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PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 1 DO AUTOR: LINHAS DO DESTINO

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PORQUE AS BORBOLETAS VOAM

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DO AUTOR: LINHAS DO DESTINO

L.P.OWEN

2 A Deus, por não me deixar desistir. Aos meus familiares, que teimam em acreditar em mim. A Sueli, pela paciência de ler os rascunhos dos livros.

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Capitulo um O ENCONTRO Todos temos momentos bons ou ruins para lembrarmos durante nossa existência. Aquele dia foi um desses marcos. Nas ruas o vai e vem da multidão preocupada em resolver seus problemas, não o impedia que avançasse com rapidez e determinação. Algumas pessoas seguiam para o trabalho, outras para as compras, outras apenas caminhavam apreciando o movimento. Faltavam alguns dias para o Natal, o comércio, preparado para as vendas que costumavam se aquecer durante essa época, abusava dos enfeites com motivos natalinos. Ele gostava dessa época porque o espírito natalino modificava as pessoas, tornando-as mais fraternas, caridosas, mais sensíveis. Lamentava-se porque esses sentimentos poderiam continuar durante o ano todo, mas infelizmente isso não ocorria, passados as festas, cada um voltava a pensar apenas nos próprios problemas. As pessoas se apinhavam procurando satisfazer seus instintos de consumo comprando de tudo. Enquanto ele caminhava para o seu destino, pensou em tudo o que aconteceu durante aquele ano. Estava de volta, era um novo homem, nada seria igual. No saguão, notou que tudo continuava do mesmo jeito. Nada tinha modificado. O porteiro apenas olhou para ele como outrora,

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4 não disse uma palavra, não questionou absolutamente nada, permanecia atrás de um balcão, como se a sua única atribuição fosse permanecer imóvel como uma estátua na entrada do edifício. Seguiu, pelo corredor em direção aos elevadores. O tumulto causado pelo número de pessoas que entravam e saiam do edifício o fazia pensar: – “Para onde estariam indo? O que seria tão importante, o que fazia as pessoas esquecerem de cumprimentar seus semelhantes?”. Dentro do elevador o silêncio era tão grande que podia ouvir sua respiração. As pessoas estavam muito próximas fisicamente, mas sequer se olhavam. O único ruído era causado pelo movimento dos cabos e correntes do lado de fora. No rosto das pessoas estava estampada a infelicidade e angústia. À medida que o elevador atingia os andares superiores, mais vazio ficava. Não soube explicar porque desta vez o fato de ficar sozinho dentro do elevador para galgar os últimos três andares foi diferente de outrora. Ao abrir a porta corta-fogo de acesso ao terraço, da qual se lembrava muito bem, não pôde acreditar no que estava acontecendo.

*** Uma manhã quente típica de final de primavera. Apesar da temperatura elevada, estava suando frio. O que estava preste a fazer mudaria radicalmente o rumo de sua vida.

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Voltar significava não resolver o problema. Ficou surpreso, ao abrir a porta corta-fogo. Última barreira para chegar ao terraço do edifício. Não imaginou algo semelhante em toda a sua vida. Para disfarçar sua real intenção, se encostou a uma parede, provavelmente da casa das máquinas e aguardou o desenrolar dos acontecimentos. Calado, ouvia o que diziam aqueles dois. Um dos rapazes, um jovem senhor aparentando uns 45 anos, cabelos e olhos castanho-escuros. Estava sentado numa cadeira de rodas. Vestia um terno cinza chumbo um pouco surrado, camisa branca e sapatos pretos impecavelmente engraxados. O outro usava calças jeans, camiseta branca e botas especiais presas por armação articulada que era presa na cintura do rapaz e servia como suporte para as pernas. Andava com o auxílio de muletas apoiadas no antebraço. Este tinha a aparência de ser bem mais jovem que o primeiro, cabelos ruivos e olhos azuis-claros. Nem de longe aquele corpo combinava com as suas feições. Braços finos, nas costas havia uma espécie de corcova. O quadril muito estreito e as pernas finas obrigavam-no a utilizar tal armação que servia para sustentar o corpo e mantê-lo em pé. O que estava sentado na cadeira de rodas reclamava da atitude de uma outra pessoa, que não se encontrava mais no local. - Hoje em dia, não se pode confiar nas pessoas.

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6 - Você ainda tem de quem reclamar. Eu vim sozinho, vou reclamar com quem? – Comentou o rapaz da muleta. Os dois conversavam sem notarem a presença de William, que se mantinha no mesmo local, não conseguindo compreender sobre o que falavam. - Por que fazem essas muretas tão altas? – Perguntou Jorge enquanto posicionava melhor sua cadeira de rodas. - Não sei! – Respondeu Oscar que se esforçava ao extremo para escalá-la. Depois de várias tentativas, resolveram desistir. Ao olharem para o lado perceberam a presença de William que permanecia imóvel e calado. - Talvez o senhor possa nos ajudar. – Disseram quase ao mesmo tempo. Encostado na parede, William olhou a sua volta, percebendo que era com ele que falavam, respondeu com determinação. - Podem esquecer! - Não estamos conseguindo. – Disse Jorge. - Somos uma dupla de incompetentes. – Completou Oscar. – O senhor tem que nos ajudar. - Por que querem fazer a mesma coisa? – Questionou William. Pegos de surpresa com a pergunta, no princípio ficaram calados, mas Jorge resolveu responder primeiro. Como se mergulhasse num passado próximo, iniciou com voz amarga. - O que se espera de um homem com ótimo

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emprego, casado com uma linda mulher e filho. Quando decidiu ser hora de ter outro filho, faz uma viagem de segunda lua de mel. Num dia lindo de sol temperatura extremamente quente vai nadar e sofre um acidente na beira da piscina. Fratura a coluna e é obrigado a viver numa cadeira de rodas? Sem fazer qualquer comentário William perguntou. - Como aconteceu? - Fui fazer graça para minha esposa e filho, subi no trampolim da piscina do hotel. Não contente com a altura, resolvi subir no ferro que serve de corrimão. Escorreguei e bati as costas na plataforma do trampolim. Caí desmaiado dentro da piscina. Quando acordei, três meses haviam passados. Os dois ouviam sem fazerem comentários. Jorge prosseguiu. - Fiquei no hospital por quase um ano. Minha esposa vinha visitar-me, no início todos os dias. Com o adiantado da gestação começou a diminuir a frequência dessas visitas. - Vocês viram que coisa engraçada? – Comentou rindo sozinho. – Em nossa última relação engravidei minha mulher. Minha filha Vivian nasceu enquanto eu ainda estava no hospital. – Com o meu retorno para casa passei a cuidar dos meus filhos. Minha esposa começou a trabalhar fora para completar a renda. – O tempo passou, comecei a perceber uma

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8 alteração no comportamento de minha esposa. Alguns meses depois, – fez uma pausa para tomar coragem e continuar seu relato. – Ela imaginando que estivesse na fisioterapia, acabou se descuidando. - Quando retornei, depois de aguardar por mais de uma hora pelo transporte que me levaria para a fisioterapia e que não apareceu, vi as luzes da sala apagadas. Não havia sons indicando que ali moravam duas crianças. Pensei num monte de coisas horríveis. – Abri a porta da sala vagarosamente e entrei. Ao chegar no quarto das crianças vi que estavam dormindo. A porta do meu quarto estava encostada, empurrei-a. Minha esposa e o seu amante olharam para mim com cara de idiotas, sem conseguirem dizer uma palavra sequer. – Dei meia volta, fui para sala. Não demorou os dois chegaram dizendo: - “Não é o que está pensando”. – Nesse momento riu novamente e comentou. – Por que todos dizem isso? Realmente o problema não é o que pensamos é o que vemos! Depois se calou e William resolveu poupá-lo de novas perguntas. - Com você o que aconteceu? – Perguntou, dirigindo-se ao rapaz da muleta. Oscar ficou em silêncio, como se buscasse em sua memória, o que tinha restado de sua história. - Meu pai, – engoliu seco - foi embora quando nasci, por isso não sei nada sobre ele, ou melhor, sei que era um bom cantor, afinal cantou minha mãe. – Brincou. - Tinha uma

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boa voz, minha mãe dizia que herdei isso dele. William já tinha notado desde o início a beleza do timbre da voz do rapaz, poderia trabalhar como locutor de rádio ou atendimento público pelo telefone, mas não fez qualquer comentário. - Desde o meu nascimento sou esta coisinha linda que estão vendo. Se não fosse por minha mãe tinha servido de comida para os Urubus em algum lixão.- Comentou. - Na escola viviam colocando-me apelidos, gozavam da minha cara, faziam corredor para que eu passasse e me davam tapas para andar mais rápido. Algumas vezes o incentivo era tão grande que acabava de cara no chão. - Essa tortura parou somente quando revoltado, resolvi chamar o líder para a briga, meu primeiro erro. O segundo foi ter ido ao encontro marcado para o meu massacre. - Estava indo tudo tão bem, ele me batendo com o punho fechado na minha cara. Outras eu com a minha cara no punho dele, até que finalmente ele caiu exausto, não conseguiu bater mais e finalmente, consegui vencê-lo pelo cansaço. - Apesar de quase me matar, ele resolveu dar-me crédito pela minha loucura. A partir desse dia pararam de me chatear. Afinal tinha vencido o líder da matilha. – Riu novamente. - Vivia com minha mãe num barraco que ela comprou depois de tanto sofrimento e muito trabalho. Ela passava o dia trabalhando na

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10 limpeza das casas e a noite lavava e passava o uniforme dos times das proximidades. - Alguns meses atrás minha mãe faleceu e desde então atravesso momentos difíceis, sinto muita saudade dela. – Parou para se recompor. – Não tenho parente, não tenho amigos porque não saía de casa, apenas cuidava da minha mãe. Depois que ela sofreu o derrame não falava nem andava, somente vegetava. Como podem notar não tinha forças para cuidar dela. Algumas vizinhas vinham para dar banho, trocar as roupas, mas - abaixou a cabeça e parou de falar. William pensou nos seus problemas. No início, bebia socialmente, mas com o passar do tempo já fazia parte de sua alma. Por ela acabou com um casamento de quase dez anos. Em seguida perdeu o emprego. Sem emprego acabou vendendo o que possuía para custear aluguel, comida entre outras dívidas até que foi obrigado a morar nas ruas. Não tinha coragem de visitar seus filhos. Não queria mostrar a pessoa que se tornara. Estava disposto a acabar com tudo. - O que os senhores pretendem fazer agora? – Perguntou William deixando suas preocupações de lado. Houve um silêncio por alguns minutos. Colocando o coração em cada palavra Jorge respondeu. - Quando resolvi vir aqui, seria para dar um basta nesta situação, nessa solidão, nesse sofrimento. Pensei que minha partida deixaria que meus filhos esquecessem de mim. –

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Chorou copiosamente. Depois de alguns minutos em silêncio. - Estava pensando! – Iniciou William. - Viemos aqui para fazermos algo que terminaria com nossos sofrimentos. Por covardia? Egoísmo? Para não enfrentarmos os problemas de frente? Por que não conseguimos enxergar uma solução? – Deu uma pausa. - Por que nos encontramos exatamente neste lugar? Não poderia ser numa praça, num cinema, em outro lugar qualquer? – Mais um tempo de silêncio. - O que Deus quer da gente? – Continuou. – Por que? Apesar de tudo, ainda somos importantes para Ele? Como num passe de mágica, se dirigiram para o centro do terraço onde estava William e se abraçaram. Ali eles choraram toda dor, desespero, angústia que sentiam dentro da alma. Como se estivessem sendo abraçados pelos seus Anjos da Guarda sentiram paz e alivio. Depois de algum tempo. - Esvaziei minha alma. – Disse Oscar. Apesar de surpresos com a frase todos concordaram. - Hoje já me aconteceu de tudo! – Jorge exclamou sorrindo. - Fui enganado por um cara que contratei, desisti do meu objetivo e ainda acabei encontrando dois malucos. - Imaginem se alguém entra aqui e vê esta cena. Três marmanjos abraçados. –

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12 Comentou Oscar. A gargalhada foi generalizada, William não conseguia se controlar e quase passou mal de tanto rir ao olhar para aquela figura. - O que vamos fazer agora? – Perguntou Jorge. - Vamos aguardar novas instruções. – Respondeu William ainda rindo. Caminharam na direção da porta, ainda tinham uma etapa a ser transposta. A escada para o andar onde pudessem utilizar o elevador para deixarem o edifício. - Será que consigo descer segurando você? – William não estava seguro quanto ao seu preparo físico. - Podemos fazer o seguinte, você me inclina para traz. Eu controlo a roda, acredito que juntos nós conseguiremos. – Olhou para o William sorriu e completou. - Confio plenamente que estarei seguro em suas mãos, já me salvou a vida hoje. William não soube porque, mas sentiu-se bem com as palavras. O esforço foi grande, houve momentos que William achou não conseguir segurá-lo por mais tempo. Quando chegaram no andar estavam exaustos, entraram no elevador, pareciam crianças que acabavam de fazer uma travessura.

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Capítulo dois A CARTA Os problemas que os carteiros têm para entregarem suas correspondências são muitos. A começar pela letra dos remetentes. Alguns não se preocupam em escrever com letra legível, pensam ser a obrigação dos correios decifrarem os endereços. Há pessoas que julgam que seus cachorros não mordem porque são mansos e por isso não os prendem. Há também os que nunca são encontrados em suas próprias casas, o sol, a chuva, o frio, o calor entre outros. Ser carteiro é gostar de muita ação e adrenalina. Geraldo era uma pessoa que gostava da profissão. Ele acordou disposto, o dia ensolarado facilitava sua locomoção e a entrega de todas as cartas parecia que seria simples. Como sempre, na central dos correios, separou as correspondências pelo nome das ruas e pelo número das residências colocando clipes e elásticos para facilitar seu trabalho. Ao término da manhã tinha entregado a maioria delas, mas no final do dia uma das cartas voltou com ele. Era uma carta registrada. Por três dias consecutivos tentou efetuar a entrega, mas como não conseguiu, foi obrigado a devolvê-la para as providências necessárias. Apesar de ter agido conforme os procedimentos, Geraldo tinha a sensação de

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14 dever não cumprido. Sempre pensou, que toda correspondência é muito importante, pelo menos para o remetente e o destinatário. Nelas poderiam estar a diferença entre a felicidade e a infelicidade, o acordo ou desacordo, enfim, entre o sim e o não. Mesmo assim, avisaria o remetente tinha uma boa memória e por coincidência era um velho conhecido.

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Capítulo três TUDO PELA JANTA Na saída do edifício pararam. A pergunta que surgiu entre eles foi: – O que faremos? Como ninguém se pronunciou, resolveram caminhar sem destino. A tarde chegava ao seu final, o céu estava tão colorido, que fez os três admirá-lo. O sol com cor alaranjada, quase vermelha querendo esconder-se no horizonte, contrastava com o azul do céu e o branco das nuvens, fazendo composição com as estruturas dos edifícios, transformando-se num belíssimo quadro. A noite preparava-se para tomar o seu lugar enquanto o sol delicadamente se punha no horizonte, prometendo no dia seguinte um novo espetáculo. As luzes da cidade aos poucos iam sendo acesas para iluminar as ruas, avenidas e praças dando início a vida noturna. Como formigas saindo do formigueiro, as pessoas saiam dos edifícios e caminhavam, algumas seguindo a mesma direção, às vezes trombando com outras pessoas, que vinham em sentido contrário, desviavam-se para poder continuar seu caminho, exatamente como as formigas. - Não sei quanto a vocês, mas estou morrendo de fome. – Disse Oscar. - Todos estamos famintos. – Respondeu William. - O único problema e que não tenho dinheiro algum. – Falou Oscar.

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16 Os outros verificaram seus bolsos. Concluíram que a quantia total que eles possuíam, não daria para pagar um lanche. - Não temos dinheiro para nada, como fui sair sem nada no bolso? – Questionou Jorge. – Para onde estávamos querendo ir não precisaríamos. – Completou Oscar. - O que podemos fazer? - Perguntou Jorge. – Posso cantar algumas músicas por comida. – Respondeu Oscar tranquilamente. – A quem vamos anunciar? – Emendou William. – Elvis? - Por que não Oscar o lindo? – Brincou. - Não é preciso dizer nome algum é só perguntarmos se posso cantar por um prato de comida para cada um. - A única coisa que pode acontecer é dizerem não e não nós já temos. – Concluiu William. O que você vai cantar? – Quem vai acompanhá-lo? - Eu posso acompanhá-lo no violão. – Completou Jorge. - Você está vendo William? - Disse Oscar. - Estamos formando uma equipe. – Completou. Está ótimo! Jorge me acompanha. Não se preocupe, com essas muletas não dá para ir longe. - O que faço? – Perguntou William – fico jantando? - Pode ser nosso empresário. – Falou Jorge sorrindo. – Isso mesmo, nós precisamos de um empresário para fechar os contratos. – Concordou Oscar. - Então! Lá vamos nós.

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Quando os três entraram no estabelecimento, o proprietário olhou-os de cima a baixo, não gostou do que viu, foi logo perguntando: - O que os senhores desejam? - Desejamos alimentar-nos, mas infelizmente não temos dinheiro.- Disse William. – Então por que entraram aqui? – Emendou o sujeito. – Estamos dispostos a pagá-lo com o nosso trabalho. – Retrucou. - O que os senhores estão dispostos a fazer como pagamento? – Perguntou com seriedade. - Meus amigos poderão cantar algumas músicas. – Quem disse que em meu restaurante se pode jantar com música ao vivo? – Interrompeu novamente o proprietário do estabelecimento. Vendo as coisas começando a dar errado, Oscar propôs algo que deixou os outros dois surpresos. - Aceitaria, como pagamento por quatro jantares, que fizesse um desenho do senhor para colocar num quadro e pendurá-lo na parede? Houve um momento de apreensão. O homem pensou, coçou o que restava de cabelos ensebados na cabeça e respondeu. - OK! Só não tenho muito tempo para servir de modelo. – Avisou. - O senhor pode ficar a vontade. Fazer o que quiser. Só preciso olhar seus traços. – Respondeu Oscar enquanto procurava um

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18 toco de grafite no bolso da calça. - O senhor tem algum papel que pudesse desenhar nele? - Perguntou meio sem jeito. - Pode desenhar naquela parede que está pintada de branco próxima do balcão, assim não preciso comprar quadro algum. – Respondeu sorrindo maliciosamente. Disse apenas para dificultar o trabalho do rapaz e fazer o custo do jantar maior do que realmente valia. Oscar teria que subir em uma cadeira para alcançar o local da pintura. William perguntou sobre a possibilidade da confecção do desenho naquele local, o rapaz apenas assentiu com a cabeça. - Você pode ajudar-me a subir na cadeira? – Sim. Com todo prazer. Pegando duas cadeiras colocou-as lado a lado e subiu em uma. Segurando Oscar pelo tórax puxou-o para cima e com muito esforço conseguiu colocá-lo em pé sobre a outra cadeira. Com a barra de grafite iniciou o trabalho. Enquanto Oscar desenhava com uma facilidade que impressionava os dois, William segurava-o para que não despencasse lá de cima. O trabalho durou mais de uma hora, pela dificuldade que o local apresentava. Quando o proprietário do restaurante viu o desenho terminado, não acreditou que alguém pudesse fazê-lo apenas com aquele material. Serviu os três como combinado. - Parabéns! – Disseram juntos os dois amigos. – Você é um tremendo artista conseguiu fazer o cara mais bonito do que é. – Completou Jorge. - Obrigado. – Disse emocionado.

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– Nós é que te agradecemos. – Emendou William. – Conseguimos crédito para o jantar. - Sem vocês não conseguiria fazê-lo. Se o Jorge não me direcionasse nas proporções e você não me segurasse. – Nós estaríamos sem janta. - Disseram rindo. O jantar estava simples, mas saboroso, antes de sair, Oscar pegou o outro jantar que foi colocado numa embalagem para viagem. Quando saíram foi cambaleando com suas muletas até um homem que estava sentado na rua. Entregou a sacola com o alimento. Voltou cantarolando, fazendo graça com a música “Dançando na chuva”. Sua versão “Dançando de muletas”. Chegando perto dos outros disse emocionado. - O cara me falou “Deus te abençoe”, não é maravilhoso isso? Os outros dois não entenderam e ficaram quietos, mas ele continuou. - Hoje é o dia mais feliz de minha vida. Deus me mandou vocês para me salvarem, agora o rapaz ali pede para Deus me abençoar. Ele já me abençoou. – Oscar ria como uma criança. Os dois ouviam-no dizer que Deus havia mandado eles para salvá-lo, quando o contrário pudesse ser a verdade ou cada um estava salvando o outro. O que importava agora é que estavam juntos para superar os obstáculos.

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20 Capítulo quatro KASUO Desde o momento que começou a dar os primeiros passos foi uma revolução que aconteceu em sua casa. Sua mãe se desdobrava para ensinar o caminho que podia seguir dentro da sua própria casa. A família Suzuki ficou feliz com o nascimento do garoto que foi batizado por Kasuo. Desde pequeno demonstrava ser muito decidido e obstinado. Não havia obstáculo que o fizesse desviar-se de seus objetivos. A deficiência visual não era empecilho para aquele menino valente e inquieto, ávido por conhecer o mundo. A partir dos primeiros momentos de sua existência lutou para sobreviver. A gestação difícil e complicada tornou-o um guerreiro antes mesmo do nascimento e sua mãe o chamava de “Meu pequeno Samurai”. Em seus primeiros passos, sua mãe, para evitar acidentes, retirou do caminho o banco do piano. Para sua proteção, ele colocava a mãozinha na frente procurando por obstáculos a sua frente. Aconteceu, certa vez, esbarrar nas teclas do piano. O som produzido chamou sua atenção. A partir daí não parou de bater a mãozinha e ouvir o som produzido. O tempo passou o menino mostrou-se um excelente pianista. O gosto pela música fê-lo aprender canto, isso o facilitava na composição das melodias. Kasuo mostrava-se uma criança especial. Seu dom musical era algo inexplicável, a

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facilidade em compor, em tocar, era impressionante. Nem tudo era um mar de rosas. O talento do garoto ajudava seu pai e empresário agendar um grande número de apresentações, por outro lado, as viagens constantes não permitiam criar raízes em lugar nenhum. Durante uma dessas viagens, para uma apresentação à terra de seus ancestrais, ocorreu uma tragédia. O automóvel em que estavam derrapou numa camada fina de neve saindo da estrada. Mesmo conhecendo a região, o motorista não teve como evitar o acidente. O automóvel desceu ribanceira abaixo capotando várias vezes, até bater em uma árvore. Kasuo foi o único sobrevivente. Sua mãe e seu pai, para protegê-lo, sofreram a maior parte do impacto das ferragens retorcidas. Sem parentes foi encaminhado para um orfanato de onde saiu depois de completar a maioridade. Durante este tempo não sentiu vontade de tocar, compor ou cantar. Sua música aos poucos estava morrendo. As propriedades e a excelente situação financeira que seus pais deixaram eram suficientes para seu sustento. Retornou a mansão onde morou quando não estava em viagem. Kasuo estava entediado, aquela casa era imensa, para duas pessoas e um cachorro morarem. Não suportando mais ouvir música, resolveu

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22 dar uma volta pela cidade. Assim que se levantou do sofá, seu fiel amigo se colocou ao seu lado para guiá-lo. Admirava a inteligência e a fidelidade daquele animal. Sentia o toque em sua perna todas as vezes que estava pronto para o trabalho. Romeu era um Lavrador treinado para ser guia, dócil e inteligente, o único que conseguia melhorar o humor de Kasuo. Costumava passar horas ao lado de seu dono. Muitas vezes colocava a cabeça no colo de Kasuo somente para animá-lo. Todos os dias abriam a porta para que Romeu desse uma volta pela redondeza. Ao retornar do passeio ele sentava-se na frente do portão e latia para as pessoas que estivessem na rua, como era conhecido pelos vizinhos, sempre encontrava alguém para atendê-lo. Depois de aberto o portão latia novamente “como agradecimento ao seu benfeitor” e entrava tranquilamente.

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Capítulo cinco NO SUPERMERCADO - Agora que estamos saciados, precisamos arrumar um local para ficar. – Disse Jorge. - Boa ideia, por que não vamos para o Hilton hotel? - Brincou Oscar. - Sei de um local que pelo menos servirá para esta noite. Vamos ao supermercado, precisamos comprar fósforos e velas. – William lembrou-se da casa onde morou de aluguel e que ainda estava vazia. - Vamos dormir naquelas barracas de camping expostas no supermercado? – Brincou Oscar. Oscar foi o sorteado para comprar os fósforos, enquanto os outros dois procurariam por velas. Ao andar os seus movimentos causavam ruído de metal devido ao atrito das peças desajustadas. Procurando a prateleira onde o produto estava exposto, distraído, foi de encontro ao Kasuo, que vinha em sentido contrário. O choque foi inevitável, apesar de Kasuo ter parado ao sinal de Romeu. - Desculpe-me não o vi. – Disse Oscar imediatamente. - Não tem problema, porque continuo não te vendo. – Respondeu Kasuo. - Me desculpe novamente. – Tentou concertar a situação. - Não precisa ficar chateado, estou acostumado com situações como esta. - As pessoas não sabem como se portar em

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24 presença de pessoas com necessidades especiais e ficam todas desajeitadas. – Comentou Kasuo. - Concordo plenamente. Sinto-me como você quando olham para mim. - Diga uma coisa. Que barulho foi esse? – Perguntou Kasuo. - Está falando do meu meio de transporte? – Disse rindo. - Você também tem necessidades especiais? – Perguntou Kasuo surpreso. - Sim. – Disse Oscar caindo na risada. - Sou uma espécie em extinção e, olha eu quase fui extinto hoje. Para amenizar a situação, Oscar mudou de assunto. - Seu cachorro é muito bonito. - O nome dele é Romeu. O meu é Kasuo, muito prazer. - O meu é Oscar, o prazer é todo meu. Os dois ficaram conversando distraídos. Oscar contou-lhe que viera comprar fósforos. Kasuo por um instante ficou sério. Imediatamente Oscar percebeu que algo estava errado. - O que aconteceu com você? – Perguntou enquanto se ajeitava para poder pegar a caixa de fósforos. – Você vai comprar alguma coisa? Quando Kasuo respondeu, Oscar sentiu a tristeza na voz do rapaz. - Venho sempre aqui para evitar a solidão, pelo menos, ouço as pessoas conversando sobre diversos assuntos, algumas vezes encontro alguém para conversar. – Disse em tom amargo.

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- De solidão entendo bastante, isso quase me levou a cometer um erro muito grande. – Continuou – Graças a Deus conheci dois anjos que me impediram de cometer um terrível engano. Agora vamos procurar outro caminho. - Por falar nos anjos eles devem estar pensando que me perdi. Ainda precisamos encontrar um local para ficar. Foi um prazer enorme te conhecer Kasuo, mas tenho que ir andando, ou melhor, me arrastando. - O prazer foi todo meu. Pela primeira vez conversei com alguém que não me tratou de maneira diferente. Os dois despediram-se. Oscar brincou com Romeu e afastou-se seguindo em direção ao caixa. Antes que o som das muletas não fosse mais ouvido, Kasuo chamou-o. - Oscar! – Como não obteve resposta chamou mais alto – Oscar! Após alguns instantes Kasuo começou a ouvir o barulho das muletas novamente vindo em sua direção. - Pois não, meu amigo, o que você deseja? – Perguntou Oscar. - Estava pensando no que você falou sobre precisar de um local para ficar. Moro aqui perto, nos fundos tem uma edícula, você poderá ficar lá. - Te agradeço, acontece que além de mim tem os meus dois amigos. – Respondeu Oscar. - Qual o problema? A edícula é grande, vocês poderão ficar lá o tempo que quiserem, pelo

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26 menos, não terei que cuidar dela. Não demorou muito, os dois que estavam esperando por Oscar, vieram ver o que acontecia porque estavam preocupados. - Olá pessoal! - Começou Oscar. - Este é Kasuo, nosso novo amigo. - Não te falei Kasuo, que eles estariam preocupados comigo. Os dois cumprimentaram o rapaz e não esqueceram de fazer um elogio ao Romeu, que se mantinha ao lado do seu dono. - Estava conversando com o Kasuo sobre nossa procura por um local para ficarmos ele nos ofereceu uma edícula nos fundos de sua casa. O que vocês acham? - Acho muito bom, mas infelizmente, não temos como pagar, para dizer a verdade o único dinheiro que temos quase não dá para comprar um pacote de fósforos e um maço de velas. – Anunciou William. - Vocês não precisam pagar nada. A casa está vazia e os móveis se acabando por falta de uso. Por outro lado, farão companhia para mim e meu amigo Romeu. – Pela primeira vez Kasuo falou e a tristeza na voz tinha desaparecido. - Poderemos aceitar a oferta, depois faremos qualquer coisa para pagarmos por nossa estadia. O que vocês acham? – Sugeriu Jorge. - Poderemos limpar, cozinhar fazer alguma manutenção que necessite. Você concorda Kasuo? – Perguntou William. - Façam da maneira que vocês quiserem a casa está vazia. Precisa de uma limpeza. Vocês poderão ficar lá o tempo que quiserem.

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Depois de concordarem sobre a forma de pagamento caminharam pelo supermercado enquanto Kasuo fazia algumas compras. William empurrava o carrinho e a comitiva seguia por entre as gôndolas. As pessoas olhavam, alguns sentindo pena, outros não conseguiam disfarçar o medo devido a aparência do grupo. Ao passarem no caixa Oscar fez um comentário sobre a quantidade de coisas compradas por Kasuo. - Compro com o maior prazer. – Respondeu Kasuo. Os três se olharam. William foi quem tomou a palavra. - Hoje aconteceram coisas fabulosas comigo. Ao sair de casa, não tinha propósito nenhum, estava só. Em algumas horas tudo se modificou. Conheci pessoas fantásticas. Agora tenho até um novo propósito para prosseguir! Dividiram as sacolas plásticas, sobrou uma até para o Romeu. Seguiram em direção a casa de Kasuo, que não ficava distante. Quando chegaram, foram instalar-se na casa dos fundos, ao contrário do que Kasuo havia dito, a casa estava impecavelmente limpa. - Se precisarem de roupas tem algumas minhas que poderão usar, caso não sirva, dentro do armário ficara algumas de meu pai ele era mais alto. Amanhã poderemos comprar roupas novas. – Continuou enquanto se dirigia para a casa

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28 principal. Ao chegar pediu para Helena preparar chá para todos. Sua governanta, uma jovem senhora com seus 38 anos, havia divorciado depois de sofrer agressões de seu marido por quase cinco anos e por sorte encontrara aquele jovem que precisava de cuidados. Fazia alguns anos que trabalhava com ele e se fosse possível jamais o deixaria. Encontrara respeito, carinho, educação, tudo o que não teve em seu casamento. Não pensava no assunto, mas caso aparecesse alguém que a amasse de verdade tentaria novamente.

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Capítulo seis RUAN O caminho percorrido todos os dias por Ruan e sua mãe foram fundamentais na sua formação e desenvolvimento, era um garoto que nasceu com Síndrome de Down. No jardim da infância, uma de suas professoras notou que ele, não parava quieto, vivia tamborilando em todos os lugares. Não aguentava mais ouvir o garoto bater nas carteiras, paredes, portas e armários, entre outras coisas, a professora sugeriu a sua mãe que o matriculasse numa escola de música. Depois de alertada pela professora, Vera procurou um profissional para ensiná-lo. O resultado foi muito bom. Diminuiu a inquietação do garoto e favoreceu sua coordenação motora e as atividades manuais, recebendo elogio da professora do jardim. Num dos Natais, Ruan acordou cedo, foi olhar embaixo a árvore de Natal montada na sala de estar. Ali o “Papai Noel” deixava os presentes que trazia. Ao chegar na sala não viu seu presente como de costume. Ficou desapontado, mas não disse nada. Sua mãe sugeriu carinhosamente que procurasse em outros lugares da casa. “Quem sabe o Papai Noel se enganou!”. Procurou em todos os lugares possíveis, mas não encontrou nada. - Vamos continuar procurando meu filho, não

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30 devemos desistir nunca. – Disse carinhosamente. Continuaram vasculhando por todos os cantos da casa, ao entrarem na garagem, Ruan não conseguiu se conter de felicidade ao ver que o seu presente estava montado num canto da garagem e gritou de felicidade. Pulou para os braços de sua mãe beijando-a muitas vezes. - Em vez de ficar pulando, por que não a experimenta? – Disse sorrindo. A bateria era linda, vermelha, as ferragens todas cromadas, os pratos na cor cobre brilhavam de tão polido. Sentou-se na banqueta, desaparecendo atrás do instrumento, mas tentou tirar algumas notas. Com o tempo a intimidade com o instrumento surgiu. Ruan passava muitas horas treinando. As aulas que fazia lapidavam seus dons musicais. Os anos passaram, sua primeira bateria foi doada para uma escola, onde começou a ensinar as crianças. Como prêmio sua mãe lhe presenteou com uma bateria profissional tornou-se um excelente baterista.

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Capítulo sete A DUPLA Naquela manhã, Kasuo acordou inspirado e para se distrair começou a tocar piano. Nos primeiros acordes da música “O fantasma da ópera” ouviu um ruído as suas costas, reconheceu ser o atrito das muletas de Oscar e parou de tocar. - Desculpe ter atrapalhado. - Sou eu quem devo desculpar-me por ter acordado você. Estava apenas matando a saudade do meu bom e velho companheiro, relembrando alguns acordes. Desde a morte de meus pais não toquei mais. - O que fez você voltar a querer? – Perguntou Oscar. - Sonhei com meus pais. Nele estávamos caminhando por um local cheio de flores e plantas tão bonitas, como as que temos aqui no jardim. Todas elas foram planadas por minha mãe. – Comentou orgulhoso. - Ela me pediu para não abandonar meus sonhos e continuar tocando. Fazer um grande concerto. Enfim alegrar as pessoas com a música, que é um dom de Deus e seria um desperdício não utilizá-lo. Falou-me também que esta casa estava triste. - Se a tua mãe falou que queria ouvir música, você tem que obedecer. – Brincou Oscar. - Adoro essa canção que estava tocando, se permitir, posso acompanhar-te. Kasuo reiniciou os acordes, Oscar começou a

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32 cantar fazendo o outro ficar admirado ao ouvi-lo. Sua voz era extremamente agradável, os agudos pareciam fáceis de serem alcançados, isto fez Kasuo empolgar-se. Seus dedos percorriam o teclado do piano fazendo sua alma encher-se de alegria, transportando-o para um local onde somente ele conhecia. Ao terminarem, foram ovacionados por William, Jorge e Helena que estavam escutando extasiados. - Meu Deus! Quanto talento existe em vocês! – Desabafou William. - Ainda bem que se encontraram. – Completou Jorge. - Ainda bem que os iguais se encontram e quando isto acontece, o universo comemora. – Retrucou Helena. Ficaram ouvindo a dupla por algumas horas. A música era tão boa que não perceberam o tempo passar. - Por que não montam uma banda? - Comentou William. - Para uma banda são necessários, alguns músicos e muito ensaio. – Respondeu Kasuo. - Aqui existe um pianista, um vocalista e um guitarrista, já é um bom começo! – Completou William. - Onde poderíamos nos apresentar? – Completou Oscar. – Naquele restaurante onde jantamos? – Disse rindo relembrando o incidente com o proprietário. - O local a gente arruma. – Exclamou William. Durante o almoço surgiram várias ideias. A conversa continuou durante uma caminhada,

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à tardinha, pela cidade.

