticas, em todas as esferas, devem conformar-se,

fielmente, às rígidas molduras traçadas pelas CF.

Afonso Arinos de Melo Franco afirma: “Os limites das competências se encontram

claramente estabelecidos; os meios de coordenação das atividades expressamente configurados;

os remédios para os distúrbios e invasões de autoridade perfeitamente preceituados”73

.

Nessa esteira, ressalta-se que a competência tributária tem por destinatário imediato o

legislador, que se acha, assim, impedido de expedir leis desbordantes destes valores

constitucionais.

No Brasil, devido às diversas disposições constitucionais, não há que se falar em poder

tributário, mas, tão-somente, em competência tributária. A fora tributante estatal não atua

72 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos). 3 ed. São

Paulo: Malheiros, 2009, p.531. 73 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 148.

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livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Cada uma das pessoas políticas não

possui, em nosso País, poder tributário, mas sim, competência tributária, que é na verdade a

manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-

constitucional.

Competência tributária é a aptidão para criar, in abstrato, tributos. No Brasil, devido ao

princípio da legalidade, a lei que cria tais tributos, in abstrato, deve descrever todos os elementos

essenciais da norma jurídica tributária, a saber, hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito

passivo, base de cálculo e alíquota. Com exceção dos empréstimos compulsórios e dos impostos

de competência residual da União, os demais tributos são criados por meio de lei ordinária.

O exercício da competência tributária é uma manifestação do exercício da função

legislativa, o que difere da arrecadação, que está no âmbito da Administração. Quem pode

tributar pode, igualmente, aumentar a carga tributária, diminuí-la, ou até suprimi-la, através da

não-tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo jurídico das isenções. Pode, ainda,

perdoar débitos tributários já nascidos ou parcelá-los, anistiando, se entender que é o caso, as

eventuais infrações tributárias cometidas.

O titular da competência tributária não pode nem substancialmente modificá-la, nem

aliená-la, nem renunciá-la. Admite-se que a deixe de exercitá-la, ou que a faça em parte ou que,

após exercitá-la, venha a perdoar o débito tributário nascido ou a permitir que ele seja saldado

em prestações sucessivas. Tudo, no entanto, deve ter fulcro em lei.

A competência tributária é lógica e cronologicamente anterior ao nascimento do tributo,

afinal, o tributo só passará a existir in concreto quando havendo uma lei que trace todos os

aspectos da norma, verifique-se no mundo fenomênico, o fato imponível.

Nesse sentido, a competência identifica-se com a permissão para criar tributos, ou seja,

trata-se do direito subjetivo de editar normas jurídicas tributárias. Valendo ressaltar que a

competência tributária esgota-se na lei, ou seja, depois que esta for editada, não há que se falar

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mais em competência tributária, apenas em capacidade tributária ativa. Assim, temos que uma

vez exercitada, a competência tributária desaparece, dando espaço à capacidade tributária ativa.

Um primeiro limite se encontra na observância das normas constitucionais. Uma vez que

o respeito a tais normas é absoluto e sua violação importa na irremissível inconstitucionalidade

da lei tributária.

Outro limite o legislador encontra nos grandes princípios constitucionais, tais como,

princípio republicano, princípio federativo, princípio da autonomia municipal e distrital,

principio da segurança jurídica, da igualdade, da reserva de competência, da anterioridade.

Temos, pois, que a CF limita o exercício da competência tributária, seja de modo direto,

mediante preceitos especificamente endereçados à tributação, seja de modo indireto, enquanto

disciplina outros direitos, como o de propriedade, o de não sofrer confisco, o de exercer

atividades lícitas, o de transitar livremente pelo território nacional etc. A competência tributária

já nasce, portanto, limitada.

No Brasil, os titulares da competência tributária são as pessoas políticas, ou seja, a União,

os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Para elas, a CF é a Carta das Competências, uma

vez que ela indica o que podem, o que não podem e o que devem fazer, inclusive e

principalmente em matéria tributária.

A Constituição Federal brasileira não cria tributos, apenas discrimina competências para

que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, por meio de lei, venham a fazê-lo.

Ao invés de criar diretamente os tributos, a CF preferiu permitir que cada pessoa política,

querendo, institua os tributos de sua competência. Nesse sentido, a CF não cria tributos somente

pelo fato de autorizar o legislador nacional a cuidar do assunto.

Todavia, há quem discorde, como por exemplo o jurista José Souto Maior Borges. Para

ele o processo de instituição do tributo inicia-se com a outorga constitucional da competência

tributária, e se integra com a superveniência das leis complementares, ordinárias e eventualmente

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outros atos normativos. O professor defende que o tributo parcialmente estruturado na

Constituição é algo que já existe, embora a sua estruturação postule a superveniência da

legislação integrativa. Por outro lado, o Professor Paulo de Barros Carvalho opõe-se advogando

que a CF não cria tributos porque fornece as regras para criá-los, isso seria o mesmo que afirmar

que a CF cria uma sentença judicial, uma vez que essa busca validade na Lei Maior.

Assim, as exações só surgirão, in abstrato, quando editada, por meio de lei, a norma

tributária e in concreto quando acontecer, no mundo físico, o fato imponível.

É oportuno ressaltar que: a) as normas constitucionais que outorgam competência

tributária têm eficácia plena e aplicabilidade imediata (José Afonso da Silva); b) a competência

tributária, a exemplo da personalidade, inadmite gradações: ou se tem ou se não tem.

Por fim, destaca-se que a CF apesar de atribuir uma certa margem de liberdade ao

legislador, discrimina a norma padrão de incidência de cada exação, logo o legislador, ao

exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-

traçada na CF.

Ao delinear e trazer alguns importantes pontos acerca da competência tributária, busco

demonstrar, mais uma vez, que uma Emenda à Constituição não pode adentrar na competência

dos Estados da forma que o fez quando modificou a redação do Art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF. A

competência tributária não pode ser marginalizada ao bel-prazer do legislador derivado, cada

ente tem sua competência, o que garante a harmonia da Federação. A interferência

indiscriminada do legislativo, por meio de Emenda à Costituição na competência dos Estados, a

fim de proceder uma mudança na configuração do ICMS-importação, a ponto, ao meu ver, de

descaracterizá-lo, não é legítima.

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1.7.3 O Princípio da Não-cumulatividade

No ordenamento jurídico brasileiro, o primeiro tributo a adotar o princípio da não-

cumulatividade foi o Imposto de Consumo, antecessor do atual IPI. Na época, tratava-se de

um princípio ainda infraconstitucional. O princípio da não-cumulatividade tornou-se parte do

ordenamento jurídico pátrio, por meio da Constituição Federal de 18 de setembro de 1946,

decorrente da Emenda Constitucional 18, de 01.12.1965, alcançando na época o IPI federal e

o ICM estadual.

No decorrer dos anos e no trocar das constituições, o princípio se manteve intacto. A

atual CF de 1988, igualmente destaca tal princípio em relação ao IPI federal e também ao

ICM estadual, que são por assim dizer os partícipes da grande família dos impostos sobre

valores adicionados, embora ostentem traços fisionômicos próprios e inconfundíveis.

Sustenta a CF/88:

Art. 153 (...)

(...)

§ 3º O imposto previsto no inciso IV: I – (...)

II – será não-cumulativo, compensando-se o que foi devido em cada operação com o

montante cobrado nas anteriores;

(...)”

Art 155 (...)

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação

relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante

cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

(...)”

O princípio da não-cumulatividade busca evitar a cobrança sucessiva da mesma

exação ao longo de um processo de produção/circulação de bem ou prestação de serviço. Ele

atua no cálculo do quantum debeatur, sendo, pois, um mecanismo pelo qual se admitem

abatimentos ou compensações no valor do tributo devido ou na sua base de cálculo, buscando

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assim, gravar apenas a riqueza agregada pelo contribuinte ao bem ou serviço. Logo, tributa-se

a medida exata da adição de valor ao objeto tributável, evitando, desta forma, a tributação em

cascata. É, pois, uma técnica que se aplica nas operações econômicas, a fim de evitar

distorções prejudiciais à apuração dos preços e ao crescimento estimulado na aceleração

inflacionária.

(...) a não-cumulatividade é uma das principais características do ICMS, e consiste

no direito constitucionalmente assegurado de o contribuinte deduzir, em cada

operação, o montante cobrado nas operações anteriores. Vale dizer, essa

característica constitui verdadeira garantia do contribuinte74.

Para o Professor Paulo de Barros Carvalho75

, o princípio da não-cumulatividade é um

limite objetivo (aqueles postos para atingir certas metas, certos fins) que visam à realização de

certos valores como, por exemplo, justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva do

administrado e uniformidade na distribuição da carga tributária.

Resumidamente, os ‘limites objetivos’ distinguem-se dos valores, pois são postos

para atingir certas metas, certos fins. Estes, sim, assumem o porte de valores.

Aqueles limites não são valores, se os considerarmos em si mesmos, mas voltam-se

para realizar valores de forma indireta, mediata76.

Danilo Monteiro de Castro relembra que o ICMS é, por determinação constitucional,

um imposto não cumulativo em que “a subsunção à hipótese de incidência da norma impõe

um dever, ex lege, de entregar aos cofres públicos uma determinada importância oriunda do

resultado da subtração entre o valor apurado na operação e o destacado na etapa anterior” 77

.

74 JESUS, Isabela Bonfá de. Direito a Crédito de ICMS pelo Contribuinte Destinatário – Princípio Constitucional

da Não-Cumulatividade. In: ICMS – Questões Atuais. Coord. Elizabeth Nazar Carrazza. São Paulo: Quartier

Latin, 2007, p. 288. 75 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009,

p.319. 76 Idem. 77 CASTRO, Danilo Monteiro de. O ICMS e o IPI na Importação por Não-contribuintes, a Não-cumulatividade,

a Súmula do STF e suas Atuais Implicações à Luz da Própria Jurisprudência desta Corte. Revista Dialética de

Direito Tributário, São Paulo, n. 147, 2007, p.46.

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A não-cumulatividade é característica obrigatória do ICMS, conforme determinação

constitucional. As situações de exceção são explicitadas na própria Carta Magna78

, que

determina que as exceções estejam dispostas na própria Constituição, não podendo jamais ser

presumida, uma vez que por se tratar de norma excepcional não pode ser interpretada

restritivamente.

(...) a não-cumulatividade foi instituída pela Constituição Federal, e somente ela

própria pode estabelecer as suas ‘exceções’.

E assim o fez, determinando exaustivamente as hipóteses em que os contribuintes

não terão direito ao crédito das operações anteriores. São elas as operações ou prestações abrangidas por isenção ou não-incidência do ICMS (inciso II, do § 2º,

do artigo 155, da CF/88)79.

No que tange ao primeiro requisito, parece que não há muito o que destacar, afinal a

exceção está de fato no texto constitucional, embora inserido por meio de Emenda à

Constituição. Contudo, destaca-se o segundo requisito que trata da impossibilidade de alargar

o alcance da interpretação das exceções constitucionais a princípios e/ou normas gerais.

Nessa esteira, preleciona Aires Fernandino Barreto:

(...) as normas que contenham exceções a princípios ou normas gerais devem ser

interpretadas de modo tal a não conduzirem ao contra-sentido que importaria a

transmutação da norma que excepciona em norma de alcance genérico. (...)

Por essa razão é que se diz que as normas excepcionais devem ter interpretação

restritiva – sendo certo, entretanto, que, por restritiva não se deve, jamais,

compreender literal. Interpretação restritiva, no caso, é aquela que parte da premissa

de que a norma específica, especial, bem por conter exceção (vale dizer, dado seu

caráter excepcional), não pode jamais, ser interpretada como se possuísse conteúdo,

alcance ou sentido amplo, largo, geral80.

Do exposto temos que se o dispositivo, mesmo que constitucional, pretendesse que o

ICMS incidente na importação fosse uma exceção a não-cumulatividade, ele deveria dispor

78 Art. 155, § 2°, II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não

implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará

a anulação do crédito relativo às operações anteriores. 79 JESUS, Isabela Bonfá de. Direito a Crédito de ICMS pelo Contribuinte Destinatário – Princípio Constitucional da Não-Cumulatividade. In.ICMS – Questões Atuais. Coord. Elizabeth Nazar Carrazza. São Paulo: Quartier

Latin, 2007, p. 288. 80 BARRETO, Aires Fernandino. ICMS – Limites à Vedação de Créditos. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo, n.53, 2000, p. 8-9.

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sobre tal pretensão expressamente, o que não o fez. A nova redação do art. 155, § 2°, inciso

IX, alínea a, da CF trouxe uma situação especial ao ICMS, já que ele foge dos contornos

tradicionais do imposto. O legislador constitucional derivado ao promover tais mudanças não

expressou que o novel ICMS seria uma exceção ao princípio da não-cumulatividade,

presunção esta que não cabe ao intérprete e/ou aplicador da lei.

Nesse sentido, destacam-se novamente as lições de Aires Fernandino Barreto onde,

“(...) a formulação constitucional é ampla e irrestrita: toda a operação tributável gera crédito.

Logo, normas que estabeleçam restrições de qualquer espécie ao direito de crédito põem-se

em flagrante descompasso com a Constituição”81

.

1.7.3.1 A Não incidência de IPI e ICMS na importação de bens para uso próprio: violação ao

Princípio da Não-cumulatividade

André Mendes Moreira82

defende que a regra mundialmente aplicada às exportações e

importações é a de que as exportações são exoneradas do pagamento de tributos, ao passo que

as importações devem ser tributadas da mesma forma que os produtos e serviços nacionais.

Trata-se de uma questão de isonomia que visa a proteção do produto nacional. É frente a isso

que o autor acima mencionado defende a incidência do IPI e do ICMS na entrada de bens

estrangeiros em território nacional.

No entanto, discordando da postura do autor, deve-se considerar que tanto o IPI

quanto o ICMS gozam do predicado da não-cumulatividade. A incidência dessas exações no

momento do desembaraço aduaneiro viola o princípio da não-cumulatividade, uma vez que

81 BARRETO, Aires Fernandino. O ICMS, a LC 87/96 e Questões Atuais. São Paulo: Dialética. 1997, p.16. 82 MOREIRA, André Mendes. A Não-Cumulatividade dos Tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p.183.

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para as pessoas físicas não contribuintes do imposto, é impossível a recuperação do montante

pago na entrada do bem83

.

Em 1999, o STF por maioria dos votos, afastou a incidência do ICMS na importação

feita por pessoas físicas. Decisão que também foi entendida ao IPI.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.

TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE

PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO.

IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador

operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando

se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem.

Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante

cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que

envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido. ( STF,

Pleno, RE nº 203.075/DF, Relator p/ acórdão Min. Mauricio Corrêa, DJ 29.10.1999,

p.18).

Na ocasião, a Suprema Corte questionou também o fato de que os bens importados por

pessoa física não constituíam mercadoria, ou seja, não eram destinados à mercancia, e que

portanto não poderiam ser alvo de cobrança do ICMS. Foi nesse contexto que surgiu a

Súmula 660, do STF, segundo a qual “não incide ICMS na importação de bens por pessoa

física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”.

Evidentemente essa posição do STF gerou um diminuição na arrecadação estatal, o

que levou o Constituinte derivado à alterar a redação do art. 155, § 2º, IX, a, por meio da

Emenda Constitucional nº 33, a fim de fazê-lo incidir sobre toda e qualquer importação, seja

ela feita por contribuinte ou não.

No entanto, com relação ao IPI, o STF continuou defendendo a não-incidência, posto

que não houve nenhuma Emenda Constitucional que alterasse a norma do IPI, tornando

possível a cobrança da exação sobre produtos importados por pessoa física para uso próprio.

83 Uma vez que o importador é pessoa física, ele não possui conta gráfica para lançar os créditos referentes ao

IPI e ao ICMS pagos na importação.

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EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE BEM

PARA USO PRÓPRIO POR NÃO CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE DE

INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. AGRAVO

IMPROVIDO. I – A exigência de IPI na importação de bem para uso próprio por pessoa não

contribuinte do tributo implica violação ao princípio da não cumulatividade. II – Agravo regimental improvido. (RE nº 615.595 AgR/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. Em

13.4.2011, DJe de 3.5.2011).

Diante do exposto, assim conclui Oscar Valente Cardoso,

Todavia, destacou-se que o STF manteve o seu entendimento de que não incidem

ICMS e IPI na importação de bens para uso próprio por pessoa que não seja

contribuinte habitual desses dois impostos. Prevaleceu a concepção de que a

tributação nesse caso viola a não cumulatividade, tendo em vista que não haverá

circulação do bem e, consequentemente, fica impossibilitado o desconto do tributo

pago em operações anteriores84.

1.8 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EC 33/2001: PODER CONSTITUINTE E

PODER DERIVADO

A grande questão que permeia este trabalho é acerca da (in) constitucionalidade da EC

33/2001. Para então tratarmos desta, é necessário caminhar um pouco atrás e buscar resposta

no processo legislativo, ou seja, tratar dos assuntos atinentes ao poder originário e ao poder

derivado, delineando sua competência e limites, para então julgar a constitucionalidade da

emenda.

Questiona-se, pois, se o poder constituinte derivado poderia, por meio de Emenda à

Constituição, alterar a Carta Magna a fim de estabelecer que o ICMS incida sobre todo e

qualquer ato de importação, independente de tal ato ter sido praticado por produtor,

comerciante ou industrial ou pessoa não contribuinte do imposto. Vale dizer: poderia o poder

84 CARDOSO, Oscar Valente. A não Incidência de IPI e ICMS na Importação de Bens para Uso Próprio. Revista

Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 194, Nov. 2011.p. 109.

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derivado ampliar dessa forma a hipótese de incidência do ICMS, para fazê-lo incidir até

mesmo sobre as aquisições feitas por particulares para uso próprio?

Clélio Chiesa85

destaca que a resposta está em saber se houve ou não supressão ou

amesquinhamento de direitos considerados intocáveis pelo nosso ordenamento jurídico ao

fazer referida modificação. É relevante destacar, mesmo que de forma rápida, que há direitos

e garantias contemplados na CF que não podem ser suprimidos ou restringidos, nem mesmo

por meio de emendas.

Sabemos que o legislador não é totalmente livre para promover modificações na

legislação positivada, ainda mais em se tratando da ordem constitucional. As normas que

disciplinam como outras normas devem ser produzidas, são denominadas normas de

construção do sistema, ou seja, são normas de estrutura, e que devem ser plenamente

observadas sob pena de invalidação da norma produzida. Assim define Clélio Chiesa que “é o

exame das normas de construção do sistema que possibilitará avaliar a regularidade ou não

das normas produzidas pelo legislador ordinário e reformador”86

.

É certo que a CF/88 foi rígida ao definir o campo de atuação de cada pessoa política,

apontando os eventos que podem ser eleitos pelos Estados-membros, Distrito Federal e

Municípios como hipóteses de incidência de impostos. Logo, essa diretriz fundamental não

pode ser sufocada pelo bel-prazer do constituinte derivado, uma vez que confere maior

eficácia aos princípios da capacidade contributiva, ao que assegura o direito de propriedade e

ao que veda a instituição de tributos com efeito de confisco.

Indubitavelmente não há limites ao poder constituinte originário. Contudo ao poder

constituinte derivado não é tudo que é permitido. A Constituição de 1988 é denominada por

alguns doutrinadores como uma Constituição super-rígida, justamente por apresentar algumas

85 CHIESA, Clélio. ICMS Incidente na Aquisição de Bens ou Mercadorias Importadas do Exterior e Contratação de Serviços no Exterior – Inovações Introduzidas pela EC 33/2001. In O ICMS e a EC 33 / coordenador Valdir

de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2002, p.14. 86 Ibidem, p.15.

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normas que são impossíveis de serem modificadas juridicamente. Sem dúvidas, a rigidez da

Constituição brasileira não pode ser marginalizada por afãs políticos. Para modificar o texto

constitucional é necessário um procedimento solene e complexo, diferente daquele necessário

para modificar as leis infraconstitucionais, ou até mesmo as constitucionais em legislações

flexíveis. O poder de reformar a Constituição brasileira é inquestionavelmente um poder

limitado, regrado por normas da própria Constituição, que lhe impõe procedimento e modo de

agir. O poder reformador deve proceder conforme a Constituição determina, e ao que consta a

Constituição não autoriza a criação de um novo imposto por meio de Emenda Constitucional.

Salienta Roque Antonio Carrazza que,

(...) o Supremo Tribunal Federal atendeu às expectativas, decidindo em várias

oportunidades, pela não-incidência de ICMS sobre a importação de bens por pessoa

física. As coisas estavam neste pé – a nosso sentir correto e adequado -, quando

sobreveio a Emenda Constitucional 33, de 11.12.2001, que, dando nova redação ao inciso IX, a, em análise, passou a consignar que o ICMS incide também ‘sobre a

entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica,

ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua

finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao

Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da

mercadoria, bem ou serviço’. A prevalecer esta “nova” redação, terá agora que pagar

ICMS a pessoa física que vier a importar bens para uso próprio, ainda que sem caráter

de habitualidade e sem exercer o comercio. Com esta marota alteração, abateu-se, em

pleno vôo, jurisprudência que começava a seguir na traça da melhor doutrina. É a

velha política do Governo, que sempre que perde uma questão, máxime na Suprema

Corte, modifica a Constituição87.