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34 Capítulo oito A APRESENTAÇÃO Por ser especial a dedicação tinha que ser maior, mas Ruan era perseverante, gostava e aprendia rapidamente. Seus pais sentiam orgulho do filho, a síndrome de Down não o impedia de conseguir superar os obstáculos e colocar por terra os prognósticos médicos de suas possibilidades e conquistas. Algumas metas foram alcançadas, mas faltava muito para Ruan realizar seus sonhos o de participar de uma banda. Cada obstáculo que aparecia em sua vida, Ruan fazia de tudo para transpô-lo. Seu lema “desistir jamais”, ensinado por sua mãe. O mais recente foi uma pequena diferença em uma de suas pernas que estava prejudicando seu desenvolvimento. A observação foi feita pelo professor, ao vê-lo caminhar. A intervenção cirúrgica foi um sucesso. Tratou-se de uma mistura de duas técnicas. Uma era a técnica do alongamento em Z com outra mais recente, a do enxerto do combinado de células tronco e osso sintético. Com o passar do tempo, seu interesse em ajudar outras pessoas com deficiências aumentou. Enquanto não conseguiu um local para doar seu talento não sossegou. Agora, ao dedicar-se a outras pessoas com problemas diversos, sentia-se feliz. O trajeto que fazia era longo, mas a caminhada o ajudava no condicionamento físico. Ir todos os dias para ensinar pessoas era

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muito gratificante. Em muitas ocasiões recebera os cumprimentos do diretor da escola. Isso o deixava muito contente. Ruan tinha a impressão que o progresso feito pelos seus alunos se devia ao entendimento das dificuldades sentidas por eles e a dedicação de cada um para romper o seu limite. Finalmente o dia da apresentação chegou. Seu coração estava feliz e ansioso ao mesmo tempo. Aquele dia seria muito especial, seus alunos tinham empreendido um grande esforço, mesmo que ocorresse algum deslize, eles seriam irrelevantes. Sentia-se orgulhoso por eles. Ruan adorou quando notou que as luzes que iluminavam o palco não permitiam ver as pessoas na plateia. Isso ajudaria os mais tímidos. A apresentação foi simples, os alunos acompanhavam playback de músicas de sucesso. Ruan por sua vez, apenas ficava ao lado no palco para dar mais tranquilidade as crianças. No final, quando as luzes da plateia foram acesas, viu seu professor e amigo aplaudindo seu trabalho sentado na primeira fila. Teve que segurar a emoção. Sentiu a falta de seu pai que havia falecido algum tempo atrás. Sua mãe se desdobrava para criá-lo e pelo modo como chorava sorrindo e aplaudindo ao mesmo tempo dava para ver que estava muito orgulhosa. Os aplausos não paravam, enquanto isso, os participantes curvavam-se em agradecimento. Na plateia, um grupo

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36 chamou a atenção de Ruan pelo entusiasmo de seus componentes. No final da apresentação se aproximaram e cumprimentaram-no efusivamente.

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Capítulo nove O CONVITE O passeio após o almoço foi muito agradável, conversaram sobre diversos assuntos. Ao atravessarem a praça, Oscar fez uma observação enquanto tocava o ombro do Kasuo. - Veja que mulher maravilhosa! – Falou para brincar com o rapaz. - Oscar, por que você não corre atrás dela? – Respondeu o outro rindo. Todos riram. O passeio continuou até o final da tarde. Estavam prestes a retornar, quando viram pessoas aglomeradas próximas de uma escola. Aproximaram-se para matarem a curiosidade. Quando perceberam, estavam sendo conduzidos pelas pessoas que se encaminhavam para dentro do auditório da escola. Não estava lotado e sentados numa fileira ao lado da porta puderam assistir ao show dos alunos. Jorge colocou-se ao lado de uma fileira de poltronas, o restante do pessoal acomodou-se nas poltronas que estavam vazias. Jorge explicava os acontecimentos ao Kasuo que estava se sentindo perdido. Depois das crianças se apresentarem, Ruan foi requisitado, pela direção da escola, a fazer uma pequena demonstração. Com extrema maestria fazia suas baquetas tocarem em diversos modos e estilos. Mesmo

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38 alternando o ritmo, tudo era feito com harmonia e precisão. O talento do rapaz chamou a atenção de Kasuo. - Será que ele está procurando tocar em alguma banda? – Insinuou. - Só faltaria um baixista. – Completou William. - Perguntar não ofende. – Avisou Oscar. O show foi sensacional, aplaudiam efusivamente. Quando acabou a apresentação os quatros fizeram questão de cumprimentá-lo. - Agradeço por terem vindo e espero que todos tenham gostado. – Disse Ruan. - Gostado? Nós adoramos! – Disse Oscar. Antes que o Ruan fosse a algum lugar perguntou. – Você não gostaria de fazer parte do grupo que estamos montando? Não teve tempo para responder, alguém o puxou pelo braço, em poucos instantes, Ruan já estava do outro lado do teatro recebendo os cumprimentos dos pais dos alunos, parentes e amigos. Os quatros ficaram sem ação e resolveram ir embora.

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Capítulo dez UM MENDIGO Naquela manhã William saiu muito antes que o pessoal acordasse. Caminhou durante algum tempo sem destino. Resolveu entrar numa igreja, naquele momento havia muito poucas pessoas, seguiu pelo corredor em direção ao altar, fez reverência e seguiu em direção ao Sacrário. Sentou num banco próximo ao altar do Santíssimo. Ficou quieto, de olhos fechados, sentindo a tranquilidade e paz que transmitia aquele local. Agradeceu por ter conhecido aqueles dois antes de cometerem o maior erro de suas vidas. Pensou no filho caçula que comemorava seu 15º aniversário, há muito tempo não lhe dava um abraço ou ouvia a sua voz. Por esse motivo estava sentindo-se infeliz. Estava tão concentrado em seus pensamentos que não percebeu um homem com as roupas surradas, sentar-se ao seu lado. - Bom dia! – Exclamou o homem com olhar fixo no altar. - Oh! Desculpe-me, estava distraído. Bom dia! Como vai o senhor? – Disse William meio sem graça. - Muito bem. – Respondeu o outro. – Por que está tão triste? - Deu para perceber? Está muito na cara? - Sim! – Respondeu ainda sem desviar seu

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40 olhar. – Você não quer falar sobre isso? William percebeu que desabafar um pouco não faria mal. Contou o que acontecia. Falou com orgulho de seus filhos Luís e Mário 18 e 15 anos respectivamente. - Por que não vai visitá-los? - Para ser sincero, não tive notícias deles há alguns meses e também porque não tenho coragem para encará-los. A bebida conseguiu tirar-me o que tinha de mais precioso! A minha dignidade. - O senhor o que faz aqui? - Sempre venho conversar com Deus. – Respondeu como antes sem olhá-lo. - Eu entrei por acaso e resolvi fazer o mesmo, mas não sei como começar. – Confessou William. - Todos temos dificuldades. Quando vou falar com Deus, primeiro faço uma oração. – Disse o homem. - Não fiz oração alguma, talvez, por isso tenho tanta dificuldade em iniciar. - É possível. Quem sabe, não abriu seu coração o suficiente. Por que não começa novamente agradecendo o que tem e o que não tem? – Comentou ainda olhando para o altar. - Como agradecer o que não tenho? - Você não está doente! Está? - Claro que não! - Então agradeça por não ter uma doença qualquer. - Vou fazer isso. – O senhor poderia rezar comigo? – Perguntou William olhando para o homem ao seu lado. - É isso o que realmente quer? – Perguntou,

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mas desta vez olhando-o nos olhos. - Se puder, ficaria eternamente grato. – Disse com os olhos marejados. Os dois ficaram orando por alguns instantes, quando terminaram William sentiu seu coração bem mais tranquilo. Agradeceu por tantas graças que Deus concedia-lhe. Apenas sorriu para o homem ao seu lado e agradeceu. - Obrigado por ajudar-me. – Disse com o brilho no olhar. - Vou orar por você também. - Faça isso! É o que nos mantém caminhando. - O que você faz para viver? – Perguntou William. - Apenas converso com aqueles que moram na rua, os viciados, as prostitutas, os ricos, todas as pessoas, vivo para aprender e ajudar. - O que o senhor ganha com isso? - Um sorriso, uma oração. – Disse o homem olhando para o altar. Antes mesmo que William dissesse alguma palavra se retirou. Repentinamente William lembrou-se de não se apresentar, mas era tarde ele já tinha saído. Continuou por mais algum tempo quieto, sentindo a presença de Deus na paz que estava sentindo.

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42 Capítulo onze A PROCURA Todos estavam tomando café exceto William. A preocupação tomou conta do grupo, porque não tinha dito nada sobre ausentar-se. - Por que não damos uma volta para ver se o encontramos? – Questionou Oscar. - Como vamos achá-lo numa cidade tão grande como esta? – Disse Jorge. - Podemos usar o Romeu é um cão de caça, vai encontrá-lo facilmente. – Retrucou o outro. - Como faremos? – Disse Jorge em tom cético. - Vou trazer uma meia do William para o Romeu cheirar, se não passar mal com o cheiro, poderá encontrá-lo facilmente. Kasuo, que até então, não tinha dito nada, iniciou jogando um banho de água fria nos dois. - Romeu não foi treinado para caça, mas para ser guia. O que podemos fazer é sairmos à procura dele. Todos concordaram com ele, resolveram apenas dar uma volta pela redondeza. Andaram por algum tempo, mas não o encontraram. Estavam quase desistindo quando passaram em frente da igreja e Romeu caminhou em direção a porta. - Ele está querendo que entremos na igreja. – Falou Oscar. Oscar entrou, tomando o cuidado para não fazer muito barulho com as muletas, seguiu pelo corredor central indo sentar-se num banco bem em frente ao altar do Santíssimo.

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- Como foi que me encontrou aqui? -Perguntou William. - Podemos dizer que seu cheiro atraiu a gente. – Respondeu Oscar. - O que você quis dizer com isso? - Dei uma de suas meias para o Romeu cheirar depois de se recuperar ele nos trouxe até você. – Brincou. - Estávamos preocupados. Poderia ter nos avisados. – Desta vez disse sério. - Vocês estavam dormindo, não quis incomodá-los. Estava precisando ficar algum tempo só. Se quiser podemos ir andando. Os dois saíram ao encontro do restante do pessoal, que aguardavam no lado de fora. - Por que não entraram? – Perguntou William. - Nem sabíamos que estava aqui. Outro motivo é o Romeu. – Respondeu Kasuo. - Não acredito que Deus fique bravo. Ele também é sua criação. – Disse William. Enquanto caminhavam de volta para casa, conversavam sobre o que fariam no futuro.

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44 Capítulo doze A DECEPÇÃO Sua mãe estava eufórica com o sucesso da apresentação, enquanto ela comemorava e recebia os cumprimentos Ruan estava distraído pensando no grupo que estava na fileira lateral próximo a porta de entrada. Ficou intrigado com aquele pessoal que o aplaudia freneticamente. Infelizmente não tivera oportunidade de conversar por mais tempo. Lamentou, quando conseguiu ficar livre e notou que tinham saído. O dia amanheceu bonito, o sol brilhava absoluto e prometia temperaturas elevadas. As pessoas caminhavam pela praça, Ruan costumava passear e ficar alguns momentos relaxando ouvindo os sons das águas provocados pela cascata que mantinha o nível do aquário. Um tanque de concreto e em alguns locais da parede havia mais de dois metros de altura. Construído em terreno com desnível, era possível apreciá-lo por dois modos, por cima e lateralmente. Em vários locais foram colocadas placas de vidro por onde era possível ver os peixes nadando como se o espectador mergulhasse junto a eles. Estava sentado apreciando o movimento, quando olhou em direção ao playground e viu uma criança que brincava numa das balanças. Ao ficar em pé o garoto perdeu o equilíbrio e caiu. Ruan instintivamente levantou-se e correu em direção do garoto. Enquanto corria gritava para chamarem um médico.

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Percebendo que o garoto tinha quebrado um dos braços. Notou também que estava desacordado, mas respirava. Sua mãe, descontrolada, queria pegá-lo no colo e levá-lo ao hospital, mas por instinto, Ruan segurou-a pelo braço, não permitindo que o fizesse. - Calma! – Pediu Ruan à mãe do menino. A mulher não conseguia se controlar e o acusava de não deixar socorrer seu filho. - Se mexer nele pode complicar a situação. Os médicos estão chegando. Não acabou de falar e ao seu lado dois paramédicos já estavam examinando o garoto. Deixando-o em boas mãos, Ruan deixou a praça retornando para casa. - Olá meu filho! O que aconteceu? Vera conhecia seu filho muito bem para desconfiar que algo estava errado. - Aconteceu um acidente com um garotinho na praça. Fiquei chateado com isso. Lembrei-me, quando sofri aquele acidente de bicicleta e fiquei triste pelo garoto que num momento estava brincando e em seguida não podia mover o braço. Depois de contar tudo para sua mãe ela disse com voz doce: - Você agiu corretamente filho, como sempre lhe falamos. Se não sabemos o que fazer, o melhor é pedir ajuda e não fazer nada. Depois da conversa, foi para a garagem, onde passava a maior parte do tempo fazendo o que mais gostava, tocar bateria.

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46 Capítulo treze O SHOW ACABOU Cláudio, um rapaz bonito, cabelos e olhos castanho escuros, 1,85m de altura, porte atlético. Era um dos que atraia maior número de fãs para a banda. Apesar de todo assédio que recebia das garotas que frequentava os locais onde costumavam tocar, não tinha namorada. Alguns pensavam que era homossexual, mas o real motivo era o complexo que tinha por usar uma prótese na perna esquerda e um pequeno problema de gagueira que era acentuado pela ansiedade ou nervosismo. O show como sempre, nos últimos tempos, foi muito bom. Por ser o último, tinha um sabor amargo, era verdade, mas deviam uma ótima apresentação para os fãs que conquistaram ao longo do tempo. No final, cumprimentou os companheiros e saiu. Como sempre fazia após cada apresentação, passou uma flanela sobre as cordas do seu contrabaixo para não oxidarem. Guardou-o com carinho na maleta. Despediu-se do pessoal e saiu a caminho de casa. Enquanto caminhava, pensou na trajetória da banda. Lembrou-se da maneira como passou a integrá-la. Na época, com 22 anos, ao retornar da escola, entrou no restaurante apenas para tomar um suco e seguir seu caminho. Ao colocar seu instrumento sobre a mesa, não conseguiu passar desapercebido. O líder da banda que se apresentava no local foi em sua direção, parou na sua frente e

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convidou-o a tocar com eles. Não foi necessário dizer duas vezes. Cláudio subiu no palco, durante a música a banda parou para ouvi-lo. Ficaram admirados com a apresentação do rapaz. Ver aquele talento e deixá-lo partir seria um desperdício. – Pensou o líder. Aplaudiram-no de pé por algum tempo. Agradeceu e já ia se retirando, quando foi convidado para ser o novo integrante do grupo. A partir daí o sucesso da banda foi aumentando até transformá-lo num dos líderes do grupo. Lembrou-se das viagens que fizeram, dos locais onde se apresentaram, das dificuldades e no momento em que deveriam colher os frutos, os egos dos integrantes, falou mais alto. Na rua, caminhando sozinho, sentiu algumas lagrimas rolando pelo rosto, assim como seus sonhos, desmoronaram. Sua vontade, naquele momento, era de sumir do mundo.

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48 Capítulo catorze UM PROJETO ESPECIAL Sentado na varanda, apreciando o Sol que iluminava o jardim, muito bem cuidado, William pegou o lápis e o seu caderno de notas e começou a escrever. Você que me aquece; Dá a vida e a luz; Ilumina meu caminho; O destino me conduz. De dia estás ao meu lado; À noite longe estás; Sinto-me só, sinto frio; Deitado em minha cama; Como sempre acontece; Quando acordo e abro a janela; Lá me esperas tranquilo; Ao ver-te, tudo se alegra. Parou quando pressentiu a presença de Oscar. - Bom dia! – Disse o rapaz. - Bom dia! – Respondeu enquanto fechava o caderno. - Gosta de escrever? - É uma terapia. Gosto de escrever algumas coisas. Desabafo no papel. - Você nunca nos fala o que sente. - Sou um pouco retraído, escrevo, mas depois acabo jogando fora. – Respondeu William. - Poderia mostrá-las para as pessoas, quem sabe pudessem ajudá-las a ver as coisas de

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outra forma. Ficou em silêncio. - Você não teve mais notícias de seus filhos? – Perguntou o outro. - Não. Faz uns seis meses. A última vez foi no aniversário do mais velho. Naquele dia, resolvemos caminhar, durante o passeio conversamos um pouco. Sentia vergonha por não ter condições de cuidar deles. Não tive condição de dar-lhe nenhum presente, nem uma pequena lembrança. - Será que ele não achou sua presença o maior presente, ou melhor, a melhor lembrança que pudesse ter ganhado? - Me senti impotente, uma sensação muito ruim. – William falou com tristeza na voz. Novamente ficaram algum tempo em silêncio, quando retomaram foi William quem mudou de assunto. - Por falar em sensação ruim, precisamos conversar sobre as despesas que estamos dando para o Kasuo. - Você tem razão. Temos que arranjar um trabalho o mais rápido possível. - O que poderemos fazer? Trabalhava com projetos e manutenções industriais. Com a minha idade não consigo nem entrevista. – Comentou William. - Eu sei pintar, cantar e andar de muletas. – Disse Oscar. William riu. Gostava do humor do rapaz, mesmo nas ocasiões mais difíceis sempre mostrava seu bom humor.

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50 “Oscar tinha idade para ser seu filho”.- Pensou. Admirava aquele ser maravilhoso que, a cada dia, conhecia um pouco mais. Enquanto falavam, Kasuo e Jorge se aproximaram para participarem da conversa. - Sobre o que estão conversando? – Quis saber Jorge. - Como faremos para pagar o Kasuo por nossas despesas. – Respondeu William. - Vocês poderiam pagar-me trabalhando num projeto diferente de tudo o que já fizeram. – Kasuo falou enigmático. - E o que seria esse projeto? – Perguntaram quase em conjunto. - Os senhores poderiam acompanhar-me? – Indagou Kasuo, enquanto seguiu pelo jardim guiado por Romeu. Caminharam em direção a um galpão situado ao lado da casa. Pintado na cor Palha. Tinha duas portas, uma localizada na lateral, dava acesso a casa. A outra, na parte da frente, tinha 5 metros de comprimento por 3 metros de altura. - Senhores preparem-se para o que vão presenciar, porque até hoje não vi nada igual. – Disse sério. Todos riram. Quando Kasuo acionou o controle remoto ouviu-se o ruído do motor esforçando-se para erguer a porta enorme. Todos estavam curiosos para saber o que havia ali dentro. Depois de inteiramente aberta, revelou-se o que existia no galpão. O sentimento estampado em cada um dos

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semblantes foi desolador. Pelo silêncio, Kasuo imaginou o tamanho da decepção do grupo. A descrição exata era do verdadeiro caos, estava inteiramente tomado por móveis, caixas, havia de tudo um pouco. Um depósito de tralhas. - Estou com você. Kasuo, nunca vi algo semelhante em toda minha vida. – Disse Oscar. - Calma pessoal! Explicarei minha ideia. Não se impressionem com o que estão vendo. – Tentou animá-los. - Pelo jeito deve estar pior do que imaginei. - Estou querendo limpar essa bagunça, jogar as tralhas fora, separar o que pode ser usado. O importante é liberarmos este espaço. – Finalizou Kasuo. - Não via a hora de fazer algo. Agora que já sabemos o que fazer, mãos à obra. – Disse William. No final todos se empolgaram e meteram a mão na massa. Cada um fez o que podia. Separaram as coisas pequenas dos móveis para um canto do quintal para serem doados às entidades assistenciais. Os materiais que poderiam ser reciclados foram colocados em outro local. Depois disso, foram retirados os móveis, com a ajuda dos catadores. William notou a presença de um automóvel colocado no fundo do galpão coberto com uma lona. Ao removê-la deu um grito de admiração. - Mas o que é isto? Kasuo, você conseguiu

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52 enganar a todos. - Completou. - Em que estavam pensando? Somente em limpar a garagem, jogando os entulhos fora? – Respondeu orgulhoso. - O verdadeiro motivo é criar espaço para colocar este automóvel após sua reforma. – Finalizou O cansaço foi esquecido pelo grupo. - Precisamos fazer uma avaliação para ver se vale a pena. – Indagou Jorge. - Quanto ao custo da reforma não se preocupem. Não reformei antes porque não tinha como verificar a qualidade do serviço. Agora que tenho em quem confiar, podemos iniciar o mais rápido possível, seu valor sentimental é muito alto, afinal ele pertenceu ao meu pai. - Está propondo que apenas fiscalizemos o serviço? – Perguntou Jorge. - Fiscalizar, verificar onde podemos encontrar profissionais de gabarito para a execução do serviço. Precisamos de um meio de transporte, ele será o nosso. - Além de um automóvel precisamos de um local para nossos ensaios acredito que poderemos formar uma banda mais breve do que pensei. Essa garagem é excelente, basta melhorar sua acústica e será perfeita. Faremos uma pequena reforma para separarmos a garagem do estúdio. - Você está propondo que formemos uma banda? – Desta vez foi Oscar quem perguntou. - Pensei muito no que William tinha proposto e achei algo razoável.

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- Então vamos começar agora mesmo. – Oscar conclamou entusiasmado. Cada um deu sua sugestão para execução do projeto da reforma da garagem. O desenho do projeto ficou por conta de William. O segundo passo foi verificar as peças que deveriam ser trocadas no automóvel, para terem uma ideia mais precisa, limparam o automóvel por completo. No final, o automóvel estava limpo, mas ao contrário, com a guerra de água iniciada por Oscar, todos ficaram molhados. - Até que não está tão estragado como você pensava Kasuo! – Comentou Jorge.

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54 Capítulo quinze RECADO DADO Geraldo, como sempre, deu um beijo na esposa, no filho de cinco anos e saiu. Enquanto aguardava o ônibus imaginava a forma de melhor aproveitar o dia. Chegando na central, depois de 70 minutos de viagem, cumprimentou seus colegas de trabalho, recebeu a bolsa contendo todas as cartas que deveriam ser entregues. Com o bom humor, que todos admiravam, saiu para cumprir sua obrigação. Passou em frente da residência de William, mas como antes, estava fechada. Continuou seu caminho para fazer as entregas das cartas em outras ruas do bairro. Restavam poucas correspondências para terminar seu trabalho. Estava compenetrado em confirmar o endereço de uma entrega quando, ao tocar a campainha, não percebeu o perigo. Sentiu uma dor muito aguda em seu antebraço, a primeira impressão foi de receber uma descarga elétrica muito forte, mas quando se deu conta percebeu que estava sendo dilacerado pela forte mandíbula de um animal. O ataque foi tão rápido que Geraldo não teve tempo de se defender. Gritou por socorro, mas não viu ninguém próximo que pudesse ajudá-lo. A única coisa que sentiu, antes de desmaiar foi a presença de um homem lutando para retirar seu braço da boca da fera.

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Quando acordou estava sendo tratado por um médico dentro de um automóvel de resgate ao lado um velho conhecido, que segurava a barra de ferro utilizada para livrá-lo do ataque do animal. - Geraldo está tudo bem com você? – Perguntou William. - Sim! Somente me lembro de ser atacado por um cachorro, o que aconteceu depois, não sei de nada mais. - Já está tudo sob controle. O cachorro está em observação para saber se você não o intoxicou. – Disse brincando. – A dona estava lavando o local onde ele fica e não percebeu que ele tinha escapado. - Conheço esta senhora ela é gente boa. Nunca tinha visto esse cachorro. – Respondeu Geraldo. - Ele fica na parte de trás da casa. O importante é que você vai ser encaminhado para o hospital, lá deixarão você novo em folha. Daqui a alguns dias você estará pronto para outra. – William riu novamente. - Acabei de lembrar-me. Tentei entregar uma carta registrada na casa onde morava. Como não te encontrei devolvi para central. Ligue para lá e procure se informar. - Ah! Antes que me esqueça. Obrigado! - Eu é que te agradeço por lembrar-se da carta. – Respondeu William. O rapaz foi levado para o hospital.

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56 Capítulo dezesseis O CONSELHO O dia amanheceu ensolarado, a temperatura muito agradável, um excelente convite para as atividades físicas. Ruan acordou cedo, seguiu em direção a praça. Como de costume, fez sua caminhada. Depois dos alongamentos, sentou-se num banco próximo da cascata que mantinha controlado o nível do aquário. Distraiu-se olhando as crianças que brincavam no parquinho em frente. Notou que cada uma delas tinha preferência por um determinado brinquedo. Algumas preferiam a balança, outras trepa-trepa e etc. Ruan apreciava o movimento, quando uma sombra enorme surgiu no chão à sua frente. Ao olhar para o lado deparou-se com o causador do fenômeno. Um homem alto e forte, barba por fazer. Usava um chapéu de feltro, que escondia os cabelos castanhos, parado à sua frente. Trazia embaixo do braço um jornal muito bem dobrado. Na mão, um saquinho pardo impresso panificadora Coisa Boa. - Bom dia! – disse o homem em tom alegre. - Bom dia! – respondeu Ruan. - Posso sentar-me ao seu lado? – Aguardando a resposta em pé. - Por favor! – Respondeu Ruan sorrindo. - Obrigado! Aqui é um ótimo lugar para relaxar, não acha? – Observou o andarilho. - O senhor tem razão. Venho aqui todos os dias. Faço uma caminhada, sento-me neste banco, ouço o som das águas caindo,

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enquanto aprecio as crianças brincando no parque. Quase ia esquecendo-me dos pássaros que vivem disputando os melhores lugares nestas árvores. – Completou. – Você está servido? – Mostrando o pacote aberto com alguns pães. - Obrigado. – Respondeu. - A propósito, meu nome é Ruan muito prazer. – Completou. - O meu é Sílvio e o prazer é todo meu. Quando cheguei, notei que estava preocupado. – Falou enquanto mordia um dos pães. - Na verdade lembrei-me de um garoto que caiu do balanço. Gostaria que estivesse passando bem. - Você, como está passando? – Perguntou Sílvio. - Estou bem. – Respondeu evasivamente. Quando Ruan olhou para o lado, os olhos de Sílvio foram de encontro ao seu. Imediatamente, sentiu seu rosto corar e completou. - Pensando melhor, não estou tão bem assim. - O que te deixa infeliz? – Perguntou Sílvio enquanto mordia novamente o pão. A tranquilidade, a ternura transmitida na voz incentivava as pessoas a abrirem seus corações. Sua aparência simples despertava a confiança nas pessoas, além disso, tinha o dom de saber ouvir. - Desde que me conheço por gente estou sempre mostrando aos outros que sou capaz de fazer o que me proponho. – Iniciou Ruan. -

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58 Nasci com um pequeno problema, por isso tenho algumas limitações. A música faz parte da minha vida. Ela é como a minha alma, não sou nada sem ela. Ao falar em tocar bateria, as pessoas debocham, não me dão oportunidade de mostrar o que posso fazer. Tudo pelo preconceito. - Há pouco tempo atrás recebi o convite, para fazer parte de uma banda, de um pessoal que estava assistindo minha apresentação onde leciono. No tumulto não os vi mais. Talvez tenha perdido minha oportunidade, dizem que ela só aparece uma vez. - Não acredito que se tenha apenas uma oportunidade na vida. Você não acharia injusto para os que perdessem essa chance? – Perguntou Sílvio enquanto terminava de amassar o saquinho de pão. - Isso é o que dizem. – Retrucou Ruan. - Se acredita realmente nessa afirmação, só posso dizer que você perdeu sua oportunidade, caso o contrário, digo que ela ainda não apareceu, ou não era sua verdadeira oportunidade. – Falava docemente, mas com firmeza. - Você imagina se Pedro não tivesse uma segunda chance para seguir Jesus? – Sílvio continuou. – Muitas vezes queremos que as nossas necessidades sejam satisfeitas no momento que determinamos. Quando isso não acontece o pensamento que surge em nossa mente é de não termos outras oportunidades e ficamos chorando nos cantos como crianças mimadas que não tiveram suas vontades atendidas.

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Continue treinando que um dia, quando menos esperar, terá sua oportunidade, então se lembrará do que estou falando. - Bem! A conversa está boa, mas tenho que ir andando. – Sílvio despediu-se. Ruan pensou nas palavras que acabara de ouvir enquanto via Sílvio caminhar em direção a lata de lixo para jogar o saquinho de papel amassado.

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60 Capítulo dezessete RUAN E CLÁUDIO Cláudio tomou café da manhã e saiu. Estava sentindo-se bem. Caminhar sempre lhe dava prazer, aproveitava o tempo para pensar. As pessoas estavam todas apressadas sequer olhavam uma às outras. Ele, por sua vez, estava tranquilo, apenas pensando em dar um novo rumo para sua vida. Compenetrado nos seus pensamentos, quase atropelou Ruan, que se levantava do banco da praça para ir ver os peixes que passavam tranquilos próximos ao visor de vidro, não dando importância para os humanos que ficavam próximos do aquário. O impacto de Ruan no corpo de Cláudio foi tão forte, por pouco os dois não caíram sentados no chão. - Me desculpe estava distraído. – Disse Ruan imediatamente. - Eu que peço desculpas estava mergulhado nos meus pensamentos que não percebi você na minha frente – Respondeu Cláudio. - Espero não ter machucado com minha perna biônica. – Comentou Cláudio sorrindo. Percebendo que Ruan não tinha entendido a piada, resolveu mostrar-lhe a perna. A surpresa de Ruan ficou estampada em sua cara, mas no final os dois começaram a rir. - Meu nome é Ruan muito prazer. - O meu é Cláudio, o prazer é meu.

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Capítulo dezoito SÍLVIO Sílvio ajudava as pessoas, mas seus próprios problemas ficavam sem solução, não tinha com quem desabafar. Eles haviam começado alguns anos antes. Casado pai de um garoto bonito e inteligente. Um homem trabalhador que vivia para sua família. Começou a beber, no início, socialmente até se tornar um hábito. Algum tempo depois não tinha mais controle sobre o vício. Sua vida tornou-se um verdadeiro inferno. As brigas com sua esposa começaram a fazer parte do cotidiano. Até que um dia quase chegaram a se agredir, antes que ocorresse uma tragédia, resolveu sair de casa e não voltou mais. Passou a viver na rua, dormindo embaixo de viadutos, marquises. Sua alimentação era conseguida por doação de pessoas que encontrava. Seu estado de embriaguez era permanente, dificilmente estava sóbrio. Em um momento raro de lucidez, quando caminhava por uma avenida, viu uma aglomeração ao redor de uma pessoa que estava deitada no chão. Ao lado do corpo notou um saco onde havia algumas quinquilharias, pertences do rapaz que fora atropelado. Aproximou-se para matar sua curiosidade, levantou o plástico que cobria o corpo, não suportou a emoção e desmaiou. Cada um foi levado para um local diferente.

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62 Sílvio foi encaminhado para um hospital público onde ficou em observação e encaminhado em seguida, para uma casa de recuperação para dependente químico. O rapaz foi levado para o IML. No começo tudo era difícil, sentia falta da ingestão do álcool, as dores eram intensas, ansiedade, irritação, sensações horríveis. Com o passar do tempo os sintomas diminuíram. A única coisa que não passava era a dor que sentia da perda. O arrependimento de ter escolhido um caminho errado. O tempo se arrastava, como uma forma de fuga dos seus pensamentos, dedicou-se aos afazeres do lugar e ajudar aos que estavam no início do tratamento. Quando saiu, voltou a morar nas ruas. Ficava nos bancos das praças, embaixo dos viadutos e etc. Muitas vezes perguntou a Deus por que ele vivia enquanto crianças e jovens morriam. A resposta não tardou. Uma criança caminhava sozinha chorando. As pessoas passavam pelo garotinho sem notarem o que acontecia, preocupadas com elas mesmas. Sílvio resolveu se aproximar. Depois de acalmá-la, pegou em sua mão, caminharam em direção a uma base da polícia próxima de uma praça. Quando chegaram, viu um casal que estava desesperado conversando com um policial em uma sala próxima. Ao informar que havia encontrado aquele garoto andando sem rumo o casal se virou e os dois choraram de alegria. Depois de muito abraço e choro, o pai do

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garotinho foi em sua direção. - Não sei como te agradecer. – Disse o pai do garoto enquanto apertava a mão de Sílvio. – Que Deus te abençoe. - Quem tem de agradecer seu filho sou eu. – Sílvio acabava de descobrir a resposta de sua pergunta. Retirou-se, deixando os pais do garoto sem entenderem sobre o que estava falando.

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64 Capítulo dezenove MÃOS À OBRA Com a retirada das bugigangas, restando somente o automóvel, o espaço da garagem parecia bem maior do que anteriormente. Fizeram contato com diversos estabelecimentos de funilaria e pintura, para execução de um orçamento. - Vamos ter que aguardar a cotação completa da parte mecânica, da funilaria e pintura. – Disse William. Kasuo não estava preocupado com o valor do serviço, mas sim, com a qualidade. - Como ficou a garagem? Vai ser necessário pintarmos? – Perguntou Kasuo. - É uma boa ideia. Poderemos pintá-la, assim que retirarmos o automóvel. – Respondeu William. Todo material separado no dia anterior estava sendo despachado por Oscar e Jorge. Os dois presenciaram a felicidade do pessoal que vieram retirar os materiais descartados que, para eles, seria de muita serventia.