Nos limites impostos pela Constituição ao constituinte derivado, está a

impossibilidade deste tributar concomitantemente o mesmo evento econômico por dois

impostos, evidentemente que ressalvadas as exceções expressas na Constituição.

Nessa esteira, parece que a EC 33/2001 não poderia ter modificado a alínea a, inciso

IX, § 2º, do art.155, da Constituição Federal, com a finalidade de ampliar a hipótese de

incidência do ICMS, fazendo-o incidir sobre a importação feita por pessoa física para uso

próprio.

87 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 8 ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 47.

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67

Coaduna deste entendimento Clélio Chiesa88

:

Com espenque nessa exegese, parece-nos que o legislador incorreu em

inconstitucionalidade ao modificar a alínea a, inciso IX, § 2º, do art.155, da

Constituição Federal, com a finalidade de alcançar, por meio do ICMS, o ato de

importar realizado por pessoa física ou jurídica que não é contribuinte do ICMS,

pois acutilou a garantia assegurada ao contribuinte de não ser tributado concomitantemente por dois impostos sobre a mesma base econômica.

Ao voltarmos nossos olhos para a história, nos deparamos com outra situação de

Emenda Constitucional inconstitucional. A Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.1993, a qual

autorizava a União a instituir a IPMF (Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a

Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, incidiu em vício de

inconstitucionalidade ao violar importantes princípios e normas constitucionais, como, por

exemplo, o princípio da anterioridade e o princípio da imunidade tributária recíproca. Devido

à inconstitucionalidade dessa emenda, a IPMF foi suspensa.

EMENTA: Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de

Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F.

Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4.,

incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal.

1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada,

incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional,

pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição

(art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no

art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de

inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal

tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse

modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros):

1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5.,

par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou

serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art.

150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a

criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"):

patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das

entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência

social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais,

periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e

inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução

de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art.

88 CHIESA, Clélio. ICMS Incidente na Aquisição de Bens ou Mercadorias Importadas do Exterior e Contratação

de Serviços no Exterior – Inovações Introduzidas pela EC 33/2001. In O ICMS e a EC 33 / coordenador Valdir

de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2002. p.15.

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28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e

"d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos

termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter

definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (ADI 939/DF. Rel. Min. Sydney Sanches. Jul. 15.12.1993. Órgão Julgador: Pleno).

Diante do que aqui expomos, parece-me que o mesmo que ocorreu com a Emenda

Constitucional 3/1993, também ocorreu com a EC 33/2001. A forma como o constituinte

derivado alterou o desenho do ICMS-Importação levou à criação de um novo tributo

disfarçado de ICMS, mas que dele se afasta no seu alcance e propósitos. Houve um

extrapolamento na competência do Poder Derivado que, por meio de Emenda à Constituição,

criou uma nova exação. Nitidamente, esse ‘novo imposto’ é autista frente às principais

características do ICMS. Não se pretende questionar a tentativa de se equiparar o produto

estrangeiro ao nacional, no tocante à incidência tributária. O que, a nosso ver, é

inconstitucional aniquilar princípios norteadores do tributo, marginalizar a sua essência

comercial, exceder a competência das Emendas, a fim de alimentar a ânsia arrecadatória dos

Estados. O Poder Originário poderia ter estabelecido que deveria haver um imposto, de

competência estadual, cuja hipótese de incidência seria a importação de bens, mas, mesmo

diante de seu poder ilimitado, não o fez, o que não autoriza o constituinte derivado a fazer. O

poder derivado deve ser fiel aos limites e diretrizes estabelecidos pelo poder originário, sob

pena de incorrer em inconstitucionalidade.

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PARTE II – ANÁLISE SEMÂNTICA

2.1 A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE SEMÂNTICA NO ESTUDO DA NORMA

Charles Morris foi o primeiro a utilizar o termo “semântica” como referência à relação

existente entre os signos e seus designatum, ou seja, entre os signos e os objetos a que eles

designem ou denotem89

. O autor dispõe que “o designatum de um signo são as coisas que o

signo pode denotar, isto é, os objetos ou as situações que, de acordo com a regra semântica do

uso, poderiam estar correlacionados ao veículo sígnico pela relação semântica de

denotação"90

.

Clarice Von Oertzen de Araújo91

chama a atenção para diferença entre designatum e

denotatum, explicando que o primeiro refere-se aos objetos aos quais o signo se refere,

podendo eles ser reais ou não, enquanto o termo denotatum refere-se apenas a objetos reais.

Assim, todo o signo alude a um designatum, mas não necessariamente a um denotatum. A

professora Clarice compara essa distinção com a diferença existente entre objeto e coisa. Uma

vez que os objetos podem ser reais, ideais ou culturais, as coisas são apenas reais. Poderia se

afirmar que o designatum - assim como os objetos -, têm um campo de abrangência muito

maior, como se fossem os gêneros das espécies denotatum e coisa, respectivamente.

No domínio conhecido como semântica, é possível notar divergências entre os ideais

dos linguistas e dos lógicos. Por exemplo, para os linguistas a semântica estuda o domínio da

língua e o seu emprego, ao passo que para os lógicos essa seria uma função da pragmática.

89 Charles Morris assim define: “A semântica ocupa-se da relação dos signos aos seus designata e, desse modo,

aos objectos que denotam ou possam denotar” (In: Fundamentos da Teoria dos Signos, p. 24). 90 MORRIS, Charles. Fundamentos da Teoria dos Signos, p.28. 91 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p.173.

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Clarice Von Oertzen de Araújo traz em sua obra um interessante debate entre Chaim

Perelman e Émile Benveniste, o qual é transcrito a seguir:

A contribuição dos linguistas à teoria geral do conhecimento é precisamente na

independência de sua abordagem, e deste modo, por sua própria conta, eles tentam

elaborar este conjunto que representa a língua com sua complicação sempre

crescente, a variedade de seus níveis, etc. Trata-se então de saber se a dicotomia que

eu apresento é ou não conciliável (e se ela não o é, por que?) com a tripartição que os lógicos instituíram. Se não estou enganado, a noção de sintaxe, a noção de

semântica e a noção de pragmática são três ordens de noções a que os lógicos

geralmente aderem. Estas três noções constituem um conjunto que é articulado de

modo totalmente outro que aquele que a língua em si mesma permite conceber. Em

conjunto ou separadamente, elas pertencem exclusivamente ao domínio que é, na

minha terminologia, aquele do semântico. (...) O lingüista, eu creio, não vê

necessidade para a distinção admitida em lógica entre a pragmática e a semântica. É

importante para o lógico distinguir de um lado a relação entre a língua e as coisas,

que é da ordem do semântico; e de outro lado a relação entre a língua e aqueles que

a língua implica em seu jogo, aqueles que se servem da língua, que é da ordem do

pragmático. Mas para um lingüista, se lhe pode ser útil recorrer a esta subdivisão em um momento de seu estudo, em princípio uma distinção semelhante não é de

imediato necessária. A partir do momento em que a língua é considerada como ação,

como realização, ela supõe necessariamente um locutor e ela supõe a situação deste

locutor no mundo. Estas relações são dadas em conjunto no que defino como

semântica (In: Problemas de linguística geral II, p. 239)92.

Os linguistas têm que enfrentar a mutação dos significados das palavras no uso

corrente da língua. No Direito também se nota esse fenômeno, como afirma Clarice Von

Oertzen de Araújo, que destaca que:

O clássico tema de interpretação das normas, segundo a intenção do legislador ou da

norma em si mesma, é uma questão à qual os doutrinadores jurídicos atribuem um

caráter eminentemente semântico. Também é desta natureza a premissa da

heterogeneidade dos conteúdos de significação das unidades normativas.93

A heterogeneidade mencionada pela autora está diretamente ligada à diversidade de

conteúdos materiais contidos nos enunciados legais. De forma bastante esclarecedora, a

professora Clarice define:

O aspecto semântico dos signos diz respeito à suas relações com os objetos que denotam. O caráter semântico das normas jurídicas diz respeito às relações entre as

normas (signos) e as condutas intersubjetivas ou relações (objetos). A linguagem

92 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p.173 - 174. 93 Ibidem, p.174-175.

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prescritiva, portanto, é semanticamente aberta, cognoscente, uma vez que o

significado dos signos é dialógico94.

Contudo, temos que o campo de estudo da semântica é o vínculo do signo com a

realidade que exprime. A análise semântica tem por escopo destacar o significado correto dos

signos, entre os diversos possíveis, distinguindo e eliminando todos aqueles que se encontram

associados ao signo, buscando assim, extrair o máximo possível as imprecisões naturais dos

termos, na maioria das vezes oriundas da linguagem natural.

Élcio Perin Júnior dispõe que assim sendo,

a análise semântica de qualquer dispositivo legal, implica na busca de sua conotação

e denotação, primeiramente para estabelecer a relação dos termos por ela

empregados, alcançando o conjunto de objetos que representa, ou seja, delimitando

a sua extensão.95

No âmbito semântico busca-se analisar as palavras em sua dimensão de referência à

realidade, ou seja, busca-se o sentido ou significado dos símbolos, a parcela da realidade que

as palavras representam.

As imprecisões naturais dos termos podem estar relacionadas à conotação ou à

denotação. Quando relacionada à conotação, tem-se a ambiguidade96

e quando relacionada a

denotação tem-se a vagueza97

. As normas jurídicas dificilmente padecem do vício da

ambiguidade, já que os termos jurídicos vêm sempre contextualizados. No entanto, não raras

são as vezes em que a interpretação das normas jurídicas enfrentam o problema da vaguidade,

ou seja, encontram palavras denotativamente imprecisas.

No Direito é possível notar a presença de trabalhos exclusivamente semânticos, como

por exemplo os dicionários jurídicos, que procuram trazer em seu bojo o significados dos

94 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p.175. 95

PERIN JUNIOR, Ecio. A linguagem no Direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem

jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/50. Acesso

em: 9 mar. 2014. 96 Ambiguidade: explicação no tópico a seguir “Sobre as definições”. 97 Vagueza: explicação no tópico a seguir “Sobre as definições”.

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signos linguísticos, informando os significados agregados a cada signo. Trabalhos dessa

natureza estão diretamente ligados à dinâmica do direito, que traz sempre novos termos

decorrentes da instituição de novas leis, ou até mesmo da jurisprudência que

progressivamente vai estabelecendo a definição dos termos.

Écio Perin Junior observa:

Não raro, observa-se que determinados textos legais procuram definir o significado

dos signos linguísticos empregados, realizando a própria lei um trabalho semântico,

prática que, embora seja defendida por alguns, outros veemente condenam, por

entender que a partir do momento que o texto normativo passa a definir o alcance dos signos utilizados estará restringindo sua extensão não só no espaço como

também no tempo, restringindo o exercício de interpretação98.

Observa-se a partir do que foi exposto, que a análise semântica deve considerar cada

objeto de estudo como um signo integrante da linguagem do direito, considerando

principalmente seu contexto, a fim de eliminar toda e qualquer imprecisão que o termo de

uma norma jurídica possa apresentar, alcançando a exatidão e possibilitando o alcance da

certeza que deve residir na aplicação da lei. Tem então a função de definir conceitos, o que

para Charles Morris99

pode ser encarado como uma regra semântica que determina o uso de

signos característicos.

Neste capítulo, buscaremos as definições dos termos nucleares no ICMS-Importação,

a fim de delimitar a abrangência da norma. Estabelecer precisamente o limite de cada termo é,

sem dúvida, fundamental para saber o real alcance da norma. Evidentemente, como já foi

falado anteriormente, é impossível isolar totalmente o aspecto semântico, do sintático e do

pragmático. A divisão feita entre os três aspectos (sintático, semântico e pragmático) foi para

que pudéssemos explicar melhor cada um deles, no entanto é inevitável a presença de um no

outro, posto que a realidade que se quer exprimir é uma só. Justifico isso, uma vez que

98 PERIN JUNIOR, Ecio. A linguagem no Direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem

jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/50>. Acesso

em: 9 mar. 2014. 99 MORRIS, Charles. Fundamentos da Teoria dos Signos, p.27.

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anteciparei, por vezes, a pragmática, a fim de ilustrar os conceitos que trago neste tópico.

Alguns que, no entanto, julgar que merecem ser tratados, sob o ponto de vista pragmático,

isoladamente, pela sua relevância na compreensão do ICMS-Importação, tais como

mercadoria, circulação, operação o farei na parte dedicada à pragmática.

2.2 SOBRE AS DEFINIÇÕES

Estudar as definições é certamente uma forma de aproximar os conceitos filosóficos

da realidade de quem lida com questões tributárias. Tácio Lacerda Gama100

relaciona alguns

propósitos imediatos para estudar os conceitos jurídicos, tais como: i) precisar o sentido das

expressões; ii) superar problemas de ambiguidade, evitando discussões estéreis; iii) evitar

falácias de vaguidade; iv) compreender e manejar forma de definição dos conceitos; e v)

identificar formas de legitimar a definição de sentido.

Para Paulo de Barros Carvalho "definir é operação lógica demarcatória dos limites,

das fronteiras, dos lindes que isolam o campo de irradiação semântica de uma ideia, noção ou

conceito. Com a definição, outorgamos a ideia de identidade, que há de ser respeitada do

início ao fim do discurso”101

.

Certamente nosso primeiro contato com a linguagem vem lá da infância, quando

observamos o comportamento linguístico das pessoas que nos cercam, ou ainda, dos livros

que lemos. Trata-se de um aprendizado não-formal, mas que cumpre com o imperativo de se

estabelecer a comunicação. Ocorre que muitas vezes é necessário ir além dos métodos de

100 GAMA, Tácio Lacerda. Sentido, Consistência e Legitimação. In: Vilém Flusser e Juristas – Comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson Carneiro. São

Paulo: Noeses, 2009, p.231. 101 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009, p.

120.

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observação e imitação, buscando uma instrução formal, a fim de preencher as lacunas que o

método primário inevitavelmente deixa, o que significa que se torna necessário buscar uma

explicação dos significados dos termos para compreender aquilo que está sendo dito. Muitas

vezes o contexto é insuficiente para esclarecer significados de palavras que não nos são

familiares, tornando-se fundamental buscarmos definições que ampliem nosso vocabulário e

nos permitam uma maior compreensão do objeto da comunicação.

Definir, portanto, é o nome dado ao processo pelo qual, linguisticamente, imputam-

se a um termo limites em seu campo de irradiação semântica. É pelo seu

conhecimento que é possível empregar os termos de uma certa linguagem para

referir-se a um ou outro objeto e, assim, comunicar-se102.

Além de aumentar o vocabulário, a definição tem por escopo eliminar a ambiguidade e

a vagueza dos termos. Inúmeras palavras possuem dois ou mais significados ou sentidos

distintos, o que pode gerar complicações no contexto da comunicação. Quando não é possível

afirmar com veemência o sentido que se quer atribuir à determinada palavra, diz-se que ela é

ambígua.

A ambiguidade pode ser eliminada ao darmos definições que expliquem os diferentes

significados que as palavras ou frases apresentam. Por exemplo, um pai não muito dedicado,

pode se assustar quando for convidado pela filha para assistir a sua estreia numa competição

de judô, modalidade de esporte que iniciou após ouvir de seu pai: “Vá à luta, filha”. O que

aconteceu foi que a filha seguiu literalmente o conselho do pai, que possivelmente utilizou a

expressão com outro significado. A ambiguidade pode até mesmo gerar desacordos, não

propriamente por diferenças de ideologias ou opiniões, mas tão-somente correspondente a

diferentes usos de um termo.

102 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. Set. 2012. 195 p. Dissertação

(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, Set. 2012. Descrição física do

suporte, p. 26.

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A vaguidade, por sua vez, surge quando não temos absoluta certeza da correta

aplicabilidade do termo, mesmo que tenhamos noção do que ele significa. Eliminar a

vaguidade é, então, aclarar o significado de um termo já conhecido, mas que nos é vago,

dando-lhe uma definição que nos permita decidir se ele é adequado para a situação. Assim,

para decidir se um carro elétrico deve ser tributado por meio do IPVA, é relevante apurar a

definição da lei para esses casos; e se a lei não trouxer respostas satisfatórias, caberá ao

Tribunal competente definir o significado do termo, possibilitando uma aplicação clara.

Irving Copi explica que muitas vezes as questões de vagueza e ambiguidade se

confundem, no entanto;

Embora a mesma palavra possa ser, ao mesmo tempo, vaga e ambígua, vagueza e

ambiguidade são duas propriedades muito distintas. Um termo é ambíguo num

determinado contexto, quando tem dois significados distintos e o contexto não

esclarece em qual dos dois se usa. Por outro lado, um termo é vago quando existem ‘casos limítrofes’ de tal natureza que é impossível determinar se o termo se aplica

ou não a eles. Nesse sentido, a maioria das palavras é vaga103.

Irving Copi agrega ainda mais duas funções à definição: i) a de formular uma

característica teoricamente adequada ou cientificamente útil dos objetos a que deverá ser

aplicado - como fizeram, por exemplo, os cientistas ao definirem que força é o produto da

massa pela aceleração; e ii) a de ser um meio para influenciar atitudes, ou seja, por vezes

busca-se definir um termo, com o escopo de influenciar as atitudes ou agitar as emoções de

quem ouve ou de quem lê.

As definições são signos que se referem a um objeto por meio de uma convenção,

trata-se de um símbolo, afinal, são somente os símbolos que têm significados que as

definições explicam.

103 COPI, Irving. Introdução à Lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 107-108.

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O Símbolo exerce a função de signo por força de uma lei e pode, consequentemente,

ser estabelecido por alguma convenção, embora nem sempre o seja; contudo, jamais

será totalmente arbitrário. Se algo não motivar a sua constituição, não será capaz de

efetivamente determinar uma inteligência na representação do objeto104.

Nesse sentido, explica Irving Copi

Podemos definir a palavra ‘cadeira’, porque tem um significado; mas conquanto possamos sentarmos nela, pintá-la, queimá-la ou descrevê-la, não podemos definir

uma cadeira em si mesma, pois é um artigo do mobiliário, não um símbolo com um

significado que devamos explicar105.

As definições podem ser decompostas em duas partes: i) o símbolo que se deve definir

é chamado definiendum; e ii) o símbolo ou o grupo de símbolos usado para explicar o

significado do definiendum é o definiens. Como exemplifica Irving Copi, ao afirmar que “um

triângulo é (por definição) uma figura plana limitada por três linhas retas”106

, temos que o

termo “triângulo” é o definiendum e que “uma figura plana limitada por três retas” é o

definiens. O definiens é, pois, um grupo de símbolos que possui o mesmo significado do

definiendum.

São cinco os tipos de definição: i) estipulativas; ii) lexicográficas; iii) aclaradoras; iv)

teóricas; e v) persuasivas.

As definições estipulativas são também conhecidas como nominais ou verbais.

Tratam-se daquelas definições que se dá a um termo inteiramente novo. Por isso, a pessoa que

o insere têm a possibilidade de escolher os limites semânticos que o termo sugere, por meio

da liberdade de estipulação. É devido a essa liberdade que a definição não se sujeita aos juízos

de verdadeiro ou falso.

Os textos científicos beneficiam-se enormemente das definições estipulativas na medida em que estas permitem-lhe imprimir racionalidade, rejeitando os

significados emotivos que outras palavras já empregadas no discurso comum

poderiam emprestar ao seu discurso depurado.

104 SILVEIRA. Lauro Frederico Barbosa da. Curso de Semiótica Geral. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 79. 105 COPI, Irving. Introdução à Lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 112. 106 Idem.

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Assim, por exemplo, emprega-se na física símbolos como ∆ (delta) para referir-se à

variação de uma grandeza física, Arquimedes empregou a letra π (pi) para referir-se

ao número que expressa a relação entre o perímetro de uma circunferência e o seu

diâmetro e os químicos convencionaram que a expressão mol representaria o número

de moléculas estabelecido na constante de Avogadro107.

As definições lexicográficas são também chamadas de definições reais, e tem por

escopo eliminar as ambiguidades. Uma definição lexicográfica não atribui ao definiendum um

significado novo, como o faz a definição estipulativa, apenas atribui a ele um uso já

estabelecido no domínio da linguagem, ou seja, ela irá informar um significado que ele já

possui. Assim, sua principal distinção para a definição estipulativa é que ela pode ser

verdadeira ou falsa, ou seja, o significado do definiendum pode ser correta ou incorretamente

informado; é o tipo de definição que costuma ser encontrada nos dicionários.