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Capítulo vinte A VISITA A campainha do interfone soou estridente, Helena deixou seus afazeres para atendê-la. Alguém do outro lado procurava pelo William. Quando abriu o portão, William ficou contente ao ver que Geraldo estava com ótima aparência, apesar do braço imobilizado. - O que te fizeram no hospital? Uma recauchutagem completa? - Fui reformado por completo, mas muito bem tratado. – Respondeu Geraldo. – O motivo da minha visita é apenas para te entregar o telefone e o endereço da central, onde retornam as cartas não entregues. - Vou verificar esse assunto. Desde já te agradeço pela gentileza e preocupação. - Como sempre digo, uma carta é sempre importante para duas pessoas; o remetente e o destinatário. – Disse Geraldo. - Nunca pensei por esse lado. – Comentou William. - Bom! Agora preciso ir, ainda vou passar pelo médico, não vejo a hora de tirar isso. - Disse mostrando o braço. - Você não quer entrar? - Vamos deixar para outro dia, estou ficando atrasado para a consulta. - Então obrigado pela atenção. – Disse William estendendo a mão. - Eu é que devo agradecer-te por ter-me salvo.

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66 Capítulo vinte e um ALGO INESPERADO Mais um dia havia passado sem notícia alguma do paradeiro de seu marido e do seu filho. Não entendia porque os dois resolveram partir e nunca mais voltar. Eram, o que se poderia dizer, uma família normal, com momentos de altos e baixo. Apesar de ser uma pessoa esclarecida, a atitude dos dois não foi assimilada. Maria, mulher guerreira, tinha traços bonitos, alta, cabelos castanho-claros. Grandes olhos castanhos davam a impressão de estarem atentos a tudo ao seu redor. Não sofria com a balança, seu peso não se alterava há anos, por isso, sempre foi invejada pelas amigas. Procurou por longo tempo encontrá-los num hospital, numa prisão, necrotério, mas não havia quem pudesse dizer onde os dois estavam. Nos últimos tempos já se acostumara a pensar na hipótese de terem sido enterrados como indigente. Seu coração já não suportava mais desilusões, pistas que nunca a levou a um lugar que pudesse ter certeza do que havia ocorrido. Há muito que deixara de procurá-los. Sentada no sofá da sala enquanto jantava sozinha, como de costume, quando se surpreendeu. Pela televisão, assistia a edição do jornal, quando mostraram um corpo coberto com sacos plásticos. Seu sexto sentido maternal imediatamente deixou-a em estado de alerta de que pudesse

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ser alguém querido, uma tristeza profunda invadiu seu peito. O prato de comida foi deixado sobre a mesa ao lado. Agora sua atenção voltou-se para as informações sobre o acidente quando, um homem passando por trás do repórter chamou sua atenção. Novamente seu instinto deu sinais de que conhecia aquele homem. Um pouco mais velho e desalinhado, mas ainda assim continuava sendo aquele que a fizera fugir de casa para dividir o mesmo teto. Aquele que ainda fazia seu coração bater mais forte e sua respiração ficar ofegante. Ao vê-lo desmaiar ao olhar para o corpo estendido no chão, sua dúvida tornou-se quase uma certeza e não conseguiu mais se conter. Uma dor alucinante tomou conta de seu peito, como se uma espada atravessasse seu coração. Não demorou e o choro convulsivo foi inevitável. Sozinha sem alguém para confortá-la. Foi difícil voltar ao estado normal novamente, mas depois de tomar alguns copos de água com açúcar conseguiu se acalmar um pouco e colocar novamente as ideias no lugar e planejar o que faria. Dormir naquela noite, somente depois de muito custo e vencida pelo cansaço. Seu instinto mais uma vez não se enganara, após alguns dias, recebeu a notícia de que seu filho havia sido enterrado como indigente e que deveria providenciar toda documentação

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68 para reverter o caso e transladar o corpo para o jazigo de sua preferência. Um pensamento não saia de sua mente, que Sílvio teria dado informações sobre seu filho, mas não soube explicar por que não a procurou.

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Capítulo vinte e dois ALGUNS MOMENTOS O trabalho na garagem caminhava a todo vapor, foram colocadas placas acústicas no teto e parede, para evitar que o som se propagasse e incomodasse os vizinhos. Uma divisória foi feita, deixado um espaço suficiente para o automóvel, que passava por um conserto completo numa oficina especializada. Enquanto isso na oficina de funilaria e pintura eram feitos os reparos em toda a lataria. Foi necessário deixar o automóvel apenas no chassi, para uma perfeita verificação do estado do veiculo e fazer um trabalho perfeito. Nesta etapa, já haviam removido todas as partes podres e restauradas as amassadas, restando apenas um fundo para proteção. A obra de funilaria estava entregue, faltando apenas pintura e polimento. A parte mecânica era executada por outro grupo. Motor, câmbio e suspensão estavam desmontados. Todas as peças passavam por inspeção detalhada a fim de verificar o estado de conservação de cada uma para sua reutilização. *** Ruan estava feliz, receberia naquela tarde em sua casa, uma visita muito importante. Quando a campainha tocou Ruan caminhou em direção à porta, alinhou a roupa, abriu-a.

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70 Ao ver Cláudio parado no portão ficou muito contente, porque muitas pessoas haviam combinado anteriormente com ele, mas nenhuma tinha aparecido, Cláudio seria o primeiro. Dona Vera não sabia o que fazer para agradar o visitante. Preparou um bolo de cenoura coberto com muito chocolate, alguns sanduíches de atum e maionese e um cafezinho feito na hora, que exalava seu aroma, enfeitiçando a todos. - Desse jeito vou vir aqui todos os dias! – Disse Cláudio. - Teremos um prazer enorme em te receber. – Respondeu sorrindo. Ruan mostrou a casa e o local onde sua bateria estava montada para seus ensaios de todos os dias. Quando Cláudio entrou na garagem e viu o tamanho da bateria não se conteve. - Minha Nossa! Os seus vizinhos devem ficar malucos com você! Ela é linda! Cláudio tirou seu baixo da maleta e os dois começaram a tocar. No início foi um Rock, depois foram alterando os ritmos, até fazerem um agrado para dona Vera tocando uma valsa. As horas passaram rapidamente, os dois combinaram outros ensaios. *** Caminhando pelas ruas da cidade, sem rumo é verdade, mas com a missão de ajudar aqueles pobres coitados que, como ele, viviam sob as estrelas, sem destino certo, sem bens materiais, a não ser a roupa do corpo. Com o seu faro para descobrir aqueles que estavam

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com dificuldades, Sílvio abordou um rapaz que estava preste a drogar-se. - Olá meu rapaz! – Exclamou. - O que está afligindo-te? – Perguntou enquanto agachava-se para sentar ao seu lado. - Pô tiozinho! Deixa quieto! – Respondeu enquanto preparava-se para enfiar o rosto no saco onde se encontrava a droga. - Onde você mora? - Aqui na rua tio! - Onde morava antes de vir para as ruas? – Insistiu ele. Para despachar logo aquele homem inoportuno resolveu responder-lhe todas as perguntas. - Você não gostaria de voltar para casa? - Quem me quer lá? – Respondeu com tristeza. - Acredito que seus pais estejam preocupados querendo que você volte. Nesse momento o rapaz ficou calado por alguns momentos, mas quando começou, Sílvio sentiu toda a amargura na sua voz. - Voltar pra que? – Para apanhar para acordar, para almoçar, para jantar e para dormir? – Continuou. - O senhor não sabe o que é viver numa casa como a minha. Meu pai tinha cometido um roubo e foi preso. Na penitenciária, durante uma rebelião, foi morto, não sei se pelos policiais ou pelos presos. - Minha mãe arranjou um namorado mais torto ainda. - Enchia minha irmã de beijos e

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72 abraços. Comigo era só na pancadaria. Há muito tempo tinha notado que minha irmã estava diferente, calada e todas as vezes que meu padrasto a pegava no colo ela estremecia de medo. Até que um dia cheguei mais cedo da escola, ao abrir a porta do barraco, encontrei os dois nus na cama. Ele obrigava minha irmã a fazer caricia nele dizendo que, se ela contasse para alguém, mataria todo mundo em casa. - Quando vi aquela cena, não pensei duas vezes, peguei uma faca na cozinha e voei para cima dele. Não consegui matá-lo, mas o estrago foi grande, a partir daí não vai poder mexer com menina nenhuma. Nunca mais. – Nesse momento sorriu. - Quando minha mãe soube do que tinha acontecido, deu parte na polícia para me prender, por tentativa de homicídio. Quem me salvou, foi o vizinho que presenciou tudo o que aconteceu e contou aos policiais que levaram o indivíduo. – Fez uma pausa e concluiu. - Acredito que agora seja mulher de algum preso ou já morreu. O rapaz agora mais receptivo olhou para Sílvio e disse: - Você foi o único que conversou comigo até agora para saber o que aconteceu. – Fez uma pausa e agradeceu. - Obrigado! - Por que não volta para casa? – Insistiu Sílvio. - Minha mãe é capaz de matar-me. - Só existe uma forma de saber. É você indo lá para ver. – Completou. – Se quiser posso ajudar-te.

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- Estaria disposto a isso? – Perguntou o garoto. Sílvio apenas estendeu a mão e aguardou que o rapaz a pegasse. - Se quiser se ajudar, eu também te ajudo. - A propósito, como você se chama? – Perguntou Sílvio. - Meu nome é José Luís, mas pode chamar-me de Zé Luís. Sílvio conseguiu levá-lo para o centro de recuperação por onde ele mesmo já tinha passado tempos atrás. - Este é o primeiro passo, eu espero que possamos dar outros. Estarei aqui para o que precisar. – Disse enquanto dava um abraço de despedida. – Tenho certeza que conseguirá dar outros.

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74 Capítulo vinte e três RUAN A síndrome de Down acarretava algumas dificuldades para ser transposta por Ruan, uma era a dicção. Quando falava, algumas palavras tinham a necessidade de serem repetidas, isso o deixava nervoso e, consequentemente, a necessidade de repetição aumentava. Como de costume, Ruan seguiu para fazer sua caminhada. A praça estava repleta de gente. Ele aproveitava o momento de suas caminhadas para fazer novas amizades. Nas várias vezes em que caminhou sozinho, ficou prestando atenção nas diferenças entre as pessoas. Tinha aqueles que se produziam, outros, utilizavam apenas shorts e camisetas e assim por diante, cada um ao seu estilo. Suas roupas eram a mais confortável que pudesse usar. Algo que lhe chamava a atenção, era o fato, de algumas pessoas somente conversarem sobre doenças, enquanto cuidavam da saúde. Ruan prestava atenção nas características das pessoas que por ele passavam. Naquele horário eram quase sempre as mesmas. Havia um senhor, muito distinto, que fazia suas caminhadas, nos dias mais frios, utilizando jaqueta de jeans impecável. Admirava-se com sua elegância. Havia outro, um advogado, que invariavelmente era acompanhado por um de seus amigos, que não perdia a oportunidade de fazer uma consulta grátis.

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Ruan estava distraído em seus pensamentos, quando alguém tocou em seu ombro. - Bom dia! – Disse ao virar-se. - Faz muito tempo que você está caminhando? – Perguntou Cláudio. - Uns quinze minutos. – Respondeu Ruan com sua dificuldade peculiar na fala. - Preciso que me faça o favor de ir mais devagar! – Disse Cláudio. - É a minha perna mecânica! – Completou fazendo uma careta e encolhendo o ombro. Os dois caminharam por pouco mais de uma hora e depois fizeram alguns alongamentos, em seguida sentaram-se num banco embaixo de uma árvore enquanto apreciavam o movimento e colocavam a conversa em dia. - Espero que os pássaros nos poupem do bombardeio. – Disse Cláudio. Os dois riram muito, imaginando a cena, mas permaneceram ali onde conversaram sobre vários assuntos, um deles, não poderia deixar de estar na pauta, a formação de uma banda.

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76 Capítulo vinte e quatro NA OFICINA Quase todos os dias e em horários próximos, a janela da casa de Kasuo era atingida por uma pedra. Todos ficavam chateados de não conseguirem descobrir quem era o autor, por esse motivo, resolveram manter a janela fechada para que as pedras não machucassem alguém. Alguns dias mais tarde, Oscar saiu cedo, sua missão, levar o novo projeto para a reforma do automóvel. Kasuo havia avisado o responsável, que seu homem de confiança passaria por lá neste dia. O pessoal da funilaria já estava aguardando ansioso por ele e quando foi anunciada a presença de Oscar, todos pararam o que estavam fazendo para conhecerem o “homem de confiança”. Quando aquela figura, parecendo um robô desengonçado, que ao movimentar-se fazia um barulho de metal rangendo, entrou na oficina, quase não conseguiram manter a seriedade. Oscar caminhou lentamente em direção do grupo, uma bolsa tiracolo contendo um tubo de papelão, parecido com os recebidos na colação de grau, porém um pouco maior. Os rapazes aguardavam ansiosos por ele. Em redor de uma bancada redonda, transformada em mesa para reuniões, esperavam a apresentação do projeto. Oscar parou apoiando-se numa das cadeiras, enquanto se debatia para pegar o tubo de papelão, que teimou em acomodar-se nas suas

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costas, onde se encontrava o projeto final do automóvel. Ao desenrolar o papel vegetal sobre a mesa, não puderam acreditar no que estavam vendo e com tamanha perfeição. Cada um dos rapazes que olhava para o companheiro podia notar a mesma expressão no rosto, perplexidade. - Me desculpem a qualidade do desenho, espero que possa dar uma ideia do produto acabado. – Disse Oscar pensando que não tinham gostado do desenho. - Ele está tão perfeito que é capaz de sair do papel. Parece até que está desenhado em 3D. – Brincou o chefe da oficina. Oscar nem precisou dar explicações, porque o desenho falava por si e todos não tinham dúvidas sobre o que fariam. A conversa que se seguiu foi sobre amenidades. Divertiram-se tanto com Oscar que o comentário feito, não causou nenhuma surpresa. - Já que vocês são feras em funilaria como o Kasuo diz, não teria um jeito de melhorar minha carenagem? – Brincou Oscar. - Se quiser, poderemos pelo menos tirar o barulho! - Seria muito bom, quase assustei vocês quando cheguei. – Disse rindo. Depois de algum tempo sentado, Oscar recebeu seus suportes de pernas. Todas as articulações do equipamento que possibilitava sua locomoção estavam ajustadas e lubrificadas, não fazendo mais barulho algum.

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78 - Nossa! Nunca pensei, que algum dia poderia andar sem fazer barulho. Muito obrigado por tudo que fez. - Foi um prazer. – Respondeu o chefe. Oscar se despediu e enquanto caminhava fazia algumas graças para mostrar que caminhava muito melhor agora e o principal, sem barulho. Enquanto se afastava em direção a saída, os mecânicos se olhavam, no semblante de cada um podia ser visto uma grande admiração por aquela figura.

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Capítulo vinte e cinco O DURO INÍCIO Quando chegou à clínica, levado por Sílvio, foi apresentado a um homem aparentando ter entre 30 e 40 anos chamado Valter. Sua barba e cabelos compridos davam-lhe o aspecto de ser mais velho do que realmente era, a primeira impressão era de ser uma pessoa austera, mas no fundo, tinha um coração enorme. Ao ser apresentado ao Valter, José Luís recebeu um terço de presente e junto um livreto onde estava escrito “O Novo Rosário”. Sem muita conversa foi indicado um quarto onde dormiria naquela noite. O quarto era pequeno, mal cabia a cama e um armário. Num dos cantos tinha uma porta que dava acesso a um banheiro. - Tome um bom banho, escolha camisa, calça, cueca, meias e sapato desse armário, depois jogue toda sua roupa naquele saco plástico. – Informou Valter. - Os horários do café da manha, do almoço e jantar estão neste folheto afixado no quadro de avisos, se ocorrer atrasos, fica sem comer. Vá tomar um banho depois virei buscá-lo para o jantar. Saiu deixando-o só. Pensou em ir embora, mas resolveu tomar um banho e fazer como fora instruído. Ficou aguardando deitado enquanto lia o livreto que recebera. Pouco depois Valter chegou para buscá-lo.

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80 - Vejo que estava lendo o livreto? – Disse Valter. - Sim, mas não entendi muito bem. - Este livreto vai ajuda-lo na hora de rezar o Terço. – Explicou Valter. - Rezar o Terço? - Sim o Terço. Todos os dias, após o café da manhã e após o jantar você irá até a capela, ficará rezando conforme as explicações do livreto. Nos primeiros dias fez o Terço com boa vontade, mas com o passar dos dias começou a se revoltar e não querer mais fazer as orações. Resolveu falar com o diretor a respeito. Bateu na porta e uma voz deu permissão para entrar. - Posso falar com o senhor? - Pois não! Em que posso ajuda-lo? – Perguntou olhando por cima dos óculos. - Estou aqui a mais de uma semana e as únicas coisas que faço são: rezar o Terço de manhã e à tarde. – Disse um pouco alterado devido à abstinência. - Então quer dizer que está cansado de rezar o Terço, duas vezes por dia? - É isso aí! – Respondeu balançando a cabeça afirmativamente. Valter parou de falar, como se estivesse meditando algo, respondeu enquanto se levantava da cadeira e caminhava em direção a porta. - OK! Já está na hora de parar de fazer o Terço, amanhã comece a fazer o Rosário. Sem esperar qualquer resposta, abriu a porta e

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aguardou o rapaz sair da sala.

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82 Capítulo vinte e seis UMA BOA CONVERSA Oscar saiu da mecânica muito contente, o suporte para as pernas não fazia mais barulho, até a sua locomoção ficou mais fácil. Kasuo havia determinado que Oscar utilizasse táxi para sua locomoção, mas ele resolveu voltar de ônibus. Desceu alguns quarteirões antes para caminhar um pouco e aproveitar o conforto que o ajuste estava proporcionando. Ao entrar na rua onde morava encontrou, por acaso, com os dois adolescentes que caminhavam um pouco mais à frente. - Olá! – Oscar cumprimentou os dois no exato momento em que jogavam uma pedra na janela de Kasuo. - Vamos nessa que sujou! – Disse um deles dando o sinal para fugirem. - Se vocês correrem, não vou conseguir acompanhá-los. – Disse Oscar. Quando perceberam que não poderiam ser molestados por aquele ser estranho e indefeso. Resolveram parar. - Poderíamos conversar um pouco? – Perguntou enquanto caminhava em direção dos rapazes. Vendo que os dois estavam parados esperando por ele iniciou com tranquilidade. - Nas primeiras vezes que jogaram pedra na minha janela, imaginei apenas algumas crianças procurando por aventura. - Ao descobrir que vocês são quase dois homens feitos, pensei no motivo que os levou

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a esse ato, mas não consegui encontrar nenhum. Isso me deixou triste porque vi que o futuro próximo do meu País estará nas vossas mãos. O que poderemos esperar de vocês? Não esperou pela resposta ele mesmo concluiu. - Janelas quebradas? Espero que não! Imagino serem inteligentes o bastante, para saberem que isso não os levará a lugar algum, ou melhor, poderá levá-los a lugares indesejáveis. Só espero que antes que atirem uma pedra em alguma janela, pensem nas vossas mães em casa pensando que seus filhos queridos estão fazendo algo mais útil. Pensem nos seus irmãos menores, que exemplos, vocês poderiam ser para eles? - Sem esperar qualquer reação concluiu. - Obrigado por ouvirem, se quiserem tomar um café é só aparecer. Oscar caminhou em direção ao portão e entrou sem olhar para trás. Sabia que alguma coisa mudaria a partir de então. Os dois ficaram apenas ouvindo sem fazerem nenhum comentário.

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84 Capítulo vinte e sete NOVAS PISTAS Maria acordou disposta a continuar recolhendo os pedaços, do que fora um dia, sua vida. Tomou um banho quente para relaxar e planejar a maneira como conduziria as investigações. O dia estava claro com poucas nuvens, o céu muito azul, mas não estava quente. Pegou sua bolsa, onde havia algumas fotos, carteira entre outros objetos, mas o principal era um bloco de notas com alguns endereços, datas e telefones anotados. Estava determinada a obter respostas para as questões que ainda atormentavam sua alma. No dia do atropelamento de seu filho, que assistiu no telejornal, seu instinto maternal lhe avisara do ocorrido, fato confirmado dias mais tarde. Agora restavam outras questões para serem esclarecidas. Entrou em contato com o pessoal da emissora para tentar rever a notícia sobre o atropelamento e verificar com calma se as suas suspeitas tinham algum fundamento. Foi recebida por um rapaz com seus 25 anos muito atencioso, que a conduziu para uma sala onde havia alguns televisores pequenos. - Bom dia! Meu nome é Dagoberto. Vou mostrar para senhora a reportagem em nosso equipamento de edição, assim a senhora poderá ter uma visão melhor, poderemos fazer diversos efeitos que não são possíveis num aparelho comum de TV, aqui a reportagem está completa, isto é, sem cortes.

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Maria fez um enorme esforço para rever as imagens do acidente. Nelas apareceria o corpo inerte de seu filho deitado naquele chão coberto apenas com um plástico escuro. Lágrimas rolaram pelo seu rosto, enquanto tentava contê-las com as mãos, Dagoberto estendeu-lhe gentilmente uma caixa de lenços de papel. - A senhora tem certeza de que quer ver estas imagens? - Está tudo bem, vou tentar concentrar-me no que aconteceu ao redor. – Eu preciso ser forte se quero descobrir toda a verdade. – Pensou. - A senhora está pronta? Ela apenas balançou a cabeça afirmativamente, enquanto inspirava uma grande quantidade de oxigênio para se acalmar. Assistiu por várias vezes o VT, até que não teve mais dúvidas sobre o homem que havia desmaiado ao lado do corpo de seu filho. Apesar da dor que sentia em rever aquelas cenas, observar todos os detalhes possíveis era necessário. Após assistir dezenas de vezes, conseguiu obter detalhes sobre a ambulância, a quem pertencia, o hospital para o qual se dirigiu, horário e outras informações. - Agradeço imensamente de todo o coração tudo o que o senhor fez por mim. – Disse Maria ao rapaz que a atendeu na emissora. - Não por isso, estamos aqui para ajudar. Espero, sinceramente, que as informações

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86 possam ajudá-la de alguma forma. – Respondeu sorrindo. Maria saiu confiante de que encontraria o que procurava.

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Capítulo vinte e oito UM ALMOÇO A caminhada havia terminado há algum tempo. Estavam apenas sentados apreciando o movimento e conversando, quando ao longe Cláudio avistou Sílvio que caminhava na direção onde os dois estavam. Ele se aproximou, cumprimentou-os ia passando reto quando Ruan chamou-o. - Sílvio! - Pois não! – Respondeu imediatamente. - Pensei que viesse falar com a gente? – Disse Ruan. - Imaginei ser uma conversa particular, por isso não parei. Como vocês estão? - Bem e você? – Responderam juntos. - Os planos de montar a banda? Já saiu do outro plano e chegou a este? - Infelizmente ainda não conseguimos mais nenhum louco para se juntar a nós. – Desta vez quem respondeu foi Cláudio. - Algum tempo atrás conheci uns rapazes que estavam conversando sobre isso na porta de uma igreja. – Informou Sílvio. - Como eram? – Perguntou Ruan. Sem esperar resposta ele mesmo respondeu. - Eram meio esquisitos? Assim como nós? – Completou. - O que você quer dizer por esquisito? – Sílvio quis saber. - Desculpe me expressei mal. Tinham

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88 necessidades especiais. Um dos rapazes com deficiência visual, outro com necessidade de cadeira de rodas, um outro com muletas e o mais esquisito, aparentemente, não tinha necessidade alguma. – Informou Ruan. - Você já os conhece? – Disse Sílvio. - Foram eles que me convidaram para participar da banda que estavam formando. O senhor sabe onde eles moram? - Para ser sincero não, encontrei-os na porta da igreja, mas acredito que não será difícil encontrá-los. - Poderia nos ajudar a procurá-los? - Claro Ruan. Será o maior prazer ajudá-los. Ando por tantos lugares, conheço muitas pessoas. Vou ver o que posso fazer. - Bem eu preciso ir andando, afinal o quanto antes encontrá-los, melhor. - Você aceita ir almoçar com a gente lá em casa? – Perguntou Ruan. - Puxa! Agora você me balançou! É a primeira vez, desde quando comecei a morar sob as estrelas, que alguém me convida para almoçar em casa. - Então é mais um motivo para você não recusar. - Estou mal vestido! - Tentou arranjar uma desculpa. - Não tem problema, nós vamos para minha casa e não ao restaurante. – Disse Ruan sorrindo. Os três seguiram em direção a residência do rapaz.

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Capítulo vinte e nove O PASSEIO Oscar ouviu o som de pessoas conversando vindo da garagem e resolveu dar uma olhada. Ao entrar, todos levaram um susto, não ouviram o ranger das articulações das pernas. - O que vocês estão fazendo? - Estamos nos preparando para iniciar os ensaios. – Respondeu Kasuo. - Como foi na mecânica? – Perguntou William. - Ótimo! Atenderam-me magnificamente bem. - O que acharam? – Perguntou Jorge. - Ao mostrar o projeto não puderam esconder o que sentiram, foi desespero. – Sorriu. - Por que se desesperariam? – Desta vez foi Kasuo quem falou. - Você não viu os detalhes da pintura? – Brincou. - Deixa de ser palhaço, Oscar e conta logo. – Retrucou sorrindo. - Adoraram o desenho e as cores! Até reformaram minha carenagem, vocês não notaram nada de diferente? - Sim! Notamos! Você não faz barulho quando anda. – Responderam juntos. - O que mais me impressiona em vocês é que apesar de não terem ensaiado, estão muito afinados. - Agora que as coisas estão arrumadas, que tal darmos uma volta para arejarmos a cabeça? – Sugeriu William.

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90 - É uma ótima ideia. Poderemos ir até a loja de instrumentos musicais e pesquisarmos alguns instrumentos, teclados, guitarras, equipamento para o som etc. – Kasuo estava determinado a voltar a tocar. Apenas deu um leve toque na guia e Romeu colocou-se ao seu lado, pronto para protegê-lo e levá-lo por caminhos seguros. Havia confiança, afinidade e sintonia entre eles. Quando saiam ninguém se preocupava com Kasuo, sabiam que Romeu cuidaria dele, se necessário, com a própria vida. A caminho da loja conversavam sobre diversos assuntos, um é sobre a necessidade de encontrar outros integrantes para o grupo. Surgiram alguns nomes para a banda, mas nenhum que agradasse a maioria. Kasuo estava feliz com o pessoal, nunca se sentira tão bem quanto agora, seu semblante e sua voz transmitiam a felicidade que estava sentindo. Até o Romeu demonstrava estar contente porque não parava de abanar o rabo a todo o momento.

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Capítulo trinta A SURPRESA José Luís não havia entendido o que Valter tinha dito, mas só o fato de não ter que rezar o Terço já era uma boa notícia. No almoço durante uma conversa com um amigo, comentou sobre o encontro que tivera com o diretor. - Hoje falei com o diretor e disse que não aguentava mais ficar rezando durante tanto tempo. – Disse sentindo-se um herói. - O que ele falou? – Perguntou já imaginando a resposta. - Falou que estava tudo bem, poderia parar de rezar hoje mesmo. - Não acredito, só isso? – Perguntou o outro inconformado. - Não! Disse que amanhã deverei passar a rezar o Rosário duas vezes ao dia. – Respondeu triunfante. - Me diz uma coisa! – Falou mais baixo. - O que é esse Rosário? - Você não sabe? – Disse o outro, quase não conseguindo falar de tanto rir. - Um Rosário, nada mais é do que, três Terços. Antes você rezava dois Terços por dia, agora serão seis Terços. – Completou. - Não brinca! Ele fez aquela cara de bonzinho, de compreensivo e me apronta uma coisa dessas. - Hoje à tarde vou falar com ele novamente. – Estava revoltado.

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92 - Não vai adiantar, mas se quiser tentar boa sorte para você! – Disse o rapaz enquanto levantava-se para ir cuidar da horta. Ele resolveu acatar o conselho do amigo e preocupou-se com o trabalho de limpeza que tinha para ser feito. Alguns dias depois e com a desintoxicação mais adiantada, se sentia mais calmo. Certo dia, enquanto cuidava da limpeza dos banheiros coletivos, distraído com o trabalho que estava tendo para remover o encardido do teto, não percebeu a presença de Valter. - Bom dia José Luís! – Cumprimentou-o o diretor. - Bom dia! O senhor quer usar o banheiro? - Não, obrigado. Só vim conversar com você. José Luís desceu da escada e saiu acompanhando o diretor em direção do pátio. - Você está fazendo as suas orações todos os dias? - Sim! No começo estava revoltado, porque não via mudança nenhuma na minha vida, agora estou até mais tranquilo. - Nas suas orações, quais são os seus pedidos? - O que mais peço é saúde para minha mãe e minha irmã. Peço perdão por quase ter matado aquele infeliz e agradeço aquele bom homem por trazer-me para este lugar. De costa para a recepção não viu a aproximação de Sílvio que trazia consigo sua mãe e a irmã. - Zé! – Chamou sua mãe. Ao virar-se na direção do som, suas pernas ficaram fracas para sustentá-lo, quase caiu de joelho no chão. Se não fosse por Valter

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segurar-lhe, provavelmente se machucaria. - Mãe! A senhora está bem? – Suas únicas palavras. Os dois não disseram mais nada, apenas se abraçaram e choraram. Valter e Sílvio visivelmente emocionados, apenas ficaram calados esperando que a saudade fosse amenizada naquele encontro. Apesar da dificuldade que tivera em encontrar os parentes do garoto Sílvio estava feliz, o tratamento do rapaz estava quase chegando ao seu final e dentro em breve poderia voltar para casa. Tatiana ficou esquecida momentaneamente e demonstrou felicidade ao encontrar o irmão. Quando José Luís lembrou-se dela, deu-lhe um abraço levantando-a do chão. - Zé me põe no chão. – Disse sorrindo. - Nossa! Como você cresceu! Você está na escola? - Sim, estou na 4ª série e sou uma das melhores alunas. – Disse a garota com orgulho. - Isso é ótimo. Fico feliz, que pelo menos você consiga estudar. - Me conta mãe, como a senhora descobriu que eu estava aqui? – Antes que sua mãe dissesse algo, entendeu. Virou para Sílvio e um sorriso de eterna gratidão apareceu nos seus lábios. O dia passou tão rápido, mas quando terminou, havia deixado um saldo muito positivo para aquelas pessoas.

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94 José Luís ficaria mais algum tempo na clinica, mas tinha a certeza de um lugar para voltar quando saísse. Demonstrou vontade de ajudar na recuperação de outros, que como ele haviam entrado nessa porta de entrada larga, que são as drogas, mas que para sair torna-se muito estreita e poucos conseguem ultrapassá-la. Valter também estava contente, mais um que deixava o sofrimento e passaria a viver sem subterfúgios, teria condições de enfrentar os problemas que, com certeza, apareceriam pelo caminho, de peito aberto.

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Capítulo trinta e um AS ENCOMENDAS Naquele dia William acordou fora do seu horário habitual, quando chegou na cozinha para tomar café, percebeu que estava só. Procurou em todos os cômodos, não encontrou uma pessoa sequer. Resolveu ir até a garagem, também ali estava vazia. Pegou o jornal que estava sobre a mesa e sentado na varanda fez sua leitura. Mal começou, ouviu o barulho de um caminhão que estacionava em frente ao portão da casa. Não demorou e a campainha foi acionada, fazendo-o sobressaltar na cadeira. - Pois não! – Exclamou enquanto seguia em direção a entrada. - É a residência do senhor Kasuo? – Perguntou o motorista que trazia na mão um papel. - Sim. Em que posso ajudá-lo? - Nós viemos entregar os instrumentos musicais que foram adquiridos por ele. - Um minuto, por favor, vou abrir o portão e se o senhor preferir poderá colocar o caminhão aqui dentro para facilitar o descarregamento. – Admirado com a rapidez da entrega, não fazia muito tempo que a compra fora feita. Instantes depois, William abria o portão e o motorista colocava seu caminhão próximo à porta da garagem. Em pouco mais de trinta minutos tudo estava

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96 no lugar devidamente montado como solicitado por William. Deu uma gorjeta para os rapazes em gratidão pelo que fizeram. O local estava maravilhoso, William sentiu-se orgulhoso de ter participado e ao mesmo tempo apreensivo em saber se o pessoal teria a mesma impressão com a disposição dos equipamentos. Sentou-se novamente na varanda e voltou a ler o jornal. Não demorou muito, o portão foi aberto, o primeiro a entrar foi Jorge com sua cadeira de rodas sendo empurrada por Helena, em seguida Romeu guiando Kasuo e finalmente Oscar que, como sempre, fazendo uma de suas palhaçadas para que todos rissem. - Bom dia pessoal! – Disse William enquanto dobrava o jornal e levantava-se para ir de encontro deles. Todos responderam ao cumprimento com um sorriso nos lábios. - Por que estão tão felizes? – Perguntou William. - Acabamos de encontrar uma senhora muito alegre que nos convidou para fazermos uma visita no asilo onde ela presta serviço como voluntária. – Respondeu Kasuo. - Ela também agradeceu pelos móveis e roupas que mandamos quando fizemos aquela limpeza da garagem. Sem que percebessem, William fez com que todos caminhassem em direção a garagem. Ao entrar Oscar deu um grito de alegria fazendo com que todos se sobressaltassem

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com o susto, não escapou ninguém, até o Romeu, com o grito, latiu. - Não acredito no que estou vendo, por favor, Jorge me belisca para ter certeza de que estou acordado. Não demorou e Oscar deu mais um grito, só que desta vez foi de dor pelo beliscão. - Não precisava ser tão forte assim. – Disse Oscar enquanto passava a mão para diminuir a dor que sentia. - Foi você quem me pediu. – Respondeu o outro enquanto sorria. A felicidade era geral. Todos os equipamentos estavam em sua embalagem de transporte. No momento que Jorge olhou para o estojo da sua guitarra na embalagem teve uma grande surpresa. Kasuo havia trocado o equipamento por outro de qualidade infinitamente superior ao que tinha escolhido. Abriu o estojo e sobre a guitarra havia um tecido de veludo e sobre ele um cartão com a dedicatória que dizia “Para aquele que tenta esconder seu talento”. Apenas conseguiu dizer obrigado. A surpresa não parou por ai. Sem o tecido sobre a guitarra, verificou que o seu nome estava gravado no equipamento, não conseguiu se segurar mais deixando que suas emoções falassem por ele. Como uma criança ao receber um presente tão esperado, imediatamente ligou o amplificador e afinou a guitarra, dedilhando alguns acordes. William ajudou Oscar a montar e regular o

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98 som dos microfones. - Por favor, alguém poderia conduzir-me até o piano. – Disse Kasuo ansioso. Helena se encarregou de ajudá-lo. O som que começou a ocupar o ambiente foi empolgando todo mundo a ponto de William demonstrar seus dons musicais, até agora guardados em segredo, fazendo dueto com Oscar. No término da música todos ovacionaram o novo integrante da quase banda. Ficaram durante muito tempo ensaiando novos arranjos.

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Capítulo trinta e dois MAIS PERTO Havia anotado em seu bloco de notas, locais e pessoas para contatar. Não queria perder tempo, mas havia a necessidade de colocar as coisas em ordem, resolveu entrar em um restaurante, sentou-se em uma mesa que estava localizada num dos cantos, onde poderia ter a tranquilidade suficiente para organizar um roteiro. Um garçom se aproximou trazendo o cardápio. Fez seu pedido e devolveu-o ao rapaz que aguardava ao lado. Enquanto seu pedido era providenciado ela anotava em sua agenda os contatos que faria em seguida. Olhou por alguns instantes pela janela e imaginou por onde andaria a pessoa que um dia tinha passado por sua vida e caminhando ainda pela mesma estrada, não conseguia encontrá-lo. Todas aquelas pessoas andando de um lado para outro, cada uma com suas preocupações, seus medos, suas ambições enfim, todos tinham algo por resolver. Lembrou-se dos momentos que passaram juntos, de quando seu filho era apenas um garotinho querendo descobrir o mundo, seu marido cobrindo-a de carinho e atenção. Sentiu falta daquela época e lamentou porque havia terminado. Hoje não podia mais abraçá-lo, beijá-lo e dizer o quanto o amava e essa

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100 vontade que não permitia que desistisse enquanto não o encontrasse. Imediatamente afastou de seus pensamentos a tristeza que, vez por outra, teimava em instalar-se no seu coração, mas ela tinha uma missão e não descansaria enquanto não cumprisse o que se propusera a fazer. O garçom trouxe o seu pedido, como sempre começou pela salada, depois comeu apenas um filé de frango e algumas verduras cozidas. Pagou e foi em direção a sua primeira etapa, a empresa proprietária das ambulâncias. Descobrir o hospital onde Sílvio tinha sido levado não foi difícil, tinha o número da ambulância e o dia da ocorrência. A tarde estava chegando ao seu final, resolveu continuar sua investigação no dia seguinte pela manhã. Voltar para casa e não ter quem esteja à sua espera deixava Maria triste, sua casa que antes era alegre, agora não havia mais piadas, brincadeiras, não havia emoções, apenas coisas terrivelmente arrumadas. Tomou um banho, preparou um chá com torradas, resolveu deitar-se mais cedo, para acordar com os primeiros raios de sol e continuar sua busca.

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Capítulo trinta e três O ASILO Dona Vera, mãe de Ruan, uma mulher ativa que gostava de ajudar as pessoas, sem qualquer tipo de preconceito. Uma de suas atividades era participar, como voluntária, de uma creche e de um asilo. A necessidade de deixar seu bebê Ruan, com Síndrome de Down, aos cuidados de outras pessoas, levou-a a fazer uma busca minuciosa pela redondeza a procura de uma creche que pudesse cuidar dele. Ao chegar no endereço indicado por alguns amigos, percebeu que em frente da creche havia um asilo, como no período de adaptação teria que ficar na secretaria para qualquer necessidade de Ruan, aproveitou o tempo ocioso e resolveu visitar o asilo. Não demorou muito e já era uma das voluntárias. Pelo menos, naquela época, duas vezes por semana fazia sua visita. Ajudava na cozinha e na limpeza, mas o que mais gostava de fazer era cuidar das vovós e vovôs. Sempre que falava com eles, utilizava a palavra “Vovô ou Vovó” seguido pelo nome. Uma de suas preferidas era vovó Dirce, que infelizmente havia falecido alguns anos depois. Vera, como de costume nos finais de semana, pegou sua sacola contendo vários objetos utilizados pela maioria das mulheres, como secador, escovas, estojo de maquiagem entre

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102 outras coisas e se dirigiu ao asilo, onde era esperada por todos. Sua chegada, nos sábados, modificava o astral do asilo aguardavam por aquele momento a semana toda. Com auxílio de outras voluntárias lavavam, secavam e aplicavam escova em todas as vovós. Ao terminarem faziam a maquiagem e tiravam as cutículas. Uma profissional encarregava-se de tratar dos pés de cada um deles, nesse mutirão os vovôs não eram esquecidos. Por incrível que possa parecer ao retornar para sua casa, no final da tarde, jamais se sentia cansada. - Me divirto muito com elas, me deixam com a alma leve. – Era o que respondia quando perguntada. Ao chegar, como sempre bem-humorada, a diretora veio cumprimentá-la. - Olá minha querida como você está? - Muito bem e a senhora, dona Emile. - Também estou ótima! Estou muito empolgada com a festa que estamos preparando para o pessoal e gostaria de saber se nosso asilo poderá contar novamente com sua valiosa ajuda? - Claro que pode! Estarei aqui se Deus assim permitir. - Nós estávamos pensando em procurar algum conjunto que possa abrilhantar nossa festa, mas até o momento não conseguimos ninguém. - Dona Emile, se a senhora quiser poderia pedir para meu filho e um amigo dele tocar alguma coisa caso não encontremos uma

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banda. - Como te falei não temos ninguém disposto a fazê-lo, logo, seu filho e o amigo dele são bem-vindos. Vera seguia para a enfermaria para cuidar das vovós, mas no caminho percebeu que alguns móveis, caixas de papelão e outros tipos de embrulhos estavam sendo selecionados e separados para serem distribuídos. - Nossa! Estão fazendo alguma mudança? – Disse sorrindo. - Isso é uma doação feita por um rapaz vizinho da dona Emile. – Respondeu uma das moças encarregadas do almoxarifado. - Agora estou sabendo quem é, ela já me havia falado sobre ele e se não me engano era um grande pianista. – Replicou Vera. O dia passou rápido, quando saiu o Sol ainda brilhava no céu. Estava feliz, sentindo-se com a alma leve por ter feito tantas pessoas felizes. Não via a hora de chegar em casa, a primeira coisa que fez foi informar Ruan, sobre o convite da diretora do asilo e sua reação não poderia ser outra. - Mãe! O que deu em você para se comprometer? Como apenas eu e o Cláudio poderemos fazer um show. Sou baterista e ele toca contrabaixo, faltam alguns instrumentos e no momento não sei como arranjá-los. Percebendo que sua mãe ficou entristecida pela notícia, abraçou-a e completou. - Poderemos ver o que arranjamos. Não se preocupe. Como você sempre diz no final, se

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104 for por uma boa causa, tudo se acerta. Ela tinha algo em mente e colocaria em prática o mais rápido possível.

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Capítulo trinta e quatro UMA OBRA-PRIMA A campainha do interfone tocou, Helena atendeu e uma voz masculina foi ouvida. - Bom dia! O senhor Kasuo está? - Quem gostaria de falar com ele? - Vagner, trabalho na oficina onde o senhor Kasuo deixou o automóvel para restauração. - Um minuto que vou avisá-lo. Minutos mais tarde, todos estavam no portão principal. A curiosidade em saber o resultado da restauração era generalizada. Quando o portão foi aberto e Vagner entrou com o automóvel a cena que seguiu poderia ser considerada hilária. Com exceção de Kasuo, estavam todos com a boca aberta. A admiração pelo trabalho feito pelos mecânicos estava estampada no rosto de cada um. - Então o que acharam? – Vagner sorria vendo a expressão de cada um deles. Kasuo que até o momento não tinha entendido nada perguntou desesperado. - Então como ficou o serviço? - Um minutinho Kasuo enquanto nós terminamos de babar com esta maravilha. – Respondeu Oscar. - Ficou uma obra de arte, parece até que saiu de um ateliê agora pouco. – Completou William. - A documentação também está em ordem, nosso despachante regularizou tudo. –

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106 Informou Vagner. - Já que está tudo regularizado, para darmos uma volta, só precisam arrumar um motorista. – Completou. - Posso dirigir, apesar de não ter automóvel há algum tempo, minha carta foi renovada. – Disse William. - Faremos um passeio após o almoço! - Informou Kasuo. A chegada do automóvel provocou entre o grupo uma animação como a ocorrida na chegada dos instrumentos. Vagner, que fora intimado a ficar para o almoço, divertia-se com os comentários. Nunca tivera a oportunidade de conviver com pessoas tão doidas como aquele grupo. Oscar, como sempre, fazendo o grupo se divertir imitando alguns cantores conhecidos. Após o almoço, foram para a sala, onde Helena serviu um café saboroso que só ela conseguia fazer. - Terminei de almoçar e tomei meu café. Farei como fazem os cachorros sem dono, vou embora para oficina porque ainda tenho muito a fazer esta tarde. – Disse Vagner. - Falando em cachorro, esse aqui é muito bonito e parece ser muito inteligente também. - É um tremendo amigão. É só você fazer cara de coitado e ele encosta-se em você pedindo carinho para te distrair. – Informou Jorge. - Não se preocupe Vagner, nós iremos levar você até a oficina. – Disse Kasuo enquanto entregava o cheque no valor combinado. Chegado o momento de dirigir, depois de muitos anos, William sentiu a boca seca, a

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ansiedade transformara-se em temor. Vagner, que não deixou de notar a insegurança de William, através de uma conversa, sem que os outros percebessem, tratou de tranquilizá-lo. - Esse automóvel é muito simples de dirigir. Nos automóveis automáticos a configuração mais comum é: P: Park, que bloqueia as rodas de tração para auxiliar o freio de estacionamento, recomendada para dar a partida e desligar o motor. É recomendado acionar o freio de estacionamento antes de mudar para esta posição. R: Reverse - Marcha ré. N: Neutral pode-se usar esta posição para desligar e dar partida, se diferencia do "P", por não bloquear as rodas de tração. D: Drive, utilizado na maior parte do tempo. Faz o carro andar para frente utilizando todas as marchas disponíveis. Os números 4, 3, 2,1: Bloqueia o engate até a marcha do número selecionado, deve ser ativado para usar o freio motor, ou subir um aclive acentuado, quando o câmbio fica mudando constantemente entre duas marchas. Exemplo: Subindo a serra o câmbio fica alternando entre a 3 e 4 marchas em períodos curtos; colocar o câmbio na posição 3 impede o engate da quarta marcha, aumentando o conforto e a vida útil do sistema. Na descida se pode usar o mesmo artifício para usar o freio motor, mantendo a terceira engatada. Depois das explicações dadas por Vagner, William sentiu-se mais seguro e conduziu com tranquilidade e destreza. Antes que

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108 Vagner entrasse na oficina agradeceu a dica. Ficou tão empolgado com a facilidade para conduzir o veículo, que quase esqueceu de perguntar onde o grupo queria passear. Por unanimidade eles resolveram passear pelo bairro. Oscar incumbiu-se de descrever a paisagem para o amigo e o fez com tantos detalhes que recebeu elogios de todos, principalmente do próprio Kasuo que disse não ter conhecido ninguém que o fizesse com tantos detalhes.

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Capítulo trinta e cinco VISITA PARA KASUO Dona Vera tinha a incumbência de entregar o convite, em nome da diretora do asilo, para o senhor Kasuo em agradecimento pelo mobiliário que havia enviado como doação alguns dias atrás. Antes de sair percebeu que Ruan estava muito quieto e resolveu perguntar. - O que te preocupa meu filho? Ruan resolveu se abrir com sua mãe. - Estou muito preocupado com o que vamos tocar no asilo, afinal uma bateria e um contrabaixo não é um som agradável para ser ouvido por pessoas idosas. - Meu filho! Não tem por que se preocupar. – Continuou com voz doce. - Essas pessoas, em alguns casos, não têm mais nada na vida. Muitas vezes, até a esperança de dias melhores já não possuem mais. O que for feito por elas, desde que seja com amor, será bem-vindo e apreciado. Apenas coloque todo seu amor e deixe que elas decidam o que gostam ou não. Ruan gostava de conversar com sua mãe e expor suas preocupações, sempre tinha uma palavra que o ajudava nas decisões. Depois da conversa com o filho e de ter certeza que tudo estava bem, dona Vera resolveu atender o pedido da diretora e entregar o convite para o senhor Kasuo. Ao chegar ao endereço mencionado no cartão

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110 tocou a campainha e aguardou. Aparentemente tudo estava deserto, mesmo assim, tocou novamente e nada de atenderem ao interfone. Depois de aguardar mais algum tempo resolveu ir embora. No instante em que ia se retirar um automóvel muito bonito parou em frente da garagem. Ao vê-la parada no portão, o motorista desceu vindo em sua direção. - Boa tarde! No que podemos ajudá-la? – Perguntou William enquanto descia do automóvel. - Boa tarde! Meu nome é Vera estou vindo em nome de dona Emile diretora do asilo Esperança, procuro pelo senhor Kasuo, ele mora aqui? Imediatamente a porta traseira foi aberta e o primeiro a sair foi Romeu e Kasuo saiu em seguida. - Pois não, eu sou Kasuo, muito prazer! É melhor entrarmos para conversarmos. Vera ficou bem ao lado daqueles que normalmente chamavam a atenção por onde passavam. Sua conduta foi notada por Oscar, que imediatamente comentou. - Normalmente as pessoas tendem a sair correndo quando encontram com esse bando esquisito como o nosso, mas confesso que fiquei surpreso com a senhora. - As pessoas podem se surpreender com os aspectos de vocês no primeiro momento, mas tenho certeza, que com o tempo elas passem a admirá-los por suas essências. – Disse com seu jeito meigo de ser. - A senhora aceita um café? – Helena

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perguntou enquanto servia. - Sim! Obrigada. - Minha vinda aqui é para trazer um convite a todos vocês, para uma festa que faremos no asilo Esperança em homenagem aos nossos internos. Outro motivo é para agradecer a doação feita. – Continuou. – A festa será uma forma de proporcionarmos um pouco de diversão para eles. Pretendemos fazer um jantar com música, mas por enquanto só temos a bateria do meu filho e o contrabaixo de um amigo dele. Oscar, como sempre se propôs a ajudar. - Se quiserem podem ter alguém que cante estou disposto a ajudar. - Se quiserem um guitarrista conte comigo. – Disse Jorge. - Um pianista conte comigo. – Disse Kasuo. - Se quiser um carregador para tudo isso, conte comigo. – Completou William sorrindo. - Agora pouco estava conversando com meu filho e ele estava preocupado por ter somente, até aquela altura, dois instrumentos. Agora temos quase uma orquestra. – Disse emocionada. - Caso eles queiram ensaiar conosco é só aparecerem. Não será necessário trazer nada, aqui temos todos esses instrumentos, só não tínhamos quem os tocassem. – Kasuo estava feliz em voltar a fazer de sua casa um local onde a música imperava. Conversaram por um longo período, dona Vera não conseguia esconder a felicidade de

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112 ter encontrado aquelas pessoas e não via a hora de contar a boa nova para o Ruan. - Está muito agradável conversar com vocês, mas estou ansiosa para falar com meu filho. – Completou. - Como havia dito no começo, ao invés de se esconderem, mostrem o quanto vocês são maravilhosos. Depois que Vera saiu o silêncio foi quebrado por Jorge, um dos mais tímidos do grupo. - Uma grande mulher acaba de deixar esta casa. Só lamento não poder levantar-me em sua homenagem. - Bem senhores, agora que estamos todos comprometidos com a festa, ensaiem para não fazermos feio. – Disse Oscar para descontrair.

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Capítulo trinta e seis NA IGREJA Como sempre, saiu sem rumo, mas ao passar por uma igreja resolveu entrar, havia poucas pessoas e as que ali estavam precisavam de algo, companhia para desabafar, uma oração, até mesmo o silêncio ajudava. Ele sabia o quanto era importante estar ali, muitas vezes viera para ajudar os outros e no final era ele o ajudado, porque saia dali mais tranquilo e mais forte. Apenas conversando com as pessoas, dando um pouco de atenção, conseguia fazê-las se sentirem bem melhores e elevar o ânimo de muitos. Entrou, passou pelo altar, seguiu em direção do Sacrário onde o Santíssimo se encontrava, o local mais importante da igreja. Como de costume, depois de reverenciar o Senhor inclinando-se e ajoelhando-se, sentou num banco vazio. A paz daquele lugar, muitas vezes, fazia-o esquecer de que existia um outro mundo lá fora. Olhando para as pessoas ao redor que estavam fazendo suas orações, pediu por elas. - “Senhor, não sei porque me trouxe até aqui”. – Sílvio pensou. - “Sei Senhor, que tens meios únicos de fazer as coisas para ajudar-nos, confesso que nem sempre entendo imediatamente, somente depois de algum tempo acabo por compreender seus motivos”. Sílvio ajoelhou-se e começou a orar, não

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114 demorou e sua concentração o fez desligar-se do que estava acontecendo a sua volta. Suas lembranças fizeram com que ele regressasse para o início de sua vida na pequena propriedade rural encravada no sopé do monte, onde muitas vezes subira a cavalo. Muito rapidamente algumas imagens vieram em sua mente, como num filme as etapas passavam de forma desordenada, até que uma figura muito conhecida e amada tomou conta de seus pensamentos. - “Quero pedir seu perdão por não ter sido um bom pai, de fingir não estar ouvindo quando me chamava dizendo que estava com medo, pensando em torná-lo mais forte e independente, de nunca ter tempo para as suas brincadeiras, suas histórias, suas dúvidas, porque eu estava sempre cansado do trabalho”. - “Sei que agora é tarde para pedir seu perdão, porque muitas coisas me pediu e eu te neguei, meu amor, minha paciência, até o que não era meu te neguei, meu tempo”. Enquanto pensava em seu filho, lágrimas rolavam pelo seu rosto fazendo sua alma ficar mais leve, tanto que as imagens que estava vendo eram de seu filho sorrindo e dando-lhe um beijo. Quando voltou a realidade percebeu o que tinha acabado de acontecer. Desta vez era ele quem estava sendo ajudado e agradeceu a Deus por mais essa graça. Antes de levantar-se e sair, pensou ter ouvido alguém chamando por seu nome.

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Capítulo trinta e sete VERA FALA SOBRE KASUO Era quase noite quando dona Vera chegou da residência de Kasuo. Seu filho e o amigo Cláudio estavam na garagem ensaiando algumas músicas para apresentarem na festa do asilo. - Olá meus queridos! Como vocês estão? Os dois cumprimentaram-na com um beijo. - Vocês não estão com fome? – Preocupada como todas as mães. - Nós comemos os doces que estavam na geladeira, talvez mais tarde. – Respondeu Ruan. - Hoje tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas e elas se propuseram a nos ajudar na festa que faremos no asilo. – Disse Vera feliz. - Cada vez que a senhora fala dessa festa, fico mais preocupado, faltam poucos dias e não encontramos quem toque conosco. - O que a mamãe falou antes? – Ela mesma respondeu. - Não falei para você fazer sua parte com amor e carinho, que o restante Deus te ajudaria? Acabei de conhecer um pessoal que tem uma banda, ou melhor, estão formando uma e aceitaram nosso convite. Comentei sobre vocês dois e eles disseram para vocês dois ensaiarem com eles. - Agradecemos, mas o Cláudio já sofreu com a discriminação e eu não quero passar por isso.

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116 - Antes de tirarem conclusões, por que não dão uma passada em sua casa e resolvem se param ou continuam os ensaios. - OK! Amanhã iremos até lá e conversaremos com eles. – Prometeu Ruan. – Agora estamos com fome. Dona Vera retirou-se para a cozinha e depois de algum tempo, quando voltou, carregava uma bandeja com vários sanduíches e uma jarra de suco.

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Capítulo trinta e oito ALTA DA CLÍNICA José Luís, como sempre fez durante sua estada na clinica, depois de escovar os dentes e arrumar sua cama, saiu em direção ao refeitório. Enquanto saboreava seu café não percebeu que Valter vinha em sua direção. - Bom dia! – Disse Valter. - Olá Seu Valter! O senhor precisa de algo? Depois de algum tempo, José Luís percebeu que o intuito do diretor era apenas ajudá-lo, ainda mais após a visita que recebera de sua mãe e irmã. - Preciso que você deixe seu quarto em ordem porque você vai nos deixar, você já está pronto para o próximo desafio, talvez o maior de sua vida, enfrentar a vontade de se drogar sem que alguém possa impedi-lo, você estará livre para decidir. Sinceramente espero que você possa superar essa fase. Aviso-te que vai ser briga de gato grande. – Completou. - Já pensei nisso e vou fazer o possível para nunca mais ter de voltar aqui para tratamento. - Se você tiver vontade volte para ajudar. Agora vá arrumar seu quarto porque sua mãe e sua irmã estão esperando por você na recepção. José Luís fez como tinha determinado o diretor e aproveitou para despedir-se do pessoal com quem conviveu todo aquele tempo, começando pelo pessoal da cozinha da limpeza, enfim de todos os funcionários e

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118 voluntários com quem conviveu. Enquanto caminhava em direção a recepção sentiu o quanto tinha sorte, muitos, que por ali passaram, não conseguiam fazer aquele trajeto. Lembrou-se da cena que presenciara não muito tempo atrás, quando um dos rapazes que havia saído num dia, no outro, tinha morrido por overdose. A tristeza de Valter ao saber do ocorrido foi presenciada por ele, que ao entrar no escritório do diretor para fazer a limpeza costumeira, encontrou-o chorando. Quando perguntou o motivo, Valter apenas respondeu que havia perdido uma grande alma. Aquele dia foi o estopim para sua admiração por ele. José Luís aprendera a admirá-lo e a entendê-lo. Sabia que era um bom homem escondido atrás de uma cara de mau. Seu coração batia mais forte à medida que se aproximava da porta da secretaria. Sabia que ao passar por ela sua mãe estaria lá para lhe dar o apoio necessário, mas também tinha plena convicção de que teria que se tornar mais forte para resistir às tentações. Havia conhecido vários jovens como ele, que pensavam em usar drogas apenas uma vez, para experimentar e depois parar. Alguns, para conseguir sustentar o vício começaram a retirar as coisas de casa para vender e com isso manter seu vício, com o tempo já não tinham mais o que vender, aí passavam a praticar pequenos furtos depois roubos muito maiores. No momento, ao defrontar-se com a polícia somente tinham dois caminhos, o

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cemitério ou a cadeia. Recebeu um abraço demorado de sua mãe, ali se lembrou das vezes que ao acordar com medo de algum pesadelo que tivera durante a madrugada e corria para proteger-se naquela fortaleza. Os dois ficaram abraçados por longo período.

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120 Capítulo trinta e nove A BUSCA CONTINUA Maria acordou com a sensação de estar no caminho certo e por isso tinha esperança de encontrar seu marido o mais rápido possível. As informações obtidas na emissora de televisão seriam de grande ajuda. Seu primeiro passo entrar em contato com a empresa proprietária da ambulância que conduziu seu marido para o hospital. Discou o número, foi atendida por uma jovem muito atenciosa, ela revelou não poder informar dados, por telefone, das pessoas transportadas. Maria anotou o endereço e o nome da pessoa responsável fornecidos pela garota e desligou. Tomou um café da manhã bem reforçado, não tinha a intenção de parar para almoçar e assim aproveitar melhor o dia. Teve o cuidado na escolha de suas roupas e sapato visando o conforto que precisaria para a longa jornada. Ao chegar na empresa, foi atendida por uma funcionária muito simpática. - Bom dia! Meu nome é Maria, muito prazer! - Bom dia! O meu é Gisele, em que posso ajudá-la? - Estou procurando meu marido. Ele sofreu um desmaio na rua e foi transportado por uma de suas ambulâncias. - A senhora tem a data da ocorrência? - Sim, aqui está. – Maria passou um papel onde estava anotado data e hora da ocorrência. Num instante Gisele digitou os dados no

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computador, imediatamente apareceu na tela o registro do boletim de ocorrência. Nele constava toda a informação necessária para que Maria pudesse encontrar o que estivesse procurando. Com o papel na mão Maria agradeceu Gisele e saiu em direção ao novo endereço. Algum tempo depois entre ônibus, metrô e caminhada, conseguiu chegar por volta das 15:00 horas no endereço indicado. Seguiu em direção ao balcão de informação, lá uma garota informou que não ocorreu nenhuma internação com paciente masculino de nome Sílvio na data solicitada conforme dizia naquele boletim. - Esta informação, eu consegui com a empresa que presta serviço de remoção aqui no município, lá me informaram que ele foi trazido para este hospital. - Pode ter sido trazido, mas não ficou internado. – Respondeu a atendente. - Se ele foi atendido aqui deve existir algum registro do atendimento, onde posso informar-me a respeito? – Maria não esperava que obtivesse sucesso. - Como não tenho nenhuma ficha de internação e a senhora tem informações que foi atendido neste hospital, então a única possibilidade é que tenha sido no pronto-socorro ou na emergência. A senhora precisa dar a volta e entrar na rua ao lado e seguir até a próxima esquina e informar-se no PS. – A recepcionista devolveu-lhe o boletim e se

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122 virou para atender outra pessoa. Maria aceitou a ideia da recepcionista e seguiu para o pronto-socorro. Ao chegar no local indicado, dirigiu-se para o balcão de informações onde foi atendida por uma senhora muito simpática. - Boa tarde em que posso ajudá-la? – Perguntou mantendo nos lábios um sorriso franco. Maria explicou a situação e com os dados na mão a recepcionista fez a consulta no terminal do computador e nele encontrou uma ponta de esperança. No dia indicado no boletim de ocorrência entregue, Elizete constatou o atendimento. - A senhora tem razão seu marido foi atendido, porque teve um desmaio, após os exames, não constatado nada ele ficou em observação por algumas horas e foi liberado. - Você poderia dizer-me qual endereço consta na ficha? - Infelizmente não temos o endereço, o que consta aqui na ficha que no dia ele informou que morava na rua, pelo menos está escrito no campo de observações. – Completou Elizete. Maria já tinha perdido a esperança de encontrar seu marido, agradeceu e ia saindo quando Elizete veio correndo em sua direção e em sua mão um papel. - Olha dona Maria, acabei de lembrar-me do caso do seu marido, ele foi encaminhado para uma clinica de recuperação de dependentes químicos, aqui está o endereço. Maria pegou o endereço, mas já era tarde e não teria tempo para chegar lá, resolveu

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deixar para o dia seguinte.

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124 Capítulo quarenta RUAN E CLÁUDIO Ruan foi acordado por sua mãe com uma xícara de café, tomou um banho e ficou aguardando por Cláudio. Convidou-o para que viesse tomar o café da manhã com ele. Não demorou muito, os dois, já estavam a caminho para conhecerem seus novos companheiros. Durante o caminho a conversa entre eles era sobre a expectativa da nova situação. A dúvida estava no fato dos dois se acharem diferentes, não sabiam como seriam recebidos pelo novo grupo, pelo senhor Kasuo que parecia uma pessoa de mais idade que eles. O trajeto deixou-os mais confiantes sabiam que eram capazes, não seriam pequenos problemas que os afastariam dos seus sonhos. De fronte ao portão pararam, por alguns instantes, a indecisão tomou conta dos dois, até que Ruan decidiu apertar a campainha. Aguardaram para serem atendidos. Não houve quem os atendessem. O segundo toque dado. Novamente o som da campainha foi ouvido. Imediatamente uma voz feminina solicitou, pelo interfone, que aguardassem um momento. - Em que posso ajudá-los? – Perguntou Helena enquanto se aproximava do portão. Ruan com seu jeito único de falar perguntou sobre Kasuo. - Bom dia! Meu nome é Ruan e gostaria de falar com o senhor Kasuo. Helena abriu o portão e os dois, um pouco

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timidamente, entraram e seguiram-na até a sala de estar. Aguardaram enquanto eram anunciados. - Tenho a impressão que ele vai se assustar ao ver essas duas figuras na sua sala. – Disse Cláudio que até o momento estava calado. - Vamos procurar fazer uma cara bonita. – Completou Ruan rindo da situação. A porta foi aberta Helena entrou e avisou que seu patrão em poucos minutos estaria chegando. - Os senhores aceitam um café ou uma água? Os dois optaram por um pouco de água, estavam com a boca seca devido ao nervosismo. Não demorou muito, a porta novamente foi aberta, desta vez é Kasuo quem aparece acompanhado por Romeu. Os dois ficaram surpresos ao verificarem que além de ser bastante jovem, tinha uma deficiência visual, imediatamente todo o nervosismo passou, a partir de então, começaram a ficar a vontade. - Bom dia! Meu nome é Kasuo e estou feliz por terem aceitado o convite. - Bom dia! – Responderam ao mesmo tempo. - Meu nome é Ruan e este é meu amigo Cláudio... Ao perceber que estava cometendo uma gafe tratou de consertar. - Me desculpe Kasuo. - Não tem problema nenhum, depois de tanto tempo já estou acostumado. Fique tranquilo que você não é o primeiro nem será último.

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126 - Não sei se minha mãe falou, além do problema de fala, que você deve ter notado, tenho síndrome de Down leve. - Eu sou o Cláudio, muito prazer! O meu problema é o uso de pernas mecânicas e tenho também um pouco de gagueira. – Completou. – Não precisava nem dizer que sou meio gago. - Aqui cada um ajuda o outro, colabora com o que tem. Formamos uma família. Kasuo estava falando, quando a porta foi aberta e os três entraram, Ruan e Cláudio compreenderam o sentido das palavras dele. William entrou primeiro empurrando a cadeira de roda de Jorge, logo atrás Oscar, com sua armadura e seu sorriso. William incumbiu-se das apresentações dos outros, Ruan e Cláudio fizeram o mesmo. Kasuo comentou sobre o que cada um fazia. - Eu sou pianista, Jorge toca guitarra, Oscar é um excelente cantor e William, que acabamos de descobrir nele um cantor que nem ele conhecia, além disso, é nosso empresário. Ruan informou que era baterista e Cláudio tocava contrabaixo. - Por que não vamos a garagem para sabermos do que este bando de especiais é capaz de fazer. – Sugeriu Oscar. Sempre zombando da sua própria condição. Costumam dizer que nasceu de teimoso e vivia só para contrariar a classe médica. - Vamos ver se somos capazes de agradar as vovós. – Completou. Antes de saírem em direção à garagem, Kasuo perguntou à Helena se tudo estava

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como lhe havia pedido. - Tudo como pediu. William foi o primeiro a entrar para acender as luzes, ao olhar para uma cadeira que costumava sentar, quando estavam tocando, viu um estojo muito familiar e sobre ele um cartão onde pode ler “Os dons, que Deus nos dá, não serão mantidos escondidos eternamente, seria um grande desperdício”. Ao perceber do que se tratava, chorou copiosamente. Todos, até os que acabavam de entrar para o grupo, foram abraçá-lo. - Deixa-me reapresentar o William para vocês dois. – Disse Kasuo. - Este é William, cantor, nosso empresário e há pouco tempo descobrimos que também é um violinista. - Faz muito tempo que não toco. – Disse timidamente. - Como descobriram? - Você me mostrou uma foto - Disse Oscar - nela pude notar que havia um estojo no sofá, no começo não sabíamos qual instrumento era por causa da qualidade da foto, mas em uma conversa com o vendedor de uma loja ele me disse que era de violino. Você pensou que somente ficaria ouvindo música? – Continuou com a gozação. - Quero agradecer a todos, não sei o que seria de mim sem vocês, mas como disse faz muito tempo. - Desculpem-nos! – Iniciou Kasuo dirigindo-se aos novos componentes. Tínhamos preparado essa surpresa para ele.

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128 - Que tal começar o nosso ensaio, afinal, a apresentação não está tão longe assim! - A propósito, a bateria e o contrabaixo estavam esperando por vocês dois, portanto, aos seus lugares. Cada um se posicionou no instrumento e a primeira etapa foi para afinação. - Nós não vamos tocar o pesadelo dos músicos? – Comentou Oscar. - Pesadelo de quem? – Perguntou Helena. - Dos músicos! – Retrucou Oscar. – Vocês nunca participaram de alguma reunião, onde o mestre de cerimônia, para homenagear alguém, pede para os músicos dar a introdução do “Parabéns a você” e em poucos instantes estão cantando cada um num ritmo diferente e os músicos deixam de acompanhar e acabam perseguindo os cantores. A risada foi geral; em poucos instantes todos estavam descontraídos, inclusive os novos. A primeira música ensaiada foi o Fantasma da Ópera, depois de algum tempo de ensaio, em dado momento, todos pararam para ouvir o solo da bateria, Ruan deu seu show e ao terminar, foi aplaudido por todos em seguida foi Cláudio, que também foi muito aplaudido pelo grupo. Nascia uma banda.