As aclaradoras são definições que visam eliminar a vagueza dos termos. Uma

expressão é considerada vaga quando dá origem aos casos limítrofes, tornando impossível

determinar se o termo deve ou não ser aplicado. Diante de um caso de vaguidade é, portanto,

necessário ir além do uso corrente do termo, ultrapassando os limites de uma definição

lexicográfica.

A definição aclaradora não se confunde com a estipulativa, uma vez que os termos em

questão não são novos, seu uso já está estabelecido, mas no entanto seu significado é vago. O

autor da definição aclaradora não tem liberdade para atribuir a seu bel-prazer um significado

ao definiendum, devendo manter-se fiel ao uso estabelecido até onde isso for possível. Neste

tipo de definição, inevitavelmente, haverá um quantum de estipulação, uma vez que será

necessário ir além do uso estabelecido, de forma a preencher as lacunas ou resolver os

conflitos oriundos da vaguidade do termo.

107 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência

Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. Set. 2012. 195 p. Dissertação

(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, Set. 2012, p. 30.

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78

Os termos ‘verdadeiro’ e ‘falso’ só se aplicam parcialmente às definições

aclaradoras, com o significado de que a definição é ou não conforme o uso

estabelecido, até onde este alcance. Ao avaliar-se o modo como uma definição

aclaradora ultrapassa o uso estabelecido, quando este é impreciso, os critérios de

verdade ou falsidade não são aplicáveis, e devemos falar, antes, de sua conveniência

ou inconveniência e (especialmente num contexto legal ou quase legal) de sua

sabedoria ou insensatez108.

Acerca da distinção entre as definições estipulativas, lexicográficas e aclaradora,

manifesta-se Lucas de Britto Galvão:

Diferem as definições aclaradoras das lexicográficas na medida em que transcendem

o uso estabelecido nas lexicográficas – que não é suficiente para os casos limítrofes

– e distinguem-se, ainda, das estipulativas porque têm a liberdade de estipulação

parcialmente tolhida pelos constrangimentos interpretativos impostos pelo uso já

estabelecido do termo109.

As definições teóricas ou analíticas são aquelas que somente adquirem sentido em

meio a um dado modelo teorético, afasta-se do uso comum para se aproximar do sentido

utilizado no contexto do pensamento de um autor ou de uma escola de pensamento. Irving

Copi exemplifica;

Em certa época, os físicos definiram o ‘calor’ como um fluido sutil e imponderável;

agora, o definem como uma forma de energia possuída por um corpo, em virtude do

movimento irregular das suas moléculas. Os físicos formularam diferentes

definições teóricas de ‘calor’ em diferentes épocas, porque aceitaram diferentes

teorias do calor, nessas épocas diferentes110.

Por fim, as definições persuasivas são aquelas que possuem o propósito de influenciar

atitudes, evocando, no interlocutor, bons sentimentos. Temos assim, que as definições

estipulativas e lexicográficas têm o condão de incrementar o vocabulário da pessoa para quem

a definição é construída; as definições lexicográficas servem também para eliminar as

ambiguidades.

108 COPI, Irving. Introdução à Lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 117. 109 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência

Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. Set. 2012. 195 p. Dissertação

(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, Set. 2012, p. 32. 110 COPI, Irving. Introdução à Lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 118.

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79

As definições aclaradoras têm o propósito de eliminar a vagueza, ao passo que as

teóricas visam explicar algo teoricamente. No entanto, todas elas, podem servir a um

propósito retórico de influenciar pessoas, quando o fizeram, também estarão cumprindo a

função persuasiva.

Tácio Lacerda Gama111

chama a atenção para a diferença entre o termo e o conceito.

Para ele, o termo é o suporte físico, o significante, a partir do qual se constrói uma

significação acerca de um significado. É pois, essa significação que é o conceito, a ideia que

se tem a partir do contato com o termo, e essa ideia, por sua vez, pode ser conotativa ou

denotativa, o que o autor quer dizer é que as conexões que se estabelecem entre significante e

significado podem ser percebidas de duas formas: conotativa ou intencional ou ainda

denotativa ou extensional.

Iving Copi112

diria que conotação e denotação são âmbitos de significação de um

termo que aponta para aspectos distintos, no entanto, complementares, da relação entre

significante e significado. Ele os diferencia da seguinte forma:

Num certo sentido, o significado de um termo consiste na classe de objetos a que o

termo pode ser aplicado. Este sentido da palavra ‘significado’, o seu sentido

referencial, tem recebido tradicionalmente o nome de significado extensivo ou denotativo. Um termo genérico ou de classe denota os objetos a que pode

corretamente ser aplicado, e a coleção ou classe desses objetos constitui a extensão

ou denotação do termo.

(...)

As propriedades possuídas por todos os objetos que cabem na extensão de um termo

recebem o nome de intenção ou conotação desse termo. Os termos genéricos ou de

classe têm um significado intensivo ou conotativo e um extensivo ou denotativo113.

111 GAMA, Tácio Lacerda. Sentido, Consistência e Legitimação. In. Vilém Flusser e Juristas – Comemoração

dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson Carneiro. São Paulo: Noeses, 2009, p. 233. 112 COPI, Irving. Introdução à Lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p.119. 113 Idem.

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Lucas de Britto Galvão é bastante esclarecedor ao afirmar que:

Se deixarmos de lado o critério classificatório da função e submetermos as

definições o discrímen das técnicas de significação empregadas na construção do

definiens, logo veremos que é possível identificar duas classes de definições: (1) as

denotativas, construídas pelo exemplo, enumeração de subclasses ou

ostensivamente, e; (2) as conotativas elaboradas pela sinonímia ou pela enumeração de atributos que marcam todos os componentes do gênero e a enunciação da

diferença específica114.

Dada uma breve explicação acerca da importância de se definir termos para melhor

entendimento do contexto, passamos a analisar o significado de termos e expressões que

habitam o universo do ICMS-Importação, a fim de entendermos a norma em sua completude.

2.3 O ICMS-IMPORTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A primeira parte deste trabalho foi toda voltada à demonstrar os aspectos sintáticos do

ICMS-Importação, o que significa que se trabalhou em cima dos elementos intranormativos,

buscando de forma clara tratar os critérios e os princípios que norteiam o tributo.

Evidentemente que por meio desses elementos é possível compreender a norma e seu alcance,

no entanto como a proposta deste trabalho é estudar o ICMS-Importação sob três ângulos,

julgou-se interessante abordar o aspecto semântico da norma como um todo, buscando

demonstrar seu sentido, sem se ater aos elementos que a compõe.

Até 2001, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal caminhava no sentido de não

aceitar a incidência do ICMS-Importação nas operações de importação de bens por não

contribuintes do imposto. A então redação do art. 155, § 2º, IX, a, da CF/88 determinava que

114 BRITTO, Lucas Galvão. O Lugar e o Tributo: estudo sobre o critério espacial da Regra-Matriz de Incidência

Tributária no exercício da competência tributária para instituir e arrecadar tributos. Set. 2012. 195 p. Dissertação

(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, Set. 2012. Descrição física do

suporte, p. 34.

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o ICMS ‘incidirá também sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando

se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre

serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o

estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço.’ Nesse contexto, a Suprema Corte

entendeu que para que houvesse incidência de ICMS era necessária a existência de uma

operação de natureza mercantil, o que não ocorre quando o negócio jurídico é praticado por

quem não seja comerciante; a cobrança do ICMS também não se fazia cabível uma vez que,

nos casos de importação por não contribuinte, maculava-se o princípio da não-

cumulatividade, que vem a ser um dos norteadores da figura do ICMS.

Com a Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, importantes

alterações foram introduzidas no regime jurídico do ICMS, como pontuou Hugo de Brito

Machado:

Lamentável, sob todos os aspectos, na Emenda Constitucional nº 33, é o casuísmo

exagerado, que não se compadece com as normas de uma Constituição. De todo

modo, certo é que não basta lamentar os defeitos da técnica legislativa ou quaisquer outro nos quais eventualmente incorre o legislador. Temos de analisar a norma

posta, buscando esclarecer-lhe o sentido e deste modo contribuir para sua adequada

aplicação115.

Sendo assim, é possível concordar com o professor Hugo de Brito Machado e não

lamentar os defeitos do legislador, pois como destaca Pontes de Miranda em relação à

Constituição de 1967: “Não a faríamos como é, porém ela é o que é, e o que nós faríamos não

foi feito”116

. Nossa missão, então, é estudar a norma e extrair dela a melhor interpretação, a

fim de buscar uma aplicação justa e constitucional.

Pois bem, com o ingresso no mundo jurídico da Emenda Constitucional nº 33, restou

autorizada a incidência do ICMS, também, “sobre a entrada de bem ou mercadoria

115 MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS e a Emenda 33. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo,

Dialética, n. 80, Mai. 2002, p. 43. 116 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo I. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1967, p.5.

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importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual

do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre serviço prestado no

exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do

destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. Superou-se, dessa forma, a jurisprudência do

STF que afirmava não haver incidência do ICMS na importação de bens por quem não fosse

comerciante, industrial ou produtor.

O que se pretendeu, pois, em última análise, foi, se não ‘cassar’, no mínimo

‘costear’, por meio de emenda constitucional, diretriz jurisprudencial da nossa mais

alta Corte de Justiça, que contrariava o interesse arrecadatório dos Estados, além de

desagradar empresas que operam em alguns setores do mercado interno, incomodadas com o maior potencial competitivo de produtos estrangeiros, similares

ou produzidos localmente, e importados com menor tributação117.

O que se percebe é que houve nitidamente um alargamento da hipótese de incidência

do ICMS-Importação, já que este não mais incide somente sobre mercadorias, mas sim sobre

bens. O sujeito passivo foi deslocado da figura do comerciante, industrial ou produtor, para

qualquer pessoa física ou jurídica que promova a importação. E, por fim, o princípio da não-

cumulatividade perdeu seu papel central no desenho do ICMS, posto que a pessoa física que

importa bem para uso próprio não protagoniza operação possível de ensejar o surgimento de

crédito com condição de ser compensado em operação posterior, o que significa que nessas

situações o tributo é cumulativo.

Longe disso, estamos convencidos de que a EC nº 33/01 desenhou um novo imposto,

ou seja, um ‘imposto estadual sobre a importação de produtos estrangeiros’, que, em

seus traços fundamentais, distancia-se daquele previsto no art. 155, II, da Constituição Federal, pois: a) incide sobre operações praticadas por pessoas físicas

ou jurídicas, independentemente da qualificação profissional que possam ter; b) as

operações alcançadas terão por objeto não apenas ‘mercadorias’, mas também

‘bens’; c) não atende ao princípio da não-cumulatividade118.

117 BOTTALLO, Eduardo. ICMS – A Importação de Bens e a EC nº 33/01. Repertório de Jurisprudência IOB,

São Paulo, n. 11, v. I, jun. 2003, p. 395. 118 Ibidem, p. 394.

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Nesse sentido,

Esta redação foi dada pela Emenda Constitucional 33, de 11 de dezembro de 2001,

constituindo verdadeira ampliação da base econômica original, que previa a

incidência apenas sobre a entrada de mercadorias, não de bens. A EC 33 também

deixou claro que o ICMS passou a incidir sobre importações realizadas não apenas

por contribuintes, mas também pelo contribuinte ‘não habitual’119.

Em suma, observa-se que o novel ICMS-Importação agora se trata de um imposto

incidente sobre qualquer tipo de importação realizada seja por pessoa física, seja por pessoa

jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto. Pelo menos assim tem

entendido nossa Suprema Corte.

Na primeira parte do trabalho, foram analisados os percalços que as alterações

promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 trouxeram para os elementos intranormativos,

ou seja, as mudanças ocasionadas nos elementos que compõem a norma, tais como aspectos e

princípios.

Agora, após contextualizar o ICMS-Importação como um todo, ou seja sem se ater a

cada vocábulo constituinte da norma, são analisados os principais termos da exação, a fim de

delimitar o alcance de cada um e demonstrar de que forma as alterações promovidas nos art.

155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal de 1988 alteraram o sentido da norma, a ponto de

criar, por meio de Emenda à Constituição um novo tributo, sob as vestes de ICMS, mas que

no entanto fere diretrizes fundamentais dessa exação.

119 SILVA NETO, Orlando Celso da. Não incidência do ICMS na importação por não contribuinte após a

Emenda Constitucional 33. Revista da ESMESC, v. 15, n.21, 2008, p. 339.

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2.4 CONCEITO JURÍDICO DO TERMO “OPERAÇÕES” PARA FIM DE INCIDÊNCIA

DO ICMS

Para o Direito, operação significa um negócio jurídico, instituto definido por Maria

Helena Diniz no sentido de que “origina-se do ato volitivo, que colima a realização de um

certo objetivo, criando, com base em norma jurídica, direito subjetivo, e impondo, por outro

lado, obrigações jurídicas”120

.

Logo, trata-se de uma manifestação de vontades que cria, modifica ou extingue

direitos, ressaltando que é fundamental para que haja o negócio jurídico a presença de duas

pessoas, já que é impossível se fazer negócio consigo mesmo.

José Eduardo Soares de Melo assim leciona que “o ICMS incide sobre ‘operações

relativas à circulação de mercadorias’ (art. 155, II, da CF/88), envolvendo negócio jurídico

mercantil, e não sobre simples mercadorias ou quaisquer espécies de circulação”121

.

Marcelo Viana Salomão122

defende que o ICM era um imposto incidente sobre

operações, colocando os negócios jurídicos como núcleo da materialidade de sua hipótese de

incidência em detrimento da circulação de mercadoria, o que não significa que os termos

circulação e mercadoria devam ser desprezados, muito pelo contrário, advoga o autor, eles são

fundamentais para correta compreensão do aspecto material desse imposto.

Salomão destaca que circulação e mercadoria são adjetivos imprescindíveis para

delimitar o alcance do sentido do termo operação. Assim, a fim de estabelecer que não é toda

e qualquer operação que enseja a incidência do ICMS, o constituinte estabeleceu que somente

àquelas relativas à circulação de determinado tipo de bens - as mercadorias -, é que seriam

passíveis de tributação pelo ICMS.

120 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v.1, 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 279. 121 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 11. 122 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 31.

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Nesta mesma esteira observa Roque Antonio Carrazza:

Os termos “circulação” e “mercadorias” qualificam as operações tributadas por via

de ICMS. Não são todas as operações jurídicas que podem ser tributadas, mas

apenas as relativas à circulação de mercadorias. O ICMS só pode incidir sobre

operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos

produtores originários aos consumidores finais123.

Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, ao analisarem o significado de ‘operações’,

atentam para o fato do termo apresentar diversas acepções: econômica, física e jurídica; no

entanto ressalta que para o cientista do Direito somente a acepção jurídica interessa. E alertam

que:

(...) os autores que vêem no ICM um imposto sobre circulação ou sobre

mercadorias estão ignorando a Constituição; estão deslocando o cerne da hipótese

de incidência do tributo, da operação – aí posta pelo próprio Texto Magno – para

seus aspectos adjetivos, com graves consequências deletérias do sistema124.

Carrazza vai ainda mais além:

Como melhor procuraremos demonstrar, para que um ato configure uma operação

mercantil é mister que: a) seja regido pelo Direito Comercial; b) tenha sido

praticado num contexto de atividades empresarias; c) tenha por finalidade, pelo

menos em linha de princípio, o lucro (resultados econômicos positivos); e d) tenha

por objeto uma mercadoria125.

Aliomar Baleeiro compartilha deste entendimento sustentando que a operação passível

de incidência do ICM é aquela em que há transferência de domínio da mercadoria do produtor

para aquele que pretende revender. Ainda complementa-se que:

O Estado-membro está investido da competência para decretar ICM, é claro, não sobre bens ou coisas, mas específica e unicamente sobre ‘operações’, isto é,

negócios jurídicos que ponham em circulação ‘mercadorias’, transferindo-as de

produtores e revendedores dentro de sua jurisdição territorial, em sucessivas etapas,

123 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.39. 124 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 12. 125 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.39.

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até o consumidor ou usuário final. Não lhe é licito querer ICM da deslocação física

sem relevância jurídica, nem conteúdo negocial da mercadoria126.

Nessa linha, Carrazza advoga que somente o produtor, o industrial ou o comerciante

podem figurar no polo passivo dessas operações. O particular que vende um bem qualquer,

não realiza uma operação relativa à circulação de mercadoria.

Embora a atual Constituição Federal não mencione expressamente o sujeito passivo do

ICM como faziam as Constituições anteriores, este é facilmente identificável. A estrutura do

ICM foi integralmente mantida na elaboração do ICMS, razão que nos permite afirmar que os

sujeitos capazes de fazer nascer a obrigação de pagar este imposto continuam sendo os

produtores, os industriais e os comerciantes, assim como estabelecia a Constituição anterior.

É mister ressaltar que não são apenas as pessoas dotadas de personalidade jurídica de

comerciante, industrial ou comerciante, como definem as regras do Direito Privado, que

ocupam o lugar do sujeito passivo da relação decorrente da incidência do ICMS, aqueles que

lhes fazem as vezes também. Basta que se promova em caráter de habitualidade, ainda que de

modo clandestino, atos de comércio. Carlos da Rocha Guimarães assim dispõe:

Assim, a habitualidade é o critério que nos guia ao diferenciar o intuito objetivo do subjetivo, e que transforma a simples circulação jurídica de bens em circulação

jurídica de mercadorias

(...)

Em consequência, e nessa ordem de ideias, achamos que outras pessoas, que não

exerçam propriamente a mercancia, possam vir a ser tributadas se adquirirem e

alienarem bens com habitualidade, obtendo lucros nessa atividade127.

Como se observa, as noções de “comerciante”, “industrial” ou “produtor”, adquirem

uma maior amplitude do que àquelas propostas pelo Direito Civil ou Direito Comercial,

quando se trata de tributação. Por exemplo, um menor absolutamente incapaz que pratique

repetidas vezes operações relativas à circulação de mercadoria pode ser contribuinte do

126 BALEEIRO, Aliomar. ICM sobre a importação de bens de capital para uso do importador. Revista Forense,

n. 250. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p.140. 127 GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Natureza e essência do fato gerador do ICM, Caderno de Pesquisas

Tributárias, São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 133-134.

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ICMS, ideia que encontra respaldo no disposto no art. 126 do CTN: “A capacidade passiva

independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural

sujeita à medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis,

comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III – de

estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que se configure uma unidade

econômica ou profissional”.

Nesse sentido, o art. 4º da Lei Complementar 87/1996 determina ser contribuinte do

ICMS a pessoa que “realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito

comercial, operações de circulação de mercadorias (...) ainda que as operações (...) se iniciem

no exterior.

A importância de se destacar o termo operações como núcleo do critério material da

hipótese de incidência do ICMS, é impedir que a simples circulação de mercadoria enseje a

tributação via ICMS. Somente a passagem de uma pessoa para outra, por decorrência de um

negócio jurídico, é que é passível de ser alcançado pelo mencionado imposto. Roque Antonio

Carrazza assim defende: “Assim, este ICMS deve ter por hipótese de incidência a operação

jurídica que, praticada por comerciante, industrial ou produtor, acarrete circulação de

mercadoria, isto é a transmissão de sua titularidade”128

.

Diante disso Geraldo Ataliba destaca que:

(...) é a operação – e apenas esta - o fato tributado pelo ICMS. A circulação e a

mercadoria são conseqüências e meros aspectos adjetivos da operação tributada.

Prestam-se, tão-só, a qualificar – dentro do universo possível das operações mercantis realizáveis – aquelas que ficam sujeitas ao tributo, ex vi de uma eficaz

qualificação legislativa. Não é qualquer operação realizada que se sujeita ao ICMS.

Destas, apenas poderão ser tributadas as que digam respeito à circulação atinente a

uma especial categoria de bens: as mercadorias129.

128 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed, rev e amp. São Paulo: Malheiros, 2002, p.42. 129 ATALIBA, Geraldo. ICMS. Incorporação do ativo – Empresa que loca, oferece em ‘Leasing’ seus produtos –

Descabimento do ICMS. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 52, abr./jun. 1990, p. 74.

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Por fim, complementa-se ainda com as lições de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino,

proferidas ainda sob a vigência da Constituição anterior, mas evidentemente hodiernas que:

(...) o conceito nuclear da materialidade da hipótese de incidência do ICM é o de

operações. Esta é, definitivamente, uma expressão substantiva de descrição

constitucional do tributo; é o núcleo em torno do qual se constrói a própria descrição

do campo material de competência dos Estados. Os demais termos, constantes dessa

locução constitucional são adjetivos em torno do substantivo operações. As

operações é que constituem no fulcro de toda a preocupação constituinte e,

portanto, necessariamente, no centro das preocupações, seja do legislador, seja dos

aplicadores administrativos ou judiciais desse tributo130.