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Capítulo quarenta e um COM MUITA ESPERANÇA O relógio acionou o alarme no horário estipulado. Normalmente tinha o hábito de levantar-se antes de ouvi-lo, mas desta vez, não estava disposta, não queria ter mais uma decepção. Tocou levemente no botão para desligá-lo temporariamente, aproveitou para se decidir sobre o que faria. Não demorou muito, o alarme tocou novamente. - “Não vou ter sossego enquanto não levantar”. – Pensou. Enquanto esquentava um pouco de água para o café aproveitou para selecionar a roupa que usaria. Gostaria de poder ficar um pouco mais no banho, mas o tempo era implacável e teimava em passar muito rapidamente. Tomou um café reforçado. Saiu sem muita convicção quanto ao sucesso de sua busca. Olhou o endereço anotado no papel e seguiu na direção do ponto de ônibus. Maria conhecia a cidade, porém, não tinha a menor ideia da localização da rua. Ao chegar numa praça central da cidade resolveu pedir informação sobre a clínica, mas ninguém soube informá-la. Estava quase desistindo quando um senhor, que acabara de passar por ela, ouviu-a e explicou com clareza onde ficava a rua que ela desejava. No ônibus indicado passou pela roleta, pagou a passagem e sentou-se próxima do cobrador para ser informada quando deveria descer. A

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130 viagem demorou mais do que previra, o motivo não era distância e sim o itinerário. Ao ser avisada, aguardou que o ônibus parasse e desceu. Por sorte, o ponto situava-se próximo da clinica. Parada defronte ao portão, seu coração começou a bater mais forte com a expectativa do reencontro. Uma senhora caminhou em sua direção, mas a informação que recebera sobre Sílvio foi negativa. - A senhora sabe onde ele mora? – Perguntou desesperada. - Raramente ele vem aqui. – Respondeu a mulher. - Faz uns dois meses que não o vejo, estive em férias e voltei a trabalhar hoje. Fale com o diretor, eles são amigos. – Completou. - Se puder gostaria muito. O portão foi aberto, Maria entrou. Foi encaminhada para uma porta na qual estava escrito “Diretor entre sem bater”. Deu um leve toque na porta e entrou. Foi recebida por uma garota que acabava de desligar o telefone. - Bom dia! – Disse Maria. – Gostaria de falar com o diretor, ele está? - Quem gostaria de falar com ele? - Meu nome é Maria, sou esposa de Sílvio e... Não precisou terminar de falar Valter já estava cumprimentando-a. - Bom dia! Meu nome é Valter. - Bom dia! O meu é Maria estou procurando por Sílvio. Fui informada que ele passou algum tempo aqui com os senhores. - Passou algum tempo conosco, mas não

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mora mais aqui. Para ser mais preciso vem aqui somente quando tem alguém que necessite de nossa ajuda. - O senhor não sabe onde poderei encontrá-lo? - Ele vive nas ruas da cidade, andando de um lado para outro, pode estar em qualquer lugar, não tem um endereço fixo. Convidei muitas vezes que ficasse morando aqui, mas ele não aceitou. - Pensei estar próxima dele, mas tenho a impressão que nunca mais vou encontrá-lo. - Não pense nisso, um dia as coisas acabam se acertando, basta confiar. - Agradeço pela atenção e, caso ele volte, aqui está meu telefone e endereço. – Entregou um papel dobrado. - Pode ficar tranquila, caso ele volte entregarei o bilhete. Não entendia o que estava acontecendo. Depois de andar de um lado para o outro se sentiu cansada. Estava precisando de ânimo, resolveu entrar em uma igreja, que tinha visto na praça. Aproveitaria para descansar o corpo e aliviar o espírito. Havia poucas pessoas em seu interior, caminhou em direção ao altar do Santíssimo como sempre fazia com Sílvio. - “Toda procura não levou a lugar algum”. – Pensou enquanto caminhava em direção ao altar. De joelhos e cabeça baixa, nos seus pensamentos se perguntava por que o destino quis que ficasse só, quando seu maior sonho

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132 era ter uma família grande. Perdera tudo que amava. Durante sua conversa com Deus, pediu que acalmasse seu coração, que orientasse seus passos e ordenasse seus pensamentos, então de olhos fechados procurou sentir a paz daquele lugar. Quanto mais se concentrava, mais tranquila e serena ficava. Em seus pensamentos todos os acontecimentos eram exibidos, como um filme de sua vida. No seu íntimo um novo sentimento surgiu. - “Agradeço-te Senhor, por me fazer entender, que mesmo sendo breve o momento que temos com os que amamos o importante é que sejam intensos como o fogo que purifica e a música que faz bem a nossa alma e o amor que nos transforma”. Alguém tocou delicadamente seu ombro, enquanto lhe perguntava “em que posso ajudá-lo?”, ao soerguer a cabeça levou um susto ao ver aquela figura enorme com cara de espanto, usando roupas surradas, cabelo comprido e barba por fazer, teve vontade de sair correndo, mas não conseguia se mexer nem responder. Já refeita, reconheceu, apesar da aparência, quem era. Não conseguiu se conter abraçou-o, beijou-o ao mesmo tempo em que chorava de alegria, queria contar e perguntar tudo de uma só vez. O tempo parou, nada mais importava, queria apenas viver aquele momento tão esperado, aproveitar cada instante intensamente e recuperar todo o tempo perdido. Sílvio não acreditava no que estava

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acontecendo. Não sabia porque teve a ideia de perguntar se podia ajudar, quando ele era quem mais precisava de ajuda. - “Seria um sonho ou estarei enlouquecendo”. – Pensou ele. Ficaram abraçados, sem dizer palavra alguma que pudesse atrapalhar o som das batidas dos seus corações. Depois de algum tempo puderam voltar ao mundo real. Cada um contou sobre o que tinham passado. - Quando acordei hoje cedo, estava sentindo uma tristeza enorme. Sempre corri para este local quando me sentia assim e procurava ajudar outras pessoas. Dessa forma, conseguia recarregar minhas forças, desta vez, Deus me trouxe aqui, não para ajudar outras pessoas que precisavam de uma palavra, do calor da proximidade de um semelhante, ou mesmo o silêncio, mas para me ajudar. – Sílvio foi quem primeiro falou. - Neste lugar, encontrei-me com diversas pessoas e Deus estava preparando-me para este momento, porque sentia vontade de estar neste lugar. Durante muito tempo deixei de aparecer depois do atropelamento de n... Não conseguiu terminar a frase, a cena de seu filho deitado no chão coberto com saco plástico preto ainda não havia desaparecido de sua mente. Maria que já sabia do ocorrido tocou-o nos lábios com a ponta dos dedos e deu-lhe um abraço. - Por que não me procurou? – Ela desejou

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134 saber. - Procurei depois de algum tempo quando consegui ficar sem beber, mas você já não morava mais naquela casa e os vizinhos disseram que havia mudado e não deixara nenhum endereço ou telefone para contato. - Como me encontrou? – Sílvio quis saber. Enquanto ela explicava todos os caminhos até encontrá-lo, um garoto se aproximou e sentou-se no banco ao lado.

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Capítulo quarenta e dois O AVÔ José Luís estava apreensivo com a expectativa do retorno. Quando chegaram no portão de casa notou que algumas coisas estavam mudadas, a começar pelo portão que estava pintado na cor grafite, o quintal estava limpo e gramado, algumas pedras colocadas formavam o caminho até a casa. A pintura deu uma aparência de uma casa nova. O rapaz sentiu que ali agora parecia um lar, quando perguntou para sua mãe quem tinha feito tudo aquilo ficou surpreso com a resposta. - Não se preocupe que você já vai saber. – Respondera sua mãe. Enquanto se aproximava da porta da cozinha sentiu o aroma familiar, entrou e se surpreendeu com a presença de um homem que estava em pé coando café. Não se encontravam desde que sua irmã tinha nascido. - Não acredito no que vejo! – Disse o garoto. – Estava com muita saudade de você. Correu na direção daquele homem que tanto amava e admirava, seu único e verdadeiro herói. - O que te fez voltar? – Perguntou enquanto dava um abraço de boas vindas. - Pensa ser fácil para eu ficar longe de vocês? – Respondeu com doçura. - Você vai morar com a gente? – Perguntou o

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136 garoto. - Você gostaria? - Você sabe, isto é o que mais quero. – Respondeu olhando nos olhos daquele que tanto admirava. Enquanto colocava as xícaras com o café na mesa falou com emoção. - A saudade de um garoto que deixei, de uma garotinha, e uma filha que descobri ser uma grande guerreira, que apesar de estar sozinha conseguiu criar vocês, foi o que me fez voltar. Não consegui viver longe sabendo que vocês estavam aqui e poderiam estar passando necessidade, como vocês não foram para minha casa resolvi mudar para cá. - Esta é a melhor notícia que recebi, então poderemos ficar juntos de agora em diante? – Perguntou para o avô. Foi o senhor quem arrumou tudo por aqui? - Você gostou? - Claro! Está como na clínica onde passei algum tempo. Lá nós cuidávamos da horta, jardins, limpeza e tudo mais. Aprendi algumas coisas, poderemos cuidar de tudo por aqui. - Então posso contar com você para me ajudar? - Pode estar certo disso. Poderemos fazer muitas coisas. – Respondeu sorrindo. Zé Luís, como era chamado pelo avô que também se chamava José, desde muito novo fizera de seu avô o seu melhor amigo. Durante alguns anos, viveram juntos, em todo o lugar que o avô ia levava o neto junto. Os dois, às vezes, pareciam crianças ora

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brincando, ora fazendo bagunça e sendo repreendidos pela filha. Certo dia, por insistência do genro, teve que se separar do seu neto amado. A mudança para outro estado impossibilitaria de encontrá-lo mais assiduamente. Fora a pior notícia que recebeu, ele sabia qual era o real motivo do seu genro querer se mudar. Desconfiara do romance dele com uma vizinha, que alguns dias antes havia mudado para a mesma cidade. A partir de então somente o sofrimento e saudade do neto e da filha. Sozinho morando numa chácara acabou desistindo do cuidado com a ordem e limpeza do terreno, do jardim que ele havia plantado. Tudo era passado, agora estava junto com aqueles que amava e não queria pensar nas coisas ruins. Para aproveitar todo o tempo possível, convidou José Luís para construir mais um quartinho nos fundos da casa.

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138 Capítulo quarenta e três OS PREPARATIVOS Dona Vera saiu em direção ao asilo, queria ajudar nos preparativos para a festa. O pátio foi liberado para receber os internos e seus parentes e os funcionários, para ouvirem o concerto que seria apresentado. Algumas pessoas voluntárias estavam fazendo a pintura e limpeza do local, verificando tudo o que poderia ser melhorado, dando os últimos retoques. A diretora estava muito contente com a notícia que dona Vera trouxera de que haveria uma apresentação de músicos. - Hoje meu filho foi até a casa do senhor Kasuo que virá com sua banda. - Fico feliz, assim poderemos alegrar nossos internos por alguns instantes. – Disse Emile visivelmente emocionada. - Tenho certeza de que será um lindo dia. - Deus te ouça. – Completou Emile. - Recebemos doação de roupas, sapatos entre outras coisas, eles estarão todos lindos. - Que notícia excelente Emile, no início, nós tínhamos uma ideia, agora falta apenas alguns detalhes, a propósito, preciso saber quando os rapazes poderão vir aqui para verificar o local onde tocarão. - O pessoal termina tudo hoje à tarde, a partir de amanhã já poderão vir sem problema nenhum. Minha única preocupação ainda é com a alimentação que vamos servir. - Esse item a mim também tem sido motivo de preocupação. O estoque que temos não vai ser suficiente para festa e para o restante do

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mês. - Quem sempre me diz para ter fé, que tudo vai dar certo? – Lembrou Emile. - Sou eu! Vamos confiar que tudo vai dar certo, como sempre. Não da forma que queremos, mas como deve ser. Antes de sair, Vera sorriu para Emile, tinha uma caminhada longa até sua casa. Esperava encontrar seu filho Ruan quando chegasse, mas para sua surpresa ainda não tinha voltado. Resolveu preparar uma xícara de chá. Foi até o quintal, onde mantinha uma horta bem cuidada, ali selecionou alguns ramos de hortelã. Depois de preparar o chá, sentou-se e fez um balanço de tudo o que ainda era necessário para a festa do asilo. Apesar de ser apenas uma simples voluntária, se preocupava com o bem-estar daquelas pessoas que ao término de sua jornada eram tão carentes de afeto, principalmente o familiar, de necessidades materiais, cuidados médicos entre outras coisas. Fazia algum tempo que Helena trabalhava como voluntária a convite de sua grande amiga Emile, esta causa que abraçara com tanto empenho muitas vezes era o motivo de sua maior preocupação. Estava distraída em seus pensamentos, que não percebeu o tempo passar, quando se deu conta já anoitecia. Ouviu o barulho, muito conhecido da porta de entrada sendo aberta e a costumeira frase, “Mãe cheguei!”, que Ruan sempre usava.

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140 Não sabia porque adorava tanto esta frase, se pelo jeito carinhoso como era dita ou por saber que seu tesouro havia voltado em segurança ou uma mistura dos dois. Estava tão radiante que sua mãe ficou ainda mais curiosa para saber o que tinha ocorrido no encontro com os rapazes. Depois do beijo e abraço costumeiro. - Como foram as coisas? - Ótimo! Não poderia ser melhor. Foram eles que no dia da minha apresentação me convidaram para tocar, mas com o tumulto que estava acabei não dando uma resposta. - Você conheceu os outros rapazes? – Perguntou Ruan. - Sim todos eles. - Por que chama-o de senhor Kasuo, ele tem apenas alguns anos mais que eu? - É verdade! Não sei exatamente. Uma questão de respeito? – Disse sem muita convicção. - Agora me diz como te receberam? - Me senti como se estivesse na minha casa, a maioria deles tem necessidades especiais. - O Oscar parece um robô. Ele utiliza uma muleta e suas pernas precisam estar presas com esses ferros até a cintura, mas é o cara mais engraçado que já conheci em toda minha vida. - No começo, achara o Cláudio um rapaz “normal” sem problemas físico. Quando ele se apresentou, o Oscar comentou que ele parecia produto pirateado que somente olhando não achamos o defeito. - Todos rimos inclusive o Cláudio que quase

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engasgou de tanto rir enquanto levantava a barra da calça para mostrar sua perna mecânica. - Então vocês não ensaiaram nenhuma música? - Claro que ensaiamos! Também conversamos um pouco, afinal ninguém é de ferro. Vera e Ruan conversaram por muito tempo enquanto sorviam um delicioso chá.

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142 Capitulo quarenta e quatro NO RESTAURANTE - Os dois são muitos simpáticos! – Comentou William após o ensaio. - Tocam muito bem. O Ruan não é o rapaz que convidamos para tocar com a gente algum tempo atrás? – Perguntou Kasuo. - O próprio! - Respondeu Oscar. – Como descobriu. - Vejo coisas que vocês não veem. – Respondeu rindo. - Agora que completamos a turma é só ensaiarmos com bastante afinco para fazermos bonito na festa do asilo. – Disse Jorge que não era de falar muito. - Precisamos fechar o repertório para ensaiarmos mais, até que fique na ponta dos cascos. Gostaria que todos colaborassem com sugestões das músicas, assim teremos maior chance de agradá-los. A solicitação de Kasuo foi acatada, cada um indicou algumas que seriam apresentadas. - Faz muito tempo que estamos aqui dentro desta casa. Que tal sairmos para jantarmos em algum lugar tranquilo? – Sugeriu Kasuo. - Até que enfim alguém teve uma ideia genial, acredito até que a Helena está disposta a deixar a masmorra. Não é de admirar, cuidando desse bando de marmanjos, cansa qualquer um. – Oscar foi o primeiro a apoiar a ideia de Kasuo. Vestidos impecavelmente aguardavam na sala de estar Kasuo fazer a reserva de última hora. - Podemos ir! – Informou Kasuo.

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Depois de acomodados seguiram em direção ao restaurante onde Kasuo e seus pais costumavam jantar. Na recepção o manobrista, ao reparar no automóvel, ficou maravilhado com o seu estado de conservação. Romeu colocou-se ao lado de seu dono e aguardou o comando pacientemente. Indicaram uma mesa situada num local muito tranquilo. - O que vocês acham deste local? – Quis saber Kasuo. - É perfeito de fácil acesso e muito tranquilo, aqui poderemos conversar bastante. – Comentou Jorge. A causa de sua preocupação com o espaço estava ligada a sua cadeira de rodas. Certa vez lembrou-os das dificuldades de utilizar uma cadeira de rodas nas ruas das grandes cidades, porque quase nada era adaptado aos seus usuários. Sem contar os egoístas que colocavam seus carros sobre as calçadas, ou de forma a impedir a passagem de seu semelhante. No restaurante, algumas pessoas, acomodadas em mesas centrais, não paravam de olhar para eles. Outras, no momento que entravam no restaurante, ao notarem a presença daquele grupo, procuravam pedir mesas mais distantes. Kasuo sendo guiado por Romeu, seguiu a frente do grupo, logo atrás, William empurrando a cadeira de Jorge, por último,

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144 Oscar e Helena, todos em direção aos pratos frios. - Me sinto um rei quando todos me olham com essa cara de curiosidade. – Comentou Oscar para Helena. - Fico imaginando o que estariam pensando ao verem um cara todo espacial como eu ao lado de uma lady. - Completou não conseguindo segurar a risada. Um dos garçons, que trabalhava no restaurante na época em que os pais de Kasuo costumavam frequentá-lo, reconheceu-o. Imediatamente se dirigiu a ele com a amabilidade que sempre o fizera. - Boa noite! Como o senhor tem passado senhor Kasuo? Faz algum tempo, desde a última vez que esteve aqui, mas gostaria de dizer que estou muito contente em poder servi-lo novamente. - Agora já sei quem é você! – Como está senhor Mário? – Sorrindo ao lembrar-se dos chocolates que ganhava ao sair. - Estou ótimo! – Lamento o ocorrido com seus pais. - Obrigado! Como o senhor me reconheceu? - As pessoas podem mudar por fora, mas procuro guardar a fisionomia interna, por mais que mude, suas marcas são deixadas pelo caminho e o carinho que demonstra quando fala com as pessoas é a sua. O senhor continua tocando piano? - Sim! Reiniciei minhas atividades algum tempo atrás depois que conheci esse pessoal. – Disse apontando para o grupo. - Desculpe minha indelicadeza, não apresentei meus

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amigos ainda. - Disse ao meu patrão que o senhor é um excelente pianista e perguntei se ele se importaria caso o senhor tocasse um pouco para matar minha saudade e ele adorou a ideia, então gostaria de saber se poderia tocar algo para nós. - Claro que sim. Que música o senhor gostaria de ouvir? - Para ser franco o que me encanta é o modo como o senhor toca, as músicas são meros detalhes. - Como anteriormente, se me permitir, vou preparar aquela salada que o senhor sempre comia quando vinha aqui. - Se você se lembrar, ficarei grato. Agora onde está o piano? O garçom fez menção de levá-lo, mas Kasuo, gentilmente, informou da necessidade de ser conduzido por seu cão-guia. Kasuo deu o comando, imediatamente Romeu começou a caminhar vagarosamente em direção ao piano. Kasuo ajeitou-se no banco e iniciou sua apresentação com algumas músicas de Frédéric Choppin. Não notou que o pessoal se aprontava para acompanhá-lo, ao iniciar os primeiros acordes de uma música chamada “Nostalgia” composta por Yanni, percebeu que não estava só, no improviso fizeram uma apresentação, que ao final foi aplaudida em pé pelos presentes. Agradeceram e para encerrar Kasuo tocou “I’m Still Standing” do Elton John, Oscar incumbiu-se do vocal, o

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146 mais impressionante foram, além da voz, suas coreografias. Caminharam em direção aos seus lugares para jantarem, agora com uma diferença, todos olhavam aquele grupo com admiração. Foram tratados como convidados especiais. - Definitivamente não consigo entender o ser humano! – Disse Oscar. - Por que diz isso? – Quis saber Kasuo. - Acredito que não tenha visto como nos olhavam, quando entramos. Kasuo não se aguentou de tanto rir com a colocação feita. - Com certeza nem reparei. - Esta é sua grande vantagem. As pessoas tendem a fazer um preconceito de tudo. Quando era jovem não comia certos tipos de alimento dizendo que não gostava, isto sem ter provado. O mesmo ocorre com as pessoas, às vezes não a conhecemos, mas a criticamos. - Como você está fazendo agora? – Disse Jorge. Oscar foi o primeiro a rir com a colocação e parou sua crítica. Kasuo pediu a conta, mas o garçom informou que o proprietário tinha oferecido aquele jantar em agradecimento pelos momentos musicais. - Agradeço e quando precisarem de uma banda é só me avisar. – Informou sorrindo.

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Capítulo quarenta e cinco MARIA E SÍLVIO - O senhor tem uma moeda para comprar um lanche? Sílvio olhou aquele garoto com os pés descalços, roupa suja, lembrou-se dos muitos garotos que viviam pelas ruas se drogando para se alienar, esquecer os medos, angústias e as revoltas. Aquela moeda, provavelmente não seria para comprar alimento, apenas algumas pedras de craque. Certa vez, ao perguntar por que usava drogas, um garoto respondeu que enquanto estivesse sem consciência tinha menos tempo para sentir saudades de sua família. Sílvio ajeitou um lugar para o garoto sentar ao seu lado. - Senta aqui para conversarmos um pouco e depois vamos almoçar todos juntos. O garoto ficou um pouco receoso, mas resolveu aceitar a proposta. - Você mora onde? - Na rua, não tenho um lugar certo para ficar. – Respondeu o garoto. - Sei como é isso! – Disse Sílvio compreensivo. - Se o senhor sabe, então por que pergunta? Maria olhou para Sílvio, fez uma careta como quem diz: você é quem pediu. - Você tem razão, mas perguntei para iniciar a conversa. Qual é o seu nome? - Edmundo! Meu apelido é Dinho. - Muito prazer, meu nome é Sílvio e esta é

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148 minha esposa Maria. Maria ficou emocionada com a forma como foi apresentada, apesar de ser a correta, fazia tempo que não o ouvia falar dessa maneira. - Muito prazer! - Disse o garoto estendendo a mão suja para cumprimentá-la. - O prazer é meu! – Respondeu Maria visivelmente emocionada. - Quantos anos têm? – Perguntou ela. - Tenho 10 anos. - Os seus pais onde estão? – Perguntou Sílvio. - Não sei quem é meu pai e minha mãe sumiu com um homem que era namorado dela. - Você tem irmãos ou outros parentes? - Não. Minha mãe veio quando era pequena para cá e nunca mais voltou, ela também foi abandonada. - Olha Edmundo se você quiser morar com a gente até encontrar sua mãe não terá problema nenhum. – O instinto materno falou mais alto. - A senhora esta falando sério? - Claro que estou! - Você não quer passar para pegar suas coisas? – Sílvio quis saber. - O que tenho está comigo. – Mostrou uma sacola plástica onde tinha uma manta surrada. - Para morar com a gente nós teremos que ir perante um juiz e pedir autorização, mas antes você tem que estar de acordo. - Podemos ir agora mesmo. – Respondeu o garoto. - Podemos deixar para depois, primeiro temos que comer algo, depois comprar algumas

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roupas para você e seguirmos para casa tomar um bom banho e amanhã resolveremos o restante. – Disse ela. Maria estava feliz e sentia que aquele garoto foi enviado por Deus e todos teriam um novo recomeço. Antes de sair Sílvio olhou para trás e agradeceu. - O senhor já havia preparado tudo isso, não é? – Sorriu enquanto saia.

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150 Capítulo quarenta e seis NO BANCO Oscar acordou com muita disposição. Estava tão disposto que se ofereceu para fazer as tarefas na rua. - Hoje o dia está tão bonito que me despertou a vontade de fazer uma boa caminhada. Tem alguma coisa que possa fazer? – Perguntou para o Kasuo que acabara de sentar-se para tomar seu café. Kasuo adorou a ideia, tinha verdadeiro pavor do tempo perdido dentro dos bancos. - Pode pagar algumas taxas no banco ficaria muito grato. - Deixa comigo! Onde estão as “crianças”. – Referindo-se as contas. - Estão numa pasta encima da mesa do escritório. Helena trouxe a pasta e entregou-a para o Kasuo. Não demorou muito, Oscar estava a caminho do banco. Cumprimentou os vizinhos que cuidavam de seus jardins e prosseguiu caminhando com seu jeito particular. Certa vez, num de seus comentários dirigido a Helena, disse que as mulheres tinham uma facilidade de se apaixonar por ele por causa do seu rebolado ao caminhar. Helena apenas riu. Ao chegar no banco havia algumas pessoas na sua frente esperando a abertura das portas. A entrada, como medida de segurança, era feita de uma pessoa por vez. Aguardou pacientemente que todos entrassem, mas

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notou que a maioria colocava seus celulares, molho de chaves, canetas, guarda-chuva entre outras coisas dentro de uma caixa acrílica, mas quando tentavam passar pela porta giratória ela travava. Teve o caso de uma senhora que após três tentativas e depois de ter esvaziado a bolsa, colocou-a no chão e girou a porta, mesmo assim, a bendita porta teimava em travar. Irritada com a situação, não teve duvidas, retirou sua ponte móvel e colocou na caixa acrílica. Mesmo assim não conseguiu entrar. Foi necessário que o segurança liberasse a porta. Depois de presenciar aquela cena, não teve dúvidas, colocou o rosto próximo da caixa acrílica e gritou para o guarda. - Acho um pouco difícil conseguir entrar por aqui. – Disse mostrando todos os metais que carregava com ele. Os que esperavam na fila começaram a rir. Como não houve resposta do segurança, insistiu. - Meu caro, se colocar todos os metais que tenho no corpo, essa caixa vai ser pequena. Recebeu um sinal do segurança e entrou sem maiores problemas. Já dentro do banco, procurou pelo caixa onde deveria efetuar os pagamentos, havia tantas placas que se sentiu perdido. Uma atendente percebeu sua dificuldade e veio em seu auxílio. Ao verificar o tipo de transação que faria, indicou-lhe um caixa especial e por coincidência sua posição

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152 na fila seria após a senhora da porta giratória. Enquanto aguardava sua vez, prestava atenção às pessoas. Suas feições, a maneira como se comportavam, imaginando como estavam se sentindo naquele momento. Havia um senhor na fila ao lado, que não parava de olhar para o relógio, Oscar arriscou. - “Deve estar preocupado, porque não colocou o cartão de estacionamento no veículo”. Perdido em seus pensamentos não percebeu o que estava acontecendo a sua volta. A senhora, a sua frente, olhava em sua direção dizendo: - “Ai meu Deus!” Repetidas vezes. Ao virar-se, entendeu o que ocorria, sua tranquilidade acabou. O banco já estava lotado, mas verificou uma arma parecida com uma metralhadora pequena que parecia de brinquedo, reluzia de tão brilhante e polida, erguida acima das cabeças dos que ali estavam. Fez uma avaliação do que poderia ser feito, mas chegou à conclusão mais acertada de ficar quieto em seu lugar.

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Capítulo quarenta e sete RUAN VAI AO NOVO ENSAIO Ruan ligou para a residência de Kasuo para informar-se do horário do novo ensaio. - Bom dia Helena! O Kasuo está? - Está sim! É o Ruan quem está falando? - Sim. - Vou passar o telefone para ele. Ruan agradeceu e aguardou até ouvir a voz de Kasuo cumprimentando-o. - Estou ligando para saber sobre o ensaio. - Pode vir agora mesmo, aguardaremos somente o Oscar chegar do banco e iniciamos. - OK! Vou avisar o Cláudio e iremos imediatamente. Assim que Ruan desligou o telefone, ouviu a campainha tocar. - Não morre mais, acabei de falar de você! - Bom dia! Falou bem ou mal? – Quis saber Cláudio. - Falei mal! O Kasuo disse que podemos ir agora mesmo. - Então o que estamos esperando? Os dois seguiram à residência de Kasuo, durante o trajeto o trânsito ficou congestionado nas proximidades do ponto onde deveriam descer. O tempo gasto foi bem maior do que o necessário, contra a sua vontade, demoraram a chegar. - Lamento Kasuo, mas atrasamos, porque está um congestionamento enorme próximo

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154 daqui. O cobrador disse que assaltaram um banco. – Desculpou-se Ruan. - Minha Nossa! O Oscar foi nesse banco. – Alarmou-se Kasuo. - Será que ele ainda está lá? – Quis saber Helena. - Por que não ligamos a TV? - Sugeriu William. - Provavelmente dirão algo a respeito. - Boa ideia! – Disse Kasuo.

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Capítulo quarenta e oito NO INTERIOR DO BANCO O número de assaltantes era elevado. Pelos seus cálculos havia pelo menos uns 10 deles muito bem armados e dispostos a tudo. Oscar, como todos os outros, foi conduzido a um canto da agência. Dois elementos armados mantinham o grupo sob vigilância. Estavam encapuzados, mas percebeu que, pelo menos dois tinham formas e trejeitos femininos. Um dos funcionários, ferido pelos golpes recebidos como exemplo para os outros reféns, foi jogado pelos bandidos aos pés de Oscar. Ao fazer menção de ajudá-lo, foi interpelado por um dos assaltantes que tinha, na mão, uma metralhadora apontada em sua direção. - Deixe-o onde está. – Determinou. - Mas ele está muito ferido. – Retrucou Oscar. - Você não quer ficar como ele, não é? – Disse dando uma risada sarcástica. - Gostaria de saber o que faria se estivéssemos em posições trocadas. – Retrucou com coragem. Mal terminou sua frase, levou um soco que fez sangrar seu nariz, mesmo tendo dificuldade para se manter em pé não se calou. - Se quiser pode matar-me, mas não vou deixar de ajudá-lo. Pegou um lenço no bolso, com muita

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156 dificuldade, se abaixou deixando cair suas muletas no chão, até conseguir se sentar e começou a cuidar do rapaz. Seu agressor ficou irritado com sua petulância, se preparou para desferir uma coronhada na cabeça de Oscar, quando foi interpelado por uma garota encapuzada, que o afastou dali enquanto outro assumia seu lugar. Conseguiu fazer parar o sangramento do supercílio do rapaz, percebeu que já estava consciente. - Obrigado! – Disse o rapaz num sussurro. Oscar apenas deu-lhe um leve aperto no braço e sorriu. Com muito esforço, porque todos estavam com medo de se mexerem, levantou-se e sem medir as consequências foi em direção do que aparentemente era o líder. Estava na metade do caminho, algumas armas foram apontadas para ele, mesmo assim continuou sem hesitação. - Aquele rapaz precisa de atendimento médico. - O que tenho com isso? - Pois vou dizer o que você tem com isso. Você como líder tem o dever de proteger seus liderados. - O que tem isso com ele precisar de médico? - Muito simples! Vocês entraram numa barca furada, o plano falhou. A melhor coisa a fazer é negociar com a polícia, que a essa altura deve ter cercado tudo e obter alguma vantagem. - Você não precisa de tanta gente aqui como refém, elas só vão atrapalhar, mais pessoas tomando água, para alimentar, para ir ao

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banheiro, entre outros inconvenientes. - Liberte os doentes em troca de algo que você queira. - Quer que apague esse tagarela? – Perguntou aquele que tinha dado o soco. - Não! Tenho outros planos para ele. - Você vai negociar isso com a polícia para a gente. – Disse o líder virando-se para Oscar. – Bem-vindo ao bando. Um dos que estavam sendo mantidos no canto levantou a mão pedindo permissão para falar. - Fala! – Disse o líder. - Sou médico, posso cuidar dele, preciso de alguns medicamentos, mas ele necessita de ser encaminhado a um hospital para exames complementares. - Me diz o que você precisa, vou entrar em contato com a polícia. – Oscar falou com firmeza. Pegou o telefone e discou o código de emergência, uma policial transferiu a ligação para o comandante do grupo que havia cercado o banco. Oscar explicou rapidamente o que estava ocorrendo. - Agora que o senhor está a par dos acontecimentos, o que pode oferecer em troca deste rapaz? - O que vocês querem? - Comandante, como já disse, só estou negociando com o senhor, como não me disseram o que eles querem, mande algum juiz corregedor. É o que sempre pedem, não

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158 é? - Vai demorar um pouco até ele chegar aqui. - Então mande água e uma maleta médica para o doutor que está aqui atender as pessoas que estão passando mal. - Isso estará à disposição imediatamente, mas quem será libertado? Quantos estão feridos? - Eu e um rapaz. Vou tentar liberá-lo, ele está muito ferido. Por favor, mantenha os paramédicos em alerta. Desligou e comunicou ao líder sobre o resultado da negociação. - Agora você decide quem vai buscar o que foi pedido, em cinco minutos será colocado na porta. Oscar retornou para avisar ao rapaz que ele seria libertado e que os médicos já estavam esperando para cuidar dele.

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Capítulo quarenta e nove NA TV O repórter informou que havia muitas pessoas no interior do banco naquele momento e não tinham informações quanto ao número exato de clientes, funcionários e assaltantes que estavam dentro do estabelecimento. A movimentação feita pelos policiais do efetivo empregado dava uma noção da gravidade da situação. - A polícia cercou todas as ruas. Essa medida dificultou a circulação nas imediações. - Comentou Cláudio que até o momento estava calado. Na TV, informavam que os assaltantes tinham pedido medicamentos para atendimento das pessoas que estavam passando mal. As imagens transmitidas pela TV eram descritas por Helena para Kasuo. - Os policiais estão colocando pacotes de garrafas de água e uma maleta próxima da porta do banco. Agora estão se retirando. A porta foi aberta, alguém está se preparando para pegar as águas e a maleta. Um breve silêncio seguiu deixando Kasuo impaciente. Ainda mais ouvindo as frases curtas que eram ditas pelos companheiros. - O que é aquilo? – Perguntou Jorge quase se levantando da cadeira de rodas. - Parece a ponta de uma arma de grosso calibre. – Completou William. – Uma espingarda?

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160 - Parece muito esquisito para ser uma arma. – Cláudio disse. - Por favor! Aumenta o volume da TV. – Pediu Kasuo. O comandante deu ordem para que ninguém atirasse. No momento seguinte a curiosidade de Kasuo foi satisfeita. - É o Oscar! – Disseram ao mesmo tempo. Saiu acompanhado de um rapaz para ajudá-lo no transporte das águas. Num piscar de olhos ao ver os policiais e a possibilidade de se salvar, não pensou duas vezes, saiu correndo em direção aos policiais, deixando o outro só sem saber o que fazer. Sem se abalar, apenas reclamou. “Os senhores não poderiam colocar isso tudo mais perto?” – Ouviram Oscar pelo som captado pela emissora de TV. - Não acredito no que estou vendo! Oscar é um tremendo gozador, ou um maluco. - O que está acontecendo Helena? – Quis saber Kasuo. - Ele está fazendo das suas. “Alguém poderia entregar-me à maleta, porque não consigo agachar”. “Será que não entenderam que não consigo pegar essa maleta? - Gritou para que todos pudessem ouvi-lo”. Um policial aproximou-se com cautela, abaixou-se para pegar a maleta entregá-la ao rapaz que se apoiava nas muletas, quando ficou surpreso com o que ouviu. - Contei dez, mas acredito que tenha mais algum infiltrado no meio dos clientes. Estão bem armados.

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Pegou a maleta e informou que, a água, alguém viria pegá-la depois, agradeceu, retornou para o banco. Assim que entrou a porta foi fechada novamente. Seus amigos que assistiam pela TV estavam desesperados. - O que podemos fazer? – Indagou Jorge quebrando o silêncio. - Não tenho a menor ideia. – Respondeu William. - Lá não teremos mais do que temos agora. – Ponderou Kasuo. - Além do mais poderemos atrapalhar. - Pessoa sem ter o que fazer é o que mais eles têm. Resolveram continuar acompanhando os acontecimentos pelo noticiário.