2.5 CONCEPÇÃO JURÍDICA DO TERMO “CIRCULAÇÃO”

No âmbito de incidência do ICMS, outro termo relevante a ser analisado é

“circulação”, que serve de predicado à expressão “operações”. Circulação, para o âmbito

jurídico, significa mudança de titularidade. Para o Direito só é possível falar em circulação

quando há transferência de titularidade daquele que detém o direito de propriedade para

outrem.

Jean Paolo Simei e Silva preleciona o seguinte trecho:

Geraldo Ataliba, em exposição contemporânea às manifestações dos citados

tributaristas131, ao tratar da acepção jurídica de circulação, já adiantava posição hoje

seguida por parcela dominante da doutrina, apontando, como significado jurídico, a

mudança de titularidade, mudança de ‘pertinência jurídica’, não se confundindo a

circulação jurídica com a circulação física132.

130 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações,

circulação e saída). Revista de Direito Tributário, São Paulo, n.25-26, v.101, 1983. 131 Jean Paolo Simei e Silva faz referência ao texto de Geraldo Ataliba, contemporâneo ao textos de Aliomar

Baleeiro e Alcides Jorge Costa, em que o autor assim define: “(...) em termos jurídicos, ‘circular’ é mudar de

titular; ‘circular’ é mudar de pertinência jurídica. ‘Circulação’ jurídica é mutação de titular”. (ATALIBA,

Geraldo. ICM sobre a importação de bens de capital para uso do importador. Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, n.250, 1975, p. 115). 132 SILVA, Jean Paolo Simei e. ICMS na importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: PUC-SP/ Faculdade

de Direito, 2011, p. 63.

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Na mesma esteira, José Souto Maior Borges destaca que “para haver circulação nesse

sentido, basta que a mercadoria mude de um patrimônio para outro, a título gratuito ou

oneroso, provisório ou definitivo, avançando ou recuando no campo econômico”133

.

Paulo de Barros Carvalho também compartilha deste entendimento, ao definir a

circulação como alteração de propriedade de uma mercadoria havida sob o pálio de um

negócio jurídico134

.

Uma relação jurídica entre dois sujeitos que não acarrete transferência do direito de

disposição sobre determinado tipo de bem não é passível de tributação por meio do ICMS,

uma vez que não se concretiza o fato imponível do tributo.

Neste tópico, é importante para o estudioso do Direito que ele desconsidere termos ou

conceitos advindos de outras áreas do conhecimento. Cada Ciência possui sua própria

linguagem, que muitas vezes podem coincidir, no entanto a coincidência não é regra, e a

simples transposição de um conceito de outra área do saber para o Direito pode desembocar

no erro. O que é claramente ressaltado por Geraldo Ataliba e Cleber Giardino onde:

“Circulação é expressão que deve ser entendida juridicamente. Do ponto de vista econômico,

o termo é vago e impreciso: é, pois, imprestável para assegurar a objetividade e segurança

específicas do direito”135

.

É impensável a interpretação de uma norma jurídica, por exemplo, com o auxílio do

dicionário de Medicina ou Engenharia, ou ainda de qualquer outra área mais próxima do

Direito, como parece ser a Economia. O Direito tem conceitos próprios que por vezes não

condizem com aqueles propostos por outras ciências. Neste contexto Paulo de Barros

Carvalho leciona que “o sentido da construções utilizadas pelo legislador não deve ser

133 BORGES, José Souto Maior. ICM sobre a importação de bens de capital para uso do importador. Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, n.250, 1975, p. 123. 134 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 648. 135 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cléber. Núcleo da Definição Constitucional do ICM. Revista de Direito

Tributário, São Paulo, v. 52, 1983, p. 74.

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buscado na linguagem ordinária, repleta de imprecisões. Mister se faz que a interpretação dos

textos jurídicos se dê a partir das significações atribuídas pelo discurso científico”136

.

Assim, observa-se que circulação deve ser interpretada dentro do âmbito jurídico,

afastando os conceitos que determinam a mera circulação econômica ou física. Para fins de

ICMS, é irrelevante a circulação física, devendo ser ressaltada apenas a circulação jurídica, ou

seja, aquela decorrente de uma operação. Se fosse importante a circulação física, deveria ser

tributado pelo ICMS a mercadoria que foi retirada às pressas de um estabelecimento por

decorrência de uma inundação, por exemplo.

Quando este tributo foi introduzido no Sistema Tributário Nacional pela Emenda

18/1965 à Constituição de 1946, houve debates sobre o significado da expressão

‘operações relativas à circulação de mercadorias’. Na ocasião, duas correntes se

destacaram. A primeira, esposada, sobretudo, por autores funcionalmente ligado aos Fiscos estaduais, sustentava que a mera movimentação física das mercadorias, com

sua saída do estabelecimento do contribuinte, era suficiente para que ocorresse a

incidência do imposto. A segunda, alvitrada primeiro pelo professor José Nabantino

Ramos, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sustentava que para

ocorrer uma operação tributada, era necessário um negócio jurídico de que

resultasse a transmissão de propriedade da mercadoria. Esta segunda corrente

predominou, foi perfilhada pelos tribunais, inclusive o STF, e hoje é a que

prevalece137.

Sendo assim, para fins de incidência do ICMS somente há circulação se esta for

decorrente de uma operação, ou seja, é necessário que haja um negócio jurídico que transfira

os direitos de propriedade de uma pessoa à outra.

Oportuna a lição de José Souto Maior Borges de que,

(...) não há identidade entre circulação física ou econômica (inapreensível

juridicamente) e circulação jurídica. Tanto é assim que, juridicamente, os imóveis

circulam e, no entanto, fisicamente não podem fazê-lo. (...) Uma coisa é a operação

de que resulta a circulação de mercadoria. Outra bem diferente é a circulação dela

resultante138.

136 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009, p.

757. 137 COSTA, Alcides Jorge. ICMS – Fato Gerador Arrendamento Mercantil – Importação de Mercadorias – Interpretação da Constituição Federal antes e depois da Promulgação da Emenda Constitucional nº 33, de 2001 –

Comentário à acórdão do STF. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS, São Paulo: Dialética, 2009, p. 38. 138 BORGES, José Souto Maior. O fato gerador do ICM e os estabelecimentos autônomos Revista de Direito

Administrativo, v. 103, 1971, p.36.

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Compartilha deste entendimento José Eduardo Soares de Melo:

Relativamente à circulação do ICMS não deveria ter significação a circulação física

(mero trânsito de bens pelas vias públicas); e a circulação econômica (alteração nas

fases da produção, circulação e consumo); mas, exclusivamente, a circulação

jurídica (movimentações da titularidade dos bens e das mercadorias)139.

Logo, temos que circulação é, pois, a transferência jurídica de titularidade de uma

mercadoria ou bem, não configurando circulação a mera saída. Na esfera do ICMS-

importação, entende-se por circulação o negócio jurídico realizado entre o exportador

estrangeiro e o importador nacional, onde nota-se, necessariamente, a transferência de

titularidade. A professora Fabiana Del Padre Tomé expõe claramente:

Não há como separar o § 2º, IX, ‘a’ do restando do Texto Constitucional,

especialmente do inciso II, do art. nº 155. O § 2º prescreve: ‘O imposto previsto no

inciso II atenderá ao seguinte:’. Remete, expressamente, ao inciso II, o qual por sua

vez, autoriza aos Estados e o Distrito Federal a instituírem impostos sobre:

‘II – operações relativas à circulação de mercadorias...’.

Isso leva, inevitavelmente, à conclusão de que o constituinte permite a exigência do

ICMS somente nos casos em que há operação jurídica de circulação de bens ou

mercadorias, que, por sua vez, exige transferência de titularidade, realizada

internamente ou decorrente de importação.

(...) O arrendamento operacional de aeronaves configura contrato que envolve

direito de uso do bem, sem transferência de sua propriedade, nem mesmo ao final da vigência do contrato. Tanto é assim que a importação de aeronaves arrendadas está

sujeita ao regime aduaneiro especial de admissão temporária. Não há como falar,

consequentemente, em circulação jurídica do bem nem na possibilidade de sua

permanência em território nacional140.

2.6 O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE “MERCADORIA”

A Constituição Federal de 1988 atribuiu competência aos Estados e ao Distrito Federal

para instituir o ICMS, ou seja, um imposto sobre as operações relativas à circulação de

139 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p.15. 140 TOMÉ, Fabiana del Padre. ICMS ou não na importação de aeronaves? Disponível em:

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI48588,21048-ICMS+ou+nao+na+importacao+de+aeronaves. Acesso

em: 18 fev.2014.

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mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação.

O art. 155, § 2º, IX, da Constituição Federal contempla três situações distintas: a) a

primeira, consiste na tributação do evento importar bem ou mercadoria para

revenda, comercialização ou industrialização; b) a segunda, prevê a tributação do

serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o

estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; c) a terceira, tem como evento tributado a aquisição de bens por pessoa física ou jurídica que não pratica

atos de comércio com habitualidade141.

Analisando a primeira parte do art. 155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal, nos

deparamos com o termo “mercadoria”. Ressalta-se, nessa esteira, que é indiscutível que

“mercadoria” para a Ciência do Direito é o bem móvel sujeito à mercancia.

Ensina-nos Paulo de Barros Carvalho que;

O étimo do termo ‘mercadoria’ está no latim mercatura, significando tudo aquilo

suceptível de ser objeto de compra e venda, isto é, o que se comprou para pôr à

venda. Evoluiu de merx mercis (sobretudo no plural: mercês, mercium), referindo-se ao que é objeto de comércio, adquirindo, na atualidade, o sentido de ‘qualquer

objeto natural ou manufaturado que se possa trocar e que, além dos requisitos

comuns a qualquer bem econômico, reúna outro requisito extrínseco, a destinação ao

comércio’. Não se presta o vocábulo para designar, nas províncias do direito, senão

coisa móvel, corpórea, que está no comércio142.

Exclui-se, pois, desse conceito todo e qualquer bem móvel, pois tão-somente aquele

cuja finalidade está em se voltar para a prática mercantil é que pode ser definido como

mercadoria.

Nesse sentido, mercadoria e bem se distinguem, pois bem em sentido lato é qualquer

objeto móvel. Deve-se, portanto, ater-se que ao mudar a destinação específica do bem, muda-

se a sua natureza, sem, no entanto, mudar a sua propriedade.

141 CHIESA, Clélio. ICMS Incidente na Aquisição de Bens ou Mercadorias Importadas do Exterior e

Contratação de Serviço no Exterior – Inovações Introduzidas pela EC 33/2001. In: O ICMS e a EC 33, São

Paulo: Dialética, 2002, p. 12. 142 CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem e Método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 730.

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Dentro do mesmo âmbito Eduardo Ferreira Jardim expõe que “a sutil diferença entre

mercadorias e bens repousa na destinação, pois enquanto aquelas se preordenam a atos de

venda e compra, estes se situam fora do comércio”143

.

Como exemplo, o professor Roque Antonio Carrazza expõe que “um jogo de xadrez

será mercadoria, se colocado à venda pelo comerciante, em seu estabelecimento, mas não o

será se ele o trouxer para sua casa, para seu deleite intelectual”144

.

Diante disso, é possível afirmar que o que confere tal caráter à mercadoria é a

destinação dada ao bem móvel, sendo inafastável para tal conceito que ele tenha por

finalidade a venda ou revenda.

Assim sendo, um bem de uso próprio não deve ser alvo de incidência do ICMS,

porque mesmo quando vendido a terceiro seu escopo não é a atividade mercantil, ou seja, ele

não tem como destinação uma operação mercantil, definida por Roque Antonio Carrazza

como uma situação em que um comerciante, industrial ou produtor pratica um negócio

jurídico em que há transferência de titularidade de uma mercadoria145

.

Geraldo Ataliba, já há muito tempo, questionava a incidência do imposto estadual

sobre bens que não tinham a característica jurídica de mercadoria “não é qualquer bem que

pode ser juridicamente qualificado como mercadoria. Essa qualificação depende de dois

fatores, a saber: (1) a natureza de promotor da operação que a tem por objeto e (2) a

destinação comercial que a ela dá o seu titular”146

.

A Constituição Federal de 88 adotou o conceito de mercadoria que já estava

consolidado pela lei comercial (Código Comercial, art. 191), que embora revogado pelo

143 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011. 144 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.43. 145 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.44. 146 ATALIBA, Geraldo. ICMS. Incorporação ao Ativo – Empresa que loca, oferece em ‘Leasing’ seus produtos

– Descabimento do ICMS. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 52, 1990, p. 78.

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Código Civil (art. 2.045), manteve sua essência. Essa concepção também prevaleceu na

orientação do Supremo Tribunal Federal, conforme indica a Súmula 541147

.

Percuciente estudo apura que, mediante a comparação entre o art. 1.122 do anterior

CC, e o art. 481 do novo CC, os critérios relativos ao contrato de compra e venda

não foram alterados, sendo que referida revogação não afeta diretamente o espectro

de incidência do imposto estadual, porque a competência outorgada desde a

instituição do ICM não foi para onerar apenas as relações jurídicas originadas de contrato de compra e venda mercantil, mas de toda e qualquer operação jurídica, que

importe a transferência da propriedade de uma mercadoria148.

É inegável que o Direito deve ser analisado como um todo, sem barreiras entre seus

setores. Os ramos do direito não são intransponíveis, intocáveis pelos demais. Por vezes,

conceitos definidos em um setor serão por óbvio utilizados em outros.

O Direito Tributário não se distancia disso, o que se nota no art.110, do CTN149

.

Conceitos definidos no Direito Civil, Direito Comercial, entre outros são utilizados com

frequência pelo legislador tributário, tais como propriedade, mercadoria, compra e venda.

Assim temos que “mercadoria”, para fins de incidência ICMS é o que a lei comercial

define como tal, não sendo competência da lei dos Estados ou do Distrito Federal sua

conceituação para fins tributários. Ao menos que o Poder Constituinte Originário se manifeste

em sentido contrário, mercadoria é o que a lei comercial diz que é, logo, o bem móvel que se

submete à mercancia.

Esta é também a visão de José Souto Maior Borges:

Mercadoria é o bem móvel, que está sujeito à mercancia, porque foi introduzido no

processo econômico circulatório. Tanto que o que caracteriza, sob certos aspectos, a mercadoria é a destinação, porque aquilo que é mercadoria, no momento que se

introduz no ativo fixo da empresa, perde essa característica de mercadoria, podendo

147 Súmula 541, STF: “O imposto sobre Vendas e Consignações não incide sobre a venda ocasional de veículos e

equipamentos usados, que não se insere na atividade profissional do vendedor, e não é realizada com o fim de

lucro, sem caráter, pois, de comercialidade”. 148 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 18. 149 Art. 110, do CTN: “A lei tributária não pode alterar a definição e o alcance de institutos, conceitos e formas

de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente pela Constituição Federal, pelas Constituições dos

Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências

tributárias”.

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ser reintroduzido no processo circulatório, voltando a adquirir, consequentemente,

essa conotação de mercadoria150.

Nesse mesmo sentido, Aliomar Balleiro defende que “mercadoria é o bem econômico

que alguém, com o propósito deliberado de lucro, produz para vender ou compra para

revender”151

.

Diante do exposto, é lícito afirmar que quando a mercadoria atinge a última etapa do

ciclo, ou seja, quando a mercadoria é adquirida pelo consumidor final, ela perde o status de

mercadoria, uma vez que perde a finalidade de revenda. Mercadoria pode ser considerada

como tal somente enquanto for submetida à mercancia.

Paulo de Barros Carvalho destaca que:

(...) a natureza mercantil do produto não está, absolutamente, entre os requisitos que

lhe são intrínsecos, mas na destinação que se lhe dê. É mercadoria a caneta exposta à venda entre outras adquiridas para esse fim. Não se enquadra nesse conceito, porém,

aquela mantida em meu bolso e se destinada a meu uso pessoal. Observe-se que não

se operou a menor modificação na índole do objeto referido. Apenas sua destinação

veio a conferir-lhe atributos de mercadoria152.

O ordenamento jurídico é um sistema em equilíbrio. Quando há ruptura em

determinado ponto os efeitos serão sentidos também pelos demais. Ao atribuir ampliado

conceito ao vocábulo mercadoria, manipulando-o para que nele se insiram quaisquer bens,

móveis, imóveis, corpóreos, incorpóreos, rompe-se o equilíbrio inicial do ordenamento

desestabilizando o princípio da segurança jurídica e deixando o contribuinte à mercê da

voracidade fiscal.

150 BORGES, José Souto Maior. Questões Tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p.85. 151 BALEEIRO, Aliomar. ICM sobre a importação de bens de capital para uso do importador. Revista Forense,

n. 250, 1975, p. 143. 152 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009, p.

730.

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2.6.1 Análise do vocábulo “bem”, trazido pela EC 33

Cumpre ressaltar que após a Emenda Constitucional nº 33, de 2001, o critério material

do ICMS-importação não passou a tratar somente das operações com mercadorias, trazendo à

hipótese de incidência o gênero “bem”153

.

É certo que a redação original do dispositivo já trazia o termo “bem”154

, do qual

advém a espécie mercadoria. No entanto, na forma como era utilizado é facilmente dedutível

a necessidade de integração deste bem a uma atividade econômica, o que pode ser inferido

ante a menção de estabelecimento155

.

Antes mesmo da Emenda 33, já havia a tentativa dos Estados e Distrito Federal

tributarem as pessoas físicas que não fossem contribuintes habituais do ICMS. A Lei Estadual

Paulista 10.619/2000156

, por exemplo, alterou o inciso V, do art. 1º da Lei Estadual 6.374/89,

a fim de permitir a tributação dos bens, como mais tarde veio reafirmar a alteração promovida

pela EC 33/2001 e até mesmo a Lei Estadual 11.001/01157

.

153

Relembrando: “IX – incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por

pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade,

assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. (grifo nosso) 154 Originalmente tinha-se: “IX – incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda

quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço

prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da

mercadoria ou do serviço.”. (grifo nosso) 155 SILVA, Jean Paolo Simei e. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: PUC – SP/ Faculdade

de Direito, 2011. 156 “Art. 1º O Imposto sobre Operações Relativas à circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de

Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incide sobre: (...) V- entrada de mercadoria

importada do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que se trate de bem destinado a consumo ou ativo

permanente do estabelecimento; (...)”. 157 “Art. 1º O Imposto sobre Operações Relativas à circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de

Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incide sobre: (...) V- entrada de

mercadorias ou bem, importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, qualquer que seja a sua finalidade;

(...)”.

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Esta questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que em sessão plenária do dia 24

de setembro de 2003, analisando fatos pretéritos158

, editou a Súmula 660 firmando

entendimento de que: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica

que não seja contribuinte do imposto”.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim define:

No âmbito do direito tributário, a palavra bem significa objeto corpóreo destinado a

uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio. Opõe-se à mercadoria, que é

produto corpóreo destinado ao comércio. (...) Essa sutil diferença entre bem e

mercadoria pode suscitar consequências muito relevantes na área tributária159.

É obviamente notável que a inserção do vocábulo “bem” à hipótese de incidência do

ICMS - da forma como quis a EC 33/2001, acarretou no alargamento do critério material da

exação, marginalizando seus contornos originais, propostos pelo Poder Originário, agredindo

princípios constitucionais relevantes e consequentemente descaracterizando o tributo. Não é

mais inédito assumir que se tratou de um ato, sem dúvida, maculado pelo vício da

inconstitucionalidade.

2.7 O USO DA PALAVRA “ESTABELECIMENTO” COMO AFIRMADOR DA

ATIVIDADE ECONÔMICA ANTES DA EC 33/2001

Mais uma vez nos deparamos com uma questão que transpõe os limites do direito

tributário. Ressalta-se a importância de buscar na epistemologia soluções para hermenêutica

tributária. Uma vez que o direito é texto, é imprescindível analisar individualmente os signos

para a interpretação da lei.

158 É importante destacar que a edição da Súmula 660, do STF foi baseada em fatos jurídicos pretéritos, uma vez

que ela data de 2003, enquanto a EC 33 é de 2001. Não tem sentido imaginar que o STF expediu Súmula com

posicionamento divergente daquele que passou a adotar após a Emenda Constitucional 33. 159 JARDIM, Eduardo Maciel Ferreira. Dicionário de Direito Tributário.São Paulo: Noeses, 2011, p 32.

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No tópico supra, mencionamos que na redação originária do Art. 155, § 2º, inciso IX,

a, da CF/88, o vocábulo “estabelecimento” ligava o conceito de “bem” à uma atividade

econômica, o que passamos a analisar.

A segunda e a terceira parte do art. 155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal, antes das

alterações provocadas pela EC 33/2001, requerem especial atenção ao sentido atribuído ao

termo “estabelecimento”, pois ele implicava que o contribuinte não habitual do ICMS não

fosse sujeito passivo de tal imposto.

Porque insistimos na palavra estabelecimento? Porque só possui estabelecimento

quem exerce alguma atividade econômica! E é isso o que está escrito no texto original

da Carta Magna, pois nele consta que o imposto incide sobre a entrada de mercadoria

importada do exterior em estabelecimento160.

Sabemos que o simples ato de importar já é abarcado pelo Imposto de Importação.

Quando a pessoa física ou jurídica não contribuinte habitual do ICMS adquire um bem do

exterior, não configura negócio jurídico praticado por comerciante, industrial ou produtor,

notando-se, apenas o “ato de importar”, o qual não está contemplado pela hipótese de

incidência do ICMS-importação.

Consoante a redação dada pelo Constituinte de 1988, o evento tributado por meio do

ICMS-importação era o ato de importar, sendo comerciante, industrial ou produtor,

mercadoria ou bem destinado ao consumo ou ativo fixo de estabelecimento, e não a

importação feita pelos particulares para uso próprio161

.

No entanto, com a EC 33/2001, o art. 155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal passou

a registrar que o ICMS agora incide sobre:

(...) a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou

jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua

160 LIMA, João Frazao de Medeiros. A inconstitucionalidade da Tributação do ICMS na Importação de Bens Por Pessoa Física e a Emenda Constitucional nº 33/01. Repertório de Jurisprudência IOB, n.9, v.I, maio 2003, p. 315. 161 CHIESA, Clélio. ICMS Incidente na Aquisição de Bens ou Mercadorias Importados do Exterior e

Contratação de Serviços no Exterior – Inovações Introduzidas pela EC 33/2001. In: O ICMS e a EC 33. Valdir

de Oliveira Rocha (coord.). São Paulo: Dialética, 2002, p.13.

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finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao

Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da

mercadoria, bem ou serviço. (grifo nosso)

O RE nº 203.075, publicado no DJ de 29.10.1999, logo antes da EC33/2001,

reconheceu a não-incidência do ICMS nas importações de bens para uso próprio, sob os

seguintes argumentos:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE

PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO.

IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem

como fator gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo

inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2.

Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem.

Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante

cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não

sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que

envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido (RE nº

203.075/DF, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Mauricio Corrêa, j. Em 5.8.1998, DJ de

29.10.1999, p.18).

Sobre o acórdão supra mencionado, Oscar Valente Cardoso atesta:

Em seu voto, o relator salientou que a incidência do ICMS deve levar em

consideração três elementos essenciais: operação relativa à circulação de

mercadoria, mercadoria e estabelecimento destinatário. Concluiu que a importação

de veículo automotor por pessoa natural para sua utilização está excluída do fato

gerador do ICMS por não conter o elemento “estabelecimento”, e que o imposto e

devido apenas se o importador for empresário o sociedade empresária162.

Ainda sobre a questão do vocábulo “estabelecimento”, temos que por meio dele era

possível excluir do critério pessoal do ICMS-importação as pessoas físicas que não fossem

contribuintes habituais do imposto, uma vez que pessoas físicas não possuem

estabelecimento, mas sim residência, pois como é de costume e tradição, a vida e a família de

um ser humano não ocorre num “estabelecimento”, mas sim num lar, numa residência.

Sobre o mesmo contexto, José Eduardo Soares de Melo observa que: "No

estabelecimento é que são efetuadas operações mercantis, negócios com mercadorias; na

162 CARDOSO, Oscar Valente. A não Incidência de IPI e ICMS na Importação de Bens para Uso Próprio.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 194, 2011, p. 104.

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100

residência tem-se o local destinado à moradia (ainda que excepcionalmente possa ser exercida

atividade profissional)”163

.

Ao fazer uso do termo estabelecimento, o Constituinte de 1988 pretendeu tributar o

comerciante, o industrial ou o produtor, pois eles sim desenvolvem suas atividades num

estabelecimento, e não as pessoas físicas que têm domicílio ou residência.

Deveras, não pode o legislador transpor determinados limites, como, ad exemplum,

denominar de importação ou que não é importação, transfigurar o conceito de

propriedade ou mesmo chamar de renda aquilo que não é renda; enfim, é-lhe defeso

burlar a segurança jurídica por meio de torneios da linguagem que não traduzam a realidade imersa em determinados institutos jurídicos164.

Marcelo Viana Salomão defende que a busca pelo conteúdo semântico da palavra

“estabelecimento” confirma sua ligação intrínseca com as pessoas jurídicas165

. Nessa esteira,

José Eduardo Soares de Melo conceitua que “estabelecimento é o complexo de bens materiais

e/ou imateriais que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de

determinada atividade mercantil”166

.

Foi sob esta ótica que se posicionou o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA POR

PESSOA FÍSICA. NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTE. O Pleno do

Supremo Tribunal Federal firmou exegese segundo a qual a Carta da República, ao dispor que o ICMS incidirá também na importação de mercadoria do exterior, ainda

quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento,

referiu-se à casa comercial e não à pessoa física que a realiza para seu gozo e

fruição. Agravo regimental não provido. (grifo nosso) (RE 233935 AgR / MG -

MINAS GERAIS. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):

Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 01/06/1999. Órgão Julgador: Segunda

Turma)

Logo, temos que no caso da pessoa física não contribuinte habitual do imposto, seria

de relevo falar em residência ou domicílio. Observação que não passou despercebida pelo

163 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 24. 164 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 138. 165 SALOMÃO, Marcelo Viana. O ICMS na Importação apos a Emenda Constitucional nº 33/2001. In: O ICMS

e a EC 33. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2002, p. 150. 166 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 24.

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101

Poder Derivado na elaboração da Emenda 33. Após 2001, não foi mais possível defender que

a intenção do legislador era tributar apenas aqueles contribuintes que tivessem

estabelecimento, já que a nova redação do Art. 155, § 2º, IX, a, da CF/88 não deixou margem

para esta conclusão, uma vez que o termo “domicílio” passou a complementar a norma167

.

Assim dispõe José Eduardo Soares de Melo:

Considerando que a CF/88 utilizou o termo ‘estabelecimento’ para as operações de

importação (art. 155 § 2º, IX, a, redação original), não poderia norma inferior

alargar seu conceito, equiparando-o a domicílio, que, por sua vez, mantém estrita

atinência a regras civis, ou seja, ‘o lugar onde a pessoa natural estabelece a sua residência com animo definitivo’ (Código Civil, art. 70)168.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 33, o termo “estabelecimento” passou a

dividir espaço com o termo “domicílio” no texto da norma trazida pelo art. 155, § 2º, IX, a, da

CF/88, o que acabou com a possibilidade de exclusão imediata da pessoa física do pólo

passivo do ICMS-Importação. Se antes era possível concluir que a exação não poderia recair

sobre a pessoa física, uma vez que está não vive em um estabelecimento, agora a análise deve

ser mais profunda, já que a EC 33/2001, trouxe para redação da norma o termo “domicílio”.

2.8 DEFINIÇÃO SEMÂNTICA DE “CONTRIBUINTE”

A nova redação do art. 155, § 2º, IX, “a” determina que o ICMS incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física

ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja

a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o

imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do

destinatário da mercadoria, bem ou serviço. (grifo nosso)

167 “IX – a) (...) cabendo o imposto onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da

mercadoria, bem ou serviço;” 168 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 24.

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102

Uma primeira leitura do dispositivo nos remete a três figuras: i) a do contribuinte

habitual; ii) a do contribuinte não-habitual; e iii) a do não contribuinte.

A redação original da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), com supedâneo no art.

155, XII, “a”, da CF169

, nos confirmava que o sujeito passivo do ICMS poderia ser pessoa

física ou jurídica que praticasse operações de circulação de mercadoria com ou sem

habitualidade. Logo, existia a figura do não-contribuinte do ICMS e ela convergia justamente

para as pessoas físicas ou jurídicas que importassem bens do exterior para uso próprio.

Vejamos o antigo desenho do dispositivo em questão:

Art. 4º. Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com

habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de

circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual,

intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Parágrafo único – É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo

sem habitualidade I – importe mercadorias do exterior, ainda que as destine a consumo ou ativo

permanente do estabelecimento. (grifo nosso)

Nitidamente vemos que pela antiga redação da Lei Kandir, o intuito era tributar

importação de mercadorias, confirmando o caráter mercantil do ICMS.

Diante disso, Jean Paolo Simei e Silva complementa que: "Assim, restava plasmado

que na importação de mercadorias, e não bens, a habitualidade era critério dispensável,

bastando para que se operacionalizasse a regra-matriz de incidência tributária do ICMS a

importação de mercadoria, atendidos os predicados adrede referidos"170

.

Ocorre que um ano após a EC 33/2001 provocar as alterações já mencionadas na

redação do dispositivo constitucional relativo ao ICMS-importação, foi promulgada a Lei

Complementar 114, que alterou a redação do art. 4º da Lei Complementar 87/96, a fim de

169 “Art. 155 (...)

XII – cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes;” 170 SILVA. Jean Paolo Simei e. ICMS na Importação de Mercadorias e Bens e a Emenda Constitucional 33/01.

2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC-

SP/Faculdade de Direito, 2011, p. 92.

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103

trazer para moldura de “contribuinte” aqueles que antes se encaixavam como não-

contribuintes. Eis a nova redação:

Art. 4º. Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com

habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de

circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual,

intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem

no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem

habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;

(Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002). (grifo nosso)

Assim, nota-se que a Lei Complementar 87/96 alarga o espectro de contribuintes,

absorvendo também aqueles que importam bens e não mais apenas mercadorias,

marginalizando o intuito comercial do imposto, descaracterizando, pois, a condição sine qua

non para configuração do sujeito passivo do ICMS defendida até aqui.

Assim, quando a nova redação do art. 155, §2º, IX, da CF determinou que o ICMS

incide “sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física ou

jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto” ela criou três novas figuras: i) a

do contribuinte habitual; ii) a do contribuinte não-habitual; e a do iii) não contribuinte.

Ressalta-se a importância de não confundir essas três figuras para fim de incidência do ICMS-

Importação. Exemplificando:

a) Situação 1: Um comerciante que não realiza importação com frequência, resolve

importar um bem para seu ativo fixo. Haverá incidência de imposto, uma vez que

tratar-se-á de um contribuinte não-habitual.

b) Situação 2: Uma pessoa física ou jurídica que não é contribuinte do ICMS resolve

importar um bem para uso próprio. Não haverá incidência do imposto, haja vista que

se trata de um não-contribuinte.

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104

Deve ser notado que a Emenda Constitucional nº 33/01 criou uma nova figura

tributária: o contribuinte habitual, cuja definição não está em lei. Partindo na

inexistência de definição legal, temos que buscar outras formas de delimitação

conceitual. Nosso conceito partirá das seguintes premissas ‘para ser contribuinte

habitual de um tributo é preciso, antes de qualquer coisa, ser contribuinte deste

tributo’. Logo, a habitualidade é uma qualidade, uma característica, do ser

contribuinte. Portanto, somente será habitual ou não-habitual aquele que já é

contribuinte do ICMS171.

Portanto, é necessário analisar todas as situações e ver em qual delas se encaixa o

contribuinte em questão, podendo se tratar de um contribuinte – habitual ou não-habitual – ou

de um não contribuinte. Ressaltando que apenas os contribuintes podem configurar como

sujeito passivo do imposto em pauta.

2.9 CONCEITO DO TERMO “IMPORTAR”: ICMS X II

Importar (do Latim importare = trazer para dentro) em termos jurídicos significa

introduzir produto estrangeiro no Brasil, com o objetivo de fazê-lo ingressar no mercado

nacional. Carvalho de Mendonça172

define importar como sendo colocar mercadorias

estrangeiras no mercado brasileiro, para aqui serem consumidas.

Hamilton Dias de Souza, em obra sobre Imposto de Importação, dispõe: “creio que o

fato gerador do Imposto de Importação é a entrada de mercadoria estrangeira no país para

consumo interno”173

.

171 BARUFFALDI, Norberto. PAIXÃO JÚNIOR, Sebastião Ventura Pereira da. A Emenda Constitucional nº 33

e a Incidência de ICMS sobre Importação de Bens por Pessoa Não-Contribuinte. RET, n. 39, Set-Out/2004,

Doutrina São Paulo: Síntese, 2004, p. 31. 172 MENDONÇA, Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 7 ed. v. 1. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, s/d, p. 261. 173 SOUZA, Hamilton Dias de. A estrutura do Imposto de Importação no CTN. São Paulo: Resenha Tributária,

1980, p.22.

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105

Valeria Zotelli dispõe:

O art. 1º do Decreto-Lei 37/66, ao definir a hipótese de incidência do Imposto de

Importação, previu que ‘o Imposto de Importação incide sobre mercadoria

estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional.’ Assim,

importar é trazer para o território nacional174.

Marcelo Viana Salomão destaca que:

(...) o produto estrangeiro, de algum modo deve ser utilizado no mercado brasileiro,

quer como mercadoria, quer como bem de consumo, quer como bem de produção.

Assim, se o produto alienígena não vier para ingressar na circulação econômica

como mercadoria, ou no processo de consumo ou produção, ele não será

tributado175.

Observa-se assim, que a importação é um momento posterior a uma operação

mercantil que se dá no exterior.

Antes do advento da EC 33, que ampliou a hipótese de incidência do ICMS-

importação, a fim de fazê-lo incidir sobre toda e qualquer entrada de mercadoria e bem em

território nacional, Marcelo Viana Salomão fez a seguinte advertência:

Não se pode olvidar outra importante diferença entre ambos os impostos: um incide

sobre “mercadorias e bens”, o outro só alcança as primeiras. Tendo essas palavras

conteúdos semânticos distintos e inconfundíveis, uma vez que são partes de uma

relação gênero/espécie, e sabendo que ambas são fundamentais na identificação dos

aspectos materiais dos tributos, fica confirmado, também por aqui, que se trata de

impostos diferentes176.

Evidentemente, depois de tudo que já foi falado sobre as alterações promovidas pela

EC 33/2001, essa afirmação não faz mais sentido, uma vez que o ICMS não mais incide

somente sobre a entrada de mercadorias importadas do exterior, mas incide também sobre a

entrada de bem, assim como o Imposto de Importação.

174 ZOTELLI, Valeria. ICMS nas Importações: Local de Recolhimento. In. ICMS – questões atuais. Coord.

Elizabeth Nazar Carrazza. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.77. 175 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na Importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.59. 176 SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na Importação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.60.

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106

Averiguando o binômio hipótese de incidência/base de cálculo, é possível afirmar que

o ICMS, como o temos atualmente, não é mais um imposto sobre operações relativas à

circulação de mercadorias, tampouco um imposto sobre serviços, mas sim um verdadeiro

imposto de importação estadual. Roque Antonio Carrazza evidencia a natureza desse imposto

como sendo de importação, ao defender que na verdade a alínea “a”, do inciso IX, do § 2º, art,

155 da CF, configura um “adicional do imposto de importação".

Na verdade, a Emenda Constitucional 33/2001 abriu espaço, neste particular, a um

adicional estadual do imposto sobre a importação (que incide quando da entrada no

País de qualquer produto estrangeiro, independentemente de ser ou não mercadoria e

de o importador ser ou não comerciante) – o que leva a uma bitributação, desautorizada pelo Poder Constituinte Originário177.

Diante do exposto, devemos lembrar a regra instituída pelo art. 154, inciso I, da

Constituição Federal, a qual defende que os contribuintes somente podem ser compelidos a

arcar com novos impostos se tiverem hipóteses de incidência e bases de cálculo diversas dos

impostos dispostos nos art. 153, 155 e 156 da Carta, e desde sejam criados por meio de lei

complementar, atendendo ainda ao princípio da não-cumulatividade.

Regra essa expressamente desrespeitada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001

que, ao trazer nova redação ao art. 155, § 2º, IX, “a”, deu possibilidade de os Estados-

membros criarem um novo imposto com a mesma hipótese de incidência e base de cálculo do

imposto de importação, passando ao largo do princípio da não-cumulatividade.

João Frazão de Medeiros Lima, por sua vez, conclui que

(...) a importação de bens, por se tratar de comércio exterior, é matéria de

competência privativa da União, conforme determina a Constituição no inciso VIII,

do seu art. 22. Neste caso, a competência privativa é exercida pela União por meio

da legislação relativa ao Imposto de Importação, imposto sobre o qual a União recebeu competência da Constituição para instituí-lo nos termos do inciso I do seu

art. 153, competência essa dada pelo seu texto original e não por meio de uma

emenda, como no caso aqui analisado178.

177 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13 ed. rev. amp, até a EC 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 83-

84. 178 LIMA, João Frazão de Medeiros. A inconstitucionalidade da Tributação do ICMS na Importação de Bens Por

Pessoa Física e a Emenda Constitucional nº 33/01. Repertório IOB de Jurisprudência, n.9, v.I, mai. 2003, p. 315.

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107

2.10 DUAS HIPÓTESES TRIBUTÁRIAS DISTINTAS SOB A MESMA DENOMINAÇÃO

Até o advento da Emenda Constitucional nº 33, de 2001, o ICMS-Importação

contemplava a seguinte hipótese:

X – incidirá também (o ICMS): a) sobre a entrada de mercadoria importada do

exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do

estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto

ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou

serviço.

Diante de tal regra, entendia-se a que norma contida no art. 155, § 2º, IX, a, da Lei das

Leis, alcançava as operações de aquisição de mercadoria importada por pessoas que praticam

atos de comércio, com habitualidade. Até aí, parece-me que a materialidade se coaduna com

àquela do ICMS estadual. Tratava-se de um imposto voltado para o setor comercial da

economia, não cumulativo e que visava tributar a entrada de mercadorias provenientes do

exterior (assim como eram tributadas as operações de circulação de mercadorias, em âmbito

nacional).

Determina nossa Carta Magna que o destinatário constitucional do ICMS é a pessoa

física ou jurídica que pratica atos de comércio com habitualidade, até aí a norma acerca do

ICMS-Importação parecia estar em conformidade com o sistema, sem questionar aqui o fato

de ter sido criada pelo ilimitado poder do Constituinte Originário.

Ocorreu então que adveio a Emenda Constitucional nº 33, e causou uma reviravolta na

aplicação do art. 155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal. Com a alteração da redação do

dispositivo em questão, o Constituinte criou, sob as vestes de ICMS, um novo imposto de

importação.

O Constituinte de 1988 criou, sob o rótulo de ICMS, a esdrúxula possibilidade de se

tributar o ato de importar por meio do ICMS. Esse imposto, rotulado de ICMS na

importação, tem como hipótese de incidência o ato de aquisição de mercadoria por

pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, bem

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como a tributação dos serviços prestados no exterior, cabendo o imposto ao Estado

onde estiver situado o estabelecimento do destinatário do serviço179.

A norma contida no art. 155, § 2º, IX, a, da CF/88 passou a contemplar três situações,

a saber: i) a tributação do evento importar bem ou mercadoria para revenda, comercialização

ou industrialização; ii) a tributação de serviço prestado no exterior, sendo o imposto devido ao

Estado onde estiver localizado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; e

iii) a tributação da aquisição de bens por pessoa física ou jurídica que não pratica atos de

comércio com habitualidade. As hipóteses i e ii supramencionadas não me causam espécie, no

entanto a terceira possibilidade é aquela que gera incomodo à boa parte da doutrina do direito

tributário.

A hipótese que o Constituinte Originário pretendia tributar por meio do ICMS-

Importação era o ato de importar, sendo comerciante, produtor ou industrial, mercadoria ou

bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento, e não a importação pura e

simples feita por particulares para uso próprio, até mesmo porque tal hipótese já era abrangida

pelo Imposto de Importação.

Clélio Chiesa180

não se abstém de questionar se tributar o ato de importar por meio do

ICMS é criticável ou não, defendendo não ser a melhor técnica a tributação de dois eventos

diferentes sob o mesmo rótulo, no entanto, para ele não há nenhuma irregularidade jurídica, já

que não há limites ao Poder Originário.

Sabe-se, no entanto, que o Poder Derivado tem limites estabelecidos pelo Poder

Originário, e a marginalização de tais limites pode incorrer em inconstitucionalidade. Pode-se

supor que foi justamente o que ocorreu quando o Constituinte Derivado alterou, por meio de

Emenda à Constituição, a redação do art. 155, § 2º, IX, a, da Carta Magna, a fim de alterar o

179 CHIESA, Clélio. EC 33 – Dois Novos Impostos Rotulados de ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário,

São Paulo, Dialética, n. 90, Mar. 2003, p. 33. 180 CHIESA, Clélio. EC 33 – Dois Novos Impostos Rotulados de ICMS. In. Revista Dialética de Direito

Tributário nº 90, Marco/2003. Dialética: São Paulo, 2003, p. 33.

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109

desenho constitucional do ICMS-Importação para fazê-lo incidir sobre toda e qualquer

importação.

Entre os limites estabelecidos ao Constituinte Derivado está a impossibilidade de se

eliminar ou restringir a regra de fechamento do sistema, disposta na combinação dos arts. 154,

inciso I181

, 155 e 156, todos da Constituição Federal. Logo, como dispõe o art. 154, inciso I,

da Constituição Federal, um mesmo evento econômico não pode ser tributado

concomitantemente por dois impostos, somente nos casos expressamente previstos pela Carta

Magna.