*** O rapaz que havia deixado Oscar sozinho foi recebido com desprezo pelos policiais, mas o comandante determinou que o ajudassem e tomassem seu depoimento, mas antes de liberá-lo, que fizessem averiguações sobre ele. Alguém estava à procura do comandante. Era o policial que havia ajudado Oscar a pegar a maleta. Queria transmitir-lhe a mensagem recebida. O comandante Freitas agora com o número aproximado dos invasores teria maior cautela, porque o contingente era muito grande e uma ação precipitada certamente faria muitas vítimas. Em pensamento agradeceu aquele sujeito

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162 esquisito que tinha visto pouco tempo atrás. Alguém gritou anunciando que a porta estava sendo aberta. Novamente todas as armas foram apontadas para lá. O comandante deu ordem para que não atirassem, a tensão elevou-se, a adrenalina subiu a níveis altíssimos, que somente homens experientes e bem treinados eram capazes de suportar e manter o equilíbrio emocional nesses momentos. Novamente Oscar saiu anunciando que o rapaz que estava necessitando de cuidados médicos seria carregado para fora. - Como foi combinado estamos trazendo um dos feridos, gostaria que trouxessem uma maca e que os paramédicos pudessem cuidar dele. O rapaz, carregado por quatro homens, estava deitado numa rede improvisada com tecido retirado da cortina de uma das janelas. Colocado delicadamente no chão. Os paramédicos vieram trazendo consigo uma maca e equipamentos para imobilizá-lo. Poderia ser ouvido o bater das asas da libélula devido ao silêncio que pairava na rua por causa da apreensão de todos que assistiam aquelas imagens. Ao colocarem o rapaz na ambulância, uma salva de palmas foi ouvida. Enquanto o ferido era encaminhado para o hospital, os outros reféns voltaram para o interior do banco levando as garrafas de água que estavam lá há algum tempo.

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Capítulo cinquenta O DESESPERO CONTINUA No interior da agência o terrorismo continuou e o alvo foi novamente Oscar que, ficou na frente para que não atirassem no rapaz quando fugia. O assaltante, que desde o início era antipático a sua figura, deu-lhe outro soco causando-lhe nova hemorragia. - Lamento que só tenha isso para oferecer. – Oscar falou com pena. Quando seu algoz se preparou para dar outro soco, foi interrompido pelo toque do telefone. - Estamos fechados para balanço. – Disse o líder do grupo. - Aqui fala o comandante Freitas e quero falar com o líder de vocês. - É o próprio, comandante Fuminho ao seu dispor. – Riu de sua piada. - Preciso saber qual a sua reivindicação, para libertação dos reféns e rendição do grupo. - Tudo simples assim? – Perguntou num tom debochado. - O senhor tem ideia de quantas pessoas estão aqui conosco? - Não! Por outro lado, você não quer, como eu também não quero, um confronto. – Continuou em tom enérgico. - Por que não me diz o que você quer em troca dos reféns? - Simples! Nossa liberdade. - Você sabe que não posso fazer isso. - Se libertar os reféns como terei a certeza de que vamos ser tratados com justiça?

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164 Essas palavras foram um sinal, para o comandante, de que o acordo estava próximo, mas não interrompeu seu interlocutor. - Queremos um juiz corregedor, meu advogado e a imprensa aqui dentro. - A presença da imprensa não será difícil. O juiz corregedor está a caminho, mas vai demorar um pouco. Quanto ao seu advogado, poderá chamá-lo. - Liguei para ele há bastante tempo deve estar a caminho, quando chegar mande-o entrar. - OK! Você deixa sair todas as mulheres e crianças e os que precisarem de cuidados médicos, o advogado e a imprensa entram. - Você me libera um advogado e eu tenho que libertar 10 ou 12 reféns? - Você sabe que esse tipo de refém só dá trabalho. - Manda o doutor e a imprensa entrar, então, verei o que posso fazer.

*** Uma grande movimentação de repórteres se formou em torno de um homem usando terno preto muito bem talhado, no dedo mínimo um anel de ouro cravejado de brilhantes, impossível não ser notado, no pulso um relógio, que pela TV, supunha-se ser em ouro e uma pulseira em ouro muito espessa. Usava um brinco, em ouro e Pérola, em cada orelha. Conforme a opinião de Helena, ele fumava em frente às câmeras apenas para exibir a grande quantidade de ouro que possuía em apenas um dos braços.

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- A roupa e os acessórios que ele usa, valem mais que muitos carros que vemos por aí. – Comentou Jorge. - Você deve estar brincando! – Retrucou Helena indignada. - Ele está falando sério. – Confirmou William. O silêncio voltou a reinar na sala quando as câmeras se voltaram novamente para o doutor Rangel que iniciava seu pronunciamento. O advogado mantinha uma pose arrogante e respondia as perguntas com desdém. Estava tão eloquente em suas respostas que não percebeu a presença do comandante da polícia. - O senhor já pode entrar. – Disse o comandante apontando para o banco. O advogado ia solicitar um instante, mas foi surpreendido. - Agora! – Ordenou o comandante sem olhar para traz. Não estava habituado a receber ordens, principalmente quando dava entrevista, mas não teve opção o seu show teria que continuar em outro momento. Saiu quase correndo para alcançar o comandante que se distanciava. Aguardaram por instantes, em frente ao banco, a porta ser aberta, e após a entrada do advogado, novamente foi fechada.

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166 Capítulo cinquenta e um MOMENTO DE ANGÚSTIA Conforme haviam combinado, foram libertadas todas as mulheres, crianças e o gerente do banco que não estava passando bem. Apesar de estar machucado Oscar não foi liberado ficando num canto ao lado do médico. As pessoas liberadas eram encaminhadas aos paramédicos em seguida ao pessoal responsável pelo setor de identificação e cadastro, por último, eram feitas algumas perguntas de rotina. Todos respondiam as mesmas perguntas, feitas pelos policiais, para confronto das informações, entre elas, o número de pessoas que haviam invadido o banco. Na agência o advogado informava sobre as complicações dos atos cometidos por eles e qual seria o trâmite legal. Após varias discussões, resolveram que todos se entregariam, mas queriam que a imprensa pudesse transmitir ao vivo o ato para não permitir abusos por parte dos policiais.

*** Antes que a imprensa fosse autorizada a entrar, ouviu-se, o barulho de tiros e muita gritaria vinda do interior da agência. O caos havia instalado. O comandante que esperava encerrar o caso ficou atônito, pela primeira vez em sua vida de policial, baixou sua guarda por alguns instantes, julgando o caso

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encerrado. Os policiais queriam agir imediatamente. No rádio do comandante, o que ele mais ouvia era o pedido de permissão para invadir o local. Seu cérebro treinado para situações como esta, em apenas alguns instantes se refez da surpresa, determinou que aguardassem sua ordem. Em pouco tempo, no interior da agência, voltou a reinar o silêncio. O comandante preocupado com a vida dos reféns ligou para saber o que ocorrera. Alguém atendeu ao telefone, mas não era a pessoa com quem havia conversado anteriormente. - Onde está o líder de vocês? – Perguntou preocupado. - Foi baleado. – Respondeu do outro lado uma voz fria. O raciocínio do comandante foi rápido nas considerações da nova situação. Não sabia o estado do líder, se fora deposto do cargo ou não, caso houvesse outro no comando teria que obter um novo compromisso de garantia do restante dos reféns. - Quem está no comando agora? – Perguntou em tom neutro. - Ainda é o Fuminho. – Respondeu a voz para seu alívio. - Poderia falar com ele? Algum tempo depois, ouve uma voz entrecortada por alguns gemidos. - O que aconteceu? Ouvimos tiros. - Estamos comemorando o aniversário de um

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168 dos nossos, hoje é aniversário de falecimento dele. - Omitira o motivo da insubordinação ter início após a liberação do gerente da agência. - O pessoal da TV não vai entrar? – Falou para mudar o assunto. - Você está bem? Está ferido? - Ferido, mas vou sobreviver. - Não quer que envie um médico para te atender? - Já temos um aqui. Você não lembra? No momento está chuleando meu ferimento. - Você me criou um problema, todas as emissoras querem o furo. - Se for de bala estamos a disposição. – Respondeu após novo gemido. - Qual emissora prefere? – Disse sabendo que alguns policiais estavam sendo treinados para ajudantes de câmera. - Não tenho preferências são todas iguais. - Vou sortear uma e te avisarei para que entrem em segurança. O comandante verificou se a equipe estava pronta e telefonou. Fuminho foi avisado sobre a entrada da imprensa. A equipe de TV, composta de policiais, entrou na agência, imediatamente foi recebida pelo líder. - Por que não trouxeram uma câmera portátil? – Desconfiou. - Trouxemos uma fixa e outra portátil para termos mobilidade na gravação e podermos fazer os cortes sem deixar os telespectadores vomitando do outro lado cada vez que viramos a câmera. – Respondeu o técnico.

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- Quando estiverem prontos me avisem. – Disse fuminho. Enquanto o advogado dava as últimas instruções para seu cliente e preparava-se para estar bem alinhado diante das câmeras. O médico, agora atendia um outro rapaz que fora atingido de raspão, por uma bala. O telefone tocou novamente, quando Fuminho atendeu demonstrou insegurança ao retrucar. – Quando eu estiver pronto direi que estamos saindo, não antes.

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170 Capítulo cinquenta e dois EM FRENTE DA TV Na TV, em imagens gravadas, o repórter comenta sobre o som de tiros ouvidos durante as transmissões. - “O que se ouviu há poucos minutos foram tiros que vieram do interior da agência. A polícia, até o momento, não tem ideia do que ocorreu. A tensão aumentou, houve um princípio de tumulto, os policiais aqui presentes ensaiaram uma invasão generalizada, mas foram contidos imediatamente pelo comandante Freitas”. Na sala todos estavam apreensivos em saber o que ocorrera dentro do banco. Kasuo era o mais ansioso, porque em alguns momentos não sabia o que estava acontecendo devido ao silêncio dos seus companheiros. - O que será que ocorreu lá dentro? Atiraram em algum refém? – Perguntou William. - Onde estará Oscar? – Quis saber Helena. - Aumenta o som, o comandante vai fazer alguma declaração! – Informou Jorge ao notar a movimentação da imprensa. Todas as atenções se voltaram para o receptor de TV. - Senhoras e senhores iniciou, quero informar, que os estalidos ouvidos foram tiros vindos do interior do banco. A causa foi uma das armas ter sido disparada acidentalmente, mas felizmente, não causou ferimento em nenhum dos reféns. - Os únicos atingidos neste incidente, foram os equipamentos e móveis. Foi o que me

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garantiu o líder com quem estamos negociando. – Mentiu para tranquilizar a população. - Eles fazem as coisas parecerem muito simples. – Comentou Cláudio que até o momento estava calado. Novo silêncio na sala para ouvir mais um pronunciamento do comandante. - Estamos negociando para a rendição de todos eles nos próximos momentos e consequentemente a liberação dos reféns.

***

Ainda estava falando quando seu celular tocou e recebeu a tão esperada notícia. Ele tinha pressa, não queria que a rendição fosse feita ao anoitecer por motivo de segurança. - Estamos prontos! Vamos sair agora. – Disse Fuminho ao comandante. Determinou que saíssem com as mãos na cabeça e devagar. Um a um, os reféns foram saindo do banco e conduzidos para identificação, Oscar e o médico, foram os últimos a saírem. - Deixa-me ir ao seu lado, porque não vai ser possível colocar as mãos na cabeça, só faltava levar um tiro da polícia. – Comentou ao doutor rindo. Finalmente os invasores saíram em fila indiana também com as mãos na cabeça, guiada pelo advogado e seguida pelos policiais que estavam filmando toda ação

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172 dentro da agência. Todos foram algemados. Os policiais assumiram o controle da situação para reunir o maior número de provas possíveis e a remoção do corpo de um dos bandidos. O arsenal deixado no interior do banco era digno de um exército, chegando a impressionar os policiais. A quadrilha possuía submetralhadoras UZI, pistolas semiautomáticas, espingardas calibre 12, alguns fuzis 7.62 e muita munição.

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Capítulo cinquenta e três O RETORNO À medida que ambos, o médico e Oscar caminhavam, a multidão ali presente começou a aplaudir os dois. Oscar ainda com a roupa suja de sangue ficou ainda mais sem jeito. - Dessa maneira vou perder todo meu rebolado. – Comentou para o doutor ao seu lado. - Gostaria de conhecer um cara como você por dia! – Retrucou o outro sorrindo. Até o comandante ensaiou algumas palmas, mas resolveu não levar a cabo para manter a postura. - Vocês estão bem? – Perguntou enquanto fazia continência. - Obrigado, mas não merecemos. – Disseram. - Tenho outras informações a respeito dos senhores. – Retrucou o comandante. Como todos os outros foram encaminhados para eventual atendimento médico e os depoimentos de praxe. Durante seu depoimento, Oscar comentou sobre o líder. - Quando fui falar com ele, notei que sempre olhava sobre meus ombros, parecia estar pedindo o consentimento de alguma outra pessoa atrás de mim para responder. Somente depois de algum tempo me respondia. Outro fato é que ele não tinha autoridade sobre o grupo, haja vista, que aconteceu um duelo entre ele e o que foi morto e o motivo foi a

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174 saída do gerente da agência com os reféns. - Vamos investigar, mas por hora te agradecemos. Se quiser podemos mandar uma viatura te levar para casa. – Disse o comandante. - Agradeço, mas moro próximo daqui. Vou aproveitar para terminar minha caminhada que comecei pela manhã. – Disse sorrindo. - Vou entrar para o livro dos recordes como a caminhada de muletas mais demorada do mundo. – Completou. Todos acompanharam com um olhar aquela figura esquisita, porém impressionante, se afastando.

*** Seus companheiros não viam a hora de vê-lo entrar pela porta da sala fazendo suas piadas. Quando isso aconteceu, todos correram em sua direção, ele fez menção de sair novamente. - Preparei uma comida especial para você! Espero que esteja com fome? – Helena indagou. - Estou morrendo de fome, mas confesso que estou mais feliz por estar de volta. Vou tomar um banho e trocar essas roupas sujas de sangue do meu nariz que esborrachou a mão do cara. – Falou sério. - Já voltou ao normal. – William sorrindo comentou. Momento depois estava saboreando seu prato preferido, espaguete ao sugo e um bom bife acebolado.

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Comeu até não poder aguentar mais e como sempre fazia deu graças. – “Graças a Deus comi como um padre”. Jorge, que sempre ouvia aquelas palavras, ditas após as refeições, não entendia o significado de “comer como um padre”, perguntou. - O que significa comer como um padre? Eles comem muito? - Antes de iniciar suas refeições você agradece à Deus? – Questionou Oscar. - Muitas vezes não. - Respondeu o outro. - Então você come como um porco. – Riu. Todos riram inclusive Jorge. Kasuo lembrou dos momentos que passou naquela casa sem a presença daqueles que agora o faziam sorrir com as pequenas coisas da vida. Sabia que seus pais torceram e ainda torciam por ele. Como Oscar sempre brincava dizendo “somos um bando de deficientes excepcionais”, sabia que ele tinha razão porque já não saberia viver sem a companhia daquelas pessoas. Cada uma tinha suas limitações, mas em compensação eram poços de fraternidade, carinho, amizade que minava até a borda para se espalhar por todos os lados, além de outros talentos que possuíam. Kasuo, em seus pensamentos, fazia uma análise do grupo. Jorge falava apenas o essencial, alternava momentos de alegria e tristeza. Tinha algo para desabafar, mas não chegara o momento

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176 de fazê-lo, foi para a cozinha dar palpites, por isso vivia recebendo bronca de Helena. No fundo ele tinha a impressão de que os dois gostavam dessas discussões. Tinha prazer em voar e pular de paraquedas, mas isso era coisa do passado. William, o mais velho do grupo, intercalava momentos de alegria com seriedade, mas escondia-se quando estava triste. Havia pressentido momentos em que o amigo estivesse chorando pelo tom de sua voz. Certa vez ouviu Oscar comentar sobre sua poesia, mas não tinha certeza se ele escrevia constantemente e o que elas continham. Oscar, sem sombra de dúvida, era o mais alegre. Helena havia comentado que ele tinha uma feição angelical, olhos azuis da cor do céu e cabelos e sobrancelhas ruivas. Ele conseguia encher o ambiente com sua presença. Kasuo chegou à conclusão de que todos eles tinham algo especial. Estava perdido em seus pensamentos, quando ouviu apenas “o que você acha” e pediu desculpas por não ter compreendido. - Vamos fazer um ensaio agora ou deixamos para amanhã? – Perguntou William. - Seria interessante começarmos amanhã cedo se você puder levar o Cláudio e o Ruan te agradeceria. Irei junto para te fazer companhia.

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Capítulo cinquenta e quatro VERA Vera acordou Ruan, deixou seu café da manhã preparado e saiu. O dia seria extenuante, havia muito por fazer, muitos preparativos para o grande dia. Tinha pouco tempo para organizar tudo o que ainda faltava. Enquanto a diretora se preocupava com a alimentação, bebidas e a compra dos materiais de última hora, Vera cuidava da decoração do local onde seria o show. Organizava também alguns voluntários, entre eles, cabeleireiros, barbeiros, manicuras, maquiadores e o pessoal da limpeza. Algumas costureiras trabalhavam sem descanso para ajustar as roupas que seriam usadas na festa. Todos se dedicando ao máximo para deixar os velhinhos bonitos. Em sua agenda, algumas tarefas poderiam ser riscadas como concluídas e uma delas, a ligação para o senhor Kasuo informando a mudança do local da apresentação. Vera adorava visitar o asilo. Cada uma daquelas pessoas que ali vivia tinha uma história de vida, de alegrias e sofrimentos. Gostava de conversar com elas, sempre aprendia algo novo. Havia pessoas que recebiam visita de parentes, mas a grande maioria era visitada por pessoas estranhas, mas com muito amor para oferecer e passavam a adotá-los como da família.

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178 Com algumas delas, conversar era tão agradável que não percebia as horas passarem. Dona Olga era um exemplo, estava sempre arrumada, com os cabelos penteados, unhas feitas e o perfume que usava era muito agradável. Não dispensava suas joias, dizia que eram as únicas coisas que os filhos não tinham posto a mão. Tinha dúvidas quanto ao acidente que sofreu juntamente com seu marido, onde ele faleceu e ela precisou ficar internada em um hospital por meses até se recuperar e ser transferida para aquele asilo. No começo recebia visitas semanais dos dois filhos, noras e netos, mas a partir do momento em que assinou seu testamento, decretou sua solidão. Dona Olga considerava Vera como uma filha. As duas se davam muito bem. Como sempre comentava que ela era a filha que não tivera. Outra pessoa que Vera adorava conversar era o senhor Yuri, sua descendência russa transmitiu-lhe um charmoso sotaque. Vivia agradecendo Vera por ter-lhe apresentado Olga. Dizia que ela foi o caminho para o encontro de sua alma gêmea. - Encontrei meu amor no final de minha vida, meu único alento é que ainda temos a eternidade para desfrutá-lo. – Disse numa tarde quando os três conversavam. Vera achava-o um poeta, mas Yuri dizia-se apenas um apaixonado. Lembrou-se de outro dia quando de repente ele olhou para dona Olga e falou, “Não importa quanta vezes nasci ou morri, o importante é que finalmente eu encontrei minha nova razão de viver”.

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Os dois passavam a maior parte do tempo conversando de mãos dadas passeando pelos jardins. Havia outras pessoas como dona Josefa, uma baiana muito alegre. Onde ela estava, tinha alegria. Não podia ver ninguém triste que dava um jeito de fazer a pessoa se alegrar novamente. Dona Zefa, como gostava de ser chamada, tinhas feições joviais, não aparentando a idade que possuía. Vera suspeitava sobre o motivo de sua aparência jovial ser a alegria que tinha em viver. Verificado o andamento dos trabalhos concentrou-se no mais atrasado, após a mudança de local, a decoração do palco e do auditório. Foi até onde algumas voluntárias dedicavam-se na confecção de pequenos vasos de flores, que seriam colocados nas mesas como lembranças. Outras faziam bordados nas toalhas de mesa. Para ter uma ideia, decorou apenas uma das mesas e ficou feliz com o resultado. Atendeu o telefonema do pessoal responsável pela transportadora contratada por Kasuo. - Boa tarde dona Vera! Meu nome é Mário, fui contratado pelo senhor Kasuo, ele informou-me que deveria acertar com a senhora para saber se poderemos estar aí amanhã cedo. Vamos montar os equipamentos de som e instalaremos a iluminação. - O senhor poderá vir no momento que

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180 desejar, estarei aqui a partir das oito da manhã. O senhor Kasuo informou-lhe o novo endereço? - Sim! Fomos avisados que não será mais no asilo. O tempo voava, olhou para o relógio instalado em uma das paredes o dia estava terminando, ainda tinha algumas coisas para deixar em ordem. Emile que acabara de chegar resolveu fazer uma pequena reunião para um balanço do andamento das tarefas e saber se haveria necessidade de ajudá-la. - Aqui estamos apenas dando os retoques finais na decoração. – Vera informou. - As confirmações e pagamentos dos ingressos já foram feitos, pelo menos temos uma estimativa do número de pessoas que virão. Contando os internos, parentes e convidados extras está em torno de quinhentas pessoas. - Já que estamos com quase tudo acertado, vamos descansar um pouco que amanhã teremos muitas coisas para finalizar. – Emile propôs. Vera chegou em casa, mas Ruan estava fora. Resolveu tomar um banho e comer algo e se recolher. Antes que entrasse para o banho, o telefone tocou.

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Capítulo cinquenta e cinco O ÚLTIMO ENSAIO Conforme haviam combinado, William saiu logo após o café para buscar Ruan e Cláudio. Durante o trajeto passou em frente ao banco onde, no dia anterior, fora o palco de momentos de apreensão e angústia. Agora está tudo tranquilo como sempre, pensou. Havia poucos vestígios do que tinha acontecido. Procurou no interior do bolso do paletó o envelope da carta que havia retirado na central dos correios, lembrou-se de que deveria fazer algo a respeito, mas resolveu esperar até o momento oportuno. Chegando em frente da residência de Ruan, apenas deu um leve toque na buzina e o rapaz saiu imediatamente. A segunda parada seria na casa de Cláudio que ficava a uns dez minutos dali. Não foi necessário sequer chamá-lo. Estava esperando em frente ao portão. Durante o trajeto, aproveitaram para se conhecerem melhor. Cada um comentou a maneira pela qual entraram na música. - Desde que comecei a segurar objetos, eles eram utilizados para espancar outras coisas de casa, na verdade gostava de ouvir o som que faziam. – Falou Ruan. - Minha mãe comentou que não ficava quieto um minuto, bastava ter nas mãos uma colher, um canudo de suco, ou algo que pudesse fazer de baquetas para montar minha batera. Um dia uma professora reclamou com ela e sugeriu

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182 que me colocasse numa escola de música. Aí eu sosseguei. Um pouco. - Cláudio como começou? – Quis saber William. - Comecei tocando guitarra depois de algum tempo, alguns amigos e eu, montamos uma banda, mas tinha guitarristas demais, então comecei a tocar baixo. Hoje não troco por nada. - William como aprendeu violino? – Perguntou Cláudio. - Na realidade meus pais me colocaram numa escola de piano, mas minha paixão era o violino, além de ser mais fácil de levá-lo para escola. - Disse rindo. William entrou com o carro no quintal, em seguida foram para o estúdio, onde já se encontravam Kasuo e Oscar. Todos se cumprimentaram e cada um ocupou seu lugar. Antes do início, Kasuo comentou as boas novas. - Acabei de receber a notícia de dona Vera. Ela me informou que está tudo pronto para nossa apresentação. Foi doado, por uma pessoa de bom coração, o aluguel de um salão muito bom com capacidade para abrigar os parentes e as pessoas que quiserem nos assistir e toda renda será revertida para custeio do asilo. - Levaremos os instrumentos amanhã pela manhã. Contratei uma empresa de transporte que fará todas as instalações. À tarde nós aproveitaremos para ensaiarmos no local. Acharam excelente a ideia. Assim poderiam ajustar o som, luzes, posicionamento e etc.

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- Então vamos ensaiar para fazermos um dia memorável, afinal eles merecem. – Disse William. - Todos merecemos. – Completou Jorge. O ensaio transcorreu como sempre, algumas paradas para pequenas correções, mas no geral estavam prontos. Num dos intervalos para o café, Oscar iniciou a capela de “TIME TO SAY GOODBYE” quando menos esperava, Helena começou a cantar com ele. O pessoal, que saboreava um delicioso café, ficou em silêncio para ouvi-los. As vozes combinaram perfeitamente, Helena não teve o menor constrangimento, sua voz de soprano deu mais charme a canção. “O que começou como uma brincadeira de Oscar acabou se tornando algo sério, teriam que encontrar uma forma de colocar os dois para cantarem juntos, pelo menos esta música”. – Pensou Kasuo. Várias horas se passaram até que o cansaço começasse a pegá-los. - Acredito que estamos prontos! Amanhã teremos um longo dia para acertos finais. Gostaria que todos descansassem e se preparassem para a apresentação. – Finalizou Kasuo. - Por que não avisam suas mães e ficam aqui? – Sugeriu Kasuo. - Não trouxe roupas e estou louco para tomar um bom banho. – Respondeu Ruan. - Roupa é o que mais temos aqui, é só escolher alguma que te sirva.

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184 - OK! Então vamos aproveitar para desmontar os equipamentos para o transporte. – Disse Cláudio. Enquanto Ruan avisava sua mãe e Cláudio a dele o restante do pessoal desmontava e encaixotava os equipamentos que seriam transportados no dia seguinte.

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Capítulo cinquenta e seis O DIA “D” O show estava programado para as 19:00h daquele sábado, cada um se preparou da maneira preferida. Alguns resolveram apenas descansar, outros caminharam um pouco, mas tinham em comum a ansiedade do primeiro show que seria para uma plateia tão especial. No asilo, os preparativos começaram assim que o dia clareou. Vera, como sempre, chegou antes do horário, encontrou Emile que também não se conteve e resolvera chegar mais cedo. - Bom dia Vera! – Disse Emile. - Hoje será um ótimo dia! – Respondeu. Mal tiveram tempo para um café juntas, cada uma foi para seus afazeres. Enquanto caminhava para o local onde as últimas senhoras eram penteadas Vera foi surpreendida pelo gesto do senhor Yuri, que se aproximou e entregou-lhe uma flor. - Esta flor representa o carinho que eu e a Olga sentimos por você e em agradecimento por tudo que você faz por todos nós. Vera que até o momento estava ansiosa parou, e sem saber o que falar abraçou-o, deu-lhe um beijo no rosto e saiu para não mostrar que estava chorando. Dona Olga, que observava de longe sorriu imaginando o que Yuri teria dito. “Sempre aprontando das suas, fazendo as pessoas se

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186 emocionarem”. – Pensou. A exemplo de Emile, Vera também se preparou no asilo para não perder tempo e deixar tudo sob controle. No horário combinado os ônibus de turismo estacionaram em frente ao asilo. Eram destinados ao transporte do pessoal até o local do show. O astral estava muito agradável, para onde se olhava, havia um sorriso. Os internos seguiam em direção ao pátio onde Emile e Vera organizavam a fila para o embarque nos ônibus. Pareciam alunos de uma escola aguardando para embarcar nos ônibus antes de uma excursão. Um por um foram se acomodando no interior do veículo, que por sinal era muito confortável. Dona Alzira, uma das internas, ficou emocionada quando entrou e verificou o luxo dos ônibus. - Por que a senhora está chorando dona Alzira? – Perguntou Vera preocupada. - Nunca me trataram tão bem assim. - A senhora pode escolher o local onde quer ficar, isso é para todos vocês. – Vera deu-lhe um beijo delicadamente. Vera e Emile entraram cada uma em um ônibus para coordenar o pessoal. Assim que os motores foram acionados a bagunça começou, todos voltaram a ser crianças, não foi possível manter a ordem. Vera deixou as coisas de lado e entrou na bagunça também. Mais tarde descobriu que não fora apenas ela quem esqueceu de manter a ordem.

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Ao pegar o microfone de bordo, o barulho parou imediatamente, como num passe de mágica. - Estamos quase chegando, gostaria de pedir a gentileza de mantermo-nos em ordem. Durante a saída, primeiro os que estão nos primeiros assentos e assim por diante. A colaboração foi total e em pouco tempo todos estavam em fila para entrarem no salão. Vera pediu que aguardassem um pouco enquanto foi verificar se estava tudo pronto. Os rapazes da banda estavam usando ternos iguais, variando apenas as cores das camisas. Helena usava vestido preto longo, bordado a mão, com detalhes de lantejoulas e paetês. Estava tão bonita, que recebeu elogios de todos, especialmente de Jorge. - Está cada vez mais linda. – Disse. - Se Deus me concedesse um desejo, pediria para poder levantar-me e poder te dar um beijo. Não foi necessário, ela abaixou e beijou-o. - Estão todos prontos? – Perguntou William. Ao receber a afirmativa, seguiu em direção a garagem para pegar o automóvel. - Vamos deixar o ego em casa para ter mais espaço no automóvel. – Brincou Oscar. Enquanto seguiam para o clube conversaram sobre assuntos diversos, um deles foi o excelente trabalho feito por Vera, mãe de Ruan, junto ao asilo. William estacionou o veículo e foram recebidos pelo diretor do clube. Cada um dos componentes tomou seu lugar e aguardaram pacientemente a chegada

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188 do público. Assim que Vera entrou, Ruan se emocionou, ao abraçá-la sentiu um nó na garganta. Ela também estava orgulhosa do filho, estava grata aos rapazes por aceitá-lo como integrante da banda. - Agradeço pelo esforço que os senhores fizeram e continuam fazendo para participar desta nossa homenagem aos que vivem no nosso asilo. - Vera cumprimentou um por um. Nesse momento, Emile, entrava apressada. - Faço minha as palavras de Vera. Agradeço imensamente todos vocês. Não tenho palavras, mas desejo que Deus abençoe todos. - O povo já está começando a fazer alvoroço, podemos começar quando os senhores preferirem. – Completou Emile. - É para já. – Respondeu Kasuo. No palco foi instalado um conjunto de dezenas de lâmpadas que acendiam e apagavam ao ritmo da música. Algumas das luzes se moviam de forma sincronizada, por todo o salão, uma profusão de cores, tons, brilhos e intensidades das mais variadas possíveis. Num canto estava o responsável por aquele show. Um especialista em som e iluminação contratado por Kasuo. Vera e Emile caminharam em direção a porta do salão, abriram-na convidando-os a tomarem os seus lugares. Nos primeiros acordes de “Charriots Of Fire, Carruagem de Fogo – Vangelis”, as luzes iluminaram o salão, algumas acompanhando o ritmo da música, outras se mantinham acesas iluminando o caminho que o público deveria seguir até

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chegarem aos seus lugares. Cada um recebeu de Helena e Vera uma rosa. A felicidade estampada nos rostos, marcados pelo tempo e pela vida, daquelas pessoas, fez Helena se emocionar, tendo que fazer um grande esforço para não borrar a maquiagem. Prepararam-se com muito carinho e bom gosto. Estavam vestidos, os homens de terno e as mulheres trajando vestidos longos. O cavalheirismo, que assim como eles, fora esquecido nos dias atuais, podia finalmente ser apreciado novamente. Cada um foi ocupando seu lugar nas mesas em ordem, ao som da banda. O jantar começou a ser servido e o cardápio muito bem elaborado, o cuidado com a dieta daqueles que tinham problemas, não passou desapercebido. - Boa noite a todas as damas e cavalheiros aqui presentes. – Iniciou Oscar. - Espero que possam aproveitar e se divertirem bastante, por isso estamos aqui. Kasuo iniciou os acordes de uma música composta e gravada por Roberto Carlos chamada “Aleluia”. Durante o refrão a plateia cantou junto e com os braços erguidos agitando-os de um lado para o outro fizeram a coreografia. Mantendo o clima Oscar emendou outra. - “Quando eu quero falar com Deus” – Disse Oscar. - Apenas canto essa música. Composta pelo rei Roberto Carlos e Erasmo Carlos. – Começou a cantar.

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190 Enquanto cantava não se ouvia um som diferente, prestavam atenção à letra e alguns deles até aproveitavam para uma reflexão. Na terceira música Kasuo deu o tom e Helena começou a cantar “Vivere” (A. Anastásio – C. Valli – G. Trovatto) em seguida Oscar começou a cantar fazendo um dueto e ao final da apresentação foram aplaudidos de pé. Na música seguinte quem começou a cantar foi Oscar. Ele e Helena cantaram “Vivo per lei” (V. Zelli - M. Mengali – G. Panceri). Ficaram impressionados com o talento daquele pessoal e não paravam de aplaudir. Enquanto isso na mesa, Yuri não conseguia esconder a emoção que estava sentindo, ansioso pelo momento em que Vera desse o sinal de OK. Assim que a música parou Oscar pediu um minuto de atenção. - Gostaria de pedir a atenção de todos para chamar ao palco um convidado nosso, me parece que vai cantar com a gente. Por favor, peço que aplaudam o senhor Yuri. Quando Yuri levantou e foi em direção ao palco, Olga que não sabia o que estava acontecendo, acreditou nas palavras de Oscar. - Muito prazer senhor Yuri, espero que não tenha estacionado o automóvel em local proibido. – Brincou. - Desculpe não é nada disso, eu peguei o papel com o texto errado. - Fique a vontade o microfone é todo seu. A atenção estava voltada para o palco, mais precisamente para Yuri, que pela primeira vez não encontrava palavras. Estava mudo. Durante algum tempo o silêncio tomou conta

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do local. Vera a única que sabia o motivo de tudo aquilo, não conseguia tirar os olhos de Yuri na esperança que ele falasse algo antes que alguém pudesse fazer alguma graça. Ao cruzarem os olhares, Yuri sentiu o pedido que Vera lhe fazia, para iniciar o mais rápido possível. - “Por favor, senhor Yuri diga algo”. – Dizia Vera com o olhar. - Gostaria da permissão de todos – iniciou para ganhar tempo – e pedir um minuto de vossa atenção. Como vivemos alguns anos juntos, considero vocês como minha família, portanto gostaria de participá-los de algo muito importante. - Antigamente fazíamos as coisas precipitadamente, porque não tínhamos cabeça, hoje agimos da mesma maneira, porque não temos muito tempo, – disse sorrindo. - Durante minha vida tive altos e baixo, quando jovem pensava em ter, ter, ter e ter. Não sabia nem por ou para que precisava ter tanto. Nesse tempo todo colhi muitos espinhos, mas agora a vida resolveu dar-me uma flor. – Disse apontando na direção de Olga. Uma luz branca iluminou Olga, que não teve alternativa, senão levantar-se. Yuri tirou o microfone do pedestal caminhou em sua direção iluminado por uma luz azul. - Sinto que meu coração neste momento é do

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192 tamanho do universo, mas este universo é frio, vazio e escuro sem você. Os olhos castanho-escuros de Olga tinham o brilho intenso e na presença de Yuri tornava-se ainda mais iluminados. Não era bela, mas possuía algo que o tempo não conseguiu sequer diminuir, sua delicadeza ao mover-se, seu modo de falar e o tom de voz, para resumir, seu charme. Yuri estendeu sua mão e Olga delicadamente segurou-a. Sentiu que ele estava muito emocionado, seu tom de voz havia mudado, suas mãos estavam geladas. - Todas as vezes que me perguntavam a respeito de quando me casaria, minha resposta foi sempre a mesma, - “Caminhamos para o lugar onde marcamos nosso encontro”. – Iniciou. Desde garoto sempre fora um sonhador, um romântico. Era um homem que ainda conservava os traços da beleza de sua mocidade, mantinha seu preparo físico com exercícios, longas caminhadas e uma alimentação saudável. Tinha cabelos e olhos castanhos, mantinha as costeletas bem aparadas não dispensava o chapéu de feltro. - É este o local onde marcamos nosso encontro e gostaria de saber se você quer seguir comigo pela eternidade? – Continuou ele. - Esperei muito por este momento e não devo sequer pensar em deixá-lo escapar. Ao som de fundo “Em algum lugar do passado” tocado por Kasuo, Olga respondeu. - Como você sempre diz que “foi necessário viver muitas vidas para me encontrar” eu te

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digo que te esperei em todas elas. Com um beijo Olga aceitou o convite. Vera aproximou-se trazendo consigo uma cesta onde um par de alianças estava delicadamente colocado sobre a almofada branca de cetim. Yuri pegou uma e colocou no dedo de Olga. - Esta aliança simboliza todo meu amor. Como ela meu amor também não tem começo nem fim. Ele é eterno. Agora era Olga quem colocava o anel no dedo de Yuri. - Como o mar recebe os rios eu te recebo e prometo envolver-te com águas tranquilas, proteger-te com vales profundos de amor e, depois de misturados nossos seres, nos tornemos enfim indivisível. Enquanto o casal selava o compromisso com um beijo, a banda começou a tocar uma valsa. No instante seguinte a pista estava repleta de casais. Alguns internos receberam a visita de parentes, outros sabiam que continuariam sozinhos. Este era o caso de dona Zefa, que desde muito tempo estava só, mas procurava manter o sorriso nos lábios. Casou aos 14 anos, aos 16 anos estava separada. Morando nas ruas de uma cidade infinitamente maior do que o local de onde viera. Nas horas de solidão, recordava de alguns momentos de sua infância, pensava com saudade em sua mãe e seus irmãos, mas infelizmente o ódio por seu pai corroía seu

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194 coração. Era apenas uma criança que gostava de brincar de bonecas, seu pai não tinha o direito de vendê-la para um homem muito velho e violento como aquele. Durante o tempo em que estivera casada com aquele crápula, sofreu muito. A situação ficou pior, por mais incrível que pudesse parecer, depois de ter sido posta fora de casa como um objeto que não tinha mais serventia tudo porque não conseguira engravidar. Perambulou pela cidade durante algum tempo até encontrar uma senhora que lhe deu um lar, não demorou e já era tratada como filha. Teve oportunidade de aprender a ler e escrever, só não constituiu uma outra família porque não poderia abandonar aquela que a acolhera quando mais ela precisava e ensinando-lhe tudo, inclusive a perdoar. A partir do momento que perdoou seu pai nunca mais o seu sorriso e a alegria de viver deixou seu rosto. Após a morte de sua benfeitora, Josefa foi convidada, pelos irmãos de dona Lídia a deixar a casa para que pudessem vendê-la e dividir o dinheiro entre eles. Sempre recebeu cantada, mas não se permitia amar ninguém porque aqueles a quem amou não ficaram com ela. Não era bonita, mas sua simpatia e seu sorriso faziam a diferença. Sempre morou só, após sua aposentadoria resolveu morar num asilo, pelo menos teria companhia. Seu lema era “Viverei o hoje! Amanhã? Viverei amanhã!”. Deixava para chorar, sua saudade dos que amou, quando estava deitada na cama, na hora em que todos estivessem dormindo.

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Capítulo cinquenta e sete O SEGREDO DE YURI Durante o intervalo, Oscar foi ao banheiro. No corredor viu que o senhor Yuri conversava com um homem muito bem vestido. Achou que fosse alguém do asilo, mas quando fechou a porta, ainda ouviu o que o senhor Yuri falou ao outro. - “Agradeço o senhor pela discrição”. - “O valor cobrado pelo aluguel do salão foi um pouco mais alto do que havíamos combinado, porque tivemos que contratar mais pessoas para melhorar a segurança”. – Disse o outro. - “Não tem problema, aqui está o cheque do combinado e este outro é do excedente”. Os dois estavam tão compenetrados nos negócios que não perceberam a presença de Oscar. De volta, não conseguiu guardar o segredo e comentou para o grupo. - Como você descobriu? – Perguntou William. - Eles estavam conversando próximo ao acesso dos lavatórios. - Será que foi ele quem doou o salão para a festa? – Quis saber Ruan. - Como você sabe que foi doação? - Disse Oscar surpreso. - Você não sabe que a mãe dele participou da organização da festa. – Replicou Jorge. Kasuo que até o momento não tinha dito nada a respeito apenas comentou. - Bem senhores! Isso não nos diz respeito.

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196 Que tal doarmos a nossa parte com uma linda canção? A música escolhida foi “Who wants to live forever” cantada por Helena. Quando os aplausos terminaram, Oscar deu um grito no microfone dando um susto no pessoal que não esperava, inclusive seus companheiros. - Senhoras e senhores, agora vocês sacudirão o esqueleto. Como um maestro comandando sua orquestra começou a comandar a plateia. - Por favor, venham mais próximo do palco. Vamos acompanhar a música com palmas. Não vou fazer o mesmo porque posso cair. – Disse arrancando gargalhadas da plateia. A banda percebeu que os ensaios tinham sido em vão. Ruan fez um improviso na bateria para um breve aquecimento, enquanto o pessoal na pista seguia as ordens de Oscar acompanhando com palmas. Deu um sinal e Helena começou a cantar (I will surviver – Glória Gainor). A música fez o público dançar como loucos. - Você deve ter ficado maluco! – Disse Kasuo ao ouvir Oscar pedir para tocarem (YMCA – Village People). - O pessoal está adorando estão pulando de alegria. Estão felizes e isso é o que importa. – Respondeu. A festa foi um sucesso, quando Oscar começou falar os que estavam no salão aplaudiram de pé. - Gostaria de dizer em nome de todos nós da banda...- ficou sem saber o que dizer por

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alguns instantes, como não deram sugestões, emendou. – Por incrível que pareça não temos nome, alguém poderia dizer um? Na plateia, alguém gritou “Vocês são demais”. Não teve dúvidas e batizou. - Nós da banda “WE ARE LIKE THIS” agradecemos pela companhia de todos vocês. Antes que Oscar dissesse algo mais, a plateia grita o nome da banda. - “WE ARE LIKE THIS”. “WE ARE LIKE THIS”. - Esse cara não existe! – Disse William colocando as mãos na cabeça, como aquele, que não crê no que está acontecendo. - Como estava dizendo, agradecemos a oportunidade de compartilharmos esta noite com os senhores e esperamos que tenham gostado e acima de tudo, - deu uma pausa - divertido. Enquanto a banda tocava alguns acordes, Oscar começou a apresentar os componentes da banda. - Senhoras e senhores, na bateria, Ruan, filho de nossa querida Vera. No contrabaixo, Cláudio. Na guitarra Jorge. Ao violino William. Ao piano, Kasuo, nosso líder e nos vocais Helena e Oscar este que vos fala. William pensava em como era estranho, senão cômico, ouvir aquela voz maravilhosa e ao mesmo tempo presenciar aquela figura. Achava que Oscar, até nisso era gozador. Estava mergulhado em seus pensamentos, quando ouviu os acordes do piano iniciando

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198 uma nova música. Não demorou em descobrir que era uma de “Elton John – I’m still standing”. No final foram aplaudidos de pé por alguns minutos e quanto mais agradeciam, mais eram ovacionados.

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Capítulo cinquenta e oito A VOLTA PARA CASA Enquanto arrumavam e guardavam os instrumentos nas caixas onde seriam transportados novamente para a casa de Kasuo, Emile e Vera se aproximaram, cada uma delas carregando algumas caixas embrulhadas em papel de presente, que foram distribuídas a todos da banda. Emile estava emocionada com o sucesso da festa e depois de entregar para Kasuo, Ruan e Cláudio, uma pequena lembrança, dirigiu-se ao grupo. - Quero agradecer a todos vocês pelo espetáculo maravilhoso que nos proporcionaram. Que Deus os abençoe e, tão breve seja possível, eu tenha a felicidade de ouvi-los novamente num outro de maiores proporções. - Trabalho com este pessoal há muito tempo e até hoje nunca tinha presenciado tamanha felicidade. Todos demonstraram isso em cada olhinho brilhando, assim como o meu deve estar agora. – Brincou. – Muito obrigada por tudo. Vera que, juntamente com Helena, não paravam de enxugar as lagrimas que escorriam, com um lenço de papel já bastante ensopado, iniciaram uma salva de palmas, que acabou com o grupo aplaudindo também. No final, formaram um círculo, todos abraçados.

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200 - Até algum tempo atrás eu estava morto, mas apareceram algumas pessoas e mudaram minha vida totalmente. – Kasuo estava muito emocionado e feliz. – Já fiz concertos em locais com muitas pessoas, badalação, mas este foi o mais importante, foi o dia em que renasci. Oscar, sem que os outros percebessem, afastou-se e sentado ao piano começou a tocar uma música de “Elton John – Can you fell love tonigth”, ficaram surpresos porque não sabiam que tocava piano. - Estava precisando esvaziar minha alma. – Disse quando se aproximou do grupo. Helena abraçou-o e Oscar desabafou. - Gostaria que meu pai pudesse estar aqui para ver que não sou tão imprestável quanto ele imaginou. Ele mesmo quebrou o silêncio, tristeza não fazia mais parte da sua vida. - Se você ficar abraçando-me o Jorge vai ficar com ciúmes. – Disse sorrindo. Aquele foi um dia exaustivo, mal conseguiram tomar um banho e foram dormir.

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Capítulo cinquenta e nove O SENHOR IVO MOURA Convidado por Emile e sendo um homem acostumado a gestos filantrópicos, não poderia deixar de estar presente. Era uma boa oportunidade para sair de casa e lutar contra a depressão que cada dia tornava-se mais implacável. Com o falecimento de sua adorável Catarina tinha desmoronado todo o castelo de felicidade que construíra durante todos aqueles anos. Não tinha mais motivos para viver, hoje se arrependia de não ter filhos e ao receber o convite, achou, que tudo seria um tédio, mas tinha dado sua palavra, não deixaria de prestigiar sua grande amiga. Na porta, ao ver a multidão, que se aglomerava eufórica, ansiosa para entrar no salão, teve vontade de voltar para o lugar de onde não deveria ter saído, pensou, sua cama. Não sabia o que estava acontecendo, mesmo com vontade de sair correndo, sua curiosidade, que algumas vezes em sua vida colocou-o em algumas encrencas, mantinha sua necessidade de descobrir os causadores daquele som agradável que vinha do interior do salão. Foi um dos últimos a entrar. Na porta foi recebido com o abraço fervoroso de Emile, que o encaminhou para uma das mesas reservadas aos seus convidados. Depois de acomodado, sua atenção voltou-se aos detalhes da decoração, das pessoas ao redor.

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202 Um homem que gostava de apreciar os detalhes. - “É nos pequenos detalhes que Deus faz as grandes diferenças”. – Comentava. Não deixou de notar aquele grupo estranho que conseguia fazer sua alma mais feliz com as músicas que apresentavam. - “Meu Deus devo ter enlouquecido! Jamais pensei encontrar uma música tão boa num lugar deste”. – Pensou. Novamente algo chamou sua atenção. Desta vez foi uma voz angelical que anunciava o número seguinte “Quando eu quero falar com Deus” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos). Muitas vezes tentou conversar com Deus, mas achava que ele jamais ouvira suas preces, porque se as tivesse ouvido, Catarina ainda estaria ao seu lado. A única coisa em que acreditava agora era nos remédios que tomava, antidepressivos, calmantes, estimulantes, entre outros. Com o decorrer da apresentação dos rapazes, a cada melodia que ouvia, ficava mais encantado com aquele grupo. Em sua vida, ouvira diversas bandas, duplas e orquestra, mas eles tinham um detalhe a mais. Divertiu-se como nunca e saiu com uma lição de que “a primeira impressão, na maioria das vezes, nos leva a cometer erros”. Precisava tomar um banho e relaxar um pouco para conseguir dormir. Deitou-se em sua cama enquanto recordava-se dos detalhes da festa, adormeceu. Seu sono foi embalado pelas lembranças do que ouviu e por sonhos onde ocorreu o que mais esperava, o encontro

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com Catarina. Ela sorria enquanto caminhavam ao redor de um lindo lago ao som de uma música, que os seus ouvidos, mesmo treinados, não conseguia decifrar, mas que era harmoniosa. Acordou cedo e feliz, achando que ainda havia muito por fazer, precisava dar alguns telefonemas.

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204 Capítulo sessenta A PROCURA DA ESPOSA A vida havia tomado um rumo diferente daquele que planejara. Após a tentativa frustrada de dar um fim em tudo e não ter conseguido, pensou ter fracassado novamente. O que a princípio achou ser um exagero, agora tinha a certeza de ter tomado a melhor decisão. Uma carta registrada dificilmente é extraviada, caso o destinatário não seja encontrado, ela é devolvida ao remetente. Graças a isso, agora sabia que sua família jamais fora encontrada. Tateando o bolso interno de seu paletó sentiu a presença do envelope. Nele havia um carimbo onde constava, mudou-se, como motivo da devolução. Ao chegar no endereço, onde supunha ainda ser o local que sua esposa e filhos estivessem morando desde sua saída de casa, parou o carro, a dúvida transformou-se em decepção. Pendurada na grade da janela, uma placa onde estava escrito o nome e telefone da imobiliária que estava vendendo o imóvel. Procurou, com os vizinhos, sobre o paradeiro dos antigos moradores, mas não obteve informações que pudessem levá-lo até eles. Sem saber o que fazer resolveu dar uma volta pela redondeza, ainda tinha a esperança de ter confundido o endereço. Descobriu, por acaso, quando encontrou seu filho caçula entrando ali algum tempo atrás. A vergonha que sentia com os seus fracassos impediu-o de conversar

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com ele na ocasião. Notou que havia algumas correspondências e propagandas jogadas pelo chão. Nelas constatou que os nomes dos antigos moradores eram desconhecidos. Resolveu retornar para casa e continuar a procurá-los um outro dia. Já estava chegando o horário do almoço e não tinha avisado o pessoal. Ao se aproximar de sua residência encontrou um homem parado em frente ao portão. Tinha cabelos brancos, usava óculos escuros, vestia terno cinza, feito sob medida. Procurava nos bolsos alguma coisa. Por fim desdobrou um papel e assim que percebeu a presença de um automóvel se aproximando, guardou-o novamente no bolso e caminhou em sua direção. William desceu o vidro e cumprimentou-o com um sorriso. O outro se desculpou pelo inconveniente de estar parado em frente a sua residência. No momento em que ia se apresentar o celular tocou deixando William ainda mais curioso.

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206 Capítulo sessenta e um OS PRIMEIROS CONTATOS O telefone indicava que a chamada se completara. Após o terceiro toque, sua paciência se esgotou. Não sabia o motivo, mas tornava-se outro homem ao telefone. Já estava quase desistindo, quando ouviu uma voz conhecida. - Alô! – Dito entre bocejos. - Espero não tê-lo acordado! – Disse Ivo Moura, sabendo ser exatamente o contrário. - Devo ter um oitavo sentido. Tinha certeza que era você. – Resmungou o outro. - O único que me liga de madrugada só para me acordar. - Madrugada? São quase nove horas! Tenho algo muito importante para dizer. - O que é mais importante do que meu sono? – Respondeu o outro. - Gostaria de te apresentar os rapazes de uma banda que conheci ontem. Ligue para mim próximo da hora do almoço e terei maiores detalhes. Sem esperar por resposta alguma desligou. - Não sei por que não se despede como todos fazem, dizendo até mais, um abraço, até logo e etc. – Pensou Joel quase explodindo de raiva. Odiava quando Ivo fazia isso. Por outro lado adorava-o pelo ser humano que era. Um pedido seu, sempre era por uma boa causa e sabia que desta vez, não seria diferente. Estava contente com o retorno do amigo. Apesar da diferença de idade entre eles, Joel

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considerava-o seu melhor amigo. Não sabia o que tinha acontecido para sair daquele estado depressivo, mas não importava o motivo, tinha-o trazido de volta e isso bastava. Como sempre, quando Ivo ligava, Joel iniciava os preparativos para algo grandioso. Resolveu por o pessoal em estado de alerta. A primeira ligação foi para seu assistente. - Alô! – Disse Homero. - O homem voltou. Prepare-se! – Disse Joel em seguida desligou. - Odeio quando faz assim, por que não se despede antes, como todos fazem, dizendo um até breve ou algo parecido. – Pensou Homero.

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208 Capítulo sessenta e dois AO SOM DO TELEFONE 7:00 Horas, acordado pelo seu fiel escudeiro, que sempre subia na cama sorrateiramente e como um gesto de carinho lambia seu rosto. Kasuo adorava-o, sentia-se seguro ao seu lado. Bastava qualquer sinal de Romeu para Kasuo se deixar levar. Sabia que sua segurança dependia disso e se fosse necessário, Romeu daria sua vida por ele. Presente de um amigo da família, treinado para guiá-lo e protegê-lo, tornou-se um excelente cão-guia. Quando o telefone tocou, desceu da cama, retirou o telefone do gancho em seguida levou-o até Kasuo. - Grande garoto. – Acariciou-o enquanto retirava o telefone de sua boca. - Alô! - Bom dia! O senhor Kasuo, por favor! - É ele. - Bom dia senhor Kasuo! O senhor não me conhece. Meu nome é Ivo Moura e gostaria de agendar um horário para conversarmos. - Sobre o que conversaremos? - Música! - Quando gostaria de marcar? - Pode ser hoje à tarde? - Poderíamos marcar um almoço! – Disse Kasuo. - Por mim está ótimo, em qual restaurante o senhor prefere? - O senhor poderia vir hoje aqui em casa. Pode anotar o endereço? Depois de anotar o endereço Ivo completou.

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- OK! Se não for incomodo, estarei aí por volta das 11:00 horas. - Ótimo! Estarei aguardando. - Kasuo desligou o telefone e pediu para Helena providenciar o que fosse necessário. Na sala, Jorge e Oscar comentavam sobre a qualidade do espetáculo da noite anterior. A conversa transcorria com algumas divergências, mas num ponto eles concordavam, que os ouvintes divertiram-se durante todo o espetáculo. Ao entrar na sala, Kasuo comentou sobre o telefonema e a reunião marcada com o senhor Ivo. Oscar pensou ter ouvido esse nome em algum momento, mas não sabia onde ou quando. - Onde está o William? – Perguntou Kasuo. – Não ouço sua voz. - Ele saiu há algum tempo e não disse aonde ia. – Informou Jorge. - Caso não chegue até a hora do almoço, paciência! Gostaria que estivesse aqui! Continuaram conversando sobre os acontecimentos daquela apresentação. - Este nome Ivo não me é estranho. – Disse Oscar. Ao lembrar-se, onde tinha ouvido, exclamou tão alto que assustou os outros dois. - Já sei! – Sem esperar comentários. – Foi no corredor próximo aos banheiros. Estava conversando com dona Emile. Havia uma terceira pessoa com eles, só não estou certo de quem era. O que ele quer? - Disse apenas que seria sobre música. –

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210 Respondeu Kasuo. – Vamos ter que perguntar quando ele chegar.

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Capítulo sessenta e três NO ESCRITÓRIO Joel chegou no escritório mais cedo do que de costume. Com a depressão de Ivo, seu amigo e sócio, fez com que perdesse o entusiasmo de estar ali sozinho, procurava resolver tudo por telefone, não conseguia olhar para a mesa vazia. Homero, o “Braço de Ferro”, como era chamado, até aquele momento, trabalhou ali sozinho, ficou surpreso com a presença do chefe que havia chegado antes dele. - Bom dia senhor Joel! Que surpresa vê-lo no escritório. - Obrigado e tenha um bom dia Homero! Não me diga que chegou agora para abrir o escritório? - Mesmo não tendo muito trabalho, ainda assim temos que pagar algumas despesas, como condomínio e por isso fui ao banco. - Acho que teremos muito trabalho, de agora em diante, como nos velhos tempos. Ivo está voltando, ele está com muitas ideias novas e vontade para trabalhar, pediu-me que ligasse por volta das 11:00 horas para me informar às novidades. Mal terminou de falar o telefone soou e Homero atendeu. - IVEL Produções, Bom dia! Do outro lado da linha, Ivo sentiu uma ponta de orgulho e esboçou um sorriso de felicidade ao ouvir o nome da empresa que fundou.

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212 Sentiu estar vivendo novamente. - Bom dia Homero, meu querido Braço de Ferro! Está pronto para voltar à ativa? - Sempre estarei senhor Ivo. - Ótimo! Passa-me para o Joel. Como sempre não demorou em ouvir a voz do amigo. - Joel! Marquei um almoço com o líder da banda hoje as 11:00 horas. Se aceitarem minha oferta, vai valer a pena fazerem uma nova apresentação, mas desta vez, em local maior. Como sempre, disse o que queria e desligou. Depois de ouvir o clique do aparelho sendo desligado, chamou Homero pelo interfone para inteirá-lo das novidades. Passou para ele uma lista contendo alguns nomes que deveriam se contatados para uma reunião durante os próximos dias. Na lista havia alguns nomes conhecidos de Homero, como Marcos Sá engenheiro de som, que participava de todos os eventos produzidos pela IVEL. Considerado excelente profissional, quando se apresentava utilizava o pseudônimo de MS. Só para simplificar. Outro nome da lista Fred, que sabia como iluminar o mundo, tanto que foi apelidado por engenheiro. Seu verdadeiro nome Frederico. Por último Gildete, encarregado da supervisão da montagem do palco e tudo que fosse necessário para produzir os efeitos especiais, era também um dos mais revoltados com o próprio nome e com sua família. Ele odiava sua madrinha por sugerir tal nome a sua mãe. Nome que sempre lhe causou

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embaraços, por isso resolveu transformá-lo em Gil. Sempre que alguma pessoa necessitava chamá-lo em voz alta, adicionava dona Gildete, senhora Gildete e etc, deixando-o irritado e constrangido. A gota d’água aconteceu quando ao sair com uma garota pela primeira vez... - Muito prazer! Meu nome é Gildete. – Disse ela. - O prazer é meu! Meu nome é Gil. – Tentando disfarçar sua vergonha. - Nossa! Que coincidência! Quase temos o mesmo nome. Esse foi o primeiro e último encontro com a garota. Ficaram contentes com a notícia da recuperação de Ivo e prontos para agirem a qualquer momento. Informado por Homero sobre a disponibilidade do pessoal, Joel resolveu ligar para Ivo. - A equipe está pronta. – Desligou em seguida só para ter o gostinho de fazer do mesmo modo que Ivo. Um sorriso maldoso surgiu em sua boca.

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214 Capítulo sessenta e quatro O ALMOÇO William aguardou pacientemente que desligasse o aparelho. - Em que posso ajudá-lo! - Meu nome é Ivo, marquei com o senhor Kasuo, mas acho que anotei o número errado. - O senhor está absolutamente certo está é a residência dele. Muito prazer, meu nome é William. - Puxa! Pensei ter errado, afinal nunca encontrei um oriental com cabelos castanhos e olhos esverdeados e ainda por cima com 1,90m de altura. – Disse sorrindo para quebrar o gelo. - 1,85m apenas! - Completou William. – Não sei se está, mas se marcou com o senhor, com certeza estará esperando. Os dois entraram. Kasuo aguardava-o com o pessoal na sala. Após as apresentações Ivo iniciou suas explanações. - Como falei pelo telefone, meu interesse é musical. Depois que perdi minha esposa, estive alguns meses morto por uma depressão. Confesso, que ao receber o convite de Emile para assistir ao espetáculo dedicado aos internos do asilo, não tive a menor vontade de aceitar. Ficar deitado em minha enorme cama vazia era o que mais queria. Enquanto abria seu coração sentiu Romeu colocar a cabeça sobre sua perna como se compartilhasse de sua dor. - Emile é como uma filha, por isso aceitei e me esforcei para cumprir minha palavra de

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que estaria lá. - No início, um pouco cético ainda, apenas vi um grupo...Um grupo... – Nesse momento ficou constrangido, mas foi socorrido por Oscar. - Um grupo esquisito. – Disse sorrindo. - Obrigado! Um grupo esquisito mostrando uma qualidade musical que não é sempre que se vê. Por esse motivo estou aqui. Vim para saber se os senhores têm interesse em fazer uma apresentação para um público maior? Por alguns instantes, novamente o silêncio tomou conta do lugar. - Se me perguntasse algum tempo atrás, antes de conhecer essa turma, minha resposta seria não, porque, como o senhor, também estive morto por algum tempo se aceitarem sua proposta, estarei com eles. – Kasuo falou. - Nós nos conhecemos após um momento digno de ser esquecido. Por acaso encontramos Kasuo e nenhum de nós tinha a pretensão de fazer qualquer coisa referente à música. Foi por acaso também, que começamos a tocar e muito mais ao acaso foi ter recebido o convite de dona Vera para a apresentação no asilo. Agora temos outra proposta que não esperávamos. Acredito que o céu está conspirando em nosso favor e sendo assim, quem somos nós para não aceitarmos. – William fez um aceno com a cabeça, recebendo o apoio dos outros dois. - Temos além de nós, Helena, Cláudio e Ruan para consultar, mas acredito que seja vontade

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216 deles montar uma banda. – Completou Kasuo. - Precisamos marcar uma reunião para acertarmos alguns detalhes. Acredito que o primeiro passo será definirmos alguns parâmetros para que a equipe possa trabalhar, como tipo de espetáculo, onde será realizado e etc. – Comentou Ivo. - Seria por acaso um roteiro? – Indagou Oscar. - Exatamente! É o que precisamos para não colocar os pés pelas mãos. – Completou o outro. - Vamos marcar para amanhã no final da tarde. Precisamos avisar o Cláudio e o Ruan. – Completou Kasuo. – Por hora vamos almoçar, porque ninguém é de ferro. Do outro lado da linha Ruan não acreditava no que estava ouvindo sobre a visita de Ivo e a proposta para o espetáculo. - Você está falando sério Oscar? - Claro! Sou um homem sério! – Disse rindo. - Avisarei o Cláudio e amanhã estaremos ai. - Venha amanhã cedo. Vamos ter que conversar sobre alguns detalhes. – Completou Oscar.

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Capítulo sessenta e cinco PARECIA UM SONHO Vera não entendia o motivo para tanto contentamento do filho. Estava colocando a mesa para o almoço quando Ruan entrou na cozinha. - Oscar acabou de falar comigo sobre um homem que assistiu a nossa apresentação. Gostou tanto que convidou-nos para um outro num local maior. - Parabéns para vocês! Tomara que dê tudo certo. - Agora preciso avisar o Cláudio. - Primeiro almoça depois você liga. - Não vou aguentar esperar tanto tempo. Daqui a pouco eu almoço. Dessa forma a notícia se espalhou rapidamente. A felicidade dos rapazes era contagiante. Faziam planos ambiciosos para o futuro. Tocar para uma plateia maior, uma casa de espetáculos lotada seria a realização do sonho de todos eles. Antes, porém precisavam arranjar um nome para a banda, escolher um bom repertório e ensaiar muito. - Passarei por ai e iremos juntos. – Disse Cláudio. Aquela noite foi a mais longa de sua vida. A claridade do dia estava dando sinais de sua chegada na janela de seu quarto e ele não havia conseguido dormir. Seus pensamentos voltaram no tempo quando ao retornar para

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218 sua casa após o último espetáculo no bar. Pensou em sua mãe, ao abraçá-lo com carinho, anunciou que encontraria outro pessoal e formariam um grande grupo. Jamais imaginou que seria tão rápido. Resolveu levantar-se e tomar um bom banho. Tomou um café e saiu a caminho da casa de Ruan. Ao chegar, ficou constrangido de tocar a campainha achando ser muito cedo. Sua surpresa foi ainda maior ao encontrar Ruan, parado na porta, pedindo que entrasse. - Desculpe-me, mas minha cama estava cheia de pregos, não consegui dormir um minuto de tamanha felicidade. - Por que acha que estou acordado tão cedo? - Não sei quanto a você, Ruan, mas não consegui parar de pensar no assunto. - Muito menos eu! Quando fechava o olho, ouvia a voz de Oscar me dizendo para chegarmos pela manhã. Você imaginou meu pesadelo sonhando com ele fazendo graça durante a noite toda? - Pelo menos você ficou se divertindo. - Olha minha cara, repare quanto me diverti. Vamos tomar um café, depois iremos. Minha mãe não aceita não como resposta ela já preparou tudo para nós dois. Entraram e foram recebidos com o sorriso de dona Vera que terminara de por a mesa. - Bom dia dona Vera! - Bom dia Cláudio! Sua mãe como vai? - Muito Bem! Graças a Deus! - Você também está ansioso? - Não consegui dormir. - Isso acontece quando estamos diante de algo

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que queremos muito e não sabemos como vamos nos sair. Basta confiarmos em Deus e fazermos o que tem que ser feito Ele nos ajudará.

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220 Capítulo sessenta e seis O ACERTO DA BANDA Ainda era cedo quando os dois chegaram na casa de Kasuo, apesar disso, já estavam todos de pé. Na sala teve início a reunião entre os rapazes para que os dois fossem inteirados sobre os últimos acontecimentos. - Bem! Como Oscar já tinha informado vocês dois. – Iniciou Kasuo. - Recebemos uma proposta de um senhor chamado Ivo Moura para montar uma apresentação. Sua proposta é para ser numa casa de espetáculos ou em um ginásio de esportes. Teremos apenas que nos preocupar com os instrumentos e as músicas e é por isso que estamos aqui, para definir alguns pontos. Kasuo deu a palavra para William para decisão das questões pendentes. - Conforme Kasuo me pediu listei alguns tópicos, mas se alguém tiver alguma ideia a acrescentar é só falar. Tudo começa com o batismo, por isso acho importante dar um nome para a banda. O segundo, qual o estilo de música que tocaremos? Qual o repertório. Quem tiver alguma sugestão, por favor, pode começar. Oscar iniciou e todos acharam que estivesse brincando. - Quanto ao nome acho que “WE ARE LIKE THIS” é bom. Quanto ao repertório, por que não tocamos as clássicas com estilo e arranjos atuais e vice e versa. Contaríamos com a presença de uma orquestra. Só teríamos que

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ter cuidado nos arranjos. Pela expressão no semblante dos presentes notou que havia dúvidas e um pouco de receio, em relação às suas palavras. - Fred Mercury da banda Queen, por exemplo, roqueiro com um toque lírico. - Poderemos apresentar as mais conhecidas com arranjos diferentes - Sugeriu William. - Eu acho que o repertório pode ficar para mais tarde. Temos urgência em dar um nome para banda. O que acham de “WE ARE LIKE THIS”? Outro ponto para ser discutido, é se usaremos uma orquestra, mas para isso precisamos saber o tamanho do local. - Você tem toda razão Kasuo. Devemos votar e decidir o nome para a banda. Podemos colocar outros nomes e depois escolher o mais votado. - Completou Jorge. Foram escolhidos três nomes conforme Jorge tinha sugerido. Vários deles foram colocados, alguns espalhafatosos outros tímidos, uns alegres, outros tristes e no final sobraram apenas três deles. O escolhido, “WE ARE LIKE THIS”.

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222 Capítulo sessenta e sete COMO ANTES Ainda era noite quando saiu, estava feliz por ter algo que o motivasse mais do que a depressão. Os primeiros raios de luz davam conta de que o dia seria ensolarado. Há muito tempo não prestava atenção ao amanhecer, tinha até esquecido de como eram bonitas as cores que o céu adquiria. Agradeceu a oportunidade de presenciar tamanho espetáculo, lembrou-se de agradecer também por ter encontrado aquele pessoal. Estava disposto a fazer um grande trabalho com eles. As ideias fervilhavam em sua cabeça. Procurava imaginar o local, o palco, a iluminação, o som, enfim, estava voltando ao mundo. Ao posicionar seu veículo no portão de acesso a garagem; Ivo foi abordado pelo segurança que estranhou a presença de um automóvel naquele horário. Baixou o vidro e disse: - Bom dia Carlos! - Bom dia! O senhor por aqui a esta hora, senhor Ivo? - Desculpe-me não ter avisado que viria, mas preciso preparar um material. - Não tem problema nenhum, vou abrir o portão para o senhor. - Obrigado! No escritório do sétimo andar situado na face norte do edifício, entrou e seguiu direto até a cozinha para preparar um café. Não tinha o hábito, mas colocou o pó e água na cafeteira e ligou-a. Abriu as janelas para que o ar da

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manhã pudesse entrar, não estava disposto a respirar o ar produzido pelo equipamento de refrigeração. Percebeu que antes encontrava tudo preparado, café, ar condicionado ligado, mesa limpa, com as correspondências colocadas sobre ela, então se deu conta da eficiência e existência de Homero. O aroma que o café exalava invadia suas narinas e provocava aumento na salivação. Encheu uma xícara foi até sua sala, ali, enquanto sorvia seu café lentamente em pequenos goles, olhava para o horizonte fazendo planos para o futuro enquanto o dia ocupava o lugar da noite tornando tudo visível. Joel e Homero viram as luzes acesas e ficaram preocupados. Ao entrarem encontraram Ivo bem-humorado. - Bom dia! Os senhores parecem bem-dispostos. - Colocaram prego na sua cama? – Disse Joel. - Preparei o café peguem uma xícara, mas não aceito reclamações. – Completou Ivo. - Acabei de perder meu emprego! – Resmungou Homero. - Não precisa se preocupar, não tenho intenção de tomar o seu lugar. – Brincou o outro. - Vocês estão preparados para a reunião de hoje? – Questionou Ivo. Homero foi quem respondeu enquanto saboreava seu café. - Entrei em contato com todo o pessoal e eles

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224 virão hoje pela manhã. Todos me confirmaram a presença. Não demorou e o interfone tocou anunciando a chegada de Fred, Gil e MS. Após os cumprimentos e o café, Ivo iniciou explicando os reais motivos da reunião. - Hoje os senhores terão o prazer de conhecer um grupo esquisito, mas tão fantástico. Posso garantir que a primeira vista, o sentimento vai ser de dúvida, mas ao ouvi-los, cada um terá a impressão de não estar à altura de prepararem seus equipamentos. – Continuou ele. - Confesso que antes de entrar no salão, ouvi-los, me motivou a querer conhecê-los, porque se fosse o contrário não esperaria a apresentação começar. - Para quem tem os nomes como os nossos, a gente tira de letra. – Comentou Gil. O comentário feito foi o estopim para uma gargalhada generalizada. As ideias e sugestões eram todas anotadas por Homero encarregado de providenciar o necessário para colocar em prática o que os rapazes haviam decidido. O bate papo avançou o horário do almoço, somente percebido quando MS informou que seu estomago já estava digerindo seu esôfago de fome. - Minha Nossa! Já é quase uma hora, vamos comer algo aqui mesmo, porque o pessoal está para chegar. Homero se incumbiu de telefonar para o restaurante e fazer as encomendas das refeições para todo o pessoal. Mal terminaram de almoçar e tomar um café feito na hora,

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desta vez por Homero, o porteiro anunciou a chegada dos rapazes.