Trata-se de uma diretriz fundamental do nosso sistema constitucional que não pode ser

eliminada ou restringida nem mesmo por meio de Emenda à Constituição.

Dentro deste contexto afirma Clélio Chiesa:

Trata-se de uma diretriz que confere maior eficácia aos princípios da capacidade

contributiva, ao que assegura o direito de propriedade e ao que veda a instituição de

tributos com efeito de confisco, na medida em que não permite a instituição de

impostos cumulativos e cujo ‘fato gerador’ e base de cálculo sejam idênticos aos de outros já indicados como passíveis de serem tributados por outros impostos182.

São, pois, direitos e garantias asseguradas ao contribuinte que não podem ser

ignoradas ou amesquinhadas por meio de Emenda Constitucional, como dispõe o art. 60, § 4º,

inciso IV, da Constituição Federal183

.

Assim, parece-nos que o Constituinte Derivado não poderia ter alterado a redação do

art. 155, § 2º, IX, a, da CF, com o propósito de tributar a importação realizada por pessoa

181 “Art 154 – A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e

não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; 182 CHIESA, Clélio. EC 33 – Dois Novos Impostos Rotulados de ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Dialética, n. 90, Mar. 2003, p. 36. 183 “Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º - Não será objeto de deliberação de proposta de emenda tendente a abolir:

IV – os direitos e garantias individuais”.

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física para uso próprio, posto que o ato de importar bens já é contemplado pelo Imposto de

Importação (Art. 153, I, da CF)184

.

A sobreposição de bases de cálculos só pode ocorrer quando expressamente autorizada

pela Constituição Federal, o que não é o caso para o tema em questão. A bitributação, salvo

exceções, é constitucionalmente vedada.

O que se pretende com essa explicação é demonstrar que sob o rótulo de ICMS-

Importação existem dois tributos com materialidades diversas: i) o ICMS-Importação,

propriamente dito, ou seja, aquele que incide sobre importação de mercadorias por industriais,

comerciantes e produtores; e o ii) Imposto de Importação de Bens, disfarçado de ICMS –

Importação. Tratam-se de duas situações absolutamente distintas, a primeira a nosso ver

legítima enquanto a segunda revestida pela vício da inconstitucionalidade.

Portanto, como o ato de importar bens já é tributado por meio do imposto de

importação (art. 153, I, da CF), tal evento não poderia ter sido eleito como hipótese

de incidência do ICMS, pois a EC nº 33/2001, autorizou o legislador estadual a

tributar um evento já contemplado como hipótese de incidência de outro imposto. A bitributação, salvo as exceções previstas pelo poder constituinte de 1988, é

constitucionalmente vedada185.

Nesse sentido também advoga João Frazão de Medeiros Lima:

Mais ainda: estará sendo criado um Imposto de Importação em favor dos Estados

(não previsto na Constituição), constituindo-se em um misto de bis in idem (mesmo

imposto – sobre importação), e de bitributação (porque exigido por dois sujeitos ativos distintos – União e Estado) com o agravante de não haver previsão

constitucional de incidência do ICMS nessa hipótese, como há na importação

realizada por contribuinte, ainda que este não seja contribuinte habitual, como dito

na nova redação da alínea ‘a’ do inciso IX do § 2º do art. 155, dada pela Emenda

Constitucional nº 33186.

184 “Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre:

I – importação de produtos estrangeiros”. 185 CHIESA, Clélio. ICMS Incidente na Aquisição de Bens ou Mercadorias Importados do Exterior e Contratação de Serviços no Exterior – Inovações Introduzidas pela EC 33/2001. In: O ICMS e a EC 33. Coord.

Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2002, p. 20. 186 LIMA, João Frazão de Medeiros. A inconstitucionalidade da Tributação do ICMS na Importação de Bens Por

Pessoa Física e a Emenda Constitucional nº 33/01. Repertório IOB de Jurisprudência, n.9, v.I, Mai. 2003, p. 314.

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111

Diante do que foi analisado, é possível observar que se tratam de dois impostos

diferentes, de competências diversas. A importação de bens constitui base de cálculo do

Imposto de Importação, de competência privativa da União, no entanto, parece que o afã

arrecadatório dos Estados quis trazer tal hipótese de incidência para sua competência,

disfarçando o ato de ‘importar bens’ de ICMS. Houve, sem dúvida, uma equiparação de base

de cálculo por meio de Emenda à Constituição. Como afirma Eduardo Bottallo “É esta nítida

equivalência substancial que retira a legitimidade da emenda”187

.

O autor citado acima (João Frazão de Medeiros Lima) conclui, trazendo uma possível

solução para beneficiar o produto nacional em detrimento do estrangeiro:

Consequentemente, para os casos de importação de bens, quando não ocorre a

hipótese de incidência do ICMS, porque a pessoa física, que não exerce atividade

econômica, não é contribuinte desse imposto, no nosso entender a solução será a

atribuição de uma alíquota específica do Imposto de Importação, se permitida pela Constituição para esse tipo de operação, evitando, assim, que o produto importado

tenha uma vantagem tributária sobre o produto nacional. Mas, jamais, tributar-se

uma operação com um imposto não exigível sobre ela, pela simples justificativa de

que o produto estrangeiro não pode ser beneficiado, em detrimento do nacional. O

que não pode acontecer é que seja praticada uma inconstitucionalidade tendo como

justificativa a aplicação de uma pseudo justiça fiscal (...)188.

Assim, buscou-se delimitar os principais conceitos que permeiam o ICMS-

Importação, a fim de demonstrar o alcance e a aplicação de cada um dentro do contexto da

norma. Ao definir alguns termos, é possível notar as incoerência trazidas pelas alterações no

art. 155, § 2º, IX, a, da CF, as quais, sem dúvida surgiram para atender aos anseios estaduais

de uma maior arrecadação. A busca dos Estados em aumentar receitas levou, por exemplo, à

tributação do ‘ato de importar bens’ por meio de dois tributos de competências distintas, o que

evidentemente não é admitido pela nossa Carta Magna. Por isso, é tão importante saber

187 BOTTALLO, Eduardo. ICMS – A Importação de Bens e a EC nº 33/01. Repertório de Jurisprudência IOB, n.11, v.I, Jun. 2003, p. 393. 188 LIMA, João Frazao de Medeiros. A inconstitucionalidade da Tributação do ICMS na Importação de Bens Por

Pessoa Física e a Emenda Constitucional nº 33/01. Repertório IOB de Jurisprudência, n.9, v.I, Mai. 2003, p.

312.

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112

exatamente o alcance semântico de cada termo, para que se saiba exatamente aquilo que pode

ou não ser objeto de incidência de cada imposto, não incorrendo em bitributação.

Definidos semanticamente os principais termos que norteiam o ICMS-Importação,

passamos à próxima parte desse estudo, a fim de analisar a forma como o Judiciário brasileiro

tem tratado do tema.

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113

PARTE III – ANÁLISE PRAGMÁTICA

3.1 O ALCANCE DA ANÁLISE PRAGMÁTICA

De acordo com a terminologia adotada por Charles Morris, a pragmática seria o

aspecto da semiótica cuja função é considerar a origem, o uso e os efeitos dos signos, ou seja,

trata-se da dimensão responsável por verificar a relação existente entre o signo e seus

intérpretes.

Sob este contexto Clarice Von Oertzen de Araújo dispõe de acordo com o que expõe

Peirce que: "o significado de um signo não é fechado, pronto e acabado. Em verdade, a

concepção semântica de um signo, separada de seu contexto de ação, nunca foi proposta por

Peirce, que notadamente associava o significado à intencionalidade, e portanto, à dimensão

pragmática"189

.

Nota-se a presença do contexto, quando se trata de análise pragmática, uma vez que o

ambiente em que se dá a comunicação é de extrema importância para a definição dos sistemas

interativos. Paulo de Barros Carvalho expõe que “a aplicação do direito é promovida por

alguém que pertence ao contexto social por ele regulado, e emprega os signos jurídicos de

conformidade com pautas axiológicas comuns à sociedade”190

.

Peirce revela a mutabilidade dos significados dos signos de forma bastante clara:

Um símbolo, uma vez existindo, espalha entre as pessoas. No uso e na prática, seu

significado cresce. Palavras como força, lei, casamento, veiculam-nos significados

189 ARAÚJO. Clarice Von Oertzen de. Incidência Jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 178. 190 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2009a, p. 102.

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114

bem distintos dos veiculados para nossos antepassados bárbaros. O símbolo pode,

como a esfinge de Émerson, dizer ao homem: Do teu olho sou o olhar191.

No que tange à importância da análise pragmática para ordem jurídica, temos que esta

se volta para o seu aspecto mais positivo, concreto. Quanto maior for o grau de positivação,

maior a dimensão pragmática de uma ordem jurídica.

Quando se fala em comunicação, Peirce estabelece que é necessária a presença de

duas figuras: o emissor e o receptor, mesmo que a presença desse receptor seja meramente

possível. Nessa esteira, Clarice Von Oertzen de Araújo cita Peirce: “Outrossim, a

comunicação é concebida como o efeito (interpretante) que um signo provoca na quase mente

(quasi-mind) do intérprete”192

.

Paulo de Barros Carvalho193

defende que para os juristas a pragmática compreende a

utilização - pelos sujeitos, da linguagem do direito na motivação da conduta para a realização

de certos valores prestigiados pela ordem vigente.

Écio Perin Júnior defende que:

Hodiernamente o tema da análise pragmática é de grande relevância, tendo em vista

as rápidas transformações sociais nas relações jurídicas e o acesso a informação

mundial, via internet, entre outras, pois sua finalidade é fazer com que, após emitida

a mensagem, determinada linguagem seja recebida e, consequentemente, entendida

pelo destinatário194.

Resta evidente que a análise pragmática foca na relação existente entre os signos e as

pessoas que dele se utilizam. A própria origem do termo nos remete à palavra grega

pragmatis, que significa justamente a relação existente entre os sinais e os indivíduos que

fazem uso desses sinais; é assim a relação entre o indivíduo que fala e o que está falando. O

191 PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 73-

74. 192 ARAÚJO. Clarice Von Oertzen de. Incidência Jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 180. 193 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.99. 194 PERIN JUNIOR, Ecio. A linguagem no Direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem

jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/50>. Acesso

em: 9 mar. 2014, p. 7.

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115

que interessa para a pragmática são os efeitos interacionais que o uso da linguagem produz

entre os membros de uma comunidade linguística, ou seja, as relações sociais decorrentes do

uso concreto da linguagem.

Clarice Von Oertzen de Araújo define o cenário da seguinte maneira:

A Pragmática privilegia a observação sobre o desempenho do sistema normativo.

Claro está que o estudo do aspecto pragmático do direito vigente considera seus

aspectos sintáticos e semânticos. Ocorre que tais aspectos são usualmente mais

explorados no momento de elaboração das normas, quando se trata de relacionar a

norma criada com a que lhe confere seu fundamento de validade, ou quando se

considera quais são os significados ou as acepções previamente convencionadas –

pelos legisladores e também pela doutrina195.

Por fim, Écio Perin Júnior destaca a importância da análise pragmática para o Direito

Portanto, ressaltando-se a importância dos aspectos pragmáticos da linguagem

jurídica, torna-se fundamental afirmar que, diante de textos normativos denotativamente imprecisos (vagos) torna-se necessário o recurso à argumentação

enquanto raciocínio, que visa à aplicação das normas jurídicas aos casos concretos.

Deste modo, a aplicação do direito não se procede mediante demonstração

(raciocínio tipicamente lógico formal, que pressupõe que o direito articule

evidências empíricas ou racionais), mas através de argumentação. Nesse sentido, o processo argumentativo não tem como ponto de partida evidências

(juízos de realidade), mas sim juízos de valor, que são resgatados através das normas

jurídicas. A argumentação no direito pressupõe a articulação de um discurso com

vistas a persuadir o órgão responsável pela decisão o ainda o órgão responsável por

eventual revisão da decisão a aderir à interpretação que se quer ter como vinculante

para o caso concreto (conflito social que exige decisão jurídica)196.

3.2 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS QUANTO AOS TERMOS NUCLEARES

DO ICMS-IMPORTAÇÃO

Após serem definidos semanticamente os termos operação, circulação e mercadoria,

chegou a hora de demonstrar a sua trajetória pragmática no Direito Brasileiro. Evidentemente

195 ARAÚJO. Clarice Von Oertzen de. Incidência Jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 182. 196 PERIN JUNIOR, Ecio. A linguagem no Direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem

jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/50>. Acesso

em: 9 mar. 2014, p. 8.

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116

que existem outros termos também importantes para o desenho do ICMS-Importação, tais

como, bem, estabelecimento, importação, etc. No entanto, trazer um por um poderia se

tornaria exaustivo e até irrelevante, uma vez que os três eleitos (operação, circulação e

mercadoria) são, sem dúvida, aqueles que norteiam o entendimento da norma em questão.

Restou estabelecido que a expressão operação implica na realização de um ato ou

negócio jurídico, ou seja, para fins de ICMS considera-se que para haver operação é

necessário que haja transferência de domínio da mercadoria.

Paulo de Barros Carvalho197

ressalva que a operação só é passível de tributação via

ICMS se houver circulação de mercadoria, o que significa que deve haver transferência de um

direito (posse ou propriedade), posto que a simples circulação não enseja a incidência da

exação.

Em outubro de 2002, o Supremo Tribunal Federal se posicionou conforme posição

traçada por este trabalho acerca do vocábulo operações. Por meio do Recurso Extraordinário

nº158.834-9, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, foi decretada a inconstitucionalidade

do inciso II, § 2º, do artigo 1º, do Convênio Confaz nº 66, de 14 de dezembro de 1988198

,

entendendo o dispositivo como inconstitucional, por não configurar circulação de mercadoria.

Na ocasião, o Ministro Marco Aurélio declarou em seu voto: “A saída apenas física de

um certo bem não é molde a motivar a cobrança do imposto de circulação de mercadorias.

Requer-se - como consta do próprio texto constitucional, a existência de uma operação que

faça circular algo passível de ser definido como mercadoria (...)”.

197 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 647. 198 “Art. 2º - Ocorre o fato gerador do imposto:

(...) § 1º Para efeitos destas normas, equipara-se à saída:

(...)

II – o consumo ou a integração no ativo fixo de mercadoria produzida pelo próprio estabelecimento ou adquirida

para industrialização ou comercialização".

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117

É interessante ressaltar que para fins de ICMS-Importação, o sentido atribuído ao

termo operação é o mesmo que para o ICMS, no entanto para o primeiro o foco não está na

circulação de mercadoria, mas sim na entrada dela no estabelecimento do importador.

A jurisprudência veio confirmar que somente é passível de tributação se houver

transferência de domínio, que pode ocorrer tanto quando há circulação de mercadoria do

produtor para aquele que pretende revender, como - no caso da importação - quando ocorre o

ingresso da mercadoria no estabelecimento do adquirente. Situações estas muito bem

caracterizadas e que não devem sem confundidas como por exemplo a circulação de

mercadoria entre matriz e filial, nos casos de admissão temporária, nos casos de operação de

comodato, em que não há mudança de titularidade.

Situações em que a jurisprudência descarta como passíveis de tributação por meio do

ICMS, podem ser observadas como a seguinte:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE

DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE BENS ENTRE

ESTABELECIMENTOS DE MESMO CONTRIBUINTE EM DIFERENTES ESTADOS DA FEDERAÇÃO. SIMPLES DESLOCAMENTEO FÍSICO.

INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR. PRECEDENTES. 1. A não-incidência do

imposto deriva da inexistência de operação ou negócio mercantil havendo, tão-

somente, deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro, ambos do

mesmo dono, não traduzindo, desta forma, fato gerador capaz de desencadear a

cobrança do imposto. Precedentes. 2. Embargos de declaração acolhidos somente

para suprir a omissão sem modificação do julgado. (RE 267599 AgR-ED / MG - MINAS GERAIS. EMB.DECL. NO AG.REG. NO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE.

Julgamento: 06/04/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma).

Na operações de comodato, como mencionado acima, o STF também se manifestou

pela não-incidência do ICMS, ao editar a Súmula nº 573 “Não constitui fato gerador do ICM

a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato". Fernando Bonfá

de Jesus assim esclarece essa posição:

No comodato não há perda da propriedade, mas apenas a mudança provisória da

posse do bem. Portanto, se não há transferência de titularidade, não há que se

discutir sobre a operação de ‘circulação’ propriamente dita, conforme dispõe o texto

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constitucional (art. 155, inc II). Ocorre, assim, a saída física do bem (critério

temporal), mas não o critério material da regra matriz do ICMS, pois a propriedade

ainda e exclusiva do comodante. Sendo assim, o ICMS não é devido199.

Ainda sobre o vocábulo operações uma outra situação chama a atenção, que é o

regime de admissão temporária (Lei nº 9.430/96, Decreto nº 2.889/98 e Instrução Normativa

nº 285/2003), e diante deste defende Fernando Bonfá: “Nesse sentido, é indevida a cobrança

de ICMS na importação de bem por meio do regime de admissão temporária, uma vez que

não há a transferência de propriedade do bem, mas a sua simples entrega física, pois o bem

retornará ao país de origem”200

.

Assim se manifesta o TRF da 3ª região:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - REGIME ADUANEIRO ESPECIAL - ADMISSÃO

TEMPORÁRIA DE BENS - ESTRANGEIRO COM RESIDÊNCIA TEMPORÁRIA

NO PAÍS - FALTA DE PREVISÃO LEGAL.

1. O regime de admissão temporária permite a importação de bens destinados a

permanência temporária no País, com suspensão de tributos, e se aplica aos casos

excepcionais arrolados nos artigos 292 e 293 do Regulamento Aduaneiro. 2. Previsão legal do regime apenas para veículos de turistas estrangeiros e de

brasileiros em permanência temporária no País, tendo sido excluídos os estrangeiros

aqui admitidos temporários como residentes. 3. Tratando-se de norma de caráter excepcional, deve ser interpretada restritivamente,

consoante regra de hermenêutica.” (grifo nosso) (TRF-3 Apelação em Mandado de

Segurança. Processo: AMS 667 SP 2000.61.04.000667-1 Relator(a):

DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA Julgamento: 25/09/2002 Órgão

Julgador: SEXTA TURMA.

Feita uma breve análise acerca da posição dos nossos tribunais sobre o vocábulo

operações, passa-se aqui a investigar como a jurisprudência tem tratado o termo circulação.

No âmbito semântico observa-se que o termo circulação está diretamente ligado à

progressão da mercadoria na cadeira de consumo, considerando a mudança de titularidade.

Nota-se que operação e circulação estão intimamente ligados. Em ambos, faz-se necessária a

mudança de pertinência jurídica, ultrapassando os limites da mera circulação física,

insignificante para fins de ICMS. Assim, para que haja circulação, assim como operação, no

199 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS – Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 88-89. 200 Ibidem, p. 93.

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âmbito do ICMS faz-se suma que ocorra a transferência de titularidade de uma mercadoria ou

bem.

O Supremo Tribunal Federal, ainda sob a égide da Constituição de 1967, firmou

entendimento no sentido de considerar fundamental para incidência de ICMS que haja

circulação de mercadoria, com consequente transferência de titularidade, como se notou no

texto da Súmula nº 573 mencionada acima.

Mais recentemente, já na vigência da atual Constituição Federal, o Superior Tribunal

de Justiça reafirmou o posicionamento do STF e editou a Súmula nº 166, segundo a qual

“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro

estabelecimento do mesmo contribuinte”. E é nela que o STJ tem buscado fundamento para

suas decisões, tal como se observa a seguir:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE

BENS DO ATIVO FIXO ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO

TITULAR (FILIAL E MATRIZ). NÃO-CONSTITUIÇÃO DO FATO GERADOR.

RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. ARTIGO 166, DO CTN. PROVA

DA NÃO REPERCUSSÃO DO ENCARGO FINANCEIRO. INEXISTÊNCIA.

COMPENSAÇÃO NA ESCRITA FISCAL REGULADA POR LEGISLAÇÃO

LOCAL. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE DA

FAZENDA ESTADUAL AO CREDITAMENTO EFETUADO PELO

CONTRIBUINTE. ACÓRDÃO CALCADO EM INTERPRETAÇÃO DE DIREITO

LOCAL. SÚMULA 280/STF. APLICAÇÃO. 1. A configuração da hipótese de

incidência do ICMS sobre realização de operações relativas à circulação de mercadorias, reclama a ocorrência de ato de mercancia, vale dizer, a venda da

mercadoria (Precedentes: AgRg no REsp 601140/MG, Primeira Turma, DJ de

10.04.2006; AgRg no Ag 642229/MG, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de

26.09.2005; e REsp 659569/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ

de 09.05.2005).