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226 Capítulo sessenta e oito NO TRAJETO - Bom pessoal está na hora! – Disse Kasuo. Cada um ocupou seu lugar no automóvel, William ao volante, Kasuo e Jorge na frente, Cláudio, Ruan, Oscar e Helena no banco traseiro. Oscar assoviou e Romeu, sem hesitar, pulou no colo dos que estavam sentados no banco traseiro. - Estão todos acomodados? – Perguntou Jorge fazendo piada. - Estamos ótimos! – Respondeu Oscar em tom de sussurro. William acelerou e o automóvel ganhou velocidade passando por avenidas arborizadas, ladeadas por edifícios, dos quais, a luz do sol era refletida nas vidraças. Repentinamente Oscar grita e com ele a reclamação dos outros três. - Abram os vidros estou sufocando. Romeu! Não me diga que você soltou um pum? A agitação tomou conta de todos que estavam no banco traseiro, em busca de ar puro. Romeu, por sua vez achando que estavam brincando com ele latia e abanava o rabo de felicidade. - Pare de zombar da gente, seu cão despudorado! O que andou comendo nos últimos dias? – Ele mesmo respondeu. – Minhas meias? Apesar do mau cheiro, era difícil não achar graça de Oscar. Riram da situação, quando Cláudio quis fazer um comentário e sua gagueira não permitiu que completasse a

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palavra, deram mais risadas. - Vo..vo...vo...... Oscar não deixou passar e brincou com Cláudio. - Você viu Romeu o que fez para o rapaz? Cláudio respirou fundo e falou de uma só vez. - Você queria que ele segurasse? Novamente todos riram. Não demorou e estavam estacionando no edifício, onde ficava o escritório de Ivo. O porteiro ficou impressionado com o aspecto do grupo. Foi Oscar quem os anunciou para quebrar o gelo. - Boa tarde! Gostaríamos de falar com o senhor Ivo. - A quem devo anunciar? - A nós mesmos. – Brincou. - Seu nome. Por Favor. - Meu nome é Oscar, por favor, diga que é por parte do senhor Kasuo. – Disse apontando em sua direção. O porteiro anunciou-os. Enquanto aguardavam no saguão apreciavam alguns quadros ali expostos.

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228 Capítulo sessenta e nove 1ª IMPRESSÃO Sobre a mesa, encontravam-se as anotações de tudo o que já haviam acertado. Foi Gil quem abriu a porta para atendê-los. Após as apresentações seguiram para a sala de reunião. Ivo quem iniciou a conversa, não escondia a felicidade em trabalhar com os rapazes. - Agradeço a presença dos senhores aqui em nossa sede. Como já havia antecipado no almoço que tivemos, nossa intenção é montarmos um espetáculo com vocês. Fiz questão de apresentá-los minha equipe e meu sócio para definirmos alguns pontos. Havia pensado num teatro, mas como sou ambicioso, confesso que um ginásio de esporte não será má ideia. Ivo deu uma pausa para Joel fazer seus comentários iniciais. - Quando Ivo me disse que havia um grupo com o qual ele tinha muito interesse em fazer um trabalho conjunto, naquele momento tive a certeza de que eram músicos fora de série, caso contrário, não conseguiria fazer Ivo voltar à ativa. Por esse motivo agradeço por terem vindo. - Joel prosseguiu. - Deste momento em diante teremos muitas coisas para definir. Acredito que a primeira delas é sabermos o tamanho do espetáculo que queremos fazer e a partir daí planejar os passos futuros. Houve consenso sobre o que Joel acabara de falar. Definido o local como sendo um ginásio

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de esportes, resolveram fazer uma estimativa do tempo necessário para aluguel do local e a montagem do espetáculo. Definiram como data provável final de novembro e meados de dezembro. Ao término da reunião que se prolongou até o inicio da noite tinham quase tudo acertado, onde e quando seria a apresentação, tempo de duração, numero de músicos entre outras coisas. - Bem senhores agora que temos quase tudo praticamente acertado poderão fazer um contrato e assiná-lo na semana que vem. – Informou Joel. - De nossa parte não há problemas, basta nos avisar. - Replicou Kasuo. A volta foi mais tranquila e rápida. Em casa o que mais se ouvia eram reclamações sobre estarem cansados e famintos. Resolveram pedir comida italiana.

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230 Capítulo setenta INÍCIO DOS TRABALHOS Na manhã do dia seguinte, bem cedo, já estavam trabalhando no projeto. Gil disposto a fazer do palco com muita segurança, porém, com alguns detalhes permitindo a utilização de efeitos especiais, que pudessem interagir com os rapazes. Tinha várias ideias, mas todas teriam de obedecer a critérios rigorosos para garantir a segurança principalmente de Oscar que tinha dificuldade para locomoção, no entanto, prezaria por espaços livres favorecendo sua movimentação por todos os lados do palco. Ao mesmo tempo MS imaginava os tipos de microfones, equipamentos de som suficiente para cobrir todo o local sem interferir na qualidade. Fred, encarregado da parte elétrica e iluminação, por sua vez quebrava a cabeça com o projeto do palco e tamanho do ginásio para dimensionar a quantidade de energia necessária. O começo de todo projeto é sempre assim, basta dar o pontapé inicial e tudo fica mais fácil. – Pensou. Por sua vez Ivo e Joel saíram em busca de patrocinadores. Não seria fácil, mas poderia contar com parceiros de outros eventos. Ivo estava empenhado em fazê-lo, mesmo que fosse seu último trabalho. Em sua primeira visita foram recebidos com muita alegria e o acordo selado com um brinde de água sem gás no seu melhor estilo.

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O tempo passou rapidamente e quando menos esperavam, estavam às vésperas da apresentação. O consumo de café crescia à medida que o prazo diminuía. Enfim o dia D chegou.

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232 Capítulo setenta e um ATÉ A EXAUSTÃO Sem exceção, todos estavam tomando o café da manhã e o dia não havia amanhecido. 6:00 Horas em ponto, a campainha tocou e pelo interfone ouviu-se a voz de Ruan e Cláudio dizendo “Podemos entrar?”. - Eles não dormiram! – Disse Oscar, pois estava impressionado com o horário. - Vocês poderiam ficar aqui com a gente, assim não precisariam acordar tão cedo. - Precisamos perguntar para nossas mães, afinal elas ficarão sozinhas durante esse período e depois te informamos Kasuo. – Respondeu Cláudio. Os ensaios começaram como sempre com muitas paradas para acerto de detalhes. Cada um procurava dar sugestão para melhorar a performance do grupo. Não havia líder nem liderado apenas pessoas fazendo o melhor de si. Um novo local foi necessário para os ensaios com a orquestra e o coral. Como acontece sempre o tempo é implacável. Estavam exaustos depois de tantos ensaios, mas apesar de preparados o frio na barriga era inevitável. - Estamos a poucas horas do maior e melhor dia de nossas vidas. Acredito que foi para esse dia que nascemos. Tudo o que Deus nos deu foi para nos preparar para esse momento e tenho certeza de que será inesquecível para todos nós. Já fiz diversas apresentações, mas nenhuma será tão importante para mim do

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que esta que faremos juntos. Gostaria de agradecer todo o empenho de cada um e pedir para que amanhã vocês acima de tudo divirtam-se. Ao terminar, Kasuo estava emocionado por perceber que ali estavam pessoas que como as lagartas transformaram-se e no dia seguinte fariam seu primeiro voo.

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234 Capítulo setenta e dois RETOQUES FINAIS Durante a noite todas as equipes, de Gil, Fred e MS trabalharam dando os retoques finais. O som e a iluminação estavam sendo ajustados para que todos os equipamentos funcionassem cem por cento para o ensaio que aconteceria na manhã seguinte. Com o mapa na mão, Fred revisou toda a programação feita na mesa de iluminação. Por sua vez MS preocupava-se no ajuste da equalização do som. A madrugada já estava em sua metade final quando foram descansar um pouco. Os três, muito cansados com a maratona, teriam que estar prontos durante o último ensaio da banda para eventuais ajustes. O sol nem tinha aparecido por completo e os músicos já verificavam a afinação dos instrumentos. As cópias do roteiro do espetáculo eram afixadas em pontos estratégicos. Os rapazes da banda ensaiaram suas marcações, todos os detalhes foram revistos cuidadosamente. Foram servidos lanches e ingeridos ali mesmo no local dos trabalhos. As horas passavam, ainda havia muito trabalho por fazer e a segunda metade do dia já batia à porta. Finalmente, depois de tudo checado, resolveram descansar um pouco até o início do espetáculo. Para evitar locomoções desnecessárias, haviam montado alojamentos e camarins confortáveis atrás do palco. O grande momento estava chegando, os

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nervos estavam à flor da pele. Do lado de fora o público aguardava a abertura dos portões. Há muito tempo, se aglomeravam próximos da entrada. Conforme planejado, os portões foram abertos as 19:00 Horas, duas horas antes do início da apresentação. A noite estava quente sem nuvens que demonstrassem mudanças no tempo. As pessoas corriam para ficarem próximas do palco. O planejamento e colocação dos telões e o cuidado com a perfeita distribuição do som possibilitaram aos presentes assistirem todos os acontecimentos do espetáculo. Os Spots iluminavam apenas o público. O palco, com a cortina ainda fechada e sem iluminação alguma, aumentava a curiosidade do público. No camarim, estavam reunidos os músicos da banda e da orquestra, o coral e os colaboradores para o momento de orações. - Gostaria de agradecer primeiramente a Deus pela possibilidade de estar aqui com todos vocês que se empenharam na montagem de toda essa estrutura e de acordo com o Oscar, nós deveremos dar o nosso melhor lá no palco, porque vocês fizeram o melhor. Peço também que Deus abençoe todos vocês. A hora é esta. Em seguida cada um assumiu seu posto para o início da apresentação.

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236 Capítulo setenta e três O ESPETÁCULO Em pé num canto do palco Ivo fazia um balanço do trabalho feito. A divulgação do evento tinha sido perfeita, considerando que o grupo era desconhecido do público, conseguiram lotar um ginásio de esportes. Nas chamadas publicitárias foram utilizados trechos da apresentação no asilo e para os panfletos e cartazes, as fotos foram produzidas por um jovem no início de carreira, mas que com muita dedicação e competência tinha feito um grande trabalho. - Vieram por curiosidade? – Pensou. Sabia que teriam uma grande surpresa, assim como ele no dia em que os ouviu pela primeira vez. Aqueles meses foram de trabalho árduo, tanto na busca de recursos com patrocinadores, quanto na divulgação do evento nos meios de comunicações. Foi necessário usar de toda forma de persuasão, para obter espaço na mídia, afinal era o preço do anonimato. Devia favores para várias pessoas, mas o importante é que conseguiu atingir sua meta, o resto seria com os rapazes. O sucesso dependia da apresentação neste espetáculo. Pouco antes de ser abordado por Emile e Vera disse em voz alta: “Desejo para todos vocês muita merda”. As duas vinham acompanhadas por um jovem senhor que foi acomodado próximo do palco junto das cadeiras reservadas para eles.

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- Olá garotas! Vejo que conseguiram. - Deu trabalho, mas conseguimos. – Replicou Emile. - Tivemos que bancar detetives. A ideia que nos deu de começar pelo cartório foi importante para nosso sucesso. – Completou Vera. - Pensei que tivessem fugido, faz mais de três dias que procuro falar com vocês e não as encontro. - Tivemos que viajar para o interior de Minas Gerais. Nossas informações nos levaram até uma chácara e mesmo assim não tínhamos certeza se eram corretas. O importante é que nós conseguimos. – Concluiu Emile.

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238 Capítulo setenta e quatro A SIMPLES VERDADE Com os integrantes da banda em seus lugares no palco, foi dado o sinal para o início do espetáculo. Todas as luzes que iluminavam a plateia foram apagadas e a escuridão fez aumentar a expectativa das pessoas ali presentes. Repentinamente do lado oposto ao palco surgiu um facho de luz produzido por um holofote muito potente iluminando aleatoriamente grupos de pessoas que estavam na plateia. Ao mesmo tempo em que era ouvido o som de hélices girando, uma corrente de ar muito forte sendo lançada sobre as pessoas faziam-nas sentir a sensação de terem um helicóptero sobre suas cabeças. Os equipamentos responsáveis por tais efeitos, ventiladores potentes, estavam colocados no teto do ginásio. Enquanto a plateia se preocupava em procurar o “tal aparelho” a cortina foi aberta. Ainda com as luzes do palco apagadas a banda iniciou a música “THE PAPIEST DAYS OF OUR LIVES e ANOTHER BRICK IN THE WALL, parte 2 – Pink Floyd”, cantadas por Jorge e as três garotas lideradas por Helena. No fundo do palco, um coral de 50 vozes ladeava a bateria que estava colocada num nível mais elevado isolada por acrílico transparente. Logo abaixo a orquestra regida por um maestro amigo de Ivo. À frente, o piano de Kasuo, Jorge em sua cadeira de rodas, Cláudio, William e Helena e as duas garotas que faziam back-vocal. Oscar tinha

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um espaço na frente do palco onde podia caminhar livremente sem perigo de tropeçar em fios com suas muletas. A plateia vibrou com o som produzido pela banda. Assim que o último acorde foi dado, novamente todas as luzes foram apagadas. Em poucos segundos, no centro do palco, Oscar em seu terno branco, que iluminado por um facho de luz negra tornou-se azulado, era erguido por um elevador hidráulico, de cuja base saia uma fumaça densa produzida por uma máquina, dando a impressão de que estivesse levitando em meio à neblina. À medida que Oscar era erguido, acompanhada pela orquestra, a banda iniciava os acordes de “WIND OF CHANGE – Scorpions” com uma roupagem diferente. Quando a música terminou, enquanto a plateia aplaudia, assoviava, gritava. Um novo efeito visual iniciou. A luz que o iluminava apagou e imediatamente outras lâmpadas passaram a iluminar todos os músicos que estavam no palco, fazendo Oscar desaparecer como num passe de mágica. Assim que o elevador baixou, um dos seguranças pegou Oscar no colo e correu em direção ao fundo do palco, onde um carro elétrico o aguardava para levá-lo até o outro lado do ginásio atrás da plateia. O assistente trocou seu paletó branco por um preto com apliques de lantejoulas, enquanto um outro retirou a calça branca com um pequeno puxão, embaixo apareceu outra de

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240 cor preta. A grande ideia de utilizar Velcron nas costuras, para facilitar a remoção, foi dada pela mãe de Ruan. - Foi outra grande ideia ter colocado duas calças, senão teria que ficar pelado! Imaginem as garotas correndo atrás de nós por minha causa? – Comentou para os rapazes que o acompanhavam. - Ia ser uma loucura, teríamos que aumentar o número de seguranças. – Replicou um dos rapazes. Em pouco tempo Oscar estava no lado oposto do palco pronto para entrar em cena. Enquanto isso, no palco, Helena cantava “WHO WANTS TO LIVE FOREVER”. Assim que a música encerrou todas as luzes foram apagadas novamente e a escuridão tomou conta do local, algumas pessoas acendiam seus isqueiros inutilmente na tentativa de enxergar algo, outras assoviavam ou gritavam até que uma voz se fez ouvir. - Olá! Onde colocaram o maldito interruptor? Por favor, alguém poderia acender a luz do banheiro? Não consigo ver nada. A plateia fez silêncio imaginando que algum integrante da banda tivesse ido ao toalete com o microfone ligado sem perceber. - Como vou conseguir acertar isso? Vai cair para fora do vaso! O som de água caindo no chão foi ouvido. - O que será esse botão? Será a descarga? Nessa escuridão só tem uma maneira de saber. O som que o público ouviu foi de uma descarga quebrada que não parava de despejar

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água dentro do vaso sanitário. - Nossa! Não para de cair água. Desse jeito vai acabar com toda água do planeta. Socorro! – Gritou. - Alguém poderia fazer ela parar de desperdiçar tanta água. Essa era a deixa. Um canhão apontou seu facho de luz na pista central, onde se via um rapaz caminhando com dificuldades em direção ao palco enquanto cenas de lugares áridos da terra eram apresentadas nos telões. A banda, por sua vez, iniciava a introdução da música “TERRA PLANETA ÁGUA – Guilherme Arantes”. Alguns ficaram impressionados com aquela figura se arrastando em direção ao palco, mas quando ouviram-no e no tom de sua voz, perceberam que a brincadeira fora para alertar de algo muito sério que ocorria em muitos lares, aplaudiram efusivamente. Sem pausa entre elas, iniciou os acordes de “EVA – Rádio Táxi”. Enquanto era cantada, nos telões, via-se a poluição tomando conta do ar, testes com bombas nucleares, homens devastando as matas, pessoas jogando lixo nas ruas e rios das grandes cidades. Em seguida, os furacões, maremotos, degelo dos polos, alagamentos, regiões devastadas por erosões, enfim o caos. Assim que foi dado o último acorde, fez um pequeno alerta. - Precisamos refletir com carinho em todas as nossas ações, o que vemos, o que escutamos e o que fazemos. – O que vemos pelos meios de comunicações,

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242 sobre a degradação dos homens pertencentes às instituições públicas e privadas nos faz achar que todas as maçãs estejam podres. Acreditem, isso não pode ser verdade, porque ainda resta você. - O que escutamos sobre a libertação de criminosos perigosos, em nome da aplicação das leis de “direitos adquiridos” ou coisa que o valha. Jamais se ouve dizer, que elas foram mudadas para que se puna com rigor o culpado de crimes hediondos e não ocorra mais esse tipo de privilégios. Não me assustam os “defensores dos Direitos humanos” somente se preocuparem com os agressores. As vítimas, essas já não precisam de Direitos Humanos, porque já não são mais humanas, tornaram-se somente estatísticas. - O que fazemos ou podemos fazer? A resposta pode estar com cada um de nós, porque para alterarmos a matéria, devemos alterar a estrutura do átomo e para mudar a sociedade, devemos transformar o indivíduo. Como me preocupar, em mudar o mundo, se não consigo modificar as atitudes do cara do espelho? - Enquanto os políticos se preocupam em fazer conchavos, em planejarem formas e fórmulas de ganharem mais, homens, mulheres, crianças e idosos, sofrem ou morrem jogados pelos corredores dos hospitais públicos. Nas ruas dos grandes centros, jovens são consumidos por drogas, enquanto isso no parlamento a pauta principal é o novo salário dos parlamentares. A quantia de dinheiro desviada dos cofres

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públicos é suficiente para resolver quase todos os problemas na saúde, de moradia e de infraestrutura. Agora pergunto! – Fez uma pausa. - O que fará o cara do espelho? Oscar, como sempre, falou de improviso, deixando os outros sem saber o que fazer, mas no final todos concordavam com ele. Enquanto cantavam “WE ARE THE WORLD – Michael Jackson” no telão tudo o que foi dito por Oscar era exibido em forma de videoclipe. A plateia acompanhou cantando junto. Durante o espetáculo foram apresentadas diversas canções. Ficaram boquiabertos com o grupo, com os efeitos especiais apresentados, com a iluminação, as bolhas de sabão que caiam como chuva refletindo cores diversas à medida que as luzes incidiam sobre elas. A orquestra iniciou “SWEPT AWAY – Yanni” e nos telões, eram mostradas situações que a união dos povos poderia tornar-se realidade. Pessoas se abraçando, flores desabrochando, crianças caminhando de mãos dadas com idosos, no final apenas o Sol se pondo no horizonte. Ao olhar de relance para o telão, Jorge viu que ele também precisava seguir as palavras que Oscar tinha dito. Oscar apresentou os componentes da banda e o nome do maestro que regia a orquestra. O final da apresentação estava próximo, uma canção do grupo “Scorpions – LIFE IS TOO

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244 SHORT” fez os ouvintes se empolgarem. O arranjo feito pelo maestro da orquestra incluiu as vozes de todo o coral. Enquanto cantavam, nos telões eram mostradas cenas gravadas durante os vários ensaios feitos pelos rapazes. Como sempre, na maior parte do clipe, estavam dando risada das palhaçadas de Oscar. Os aplausos, os assovios, os gritos eram ouvidos a uma distância razoável fora do ginásio. A impressão que causava aquele tumulto era de um terremoto. Os integrantes da banda se reuniram na parte da frente do palco e agradeceram. Todos estavam emocionados pela receptividade e pelo carinho recebidos. Permanecendo de pé, aplaudiram durante alguns minutos. Oscar foi até um dos microfones visivelmente emocionado e agradeceu. - Só temos uma forma de retribuir todo esse carinho! O grupo entendeu a mensagem e cada um ocupou o seu lugar. - Em homenagem a todas as mulheres, porque sem elas, não seríamos nada. Em especial, para as que não estão presentes. A música escolhida por Oscar foi “BOHEMIAN RHAPSODY – Queen”. Na platéia, Vera e Emile, muito emocionadas, não paravam de gritar, chorar, aplaudir. - Vocês estão bem? – Perguntou Ivo. - Sim. Gostaria de agradecer ao senhor por ter dado esse presente para os rapazes. Falo em

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nome de meu filho e tenho certeza que o sentimento de gratidão é de todos. – Disse Vera. - Na verdade devo mais a eles do que eles a mim. – Comentou Ivo. – Se não fosse por Emile levar-me para vê-los no asilo estaria deitado na minha cama sem vontade de viver. Ao lado, apreensivo e visivelmente emocionado, aguardando o momento mais importante de sua vida, que até então foi cheia de remorsos e tristezas, José Lira segurava nas mãos suadas um microfone sem fio que lhe fora entregue por Emile. - Esta canção que vamos apresentar agora é um pedido de uma pessoa muito especial chamada Emile. – Disse Oscar enquanto o pessoal se preparava para acompanhá-lo. Um canhão iluminou Emile que não teve escolha a não ser levantar-se para receber os aplausos do público. Oscar iniciou a música “PAI – Fábio Júnior” e em determinado momento José Lira levantou-se e começou a subir a escada de acesso ao palco. À medida que se aproximava, Oscar tinha a nítida impressão de conhecer aquela figura, pensava estar olhando para o espelho, a única diferença, não usava muletas e estava um pouco mais velho. Ao se dar conta sobre o que estava ocorrendo, não conseguiu mais cantar, sua voz não mais saia. Os outros percebendo que Oscar estava muito emocionado continuaram tocando e

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246 cantando. José Lira caminhando em direção a Oscar abraçou-o enquanto beijava-o e pedia perdão. O público percebeu que estava ocorrendo algo inesperado e aplaudiu. - Filho! – Disse José Lira no microfone. – Depois de saber da sua existência, não parei mais de pensar em você. Sonhei várias vezes com esse momento, com o nosso encontro e descobri o quanto você é importante para mim. Será que podemos cantar juntos? - Se eu conseguir tirar esse gato da garganta poderemos tentar. – Disse sorrindo enquanto enxugava as lágrimas. Abraçados, cantaram desde o início e quando um começava a engasgar o outro socorria. Depois de muitas palmas, assovios e gritos Ruan fez a marcação para a última música “I DON’T WANNNA GO ON WITH YOU LIKE THAT – Elton John” a plateia levantou-se acompanhando o ritmo da melodia com palmas. O pedido de bis, no início timidamente, cresceu em volume obrigando-os a mais uma canção. A escolhida foi “HOLIDAY – Scorpions” que Oscar cantou feliz por estar ao lado do pai. Ao final agradeceram e a cortina foi fechada. Nos bastidores da mesma forma como fizeram antes da apresentação, reuniram-se novamente todos os participantes para agradecerem a Deus o sucesso. Oscar e José Lira tinham muitas coisas para conversarem, muitos pontos para acertarem. Durante a conversa Oscar descobriu como

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Emile e Vera haviam encontrado seu pai. Descobriu que através de sua certidão de nascimento conseguiram um nome. A partir daí procuraram nos catálogos telefônicos, nas concessionárias de energia até que, por pura sorte, após três meses, obtiveram sua localização no interior de Minas Gerais. Ainda um pouco tímido Oscar iniciou a conversa mais importante de sua vida. - Por que nunca me procurou? - Quando conheci tua mãe éramos apenas dois jovens, para dizer a verdade, apenas tive um relacionamento muito breve com ela e quando mudei de cidade não sabia que estava grávida. Por isso nunca te procurei. Minha mãe havia falecido e meu pai resolveu mudar de cidade. – Continuou. - Amava sua mãe e por isso nunca me casei. Só fiquei sabendo que você existia através da dona Emile que apareceu na minha cidade e me contou a história toda. - Se não sabia como me registrou como seu filho? - Não registrei, mas se soubesse da sua existência, teria registrado com prazer. - Por isso que minha mãe nunca falou mal de você para mim. - Sua mãe era uma grande mulher, se não fosse tão jovem ao invés de partir ficaria com ela e caso soubesse da sua concepção teria casado com ela, porque foi o meu grande e único amor. Durante o restante da noite tiveram condição

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248 de esclarecer todas as dúvidas que existia. Haviam preparado uma pequena recepção para os participantes e convidados que durou tempo suficiente para chegarem em casa ao raiar do dia.

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Capítulo setenta e cinco MAU PRESSENTIMENTO Dias após da apresentação, William estava pensando no Natal que seria comemorado nos próximos dias e uma ponta de melancolia invadiu seu coração. Estava triste por não ter encontrado seus familiares apesar de todas as tentativas. Pensou, que em breve completariam um ano de amizade do grupo e quantas coisas aconteceram nesse pequeno espaço de tempo. Apalpou o envelope que o acompanhava há algum tempo e que de agora em diante não teria mais serventia. Sem que os outros soubessem, resolveu sair e caminhar para espairecer um pouco. Estava disposto a colocar um ponto final em tudo, deixaria que o destino tomasse seu curso. Oscar foi o primeiro a notar a falta de William. Procurou por todos os lugares, inclusive na garagem, mas não o encontrou. Resolveu informar sobre a ausência aos outros companheiros. - Não encontrei William em lugar algum da casa. Deve ter saído muito cedo. - E onde acha que ele pode ter ido? – Perguntou Jorge. - Fazer compras? – Respondeu Kasuo com uma pergunta. - Não foi fazer compras. Hoje faz um ano que nos conhecemos. – Disse Oscar. - Então precisamos comemorar! – Exclamou

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250 Kasuo sem saber do motivo da preocupação dos outros dois. - Acho que precisamos ir até lá novamente. – Comentou Oscar. – Como vamos atrás dele se ninguém sabe dirigir precisamos de um táxi. Saíram e no caminho colocaram Kasuo e Helena a par do que tinha acontecido com eles. Na rua onde o edifício situava-se não era permitido a entrada de automóveis, por isso, teriam que caminhar por uns quinhentos metros. A quantidade de pessoas por metro quadrado era muito elevada, dificultando a locomoção de qualquer indivíduo, mais ainda, daqueles com necessidades especiais. - Quando for prefeito desta cidade colocarei faixas exclusivas de trânsito para os portadores de necessidades especiais. – Oscar disse em voz alta. Quando conseguiram chegar na portaria do edifício, como sempre, todos acompanharam com olhares e expressões diversas, a comitiva que entrou no saguão. Aproximando-se de um segurança, Oscar pediu ajuda para conseguirem alcançar o terraço na cobertura. - Por que querem ir ao terraço? - Como o senhor pode ver não há aqui ninguém que consiga levar meu amigo com a cadeira e eu gostaria de mostrar-lhe a vista que se pode ter da cidade. – Respondeu ao segurança. - Infelizmente não posso sair daqui agora, mas acho que o rapaz da limpeza poderá ajudar-te.

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Ao encontrar com o rapaz incumbido de levá-los, Oscar não pôde deixar de fazer seu comentário. - Acredito que além de você, Jorge, ele poderá levar todos nós no colo. Ele parece um guarda-roupa. Tem certeza de que ele não é segurança? Todos riram inclusive o rapaz.

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252 Capítulo setenta e seis O FIM? Ao descer do elevador, vários pensamentos e lembranças passaram por sua mente e ao abrir a porta corta-fogo que dava acesso ao terraço, não teve como não se surpreender. Foi recebido com uma calorosa patada no peito e uma tremenda lambida no rosto. - Romeu? O que vocês estão fazendo aqui? - Viemos a sua procura. – Informou Jorge. - Por que? - Para comemorarmos juntos. – Respondeu o outro. - E você por que veio aqui? - Não pensei em vir, apenas vim. – Disse William. – Estava querendo desfazer-me de algo e achei que aqui seria um ótimo lugar. - Será que podemos saber do que se trata? – Oscar perguntou desconfiado, pois temia que o amigo, mesmo apesar dos acontecimentos estaria infeliz. Sem muito rodeio William contou. - Há pouco mais de um ano fiz um seguro e coloquei minha esposa e meus filhos como beneficiários, caso acontecesse algo comigo eles estariam amparados. Enviei a apólice via correio para o endereço que possuía na época. Minha sorte foi ter enviado em carta registrada, como não localizaram o destinatário, ela retornou para mim e desde então venho procurando por eles, mas não os encontrei. - O que pretende fazer agora? – Quis saber Kasuo. - Vim aqui apenas me desfazer desta carta no

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local onde tudo começou. - Falou enquanto rasgava o envelope e tudo o que estava dentro. Deu um beijo nos papéis picados e jogou para o alto, o vento se incumbiu de espalhá-los, caindo sobre as pessoas que passavam pela calçada do edifício. Mal conseguiu se desfazer da correspondência todos cercaram-no e o abraçaram cantando Parabéns a Você. Oscar, como sempre, não deixou passar em branco. - Que tal brindarmos com um champanhe? - Só falta o champanhe. – Responderam. Fazendo um pouco de charme ao retirar uma garrafa da mochila que carregava. - Já não falta mais. – Sorriu. - Mas ela está quente. – Reclamaram todos. - Me desculpem, mas eu não sou perfeito! O grupo ficou rindo enquanto tomavam a bebida quente. Após alguns momentos de recordações resolveram partir. - Bem senhores aqui nossos caminhos tomam direções diferentes. – Disse William ao chegarem na rua. Aproximando-se de Kasuo, abraçou-o com carinho. - Quero agradecer por tudo que fez por mim, jamais te esquecerei e quero que saiba que sinto muito orgulho de ser teu amigo. Virando deu um beijo na testa de Helena, inclinou-se e fez o mesmo com Jorge. - Te cuida. Quero ser convidado para o casamento.

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254 - Para onde pensa que vai? – Perguntou Oscar sem perceber o que estava ocorrendo. - Preciso ir atrás do meu destino, saber dos meus, daqueles que um dia abandonei. Sinto que minha história não teria um final sem procurá-los. Sinto-me agora um vencedor, de alguma forma, vocês conseguiram mostrar que ainda sou capaz. Eu preciso mostrar esse novo homem para minha esposa e meus filhos. - E a banda como fará sem o nosso violinista? – Disse tentando não chorar. - Você poderá substituir-me perfeitamente Oscar, afinal você é um excelente músico. - Você sabe que não é disso que falo. - Também sentirei saudades, mas preciso resolver esse assunto que me coroe a cada dia. - O que vai fazer enquanto não os encontra? - Descobrirei talentos. – Brincou. – Não descobri vocês? William aproximou-se de Oscar e ao abraçá-lo não conseguiu segurar a emoção e chorou copiosamente, tinha-o como um filho. Nesse abraço cada um demonstrou o amor, a admiração e a amizade que os unia. Quase sem conseguir falar Oscar esforçou-se para dizer o quanto amava o amigo. - Não sei por que amamos, por que temos sentimentos. Será que precisamos sempre sofrer por alguém que parte, por algo que perdemos? Entre um soluço e outro enquanto enxugava as lágrimas que caiam, continuou. - Por que sempre procuramos conquistar a nossa meta, nosso objetivo, se eles são o final

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de algo que tanto desejávamos. O alpinista não vê a hora de chegar no topo da montanha e quando conquista o que acontece? Queremos conquistar o mundo, mas nos esquecemos de pensar no que fazer depois da conquista. O problema não é conseguir, mas o que fazer depois. - A vida é feita de idas e vindas, chegadas e partidas, ganhos e perdas de sim e não. – William tentou consolá-lo. - Muitas vezes, sequer temos tempo de entender o que está acontecendo e de uma hora para outra tudo se modifica drasticamente. O que era felicidade transforma-se em tristeza e vice-versa. - Não quero que pense que o final seja algo ruim. Pense no final, como um novo começo. Como o final do dia ensolarado, no começo de uma noite estrelada e o contrário também é verdadeiro. – Disse William antes de seguir seu caminho. A certa distância ouviu. - Então esses dias ensolarados que passamos juntos vão transformar-se numa linda noite de luar. Sem olhar para traz e demonstrar sua tristeza partiu enquanto o Sol se punha no horizonte.

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256 EM ALGUM MOMENTO DE NOSSAS VIDAS, TEMOS QUE NOS TRANSFORMAR. ENTÃO, DESEJO-LHE, QUE DE LAGARTA VOCÊ SE TRANSFORME EM UMA LINDA BORBOLETA”.