2. Deveras, consoante abalizada doutrina, "tal circulação só pode ser jurídica (e, não,

meramente física)", a qual pressupõe "a transferência (de uma pessoa para outra) da

posse ou da propriedade da mercadoria" (Roque Antônio Carraza, in ICMS, 9ª Ed.,

Malheiros Editores, 2003, São Paulo, pág. 36). Desta sorte, inexistindo mudança da

titularidade da mercadoria, a tributação pelo ICMS inocorre.

3. A jurisprudência cristalizada no âmbito do STJ é no sentido de que "não constitui

fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte" (Súmula 166), restando assente, em

diversos julgados, a irrelevância dos estabelecimentos situarem-se em Estados

distintos (Precedentes do STJ: AgRg no REsp 601140/MG, Primeira Turma,

publicado no DJ de 10.04.2006; REsp 659569/RS, Segunda Turma, publicado no DJ

de 09.05.2005; AgRg no Ag 287132/MG, Primeira Turma, publicado no DJ de

18.12.2000; e REsp 121738/RJ, Primeira Turma, publicado no DJ de 01.09.1997).

(...). (grifo nosso)

(Superior Tribunal de Justiça. REsp 772891/RJ – Recurso Especial 2005/0132562-0.

Relator. Ministro Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Turma. Jul. 15/03/2007)

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O STF, por sua vez, se manifestou também no sentido de não incidência de ICMS nos

casos de arrendamento mercantil (leasing) sem opção de compra, alegando mais um vez que a

mera entrada da mercadoria em território nacional não configura materialidade para

incidência do ICMS-Importação, como se nota no julgamento no Recurso Extraordinário nº

461.968 – SP:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA.

ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE

AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL.

1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em

regime de leasing não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto ---

diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à

circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual

e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se

iniciem no exterior". 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS

em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de

grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de

aeronaves por ela construídas. 4. Recurso Extraordinário do Estado de São Paulo a que se nega provimento e

Recurso Extraordinário de TAM - Linhas Aéreas S/A que se julga prejudicado.”

(Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 461.968-7. Relator: Ministro

Eros Grau. Julgamento: 06/02/2007. Órgão Julgador: Pleno. Publicação:

24/08/2007)

Não resta dúvidas - tanto pela análise semântica como pela pragmática -, que a

materialidade do ICMS leva em conta os termos operação e circulação, e que como tal deve-

se considerar a mudança de titularidade da mercadoria ou do bem. Logo, para que haja

incidência do ICMS é preciso que haja também uma circulação jurídica e não meramente

física.

Firmada tais premissas, resta-nos analisar o tratamento que nossos tribunais têm dado

ao vocábulo mercadoria, para então concluir os elementos que compõe o critério material da

incidência do imposto.

Mais uma vez é relevante que os olhos sejam voltados ao capítulo destinado à

semântica, já que lá foram analisados todos os termos aqui mencionados sob o ponto de vista

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de seus sentidos e significados. Agora, já firmado o conceito de cada um deles, analisamos a

sua utilização.

Com relação ao vocábulo mercadoria, não resta dúvida quanto à sua ligação direta

com a mercancia. Ou seja, para que algo seja considerado uma mercadoria é fundamental

olhar a sua destinação, uma vez que um bem (gênero) somente é da espécie mercadoria se

tiver uma destinação comercial, logo não são suas características intrínsecas que definem se

ele é ou não uma mercadoria, mas sim o destino que a ele é dado. Portanto, para que uma

coisa corpórea e móvel seja considerada uma mercadoria, é fundamental que ela esteja ligada

à mercancia. Como se nota em posição do Superior Tribunal de Justiça.

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ICMS. FATO GERADOR.

CIRCULAÇÃO JURÍDICA DA MERCADORIA. CONCEITO.OMISSÃO

INEXISTENTE. INCONFORMISMO COM A TESE ADOTADA. MULTA.

SÚMULA 98/STJ.

1. Os embargos declaratórios somente são cabíveis para a modificação do julgado

que se apresenta omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível

erro material existente no acórdão, o que não ocorre na espécie.

2. O acórdão embargado, com fundamento em entendimento firmado em sede de

recursos repetitivos (REsp n. 1125133/SP e no REsp n. 1131718/SP, ambos de

relatoria do Min. Luiz Fux - art. 543-C do CPC), reiterou a jurisprudência desta

Corte e do STF no sentido de que o fato gerador do ICMS requer a efetiva circulação jurídica da mercadoria, que pressupõe a ocorrência do ato de mercancia,

com objetivo de lucro e a transferência da titularidade. Entendimento firmado na

interpretação do art. 155, inciso II, da Constituição Federal. 3. Omissão no julgado e

entendimento contrário ao interesse da parte são conceitos que não se confundem. 4.

"Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento

não tem caráter protelatório" (Súmula 98/STJ). Embargos de declaração rejeitados.

(grifo nosso)

(Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial. EDcl

REsp 1364869/MG. 2013/0020651-4. Relator. Ministro Humberto Martins. Órgão

Julgador: T2 – Segunda Turma. Data de Julgamento: 25/06/2013)

Como é possível notar no grifo feito na emenda acima, o termo mercadoria está

intimamente ligado ao caráter comercial que se pretender ter o ICMS. Falar em mercadoria,

para fins de incidência da exação é considerar que ela terá como destinação atos de

mercancia.

Até aqui parece-me que nossa Suprema Corte tem aplicado os conceitos de

operação, circulação e mercadoria tal qual propomos na Parte II, deste trabalho. Pois bem,

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vamos a diante para ver onde doutrina e jurisprudência se afastam, ou seja, aonde nossos

Tribunais tem desagradado os estudiosos do Direito Tributário, abrindo portas para calorosos

debates.

3.3 DEFINIÇÃO DO CRITÉRIO PESSOAL PELO STF

Como se sabe, o artigo 155 § 2º, inciso IX, alínea a, da Constituição Federal de 1988

determina que o ICMS incidirá também

(...) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física

ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a

sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto

ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da

mercadoria, bem ou serviço.

Numa primeira análise, a sujeição ativa do ICMS-Importação parece não gerar muitas

dúvidas. Determina a Constituição Federal que o sujeito ativo, como demonstrado no

parágrafo acima, é “Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do

destinatário da mercadoria, bem o serviço”. No caso, quando a figura do importado e do

destinatário se concentram na mesmo pessoa não há problemas quanto à definição do Estado

credor do imposto. Entretanto, quando a figura do destinatário e do importador não

confundem a sujeição ativa, requer uma análise um pouco mais cuidadosa.

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A celeuma se dá frente às importações realizadas por sociedades importadoras que,

sem que os bens importados circulem fisicamente por seus estabelecimentos, os

transferem, em nova operação mercantil, a terceiros localizados em Estados

distintos, de tal forma que os produtos importados circulam pelos estabelecimentos

importadores apenas juridicamente, sendo remetidos diretamente do recinto

aduaneiro para seus adquirentes201.

Observa-se que a problemática que gira em torno deste tema tange à identificação do

Estado ao qual caberá a cobrança do ICMS incidente sobre as operações de importação. Faz-

se, pois, necessário, identificar o destinatário da mercadoria importada, para que, então, se

chegue ao domicílio deste e consequentemente a legitimidade ativa do imposto.

O Supremo Tribunal Federal já proferiu algumas decisões nas quais se posicionou no

sentido de entender que o destinatário da mercadoria seria aquele que promoveu a entrada

jurídica desta em território nacional.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE

CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO.

SUJEITO ATIVO. ALÍNEA "A" DO INCISO IX DO § 2O DO ART. 155 DA

MAGNA CARTA. ESTABELECIMENTO JURÍDICO DO IMPORTADOR. O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde estiver situado o

domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria (alínea "a" do

inciso IX do § 2o do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o

desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso. Recurso

extraordinário desprovido.”

(Supremo Tribunal Federal. RE 299.079/RJ. Recurso Extraordinário. Rel. Min.

Carlos Britto. Jul. 30/06/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma).

Entendimento este também presente no julgamento do Agravo Regimental no RE nº

396.859, como demonstra decisão abaixo:

EMENTA: O ICMS incidente na importação de mercadoria é devido ao Estado onde

estiver localizado o destinatário jurídico do bem, isto é, o estabelecimento

importador: precedente (RE 299.079, Carlos Britto, Inf/STF 354).

(Supremo Tribunal Federal. RE 396.859 AgR/RJ. Ag. Reg. No Recurso

Extraordinário. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Jul. 26/10/2004. Órgão Julgador:

Primeira Turma).

201 ZOTELLI, Valeria. ICMS nas Importações: Local de Recolhimento. In. ICMS – questões atuais. Coord.

Elizabeth Nazar Carrazza. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 68.

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124

Diante deste contexto, manifesta-se Rafael Santiago Costa:

Restou, por conseguinte, pacificada a tese já predominante na doutrina pátria de que

a simples entrada jurídica (ficta) da mercadoria no estabelecimento do importador já

seria suficiente para confirmar sua condição de destinatário da mercadoria, sendo

desnecessária a entrada física desta naquele estabelecimento.

(...)

Sendo assim, restou decidido pelo STF que pouco importa o local em que ocorre o desembaraço da mercadoria para fins de identificação do sujeito ativo da obrigação

tributária decorrente da incidência de ICMS sobre essa operação. Da mesma forma,

ainda que implicitamente, decidiu-se que a destinação física da mercadoria, após o

seu desembaraço, a princípio, também não influencia aquela identificação (“o

negócio jurídico subsequente à importação (...) não repercute na relação tributária

primitiva”)202.

Ocorre, no entanto, que em março de 2005, o mesmo Tribunal proferiu a seguinte

decisão:

Ementa: ICMS - MERCADORIA IMPORTADA - INTERMEDIAÇÃO -

TITULARIDADE DO TRIBUTO. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços cabe ao Estado em que localizado o porto de desembarque e o destinatário

da mercadoria, não prevalecendo a forma sobre o conteúdo, no que procedida a

importação por terceiro consignatário situado em outro Estado e beneficiário de

sistema tributário mais favorável”

(Supremo Tribunal Federal. RE 268.586/SP. Recurso Extraordinário. Rel. Min.

Marco Aurélio. Jul. 24/05/2005. Órgão Julgador: Primeira Turma).

Desta forma, questiona-se se o STF teria mudado seu entendimento acerca da

legitimidade ativa do ICMS-Importação, passando a entender como sujeito ativo o Estado

onde ocorre o desembaraço aduaneiro em detrimento daquele onde ocorre a entrada jurídica

da mercadoria em território nacional, como restou decidido nos julgamentos dos RE nº

299.079 e AgRg no RE nº 396.859.

Um simples leitura da ementa proferida no julgamento do RE nº 268.586 pode nos

levar a entender que houve uma mudança de posicionamento por parte da Suprema Corte.

Contudo, é necessário analisar a situação fática que levou o STF à tal decisão.

Um empresa situação no Estado de São Paulo contratou uma empresa importadora no

Estado do Espírito Santo para realizar importação de mercadoria. No contrato firmado entre

202 COSTA, Rafael Santiago. ICMS/Importação: Entendimento do STF acerca da Legitimidade Ativa. Revista

Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Dialética, n. 133, Out. 2006, p. 90-91.

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125

as duas empresas ficou estabelecido que a empresa situada no Estado de São Paulo arcaria

com todos os ônus e obrigações da operação de importação, isentando assim a empresa

importadora. O desembaraço aduaneiro, por sua vez, ocorreu no estado da contratante, ou seja

no Estado de São Paulo. Diante de tal situação, o recolhimento do ICMS incidente sobre tal

operação foi exigido aos cofres paulistas da empresa situada no Estado de São Paulo. Foi

então que ela interpôs Recurso Extraordinário sustentando que não era responsável pelo

recolhimento do ICMS-Importação ao Estado de São Paulo, uma vez que o imposto já teria

sido pago ao Estado do Espírito Santo, onde estaria localizada a empresa importadora.

Após debater cuidadosamente o assunto, o STF acabou por negar provimento ao

Recurso Extraordinário, confirmando a legitimidade ativa do Estado de São Paulo, local onde

se deu o desembaraço aduaneiro das mercadorias, e onde está localizada a empresa

destinatária das mesmas. Ao analisar os detalhes fáticos, a Máxima Corte concluiu que a

empresa importadora, localizada no Espírito Santo, atuaria como mera intermediária na

operação de importação, já que a empresa localizada em São Paulo arcaria com todos os

gastos provenientes da importação. Destacaram os Ministros tratar-se de um caso de

simulação e por isso houve uma aparente mudança de entendimento acerca do sujeito ativo do

ICMS-Importação.

O Ministro Relator Marco Aurélio proferiu o seguinte posicionamento no julgamento

do RE nº 268.586/SP:

Poucas vezes defrontei-me com processo a revelar drible maior ao Fisco. O acordo

comercial Fundap, formalizado entre a importadora e a ora recorrente, é pródigo na

construção Fe ficções jurídicas para chegar-se à mitigação do ônus tributário, isso em

vista do fato de a importadora encontrar-se cadastrada no sistema Fundap, tendo jus, por isso, a vantagens fiscais, No acordo, previu-se que a importadora figuraria nas

operações de importação dele objeto como consignatária, o que implica dizer que não

atuaria como senhora, em si, de importação de mercadoria para posterior venda, mas

como simples intermediária, vindo a ser reembolsada em tudo o que despendesse,

inclusive tributos, frete, armazenagem, desembaraço aduaneiro e demais despesas

pertinentes à operação, ficando a cargo da ora recorrente a definição das mercadorias,

alfim, entabular o negócio jurídico no exterior, com fixação do preço. Onde a lealdade

aos princípios básicos à vida democrática, aos princípios assentados na Lei Maior? A

toda evidência, tem-se quadro escancarado de simulação.

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Logo, temos que o entendimento que os Ministros tiveram no julgamento do RE nº

268.586 foi devido à conclusão de que se tratava o caso de uma simulação e não de um caso

de norma de importação realizado por meio de empresa importadora. O posicionamento do

STF é mesmo aquele que aparece representado pelos acórdãos proferidos nos julgamentos do

RE nº 199.079 e do AgRg em RE nº 396.859, segundo o qual o sujeito ativo do ICMS-

Importação é o Estado onde se localiza o destinatário jurídico das mercadorias importadas, ou

seja, onde está localizada a empresa que efetivamente realizou o negócio jurídico da

importação, arcando com todos os deveres dessa operação.

Diante deste quadro, devemos separar as seguintes operações de importação: i) o

importador é o próprio destinatário da importação; ii) o importador (trading) é

contratado para intermediar o negócio jurídico subjacente celebrado entre o

comprador, real destinatário do bem importado, e o vendedor situado no exterior. Na primeira hipótese, não há duvida de que o ICMS será devido ao Estado onde

situado o estabelecimento importador, sendo aplicável o precedente do RE nº

299.079/RJ, rel Min. Carlos Britto. Na segunda operação, a decisão do RE nº 286.586/SP, rel. Min. Marco Aurélio,

indica que o ICMS poderá ser cobrado não pelo Estado onde está situado o

consignatário do bem importado (intermediário da operação), mas sim pelo Estado

onde situado o real destinatário do referido bem203.

O desembaraço aduaneiro, portanto, não influencia na determinação do sujeito ativo

do ICMS-Importação, contudo configura o momento em se dá a incidência dessa exação, ou

seja, é o aspecto temporal do imposto, como resta demonstrado no julgamento abaixo

transcrito:

EMENTA: ICMS INCIDENTE SOBRE MERCADORIAS IMPORTADAS. FATO

GERADOR. ELEMENTO TEMPORAL. CF/88, ART. 155, § 2º, IX, A. Afora o

acréscimo decorrente da introdução de serviços no campo da abrangência do imposto

em referência, até então circunscrito à circulação de mercadorias, duas alterações

foram feitas pelo constituinte no texto primitivo (ar. 23, § 11, da Carta de 1969), a

primeira, na supressão das expressões: "a entrada, em estabelecimento comercial,

industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior por seu titular"; e, a segunda, em deixar expresso caber "o imposto ao Estado onde estiver situado o

estabelecimento destinatário da mercadoria". Alterações que tiveram por

consequência lógica a substituição da entrada da mercadoria no estabelecimento do

203 CEZAROTI, Guilherme. A questão da Competência para exigir o ICMS na Importação de Bens do Exterior:

Análise à Luz do RE nº 268.586-1/SP da 1ª Turma do STF. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo,

Dialética, n. 136, Jan. 2007, p. 47.

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importador para o do recebimento da mercadoria importada, como aspecto temporal

do fato gerador do tributo, condicionando-se o desembaraço das mercadorias ou do

bem importado ao recolhimento, não apenas dos tributos federais, mas também do

ICMS incidente sobre a operação. Legitimação dos Estados para ditarem norma geral,

de caráter provisório, sobre a matéria, de conformidade com o art. 34, § 8º, do

ADCT/88, por meio do Convênio ICM 66/88 (art. 2º, I) e, consequentemente, do

Estado de São Paulo para fixar o novo momento da exigência do tributo (Lei nº

6.374/89, art. 2º, V). Acórdão que, no caso, dissentiu dessa orientação. Recurso

conhecido e provido. (grifo nosso) (Supremo Tribunal Federal. RE 192.711/SP. Recurso Extraordinário. Rel. Ilmar

Galvão. Jul. 23/10/1996. Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

3.4 JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA ANTES DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS

PELA EC 33/2001

Como demonstrado na primeira parte do trabalho, mais especificamente no capítulo

citado como “A Emenda Constitucional 23/1983”, a ‘entrada de mercadorias e bens

importados do exterior’ surgiu pela primeira vez como base tributável do ICM, com a

Emenda Constitucional nº 23, de 1983.

Antes do advento da Emenda Constitucional 23/1983, os Estados, com base em legislação ordinária, tentaram (em vão) tributar, a título de ICM, ainda que a

descoberto de previsão constitucional, as importações efetuadas por produtores,

industriais e comerciantes. Com esta Emenda Constitucional viabilizou-se a

pretensão dos Estados, sempre ávidos em aumentar suas receitas204.

Antes da edição da referida Emenda, os fiscos Estaduais, embasados em legislações

infraconstitucionais cobravam ICM de qualquer entrada de bem ou mercadoria em território

nacional, ao arrepio da Constituição. Essa forma de cobrança foi veementemente rechaçada

pelos contribuintes que defendiam que a ‘entrada de mercadorias e bens’ era apenas o critério

temporal do tributo e não a sua materialidade, que continuava a ser a ‘realização de

operações’. Outro argumento apresentado pelos contribuintes era o de que bens não podiam

ser tributados por meio do ICM, apenas mercadorias.

204 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

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O dilema chegou ao Supremo Tribunal Federal, que na ocasião decidiu parcialmente a

favor dos contribuintes, uma vez que seu posicionamento foi no sentido de que somente a

importação de mercadorias por comerciante, industrial ou produtor poderiam ser tributadas

pelo ICM.

Felizmente o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, resolveu com

acerto a questão, evidenciando que o ICM só poderia atingir mercadorias, e nunca

bens.

Com isso, iniciamos a parte sombria de nossa história, ou melhor, da vida do ICM,

pois passando por cima dessa jurisprudência do STF, os Estados através de forte

lobby, conseguiram aprovar a Emenda Constitucional 23/83 (Emenda “Passos

Porto”), a qual, dentre outras coisas, inseriu na Constituição da época autorização expressa para que os Estados cobrassem ICM dos produtores, industriais e

comerciantes também quando eles importassem bens e mercadorias205

.

Eis, então, que a Emenda nº 23/83 foi aprovada alterando a Constituição vigente, e

dando ensejo para que a entrada de mercadorias importadas do exterior fosse tributada via

ICM. O art. 23, § 11 passou a ter a seguinte redação: “§ 11. O imposto a que se refere o item

II incidirá, também, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de

mercadoria importada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados

a consumo ou ativo fixo do estabelecimento.”

Foi, no entanto, devido à locução ‘incidirá também’, que os Estados se apoiaram para

tributar qualquer importação feita pelos produtores, industriais e comerciantes, quer fossem

mercadorias, quer fossem bens para o ativo ou consumo próprio.

Ementa : I.C.M.. LEI PAULISTA N. 3991, DE 28.12.83. INCIDENCIA DE ICM

SOBRE A ENTRADA, NO ESTABELECIMENTO, DE BENS IMPORTADOS

DO EXTERIOR. TENDO OS EFEITOS DA LEI ORA REFERIDA SIDO

PRODUZIDOS APENAS QUANDO NA VIGENCIA DA E.C. N. 23/83, NÃO HÁ

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANUALIDADE (ART. 153, § DA C.F.).

AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (Supremo Tribunal Federal. AI 117.037 AgR/SP.Ag. Reg no Agravo de

Instrumento. Rel. Min. Djaci Falcão. Jul. 23/03/1987. Órgão Julgador: Segunda

Turma).

205 SALOMÃO, Marcelo Viana. O ICMS na Importação após a Emenda Constitucional nº 33/2001. In: O ICMS

e a EC 33. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2002, p.146.

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As discussões acerca da incidência do ICM foram bastante calorosas ao longo dos

anos. Mesmo antes da edição da polêmica Emenda Constitucional nº 33, de 2001, muito se

debateu sobre a constitucionalidade da incidência do ICMS em relação à entrada de bens em

solos brasileiros.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 o ICMS-Importação passou

a ter a seguinte redação:

Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

IX – incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de

bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre

serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o

estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço.

O dispositivo mais uma vez deixou margem à algumas interpretações possíveis

levando o tema novamente à Máxima Corte, que desta vez teve o seguinte posicionamento:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.

TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO.

IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem

como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível

o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-

cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade de se

compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores

pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e

como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação

de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido. (Supremo Tribunal Federal. RE 203.075/DF. Recurso Extraordinário. Rel. Min.

Ilmar Galvão. Rel. P. Acórdão: Min. Mauricio Corrêa. Jul. 05/08/1998. Órgão

Julgador: Primeira Turma).

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO: PESSOA FÍSICA NÃO COMERCIANTE E NÃO EMPRESÁRIO: NÃO

INCIDÊNCIA. I. - Veículo importado por pessoa física, que não é comerciante ou

empresário, destinado ao uso próprio: não incidência do ICMS. Precedente do STF:

RE 203.075-DF, M. Corrêa p/acórdão, Plenário, 05.08.98. II. - R.E. conhecido e

provido. (Supremo Tribunal Federal. RE 191.346/RS. Recurso Extraordinário. Rel. Min.

Carlos Velloso. Jul. 29/09/1998. Órgão Julgador: Segunda Turma).

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EMENTA: ICMS. Importação de bem realizada por pessoa física para uso próprio. -

O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 203.075, firmou o entendimento de que o

artigo 155, § 2º, IX, "a", da Constituição Federal não se aplica às operações de

importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. - Dessa orientação

divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Supremo Tribunal Federal. RE 298.630/SP. Recurso Extraordinário. Rel. Min.

Moreira Alves. Jul. 09/10/2001. Órgão Julgador: Primeira Turma).

Diante de reiteradas decisões no mesmo sentido, foi então editada a Súmula nº 660 do

Supremo Tribunal Federal com a seguinte redação: “Não incide ICMS na importação de bens

por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”.

Aparentemente a Máxima Corte colocou fim à longa discussão acerca do alcance da

incidência do ICMS-Importação. No entanto, em 12 de dezembro de 2001 adentrou ao mundo

jurídico a Emenda Constitucional nº 33, causando uma verdadeira reviravolta no ICMS-

Importação. Mais uma vez destacam-se as palavras do professor Roque Antonio Carrazza:

(...) o Supremo Tribunal Federal atendeu às expectativas, decidindo, em várias

oportunidades, pela não-incidência de ICMS sobre a importação de bens por pessoa

física. As coisas estavam nesse pé – a nosso sentir correto e adequado - , quando

sobreveio a Emenda Constitucional nº 33, de 11.12.2001, que dando nova redação

ao inciso IX, a, em análise, passou a consignar que o ICMS incide também ‘sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica,

ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua

finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao

Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da

mercadoria ou serviço. A prevalecer esta ‘nova’ redação, terá agora que pagar ICMS a pessoa física que

vier a importar bens para uso próprio, ainda que sem caráter de habitualidade e sem

exercer o comércio. Com esta marota alteração, abateu-se, em pleno vôo,

jurisprudência que começava a seguir na traça da melhor doutrina. É a velha política

do atual Governo, que sempre que perde uma questão, máxime na Suprema Corte,

modifica a Constituição206

.

O que, então, caminhava num sentido, foi interrompido com a promulgação da EC

33/2001, que alterou o art. 155, § 2º, IX, a da Constituição Federal. O que valia até 2001,

deixou de valer dando espaço ao um ‘novo’ ICMS-Importação e a novas decisões quanto a

sua aplicabilidade e incidência.

206 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 64.

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3.5 POSIÇÃO ATUAL DO STF QUANTO À INCIDÊNCIA DO ICMS-IMPORTAÇÃO

Como é sabido, com o advento da Emenda Constitucional nº 33, de dezembro de

2001, houve uma reviravolta no campo de incidência do ICMS-Importação. A jurisprudência,

que então parecia consolidada no sentido de não ser cabível o ICMS-Importação na operação

de importação de bens por contribuintes não habituais desse imposto - como restou

demonstrado no tópico supra -, teve de ser revista, uma vez que a alteração promovida no art.

155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal tornou a norma incompatível com aquilo que vinha

decidindo nos Tribunais.

A Emenda Constitucional nº 33 determinou que passaria a haver incidência de ICMS

‘sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física ou jurídica,

ainda que não seja contribuinte habitual do imposto’. Aparentemente esta alteração abriu a

possibilidade de os Estados e do Distrito Federal tributarem toda e qualquer forma de

importação.

Ao pesquisarmos o que tem decido ultimamente a Suprema Corte com relação ao

assunto, nos deparamos com os seguintes julgamentos:

EMENTA Agravo regimental em recurso extraordinário. ICMS. Importação. Não

contribuinte do imposto. Período anterior à edição da EC nº 33/01. Não incidência.

Súmula nº 660/STF. 1. A questão atinente à não incidência do ICMS nos casos de

importação por não contribuinte do imposto em período anterior à edição da EC nº

33/01 encontra-se pacificada nesta Corte. Incidência da Súmula nº 660/STF. 2.

Agravo regimental não provido. (Supremo Tribunal Federal. RE 331.444/RJ. Ag. Reg no Recurso Extraordinário.

Rel. Min. Dias Toffoli. Jul. 07/02/2012. Órgão Julgador: Primeira Turma.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE

CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO.

PESSOA QUE NÃO SE DEDICA AO COMÉRCIO OU À PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO OU DE TRANSPORTE INTERESTADUAL

OU INTERMUNICIPAL. “NÃO CONTRIBUINTE”. VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2002. POSSIBILIDADE. REQUISITO DE VALIDADE.

FLUXO DE POSITIVAÇÃO. EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

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CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO. 1. Há competência constitucional para estender a

incidência do ICMS à operação de importação de bem destinado a pessoa que não se

dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, após a vigência da EC

33/2001. 2. A incidência do ICMS sobre operação de importação de bem não viola,

em princípio, a regra da vedação à cumulatividade (art. 155, § 2º, I da Constituição),

pois se não houver acumulação da carga tributária, nada haveria a ser compensado.

3. Divergência entre as expressões “bem” e “mercadoria” (arts. 155, II e 155, §2, IX,

a da Constituição). É constitucional a tributação das operações de circulação jurídica

de bens amparadas pela importação. A operação de importação não descaracteriza,

tão-somente por si, a classificação do bem importado como mercadoria. Em sentido

semelhante, a circunstância de o destinatário do bem não ser contribuinte habitual do tributo também não afeta a caracterização da operação de circulação de mercadoria.

Ademais, a exoneração das operações de importação pode desequilibrar as relações

pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os

princípios da isonomia e da livre concorrência. CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS

PARA TRIBUTAÇÃO 4. Existência e suficiência de legislação infraconstitucional

para instituição do tributo (violação dos arts. 146, II e 155, XII, § 2º, i da

Constituição). A validade da constituição do crédito tributário depende da existência

de lei complementar de normas gerais (LC 114/2002) e de legislação local

resultantes do exercício da competência tributária, contemporâneas à ocorrência do

fato jurídico que se pretenda tributar. 5. Modificações da legislação federal ou local

anteriores à EC 33/2001 não foram convalidadas, na medida em que inexistente o fenômeno da “constitucionalização superveniente” no sistema jurídico brasileiro. A

ampliação da hipótese de incidência, da base de cálculo e da sujeição passiva da

regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior à EC 33/2001 e à LC

114/2002 não serve de fundamento de validade à tributação das operações de

importação realizadas por empresas que não sejam comerciais ou prestadoras de

serviços de comunicação ou de transporte intermunicipal ou interestadual. 6. A

tributação somente será admissível se também respeitadas as regras da anterioridade

e da anterioridade, cuja observância se afere com base em cada legislação local que

tenha modificado adequadamente a regra-matriz e que seja posterior à LC 114/2002.

Recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul conhecido e ao

qual se nega provimento. Recurso extraordinário interposto por FF. Claudino ao

qual se dá provimento.

(Supremo Tribunal Federal. RE 439.796/PR. Recurso Extraordinário. Rel. Min.

Joaquim Barbosa. Jul. 06/11/2013. Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

EMENTA: ICMS – IMPORTAÇÃO DE BENS – AUTORIA – COMÉRCIO – EC

Nº 33/2001. Ante o teor da Emenda Constitucional nº 33/01, surge harmônica com a

Carta a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços em bens importados, ainda que não se trate de pessoa dedicada, de forma habitual, ao

comércio.

(Supremo Tribunal Federal. AI 730.695/DF. Ag. Reg. No Agravo de Instrumento.

Relator: Min. Marco Aurélio. Jul. 25/03/2014. Órgão Julgador: Primeira Turma).

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À

CONSTITUIÇÃO. MERCADORIA IMPORTADA. ICMS. SÚMULA 661-STF. I. -

Ausência de pré-questionamento das questões constitucionais invocadas no recurso

extraordinário. Súmulas 282 e 356-STF. II. - Incidência, no caso, da Súmula 661-

STF. Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do

ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro. III. - Agravo não provido.

(Supremo Tribunal Federal. AI 540.650 AgR/RJ. Ag. Reg. No Agravo de

Instrumento. Rel. Min. Carlos Velloso. Jul. 13/12/2005. Órgão Julgador: Segunda

Turma).

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Se antes a Suprema Corte definira que as pessoas físicas e jurídicas não-contribuintes

do imposto não deveriam recolher o ICMS-Importacão, tema que inclusive foi sumulado207

,

depois foi preciso retificar seu posicionamento. Assim, em 05 de agosto de 2004, foi editada a

Súmula nº 661, segundo a qual: “Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a

cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro”.

Parece-nos, entretanto, que diferentemente do Supremo Tribunal Federal, o

Superior Tribunal de Justiça manteve como fulcro de suas decisões os acórdãos proferidos

pelo STF antes de 2001.

Ementa: TRIBUTÁRIO - ICMS - IMPORTAÇÃO - FATO GERADOR. 1. A

jurisprudência do STJ, a par do entendimento pretoriano ditado pelo STF,

sedimentou-se no sentido de exigir o recolhimento do ICMS, ou a prova da não-

incidência ou da isenção, quando do desembaraço aduaneiro. Múltiplos precedentes.

2. Entretanto, não é exigível o pagamento do ICMS quando a mercadoria é

importada por contribuinte eventual, exigindo-se o tributo exclusivamente por força

do desenvolvimento das atividades do contribuinte (precedentes do STF - RE's

203.075-9, 185.789 e 203.502). 3. Sociedade médica que importou eventualmente

aparelho médico não está obrigada a recolher o ICMS para o desembaraço

aduaneiro. 4. Recurso especial improvido.

(Superior Tribunal de Justiça. REsp 496.223/RS. Recurso Especial. 2002/0171648-

4. Rel. Min. Eliana Calmon. Jul. 05/06/2003. Órgão Julgador: T2 – Segunda Turma)

Nota-se que mesmo transcorrido tanto tempo desde o surgimento do ICMS-

Importação através da Emenda nº 23/83 - bem como do advento da Emenda nº 33/01, a

questão parece ainda não ter sido pacificada, sendo até hoje tema de calorosas discussões

doutrinárias.

Já que o tema é analisar a forma como nossos tribunais têm se posicionado com

relação à incidência ou não do ICMS-Importação, julgo válido trazer à pauta uma situação

específica de entrada de mercadorias no território nacional que não tem sido alvo de

incidência do imposto, que é o caso do arrendamento mercantil sem opção de compra.

207 Súmula 660, do STF: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja

contribuinte do imposto”.

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O STF tem entendido que não incide ICMS-Importação nos casos de arrendamento

mercantil, uma vez que não se verifica a ocorrência da materialidade da exação, ou seja, não

há transferência de titularidade, logo não ocorre a ‘operação de circulação de mercadoria’.

Destaca-se assim trecho mencionado por Alcides Jorge Costa:

Em complemento, deve ser dito que no contrato de leasing não existe negócio

jurídico translativo da propriedade. Existe, isto sim, uma cláusula com opção de

compra que poderá ser exercida ou não.

(...)

Se inexiste a transmissão da propriedade, não há que se falar em operação relativa à circulação de mercadorias, núcleo do fato gerador do ICMS e, em consequência, não

ocorre a incidência desse imposto. Só há transmissão da propriedade quando, na

execução do contrato de leasing, o arrendatário exerce a opção de compra do bem

arrendado. Só com o exercício da opção é que se concretiza o negócio jurídico de

compra e venda e só nesse momento pode haver incidência do ICMS, porque só

então terá havido uma operação relativa à circulação de mercadoria208.

Contudo, vejamos a posição adotada pela nossa Suprema Corte:

EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Contrato de arrendamento

mercantil. Leasing. Inexistência de opção de compra. Importação de aeronaves. Não

incidência do ICMS. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Não incide

ICMS sobre as importações, do exterior, de aeronaves, equipamentos e peças

realizadas por meio de contrato de arrendamento mercantil quando não haja circulação

do bem, caracterizada pela transferência de domínio, ainda que sob a égide da EC nº

33/2001. (Supremo Tribunal Federal. RE 553.663 AgR/RJ. Ag Reg. no Recurso Extraordinário.

Rel. Min. Cezar Peluso. Jul. 18/12/2007. Órgão Julgador: Segunda Turma.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA.

ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA

CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE

AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. 1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em regime

de leasing não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A

circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto --- diz o

artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à circulação de

mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e

intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem

no exterior". 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à

incidência do ICMS em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria

aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação

aérea, de aeronaves por ela construídas. 4. Recurso Extraordinário do Estado de São

Paulo a que se nega provimento e Recurso Extraordinário de TAM - Linhas Aéreas

S/A que se julga prejudicado.

208 COSTA, Alcides Jorge. ICMS – Fato Gerador Arrendamento Mercantil – Importação de Mercadorias –

Interpretação da Constituição Federal antes e depois da Promulgação da Emenda Constitucional nº 33, de 2001 –

Comentário à acórdão do STF. In: Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 39.

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(Supremo Tribunal Federal. RE 461.968/SP. Recurso Extraordinário. Rel. Min. Eros

Grau. Jul. 30/05/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.).

Ainda sobre o tema, é de relevo citar trecho do voto da Ministra Ellen Grace,

proferido no julgamento do RE 206.069, onde:

Não existe dúvida de que a res, objeto da transação, permanece no ativo do arrendador, como tal contrato permite que ao final da locação o arrendatário adquira

o bem, aí, então, incidirá o imposto pleiteado pela Fazenda do Estado.

Não se tratando de circulação de mercadorias, nem de entrada de mercadoria

destinada a ativo fixo, ou seja mercadorias adquirida no exterior pelo proprietário do

estabelecimento, não há que se falar em ICMS. Como bem lembrado pela MM. Juíza sentenciante, ‘de acordo com a argumentação inicialmente adotada, só se pode

entender como ‘entrado’ na esfera dominial do arrendatário (ou da impetrante), o

equipamento importado por ocasião da opção de compra que poderá ou não se

concretizar em fase futura e não na presente.

A incidência do ICMS só será possível e exigível, com a opção de compra, se feita pelo arrendatário; se a opção for feita, terá plenamente direito a Fazenda do Estado

em exigir o imposto, ora reclamado209.

Sendo assim, é possível constatar que para que haja incidência do ICMS-Importação é

primeiramente necessário que haja no contrato uma cláusula que trate sobre a opção de

compra do bem arrendado, e por fim é obrigatório que ocorra a compra e venda, pois aí sim

ocorrerá a materialidade da exação, tornando possível a sua exigibilidade.

A essa altura, não resta mais dúvida quanto ao nosso posicionamento com relação ao

alcance da incidência do ICMS-Importação. Por todos os motivos expostos ao longo de nossa

exposição, tentou-se mostrar que não concordamos com a incidência do ICMS-Importação

nas operações de importação de bens realizada por não contribuintes dessa exação. Embora

apoiados por grande parte da melhor doutrina do Direito Tributário, não nos sentimos

satisfeitos quando a questão chega na Suprema Corte, como bem vimos, os julgados se voltam

à alimentar a ânsia arrecadatória dos Estados, mesmo que para isso marginalizem princípios

constitucionais.

209 Supremo Tribunal Federal. RE 206.069. Rel. Min. Ellen Gracie. Jul. 01/09/2006. Órgão Julgador: Tribunal

Pleno.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Emenda Constitucional nº 33, de dezembro de 2001, desde a sua publicação vem

sendo alvo de muitas críticas por parte dos doutrinadores do direito tributário.

Embora na análise da jurisprudência de nossos tribunais seja possível notar que ela se

coaduna com as alterações provocadas no art. 155, § 2º, IX, “a”, da Constituição Federal, o

mesmo não ocorre quando a questão cai nas mãos, ou melhor, nas 'cabeças', dos estudiosos.

Numa breve exposição buscou-se demonstrar importantes pontos que permeiam as mudanças

e os efeitos que delas se refletem.

A Constituição Federal sofreu uma alteração por meio da EC 33/2001, que à primeira

vista parecia algo pontual, uma questão de linguagem, uma alteração redacional no art. 155, §

2º, IX, “a”, da Carta Magna. A intenção do legislador, infelizmente, é subjetiva. Julgar

extrapola os limites da função do estudioso, que deve ater-se a tecer críticas construtivas, a

fim de colaborar - por meio da Ciência do Direito, com a busca pela perfeição do sistema, ou

seja, pela busca de um Direito Positivo justo.

Foram então demonstrados os reflexos desta nova redação, desta nova linguagem, no

universo fático. Mostrou-se que a EC 33/2001 ultrapassou os limites das mudanças pontuais

para - por que não assim dizer -, criar um novo tributo por meio da ampliação da hipótese de

incidência do ICMS-importação. A nova redação dada ao art. 155, § 2º, IX, “a”, da

Constituição Federal afetou o critério material do ICMS ao definir que o imposto incidirá não

mais somente sobre as operações com mercadorias oriundas do exterior, mas sim sobre toda e

qualquer entrada de 'bem' ou 'mercadoria' no país. Houve também, significativa

desconfiguração no sujeito passivo do ICMS, visto que atualmente, o sujeito passivo não mais

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precisa levar a cabo atos mercantis com habitualidade, bastando que realize o fato importar

mercadorias ou bens do exterior.

Foram questionados os limites do Poder Originário e do Poder Derivado,

demonstrando a forma como alguns princípios importantes foram esquecidos pela nova

redação do art. 155, § 2º, IX, “a”, da Carta Magna, a fim de colocar em cheque a

constitucionalidade da EC 33/2001, que provocou todas essas alterações.

Tecemos alguns comentários acerca de importantes princípios constitucionais, como o

Princípio Federativo, o Princípio da Territorialidade, o Princípio da Competência Tributária e

o Princípio da Não-cumulatividade, com o escopo de demonstrar que o Poder Derivado não

poderia realizar mudanças ao seu bel-prazer. A Carta Magna traz diversos princípios e

diretrizes que não podem ser simplesmente marginalizados a fim de aumentar a cobrança

tributária, que diga-se de passagem, já é extremamente alta em nosso país, satisfazendo o afã

arrecadatória dos entes tributantes.

Os princípios constitucionais traduzem direitos fundamentais; são garantias

individuais, tais como capacidade, liberdade, dignidade humana, propriedade e igualdade,

além de refletirem valores republicanos, federalistas e solidaristas. A própria Constituição

Federal em seu art. 5º, § 1º, prescreve que “as normas definidoras de direitos e garantias

individuais têm aplicação imediata”.

Logo, temos que os princípios constitucionais tributários traduzem reafirmações,

expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal, são, por isso, cláusulas

constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis (art. 60, § 4º, da CF).

Buscou-se analisar semanticamente os principais elementos que constituem o ICMS-

Importação, com a intenção de desconstruir para reconstruir a norma passo a passo,

demonstrando o alcance de cada termo isolado, e dentro do contexto do imposto em questão.

Pontuou-se o sentido de cada vocábulo, para não dar margem à vagueza e a ambiguidade.

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Por fim, analisamos o que tem sido decidido em nossos tribunais, principalmente o

Supremo Tribunal Federal, acerca da matéria. Por óbvio, é possível observar que a doutrina e

a jurisprudência nem sempre caminham juntas, como ocorre no caso do ICMS-Importação.

Enquanto boa parte da doutrina (e aqui me incluo) defende sem pestanejar que a incidência do

ICMS nas operações de importação de bens realizadas por não contribuinte do imposto é

inconstitucional, nossa Máxima Corte segue decidindo no sentido de ser passível de

incidência a importação de bens por não contribuinte do ICMS, salvo exceções, como é o

caso do arrendamento mercantil.

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